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Poesia
Antero de Quental Cesário Verde
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Camilo Pessanha António Nobre

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Literatura Portuguesa II
Escola Eb2,3/S do Cerco
11ºC

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Literatura Portuguesa II Antero de Quental
Cesário Verde
Escola Eb2,3/S do Cerco Camilo Pessanha
António Nobre

O ALBATROZ

Às vezes, por prazer, os homens da equipagem


Pegam um albatroz, imensa ave dos mares,
Que acompanha, indolente parceiro de viagem,
O navio a singrar por glaucos patamares.

Tão logo o estendem sobre as tábuas do convés,


O monarca do azul, canhestro e envergonhado,
Deixa pender, qual par de remos junto aos pés,
As asas em que fulge um branco imaculado.

Antes tão belo, como é feio na desgraça


Esse viajante agora flácido e acanhado!
Um, com cachimbo, lhe enche o bico de fumaça,
Outro, a coxear, imita o enfermo outrora alado!

O Poeta se compara ao príncipe da altura


Que enfrenta os vendavais e ri da seta no ar;
Exilado ao chão, em meio à turba obscura,
As asas de gigante impedem-no de andar.

Baudelaire

(1821 – 1867)

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Literatura Portuguesa II Antero de Quental
Cesário Verde
Escola Eb2,3/S do Cerco Camilo Pessanha
António Nobre

ANTERO DE QUENTAL

Antero Tarquínio de Quental (Ponta Delgada, Ilha de São Miguel, Açores, 18 de


Abril de 1842 — 11 de Setembro de 1891) é um escritor e poeta Portugal que teve
um papel importante no movimento da Geração de 70.

Durante a sua vida, Antero de Quental dedicou-se à poesia, à filosofia e à política.


Iniciou seus estudos na cidade natal, mudando para Coimbra aos 16 anos, ali
estudando Direito e manifestando suas ideias socialistas.

Em 1861, publicou seus primeiros sonetos. Quatro anos depois, publicou as Odes
Modernas, influenciadas pelo socialismo de Proudhon, enaltecendo a revolução.
Nesse mesmo ano iniciou a Questão Coimbrã, em que Antero e outros poetas
foram atacados por Feliciano de Castilho, por instigarem a revolução intelectual.
Ainda em 1866 foi viver em Lisboa, onde experimentou a vida de operário,
trabalhando como tipógrafo, profissão que exerceu também em Paris, entre Janeiro
e Fevereiro de 1867. Em 1868 regressou a Lisboa, onde formou o Cenáculo, de que fizeram parte, entre outros, Eça
de Queirós, Guerra Junqueiro e Ramalho Ortigão. Em Junho de 1891, regressa a Ponta Delgada, acabando por
suicidar-se dia 11 de Setembro de 1891, com um tiro na cabeça, disparado num banco de jardim.

A obra de Antero de Quental apresenta três dimensões:

- a SOCIAL - em que analisa a sociedade, procura encontrar as causas da sua decadência e propõe soluções
baseadas no socialismo utópico de Proudhon;

- a FILOSÓFICA - sob influência predominante de Hegel para quem a ideia é o objectivo último a atingir:

- a POÉTICA que versa: o Amor e a Razão, fontes da harmonia no indivíduo e na sociedade; a noite, o sonho e
a morte, o pessimismo do regresso ao nada.

Os temas fundamentais da sua poesia são Deus, o Amor, a Justiça, a Fraternidade, a Morte, a Solidão e o
Nada.

Na obra poética de Antero há a presença de um só tipo de interrogação, que não chega a ser
filosófica, mas simplesmente teórica, aquela que corresponde à colocação directa, imediata de
determinadas questões: uma interrogação dirigida ao particular, a do eixo horizontal (relação
EU/MUNDO) e uma interrogação sobre o mundo em geral, a do eixo vertical (relação
EU/DEUS), interrogação cuja característica é manifestar-se mas não produzir-se a si mesma.

Na relação EU/MUNDO o poeta interroga o mundo, apoiado em filósofos do seu tempo. É um


mundo novo que Antero quer ver surgir, sendo a "Poesia a voz da Revolução". É o ideal de
amor, de justiça e de fraternidade que prega sem cessar.

Na relação EU/DEUS o poeta procura interpretar Deus de forma racionalista, afirmando a


superioridade da razão humana.

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Literatura Portuguesa II Antero de Quental
Cesário Verde
Escola Eb2,3/S do Cerco Camilo Pessanha
António Nobre

A Questão Coimbrã

Polémica provocada por uma carta posfácio anexada à obra de Pinheiro Chagas – Poema da Mocidade -
por Feliciano Castilho, à qual Antero de Quental responde com uma outra carta intitulada do Bom Senso e do Bom
Gosto. A resposta de Antero não é a voz pessoal, é a voz do grupo. Esta polémica aparentemente literária, acabou
por secundarizar os motivos literários, para realçar motivos mais propriamente ideológicos, morais e culturais.
Antero critica aqueles que adoram a palavra e desprezam a ideia; os apóstolos do dicionário; os que imitam, em vez
de inventar. Assina: «Nem admirador, nem respeitador.»

1. Verifique se está de acordo com António


O PALÁCIO DA VENTURA Sérgio, que considera este soneto, quanto à
estrutura lógica, como uma lógica, com uma
Sonho que sou um cavaleiro andante. tragédia em quatro actos:
Por desertos, por sóis, por noite escura, - o entusiasmo do primeiro arranco (1ª quadra);
Paladino do amor, busco anelante - o desalento do insucesso (vv. 5 e 6);
- o renascimento da esperança (vv. 7-12)
O palácio encantado da Ventura! - a decepção final (vv. 13 e 14)

Mas já desmaio, exausto e vacilante,


Quebrada a espada já, rota a armadura... 2. Este soneto é claramente narrativo. O poeta
E eis que súbito o avisto, fulgurante não narra propriamente um sonho; é ele
que cria a situação onírica: «Sonho que
Na sua pompa e aérea formosura! sou um cavaleiro andante.»

Com grandes golpes bato à porta e brado: 2.1. Qual a expressividade do uso do
Eu sou o Vagabundo, o Deserdado... presente verbal ao longo do poema?
Abri-vos, portas de ouro, ante meus ais! 2.2. Estando todo o texto construído no
presente, como sentimos a progressão
dessa narrativa, isto é, como nos
Abrem-se as portas d' ouro, com fragor... damos conta do antes e do depois?
Mas dentro encontro só, cheio de dor,
Silêncio e escuridão - e nada mais!

3. O cavaleiro andante é um sujeito em movimento, é a personagem que se move de um lado para o outro,
percorrendo o espaço físico e psicológico.

3.1 Mostre que o v. 2 exprime, não apenas o espaço, mas também o tempo.
3.2 Qual a palavra que, no v. 2, lhe parece exprimir metaforicamente, com mais precisão, o espaço
psicológico?

4. Qual o verso da primeira quadra que traduz a competência do cavaleiro para a procura da Ventura?

5. O encontro com do palácio da ventura acaba por ser uma decepção.


5.1 Em que consiste essa decepção?
5.2 Qual o verso que, na segunda quadra, anuncia já essa decepção final?
5.3 Explique o sentido desse verso no contexto da narrativa. Note o paralelismo sintáctico existente
entre esse verso e o que traduz a decepção final («Mas já (…) Ms dentro (…)» Este paralelismo
sintáctico poderá obedecer a alguma intenção semântica?

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Literatura Portuguesa II Antero de Quental
Cesário Verde
Escola Eb2,3/S do Cerco Camilo Pessanha
António Nobre

NOX EVOLUÇÃO

Noite, vão para ti meus pensamentos, Fui rocha, em tempo, e fui, no mundo antigo,
Quando olho e vejo, à luz cruel do dia, Tronco ou ramo na incógnita floresta...
Tanto estéril lutar, tanta agonia, Onda, espumei, quebrando-me na aresta
E inúteis tantos ásperos tormentos... Do granito, antiquíssimo inimigo...

Tu, ao menos, abafas os lamentos, Rugi, fera talvez, buscando abrigo


Que se exalam da trágica enxovia... Na caverna que ensombra urze e giesta;
O eterno Mal, que ruge e desvaria, Ou, monstro primitivo, ergui a testa
Em ti descansa e esquece alguns momentos... No limoso paul, glauco pascigo...

Oh! antes tu também adormecesses Hoje sou homem - e na sombra enorme


Por uma vez, e eterna, inalterável, Vejo, a meus pés, a escada multiforme,
Caindo sobre o Mundo, te esquecesses, Que desce, em espirais, na imensidade...

E ele, o Mundo, sem mais lutar nem ver, Interrogo o infinito e às vezes choro...
Dormisse no teu seio inviolável, Mas, estendendo as mãos no vácuo, adoro
Noite sem termo, noite do Não-ser! E aspiro unicamente à liberdade.

HINO À RAZÃO

Razão, irmã do Amor e da Justiça,


Mais uma vez escuta a minha prece,
É a voz dum coração que te apetece,
Duma alma livre, só a ti submissa.

Por ti é que a poeira movediça


De astros e sóis e mundos permanece;
E é por ti que a virtude prevalece,
E a flor do heroísmo medra e viça.

Por ti, na arena trágica, as nações


Buscam a liberdade, entre clarões,
E os que olham o futuro e cismam, mudos,

Por ti, podem sofrer e não se abatem,


Mãe de filhos robustos, que combatem
Tendo o teu nome escrito em seus escudos!

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Literatura Portuguesa 11º ano
Antero de Quental, Cesário Verde, Camilo Pessanha e António Nobre

1. «Aquela» refere-se a uma mulher ideal que o poeta


IDEAL caracteriza. Essa caracterização é feita pela
afirmativa (uma visão, um ideal, uma nuvem, um
Aquela que eu adoro não é feita sonho) e pela negativa (não é «feita / de lérios» e «
De lírios nem de rosas purpurinas, rosas purpurinas», «Vénus, «Circe», «Amazona»).
Não tem as formas lânguidas, divinas,
Da antiga Vénus de cintura estreita... a. Que tipo de mulher nos é dado pela
caracterização negativa? E pela positiva?
Não é a Circe, cuja mão suspeita Justifique.
Compõe filtros mortais entre ruínas, b. Nenhum destes tipos de mulher se enquadra
Nem a Amazonas, que se agarra às crinas dentro da sensibilidade realista. Qual deles
Dum corcel e combate satisfeita... representa o ideal clássico de mulher e qual deles
o ideal romântico?
A mim mesmo pergunto, e não atino
Com o nome que dê a essa visão,
Que ora amostra ora esconde o meu destino... 2. O título do soneto, Ideal, para qual desses dois tipos
de mulher aponta? Baseando-se no texto, demonstre
É como uma miragem que entrevejo, que é esse o tipo que o poeta adora.
Ideal, que nasceu na solidão,
Nuvem, sonho impalpável do Desejo...
3. Compreende-se facilmente que, estruturalmente, o
texto se divide em duas partes, que correspondem à
sua caracterização de cada um dos tipos de mulher.
Delimite cada uma das partes e redija, por suas
palavras, o conteúdo de cada uma delas.

A UM POETA 1. Este poema constitui uma clara incitação à


revolta violenta. A que tipo de pessoas é
Surge et ambula! dirigida a mensagem?
Tu que dormes, espírito sereno,
Posto à sombra dos cedros seculares, 2. Indique a principal função de linguagem que
Como um levita à sombra dos altares, o poeta utiliza para incitar á revolta?
Longe da luta e do fragor terreno, (comprove com dados do texto.)

Acorda! é tempo! O sol, já alto e pleno, 3. 0 «eu» lírico aponta alguma razão concreta
Afugentou as larvas tumulares... para se fazer a revolução? E abstracta?
Para surgir do seio desses mares, (confirme com dados do texto).
Um mundo novo espera só um aceno...

Escuta! é a grande voz das multidões! 4. Mude o segundo terceto do poema para o
São teus irmãos, que se erguem! são discurso indirecto, começando assim: O
canções... «eu» lírico pediu ao soldado do futuro
Mas de guerra... e são vozes de rebate! que….. (continue)
Ergue-te, pois, soldado do Futuro,
E dos raios de luz do sonho puro,
Sonhador, faz espada de combate!

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Literatura Portuguesa 11º ano
Antero de Quental, Cesário Verde, Camilo Pessanha e António Nobre

Na mão de Deus, na sua mão direita,


Descansou afinal meu coração.
Do palácio encantado da Ilusão
Desci a passo e passo a escada estreita.

Como as flores mortais, com que se


enfeita
A ignorância infantil, despojo vão,
Depus do Ideal e da Paixão
A forma transitória e imperfeita.

Como criança. em lôbrega jornada,


Que a mãe leva ao colo agasalhada
E atravessa, sorrindo vagamente,

Selvas, mares, areias do deserto...


Dorme o teu sono, coração liberto,
Dorme na não de Deus eternamente!

Intertextualidade
Reabro as portas do poema, portas de ouro
Da estrofe, e entro num chão de terra negra,
Pisando a cinza de quem ali viveu.

Tu, Camões, com a lenta memória de amigas


E madrugadas, levantas-te de um sepulcro
De rimas e mágoas, com as mãos cansadas.

E tu, Garrett, suando o ócio de amores e


Desamores, já não corres pelos campos
Onde viveste para nunca mais.

Mesmo tu, Antero, cujo tédio se estende


Pelas paredes onde jazem Cristos estéreis,
Perdeste o impulso da oração.

Puxo-vos para dentro das palavras. E ouço


O murmúrio que escorre dos lábios,
Como um salmo que o poema repete.

Nuno Júdice

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Literatura Portuguesa 11º ano
Antero de Quental, Cesário Verde, Camilo Pessanha e António Nobre

CESÁRIO VERDE
Cesário Verde teve uma vida bastante simples, tão simples, que os
actos sociais da sua vida são de pouco interesse. De nome completo José
Joaquim Cesário Verde, nasceu na capital, a 25 de Fevereiro de 1855, na
freguesia da Madalena, onde foi baptizado a 2 de Junho desse mesmo ano.
Foi o segundo filho de José Anastácio Verde e Maria da Piedade dos
Santos, e trineto de um emigrante genovês em Lisboa, Giovanni Maria
Verde.
Em 1856 nasceu sua irmã, Adelaide Eugénia, e no ano seguinte,
devido a uma epidemia de peste em Lisboa, a família refugiou-se numa
quinta em Linda-a-Pastora. Aí vive a sua infância.
Pode-se dizer que a infância deste poeta lhe foi
extraordinariamente marcante, pelo que manteve durante toda a vida uma
íntima e profunda lembrança daqueles tempos em que viveu na companhia
constante da natureza e do campo. Na realidade, acompanhando a
exploração agrícola que seu pai fazia na quinta, Cesário teve como que uma educação positivista e realista, e ao
acompanhar as gentes da aldeia, desenvolve um espírito observador e atento dos pormenores do meio ambiente.
Em Janeiro de 1872 e ainda com apenas dezasseis anos, Cesário Verde começou a trabalhar numa loja de
ferragens e quinquilharias que seu pai tinha em Lisboa na Rua dos Fanqueiros.
Em 1874, e apesar de reduzida e dispersa, a sua obra tinha já provocado escândalo, e dois intelectuais de
prestígio e identificados com as ideologias progressivas da época- Ramalho Ortigão e Teófilo Braga- acolheram severa
e sarcasticamente poema "Esplêndida", publicado n'O Diário de Notícias. Estes dois poetas chegaram, inclusivamente, a
aconselhar o poeta a tornar-se "menos Verde e mais Cesário".Essa incompreensão dos seus contemporâneos e amigos
(de quem esperava novos estímulos e incentivos) desanimou-o bastante tendo-lhe amargurado a vida, pelo que se
ressentiu, assim como toda a sua actividade poética. Em virtude desta situação, a publicação de um livro que aparecia
anunciado "para breve" foi adiada. O motivo maior de tal crítica tratou-se da sua ousadia e inovação anti-românticas
portadoras de uma nova estética real e naturalista que chocava os mais conservadores; mas a esses e a toda a classe
literária chocava igualmente a sua condição social de trabalhador numa loja de ferragens, e não entendiam a existência
de um poeta agricultor...
A sua saúde em declínio faz com que ele tenha procurado no campo as forças e a vitalidade perdida, e
identificou-se com os trabalhadores da quinta, realçando a majestade do esforço físico que já não tinha. Na Primavera
de 1886, muda-se para Caneças, gravemente doente. No Verão, transfere-se para o Paço do Lumiar, onde veio a falecer,
vítima de tuberculose, em 19 de Julho; contava então com apenas trinta e um jovens anos.

Múltiplos olhares sobre a obra de Cesário Verde

«O universo de Cesário não é um universo pensado, crítico, à maneira de Eça (...), é um mundo sentido, palpado e ao
mesmo tempo transcendido pelo sonho, que é desejo de um lugar outro, de uma humanidade outra que inconscientemente
o conforta na sua admiração pela força, pela saúde e energia que a memória e o sangue lhe denegam.» Eduardo Lourenço

«Poeta do imediato, Cesário é também um poeta da memória...» (colectiva em «O Sentimento dum Ocidental», pessoal em
«Nós») Jacinto do Prado Coelho

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Literatura Portuguesa 11º ano
Antero de Quental, Cesário Verde, Camilo Pessanha e António Nobre

DE TARDE

Naquele piquenique de burguesas


Houve uma coisa simplesmente bela
E que, sem ter história nem grandezas,
Em todo o caso dava uma aguarela.

Foi quando tu, descendo do burrico,


Foste colher, sem imposturas tolas,
A um granzoal azul de grão-de-bico
Um ramalhete rubro de papoulas.

Pouco depois, em cima duns penhascos,


Nós acampámos, inda o Sol se via;
E houve talhadas de melão, damascos,
1 Monet, Déjeuner sur l'Herbe,1862-63
E pão-de-ló molhado em malvasia.

Mas, todo púrpuro, a sair da renda


Dos teus seios como duas rolas,
Era o supremo encanto da merenda
O ramalhete rubro das papoulas!

Intertextualidade
homenagem a cesário verde

aos pés do burro que olhava para o mar


depois do bolo-rei comeram-se sardinhas
com as sardinhas um pouco de goiabada
e depois do pudim, para um último cigarro
um feijão branco em sangue e rolas cozidas
2 Déjeuner sur l'Herbe Picasso
pouco depois cada qual procurou
com cada um o poente que convinha.
chegou a noite e foram todos para casa ler cesário verde
que ainda há passeios ainda há poetas cá no país!

Mário Cesariny

Cesariny parodia com Cesário Verde e, inspirando-se no poema «De Tarde», cria um poema intitulado «homenagem a
cesário verde». Mais uma vez o título surge-nos como uma indicação de paródia, uma vez que a dita homenagem é
grafada em minúsculas, sugerindo logo à partida uma caricatura, tanto do poeta como da sua obra. Na versão de Cesariny,
parodia-se com os alimentos, pois a fruta é trocada por «sardinhas», «pudim», «bolo-rei», «goiabada», «feijão branco em
sangue» e «rolas cosidas». O alimento saudável que simboliza a frescura e a vida salutar do campo é substituído por uma
gastronomia “pantagruélica” e pela alusão ao vício (referência aos “cigarros”), consumida pelos citadinos. Além deste
aspecto, a paródia incide também sobre o sentimento e a sensibilidade/sensualidade de Cesário. O animal a que se
compara os seios da mulher (a “rola”) não passa para o poema de Cesariny no sentido metafórico, mas sim no sentido
literal, como objecto para saciar a fome. Em Cesariny, a ideia de satisfação do desejo é fulcral, ao passo que em Cesário a
ideia fica-se pela contemplação. Há, neste sentido, uma paródia sobre o topos descritivo do pôr-do-sol e o pretexto da
deambulação através do excessivo em que a aguarela sugerida no poema de Cesário Verde é substituída por uma bem
mais acentuada em termos pictóricos. Também o campo constitui um alvo, dado que é o lugar privilegiado por Cesário,
posteriormente substituído pelo desregramento, representado no poema de Cesariny. Por estas razões é notório que a
homenagem não incide apenas sobre um poema em particular, mas sim sobre O Livro de Cesário Verde, tal como o poeta
faz questão de evidenciar («Chegou a noite e foram todos/ para [casa ler Cesário Verde/ Que ainda há passeios ainda há/
[poetas cá no país!»).

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Antero de Quental, Cesário Verde, Camilo Pessanha e António Nobre

Deslumbramentos

Milady, é perigoso contemplá-la O seu olhar possui, num jogo ardente,


Quando passa aromática e normal, Um arcanjo e um demónio a iluminá-lo;
Com seu tipo tão nobre e tão de sala, Como um florete, fere agudamente,
Com seus gestos de neve e de metal. E afaga como o pêlo dum regalo!

Sem que nisso a desgoste ou desenfade, Pois bem. Conserve o gelo por esposo,
Quantas vezes, senguindo-lhes as passadas, E mostre, se eu beijar-lhe as brancas mãos,
Eu vejo-a, com real solenidade, O modo diplomático e orgulhoso
Ir impondo toilettes complicadas!… Que Ana de Áustria mostrava aos cortesãos.

Em si tudo me atrai como um tesoiro: E enfim prossiga altiva como a Fama,


O seu ar pensativo e senhoril, Sem sorrisos, dramática, cortante;
A sua voz que tem um timbre de oiro Que eu procuro fundir na minha chama
E o seu nevado e lúcido perfil! Seu ermo coração, como a um brilhante.

Ah! Como me estonteia e me fascina… Mas cuidado, milady, não se afoite,


E é, na graça distinta do seu porte, Que hão-de acabar os bárbaros reais;
Como a Moda supérflua e feminina, E os povos humilhados, pela noite,
E tão alta e serena como a Morte!… Para a vingança aguçam os punhais.

Eu ontem encontrei-a, quando vinha, E um dia, ó flor do Luxo, nas estradas,


Britânica, e fazendo-me assombrar; Sob o cetim do Azul e as andorinhas,
Grande dama fatal, sempre sozinha, Eu hei-de ver errar, alucinadas,
E com firmeza e música no andar! E arrastando farrapos - as rainhas!

1. Analise os traços descritivos da figura feminina de acordo com as ideias de “aristocracia”, de “britanismo” e
“altivez”.

2. Indique a adjectivação para aproximar Milady à “Morte” e à “Moda”


Intertextualidade
3. Comente os efeitos provocados por Milady no sujeito poético, citando
todas as formas verbais comprovativas desse impacto. barbie em diagonal

4. Atente nos versos 21 e 22, da 6ª estrofe: “O seu olhar possui, num jogo sem percorrer os dois lados da praça,
ardente, / Um arcanjo e um demónio a iluminá-lo”. a atravessá-la pela hipotenusa,
de mini-saia curta que esvoaça
a. Refira o conceito de mulher subjacente à imagem usada pelo e mais ao léu com top em vez de blusa,
sujeito poético.
o tornozelo fino a dar-lhe a raça
b. Recorde outros poemas, de outro(s) poeta(s) que conhece, que nervosa e descuidada que produza
apontam para a mesma representação da Mulher como anjo e reflexos do seu corpo na vidraça
demónio. das lojas, dentro e fora, esguia e lusa

no porte de modelo, longas pernas


e cabelos ao vento. mas depressa,
que tão segura vai, se vê do seu

olhar que não atenta nem sequer nas


surpresas de viés quando atravessa:
tudo o que dá foi isto que me deu.

(Vasco Graça Moura, Uma carta no inverno)

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Literatura Portuguesa 11º ano
Antero de Quental, Cesário Verde, Camilo Pessanha e António Nobre

CONTRARIEDADES

Eu hoje estou cruel, frenético, exigente; Me negam as colunas.


Nem posso tolerar os livros mais bizarros.
Incrível! Já fumei três maços de cigarros Receiam que o assinante ingénuo os abandone,
Consecutivamente. Se forem publicar tais coisas, tais autores.
Arte? Não lhes convém, visto que os seus leitores
Dói-me a cabeça. Abafo uns desesperos mudos: Deliram por Zaccone.
Tanta depravação nos usos, nos costumes!
Amo, insensatamente, os ácidos, os gumes Um prosador qualquer desfruta fama honrosa,
E os ângulos agudos. Obtém dinheiro, arranja a sua "coterie";
Ea mim, não há questão que mais me contrarie
Sentei-me à secretária. Ali defronte mora Do que escrever em prosa.
Uma infeliz, sem peito, os dois pulmões doentes;
Sofre de faltas de ar, morreram-lhe os parentes A adulaçãao repugna aos sentimento finos;
E engoma para fora. Eu raramente falo aos nossos literatos,
E apuro-me em lançar originais e exactos,
Pobre esqueleto branco entre as nevadas roupas! Os meus alexandrinos...
Tão lívida! O doutor deixou-a. Mortifica.
Lidando sempre! E deve conta à botica! E a tísica? Fechada, e com o ferro aceso!
Mal ganha para sopas... Ignora que a asfixia a combustão das brasas,
Não foge do estendal que lhe humedece as casas,
O obstáculo estimula, torna-nos perversos; E fina-se ao desprezo!
Agora sinto-me eu cheio de raivas frias,
Por causa dum jornal me rejeitar, há dias, Mantém-se a chá e pão! Antes entrar na cova.
Um folhetim de versos. Esvai-se; e todavia, à tarde, fracamente,
Oiço-a cantarolar uma canção plangente
Que mau humor! Rasguei uma epopeia morta Duma opereta nova!
No fundo da gaveta. O que produz o estudo?
Mais uma redacção, das que elogiam tudo, Perfeitamente. Vou findar sem azedume.
Me tem fechado a porta. Quem sabe se depois, eu rico e noutros climas,
Conseguirei reler essas antigas rimas,
A crítica segundo o método de Taine Impressas em volume?
Ignoram-na. Juntei numa fogueira imensa
Muitíssimos papéis inéditos. A Imprensa Nas letras eu conheço um campo de manobras;
Vale um desdém solene. Emprega-se a "réclame", a intriga, o anúncio, a
"blague",
Com raras excepções, merece-me o epigrama. E esta poesia pede um editor que pague
Deu meia-noite; e a paz pela calçada abaixo, Todas as minhas obras...
Um sol-e-dó. Chovisca. O populacho
Diverte-se na lama. E estou melhor; passou-me a cólera. E a vizinha?
A pobre engomadeira ir-se-á deitar sem ceia?
Eu nunca dediquei poemas às fortunas, Vejo-lhe a luz no quarto. Inda trabalha. É feia...
Mas sim, por deferência, a amigos ou a artistas. Que mundo! Coitadinha!
Independente! Só por isso os jornalistas

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Literatura Portuguesa 11º ano
Antero de Quental, Cesário Verde, Camilo Pessanha e António Nobre
UM BAIRRO MODERNO Achava os tons e as formas. Descobria
Uma cabeça numa melancia,
E nuns repolhos seios injectados.
Dez horas da manhã; os transparentes
Matizam uma casa apalaçada;
Pelos jardins estacam-se as nascentes, As azeitonas, que nos dão o azeite,
E fere a vista, com brancuras quentes, Negras e unidas, entre verdes folhos,
A larga rua macadamizada. São tranças dum belo cabelo que se ajeite;
(.,..) E os nabos - ossos nus, da cor dp leite,
E os cachos de uvas - os rosários de olhos.

E rota, pequenina, azafamada,


Notei de costas uma rapariga, Há colos, ombros, bocas, um semblante
Que no xadrez marmóreo duma escada, Nas posições de certos frutos. E entre
Como um retalho de horta aglomerada, As hortaliças, túmido, fragrante,
Pousara, ajoelhando, a sua giga. Como dalguém que tudo aquilo jante,
Surge um melão, que me lembrou um ventre.

E eu, apesar do sol, examinei-a:


Pôs-se de pé; ressoam-lhe os tamancos; E, como um feto, enfim, que se dilate,
E abre-se-lhe o algodão azul da meia, Vi nos legumes carnes tentadoras,
Se ela se curva, esguedelhada, feia, Sangue na ginja vívida, escarlate,
E pendurando os seus bracinhos brancos. Bons corações pulsando no tomate
E dedos hirtos, rubros, nas cenouras.

Do patamar responde-lhe um criado:


«Se te convém, despacha; não converses. O sol dourava o céu. E a regateira,
Eu não dou mais.» E muito descansado, Como vendera a sua fresca alface
Atira um cobre lívido, oxidado, E dera o ramo de hortelã que cheira,
Que vem bater nas faces duns alperces. Voltando-se, gritou-me, prazenteira:
«Não passa mais ninguém!... Se me
ajudasse?!...»
Subitamente - que visão de artista! -
Se eu transformasse os simples vegetais,
À luz do Sol, o intenso colorista, Eu acerquei-me dela, sem desprezo;
Num ser humano que se mova e exista E, pelas duas asas a quebrar,
Cheio de belas proporções carnais?! Nós levantámos todo aquele peso
Que ao chão de pedra resistia preso,
Com um enorme esforço muscular.
Bóiam aromas, fumos de cozinha;
Com o cabaz às costas, e vergando,
Sobem padeiros, claros de farinha; «Muito obrigada! Deus lhe dê saúde!»
E às portas, uma ou outra campainha E recebi, naquela despedida,
Toca, frenética, de vez em quando. As forças, a alegria, a plenitude,
Que brotam dos excessos de virtude
Ou duma digestão desconhecida.
E eu recompunha, por anatomia, (…)
Um novo corpo orgânico, aos bocados.

1. Este poema deixa-nos a impressão de uma poesia deambulatória.


1.1. Aponte os principais planos que se sucedem no poema, delimitando-os no texto e indicando os seres
que nele se movimentam.

2. Há referências implícitas a duas classes sociais, apresentadas como antítese uma da outra.
2.1. Quais são essas classes sociais e qual a atitude do poeta em relação a cada uma delas?
2.2. Refira-se à importância do criado como elemento de ligação entre os dois mundos.

3. O poeta transfigura o quotidiano numa pintura viva.


3.1. Indique as sensações de que se serve.
3.2. Distinga o objectivo do subjectivo.
3.3. Que simbologia encontra nesta fantasia? Justifique.

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Literatura Portuguesa 11º ano
Antero de Quental, Cesário Verde, Camilo Pessanha e António Nobre

CESÁRIO VERDE

Características temáticas:

• Oposição cidade/campo, sendo a cidade um espaço de morte e o campo um espaço de


vida – valorização do natural em detrimento do artificial. O campo é visto como um
espaço de liberdade, do não isolamento; e a cidade como um espaço castrador, opressor,
símbolo da morte, da humilhação, da doença. A esta oposição associam-se as oposições
belo/feio, claro/escuro, força/fragilidade.
• Oposição passado/presente, em que o passado é visto como um tempo de harmonia
com a natureza, ao contrário de um presente contaminado pelos malefícios da cidade
(ex: «Nós»).
• A questão da inviabilidade do Amor na cidade.
• A humilhação (sentimental, estética, social).
• A preocupação com as injustiças sociais.
• O sentimento anti-burguês.
• O perpétuo fluir do tempo, que só trará esperança para as gerações futuras.
• Presença obsessiva da figura feminina, vista:

→ negativamente, porque contaminada pela civilização urbana

- mulher opressora – mulher nórdica, fria, símbolo da eclosão do desenvolvimento da


cidade como fenómeno urbano, sinédoque da classe social opressora e, por isso, geradora de
um erotismo da humilhação (ex: «Frígida», «Deslumbramentos» e «Esplêndida»), em que se
reconhece a influência de Baudelaire;

→ positivamente, porque relacionada com o campo, com os seus valores salutares

- - mulher anjo – visão angelical, reflexo de uma entidade divina, símbolo de pureza
campestre, com traços de uma beleza angelical, frequentemente com os cabelos loiros,
dotada de uma certa fragilidade («Em Petiz», «Nós», «De Tarde» e «Setentrional») –
também tem um efeito regenerador;

- mulher regeneradora – mulher frágil, pura, natural, simples, representa os valores do


campo na cidade, que regenera o sujeito poético e lhe estimula a imaginação (ex: as figuras
femininas de a «A Débil» e «Num Bairro Moderno»);

- mulher oprimida – tísica, resignada, vítima da opressão social urbana, humilhada, com a
qual o sujeito poético se sente identificado ou por quem nutre compaixão (ex:
«Contrariedades»);

- mulher como sinédoque social – (ex: as «burguesinhas» e as varinas de «O Sentimento


dum Ocidental»

como objecto do estímulo erótico

- mulher objecto – vista enquanto estímulo dos sentidos carnais, sensuais, como
impulso erótico (ex: actriz de «Cristalizações»).

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Antero de Quental, Cesário Verde, Camilo Pessanha e António Nobre
Imagética Feminina

A figura feminina surge fortemente representada na poesia de Cesário associada ao


sentimento da humilhação, uma vez que o poeta coloca-se numa posição subalterna em relação
à mulher.
A mulher é caracterizada como sendo fatal, altiva, esplêndida, atraente, mas fria,
distante e artificial, associada à cidade e à aristocracia. Ainda que assim seja, este tipo de
mulher exerce sobre o poeta um fascínio total, um hipnotismo, que o conduz à humilhação.
Evidencia-se na poesia de Cesário Verde uma influência de Baudelaire, pelo facto de ter
seguido o tema do erotismo citadino da “mulher fatal”, erotismo este que conduz o poeta à
submissão e a uma relação servo-senhora.
Contudo, o poeta percebe muito depressa as incompatibilidades de vivências, de
sentimentos, de atitudes, ou de preocupações, que, irreversivelmente, o separam da mulher
amada e que, por isso, compromete as suas relações amorosas. De facto, esta disparidade de
atitudes reflecte-se num afastamento progressivo e culmina numa separação que se torna
extremamente necessária. Porém, ainda que o poeta tenha perfeita consciência dessa
necessidade, isso não evita o sofrimento do poeta.
Por outro lado, deparamos com outro tipo de mulher na poesia de Cesário, que se
encontra na cidade, mas surge como mulher-anjo, frágil, simples, terna e vulnerável, associada
com o campo (e com os seus valores), associando, por vezes, a felicidade amorosa passada no
campo.
Em suma, a oposição cidade/ campo subjaz a dois tipos de mulher .

Quadro síntese da mulher citadina:

O poeta Relação existente A figura feminina

servo - superior
submissão - altiva
humilhado (sexual e - frígida
socialmente) - aristocrata
- artificial
superioridade - desumana
vítima da indiferença - sensual/ erótica
da mulher - tipo citadino

A Questão social

A dimensão realista/naturalista reside na visão crítica da sociedade dos finais do século


XIX. Dada a observação atenta e minuciosa da realidade social, analisa e conclui que o povo é o
elemento mais resistente, ainda que alvo de diferenciação social. Por este facto, o poeta
identifica-se com o povo trabalhador e coloca-se do lado dos desfavorecidos, vítimas de
opressão social da cidade, e denuncia as circunstâncias sociais que considera extremamente
injustas.
Os quadros que Cesário pinta permitem-nos obter uma visão das transformações que se
desenvolvem na cidade, nomeadamente ao nível da sociedade burguesa, denotando-se
visivelmente uma supremacia da cidade sobre o mundo campestre.

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Antero de Quental, Cesário Verde, Camilo Pessanha e António Nobre

Binómio cidade/campo

O binómio cidade/campo na poesia de Cesário entende-se como resultado da sua vida


ora citadina- Lisboa-, ora campestre- Linda-a-Pastora.
A sua poesia organiza-se em volta desta dicotomia, reflectindo as transformações da
sociedade portuguesa da sua época.
A deambulação pela cidade permite o contacto com a realidade exterior e confirma-se
como um pretexto e uma necessidade para a criação artística. A cidade surge, assim, como o
lugar da inspiração e da criação, mas também, contraditoriamente, como um espaço de
opressão, de desconforto, perverso. Aí a cidade torna-se o lugar da alucinação, do pesadelo em
que o poeta se encontra inserido.
Portanto, isto leva-nos a concluir que a sensação de liberdade que a deambulação, em
princípio, permitiria, esbarra assim com os limites de uma cidade estreita, que o deprime e
sufoca (e de onde todos fogem), conduzindo-o a refugiar-se no campo, local puro e são. Mundo
campestre que passará, deste modo, e por consequência, a ser motivo de composições poéticas.

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POESIA SIMBOLISTA

Na messe, que enlourece, estremece a quermesse...


O sol, o celestial girassol, esmorece...
E as cantilenas de serenos sons amenos
Fogem fluidas, fluindo à fina flor dos fenos...
Embora Eugénio de Castro seja o
As estrelas em seus halos introdutor do Simbolismo, com Oaristos
Brilham com brilhos sinistros... (1890), o poeta mais importante do
Cornamusas e crotalos, Simbolismo, sinónimo de clima de
Cítolas, cítaras, sistros, inquietação e incompletude da atmosfera
Soam suaves, sonolentos, finissecular, que produz correntes de
Sonolentos e suaves, pensamento de componente idealista é
Em suaves, Camilo Pessanha.
Suaves, lentos lamentos
De acentos
Graves,
Suaves.
[…]
Eugénio de Castro

Características:

- revivescência do gosto romântico do vago, do nebuloso, do impalpável;


- amor pela paisagem esfumada e melancólica, outoniça ou crepuscular;
- visão pessimista da existência, cuja efemeridade é dolorosamente sentida;
- temática do tédio e da desilusão;
- distanciamento do Real,
- egotismo aristocrático, e subtil análise de cambiantes sensoriais e afectivos;
- repúdio do lirismo de confissão directa, ao modo romântico, expansivo e oratório, e preferência pela
sugestão indecisa de estados de alma abstraídos do contexto biográfico.

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Antero de Quental, Cesário Verde, Camilo Pessanha e António Nobre

Camilo Pessanha (Coimbra, 7 de Setembro de 1867 — Macau, 1 de Março de 1926) foi o expoente
máximo do Simbolismo em Portugal.

Tirou o curso de Direito em Coimbra. Em 1894, transferiu-se para Macau, onde, durante três
anos, foi professor de Filosofia Elementar no Liceu de Macau, deixando de leccionar por ter
sido nomeado em 1900 conservador do registro predial em Macau e depois juiz de comarca.
Entre 1894 e 1915 voltou a Portugal algumas vezes, para tratamento de saúde, tendo, numa
delas sido apresentado a Fernando Pessoa que era, como Mário de Sá-Carneiro, grande
apreciador da sua poesia.
Publicou poemas em várias revistas e jornais, mas seu único livro Clepsidra (1920), foi
publicado sem a sua participação (pois se encontrava em Macau) por Ana de Castro Osório, a
partir de autógrafos e recortes de jornais. Graças a essa iniciativa, os versos de Pessanha se
salvaram do esquecimento. Posteriormente, o filho de Ana de Castro Osório, João de Castro
Osório, ampliou a Clepsidra original, acrescentando-lhe poemas que foram encontrados. Essas
edições saíram em 1945, 1954 e 1969. Apesar da pequena dimensão da sua obra, é considerado
um dos poetas mais importantes da língua portuguesa.
Camilo Pessanha morreu no 1 de Março de 1926 em Macau.

«De la musique avant toute chose», Verlaine

Fernando Pessoa nutria uma enorme admiração por Camilo Pessanha como comprova
este fragmento de carta dirigida ao autor da Clepsidra:

«decerto que Vossa Exª de mim não se recorda. Duas vezes apenas falamos, no "suiço",
e fui apresentado a V. Exª pelo General Henrique Rosa. Logo da primeira vez que nos
vimos fez-me V. Exª a honra, e deu-me o prazer, de me recitar alguns poemas seus.
Guardo dessa hora espiritualizada uma religiosa recordação. Obtive, depois, pelo
Carlos Amaro, cópias de alguns desses poemas. Hoje, sei-os de cor, aqueles cujas
cópias tenho e eles são para mim fonte contínua de exaltação estética». in Páginas de
Estética e de Teoria Literária, pg. 338.

INSCRIÇÃO

Eu vi a luz num país perdido.


A minha alma é lânguida e inerme.
Ó! Quem pudesse deslizar sem ruído!
No chão sumir-se, como faz um verme..

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Antero de Quental, Cesário Verde, Camilo Pessanha e António Nobre

Singra o navio. Sob a água clara


Vê-se o fundo do mar, de areia fina...
- Impecável figura peregrina,
A distância sem fim que nos separa!

Seixinhos da mais alva porcelana,


Conchinhas tenuemente cor de rosa,
Na fria transparência luminosa
Repousam, fundos, sob a água plana.

E a vista sonda, reconstrui, compara.


Tantos naufrágios, perdições, destroços!
- Ó fúlgida visão, linda mentira!

Róseas unhinhas que a maré partira...


Dentinhos que o vaivém desengastara...
Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos...

VIOLONCELO Chanson d'automne

Chorai arcadas Les sanglots longs


Do violoncelo! Des violons
Convulsionadas, De l'automne
Pontes aladas Blessent mon coeur
De pesadelo... D'une langueur
Monotone.
De que esvoaçam,
Brancos, os arcos... Tout suffocant
Por baixo passam, Et blême, quand
Se despedaçam, Sonne l'heure,
No rio, os barcos. Je me souviens
Des jours anciens
Fundas, soluçam Et je pleure
Caudais de choro...
Que ruínas (ouçam)! Et je m'en vais
Se se debruçam, Au vent mauvais
Que sorvedouro!... Qui m'emporte
Deçà, delà,
Trémulos astros... Pareil à la
Soidões lacustres... Feuille morte.
Lemos e mastros...
E os alabastros Paul VERLAINE
Dos balaústres! (1844-1896)

Urnas quebradas!
Blocos de gelo...
Chorai arcadas,
Despedaçadas,
Do violoncelo.

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A música do violoncelo provoca um estado de alma ansioso, um sentimento de misteriosa


tristeza. Mas este sentimento não é dado directamente; é apenas sugerido por uma série de imagens e
associações. O sujeito lírico não nos afirma que fica triste, ansioso, inquieto, ao ouvir o violoncelo.
Mas logo a apóstrofe "chorai arcadas" nos revela o carácter triste da música. O poema assenta, pois,
numa intuição associativa que liga o som grave do violoncelo ao sentimento de dor e de
mistério. "Arcadas" designa a corrida do arco sobre as cordas e evoca também o sentido de arcarias.
"Arcadas", por associação trouxe à imagem "pontes" que também são "arcadas". A música evoca,
pois, no seu gemer contínuo, um curso de água. A ligação ondulante dos versos das duas primeiras
estâncias evocam formalmente um curso de água. Os adjectivos "convulsionadas" e "aladas" vêm dar
a "pontes" a sugestão do arco que voa e provoca o vibrar das cordas. "De pesadelo" vem acentuar o
movimento febril e ansioso que já tinham começado a esboçar os adjectivos "convulsionadas"e
"aladas".
Na 2ª. estância, já se fala dos "arcos" das "pontes". Note-se a analogia e contínua associação
de palavras e conceitos: tal como o arco sobre as cordas, também as pontes são "aladas" e os seus
arcos "esvoaçam", até que a sensação do rio corrente nos aparece mais clara: "Por baixo passam, /Se
despedaçam, /No rio, os barcos."
Acentua-se agora mais a impressão da tristeza. "Chorai arcadas" repete-se, intensificado, em
"fundos soluçam". Não só o sentido do verbo é mais forte e os timbres mais escuros, mas também o
modo do verbo se modificou acentuando agora a realidade presente, avassaladora do som. Há a
impressão de que a noite paira na poesia: já se não vêm arcadas brancas na ponte, nem barcos
passando; ficou apenas o rio agora transformado em caudal. É impossível uma localização fixa no
espaço e no tempo; as correlações e analogias produzem apenas a inexorável sensação do fluir. As
"arcadas" foram primeiro do violoncelo, depois arcos de pontes e agora são de novo o correr do arco
sobre as cordas donde brotam caudais de música triste ("choro").
A poesia carrega-se mais de amargura: "Que ruínas: (ouçam)/Se se debruçam,/Que
sorvedouro". As imagens vão-se alterando ao sabor do movimento do poema: as "pontes
convulsionadas", os "barcos despadaçados", repetem-se noutras imagens, ilustrando melhor a
impressão do estalar do coração na visão das "ruínas". Uma sensação de distância (profundidade)
engrandece a ideia de "caudal" e enquadra-se no sentido profundo de todo o poema. Subitamente, o
movimento parece afrouxar. A frases perdem o verbo (acção) e afigura-se-nos que os arcos deixaram
de correr sobre as cordas, que a música vai desaparecendo…
"Trémulos astros" é uma imagem nova, uma sugestão de luz, que surgiu por contraste com o
tom escuro da estância precedente e com as "solidões lacustres". Agora já não é um caudal que passa,
são lagos que alastram, ermos, escuros… As ruínas arrastadas no caudal vieram dar ao lago escuro:
"lemes e mastros", restos de barcos despedaçados. Dir-se-ia que os violoncelos evocam no nosso
espírito as quilhas, as cordas, os cabos dos navios…
A ideia de ruína intensifica-se ainda. "E os alabastros/Dos balaústres!/Urnas
quebradas/Blocos de gelo…" tudo isto nos sugere a ideia de brancura, de fragmentação de coisas
brancas, a ideia de uma acrópole destruída, E, por cima deste cemitério imenso e solitário, o poeta
gostaria de ouvir uma música apropriada, saída dum instrumento também em ruínas (sempre a
associação!): "Chorai Arcadas,/Despedaçadas,/Do violoncelo".
É preciso entrarmos bem no mundo poético de Pessanha para que os seus poemas não nos
surjam como um desconjuntado de frases absurdas. As imagens constantes, as lúcidas conotações e
associações são o segredo da unidade do poema. Pessanha é extremamente sensível à luminusidade e
ao som, daí as sinestesias frequentes. Os estímulos sensoriais combinam-se, aproveitam-se
mutuamente, para produzirem, neste poema, a impressão de água corrente, das ruínas, dos destroços.
"Fundas, soluçam/Caudais de choro/Que ruína's (ouçam)". Evocam imagens visuais: "fundas",
"caudais", "ruínas"; imagens auditivas: "soluçam", "choro", "ouçam". "Ouçam ruínas" é uma sinestesia
que nos sugere não apenas as ruínas em si mas também o cataclismo que as provocou.

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Literatura Portuguesa 11º ano
Antero de Quental, Cesário Verde, Camilo Pessanha e António Nobre

Il pleut dans mon coeur. Il pleut dans mon coeur


Il pleut dans la ville. Comme il pleut dans la ville
Quelle est cette langueur
Qui pénètre mon coeur? Meus olhos apagados,
O bruit doux de la pluie Vede a água cair.
Par terre et sur les toits! Das beiras dos telhados,
Pour un coeur qui s'ennuie, Cair, sempre cair.
O le chant de la pluie!
Il pleure sans raison Das beiras dos telhados,
Dans ce coeur qui écoeure. Cair, quase morrer...
Quoi? nulle trahison? Meus olhos apagados,
Ce deuil est sans raison. E cansados de ver.
C'est bien la pire peine Meus olhos, afogai-vos
De ne savoir pourquoi Na vã tristeza ambiente.
Sans amour et sans haine, Caí e derramai-vos
Mon coeur a tant de peine! Como a água morrente.

Verlaine Pessanha

O que há de comum entre os dois poemas é sobretudo o motivo da chuva posta em


relação com o estado de alma, e também o carácter musical da expressão, reforçado em Verlaine
pela repetição de palavras (coeur) e de sons em parónimos (pleure / pleut ; coeur / écoeure) e
em Pessanha poela reiteração não só de palavras como de versos inteiros, num deixar e retomar
que pode ser sucessivo (Das beiras dos telhados,/ Cair, sempre cair. / Das beiras dos telhados,
/ Cair, quase morrer...) ou distanciado - há cinco versos de intervalo entre o primeiro verso
«Meus olhos apagados» e o seu aposto, em eco obsessivo, «Meus olhos apagados, / E cansados
de ver». Música dolente e branda.
As diferenças são todavia evidentes - e cheias de significado. Tirando partido da
semelhança entre as formas pleure e pleut, Verlaine explora a afinidade que existe entre os
sentidos respectivos: a imagem implícita da água que cai.
Mais abstracto e sentimental que o de Camilo Pessanha, o seu poema desenvolve-se em torno
dum termo-pivot, pleurer de que decorre a ideia de peine. O poeta sofre tanto mais quanto mais
ignora a causa da sua pena; o ruído da chuva, porém, é doce, é um «canto» que o consola.
No poema de Camilo Pessanha, mais patético na sua concentração, vê-se a chuva que
cai. Os dois primeiros versos (Pessanha utiliza, como Verlaine, versos de seis sílabas
organizados em quadras) encerram três palavras- chave: olhos, apagados e cair; e é o termo cair,
repetido, note-se, quatro vezes, que derivam semanticamente morrer e morrente (Cair, quase
morrer): a imagem da queda sugere a morte.
Em Verlaine, o estado de alma define-se por languidez, tédio, melancolia. Em Pessanha, à
fadiga extrema associa-se a consumpção: o poeta desdobra-se, dirigindo-se aos próprios olhos
personificados, «Olhos apagados,/ e cansados de ver», olhos que não querem ver mais;
convida-os (convida-se) à morte, uma série de imperativos: afogai-vos, caí, derramai-vos. O
adjectivo «vã em tristeza ambiente», deixa transparecer a concepção da vida como desfile de
imagens vazias.

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Literatura Portuguesa 11º ano
Antero de Quental, Cesário Verde, Camilo Pessanha e António Nobre
Imagens que passais pela retina
Dos meus olhos, porque não vos fixais?
Que passais como a água cristalina
Por uma fonte para nunca mais!…

Ou para o lago escuro onde termina


Vosso curso, silente de juncais,
E o vago medo angustioso domina,
- porque ides sem mim, não me levais?

Sem vós o que são os meus olhos abertos?


- O espelho inútil, meus olhos pagãos!
Aridez de sucessivos desertos…

Fica sequer, sombra das minhas mãos,


Flexão casual de meus dedos incertos,
- Estranha sombra em movimentos vãos.

1. Refira o local onde termina o percurso fugaz e transitório das “imagens”.

a. Explique a simbologia desse local.

2. Á fugacidade das “imagens” e à impossibilidade de o “olhar” reter o conhecimento, o eu poético


contrapõe “as mãos”.

a. Explique de que modo podem as mãos e a “flexão casual” dos dedos reter as imagens
que passam.

b. Comente o último verso do soneto, procurando responder à seguinte pergunta: será a


escrita um “movimento vão”?

AO LONGE OS BARCOS DE FLORES

Só, incessante, um som de flauta chora, 1. Identifique os eixos de significação presentes no poema.
Viúva grácil, na escuridão tranqüila,
- Perdida voz que de entre as mais se exila, a. Explique como se entrelaçam, no poema, esses
- Festões de som dissimulando a hora. dois eixos de significação.

Na orgia, ao longe, que em clarões cintila b. Associe o título do poema a um desses eixos de
E os lábios, branca, do carmim desflora... significado.
Só, incessante, um som de flauta chora,
c. Explique o título do poema.
Viúva, grácil, na escuridão tranqüila.
2. Identifique os recursos fónicos, linguísticos e retóricos
E a orquestra? E os beijos? Tudo a noite, fora, que conferem musicalidade ao poema.
Cauta, detém. Só modulada trila
A flauta flébil... Quem há de remi-la? 3. Refira os processos linguísticos e retóricos usados pelo
Quem sabe a dor que sem razão deplora? eu poético para acentuar a magia da faluata.

Só, incessante, um som de flauta chora.... 4. Leia o poema em voz alta, de forma expressiva.

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Antero de Quental, Cesário Verde, Camilo Pessanha e António Nobre

ANTÓNIO NOBRE

António Pereira Nobre (Porto, 16 de Agosto de 1867 — Foz do Douro, 18 de


Março de 1900), mais conhecido como António Nobre, foi um poeta português
cuja obra se insere nas correntes ultra-romântica, simbolista, decadentista e
saudosista (interessada na ressurgência dos valores pátrios) da geração finissecular
do século XIX português. A sua principal obra, Só (Paris, 1892), é marcada pela
lamentação e nostalgia, imbuída de subjectivismo, mas simultaneamente
suavizada pela presença de um fio de auto-ironia e com a rotura com a estrutura
formal do género poético em que se insere, traduzida na utilização do discurso
coloquial e na diversificação estrófica e rítmica dos poemas. Apesar da sua
produção poética mostrar uma clara influência de Almeida Garrett e de Júlio
Dinis, ela insere-se decididamente nos cânones do simbolismo francês. A sua
principal contribuição para o simbolismo lusófono foi a introdução da alternância
entre o vocabulário refinado dos simbolistas e um outro mais coloquial, reflexo da
sua infância junto do povo nortenho. Faleceu com apenas 33 anos de idade, após
uma prolongada luta contra a tuberculose pulmonar.

Intertextualidade
Virgens que passais, ao Sol-poente, Ó virgens que passais ao sol-poente»
Pelas estradas ermas, a cantar! com esses filhos-familia
Eu quero ouvir uma canção ardente, pensai, primeiro, na mobilia,
Que me transporte ao meu perdido lar. que é mais prudente.

Cantai-me, nessa voz omnipotente, Sim, que essa qualidade,


O sol que tomba, aureolando o Mar tão bem reconstituída,
A fartura da seara reluzente, nem sempre, revirgens, há-de
O vinho, a graça, a formosura, o luar! proporcionar-vos a vida

Cantai! Cantai as límpidas cantigas! que levais.


Das ruínas do meu lar desaterrai Se um tolo nunca vem só,
Todas aquelas ilusões antigas qundo não vem, não vem mais
ou vem, digamos, por dó...
Que eu vi morrer num sonho, como um ai....
Ó suaves e frescas raparigas, E o dó dói como um soco,
adormecei-me nessa voz...cantai ! até mesmo quando parte
de um tolo que a vossa arte
promoveu de tolo a louco.

Eu quando digo mobília,


digo lar, digo família
e aquela espiada fresta,
aberta, patente, honesta,

retrato oval da virtude,


consoladora do triste,
remanso, beatitude
para o colérico em riste.

Assim, sim, virgens sensatas!


(Nos telhados só as gatas...)
Pensai antes na mobília,
honestas mães de família,
e aceitai respeitos mil
do vosso
Alexandre O'Neill

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Literatura Portuguesa 11º ano
Antero de Quental, Cesário Verde, Camilo Pessanha e António Nobre

Tombou da haste a flor da minha infância alada, Vou sobre o Oceano (o luar, de doce, enleva!)
Murchou na jarra de oiro o púdico jasmim: Por este mar de Glória, em plena paz.
Voou aos altos Céus a pomba enamorada Terra da Pátria somem-se na treva,
Que dantes estendia as asas sobre mim. Águas de Portugal ficam, atrás.

Julguei que fosse eterna a luz dessa alvorada Onde vou eu? Meu fado onde m
E que era sempre dia, e nunca tinha fim e leva?
Essa visão de luar que vivia encantada, António, onde vais tu, doido rapaz?
Num castelo de prata embutido a marfim! Não sei. Mas o Vapor, quando se eleva,
Lembra o meu coração, na ânsia em que jaz.
Mas, hoje, as pombas de oiro, aves da minha infância,
Que me enchiam de Lua o coração, outrora, Ó Lusitânia que te vais à vela!
Partiram e no Céu evolam-se, a distância! Adeus! que eu parto (rezarei por ela)
Na minha Nau Catrineta, adeus!
Debalde clamo e choro, erguendo aos Céus meus ais:
Voltam na asa do Vento os ais que a alma chora, Paquete, meu Paquete, anda ligeiro,
Elas, porém, Senhor! elas não voltam mais... Sobe depressa à gávea, Marinheiro,
E grita, França! pelo amor de Deus!

Lusitânia no Bairro Latino, 3

Georges! anda ver meu país de romarias


E procissões! Estralejam foguetes e morteiros.
Olha estas mocas, olha estas Marias! Lá vem o Pálio e pegam ao cordão
Caramba! dá-lhes beliscões! Honestos e morenos cavalheiros.
Os corpos delas, vê! são ourivesarias, Altos, tão altos e enfeitados, os andores,
Gula e luxúria dos Manéis! Parecem Torres de David, na amplidão!
Têm orelhas grossas arrecadas,
Nas mãos (com luvas) trinta moedas, em Que linda e asseada vem a Senhora das
anéis, Dores!
Ao pescoço serpentes de cordões, Olha o Mordomo. à frente, o Sr. Conde.
E sobre os seios entre cruzes, como Contempla! Que tristes os Nossos
espadas, Senhores,
Além dos seus, mais trinta corações! Olhos leais fitos no vago... não sei onde!
Vá! Georges, faz-te Manel! viola ao peito, Os anjinhos!
Toca a bailar! Vêm a suar:
Dá-lhes beijos, aperta-as contra o peito. Infantes de três anos, coitadinhos!
Que hão-de gostar! Mãos invisíveis levam-nos de rastros
Tira o chapéu, silêncio! Que eles mal sabem andar.
Passa a procissão […]

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Literatura Portuguesa 11º ano
Antero de Quental, Cesário Verde, Camilo Pessanha e António Nobre

Intertextualidade
Anda, vou-te mostrar a terra
dos teus pais, avós, antepassados *
tão antigos que os podes escolher.
Este aqui é noé, de barba por fazer; Dizem que me junqueiro, que me tolentino
e até que me paulino,
meteu na arca puro e impuro, bem e mal,
que tenho tudo e todos no ouvido
inventou o vinho, homem melhor e não sou nada original.
da sua geração ( não é grande elogio ), Sim senhores, tem visos de verdade!
teve filhos, netos, é de crer que morreu.
Estoutro, não sei bem, era pirata na malásia. […]
Vês as colinas? São tuas, quando
as olhas a direito. Realmente tuas,
parte de um mundo teu. Cesário diz-me muito: gostava de ferramentas,
Sim, isso são filosofias, como eu,
tens razão. ( E tem graça ao ter razão ). e vê-se que para ele o ser feliz
era lançar, originais e exactos, os seus alexandrinos,
Anda daí, vou mostrar-te o colete de forças
empunhar ferramental honesto
onde era costume, sabes, tratar casos assim. cuja eficácia ele sabia que
não vinha da beleza, mas da perfeita
adequação.
António Franco Alexandre Não tem halo, tem elo e o seu encadeado
É o verso habilmente proseado.

(Que feliz eu seria, ó prima, se o Cesário


me tivesse deixado uma garlopa!)
AUTOCRÍTICA António Nobre, embora seja muito em inho,
é o grande Só que somos nós,
Ninguém ma pediu e já não está na moda, por isso gosto dela (ai de mim, coitadinho!)
pelo menos aquela pressurosa contrição
feita com cálculo e unção, aquela hipócrita […]
autoflagelação despudorada,
mas já é tempo (para mim) de deitar contas *
ao verso e ao seu reverso, de mostrar a língua
a esse médico de quem tenho um pouco,
para ver como vai o foro íntimo A poesia é a vida? Pois claro!
e, por consequência, o verso público. Conforme a vida que se tem o verso vem
* - e se a vida é vidinha, já não há poesia
“Nado e criado em Lisboa...” era um começo que resista. O mais é literatura,
não autocrítico, mas autobiográfico. libertinura, pegas no paleio;
Sei muito bem que a biografia o mais é isto: o tolo dum poeta
explica muita coisa (até a azia!) a beber, dia a dia, a bica preta,
mas para quê esquadrinhar os anos convencido de si, do seu recheio...
(joguei berlinde, joguei pião e juro aqui A poesia é a vida? Pois claro!
que nunca o fiz para os americanos!)
Embora custe caro, muito caro,
à cata da raiz, se o que vivi,
para o mal e para o bem, está aqui? E a morte se meta de permeio.
“Nado e criado em Lisboa...” rejeitado *
por excessivamente circunloquial.
(Comecemos sem mais delongas, prima,
ó volta e meia prima pobre, rima,
que a questão é simples: a poesia Alexandre O'Neill
dum tal...)

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