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Emile Durkheim As Regras do Método Sociolégico Martins Fontes Sdo Paulo 2007 XXXIV AS REGRAS DO METODO SOCIOLOGICO Spencer quase ndo tem outro objeto send mostrar como @ lei da evolugao universal se aplica as sociedades. Ora, para tratar essas questdes filos6ficas, ndo slo necessarios procedimentos especiais e complexos. Era suficiente, por- tanto, pesar os méritos comparados da dedugio e da is dugio ¢ fazer uma inspegao sumiiria dos recursos mais, gerais de que dispoe a investigacio sociologica. Mas as Precaucées a tomar na observacao dos fatos, a maneira como os principais problemas devem ser colocados, 0 sentido no qual as pesquisis devem ser dirigidas, as priti- eas especiais que podem permitir chegar aos fatos, ‘gras que devem presidir a admi isso permanecia indeterminado. Uma série de circunstincias felizes, entre as quais € justo destacar a iniciativa que criou em nosso favor um curso regular de sociologia na Faculdade de Letras de Bordéus, 0 qual possibilitou que nos dedicassemos desde cedo a0 estudo da ciéncia social e inclusive fizéssemos dele © objeto de nossas ocupagoes profissionais, nos fez sair dessas questées demasiado gerais e abordar um certo niimero de problemas particulares. Assim, fomos levados, pela forca mesma das coisas, a elaborar um método que julgamos mais definido, mais exatamente adaptado & na- tureza particular dos fendmenos sociais. Sao esses resulta- dos de nossa pritica que gostariamos de expor aqui em conjunto e de submeter 4 discussio. Claro que eles esto implicitamente contidos no livro que publicamos recente- mente sobre 4 divisdo do irabalho social. Mas nos parece interessante destaci-los, formuli-los a parte, acompanha- dos de suas provas e ilusteados de exemplos tomados tan- to dessa obra como de trabalhos ainda inéditos. Assim poderio julgar melhor a orientacdo que gostarfamos de tentar dar aos estudos de sociologia. CAPITULO 1 O QUE E UM FATO SOCIAL? método convém ao estudo dos is Fatos chamamos assim, correntemente para designar mais ou menos todos os fe- némenos que se do no interior da sociedace, por menos que apresentem, com uma certa generalidade, resse social. Mas, dessa maneira, nao ha, por as acontecimentos humanos que nao possam s sociais. Todo individuo come, bebe, dorme, raciocina, ¢ a sociedade tem todo o interesse em que essas fungdes se exercam regularmente. Portanto, se esses fatos fossem so- Giais, a sociologia nio teria objeto proprio, € seu domi se confuundiria com o da biologia da psicologia, ‘Mas, na realidade, hd em toda sociedade um grupo determinado de fendmenos que se distinguem por ca- racteres definidos daqueles que as outras ciéncias da na- tureza estudam, Quando desempenho minha tarefa de itmao, de ma- rido ou de cidadao, quando executo os compromissos 2 AS REGRAS DO METODO SOCIOLOGICO que assun de cu cumpro deveres que estao dlefinidos, fora 05 recebi pela educacao. re ignorarmos o detalhe das cumbem e precisarmos, para conhece- digo e seus intérpretes autorizado crencas e as priticas de sua vida religiosa, 0 fiel as encon: trou inteiramente prontas ao nascer; se elas existiam antes dele, € que existem fora dele, O sistema de signos de que me sitvo para exprimir meu pensamento, o sistema de moedas que emprego para pagar minhas dividas, os ins- trumentos dle crédito que utilizo em minhas relagi inerciais, as priticas observadas em minha profissio, ete funcionam inclependentemente do uso que fago deles. Que se tomem um a um todos os membros de que & composta sociedade; © que precede poderi ser repetido a propési- ada um deles. Fis ai, portanto, maneiras de agir, de dos de uma forca impei qual se impoem a ele, quer ele queira, quer nao, Certa- mente, quando me conformo voluntariamente a ela, essa coercio nao se faz ou pouco se faz sentir, sendo inttl. Nem por isso ela deixa de ser um cariter intrinseco des- ses fatos, € a prova disso é que ela se afirma to logo ten- to resistir. Se tento violar as regras do dieito, elas reagem, contra mim para impedir meu ato, se estiver em tempo, ‘ou para anuli-lo € restabelecé-lo em sua fe tiver sido efetuado € for reparivel, ou para fazer com que 0 QUE A UM RaTO social? 3 ica reprime todo ato que as ofenda através da v dos cicladios ¢ das penas espe que dispde, Em outros casos, a coergio € menos violenta, mas nao deixa de existt. Sendo me sub meto as convengdes do mundo, se, a0 vestir-me, nao levo em conta os costumes observados em meu pais ¢ em m nha classe, © riso que provoco, o afastamento em relacao, wem, embora de maneira mais atenuada, os ht, Ad continua mesmos efeitos que uma pena propriamente mais, a coercio, mesmo sendo ape send eficaz, Nao sou obrigado a falar francés com meus Compatriotas, nem a empregar as moedas legals, mas € impossivel agir de outro modo, Se eu quisesse escapar a essa necessidade, minha tentativa fracassaria miseravel: mente. Industrial, nada me proibe de trabalhar com pro- cedimentos € métodos do século passado; mas, se o fizer, € certo que me arruinarei, Ainda que, de ato, eu possa Dertar-me dessas regnis € ais ocorre sem que eu seja ob E ainda que clas sejam finalmente vencicas, demonstram suficientemente sua forca coercitiva pela resistencia que ‘opdem. Nao ha inovador, mesmo afortunado, cujos en preeadimentos nao venham a deparar com oposigoes esse tipo. Eis portanto uma ordem de fatos que apresentam ca- ractei ‘stem em maneiras de agir, de pensar e de sentir, exteriores ao individuo, e que sao dotadas de um poder de coergio em virtude do qual esses fatos se impOem a ele. Por conseguinte, cles ado poderiam se confundir com os fendmenos orginicos, fem em representacdes € em agdes; nem com. nos psiquicos, os quais s6 tém existéncia na 4 AS REGRAS DO METODO SOCIOLOGICO consciéncia individual e através dela. Esses fatos consti- tuem portanto uma espécie nova, e € a eles que deve ser grupos parciais que ela encemra: confiss6es religiosas, es- politicas, literarias, corporages profissionais, ete. Por outro lado, é a eles s6 que ela convém; pois a palavra social 86 tem sentido definido com a condicao de desig- nar unicamente fendmenos que nao se incluem em ne- nhuma das categorias de fatos j constituidos ¢ denomi- nados. Eles so portanto o dominio proprio da sociologia E verdade que a palavra coercio, pela qual os definimos, pode vir a assustar os zelosos defensores de um individua- lismo absoluto. Como estes professam que o individuo & perfcitamente autonome, julgam que o diminuimos sem- Pre que mostramos que cle ndo depende apenas de si mesmo, Sendo hoje incontestavel, porém, que a maior parte de nossas idéias e de nossas tendéncias nao é ela- borada por nés, mas nos vem de fora, elas s6 podem pe- netrar em nés impondo-se; cis tudo o que significa nossa definigdo, Sabe-se, aliés, que nem toda coereac clui necessariamente a personalidade individu: Entretanto, como os exemplos que acabamos de citar (regras juridicas, morais, dogmas religiosos, sistemas finan- ceiros, ete.) consistem todos em crengas ¢ em praticas constituidas, poder-se-ia supor, com base no que precede, que 56 ha fato social onde ha organizacao delinida. Mas cexistem outros fatos que, sem apresentar essas formas cris talizadas, tém a mesma objetividade e a mesma ascendén- cia sobre o individuo. F que chamamos de correntes so- Giais, Assim, numa assembleia, os grandes movimentos de entusiasmo ou de devogao que se produzem nao tém por (0 QUE BUM FATO Social? 5 lugar de origem nenhuma cons. vém, a cada um de nés, de fora e so capazes de nos arre- batar contra a nossa vontade, Certamente pode ocorrer que, entregando-me a eles sem reserva, eu nao sinta a presszio que exercem sobre mim. Mas ela se acusa tio lo- 0 procuro lutar contra eles. Que um individuo tente se ‘opor a uma dessas manifestacdes coletivas: os sentimentos ‘que ele nega se voltario contra ele, Ora, se essa fora de coergao extema se afirma com tal nitidez: nos casos de re- , € porque ela existe, ainda que inconsciente, nos casos contririos. Somos entio vitimas de uma ilusio que nos faz crer que claboramos, nés mesmos, 0 que se impos ands de fora, Mas, se a complacéncia com que nos entre- jgamos a essa forca encobre a pressio sofrida, ela nao a suprime. Assim, também o ar nao deixa de ser pesado, embora nao sintamos mais seu peso. Mesmo que, de nos- sa parte, tenhamos colaborado espontaneamente para a emogio comum, a impressdo que sentimos & muito dife- rente da que teriamos sentido se estivéssemos sozinhos. Assim, a partir do momento em que a assembléia se dis: solve, em que essas influéncias cessam de agir sobre nds € hos vemos de novo a 86s, os sentimentos vividos nos dio «1 impressdo de algo estranho no qual nao mais nos reco- nhecemos. Ento nos damos conta de que sofremos esses sentimentos bem mais do que os produzimos. Pode acon- tecer até que nos causem horror, tanto eram contrarios & nossa natureza, E assim que individuos perfeitamente ino- fensivos na maior parte do tempo podem ser levados a atos de atrocidade quando reunidos em multidio, Ora, 0 ‘que dizemos dessas explosoes passageiras aplica-se identi- ‘camente aos movimentos de opinido, mais duriveis, que se produzem a todo instante a nosso redor, seja em tod @ extensiio da sociedade, seja em circulos mais restritos, s0- bre assuntos religiosos, politicos, literarios, atisticos, etc. 6 AS REGRAS DO METODO SOCIOLOGIGO fato social: basta observar a ma- Quando se obser- como sempre foram, sal- vam os fatos tais como so € ta aos olhos que toda educacao consiste num esforco continuo para impor 3 crianga maneiras de ve € de agir as quais ela nao teria chegado e: comer, a beber, a limpeza, aprendam a levar . iéncias, Forcamo-las ao 1em pelo fato de derivarem dela, F verdade que, segundo Spencer, uma educagio racional deveria repro var tais procedimentos e deixar a crianga proceder ci toda a liberdade; mas como essa t apenas um desideratum pessoal, no ‘opor aos fatos que precedem. O: imos particularmente instrutivos justamente por objeto produzir o set soci tanto ver nela, como que resum esse ser constituiu-se na historia, Essa pressio de todos os instantes que sofre a crianga é a pressio mesma do meio social que tende a modeli-la A sua imagem e do qual os pais © os mestres nao so sendo os representantes ¢ 0s in- no € sua generalidade que pode servie para caracterizar os fendmenos sociol Um pensamento {que se encontra em todas as particulares, um movimento que todos os individuos repetem nem por isso 0 QUE-E UM FaTO social? 7 chamar de suas encarnagoes indivi s crengas, as tendéncias ¢ as priticas do ivamente; quanto as formas qui los coletivos ao se refratarem nos reza € que essas duas ordens le fatos apresentam-se geralmente dissociadas. Com ef to, algumas dessas maneiras de agit ou de pensa rem, por causa da re existe apenas em estado de luc cle determina, mas se exprime de uma vez por t légio cujo exemplo nao encontramos no reino formula que se repete de boc: die f& em que a crengas, dos ihelecem, etc le pensar se acha por + Tanto aio & a repeti dos esos particulares 8 AS REGRAS DO METODO SOCIOLOGICO culares fazem delas, jd que elas podem inclusive existir sem serem atualmente aplicadas.*** Claro que essa dissociacdo nem sempre se apresenta ‘com a mesma niticdez. Mas basta que ela exista de uma ma- neira incontestivel nos casos importantes € numerosos que acabamos de mencionar, para provar que 0 fato social & tinto de suas repercuss mesmo que ela nao seja imediatamente dada 4 observacio, pode-se com freqiigncia realizé-la com o auxilio de certos art de método*; € inclusive indispensivel proceder a essa ope ragio se quisermos separar © fato social de toda mistura para observi-lo no estado de pureza*. Assim, ha certas cor rentes de opinido que nos impelem, com desigual intensi- dade, conforme os tempos ¢ os lugares, uma ao casamen- 0, por exemplo, outra ao suicidio ou a uma natalidade mais ou menos acentuada, etc. *Trata-se, evidentemente, de fatos sociais.* A primeira vista, eles parecem insepard- veis das formas «jue assumem nos casos particulares. Mas a estatistica nos fornece o meio de isold-los. Com efeito, eles sio representados, no sem exatidao, pelas taxas de natali- dade, de nupcialidade, de suicidios, ou seja, pelo ntimero ‘que se obtém ao dividir a média anual total dos nascimen- tos, dos casamentos € das mortes voluntirias pelo total de homens em idade de se casar, de procriar, de se suicidar: como cada uma dessas cifras compreende todos os casos particulares sem distingao, as circunstincias indivi- duais que podem ter alguma participacao na produgio do fenémeno neutalizam-se mutuamente e, portanto, nao contribuem para determind-lo. *O que esse fato exprime é um certo estado da alma coletiva Bis 0 que sdo os fenémenos soc de todo elemento estranho,* Quanto , desembaragados us manifestacdes (0 QUE BUM FATO SOCIAL? 9 que repro- zem em parte um modelo coletivo; mas cada uma delas depende também, e em larga medida, da constituicao or- ico-psiquica do individuo, das circunstincias partici res nas quais ele esti situado, Portanto elas nao sio fe- menos propriamente socioldgicos. Pertencem simulta- heamente a dois reinos; poderiamos chamé-las sociopsi- quicas. Essas manifestagdes interessam 0 sociélogo sem constituirem a matéria imediata da sociologia. No interior do organismo encontram-se igualmente fendmenos de na- mista que ciéncias mistas, como a quimica biologi estudam, Mas, dirdo, um fendmeno s6 pode ser colet comum a todos os membros da sociedade ou, pelo me- nos, &i maior parte deles, portanto, se for geral. Certamen- te, mas, se ele & geral, € porque é coletivo Cisto é, o se for por ser geral. Esse fendmeno € um estado do grupo, que se repete nos individuos porque se impoe a eles. Ele est ‘em cada parte porque esté no todo, 0 que € diferente de iF no todo por estar nas partes. Isso & sobretudo evi- dente nas crencas e priticas que nos sio transmitidas in- teiramente prontas pelas geracdes anteriores; recebemo- \s ¢ adotamo-las porque, sendo ao mesmo tempo uma bra coletiva © uma obra secular, elas estio investidas de ia particular autoridade que a educacdo nos ensinou a reconhecer e a respeitar. Ora, cumpre assinalar que a ia dos fendmenos sociais nos chega dessa inda que se deva, em parte, a nossa colabo- © fato social é da mesma natureza, Um set ine simplesmente 0 que havia de comum entre todos os sentimentos individuais. Ele é algo completamente distin- to, conforme mostramos. E uma resultante da vida co- 10 AS REGRAS DO METODO SOCIOLOGICO Wes que se estabelecem entre as consciéneias individuals; e, se repercute em cada uma de- , em virtude da energia so it origem coletiva. que ele deve precisa Se todos os coragdes v ‘em unissono, nao é por causa de uma concor pontinea ¢ preestabelecida; & que uma mesma forca os ‘move no mesmo sentido, Cada um é arrastaco por todos. m representar-nos, de maneira prec poder de coercdo externa que exerce ou € ca- paz de exercer sobre os individuos; e a presenca dese poder se reconhece, por sua ve7, seja pela existencia de alguma sangdo determinada, seja pela resistencia que 0 0e a tod tentativa indi cia, *Contudo, pode-se defini-lo também pela difusdo que apresenta no interior do grupo, contanto que, conforme es ahece pel 0, a coercio é facil de constatar quando se traduz exterior mente por alguma reaclo direta da sociedade, como € 0 caso em relagio ao direito, 2 moral, as crengas, aos costu- mes, inclusive as modas, Mas, quando é apenas indireta, como a que exerce uma organizacao econémica, sempre se deixa perceber Go bem. A generalidade com- vada com a objetividade podem entio ser mais faceis, de estabelecer, Alids, essa segunda definicio nao & senio © QUE UM PATO Social? uw outna forma da primeira; pois, se uma maneira de se con- i, que existe exteriormente as consciéncias indivi- se general 86 pode fazé-lo impondo-se’. Entretanto, poder-se-ia perguntar se essa definiglo & completa. Com efeito, os fatos que nos forneceram sua ba- se so, todos eles, maneiras de fazer, sto de ordem fisio- igica. Ora, hd também maneiras de ser coletivas, isto & (os sociais de ordem anatmica ou morfoldgica, A socio- nao pode desinteressar-se do que diz respeito ao substrato da vida coletiva. No entanto, 0 niimero € a natu- reza das partes elementares dle que se compoe a socieda- de, a maneira como elas esto dispostas, 0 grau de coales- céneia a que chegaram, a distribuigao da populacto pela superficie do territério, © ntimero e a natureza das vias de wunicagdo, a forma das habitagdes, ete. ndo parecem \pazes, num primeiro exame, de se reduzit a modos de ir, de sentir ou de pensar, ito lugar, esses diversos fendmenos ni os outros Eosas maneitas de ser se impoem 20 in duo tanto quanto as maneiras de fazer de que falamos. iticamente, como essas divisdes se se divide px compéem, a fusio mais ou menos completa que existe ainda que tena és do direito pa- ‘0 que se © ple estar ene onganizao, pos esse le opiniao, um movimento coletivo que impoe aos indivi- como tampouco a de nossas roupas; pe- € obrigatéria na mesma medida que a ou- ias de comunicacao determinam de maneira im- periosa 0 sentido no qual se fazem as migracoes interio- res € as trocas, € mesmo a intensidade dessas trocas & dessas migragoes, etc., etc. Em conseqiiéneia, serka, quan- do muito, 0 caso de acrescentar & lista dos fendmenos que enumeramos como possuidores do sinal distintivo do fato social uma categoria a mais; e, como es sao nao tinha nada de rigorosamente exaustivo, a adigio io seria indispensavel Mas ela nio seria sequer proveitosa: pois essas ma neiras de ser ndo slo sendo maneiras de fazer consolida- das, A estrutura politica de uma sociedade nao é senio a maneira como os diferentes segmentos que a compoem se habituaram a viver uns com 0s outros. Se suas relacdes sio tradicionalmente proximas, os segmentos tendem a se confundir; caso contririo, tendem a se distinguir. O tipo de habitagio que se impde a nds nao é senao a maneira como todos ao nosso redor ¢, em parte, as geracoes ante- riores se acostumaram a construir suas casas. As vias de comunicagao nao sto senao o leito escavado pela prop corrente regular das trocas ¢ das migracdes, correndo sempre no mesmo sentido, etc. Certamente, se os fend- menos de orem morfoldgica fossem os Gnicos & apresen- tar essa fixidez, poderiamos pensar que eles constituem uma espécie a parte, Mas uma regra juridica € um arranjo ‘ndo menos permanente que um modelo arquitet6ni ho entanto é um fato fisiologico, Uma simples ma formas bem mais rigidas que um simples costume profis- sional ou que uma moda. H4 assim toda uma gama de sm solugao de continuidade, liga os fatos 0 QuEE uM RTO Social? 13 mais caracterizados as correntes livres da vida. inda nao submetidas a nenhum molde definido. E, que entre os primeiros ¢ as segundas apenas ha diferen- cas no grau de consolidagao que apresentam, Uns € ou: tras sao apenas vida mais ou menos cristalizada. Claro que pode haver interesse em reservar o nome de morfol6- ics 40s fatos sociais que concemem to substrato soc ‘mas com a condigao de nao perder de vista que eles sto dla mesma natureza que 0s outros. Nossa defini¢io com- preender portanto todo 0 definido se dissermos: B fato social toda maneira de fazer, fixada ou ndo, suscetivel de exercer sobre o individuo uma coercao exterior, ou ainda, toda maneira de fazer que é geral na extensao de uma so- ciedade dada e, ao mesmo tempo, possui uma existencia propria, independente de suas manifestacies individuais estrutura capfruto | - REGRAS RELATIVAS A OBSERVAGAO DOS FATOS SOCIAIS |A primeira regra © a mais fundamental € considerar ‘as fatos sociais como coisas. No momento em que uma nova ordem de fendme- nos torna-se objeto de ciéncia, eles ja se acham represen- por espécies de conceitos grosseiramente formados. Antes ica e da qu fea, 08 ho- ens ‘goes que ultrapassavam a pura percepedo, como aqui nplo, que encontramos mescladas a todas as 3s, E que, de fato, a reflexao € anterior a ciéncia, que penas se serve dela com mais método. © homem nao ace viver em meio As coisas sem formar a respeito dela’ de acordo com as quais regula sua conduta, Acon- lece que, Como esas nogdes Esto mais proximas de nos 16 AS REGRAS DO METODO SOCIOLOGICO mas por elas € a fazer delas a mi cexpeculagées. Em vex de observar as coisas, de descrevé- em harmonia com 0 mundo formados pela pritica e para ela. Ora, 20 pode ser capaz de desempenhar utilmente esse papel mesmo sen- do teoricamente falsa. *Copérnico*, ha muitos séculos, dissipou as iluses de nossos sentidos referentes aos mo- ilusdes que regulamos correntemente a di nosso tempo. Para que uma idéia sus mo necessirio que ela exprima fielmente essa nat que nos faca perceber o que a coisa tem de atil ou de desvantajoso, de que modo pode nos servir, de que modo os contrariar. Mas as nocOes assim formadas s6 apresen- RP, p.A7%) REGIRAS RELATIVAS A OBSERVACO DOS FATOS SOCIAIS 7 io perigosas como inadequadas! Nao é portanto elabo- rando-as, pouco importa de que maneira 0 fagamos, que chegaremos a descobrir as leis da realidade. Tais nogoes, contririo, sio como um véu que se interpde entre as is quanto mais ia nao € apenas (éria de que se alimentar. Mal ela existe, desaparece, por assim dizer, transformando-se em arte. De fato, supde- se que essats nocdes contenham tudo 0 que hi de essenci- no real, jf que sto confundidas com o proprio real so, parecem ter tudo © que é preciso para que seja- pazes nao s6 de compreender o que é, mas de crever 0 que deve ser € os meios de executi-lo, Pois € de acordo com a natureza das coisas; 0 au, © os meios para alcangar um. © outro derivam dessa mesma natureza. Portanto, s de saida, o estudo da realida esse pritico, €, como esse estudo, este se vé desde entdo sem fi- ile, A reflexao €, assim, incitada a afastar-se do que € , a saber, © presente € 0 passa- ye também ber em que consiste a esséncia cla matéria, parte-se la pedra filosofal, Essa intromissao da arte pelas circunstincias mesmas que determinam 0 des- 1 da reflexdo cientifica, Pois, como esta 86 surge para wer necessidades vitais, € natural que se oriente paral 18 AS REGRAS DO METODO SOCIOLOGICO a pritica, As necessidades que ela & chamada a socorrer sao sempre prementes, portanto a pressionam para obter resultados; elas reclamam, nio explicagdes, mas remédios. Essa maneira de proceder é to conforme a tendén natural de nosso espirito que « encontsamos inch origem das ciéncias fisicas. E ela que diferencia a alquimia da quimica, bem como a astrologia da astronomia. E por ela que Bacon caracteriza 0 método que os sibios de seu tempo seguiam € que ele combate. As nogdes que ac mos de men las notiones vulgares ou prae- notiones: ¢ na base de todas as ciéncias?, ‘nas quais elas tomam 0 lugar dos fatos', $20 os idola, fan- lasmas que nos desfiguram 0 verdadeiro aspecto das co Sas € que, no entanto, tomamos como as coi € por esse meio imagindrio nao oferecer 40 espirito ne- nhuma re construir, ou melhor, reconsteuir 6 mundo com sua apenas € 20 sabor de seus desejos, Se foi assim com as razio tinha de ser com raram o adivento da cién 0 direito, a moral, a Fa 4 propria socied- de; pois no podiam priv s para viver. Ora, € 80- bretudo em sociologia que essis prenocdes, para retomar 4 expresso de Bacon, es raclo de dominar os espiritos e de tomar o lugar das coisis. Com efeito, as coi- um produto da atividade humana. Portanto, parecem aio sacl de idéfias, inatas N20 a aplicacio desss 's que acompanham que trazemos em nés, diversas circunstine REGRRAS RELATIVAS A OBSERVAGO DOS FATOS SOCIAIS 19 m simples desenvolvimento das idéias que temos sobre sociedade, o Estado, a justiga, etc, Em conseqéncia, es- ses fatos € outros anilogos s6 parecem ter realidade nas € pelas idéias que sio seu germe e que se tornam, com is- so, 4 matéria propria da sociologia (© que reforca essa maneira de ver é que, como os excedem por todos 0s lados a esta nao tem uma percepeao suficientemente detalhes para sentir sua realidade, Nao tendo gagdes bastante sélidas nem bastante proximas, ilo isso nos da facilmente a impressto de nao se pren- dler a nada € de flutuar no vazio, matéria em parte irreal € formas concretas e particulares nos escapam, pelo me- ntamos oS aspectos mais gerais da exis- coletiva de maneira genérica © aproximada, € sto precisamente essas representacdes esquematicas © suma- des de que nos servimos {io podlemos portanto em por em div tencia delas, uma vez que percebemos ao mesmo tempo que nossa. Elas nto nas estdo em n6s, como também, sendo um produto periéncias repetidas, obtém da repeticao = € do hi ito resultante — uma espécie de ascendéncia € de autori- le. Seni S rar nao podemos deixar de considerar como ‘© que se opde a nds. Tudo contribui, portanto, para imos nelas a verdadeira realidade social E, de Fato, até 0 presente, a sociologia tratou mais ou amente ndo de coisas, mas de conceitos. Comte, € verdade, proclamou que os fendmenos sociais 20 AS REGRAS DO METODO SOCIOLOGICO sio fatos naturais, submissos a leis naturais, Deste modo, ele implicitamente reconheceu seu cariter de coisas, pois ‘na natureza 86 existem coisas. Mas, quando, saindo dessas generalidades filos6ficas, ele tenta aplicar seu principio & extrair a ciéncia nele contida, sao idéias que ele toma por objeto de estudo. Com efeito, 0 que faz a matéria princi- pal de sua sociologia € 0 progresso da tempo. Ele parte da idéia de que ha uma evolugio cor nua do género humano que consiste numa realizacao sempre mais completa da natureza humana, ¢ 0 problema que ele trata é descobrir a ordem dessa evolucio, Ora, su- pondo que essa evolucao exista, sua realidade s6 pode ser estabelecida uma vez feita a ciéncia; portanto, 56 se pode fazer dessa evolucio 0 objeto mesmo da pesquisa se ela for colocada como uma concepcao do espirito, no como uma coisa, E, de fato, € tdo claro que se trata de uma representagio inteiramente subjetiva que, na pritica, esse progresso da humanidade nao existe. © que existe, a Ginica coisa dada a observacdo, sao sociedades particula- res que nascem, se desenvolvem € morrem independen- temente umas das outras. Se pelo menos as mais recentes continuassem as que as precederam, cada tipo superior poderia ser considerado como a simples repeticao do tipo tamente inferior, com alguma coisa a mais; poder- se-ia, pois, alinhi-las umas depois das outeas, por assim di zer, confundindo as que se encontram no mesmo grau de desenvolvimento, ¢ a série assim formada poderia ser vis- ta como representativa da humanidade. Mas os fatos no se apresentam. com essa extrema simplicidade. Um povo que substitui outro nao é simplesmente um prolongamen- to deste tiltimo com algumas caracteristicas novas; ele & outro, tem algumas propriedades a mais, outras a menos; cconstitui uma indivi le nova, ¢ todas essas indivi- dualidades distintas, sendo heterogéneas, no podem se wanidade no REGRAS RELATIVAS A OBSERVAGAO DOS FATOS SOCIAIS a fundir numa mesma série continua, nem, sobretudo, nu- ma série Gnica, Pois a seqdéncia das sociedades nao po- deria ser figurada por uma linha geométrica; el Iha-se antes a uma drvore cujos ramos se orientam em sentidos divergentes. Em suma, Comte tomou por desen- Volvimento histrico a nocio que dele possuia e que no da que faz 0 vulgo. Vista de longe, de Fito, a t6ria adquire bastante claramente esse aspecto serial € les. Percebem-se apenas individuos que se sucecem uns aos outros e marcham todos numa mesma direcao, porque tém uma mesma natureza, Al concebe que a evolucao social possa ser outra coisa que © desenvolvimento de uma idéia humana, parece na- tural defini-la pela idéia que dela fazer os homens. Ora, procedendo assim, nao apenas se permanece na ideolo- xia, mas se chi como objeto & sociologia um conceito que la tem de propriamente sociologico. Esse conceito, Spencer 0 descarta, mas para substitu » por outro que nao é formado de outro modo. Ele faz sociedades, ¢ nao da humanidade, o objeto da cién so que ele di em segu 5 primeiras, uma defini ¢ faz desaparecer a coisa de que fala para colocar no lu- ir a prenocio que possui dela. Com efeito, ele estabelece mo uma proposicao evidente que “uma sociedade s6 existe quando a justaposigao acrescenta-se a cooperagio”, sendo somente entio que a uniao dos individuos se torna sociedade propriamente dita’. Depois, partindo do jo de que a cooperacao € a esséncia da vida 50% ingue as sociedades em duas classes, conforme jureza da cooperagao que nelas predoi la Cooperagao espontinea que se efetua sem pre- tagdo durante a perseguigao de fins de carater priva- ambém uma cooperagio conscientemente institu We supde fins de interesse pUblico claramente reco- 22 AS REGRAS DO METODO SOCIOLOGICO nhecidos." As primeiras, ele dé 0 nome de sociedades in- dlustriais; as segundas, de militares, e pode-se dizer dessa se apre- senta como a expressio de um fato imediatamente visivel € que basta a observagio constatar, ja que ¢ formulada descle 0 inicio da ciéncia como axioma. No entanto, & im- possivel saber por uma simples inspecao se realmente a cooperagao € a esséncia da vida social. Tal afirmacio $6 € cientificamente legitima se primeiramente passarmos em revista as manifestagdes da existéncia coletiva ¢ se ‘mostrarmos que todas so formas diversas da coopera~ 620, Portanto, é ainda certa maneira de conceber a reali- dade social que substitui Spencer. E, se ele ndo tem o menor escripul er deste modo, é que, no é € ndo pode ser seniio a to é, dessa idéia mesma de mostrar que, m cada um dos problemas cu método permanece o mes- Impressto de proceder empiri- 10 empregados para ilus para descrever € explicar coisas, apenas para figurar como argument do © que ha de essencial na doutrina de Spencer pode ser imediatamente deduzido de sua definigao da s de ¢ das diferentes formas de cooperagao. Pois, se s6 pus dermos optar entre uma cooperacao tiranicamente posta € uma cooperagio livre e espontanea, evidente- ‘mente esta tiltima & que serd o ideal para o qual a huma- nidade tende e deve tender. REGRAS RELATIVAS A OBSERVAGO DOS FATOS SOCTAIS 23 Nao é somente na use da ciéncia que se encontram essas nogdes vulgares; vemo-las a todo instante na trama onhiecimen- {0s, nfo sabemos com certezai o que € 0 Estado, a sober eles nao estivessem cientificamente constitu ts palavras que ox exprimem retornam a todo momen- to nas discussdes dos socidlogos. Elas so empregadas correntemente e com seguranga como se correspondes- sem a coisas bem conhecidas ¢ definidas, quando apenas despertam em nés nocées confusas, misturas indi pressdes vagas, «le preconceitos © de paixdes. Zom- bamos hoje dos singulares raciocinios que os médicos cla Idadle Média construiam com as nogdes de calor, de frio, de amido, de seco, etc., € ndo nos apercebemos de que \étodo a ordem de nenos que © comporta menos que qualquer outro, por causa de sua extrema complexidade. Nos ramos especiais da sociologia, esse cardter ideo- ico € ainda mais pronunciado, E 0 caso sobretudo da moral. De fato, pode-se dizer que nio ha um tinic: jo seja repre- sentada como o simples desenvolvimento de uma idéia cial que a conteria por inteito em poténcia. Essa idéia, uns créem que o homem a encontra inteiramente pronta joral. No que concerne jicas € morals, elas no teriam, or assim dizer, existéncia por si mesmas, mas seriam, 24 AS REGRAS DO METODO SOCIOLOGICO apenas essa nogio fundamental aplicach as circunstancias particulares da vida e diversificada conforme os casos. sistema idéia cla qual decorrem € da qual ndo so mais que aplicacées variadas. As todas as questdes que a ética se coloca ordinariamente se referem, nio a coisas, mas a idéias; o que se trata de ber € em que consiste a idéia do direito, a idéia da moral, € nao qual a natureza da moral ¢ do direito considerados ‘em si mesmos, Os moralistas ainda nao chegaram 4 con- cepcdo muito simples de que, assim como nossa repre sentagao das coisas sensiveis provém dessas coisas mes- ‘mas € as exprime mais ou menos exatamente, nossa re- presentacdo da moral provém do préprio espeticulo das regras que funcionam sob nossos olhos ¢ as figura esque- maticamente; de que, conseqiientemente, sio essas re- gras, ¢ no a nogao suméria que temos delas, que formam, a matéria da ciéncia, da mesma forma que a fisica tem co- mo objeto os compos tais como existem, ¢ ndo que deles faz © vulgo. Disso resulta que se toma como base da moral 0 que ndo € senao o topo, a saber, a mane’ como ela se prolonga nas consciéncias indivi repercute. E no & apenas nos problemas mai ciéncia que esse método é seguido: cle permanece o mes- ‘mo nas questdes especiais. Das idéias essenciais que estu- a no inicio, o moralista passa ds idéias secuncirias de fa- miflia, de patria, de responsabilidade, de caridade, de justi- ca; mas € sempre a idéias que se aplica sua reflexao. Nao é diferente com a economia politica, Ela tem por Principalmente ou exclusivamente em vista da aquisigAo de riquezas', Mas, para que os fatos assim definidos pu dessem ser designaclos, enquanto coisas, a observagio do REGRAS RELATIVAS A OBSERVAGAO DOS FATOS SOCIAIS 25 sequer 0 direito de afirmar que existe algum, muito me~ nos ainda se pode saber quais sto. Em toda ordem de dos fatos esta suficientemente avangada que € possivel estabelecer que eles tém um objetivo © qual € esse objeti- vo. Nao ha problema mais complexo nem menos susceti- vel de ser resolvido de nad nos garante de antemao que ha idade social em que 0 desejo de riqueza desempenhe realmente esse pa- pel preponderante, Em conseqiiéncia, a matéria da eco- noma dades que podem ser indicada veis, de puras concepgoes do €: © economista concebe como relacionados ao fim conside- nado, € tais como ele os concebe. Digamos, por exemplo, que ele queira estudar © que chama a producto. De sai- da, acredita poder enumerar os principais agentes com 0 servando de quais condiges depends a coisa que ele es- pois entao teria comegado por expor as experiéncias de que tirou essa conclusao, Se, desde 0 inicio da pesqui- sa e em poucas palavras, ele procede a essa classificacdo, @ que a obteve por uma simples anilise logica. Parte da ideia da produgao; decompondo-a, descobre que ela im- logicamente as de forcas naturais, de trabalho, de instrumento ou de capital, ¢ trata a seguir da mesma ma- neira essas idéias derivadas’ ‘A mais fundamental de todas as teorias econdmicas, a do valor, € manifestamente construfda segundo 0 mes- mo método. Se 0 valor fosse estudado como uma re: de deve sé-o, veriamos primeiro 0 economista indicar em 26 AS REGRAS DO METODO SOCIOLOGIC Ja geral. A teoria portanto s6 poderia surgir quando a cién- tivesse avancado bastante, Em vez. disso, encontramo- Ia desde 0 inicio. E que, para faze: tenta-se em recolher, em tom cele tem do valor, ou seja, de um objet trocadlo; descobre que ela imp! € com esses produtos de sus andl sua definicao. Certamente ele a confirma por alguns ‘exemplos. Mas, quando se p ros, que Por isso, tanto em econom para falar exatamente, ji que tém por objeto determinar nio 0 que é, de fato, a regra suprema da mo- ralidade, mas 0 que ela deve ser. Do mesmo modo, 0 que mais preocupa os economistas € a questao de saber, por exemplo, se a sociedade deve ser organizacla segundo as concepcées dos individualistas ou segundo as dos socia~ listas; se é melhor o Estado intervir nas relagdes industri- ais © comerciais ou abandond-las inteiramente a iniciativa privada; se o sistema monetirio deve ser 0 monomet mo ou 0 bimetalismo, etc., ete. As leis propriamente ditas So pouco numerosas nessas pesquisas; mesmo as que nos habituamos a chamar assim geralmente ndo merecem essa qualificagio, ndo passando de maximas de agio, pre- REGRAS RELATIVAS A OBSERVAGO DOS FATOS SOCIAIS a ceitos priticos disfarcados. Bis, por exemplo, a famosa lei vamente, como expresso ct realidade econdmica, jamais uma experiéncia, uma comparacao metéxlica foi instituicks welecer, de fato, que & seu Jei que pro- se pox para est wed © tudo 0 que se fez foi demonstrar individuos devem proceder assim, caso entenclam bem . da parte dos que se aberragao logica. raros os vendam a0 mais alto prego. Mas wle inteiramente logica em nada se asseme- 4 que apresentam as verdacdeiras leis da nature- za, Hstas exprimem as telagoes segundo as quais os fatos izemos dessa lei pode ser cola econdmica ortodoxa quali € que, por sinal, nao sao muito mais do que casos part culares da precedente. Elas Sio naturais, se quiserem, no sentido de que enunciam 0s meios que € ou que pode parecer natural empregar para atingir determinado fim su- posto, nao devem ser chamadas por esse nome, se, por lei natural, se entender toca maneira dle ser da na- tivamente constatada, Elas nao passam, em Ihos de sabedoria pratica, €, se foi possi- vel, mais ou menos especiosamente, apresenté-las como a expressdo mesma da realidad, € que, com ou sem razao, icreditou-se poder supor que tais conselhos eram efetiva- ente seguidlos pela generalidade dos homens e na gene- ralidade dos casos. 28 AS REGRAS DO METODO SOCIOLOGICO No entanto, os fendmenos sociais so coisas e devem ser tratados como coisas. Para demonstrar essa proposi- as analogias que apresentam com os fendmenos dos rei- nos inferiores. Basta constatar que eles so 0 Gnico da- tum oferecido ao socidlogo. E coisa, com efeito, tudo 0 observacdo. Tratar fendmenos como coisas é trati-los na qualidade de data que constituem © ponto de partida da ciéncia, Os fendmenos sociais apresentam incontestavel- mente esse cariter. O que nos é dado nao é a os homens fazem do valor, pois ela é inacessiv valores que se trocam realmente no curso de relagoes econdmicas. Nao € esta ou aquela concepgao da idéia moral; € 0 conjunto das regras que determinam efetiva- mente a conduta. Nao € a idéia do Gil ou da riqueza; toda a particularidade da organizacdo econémica. E possi vel que a vida social nao seja sendo 0 desenvolvimento de certas nogdes; mas, supondo que seja assim, essas no- (es nao sio dadas imediatamente. Nao se pode portanto atingi-las diretamente, mas apenas através da realidad fe- noménica que as exprime, Nao sabemos a priori que idéias estio na origem das diversas correntes entre as quais se divide a vida social, nem se existe alguma; é somente de- pois de té-las remontado até suas origens que saberemos dle onde elas provém. E preciso portanto considerar os fenémenos sociais em si mesmos, separados dos sujeitos conscientes que os concebem; € preciso estudi-los de fora, como coisas exte- riores, pois € nessa qualidade que eles se apresentam a nés, Se essa exterioridade for apenas aparente, a iusto se dissipard a medida que a ciéncia avangar e veremos, por assim dizer, o de fora entrar no de dentro. Mas a soluca0 nao pode ser preconcebida ¢, mesmo que eles nao tives- RUGRAS RELATIVAS A OBSERVAGAO DOS FATOS SOCIAIS 29 sem afinal todos os caracteres intrinsecos da coisa, deve-se primeiro trati-los como se os tivessem. Essa regra aplica-se portanto a realidade social inteira, sem que haja motivos para qualquer excecio. Mesmo os fendmenos que mais parecem consistir em arranjos artificiais devem ser consi- lerados dese ponto de vista. O cardter convencional de uma prética ou de uma instituigdo jamais deve ser pr mido. Alias, se nos for permitido invocar nossa experién- pessoal, acreditamos poder assegurar que, procedendo lesa maneira, com freqléncia se tera a satisfacao de ver os fatos aparentemente mais arbitrarios apresentarem, (Gao mais atenta dos caracteres de cons- Jade, sintomas de sua objetividade. maneira geral, o que foi dito an- \criormente sobre os caracteres distint jente para nos certificar sobre a natureza dessa objet vidade e para provar que ela nio ¢ ilusoria, Com efeito, reconhece-se principalmente uma coisa pelo sinal de que (0 pode ser modificada por um simples decreto da von- le, Nao que ela seja refrataria a qualquer modificagao, para produzit uma mudanga nela, ndo basta querer, € preciso além disso um esforgo mais ou menos labori , devido a resisténcia que ela nos opde € que nem sem- . pocle ser vencidla. Ora, vimos que 0s fatos sociais propriedade. Longe de serem um produto de ssa vontade, eles a determinam de fora; sio como mol- ‘s nos quis somos obrigados a vazar nossas agdes, Com i@ncia até, essa necessidade é tal que ndo podemos, par a ela, Mas ainda que consigamos superd-l posi¢ao que encontramos é suficiente para nos advertir ‘que estamos em presenca de algo que nao depende «le nés, Portanto, considerando os fendmenos sociais co- » coisas, apenas nos conformaremos & sua natureza, 30 AS REGRAS DO METODO SOCIOLOGICO Em suma, a reforma que se trata de introduzir em so- ciologia é em todos os pontos idéntica a que transformou psicologia nos tltimos trinta anos. Do mesmo modo que Comte e Spencer declaram que 0s fatos sociais sto hes um método puramente Jeol6gico*. Com efeito, os empiristas, **na seus adversdrios, procediam exclusivamente por intros- peceio™. Ora, 0s fatos que s6 observamos em 1 mos siio demasiado raros, clemasiado fugazes, **demasia- do maleaveis para poderem se impor as nogdes corres- pondentes que 0 habito fixou em nés e estabelecer-Ihes a lei. Quando estas Gltimas nao sdo submetidas a outro con- trole, nada Ihes faz contrapeso; por conseguinte, elas to- ‘mam o lugar dos fatos** e constituem a matéria da cién- cia. Assim, nem Locke, nem Condillac consideraram os fe- ndmenos psiquicos objetivamente. Nao € a sensacio que cles estudam, mas uma certa idéia da sensacio. Por isso, ainda que sob certos aspectos eles tenham preparado 0 advento da psicologia cientifica, esta s6 surgiu realmente bem mais tarde, quando se chegou finalmente & concep- 20 de que os estados de consciéneia podem e devem ser considerados de fora, € nao do ponto de vista da cons- ciéncia que os experimenta, Tal foi a grande revolucao +e declarado que eles deviam ser extudados seguado 0 método das ciéneias fiscas. Eatetanto, na realidade, todos 08 trabalhos que Thes devemos reduzem-se a puras analises ideoldgicas, ndo menos que (08 da escola metalisica’. (RP, p. 480.) $6 empregavam o método rospectivo’. (RP, p. "para controlar eficazmente as nogdes comespondentes que habito Nxou em nos. Estas permanecem ponanto sem conitipeso; Em conseqincia, las se interpoem entre os ftos © ns" CRP, 9.487.) REGIRAS RELATIVAS OBSERVACAO DOS PATOS SOCIAIS 31 efetuou nesse 10 de estudos. Todos os proced mentos particulares, todos os métodos novos que eni queceram essa do si que meios diversos mais completamente essa idéia fundamental. E (© mesmo progresso que re: ciso que elt passe do estigio sul passado até agora, a bjetiva. Essa passagem, que s que nao parecem sequer separiveis. Interiores por d parece que s6 se pode traté-los como exteriores violen- tando sua natureza, E preciso nao apenas um esforco de », mas todo um conjunto de procedimentos e de los de inicio, tisticos, nos monumentos da his- as mods nas roupas, os Rostos nas obras de arte. Em virtude de sua natureza mesma eles tendem a se cons- Uituir fora das consciéncias individuais, visto que as domi- 1m, Para vé-los sob seu aspecto de coi portanto, torturi-los com engenhosidade, Desse ponto de vista, @ sociologia tem sobre a psicologia uma séria vant gem que nao foi percebida até agora € que deve apressar seu desenvolvimento. Os fatos talvez sejam mais dificeis de interpretar por serem mais complexos, mas sio mais cis de atinar. A psicologia, ao contratio, no apenas tem dificuldade de elabori-los, como também de perce- bé-los. Em conseqiiéncia, € licito imaginar que, no dia em que esse principio do método sociol6gico for unanime- mente reconhecido e praticado, veremos a sociologia pro- gredir com uma rapidez que a Ientidao atual de seu de- 32 AS REGRAS DO METODO SOCIOLOGICO senvolvimento nao faria supor, ¢ inclusive reconquistar a janteira que a psicologia deve unicamente a sua anterio- ridade histori Mas a experiéncia de nossos predecessores nos mos- trou que, para assegurar a realizagao pratica da verdade ‘que acaba de ser estabelecida, ndo basta oferecer uma de- monstracao teérica nem mesmo compenetrarse dela. 0 espirito tende t2o naturalmente a desconhecé-la que re- cairemos inevitavelmente nos antigos erros, se ndo nos submetermos a uma disciplina rigorosa, cujas regras prin- Cipais, corotésios da precedente, iremos formu! 1) O primeiro desses corolirios € que: F preciso des- cartar sistematicamente todas as prenocoes. Uma demons- tracdo especial dessa regra nado € necessaria; ela resulta de tudo © que dissemos anteriormente. lids, ela & a base de todo método cientifico, A davida metédica de Descartes, no fundo, nao é sendo uma aplicagio Se, no mo- mento em que vai fundar a ciéncia, Descartes impoe-se como lei por em dtivida todas as idéias que recebeu ante- riormente, é que ele quer empregar apenas conceitos cien- 1ente elaborados, isto €, construidos de acordo com (0 método que ele institui; todos os que ele obtém de uma outra origem devem ser, portanto, rejeitados, ao menos provisoriamente, Ja vimos que a teoria dos Idolos, em Ba- con, nao tem outro sentido. As duas grandes doutrinas que freqiientemente foram opostas uma 4 outra, concor lam nese ponto essencial. F preciso, portanto, que 0 so logo, tanto no momento em que determina 0 objeto de suas pesquisas, como no curso de suas demonstragdes, protba-se resolutamente 0 emprego daqueles conceitos REGRAS RELATIVAS A OBSERVAGHO DOS FATOS SOCLAIS 33 que se formaram fora da ciéncia e por necessidades que nada tém de cientifico. E preciso que ele se liberte dessas falsas evidéncias que dominam 0 espirito do vulgo, que se livre, de uma vez por todas, do jugo dessas categorias {que um longo costume acaba geralmente por inicas. Se a necessidade o obriga as vezes a re- tendo consciéncia de seu pouco valor, a fim de ndo as chamar a desempenhar na doutrina um papel de que nao sio dignas. em te. Apaixonamo-nos, com efeito, por nossas crengas pol \S € religiosas, por nossas priticas morais, muito mais do que pelas coisas do mundo fisico; em conseqtiéncia, ‘cariter passionall transmite-se 4 maneira como conce- mos € como nos explicamos as primeiras, As idéias que fazemos a seu respeito nos 80 muito caras, assim como seus objetos, € adquirem tamanha autoridade que nao su- portam a contradi¢ao. Toda opinidio que as perturba € tra- tada como inimiga. Por exemplo, uma proposi¢ao ndo es- acordo com a ideia que se faz do patriotismo, ou da nidade individual? Entdo ela € negada, nao importam, provas sobre as quais repousa. Nao se pode admitir itada categoricamente, € a dade de sugerir sequer um exame cientifico. © simples fato de submeté- assim como os fendmenos que elas exprimem, a uma fria € seca, revolta certos espiritos. Quem decide estudar a moral a partir de fora € como uma realidade ex- jor € visto por esses delicados como desprovido de senso moral, da mesma forma que o vivissecionista pare- vulgo desprovido da sensibilidade comum. Em ver 34 AS REGRAS DO METODO SOCTOLOGICO io at da yorda as ivel de seu ser, ki onde dorme a alma dos intepassados, um santuirio desconhecido do qual se ele- va por instantes um perfume de incenso, uma linha de salmo, um grito doloroso ou triunfal que, crianga, langou 20 céu junto com seus irmaos ¢ que o repde em stibita comunhiio com os profetas de outrora! Nunca nos ergueremos com demasiada forga contra essa doutrina mistica que ~ como todo ndo 6, no fundo, sendo um farcado, nega- dor de tod nentos que tém como obje~ tos s pois nao é outra sua origem. Também ¢ historicamente; so um produto da experigncia humana, mas de uma experiéncia confusa e inorganiza se devem a nao sei que antecipacao transcendental dat rea lidade, mas sio a resultante de todo tipo de de emocoes acumula cunstincias, sem interpretacZo metddica. Longe de nos proporcionarem luzes superiores as luzes racionai sao feitos exclusivamente de estados forte: mas confusos. Atribuir-lhes tal preponderdncia é conceder as faculdades inferiores da inteligéncia a supremacia so- bre as mais elevadas, € condenar-se a uma logomaquia satisfazer 08 espiritos que gostam de pensar com sua sen- sibilidade © nao com seu entendimento, que preferem as sinteses imediatas ¢ confusas da sensagio as anilises pa- de submeter esses mentos ao controle” CRP, p. 489.) cigneia, nao 0 critério da verdade cientifiea, De resto, na i@ncia que, em seus comecos, ndo tenha encontrado po em que os sent fisico, tendo eles opunham: portanto supor que, exp cia, esse preconceito acabard por desaparecer da propria mo refiigio, para deixar o terreno livre 2) Mas a regra precedente é inteiramente neg: Ela ensina o socidlogo a escapar ao dominio das nogdes vulgares, para dirigir sua atenglo aos fatos; mas nao diz como deve se apoderar desses tltimos para empreender n por objeto um grupo wido de fendmenos que correspondem & uma mesma def ro procedimento do soci6logo deve ser, portanto, definir as coisas de que ele trata, a fim de que se saiba € de que ele saiba bem o que esta e1 ‘questdo. Essa é a primeira e a mais indispensével cond io de toda prova e de toda verificagio; uma teoria, cor feito, sO pode ser controlada se se sabe reconhecer 0 (os que ela deve explicar. *Além do mais, visto ser por ‘essa cefinigdo que € constituido* 6 objeto mesmo da cién- ia, este serd uma coisa ou nao, conforme a maneira pela «qual essa definigao for feita Para que ela seja objetiva, € preciso evidentemente ‘que exprima os fendmenos, nao em funcdo de uma idéia espirito, mas de propriedades que Ihe sao inerentes. *"Goncee-se Fak e € ela que cons vente a importancia des (RP, p90) fnigdo inicial 36 LAS REGRAS DO METODO SOCIOLOGICO preciso que ela 0s earacterize por um elemento integrante da natureza deles, ndo pela conformidade deles a uma nogio mais ou menos ideal. Ora, no momento em que a pesquisa vai apenas comegar, quando os fatos ndo estao ainda submetidos a nenhuma elaboracio, os tinicos des- ses caracteres que podem ser mostram suficientemente exteriores para serem imediata- mente visiveis. Os que estio situados mais profundamen- te sio, por certo, mais essenciais; seu valor explicativo & ‘maior, mas nessa fase cla ciéncia eles sto desconhecidos 86 podem ser antecipados se substituirmos a realidade por alguma concepcio do espirito, Assim, € entre os pri- meiros que deve ser buscada a matéria dessa definicao fundamental, Por outro lado, & claro que essa detini deverd compreender, sem excegio nem distingdo, todos ‘0s fendmenos que apresentam igualmente esses mesmos caracteres; pois nao temos nenhuma razao e nenhum meio de escolher entre eles. Essas propriedades sio, en- Wo, tudo 0 que sabemos do real; em conseqiiéncia, elas devem determinar soberanamente a maneira como os fa- tos devem ser agrupados. Nao possuimos nenhum outro critério que possa, mesmo parcialmente, suspender os efeitos do precedente. Donde a regra seguinte: Jamas fo- ‘mar por objeto de pesquisas sendo um grupo de fenémenos previamente definides por certos caracteres exteriores que Thes sdo comuns, e compreender na mesma pesquisa todos ‘0s que correspondem a essa defini¢do. Por exemplo, cons- tatamos a existéncia de certo ntimero de atos que apre- sentam, todos, 0 cariter exterior de, uma vez efetuados, determinarem de parte da sociedade essa reacao particu- lar que € chamada pena. Fazemos deles um grupo sui ge- neris, ao qual impomos uma rubrica cour; chamamos ‘crime todo ato punido e fazemos do crime assim definido © objeto de uma ciéncia especial, a criminologia. Do mes- REGRAS RELATIVAS A OBSERVAGO DOS FATOS SOCIAIS 37 mo modo, observamos, no interior de todas as soctedadles nhecivel pelo sinal exterior de ser formada de individuos tangbineos uns dos outros, em sua maior parte, € que sto 08 Fendmenos da vida doméstica. Chamamos familia todo gregado desse tipo e fazemos da familia assim definida 0 jeto de uma investigacao especial que a beu denominagio determinada na terminol inda nao rece- ia- Quando abordarmos, por ‘exemplo, 0 estudo dod fernal, ou da familia patriarcal, comecare- por defini-los, ¢ de acordo com 0 mesmo metodo. O objeto de cada problema, geral como particular, deve ser constituiclo segundo o mesmo principio. Ao proceder dessa maneira, 0 socidlogo, desde seu primeiro passo, toma imediatamente contato com a real dade, Com efeito, © moxlo como os fats so assim ficados nao depende dele, da propensao particular de seu espirito, mas da natureza das coisas. O sinal que possibili- serem colocados nesta ou naquela categoria pode ser mostrado a todo © mundo, reconhecido por todo. o mun- o, € as afirmacdes de um observador podem ser contro- ladas pelos outros. f verdade que a nogio assim constitu cla nem sempre se ajusta, ou, até mesmo, em geral nao se justa, 4 nocdo comum. Por exemplo, é evidente que, pa- ra 0 senso comum, 0s casos de livre pensamento ou as faltas etiqueta, to regularmente € tao severamente pu- ilos numa série de sociedades, nao S40 vistos como crt- No sentido usual da pala- va, Mas nao importa; pois no se trata simplesmente de cortente € as idéias que estas traduzem, O que € preciso é constituir inteiramente conceitos novos, aprop lades indicador Por ele, somos informados de que existe em alguma parte Conjunto de fendmenos reunidlos sob uma mesma de- mais deixa de ter algum contato com os fent nos indica as vezes, mas de maneira geral, em que dite- estes devem ser buscados, Mas, como ele & grosseiri= mente formado, é natural que nao eoine com 0 conceito cientifico, instituido em seu lugar ela nio & muito observada em sociologia, Prec : or esta tratar de coisas das quais estamos sempre do, como a familia, a propriedade, o crime, ete. na ria dus vezes parece iniitil a0 socidloyo dares uma deli Aigo preliminar e rigorosa, Estamos tio habituados a ser. vir-nos dessas palavras, que voltam a todo instante no curso das conversagdes, que parece int do no qual as empregamos. As pessoas se refetem sim. plesmente & nogio comum. Ora, esta é muito freqtiente- mente ambigua. Essa ambigitdade faz que se retinam sob mesmo nome e numa mesma explicacao coisas, e cle, muito diferentes. Dai provem incxtrcavels con, ses. Assim, existem duas espécies de unides monoga- micas: umas 0 sio de fato, outras de direito. Nas prime. ras, 0 marido s6 tem uma mulher, embora, juridicamente, possa ter virias; nas segundas ele € legalmente proibido dle ser poligamo, A monogamia de fato verifica'se em va REGRAS RELATIVAS A OBSERVACAO DOS FATOS SOCIAIS 39 rias espécies animais & em certas sociedades inferiores, no de forma esporidica, mas com a mesma gener ‘como se fosse imposta por lei, Quando a populacdo est superficie, a trama social € mais frou xi, portanto os indivicluos vivem isolados uns dos outros for isso, cada homem busca naturalmente obter uma mu- her e uma 56, porque, nesse es ter varias. A monogamia obrigat6ria, ao contratio, 86 se observa nas sociedades mais elevadas. Essas duas especies de sociedades conjugais tém portanto uma signi- erente, no entanto a mesma palavra ser ve para designé-las; pois € comum dizer de certos animais que cles stio mondgamos, embora nada exista entre eles bordando o estudo do casamento, emprega a lavra monogamia, sem defini-la, com seu sentido usual € equivoco. Disso resulta que a evolugiio do casamento {que ele cr@ observar a forma superior da unio sexual ji nas primeiras fases do desenvolvimento hist6rico, #0 pa so que ela parece desaparecer no periodo interme Ele conclui dat que nao ha relagao para retornar & segu entre 0 progresso social em geral @ reg ressivo em diregio 4 um tipo perfeito de Uma definicao oportuna teria evitado esse erro! Em outros casos, toma-se 0 cuidado de definir 0 ob- jeto sobre o qual incidiré a pesquisa; mas, em vez de Ibranger na definigao € de agrupar sob a mesma eubrica todos os fenémenos que tém as mesmas propriedades ex- uma triagem entre eles. Escolhem-se lc elite, que sito vistos como os tinicos com 6 dircito a ter esses caracteres. Quanto aos demais, so considerados como tendo usurpado esses sinais distinti- vos € niio sto levados em conta. Mas ¢ facil prever que faz teriores uns, espéci 40 AS REGRAS DO METODO SocIOLOGICO maneira s6 se pode obter uma nocdo subjetiva truncada, com efeito, s6 pode ser feita com base numa idéia preconcebida, uma vex que, no co- mego da nenhuma pesquisa pode ainda estabele- ile dessa usurpacio, supondo-se que ela seja possivel. Os fendmenos escolhidos s6 0 podem ter sido porque estavam, mais do que os outros, de acordo com a concepcao ideal que se fazia desse tipo de realidade. Por exemplo, 0 st. Garofalo, no comeco de sua Criminologie, demonstra muito bem que o ponto de partida dessa cién- cia deve ser ‘a noclo sociol6gica do crime". $6 que, pa- ir essa noo, ele ndo compara indistintamente todos 0s atos que, nos diferentes tipos sociais, foram re- primidos por penas regulares, mas apenas alguns dentre eles, a saber, os que ofendem a parte média e imutdvel do senso moral. Quanto aos sentimentos morais que de- sapareceram durante a evolucdo, eles nao Ihe parecem fundados na natureza das coisas, por nao terem consegui- do se manter; por conseguinte, os atos que foram consi derados criminosos porque os violavam, Ihe parecem de- ver essa denominagao apenas a circunstincias acidentais, € mais ou menos patol6gicas. Mas é em virtude de uma concepgio inteiramente pessoal da moralidade que ele procede a essa eliminacio. Ele parte da idéia de que a evolugio moral, fomackt em sua fonte mesma ou nos arre~ dores, arrasta todo tipo de esc6rias ¢ de impurezas, que ela elimina a seguir progressivamente, ¢ de que somente hoje ela conseguitr desembaragar-se de todos os elemen- tos adventicios que, primitivamente, perturbavam-lhe 0 moral no sio menos funda que as partes imutaveis is na natureza das coisas do variagdes pelas quais as pri- KRGRAS RELATIVAS A OBSERVAGHO DOS FATOS SOCIAIS al meiras passaram testemunham apenas que as préprias as formas espectl pécies inferiores ndo so vistas como menos natura que as que se repetem em todos os graus da escala ani- mal. Do mesmo modo, os atos tachados de crimes pelas sociedades primitivas, € que perderam essa qualificagio, sio realmente criminosos para essas sociedades, tanto quanto 0s que continuamos a reprimir hoje em dia, Os primeiros correspondem as condi¢oes mutaveis da vida social, os segundos as condi¢des constantes; mas uns nao so mais anificiais que os outros. E tem mais: ainda que esses atos tivessem adquirido indevidamente o cariter criminol6gico, nem por isso deve- m ser separados radicalmente dos outros; pois a nature~ za das formas morbidas de um fendmeno nao é diferente cla natureza das formas normais €, por conseqiiéncia, cessirio observar tanto as primeiras quanto as segundas para determinar essa natureza. A doenga nao se opde & satide; trata-se de duas variedades do mesmo género € ue se esclarecem mutuamente. Essa € uma regea ha mui- (0 reconhecida € praticada, tanto em biologia como em psicologia, € que 0 socidlogo nao € menos obrigado a res- peitar, A menos que se admita que um mesmo fendmeno possa ser devido ora a causa, ora a uma outra, isto €, @ nos que se negue principio de causalidade, imprimem num ato, mas de maneira anormal, o sinal tivo do crime nao poderiam diferir em es \¢ produzem normalmente © mesmo efeito; Ise apenas em grau ou porque nao agem no mesmo (© de circunstancias. © crime anormal ainda é, por , um crime e deve, por conseguinte, entrar na definie » do crime. Assim, 0 que ocorre? O sr. Garofalo toma enero 0 que ndo é sendo a espécie ou mesmo uma les variedade. Os fatos aos quais se aplica sua formu- 42 AS REGRAS DO METODO SOctOLOGIGO a etiqueta, 0 cerimoni ceram de nossos c6d 10s molernos, preenchei Fo, quase todo o direto penal das sociechdes anteriores Ea mesma falta de método que faz que c ‘ vadores recusem 3 cas qualquer especie de mo- ralidade'. Eles partem da idéia de que nossa moral € ora, & evidente que ela desconhiecdta dos povos primitivos ou que 86 existe neles em estado rudimentae Mas essa definigio é arbitrria, Apliquemos nossa regra-¢ tudo se modifica. Para decidir se um preceito € moral ou nao, devemos examinar se ele apresenta ou nao 0 sina exterior dm consiste numa sancao represiva ifs, ou se, nama reprovagio da opinio. ab 10 do preceito, Sempre que tivermos em presenga de um fato que apresenta esse cam nas sociedades inferiores, como si mais numerosis do que enire os civics Uma qua tidade de atos atuaimente entregues a livre apreciagio dos individuos sio, entlo, impostos obrigatoriamente ercebe-se a que ertos somos levados quando nao defini mos, ou quando definimos mal Mas, dirdo, definir os fenémenos por seus caracteres aparentes nito sera atribuir as propriedades superficiais uma espécie de preponderiineia sobre os atributos fund: mentais? Nao seri, por uma verdaceira inversio da ordem e ; quando se define 0 crime pela pena, corre-se quase inevitavelmente o risco de set REGRAS RELATIVAS A OBSERVACAO DOS FATOS SOGIAIS 43 usado de querer derivar 0 crime da pena ou, conforme ‘uma citagdo bem conhecida, de ver no patibulo a fonte da vergon ido, Mas a objecdo tepous sobre uma confusio. Como a definicio cuja regra acaba- mos de dar esta situuada no comeco da ciéncia, ela nao ter por objeto exprimir a esséncia da realidade; poderi Ja deve apenas nos por em condigdes de chegar a isso tulteriormente. Ela tem por tnica fungao fazer-nos entrar se, como estas nd podem ser em contato com as coiss atingidas pelo espirito a nao ser de fora, € por seus exterio- res que ela. as exprime, Mas quer dizer que as cexplique; ela apenas fornece o primeiro ponto de apoio necessirio as nossas explicagdes. Claro, ndo é a pena que faz o crime, mas é por ela que ele se revela exteriormente és, ¢ ¢ dela portanto que devemos partir se quisermos a compreendé-to. 10 6 seria fundada se esses caracteres exte- ‘ao mesmo tempo acidentais, isto €, se 820 jados as propriedades fundamentais. De fato, nessas condigdes, a ciéncia ssinalado, nao teria meio algum de ir n dar-se mais na realidade, j4 que nao haveria nenhuma re- lacao entre ie eo fundo, Mas, a menos que © principio de caus: wwra va, quando ca- tacteres determinados se encontram identicamente © sem. nenhuma excecdo em todos os fendmenos de certa or- , pode-se estar certo de que eles se ligam it te a natureza destes diltimos e que sao solidarios com eles. Se um grupo dado de atos apresenta igualmente a pat cularidade de uma sangao penal estar a eles associada, & que existe uma ligagao intima entre a pena € os atributos Cconstitutives desses atos. Em conseqtiéncia, por mais su- perficiais que sejam, essas propriedades, contanto que te- nham sido metodicamente observadas, mostram clara- 44 AS REGRAS DO METODO SOCIOLOGICO mente ao cientista 0 caminho que ele deve seguir para penetrar mais fundo nas coisas; elas sdo o primeiro € in- dispensavel elo ue a ciéncia ind desenrol seguir no curso de suas explicagdes. __ Visto ser pela sensacdo que 0 exterior das coisas nos € dado, pode-se portanto dizer, em resumo: a ciéncia, pa- 1a ser objetiva, deve partir, no de conceitos que se for maram sem ela, mas da sensagao. E dos dados sensiveis. que ela deve tomar diretamente emprestados os elemen- tos de suas definicdes iniciais. E, de fato, basta pensar em que consiste a obra da ciéneia para compreender q nao pode proceder de outro modo. Ela tem necessidade de conceitos que exprimam adequadamente as coisas tais si0, ndo tais como é preciso, pois, que ela crie novos e que, para tanto, afastando as nogdes co- muns ¢ as palavras que as exprimem, volte a sensacao, matéria-prima necessaria de todos os conccitos, E da sen- sago que emanam todas as idéias gerais, verdadeiras ou falsas, cientificas ow nao. Portanto, o ponto de partida da ciéneia ou conhecimento especulativo nao poderia ser outro que o do conhecimento vulgar ou pritico, E somen- te além dele, na maneira pela qual essa matéria comum & claboracda, que as divergéncias comecam, 3) Mas a sensacdo € facilmente subjetiva, Assim € de regra, nas ciéncias naturais, afastar os dados sensiveis que correm 0 isco de ser demasiado pessoais ao observador, Para reter exclusivamente os que apresentam um suficien- te geau de objetivi ico & substituir as vagas impressdes que a temperatura ou a eletricidade produzem pela representagao visual das oscilagdes do ter mOmetro ou do eletrémetro. O socidlogo deve tomar as mesmas precaugdes. Os caracteres exteriores em funcao REGRAS RELATIVAS A OBSERVACHO DOS PATOS SOCIAIS 6 los quais ele define o objeto de suas pesquisas devem ser to objetivos quanto possivel Pode-se estabelecer como principio que 0s fatos so- ciais sao tanto mais suscetiveis de ser objetivamente re- presentados “quanto mais completamente separados dos fatos individuais que os manifestam*, De fato, uma sensagio é tanto mais objetiva quanto maior a fixidez do objeto ao qual ela se relaciona; pois a condigio de toda objetividade € a existéncia de um ponto de referéncia, constante € idéntico, a0 qual a representa- ‘cdo pode ser relacionada © que permite eliminar tudo o que ela tem de varidvel, portanto, de subjetivo. Se os tni- cos pontos de referencia dados forem eles proprios varia. se forem perpetuamente diversos em felacdo a si mesmo:

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