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Em raras situações me senti tão constrangida diante daquele senhor com essa pergunta
que além de essencial a ele era simples para que eu pudesse responder... Senti minha
impotência e insignificância como se uma mão estrangulasse minha garganta e minhas
cordas vocais não existissem, além do minuto que me pareceu eterno minha resposta se
recostou na crença que chamamos desde os primórdios da filosofia como "o ópio do
povo".
Enquanto ouvia procurava imagens dentro daquele abdômen que não me oferecia
nenhuma resistência a visualização, pois os ecos passavam sem qualquer dificuldade
pela fina camada muscular, sem nenhum tecido adiposo. Procurei alcançar as imagens
sem agredir as áreas já tão comprometidas e em seu rim esquerdo a presença do que eu
inconscientemente já sabia que iria encontrar, a imagem bizarra de difícil descrição em
seu pólo inferior.
Refiz o curativo, olhei para o senhor evitando seu olhar que se voltava para mim como
uma faísca de interrogação e que eu não conseguia ampará-los. Desejei sair da sala sem
emitir um som qualquer e agradeci aos deuses não ter que assumir o compromisso de
estar com aquele ser de olhar vívido e belo no pouco tempo que lhe restava.
Ele não se apiedou de mim, acredito que pensam que os médicos são seres especiais,
desprovidos de sentimentos e com capacidade de reverter situações, insistiu com a
pergunta: e aí doutora vou melhorar? Lembrei dos filósofos, do ópio e novamente
agradeci a presença desse ópio que apoiava esse senhor e me permitiu dizer a ele que
claro, afinal ele não estava fazendo a sua parte, com certeza a outra parte seria feita
também.