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Manipulação de Pellets: aspectos críticos e controle de

qualidade
Dicas Farmacotécnicas
Anderson de Oliveira Ferreira, MSc.

Pellets: vantagens, definição e obtenção


Dentre as diversas formas farmacêuticas sólidas, destinadas à administração
oral, estão incluídos os pellets. As formas farmacêuticas peletizadas datam dos anos
50, quando o primeiro produto foi introduzido no mercado (Trivedi et al., 2007). O
interesse por fármacos veiculados na forma de pellets tem crescido devido às
vantagens tecnológicas e terapêuticas proporcionadas por esta forma. Destacam-se
a possibilidade de obtenção de sistemas de liberação imediata ou modificada
(liberação entérica, liberação prolongada) através do revestimento por película na
sua superfície ou a presença de sistemas matriciais em sua composição; ótimas
propriedades de escoamento (fluxo livre) devido, principalmente, a seu formato
esférico e estreita distribuição do tamanho das partículas. Além disso, pellets de
substâncias incompatíveis (formuladas em pellets separados) podem ser
combinados em uma mesma unidade medicamentosa (ex. em uma mesma cápsula),
bem como também podem ser combinados pellets de uma mesma substância com
diferentes perfis de liberação. Os pellets são normalmente empregados no
enchimento de cápsulas duras e podem também ser aplicados na fabricação de
comprimidos (Aulton, 2005).
Os pellets são obtidos por um processo tecnológico de produção denominado
peletização, o qual consiste na aglomeração, por via úmida, de pós finos de
substância(s) ativa(s) e excipientes em pequenas unidades esféricas. Os pellets
diferenciam-se dos granulados clássicos tanto pelo seu processo de obtenção como
também por suas características físicas. O processo de peletização consiste,
basicamente, na mistura prévia dos pós (ingrediente(s) ativo(s) + excipiente),
seguido pela malaxagem (obtenção de uma massa úmida por adição de líquido e
amassamento), extrusão (compactação da massa umidificada em forma de cilindros
de diâmetro uniforme com aspecto semelhante a um “espaguete”), esferonização
(processamento dos cilindros obtidos por extrusão até obtenção de uma forma
esférica de diâmetro apropriado) e secagem (secagem dos pellets obtidos na fase
de esferonização). A figura abaixo relaciona os diversos estágios envolvidos no
processo de esferonização dos pellets a partir do “cilindro” extrusado.

Fatores que influenciam nas características e qualidade dos pellets:


Diversos fatores relacionados à matéria-prima (adjuvantes e excipientes
utilizados na produção dos pellets) e aos processos envolvidos na peletização
influenciam diretamente nas características físicas, desempenho e qualidade dos
pellets. A tabela abaixo relaciona os diversos fatores ligados à produção dos pellets
impactam nas suas características e desempenho:

Tabela I. Fatores ligados à fabricação dos pellets que influenciam em suas


características e desempenho
Fatores que influenciam nas características e Características ou propriedades dos pellets
desempenho dos pellets influenciada
Grau de porosidade; friabilidade; dureza;
Excipiente suporte (ex. celulose microcristalina, esfericidade (dimensão), distribuição de tamanho
celulose pulverizada) dos pellets (uniformidade de tamanho das multi-
unidades) e densidade.
Polímero de revestimento ou formador de Modelação da liberação do ingrediente ativo (ex.
sistema matricial de liberação de fármacos liberação controlada, liberação entérica, etc).
Diluente (ex. lactose, amido): utilizado para
Sua influência depende de sua natureza.
completar o volume ou massa da formulação do
Densidade.
pellet.
Líquido de granulação utilizado na produção dos
pellets (ex. solventes aquosos, solvente Esferonização, aglomeração dos pellets formados.
orgânicos)
Estabilidade dos ingredientes da formulação
Extrusão (tipo de extrusor, velocidade de
(ingredientes da formulação sensíveis à
extrusão, temperatura e rede de extrusão)
temperatura e/ou umidade), densidade.
Esferonização (configuração, velocidade, tempo, Distribuição de tamanho dos pellets, morfologia,
carga) escoamento, esfericidade e dureza.
Secagem (temperatura) Porosidade, dureza, tamanho e morfologia da
superfície.
Adaptado: Santos et al., 2004.

Características e propriedades ideais dos pellets


Pellets não revestidos Pellets revestidos
Forma esférica uniforme entre as multi-unidades Forma esférica uniforme entre as multi-unidades
Tamanho uniforme Tamanho uniforme
Boas propriedades de fluxo (escoamento) Boas propriedades de fluxo (escoamento)
Acondicionamento inter-lotes reprodutível Acondicionamento inter-lotes reprodutível
(em cápsulas duras) (em cápsulas duras)
Resistência elevada Resistência elevada
Baixa friabilidade Baixa friabilidade
Superfície lisa Superfície lisa
Fácil revestimento Fácil revestimento
Manutenção e reprodução de todas propriedades
N/A
rotuladas
Presença das características de liberação do
N/A fármaco requeridas e/ou rotuladas (ex.
gastroresistência, liberação controlada, etc)
Adaptado (Aulton, 2005)

Qualidade dos pellets e sua influência na formulação


A eficácia terapêutica do medicamento manipulado pode estar diretamente
ligada à qualidade dos pellets empregados em sua preparação. O interesse
crescente pelos pellets torna mais importante ainda a avaliação e caracterização das
multi-unidades de pellets, empregadas no preparo de medicamentos. Como
relacionamos anteriormente, diversos fatores relacionados à composição da
formulação e processo de produção de pellets podem afetar a qualidade e a
performance de medicamentos preparados a partir destas multi-unidades. Portanto,
somente através da avaliação das características físicas dos pellets - identidade,
teor bem como também dos parâmetros de liberação (ex.dissolução,
gastroresistência) - é que é possível aprovar seu uso em formulações.
Características físicas dos pellets:
 Tamanho: o tamanho dos pellets influencia diretamente a área superficial,
impactando diretamente na dissolução e biodisponibilidade do fármaco
veiculado (> tamanho > velocidade de dissolução). O ideal é que haja uma
distribuição uniforme de tamanho entre as multi-unidades de pellets. A
distribuição uniforme de tamanho facilita a mistura de pellets de lotes
diferentes ou de diferente composição (ex. pellets inertes), influenciando
sobremaneira o enchimento de cápsulas. Sistemas dosadores utilizados para
o preenchimento de cápsulas duras com pellets precisam ser calibrados em
função do tamanho dos pellets e da concentração de ingrediente ativo
presente nesse. A distribuição não-uniforme do tamanho de pellets promove
uma conseqüente variação do conteúdo de substância ativa, bem como a
variações da biodisponibilidade. A variação de tamanho entre as multi-
unidades interfere também no revestimento dos pellets por filmes poliméricos,
devido à relação direta da área superficial com a quantidade de material de
revestimento necessária para a cobertura completa e uniforme das multi-
unidades. A determinação da distribuição de tamanho pode ser realizada por
diferentes métodos, como a tamisação, miscrocopia (óptica ou eletrônica) e a
análise por imagens.
 Densidade: esta característica é afetada por fatores relacionados à
formulação e ao processo de peletização. A densidade dos pellets tem
influência direta no processo de enchimento de cápsulas e também na
biodisponibilidade da substância ativa. Uma alta variação da densidade entre
lotes acarretará numa grande variabilidade de conteúdo, afetando, desta
forma, a biodisponibilidade. A massa volúmica bruta (antes da compactação)
e reduzida (após de compactação), bem como a densidade aparente
(densidade bruta) e a densidade de compactação podem ser determinadas
através do uso de provetas ou do aparelho para determinação de densidade
de compactação de pós, grânulos e pellets (ver figura 1).

Figura 1. Aparelho para determinação da densidade aparente de pós, grânulos e pellets

 Porosidade: está relacionada a medida dos espaços vazios existentes em um


determinado material. Em relação aos pellets, a porosidade pode afetar a
capilaridade da substância ativa dissolvida durante a dissolução (taxa de
dissolução), influenciando na liberação da mesma e, consequentemente, na
biodisponibilidade. A porosidade também afeta o revestimento por películas
poliméricas, influenciando no depósito do material de revestimento, podendo
promover imperfeições e irregularidades que, por fim, podem levar a uma
variabilidade do desempenho biológico da formulação. A porosimetria com
mercúrio tem sido a técnica mais comumente empregada para determinação
da porosidade de grânulos, comprimidos, pós e pellets (Santos et al., 2006).
 Área superficial: é influenciada pelo tamanho, forma (esfericidade),
porosidade e pela rugosidade. A área superficial, assim como as demais
características morfológicas dos pellets exerce um importante na
determinação da quantidade de revestimento a ser aplicado. Variações inter-
lotes proporcionará diferenças significativas da espessura da película de
revestimento das multi-unidades.
• Forma ou esfericidade: a forma esférica dos pellets favorece a aplicação da
película de revestimento. Portanto, os pellets com superfície sem a presença
de imperfeições, apresentando uma forma esférica próxima da perfeição
favorecem a aplicação e a performance do revestimento. Além disso, a forma
esférica otimiza as propriedades de empacotamento e escoamento (fluxo) dos
pellets, impactando diretamente no processo de enchimento das cápsulas.
Altas variações na morfologia superficial e esfericidade entre as multi-
unidades de um determinado lote de pellets, podem levar a variações de
conteúdo significativas e indesejáveis em cápsulas (ver figura 2).

Figura 2. Influência da forma, esfericidade e tamanho dos pellets no preenchimento de cápsulas


duras (Adaptado: Vieira, 2007)

 Rugosidade de superfície: a rugosidade na superfície dos pellets influencia


nas propriedades de preenchimento das cápsulas (empacotamento e
escoamento) e no revestimento das multi-unidades. Uma superfície regular é
imprescindível para a eficiência do revestimento e para a liberação uniforme
da substância ativa dos pellets. Portanto, pellets com alta rugosidade (com
superfície irregular) podem apresentar comprometimento na eficiência do
revestimento (ex. eficiência do revestimento entérico) e inconsistências no
perfil de liberação do fármaco. A morfologia das superfícies dos pellets pode
ser observada por microscopia óptica ou eletrônica. Contudo, a quantificação
da rugosidade é realizada através da profilometria com o uso de um
equipamento chamado profilômetro.
 Propriedades mecânicas (friabilidade, dureza e resistência à fratura): essas
propriedades influenciam nas propriedades de enchimento e revestimento. A
friabilidade é definida como um fenômeno no qual a amostra é danificada ou
apresenta sinais de abrasão ou ruptura, como conseqüência de choques
mecânicos ou atrito. Para determinação da friabilidade em pellets utiliza-se o
friabilômetro com a presença de esferas de aço ou vidro. A dureza está
relacionada à resistência mecânica de formas farmacêuticas sólidas e é
designada em termos de força necessária para promover sua fratura. Na
determinação da resistência dos pellets , os mesmo são pressionados até o
ponto de detecção da primeira fratura.

Características de desempenho dos pellets


Uma vez que as formas farmacêuticas peletizadas vêm ganhando
popularidade devido a suas vantagens distintas, como a facilidade de preenchimento
em cápsulas, aumento da dissolução do fármaco, e a facilidade de revestimento
para obter formas de liberação sustentada, controlada ou de liberação sítio-
específica no trato gastrintestinal. Diversos fármacos veiculados na forma de pellets
estão disponíveis em sistemas de liberação modificada. Portanto, a avaliação
analítica do perfil de liberação do fármaco a partir de pellets revestidos ou contendo
sistemas matriciais é importante para garantir o desempenho das formas
farmacêuticas preparadas a partir destas multi-unidades. Por exemplo, é
recomendável a determinação da gastroresistência em pellets de liberação entérica
ou do perfil de dissolução em pellets de liberação controlada.
Preenchimento de cápsulas com pellets
Na rotina de farmácias magistrais são preparadas, com certa freqüência,
cápsulas duras preenchidas com pellets contendo fármacos de diversas classes
terapêuticas, como antiulcerosos, anti-hipertensivos e broncodilatadores. A tabela III
relaciona os principais fármacos disponíveis na forma peletizada para manipulação,
bem como suas respectivas concentrações (teor) e fatores de correção.
Fármaco (pellets) Concentração nos pellets Fator de correção
Diltiazem
Itraconazol 22% ≅ 4,55
Lansoprazol 8,5% ≅11,8
Nifedipina
Omeprazol 8,5% ≅11,8
Omeprazol 10% 10
Pantoprazol 15% ≅ 6,67
Teofilina
Vitamina C 82%

Na farmácia, o preenchimento de cápsulas duras com pellets é realizado


vertendo individualmente a quantidade de pellets correspondente a dose prescrita
em cada unidade de cápsula ou, então, utilizando dosadores calibrados em função
do volume ocupado por doses posológicas usualmente empregadas. Estes
dosadores levam em conta também a concentração do fármaco no pellet (ver figura
abaixo). Os dosadores valem-se da força gravitacional para o escoamento dos
pellets para o preenchimento do corpo das cápsulas. Os dosadores apresentam
como vantagem a obtenção de maior agilidade no processo de preenchimento de
cápsulas com pellets, uma vez que possibilitam o preenchimento de várias cápsulas
simultaneamente.
Contudo, é preciso utilizar um dosador específico para cada tipo de pellets em
função do fármaco peletizado e da concentração do lote empregado. Além disso, é
preciso estar atento a possíveis variações no tamanho, forma e densidade aparente
entre diferentes lotes de pellets de um mesmo fármaco. Alterações nestas
características físicas podem promover variações de peso significativas, tornando
inadequado o dosador calibrado em função das características de um lote de pellet
regular. De fato, é importante no controle de qualidade dos pellets a avaliação de
suas características físicas (uniformidade de tamanho, forma e densidade),
utilizando-se somente pellets com características uniformes e reprodutíveis lote a
lote. A determinação do peso médio das cápsulas preenchidas com produtos
peletizados no final do processo é recomendável como forma de avaliar o
preenchimento uniforme e preciso das cápsulas.

A B

Figura. Dosadores de pellets: A. Encapsuladeira com sistema dosador de pellets (Capsutec®)


B. Sistema Dosador de pellets (Tepron®)

A seguir, relacionamos os procedimentos para o preenchimento de cápsulas


com pellets :

Procedimento para preenchimento individual de cápsulas duras com pellets


1. Calcular a quantidade total de pellets a ser pesada, considerando a dosagem
prescrita, a concentração de fármaco presente no lote utilizado e a aplicação do fator
de correção correspondente.
2. Preencher a placa encapsuladora com o número e tamanho de cápsulas duras
vazias em função da dose e da quantidade solicitada na prescrição. Separar a
tampa do corpo da cápsula, ajustando o nível da placa para iniciar o processo de
preenchimento.
3. Pesar individualmente a quantidade requisitada para o preenchimento de cada
cápsula.
4. Preencher cada cápsula com a quantidade pesada de pellets.
5. Mover os bastões reguladores, ajustando o nível da placa para a posição de
travamento.
6. Reconectar a tampa ao corpo da cápsula.
7. Realizar o travamento da tampa ao corpo da cápsula, exercendo uma pressão
com a palma da mão (encapsulador manual) ou com o sistema de travamento
(encapsulador semi-automático ou automático). A pressão não deverá ser exercida
em excesso, pois existe o risco de se deformar as cápsulas.
8. Envasar e rotular.
Referência:
1.Santos, H.M.M.; Veiga, F.J.B.; Pina, M.E.T. & Simões de Sousa, J.J.M. Obtenção
de pellets por extrusão e esferonização farmacêutica. Parte I. Avaliação das
variáveis tecnológicas e de formulação. Rev. Bras. Cienc. Farm.(Braz. J. Pharm.
Sci.). vol.40, n.4, out./dez., 2004.
2. Santos, H.M.M.; Veiga, F.J.B.; Pina, M.E.T. & Simões de Sousa, J.J.M. Obtenção
de pellets por extrusão e esferonização farmacêutica. Parte II. Avaliação das
características física de pellets. Rev. Bras. Cienc. Farm.(Braz. J. Pharm. Sci.).
vol.42, n.3, jul./set., 2006.
3.Vieira, L. Avaliação de Pellets como instrumento de Garantia de Qualidade.
Ver. Anfarmag. n. 67, Jun,/Jul., 2007.
4.Trivedi NR, Rajan MG, Johnson JR, Shukla AJ. Pharmaceutical approaches to
preparing pelletized dosage forms using the extrusion-spheronization process.
Crit Rev Ther Drug Carrier Syst. 2007;24(1):1-40.
5. Aulton, M.E. Delineamento de formas farmacêuticas. 2º ed. Porto Alegre:
Artmed, 2005. p.369-401.

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