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Insercao Externa, Exportagées e Crescimento no Brasil” Carlos Medeiros** Franklin Serrano” L Introdugio Nos textos iniciais da CEPAL, e, em particular, no pensamento original de Raul Prebisch, o crescimento das exportagdes era considerado fator estratégico para um crescimento econdimico sustentado. A questio geral com a qual os paises latino-americanos: «se deparavam em seu processo de industrializagto, argumentava Prebisch, era a da restrig&o de divisas; a questo particular com a qual alguns paises se deparavam era a ‘exiguidade de seus mercados interos. Contemporaneamente, em diversas teorias © interpretagbes sobre o desempenho econdmico comparativo dos pafses, a relago entre exportagées e crescimento econdmico longe de apresentar a mesma clareza como a dleseavolvida por Prebisch constitu um tema extremamente polémico e nfo raro apresenta- se de forma obscura. A polarizagao entre uma modalidade de “crescimento liderado pelas exportagses” e um “crescimento liderado pelo mercado interno” ou, como assim se refere © Banco Mundial, a existéncia de uma via “orientada para fora” ¢ uma outra “orientada para dentro” tal como as que supostamente teriam predominado na Asia e na América Latina revelam interpretagies e mecanismos de causalidade muito distintos e mesmo opostos. A rigor, a versio neockissica do crescimento liderado pelas exportagdes, diftmdido pelo Banco Mundial, enfatiza nfo propriamente o papel das exportagdes no crescimento mas a importancia da neutralidade de incentivos (arifas, taxa real de cémbio,ete) ¢ da abertura extema (importagSes) para uma locas eficiente de recursos. Segue-se desta abordagem um corolario inteiramente arbitrario: as vias de crescimento lideradas pelas exportagdes foram construidas por politicas econdmicas “amigaveis aos mereados” o contrétio do que" teria predominado naquelas lideradas pelo mercado interno. Em outro plano, abordagens keynesianas (como as de Me Combie e Thirwall(1994)) generalizam para todos pases © caso particular de algumas economia em que as exportages constituem o principal componente auténomo da demanda, Neste sentido, as diferengas estruturais entre os paises fo eliminadas. Num outro extremo, outras visbes basciam-se nos casos particulares em que “Os autdres agradecem o apoio financeiro do CNPa. * do IEUFRI o papel das exportagdes € restrito enquanto componente de demanda. Um crescimento liderado pelas exportagdes ¢ uma excegdo © em geral é associado negativamente a “plataformas de exportago” tfpicas de pequenas economias dependentes e complementares, a0 capital estrangeiro. Nesta abordagem, as exportagses so na maioria das economias um residuo decorrente da expanst tema, Neste caso, o papel das exportagées no deslocamento da restrigao de divisas & claramente subestimado. Como aqui pretende-se argamentar, numa direeo muito préxima as formulaeSes originais de Prebisch, as exportagdes podem ser mais ou menos importante para a ‘expansfo da economia - de acordo com uma série de caracteristicas estruturais de cada pais- entretanto, seu papel no financiamento e relaxamento da restrigdo externa a0 crescimento é absolutamente centrale estratégico para todos os paises, com a exce;do daquele que emite a moeda de circulagao intemacional (ver Medeiros ¢ Serrano (1999). Neste sentido, é importante distinguir o papel da taxa de crescimento das ‘exportagdes como componente da tendéncia da demanda efetiva & longo prazo e a sua faneo no equacionamento do financiamento extemo do desenvolvimento econdmico. Dado este objetivo, pretende-se examinar como algumas teorias que privilegiam a questo da demand efetiva & longo prazo e /ou a restrigdo extema ao crescimento tratam do papel do crescimento das exportagdes. Ao mesmo tempo a anilise tera como referencia primordial a experiéncia histotica brasileira, nfo apenas por seu interesse intrinseco, mas também por algumas caracteristicas peculiares desta experiéncia que a tomam um desafio para a uma andlise como a proposta neste trabalho. A importincia do caso brasileiro reside, em primeiro lugar, no apenes pelo fato de que durante um dos perfodos em que a economia apresentou elevadas taxas de crescimento as exportagies estagnaram (50-60) como também pela constatago de que num dos perfoiios de relativamente répida expanstio das exportagdes (década de 80) a taxa de crescimento da economia foi muito baixa. ‘A reconsideragdo do papel central do crescimento das exportagSes permitir lidar , a0 final do artigo, com o aparente paradoxo de que, na década de 80, a economia brasileira esteve sujeita a uma severa restrigo de balanga de pagamentos, devido em grande parte 20 corte e parcial reversio dos fluxos de capital extemo enquanto que na ultima década a economia recebeu enormes fluxos de capital (cuja qualidade tem melhorado mais recentemente )¢, no entanto, apresentou uma performance de crescimento ainda inferior & dos anos 80, argumento seré apresentado da seguinte forma. Na segdo TI retomamos a temitica, estruturalista original sobre a restrigo externa ao erescimento dos paises periféricos e em particular 0 processo de substituigo de importagtes. Em seguida, (segto Il) seré discutido papel das exportagbes enquanto componente da demanda efetiva ¢ © que nos permitira examinar tanto 0 conceito de crescimento liderado pelas exportagiies, quanto 0 de crescimento liderado pela expansio do mercado intemo. Uma anélise distinguindo as condigées de sustentabilidade © as de liquidez externa de uma economia que eresce incorrendo em déficit em conta corrente & apresentada a seguir (seg0 IV). De posse dos ‘conceitos ¢ indicadores desenvolvides anteriormente a experiéncia brasileira seré reconsiderada tanto em termos histéricos quanto comparativos (sego V), por fim, algumas breves observagies conclusivas sero apresentads (seqo VI). IL. O estruturalismo e a “substituigao de importagdes” ‘A mensagem central da abordagem estruturalista dos problemas da economia latino~ americana feita por Prebisch (1949, 1950) que nos interessa recuperar € a idéia simples, porém fundamental, de que as importagdes so em geral induzidas pelo nivel de produto € renda doméstico. Isto implica que para um dado pais as exportagtes sto uma fungo do nivel de atividade e renda do “resto do mundo”, © que alids as toma “auténomas” em relaglio ao nivel de produto doméstico. Supondo provisoriamente que no possam ocorrer fluxos de capital persistentes (esta hipdtese serd relaxada mais adiante) a longo prazo as importagdes devem ser pagas com exportagbes, ponto central que Prebisch tentou chamar a atengo era o de que se os paises Jatino americanos se mantivessem, a guisa de supostas “vantagens comparativas” , cespecializados em exportar produtos agricolas de baixa elasticidade renda e em importar produtos industrais de alta elasticidade, a necessidade de fechar as contas externas tomaria inevitavel que os paises crescessem a longo prazo a taxa menores que os paises industralizados, Tal constatago decorria da diferenga das elasticidades-renda das, importagées, que tinham uma tendéncia estrutural a se acelerar em relago as exportagbies. Nestas condigdes, a tnica maneira de adequar o montante de importagées a chamada “capacidade de importar” dada pelas exportagdes era através da redupdo do ritmo de crescimento da economia. E importante observar que este é 0 argumento central ¢ suficiente para justificar a necessidade da industralizagto. Esta seria a nica forma de elevar a elastcidade renda das cexportagbes dos paises periféricos e portanto permitir que taxas de crescimento iguais ou preferivelmente mais elevadas do que a dos paises centrais fossem compativeis com a restriso externa. Nas palavras de Prebisch (1951: 271): “A moatda que a renda eal per capita ulrapassacertos nivel minimos, a demanda de produtos ingustrias tende a erescer mais do que de alimentos e outros produtos primarios. Nao obstante, asituacao dos paises menos desenvolvidos ¢ muito distinta da dos centres, pois estes importam aqueles produtos primérios fe menor clasticidade renda da demanda do que a dos etigs industlas que a pecfera imparta dos centos. Para erescer sua renda real, os patesperiférieosnecessitam importa bens de capital cuja demandaeresce com esta renda ao mesmo tempo em que aelevagdo do nivel de vida se manifesta em intensa demenda de JmporagBes de grande elasicidade que tendem a erescer mais do que arenda” Este argumento é bem conhecido mas vale a pena relembré-lo pois varios aspectos dele tém sido distorcidos ou negligenciados nos éltimos tempos em que a ideotogia anti ~ desenvolvimentista ou neoliberal se difundiu tanto. O primeiro aspecto que se deve cenfatizar é sua generalidede. De forma alguma, o argumento depende, por exemplo, de uma tendéncia secular de piora dos termos de troca (que se ¢ quando ocore evidentemente aagrava a situao) ou da forma espectfica pela qual o préprio Prebisch explicou esta tendéncia, Vale notar, adicionalmente, que este argumento a favor da industrializagdo nfo é de rmaneira alguma contrétio 20 comércio intemacional ou em defesa da autarquia, Pelo contririo, sua principal proposigaio € a de que a industriatizag2o ao permitir a expansto das exportagGies libera o crescimento das importagdes. Ainda a este respeito 6 interessante notar que Prebisch e a CEPAL enfatizavam a importéncia estratégica que a integragio comercial latino americana poderia ter para que os paises da regio conseguissem escalas minimas adequadas para se tornarem produtores eficientes e a partir dai exportadores de produtos, industriais menos sofisticados dentro da regito. Historicamente, no entanto, tal integraga0 no veio a ocorrer seniio de forma incipiente e muito descontinua. Finalmente € importante notar na formulago acima que este argumento a favor da industrializagao da periferia nfo determina uma modalidade espectfica como o processo de substituigdio de importagées. A questdo da substituigo de importagdes ¢ desenvolvida a partir da suposigio de que no perfodo do pés-guerra as exportardes dos paises periféricos iio apresentariam grande dinamismo devido as politicas dos palses centrais de protegdio & sua agriculturae também pela tendéncia do novo “centro cfclico principal”, os EUA, de ‘exportar produtos primétios macigamente (ao contrério da Gré-Bretanha que era grande importador). ‘A partir da avaliagio de que naquele contexto histérico a “capacidade de importar” dda perifria seria bastante limitada ¢ que surge a constatago da necessidade de reduzir nos paises da regio 0 coeficiente de importagSes como a tinica mancira vivel, naquele momento, de compatibilizar taxas de crescimento aceitiveis com a restrigo externa. Novamente , nas palavras de Prebisch (1949: 140): “84 pois que acter... @possibilidade de que se tenha que reduzir ococficiente de importagées.. reduzindo ou suprimindo produtos no essenciais para dar lugar aimportegdes mais amplas de bens de capital. Em todo caso, a necessidade de mudar a composigéo de importagées parece indispensével para prosseguir a industrializagao. dquo se comprenaderclaramente 0 que ito significa. wma mera adaptayto das importagbes a ‘capacidade de pagamento dada pelas exportages. Se estas tvessem crescido suficientemente no seria necessério pensar em restigbes salvo se mediante estas se quera intensifier o processo de indusrializagdo. ‘Mas as exportagées de América Latina dependem das varidveis de renda principalmente dos EUA ¢ Europa e de seus respectivos coeficiente de importaglo de produtos latino-americanes. Em conseqUéncia, escapam a determinaglo direta de América Latina: trata-se de uma condicio de fato que s6 poderia modificarse por deciséo da outra paste.” importante enfatizar que mesmo no caso da substitugto de importagBes sua racionalidade no conduz a uma politica contra 0 comércio internacional, nem sequer contra as importagGes. A l6gica implicita era usar toda a limitada capacidade de importar ¢ ilizando, entretanto, pportanto importar tanto quanto se importaria sem a substituiglo viz ‘maior erescimento. Como as importagSes sto induzidas pelo nivel domestico de produto, somente se 0 coeficiente de importagtcs fosse mais baixo o nivel de produto (e emprego) poderia ser mais alto, De acordo com Prebisch (1951:251): “Nao se trata certamente de autarguia, de persepuir a redugdo sistemitice das importagbes sen, pelo contrat, de importa o quanto te pode em virtude das exportagaes e dos investimentos estrangeiros..AS possibilidades de erescer de outra forma sfo muito limitadas, se bem que nfo se deva descuidar de modo Elgum toda possbilidade dese obter um crescimenta satsftrio das exportagbes” ( sucesso relativo da estratégia de substtuigdo de importages dependia, por sua ‘vez, da eficdcia com que os diversos mecanismos de politica econdmnica alocassem as ivisas escasses para a importago dos bens de capital e matérias-primas necessérios & industializagto, ‘No entanto, o crescimento a custa de continuas redugSes do coeficiente de importagSes esbarrava em claros limites & medida que se passa da fase “‘fécil” de substituir bens de consumo nio-durdveis e menos sofisticados e a industrializagdo prossegue com a produgtio de bens de capital. Mesmo em casos bem sucedidos como o brasileiro, 0 sucesso da substituigao de importagdes num setor, como o de bens durdveis de consumo, conduz, ‘como tomou-se evidente nos anos 60, a um aumento na participagdo das importagdes no ‘consumo aparente de bens intermediirios ¢ bens de capital pressionando a disponibilidade de di clasticidade-renda e so indispenstiveis para a produglo, a medida em que a !. Assim, como os insumos intermedirios ¢ os bens de capital tem alta industrializagiio prossegue, fica cada vez mais dificil impedir que a propensio a importar aumenie, quanto mais reduzi-la. Tavares (1963) apontou com propriedade a necessidade , neste contexto. de antecipar e programar investimentos simultaneamente em bens intermedidrios e de capital. Assim, longe de ser um viés ideol6gico, um alto grau de “ntervencionismo” estaal e planejamento se impunha para que fosse possivel uma alocagio eficiente das divisas escassas”, Infelizmente nem sempre hé clareza suficiente sobre estes conceitos na literatura sobre desenvolvimento, Ne literatura gerada pelo Banco Mundial 6 comum vermos roferéncias a0 processo de substituigdo de importagdes como uma estratégia de desenvolvimento diametralmente oposta a0 crescimento “orientada para fora” que, 20 contrério da primeira considerada estatista e com tendéncias autérquicas seria baseada nas “forgas de mercado” ou pelo menos mais “amigavel ao mercado”. De forma um tanto mecéinica vérios autores classificam os paises como tendo seguido uma ou outra destas estratégias alternativas abservando se o processo de desenvolvimento esteve associado a um aumento ou diminuigéo da parcela das exportagdies no produto. Assim os paises que expandiram a parcela das exportacdes no produto seriam casos de crescimento liderado pelas exportagbes © aqueles cuja parcela das exportagdes no Aqui, residia uma diferenga fundamental entre o Brasil ¢ & Argentina no imediato pés-guerra, © Brasil era rienos dependente do que a Argentina na importagao de bens intermedivios e soften uma menor deterioraco dos termos de toca. Por isto, pOde reservar cerca de 30% de suas recetas eambiais& importegao de bens de capital permitindo elevar sua taxa de acumulagao; esta possbilidade nfo estove disponivel na Argentina (errer(1963) ; Tavares (1963). 2 Entre os pafses industrlalizados esta questdo tornou-se evidente na economia de guerra (permenecendio até 0 Plano Marshall) nas originais técnicas de administrago de cfmbio implomentadas na Alernanha por Schacht § parcialmente copiadas na Inglatctrac defendidas por Keynes como inevitvets. * Ver World Bank(1993), produto cait 20 longo do processo (como o Japtio por exemplo) estariam perseguindo a estratégia de substituieso de importagdes.* ‘Como se viu acima esta contraposigdo no faz sentido. As estratégias desenvolvimentistas bem sucedidas no pés-guerra nfo eram tio diferentes entre sie tanto as que tiveram que se concentrar mais no pélo da substituigo de importagtes como ado Brasil nos anos 50, quanto as que puderam privilegiac mais a expansto das exportagdes como na Coréia ou Taiwan, foram igualmente intervencionistas, sendo apenas variantes nacionais da industializagio tardia liderada pelo estado, justificadas pelos mesmos argumentos gerais apontados acima®. ‘As diferengas entre as politcas especificas aplicadas e em particular 0 quanto € como cada pais se concentrou mais na promogio de exportagSes ou na substituigiio de importagdes em determinado perfodo na realidade se deve muito mais as caracteristicas da estrutura produtiva e ao contexto histérico (econdmico também geopolitico) em que estes paises estavam inseridos (Medeiros e Serrano, 1999). Um exemplo do quio difundida ¢ a tese da existéncia de uma “disputa sobre substituigao de importagbes versus crescimento liderado pelas exportagdes como estratégia de desenvolvimento” mesmo fora da ortodoxia do Banco Mundial se encontra em “Substituigaia de Importagdes ¢ Crescimento Liderado pelas Exportagdes” (1987) elaborado_ por John Eatwell para o Palgrave Economic Dictionary. O autor classifica as estratégias de indusrializapdo do pés-guetra da Alemanha Ocidental italia como “erescimento liderado pelas exportagSes” enquanto a da Franca e do Japao teriam sido de “substi importagdes”, ‘A inadequago desta taxinomia se toma evidente quando notamos que 0s. quatro paises tiveram estratégias de desenvolvimento liderados pelo estado com muito intervencionismo (logo deviam ser vistos como praticando “substituigo de importagées”) e-em todos eles as exportagées tiveram um peso importante na demanda final auténoma da igo de + Ver Bhagwati, 1986, e Dodaro, 1991 World Bank (1993). Sobre estes autores ver também a critica de Patumbo(1998, p.3) 5 No caberia um exame histético mais ampla desta questo, entretanto, vale observar que a interpretagao de que entre os paises periféricos na segunda metade do século XIX, sob a lideranga da Inglaterra, as tajet6rias texportadoras foram construidas num ambiente marcado pelo liberalismo econémico é amplamente discuivel 0 protecionismo e a promogao de exportagdes nto se afirmaram como estratégias opostas mas complementares em paises t80 dispares como Brasil uo Canadi ea Austria, Pera uma andlise ampla deste perfoda ver Cardenas, E; Ocampo, J. A. Thozp, R., 2000 economia ( logo todos também deveriam ser classificados como “crescimento liderado Curidsamente Eatwell cita 0 seguinte (e conhecido) pronunciamento do Vice- Ministro Ojimi do ministério de comercio e industria japonés (MITT) como um claro argumento a favor do processo de substituigdo de importagdes e portanto “contra” 0 crescimento liderado pelas exportagiies®: “0 MIT! decidiu estabelecerno Japio industrias que requerem o emprego intensivo de capital ¢ ‘tecnologia..De um ponto de vista de curto prazo e estétco ,o encorajamento aestas industria parecer estar ‘em conto com a racionalidade econémica. Mas do ponto de vista do longo prazo estas so precisamente as indusirias nas quais a clasticidadeenda da demand € alt, progresso tecnico €répido, ea produtividade do trabalho cresce rapido...” (Gini 197, em Katell, 1987: 346) Como se pode notar hé uma notivel semelhanga entre o argumento de Oj citagbes de Prebisch acima. TIL. Crescimento “hacia dentro” e “hacia fuera” B importante neste contexto retomar a discussio sobre a importéncia para 0 desenvolvimento econdmico da implantagtio de um setor de produgdo de meios de producto (tanto bens de capital fixo quanto insumos intermedirios ) nas economias periféricas Esta questo mereceria um tratamento mais aprofuindado sobre seus miitiplos aspectos (particularmente o tecnolégico) mas vamos nos deter em apenas dois aspectos que mais nos interessam no contexto deste trabalho. Estes devem ser cuidadosamente distinguidos, a saber, 0 impacto sobre a situagtio da balanga de pagamentos eo efeito sobre © dinamismo do mercado interno . A existe ia de capacidade de produgao doméstica de meios de produgo € fundamental para aliviar a restrigfo extema ao crescimento na medida em que permite 0 controle da propensiio marginal a impertar mesmo com crescimento da taxa de investimento. Assim, quanto maior a proporgao dos meios de produgdo que ja é produziéa intemamente menor é a propenséo marginal a importar associada a uma dada taxa de investimento o que gera uma considerivel folge na situago da balanga de pagamentos. ° Felizmente na pagina seguinte Eatwell(1987:347) admite que“o caso do Japdo sugere que a tradicional copia estrngeir diminui que est pessiona por matoresremessas © por amorizaio juros da divide Superores entrada bros de capitis.” (Tavres(1978: 125) [Nesta visto no se nega o cardter contraditro deste surto de expansio , na medida em que 0s servig0s financeiros acumulados de sueessivos déficits em conta comrente poderiam crescer de forma explosiva e levar eventualmente a uma “crise de estabilizagaio” que interrompia periodicamente o crescimento e requeria tanto intervengBes do FMI quanto 2 gerago temporéria de superivites em conta-corrente para “limpar o terreno” para 0 préximo surto expansivo, No entanto, em que pesem estas qualificartes, a énfase claramente est na suposigaio de que a expanséo é em iltima instancia determinada por fatores intemos em particular a capacidade do Estado desenvolvimentista de articular ccoerentemente blocos de investimentos publicos, privados e extemos . Junto com esta parcial endogenizagtio da propria restrigdo externa um importante corolério desta interpretago € que ao contrério ‘da necessidade ineludivel das exportagdes industriais” de que falava Prebisch, a taxa de crescimento das exportag6es ¢ vista como tendo um papel residual na dindmica da acumulaco seja pelo lado da demanda efetiva , seja também pelo lado da pro investimento criadas pelo Estado desenvolvimentista conduziam a ciclos de endividamento (0 de divisas, O tamanho do mereado intemo e as perspectivas de e de atragao de capital externo, num contexto de abundante oferta de crédito intemacional & juros baixos (acessivel tanto ao Estado quanto ao setor privado ), que sancionava endogenamente a dindmica expansiva intema, O risco de que a pressio dos servicos da divida extema ¢ remessas das filiais pudesse vir a comprometer as importagtes de bens de capital necessérias parecia afastado, Em primeiro luger, tendo em vista a diversificago industrial brasileira no lado da balanga comercial a presso sobre as importagdes sé ocorria nas fases expansivas do ciclo de investimento, justamente nas feses em que aumentava 0 aporte de recursos extemos © Giminuia. a safda de divisas sob o titulo de transferéncia e remessas de Iucro. Na reverstio do ciclo, o aumento das saidas na conta de servigos era acompanhada por uma queda nas importagdes de bens de capital. © ponto que interessa enfatizar aqui é que nesta visio as exportagBes de ‘manufaturas, rapidamente em expanso desde o final dos anos 60, sfo consideradas um resultado da diversificagao produtiva interna com um nitido movimento anti-ciclico. Assim, elas tendem a expandir como forma de compensar a reversio ciclica e nao de forma articulada com a expansio do mercado intemo. E importante notar que esta interpretagfio em que as exportagbes industriais no so um elemento estratégico essencial para a ‘economia brasileira ¢ que esta financiar-se-ia através do investimento direto € cendividamento extemo ocorre justamente num periodo (como veremos em mais detalhe na seg V_abaixo) onde a taxa de crescimento das exportaptes (¢ em particular das exportagdes de manufaturados ) foi extraordinariamente elevada e nao compardvel a nenhum outro periodo posterior. Fica entio.a questo: afinal uma taxa elevada de crescimento das exportagies € ou nfo uma varidvel estratégica central para o crescimento a Tongo prazo em uma economia na qual o crescimento é certamente “hacia dentro” como a brasileira? IV. O Financiamento Externo: Sustentabilidade e Liquidez A disousstio sobre a relago entre exportagSes ¢ crescimento requer considerar alguns aspectos gerais sobre o financiamento extemo de uma economia ¢ em particular sobre as possibilidades de crescimento incorrendo em déficits de conta corrente. Em primeiro lugar é importante analisar a questiio da sustentabilidade (ou solvéncia) de ‘uma trajetria de crescimento com déficit externo, ou seja, examinar as condigdes em que 0 crescimento dos passivos extemos da economia mantenha-se relativamente sob controle e ‘mo siga uma trajetéria explosive. Este problema 6 independente da forma especifica de financiamento se dar através de investimento direto ou divida externa e decorre, como apontado por autores como Kalecki (1966) ¢ Prebisch (1949) da seguinte tendéncia: “A medida que aumenta a massa de capital externo crescem também seus servigos financeiros que véo demandando ume proporgSe crescente de recursos proveniontes das exportagdes ¢ quanto mais eresce a proporoio destes servigos tanto menos heveré margem para a importagdo de bens de capital com estes ecursos.” (Prebisch, 1949:480) ‘Assim a relago central para a questo da sustentabilidade de uma trajetbria de crescimento com déficits em conta-corrente € determinada pela evolugdo da relagéo entre passivo extemo liquido e as exportagGes, que afinal sio a fontetitima de fluxo de caixa em dlivisas que permite o pagamento dos servigos finaneeiros deste passivo. ‘Como passivo externo liquido jé acumulado, como qualquer divida que é “rolada”, cresce naturalmente a taxa de juros efetivamente paga sobre este passivo, a relagfo crucial para a sustentabilidade de uma trajetéria de crescimento com endividamento ¢ dada pela diferenga entre a taxa de crescimento do valor das exportagGes e aquela taxa de juros. Conforme demonstrado originalmente por Domar (1957), se a taxa de creseitnento das exportag6es fica sistematicamente abaixo da taxa de juros , mesmo para um déficit ‘comercial “primério” pequeno e constants, a razio passivo extemo / exportagdes cresce sem limite ¢ em algum momento serd necesséria a geragéo de um superévit comercial para estabilizar o crescimento do passivo extemo. Desta forma, é de central importincia para paises que crescem incorrendo em fics em conta-corrente que a taxa de erescimento de suas exportagdes seja suficientemente elevada para garantir a condigiio de estabilidade de Domar (que no Brasil ficou conhecida através de Mario Henrique Simonsen que usou este argumento para ‘mostrar ao FMI que a crise da divida extema nos anos 80 no era apenas uma “crise ‘temporsria de liquidez” como os técnicos do fundo argumentavam & época. ) Do ponto de vista da questo da sustentabilidade do financiamento do passivo ‘extemo, a diferenga relevante entre investimento direto estrangeiro e dividas, seja de curto ‘ow de longo prazo, diz respeito tnica e exclusivamente a seus custos relativos enquanto componentes de pagamentos de divisas efetuados . Assim, de acordo com alguns autores, como Kregel (1996) 0 custo efetivo em divisas do financiamento via investimento seria até supetior a0 de financiamento por divida extema de longo prazo na medida as taxas de lucro tendem a ser maiores que as taxas de juros € que 0 “teinvestimento” dos lucros das transnacionais deve ser visto como novo fluxo bruto de capital Gimplicando em novos direitos a futuras remessas) e portanto niio deve ser deduzido do custo do fluxo anterior. Por outro lado, também & provavel que o custo de atrair capital externo através da abertura de um diferencial expressivo entre as taxas de juros extemas ¢ intemas através do financiamento extemo de fundos que, de uma forma ou de outra, esto atrelados & divida intema, esteja bem mais préxima ao valor em dolares da taxa de juros doméstiea do que da taxa de juros em moeda estrangeira a qual o pats capta financiamento no mercado intemacional (Serrano(1998)). Dada a dificuldade pritica de discriminar as taxas de retomo dos diversos tipos de passives extemo — inchuindo 0 pagamento por royalties, licengas e patentes- um bom indicador empirico razoavelmente adequado da situacio da sustentabilidade de uma trajetoria ce crescimento com deficit extemo € a evolugdo da razo déficit em conta, ccorrente/ exportagbes. Este indicador ainda tem a vantagem adicional de refletir bem o impacto do aumento do coeficiente e volume de importagdes que tem sido mareante nas cexperiéncias de abertura comercial ¢ financeira dos chamados “mercados emergentes” nos ‘anos 90, Note-se no entanto, que mesmo uma trajetiria insustentavel de acumulago de passivos externos, embora leve , mais cedo ou mais tarde, a aiguma desaceleragzo do crescimento, nto necessariamente tem que terminar em uma crise financeira ¢ cambial A crise de liquidez.extema e a crise cambial propriamente dita em geral ocorrem apenas quando subitamente os credores extemos se recusam a refinanei 08 compromissos extemos que vencem num determinado perfodo, 0 que, mesmo numa situagio onde 0 <éficit em conta conente (0 fluxo liquido de capitais num dado periodo) néo seja to vlioso, faz 0 total do estoque de empréstimos néo renovados aparecer como um flixo brato de “saida” de capital que pode rapidamente exaurir as reservas extemas do pais e detonar uma crise. esta forma, as condisSes relevantes para a ocorréncia de uma crise cambial ou crise de liquidez extema, dependem da magnitude dos passivos exteros que estio para vvencer em relagio as reservas externas do pais. Neste aspecto, as diferengas ene fluxos de capitais de curto prazo, longo prazo ¢ investimento direto estrangeiro adquirem grande importincia . Evidentemente quanto maiores os prazos dos empréstimos externos e/ou quanto mais os déficits tenfiam sido financiados com investimento direto, menores sero, relativamente os compromissos extemos que vencem num determinado periodo. Por outro lado, quanto maior for a proporgiio das aplicagdes de curto prazo nos passivos extemos maior serd fragilidade financeira extema e o risco de uma ctise de liquide. ‘Assim um indicedor sintético da fragilidade financeira extema e até da probabilidade de uma crise cambial pode ser obtido pela razio entre os passivos extemos de curto prazo ¢ as reservas cambiais do pais em questo''. Quando esta raziio se toma ‘muito alta, qualquer interrupgio nos fluxos de capital decorrente da decisto de nfio refinanciar as dividas que esto para vencer pode detonar e, com freqdéncia, detona um processo especulativo, Bste & magnificado pelas expectativas de desvalorizayio ou de default na medida em que a magnitude das safdas brutas de capital envolvidas num espago ccurto de tempo podem acabar com as reservas externas do pais em pouquissimo tempo. V. Exportagses ¢ Cresclmento na Experiéncia Brasileira ‘Tendo em vista a discussfo anterior & importante examinar brevemente alguns dilemas da insergéo externa e do crescimento econémico da economia brasileira no pés- guerra, A tabela abaixo resume os dados sobre crescimento do produto , das exportagses © 1 variagdio do déficit em conta corrente entre 1957 e 1998. A periodizaglo e delimitago das etapas correspondem aos pesiodos de expansdo e contragio do déficit de transag6es correntes. 1 para uma disoussto de indicadores sobre crises eambiais, ver Kaminsky, (1988) fondo, 8; Reinhart, C. ‘Taxas médias anuais de variagdo do déficit em transagBes correntes (DTC), valor das exportasbes (ambos em USS correntes) em do crescimento do PIB real. Periados DIC Exporiagdes PIB TST 27 “28 we WRIET a37 33 3 od o Bis Too WITT I9E 184 72 ITT a iis 35 TORT [ar Da a DEBS OSE 3E Té TOTIOT 39 oF Ey FONTEE cdlculos baseadosnos dads do Banco Central, IBGE FUNCEX O perlodo de 1956 a 1962 foi um verdadeiro divisor de aguas na industrializagio brasileira. A implantagdo de novos setores produtivos em meio a uma elevada taxa de crescimento do produto intemo distinguiu o Brasil no continente latino-americano. Este periodo, por outro lado, foi marcado na economia mundial por baixa liquidez ¢ na economia brasileira por estagnagiio nas exportagdes e restrigio de divisas'*, Sob o regime cambial discriminatério entéo vigente, a entrada de investimentos e de financiamentos externos parcialmente compensou aquela estagnagao e as reservas disponiveis foram alocadas aos setores prioritérios, em particular o sctor de bens de capital’? , Neste sentido, ‘com amplo ingresso de capital externo sob a forma de novas instalagSes industiais voltadas ‘para a expanstio do seu amplo mereado intemo, a economia brasileira guiada por um moderno estado desenvolvimentista, contomou admiravelmente a restrigio externa. imediata explorando oportunidades ¢ o potencial de set mercado interno. Esta foi o acicate da indusrializagio na medida em que a restrigio absoluta das importagies limitou-se aos setores cuja produgdo doméstica desejava-se estimular (ver seglo I). Entretanto, com as exportagdes estagnadas ¢ concentradas em produtos primdrios, a ampliagio da capacidade de importar tomou-se fortemente dependente do financiamento extemno ¢ da entrada de investimentos. Depois de registrar um superdvit em 1956, 0 déficit de transagdes corentes atingiu 20% das exportagdes em 1957 © 37% em 1960, empliando a fragilidade extema e ” Ver Senra,1982 cconseqilente declinio das condigdes de solvéncia da economia, A economia brasileira Jevava ao limite um processo de inlustrializagao pesada com elevada presonga do capital estrangeiro exportando basicamente produtos primétios, Nestas condigdes, a sustentagdo do crescimento tomava-se cada vez mais problematica requerendo desvalorizagdes cambiais com importantes efeitos inflacionétios ‘na economia", Do ponto de vista da insereiio interacional do pafs dois fatos notiveis ocorreram na segunda metade dos anos 60: a retomada do financiamento extemo, modesto até 1969 ¢ abundante a partir dai, e @ explosdo das exportages, em particular as industrais a partir de 1968. (Bonelli ¢ Malan, 1976). Com este novo patamar da capacidade de importar, 0 crescimento econdimico - liderado pelos gastos intemos- e as importagées, duramente contidos em meados da década, explodiram. Gragas a0 controle de cfmbio e 0 regime de incentivos eriado, as importagdes de bens de consumo duréveis foram contidas a0 passo que as importagdes de produtos intermedirios ¢ bens de capital eresceram significativamente, Tendo em vista # elevada presenga de empresas transnacionais na economia brasileira, a propensto média e marginal a importar em setores no concorrentes com a produgo doméstica revelou-se bastante elevada neste perfodo (Malan e Bonelli, 76). ‘Mas se as importagSes cresciam em fungio da retomada do erescimento e da ampliagio (eletiva) do coeficiente de importar, as exportagées (sobretudo as industriais) foram fortemente estimuladas pela politica de mini-desvalorizagbes cambiais e pelo regime de incentivos. E importante observar que nivel das exportag0es atingida em 1973 era 3,3 ‘vezes superior em délates correntes o nivel existente em 1968 ¢ as exportagdes industriais foram multiplicadas por 2,9 neste perfodo. Para este resultado muito contribuiu a taxa de crescimento da economia mundial e, até 1973, a evolugéo favorvel dos termos de troca. ‘Assim, em meio a forte crescimento do produto da produgéo industrial, 0 déficit de transagdes correntes em relagdo &s exportagdes reduziu-se entre 1968 ¢ 1971. Em 1971, ‘mas sobretudo em 1973, com a abrupta elevago dos pregos do petréleo, o déficit de ‘ransagbes correntes deu um salto extraordinério em relagiio as exportagdes. A. desaceleragdio do crescimento econdmico eo forte ritmo expansivo das exportagées Tavares, 1963 ™ De acordo com Leff (1967) entre 1953-55 ¢ 1960-62 a taxa de cambio real das importagbes depreciou-se aproximadamente em 60% interrompeu o crescimento desta razso, e posteriormente a reduziu até que em 1979, com 0 rnovo choque extemo as condigdes de solvéncia pioraram significativamente, Estruturalmente, com @ mudanga nos termos de troca em 1973 e com a ativa politica do II PND de promover investimentos substitutivos em insumos bisicos e bens de capital e, simultaneamente, promover exportagdes, a economia brasileira aprofundou seu processo de industralizag8o atingindo niveis inéditos entre os paises em desenvolvimento tanto em termos de extenstio como em termos de diversificagao de seu parque industrial. Ao ‘contrario dos anos 50, 0 esforgo industrial dos anos 70 se deu com duas pronunciadas

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