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Cientefico. Ano VII, v. II, p.314.

Salvador, julho-dezembro 2007

Chaïm Perelman e
a questão da argumentação
Tão irracional seria exigir de um matemático uma mera probabilidade, como exigir de
um orador demonstrações formais (Aristóteles, 1094b25).

Eduardo Chagas Oliveira


Graduado em Filosofia pela Universidade Federal da Bahia (1995), mestre em Comunicação e Cultura Contemporânea pela Universidade Federal da
Bahia (2001) e doutor em Filosofia pela Universidade Estadual de Campinas (2007). Atualmente é professor de Filosofia do Direito da U
­ niversidade
­Estadual de Feira de Santana (Uefs), editor responsável e membro do Conselho Editorial da Revista Ideação (Uefs) e coordenador do curso de
­Especialização em Filosofia Contemporânea (Uefs)

Resumo
A questão da argumentação, em Perelman, possui um sentido tão específico quanto abrangente. A sua Teoria
da Argumentação ganhou reconhecimento e notoriedade, mas o sentido em que se emprega este termo na
esfera do pensamento perelmaniano precisa ser revisitado para o entendimento da estrutura arquitetônica da
sua obra. A argumentação, tal como sugere Perelman, representa uma construção sistemática e rigorosa das
idéias que depende decididamente da anuência do auditório. Mas, em que sentido se entende uma perspectiva
de construção sistemática? O que isso sustenta e como se fundamenta?

Palavras-chave
Perelman, Argumentação, Retórica, Diálogo, Persuasão, Convencimento.

A construção sistemática dos argumentos, conforme ótica de Aristóteles, a noção de argumento está liga-
a validação do auditório que lhe confere crédito, colo- da aos lugares [topoi] que constituem o objeto de in-
ca em questão a própria idéia de que a Nova Retórica vestigação dos Tópicos [em uma perspectiva mais di-
representa uma reconstrução da Retórica aristotélica, reta] e da Retórica [de uma maneira transversal]. A
conforme sugestão de comentadores como Hoogaert importância atribuída por Aristóteles aos “topoi”, por
(1995, p.167) e Villey (2003, p.258), por exemplo. Sob a sua vez, indica a influência que a escolha destes pos-

* Eduardo Chagas Oliveira: echagas@uefs.br.


sui na obtenção de resultados efetivos no processo ar- mente conforme lhe é característico, que o termo “ar-
gumentativo. Por outro lado, ao vincular incondicio- gumento” equivale ao próprio processo argumentati-
nalmente a argumentação à adesão, Perelman mostra vo3. A Teoria da Argumentação perelmaniana adotou
que a sua teoria está intimamente ligada à questão do uma perspectiva diferente, por considerar que o termo
assentimento (Perelman; Olbrechts-Tyteca, 1999, congrega acepções mais abrangentes. A Nova Retóri-
p.5). Para escapar da amplitude polissêmica da noção ca apresenta a argumentação como um procedimento
de argumentação, cujo sentido é generalíssimo, suge- para sustentar uma ou mais idéias que se pretende sub-
re que apenas há argumentação no campo em que há meter à anuência do auditório. Implica em um processo
liberdade de adesão. Neste caso, a idéia de argumenta- de adução de razões capaz não apenas de sustentar as
ção se mostra próxima da noção de diálogo, visto que premissas de uma proposição, mas também de trans-
o papel do auditório é imprescindível para que se argu- por a aceitação concedida às premissas para a conclu-
mente. Essa vinculação estabelecida por Perelman, en- são. A argumentação, neste caso, representa uma espé-
tre argumentação e auditório, apresenta uma noção de cie de mecanismo discursivo passível de transportar a
argumentação puramente discursiva, que associa sis- anuência das justificativas à conclusão e vice-versa. Os
tematicamente os elementos postos à prova do interlo- argumentos, sob esta perspectiva, consistem em meios
cutor, deixando-a livremente subordinada a uma ati- pelos quais os indivíduos sustentam as suas idéias no
vidade de propor teses, problematizá-las e respaldá-las intuito de captar a audiência ou assentimento do seu
pela adoção de razões, para criticá-las e refutá-las inde- interlocutor para persuadi-lo ou convencê-lo4. Embora
finidamente1, visto que o procedimento argumentativo o termo argumento também seja empregado para de-
pressupõe a aplicação de técnicas discursivas que pro- signar o assunto de um discurso, ou mesmo o conteúdo
duzem ou fazem crescer a adesão dos interlocutores2. acerca do qual o discurso versa, é necessário observar-
Seguindo os passos indicados por Perelman, que le- se que essa idéia implica em demasiada limitação da
vam a uma aproximação da concepção de argumenta- amplitude cognitiva que o termo propicia no campo da
ção proposta por Toulmin, encontramos uma idéia que Teoria da Argumentação. Assim, uma concepção mais
bem reflete o sentido em que Perelman faz uso da ex- abrangente e compreensiva da noção de argumento pa-
pressão, motivo pelo qual acatamos, nos limites desta rece ser a mais adequada, porque confere maior preci-
investigação, o entendimento de que argumentar con- são à idéia resgatada do senso comum, segundo a qual
siste em prover de justificativas uma idéia que se pre- “um argumento é o que permite à mente o assentimento
tende incutir em outrem. Essa hipótese encontra ampa- acerca de alguma coisa”5. No entanto,
ro no pensamento de outros teóricos contemporâneos
dedicados ao problema da linguagem, como Habermas, para que a argumentação retórica possa desenvolver-se, é
por exemplo, que chama de: preciso que o orador dê valor à adesão alheia e que aquele
que fala tenha a atenção daqueles a quem se dirige: é preci-
argumentação ao tipo de fala em que os participantes temati- so que aquele que desenvolve sua tese e aquele a quem quer
zam as pretensões de validez que se tornam duvidosas e tra- conquistar já formem uma comunidade, e isso pelo próprio
tam de aceitá-las ou recusá-las por meio de argumentos. Uma fato do compromisso das mentes em interessar-se pelo mes-
argumentação, [neste sentido], contém razões que estão co- mo problema (Perelman, 1996, p.70).
nectadas de forma sistemática com as pretensões de validez
da manifestação ou emissão problematizadas. A força de uma Essa observação é importante porque resguarda a
argumentação se mede, num contexto dado, pela pertinência distinção entre a argumentação e a exposição, uma vez
das razões (Habermas, 1987, p.37). que os argumentos se configuram como elementos im-
prescindíveis à confirmação da razoabilidade de uma
Esta noção habermasiana, eminentemente dependen- afirmação. Faz-se necessária, portanto, uma minuciosa
te do ouvinte – que designaremos preferencialmente pelo análise das palavras do orador, pois os maus argumen-
nome de auditório – pode encontrar amparo no pensa- tos – sofismas ou falácias – são capazes de suscitar a au-
mento de Perelman, para quem todo argumento consis- diência e persuadir como se fossem razoáveis. A argu-
tia numa manifestação da argumentação ad hominem. mentação ad hominem, por exemplo, é habitualmente
O senso comum sustenta, embora assistematica- associada a um tipo de raciocínio inválido [falacioso]

1 Esta proposta está esboçada, inclusive, em uma reconstrução do pensamento de Stephen Toulmin, na qual se lê: “The term argumentation will be used
to refer to the whole activity of making claims, challenging them, backing them up by producing reasons, criticizing those reasons, rebutting those cri-
ticisms, and so on” (Cf. Toulmin et al., 1978, p.14).
2 “Uma teoria da argumentação tem como objeto o estudo das técnicas discursivas que visam provocar ou aumentar a adesão das mentes às teses que se
apresentam ao seu assentimento” (Cf. Perelman, 1997, p.207).
3 Assim, o argumento se mostra como um meio cujo fim implica na adesão intelectual de um auditório ao qual se dirige por uso de estratégias persuasivas
ou convincentes, conforme o caso.
4 Essa distinção entre o persuadir e o convencer é nodal, tal como se pode perceber em capítulo integrante da obra: Chaïm Perelman: direito, retórica e
Teoria da Argumentação (Oliveira, 2004), especificamente destinado à sua investigação.
5 A esse respeito cabe uma apreciação do relatório-síntese das discussões ocorridas no II Colóquio da Associação dos Sociólogos de Língua Francesa, ocor-
rida em Royaumont, em 18 de Março de 1959. Este relatório foi publicado nos Cahiers Internationaux de Sociologie [Paris, 1959, v.xxvi, p.123-135].

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em virtude do argumentum ad hominem, que é uma fa- opinião acerca daquilo que se discorre. Se o argüente
lácia não-formal de relevância6, tal como Locke descre- possibilita a mudança de itinerário do pensamento do
ve ao designar como “uma técnica que consiste em pres- seu auditório e faz com que seu ouvinte seja movido a
sionar um homem com as conseqüências extraídas de mudar de idéia, em função da organização racional dos
seus próprios princípios ou concessões” (Locke, 1978, seus pontos de vista, diremos que o argumento foi bem
p.335). Por esse motivo, a afirmação presente no Trata- sucedido e a argumentação foi eficiente.
do – de que toda argumentação é uma argumentação ad A sustentação de que toda argumentação é uma argu-
hominem – costuma gerar mal entendidos e contesta- mentação ad hominem permite desvelar o que se encon-
ções prévias. Mas, o sentido em que Perelman faz uso da tra encoberto pela freqüente imprecisão e ambigüidade
expressão pretende evidenciar que o homem é o alvo de que perpassa a exposição de alguns oradores. Algumas
qualquer forma de argumentação enunciada. Afinal, o hipóteses sugeridas por um orador nem sempre são
homem vive em sociedade, discute com seus semelhan- apoiadas com boas razões e sua obscuridade faz perder
tes e tenta, intencionalmente ou não, levá-los a com- a exata dimensão da utilidade delas. Muitas vezes, não é
partilhar de algumas opiniões e realizar certas ações. É possível sequer identificá-los como provas. Diante dis-
relativamente raro que recorra, para tanto, unicamen- so, torna-se comum solicitar a apresentação de outros
te à coação. Em geral, procura persuadir ou convencer, argumentos. Quanto mais argumentos são necessários
e com esse intuito, raciocina – na acepção mais ampla para se conseguir a anuência de um auditório, menos
deste termo – e administra provas, donde decorre a im- relevantes são as provas que apóiam suas diferentes con-
portância (vital) da sua argumentação. Ante a afirma- clusões. A argumentação no campo da Nova Retórica é
ção aristotélica de que o homem é um animal político uma habilidade desenvolvida com o objetivo de susten-
(zoon politikon), poderíamos considerá-lo um animal tar opiniões, e a obtenção da audiência representa um
argumentador, pois a sua vida política (na pólis) depen- sinal dessa capacidade. Perelman sugere, por sua vez,
de diretamente da sua habilidade argumentativa. a inexistência de idéias evidentes (óbvias), que se sus-
A associação da Teoria da Argumentação à Retórica tentem por si mesmas, motivo pelo qual apresenta a ar-
pode suscitar uma aproximação do processo argumen- gumentação como um processo de fundamentação de
tativo ao entrave dialógico, diante do qual, em um clima idéias que se torna possível por meio de uma organiza-
bélico, duas pessoas se armam de palavras e travam uma ção articulada das palavras, com base no reconhecimen-
espécie de disputa verbal, com o intuito de fazer preva- to dos valores e dos lugares (topoi). Pela argumentação
lecer o seu ponto de vista. Entretanto, essa batalha de se oferece, de forma encadeada, determinadas razões
palavras ou idéias não se constitui necessariamente na para sustentar uma tese e buscar adesões a esta última.
exposição de argumentos. Em uma perspectiva razoável, Essas razões são susceptíveis de múltiplas interpreta-
tal como a proposta por Perelman, apresentar um argu- ções e freqüentemente marcadas pela subjetividade de
mento consiste em fornecer um conjunto de razões que quem argumenta e do contexto em que o faz. Assim,
favoreçam a aceitação de uma conclusão. Assim sendo,
a idéia de que um argumento seja visto como a afirma- um argumento que persuade um auditório pode exercer ape-
ção da cosmovisão de um indivíduo específico deve ser nas um pequeno efeito sobre um outro. Para apreciar o valor,
descartada, assim como não é possível concebê-lo como e não somente a eficácia dos argumentos, é normal, à míngua
uma mera disputa ideológica. Os argumentos são tenta- de critérios objetivos, referir-se à qualidade do auditório que é
tivas de fundamentação de opiniões de maneira razoá- persuadido pelo discurso (Perelman, 2000, p.536).
vel. Neste sentido, os argumentos, e conseqüentemente
o estudo deles, são de importância fundamental. A preocupação e importância do auditório na aplica-
Uma boa argumentação possibilita, dentre outras ção dos argumentos desvela a estreita relação que existe
coisas, uma explicação concisa de uma idéia, ou de um entre o processo argumentativo e o campo da Retórica,
conjunto delas, fazendo com que alguns pontos de vis- motivo pelo qual a argumentação, para Perelman, impli-
ta prevaleçam em relação a outros menos fundamenta- ca em reunir provas e justificativas capazes de sustentar
dos. Um bom argumento oferece elementos para que o uma idéia que se pretende incutir em outrem7. A aceita-
interlocutor seja cativado e creia que as idéias forneci- ção desta concepção não esclarece, todavia, o que Perel-
das são capazes de possibilitar a formação de uma nova man quer dizer ao afirmar que toda argumentação é ad

6 As falácias de relevância caracterizam-se por suas premissas serem logicamente irrelevantes para o estabelecimento da conclusão e, por sua vez, serem
incapazes de estabelecer a verdade daquilo que se afirma. A irrelevância, neste caso especificamente, é de natureza lógica – e não psicológica como se
pode imaginar, uma vez que se não houvesse relevância ou conexão psicológica, tampouco haveria qualquer efeito persuasivo ou de aparente correção.
Existem dois tipos clássicos de argumentum ad hominem (o ofensivo e o circunstancial). Comete-se o ad hominem ofensivo quando, em vez de tentar re-
futar a verdade do que é afirmado, ataca-se o homem que fez a afirmação. No caso da variante circunstancial, diz respeito às relações entre as convicções
de uma pessoa e as circunstâncias em que ela enuncia sua afirmação.
7 É de particular interesse investigar como o orador e o auditório discutem sobre valores, porque se acredita que esta questão pode ser tratada melhor pela
Retórica do que pela Lógica. Perelman sugere que uma teoria da argumentação é necessária para que os valores possam ser avaliados de maneira racional.
Pretende-se sustentar que as questões atinentes aos valores são especialmente relevantes para a Retórica, pois a argumentação é não somente importante,
mas essencial de um ponto de vista pedagógico, uma vez que promove um consenso nas mentes dos ouvintes a respeito dos valores que são apresentados
no discurso (Cf. Perelman, 1979, p.277-78).

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hominem. Afinal, a afirmação perelmaniana se funda- ad hominem, visto que toda argumentação depende do
menta no pressuposto segundo o qual a argumentação que o interlocutor esteja disposto a admitir.
depende do reconhecimento de valores e da vontade de A afirmação do caráter ad hominem da argumenta-
se deixar convencer ou do desejo de persuadir. No pri- ção está vinculada à associação que se faz entre a ar-
meiro caso, temos a noção de auditório demarcando a gumentação e a questão do auditório. A importância
possibilidade da argumentação; no segundo, a distinção da anuência do auditório se consolida pelos objetos de
entre o convencer e o persuadir se dá como elemento de acordo que podem ser fatos, verdades, presunções, va-
mediação no estabelecimento de acordo entre as partes lores, hierarquias ou lugares. Objetos de acordo, por
envolvidas no diálogo. Em qualquer caso, há indivíduos sua vez, são apresentados por Perelman como pontos
dialogando entre si com o intuito de provar algo e, para de partida da argumentação. Desta forma, os pontos de
isso, fazendo uso de expedientes retóricos eficazes para partida de uma argumentação são elementos que de-
fazer prevalecer suas idéias diante dos demais. Este pro- pendem da anuência do auditório. Ou seja: para que
cesso de construção, refutação ou sustentação de cren- haja argumentação é preciso haver não apenas um au-
ças, coloca os indivíduos em processo permanente de ditório, mas um acordo prévio acerca das premissas
disputa, apresentando diversos elementos para susten- que serão admitidas como ponto de partida para a dis-
tar suas próprias idéias, justificar uma opinião, ou mes- cussão. Chegamos, destarte, à conclusão de que sem a
mo para compor um argumento comum. anuência do auditório não há argumentação. Conside-
Perelman estabelece quatro tipos de argumentação rando-se que toda argumentação está voltada para um
próximos entre si pela sua estrutura e aplicação: (1) a auditório, e este, por sua vez, é composto por indivídu-
argumentação ad rem, (2) ad hominem, (3) ad personam os que têm opiniões e reconhecem valores, pode-se en-
e (4) ad humanitatem. Todas parecem estar fundamen- tender o que Perelman estava sugerindo ao afirmar que
tadas no estudo schopenhaueriano, conforme sugere, toda argumentação é ad hominem.
inclusive, as notas e citações do próprio autor, sobretu- Para haver uma argumentação, é necessária a existên-
do no caso da primeira e terceira delas, ou seja, no caso cia de um acordo prévio, garantindo que os interlocu-
das tipologias ad rem e ad personam. A argumentação tores não venham a pôr em dúvida – posteriormente –
ad hominem sofre interferências da noção aristotélica, aquilo que se admite como pertinente para a discussão
mas aparece confusa no pensamento de Perelman. Não [afirmação] que se propõem a discutir [defender]. Afinal,
se percebe, ao certo, se há uma aproximação entre o ad no processo argumentativo é preciso evocar a plausibili-
hominem e as falácias de relevância. De qualquer forma, dade, o razoável, como sustentação da tese que se preten-
preferimos dissociar essa aproximação, tomando como de defender. Nesse ponto, a teoria de Perelman, acerca da
base a afirmação do próprio Perelman de que “os argu- argumentação, busca amparo no princípio da inércia que
mentos ad hominem são, em geral, [erroneamente] qua- serve como base para a técnica jurídica do precedente,
lificados de pseudo-argumentos”. Cabe ressaltar, inclusi- utilizado para sustentar a sua regra de justiça, visto que:
ve, que a pseudo-argumentação é uma forma deturpada
de apresentação de idéias que, por sua imperfeição, se a inércia permite contar com o normal, o habitual, o real, o atu-
opõe à argumentação dirigida ao auditório universal, al e valorizá-lo, quer se trate de uma situação existente, de uma
sendo esta, por sua vez, equivalente ao ideal, ao melhor. opinião admitida ou de um estado de desenvolvimento contí-
Ora, para que se possa desenvolver uma argumen- nuo e regular... a mudança, em compensação, deve ser justifi-
tação é preciso, efetivamente, reconhecer algumas pre- cada; uma decisão, uma vez tomada, só pode ser alterada por
missas que serão previamente admitidas no início do razões suficientes (Perelman; Olbrechts-Tyteca, 1999, p.120, §2).
processo argumentativo. Tais premissas servem de
sustentação para uma tese que se pretende defender ou Em outras palavras, não existe uma “rocha dura” em
contestar. No primeiro caso, ou seja, no caso em que se que se pode firmar uma argumentação tornando-a só-
pretende defender uma conclusão (tese), é preciso an- lida e incontestável, porque os argumentos se baseiam
gariar a adesão do auditório acerca das premissas que em opiniões/valores que se supõem admitidos pelo au-
são apresentadas para fazê-lo aceitar, por conseqüência, ditório – sendo dependentes da anuência do interlocu-
a tese que delas decorre. No segundo caso, entretanto, tor que lhe confere aval e relevância conforme o caso.
para contestar a tese que se expõe torna-se necessário Mas, diante da inexistência de uma base firme, capaz
fragilizar as premissas da argumentação do interlocu- de suster um argumento, é possível que se cometa o
tor, fazendo-o reconhecer sua improcedência e/ou suas equívoco de supor admitidas teses e premissas que, de
limitações para sustentar a conclusão que delas decor- fato, não estejam admitidas pelo interlocutor / auditório,
re. Em qualquer um dos casos, o ponto de partida da fundamentando-se em valores ou teses não comparti-
argumentação consiste no assentimento daquilo que se lhadas por este último. Nesse caso, postula-se o que se
admite como válido para o desenvolvimento do diálo- quer provar e, desta forma, incorre-se em petição de
go. É neste sentido que Perelman afirma ser toda ar- princípio, porque supõe erroneamente que o auditório
gumentação – em amplo sentido – uma argumentação já aceitou uma tese que se pretende fazer admitir.

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REFERÊNCIAS

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