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1.Gbras de Fernando Pessca # Obra postica ¢ Obras em prosa. Rio de javeiro, Nova Aguilar, © O.eu profundo € as outros cus. Rio de Jeneiro, Nova Aguilar. * Os melhores poemas de Fernando Pessoa. Selegao de Tereza Rita Lopes. Sie Paulo, Global. * Ollivro do desassossego. Lisboa. Atica ® Paginas intimas e de auto-interpretacdo. Lisboa, Atica. + Paginas de estética e de teoria e critica literdria, Lisboa, Atica. 2. Obras sobre Fernando Pessoa +» Caderno n® 1, PUC — Rio de Janeiro. * COELHO, Jacinto Prado. Diversidade ¢ unidade em Fernando Pessoa. Lisboa, Editorial Verbo © Coléquio/Letras ~ Homenagem a Fernanso Pessoa. Lisboa, Fund. Calouste Gulbeakian. n° $8, Nov. 1985. © Estucios sobre Paule. 1 * LIND, Georg Rudolf. Teoria poética de Fernando Pessoa. Porto, Inova. * LOURENCO. Eduardo. Pessoa Revisitado. Porto, Inova, 1973. . Leyla Perrone. Fernando Pessoa aguém do eu, além do out ntes, .ssod no Brasil, Revista Comunidades de Lingus Portuguesa. Sto Matin So Panto, espetho ¢ a esfinge. Sio Pauio, Cireulo do Livro. * NUNES, Benedito. “Fer In: O dorso do tigre, $80 Paulo, Perspectiva, 1969. * PADRAO, Maria da Gloria. A metdfora em Fernando Pessoa. Porto, Inova. * PAZ, Otdvio. “O desconhecido de si mesmo: Fernando Pessoa. Signos em rotagao, Séo Paulo, Perspectiva, 1972. * QUESADO, José Clécio Basilio. O constelado Fernando Pessoa. Rio de Jane * SEABRA, José Augusto. Fernando Pessoa ou 0 poetodrama. Sao Paulo, Perspeci jago. POEMAS COMPLETOS DE ALBERTO CAEIRO Introdugao* NESTES POEMAS aparentemenie io simplices, 0 critica, se se dispbe s uma andi hora a hora se encontra deftonte de elementos cada vez mais inesperados, catla vez mais complex ‘Tomando por axiomitico aquilo que, desde iogo, o impression, a naturalidade e a espontaneidade poemas de Caeiro, pasma de verificar que eles sfio, ao mesmo tempo. rigorosamente unificados por u:n samento filoséfico que nao s6 os coordena e concatena, mas que ainda mais, prevé objegdes. antevé criticas, explica defeitos por uma integragdo deles na substincia espiritual da obra, Assim, dando-se Caeiro por um poeta objetivo, como é, nés encontramo-lo, em quatro das suas cangSes, exprimindo impressdes inteiramente subjetivas, Mas nfo temos a satisfagdo cruel de poder supor-nos a indicar-the que errou, No poema que imediatamente precede essas cangSes, ele explica que elas foram escritas durante uma doenga, € que, portanto, tém por forga que ser diferentes dos seus poemas normais, por isso que a doenga no é saiide, E assim, 0 critica néo chegue a conduzir aos labios a taga da suc satisfagdo cruel. Se quiser tera alegria. um poouco menos eonereta, de apontar outros pecadios conte 2 teoria intima da obra toda, vé-se confronizdo por poemus como ..° € 0 ..", onde a sua objepdo jh es feita, ¢ a sua questéio respondida. 108 S8 quem pacientemente, e com o espirito pronto, ler esta obra pode avaliar 0 que esta previsao, esta coeréncia intelectual (mais ainda do que sentimental, ou emotiva) tem de desconcertante. Tudo isso, porém, & verdadeiramente 0 espirito pagio. Aquela ordem e disciplina que 0 paganismo tinha, e o cristismo nos fez perder, aquela inteligéncia raciocinada das coisas, que era seu apanagio e no & nosso, esti ali. Porque, se fala na forma aqui esté na esséncia. FE ndo é forma exterior do paganismo — repito — que Caeiro veio reconstruir; € a esséncia que chamou do Averno, como Orfeu a Euridice. pela magia harménica (melédica) da sua emogao. Quais so. para meu critério, os defeitos desta obra? Dois s6, ¢ eles pouco empanam o seu fulgor irmao dos deuses. Falta nos poemas de Caeiro, aquilo que devia completé-los: a disciplina exterior, pela qual a forga tomasse a coeréncia e a ordem que *Apontamento solto de Ricardo Reis (frag.), publicado pela primeira vez em 23.03.1960, RJ. ul O MEU OLHAR € nitido como um girassol, Teno o costume de andar pelas estradas Olhando para a direita e para a esquerda, E de vez em quando olhando para tr E o que vejo a cada momento E aquilo que nunca antes eu tinha visto, E eu sei dar por isso muito bem... Sei ter o pasmo essencial ‘Que tem uma erianga se, ao nascer, Reparasse que nascera deveras... Sinto-me nascido a cada momento Para a eterna novidade do Mundo. Ix Sov UM guardador de rebanhos. O rebanho é os meus pensamentos ‘05 meus pensamentos so todos sensagdes. Penso com os olhos e com os cuvidos E com as maos ¢ os pés E com o nariz ea boca. Pensar uma flor é vé-la e cheiri-la E comer um fruto é saber-Lhe 0 sentido, Por isso quando num dia de calor Me sinto triste de gozé-lo tanto, E me deito ao comprido na erva, E echo os olhos quentes, Sinto todo o meu corpo deitado na realidade, Sei a verdade e sou feliz. Creio no mundo como num malmequer, Porque o vejo. Mas no penso nele Porque pensar é néio compreender O mundo nfo se fez para pensarmos nele (Pensar é estar doente dos olhos) Mas para olhamos para ele e estarmos de acordo, Eu nfio tenho filosofia: tenho sentidos. Se falo na Natureza nao ¢ porque saiba 0 que ela & Mas porque a amo, e amo-a por isso, Porque quem ama nunca sabe © que ama Nem sabe por que ama, nem o que é amar Amar é a eterna inocéneia, Ea tinica inocéncia nao pensar. Bs “OLA, guardador de rebanhos, Aia beira da estrada, Que te diz 0 vento que passa’? “Que é vento, e que passa. E que ja passou antes, E que passara depois. Eatioquete diz?” “Muita cousa mais do que isso Fala-me de muitas outras cousas De memérias e de saudades E de cousas que nunca foram.” “Nunca ouviste passar 0 vento. vento s6 fala do vento. que Ihe ouviste foi mentira, Eamentira esta em ti.” Mt AO ENTARDECER, debrugado pela jancla, E sabendo de soslaio que ha campos em frente, Leio até me arderem os olhos O livto de Cesirio Verde, Que pena que tenho dele! Ele era um camponés Que andava preso em liberdade pela cidade, Mas o modo como olhava para as casas, E 0 modo como reparava nas ruas, E a maneira como dava pelas cousas, E o de quem olha para drvores, FE de quem desce os olhos pela estrada por onde vai andando E anda a reparar nas flores que ha pelos campos... Por isso ele tinha aquela grande tristeza Que ele: nunca disse bem que tinha, Mas andava na cidade como quem anda no campo E triste como esmagar flores em livros E por plantas em jarros... [210] v HA Metarisica bastante em no pensar em nada, © que penso eu do mundo? Sei la o que penso do mundo! Se eu adoecesse pensaria nisso Que idéia tenho eu das cousas? Que opiniao tenho sobre as causas e os efeitos? Que tenho cu meditado sobre Deus ¢ a alma E sobre a criagao do Mundo? Nao sei. Para mim, pensar nisso é fechar os olhos E nfo pensar. E correr as cortinas Da minha janela (mas ela nfo tem cortinas), 09 XxIVv O QUE NOS vemos das cousas sfio as cousas. Por que veriamos nds uma cousa se houvesse outra Por que é que ver ¢ ouvir seria iludirmo-nos Se ver e ouvir so ver e ouvir? O essencial ¢ saber ver, Saber ver sem estar a pensar, Saber ver quando se vé, E nem pensar quando se vé ‘Nem ver quando se pensa. Mas isso (tristes de nds que trazemos a alma vestida’), Isso exige um estudo profundo, Uma aprendizagem de desaprender E uma seqilestrayo na liberdade daquele convento De que 0s poetas dizem que as estrelas sito as freiras cternas E as flores as penitentes convictas de um s6 dia, Mas onde afinal as estrelas ndo sao senao estrelas Nem as flores sendo flores, Sendo por isso que thes chamamos estrelas ¢ flores. i XXVI AS VEZES, em dias de luz perfeita e exata, Em que as cousas tem toda a realidade que pociem ter. Pergunto a mim proprio devagar Por que sequer atribuo eu Beleza as cousas. Uma flor acaso tem beleza? Tem beleza acaso um fruto? ‘Nilo: tém cor e forma E existéncia apenas. A beleza & 0 nome de qualquer cousa que ndo exis! Que eu dou as cousas em troca do agrado que me dat. ‘Nao significa nada, Entdo por que digo eu das cousas: slo belas? Sim, mesmo a mim, que vivo s6 de viver, Invisiveis, vém ter comigo as mentiras dos homens Perante as cousas, Perante as cousas que simplesmente existem, Que dificil ser proprio e no ver seni o visivel! mistério das cousas? Sei lé 0 que é mistério! tinico mistério é haver quem pense no mistério. Quem esté ao sole fecha os olhos, Comega a nao saber 0 que é 0 sol E a pensar muitas cousas cheias de calor. Mas abre os othos e vé o sol. E ja nfo pode pensar em nada, Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos De todos 0s filésofos e de todos os poctas. A luz do sol no sabe 0 que faz E por isso no errae ¢ comum € boa. Metafisica? Que metafisica tem aquelas érvores? A de serem verdes e copadas ¢ de terem ramos B.a de dar fruto na sua hora, 0 que nflo nos faz pensar, Anés, que nao sabemos dar por elas, Mas que melhor metafisica que a delas, Que é a de nflo saber para que vive Nem saber que 0 nao sabem? *Constituigdo intima cousas” “Sentido intimo do Universo” Tudo isto ¢ falso, tudo isto néio quer dizer nada, B incrivel que se possa pensar em cousas dessas. E como pensar em razdes € fins ‘Quando © comego da manta est alando, e pelos lades das drvores Um vago ouro lustroso vai perdendo a escuridao. Pensar no sentido intimo das cousas E acrescentado, como pensar na satide Ou levar um copo a dgua das fontes. O tinico sentido intimo das cousas E elas ndo terem sentido intimo nenhum. no Procuro despir-me do que aprendi, Procuro esquecersme do modo de lembrar que me ensinaran E raspar a tinta com que me pintaram os sentidos. Deseneaixotar as minhas emogdes verdadeiras. Desembrulhar-me e ser eu, nio Alberto Caciro, Mas um animal humano que a Natureza produziu. msi eerevo, usenet Natu, am eget emo us hem Mas como quem sente a Natureza, ¢ mais nada. Eassim escrevo, ora bem , ora mal, ‘Om acertando com que quero dizer, ora errando, Caindo aqui, levantando-me acolé, Mas indo sempre no meu caminho como um cega teimoso. Ainda assim, sou alguém. Sou 0 Descobridor da Natureza. Sou o Argonauta das sensagdes verdadeiras. Trago 20 Universo um novo Universo Porque trago a0 Universo ele-préprio. Isto sinto ¢ isto escrevo Perfeitamente sabedor e sem que nfio veja Que sio cinco horas do amanhecer E que o sol, que ainda nao mostrou a cabega Por cima do muro do horizonte, Ainda assim jé se lhe véem as pontas dos dedos Agarrando o cimo do muro Do horizonte cheio de montes baixos. Nao acredito em Deus porque nunca o vi. Se ele quisesse que eu acreditasse nele, Sem divida que viria falar comigo E entraria pela minha porta dentro Dizendo-me, Aqui estou! (Isto é talvez ridiculo aos ouvidos De quem, por nao saber o que ¢ olhar para as cousas, ‘Nao compreende quem fala delas Com o modo de falar que reparar para elas ensina.) Mas se Deus ¢ as flores e as arvores: E 0s montes ¢ sol ¢ 0 luar, Entao acredito nele, Entao acredito nele a toda a hora, E a minha vida ¢ toda uma oragaio e uma missa, E uma comunhao com os olhos e pelos ouvidos. Mas se Deus é as arvores eas flores E os montes ¢ 0 luar ¢ 0 sol, Para que the chamo eu Deus? ‘Chamo-Ihe flores e arvores e montes e sol ¢ luar, Porque, sé ele se fez, para eu o ver, Sol e luare flores e arvores e montes, Se ele me aparece como sendo érvores € montes E luare sol e flores, E que ele quer que eu 0 conhega Como arvores e montes ¢ flores € luar e sol. E por isso eu obedego-Ihe, (Que mais sei eu de Deus que Deus de si préprio?). Obedego-Ihe a viver, espontancamente, ‘Como quem abte os olhos ¢ vé, E chamo-the luar e sol ¢ flores ¢ drvores e montes, E amo-o sem pensar nele, E penso-o vendo e ouvindo, ut XLVI NUMDIA excessivamente nitido, Dia em que dava a vontade de ter trabalhado muitc Para nele nao trabalhar nada, Entrevi, como uma estrada por entre as rvores, O que talvez seja Grande Segredo, ‘Aquele Grande Mistério de que os poetas falsos falam. Vi que no hé Natureza, Que Natureza nfio existe, Que ha montes, vales, planicies, Que ha drvores, flores ervas, Que hd rios e pedras, Mas que no hé um todo a que isso pertenga, Que um conjunto real ¢ verdadeiro E uma doenga das nossas idéias. A Natureza é partes sem um todo. Isto é talvez o tal mistério de que falam. Foi isto 0 que sem pensar nem parat, Acertei que devia ser a verdade Que todos andam a achar e que nao acham E que s6 eu, porque a nao fui achar, achei. XLII Antes 0 véo da ave, que passa ¢ nio deixa rastro, ‘Que a passagem do animal, que fica lembrada no chao. A ave passa e esquece, € assim deve ser. O animal, onde ja nfo esta e por isso de nada serve Mostra que ja esteve, 0 que no serve para nada. A recordagdo é uma trai¢ao a Natureza, Porque a Natureza de ontem nao é Natureza. O que foi nao é nada, e lembrar é ndo ver. Passa, ave, passa, ¢ ensina-me a passat! E ando com ele a toda a hora. ‘XXI ‘Se EU PUDESSE trincar a terra toda E sentir-the um paladar, ‘Seria mais feliz um momento... ‘Mas eu nem sempre quero ser feliz. F preciso ser de vez.em quando infeliz Para se poder ser natural... Nem tudo € dias de sol, E a chuva, quando falta muito, pede-se, Por isso tomo a infelicidade com a felicidade ‘Naturalmente, como quem nao estranha Que haja montanhas e planicies Que haja rochedos e erva... O que é preciso é ser natural e ealmo Na felicidade ou na infelicidade, Sentir como quem olha, Pensar como quem anda, E quando se vai morrer, lembrar-se de que o dia morre, E que o poente é belo e é bela a noite que fica... ‘Assim & e assim seja... XLV UMRENQUE lA longe, Id para a encosta. Mas o que € um renque de érvores? Hé rvores apenas. Renque © 0 plural érvores nao so cousas, so nomes. 751914 Tristes das almas humanas, que poem tudo em ordem, Que tragam linhas de cousa a cousa, ‘Que poe letreiros com nomes nas drvort absolutamente reais, E desenham paralelos de latitude e longitude ‘Sobre a propria tera inocentee mas verde lrida do que isso! uz XLVI 10-5-1914 Deste modo ou daquele modo. ‘Conforme calha ou no calha. Podendo as vezes dizer 0 penso. E outras vezes dizendo-o mal ¢ com misturas, Vou escrevendo os:meus versos sem querer, ‘Como se escrever ndo fosse uma cousafeita de gestos, ‘Como se escrever fosse uma cousa que me acontecesse Como dar-me o sol de fora. Procuro dizer o que sinto ‘Sem pensar em que 0 sinto, Procuro encostar as palavras a idéia E nfo precisar dum corredor ‘Do pensamento para as palavras [Nem sempre consigo sentir o que devo sentir. O meu pensamento s6 muito devagar atravessa o rio a nado. Porque lhe pesa o fato que os homens o fizeram usar. 0 PASTOR AMOROSO QUANDO EU nfo te tinha ‘Amava a Natureza como um monge calmo a Cristo... ‘Agora amo a Natureza ‘Como um monge calmo & Virgem Maria, Religiosamente, a meu modo, como dantes, Mas de outra maneira mais comovida e préxima... ‘Vejo melhor os rios quando vou contigo Pelos campos até a beira dos rios; ‘Sentado a teu lado reparando nas nuvens. Reparo nelas melhor — Tu nfio me tiraste a Natureza... ‘Tu mudaste a Natureza... ‘Trouxeste-me a Natureza para o pé de mim, Por tu existires vejo-a melhor, masa mesma, Por tu me escolheres para te ter ete amar, ‘Os meus olhos fitaram-na mais demoradamente Sobre todas as cousas. Nao me arrependo do que fui outrora Porque ainda 0 sou. "3 © Mor é uma companhia. J4 ndo sei andar s6 pelos caminhos, Porque ja no posso andar s6. Um pensamento visivel faz-me andar mais depressa E ver menos. e ao mesmo tempo gostar bem de ir vendo tudo. Mesmo a auséncia dela é uma cousa que est comigo. E eu gosto tanto dela que nao sei como a desejar. Sea nfo vejo, imagino-a e sou forte como as érvores altas. Ma sea vejo tremo, nao sei o que & feito do que sinto na auséncia dela, Todo eu sou qualquer forga que me abandona, Toda a realidade olha para mim como um girassol com a cara dela no meio. FERNANDO PESSOA — ALBERTO CAEIRO - SINTESE - ‘Plano de Contesido ‘Sensacionismo — Objetivismo © Sensagéio das coisas tais como séo; sentir tudo da maneira que &; Visto direta das coisas sem reflexio, através dé - Sentir sem pensar que sente (pensar = sentir); - Exterioridade — tinico signo distintivo do real; ~ Eliminagdio dos vestigios da subjetividade (maxima abertura focal & existéncia da coisa em si— inocéncia de olhat); = Redugdo a atualidade da presenga (aboligdio das fronteiras de tempo ¢ espaco); ~ Aceltagto de todas as desigualdades e injustigas “naturais”. Fenoi ‘Etimologicamente é o estudo do fendmeno. Podemos dizer que seu fundador foi Husserl, embora Kant e Hegel jé tivessem empregado o termo. A fenomenologia de Husserl apresentou-se em grande parte como uma reagao, por um lado, a0 psicologismo e pragmatismo do final do século XIX e inicio do XX, e por outro lado, ao objetivismo ciemificista expresso pelo positivismo, Para buscar novo comeso para a ciéncia, Husserl mostra que & preciso ir além dos preconceitos e dos pré-julgamentos, exercitando um “novo modo de olhar”. Husserl vai propor que o homem ao se colocar perante o real o faga livre de teorias, em estado de pureza. A fenomenologia apresenta-se assim como uma forma de intuicionismo: captar o real de forma direta, intuindo a realidade. O que vai dar diretriz a essa abordagem € a redugdo fenomenoldgica, constituida de duas etapas: M4 ~ Epoché: suspensio de todo juizo sobre o mundo natural, sobre a realidade como a coneebe 0 senso comum; = Intuicdo eidética: intuigfo da esséncia do fendmeno. A intuigdo da esséncia difere da percepeao do fato, porque esta se acha ligada ao aqui e agora, &s circunstincias em que se deu; a intuigdo da esséncia € a concepgiio do ideal, do modelo, permitindo mais tarde uma identificagio. Por exemplo: se temos a esséncia da idéia tridngulo, podemo s identificar qualquer tridngulo como tal, mesmo que varie de tamanho, espessura, material, etc. A esséncia do fendmeno ¢ 0 que ele tem de invariante, sempre um puro possivel. “Os fenémenos se dao nés por intermédio dos sentidos; eles se dio sempre como dotados de um sentido ou de uma esséncia (através da experiéncia sensivel nés alcancamos a intuigio da esséncia), mas onde residem essas esséncias? Husserl recome & nogdo de intencionalidade: a consciéncia ¢ sempre “consciéncia de alguma coisa”, ela s6 é consciéncia estando dirigida para um objeto, Por sua vez, 0 objeto s6 pode ser definido em sua relacdo com a consciéncia, ele é sempre objeto-para-um-sujeito. As esséncias no tém existéncia alguma fora do ato de consciéncia que as visa e do modo sob 0 qual o faz. A consciéncia ndo ¢ mais uma parte do mundo, mas seu lugar de desdobramento no campo original da internacionalidade. O mundo nfo ¢ assim nada mais do que o que ele é para a consciéneia: “O mundo, na atitude fenomenolégica, nao é uma existéncia, mas um simples fenémeno.” (Husser!) (Adaptado do livro O que é a fenomenologia?, André Dartigues, Liv, Eldorado Tijuca) “Caciro é um fenomenalista puro, que se limita a perceber tudo quanto ha, todo fenémeno (de phainomenon = 0 que esté & luz), sem querer interpreté-lo.” (Gilberto de Melo Kujawski) Recriagiio da visio primitiva das coisas pela linguagem; ‘* Nao recorre a universais (Natureza) porque nfo existem sendo como nomes, rétulos (produto de ‘uma abstrago, em oposi¢ao ao real concreto, objetivo); © Condena a atividade conceitual do homem, mediatizando 0 contato entre 0 sujeito € 0 objeto, dai condenar a palavra por nao ser a coisa dita e sim o dito sobre a coisa; * Elimina de sua visio poética a metifora e a imagem, pretendo cingir-se ao objetivismo da pura identidade (A=A). “Cada coisa é o que é” (grau zero de interpretagao). Paganismo ‘© Contrapde-se & Cultura por ser uma norma que imp%e regras, e principalmente @ ocidental, fundamentada nas atitudes reflexiva e racionalista (da contemplagdo tedrica herdada dos gregos) ¢ introspectiva (do subjetivismo religioso); + Bascia-se na “aprendizagem de desaprender” a antepor ao exterior das coisas o interior secreto da alma. * Significa o sentir primeiro, a visio anterior no batismo que insere em uma cultura, a inocéncia de olhar [“Que tem uma crianga se, a0 nascer,” (pag, portanto) “Reparasse que nascera deveras..."] + A falta de batismo pela égua lustral da inteligéncia reflexiva, ndo conhece ele o pecado original do espirito: a inquietude e 0 desejo de infinito e de imortalidade; * Politefsmo, forma caeiriana de um comportamento naturalista (o paganismo caracteriza-se pela busca de proximidade da Natureza ~ naturalismo) e nominalista, porque a verdade primordial se explica pela pluralidade da Natureza, que no existe como um todo. Plano de Expressiio Poética antipostica — 0 © Extrai sua poesia da auséncia de “poesi tende a “prosa”); ‘As construgdes imagisticas restringem-se a extrema desconotacao; * Linguagem simples, corrente, familiar, primitiva. através de uma linguagem direta natural (que ‘Tracos Estilisticos da sintaxe (Diana Bernardes) 1°- Proceso de intensificacio — utilizago de: ‘© Andforas: “Falava a porta da estalagem Falava comigo também” Epistrofe: “O que penso eu do mundo? Sei 14.0 que penso do mund # Simplice: “a borboleta é apenas borboleta’ © Anadiplose: “O mistério das coisas, onde esta ele? ‘Onde esti ele que no aparece” + Enumeragiio assindética: “Que hd montes, vales. planicies (enumeracdo disjuntiva) Que ha arvores, flores, ervas” « Enumeragao sindética: “Como arvores e montes ¢ flores ¢ luar e sol”. © Comparago: “Pensar incomoda como andar 4 chuva” © Pleonasmo: “...o que nao nos faz pensar, Anés, que no sabemos dar por elas” # Repetigdes de palavras ou estruturas frasais, 2°. Processos de Coordenacio Caziro nega-se claramente & sintese, isto é, a pensar com 0 pensamento € no com os sentidos; chega, evidentemente, a uma sintese poética da realidade, mas uma sintese ndo-abstrata, a uma sintese onde no so abandonados os caracteres individualizantes. Por esta razo emprega: © O polissindeto: “Mas poucos sabem qual € 0 rio da minha aldeia E para onde vai E donde ele vem E por isso, porque pertence a menos gente.” “Ah, como os mais simples dos homens So doentes ¢ confusos ¢ estipidos”. # As conjungdes alternativas: “E assim escrevo, ora bem, ora mal, Ora acertando com o que quero dizer, ora errando” Eu nunca guardei rebanhos: Mas ¢ como se os guardasse.” * As conjungdes adversativas: 3° - Encadeamento frasal ou raciocinio silogistico © Q “raciocinio” de Caciro se desenvolve em trono de uma proposigao inicial, utilizando quase sempre os mesmos vocébulos. Seu estilo revela um nitido pendor para a observancia das relagdes de contigitidade (desenvolvimento metonimico), através do emprego de recursos como o de “palavra-puxe-palavra”, © do deslocamento de termos semelhantes nos diversos segmentos fonicos do verso, o da repetigio de termos semelhantes ou iguais, 0 da enumeragao de diversos elementos pertencentes a uma mesma esfera seméntica, etc.,

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