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Transporte e Qualidade de Vida Ronaldo Balassiano Companhia de Transportes Coletivos do Rio de Janeiro - CTC/RJ Transport Studies Group — University of Westminster (PCL) Sérgio Luiz Chiquetto Transport Studies Group - University College London Ricardo Esteves Programa de Engenharia de Transportes - PET/COPPE/UFRJ Bartlett School of Architecture and Planning - University College London RESUMO A quest4o ambiental estd em evidéncia em todo o mundo. Os impactos ambientais e as possiveis conseqiiéncias de curto, médio e longo prazo decorrentes destes impactos tém sido objeto de atengdo nas diversas dreas do conhecimento. Algumas escolas de 1° grau incorpora- ram o tema Meio Ambiente aos seus curriculos, como forma de familia- rizar criangas, desde cedo, com problemas que devem ser atacados hoje e mais seriamente ainda no futuro. Os RIMAs (Relatérios de Impactos no Meio Ambiente) passaram a ser exigéncia legal a todos os principais projetos de engenharia. Existem evidéncias de que os impactos ambientais estao altamente correlacionados com a expectativa de vida humana na Terra. Tanto paf- ses considerados “desenvolvidos” quanto aqueles considerados “em desenvolvimento” alegam estar em busca de uma melhor Qualidade de Vida para a populagao quando promovem agées que de alguma forma impactam 0 Meio Ambiente. A questio principal a ser resolvida seria como manter e, na maioria dos casos, como melhorar as condigdes de vida dos povos sem causar danos ao Meio Ambiente, ou em tltima ins- tdncia, como minimizar estes danos. 22 TRANSPORTES Entretanto, existem algumas quest6es que nao foram suficiente- mente exploradas: O que é Qualidade de Vida? Qual 0 conceito relacio- nado a esta expressdo? Seria possivel quantificar Qualidade de Vida? Que fatores contribuem ou estao relacionados com este conceito? Qual arelacdo entre Transporte e Qualidade de Vida? Dadas a subjetividade e a complexidade embutidas neste conceito, torna-se muito dificil for- mular respostas precisas para todas estas questées. O objetivo deste trabalho é, numa primeira etapa, resgatar a dis- cussao sobre a questdo da Qualidade de Vida, ressaltando seu carater subjetivo e as dificuldades envolvidas na avaliagdo de sua definigao. Espera-se, com isto, avangar no sentido de estabelecer uma base con- ceitual para Qualidade de Vida. Entretanto, o objetivo principal deste trabalho € o de estabelecer 0 grau de contribuigdo dos aspectos envolvi- dos com a oferta de transportes nos niveis de Qualidade de Vida. Numa abordagem genérica, discute-se a relevancia do tema, a rela- cdo existente entre Meio Ambiente e Qualidade de Vida, a complexi- dade e a dificuldade no tratamento desta quest4o e apresenta-se uma proposta de definigdo para Qualidade de Vida. No tocante aos Trans~- portes, s4o apresentados os principais fatores que influenciam a Quali- dade de Vida, os principais conflitos de interesses e algumas metodolo- gias de avaliagdo tanto monetaria como nio-monetaria dos impactos ambientais. Ao final, define-se a contribuic¢do dos Sistemas de Trans- portes na Qualidade de Vida, ao que se desenvolveu um modelo tedrico que explicita tal relagao. O modelo proposto pode ser utilizado como instrumento na avalia- ¢do da correlagdo existente entre Transporte e Qualidade de Vida, ainda que apresente algumas dificuldades de aplicagdo pratica gracas & consideravel subjetividade inerente ao assunto. Tal modelo nao esgota a discuss4o sobre Transporte e Qualidade de Vida, pelo contrario, deve ser considerado um referencial a mais na questao do estabelecimento da correlagdo existente entre estes fatores. A eficdcia na sua utilizagio estar4 diretamente ligada ao grau de precisdo na determinagio de cada um dos fatores que 0 comp6e. Espera-se com este trabalho, estar contribuindo para um maior entendimento do conceito “Qualidade de Vida” e da relagdo existente entre Meio Ambiente, Qualidade de Vida e Sistemas de Transportes. TRANSPORTES 1. Introducao Com o problema ambiental em evidéncia no mundo e nas diversas dreas do conhecimento, incluindo a Engenharia de Trans- portes, nota-se cada vez mais, em textos e discursos, a utilizagdo fre- qiiente da expressdo “Qualidade de Vida”. Usado muitas vezes de tal forma que chega-se impropria- mente a confundi-lo com 0 con- ceito de Meio Ambiente ou Impacto Ambiental, 0 termo “Qualidade de Vida” tornou-se objeto de discussio por parte de técnicos, politicos e interessados em questées ambientais. Passou- se a considerar essencial a inclu- s&o deste “indicador” em andlises para tomada de decisdo. Muitas acdes vém entao sendo questiona- das ou justificadas com base em argumentacées que sup6em uma elevacio ou deterioragado da Qua- lidade de Vida. A constatagdo de que o atual modelo de desenvolvimento ainda nao considera de forma satisfato- ria a questao ambiental, aliada ao fato de que os recursos naturais vem sendo consumidos sem 0 devido controle, tornou priorita- ria esta discussao. Verifica-se tam- bém uma deterioragado generali- zada da Qualidade de Vida, prin- 23 cipalmente nos centros urbanos de maior popula¢do. Entretanto, nio existe, pelo menos aparentemente, uma defi- nigdo de consenso para o conceito de Qualidade de Vida, ficando sua utilizagdo sujeita ao sabor das conveniéncias de cada interlocu- tor, interessado em levar a discus- sao no sentido da aprovagao (ou rejeigio) de determinada propos- ta. O tinico consenso encontrado parece ser 0 de que procurar cons- truir uma base conceitual para Qualidade de Vida se trata de uma tarefa de grande dificuldade, gracas 4 subjetividade inerente ao termo. 2. Objetives Pretende-se, numa primeira etapa, resgatar a discussdo sobre a questo da Qualidade de Vida, ressaltando seu cardater subjetivo ¢ as dificuldades envolvidas na ava- liagdo de sua definigdo. Espera-se, com isto, avangar no sentido de estabelecer uma base conceitual para Qualidade de Vida. Entretanto, 0 objetivo princi- pal deste trabalho é o de estabele- cer o grau de contribuigdo dos aspectos envolvidos com a oferta de transportes nos niveis de Quali- dade de Vida. Finalmente, aponta-se algu- 24 mas possibilidades de avaliagio e medi¢&o deste conceito, em rela- ¢4o a questdo dos transportes urbanos. 3. Caracterizagao Geral Segundo as Ciéncias da Sati- de, que aparentemente foram as primeiras a utilizar mais intensiva- mente este conceito, a qualidade de vida possui algumas dimensdes quantitativas, entre as quais a lon- gevidade. Assim, quem tem acesso a uma vida de qualidade, vive mais, pelo menos coletiva- mente. Desta forma, a literatura desta area registra algumas com- paragGes entre a qualidade de vida de duas ou mais comunidades, uti- lizando-se como um indicador a média das idades maximas alcan- gadas pela populagio. A literatura também aponta para uma forte correlagao entre qualidade de vida e alguns aspec- tos quantitativos, tais como tamanho da rede de esgotos e quantidade de pessoas atendidas por rede de agua. Assim, poder- se-ia afirmar, pelo menos intuiti- vamente, que quanto maior a par- cela da populacdo atendida por infraestrutura urbana, maior a qualidade de vida desta comuni- dade. Na verdade, sabe-se, hoje em dia, que este conceito engloba um TRANSPORTES conjunto muito mais abrangente de fatores, interdependentes ou nao, que, de uma forma ou de outra, contribuem para a forma- ¢4o e a eventual alteragado desta qualidade. 3.1 Qualidade de Vida e Meio Ambiente Parece claro que existe uma relagdo bastante forte entre quali- dade de vida, meio ambiente e impactos ambientais. Entretanto, uma vez que é igualmente ébvio que no se trata de um mesmo conceito, qual seria, entao, a dife- renga entre estas expressdes? Partindo-se do pressuposto que é importante conhecer esta diferenga, a primeira afirmag4o que se pode estabelecer é que existe um meio ambiente passivel de ser impactado, mesmo onde nao existe vida. Isto torna 0 con- ceito do meio ambiente, e seus eventuais impactos, algo mais abrangente que qualidade de vida. Pode-se também estabelecer que a vida, a qual a qualidade se refere, se trata da vida humana. Nao que as outras vidas, nao- humanas, nao tenham a dimensdo qualidade, mas € que é sobre a qualidade da vida humana que nds, humanos, temos mais sensibi- lidade e podemos, portanto, falar com mais propriedade. Isto posto, TRANSPORTES pode-se afirmar que existe um determinado meio ambiente, onde a qualidade de vida é um forte indicador da qualidade ambiental: trata-se do meio ambiente urbano, a cidade, onde as atividades humanas se desen- volvem mais intensamente, o espago fisico esté mais concentra- damente comprometido com estas atividades e, afinal, é onde se encontra a maior quantidade de vidas humans. Por se tratar, sobretudo, do ambiente cuja a qualidade é mais sensivelmente impactada pelos sistemas de trans- porte, tornou-se alvo de concen- tragdo neste trabalho. 3.2 Complexidade e Diversidade de Percepcao A qualidade de vida pode ser influenciada por diversos fatores e sua percepgdo pode ser diferente dependendo de quem, onde e quando est4 sendo analisada Uma vez que é considerada nado apenas como um conceito subjeti- vo, mas também como a conse- qiiéncia da conjugagado de diversos fatores, a qualidade de vida pode apresentar algumas variagée: — de uma pessoa para outra: dife- rentes individuos, com aspira- gGes e escalas de valores diver- sos, estéticas e formas distintas de avaliagdo, podem ter per- 25 cepgées diversas de qualidade de vida; ao longo do tempo: os indivi- duos tendem a alterar sua escala de valores ao longo de sua vida. A percepgao de quali- dade de vida depende também do estado geral e da atividade que esta sendo desenvolvida pelo individuo num momento especifico; de uma comunidade para outra: a percep¢do de quali- dade de vida pode apresentar profundas diferengas entre comunidades de culturas distin- tas. Contudo, mesmo quando a dimensao cultural nao é rele- vante, a percepgao de qual dade de vida para uma comuni- dade pode ser bastante dife- rente da sensibilidade de pes- soas pertencentes a outra comunidade. O que é aparente- mente considerado uma vida de qualidade para uma comuni- dade indigena, por exemplo, muitas vezes contradiz os con- ceitos criados por uma socie- dade capitalista. A mesma comparagdo pode ser feita em relagio a comunidades urbanas e rurais; de um grupo ecolégico para outro: o que é considerado favordvel ao aumento da quali- dade de vida humana pode 26 significar uma redugao para outras espécies da fauna ou flo- ra, por exemplo. 3 Proposta de Definicao Qualidade de vida pode ser entendida como a resultante das condigdes materiais, culturais, espirituais e outras, que possibili- tam, ou ao menos favorecem, a conquista de um estado de bem estar geral. Assim, qualidade de vida pode ser expressa através de um somatério de fatores, devida- mente ponderados quanto a sua importancia relativa, que contri- buem para aumentar ou diminuir 0 grau de satisfacao de um indivi- duo ou comunidade. Desta forma, pode-se intuir que quanto melhor a qualidade de vida (de um individuo ou de uma coletividade), maiores sdo as pos- sibilidades de se atingir niveis mais altos de bem estar (pessoal ou coletivo). Conclui-se, entio, que existe uma relagdo direta entre qualidade de vida e bem estar ou satisfagdo. 4. Transporte e Qualidade de Vida A grande maioria das ativida- des econémicas depende do trans- porte de bens e pessoas. Os siste- mas de transportes desempe- nham, portanto, um papel impor- TRANSPORTES tante em relagdo ao estilo de vida das pessoas € conseqiientemente em relagdo ao seu comportamen- to. E inegavel que melhorias no sistema de transporte aumentam a mobilidade e a acessibilidade de uma populagio, favorecendo, desta forma, sua qualidade de vida. Por outro lado, estas melho- rias podem também causar impac- tos negativos, que afetam a quali- dade de vida desta mesma popula- cdo. O trafego de veiculos pode provocar alteragées ambientais tais como poluigio do ar, vibra- cio, ruido, intrusdo visual, segre- gagdo, comprometimento da seguranga e congestionamento de tréfego. Outros efeitos podem ocorrer: problemas & satide huma- na, perturbagao, desconforto, irri- tacio, frustragéo, medo, intimida- ¢do ou abalo psicolégico, fadiga do motorista, exposigao a risco, acidentes e perda de vidas, perda de tempo de lazer, atrasos e aumento de custos, degradagao dos niveis de servigo, necessidade de manutengao de prédios e de materiais danificados, contribui- cdo para o efeito estufa e mudan- cas no uso, valor e ocupagado do solo. O niimero de acidentes pode ser considerado como um tipico TRANSPO ES indicador da qualidade de vida com relagdo ao sistema de trans- porte. Entretanto, para se avaliar as implicagées dos transportes na qualidade de vida, varias outras externalidades negativas causadas por determinado sistema, devem também ser consideradas de alguma forma em tal avaliagao. 4.1 Conflitos de Interesse Sao varios os conflitos de interesses existentes em relagdo a qualidade de vida de segmentos diversos, quando esta questdo se relaciona ao transporte. De uma forma ambigua, um sistema de transportes pode melhorar a qua- lidade de vida de parte de uma comunidade e trazer ao mesmo tempo perdas para outra parte desta mesma comunidade. Exis- tem ainda conflitos de interesses entre viajantes e residentes ou tra- balhadores (usuarios e nao usua- rios). Ao se aumentar a mobil dade de alguns, outros poderio ser afetados de forma diversa. Uma estrada de ferro ou rodovia expressa, por exemplo, pode aumentar as facilidades de trans- porte para os usuarios, mas ao mesmo tempo promover a segre- gacio da comunidade local. E também possivel que algumas pro- priedades sejam valorizadas (mo- netariamente) enquanto outras 27 tenham seus pregos reduzidos. Alguns podem se sentir beneficia- dos enquanto outros se julgam prejudicados. Nao obstante, em alguns casos a opinido de técnicos néo coincide com a da comunidade local, o que torna fundamental o envolvimento desta comunidade no processo de avaliagdo e no desenvolvimento de dispositivos capazes de conduzir 4 melhor solugdo possivel. Desta forma, uma politica de transportes deve ser questionada em termos de melhorar ou nado a qualidade de vida de uma comunidade, consi- derando todos os seus segmentos. 4.2 Dificuldades de Avaliagaéo Embora nao se conhega uma escala capaz de “medir” a quali- dade de vida, é possivel se obter uma avaliagdo desta qualidade através dos impactos ambientais provocados pelos sistemas de transportes. Entretanto, nfo é facil compreender-se o problema ambiental como um todo dado que, acima de tudo, é essencial- mente subjetivo em natureza e envolve interagées complexas entre varios fatores. Alguns auto- res, como Ackoff (1976), chegam mesmo a questionar a validade de se quantificar qualidade de vida. Enquanto alguns impactos & 28 satide, flora, fauna e deterioragao de materiais sao facilmente identi- ficdveis, muitos impactos se dio no campo de distirbios, aborreci- mentos, risco, medo, intimidagio, perturbacao ou efeitos psicoldégi- cos. Se, por um lado, os fatores quantificdveis apresentam enor- mes dificuldades para serem somados em uma mesma escala, 0 que dizer sobre a parte subjetiva da avaliagdo? Da mesma forma, torna-se muito complexo avaliar o custo financeiro de efeitos decorrentes dos impactos gerados pelos siste- mas de transportes, como 0 efei- to-estufa, a degradacdo de facha- das e outros materiais, pessoas adoecendo ou até morrendo e ainda despesas com os servicos de satide. Algumas metodologias foram desenvolvidas para a deter- minagao destes custos, porém com resultados sempre questionados devido a subjetividade metodolé- gica relacionada a cada processo. A degradagao ambiental passada € presente sera uma heranca para futuras geracées, o que adiciona a complexidade de como avaliar monetariamente um efeito que somente ocorrerd no futuro e, acima de tudo, se apresentar caracteristicas de irreversibilida- de. Nao é muito dificil avaliar o TRANSPORTES impacto (positivo ou negativo) que uma varidvel especifica pode exercer em termos de qualidade de vida. Por exemplo, se 0 nivel de ruido, vibragdo e nimero de acidentes aumentarem na vizi- nhanga de uma rodovia, como conseqtiéncia da implementacio de um programa visando aumen- tar a velocidade e fluidez do trafe- 20, pode-se esperar que a quali- dade de vida da comunidade local tenha diminuido. Contudo, se os demais impactos causados com- preendem também efeitos posi vos, como diminuigao da poluigaéo do ar, aumento das condigées de acessibilidade e redugdo dos tem- pos de viagem e custos, a avalia- ¢do global passa a ser considera- velmente mais complexa. Comparar diferentes situa- ges envolvendo aspectos distin- tos influenciadores da qualidade de vida também € uma tarefa ardua. Pode nao ser trivial a com- paragao de particularidades entre pessoas vivendo em diferentes localidades e sujeitas a distintas condigées e definir qual tem 0 mais alto padrio de qualidade de vida. Tudo se tornaria mais facil se as diferengas existentes entre situagdes distintas fossem eviden- tes. Ainda, essas dificuldades nao fariam sentido se cada fator TRANSPORTES pudesse ser pesado ou recebesse um valor (talvez em termos mone- tarios) em uma escala comum, Andlises custo-beneficio de impactos no meio ambiente em um sistema como um todo tem sido realizadas; porém estado sujei- tas a uma série de limitagdes e imprecisées. 4.3 Técnicas de Avaliagao de Impactos Ambientais Partindo-se do pressuposto que os impactos ambientais sio importantes indicadores das con- digdes de vida de uma comunida- de, para se avaliar a contribuigdo dos transportes na qualidade de vida, primeiramente é necesdrio se avaliar os impactos produzidos pelos transportes nesta comunida- de. Tradicionalmente, sao co- nhecidas abordagens qualitativas € quantitativas para avaliagdo de impactos ambientais. Ambas con- sideram os diversos fatores ambientais em uma escala (quali- tativa ou quantitativa) de valores e atribuem pesos préprios a eles de acordo com a intensidade da degradag4o. Contudo, a literatura divide as técnicas de avaliagio em duas categorias mais especificas, que sao as técnicas monetarias e as néo-monetarias. Por lidarem com pardmetros subjetivos e esta- 29 rem sujeitos a uma série de limita- goes, nenhuma delas tem sido suficientemente explorada, Embora essenciais em grande parte das avaliagées de planos e politicas de transporte, as técnicas de avaliagaéo de impactos ambien- tais ainda estdo num estagio muito recente de desenvolvimento e aceitagdo As técnicas néo-monetérias, de uma forma geral, atribuem graus de importancia relativa entre os diversos impactos, enquanto que as monetérias atri- buem valores em moeda corrente (unidade comum no mercado) a cada impacto. As principais técni- cas de avaliagao serao brevemente discutidas a seguir, mas para uma abordagem mais completa sobre este assunto recomenda-se a lei- tura do trabalho desenvolvido pelo Rendel Planning and Envi- ronmental Appraisal Group (1992). 4.3.1 Técnicas Nao-Monetarias Assim como as monetarias, as técnicas ndo-monetdrias tentam estabelecer bases comuns na ava- liagdo de impactos ambientais. Estas técnicas transformam as informagées sobre os impactos em um conjunto de némeros de forma a obter-se uma pontuacao e deter- minar, por exemplo, a melhor 30 solucdo na comparagao entre pro- jetos. Pode-se ainda produzir uma classificagio entre diferentes alternativas apés as devidas com- paragées. As técnicas néo-monetdrias mais conhecidas podem ser agru- padas em 5 formas distintas: técni- cas lexicograficas, técnicas de maximizagio de consenso, técni- cas agregacionais, técnicas grdfi- cas e técnicas de concordancia (Rendel Planning and Environ- mental Appraisal Group, 1992). As técnicas lexicograficas assumem que 0s critérios de ava- liagéo podem ser ordenados por grau de importancia. Sao conheci- dos dois tipos de modelos de ava- liag4o: o primeiro rejeita projetos que nao alcancem um padrdo minimo estabelecido. O segundo seleciona 0 projeto com a maior pontuacdo no critério julgado de maior importancia. As técnicas de maximizagdo de consenso foram desenvolvidas para identificar prioridades e visées de diferentes grupos da sociedade baseados na percepcio da importancia de cada um dos critérios. Técnicas gréficas e agregacio- nais assumem que pontuacées padronizadas podem ser dadas para alternativas quando avalia- das por diferentes critérios. As _TRANSPORTES técnicas graficas assumem que os valores atribuidos para projetos alternativos podem ser plotados em graficos multi-dimensioais, enquanto que nas técnicas agrega- cionais, cada projeto recebe uma pontuagdo para cada um dos crité- trios. Esta pontuagdo é entdo padronizada e multiplicada pelo peso de cada critério antes da agregacdo final para obter-se um resultado 9u indice. Na utilizagdo de técnicas de concordancia so atribuidos pesos aos diversos critérios, sofrendo variagGes de forma a obter-se uma andlise de senbilidade dos impac- tos. Todas as metodologias apre- sentam dificuldades reais de utili- ‘ditica. Nao é facil a opera- ¢4o destas técnicas como forma de avaliar a melhor alterna tiva entre dois projetos. Entretan- to, alguns aspectos destas técnicas podem ser utilizados como um ins- trumento auxiliar na avaliacgdo de impactos de projetos de transpor- tes, As maiores criticas a estas téc- nicas recaem na problematica de atribuir-se pesos aos diversos cri- térios de avaliagio, uma vez que estes pesos podem variar com 0 tempo, local, escala, grupo e tipo de proposta. 4,3.2 Técnicas Monetarias TRANSPORTES A escala quantitativa mais conveniente para medir os impac- tos ambientais é a monetaria. A atribuigdo de valores monetdrios para impactos ambientais é consi- derada um instrumento impor- tante para estudos envolvendo andlise custo-beneficio e também na avaliacdo de investimentos para implementagao de planos, programas e politicas de transpor- tes. A idéia de creditar valores quantitativos ou custos sociais monetarios aos fatores ambientais é relativamente recente. No Reino Unido, a mais abrangente e sofisticada tentativa de atribuir valores monetdrios a aspectos ambientais foi feita pela Comissao Roskill (1970), por ocasiao da avaliacio de custos e beneficios provenientes dos estudos sobre a implantag4o do terceiro aeroporto em Londres. Logo em seguida, Baumol e Oates (1971) propuse- ram o uso de alguns standards e precos para a protegao do meio ambiente. Sugerem, ainda, que 0 valor monetario para externalida- des negativas pode ser encontrado através do prego para o uso pri- vado de recursos sociais ou do prego do prejuizo ou dano margi- nal gerado. Alguns trabalhos, como por exemplo Walters (1975) e Pearce (1976) fizeram uma 31 extensiva revisdo sobre 0 assunto e enfatizaram sua dificuldade, mas, acima de tudo, sua importdn- cia, Langdon (1978) reporta os resultados de uma ampla pesquisa sobre a perturbacdo do ruido de trdfego, executada em Londres, na qual os entrevistados foram convidados a avaliar 0 valor monetdrio de um ambiente calmo e tranqitiilo. Hansson (1991) Teporta a introducdo de instru- mentos econdmicos na politica ambiental da Suécia, que atribui taxa para a emissdo de poluentes. Barde e Pearce (1991) editaram uma colegio de textos que refle- tem as experiéncias de seis paises em atribuir valores ao meio ambiente. Rendel Planning and Environmental Appraisal Group (1992) apresenta uma revisio detalhada sobre os varios métodos existentes para avaliagdes mone- tdria e néo-monetaria de aspectos ambientais. Entretanto, o estabeleci- mento de pardmetros que incluem a dimensao quantitativa em estu- dos de transporte sempre foi com- plexo. Nao tem havido progresso significativo no campo da geréncia ambiental para a area de transpor- tes, embora muitas tentativas te- nham sido feitas para se deduzir um valor proprio, prego ou custo para 0s impactos negativos do tré- 32 fego de veiculos. Na pratica, quando disponiveis, as técnicas raramente identificam claramente o impacto, e com muito maior dificuldade atribuem valores monetdrios a ele. Na verdade, como Pearce (1976) argumenta, nenhum dos métodos conhecidos até entéo consegue oferecer resul- tados confidveis e suficientemente precisos. Mesmo assim, diversas técni- cas existentes continuam em fase de desenvolvimento e cada vez mais tém sido utilizadas na tenta- tiva de se avaliar os impactos ambientais com um embasamento cientifico mais apropriado. Algu- mas das técnicas de avaliagdo mais relevantes sao brevemente abor- dadas a seguir. As técnicas para avaliagdo do custo de protegdo ambiental se baseiam em estimativas do prego do prejuizo causado por um efeito degradante. Estas estimativas podem ser realizadas através do somatério de todas as contribui- gées parciais que geram qualquer prejuizo, dano ou estrago em ter- mos monetdrios, ou em termos dos custos necessdrios para elimi- nar ou mitigar um impacto, como implantagao de catalisadores e barreiras contra o ruido. O princi- pal problema da implantagao desta técnica recai exatamente em __TRANSPORTES estabelecer bases para avaliar monetariamente os danos ambientais, em virtude do nimero e natureza das atividades, pes- soas, bens e outros diversos fato- res envolvidos serem tao grandes que tornam qualquer estimativa sujeita a muitas incertezas, O pre- juizo causado envolve danos & satide, materiais e bens, custos estéticos e pessoais. Por isto, é necessdrio um conhecimento bas- tante aprofundado da questdo para se considerar estes custos de forma eficaz. As técnicas hed6nicas de ava- liagdo procuram estimar valores ambientais, que geralmente nao tém pregos de mercado, através de mudangas nos valores de pro- priedades, por conseqitiéncia da ocorréncia de impactos ambien- tais. Os dois principais problemas em relagdo a esta técnica sao, pri- meiro, que torna-se dificil analisar a influéncia de mais de um impacto ao mesmo tempo e segun- do, a necessidade de dados relati- vos aos niveis dos impactos ambientais e de pregos das pro- priedades afetadas. Outra forma de se atribuir valores monetérios aos impactos provenientes do trafego de veicu- los é através da avaliagdo da pre- feréncia dos usudrios ou comuni- dade interessada. A técnica mais TRANSPORTES utilizada se baseia em simulagées de mercado, onde os responden- tes expressam suas valoragées monetdrias hipotéticas a respeito de mudangas ambientais. Em tal pesquisa, os entrevistados devem avaliar sua disposigdo em pagar um determinado valor monetario minimo pela prevengao, elimina- ¢&o ou redugao de um determi- nado impacto ambiental até um certo nivel desejado. Este método para atribuir valores monetdrios a pardmetros qualitativos foi um dos primeiros a ser adotado nos Estados Unidos, originalmente para dar valor a economia de tempo de viagem (Howe, 1971). Diversas variag6es desta técnica foram desenvolvidas e aplicadas, de acordo com a especificadade de cada problema (Dixo et al., 1988). A maior dificuldade é que catego- rias subjetivas derivadas de pes- quisas de opiniao, tais como insa- tisfagdo e perturbagao, sao sujei- tas a todo tipo de incerteza e sem- pre permanecerdo, em grande parte, em temos subjetivos. Nao se pode esperar que os entrevista- dos tenham uma idéia razoavel- mente precisa de tais valores se eles provavelmente nunca foram submetidos a semelhante tarefa. 4.4 Proposta para Avaliagao da 33 Contribuigae dos Transportes na Qualidade de Vida Como dito anteriormente, 0 impacto positivo mais importante causado pelo transporte é a me- lhoria das condigées de acessibili- dade. Contrariamente, as exter- nalidades negativas sio com- preendidas dentro de uma ampla variedade de impactos tais como poluig&o do ar, ruido, vibragao, intrusdo visual, alteragdes no ambiente dos pedestres, redugao da seguranga e segregacdo urba- na. A contribuigdo relativa a oferta de transportes na qualidade de vida de uma certa comunidade pode ser compreendida como 0 valor teérico obtido a partir da soma de todas as externalidades positivas e negativas percebidas pela comunidade, devidamente ponderadas pelo numero de pes- soas afetadas e pelo grau relativo de importdncia ou sensibilidade delas em relagdo a cada um dos impactos verificados. Assim: 34 QV_ = Contribuigdo do Trans- porte na Qualidade de Vida. I = Impacto Ambiental x. Deve’ ser precedido pelo sinal “+”, se o impacto for considerado positivo ou pelo sinal “—” se o impacto for negativo; a. = peso relativo a importan- cia, intensidade ou sensibilidade atribuida ao Impacto x. Este coe- ficiente pode ser encontrado atra- vés de técnicas tanto monetdrias como nao-monetarias para atri- buir valores a cada impacto ambiental, como as relatadas no item 4.3, embora reconhecidas as dificuldades de aplicagdo de ambas. b_ = ntmero de pessoas afe- tadas ‘pelo Impacto x. Para isto, inicialmente, a drea de influéncia tem que ser identificada. Como pode ser deduzido pela formulagéo matematica, para cada trecho de uma malha vidria, a degradagao relativa a cada impacto devera ser ponderada por sua intensidade e pelo numero de pessoas afetadas. Assim, a escala resultante de qualidade de vida pode ser associada a gama de padrées de qualidade, que repre- sentaria as condigdes ambientais no local. Alternativamente, cada impacto poderia ser desmem- brado nos diversos efeitos dele TRANSPORTES decorrentes e a cada efeito uma ponderagao pode ser feita isolada- mente, 0 que, se por um lado aumenta a dificuldade de aplica- ¢4o, por outro lado tende a me- lhorar a precisdo dos resultados. De uma forma ou de outra, uma estimativa quantitativa para qualidade de vida pode ser formu- lada para uma determinada 4rea, submetida a um conjunto especi- fico de impactos causados pelos sistemas de transportes existentes. Fica claro que tal estimativa é baseada na definigdo dos indica- dores ou critérios levados em con- sideragao e dos pesos atribuidos a cada um deles. Isto indica que qualquer avaliagdo devera ser suficientemente cautelosa para considerar todos os possiveis fato- res envolvidos e produzir uma boa estimativa dos pesos relativos a cada fator; caso contrario os resul- tados podem ser nao realisticos. 5. Conclusées Um modelo tedrico para ava- liagdo da contribuig4o dos trans- portes na qualidade de vida serve como instrumento para tomada de decisao, por possibilitar: — comparagdo de situagées antes/depois da implementagio de um plano de trafego/trans- porte e suas implicagées na qualidade de vida; NSP ~— andlises de impactos a serem causados por projetos futuros; - comparagées, embora relativa-~ mente grosseiras, da qualidade de vida de diferentes grupos ou comunidades. Cada um dos termos que compée o modelo apresenta difi- culdades especificas em relagao 4 identificagdo e valoragdo. A pri- meira dificuldade reside na identi- ficagdo dos possiveis impactos gerados pelos sistemas de trans- portes. A segunda esta na com- plexidade do estabelecimento de bases comuns na determinacgdo dos valores e importancia relativa de cada impacto. Finalmente, embora possa nao parecer em uma primeira andlise, nao é trivial limitar a regido impactada e iden- tificar a parcela da populagio afe- tada por estes impactos. O modelo apresentado nao esgota a discuss4o sobre Trans- portes e Qualidade de Vida. Pelo contrario, 0 modelo deve ser con- siderado um referencial a mais na questdo do estabelecimento da correlagdo existente entre estes fatores. E importante notar que a avaliagao dos impactos provoca- dos por um mesmo sistema de transportes sobre duas regides diferentes, muito provavelmente 35 nao apresentaré os mesmos resul- tados, em que pese a acuracia da avaliagao, devido as dificuldades, subjetividades e especificidades ja discutidas neste trabalho. Ainda, é recomendavel que cada um dos aspectos aqui abor- dados sejam levados em conside- ragio quando na andlise da ques- tao para que o modelo possa pro- duzir resultados satisfatérios em uma andlise da contribuig&o dos transportes na qualidade de vida. Finalmente, considera-se importante 0 incentivo a pesquisa nesta area, de forma a encontrar- se valores quantitativos mais rea- listicos para os pardmetros subje- tivos que envolvem a avaliagdo de qualidade de vida. 6. Referéncias Bibliograficas ACKOFF, R.L. (1976) — Does Quality of Life have to be Quantified?, in Operational Research Quaterly, vol.27, n.2, Pergamon Press. BANISTER, D. and BUTTON. (1992) — Transport, the Environment and Sustainable Development (to be publi- shed). BARDE, J.P. e PEARCE, D.W. (1991) — Valuing the Envi- ronment, Six Case Studies, 36 Earthscan Publications Limi- ted. BAUMOL, W.J. and OATES, W.E. 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