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Elemento Volitivo:
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Direito Penal FDUP
• Dolo eventual (nº3)/ dolo condicional: o agente representa como possível a realização
do facto típico e conforma-se com o risco de a sua conduta vir, efectivamente, a realizar
tal facto.
O crime é um efeito lateral da conduta, embora não seja uma consequência inevitável,
havendo uma menor probabilidade da sua verificação do que no dolo necessário.
A distinção entre dolo directo e eventual é essencial, na medida em que existem casos na lei em
que o facto só é punível a título de dolo directo e não já de dolo eventual.
Foram várias as teorias que propuseram critérios de distinção destas 2 figuras: o dolo eventual e
a negligência consciente.
Entendendo a culpa dolosa como atitude ético-pessoal de oposição ou indiferença perante o bem
jurídico-penal, são de rejeitar as teorias da probabilidade, da aceitação, da fórmula hipotética de
Frank, acolhendo como a mais razoável a teoria da conformação com o risco (art. 14º/3).
A punição a título de dolo eventual implica que o agente, representando a possibilidade de a sua
conduta realizar um facto descrito num tipo legal, aceite correr esse risco.
Se o facto típico se vier a realizar, existe uma conexão psicológico-volitiva entre o agente e o
facto, podendo punir-se aquele a título de dolo.
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Direito Penal FDUP
Mesmo que o agente não desejasse a realização do facto, ele conformou-se com o risco,
sobrepondo a sua vontade de praticar a conduta perigosa à sua vontade de que o perigo não se
concretizasse e o facto típico não se realizasse.
O agente é punido a título de dolo eventual porque praticou uma acção que sabia que podia
produzir um resultado jurídico-penalmente desvalioso, revelando assim uma atitude psicológico-
volitiva de indiferença perante o resultado que se venha a produzir.
Teorias da aceitação:
Estas teorias procuram distinguir as situações em que o agente, apesar da verificação da
realização típica como possível, aceitou intimamente a sua verificação ou revelou indiferença perante
essa possibilidade (dolo eventual), das situações em que o agente, repudiou intimamente essa
possibilidade, esperando que ela não se verificasse (negligência consciente).
Teorias da conformação:
É esta a concepção hoje dominante e presente no art. 14º/3.
Esta concepção assenta na ideia de que o dolo do tipo implica mais do que o conhecimento do
perigo da realização típica. O agente pode, ainda que de forma leviana, acreditar, confiar que o
preenchimento do tipo não se verificará, agindo com negligência consciente, violando apenas um
dever de cuidado face ao bem jurídico-penal.
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Para a teoria da conformação, o agente age com dolo eventual quando representa o resultado
como possível, conformando-se com a sua verificação.
Neste sentido, o prof. Eduardo Correia propôs uma teoria da dupla negativa, que constituía
uma correcção à teoria da conformação, e em que só se afirmava o dolo eventual quando o agente
actuasse não confiando em que o resultado não se produziria.
O Prof. Eduardo Correia distinguia três situações essenciais:
• O agente conforma-se com o resultado, confiando que ele se irá produzir, revelando
uma atitude de contrariedade perante a norma jurídico-penal, pelo que seria alvo de
maior censura, punido a título de dolo eventual;
• O agente não se conforma com o resultado, não confia que ele se produzirá, pelo que
decide praticar a acção, e será punido a título de negligência consciente;
• O agente não toma qualquer posição face à produção do resultado, apesar de configurar
como possível a produção de um resultado desvalioso, revelando uma atitude de
indiferença perante o DP, sendo punido por dolo eventual.
O que deve relevar na conformação é que o agente considere sério o risco de possível lesão do
bem jurídico-penal e, não obstante isso, não omitiu a conduta perigosa, o que indicia que o agente está
intimamente disposto a arcar com o seu desvalor.
Esta decisão de levar a acção a cabo, não obstante o risco, revela uma atitude contra a norma
jurídica de comportamento, uma resignação perante as possíveis consequências, não sendo relevante o
facto de o agente considerar indesejável a realização do facto típico.
Podem surgir algumas dificuldades nos casos em que o agente não pensou no risco, não o tomou
a sério e nem sequer o levou em linha de conta, sendo totalmente indiferente ao bem jurídico
ameaçado.
A teoria da fórmula hipotética de Frank surgiu para tentar responder a estas situações de
indiferença, em que o agente não toma qualquer posição face ao facto criminoso, pelo que não é
possível avaliar se estamos perante uma atitude de contrariedade face ao bem jurídico-penal ou de
mero descuido.
Frank Reinhard propõe o recurso a uma ficção, que permita aferir qual teria sido a atitude do
agente se tivesse representado o resultado criminoso como consequência inevitável da sua conduta e
não como meramente eventual.
Se se concluísse que o agente teria actuado de igual forma, mesmo tendo representado o
resultado como inevitável, considerava-se que tinha agido com dolo eventual.
Se, por outro lado, se concluísse que, nesse caso, o agente não teria actuado, considerava que
tinha agido com mera negligência consciente.
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Esta análise (prognose póstuma) seria feita com base nos antecedentes do agente, na sua
personalidade, e noutros elementos relevantes trazidos ao processo.
Durante muito tempo considerou-se que, nestes casos, a distinção entre dolo eventual e
negligência consciente não se fazia ao nível do tipo subjectivo de ilícito (onde as duas figuras se
sobreporiam), mas apenas ao nível do tipo da culpa, onde o tipo doloso se caracteriza pela total
indiferença perante o bem jurídico violado.
No entanto, a questão da “culpa dolosa” só pode suscitar-se se previamente se tiver podido
comprovar a verificação de um ilícito doloso e, portanto, do dolo do tipo.
O agente que revela absoluta indiferença pela violação do bem jurídico, apesar da representação
da consequência como possível, sobrepõe de forma clara a satisfação do seu interesse ao desvalor do
ilícito e opta pelo risco sério contido na conduta e, nesta medida, conforma-se com a realização do
tipo objectivo. Tal basta para que o tipo subjectivo de ilícito deva ser qualificado como doloso.
Em conclusão, a distinção entre dolo eventual e negligência consciente não é clara e nem
sempre justifica as diferenças significativas das molduras penais aplicáveis a um e outro caso.
O núcleo do tipo subjectivo é o dolo, mas existem outros elementos que têm que se verificar em
certos tipos legais de crime para que esteja preenchido o tipo.
Estes elementos influem ainda no desvalor objectivo do acto, independentemente de
considerações do concreto agente, que pressuporiam a categoria da culpa, e não da ilicitude.
O tipo pode exigir, então, para além do dolo, especiais intenções ou motivações do agente, uma
certa habitualidade do comportamento, uma atitude interior do agente.
(exs: arts. 217º -burla- exige-se a intenção de enriquecer; 203º- furto- exige-se intenção de
apropriação de coisa alheia).
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Os tipos incriminadores fazem essa determinação por uma via provisória de fundamentação da
ilicitude, enquanto os tipos justificadores seguem uma via definitiva de exclusão da ilicitude, indiciada
pela subsunção da acção concreta a um tipo incriminador.
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não se impede a utilização de causas supra legais de exclusão de ilicitude, nem estão sujeitas ao pr. da
irretroactividade da lei penal.
Desde há muito que a doutrina tem procurado reconduzir as diversas causas de justificação a um
só pr., a um denominador comum.
Neste sentido, foram propostas as teorias monistas do fim justo e a do maior benefício do que
o dano ou prejuízo.
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Estas teorias monistas pretendiam reconduzir a um único pr. as causas de exclusão da ilicitude,
num sentido utilitarista, que contrariava o pendor ético-social que deve presidir ao DP.
Para a teoria do fim (Liszt), estaria justificada a conduta que se apresentasse como o meio
adequado (correcto) para alcançar um fim reconhecido pelo legislador como justificado (correcto).
Para a teoria do maior benefício que dano (Sauer), é lícita a conduta que represente, de uma
forma geral, para a comunidade, maiores benefícios (culturais ou ideais) do que danos.
Estas teorias monistas não podiam ser aceites, porque vazias de qualquer conteúdo normativo-
jurídico, não podendo funcionar como critério da decisão justificadora de um concreto facto típico.
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A heterogeneidade das situações de conflito de interesses ou bens jurídicos e dos prs. que
fundamentam as diferentes causas de justificação demonstra a impossibilidade de redução sistemática
das diferentes causas de justificação a um denominador comum.
No entanto, uma conduta só pode ser considerada conforme ao Dto. quando não se verifique
nem o desvalor de resultado nem o desvalor de acção.
Assim, quem actua na ignorância de um contexto justificativo, actua com dolo, com
conhecimento e vontade de cometer um crime, manifestando o dolo em acções executivas concretas.
Quem desconhece a situação objectiva que conduz à justificação age com um desvalor em tudo
igual ao de quem pratica um facto típico relativamente ao qual não haja qualquer causa justificativa.
Em conclusão, a existência de elementos subjectivos deve ser essencial para a exclusão da
ilicitude.
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O conhecimento pelo agente dos elementos do tipo justificador, i.e., o conhecimento e vontade
do agente de realizar uma acção conforme ao Dto., constitui a exigência subjectiva mínima
indispensável à exclusão da ilicitude, o mínimo denominador comum de toda a causa justificativa.
A propósito de cada uma das causas de justificação pode a lei fazer exigências subjectivas
adicionais, exigir um grau subjectivo mais denso.
Como se fará, então, a punição do agente que pratica o facto típico, sem conhecimento da causa
justificadora?
Se falta o elemento subjectivo do tipo justificador não se pode considerar o facto integralmente
justificado, i.e., o acto continua a ser ilícito e terá de ser punido. Mas como?
Poder-se-ia optar pela punição a título de consumação, já que o agente realizou o tipo
incriminador, sem possuir o elemento subjectivo necessário ao preenchimento do tipo justificador,
pelo que se podia concluir que se realizou integralmente o tipo de ilícito, sob a forma consumada.
No entanto, esta não é a solução mais adequada e mais justa, já que, e apesar de se verificar um
desvalor de acção em tudo equivalente ao facto em que não intervém qualquer causa de justificação, a
verdade é que não se produz aqui o desvalor de resultado, porque se verifica o elemento objectivo do
tipo justificador.
A situação é, portanto, análoga (não igual) à tentativa, em que se verifica o desvalor de acção,
mas falta o desvalor de resultado. Neste caso, contrariamente à tentativa, há produção de um resultado
desvalioso.
Deve optar-se, então, pela aplicação por analogia (permitida porque alarga- não restringe- os
limites da justificação, sendo favorável ao agente) do regime da tentativa aos casos em que faltam
elementos subjectivos da justificação.
A aplicação é feita por analogia, não directamente, uma vez que, contrariamente à tentativa,
temos nestes casos a integral realização do tipo de ilícito.
O nosso CP, no seu art. 38º/4 prevê que o desconhecimento pelo agente do consentimento do
lesado implica a aplicação àquele da pena correspondente à tentativa.
Esta solução deve ser alargada às demais causas justificativas, em que o agente desconhece que
está a actuar ao abrigo de uma causa de exclusão da ilicitude, i.e., em que não está preenchido o tipo
subjectivo do tipo justificador.
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A doutrina qualifica como justificação putativa ou erro sobre os elementos do tipo justificador
as situações em que não se verificam, objectivamente, os elementos justificadores exigidos, mas,
subjectivamente, o agente supõe erroneamente que eles se verificam.
Esta designação prende-se com o facto de, se o contexto situacional, em que o agente pratica o
facto típico, correspondesse à representação feita pelo agente, o facto estaria justificado.
Nestas situações não se incluem, no entanto, os casos em que o agente não incorre em erro
relativo ao substracto material (aos pressupostos) mas supõe falsamente a existência na ordem jurídica
de uma causa de justificação que ela não reconhece, ou os casos em que erra sobre o âmbito ou limites
de uma causa de justificação que existe efectivamente. Estes são casos de erro de valoração e não erro
de conhecimento ou erro intelectual, pelo que são tratados no âmbito da culpa, e não no plano da
ilicitude.
A questão que aqui se levanta é a de saber se, em caso de errónea aceitação de um estado de
coisas que, se existisse, excluiria a ilicitude do facto, deve o agente ser punido a título de dolo ou só
de negligência.
O art. 16º/2 dá a solução: “o erro sobre um estado de coisas que, a existir, excluiria a ilicitude do
facto, exclui o dolo”.
Isto significa que, se a situação objectiva representada erroneamente pelo agente excluísse a
ilicitude, então ficaria excluído o dolo do tipo de ilícito praticado, só podendo imputar-se ao agente
um ilícito negligente, pelo qual poderá este ser punido, desde que tenha agido com negligência e o
ilícito seja punível a esse título (art.16º/3).
Da complementaridade material e funcional entre o tipo legal e as causas de justificação decorre
que o erro sobre os elementos objectivos de uma causa de justificação deve ter o mesmo efeito que o
erro sobre os elementos do tipo legal, i.e., excluir o dolo relativamente ao tipo de ilícito praticado,
ficando apenas a possibilidade de um ilícito negligente.
Tal como afirma Roxin: “o dolo do ilícito é excluído tanto pela falta de conhecimento dos
elementos do tipo legal como pela suposição errónea dos pressupostos da justificação”.
Teoria do dolo:
Afirma que a consciência do ilícito é elemento do dolo, a par do conhecimento e vontade de
realização do tipo objectivo de ilícito, pelo que o erro sobre pressupostos de uma causa de justificação
não pode deixar de se considerar como um erro que exclui o dolo e só pode ser punível (se o for) a
título de negligência.
Teoria da culpa:
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Estrita- o dolo é o conhecimento e vontade de realização do tipo objectivo de ilícito pelo que o
erro sobre pressupostos de uma causa justificativa não pode excluir o dolo, podendo apenas relevar no
plano da culpa.
Limitada ou mitigada- o dolo não integra a consciência do ilícito mas, o erro sobre os
pressupostos de uma causa de justificação ou conforma um erro sobre elementos do tipo objectivo de
ilícito ou deve ser equiparado, em termos de consequência jurídica- exclusão do dolo-, ao erro sobre a
factualidade típica.
O art. 16º/3 prevê a punição a título de negligência, quando o agente podia ter evitado o erro,
mediante uma cuidadosa comprovação da situação justificadora.
Uma acção relativamente à qual se verifique uma causa de justificação, em todas as suas
exigências objectivas e subjectivas, constitui um facto lícito, contra o qual não é admissível legítima
defesa (porque a agressão não é ilícita), nem qualquer outro direito de intervenção.
Ao agente que actua ao abrigo de uma causa de justificação não pode ser aplicada uma medida
de segurança.
Em caso de comparticipação, a exclusão da ilicitude comunica-se a todos os intervenientes.
Neste plano dos efeitos se distinguem as causas de justificação das causas de exclusão da
ilicitude, já que é possível a reacção em legítima defesa contra quem actue ao abrigo de uma causa de
exclusão da ilicitude, os efeitos não se comunicam aos comparticipantes e é possível a aplicação de
uma medida de segurança a um inimputável que actuou em situação de inexigibilidade.
Legítima defesa
Fundamento:
Art. 32º CP: “constitui legítima defesa o facto praticado como meio necessário para repelir a
agressão actual e ilícita de interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiro”.
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O fundamento justificador da legítima defesa foi considerado durante muito tempo, segundo
Berner, o facto de o Direito não dever nunca ceder perante o ilícito, pelo que a reacção do agente
visava não só defender os seus interesses agredidos mas também o interesse da comunidade na
integridade do direito objectivo.
Esta concepção absoluta é actualmente alvo de limitações ético-sociais.
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• do agente ou de terceiro.
a) agressão:
Deve entender-se agressão como uma ameaça, perigo, derivados de um comportamento
humano, a um bem juridicamente protegido.
Excluem-se, portanto, as actuações de animais e os perigos provocados por coisas inanimadas,
os quais não são objecto de comandos jurídicos.
Tal não significa que não possa haver direito a defesa contra ameaças provenientes de animais
ou coisas inanimadas, mas não estaremos no âmbito da legítima defesa.
Diferentes são as situações em que animais ou coisas inanimadas sejam utilizados como
instrumento de agressão de uma pessoa, havendo aqui lugar a legítima defesa.
A agressão pode consistir num comportamento activo ou omissivo, que se refira à violação de
um dever jurídico.
b) ilicitude:
é o pressuposto da ilicitude que distingue a legítima defesa das restantes causas de exclusão de
ilicitude e que permite compreender que não haja aqui ponderação entre os bens em causa,
podendo ser sacrificados bens superiores aos ameaçados pela agressão.
Só há legítima defesa contra agressões ilícitas. Contra uma agressão “justificada” não há
legítima defesa ( não há legítima defesa contra agressão em legítima defesa, em estado de
necessidade, acção directa).
A quem actua ao abrigo de uma causa de justificação é concedido um verdadeiro dto. de
intervenção na esfera de terceiros, sobre os quais impende um dever de suportar aquela conduta
e impede uma reacção em legítima defesa.
A agressão não tem, no entanto, de constituir um ilícito penal, podendo ser apenas um ilícito
contraordenacional ou civil, já que a qualificação de uma acção com penalmente ilícita depende
não só da importância do bem atingido mas também da necessidade da intervenção penal, da
ausência de alternativas menos gravosas, segundo um pr. da indispensabilidade ou da
intervenção mínima do DP.
Assim, a ilicitude da agressão afere-se à luz da totalidade da ordem jurídica, não tendo de ser
especificamente penal.
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Não são, contudo, ilícitas para este efeito as agressões para as quais a lei preveja procedimentos
especiais.
Tendo em conta os fundamentos da legítima defesa, exige-se que a acção seja susceptível de
lesar um determinado bem jurídico, causando um desvalor de resultado, mas também, que a
acção seja em si mesma desvaliosa, i.e., que exista um desvalor de acção.
Assim, face a uma tentativa impossível por inidoneidade do meio ou por inexistência do
objecto (23º/3), mesmo que tal impossibilidade não seja manifesta para a generalidade das
pessoas, não há lugar a legítima defesa quando, para o hipotético agredido, é certo que a
tentativa de agressão não chagará a produzir qualquer resultado danoso.
Segundo a doutrina dominante, existe legítima defesa contra agressões ilícitas dolosas e
meramente negligentes, já que o art. 32º não faz qualquer restrição, e essa restrição traria grande
grau de incerteza e insegurança, uma vez que, na maioria das situações, o agredido tem
dificuldade em saber se a agressão é dolosa ou negligente.
De facto, também face a agressões negligentes a legítima defesa cumpre a sua função de
prevalência do Direito perante o ilícito na pessoa do agredido, já que também neste tipo de
agressões se verificam as exigências da prevenção geral.
Existe, portanto, legítima defesa contra agressões em que o agressor aja sem culpa, por
inimputabilidade, por existência de uma causa de exclusão da culpa ou por erro não censurável
sobre a ilicitude.
Interpretar de outro modo o art. 32º, entendendo “acção ilícita” como “acção ilícita e culposa”
seria admitir uma interpretação contra legem, fortemente restritiva.
c) actualidade:
Só há legítima defesa contra agressões actuais.
Uma agressão é actual quando é iminente, quando já se iniciou ou quando ainda persiste (não
já quando tenha cessado).
A agressão é iminente quando o bem jurídico se encontra já imediatamente ameaçado (ex:
considera-se legítima defesa o tiro disparado por A sobre B, quando este levava a mão ao bolso
para retirar um revólver para atingir A)
Alguns autores resolvem a questão com recurso ao regime da tentativa e dos actos de execução
do art. 22º. A definição contida na alínea c do nº 2 deste art.22, faz uma delimitação dos actos
aplicável à legítima defesa para estabelecer o momento a partir do qual a agressão se deve
considerar iminente e, portanto, actual.
Assim, a agressão é iminente quando entra na fase da execução.
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Para o Prof. FD, esta não é a solução correcta, valendo este critério apenas tendencialmente, já
que existem agressões que não se dirigem a bens penais, e o regime da tentativa é diferente do
da legítima defesa, sendo mais amplo o conceito de actualidade do que o conceito de actos de
execução, havendo situações em que o autor, apesar de não ter entrado ainda na execução,
produz já uma agressão actual.
Podemos, ainda, estar perante situações em que as agressões não são iminentes, mas que se sabe
que terão lugar com grande probabilidade e grau de certeza.
Alguns autores defendem a aplicação de uma teoria da defesa mais eficaz, de uma legítima
defesa preventiva, que permite antecipar o elemento da actualidade, considerando como actual
a agressão a partir do momento em que se sabe que ela terá lugar e que o adiamento da reacção
a tornará inviável ou ineficaz ou exigirá um forte endurecimento dos meios.
A maioria da doutrina, no entanto, rejeita esta legítima defesa preventiva e esta antecipação da
actualidade, remetendo estas situações para o âmbito do estado de necessidade defensivo.
Esta doutrina dominante considera que a legítima defesa preventiva representa um alargamento
em demasia do conceito de actualidade, e que pode representar a legitimação de formas privadas
de defesa em substituição da actuação das autoridades.
A legítima defesa deve ser negada nestas situações, porque não estamos perante agressões
actuais.
A legítima defesa pode ter lugar até ao momento em que a agressão persiste.
Este momento não pode identificar-se com a consumação, porque são vários os crimes em que a
agressão e o estado de antijuridicidade perduram para além da consumação típica ou formal.
(ex: crime de ofensas à integridade física-143º- consuma-se logo que A desfere um murro em B,
mas B tem dto. de legítima defesa contra os murros e pontapés seguintes; crime de sequestro-
158º- consuma logo que C fecha D numa casa contra a vontade deste, mas este pode reagir
enquanto durar o sequestro).
A legítima defesa existe enquanto a defesa for susceptível de pôr fim à agressão.
Até este momento, até ao limite temporal a partir do qual a defesa é desnecessária para repelir a
agressão, esta deve ser considerada actual.
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A legítima defesa tem, em primeiro lugar, como objecto da sua protecção, os bens jurídicos
individuais, como os bens ou interesses correspondentes aos dtos. de personalidade (vida,
integridade física, liberdade, etc.) e aos dtos.reais ( propriedade, posse, uso, etc.).
Devem, no entanto, considerar-se também relevantes os bens supra-individuais, colectivos ou
universais, que são autênticos bens jurídicos, merecedores da tutela penal ao mesmo nível,
apesar de a funcionalização destes específicos bens jurídicos restringir fortemente a necessidade
dos meios de defesa.
a) necessidade do meio:
para que uma acção seja justificada por legítima defesa exige-se que os meios usados na acção
de defesa sejam necessários para repelir a agressão actual e ilícita, tal como afirma o art. 32º: “
constitui legítima defesa o facto praticado como meio necessário para repelir a agressão”.
Esta ideia de necessidade não traduz um juízo de proporcionalidade entre os bens, mas apenas
um juízo de idoneidade e adequação do meio para deter a agressão. Havendo vários meios, o
meio necessário será, ainda, o meio menos gravoso.
A exigência de opção pelo meio menos gravoso não poderá fazer recair sobre o agredido riscos
para a sua vida ou lesão grave da sua integridade física.
Só quando se verifiquem tais pressupostos se pode afirmar que o meio usado foi indispensável à
defesa, logo, necessário.
Quando o meio utilizado não seja necessário há um excesso intensivo de legítima defesa ou
excesso de meios que, nos termos do art.33º, implica a ilicitude do facto.
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Este excesso ocorre quando o agente não usou o meio mais adequado à sua defesa e à
preservação do seu dto.
No entanto, a determinação do meio necessário à defesa cria grandes dificuldades, quer porque
só é, muitas vezes, possível depois da utilização do meio, quer porque nem sempre há tempo de
configurar todos os meios disponíveis.
A agressão gera e agrava situações de tensão e conflito, que desencadeiam estados emocionais
de intranquilidade e insegurança que afectam o discernimento e levam à utilização de meios
mais gravosos para o agressor.
Neste caso, pode verificar-se uma diminuição da culpa (eventualmente do próprio ilícito), e uma
atenuação especial da pena (33º/1).
Quando o excesso de meios se fique a dever a uma “perturbação, medo ou susto não
censuráveis”, estamos perante um excesso intensivo de natureza asténica, que pode originar
uma causa de exclusão da culpa- não do ilícito- dada uma ideia de inexigibilidade (33º/2).
Já se o excesso se ficar a dever a uma causa de natureza isténica (raiva, fúria) não há qualquer
causa de exclusão da culpa.
b) necessidade da defesa:
atendendo à teleologia da legítima defesa, para além da necessidade do meio, impõe-se a
necessidade da própria defesa, a sua imposição normativa.
O prof. FD opta por uma fórmula de limites à necessidade da própria defesa, em detrimento dos
limites imanentes e limites ético-sociais da legítima defesa.
Agressões não culposas ou com culpa diminuída (inimputáveis- ex: menor de 16 anos
ou doente mental profundo; falta de consciência do ilícito não censurável ou situação de
inexigibilidade).
A defesa agressiva não é necessária se o agredido puder esquivar-se à agressão (ex:
fuga), ou se puder ter auxílio alheio para repelir menos danosamente a agressão.
Se não se verificarem estas possibilidades, a defesa é necessária e mantém-se a legítima
defesa, mas esta deve ser entendida nos quadros de agressões não culposas, em que se
encontram diminuídas as necessidades de afirmação do Dto. perante o ilícito na pessoa
do agredido.
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Agressões pré-ordenadas:
A agressão pode ser antecedida de atitudes provocatórias do agredido ao agressor, por meio
de injúrias, actos ilícitos- não actuais- que afectem a esfera jurídica do agressor.
A pré-ordenação distingue-se da provocação, a qual não exclui a legítima defesa, embora
se possa exigir requisitos especiais de avaliação da defesa.
Se a agressão não tiver sido pré-ordenadamente provocada, para que seja negada a
necessidade de defesa, exige-se que a provocação constitua um facto ilícito ofensivo de um
bem jurídico do provocado.
A provocação deverá ter, ainda, uma estreita conexão temporal e uma adequada
proporção com a agressão que provoca.
No contexto deste limite, a Prof. Fernanda Palma interpretou o art. 2º CEDH no sentido de
um alargamento do juízo de proporcionalidade, que levaria à proibição de legítima defesa
quando esta conduzisse à lesão de bens pessoais para salvaguardar bens patrimoniais.
No entanto, trata-se de uma subversão da legítima defesa, onde não deve existir ponderação
excepto em situações de lesão extrema.
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Quando agressor e agredido tenham uma forte proximidade existencial, este último deve,
sempre que possível, evitar a agressão, escolher o meio menos gravoso de defesa, ainda que
seja pouco seguro no afastamento da agressão, renunciando a uma defesa que ponha em
perigo a vida ou integridade física essencial do agredido.
Elemento subjectivo:
Para além do elemento subjectivo exigido para a generalidade das causas de justificação:
conhecimento da situação de legítima defesa, suscita-se a questão de saber se se deverá exigir,
ainda, como requisito da acção de defesa, a existência de um animus defendendi no defendente,
i.e., uma actuação com vontade de defender os bens jurídicos ameaçados pela agressão.
A doutrina dominante vai no sentido de, havendo conhecimento da situação de legítima defesa,
não se faça qualquer exigência adicional de uma co-motivação de defesa, já que isso faria
depender a existência da justificação da manifestação de uma atitude interior do defendente.
Auxílio necessário:
É doutrinalmente designada auxílio necessário a forma de legítima defesa prevista no art. 32º,
para proteger interesses de terceiro.
No entanto, e apesar de algumas controvérsias, quando o agredido não queira ser defendido ou
queira ser ele a defender-se, a defesa de terceiro não pode considerar-se em legítima defesa,
porque não representa a defesa do Direito na pessoa do agredido. Isto aplica-se,
fundamentalmente, a agressões a bens disponíveis.
Direito de Necessidade:
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O direito de necessidade tem o seu fundamento numa ideia de solidariedade, que faz com que
um terceiro tenha de suportar na sua esfera jurídica uma lesão, verificados que estejam certos
pressupostos.
Segundo a alínea a do art. 34º, a solidariedade do terceiro cessa quando o agente criou a
situação de perigo para os seus próprios bens jurídicos (não quando coloque em perigo bens de
outrem), com o objectivo de sacrificar os bens de determinada pessoa .
A alínea b exige que o bem a salvaguardar seja sensivelmente superior ao bem a sacrificar.
Se não o for, o facto não será justificado e será ilícito, mas o agente pode ver a sua culpa
excluída (estado de necessidade desculpante- causa de exclusão da culpa).
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A alínea c afirma a existência de um núcleo de bens jurídicos (vida, integridade física essencial,
algumas manifestações da liberdade) que não pode ser atingido e instrumentalizado em nome do pr.
da solidariedade, por muito valiosos que sejam os bens jurídicos postos em perigo.
Requisitos:
• Perigo:
O bem jurídico a salvaguardar tem de estar objectivamente em perigo, e esse perigo tem de ser
actual (num sentido mais amplo do da legítima defesa, abrangendo situações em que o perigo ainda
não é iminente, mas o protelamento da actuação, potenciaria o perigo, bem como as situações de
perigo duradouro- ex: desmoronamento de um edifício- apesar de não se saber se e quando ocorrerá.
O perigo não pode, ainda, ter sido voluntariamente criado pelo agente, o que significa que a
justificação se encontra afastada quando a situação foi intencionalmente criada pelo agente, i.e.,
quando o agente criou premeditadamente essa situação de perigo para poder lesar bens jurídicos
alheios. Assim, devemos proceder a uma interpretação restritiva do art. 34º/a).
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Adequação do meio: o facto não está coberto por dto. de necessidade se o agente
utilizar um meio que, segundo a experiência comum e uma consideração objectiva, é inidóneo para
salvaguardar o interesse ameaçado.
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Elemento subjectivo:
Trata-se de uma causa de exclusão da culpa, por um conjunto de situações excepcionais em que
o agente actuou, que se traduzem numa inexigibilidade .
Tal como a situação do art. 34º, o art. 35º consagra situações em que a conduta visa proteger
determinado bem jurídico através da lesão de um interesse de terceiro, mediante de um meio
adequado para evitar a lesão.
No entanto, no estado de necessidade desculpante o bem lesado é equivalente ou superior ao
bem salvaguardado, pelo que a acção não pode ser lícita. No entanto, considera-se que o agente actuou
sem culpa, uma vez que não lhe era exigível uma conduta diferente.
É necessário que o juiz conclua que não era exigível outro comportamento, tendo em conta as
circunstâncias do caso.
Estamos perante uma situação de especial importância dos bens jurídicos pessoais em perigo de
lesão, o que coloca o agente sob um estado de alteração psicológica que o impede de agir
diferentemente.
O nº1 do art. 35º prevê a exclusão da culpa e, logo, da pena, enquanto o nº2 consagra apenas
uma atenuação especial da pena que pode ser concedida pelo juiz, referindo-se a situações de ameaça
de lesão de bens jurídicos não pessoais.
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Direito Penal FDUP
O art. 34º consagra a teoria clássica do dto. de necessidade ofensivo ou interventivo, que se
caracteriza por o agente sacrificar um bem de terceiro para salvaguardar o bem ameaçado.
Alguns autores consideram que o estado de necessidade defensivo se encontra,
teleologicamente, previsto no art. 34º ( “perigo actual que ameace interesses juridicamente protegidos
do próprio ou de terceiro).
Outra parte da doutrina, no entanto, defende a existência de uma causa supra-legal, o que
comporta grandes dificuldades ao nível da legalidade e determinibilidade penal.
O estado de necessidade defensivo caracteriza-se pelo facto de o agente actuar em estado de
necessidade para se defender de um perigo, originado pela pessoa que suportará a acção necessitada.
Esta figura do estado de necessidade defensivo surgiu para superar as limitações da legítima
defesa, nomeadamente quando falta o requisito da ilicitude, a própria agressão ou a actualidade desta.
Distingue-se também do estado de necessidade ofensivo porque a acção necessitada recai sobre
a fonte de perigo e não sobre terceiro.
Com a transição da concepção de ilícito objectivo para ilícito pessoal, as limitações da figura da
legítima defesa assumiram maiores proporções.
De facto, o ilícito objectivo esgotava-se no puro dano, no desvalor de resultado, i.e., na lesão ou
perigo de lesão do bem jurídico.
Com o ilícito pessoal surge o desvalor de acção, admitindo-se mesmo que desvalores de
resultado não impliquem ilicitude, se não se verificar desvalor de acção.
Requisitos:
Também no estado de necessidade defensivo se verifica uma teoria diferenciada, pelo que se
pode verificar uma exclusão da ilicitude, se o bem salvaguardado for sensivelmente superior ao
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Direito Penal FDUP
sacrificado, ou uma exclusão da culpa, quando não haja preponderância do bem protegido face ao
sacrificado.
Em suma:
1- o bem é salvaguardado à custa:
a) de terceiro – estado necessidade ofensivo;
b) do próprio agressor:
i) conduta lícita- estado necessidade defensivo
ii) conduta ilícita- legítima defesa
Conflito de deveres:
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Direito Penal FDUP
primeiramente o seu dever de omissão, não desligando a máquina ao doente, pressupondo que ambas
as vidas eram viáveis.
Se a situação que configura um conflito de deveres fosse inteiramente remetida para o dto. de
necessidade, a justificação só teria lugar se o dever cumprido fosse de valor sensivelmente superior
àquele que se deixa de cumprir.
Esta solução seria inaceitável porque seria ilícito, p.e., o facto de o pai salvar apenas um dos
seus filhos em risco de afogamento, quando lhe era impossível salvar os dois. Seria também ilícito o
facto de o médico, perante dois doentes igualmente necessitados de reanimação, salvar apenas um
deles, porque lhe era impossível reanimar os dois.
A única solução materialmente justa, e consentânea com o sentido jurídico do lícito e do ilícito,
é considerar justificado o facto correspondente ao cumprimento de um dos deveres em colisão, mesmo
à custa de um outro que deixa de ser cumprido, desde que o valor do dever cumprido seja pelo menos
igual (igual ou superior) ao do dever que se sacrifica.
Contrariamente ao dto. de necessidade, ao conflito de bens, no conflito de deveres o agente não
é livre se decidir imiscuir-se ou não nesse conflito, já que sobre ele recai uma dever de actuar e não
apenas uma faculdade. O agente deve cumprir um dos deveres, sob pena de o seu comportamento ser
considerado ilícito.
Se o agente cumprir um dos deveres em colisão, o não cumprimento do outro não pode ser
ilícito, já que isso equipararia a situação daquele que faz tudo o que lhe é possível àquele que não faz
nem cumpre nenhum dos deveres.
Tal como no dto. de necessidade, a ponderação no conflito de deveres deve passar por uma
ponderação global e concreta dos interesses em conflito.
Em conclusão, o art. 36º/1 consagra uma figura de colisão entre deveres jurídicos, em que o
agente não é livre de actuar ou não, mas recai sobre ele um dever de actuar, cumprido um dos deveres
em presença.
Para o conflito de deveres ser justificante, o dever cumprido deve ser igual ou superior ao
sacrificado. O conflito de deveres será desculpante quando se cumpra um dever inferior (aplicação por
analogia do art. 35º).
Desta figura se distingue claramente o dto. de necessidade, em que estamos perante um conflito
de bens ou interesses jurídicos, em que não existe uma obrigatoriedade de acção.
Para haver estado de necessidade justificante, o bem protegido tem de ser sensivelmente
superior ao bem sacrificado (mais exigente do que no conflito de deveres). O estado de necessidade
será desculpante quando o dto. lesado seja igual ou inferior ao dto. sacrificado.
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Exemplos:
1- Conflito de dois deveres de valor desigual e cumprimento do dever mais valioso:
exclui-se a ilicitude que decorreria do não cumprimento de um dever, pois o agente
tinha de optar e cumpriu o dever que tinha subjacente o bem jurídico mais valioso;
2- Conflito de dois deveres de igual valor e cumprimento de um deles: exclui-se a
ilicitude do não cumprimento de um dever;
3- Conflito de dois deveres de valor desigual e cumprimento do menos valioso: a
conduta é ilícita e não justificada, mas pode excluir-se a culpa se estiverem
preenchidos os requisitos do art. 35º (por analogia, favorável ao arguido).
O art. 36º/2 introduz a questão da obediência hierárquica e afirma que o dever de obediência
cessa quando o cumprimento da ordem configure a prática de um crime.
Neste sentido, sacrifica-se a hierarquia, os valores da ordem, eficiência, disciplina e
funcionalidade do sistema administrativo em favor da legalidade e conformidade das ordens com o
ordenamento jurídico.
Quando a ordem leve à prática de um crime, o subalterno tem mesmo um dever de
desobediência.
Se a ordem constituir um ilícito não penal, a lei consagra um pr. da hierarquia integrado ou
concretizado no pr. da respeitosa representação, de acordo com o qual o subalterno deve
respeitosamente reclamar da ordem, informando o superior hierárquico de que ela é ilícita, a fim de
este a retirar ou reiterar. Se o órgão superior mantiver a ordem, afasta-se a ilicitude do facto do
subalterno, praticado no cumprimento da mesma ordem.
O art. 37º consagra a situação em que o subalterno não actualiza, no caso concreto, que o
cumprimento da ordem constitui a prática de um crime.
Este art. contém, ainda, um afloramento do pr. da não exigibilidade, atendendo-se ao conteúdo
da ordem e às circunstâncias do caso para averiguar se seria exigível outro comportamento e se a
actuação era censurável. No entanto, esta questão coloca-se ao nível da culpa, continuando a acção a
ser ilícita, não constituindo a obediência hierárquica uma causa de exclusão da ilicitude.
Por vezes, o subalterno cumpre a ordem por medo de sofrer represálias do superior. Neste caso,
convoca-se novamente o pr. da não exigibilidade, não por desconhecimento do ilícito, mas sim por
incapacidade do subalterno de resistir à coacção psicológica sobre ele exercida pelo superior
hierárquico.
Aplica-se aqui analogicamente o art. 35º, podendo este temor reverencial constituir uma causa
de exclusão ou atenuação da culpa.
Consentimento do lesado:
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Fundamento:
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Contudo, o mesmo não sucede nos casos em que a lei se depara com um verdadeiro conflito
entre o valor da realização pessoal e uma perda efectiva ao nível do bem jurídico lesado.
Se a lei faz prevalecer a vontade do titular do dto., fá-lo à custa da perda de bens jurídicos que
lhe compete proteger.
Nestas situações não podemos dizer que o acordo concorra para uma melhor realização do bem
jurídico. O consentimento constitui aqui uma verdadeira causa justificativa.
Requisitos materiais:
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A vida é um bem totalmente indisponível para terceiros. Mesmo que o titular consinta numa
lesão à sua vida, esse consentimento não exclui a ilicitude do acto (134º e 135º).
No entanto, é um bem disponível para o próprio, pelo que o suicídio ou a sua tentativa não são
punidos.
Os bens jurídicos patrimoniais são, em regra, disponíveis, bem como a integridade física
(149º/1) e certos sectores de liberdade e da honra.
2- não contrariedade aos bons costumes: o art. 38º/1/in fine afirma que o facto
consentido não pode ser contrário aos bons costumes.
O facto consentido é contrário aos bons costumes sempre que possui uma gravidade e,
sobretudo, uma irreversibilidade que fazem com que, apesar da disponibilidade do bem jurídico, a lei
valore a sua lesão mais altamente do que a auto-realização do seu titular.
A cláusula dos bons costumes assume particular relevo nos tipos de ilícito de ofensas à
integridade física.
Assim, uma ofensa simples e passageira à integridade física não será contrária aos bons
costumes.
A relevância do consentimento só deve ser afastada quando contrariar frontalmente o mínimo
indispensável à convivência comunitária.
Estas características de gravidade e irreversibilidade da lesão prendem-se, sobretudo com a
extensão da lesão, já que o art. 149º/2 acrescenta outros elementos a considerar, relacionados com os
motivos e fins do consentimento.
Por isso, o prof. AC considera o critério da gravidade e irreversibilidade da lesão insuficiente
para concretizar o sentido da contrariedade aos bons costumes. Assim, deve ser completado com
outros critérios.
O consentimento não releva quando vise a lesão da integridade física com vista à prática de
outros crimes (ex: A consente que B o mutile para receber dinheiro do seguro).
Requisitos formais:
1- capacidade (38º/4): para que o consentimento releve como autêntico acto de auto-realização,
é necessário que quem consente seja capaz.
Essa capacidade não se mede, no entanto, pelas normas jurídico-civis. Não se exige a
capacidade de exercício de dtos. para o consentimento ser válido, mas sim a “capacidade natural de
querer e entender o sentido do acto consentido”.
É necessário garantir que quem consente é capaz de avaliar o significado do consentimento e o
sentido da acção típica, o que exige uma maturidade só alcançada a partir de uma certa idade (14
anos- art. 38º/3) e o discernimento que decorre de uma certa normalidade psíquica.
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3- formalismo: o consentimento pode ser manifestado por qualquer meio (38º/2/1ª parte), de
forma expressa ou tácita (diferente do presumido), desde que corresponda a um assentimento real e
persistente no momento da prática do facto, já que só assim se pode considerar que o facto típico
corresponde à vontade e à autodeterminação do atingido.
O consentimento deve ser anterior à lesão e concreto, e não geral e abstracto.
O consentimento pode, ainda, ser livremente revogado até à execução do facto (38º/2/in fine).
Esta livre revogabilidade prende-se com o facto de o consentimento se distinguir do negócio jurídico,
não fazendo nascer na esfera da outra parte um dto., consistindo apenas num poder de disposição do
titular.
4- conhecimento: o consentimento deve ser do conhecimento do agente, para que aquele valha
integralmente. Se tal não acontecer, o agente deve ser punido não por consumação, mas
(analogicamente) por tentativa, nos termos e limites em que esta seja efectivamente punível
relativamente ao tipo de ilícito preenchido.
Segundo o art. 39º/2, presume-se o consentimento quando a situação em que o agente actua
permita supor com razoabilidade, e segundo um juízo ex ante, que o titular do interesse juridicamente
protegido teria eficazmente consentido no facto, se conhecesse as circunstâncias em que este é
praticado.
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O lesado não consentiu na ofensa, mas teria provavelmente consentido se lhe tivesse sido
possível pôr a questão (“estado de necessidade da decisão”).
Ficciona-se a vontade do lesado, dirigindo-se tal ficção a uma reconstrução efectiva da vontade
do titular do dto., i.e., o critério será o do homem concreto e não o homem médio.
Fundamento:
Requisitos:
3- Exige-se que o titular do bem jurídico lesado tenha capacidade (jurídico-penal) para
consentir. Se essa capacidade não existir recorre-se à vontade presumida do representante legal.
4- O retardamento da decisão não pode ser possível, sob pena de se correrem grandes riscos ou
de se perder a possibilidade de escolha.
5-O consentimento não pode ser susceptível de prestação pelo interessado, o qual se encontra
impossibilitado de o fazer.
O consentimento presumido define-se segundo aquilo que é normal e razoável, mas se se puder
concluir antes do facto que a vontade do interessado se dirigiria contra a intervenção, esta nunca
poderá ser justificada, por mais desrazoável que tal vontade se apresente.
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Acção directa:
336º CC
Se estivermos perante bens jurídico-civilmente relevantes, é lícito o recurso à força, consistente
na apropriação, destruição ou deterioração de uma coisa, na eliminação da resistência irregularmente
oposta ao exercício de um dto., a fim de evitar a inutilização prática do dto. próprio.
Esse recurso à força tem de ser indispensável, dada a impossibilidade de recorrer em tempo útil
aos meios coercivos normais, para alcançar a finalidade visada.
Exige-se também que o facto seja necessário para evitar o prejuízo e que não sacrifique
interesses superiores aos que o agente visa realizar ou assegurar.
Dto. de correcção:
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Este dto. de correcção como tipo justificador coloca-se sobretudo relativamente a pais (arts.
1878º e 1885º/1 CC) e tutores (art. 1935º CC), bem como aos castigos e admoestações aplicados aos
seus educandos.
O âmbito dos factos em que tal dto. pode actuar é, principalmente, o de ofensas à integridade
física, violação da liberdade pessoal e reserva da intimidade da vida privada.
Um dto., de correcção do professor que implique a prática de factos criminosos não pode hoje
ser aceite, nomeadamente pela análise do estatuto dos estudantes dos ensinos básico e secundário (DL
270/98, 1-9), que impede medidas que ofendam a integridade física ou psíquica dos alunos.
De facto, este entendimento sobre o dever de correcção restringe-se a pais e tutores, não se
estendendo aos professores.
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Culpa
A prática pelo agente de um facto ilícito típico não basta para que a este se possa aplicar uma
pena (se bem que se lhe possa aplicar uma medida de segurança, se a prevenção especial o exigir), i.e.,
não há pena, não há responsabilidade penal sem culpa.
A aplicação de uma pena pressupõe, tal como afirma o art. 40º/2, que o ilícito tenha sido
praticado com culpa.
A exigência da culpa é vista como exigência da própria dignidade da pessoa e do Estado de
Dto..
É necessário analisar se as condutas ilícitas são censuráveis e esta análise ocorre na categoria da
culpa, a qual traduz a dimensão subjectiva de anti-normatividade.
É indispensável, para além da determinação da função da categoria da culpa no sistema,
determinar o que é materialmente a culpa de que se trata no DP.
A culpa é, de uma forma geral, um juízo de censura dirigido ao agente pela prática do facto.
O pr. da culpa é um limite à punição, na medida em que a culpa constitui um pressuposto e um
limite da pena- não há pena sem culpa e a medida da pena não pode ultrapassar a medida da culpa.
Contudo, pode haver culpa sem pena, tendo em conta as necessidades de prevenção.
Actualmente, este pr. da culpa afasta a possibilidade de haver responsabilidade penal objectiva.
Nas teorias ético-retributivas, a culpa era entendida num sentido biunívoco, sendo que não podia
haver pena sem culpa, nem culpa sem pena, a qual era encarada como um imperativo categórico de
justiça.
A culpa era a razão de ser da pena e a sua função esgotava-se na retribuição pelo mal causado à
sociedade.
Já as doutrinas da prevenção geral e especial adoptaram uma concepção unilateral de culpa, a
qual continua a ser pressuposto da pena mas não já seu fundamento.
Alguns preceitos do nosso CP (art. 74º) permitem retirar uma concepção unilateral de culpa.
Evolução histórica:
A Escola Clássica, baseada na filosofia idealista alemã e no pensamento kantiano, elevou o pr.
da culpa a um pr. irrenunciável de DP.
A legitimidade ético-jurídica da pena radicava na culpa e a medida ou gravidade desta
determinava a medida de pena aplicar.
A culpa era fundamentada no livre-arbítrio, i.e., na absoluta e incondicionada liberdade do
agente do facto ilícito.
A trilogia liberdade, culpa e pena originaram, então, a concepção ético-retributiva do DP.
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A Escola Positiva, no fim do séc. XIX, veio contrariar esta concepção normativa de culpa,
baseada no livre-arbítrio, na livre opção pelo lícito ou pelo ilícito.
Esta escola defendeu uma concepção determinista do comportamento humano e, portanto, do
comportamento criminoso.
Assim, propôs-se uma substituição do conceito de culpa pelo de perigosidade, ou seja, o agente
não era punido por ser culpado, mas por ser perigoso, não sendo responsável por essa perigosidade.
Logicamente, propôs-se também a substituição da categoria da pena, que exige a ideia de culpa
e de castigo, pela de medida de segurança.
A Escola Positiva trouxe, assim, uma outra trilogia: determinismo, perigosidade e medida de
segurança.
Neste contexto positivista-naturalista, do cientismo e do positivismo, surgiu a primeira grande
construção dogmático-sistemática do crime, conhecida por “teoria geral do crime positivista-
naturalista”.
Para esta teoria, a culpa era uma mera conexão psicológica existente entre o agente e o facto
ilícito. O tipo de ilícito era constituído apenas por elementos objectivos e a culpa incluía todos os
elementos subjectivos, assumia uma natureza meramente psicológica- concepção psicológica de
culpa.
A culpa era a relação psicológica do agente com o facto no seu significado objectivo, no reflexo
espiritual da realidade.
O cerne da categoria da culpa reside no dolo e na negligência, como espécies diferenciadas de
ligação psicológica entre o agente e o facto.
No entanto, também os inimputáveis são capazes dessa relação psicológica com o facto, apesar
de serem incapazes de culpa. Por outro lado, a negligência inconsciente caracteriza-se, precisamente,
pela ausência desse nexo psicológico.
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Direito Penal FDUP
(ex: no estado de necessidade desculpante, o agente pode ter agido com dolo como elemento de
ligação entre ele e o facto ilícito típico e não ser considerado culpado por o facto não lhe ser
censurável).
Para além do dolo e negligência, a culpa integra a imputabilidade ou capacidade de culpa, a
consciência do ilícito (ainda que potencial) e a exigibilidade de comportamento diferente.
A esta teoria da culpa da vontade referida ao facto ilícito dirigiram-se várias críticas:
- Desde logo se contestou a fundamentação no livre-arbítrio, afirmando-se que tal liberdade
plena de decisão, no momento da prática do facto ilícito, é racionalmente indemonstrável.
Não era, portanto, razoável fundamentar a aplicação de uma pena, que pressupõe a culpa, em
algo que não passaria de suposição.
- Contra esta teoria da culpa da vontade se apontava a situação dos “imputáveis perigosos”, já
que se a culpa se refere ao momento da prática do facto a pena, para estes casos seria inferior à pena
aplicável a imputáveis normais, não afectados por uma tendência para o crime.
Tal consistiria numa contradição político-criminal, uma vez que iriam ser menos punidos os
infractores mais perigosos para a sociedade e para os bens jurídicos protegidos pelo DP.
Neste contexto surgem as teorias monistas e dualistas das reacções criminais.
- Por outro lado, reagiu-se, ainda, contra a concepção ético-retributiva da pena, em favor da
concepção preventiva da pena e da atribuição de um sentido preventivo-especial de ressocialização do
criminoso.
A teoria finalista do crime, no que respeita à culpa, não alterou significativamente a teoria
normativista da culpa da vontade referida ao facto ilícito.
A culpa continuou a ser referida ao facto e fundada na ideia de livre-arbítrio ou liberdade de
indiferença pelo lícito e ilícito.
A teoria finalista inovou ao trazer a negligência (enquanto violação do dever objectivo de
cuidado) e o dolo (enquanto dolo do facto) para o âmbito da tipicidade. O conceito de culpa continuou
ligado à culpa da vontade, à censurabilidade do agente por não ter exercido a sua liberdade no sentido
de respeito pela norma jurídico-penal, quando podia e devia tê-lo feito.
O conceito de culpa foi “depurado” de forma a conter apenas os elementos de índole normativa
e a censurabilidade transformou-se em puro juízo de valor.
Face às críticas, alguns autores passaram a defender a concepção normativa de culpa da vontade
referida à personalidade.
Esta concepção da “teoria da culpa pela não formação da personalidade” foi defendida por
Mezger e, entre nós, por Eduardo Correia, e veio substituir o objecto da censura ética, em que se
traduz a culpa jurídico-penal, alargando-a para considerar que não é o facto ilícito praticado mas a
própria personalidade do autor do facto ilícito que é objecto do juízo de culpa penal.
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Deslocou esta teoria o objecto da culpa do facto para a própria personalidade do agente.
Trata-se aqui de culpa o agente por uma omissão permanente, que consiste na não preparação da
personalidade de acordo com os valores jurídico-criminais.
O DP pode exigir o respeito pelos valores essenciais que tutela.
Considerava-se, assim, ter ultrapassado a indemonstrabilidade do livre-arbítrio no momento da
prática do facto criminoso e ter alcançado uma resposta político-criminal para os casos de imputáveis
perigosos, uma vez que embora estes sejam, no momento da prática do crime, menos culpados, a pena
a aplicar-lhes não seria inferior se considerássemos a sua culpa pela não formação da personalidade,
por não terem corrigido ao longo da vida as eventuais tendências para o crime.
Em suma, os imputáveis perigosos eram culpados por não terem orientado a sua personalidade
no sentido do respeito pelos valores jurídico-penais, quando podiam e deviam tê-lo feito, eram
culpados pela omissão do dever de correcta preparação e condução da sua personalidade.
Apesar de terem um culpa menor referida ao facto, estes criminosos por tendência tinham
também a culpa pela não condução da sua personalidade de acordo com o Dto..
Associada a esta teoria encontrava-se a pena relativamente indeterminada, a imputabilidade
diminuída e alguns aspectos de não exigibilidade.
No entanto, também esta concepção de culpa na formação da personalidade foi objecto de
críticas.
A principal crítica era a de que esta concepção continuava a assentar na liberdade da vontade, da
livre direcção da vida, da livre tomada de decisões contra o Dto, pelo que a crítica feita à teoria da
culpa da vontade referida ao facto se mantinha intacta.
Assim, a difícil demonstração da liberdade de agir, conjugada com o pr. “in dubio pro reo”
levariam a absolvições em massa. Por este motivo, alguns autores defenderam que se tomasse por
critério o homem em geral e não o agente em concreto.
Se a culpa se encontra funcionalizada ao sistema, na medida em que quer cumprir uma função
político-criminal de limitação do intervencionismo estadual em defesa da dignidade humana, a culpa
jurídico-penal tem de participar de uma culpa ética, enquanto violação do dever originário e essencial
de realização e desenvolvimento do ser livre.
A liberdade humana é, pois, um pressuposto de toda a consideração de culpa.
O prof. FD considera indemonstrável a liberdade de agir de outra maneira e fala em liberdade
existencial, considerando que o homem só é perceptível enquanto ser livre, enquanto ser-total-que-
age.
A culpa é a violação do dever do Homem de conformar a sua própria existência.
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A culpa é ter de responder pela personalidade que fundamenta um facto ilícito típico e que nele
se exprime.
Quanto à sua insustentabilidade político-criminal prende-se com o facto de, sempre que o
agente afirmasse não ter podido agir de outra forma e, se não se fizesse a difícil prova em contrário, a
consequência seria a absolvição, tendo em conta o pr. “in dubio pro reo”.
Por outro lado, os criminosos por tendência ou imputáveis perigosos veriam a sua pena
diminuída, já que a exigência de outro comportamento e a sua capacidade de agir de outra maneira se
encontravam também diminuídos.
A solução para as limitações das teses da vontade reconduz-se a uma tentativa de abstracção do
poder de agir de outra maneira na situação e de generalização do poder que do agente se deve esperar
ou exigir.
Trata-se de entender o livre arbítrio como uma suposição de liberdade.
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Para Roxin, “não significa que o agente tenha podido facticamente agir de outra maneira- o que
é impossível de saber- mas apenas que ele é tratado como livre, em caso de apelabilidade normativa”.
Para este autor a culpa seria a “actuação contrária ao Dto., apesar da permeabilidade da pessoa
ao comando normativo”. Existe culpa quando o agente estava disponível no momento da prática do
facto para responder ao apelo da norma, sendo-lhe exequíveis possibilidades de decisão por uma
conduta conforme ao Dto., dado o seu estado psíquico, e não o fez.
Quando a capacidade de controlo esteja intacta e, com ela, a permeabilidade ao comando
normativo, não se exige livre arbítrio, mas trata-se apenas o Homem como livre.
Aqui ressurge a dificuldade de imputação do facto à culpa quando não se verifique, ou se
verifique apenas de forma duvidosa, a suposta capacidade de autodeterminação e orientação, bem
como o problema de considerar a culpa como medida da pena, quando aquela apenas assenta numa
presunção.
Outra solução apresentada é a de referir o poder de agir de outra maneira, não já ao facto
praticado, mas ao carácter ou personalidade do agente.
Não se trata de substituir a responsabilidade pelo facto por uma responsabilidade pela
personalidade, mas de substituir a adscrição da culpa não à vontade mas à personalidade ou carácter
que se exprimiu no facto.
Esta teoria baseia-se, no entanto, num livre arbítrio na formação da personalidade, na condução
ou decisão da vida.
Em conclusão, o conteúdo material da culpa não pode ser alcançado no mau exercício de um
poder de agir livremente, mas na violação de um dever de conformação da pessoa ao Dto..
Concluímos, então, ser necessário superar uma concepção de liberdade indeterminista (livre
arbítrio) por uma liberdade pessoal, uma liberdade característica de um ser-total-que-age.
Neste sentido, vai a concepção do Homem não já como indivíduo abstracto e isolado, mas como
Pessoa concreta e situada, como Homem socializado.
O Homem tem que se decidir a si e sobre si em cada momento, não podendo nunca furtar-se a
tal decisão, sendo nesses momentos que ele alcança a sua conformação.
O Homem existe enquanto age e, no plano da acção, são-lhe dadas inúmeras possibilidades,
entre as quais ele elege a acção concreta, determinada pela eleição de um motivo possível a motivo
real em razão da preferência do sentido ou do valor que apresenta para o agente.
O Homem toma as suas decisões, afirmando a sua própria essência.
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Assim, nisto reside a liberdade pessoal do Homem, a sua característica irrenunciável, o ser
sempre livre na sua existência.
Daqui deriva a concepção de culpa jurídico-penal como violação pelo Homem do dever de
conformar sua existência por forma tal que, na sua actuação na vida, não lese ou ponha em perigo
bens jurídico-penais.
As decisões do Homem, as suas condutas têm um significado, porque há liberdade humana,
usada para manifestar um modo de ser.
O criminoso manifesta-se contrário ao Dto. ou apenas leviano ou indiferente- dolo ou
negligência.
Se considerarmos que toda a culpa jurídico-penal se refere ao facto, ao ilícito típico, e que o
substracto derivado da decisão do Homem sobre si mesmo é a personalidade, podemos afirmar que a
culpa é, materialmente, em DP, o “ter que responder pela personalidade que fundamenta um
facto ilícito típico e nele se exprime”.
Esta concepção da culpa da pessoa assenta na liberdade da mesma e o conteúdo da culpa não se
refere ao carácter mas à personalidade como fruto de uma decisão livre, uma opção fundamental da
pessoa sobre si mesma.
FD defende uma auto-responsabilização humana, vê a liberdade como poder de decisão do
Homem de se decidir sobre si mesmo, e não como capacidade de decidir no momento do facto ou de
optar por agir de outra maneira.
Enquanto culpa referida à personalidade do agente e à violação por este de um dever-ser de
espécie particular, esta concepção de culpa da pessoa permitirá ultrapassar as dificuldades postas pela
culpa da vontade e permitirá o cumprimento da função político-criminal de limitação da medida da
pena em nome da eminente dignidade da pessoa.
No entanto, e tal como notou Roxin, se entendermos a culpa enquanto referida a esta concepção
lata de liberdade, no momento da estrutura ôntica do ser, também os inimputáveis são radicalmente
livres.
Se ser pessoa é ter que decidir sobre si mesmo e a culpa é o ter decidido incorrectamente, contra
o Dto., não existiriam inimputáveis.
A este problema responde FD com a ressalva de que a anomalia psíquica não elimina a
liberdade, mas apenas destrói as conexões reais e objectivas de sentido que ligam o facto ao agente, de
tal modo que o seu facto pode ser explicado mas não compreendido como acto de uma pessoa, pelo
julgador na sua análise. Verifica-se aqui uma ruptura entre o agente e o juiz.
O elemento bio-psicológico, a anomalia psíquica, impede a comunidade e o julgador de
compreender aquele facto contrário ao Dto. e o agente de o considerar ilícito.
Dolo:
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Direito Penal FDUP
A culpa é um juízo de censura referido a uma atitude interna do agente, manifestada no ilícito
típico e que o fundamenta como obra sua, da sua pessoa ou personalidade.
A culpa divide-se em culpa dolosa e negligente.
A culpa dolosa existe apenas quando se possa imputar a prática de um facto ilícito típico a uma
atitude íntima do agente contrária ou indiferente ao Dto..
A punição a título de dolo é, geralmente, maior do que a punição a título de negligência, já que
naquele existe um conteúdo de culpa mais pesado e mais grave do que neste, i.e., ao desvalor mais
alto do ilícito doloso acresce um maior desvalor de culpa.
Durante muito tempo, esta diferença de grau de punição foi relacionada com a consciência da
ilicitude, já que na punição a título de dolo se pressupunha que o agente representava e queria a
realização do tipo objectivo de ilícito (dolo do tipo), mas também, que actuava com consciência do
ilícito, representava que o facto intentado era proibido pelo Dto..
Estas teorias foram sustentadas pelos normativistas, pelo sistema neo-clássico, que
consideravam que o dolo era constituído não só pela representação do circunstancialismo fáctico
descrito no tipo e pela vontade de o preencher, mas também pela representação do significado anti-
jurídico contido na realização da conduta típica.
Assim, só há dolo quando o agente representa e quer praticar o tipo legal de crime, tendo
consciência da sua ilicitude.
Sempre que o agente erre sobre o carácter ilícito da sua conduta o dolo é excluído.
Segundo esta teoria, o dolo integra-se na culpa e a consciência do ilícito é essencial para
afirmação do dolo. Sem essa consciência, o agente não age com dolo, podendo ser punido apenas por
negligência.
Para muitos autores, nos delitos dolosos, o cerne da culpa reside na consciência do ilícito com
que o agente actuou, na sua oposição consciente aos comandos do dever-ser jurídico.
Esta exigência da consciência do ilícito acresce à de que o agente tenha actuado com
conhecimento e vontade de realização do tipo objectivo de ilícito (dolo natural ou dolo do facto).
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Direito Penal FDUP
Só no caso de estarem preenchidos estes requisitos podíamos afirmar que o agente sobrepôs
conscientemente os seus interesses ao desvalor do ilícito, pelo que deve ser punido a título de dolo, já
que esta punição só deve existir quando o agente se pôs conscientemente em contradição com o Dto..
O agente não deve ser punido a título de dolo quando lhe falte a consciência actual de estar a
praticar um ilícito. Neste caso de erro sobre a proibição, o agente poderia apenas ser punido a título de
negligência se o seu erro não lhe fosse censurável e a punição a esse título estivesse expressamente
previsto.
Esta teoria previa que o erro sobre a ilicitude ou sobre a proibição tivesse o mesmo tratamento
do erro sobre a factualidade típica ou erro sobre o tipo.
A esta teoria se dirigiu a crítica de colocar o dolo no âmbito da culpa quando se considerava que
este se esgotava no quadro do tipo subjectivo de ilícito, bem como da insustentabilidade desta teoria
no que respeita à punibilidade, já que a punição a título de dolo sempre dependeria de prova de que o
agente tinha actuado com consciência actual do ilícito.
Esta teoria levava a áreas de impunidade, uma vez que a punição a título de negligência é
excepcional.
Esta teoria foi defendida por Mezger, que considerava que existem crimes graves, que
contendem com o núcleo do DP, em que a ignorância do agente põe em evidência, para além da
desconformidade de consciências, uma certa inimizade face ao Dto..
Esta teoria parte igualmente da consciência actual do ilícito como elemento constitutivo do
dolo, mas afirma a punição a este título noutras situações que lhe devam ser equiparadas, para efeitos
prático-normativos. Ou seja, às situações de consciência do ilícito se equiparariam as situações em
que a falta de consciência do ilícito se fica a dever a concepções incompatíveis com os prs. da ordem
jurídica (ex: não saber que é crime matar, roubar, violar, etc.).
Estes autores debruçam-se sobre situações em que a falta de consciência do ilícito exige uma
maior censurabilidade, porque revela-se uma inimizade perante o Dto..
O agente devia ser punido a título de dolo, apesar deste não existir
Beleza dos Santos previa para estas situações uma ficção do dolo.
Já Eduardo Correia considerava que em muitas situações de erro sobre a ilicitude o agente
revelaria uma personalidade mal formada, pelo que seria punido nos quadros da moldura dolosa,
chamando o autor a esta punição negligência especial, já que não se exigiam os requisitos da punição
a título de negligência (tipicidade).
A indiferença do agente, demonstrada no não conhecimento do ilícito, revela uma negligência
assinalável, mais forte e intensa.
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Direito Penal FDUP
Esta negligência já não se refere ao facto, mas à formação da personalidade, já que o agente não
se preocupou, ao longo da vida, em formar correctamente a sua consciência ética.
O agente actuou, portanto, com negligência na formação da sua personalidade, devendo ser
punido nos quadros da moldura dolosa, sempre que o seu erro sobre a ilicitude seja censurável.
Quando tomadas na sua concretização dogmática, nenhuma das teorias pode ser aceite, uma vez
que fazem apelo a uma culpa do agente referida à personalidade incompatível com um DP do facto.
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Direito Penal FDUP
O agente que erra sobre a ilicitude expressa uma personalidade dolosa, para além de praticar um
facto doloso.
Em regra, o agente que erra sobre a ilicitude pode ser punido a título de dolo. Nos casos em que
o erro não expressa essa atitude de indiferença ou contrariedade (erro não censurável), falta a
dimensão emocional do dolo, o que exclui a culpa, não sendo o agente punido.
Contudo, também esta teoria parte do pressuposto de que o dolo se esgota em sede do tipo
subjectivo de ilícito e que a culpa se traduz num mero juízo de censura, de que não faz parte o objecto
de valoração.
Esta teoria partia do pr. de que o agente deveria ser punido a título de dolo sempre que actuasse
com culpa mas introduziu uma importante limitação: a de que o agente não deveria ser punido a esse
título sempre que a falta de consciência derivasse de o agente ter suposto erradamente a existência de
pressupostos materiais de uma causa de justificação.
Alguns autores estenderam esta limitação à falsa suposição dos pressupostos materiais de um
estado de necessidade subjectivo e de desconhecimento da proibição de condutas axiologicamente
pouco relevantes.
Conclusão:
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Direito Penal FDUP
O agente pode ser punido a título negligente se o erro for censurável. Se não for não será
punido.
No erro sobre a factualidade típica, previsto no art. 16º, o agente não conhece, não representa o
circunstancialismo fáctico em que actua e que é necessário para afirmar plenamente o dolo, sendo que
este se traduz no conhecimento e vontade de preencher o tipo, através da prática do facto desvalioso.
Este tipo de erro exclui o dolo.
A outra espécie (erro sobre a ilicitude) exclui a culpa se o erro não for censurável- causa de
exclusão da culpa- e deixa persistir a punição a título de dolo se o erro for censurável, apesar de a
pena poder ser especialmente atenuada.
O erro sobre a ilicitude (art. 17º) é um erro de valoração, e não já de conhecimento, é um erro ao
nível da consciência ética e moral, e não já intelectual.
O erro sobre a ilicitude exclui a culpa sempre que o agente, embora disponha de todo o
conhecimento indispensável à sua correcta orientação da consciência, erra sobre o carácter
ilícito do facto.
Se esse erro for censurável, o agente é punido a título de dolo, porque exprime uma
personalidade indiferente ao Dto., e uma culpa dolosa.
O agente actua com dolo porque conhece os elementos típicos e daí deve nascer,
automaticamente, uma função de apelo, desempenhada pelo dolo do tipo. Se agir, ainda, com dolo da
culpa será punido.
Quando o agente conhece os elementos do tipo deve analisar o carácter lícito ou ilícito do seu
comportamento.
Quando o agente conhece a factualidade, o DP espera que ele a valore como ilícita.
Quando o agente desconhece essa factualidade, o DP pode censurá-lo por não ter desenvolvido
a diligência para conhecer a factualidade em que está a actuar.
Para o prof. FD é este dever de exame, de adequação da consciência ética aos comandos da
ordem jurídica que serve de critério para determinar se o erro é ou não censurável.
Esse dever será tanto menos intenso quanto mais longe do DP clássico nos situarmos.
O agente age com dolo porque tem o conhecimento (elemento intelectual do dolo), a vontade
(elemento volitivo) e uma atitude interior contrária ao Dto. (elemento emocional).
O erro sobre a ilicitude contende com o elemento emocional, uma vez que neste caso o agente
revela pouca abertura à consciência axiológica comunitária.
Este erro sobre a ilicitude releva, sobretudo, no âmbito das causas de justificação.
No erro sobre a ilicitude, o agente conhece o circunstancialismo fáctico em que actua, mas não
representa o carácter ilícito do seu comportamento.
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Direito Penal FDUP
São raras as situações em que o erro sobre a ilicitude releva quanto a imputáveis, pois o DP
reflecte uma consciência axiológica da comunidade e restringe-se a um mínimo de bens jurídicos
essenciais, cuja interiorização se faz pelo processo de socialização.
Assim, em regra, o simples conhecimento do circunstancialismo em que o agente actua é
suficiente para haver punição, pois a representação da factualidade típica convoca de imediato o
carácter ilícito da conduta. No entanto, podem haver situações de autêntica desconformidade entre a
consciência axiológica ou ética do agente e a da comunidade, representada nos tipos legais de crime.
É nestes casos de desconformidade que o erro releva.
O erro sobre a ilicitude pode ser directo, i.e., incidir sobre a norma proibitiva, a qual é
interpretada incorrectamente, ou indirecto, incidindo sobre norma permissiva, ou seja, quando o
agente acredita erroneamente que o seu comportamento é permitido, ao abrigo de uma causa de
justificação, quando esta não existe, ou existindo, não abrange a situação em causa.
Para atender às dificuldades criadas pelo DP secundário, o CP consagra a figura do erro sobre as
proibições (art. 16º/1/2ª parte).
Na maioria dos casos, para que se valore uma conduta como lícita ou ilícita, basta possuir o
conhecimento da factualidade, o que cria o dever para o agente de a valorar correctamente.
Porém, os crimes que não comportam uma carga ética tão acentuada, já não é suficiente o
simples conhecimento da factualidade típica para que o agente dê conta da ilicitude da sua conduta.
Nestes casos, é necessário que o agente conheça também a proibição legal que incide sobre a
conduta. Se o agente ignora a concreta proibição, não possui todo o conhecimento que é necessário
para valorar correctamente, i.e., para orientar a sua consciência ética para o desvalor.
Trata-se de um erro sobre as proibições, de um erro intelectual, e que tem como consequência a
exclusão do dolo.
O erro sobre as proibições já não é um erro moral, pois não chega a implicar uma deficiente
orientação da consciência axiológica individual do agente.
Esta consciência individual só não absorveu os valores da consciência comunitária por se
tratarem de valores referentes a domínios especializados (DP secundário).
Apesar de não ser um erro sobre as circunstâncias do facto, mas sim um erro sobre o sentido da
ilicitude, o erro sobre as proibições inclui-se no erro sobre a factualidade típica porque se trata de um
erro sobre uma ilicitude sem ressonância ética.
Assim, este erro integra-se nos restantes erros sobre o circunstancialismo fáctico.
A distinção entre o erro sobre as proibições e o erro sobre a proibição, ou a ilicitude, não se
reporta à dignidade ética dos valores não interiorizados pelo agente, nem à gravidade da sua conduta,
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Direito Penal FDUP
mas à relação entre o carácter ilícito de tal conduta e a possibilidade de apreensão pelos processos de
socialização normais.
Para FD é necessário avaliar se o erro de consciência tem na sua base uma atitude desvaliosa ou,
por outro lado, uma atitude recta, determinado a censurabilidade ou não censurabilidade do erro.
No erro sobre a factualidade típica (pressupostos de facto ou preceitos jurídicos- erro sobre o
substracto de uma causa de justificação ou exclusão da culpa ou sobre as proibições de condutas
axiologicamente pouco relevantes) estamos perante uma falta de conhecimento, um erro intelectual,
enquanto no erro sobre a ilicitude estamos perante uma falta de justo sentimento do valor, um erro de
valoração.
No plano dogmático encontramos as dicotomias: erro intelectual/ erro moral; erro de
conhecimento/erro de valoração; erro da consciência psicológica/ erro da consciência ética.
O desvalor do erro da consciência ética é maior do que o erro da consciência psicológica, uma
vez que aquele denota uma atitude de contrariedade ou indiferença perante o dever-ser jurídico,
enquanto este revela uma atitude de descuido ou leviandade perante o dever-ser jurídico –penal.
Assim, o facto realizado com dolo do tipo mas com falta censurável de consciência do ilícito
fundamenta uma culpa dolosa e uma punição a esse título.
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Direito Penal FDUP
Deve salientar-se que a falta de consciência do ilícito se refere apenas à falta de consciência de
uma norma jurídica e não de normas de outros ordenamentos, já que não se trata de uma consciência
da imoralidade da acção, mas apenas da sua ilicitude.
Entende-se ainda que a afirmação do dolo se basta com a consciência da ilicitude, do desvalor
jurídico associado ao facto, não se exigindo a consciência da sua ilicitude penal ou da sua
punibilidade.
A lei estabelece um limite convencional de 16 anos para que o indivíduo seja penalmente
imputável, já que é necessário que o indivíduo seja capaz de avaliar o sentido e alcance do seu acto.
Este limite varia entre os ordenamentos e é estabelecido tendo em conta a maturidade psíquica e
espiritual exigida para se ser alvo de um juízo de censura penal e, consequentemente, de sanções desta
natureza. Essa maturidade considera-se atingida, mais ou menos, nesta fase ou estádio de
desenvolvimento.
A inimputabilidade em razão da idade prende-se com razões de humanidade, evitando a
aplicação de mecanismos e sanções penais a indivíduos ainda em formação, quer pela estigmatização
que o processo penal acarreta quer pela gravidade dos efeitos das sanções penais nos dtos. de
personalidade do menor.
Devemos também considerar a alusão do art. 20º/3, à necessidade de compreensão da pena pelo
agente e do poder de ser por ela influenciado no sentido da sua socialização.
Por outro lado, à semelhança da inimputabilidade por anomalia psíquica, também aqui há uma
quebra da conexão objectiva de sentido entre o facto e o agente, uma impossibilidade para o juiz de
compreender o sentido objectivo que deriva da atitude do agente e se exprime no facto, o qual
fundamenta.
O Estado não pode, apesar de tudo, demitir-se da sua função de garante de defesa da sociedade.
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Direito Penal FDUP
Até 1999, os menores de 16 anos ficavam sujeitos a medidas tutelares (Organização Tutelar de
Menores), segundo um modelo assistencial ou de protecção.
Os jovens que praticavam factos típicos eram equiparados aos jovens em risco.
O Modelo de Justiça aproximou os jovens que praticam factos típicos do plano penal, com todas
as vantagens e desvantagens.
A Lei 169/99 de 14 de Set., chamada Lei Tutelar Educativa, aplica-se apenas aos menores, entre
12 e 16 anos, que praticavam factos ilícitos e não já aos jovens carecidos de protecção.
Existe um regime de transição, (DL 401/82, 23 de Set.- Regime Penal para os Jovens Adultos),
aplicável aos jovens dos 16 aos 21 anos, que prevê uma especial atenuação da pena (art. 4º), dadas as
especiais necessidades de ressocialização suscitadas pelos jovens delinquentes.
Os jovens menores serão objecto de medidas de correcção, com finalidades também preventivas
e reeducativas, que visam a ressocialização e que atendem à vulnerabilidade dos espíritos jovens.
Paradigma normativo:
Mais tarde, o Dto. passou a ser entendido como uma ordem normativa autónoma, tendo caído as
concepções positivistas-naturalistas até aí vigentes.
Ressurgiram aqui as concepções ético-retributivas das penas e o entendimento da culpa como
relação psicológica entre o agente e o seu facto foi substituído por uma concepção normativa de culpa,
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Direito Penal FDUP
que a vê como censura a um comportamento humano, por o culpado ter actuado contra o dever,
quando podia ter actuado de outra maneira.
A imputabilidade deixa de ser pressuposto da atribuição subjectiva e psicológica do facto ao
agente para passar a ser elemento integrante da afirmação da capacidade do agente para se deixar
motivar pela norma no momento da prática do facto.
Assim, a imputabilidade é a capacidade do agente, no momento da prática do facto, “para
avaliar a ilicitude deste ou para se determinar por essa avaliação”.
Um agente seria inimputável quando não tivesse capacidade de avaliação de que estava a agir
mal ou quando não tivesse capacidade de se determinar por essa avaliação.
Para além da anomalia psíquica é necessária a verificação de uma influência, uma repercussão
ao nível do comportamento do indivíduo, cabendo ao juiz analisar tal repercussão.
Este paradigma normativo coloca o problema da liberdade da vontade do agente no momento da
prática do facto. Ora, a afirmação de uma concreta capacidade de escolha do homem num dado
momento é totalmente indemonstrável.
Mesmo que o indivíduo tenha alguma anomalia, é impossível assegurar que não era livre
naquele momento.
Este paradigma permite, também, o alargamento do substracto bio-psicológico, que abrange não
apenas a “doença mental”, mas toda a anomalia psíquica: psicoses, oligofrenias, psicopatias,
perturbações da consciência, neuroses.
No entanto, o elemento bio-psicológico é desvalorizado face ao normativo.
Paradigma compreensivo:
Este paradigma caracterizou-se pelo abandono da concepção mecanicista da matéria, pela
contestação do dogma determinista e pela aceitação de elementos de contingência e indeterminação.
Retoma-se a importância do paradigma bio-psicológico, mas a doença mental é aqui entendida
num sentido mais estrito, excluindo todas as tendências e compulsões abarcadas pelo paradigma
normativo.
Só a anomalia psíquica, a enfermidade mental, é susceptível de destruir a conexão objectiva de
sentido da actuação do agente e, portanto, a possibilidade de compreensão da sua personalidade
manifestada no facto.
O elemento normativo é reforçado, exigindo-se uma conexão objectiva entre o agente e o facto,
uma conexão real.
O juiz tem um papel principal, na valoração do reflexo da anomalia no comportamento, mas é
reduzida a sua capacidade de crítica material ao substracto bio-psicológico, à sua gravidade e
intensidade, onde os peritos têm um papel fundamental.
O homem é, apesar de tudo, considerado livre, não ao nível das possibilidades de acção, mas
das suas características como um todo.
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Por este motivo, o agente pode ser imputável em relação a uns crimes e inimputável em relação
a outros (ex: inimputável face a crimes contra o património e imputável face a crimes contra pessoas).
Imputabilidade diminuída:
Entre a imputabilidade e a inimputabilidade existem zonas de fronteira e transição, cambiantes
em que o agente possui uma anomalia que limita a sua capacidade de avaliação da ilicitude ou de
determinação por essa avaliação, mas sem a excluir.
Estas situações vêm previstas no art. 20º/2, o qual prevê igualmente um juízo duplamente
concreto, ao nível temporal e típico.
A diferença reside no grau. A anomalia tem que ser grave e não acidental e restritiva da
capacidade de culpa do agente.
Nestes casos, o juiz pode considerar o agente imputável ou inimputável, consoante a perícia
médica e as necessidades de prevenção, quer geral quer especial. A decisão decorrerá de um juízo
global, feito ao concreto sujeito.
O nº 3 do mesmo art. parece adiantar um conceito de inimputável que se prende com
concepções de prevenção geral negativa, já que toma o inimputável como aquele que não se deixa
intimidar, carecendo de outras medidas.
Este critério é, contudo, meramente indiciatório e vale apenas para a imputabilidade diminuída e
não para a imputabilidade em geral.
Por outro lado, esta incapacidade de se deixar influenciar pelas sanções penais tem que ser
provada.
O nº4 refere-se às “acções livres na causa” (“actio libera in causa”).
Estas são as situações em que o agente é livre no momento em que se coloca em estado de
inimputabilidade, com intuito de praticar o facto típico. Estamos, portanto, perante um caso de pré-
ordenação, em que o agente não é livre, não é capaz de avaliar, no momento do facto, mas era-o
quando se colocou numa situação de inimputabilidade para, a coberto desse circunstancialismo
artificialmente criado, praticar um crime e beneficiar da impunidade ou de um regime mais favorável.
Apesar de o juízo de imputabilidade dever ser aferido no momento da prática do facto, nestas
hipóteses deve haver uma antecipação do momento decisivo para a imputabilidade, por questões de
necessidade.
Nestes casos, segundo o art. 20º/4, o agente deve ser tratado como imputável e deve ser-lhe
aplicada a pena respectiva.
Esta situação do art. 20º/4 é diferente da do 295º, já que neste caso o agente não se coloca pré-
ordenamente em estado de inimputabilidade para praticar o crime. O agente actua aqui,
negligentemente ou, mesmo que dolosamente, sem ter em vista a prática do crime.
O agente, no âmbito do 295º, pratica um crime de forma não previsível e em estado de
inimputabilidade não pré-ordenada.
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O nº2 do art. 33º prevê a possibilidade de exclusão da culpa, caso o excesso seja asténico e não
censurável, atendendo às circunstâncias do concreto agente, o qual não será punido.
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O art. 37º refere-se, portanto, às situações em que o subalterno nem sequer toma consciência do
carácter criminoso da sua actuação no cumprimento da ordem, o que se verifica, normalmente, no
âmbito do DP secundário, dado o seu carácter técnico e especializado.
Estamos, neste preceito, a aceitar uma não exigibilidade em sentido lato.
Apesar da consagração destas situações-tipo, elas devem funcionar como mero padrão e deverão
ser aplicadas analogicamente a outros casos, já que não se trata de fundamentar ou agravar a
responsabilidade penal.
Assim, a enumeração pelo legislador de situações em que a não exigibilidade releva para o juízo
da culpa tem carácter meramente exemplificativo, com a virtualidade de concretizar a ideia e de
auxiliar o julgador na percepção do seu sentido. Desta forma, não se pode excluir o seu alargamento
analógico, tal como se fez para encontrar a figura do conflito de deveres desculpante.
A não exigibilidade caracteriza-se por uma gradação, uma hierarquização da gravidade
conforme o circunstancialismo que rodeia o agente.
Neste sentido, se, em alguns casos, a inexigilidade pode conduzir à exclusão da culpa, noutros
casos levará apenas à atenuação da culpa e, consequentemente, da pena.
Crimes negligentes:
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Concluímos que tal definição assentava no pressuposto da liberdade humana, já que só assim o
agente á capaz de culpa.
Essa culpa pode assumir a forma de dolo (quando há congruência entre os aspectos subjectivos
ou o projecto do agente e os aspectos objectivos ou resultado exterior) ou de negligência (quando há
descontinuidade entre os dois aspectos, já que o projecto e o resultado não coincidem).
A negligência não deve ser considerada como uma forma especial de crime, mas antes como
uma das formas básicas, tipicamente cunhadas de aparecimento do crime, ao mesmo nível do facto
doloso.
A decisão político-criminal de punir a negligência prende-se com questões de dignidade penal
dos bens jurídicos, que são dos mais importantes que a ordem jurídica protege, e com questões de
carência da pena, já que se trata de conter fontes de perigo grave para a existência em comunidade.
A negligência assenta na violação do dever objectivo de cuidado, que inclui ónus e obrigações
relacionados com a vivência em sociedade, que cada um tem de observar na sua convivência com os
outros e que permite antever os resultados danosos, levando à abstenção de condutas que, segundo um
juízo de previsibilidade normal, possam lesar bens jurídicos essenciais.
Neste sentido, o tratamento jurídico-penal dos factos negligentes tem sido encarado com cada
vez mais severidade.
A conduta negligente não é uma forma atenuada da conduta dolosa, mas sim uma outra coisa,
um aliud relativamente ao facto doloso.
Entre um homicídio doloso e um homicídio negligente não intercede apenas uma diferença de
grau ou quantidade, marcada pela fronteira do dolo eventual e da negligência consciente.
O facto doloso e o negligente têm o seu tipo de ilícito e o seu tipo de culpa próprios e distintos.
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Tal como afirmou Schroeder: “ a desatenção logo conducente à não previsão da possibilidade de
dano pode pesar mais gravemente do que a confiança em que o resultado não se produzirá”.
Em conclusão, podemos definir a negligência como a situação em que há descontinuidade,
incongruência entre o lado subjectivo e objectivo, o projectado e o consumado, em que o resultado
criminoso e o plano não coincidem.
Tipo de ilícito:
O tipo de ilícito do facto negligente considera-se preenchido por um comportamento sempre que
este se distancie daquele que era objectivamente devido numa situação de perigo para bens jurídico-
penalmente relevantes, para se evitar uma violação juridicamente proibida.
Para além da verificação de um resultado, exige-se que tenha ocorrido uma violação, por parte
do agente, de um dever objectivo de cuidado que sobre ele impende e que essa violação tenha
conduzido à produção do resultado típico.
Por outro lado, exige-se que a produção do resultado fosse previsível e evitável para o homem
prudente, com as capacidades do “homem médio”, tendo em conta a posição sócio-cultural do agente,
i.e., o sector de tráfego em que ele actua.
As normas penais pretendem que os seus destinatários actuem correctamente, pelo que quando a
norma proíbe e pune a negligência pretende que se aplique o cuidado objectivamente exigível ou
necessário para evitar a realização do tipo.
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No entanto, o resultado não tem uma função somente limitadora, mas constitutiva do desvalor
unitário do ilícito negligente.
É a partir deste desvalor que se determina a medida do cuidado devido.
A orientação do curso é, portanto, a de admitir que o resultado se configura como integrante do
tipo de ilícito.
No âmbito do tipo objectivo da negligência, para além, do critério do risco permitido, relevam
os correctores do comportamento lícito alternativo, em que o resultado se teria igualmente produzido
se o agente tivesse observado o dever de cuidado, e do âmbito de protecção da norma, em que a norma
infringida serve para evitar o resultado produzido.
Para os autores que defendem a violação do cuidado objectivamente devido como elemento
específico dos tipos de ilícito negligentes é aceite que, com uma tal violação, é o desvalor de acção
próprio do facto negligente que assim se revela, ao qual se deveria acrescentar o desvalor de resultado,
traduzido na produção, causação e previsibilidade daquele.
Alguns autores defendem, no entanto, a sua substituição pelo critério da criação, pelo agente, de
um perigo não permitido.
Do ponto de vista material, as duas soluções devem ser consideradas equivalentes, no sentido de
que o agente, sempre que o seu comportamento tenha criado um risco não permitido, terá violado o
cuidado objectivamente devido.
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3- Figura- padrão:
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Quando faltem disposições escritas reguladoras da respectiva actividade torna-se mais difícil a
concretização daquilo que é o dever objectivo de cuidado.
Torna-se, então, indispensável o recurso aos costumes profissionais comuns ao profissional
prudente, ao profissional-padrão e, na sua falta, impõe-se o recurso directo ao cuidado objectivamente
imposto pelo concreto comportamento socialmente adequado.
O critério pode ser, pois, o da não correspondência do comportamento do agente àquele que, em
idêntica situação, teria um homem fiel aos valores protegidos, prudente e consciencioso.
Tal critério varia de acordo com o círculo de actividade em causa.
(ex: baby-sitter).
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Trabalho em equipa:
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O agente deve poder contar com que os outros não cometerão factos dolosos, salvo se as
circunstâncias do caso derem imediato e fundado motivo para pensar que tal pode ocorrer.
Nestes casos, os prs. da confiança e da auto-responsabilidade só devem cessar quando o facto
anterior revele uma especial aptidão para provocar o facto posterior doloso, quando criar um perigo
intolerável de cometimento do facto doloso, de tal forma que seria de todo desrazoável não contar
com a sua possibilidade.
Temos vindo a considerar que a determinação do tipo de ilícito negligente se conexiona com a
violação pelo agente do cuidado objectivamente devido, sendo este concretizado com apelo às
capacidades do homem médio.
Assim, o critério definidor do tipo de ilícito negligente é objectivo, generalizador, não entrando
em conta com as capacidades pessoais do agente concreto.
Se estas se situarem abaixo das do homem médio a realização do facto não deixará de integrar o
tipo de ilícito negligente, tal como se se situarem acima, não se fará apelo a exigências acrescidas de
dever para definição do ilícito.
O tipo de ilícito não se integrará quando, por muito acima do homem médio que se situe o
concreto agente, ele tenha observado o cuidado objectivamente devido.
Uma parte da doutrina tem, no entanto, contestado esta posição maioritária, defendendo um
critério individual ou individualizador, que poria em causa a teoria do duplo escalão.
No entanto, e tal como afirma Roxin, a existência de capacidades inferiores à média, não podem
relevar logo ao nível do tipo de ilícito negligente, no sentido de excluir a tipicidade da conduta, mas
só devem ser consideradas ao nível do tipo de culpa negligente.
Quanto às capacidades pessoais superiores à média podem actuar no sentido de fundar o tipo de
ilícito da negligência.
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A não observância do cuidado objectivamente devido não torna perfeito, por si própria, o tipo
de ilícito negligente mas, tal como afirma o art. 15º CP, deve conduzir a uma representação imperfeita
ou a uma não representação da realização do tipo.
O tipo subjectivo negligente prende-se com uma relevância normativa da ausência de realidade
psíquica.
Actualmente, o DP deixou de partir da distinção tradicional entre culpa grave, leve e levíssima,
para se servir da distinção entre negligência grosseira, que consubstancia uma negligência qualificada,
e negligência simples.
Contrariamente à distinção entre negligência consciente e inconsciente, esta trata-se de uma
distinção quantitativa, de grau, de maior ou menor gravidade da negligência.
A negligência consciente, bem como a inconsciente, pode ser grosseira ou simples.
A classificação prende-se com o momento da ilicitude e com uma situação concreta.
Esta distinção entre negligência grosseira e simples assume particular relevo no âmbito dos
crimes agravados pelo resultado.
Ainda no seguimento de uma ideia de fragmentaridade do DP, os bens jurídicos não todos
objecto de igual tutela, pelo que as formas de ofensa menos graves só serão punidas quando se refiram
a bens mais importantes.
No sentido do desvalor que comportam, os crimes negligentes são menos graves.
Assim se explica o carácter excepcional da punição a título de negligência (13º CP).
Por razões de prevenção geral positiva e de necessidade de pena, os crimes negligentes são
menos punidos.
Por outro lado, na negligência pune-se o desvalor do resultado e não o de acção, pelo que a
tentativa não é punível a título negligente.
Em suma, no quadro da prevenção geral positiva ou de integração, a dignidade penal junta-se à
necessidade penal, para excluir a punição quando não seja necessária a reafirmação contra-fáctica de
uma norma violada e a punição a título negligente da tentativa.
66
Direito Penal FDUP
Tradicionalmente, o delito doloso era o delito propriamente dito, entendido como violação às
leis da justiça, enquanto a negligência era um quase-delito, considerada uma infracção às leis da
previdência e da memória.
A negligência funda-se, portanto, numa menor gravidade, dada a ausência de uma manifestação
de contrariedade frontal à norma.
Para Stratenwerth, não tem sentido autonomizar um tipo de ilícito subjectivo negligente, já que
a vontade de realização do agente negligente não se dirige ao resultado típico.
Roxin apresenta a distinção entre negligência consciente e inconsciente e afirma o tipo
subjectivo na primeira, onde existe a representação pelo agente de todas as circunstâncias típicas
como um perigo não permitido e a confiança em que a realização típica não terá lugar, mas nega-o na
segunda, porque o agente não inclui na sua representação os elementos e pressupostos do tipo
objectivo.
Sistema do crime negligente:
Também à negligência se aplica a ideia de que o sistema é a desimplicação analítica de uma
ideia de crime enquanto violação de uma norma jurídica de determinação que tutela bens jurídicos
essenciais.
Essa violação pode ocorrer de forma dolosa (se existe uma congruência entre os aspectos
objectivos e subjectivos da conduta) ou negligente (se não há correspondência entre o resultado e a
vontade do agente- elemento volitivo).
O crime negligente surge, assim, como uma unidade de sentido, de conteúdo de anti-
normatividade radicalmente diferente do dolo e centrado numa violação de um dever objectivo de
cuidado.
Tipo justificador:
Segundo a opinião geral, o facto negligente pode encontrar-se coberto por legítima defesa em
tudo o que respeite à acção necessária de defesa perante o agressor.
Tal acontece, desde logo, quando o facto doloso de defesa se encontraria coberto pela legítima
defesa (ex: se A dispara contra um agressor B um tiro de advertência e, por violação do cuidado
devido o fere, actua em legítima defesa sempre que, perante a situação concreta, o disparo
intencionalmente dirigido a ferir B seria justificado).
O mesmo sucede com as consequências não queridas ou não previstas de uma acção de legítima
defesa, desde que essas consequências pertençam aos riscos típicos da espécie de defesa.
Em conclusão, podemos afirmar que, dentro dos limites daquilo que seja necessário como acção
de defesa, se encontra justificado o resultado típico que o agente não desejou e que poderia ter evitado
se tivesse actuado com observância do dever de cuidado.
67
Direito Penal FDUP
Nos factos negligentes, à semelhança do que sucede nos dolosos, o conteúdo da culpa é dado
pela censurabilidade da acção ilícita típica em função da atitude interna juridicamente desaprovada
que naquela se expressa e que a fundamenta.
A culpa negligente surge quando no facto se exprime uma atitude interna de descuido ou
leviandade perante o Dto..
Assim, a inimputabilidade, bem como o estado de necessidade desculpante e o excesso
desculpante de legítima defesa devem ser resolvidos face a crimes negligentes da mesma forma que o
são nos ilícitos dolosos.
Só o dolo constitui uma contrariedade frontal face ao DP, em que o agente sobrepõe os seus
interesses pessoais ao dever ser jurídico-penal.
Diferente é a situação de negligência, em que há uma atitude de leviandade ou descuido, uma
atitude pessoal menos censurável e punida com uma pena menos grave.
Aqui intervêm os mesmo conceitos da culpa dolosa: não exigibilidade, não imputabilidade e
capacidade do concreto agente.
68
Direito Penal FDUP
Tal como nos crimes dolosos, também nos crimes negligentes a inexigibilidade não pode ser
considerada uma causa geral de exclusão da culpa, mas tem de ser encontrada em cláusulas
específicas reconhecidas pela lei.
Dada a menor dignidade penal e necessidade de pena associadas aos crimes negligentes
podemos afirmar que o campo de aplicação da inexigibilidade é mais vasto do que no dolo.
Tal valerá tanto para o excesso de legítima defesa desculpante, como para o estado de
necessidade ou o conflito de deveres desculpantes.
O CP prevê situações de negligência grosseira, punindo-a mais severamente (arts. 137º e 369º /
5) ou punindo apenas esta espécie de negligência (art. 156º/3).
A negligência grosseira constitui um grau essencialmente aumentado e intensificado de
negligência. Constituirá também um nível qualificado de culpa negligente? Ou uma graduação do
ilícito em função do especial dever de cuidado que recai sobre o agente, do perigo aumentado ou da
probabilidade e especial frequência do resultado?
Roxina afirma que a negligência grosseira implica uma especial intensificação da negligência
não só ao nível da culpa, mas também do ilícito.
Ao nível do tipo de ilícito torna-se indispensável que se esteja perante um comportamento
particularmente perigoso e um resultado de verificação altamente provável à luz da conduta adoptada.
Não podemos, porém, concluir que também o tipo de culpa é inevitavelmente aumentado, já que
devemos alcançar prova autónoma de que o agente revelou no facto uma atitude particularmente
censurável de leviandade ou descuido perante o comando jurídico-penal, revelando qualidades
particularmente censuráveis de irresponsabilidade e insensatez.
Em pr., a lesão de dois bens jurídicos corresponde a dois crimes. No entanto, a lei pode
transformar uma situação que seria de concurso entre um crime doloso e um crime negligente, num
único crime, agravando a pena em função do crime doloso inicial.
Trata-se de situações em que, em consequência do crime doloso, surge um resultado adicional
não previsto nem querido pelo agente: o agente que vem agravar a pena.
69
Direito Penal FDUP
Este evento consubstancia, em regra, um crime, mas pode tratar-se de um facto não criminoso
em si mesmo, mas que aprofunde o desvalor de resultado e o atentado à vigência da norma,
justificando por isso um tratamento unitário e agravado.
O regime do art. 18º CP corresponde ao parágrafo 18 do CP alemão, o qual estabelece que para
o evento poder resultar em agravamento da pena, terá de poder ser imputado pelo menos a título de
negligência, i.e., terá de ser pelo menos previsível nos termos da teoria da adequação e seus
correctores.
Ex: uma gravidez resultante de uma violação funciona como evento agravante, apesar de não
constituir em si um facto criminoso.
Os crimes preterintencionais incluídos no art. 18º consistem nos casos em que o evento é em si
mesmo um crime (negligente, sob pena de estarmos perante um concurso), mas em que o legislador,
por qualquer razão atendível, fundiu num tipo legal único com o crime inicial doloso.
A pena que acompanha esta fusão de um crime doloso com um crime negligente é mais grave
do que aquela que resultaria das regras do concurso.
Estes crimes preterintencionais cumulam 4 requisitos:
a) o agente praticou um crime fundamental doloso;
b) como consequência desse crime pratica um outro, negligente (um resultado danoso não
previsto, não querido e imputável a título negligente);
c) entre os dois crimes existe uma relação causa/consequência, já que a prática do
primeiro, de acordo com a experiência, faz prever a do segundo, uma vez que entre os
dois crimes existe um vínculo típico de conexão quase necessária;
d) a preterintencionalidade só existe nos casos taxativamente descritos na lei.
Exemplos de crimes agravados pelo evento: 145º- ofensa à integridade física quando dela
resulte a morte; 177º- gravidez como evento agravante de crimes sexuais.
Crimes Omissivos:
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Direito Penal FDUP
Outros autores falavam num “aliud in agere”, i.e., consideravam que o agente praticava uma
outra acção e, por isso, omitia a acção devida.
No entanto, o conceito de acção do s. clássico era claramente desadequado a uma ideia de
crime.
O s. neo-clássico, normativista ou neo-kantiano, defendido por Eduardo Correia definiu a acção
como atitude perante valores, autonomizando os comportamentos humanos, referidos a valores, do
mundo naturalístico.
Neste conceito de acção cabe já a omissão, na medida em que também esta exterioriza a atitude
do agente face ao dever ser jurídico-penal, podendo constituir uma negação de valores.
Ao nível da acção, também a omissão cabe na ideia de crime como violação de norma de
determinação.
A norma é uma defesa de valores, os quais tanto podem ser negados por acção quanto por
omissão.
De facto, a norma de determinação proíbe tanto as condutas dolosas e negligentes que atentem
contra o bem jurídico como é um imperativo para todos os cidadãos de intervir para salvar bens
jurídicos alheios.
71
Direito Penal FDUP
Para alguns autores nem seria necessária a norma de equiparação, já que mesmo ao nível do tipo
legal de crime se previa o comportamento activo e omissivo, porque o que a norma pretende evitar é o
resultado.
No entanto, existem tipos de crime em que se pune a título activo e omissivo.
Parece excessivo afirmar que a punição da omissão se extrai do tipo legal.
Para FD, é necessário verificar, através de uma autónoma valoração ético-social, se o conteúdo
ilícito da omissão é equivalente ou comparável ao da acção.
Essa equivalência existe quando sobre o agente recaia um especial dever de garante, de não
realização do tipo.
72
Direito Penal FDUP
Ressalvados estes casos em que a natureza do crime ou a lei impeçam a punição por omissão,
no âmbito dos crimes materiais, todos podem ser cometidos por acção e por omissão.
Para imputar o crime ao indivíduo, servirá de critério a teoria da adequação e seus correctores.
Nos termos do nº2 do mesmo art. 10º, o agente pode ser responsabilizado pela omissão quando
sobre o agente recaia um dever jurídico que o obrigue à adopção daquele comportamento omitido.
Se, em abstracto, todos os crimes materiais permitem a equiparação da acção à omissão, já em
concreto só se pode imputar um crime por omissão quando exista um dever jurídico que invista o
agente na obrigação de actuar no sentido de evitar a lesão do bem jurídico.
A doutrina e a jurisprudência vêem aqui um dever de garante pela não verificação do resultado
danoso.
Quando é que o agente está investido desse tal dever de garante face ao bem jurídico em perigo?
Quais as fontes do dever de garante?
O legislador deixou tal preenchimento a cargo da doutrina e da jurisprudência.
Para a doutrina tradicional ou clássica, defendida entre nós por EC, o dever de garante podia
retirar-se da lei (ex: dever de assistência entre cônjuges), de contrato (ex: baby-sitter) ou de situações
de ingerência na esfera jurídica alheia, criando perigo para bens jurídicos mediante comportamentos
activos, ficando por isso obrigado a remover tal perigo (ex. cárcere privado).
Para esta concepção tradicional, as omissões impuras eram aquelas em que se produzia um
resultado (crimes de resultado) e as puras eram aquelas em que se verificava apenas o incumprimento
de um dever (crimes de actividade).
Esta concepção não abrangia, no entanto, determinadas situações materialmente idênticas (ex:
baby-sitter que deixa a criança sozinha por ter celebrado um contrato nulo com os pais da criança,
vindo esta a sofrer lesões por ter ficado sem vigilância).
73
Direito Penal FDUP
Assim, a doutrina moderna avançou com uma teoria material, que decorre do fundamento da
própria omissão, que é a solidariedade exigida a todos os membros da comunidade (“ser-com-os-
outros e para-os-outros).
A lei, o contrato e as situações de ingerência não são verdadeiras fontes mas planos em que
existe uma especial proximidade existencial.
A economia comum deve implicar um dever de assistência idêntico ao existente entre os
cônjuges, apesar de não estar legalmente previsto, já que tal é imposto pela situação de comunidade
de vida entre os indivíduos.
Por outro lado, não deve ser o formalismo do contrato a servir de critério, mas sim as relações
fácticas de confiança, interpessoais, que lhe estão subjacentes.
Em vez de situações de ingerência fala-se hoje em situações de domínio ou senhorio, na
medida em que quem detém o controlo sobre um meio ou instrumento lícito mas perigoso, uma fonte
de perigo, tem sobre ele um dever de controlo para evitar que haja dano.
Na doutrina moderna acrescenta-se, ainda, as situações de monopólio, em que o agente, apesar
de não ter contribuído para a lesão, era o único capaz de evitar o dano, podendo fazê-lo sem colocar a
sua vida ou integridade física em perigo.
Nestes casos de monopólio, apesar de o agente não ser a fonte de perigo nem ter especial
proximidade com o lesado, tem um dever de garante decorrente mais uma vez da solidariedade
comunitária.
Inicialmente, só se admitia que o monopólio gerasse o dever de garante quando fosse o agente a
criar a situação de monopólio.
(ex: A está a afogar-se numa praia e várias pessoas nadam para o salvar, quando B se aproxima
de barco para salvar A e as restantes pessoas se afastam deixando de poder recorrer a vítima em tempo
útil, mas B reconhece A que é seu inimigo e regressa à praia sem o salvar. Uma vez que foi B que fez
com que os outros sujeitos deixassem de poder intervir em tempo útil, foi ele que criou a situação de
monopólio que fundamenta o seu dever de garante e a sua obrigação de agir, pelo que a sua actuação
configura uma omissão impura jurídico-penalmente relevante).
Actualmente, considera-se que, uma vez que estão em causa bens jurídico-penalmente
protegidos, a situação de monopólio deve relevar sempre, mesmo que não tenha sido criada pelo
agente.
O nº3 prevê uma especial atenuação da pena, que se entende à luz das concepções de
prevenção geral positiva, já que, face aos valores da consciência comunitária, o alarme e a
censurabilidade social associada à lesão de um bem jurídico é maior quando resulte de um
comportamento activo do que quando resulte de uma omissão.
A atenuação não é automática, é facultativa, sendo o juiz que decidirá em função do caso
concreto, das necessidades de reforço da vigência da norma e da reposição da paz pública.
74
Direito Penal FDUP
É apesar de tudo, em pr., mais grave a conduta daquele que lesa o bem jurídico por meio de uma
acção do que a conduta daquele que apenas se abstém de actuar para impedir a lesão.
Culpa na omissão:
O problema da culpa na omissão coloca-se nos mesmos termos de conteúdo subjectivo de
antinormatividade dirigido ao concreto agente, abarcando os problemas da não exigibilidade, da não
imputabilidade, e da distinção entre dolo e negligência.
À semelhança da distinção feita no âmbito dos crimes dolosos entre erro sobre as circunstâncias
de facto (16º/1/1ª parte) e o erro sobre a ilicitude (17º), podemos fazer aqui uma distinção equivalente.
Pode existir um erro sobre os pressupostos fácticos do dever de garante (ex: pai vai à praia com
o filho e fica a conversar com um amigo; vê uma criança a afogar-se e não reconhece que é o seu
filho, não intervindo. Apesar de existir um dever de garante, o agente está em erro intelectual,
devendo excluir-se o dolo).
Pode também haver um erro sobre o próprio conteúdo e alcance do dever de garante (ex: por
hipótese absurda, o pai pensava que não estava obrigado a intervir). Este erro não respeita aos
pressupostos mas à própria ilicitude da omissão.
Este erro sobre a proibição ou sobre a ilicitude deve ser apreciado nos termos do art. 17º.
Também no âmbito das omissões pode existir um erro sobre as proibições legais, nos casos em
que a omissão não tenha uma ressonância social imediata, porque referente a domínios específicos e
técnicos.
Até este ponto analisámos o crime na sua forma mais simples: como tendo sido praticado
apenas por uma pessoa (unidade do agente), como tendo sido preenchido apenas um tipo legal de
crime (unidade do crime), e como tendo sido praticado na sua forma completa: crime consumado
(perfeição do crime).
No entanto, existem formas de surgimento do crime que não se enquadram neste molde.
Alguns crimes podem resultar da colaboração de várias pessoas, sendo praticados sob a forma
de comparticipação.
Esta forma de crime, com concurso de agentes, dá origem à distinção entre autores e
participantes, enquadrando-se dentro destes os instigadores e os cúmplices.
75
Direito Penal FDUP
Por outro lado, um só agente pode preencher mais do que um tipo legal com a sua conduta,
originando um concurso de crimes. Também o concurso tem diversas consequências, nomeadamente
ao nível da punição, já que o concurso é punido mais severamente.
Finalmente, pode não se verificar a perfeição do crime, no sentido da sua completude. Neste
caso estaremos perante uma outra forma especial de crime- a tentativa- em que o agente pratica actos
tendentes à prática do crime, mas tal crime acaba por não se consumar por motivos alheios à sua
vontade.
Tentativa:
Início da tentativa:
O iter criminis, i.e., o processo conducente à prática de um crime, comporta várias fases.
A fase da nuda cogitatio, da decisão, do projecto ou da intenção criminosa, processa-se no
plano meramente interno do agente.
A fase da preparação do crime comporta já actos exteriores, como o estudo do local do crime,
a aquisição dos instrumentos necessários, etc..
Por fim, o agente inicia a execução, praticando actos cujo significado imediato é já a realização
do crime em si mesmo.
Numa quarta fase, a da consumação, temos a lesão ou perigo de lesão do bem jurídico, exigidos
no tipo como necessários para a completude do crime.
76
Direito Penal FDUP
A perfeição do crime pode falhar, i.e., o agente pratica actos com vista à prática de um crime
mas, por motivos alheios à sua vontade, o crime acaba por não se consumar.
Por vezes, o agente desiste da prática do crime durante a fase de preparação. Noutros casos, a
consumação é impossível, fáctica e naturalisticamente- tentativa inidónea ou impossível.
Já a demarcação entre a fase dos actos preparatórios e a fase da execução suscitou algumas
dúvidas ao longo dos tempos.
No Dto. Romano e no Dto. Comum fazia sentido uma subjectivação do DP, já que se atendia à
vontade do agente e não ao seu êxito, ao resultado exterior.
O acto só releva em função de uma vontade censurável, deformada, contrária ao dever-ser
jurídico-penal.
A causa formalis do crime de acção reflectia a especificidade da acção humana: a própria
liberdade.
Tal como a Moral, o DP buscava na raiz da vontade o sentido da acção. Daí se retirava a
distinção entre dolo e negligência.
Assim, o Dto. Romano alargava a punição aos actos preparatórios e equiparava a punição da
tentativa à da consumação, uma vez que o inêxito do resultado era fundamentalmente fruto do acaso, a
maldade da vontade era a mesma.
Uma solução diversa beneficiaria o que, motivo por más intenções, tivesse falhado na sua
efectivação.
Ora, sob o estrito ponto de vista do desvalor da acção o crime tentado e o consumado são
equivalentes. Este raciocínio é válido sobretudo para os casos de tentativa acabada, em que o agente
pratica todos os actos de execução mas, por alguma razão, o resultado desvalioso não chegou a
produzir-se.
Neste sentido era congruente a posição do Dto. Romano , que atribuía igual desvalor jurídico-
penal a todo o comportamento exterior desde que concretizasse de forma inequívoca uma vontade
séria e definitiva de praticar um crime- a tal vontade criminal.
77
Direito Penal FDUP
No Dto. Comum esta máxima foi abandonada. A punição da tentativa não era igual à da
consumação, mas os actos preparatórios continuavam a incluir-se e, logo a ser punidos, no âmbito da
tentativa.
Para tal contribuíram as concepções extremas de prevenção especial positivistas e o carácter
moralista ainda subjacente ao DP de então.
Para tais concepções relevava não a gravidade objectiva do acto mas a prevenção para o futuro,
tomando-se a perigosidade do agente como critério de punição.
À luz destas concepções se defendia o mesmo desencadeamento de reacções criminais quando o
agente ainda não tinha praticado qualquer crime. Os actos preparatórios revelavam já uma
personalidade perigosa do agente.
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Direito Penal FDUP
ou pune o acto enquanto acto preparatório qua tale, mantendo essa sua qualidade (271º)- podendo
haver punição apenas a título de consumação.
Se o agente apenas tenta realizar um acto preparatório punido a esse título, estamos perante uma
mera tentativa de preparação que não é punida. Só a tentativa que se consubstancia num acto de
execução é sancionada pelo ordenamento jurídico.
• requisito objectivo: o dolo, i.e., o elemento subjectivo, pode estar presente quer nos
actos preparatórios quer nos actos de execução. A fronteira entre uns e outros é marcada
pelo requisito objectivo daquilo que configure um acto de execução.
Para existir tentativa tem que haver actos de execução.
Para a teoria formal objectiva, a própria lei, ao descrever os crimes define o que são
actos de execução.
No entanto, tal só é válido para crimes de execução vinculada, que obedecem a um certo
modus operandi.
Para superar esta dificuldade alguns autores, como Belling, remeteram para o senso
comum, para uma cláusula geral, o que tinha consequências ao nível da segurança e
previsibilidade.
Segundo a teoria subjectivista, a distinção entre actos preparatórios e de execução nem
sequer se punha. Podíamos ter tentativa onde tivéssemos uma vontade séria de cometer
um crime. O acto seria punido tendo em conta as intenções do agente.
A teoria material objectiva, convocou a teoria da adequação. Actos de execução
seriam os actos que, tendo em conta os conhecimentos gerais e os do concreto agente,
fizessem antever como previsível a consequência do crime.
No entanto, nesse sentido, também os actos preparatórios são idóneos para a produção
de resultado.
Aqui se introduz um dado novo, afirmando que o acto de execução era aquele que
antecedia naturalisticamente o crime, que permitia avançar para a acção principal (esta
relação de precedência é lógica e não necessariamente temporal- 22º/2/b) e c) CP).
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Direito Penal FDUP
Para haver tentativa é pois necessário que haja actos de execução a que não se siga a
consumação, por actos exteriores à vontade do agente.
Nos termos do art. 23º/3, interpretado a contario, a tentativa impossível será punida nos
mesmos termos da tentativa em geral, sempre que a ineptidão do meio ou a inexistência do objecto
não sejam manifestas para a comunidade em geral.
Neste sentido se consagra a teoria da aparência, de EC, semelhante à teoria da impressão, de
Roxin. Esta formulação demonstra que o cerne do DP se encontra no desvalor da acção, do crime
enquanto contrariedade a uma norma de determinação.
O que se pune na tentativa não é a circunstância e o agente ter posto em causa o bem jurídico,
até porque o perigo foi interrompido, mas sim o facto de ter atentado contra a vigência da norma de
determinação.
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Direito Penal FDUP
Assim se compreende que a tentativa inidónea também seja punida quando a inidoneidade do
meio ou inexistência do objecto não seja manifesta no contexto social em causa (uma vez que o
alarme social provocado é igual ao que desencadearia uma tentativa perfeitamente adequada à lesão
do bem jurídico).
Punição da tentativa:
Contrariamente àquilo que acontecia no Dto. Romano, a tentativa, quando punida, é-o sempre
em menor medida do que a consumação (23º/2, que remete para 73º e 74º).
Contudo, em alguns ordenamentos, como o alemão, a tentativa é punida, em geral, de forma
menos grave do que a consumação mas admite-se que o seja de forma equiparada.
A opção do nosso legislador por uma atenuação da pena explica-se com o menor alarme social
nos casos de mera tentativa.
Para além da atenuação especial, a punição da tentativa é excepcional, existindo aqui uma ideia
de fragmentaridade de segundo grau.
Desistência da tentativa:
Existem casos em que o agente realiza todos ou alguns dos actos de execução e desiste do
crime.
Sempre que o agente desista dos seus intentos, ficará impune, sendo esta uma causa pessoal de
exclusão da pena (não da ilicitude ou da culpa, já preenchidas).
No entanto, para que a desistência releve, é necessário:
• Requisito subjectivo: a desistência tem que ser voluntária e espontânea, deve constituir
uma decisão autónoma do agente não motivada por qualquer circunstancialismo
exterior- tem que haver um abandono espontâneo (ainda que temporário) do projecto
criminoso;
• Requisito objectivo: não se pode verificar a consumação.
Convém distinguir entre tentativa inacabada, em que basta uma forma de simples de
desistência traduzida na omissão dos actos de execução que ainda faltam; e tentativa
acabada, em que a desistência só por si não releva, sendo necessário que o agente realize os
actos necessários para impedir a consumação (24º/1/1ª parte).
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Direito Penal FDUP
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Direito Penal FDUP
A doutrina alemã actual entende que só se inicia a tentativa de omissão quando exista um perigo
agudo, eminente, a que o agente não responde, identificando esta situação com o desperdício da
última oportunidade de intervir.
Se considerarmos que a omissão releva porque há um dever de evitar a lesão do bem jurídico,
identificamos o início da omissão com a última oportunidade para evitar a lesão (neste caso, só releva
a tentativa acabada).
Mas se considerarmos que a omissão releva, desde logo, porque o agente tem o dever de evitar o
próprio perigo para o bem jurídico, a tentativa começa quando o agente observa um perigo que vá
aumentando de intensidade e não intervém.
A tentativa deve considerar-se iniciada quando se deixe passar o momento de intervenção em
que há um perigo eminente para um bem jurídico relativamente ao qual o agente tenha o dever de
intervir, e em que revele uma vontade séria de não o fazer.
Até então, o agente pode estar a pensar na melhor forma de intervir para proteger aquele bem.
Por outro lado, não é possível saber quando estamos perante a última possibilidade de intervenção.
Assim, a tentativa nos crimes por omissão inicia-se no momento em que o agente se
impossibilita de actuar.
Para o Prof. AC, inicialmente, a punição da tentativa de omissão devia existir só perante um
perigo iminente e grave, por motivos de prevenção geral positiva e porque só então estaríamos perante
um atentado à vigência da norma.
Por outro lado, a prova também era difícil.
Actualmente, considera que não podemos punir a tentativa de omissão apenas porque o agente
se deparou com um perigo, mas sim quando o agente se depare com um perigo grave e sério para o
bem jurídico, ainda que seja um perigo estável.
O perigo deve ser analisado mediante um juízo de prognose póstuma.
A tentativa acabada seria aquela em que o agente deixa escapar a última oportunidade de
intervenção, enquanto a tentativa inacabada seria aquela em que existe um perigo sério e o agente não
actua.
Concurso de crimes:
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Direito Penal FDUP
Estamos perante um concurso de crimes quando não haja uma unidade, mas uma pluralidade de
infracções.
Se A dá sete facadas em B, quantos crimes temos? Um crime de ofensas corporais ou sete
crimes do mesmo género?
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Direito Penal FDUP
A nossa lei (art. 30º), de acordo com um critério normativo, distingue unidade e pluralidade de
crimes segundo o número de valorações de ilicitude que se possam dirigir àquela concreta situação de
facto.
Assim, existirão tantas infracções quantas as vezes que forem verificadas violações típicas,
sendo indiferente o número de processos causais envolvidos.
Haverá tantos crimes quantos os tipos legais preenchidos e quantas vezes o mesmo tipo legal for
violado.
Mas como definir quantas vezes é violado o tipo legal?
Inicialmente foi avançado um critério espacio-temporal, em que se atendia à dilação espacio-
temporal ocorrida entre o preenchimento dos tipos ou entre as condutas que os preenchiam.
No entanto, este não pode ser um critério decisivo, uma vez que o modo de execução pode ser
muito dilatado no tempo e estarmos perante um só crime.
Segundo uma concepção de ilícito pessoal, o crime é uma unidade de sentido subjectivo-
objectiva, sendo com esta base que se devem delimitar as situações de unidade das de pluralidade de
infracções.
Assim, saber se as sete facadas são um ou mais crimes implica saber se o projecto do agente
compreendia dar as sete facadas, existindo apenas um crime de ofensas corporais, já que apenas foi
uma a decisão criminosa, apesar de exteriorizada em vários actos.
Numa situação em que o agente dá duas facadas e se afasta do local, mas decide voltar lá e dá
mais duas facadas, há uma renovação do projecto criminoso, devendo afirmar-se a existência de duas
infracções. Há uma unidade de sentido que aponta para um concurso de crimes.
85
Direito Penal FDUP
A diferença entre unidade e pluralidade de crimes deve fazer-se mediante o número de ilícitos
realizados pelo agente, quer sob a forma do número de vezes que o agente violou um dado tipo legal,
quer do número de tipos legais que o agente violou.
O número de ilícitos realizados igualará o número de projectos criminosos desenvolvidos pelo
agente.
Em suma, o concurso de crimes é punido mais severamente do que a unidade criminosa. Entre
nós, aplica-se uma pena unitária nos quadros do cúmulo jurídico, processado em dois momentos: o da
fixação da moldura abstracta e o da determinação da pena concretamente aplicável, que deverá
atender aos factos praticados e à personalidade do agente, não havendo acumulação material como
sucede noutros ordenamentos.
86
Direito Penal FDUP
O concurso real ou efectivo vem previsto no art. 30º/1 e prende-se com a questão de saber
quantos tipos legais forma preenchidos e quantas vezes foi preenchido o mesmo tipo legal de crime.
Para o Prof. EC, para saber se há concurso ou unidade criminosa no mesmo tipo legal de crime,
temos que recorrer à resolução criminosa do agente, situando-se esta questão ao nível da culpa.
Para o Prof. FD, a solução passa pelo tipo, recorrendo-se ao número de nexos finais, ao número
de violações da norma, ao número de projectos criminosos do agente.
A solução a que se chega é a mesma, apenas diferindo a inserção sistemática da questão.
A consunção é uma relação aferida em concreto. Esta é uma relação entre normas que, na sua
descrição formal, não coincidem, mas ambas abrangem o caso concreto em apreço.
A escolha entre a aplicação de uma ou outra norma dependerá da configuração material do caso
concreto e da teleologia de cada norma, para saber qual se adapta melhor ao desvalor do acto
concreto.
É necessário saber se o legislador pretendeu consumir num único tipo legal vários tipos menos
abrangentes.
Na consunção, o concurso é aparente porque apenas se aplica uma norma legal, que abrange
todo o conteúdo do ilícito;
(ex: o crime de roubo “consome” o tipo de furto e o de ofensa à integridade física).
A consunção pode ser pura ou impura.
Na consunção pura aplica-se a moldura penal do crime que “consome” (art. 265º).
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A consunção impura é um mecanismo excepcional, que actua como corrector da lei, na medida
em que intervém nas situações em que o funcionamento da regra da consunção pura resulta numa
menor protecção do bem jurídico.
De facto, pode acontecer que a moldura penal abstracta prevista para a consunção pura seja
inadequada, aplicando-se já não a moldura do crime que “consome”, mas do crime que é “consumido”
(262º).
Assim, a consunção impura consiste na aplicação ao caso concreto da moldura abstracta do tipo
legal de crime que foi consumido e não a do que consumiu, por aquela se mostrar mais justa e
adequada à protecção do bem jurídico, tendo em conta considerações de justiça material, concepções
político-criminais, o pr. de mínimo de intervenção do DP, o pr. in dubio pro reo, etc.
A consunção impura é, pois, um corrector, mas que funciona apenas ao nível da sanção e não do
ilícito.
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Comparticipação:
Uma outra forma especial de crime, no sentido de desvio à unidade do agente que pratica o
crime, é a comparticipação.
A comparticipação abarca as situações em que o crime resulta não apenas da actuação de uma
pessoa mas de uma associação de esforços entre vários sujeitos.
Como se irá punir as condutas dos vários participantes?
Deverá optar-se por uma graduação das responsabilidades ou deverão os sujeitos que
colaboraram na acção criminosa ser equiparados, em termos de punição?
A doutrina dominante, embora por meio de diferentes critérios, distingue várias espécies de
comparticipantes, de forma a estabelecer uma graduação da sua importância, que se reflecte na
punição aplicada.
Neste sentido, encontramos duas categorias fundamentais na comparticipação: a autoria e a
participação (não se adoptando, portanto, um conceito extensivo de autoria).
Autores são os intervenientes principais, que têm um papel determinante, praticam os actos
centrais e mais graves e cuja conduta assume o maior desvalor jurídico-criminal.
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Dentro da autoria podemos distinguir: autoria imediata, quando o agente realiza por si mesmo o
facto criminoso; mediata, quando o agente é um instrumento para a prática do crime; e co-autoria,
quando há concorrência de autores, por acordo ou por execução conjunta.
Para a teoria subjectivista, a distinção entre as várias figuras far-se-ia mediante as intenções e a
perigosidade dos agentes, tendo em conta considerações de prevenção especial.
Para a teoria objectivista, deveria haver uma graduação através do conteúdo do ilícito, do
desvalor objectivo do acto de cada um dos agentes.
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Os defensores de um sistema unitário de autoria consideravam que este permitia uma maior
justiça, uma maior adequação ao caso concreto, uma vez que passava por uma ponderação
compreensiva dos aspectos subjectivos e objectivos da intervenção de cada indivíduo, chegando-se
assim a uma melhor graduação das responsabilidades, superando as dificuldades de delimitação da
fronteira entre autor e participante.
No entanto, o conceito unitário de autoria não elimina estas dificuldades mas apenas as
transfere para as mãos do juiz, ao qual confere maior arbítrio.
Assim, o problema passa a ser resolvido sob a pressão do caso concreto e dos prazos de
urgência que o volume de trabalho comporta.
Como já vimos, se não se hierarquiza na lei as contribuições dos vários agentes, é necessário
estabelecer, ao nível dos tipos legais, molduras penais de grande amplitude, se não se quer
renunciar à justiça do caso concreto. Esta amplitude tem, como referimos já, grandes inconvenientes
ao nível da certeza e segurança jurídicas, já que confere uma grande discricionariedade ao julgador.
Ora, esta insegurança e incerteza jurídicas são incompatíveis com o DP, tendo em conta a
natureza essencial dos bens jurídicos envolvidos e a gravidade das sanções aplicáveis.
Este arbítrio, alcançado com o diferimento, do legislador para o julgador, da determinação da
punição de cada agente, num quadro de punição globalizante, onde não se separam os planos da
ilicitude e da culpa com vista à definição de cada contributo, pode conduzir a um perigo efectivo de
trânsito para um DP do agente, passando o agente a ser punido não pelo que fez mas por aquilo que é.
A doutrina e a jurisprudência optaram, então, por um sistema dualista, que separa as categorias
da autoria e da participação.
A orientação maioritária é, pois, a que estabelece uma hierarquização entre as várias
modalidades de comparticipação criminosa, através de uma estrutura bipolar:
• autores: aqueles que têm uma intervenção preponderante para o surgimento do crime e
cuja conduta reveste maior desvalor jurídico-penal;
• participantes: aqueles que praticam actos secundários e cuja conduta é menos desvaliosa
pelo que são menos severamente punidos.
São quatro as principais teorias que avançam critérios de distinção entre autoria e
comparticipação:
- a teoria do dolo centrava a distinção entre autoria e mera participação na natureza do dolo:
seria autor o que actuasse com animus auctoris, ou seja, aquele que assumisse o projecto criminoso
na sua pessoa, assumisse o crime como vontade autónoma e não subordinada ou subordinável à de
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outrem; e seria mero participante aquele que actuasse com animus socii, i.e., aquele que apenas quer o
crime na medida em que o autor também o queira, encontrando-se a sua vontade subordinada à do
autor.
Esta teoria tem algum paralelismo com a teoria unitária dado que o tipo é compreendido numa
perspectiva meramente causalista, naturalística.
Para a teoria das condições equivalentes não existe qualquer distinção qualitativa entre as várias
condições do crime, reduzindo-se o problema ao nexo causal. Se as condições são equivalentes no
plano objectivo, independentemente da proximidade em relação ao resultado e da sua intensidade, não
haverá também distinção entre autor e participante neste plano. Tal diferença apenas pode ser
encontrada num plano subjectivo, segundo este critério do animus.
(ex: depois do parto, uma mãe solteira pede à sua irmã que mate a criança. Esta, apesar de ter
morto a criança, era mera participante, cúmplice, porque apenas o tinha feito a pedido da irmã,
actuando com animus socii)
Esta teoria do dolo é, pois, manifestamente desadequada, punindo a personalidade, ainda que
esta não encontre correspondência no maior ou menor desvalor objectivo do acto.
O critério de distinção entre o animus auctoris e o animus socii e entre autoria e participação é
o da energia criminal.
Assim, era este o critério defendido nos quadros do sistema positivista ou clássico e do sistema
unitário de autoria.
A maior crítica a dirigir à teoria do dolo é a sua manifesta inadequação a um DP do facto, mas
pode ainda dizer-se que a prova do animus auctoris é muito difícil, chegando-se na maioria dos casos
a um resultado de vários cúmplices e nenhum autor.
Por outro lado, o julgador tinha, ainda, o livre arbítrio de manipular a matéria da prova para
aplicar as penas consoante as suas convicções pessoais.
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Esta tese também não se harmonizava com o DP positivo, já que há casos em que a lei consagra
expressamente que o crime pode ser cometido em interesse próprio ou de outrem, a lei não atribui, na
generalidade dos casos, grande relevância à titularidade do interesse que subjaz à prática do crime.
Ainda que pudesse ser aceite em termos de pr., esta teoria comporta enormes dificuldades
práticas, que se prendem com a prova da titularidade do interesse em causa.
Por outro lado, pode defender-se que, a partir do momento em que se assume um interesse
alheio que conduz à prática de um crime, esse interesse passa a ser próprio.
Entre os defensores da teoria do interesse encontrava-se Von Buri.
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A teoria material objectiva, por sua vez, esteve associada ao sistema normativista, neo-
clássico ou neokantiano, que consagrou a teoria da adequação ao nível da imputação objectiva.
Esta teoria superava as dificuldades da doutrina anterior, considerando como autor todo aquele
que, de acordo com a teoria da adequação, tivesse contribuído com um causa susceptível de influir na
configuração o concreto facto.
Desenvolve-se aqui um conceito extensivo de autor, ou um conceito extensivo do tipo, onde
caberão agora todas as condutas que, nos termos da teoria da adequação, possam conduzir ao
resultado danoso para o bem jurídico.
Os normativistas pretendiam, portanto, qualificar como autores em sentido lato todos os agentes
e só depois proceder à distinção da autoria em s. estrito e das outras formas de autoria, identificadas
com a mera comparticipação, na forma da instigação ou da cumplicidade.
Para operar tal distinção recorrer-se-ia ao critério do Dto. Comum, enunciado por Farinaceus, de
causam dans e causam non dans, que assenta numa graduação da eficácia causal.
A causam dans é a causa imprescindível ou essencial à verificação do crime, i.e., é o contributo
do agente que está numa relação de causalidade necessária com a verificação do resultado..
A causam non dans é aquela que não é essencial à verificação do resultado, mas apenas influi no
modo, no tempo e lugar do crime.
A relevância desta causa recai sobre aspectos laterais, acessórios ou incidentais.
O contributo do agente e a verificação do resultado estão numa relação de causalidade não
necessária.
Esta acaba por ser uma teoria da necessidade da conduta para a produção do resultado.
Outros autores expressam a mesma ideia, mas segundo uma teoria dos bens escassos, segundo
a qual seria autor aquele que detivesse uma condição, um bem escasso necessário para a realização do
crime.
A distinção entre autoria e participação passaria por averiguar a posse da condição
indispensável para a verificação do crime- no fundo, de uma conditio sine qua non.
As críticas a esta formulação da teoria material objectiva são as que se dirigem à concepção
objectivista do ilícito: o critério é de mera graduação da eficácia causal de cada comportamento para a
lesão do bem jurídico, sendo inadequado a expressar o sentido de valoração jurídico-penal.
O crime expressa-se num desvalor de acção, na violação de uma norma de determinação e não
de valoração.
Segundo esta teoria material objectiva, um farmacêutico que possua para venda um
medicamento abortivo, num país onde o aborto é proibido, e o venda a uma mulher grávida, será autor
do crime de aborto, porque detém a condição necessária.
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Em suma, importa realçar que o DP não contende com a maior ou menor eficácia causal das
condutas, mas sim com o seu sentido de antinormatividade, aferido por relação às normas de
determinação. É com base nesta ideia que se deve estabelecer a distinção das várias formas de
comparticipação.
O específico critério da teoria do domínio do facto funcionará, pois, apenas para o ilícito doloso,
o qual consiste na adopção, consciente e intencional, de uma determinada conduta que leva à lesão do
bem jurídico.
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Esta lesão só pode ser imputada à pessoa de cuja vontade tenha dependido, quando o “crime
surge como obra da livre decisão do agente”.
Para que haja autoria é necessária a previsibilidade do crime e o poder de controlo por parte do
agente, i.e., o poder sobre o início, a eventual interrupção e a cessação da actividade criminosa.
(ex: no caso do farmacêutico, o domínio do facto como requisito da autoria leva a que se possa
considerar como autor apenas aquele de cuja vontade depende a efectiva concretização do crime- o
que não se aplica ao farmacêutico- não bastando o nexo de causalidade, o qual existe mesmo nas
actividades do instigador e do cúmplice. O farmacêutico nunca poderia ser considerado autor porque a
prática do crime depende sempre da vontade de outrem- a mulher grávida).
É segundo este critério do domínio do facto que caracterizamos as várias formas de autoria e de
participação já atrás enunciadas.
A autoria imediata implica que o agente pratique, ele próprio actos de execução, sendo essa a
forma mais evidente de dominar o facto.
Na autoria imediata se incluem os casos em que entre o agente e o facto existe outra pessoa, mas
que não pratica uma verdadeira acção, entendida num sentido pessoal, encontrando-se sim numa
situação, p.e., de vis absoluta.
A autoria imediata também não exige uma proximidade física entre o agente a verificação do
resultado, podendo existir uma dilação espacio-temporal.
A autoria mediata significa que o crime é praticado através de outra pessoa, a qual age como
um instrumento nas mãos do autor mediato- Teoria do instrumento.
Estamos perante uma situação de autoria mediata quando o agente imediato é um inimputável
e funciona como autêntico instrumento nas mãos do “homem de trás”, apesar de poder ter dolo de
ilícito nunca será capaz de dolo de culpa.
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Nestas situações, o agente que actua através do inimputável não controla o acto mas controla a
sua execução, a qual pode suspender a qualquer momento. O facto é uma projecção da sua vontade.
Outros casos de autoria mediata são aqueles em que há uma coacção invencível sobre o autor
imediato, o qual se encontra numa situação de inexigibilidade, semelhante à do estado de necessidade
subjectivo desculpante (35º).
Para o DP, esta acção não será tida como crime do sujeito que efectivamente a executa, mas o
resultado será imputado ao agente que detém o controlo da situação.
No entanto, há que destacar as situações em que é o próprio autor mediato a criar a situação de
necessidade (ex: seguem 2 pessoas num barco e 1 delas sabe que só existe um colete de salvação e que
é mais forte do que a outra; provoca um naufrágio, criando um estado de necessidade subjectivo
desculpante para a pessoa que pratica a conduta); e as situações em que, não sendo o próprio autor
mediato a criar a situação de necessidade, vem a aproveitar-se dela (ex: no caso anterior, não era o
sujeito que provocava o naufrágio mas exortava da margem um dos náufragos a retirar o colete das
mãos de outro).
Outras situações de autoria mediata são as de actuação em erro ou negligência daquele que
pratica o facto que lesa efectivamente o bem jurídico (ex: um sujeito quer destruir a Torre dos
Clérigos, instalando para tal um dispositivo no quadro da luz de uma faculdade que, quando
accionado, despoleta uma bomba que destrói a Torre; a empregada da faculdade vai ligar a luz e a
Torre explode- foi a empregada que praticou o acto de execução, mas só para o “homem de trás”, o
autor mediato, é que o resultado era previsível, sendo ele que tinha o domínio do facto).
Quando uma pessoa actue de forma negligente ou em erro, e essa negligência ou erro forem
antecipáveis pelo “homem de trás” como causa de lesão de um bem jurídico, é a esse “homem de trás”
que cabe o domínio do facto, pelo que ele será autor mediato do crime.
É da vontade do “homem de trás” que depende, em última análise, a realização do crime, já que
é ele que domina a execução, mediatamente, porque domina também o executor.
E se o agente imediato actuar com negligência consciente, i.e., e se ele representar a
possibilidade de produção do resultado danoso? Terá ainda aqui o agente mediato o domínio do facto?
Em pr., parece que não. O domínio do facto, nas situações de autoria mediata, traduz-se numa
situação em que o executor não tem a impender sobre si a força inibitória de uma norma.
Ora, se o agente actuar de forma negligente, mas consciente ( e, por maioria de razão, se agir
dolosamente) subtrai ao “homem de trás” o domínio do facto.
A exclusão da força inibitória da norma dá-se aqui pelo inveterado optimismo do agente de que
o resultado não se produzirá e não já pelo seu carácter instrumental face ao autor mediato.
Roxin, introduziu, ainda, na autoria mediata, os casos de aparelhos organizados de poder, i.e,
instituições fechadas, fortemente disciplinadas e hierarquizadas, com um aparelho sancionatório e
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disciplinar muito forte, dotadas de muitos meios técnicos, materiais e humanos, e que assumem como
fim a prática do crime (ex: mafias, organizações militares).
Trata-se de organizações regidas por normas de conduta próprias e dotadas de uma forte
disciplina, pelo que uma ordem dada por um superior lhe atribua o domínio do facto, dada a certeza de
que tal ordem será cumprida.
As características destes aparelhos organizados de poder e a pressão exercida sobre o agente
fazem com que se exclua a força inibitória das normas.
Roxin, contudo, vê aqui alguma margem de liberdade e faz assentar o domínio do facto, não no
poder sobre o agente mas na fungibilidade ou aleatoriedade do executor.
- colaboração ao nível da elaboração do projecto criminoso, por meio de uma acordo, o qual
pode ser expresso ou tácito, anterior ou concomitante com a execução. Este momento corresponde, na
autoria individual, à nuda cogitatio ou aos actos preparatórios;
Este acordo irá delimitar o âmbito da co-autoria (ex: A e B acordam entrar numa mansão para
furtar um quadro valioso; se quando vão a sair com o quadro, B, sem que A se aperceba, furta uma
jóia- A e B são co-autores do furto do quadro e apenas B é autor do furto da jóia).
É o acordo que fixa o âmbito da imputação a título de co-autoria e que dá unidade ao
comportamento de todos os agentes, permitindo distinguir co-autoria de autoria paralela
(ex: A e B decidem, separadamente, assaltar a mesma casa, querendo A furtar um quadro e B
uma jóia- estamos perante dois projectos criminosos independentes, que só acidentalmente se
interceptam em tempo e lugar. Se um dos sujeitos auxiliar o outro, pode acrescentar-se à pena pelo seu
furto, a pena por cumplicidade no outro furto- situação de participação).
É necessário averiguar se existem duas unidades subjectivo-objectivas ou apenas uma, para
distinguir as situações de autoria paralela das de co-autoria, segundo uma concepção pessoal do
ilícito.
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Bastará, antes, que exista uma participação material relevante, necessária ou essencial no
contexto concreto do plano criminoso.
Em função do plano criminoso é que se definirá se a conduta do agente é essencial ou acessória,
e se deverá ser excluída ou integrada na situação de co-autoria.
É também em função do projecto criminoso que se distinguirá o co-autor do cúmplice
(ex: num assalto a um banco, o sujeito que fica no carro, à espera dos outros para fugir é co-
autor pois a sua actuação é essencial ao crime; enquanto aquele que fica a rondar a zona deverá ser um
mero cúmplice).
No que respeita à co-autoria, todos os agentes são punidos com a pena reservada ao autor.
Para distinguir as situações de cumplicidade das de co-autoria temos que recorrer, para além do
domínio do facto, ao critério da essencialidade do contributo do agente para o preenchimento do tipo.
O art. 26º CP define as situações de autoria e, na parte final refere-se à instigação, punida nos
mesmos termos daquela.
O art. 27º trata da cumplicidade, prevendo uma especial atenuação da pena, justificada com o
menor conteúdo do ilícito (cfr. arts. 73º e 74º).
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Não se atenta com esta acessoriedade ao pr. da culpa, uma vez que não se pune o cúmplice ou
instigador pelos actos do autor, mas esses actos de execução determinam a responsabilidade acessória
dos participantes e limitam a sua punição.
E quando numa situação de comparticipação apenas alguns agentes preencham tais qualidades
especiais?
A nossa lei, no art. 28º, trata desta questão da comunicabilidade das circunstâncias.
Nº1- basta que um dos comparticipantes possua a qualidade em causa para que todos os demais
sejam punidos nos quadros do crime específico respectivo, ficcionando-se sua a qualidade ou
intenção, salvo se outra for a previsão legal.
Nº2- estabelece uma cláusula de segurança, afirmando que quando da aplicação do nº1 resultar
aplicação de pena mais grave a algum dos comparticipantes, essa pena pode ser substituída pela pena
a aplicar se essa regra não interviesse.
No entanto, esta regra vale apenas para os crimes específicos impuros ou impróprios, já que os
crimes específicos puros ou próprios poderão não ter equivalente e outra pena a aplicar.
Devemos interpretar esta norma no sentido de admitir a aplicação analógica da atenuação
especial da pena, quando esteja em causa um crime específico puro.
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O crime específico ou de intenção é também um delito de mão própria, i.e., uma categoria
excepcional em que o legislador restringe a punição ao autor imediato, tratando-se da única excepção
à teoria do domínio do facto.
O art. 29º afirma que cada comparticipante só responde pela sua culpa, o que significa uma
afirmação da intransmissibilidade da culpa e a um afastamento da acessoriedade máxima. A
comunicabilidade das circunstâncias só se dá ao nível do ilícito.
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