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Protocolos de Microbiologia Clínica

Coprocultura
 Carlos Henrique Pessôa
de Menezes e Silva
Doutor em Microbiologia
Microbiologista do Centro
Tecnológico de Análises
(CETAN), Vila Velha-ES
Parte 1 - Salmonella e Shigella Consultor em Microbiologia do
Laboratório Landsteiner, Vitória-ES

: carloshenrique@cetan.com.br

A
convite da Revista Newslab, preparamos uma série denominada “Protocolos de Microbiologia Clínica”,
abordando os principais temas de interesse àqueles que militam na área, objetivando a educação conti-
nuada, o aprimoramento científico e a aplicabilidade imediata das diretrizes sugeridas para que os seto-
res de Microbiologia Clínica dos laboratórios brasileiros possam realizar seus exames com acurácia e qualidade.
Proporcionaremos, ainda, uma visão crítica, com sugestões construtivas, para a melhoria da qualidade neste setor,
tanto para aqueles que já possuem um setor ativo, mas que desejam incrementá-lo com informações precisas e
coesas, quanto para os laboratórios de pequeno porte, os quais terão a oportunidade de implementar rotinas de
fácil execução com toda informação científica necessária. Inicialmente, abordaremos o tema Coprocultura, dividi-
do em duas partes para melhor interpretação. Bimestralmente, a Revista Newslab trará novos protocolos, a saber:
Urocultura, Microbiologia dos Líquidos Corporais Estéreis, Microbiologia das Secreções, Microbiologia do Sistema
Genital Humano e Micologia Clínica.

Introdução criança/ano. Nos países industrializados Os agentes etiológicos envolvidos


As doenças diarréicas continuam as diarréias por rotavírus predominam, nas diarréias infecciosas incluem muitas
sendo uma freqüente causa de morte enquanto que nos países em desenvolvi- espécies de bactérias, vírus e protozoá-
ainda nos dias atuais, especialmente em mento as bactérias são comumente encon- rios, todos possuindo grande número de
países em desenvolvimento. A incidência tradas nos casos de diarréia (18). sorogrupos e biotipos e sendo também
anual e o perfil etiológico das diarréias em
diferentes populações podem variar de
Quadro 1. Agentes etiológicos mais relacionados com as diarréias infecciosas
acordo com os diversos fatores de risco,
Bactérias Vírus Protozoários
tais como a idade muito jovem, deficiên-
cias nutricionais, higiene inadequada de Vibrio cholerae e outros Rotavírus, Adenovírus en- Entamoeba histolytica,
alimentos e do próprio corpo, ausência vibriões, Shigella spp., Sal- térico, Calicivírus, Astro- Giardia lamblia, Cryptos-
de cuidados sanitários básicos, acesso a monella spp. (não tifóide), vírus poridium, Cyclospora
suprimentos de água contaminados e até E. coli (enterotoxigênica,
mesmo o verão, estação do ano que sem- enteropatogênica clássica,
pre registra o maior número de casos de enteroinvasora, enterohe-
internações devido às diarréias. Nos países morrágica, enteroagregati-
industrializados, a freqüência de casos de va), Campylobacter jejuni,
diarréia por criança é de somente 0,5 a 2 Yersinia enterocolitica,
episódios/criança/ano, enquanto que em Clostridium difficile, Bac-
países em desenvolvimento este número teroides fragilis (entero-
pode alcançar facilmente os 10 episódios/ toxigênico)

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Quadro 2. Características gerais de alguns microrganismos envolvidos em diarréias
Fonte de Contaminação ou No de Células que Levam à
Microrganismos Período de Incubação
Condição Predisponente Infecção
Aeromonas spp. Água Desconhecido Desconhecido
Bacillus cereus Carnes, vegetais Toxina 6-24 horas
Campylobacter jejuni Água, leite, carnes Desconhecido 3-11 dias
Clostridium difficile Terapia antimicrobiana Desconhecido 4-9 dias
Clostridium perfringens Carnes 10 – 10
9 10
8-16 horas
ETEC Alimentos, água 106 – 108 4-24 horas
EIEC Alimentos 10 – 10
6 8
8-24 horas
EHEC Carnes, leite Desconhecido 3-5 dias
Plesiomonas shigelloides Água, pescados Desconhecido 1-2 dias
Salmonella spp. Alimentos em geral 102 – 108 8-72 horas
Shigella dysenteriae Água 10-200 3-5 dias
Outras Shigella Água, alimentos 10-200 8-72 horas
Staphylococcus aureus Carnes, laticínios Toxina 1-6 horas
Vibrio cholerae Água, pescados 108 1-5 dias
Vibrio parahaemolyticus Pescados 10 - 10
6 8
15-24 horas
Yersinia enterocolitica Água, alimentos Desconhecido 16-48 horas

todos transmitidos pela via fecal-oral. Quadro 3. Subgrupos, sorotipos e subtipos de Shigella
Pelo fato da grande diversidade de Subgrupo Sorotipos e Subtipos
microrganismos que podem estar envol- Grupo A: Shigella dysenteriae 15 sorotipos (o tipo 1 produz a shiga toxina)
vidos, é virtualmente impossível para Grupo B: Shigella flexneri Oito sorotipos e nove subtipos
qualquer laboratório clínico realizar um Grupo C: Shigella boydii 19 sorotipos
completo exame de fezes diarréicas. Por-
Grupo D: Shigella sonnei Um sorotipo
tanto, os patógenos mais freqüentes são
investigados, dependendo da localização
geográfica e da estação do ano (13). fermentar tardiamente a lactose (2%) e como Shigella devem ser confirmados
a sacarose (1%) e a maioria das cepas por testes sorológicos (13).
Shigella desta espécie descarboxila a ornitina,
O homem é o reservatório natural e as característica não observada em outras Salmonella
infecções ocorrem via fecal-oral através espécies de Shigella. Salmonelas patogênicas ingeridas
da ingestão de 20 a 200 células viáveis Há quatro subgrupos principais e 43 com água ou alimentos contaminados
em alimentos e água contaminados. Na sorotipos reconhecidos de Shigella (Qua- sobrevivem à passagem pela barreira áci-
shigelose, corre uma invasão e destruição dro 3). A classificação do CDC combina da do estômago e invadem as células da
da camada epitelial da mucosa com in- S. dysenteriae (grupo A), S. flexneri (grupo mucosa dos intestinos delgado e grosso
tensa reação inflamatória, gerando leucó- B) e S. boydii (grupo C) como “Shigella e liberam toxinas. A invasão das células
citos, muco e sangue nas fezes. Deve-se sorogrupos A, B e C” por conta de suas si- epiteliais intestinais estimula a liberação
suspeitar de espécies de Shigella quando milaridades bioquímicas. A presença de de citocinas que induzem uma resposta
observamos colônias lactose-negativas, ornitina-descarboxilase e a atividade de inflamatória aguda. A reação inflamatória
bioquimicamente inertes em muitas beta-galactosidase fazem com que as ce- na mucosa intestinal induz diarréia e
provas bioquímicas de identificação. Elas pas de S. sonnei sejam bioquimicamente pode levar à ulceração e destruição da
tipicamente não produzem gás a partir distintas de outras espécies de Shigella. A mucosa intestinal. Da mucosa, a bactéria
de carboidratos, com exceção de alguns incapacidade de fermentar o manitol dis- pode disseminar-se para órgãos internos
biogrupos de S. flexneri que são aerogê- tingue a S. dysenteriae. Todos os isolados causando doença sistêmica. As salmonelas
nicos. Raras cepas de S. sonnei podem clínicos identificados bioquimicamente possuem antígenos somáticos (O) que são

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lipopolissacarídeos e antígenos flagelares Quadro 5. Leucócitos PMN em infecções intestinais
(H) que são proteínas. S. typhi também pos- Presentes Variáveis Ausentes
sui um antígeno capsular ou de virulência Shigella, Salmonella, Yersinia, Vibrio cholerae, E.coli toxigênica
(Vi). Bioquimicamente elas geralmente são Campylobacter, Vibrio parahaemolyticus, (ETEC), E.coli enteropatogênica
lactose e sacarose-negativas. E.coli invasora (EIEC) Clostridium difficile (EPEC), Staphylococcus aureus
Desde a época do primeiro isolamento [toxina], Bacillus cereus [toxina]
de Salmonella, reportado em 1884 por Ga-
ffky (Bacterium typhosum) e em 1886 por cobras, são o reservatório natural de S. en- entanto, deve-se ter em mente que nem
Salmon e Smith (Salmonella choleraesuis), terica subespécie arizonae, mas o homem, todos os processos diarréicos causados
o desenvolvimento da nomenclatura para aves e outros animais também podem ser por bactérias irão produzir leucócitos nos
este gênero tem sido variado e complexo. infectados por esta bactéria. As infecções espécimes fecais. Para a realização do exa-
O gênero Salmonella possui mais de 2.400 humanas podem ser originadas quando da me, coloca-se uma pequena quantidade
sorotipos descritos no esquema atual de manipulação de aves, répteis e produtos à do material fecal em uma lâmina de vidro
Kauffmann-White. Antes de 01 de julho base de ovos (13). limpa e desengordurada, misturando uma
de 1983, três espécies de Salmonella foram gota de água destilada estéril (ou salina) e
usadas para reportar os resultados positivos Microscopia uma gota de azul de metileno sob lamínu-
dos exames: S. choleraesuis, S. typhi e S. A análise microscópica direta do ma- la. Observar ao microscópio com aumento
enteritidis (com a maioria dos sorotipos terial fecal é muito útil, pois pode se ter de 400x (13).
pertencendo a este último sorotipo). uma noção do que será encontrado na co-
Atualmente, todas as antigas denomi- procultura. A presença de numerosos leu- Isolamento
nações das espécies e subgrupos de Sal- cócitos polimorfonucleares (PMN) sugere Grande parte dos métodos de identifica-
monella e Arizona são consideradas como um processo inflamatório invasivo (Figura ção no laboratório ainda é demorada e re-
pertencentes à mesma espécie, mas podem 1) envolvendo o cólon (como a exemplo de quer uma bateria de meios de cultura, apesar
ser separadas em sete grupos taxonômicos, infecções por Shigella ou Campylobacter). do constante progresso no desenvolvimento
representando seis subgrupos distintos. A Colites ulcerativas e a colite associada à de novos métodos rápidos de diagnóstico.
única exceção é S. bongori, anteriormente antibioticoterapia (relacionada ao C. diffi- Assim, o período decorrido entre a entrada
conhecida como subgênero V, sendo uma cile) estão quase sempre associadas a um do material no laboratório de Microbiologia
espécie totalmente distinta através de exsudato fecal contendo leucócitos. No e a identificação e antibiograma dos agentes
estudos de homologia de DNA. Portanto, isolados pode demorar vários dias para uma
há duas espécies e seis subespécies de S. completa análise (13).
enterica no atual sistema de classificação A qualidade dos insumos utilizados
do CDC (Quadro 4). por muitos fabricantes é questionável e
Na prática do dia-a-dia, os isolados muitas vezes ruim, levando a um alto grau
desconhecidos provenientes de espécimes de inconsistência de resultados lote a lote
clínicos que são sugestivos de perten- de um mesmo meio de cultura (24). Portan-
ceram ao gênero Salmonella, devem ser to, deve-se dar preferência para meios de
confirmados por sorologia. Subcultivo cultura de fabricantes idôneos, seja em pó
dos isolados confirmados devem ser en- Figura 1. Gram: Diarréia muco-sanguinolenta ou em placas/tubos prontos para uso. Des-
caminhados para laboratórios de saúde por Shigella (numerosas hemácias, leucócitos confie de meios muito baratos, oferecidos
pública, onde as designações de sorotipos PMN e acentuada presença de bacilos Gram- comumente no mercado. Geralmente são
(ex: Salmonella sorotipo Typhimurium) negativos; microbiota intestinal normal de baixa qualidade e colocarão em cheque
serão realizadas. Répteis, particularmente praticamente inexistente). a qualidade dos serviços microbiológicos
ofertados pelo seu laboratório.
Quadro 4. Classificação das espécies e subespécies de Salmonella A metodologia tradicional para a detec-
Salmonella enterica subespécie enterica (I): inclui a maioria dos sorotipos ção de patógenos entéricos invariavelmente
S. enterica subespécie salamae (II) emprega a combinação de meios de cultura,
S. enterica subespécie arizonae (IIIa) geralmente um meio seletivo em placa e
S. enterica subespécie diarizonae (IIIb) um caldo de pré-enriquecimento. A neces-
S. enterica subespécie houtenate (IV) sidade de mais de uma placa é defendida
S. enterica subespécie indica por alguns autores, motivados pelo conhe-
Salmonella bongori (antigamente denominada subespécie V) cimento de que se um meio é altamente

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inibitório para alguns membros da família No entanto, os meios de alta sele- novo composto colorido (cromóforo) ou
Enterobacteriaceae (isto é, os coliformes da tividade só servem para o isolamento fluorescente (12). Nos últimos anos sur-
microbiota normal intestinal), poderá haver seletivo de Salmonella e foram adaptados giram diversos meios cromogênicos úteis
uma concomitante perda de sensibilidade de forma incorreta da microbiologia de para o isolamento e identificação presunti-
na detecção de patógenos verdadeiros, tais alimentos para a microbiologia clínica va de Salmonella spp. (CHROMagar, SMID,
como a Shigella. Os meios de cultura para o humana. Infelizmente, também, muitos Rambach, ABC, etc.); no entanto, até o
isolamento de patógenos entéricos utilizados são os laboratórios clínicos brasileiros que momento, nenhum meio cromogênico
atualmente ou são muito inibitórios para Shi- utilizam de forma completamente equi- foi desenvolvido para o isolamento e a
gella ou não suficientemente inibitórios para vocada combinações de meios de cultura identificação presuntiva de Shigella. O ágar
a microbiota intestinal normal. Além disso, a que nada acrescentam para a realização Rambach (Figura 7) foi o primeiro meio
diferenciação das colônias não é tão boa o de uma coprocultura de boa qualidade. cromogênico disponível comercialmente,
suficiente para evitar o subcultivo de muitos Exemplo disso é a utilização de meios seguido pelo SMID.
não patógenos os quais não fermentam a lac- como ágar manitol hipertônico, ágar CLED, Muitos estudos demonstraram altos
tose, tornando-se um trabalho que demanda ágar sangue, dentre outros. índices de sensibilidade e especificidade,
tempo e maior custo, especialmente em O surgimento de meios cromogênicos mas as investigações foram baseadas es-
laboratórios que analisam muitos espécimes e fluorogênicos tem permitido avanços sencialmente no uso de culturas puras (es-
diariamente (10, 13). significativos na formulação dos meios toque) de Salmonella. Estudos posteriores
Os meios de cultura em placa mais de cultura diferenciais, os quais detectam indicaram que a presença da microbiota
utilizados para o isolamento de Salmonella caracteres fenotípicos bacterianos, mani- intestinal normal, não inibida previamente
e Shigella em laboratórios clínicos são: festos pela ação de enzimas características por caldos de pré-enriquecimento, atrapa-
• Eosina-Azul de Metileno (EMB), de certos grupos taxonômicos, orientando lhava sobremaneira a performance destes
MacConkey (baixa seletividade) a sua identificação presuntiva. Estes meios meios (3). O ágar Rambach permite a
• Xilose-Lisina-Desoxicolato (XLD), incluem em sua composição compostos identificação de salmonelas não-tifóides,
Salmonella-Shigella (SS), Hektoen Enteric, cromogênicos e/ou fluorogênicos, habitu- gerando colônias de cor vermelha no meio.
Citrato-Desoxicolato (média seletividade) almente incolores, os quais servem como Os coliformes aparecem como colônias
(Figuras 2, 3, 4, 5, 6) substrato de enzimas específicas. Quando azuis, verdes, violetas ou incolores. Uma
• Verde Brilhante, Bismuto-Sulfito (alta a enzima atua sobre o substrato, este sofre vez que as características bioquímicas usa-
seletividade) uma mudança estrutural, formando um das neste meio são altamente específicas

Figura 2. Ágar Hektoen: Aspecto colonial de Figura 3. Ágar SS: Aspecto colonial de Figura 4. Ágar XLD: Aspecto colonial de
Shigella sonnei. Shigella sonnei. Shigella sonnei.

Figura 5. Ágar Hektoen: Aspecto colonial de Figura 6. Ágar SS: Aspecto colonial de Figura 7. Ágar Rambach: Aspecto colonial
Salmonella spp. (ausência de fermentação dos Salmonella spp. (lactose-negativa e produção de Salmonella não-tifóide (fermentação do
carboidratos do meio e produção de H2S). de H2S). propilenoglicol).

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para salmonelas não-tifóides (fermentação Porém, estes meios possuem custo elevado que Klebsiella/Enterobacter inibia o cres-
do propilenoglicol e ausência de beta- e são específicos somente para Salmonella. cimento de Shigella em culturas mistas,
galactosidase), somente poucos resultados Outros meios em ágar, invariavelmente, indicando que uma possível competição
falsos-positivos são encontrados. devem ser usados em conjunto para o iso- por fontes de carboidratos fermentáveis
O maior problema deste meio é a in- lamento de outros enteropatógenos, one- seria a causa principal. Outros estudos
capacidade de isolamento de Salmonella rando muito o custo final da coprocultura. comprovaram parcialmente esta teoria,
enterica sorotipo Typhi, pois estas não Estes meios obtiveram excelente aceitação uma vez que também foram relatadas ini-
fermentam o propilenoglicol (17). No meio em laboratórios de controle de qualidade, bições do crescimento de Shigella quando
SMID, as colônias de Salmonella são tam- os quais pesquisam somente Salmonella em presença de Klebsiella/Enterobacter,
bém distintas das demais pela formação (em amostras de águas e alimentos). mesmo em meios aerados e com excesso
de coloração vermelha intensa (devido à Quando qualquer meio de cultura de glicose. No entanto, estes estudos tam-
formação de ácido a partir do glicuronato e desidrata, o potencial de oxi-redução (eH) bém provaram que a produção de ácidos
ausência de beta-galactosidase), enquanto é alterado, as concentrações dos agentes acético e fórmico por estas bactérias (e
outras bactérias acompanhantes aparecem inibidores são aumentadas e o efeito também por E. coli) fazia com que as
como colônias azuis, violetas ou incolo- mais visível disso é o pouco ou nenhum Shigella entrasse em fase logarítmica de
res. Este meio possibilita o isolamento e a crescimento de colônias. Nos laboratórios morte, comprovando que a produção de
identificação presuntiva de todos os soro- clínicos, onde é freqüente a prática de se ácidos voláteis com a concomitante redu-
grupos de Salmonella. Já o ágar ABC (ágar confeccionar meios de cultura para uma ção acentuada do meio eram os principais
alfa-beta-cromogênico) explora o fato das ou mais semanas de trabalho, este efeito mecanismos de inibição do crescimento de
salmonelas poderem ser diferenciadas dos pode ser minimizado embalando as placas Shigella em culturas mistas.
membros da família Enterobacteriaceae em sacolas plásticas ou, preferencialmen- Os caldos de enriquecimento seletivo
pela presença da enzima alfa-galactosi- te, envoltas por plástico-filme de PVC (o são utilizados para diminuir a quantidade
dase, na ausência da atividade da enzima mesmo utilizado em cozinha). Mesmo de bactérias da microbiota intestinal nor-
beta-galactosidase (10). um tempo razoavelmente curto de duas mal no espécime fecal, inibindo de alguma
Um total de 1.022 cepas de Salmonella semanas sob refrigeração é suficiente para forma seu metabolismo e propiciando o
spp. e 300 outros bacilos Gram-negativos promover efeitos deletérios nos meios em desenvolvimento franco dos verdadeiros
foram inoculados neste meio. Destas, placa sem proteção, proporcionando resul- enteropatógenos. Estes caldos devem ser
99,7% das cepas de Salmonella produzi- tados aberrantes nas análises (13). sempre utilizados como uma etapa prévia,
ram colônias com uma coloração verde Isenberg et al. (6) estudaram vários uma vez que a semeadura direta das fezes
característica, ao passo que somente uma meios de cultura seletivos (ágares SS, XLD, em meios sólidos geralmente leva a um
cepa de Escherichia coli atípica (0,33%) Hektoen) na tentativa de avaliar o grau de supercrescimento da microbiota normal,
também produziu colônias verdes (100% supressão da microbiota intestinal normal em detrimento às poucas colônias que
de sensibilidade e 90,5% de especifi- em espécimes fecais, permitindo o cresci- podem ser formadas pelos verdadeiros
cidade) (10). Atualmente, outros meios mento dos reais patógenos significativos. patógenos (13).
cromogênicos para Salmonella já estão Salmonella e Shigella, isolados de espéci- Deve ser observado que cada caldo
disponíveis comercialmente e quase todos mes clínicos humanos, foram misturados possui suas próprias características e seu
eles (com exceção dos meios Rambach e com Escherichia, Klebsiella, Enterobacter, uso deve ser criterioso, seguindo todas as
ABC) detectam a atividade de esterase (Fi- Serratia e Proteus. Foram feitas diferentes informações dadas pelos fabricantes para
gura 8), positiva para todas as salmonelas. diluições destas misturas e então seme- uma melhor performance. No entanto, em
adas nas placas de ágar. Os resultados muitos laboratórios clínicos estes caldos
demonstraram um maior grau de inibição são usados de forma equivocada, muitas
de Shigella utilizando o ágar SS, ao passo vezes sem o real conhecimento científico
que os ágares XLD e Hektoen permitiram de sua utilidade. Muitos são os caldos para
o isolamento normal desta bactéria (bem o pré-enriquecimento seletivo utilizados em
como de Salmonella), suprimindo conside- microbiologia: tetrationato segundo Muller-
ravelmente a microbiota intestinal normal Kauffmann, Rappaport-Vassiliadis, selenito
acompanhante. segundo Leifson, selenito-cistina e GN
Vários estudos (5, 25, 26) comprova- segundo Hajna. No entanto, com exceção
Figura 8. Ágar cromogênico: Aspecto colonial ram a inibição de Shigella por microrga- dos dois últimos, estes meios foram adap-
de Salmonella spp. (utilização do substrato nismos pertencentes à microbiota intestinal tados, incorretamente, da microbiologia
cromogênico através da enzima esterase) normal. Os primeiros estudos mostraram de alimentos para a microbiologia clínica

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pré-enriquecimento seletivo tanto para o semeados em ágar EMB, SS e XLD. Com
isolamento de Salmonella quanto de Shi- o uso dos caldos de pré-enriquecimento,
gella, a partir de espécimes fecais humanos obteve-se o dobro de isolamentos de Sal-
(Figura-9). O meio deve ser inoculado monella e Shigella em comparação com a
com pequena porção de fezes, incubado semeadura direta em placas das amostras
por até 8 horas em estufa bacteriológica e fecais. Todos os três caldos obtiveram
repicado para meios em placa (o tempo resultados ótimos no pré-enriquecimento
ideal para a incubação é de 6 a 8 horas). seletivo de Salmonella; no entanto, o caldo
O citrato e o desoxicolato de sódio pre- GN possibilitou o isolamento de quase três
Figura 9. Caldo GN Hajna: 1) meio inoculado
sentes em sua formulação impedem o rá- vezes mais Shigella do que o caldo selenito
com espécime fecal; 2) meio não inoculado
pido crescimento da microbiota intestinal (Tabela 1). A comparação entre os meios em
normal, possibilitando a multiplicação placa mostrou que o ágar XLD foi muito
humana, pois são utilizados somente para dos verdadeiros enteropatógenos. No mais eficiente que os ágares SS e EMB para
o isolamento de Salmonella. Eles possuem entanto, após 8 horas de incubação, esta o isolamento de ambos os gêneros bacteria-
diversas substâncias tóxicas para as outras capacidade inibitória começa a se perder nos (Tabela 2), indicando que a combinação
bactérias (especialmente E. coli e Shigella) e as bactérias intestinais acompanhantes GN/XLD foi a mais eficiente.
e, portanto, não devem ser utilizados em começam a se multiplicar normalmente. Quatro meios de cultura em placa
espécimes fecais (9, 11, 14, 15). Portanto, nunca devemos utilizar o cal- (MacConkey, citrato-desoxicolato, XLD e
Mesmo muito utilizado em micro- do GN após 8 horas de incubação pois, verde brilhante) foram inoculados direta-
biologia clínica, o caldo selenito-cistina dessa forma, é praticamente como se mente com amostras fecais e também após
também é bastante inibidor para o de- estivéssemos semeando o espécime fecal o pré-enriquecimento seletivo usando os
senvolvimento de Shigella, especialmente diretamente nas placas (10, 13). caldos selenito, GN e tetrationato, em
pelo contato prolongado das células com Taylor e Schelhart (21) compararam cal- um estudo conduzido por Taylor e Sche-
o selenito de sódio (este caldo deve ser dos de pré-enriquecimento e três meios em lhart (22) com 1.117 espécimes fecais na
incubado por 24 horas antes do repique placa durante a análise de 1.405 espécimes tentativa de isolamento de Salmonella e
em meios sólidos). Já o caldo GN (Gram- fecais com o intuito de escolherem a melhor Shigella. O ágar XLD foi claramente supe-
Negative), idealizado por Hajna em 1955 combinação caldo/placa para o isolamento rior na detecção destas bactérias (Tabela
(4), continua sendo o melhor meio para o de Shigella. Os caldos GN e selenito foram 3) e o uso do caldo GN mostrou-se de

Tabela 1. Performance dos caldos de pré-enriquecimento no isolamento de Salmonella e Shigella


Bactéria Semeadura direta Caldo GN* Caldo Selenito*
Salmonella 160 332 260
Shigella 57 118 38
Total 217 450 298
* pré-enriquecimento com posterior semeadura em placa

Tabela 2. Performance dos meios em placa no isolamento de Salmonella e Shigella


Bactéria EMB XLD SS
Salmonella 235 (47%) 497 (99%) 343 (68%)
Shigella 103 (73%) 137 (96%) 75 (53%)
Total 338 (52%) 634 (98%) 418 (65%)

Tabela 3. Total de amostras positivas para Salmonella e Shigella usando caldos de pré-enriquecimento seletivo
Bactéria Semeadura direta Caldo GN* Caldo Selenito* Caldo Tetrationato*
Salmonella 157 250 257 164
Shigella 53 77 66 27
Total 210 327 323 191
* pré-enriquecimento com posterior semeadura em placa

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Tabela 4. Total de amostras positivas para Salmonella e Shigella utilizando os meios em placa
Bactéria MC XLD CD VB
Salmonella 178 (55%) 305 (94%) 115 (35%) 230 (71%)
Shigella 66 (75%) 78 (89%) 24 (27%) 55 (63%)
Total 244 (59%) 383 (93%) 139 (34%) 285 (69%)
MC: MacConkey; XLD: Xilose-lisina-desoxicolato; CD: Citrato-desoxicolato; VB: Verde brilhante.

Tabela 5. Distribuição dos resultados falsos-positivos (H2S+ não Salmonella) nos meios em placa
Bactéria XLD SS Hektoen
Citrobacter freundii 27 (6,7%) 82 (9,5%) 361 (36,5%)
Proteus vulgaris/mirabilis 122 (30,1%) 359 (41,6%) 244 (24,7%)
Total 149 (36,8%) 441 (51,1%) 605 (61,2%)

fundamental importância para a detecção mente. Neste mesmo estudo, os autores


de ambos os patógenos, especialmente observaram que o número de resultados
Shigella (Tabela 4). falsos-positivos na observação preliminar
Vassiliadis et al. (24) reportaram que das placas (colônias H2S+ que não foram
105 Shigella foram isoladas em ágar citrato- identificadas como Salmonella) foi maior
desoxicolato quando semeadas diretamen- nos meios SS e Hektoen (Tabela 5).
te mas somente 16 foram recuperadas após A vantagem do ágar XLD sobre os ou-
o uso do pré-enriquecimento com caldo tros meios seletivos avaliados neste estudo
selenito, das quais 13 de 25 foram S. sonnei (SS e Hektoen) provavelmente seja um
Figura 10. Ágar XLD: Aspectos coloniais de
e somente três de 78 foram S. flexneri. sistema de diferenciação de colônias com
Citrobacter freundii (Cf), Proteus mirabilis
Dois caldos de enriquecimento e quatro maior poder de discriminação (a xilose,
(Pm) e Escherichia coli (Ec)
meios em placa foram avaliados por Taylor e presente no XLD, é fermentada por muito
Schelhart (23), comparando a eficiência de mais membros da família Enterobacteriace-
detecção de Salmonella e Shigella a partir ae do que a salicina, presente no Hektoen). Enteric com os ágares SS e EMB, somente Sal-
de 1.597 espécimes fecais. Todas as 17 Portanto, todas as colônias salicina(-) de não monella e Shigella foram pesquisados a partir
Shigella foram isoladas no ágar XLD após fermentadores ou fermentadores tardios de da semeadura de 2.855 espécimes fecais.
o enriquecimento prévio em caldo GN. lactose/sacarose são uma fonte de possíveis Os autores relataram que o meio Hektoen
A semeadura direta das fezes nos quatro resultados falsos-positivos no ágar Hektoen. possibilitou mais isolamentos de Shigella que
meios em placa permitiu o isolamento de No entanto, a maioria destes microrga- os demais. Do total de 98 Shigella isoladas
somente 92 das 170 Salmonella (54%); da nismos fermenta rapidamente a xilose, de todos os três meios, 97 foram isoladas em
mesma forma, somente 10 das 17 Shigella possibilitando uma maior discriminação no Hektoen e somente 40 no ágar SS.
(59%) foram recuperadas. Os caldos de ágar XLD. Já o ágar SS, não possuindo nem Citrobacter freundii, bacilo Gram-
pré-enriquecimento se mostraram efetivos xilose nem salicina como características di- negativo pertencente à família Enterobac-
para a recuperação de todos os patógenos ferenciais (somente lactose), é dependente teriaceae, membro da microbiota intestinal
pesquisados, sendo que o caldo GN propor- quase que exclusivamente do maior efeito normal da grande maioria das pessoas
cionou o isolamento de 87% das Salmonella inibitório de sua formulação. sadias, lactose(-) e produtor de H2S, não
e 100% das Shigella e o caldo selenito 97 e King e Metzger (7, 8) desenvolveram o tem o seu crescimento inibido nos ágares
76%, respectivamente. meio de cultura Hektoen Enteric em 1968 EMB, MacConkey, Hektoen e XLD, mas o
Foi observado que o ágar XLD produ- como um modo de melhorar a performan- ágar SS mostra-se bastante inibidor para
ziu mais resultados positivos para ambos ce de isolamento de patógenos intestinais, esta espécie. Conseqüentemente, C. freun-
os patógenos em comparação com os obtendo bom crescimento de Shigella e dii está entre as causas menos freqüentes
outros três meios. O ágar XLD recuperou Salmonella através da utilização de proteose- de resultados falsos-positivos no ágar SS.
3%, 12% e 99% mais Salmonella que os peptona e a adição da salicina como um No ágar XLD esta espécie geralmente não
ágares Hektoen, SS e EMB, respectiva- terceiro carboidrato fermentável, além de causa resultados falsos-positivos pois,
mente. Para Shigella, o ágar XLD produziu melhorar o sistema indicador da produção devido ao sistema diferencial daquele
13%, 33% e 44% mais isolamentos que de H2S. Durante o estudo, comparando a meio, as colônias de C. freundii tornam-se
os ágares Hektoen, SS e EMB, respectiva- performance do recém-criado meio Hektoen amarelas (Figura-10), semelhantes àquelas

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dos coliformes da microbiota intestinal e Shigella revelou que a semeadura direta mulações que evitam a combinação de
normal, mesmo as cepas fermentadoras das amostras fecais deve ser desencoraja- ingredientes sabidamente responsáveis
tardias de lactose são xilose(+) e lisina(-). da, uma vez que o supercrescimento da pela baixa eficiência na recuperação de
O ágar Hektoen, entretanto, não possui microbiota intestinal normal atrapalha o várias cepas de Shigella, como ocorre no
nenhum sistema inibidor nem diferencial desenvolvimento daquelas colônias dos ágar SS (sais biliares + citrato).
para distinguir C. freundii de Salmonella, verdadeiros patógenos, principalmente Dunn e Martin (2) avaliaram cinco
uma vez que ambos podem ser lactose/ através da competição por nutrientes. meios de transporte, oito meios em placa
sacarose/salicina(-) e H2S(+). Portanto, C. Tem sido provado por diferentes e três caldos de enriquecimento seletivo
freundii também é a causa mais freqüente autores (2, 10, 13, 14, 16,) que a combi- para o isolamento de Salmonella e Shigella
de resultados falsos-positivos quando se nação de pré-enriquecimento com caldo em oito laboratórios de diferentes regiões
usa este meio de cultura em amostras fecais selenito e semeadura posterior em ágar SS dos Estados Unidos, os quais submeteram
(13) (Figura 11). é excessivamente inibidora para Shigella. para análise 490 espécimes fecais de suas
Os efeitos de temperaturas de incu- Taylor e Schelhart (23) mostraram que 19 rotinas nos meios de transporte fornecidos
bação diferentes (20, 35 e 40 oC), longos das 39 cepas de Shigella não cresceram em pelos autores. Os resultados sugerem a
períodos de transporte, caldos de pré- nenhuma das 78 replicatas por espécime utilização de mais de um meio de cultura
enriquecimento e meios em placa foram em placas de ágar SS e 20 não foram iso- para o isolamento primário aliado ao uso
determinados por análises exaustivas, ladas dos 48 subcultivos de caldo selenito de um caldo de pré-enriquecimento sele-
pesquisando Salmonella e Shigella, em 132 com Shigella. Cinco de seis S. flexneri não tivo e a obrigatoriedade de utilização de
amostras fecais (20). Estes espécimes foram cresceram em ágar SS, quatro de seis não swabs com meios de transporte nos casos
semeados diretamente em ágares SS, XLD e cresceram em selenito, nenhuma das cinco onde as amostras “in natura” não puderem
EMB, meios de transporte Cary-Blair (CB) e cepas de S. dysenteriae foi detectada na ser inoculadas imediatamente. Os autores
salina e caldos de pré-enriquecimento GN combinação selenito/SS e somente uma concluíram, também, que o uso de ágar
e selenito. Os melhores resultados dos cal- cresceu em ágar SS. Desta forma, somen- XLD em conjunto com o caldo GN como
dos na recuperação de Salmonella foram te 10 das 39 cepas de Shigella puderam pré-enriquecimento seletivo foi a melhor
GN > selenito > salina > CB > semeadura ser isoladas da combinação selenito/SS, combinação para o isolamento de Salmo-
direta. Para Shigella, GN > salina > seme- mesmo com 16 replicatas de cada amostra nella e Shigella.
adura direta > CB > selenito, provando fecal. Os autores concluíram que é alta- Embora um número bastante grande
que o caldo selenito não é adequado para mente insatisfatória a combinação destes de meios de transporte tenha sido descrito,
o isolamento de Shigella. A eficiência dos meios, embora eles sejam utilizados por eles possuem as mesmas funções básicas:
meios em placa, tanto para Salmonella muitos laboratórios clínicos para a reali- manter o status quo da população bacteria-
quanto para Shigella, foi: XLD > EMB > SS. zação de coproculturas. na no espécime clínico, bem como prevenir
Além disso, 10 das 39 Shigella não foram Em um estudo conduzido por Pollock o supercrescimento de uma população
isoladas a partir da combinação selenito/ e Dahlgren (16), em um período de 12 bacteriana em particular (como as entero-
SS. As temperaturas de incubação não meses, vários meios em placa (MacConkey, bactérias da microbiota normal intestinal).
afetaram as taxas de recuperação de Sal- XLD, SS, Hektoen) e caldos de pré-enri- Swabs retais podem ser utilizados, desde
monella; no entanto, somente metade das quecimento (selenito, tetrationato) para o que adequada e racionalmente. Deve-se dar
Shigella foi isolada a 40oC e os isolamentos isolamento de Salmonella e Shigella foram preferência para a inoculação das amostras
a 20 e 35oC foram equivalentes. A análise comparados, utilizando 455 amostras fe- “in natura” mas, nos casos onde a inocu-
das placas com crescimento de Salmonella cais. Destas foram isolados 53 patógenos, lação destas amostras no laboratório não
dos quais 56% foram S. sonnei e 13% seja possível (como nos casos de envio de
foram S. flexneri. Destes isolados, 90% espécimes para laboratórios de referência
foram recuperados em ágar XLD, 87% em localizados em outras cidades), os swabs
ágar Hektoen e 80% em ágar MacConkey, podem e ser utilizados. No entanto, jamais
mas somente 28% em ágar SS. Menos da utilizar swabs “secos”, ou seja, sem meios
metade das Shigella foi isolada a partir do de transporte. Atualmente os swabs comer-
pré-enriquecimento em caldo selenito e ciais possuem preços bastante acessíveis a
somente duas foram isoladas à partir do qualquer laboratório e devem ter preferên-
caldo tetrationato. O ágar XLD mostrou- cia. Colocando os custos diretos e indiretos
Figura 11. Ágar Hektoen: Aspecto colonial de se o melhor meio para o isolamento tanto na ponta do lápis, os swabs confeccionados
Citrobacter freundii (ausência de fermentação de Salmonella quanto de Shigella, seguido no próprio laboratório elevam substancial-
dos carboidratos do meio e produção de H2S). pelo ágar Hektoen. Ambos possuem for- mente o valor final do teste (13).

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Protocolos de Microbiologia Clínica
Alguns estudos relataram a importância mas o grau de superioridade é dependente e repique deste para placas de ágares
da utilização de meios conservantes para da temperatura de transporte. MacConkey e XLD, para uma ótima recu-
espécimes fecais com a finalidade de rea- Baseado nas informações anteriores peração de Salmonella, Shigella e outros
lização de coproculturas. Stuart (19) foi o e ainda na nossa experiência prática, enteropatógenos bacterianos. No entanto,
primeiro a publicar um meio quimicamente sugerimos a utilização do caldo GN (com a análise destes últimos será tema da Parte
definido para a preservação de células bac- incubação a 35-37oC por 6 a 8 horas) 2 deste protocolo de coprocultura. 
terianas até o momento da inoculação em
meios apropriados no laboratório, inclusive Referências Bibliográficas
para amostras destinadas ao cultivo de Sal- 1. Cary SG, Blair EB. New transport medium for shipment of clinical specimens. J. Bacteriol.
monella e Shigella. Seu estudo concluiu que 88:96-98, 1964.
as evidências sugeriam que os swabs retais 2. Dunn C; Martin WJ. Comparison of media for isolation of salmonellae and shigellae from
fecal specimens. Appl. Microbiol. 22:17-22, 1971.
preservados no meio de transporte proposto 3. Freydiere AM, Gille Y. Detection of salmonellae by using Rambach agar and by a C8 esterase
não possuíam performance inferior aos es- spot test. J. Clin. Microbiol. 29:2357-2359, 1991.
pécimes fecais “in natura” para o isolamen- 4. Hajna AA. A new enrichment broth medium for gram negative organisms of the intestinal
to de Salmonella e Shigella após um ou dois group. Publ. Hlth. Lab. 13:83-89, 1955.
5. Hentges DJ. Inhibition of Shigella flexneri by the normal intestinal flora. J. Bacteriol. 93:1369-
dias de transporte. Posteriormente, Cary e 1373, 1967.
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um novo meio de transporte para amostras bacteria. Appl. Microbiol. 18:656-659, 1969.
fecais, indicando que Salmonella e Shigella 7. King S, Metzger WI. A new plating medium for the isolation of enteric pathogens. I: Hektoen
enteric agar. Appl. Microbiol. 16:577-578, 1968.
poderiam ser isoladas por até 49 dias, Vibrio 8. King S, Metzger WI. A new plating medium for the isolation of enteric pathogens. II: Comparison
cholerae por até 22 dias e Yersinia pestis por, of Hektoen enteric agar with SS and EMB agar. Appl. Microbiol. 16:579-581, 1968.
pelo menos, 75 dias quando armazenadas 9. Knox R et al. The selective action of tetrathionate in bacteriological media. J. Hyg. 43:147-158,
1943.
neste novo meio.
10. Koneman EW et al. Color atlas and textbook of diagnostic microbiology. Baltimore: Lippincott
No entanto, estudos mais recentes, Williams & Wilkins. 6a ed., 2006.
comparando a eficiência na manutenção 11. Leifson E. The effect of sodium selenite on the growth of bacteria and its use as the basis
de células viáveis de Shigella em meios for a new enrichment medium for the isolation of typhoid bacilli from feces, water, mil, etc. J.
Bacteriol. 31:26-27, 1936.
de transporte comumente utilizados em
12. Manafi M, Sommer R. Comparison of three rapid screening methods for Salmonella spp.:
laboratórios clínicos (Cary-Blair e salina MUCAP test, MicroScreen latex and Rambach agar. Lett. Appl. Microbiol. 14:163-166, 1992.
glicerinada tamponada), questionaram a 13. Menezes e Silva CHP, Neufeld PM. Bacteriologia e Micologia para o laboratório clínico.
real utilidade dos swabs com meios de Rio de Janeiro: Ed. Revinter, 1a ed., 2006.
14. Muller VR, Banwart GJ. Milleu d’enrichment pour la recherche du Bacilie typhique et des
transporte no isolamento de patógenos
Paratyphiques. Compt. Rend. Soc. Biol. 89:434, 1923.
entéricos mais delicados e que morrem 15. Palumbo AS, Alford JA. Inhibitory action of tetrathionate enrichment broth. Appl. Microbiol.
rapidamente quando há demora no seu 20:970-976, 1970.
isolamento. Em um estudo (1), 376 es- 16. Pollock HM, Dahlgren BJ. Clinical evaluation of enteric media in the primary isolation of
Salmonella and Shigella. Appl. Microbiol. 27:197-201, 1974.
pécimes fecais de pacientes envolvidos 17. Rambach A. New plate medium for facillitated differentiation of Salmonella spp. from Proteus
em surtos de diarréia por Shigella foram spp. and other enteric bacteria. Appl. Environ. Microbiol. 56:301-303, 1990.
analisados utilizando swabs com meio de 18. Souza EC et al. Etiologic profile of acute diarrhea in children in São Paulo. J. Pedriatr.
transporte Cary-Blair e salina glicerinada 78:31-38, 2002.
19. Stuart RD. Transport medium for specimens in Public Health bacteriology. Pub. Hlth Rep.
tamponada. A duração do transporte das 74:431-438, 1959.
amostras até o laboratório variou de um a 20. Taylor WI, Schelhart D. Effect of temperature on transport and plating media for enteric
seis dias. Os maiores índices de isolamento pathogens. J. Clin. Microbiol. 2:281-286, 1975.
foram obtidos em espécimes refrigerados 21. Taylor WI, Schelhart D. Isolation of Shigellae - V. Comparison of enrichment broths with
stools. Appl. Microbiol. 16:1383-1386, 1968.
ou congelados, em ambos meios de trans- 22. Taylor WI, Schelhart D. Isolation of Shigellae - VI. Performance of media with stool specimens.
porte, em comparação com os meios em Appl. Microbiol. 16:1387-1393, 1968.
temperatura ambiente. Esta diferença foi 23. Taylor WI, Schelhart D. Isolation of Shigellae - VII. Comparison of xylose lysine deoxycholate
agar, Hektoen enteric agar, Salmonella-Shigella agar, and Eosin methylene blue agar with stool
mais evidente na análise dos espécimes
specimens. Appl. Microbiol. 21:32-37, 1971.
deixados à temperatura ambiente por mais 24. Vassiliadis P, Pateraki E, Politi G. Compertement des Shigella dans le milieu d’enrichissement
de três dias. Os autores concluíram que a au selenite. Bull. Soc. Pathol. Exotique 59:31-42, 1966.
salina glicerinada tamponada é melhor 25. Wynne ES. Antagosnism by Aerobacter strains. J. Bacteriol. 44:209-219, 1947.
26. Wynne ES; Norman, JO. On the concept of “direct antagonism” in bacteria. J. Infect. Dis.
para o transporte e posterior isolamento 93:243-246, 1953.
de Shigella do que o swab com Cary-Blair,

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