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III - cradápio: miolo na mão bem passado

nossa participação neste espaço. Daí, sua compreensão é


III - cardápio: miolo na mão bem passado central para a leitura da proposta-pergunta de espaços de
(re)união. Vejamos brevemente como ocorreram, e ainda
práticas de arquitetura e ensino, ocorrem as coisas neste espaço de liberdade, critica ativa e
que alimentam a proposta-pergunta dos espaços de criação.
(re)união.
O LabHab gfau “partiu de uma vontade dos alunos de completar
“Os ‘mekanicos’ da escola de Heron dizem que sua formação acadêmica através da extensão universitária.
‘mekanika’ pode ser dividida em uma parte teórica Acreditando que o ensino de arquitetura não pode estar afastado
e outra manual; a parte teórica é composta de do processo de construção do ideal desenhado, não pode
geometria, aritmética, astronomia e física; a manual
em obras de metal, arquitetura, carpintaria, pintura e ignorar a existência do canteiro de obras e relações sociais que o
todas as habilidades inerentes às mãos. O homem compõe.
que foi treinado desde sua juventude nas Reconhecendo a função da arquitetura, o labhab atua de forma
mencionadas artes, e em adição tem uma mente mediada com a sociedade civil organizada, de modo que
versátil, seria, eles dizem, o melhor arquiteto e
inventor de dispositivos ‘mekanicos’.Mas como é
estudantes e professores possam através da extensão universitária
impossível para a mesma pessoa, familiarizar-se aplicar e enriquecer o conhecimento da atual produção da
com tantos estudos matemáticos e ao mesmo universidade pública (...).
tempo aprender as acima mencionadas artes, eles Assim estamos propondo uma discussão de questões não
aconselham uma pessoa querendo dominar tarefas tratadas em sala de aula, que nos coloque diante de problemas
práticas em ‘mekânica’ para usar os recursos de
um pela experiência concreta em sua específica concretos advindos de situações reais.
atividade” (Pappus de Alexandria, séc III, em Esse é o caráter do laboratório para não deixar a chance de
Katinsky: 3. Demonstra a antiguidade de nossa experimentar, acertar e errar para depois de formados; mas
conversa) construir um conhecimento apoiado no ensino, pesquisa e
extensão, onde cada pensar leva a um fazer e cada fazer a um
novo pensar” (portfólio de documentação dos projetos realizados
Antes de visitarmos as atividades de pesquisa-ação e a proposta- pelo laboratório, 2000:1).
pergunta em questão, vejamos algumas práticas de arquitetura e
de ensino que já muito avançaram diante da regra geral Organizado principalmente sem apoio institucional da faculdade,
estabelecida, que a pouco tentamos caracterizar. e financiado pelo Grêmio dos alunos dessa Faculdade, é regido
São práticas que já deixaram de ser realizadas, ou se fazem agora apenas pelas vontades de aprendizado de cada estudante
e hoje, mas nos cantos do ‘salão’, longe de câmeras, jornais e através de plenárias semanais abertas, decidindo seus rumos
antenas de televisão. com “cada cabeça um voto”, seja de professor ou estudante, o
laboratório perdura até hoje, com a realização de mais de 100
Dedicaremos mais energia para as práticas desconhecias do atividades dentre seminários, atos, exposições, intervenções,
público geral; as já bem documentadas, apenas citaremos, de viagens, festas, projetos e acompanhamento de obras e mutirões,
modo a “marcar posição”. Daí, se de interesse do leitor por publicações, levantamentos, coordenação de encontros, artigos,
maiores detalhes e informações, há indicação bibliográfica a fim shows... Atravessou momentos dos mais diversos, dias de
de encaminhar as questões. Há publicações, e outros meios para intensas atividades e períodos com poucos integrantes.
seu conhecimento, mais indicados que o presente veículo,
apenas uma explosão. Dentre suas atividades foi variável também sua forma de ação
política, atuando ao lado de movimentos populares, apoiando
Bom apetite, mas cuidado, o final ainda não está próximo, guarde suas lutas contra o capital urbano, ocupou edifícios, ministrou
espaço para o que vem depois, mais adocicado e feliz, do que se cursos, projetou escolas e equipamentos em geral... viajou a ilha
pode supor. socialista através do projeto Brás Cuba.

labhab gfau Um mecanismo pedagógico, alcançado diversas vezes durante


seu caminhar, foi a aplicação radical dos já mencionados
O Laboratório de Habitação do Grêmio dos alunos da Fau, indissociáveis ensino, pesquisa e extensão. Prática negada a
fundado em março de 1997 por um expressivo grupo de grande maioria dos alunos da Fau. Funcionou como uma
estudantes, inspirou-se no Lab Hab da faculdade de arquitetura e máquina efusiva de produção de conhecimento motivando
urbanismo da Belas Artes coordenado por professores da escola, loucamente estudantes a buscar respostas às situações das mais
e fechado por sua direção por aproximar demais seus alunos da adversas com as quais deparavam em suas ações. Introduzia-se,
realidade social da periferia urbana. por consequencia, uma postura na sala de aula e na pesquisa
bibliográfica, uma energia incomensurável de fome por
Grande parte das questões que aqui levantamos são fruto de conhecimento.

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Tentativa, erro, acerto... processo aparentemente banal, mas que recusávamos entendo que a criação de um aparato jurídico
Canteiro experimental da fau
a fau não nos propicia. Em quase todas as reuniões passávamos amarraria as ações, cristalizaria cargos, funções... Daí sua “Antonio Domingos Battaglia”
horas a debater “onde foi que erramos”, e o que fazer, o que moradia: o Gfau, entendido como um abrigo estratégico
propor para amanhã: o equívoco, a dúvida diária foi uma de transitório, de luta pela extensão universitária, pois acreditávamos “O Canteiro Experimental é um equipamento da faculdade de
nossas maiores forças. que um dia a faculdade pudesse cumprir essa função, mas Arquitetura e Urbanismo.
mantendo a liberdade criadora dos estudantes, a permissão da Um dos seus mais significativos objetivos é ajudar a (re)encontrar
Um dos artigos escritos pelo laboratório na revista caramelo X, busca, do questionamento, sempre autônomos, coisas que hoje para a formação do arquiteto as importantes ligações entre a
que versava sobre o ensino, bem demonstra isso: “questionamos vemos como extremamente raras na formação de qualquer idealização e a prática construtiva. Através dos exercícios e da
a distância do ensino arquitetônico com a vida de grande parte da pessoa. pesquisa, ampliar o conhecimento na área da construção voltado
população. De como efetivamente se constrói, cria-se e se vive a especificamente para os interesses do ensino da arquitetura.
construção real, desumanamente distante do ideal acadêmico Uma relação que deve ser preservada é a relação com os A proposta de trabalhar as diversas possibilidades construtivas
desenhado, e da tecnologia muito por nós pesquisada, mas nem professores. A partir de bases que permitiam nossa total liberdade com os estudantes do curso de graduação existe, na escola, há
sempre, ou sequer, por todos aplicada.Foi um importante de ação, contamos com seu apoio, ajuda, compreensão, alguns anos.
momento para o laboratório rever e amadurecer seus objetivos e respeito, permeabilidade. O ambiente do laboratório permite que O professor que dá o nome ao equipamento foi um dos pioneiros
posturas; até certo ponto precipitadas e assistencialistas, talvez se realize de modo quase que utópico a relação docente discente (infelizmente já falecido) a trabalhar essa proposta” (sitio na
viciadas por práticas tão comuns na sociedade”. igualitária, enquanto seres políticos, pois é óbvio que a Internet, sobre o canteiro experimental da fau).
experiência e a autoridade (aqui no sentido autoral da palavra)
A revista contravento, publicada em 2003, demonstra a riqueza da entre professor-aluno é diferente. Desta forma, de fato, o O “canteiro”, assim conhecido pelos alunos da fau, tem
busca constante de saídas, pretendia “chegar nas outras escolas aprendizado é mútuo, obrigado àqueles professores. importante papel a cumprir na formação dos futuros arquitetos e
também, a outros estudantes que como nós pensem (e talvez hoje urbanistas uspianos, apesar de ainda não merecer a devida
não acreditem) em mudanças, e quem sabe (sonhar alto, ou o sol Havia entre os próprios alunos uma relação de formação coletiva atenção pela escola como um todo.
ao alcance das mãos?), chegar nas fábricas, nas fazendas, nas do conhecimento, também muito rara. A cada ano entram novos
ocupações dos trabalhadores sem-teto, ponto de partida de estudantes, e isso era motivo de festa, de organizar a casa para Abordando o Doutorado de Reginaldo Ronconi, coordenador do
muitos estudantes que hoje atuam no Lab Hab. (...) A construção “novos visitantes”, momento importante de síntese, de avaliação, espaço do canteiro, podemos nos aproximar mais um pouco do
de uma síntese coletiva é por enquanto uma tentativa, dá os seus pois deveríamos apresentar-nos. caráter das atividades ali realizadas: “(..) ao falar de um canteiro na
primeiros e incertos passos. Trabalho árduo, cheio de obstáculos, escola de Arquitetura e Urbanismo, não propomos um lugar para o
como todas as obras que nascem do chão, e que são fruto de Que assim fosse, mas essas vivências não alcançavam uma exercício de habilidades construtivas apenas, nem um laboratório
muitas vontades, cabeças, e mãos... é preciso lançar as bases! A maior parte dos alunos, sempre lutamos para sua ampliação. para ensaio de corpos de prova. Deve ser um espaço onde o
publicação nasce pequena – para ir crescendo? Aos que pensam Parece que enquanto a instituição universidade seguir o caminho exercício da síntese possa acontecer. Não um canteiro da
arquitetura, aos que vivem arquitetura, e aos que não tem do gerenciamento eficiente e operacional de suas tecnologia, mas sim um canteiro da arquitetura” ( Ronconi: 155)
arquitetura, atenção: queremos mais.” ‘responsabilidades’, mencionado anteriormente, estaremos
fadados a seguir em paralelo, sempre batendo num corpo inerte, Como já abordado anteriormente, a Fau está longe de constituir
A busca frenética se arma: “Projeto, aquele que quer uma outra e fechado aos questionamentos e às alterações estruturais, pois uma escola uniforme em suas concepções de arquitetura, de
(arquitetura) para uma nova (cidade). Projeto, como gostamos de seus conselhos pretensamente recebem os estudantes como métodos pedagógicos, até mesmo de objetivos. Cada disciplina,
falar, trincheira, defesa e, ao mesmo tempo, ataque. atores participantes do processo, mas o dia que de fato isso através de seu professor(es) observa a formação do arquiteto de
Idéias, e prática propostas, mas não temos ainda respostas; em ocorrer, e os estudantes sentirem-se sujeitos do futuro da seu ponto de vista. Para o professor de projeto, as aulas que
processo, desconfiamos que a ‘apropriação’, colocada pelos universidade, talvez se movam mais adiante. Daí sua ação política ministra, o modo que as conduz é coerente com aquilo que
estudantes (na maioria dos trabalhos enquanto discurso, em não ocorreria apenas nos momentos de explosão contestatória, acredita, e que gostaria que fosse observado como importante na
alguns enquanto desenho, representação gráfica) possa indicar o como nos dias em que ocupam cursos pagos das fundações, ou formação dos futuros arquitetos, imaginando que o que cada
sentido, ou ao menos a direção: dar um passo além, rumo à em que realizam atos e greves, mas no dia a dia, não professor leciona não se trata de uma relação meramente formal,
superação” (revista contravento 0, LabHabGfau, 2003:1). burocraticamente, mas vivencialmente. Enquanto isso, teremos fria, mecânica diante um currículo mínimo necessário. Espero
de continuar buscando isso, nós mesmos, pelos nossos próprios que eles no mínimo ‘acreditem’ naquilo que lecionam.
Nas atividades com os calouros realizávamos construções “na meios, pois “ninguém sai de cima do pudim sozinho”.
qual todos tivessem a mesma porção de responsabilidade pelo Até aí nada de mal, o fazem com zelo. Temos aí, creio eu, na Fau
resultado final”, coisa impensável para a vida de um arquiteto, Vejamos rapidamente algumas atividades realizadas nos últimos algo que raramente se encontra mundo afora nas faculdades:
com seu Crea e milhares de meios para a manutenção e anos. Antes, apenas como alerta: o labhab difere-se radicalmente uma infinidade, uma riqueza de disciplinas que nos dá uma visão
instauração de sua tão “cara” responsabilidade vertical. (e não quer ser confundido) dos escritórios modelos ou das mais amplas na universidade. Isso, de forma alguma é um
empresas juniores que pretendem apenas reproduzir, mimetizar- problema. Talvez o problema ocorra na separação, na
Por diversas vezes convocávamos o restante da Fau a participar se à prática profissional de suas profissões, “acreditando na compartimentalização, na construção individualizada de cada
dos ciclos de estudos e formação em torno das experiências transformação da arquitetura através do projeto”. O labhabgfau, aprender fazer, daí, de como aprender fazer.
aplicadas. Articulávamos coisas separadas pela burocracia, além de nunca pretender entender sua experiência como modelo A abordagem por tantos temas não é o problema, é o modo que
ligávamos pontos, conhecimentos e práticas separadas pela para qualquer atuação, assume um iminente “caráter de se faz: disponibilizar, entregar, oferecer... uma ali, outra mais
eficiência da modernidade. Um turbilhão livre de amarras. resistência, como uma ocupação, como um canteiro livre” depois, aquela antes... de modo não integrado, não articulado e
Sempre que alguma atividade nos levava no sentido da (publicação LabHabGfau set 2002:13), dentro de uma fau ociosa, nem organizado com o objetivo único e primeiro de uma
institucionalização, ao observarmos suas implicâncias, então as limitada e incompleta. universidade pública: produzir conhecimento crítico.

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Daí, o que ocorre? Observando-se o currículo da fau, podemos Mais disciplinas poderiam se utilizar dele, junto com outras, talvez
imaginar o seguinte: avançássemos mais. Não cabe dizer aqui o quanto seria
suficiente, mas o certo é que se trata de pouco.
Basearam-se numa listinha: “tem aquilo, aquilo é importante, mas
e aquilo, ah, também, então pronto, tem tudo, completo! Vamos Muitos professores da Fau sequer conhecem o espaço. Muitos
tomar uma cerveja !” professores sequer se conhecem. Outras vez, na greve de 2000,
tivemos encontros interessantíssimos: pela primeira vez um
Quando deram conta do problema já estavam todos professores departamento viu quem era o outro, professores tropeçavam em
em suas salinhas, um de manhã, outro depois de amanhã, eu professores a dar à vista!
não, dou aula só hoje... ontem, não. E daí, nunca mais se
falaram. Quando se falaram, por que estava ficando impraticável, Diante dessa ‘pedagogia’ das disciplinas da Fau, que esperar?
organizaram um fórum, que pensou e realizou de tudo, mas suas Que o bondinho de nossas cabeças estudantis que passam por
conquistas ficaram no caminho. Houve brigas, encontros, todas as disciplinas façam o papel de colagem de tudo? Sim, é
desencontros. E atualmente, como a estrutura de poder, a possível, tanto é que assim fazemos, mas como tudo isso vem?
organização operacional citada no início de nossa conversa, não Como tudo isso acontece? Estanquemente. Caixinhas cerebrais,
coopera para a integração... serviços cerebrais separados. Depois em sua aplicação a ligação
que não se estabeleceu no processo de apreensão, é dificultada
Sei que a narrativa é simplista e quase criminosa, mas é apenas e problemas daí advindos são naturalizados. Gostaria de estar ao
para dizer que as pessoas não são “más”, sorrindo quando lado, agora, de um especialista em cerebrologia de modo a
chegam em casa: “hoje eu separei mais uma disciplina, vou colocar os pingos neste is de forma mais acertada, mas me
conquistar o mundo!”, trata-se um movimento de inércia, de parece que o recado foi dado.
naturalização das coisas, que tende a cristalizar funções,
tornando-se funcionais, repetitivas, sem a vida necessária para Seguimos adiante, vejamos o que nos interessa neste espaço em
gerar sinergia de contato, integração. potencial, subutilizado pela Fau e, conseqüentemente, pela
cidade:
Falta o espaço público da fau que poderia fazer frente a esse
movimento, natural até as forças do universo. O salão caramelo “O contato com a materialidade da arquitetura através da
está vazio... as reuniões da congregação são numa salinha construção instiga o aluno a um olhar mais crítico podendo propor
escura e fria. Outro dia houve até uma reunião da ‘congregação novos conceitos de canteiro, novas técnicas construtivas e, ainda,
aberta’, quer dizer mesmo que ela se sabe, se considera e pensar na condição do trabalhador da construção civil no Brasil”
continua: fechada. Como caminhar? Às vezes parece tão (Ronconi:212).
elementar...
“O contato com os técnicos do laboratório, com o esforço
Algum problema? Temos aqui uma nova disciplina! necessário para realizar certas tarefas (como preparar argamassa,
por exemplo) ajuda a construir a dimensão do trabalho que está
Daí, voltando ao canteiro experimental, ele está lá, bem, quando é oculta sob a folha do papel, ou hoje, sob as telas dos
utilizado objetiva cumprir com as funções acima elencadas. Mas, computadores” (Ronconi: 212).
como se insere na lógica disciplinar da Fau, tem sua
potencialidade ‘castrada’. As questões ‘do canteiro’ se Maravilha, e vemos ainda que neste canteiro, a “experiência de
institucionalizam. Levante uma questão sobre a prática da conviver com conhecimentos diferentes e complementares, ajuda
aplicação material numa disciplina de estruturas, “ah, isso é lá no a compor pontos de vista mais cooperativos”
canteiro, aqui é outra coisa: hp”. (Ronconi:212).

Novamente, como conversado logo no início, quando reservado “Durante os trabalhos um caráter meio lúdico aparece. Aflora em
o local para a ocorrência da crítica, à universidade, a crítica tende todo gesto uma responsabilidade pessoal e intransferível que
a deixar de ter sua importância no resto da sociedade; bem como alicerça um sentimento de liberdade obtida pelo reconhecimento
o ensino, reservado às escolas; bem como a construção, temos o de possuir conhecimento e pela possibilidade de sua aplicação. A
canteiro da fau. junção dessas duas coisas estabelece uma condição de
segurança, uma condição de vitória frente as dificuldades.É como
Quando se utiliza o canteiro, maravilha, avanços importantíssimos um sentimento que o curso todo deveria buscar em cada
ocorrem, como veremos mais adiante, mas é por poucas vezes, momento, em cada disciplina, para que o futuro arquiteto
se comparado com o ideal, que fizesse cumprir o papel de saísse da escola com mais confiança em sua capacidade e
formação completa de um arquiteto, a fim de permitir visualizar a com menos braveta em seu discurso” (Ronconi:220).
matéria, o peso de seu traço leve, e daí a (o)pressão (até mesmo
do peso, física) sobre o operário que carrega o pesado do traço Como se vê, sua utilização sistemática é realmente necessária.
leve.
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De modo a complementar a caracterização do canteiro pode ver nas imagens: lapiseiras e alicates, réguas de plástico e Significa trabalhar com os usuários de cada obra para
experimental da Fau Usp, e seu relacionamento com uma pazinhas sujas; e fazeres que hoje se encontram distantes: passar compreender melhor as suas necessidades e para passar-lhes
disciplina do departamento de tecnologia, ministrada na matéria uma massa e o desenhar como será o objeto, discutir o fazer informações que lhes possibilite compreender a participar das
AUT – 182 pelos professores Reginaldo Ronconi e Khaled com um instrumento de desenho nas mãos! Isso parece até decisões sobre o seu bairro”.13
Goubar, pus-me a acompanhar suas atividades durante o elementar, mas é coisa que deveria entremear nossa formação de
primeiro semestre letivo de 2004. cabo a rabo! Tratava-se de uma ação radical na cadeia de produção de
equipamentos públicos, sendo que, quase todas as etapas
Segundo o programa da disciplina, destinada para alunos do Ao final do exercício foi colocada a prova o funcionamento encontravam-se sob comando do poder público, a fim de
primeiro ano, recém ingressos na faculdade, visava “estimular por estrutural do modelo com o carregamento vertical de mais de socializar os meios de produção e formar operários que
meio da observação da natureza, as questões estruturais e 250kg, o que causou espanto a todos. Aí entra uma conversa de participassem de um processo de formação libertadora no
construtivas, formulando um suporte para discutir a transformação “qual desenho para qual material”, pano para manga para as canteiro de obras. Objetivava ensaiar uma ruptura com o modo
do espaço através da arquitetura e do urbanismo.(...) Destaca-se a outras infinitas disciplinas abordadas pela Fau. Eram atividades capitalista de produção, ainda que em pequena escala.
discussão sobre o significado da evolução da tecnologia e a que poderiam muito bem estar no “depto. interdepartamental”.
postura do arquiteto frente às suas possibilidades. As aulas Apesar de a eleição de Luiza Erundina não coadunar com
teóricas são complementadas com atividades de práticas de O mais “bacana” foi ver as cúpulas romperem! O coletivo de transformações sociais mais estruturais, suas conquistas são de
experimentação e construção de modelos no canteiro estudantes regozijava. Talvez fosse aparentemente estranho, grande abrangência, não apenas por sua produção de
experimental como iniciação na relação entre projeto e quando deveriam ficar felizes de vê-las de pé. A descoberta do equipamentos que beneficiou milhares de pessoas, mas também
construção. Adicionalmente são feitas visitas técnicas a obras e/ou erro gera busca por respostas. Nesse sentido, o empirismo, pelo processo de qualificação e formação da mão de obra
a indústrias de materiais de construção”. O exercício de mesmo quando leva a um resultado catastrófico, não nos faz mal. cooperada, bem como pelas economias do erário (se o Cedec
construção de modelos teve a seguinte proposta: “Elaboração de não tivesse sido fechado certamente as obras dos recentes Ceus
um projeto para execução de modelo de uma cúpula catenária – Centros de Educação Unificados teriam custado uma quantia
construída em escala 1:20 com raio de 4,40m. Serão utilizados enormemente inferior às repassadas às empreiteiras. A atual
blocos de gesso existentes no laboratório e eventualmente Cedec - Centro de Desenvolvimento de gestão, talvez empurrada pelos ventos neoliberais da década de
construídos pelos próprios alunos. Trabalho em grupo de 6 ou, no 90, e por objetivos de manutenção no poder a todo custo, tornou
Equipamentos Urbanos e Comunitários da
máximo, 7 alunos por grupo. Deverá ser apresentado um relatório a tarefa de intervenção direta do estado na formação de
sobre o desenvolvimento do exercício.Serão avaliados os Emurb empresas públicas de construção algo hoje impensável ) devido
seguintes aspectos: registro do processo, solução construtiva a não necessidade de realização de licitações para os projetos e
adotada, conteúdo do relatório, organização e peças gráficas O CEDEC – Centro de Desenvolvimento de Equipamentos obras, que resultam, invariavelmente, em maiores custos devido a
(desenhos, fotografias etc)”. Urbanos e Comunitários da Emurb era uma fábrica municipal mais valia extraída pelos empresários.
que pesquisava e produzia “soluções novas e adequadas para a
Dentre os diversos aspectos vivenciados na disciplina, em construção de escolas, creches, postos de saúde, canalização de
conjunto de professores e alunos, pude identificar as seguintes córregos, abrigos, lixeiras, play-grouds, etc.11 em argamassa
práticas relevantes para consideração em nossa proposta- armada”. (folheto interno de divulgação do Cedec: capa).
pergunta:
Apesar deste título, aparentemente sem qualquer “novidade”, se
- apresentação de repertório inicial de abordagem crítica observarmos com um maior cuidado os seus objetivos e modo
instigando a participação ativa dos alunos na visualização de de produção, talvez fique mais claro o por quê de sua inserção
fenômenos estéticos e sociais. neste cardápio.

- integração dos estudantes com a descoberta de novos No Cedec, sob a gestão petista de Luiza Erundina, governo
conhecimentos através de seminários de apresentação em certamente à esquerda da atual gestão petista, sob a direção da
grupos sobre os “Dez livros da Arquitetura” de Marco Lúcio arquiteta Mayumi de Souza Lima, a construção dos
Vitruvio, tradução de Marco Aurélio Lagonegro. Nestas atividades equipamentos comunitários, onde eram fabricados os próprios
há sempre aqueles mais e menos interessados em participar, elementos construtivos, dava-se por meio da “Cooperativa de
sendo que um dos grupos organizou uma fantástica peça teatral Trabalhadores da Construção Civil Vila Curucá”, com 277
sobre o tema. O importante é dar abertura para a liberdade de associados (com dois anos de funcionamento o Cedec tinha
criação dos alunos. uma capacidade produtiva mensal de por exemplo: três creches,
1 canalização de córrego, 200 lixeiras e 40 abrigos de ônibus).
- na construção do modelo, que tinha como peça chave instigar
os alunos a tramar um método, criando um processo construtivo Os objetivos do CEDEC eram certamente amplos, nele “a
próprio da cúpula catenária, exigindo a invenção de gabaritos, qualidade começa no desenho do projeto e passa por toda a
dos mais diversos, segundo discussão coletiva, pude notar a produção até chegar a obra e por isso é um trabalho coletivo de
importância do enlamear os dedos em grupo no gesso. Foi técnicos e operários.
possível encontrar pelos cantos instrumentos e fazeres que Significa qualificar os nossos operários, com alfabetização, com
raramente se vêem juntos nos campos de trabalho, como se treinamento e conscientização.

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Devido a conjuntura política e aos limites impostos pelo atual cooperativas de construção
sistema econômico, a implementação de sua proposta enfrentou
problemas dos mais diversos, que servem de valiosa lição para o
Este tópico é central para a proposta-pergunta dos espaços de
que se pretende aqui propor. A partir dos relatórios do período de
(re)união.
funcionamento da fabrica podemos tirar algumas conclusões.
Durante os estudos realizados nos deparamos com diversas
questões que entremeiam o tema.
Vale antes dizer que, findada a gestão que o criou, o Cedec foi
rapidamente desmantelado pela gestão seguinte. Atitude
O cooperativismo surge no berço da revolução industrial17 como
diferente desta não era de se esperar de um dos prefeitos que
alternativa de organização econômica de prática autônoma entre
mais teve inescrupulosas relações com a camada social
pessoas, que não a empresarial-industrial. Seus objetivos e
composta pelos empreiteiros de grandes e pequenas obras
métodos iniciais eram certamente diferentes dos atuais. O que vai
públicas. Paulo Maluf deve ter assinado o decreto de seu
nos interessar mais de perto é a recente intersecção desta
fechamento com um sorriso dourado.
alternativa de modo de produção com a produção da arquitetura
e do urbanismo.
A conclusão de um dos relatórios é comovente: “Na medida em
que o canteiro de obras que vai transformando-se em escolas,
A partir de conversas com pessoas que trabalham com o tema
postos de saúde, creches, canalizações, instala-se também parte
(principalmente os integrantes do projeto Escola Itinerante),
do projeto de uma nova sociedade que nós estamos ajudando a
pudemos compreender melhor quais os entraves para sua
amadurecer e a continuidade desse trabalho, se não pode ser
consolidação atual.
garantida em decorrência das instabilidades políticas, é tão
necessária quanto a capacidade de sonhar, faça sol ou faça a
Como vimos no tópico que aborda o Cedec, verificamos que
mais absurda das tempestades” (relatório de atividades
suas obras eram erguidas de forma cooperada, através de uma
desenvolvidas, DDM – Departamento de Montagem e
cooperativa de construção. Como mencionado, uma de suas
Manutenção, outubro de 1992:15).
maiores dificuldades foi a de inserir os operários no “espírito da
coisa cooperada”. Há uma enorme dificuldade de pessoas de
Adentrando na avaliação das tempestades enfrentadas, as que
baixa renda, com 500 anos de “fome de direitos” em todos os
mais parecem nos interessar são as seguintes: “trabalhadores em
sentidos, terem de uma hora para outra, além de ganhar pouco,
períodos recessivos não escolhem autonomia ou liberdade:
de buscar algum “espírito de cooperação” mais apurado para
prefere ser empregado, receber ordens para poder aguardar o
qualquer coisa que seja.
13º, férias, abonos, inviabilizando qualquer idéia de cooperativa”;
além da identificada falta de experiência e qualificação para
Essa idéia de “vamos participar”, “vamos decidir juntos”, muitas
realização das mais diferentes atividades.
vezes somente ressoa nos ouvidos dos filhos das classes “melhor
É interessante notar o percurso do arquiteto, que paulatinamente, financiadas”, que temos tempo para ler, estudar, ler denovo,
Outro caldo que também nos interessa é o emprego de
a partir de cada nova fábrica, desenvolveu crescente liberdade de pensar, escrever tfg´s longos... tivemos nossos corpos
elementos mais ou menos articuláveis, conformando um sistema
articulação dos elementos pré-fabricados, como uma luta contra domesticados para ficar sentados horas a ouvir e discutir coisas
construtivo. Apesar de, segundo o depoimento de Reginaldo
alguns dos problemas resultantes da padronização de elementos às vezes consideradas etéreas para vidas outras que tiveram de
Ronconi, chefe do Departamento de Montagem e Manutenção
construtivos que constituam um sistema. resolver seus afazeres a cada momento (sem serviçais). Estamos
do Cedec, o sistema ser um reconhecido avanço, ainda
mal acostumados, e eles também.
apresentava alguns entraves, pois não era um sistema aberto a
Em sua última fabrica, direcionada à rede Sarah de hospitais,
ponto de permitir uma total liberdade de soluções de plantas e
representada nas fotografias acima, pode-se notar a riqueza de Tomemos cuidado, isso tudo pode ser mal interpretado: o que
espaços de modo mais flexível.
soluções encontradas, cada qual com suas características quase estamos dizendo é que, para formar cooperativas, talvez
que específicas. precisamos de mais tempo, mais cuidado. Não que as famílias de
O sistema empregado recebeu consultoria do arquiteto João
baixa renda não queiram trabalhar de formas menos alienantes e
Filgueiras Lima, Lelé, devido sua experiência em sistemas
Além disso, nota-se também em todas unidades produtivas onde de modo mais autônomo. Longe disso, é que na atual conjuntura
construtivos em fábricas similares, sob sua coordenação:
Lelé trabalhou a constante dependência das mesmas a briga é por arroz e feijão no prato. Talvez entendam melhor os
RENURB – Fábrica da Companhia de Renovação Urbana de
“instabilidades políticas” enfrentadas em São Paulo. que estão sem comer a mais de uma refeição.
Salvador, de 1978 a 1982; depois em Goiânia, na Fábrica de
Abadiânia, de 1982 a 1984; na Fábrica de Escolas e
Há sempre “adversários” políticos dessas práticas de produção Daí, formar cooperativas deve ser feito com cuidado, de forma
equipamentos urbanos do Rio de Janeiro, de 1984 a 1986 e na
mais organizadas, racionais, econômicas e bonitas (aqui talvez já objetiva e com estrutura que permita que as pessoas possam
FAEC – Fábrica de Equipamentos Comunitários, novamente em
compreendendo ‘beleza’ segundo “uma outra estética”, que fazer e refletir, ao mesmo tempo.
Salvador, em 1985 a 1989. Depois ainda veio a organizar o CTRS
observa o processo produtivo da coisa) , pois todas foram
– Centro de Tecnologia da Rede Sarah Kubitschek, unidade de
fechadas por um e outro prefeito seguramente imbricado a Nós é que deveríamos fazer um pouco mais e refletir junto, isso
produção de elementos construtivos para a rede hospitalar de
outras práticas produtivas (produtores) menos socializantes. não é crime. Experimentar mais, adoidado.
mesmo nome.

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Alem disso, há ainda limitações político – ideológicas: o E aí nossa briga é: como reconhecer quando a atividade é
cooperativismo insere-se no Brasil com maior força no período autogestionária e separar o joio do trigo. Desta forma, sem jogar a
militar, sofrendo uma intervenção direta do estado, quando foi água fora com o bebê. Tem de conter as coopergatos, mas que
muito desenvolvido país afora, no campo, por grandes não tomando medidas que dificultem a vida de quem quer usar o
produtores rurais. Até que ainda hoje, quem comanda a OCB – estatuto jurídico para o que faz mais sentido que ele seja usado”.
Organização das Cooperativas do Brasil são os mesmos que
combatem a reforma agrária. Situação complexa. Mas permite saída, a médio prazo. Existem
debates que estão sendo travados por todo país, sobre os limites
O que ocorre? Atualmente vive-se uma disputa política no do cooperativismo, há promessas, e ações em curso.
Congresso Nacional pelo novo “Estatuto do Cooperativismo”. Há Esperemos, mas não parados.
dois projetos de lei “sobre a mesa”. A bancada ruralista é
poderosa. O projeto popular, de incentivo às pequenas Certo é que haverá alternativas, esperamos que este novo “marco
cooperativas autogestionárias, que viabilizaria a chamada regulatório” em debate permita a criação desses coletivos. Até
“economia solidária” não consegue ser aprovado. Paralelamente por que existem experiências recentes de cooperativas de
a isso, novas cooperativas não conseguem ser aprovadas na construção em São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e
Junta Comercial Estadual. Devido a entraves jurídicos às em breve estarão se encontrando para “algumas conversas”. Mas
atividades das cooperativas de serviço (tipo de cooperativa na o desfecho fica para o segundo turno.
qual se insere a de construção civil).
Segundo Sérgio Ferro, em conversa recente, sonhos nesse
Mais interessante é entender o porquê: o sistema capitalista sentido já foram iniciados, mas solapados pelo mercado, na
transforma tudo em mercado, exploração, geração de lucros. França, pós 68. Por que não compreender melhor por quê?
Empresários estão utilizando o arcabouço jurídico das
cooperativas para terceirizar todos os serviços possíveis de suas
empresas e sub-contratando cooperativas de serviços para
escola nacional do MST – Florestan Fernandes
executá-los, pois os cooperados recebem seus salários segundo
lógicas (ao menos, segundo os princípios do cooperativismo) Esta experiência, em andamento também não ainda muito
que podem pagar menos impostos: bingo! difundida, merece nossa atenção. Vejamos por que:

Vejamos o depoimento de Guilherme Vieira, arquiteto, da ITCP – “O MST pretende que a Escola Nacional Florestan Fernandes, nas
USP, Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares: suas relações com a sociedade, seja um modelo de escola
pública, gratuita e de qualidade (conforme era defendido pelo
“Eu já vi uma discussão do Ministério Público, da regional do grande sociólogo Florestan Fernandes, que dá nome à nossa
trabalho que, quando você junta operários e arquitetos há uma escola). Está sendo construída pela solidariedade e pelo trabalho
grande preocupação, pois podem dizer que não é uma voluntário, através da soma de esforços e da campanha
cooperativa, que se está fraudando, e não se pode ter lucro e permanente que vem sendo desenvolvida nos últimos 4 anos.
outras coisas.
Há cooperativas, por exemplo, que não têm assembléia, que Neste processo, a construção da escola vem sendo uma escola,
funcionam como um balcão de trabalho, e que têm algumas onde o estudo e o trabalho prático com a técnica de fabricar os
pessoas que ganham mais dinheiro que outras. E para o Ministério tijolos e construir com terra torna-se também um exercício do
Público, é o que mais ocorre. Então, na delegacia regional do trabalho conjunto, da divisão de tarefas, da convivência, da
trabalho, há uma pilha enorme de processos, de coisas falsas, que organização e condução do processo pelos próprios
querem destruir as cooperativas. Tem poucas cooperativas que trabalhadores, que dão provas de que são capazes de realizar
são mesmo autogestionárias.. grandes obras quando estão organizados. Assim, constroem a
Agora, o resto é um monte de ‘coopergatos’, então eles estão escola e a si próprios como sujeitos da história através da vivência
furiosos. E daí, qual a ação dos promotores: é restringir. E aí não e do trabalho digno.
separam o joio do trigo. E aí vai fechando o cerco: quando uma
pessoa do ministério público do trabalho, que tem cem processos A técnica escolhida está diretamente ligada à preocupação do
em sua mesa, vê uma cooperativa em que chega um arquiteto, MST em viver de forma coerente com a linha de ação que está
com uma calça de veludo, um sapato bacana e um pedreiro, com sendo aprofundada nos assentamentos de reforma agrária, no
uma jaqueta barata: a conclusão é de que o cara [arquiteto], está sentido de preservar e aprender utilizar de forma adequada, os
se aproveitando da situação, e está tirando vantagem em cima do recursos naturais e ambientais, buscando a harmonia entre todos
cara [pedreiro], e ainda com um discurso de igualdade. os seres da natureza.
É a primeira coisa. Eles não têm um olhar para separar o joio do
trigo. O olhar é de conter um movimento maior, que é de No processo de construção da escola nacional, cada jovem
corrupção mesmo. De aproveitamento desse estatuto jurídico. acampado e assentado que doa seu trabalho por um período

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III - cardápio: miolo na mão bem passado

adquire conhecimentos sobre o processo completo da Universidad Popular – Madres de Plaza de Mayo Capo Mastri
construção, estuda durante as noites a conjuntura nacional, o
cooperativismo, história, organização do MST, entre outros temas.
“quanto mais o homem é rebelde e indócil, tanto Já houve antes no Brasil, em nossa história recente, outra forma
No retorno aos seus Estados de origem, estes jovens tem a mais é criador, apesar de em nossa sociedade se de organização dos trabalhadores da construção civil.
possibilidade e o compromisso de socializar esses conhecimentos dizer que o rebelde é um ser inadaptado. ”
com os demais, além de implementar essa técnica na construção (Freire: Educação e mudança:32)
Eram os Capo Mastri, compostos principalmente por Italianos
de suas próprias casas, possibilitando também um processo de
imigrantes, que trabalhavam em corporações de ofício, muito
edificações coletivas (na comunidade), colocando em prática o Localizada em Buenos Aires, na avenida central da cidade, num
comuns na Europa durante alguns séculos, no período medieval.
processo aprendido. grande edifício, encontra-se esta universidade popular,
organizada e mantida pela ‘Associación Madres de Plaza de
Alguns estudos documentaram seus trabalhos e forma de
Até o presente momento, 13 brigadas de trabalho voluntário dos Mayo’.
organização do trabalho: “(...) reunidos em algumas corporações
acampamentos e assentamentos de áreas de reforma agrária, já
de ofício, fundindo carpinteiros, ourives, sapateiros... todos
doaram seu trabalho. Através do esforço e dedicação de Esta associação foi criada pelas mães de militantes assassinados
proprietários das ferramentas que trabalhavam.” (Rodrigues:3)
aproximadamente 500 pessoas que passaram pela escola, o pelos governos ditatoriais autoritários da Argentina. Como lá
Prédio do refeitório foi finalizado, com 1.044,00 m² (composto de foram mais de 3.000 mortos, juntaram-se muitas mães a tentar
“(...) Os Italianos se destacam: são 80% dos pedreiros, quase a
cozinha, refeitório, lavanderia, loja, espaço de lazer, banheiros), compreender que teria ocorrido a seus filhos. Quando
totalidade dos mestres de obra. (...) Estes artesãos tentaram
que faz parte da I etapa da obra e está praticamente concluído. perceberam e compreenderam, não mais pararam de questionar
resolver um dos grandes problemas da maioria da sociedade: o
e lutar:
problema da habitação, até hoje não resolvido” (Rodrigues:3).
Estão sendo construídos simultaneamente os primeiros 4 Prédios
de Alojamentos (de um total de 8), medindo 1.031 m². “Acompañadamente solas, jamás dejaron las Madres de levantar el
“(...) considerando que os poucos profissionais de formação
É verdade que já edificamos e projetamos uma boa parte, mas sueño socialista y revolucionario de sus hijos desaparecidos, que
erudita trabalhavam, quase que exclusivamente, para uma
dado a envergadura do projeto da escola, falta-nos muito ainda. es también su propio sueño y el de las nuevas generaciones.
pequena elite emergente e para o governo; a tarefa de construir
Por isso é muito importante continuarmos somando esforços na Injuriadas aunque concurridas por piqueteros y estudiantes,
para a maioria da sociedade coube, então, aos mestres-de-obras,
busca de condições de, ao edificar, também equipar, trabajadores y amas de casa, costureras y obreros de fábricas
aos frentistas, aos ‘licenciados dos construtores’, aos pedreiros e
possibilitando a imediata utilização. ocupadas, defendieron la lucha por la revolución ante la derecha
aos próprios usuários” (Rodrigues:17).
agria y el ambidiestro progresismo”. (www.madres.org)
Assim, a Escola Florestan Fernandes tem em seu ventre, uma
Mas que ocorreu, que hoje não mais temos notícia dessas
escola de formação de lideranças. Que conheçam a realidade Em julho de 2002 estivemos, um grupo de estudantes e
corporações?
brasileira, a história do Brasil e da luta pela terra. Que aprendam a representantes de movimentos populares do Brasil, através da
defender o meio ambiente construindo um novo projeto de Associação Nossa América, a estabelecer contatos com
Que outra forma de construção parece impensável?
desenvolvimento rural agroecológico. Que construam novas entidades e grupos políticos de interesse.
relações sobre os valores da solidariedade, da ética, do respeito,
“(...) com a indústria, ocorre a substituição de grande parte das
das relações de gênero e etnia. Mas também que se preocupe Esta universidade foi uma delas: “Universidad de lucha y
categorias de artesãos por um exército anônimo de operários, os
com a educação e atualização técnica e formal através da resistência. Uma universidad donde el rigor intelectual y la libertad
quais trabalhavam para os grandes capitalistas”
formação de professor@s, de técnicos em administração creativa están al servicio de la conciencia critica”. (folder de
(Rodrigues:17).
cooperativista, oficinas nas diversas áreas da arte, da divulgação, 2003)
comunicação, entre outras” (sitio eletrôncio do MST:
Segundo Arantes (:21) , a geração dos novos arquitetos
www.mst.org.br). Locais de formação podem sim possuir um caráter de resitência
modernos muito contribuiu para seu desaparecimento:
Como atividade de campo da disciplina de tecnologia AUT 182, diante da realidade. Trata-se de um ato de afirmação, clara e
visitamos a escola acima apresentada. Trata-se de um avanço, a desvelada, diferentemente de outros locais de formação, que se
“A construção civil baseada no saber artesanal e num certo poder
compreensão de que a construção de um edifício pode se imbuir dizem “apolíticos” ou “neutros”.
dos operários será profundamente alterada pelos arquitetos
de outro sentido, que não apenas receber um salário baixo, a
modernos. Artigas conta como foi a ‘revolução’ empreendida por
trabalhar sem direção. Assim, o jogo fica mais limpo.
sua geração: ‘Sou dessa geração de arquitetos modernos que,
pela primiera vez, foram até o conhecimento do fazer operário, ou
do subempreiterio, para dizer-lhes em desenho, em projeto, o que
era preciso fazer (...) Nós rompemos com os resquícios medievais
que ainda prevaleciam (...) Porque você poderia projetar no papel,
desenhar no papel, não a escada que o escadeiro ia fazer, mas
aquela que você queria que fosse realizada, dentro do espaço que
lhe servia. Aí há uma passagem, um ponto histórico diferente,
totalmente diferente”.

Sentiam-se aqueles arquitetos, como Brunelleschi, a dar início a


uma nova relação entre o pensar e o fazer na obra: de cima para
baixo.

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III - cardápio: miolo na mão bem passado

1954. Outra tentativa frustrada foi a criação de uma escola de arte


popular e indústria, em Salvador, mas que também não vinga.

Lina observava o belo através de outro ângulo, ao escrever


manifesto: “o belo e o direito ao feio”. Para a I Exposição de Artes
dos Funcionários do Inamps, 1982:

“A expressão Kitsch surgiu na Alemanha no fim do século XIX


quando a revolução industrial tomou definitivamente o poder. É o
estigma da alta burguesia culta contra os setores da mesma
classe, menos afortunados que através da industrialização
começavam a ter acesso aos ‘Tesouros da Arte’, ao ‘Belo’.

Esta pequena exposição não é uma – Integração do Kitsch – é


apenas um pequeno exemplo do DIREITO AO FEIO, base
essencial de muitas civilizações, desde a África até o extremo
oriente que nunca conheceram o ‘conceito’ de Belo, campo de
concentração obrigado da civilização ocidental.

De todo este processo foram excluídos uns ainda menos


afortunados: o Povo.

E o Povo nunca é Kitsch.


Antônio Gaudí Gaudí viveu na Espanha, e construiu na Espanha. Como seriam
os edifícios produzidos no Brasil, se fossem conduzidos segundo
Mas esta é uma outra história” (LBB: 241).
processos parecidos com o praticado por Gaudí?
“Se Gaudí ainda salta as muralhas
da repressão interiorizada, Certamente diferentes do atuais, mais bonitos?
é por que mora no canteiro, O que chamamos de beleza?
desenha pouco e discute o talho de cada pedra” Outras experiências
(Ferro, em Arantes:118). Outro aspecto que se deve ressaltar na obra de Gaudí foi sua Além das experiências, pesquisas realizadas que relatamos a
intenção e ação sobre elementos construtivos produzidos de pouco, que muito nos interessam e alimentam, há diversas
“O valor artístico de uma obra é inseparável modo industrial, mas que quando aplicados não resultavam em outras, mas que citaremos apenas de modo breve, quase que
do trabalho humano que ela concretiza” formas repetitivas e maçantes. Como exemplo, observemos telegráfico, apenas para não dizerem que não foram visitadas e
(Belluzo:12). acima o taco de madeira empregado na casa Milá, em recente degustadas em nosso processo. Experimentemos, de modo
exposição no MASP. rápido:
“O conceito de arte não define uma
categoria de coisas, mas um tipo de Arquitetura Nova
valor. Este é sempre correlacionado “o atelier canteiro foram coisas que vimos de perto”
com o trabalho humano e suas (Ferro, em Arantes:85)
técnicas, e indica o resultado entre Lina Bo Bardi
uma atividade mental e operativa”
(Idem).
Importante trabalho realizado pelo grupo de arquitetos fazedores
No Brasil, uma outra prática de canteiro que muito nos interessa, Sérgio Ferro, Rodrigo Lefévre e Flávio Império. Realizaram por
foi a reralizada por Lina Bardi, na obra da Fábrica da Pompéia, ou diversas vezes. Mais informações podem ser obtidas em diversas
Reservamos aqui um pequeno espaço para Gaudí, um dos publicações acerca do grupo, bastante instrutivas.
SESC Pompéia. A vida daquele espaço é diferenciada das outras
poucos arquitetos que se tornaram mais amplamente
unidades do Sesc talvez pela forma como foi conduzida sua
conhecidos, que tenha trabalhado na obra, morado na obra, Rodrigo, especialmente, idealizou a proposta “Projeto de um
obra. Não havia escritório de arquitetura, tudo foi pensado e
vivido na obra. acampamento de obra: uma utopia”. Que muito nos alimentou,
realizado com cuidado, no mesmo local, ‘decidido na hora, com
os pedreiros’, como dizia Lina. Talvez seja isso... mas partindo de práticas construtivas mais artesanais, unificando
Pena que o que se diz do homem volta-se quase que sob a mesma abóbada: construtores, projetistas e moradores.
exclusivamente ao o que foi por ele realizado. Segundo a tradição
Quem sabe...
da análise mais superficial das coisas. Se buscarmos entre as mutirões habitacionais autogestionários
diversas publicações que falam a seu respeito encontraremos Já também muito debatidos, realizados, elogiados e
Lina sabia bem, tanto que por diversas vezes tentou criar escolas
algumas pistas do processo que resultou em seus ornamentos criminalizados em nossos meios mais “especializados”. Há
de arte e construção, às vezes mais ligadas à produção industrial,
revolucionários, segundo a classificação proposta por Ruskin, experiências brasil afora: muitas de fachada, que tendem a não
outras não. Como ocorreu no IAC – masp, Instituto de Arte
que resultam nesta “outra estática”, mais intensa, mais marcada, inserir as famílias moradoras-construtoras no processo decisório
Contemporânea, onde eram pesquisados e produzidos panos,
mais presente e pensada. Fruto da presença de um ser pensante dos projetos de aqruiteura e urbanismo, e tudo mais que envolva
tecidos, certamente inspirada pela vinda Gropius à Bienal de
por trás da colher de pedreiro.
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III - cardápio: miolo na mão bem passado

a obra, utilizando-as como massa de manobra: mão de obra William Morris bauhaus
alienada e, segundo algumas leituras vigentes: auto-exploratória, Talvez aquele que mais comemos e bebemos de. Como já há “Desejemos, inventemos, criemos juntos a nova
através do sobretrabalho. diversos locais para sua visita, listamos abaixo apenas algumas construção do futuro, que enfeixará tudo numa
única forma: arquitetura, escultura e pintura que,
frases por ele, ou sobre ele proferidas. Basta apenas clicar: feita por milhões de mãos de artesãos, se lançará
Há execoões à essas regras, que conseguem transformar esse www.morrissoceity.org um dia aos céus, como símbolo cristalino de uma
esforço necessário para o penoso acesso a suas casas, em nova fé vindoura” (Gropius, manifesto de
conquista, vitória, em desafio e luta, que faz-se compreender, “A civilização matará a arte se este sistema continuar, quanto à fundação da bauhaus, 1919).
dentre outras frentes, enquanto resistência diante das mim, ela implica a condenação de todo o sistema” (Morris, em
empreiteiras que mal e pequenamente constróem casas Pevsner:6). Apresentações são dispensadas. Seus feitos, lutas e brigas para a
populares, a explorar (aí com lucro para eles) esses mesmo possibilidade de criação de um espaço que permitisse a
familiares. “Não quero arte só para alguns, tal como não quero educação ou unificação do pensar e fazer, é sem medida, bem como a sua
liberdade só para alguns” (Morris em Pevsner: 5). influência sobre o que hoje se vive.
São ambientes que propiciam a (re)invenção.
“Devemos nos tornar senhores das nossas máquinas e usá-las Desde sua fundação, em Weimar, Alemanha, 1919, muito se
Apenas como delimitação: trata-se de um evento que ocorre de com instrumentos para conseguir melhores condições de vida” desvirtuou a causa de seu objetivo inicial: a construção de uma
modo errante (não de erro, mas de itinerante). Assessorias (Morris em Pevsner: 8). catedral socialista, de todas as artes, como ilustra seu manifesto
técnicas compostas por arquitetos, sociógolos, educadores, de fundação.
engenheiros, misturam e (re)inventam seus fazeres, trabalhando “Transformaremos nossos artistas em artesãos e os nossos
em conjunto com movimentos de luta por terra e moradia, mais artesãos em artistas” (Morris em Pevsner:8). Há diversas leituras sobre seus avanços, recuos, por quê
ou menos combativos. fechou... foi importante espaço de debate sobre aquilo que hoje
“Que interesse tem a arte se não pode ser acessível a todos?” aqui conversamos, se conversava na Fau.
Acabada a obra, passam a outras famílias. Há agentes externos, (Morris em Pevsner:5).
com multiplicação do conhecimento desses fazeres restrita. Não Algo que comprova: as coisas não morrem.
se trata de um processo de formação de cooperativas, apesar de “Morris foi o único a sentir que o que era preciso era o exemplo
diversos mutirões terem encubado tais grupos. A união dessas pessoal, era o artista se transformar em artesão desenhista” Poderia ser mais debatida, revista, repensada, moída e daí bem
práticas, tenderia a ser mais transformadora, ainda, perdurando (Pevsner:36) digerida, mas no sentido: que foi que acabou com ela além do
no tempo suas conquistas, ganhando escala, pois a luta mesmo nazismo?
é enorme, nem se fala.
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III - cradápio: miolo na mão bem passado

Cuba: Escola Nacional Antônio Encheveria, Palácio de los Práticas teatrais Escola da cidade
Pioneros & Maquete de Havana. Como meio de relacionamento com práticas análogas à Escola de arquitetura e urbanismo recentemente criada em São
Em visita recente a Cuba, 2000, em conjunto com um grupo de arquitetura, mas diferentemente objetivadas, vejamos: o teatro Paulo, que nos traz um grande avanço: os alunos realizam parte
44 militantes de movimentos populares brasileiros dos quais 4 do trata os eventos humanos, vivos. Enquanto a arquitetura os de seus projetos através do “estúdio vertical”, que unifica
movimento estudantil da Fau, através do Projeto Brás Cuba, eventos produzidos materiais pelos humanos, mortos. estudantes de diferentes anos a construírem um projeto único.
tivemos contato com três experiências que muito nos nutriram:
Até aí, pode parecer devaneio, mas depois nos alongamos por Debatendo-o e aprendendo a dividir a responsabilidade sobre o
A primeira delas foi a faculdade de arquitetura, que possuía em essa viela. Agora interessa-nos duas atividades: desenho: coletivo. Vale a pena visitar, derrubaram as paredes que
seu currículo exercícios de projeto que eram realizados segundo separavam os cômodos do antigo edifício.
demanda de comunidades. Caso os projetos elaborados, com o Disciplina de ‘teatro colaborativo’, EAD - USP, com professor xyz,
acompanhamento dos professores, fossem a contento da trata-se de uma (re)unificação de práticas cindididas pelo teatro Algo parecido com a escola municipal fundamental, Alceu
população e das exigências técnicas dos órgãos de construção clássico: dramaturgia, direção, atrizes e atores. Cada qual num Amoroso, localizada no Butantã, que transformou três salas de
estatais, seu desenvolvimento seguia adiante. Assim, seus curso, cada qual cursando disciplinas diferentes... parace aula, em uma só. Os trabalhos são em grupo, há debates sobre o
exercícios poderiam não ser ‘perdidos’ ao serem jogados no lixo, absurdo. Mas é assim. futuro do aprendizado em sala de aula, inspirada na escola do
ao fim do semestre. Porto, Portugal.
Neste disciplina, são debatidas todas as questões de uma peça
Outra experiência foi a visita a um aparente grande parque de teatral a partir da inserção de cada um dos ‘diferentes Grenoble e grupo Terra
diversões, voltado para a formação das crianças na profissionais’. Ou seja: ‘todos dão um pitaco’. Para aqueles que procuram cursos que abordem as questões
experimentação de seus futuros ofícios. Havia, em escala “um Acontece, hoje, na USP. aqui trabalhadas, mas de modo mais justo e cuidadoso, têm de
para um” oficinas que de pesquisa aplicada das práticas se deslocar para Grenoble, França.
profissionais, segundo seu real funcionamento, para quase todos Há ainda, um grupo de teatro que atua, hoje, em São Paulo,
os ofícios. E as crianças pareciam estar brincando... O “Palácio fazendo ‘teatro de rua’: ‘Tablado de Arruar’, com a peça É lá onde Sérgio Ferro leciona. Diversos arquitetos brasilieros
Central de Los Pioneros Ernesto Che Guevara”, em Havana. “Movimentos para atravessar a rua”: foram até lá e conferiram: vale a pena. Conversar sobre as coisas
que devem ser conversadas, sempre são uma boa; problema é
Por último, a maquete da cidade de Havana. Mecanismo Segundo o que ‘normalmente’ chama-se de teatro, trata-se de que Sérgio Ferro também encontra dificuldades em implementar
pedagógico de debate sobre a cidade impensável em nosso país. um processo que realiza a ‘revolução do sólido teatral’, em seu tais debates em escala maior.
Em escala 1:1000, toda a cidade de Havana, eletrônica, em um mais alto grau, num instigante processo de (re)unificação dos
ginásio, com arquibancadas e lunetas, para capacidade processos cindidos: Não há teatro (edifício, imóvel), não há Realizou proposta de articulação entre sindicatos e arquitetos
considerável. Local de debate público para aprovação de palco, não há separação fisica entre platéia e público, quase para desenvolver trabalhos conjuntos, de modo a estabeleber um
projetos de arquitetura que causassem impacto de vizinhança: desaparecem, em síntese: direção, dramaturgia , encenação. As processo de transformação mais amplo. Quando aprovado o
peças são criadas pelo público, com sua intervenção, não há projeto pelo governo francês, retiraram “tudo que tinha de social
Um novo projeto? velamento, esconderijo, licença ou desculpa, não é ficção: sim nele” (palestra Fau Maranhão, jun. 2004)
possibilidade, abertura de debate, argumentação sobre o vivido,
Faça-o 1:1000, insira na maquete, chame uma audiência com de modo mediado, distanciado, e aproximado, na justa tênue Valeria ainda visitar, em passagem por Grenóble, o grupo ‘Terra’,
“los vecinos”, se aprovarem será construído, caso contrário, medida da auto-critica social. Um espelho mais apurado: vive-se que mundo afora realiza atividades de formação em construção e
capriche mais. Havia abaixo da maquete diversos edifícios isso? Que vergonha! desenho, os (re)unindo ainda a práticas ‘ambientalmente
“rechassados por la populación”. sitio: www.tabladodearruar.com.br corretas’. Como vêem trata-se de um ‘mercado’ promissor!

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III - cardápio: miolo na mão bem passado

o fazer Guarani
Talvez devessemos beber mais das práticas de construção da
arquitetura indígena, pois têm muito a nos ensinar.

O trabalho recentemente realizado (ainda em andamento) na


aldeia guarani Tecoá Ytu, São Paulo, Pico do Jaraguá, no projeto
de extensão universitária ‘Oimporama Orerekó’, nos permitiu, por
exemplo, vivenciar a construção de suas moradias e a Opy, como
se vê caima.

Todas as dimensões seguem as dimensões das folhas das


palmeiras, e do braço do pajé, Sebastião.

Outro dia, em conversa, não puderam compreender como


poderíamos nós jekupés viver em tamanha separação:
morar numa casa que nem sabemos quem fez, nem como fez,
nem ter participado do processo de sua concepção, quem diria
construção... pareceu-lhes absurdo, coisa ruim, mesmo.

Creio não faltar muito para dar-lhes razão.


Imaginemos agora, juntar, colar, virar, amassar, lixar, prender,
grupo “não deixe a universidade atrapalhar seus estudos” parafusar, concertar, e por último, amarrar, cada coisa agora e
Dentre diversos grupos estudantis, que hoje atuam de modo antes apreendida, vivenciada, debatida, escrita e lida num mesmo
questinador perante o atual ‘estado da arte universitário’, lugar, mas com o objetivo de conferir-lhe harmonia, segundo
destacaria aqui simbolicamente o grupo “Não deixe a aqui e agora.
universidade atrapalhar seus estudos’.
Pois é isso que tentaremos, buscaremos fazer mais adiante.
Vêem a universidade, seu modo, forma, processo de ensino
como um estorvo a quem pretende estudar, aprender, se formar. Como temos consciência de que isso é tarefa difícil e impossível
de ser realizada por apenas uma pessoa
Algo semelhante às colocações do capitulo primeiro, já (considerando um grave crime se tudo isso for feito por uma
contempladas. pessoa), lançamos apenas as primeiras propostas, badeixas,
perguntas, e convite para que possamos juntos um pouco nos
A cada dia surgem novas iniciativas, que remexem, descobrem e debruçar, sobre essas coisas cindidas, largadas no caminhar.
(re)propõe alteração nas estruturas.
Agora de barriga mais cheia, vejamos como poderia ser, por que
São exceções, ricas exceções. não, essa nova (ou velha) prática do fazer?

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