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VIEIRA, Alberto(2003)

A Vinha e o vinho na História da


Madeira. Séculos XV a XX,

COMO REFERENCIAR ESTE TEXTO:


VIEIRA, Alberto(2003): A Vinha e o vinho na História da Madeira. Séculos XV a XX, Funchal, CEHA-
Biblioteca Digital, disponível em: http://www.madeira-edu.pt/Portals/31/CEHA/bdigital/avieira/2003-av-
vinhavinhomadeira.pdf, data da visita: / /

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A VINHA E O VINHO
NA HISTÓRIA DA MADEIRA
Séculos XV - XX
Alberto Vieira

A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA


Séculos XV - XX

Centro de Estudos de História do Atlântico


Secretaria Regional do Turismo e Cultura
2003
2 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 3

TÍTULO ÍNDICE GERAL


A Vinha e o Vinho na História da Madeira. Séculos XV a XX
ABREVIATURAS.....................................................................................4
1ª Edição
Setembro de 2003
INTRODUÇÃO.........................................................................................7
AUTOR
©Alberto Vieira O VINHO NA HISTÓRIA E HISTORIOGRAFIA
FOTOGRAFIA
• A história do vinho ................................................................................8
Alberto Vieira, Duarte Gomes, José Pereira da Costa
• A historiografia do vinho.....................................................................15
Phtotograpia Museu Vicentes: Vicentes Photographos, Perestrellos
• As fontes .............................................................................................25
Photographos
• A bibliografia .......................................................................................36
COLECÇÃO MEMÓRIAS Nº. 46
DA VINHA AO VINHO
EDIÇÃO
• A VITICULTURA E A PRODUÇÃO
A Viticultura Madeirense ........................................................................
O Homem e a Terra ...........................................................................72
CENTRO DE ESTUDOS DE HISTÓRIA DO ATLÂNTICO As Castas e as Áreas Dominantes .....................................................103
RUA DOS FERREIROS, 165, 9004-520 FUNCHAL O Malvasia da Fajã dos Padres ..........................................................112
TELEF. 291-229635/FAX: 291-223002 Factores Meteorológicos e Botânicos ................................................122
Email: ceha@nesos.net. • A VINIFICAÇÃO
Webpage: http://www.ceha-madeira.net Da Vindima ao Lagar ........................................................................139
Do Lagar ao Canteiro ........................................................................148
TIRAGEM • A produção de Vinho........................................................................166
2000 exemplares Subsídio Literário...............................................................................178
Os Preços ...........................................................................................187
CAPA • Os Complexos Vinícolas....................................................................196
Painel de Azulejo. Largo António Nobre(Funchal). Ass. C. A. Medidas do Vinho.............................................................................206
Moutinho. Fábrica de Sacavém.1930 O Trato do Vinho..............................................................................215
As Estufas...........................................................................................234
IMPRESSÃO • A Questão das Aguardentes ..............................................................255
• O Processo de Vinificação Hoje .......................................................275
Deposito Legal Os Diversos Tipos de Vinho Madeira..............................................277
• A Defesa Institucional do Vinho Madeira .......................................285
ISBN A Confraria do Vinho Madeira.........................................................258

• ANEXO: quadros ...............................................................................290


4 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 5

O MERCADO DO VINHO
• Circuitos e Mercados ........................................................................293
• Movimento Interno ...........................................................................298
Movimento do Vinho no Mercado Madeirense ..............................302
Imposição do Vinho..........................................................................305
O Quotidiano e o Vinho ...................................................................315
• Movimento Externo...........................................................................328
Movimento de Exportação de Vinho ...............................................339 Abreviaturas
As Instituições Fiscais ........................................................................363
Áreas e Circuitos ................................................................................375
ANTT: Arquivo Nacional da Torre do Tombo
• Os Preços e os Mercados ..................................................................397
• O Negociante de Vinhos ...................................................................400 AF: Alfândega do Funchal [disponível no ANTT]
• Uma Nova Teoria sobre a Crise........................................................426 ARM: Arquivo Regional da Madeira [Arquivo da Região Autónoma da Madeira]
• Actualidade e Consumo do Vinho Madeira.....................................454
AHM: Arquivo Histórico da Madeira
• ANEXO: Quadros..............................................................................470 CSF: Cabido da Sé do Funchal
CX: Caixa
O CULTO E A CULTURA DO VINHO
DAHM: Das Artes e da História da Madeira.
• A Expressão Literária do Vinho........................................................537 FOL/fols.: Fólio(s)
O Vinho Madeira na Literatura ........................................................538 GC: Governo Civil [documentação desde 1834]
Personalidades Históricas e o vinho Madeira...................................550
• O Vinho na História e Património ...................................................553 IVV: Instituto do Vinho da Madeira.
A Expressão Plástica e Temática dos Rótulos...................................568 Nº: número
• O Vinho. Uma Rota Com História...................................................571
PJRFF: Provedoria e Junta da Real Fazenda do Funchal [documentação existente no
ANTT. A Provedoria da Fazenda surgiu no século XVI sendo extinta em 1775
• ÍNDICE DE QUADROS..................................................................584
para dar lugar à Junta da Real Fazenda.]
P/pp: página(s)
RGCMF: Registo Geral da Câmara Municipal do Funchal [tombo em que se regis-
tava toda a correspondência oficial recebida na câmara do Funchal, disponív-
el no ARM]
6 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 7

Madeira Illustrated

Capa do livro
O O vinho é uma presença indelével no devir histórico da cristandade Ocidental.
Acompanhou os primeiros cristãos nas catacumbas, a expansão monástica na
Europa e dos europeus no Atlântico. A presença no acto litúrgico e alimentação
traçou-lhe o caminho do protagonismo no quotidiano e ecnomia do mundo cristão.
As ilhas atlânticas são um dos exemplos disso. Os europeus fizeram chegar as cepas
a todo o lado, mesmo àqueles onde a cultura teria dificuldades em se adaptar como
foi o caso de Cabo Verde. Apenas na Madeira, Açores e Canárias a qualidade e fama
do produto fizeram com que se assumisse uma destacada dimensão comercia,l que
animou o movimento com os mercados europeu e americano. A concorrência entre
os vinhos foi feroz. Primeiro tivemos a disputa pelo mercado inglês e, depois, no
século XVIII, pelo norte-americano, onde a Madeira usufruíu uma posição de
destaque, favorecida pelos tratados e leis de navegação estabelecidos pela coroa
britânica. Nalgumas ilhas dos Açores as condições do solo e clima não propiciaram
a produção de um vinho de superior qualidade. A excepção acontece no Pico e
Graciosa onde o vinho se igualou ao da Madeira e Canárias.
Em qualquer dos casos o mercado do vinho insular desenvolveu-se por força da
solicitação colonial. Os vinhos da Madeira e Canárias tiveram desde o século XV
presença assídua na mesa da aristocracia europeia. O mesmo se poderá dizer do
Verdelho do Pico que correu nos palácios dos czares da Rússia. Para os norte-ameri-
canos as ilhas atlânticas [Açores, Canárias e Madeira] são identificadas pelo vinho,
sendo momeadas desde o século XVIII na documentação e historiografia como as
ilhas do vinho1. O epíteto evidencia o papel que o seu vinho assumiu no mercado
americano. Note-se que nalguns registos alfandegários norte-americanos do século
XVIII o vinho da Madeira surge juntamente com o dos Açores2, tornando-se difícil
quantificar a participação de cada um dos arquipélagos.
1. GUIMERÁ RAVINA, Agustin, “Las Islas del Vino (Madeira, Azores y Canarias) y la America Inglesa Durante el Siglo XVIII”,
in Colóquio Internacional de História da Madeira, Funchal, 1989, pp.900-934.
2. A. D. Francis, The Wine Trade, Edinburg, 1973, p.216; Ch. M.Andrews, The Colonial Period of American History, H. Haven,
de Henry Vizetely. 1880 1964, p.112
8 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 9

mentos substanciais da prática e a tradição, fazendo deles símbolos da essência da


vida humana e de Cristo. Ambos foram companheiros da expansão da Cristandade,
sendo responsáveis pela revolução dos hábitos alimentares. A partir do séc. VII o
comer pão e beber vinho simbolizava para o mundo cristão o sustento humano.
Em meados do século XV, com o arranque do processo de ocupação e de
aproveitamento da ilha, é dada como certa a introdução de videiras do reino e, mais
tarde, das célebres cepas do Mediterrâneo. João Gonçalves Zarco, Tristão Vaz
Teixeira e Bartolomeu Perestrello, que receberam o domínio das capitanias do
arquipélago sob a direcção do monarca e do Infante D. Henrique, procederam ao
desbravamento e cultivo, plantando as primeiras culturas trazidas do reino, onde se
incluíam as cepas.
O Vinho Madeira adquiriu desde o princípio fama no mundo colonial, tornan-
do-se na bebida preferida do militar e aventureiro na América ou Ásia. Escolhido
pela aristocracia manteve-se com lugar cativo no mercado londrino, europeu e colo-
nial. Perante isto, o ilhéu, desde o último quartel do século XVI, fez mudar os
canaviais por vinhedos ao mesmo tempo que conquistou novas terras à floresta a Sul
A história do vinho e a Norte. O madeirense, embalado pela excessiva procura do vinho, esqueceu-se
de assegurar a auto subsistência. O vinho era a fonte de redimento e a única moeda

H
O vinho Madeira foi, sem dúvida, o que mais se evidenciou no universo das ilhas. de troca para assegurar o alimento, indumentária e manufacturas. Daqui resultou
O luzidio rubinéctar, que continua a encher os cálices de cristal, é, não só, a mate- uma troca desigual para o madeirense e muito rentável para o inglês.
rialização da pujança económica do presente, mas também, o testemunho dum pas- No séc. XV o vinho competia com o trigo e açúcar assumindo uma posição de
sado histórico de riqueza. Prende-o à ilha uma tradição de mais de cinco séculos. relevo na economia local, assumindo-se como um meio de troca no mercado exter-
Nele reflectem-se as épocas de progresso e de crise. No esquecimento de todos fica, no. Os trigais e canaviais deram lugar às latadas e balseiras e a vinha tornou-se na
quase sempre, a parte amarga da labuta diária do colono no campo e adegas, o cultura quase exclusiva. Tudo isto projectou o vinho para o primeiro lugar na activi-
árduo trabalho das vindimas, o alarido dos borracheiros. Hoje, para recriar a dade económica da ilha, mantendo-se por mais de três séculos. O ilhéu apostou,
ambiência, torna-se necessário olhar os restos materiais e ler os documentos, donde desde o último quartel do séc. XVI, na cultura da vinha, tirando dela o necessário
ainda é possível desbobinar o filme do quotidiano de luta, que se esconde por entre para o sustento e manter uma vida de luxo, construir sumptuosos palácios, igrejas e
a ferrugem, a traça e o pó. conventos. A Madeira viveu, entre o século XVII e princípios do XIX, embalada
O Vinho Madeira, celebrado por poetas e apreciado por monarcas, príncipes, pela opulência do comércio do vinho. O madeirense, com tão avultados proventos,
militares, exploradores e expedicionários, perdeu paulatinamente nos últimos cem deixou-se vencer pelo luxo, habituou-se à vida cortesã e copiou os hábitos ingleses.
anos parte significativa do mercado, fruto da conjuntura criada, nos finais do séc. A política exclusiva da cultura da vinha, imposta pelo mercantilismo inglês, mere-
XVIII e princípios do séc. XIX. A desusada procura obrigou o madeirense a utilizar ceu a reprovação quer do Governador e Capitão General, José A. Sá Pereira, através
todo o vinho e a acelarar o processo de envelhecimento de modo a satisfazer os de um “regimento de agricultura” para o Porto Santo, quer do Corregedor e
pedidos. Mas o futuro não era risonho. A abertura dos mercados conduziu a um Desembargador, António Rodrigues Veloso, nas instruções que deixou em 1782 na
certo fastio a partir de 1814. Depois. as doenças acabaram com as cepas de boa Câmara da Calheta. Mas foi tudo em vão, ninguém foi capaz de travar a “febre vití-
qualidade, fazendo-as substituir pelo produtor directo que se manteve lado a lado cola”, nem de convencer o viticultor a diversificar as culturas da terra. Vivia-se um
com as europeias numa promiscuidade pouco adequada à preservação da quali- momento de grande procura do vinho no mercado internacional e as colheitas eram
dade. O passado recente anunciou o retorno das castas tradicionais e abriu portas a insuficientes para satisfazer a incessante procura. Perante tão desusada solicitação e
novos momentos de riqueza. à falta de melhor socorriam-se dos vinhos do Norte da ilha e mesmo dos Açores e
A presença da vinha na Madeira, associada aos primeiros colonos, é uma Canárias para saciar o sedento colonialista.
inevitabilidade do mundo cristão. O ritual religioso fez do pão e do vinho os ele- A rota do comércio do vinho começou a ser traçada no século XV, partindo da
10 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 11

Europa ao encontro do colonialista na Ásia ou América. O comerciante inglês, que O casamento de Carlos II de Inglaterra com D. Catarina de Bragança foi o prelú-
surgiu a partir do séc. XVII, soube tirar o máximo partido do produto fazendo-o dio da conjuntura favorável ao vinho Madeira, sendo referido por Viera y Clavijo
chegar em quantidades volumosas às mãos dos compatriotas que o aguardavam nos como um golpe tan feliz para la isla de la Maderas como infausto para las Canárias7
quatro cantos do mundo. Vários factores fizeram com que o inglês se instalasse na . A guerra de Cromwell contra Espanha levou ao encerramento do mercado lon-
ilha e se afirmasse como o principal negociante do vinho. Para tanto contribuíram drino, no período de 1655 a 1660, ao vinho de Canárias e ao estabelecimento de
as condições favoráveis exaradas nos tratados luso-britânicos e o favorecimento que medidas preferenciais para o das ilhas portuguesas. O texto da ordenança de 1663,
as regulamentações britânicas do comércio colonial atribuíram à Madeira. Do repetido mais tarde na de 1665, era claro: Wines of the growth of Maderas, the
numeroso grupo de britânicos merecem referência: Richart Pickfort (1638/82), W. Western Islands or Azores, may be carried from thence to any of the lands, islands,
Boltom (1695/1714), James Leacock (1741), Francis Newton (1745), R. Blandy plantatinos, & colonies, territories or places to this majesty belonging, in Asia, Africa
(1811). or America, in english built ships8.
As Canárias foram desde o princípio o competidor directo da Madeira no mer- Com o fim da guerra de fronteiras entre Portugal e Espanha e a assinatura das
cado do vinho europeu e colonial. A união peninsular não terá sido favorável ao pazes em Madrid a 5 de Janeiro de 1668, ratificadas a 13 de Fevereiro em Lisboa,
vinho madeirense, uma vez que abriu as portas do mercado colonial ao vinho de restabeleceram-se os contactos entre os dois arquipélagos9. O reforço das relações é
Canárias. A conjuntura económica, que se anunciou em 1640, abriu novas perspec- testemunhado pela presença de Bento de Figueiredo no Funchal como cônsul
tivas para o Malvasia da Madeira, com o retorno a uma posição de privilégio do castelhano10. Mas não acabaram aqui as dificuldades pois apenas com as pazes de
mundo português e britânico. A concorrência estava no vinho dos Açores, produzi- Ultrecht de 1713 se abriram novas perspectivas de negócio, quando os vinhos
do nas ilhas Graciosa e do Pico. madeirenses e açorianos haviam conquistado uma posição sólida no mercado colo-
Os pactos de amizade entre as coroas de Portugal e Inglaterra sedimentaram as nial e britânico. O arquipélago das Canárias encontrava-se na posição de perdedor
relações comerciais favorecendo a oferta do vinho madeirense e açoriano nas coló- e a braços com uma crise económica por falta de escoamento do vinho11.
nias britânicas da América Central e do Norte, como o determinavam as leis de O movimento de exportação do vinho da Madeira nos sécs. XVIII e XIX liga-se
navegação a partir de Carlos II, aprovadas em 16413. A situação de privilégio con- de modo directo com o traçado das rotas marítimas coloniais inglesas que tinham
cedida ao vinho dos arquipélagos portugueses repercutiu-se negativamente na passagem obrigatória na ilha. São as rotas da Inglaterra colonial que faziam do
economia das Canárias, podendo ser considerada como um travão ao desenvolvi- Funchal o porto de refresco e de carga para o vinho no percurso para as Índias
mento da economia vitivinícola, a partir de finais do século XVII4. E. Steckley, não Ocidentais e Orientais, donde regressavam pela rota dos Açores, com o recheio
obstante documentar uma época de prosperidade no comércio com Inglaterra, colonial. Também os navios portugueses da rota das Índias, ou do Brasil escalavam
anuncia a crise que se aproximava: Así pues durante dicha centuria algunos de los a ilha onde recebiam o vinho para as praças lusas. São ainda os navios ingleses que
antiguos mercados canarios de vino se estancaron y las islas portuguesas demons- se dirigiam à Madeira com manufacturas e retornavam por Gibraltar, Lisboa, ou
traron ser unos competidores capaces y eficientes para los nuevos mercados ameri- Porto. E, finalmente, os navios norte-americanos que traziam as farinhas para sus-
canos de vino5. A mesma ideia aparece no estudo de António Macías e Agustin tento diário do madeirense e regressavam carregados de vinho. Por tudo isto o vinho
Millares Cantero, que definem o período de 1640 a 1670 com de crisis del prolon- madeirense conquistou o mercado britânico em África, Ásia e América afirmando-
gado esplendor económico, como resultado de la oferta madeirense y de o porto se até meados do séc. XIX como a bebida dos funcionários e militares das colónias.
que comenzó a sustituir a la Canaria en el mercado ingles6. A criação em 1665 da Com o movimento independentista das colónias todos regressaram à terra de
Companhia dos Mercadores de Londres e a reacção popular que gerou com o der- origem trazendo o vinho na bagagem.
rame dos vinhos, conduziu inevitavelmente à perda de importância do malvasia de O momento de apogeu na exportação do vinho Madeira situa-se entre finais do
Canárias no mercado europeu em favor do Jerez. séc. XVIII e princípios do séc. XIX, altura em que a saída atingiu a média de 20.000
pipas. Mais de 2/3 do vinho exportado destinava-se ao mercado americano, com
3. Rupert CROFT-COOKE, Madeira, Londres, 1961, pp.26-28; André L.SIMON, “Introduction” e “Notes on Portugal Madeira and
the Wines of Madeira”, in The Bolton Letters.Letters of an English Merchant in Madeira 1695-1714, Londres, 1928
4. A. Bethencourt MASSIEU, “Canarias Y Inglaterra. el Comercio de Vinos(1650-1800)”, in Anuario de Estudios Atlanticos, nº.2, 7. Citado por A. LORENZO-CÁCERES, Malvasia y Falstaff. los Vinos de Canarias, La Laguna, 1941, p.19.
1956, pp.195-308: IDEM, “Canarias y el Comercio de Vinos(siglo XVII)”, in Historia General de las Islas Canarias, tomo, III, 8. André L.SIMON, “Notes on Portugal, Madeira and the Wines of Madeira”, in The Bolton Letters. Letters of an English
1977, 266-273; Merchant in Madeira 1695-1714, Londres, 1928.
5. ”La Economia Vinicola de Tenerife en el Siglo XVII: Relación Anglo-espanola en un Comercio de Lujo”, in Aguayro, nº. 138, 9. A coroa insistiu na nova situação, recomendando às autoridades madeirenses que publicitassem o que foi feito por meio de
Las Palmas, 1981, p. 29 um bando a 8 de Maio. Veja-se Arquivo Regional da Madeira, Câmara Municipal do Funchal, nº.1215, fls.37vº.38
6. ”Canarias en la Edad Moderna(circa 1500-1850)”, in Historia de Los Pueblos de Espana. Tierras Fronterizas(I) Andalucia 10. Ibidem, nº.1215, fls.58-58vº, 17 de Dezembro de 1672.
Canarias, Madrid, 1984, pp.319, 321 11. G.STECKLEY, art.cit., pp.25-31.
12 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 13

destaque para as Antilhas e as plantações do Sul da América do Norte e a área de


N. York. A primeira metade do séc. XIX foi pautada pela alteração no mercado
consumidor do vinho da Madeira. Foi o período de afirmação de novo destino
capaz de suprir a perda do mercado colonial. A Inglaterra e a Rússia substituíram as
colónias a partir de 1831. O fim das guerras europeias, em princípios do séc. XIX,
abriu as comportas do vinho europeu os mercados asiático e americano. A saida do
colonialista foi considerada uma perda irreparável para o vinho Madeira.
Hoje, passados mais de quinhentos anos sobre a introdução da vinha na Madeira,
estão ainda presentes na memória madeirense os tempos áureos de apreciação e
comércio do vinho. A imagem passou rapidamente à História. À euforia da procura
sucedeu a crise dos mercados, agravada pela presença das doenças que atacaram a
vinha (oídio e filoxera). A crise do sector produtivo, resultado de factores botânicos
alastrou a todo o espaço vitícola com efeitos semelhantes na economia e mercado do
vinho. Perdeu-se a ligação ancestral com as tradicionais castas europeias mas, em con-
trapartida, descobriram-se novas variedades americanas. As dificuldades do negócio
conduziram à debandada dos agentes que haviam traçado o mercado. A Madeira
conseguiu paulatinamente recuperar ou conquistar novos mercados.
Os vinhos dos Açores e Canárias seguiram uma trajectória semelhante ao da
Madeira. Foram os madeirenses que levaram as primeiras cepas para os Açores e
Canárias. O das Canárias concorreu de forma directa com o da Madeira no merca-
do britânico já no século XV, a atestar pelas referências de Shakespeare. Para o dos
Açores a competição começou apenas no século XVII. Mas a concorrência foi sem-
pre entre o malvasia da Madeira e os caldos de Tenerife. Da disputa pelo mercado
europeu passou-se depois ao colonial.
O século XVII foi o momento de viragem no mercado atlântico do vinho, con-
seguindo a Madeira levar a melhor na preferência do mercado norte-americano e
colónias das Antilhas. O vinho Madeira tornou-se numa moda do quotidiano das
colónias britânicas. Os viticultores e comerciantes de Tenerife para poderem sobre-
viver tiveram que se sujeitar ao fabrico de um vinho semelhante ao Madeira, ou à
baldeação com o de Tenerife para depois venderem com o rótulo de Madeira 12. O
século XVIII foi a época de plena afirmação do falso e verdadeiro Madeira13.

Baco
12. Burguesia Extranjera y Comercio Atlantico. La Empresa Comercial Irlandesa en Canarias(1703-1771), Santa Cruz de Cerâmica Nau (Setúbal)
Tenerife, 1985, pp.317-332; G.L.Beer, The Old Colonial System. 1660-1754, N. York, vol. II, 1912, p. 287. Loja de Vinhos Diogos Shop
13. Alberto Vieira, Breviário da Vinha e do Vinho na Madeira, Ponta Delgada, 1991, p.30-31.
(Funchal)
14 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 15

A historiografia do vinho

H A História do vinho provocou o empenho de muitos estudiosos nos últimos


anos. Desde o pioneiro trabalho de Roger Dion (Histoire de la Vigne et du Vin en
France. Des Origines au XIXe Siècle, 1959) sucederam-se inúmeros outros, fruto de
arrojados projectos de investigação. Foi no campo da Geografia histórica que o tema
mereceu maior relevo, sendo a França a dar o exemplo. A realização em 1977 na
cidade de Bordéus de um colóquio foi a chamada de atenção para a temática. Nas
actas (Géographie Historique des Vignobles), publicadas em 1978 por Huetz de
Lemps o ponto da situação do tema incluia 701 títulos, sendo mais de metade refe-
rentes aos vinhos franceses e suas regiões: Bordeaux, Languedoc e Burgundy. Na
Universidade de Bordéus o Centre d’Etudes et de Recherches sur la Vigne et le Vin
desenvolveu uma linha de investigação sobre os vinhos europeus de que resultou
uma colecção dirigida por Andre Pitte com a publicação de 10 volumes, sendo um
sobre a Madeira (1989) da responsabilidade de Alain Huetz de Lemps. Na comu-
nidade de língua inglesa, como assinala Tim Unwin, o interesse pelo tema é rele-
vante desde a década de setenta14. O incremento da viticultura na Califórnia,
Austrália e África do Sul, na segunda metade do século XIX, conduziu à valoriza-
ção do tema.
A segunda metade do século XIX foi o momento de consciencialização da maior
parte dos investigadores para a importância científica social, económica, cultural e
histórica do vinho. Os estudos científicos adequaram-se ao combate da praga e espi-
caçaram a curiosidade, permitindo a publicação de textos de diversa índole. Em
muitos dos casos a recorrência à História era o necessário alento para levantar os
ânimos enfraquecidos no combate às doenças, de modo a que a cultura assumisse a
adequada dimensão na sociedade e economia.
Em Portugal e Espanha foi cada vez mais evidente o interesse pelo estudo e con-
hecimento da realidade em torno do vinho. A tradição francesa e inglesa do trata-
mento do tema numa perspectiva historiográfica, levou a isso. Nos últimos anos sur-
giram estudos de grande importância para o conhecimento e divulgação da História
Capa do Livro de J. A. Mason,
A Treatise on the Climate and
do Vinho. Em 1982 a Academia Portuguesa de História organizou um encontro
Meteorology of Madeira,
Liverpool, 1850. 14. Wine and Vine. An Historical Geography of Viticulture and the Wine Trade.1991
16 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 17

sobre o Vinho na História Portuguesa séculos XIII-XIX. Depois tivemos projectos


inovadores, como O Marquês de Pombal e o Vinho do Porto (1980) de Susan
Schneider, a Memória do Vinho do Porto (1990) de Conceição Andrade Martins e
O Douro e o Vinho do Porto - de Pombal a João Franco(1991) de Gaspar Martins
Ferreira. Finalmente apareceu a Enciclopédia dos vinhos de Portugal, orientada por
António Lopes Vieira, que contempla os Vinhos Verdes, do Dão, do Alentejo,
Bairrada, Península de Setúbal, Porto e Madeira. A Universidade do Porto mantém
um Grupo para História do Vinho do Dão, pioneiro na divulgação da temática nos
últimos anos. O vinho tornou-se num tema comum, cativando poetas e literatos.
Hoje o vinho é uma questão cultural sendo cada vez mais numeroso o público inte-
Abertura oficial da exposição
ressado em conhecer a História. Daqui deriva a profusão de estudos de divulgação sobre o vinho da Madeira. 1980
e de grupos de trabalho especializados.
O vinho Madeira é considerado desde tempos muito recuados indispensável na
garrafeira dos apreciadores. Não é preciso ser escanção para reconhecer e apreciar
as qualidades aromáticas e gustativas, basta apenas um pouco de atenção no
momento de o beber. Os epítetos proferidos por poetas, escritores, políticos e via- Capa do folheto da Exposição
sobre o Vinho da Madeira. 1980
jantes, que tiveram a possibilidade de o provar e apreciar, poderão ser um dos cami-
nhos para isso. Todos ficaram deslumbrados com os aromas e sabores e ninguém
por fazer21. A monografia que pretendia realizar não era histórica mas antes uma
se escusou a tecer-lhe os maiores elogios. Prende-o à ilha uma tradição de mais de
enciclopédia à maneira do Elucidário. Assim, o entendeu ao traçar em o Elucidário
cinco séculos e reflecte-se nele a época de resplendor e os momentos de crise.
Madeirense22 um esboço da história em diversas entradas, no que muito se aproxi-
O vinho assumiu uma dimensão importante nas ilhas, nomeadamente nas
ma o Pe. Eduardo Pereira23. Estamos perante trabalhos com grande impacto junto
economias da Madeira e Tenerife a partir do século XVII. Por força disso encon-
do público, mas que pouco avançam em relação à informação já recolhida por Paulo
trámos na Madeira conjunto variado de textos que procuram traçar a História ou
Perestrelo da Câmara e Álvaro Rodrigues de Azevedo. O escrito de A. R. Azevedo
fazer o ponto da situação do problema vitivinícola entre finais do século XIX e
atem-se mais aos documentos do arquivo local, às deambulações históricas e políti-
princípios do século XX. É de considerar a obra de D. João da Câmara Leme, o
cas, mas mesmo assim é de considerar, por ser um primeiro esboço de história local
Conde de Canavial, o mais destacado estudioso e conhecedor dos problemas políti-
em que o vinho tem lugar de relevo24. Se a isto juntarmos a monografia de J. Reis
cos e enológicos madeirenses na segunda metade do século XIX. Nas Canárias os
Gomes, e algumas referências avulsas e parcelares, temos feito o inventário da bibli-
estudos são parcelares, ao clássico estudo de Andrés de Lorenzo Caceres15 deverá
ografia sobre o vinho até à década de setenta do século XX. Hoje felizmente que o
juntar-se outro de A. Bettencourt Massiu16 e, recentemente, os de A. Guimerá
panorama é distinto e contam-se já inúmeros trabalhos. O vinho é um tema de refe-
Ravina17, Manuel Lobo Cabrera 18 e Pedro Miguel Martínez Galindo19 e o de George
rência da Historiografia Madeirense. Os ingleses foram, entre todos estrangeiros, os
F. Steckley 20, de que foi publicada uma síntese em 1981 na Revista Aguayro. Para
que lhe dedicaram mais atenção. A posição hegemónica na exportação e consumo
os Açores é reduzida a atenção da historiografia à cultura e produto, não obstante
ter conseguido uma posição de relevo na economia de algumas ilhas como foi o caso
do Pico e Graciosa. 21 .Está ainda infelizmente por elaborar uma completa monografia sobre os vinhos da Madeira, em que se faça a sua História,
desde meados do século XV até a Época que vai decorrendo, nos variados e interessantes aspectos que ela nos oferece.
O Pe. Fernando Augusto da Silva diz-nos que a História do vinho da Madeira está Deveria para isso proceder-se a um largo trabalho descritivo e de pormenorizada coordenação, que além de abranger as
diversas fases de indústria e dos processos de vinificação, fornecesse também informações seguras Acerca da escolha
apropriada do solo e do plantio de bacelos, tratamento eficaz das videiras, fabrico e conservação dos mostos, preparação
dos produtos destinados ao embarque, o comércio interno e no estrangeiro, a análise rigorosa dos chamados vinhos ge-
15 .Malvasia y Falstaff. Los Vinos de Canarias, La Laguna, 1941. nerosos e a cuidadosa conservação da celebrada fama de que universalmente gozam, constituindo outros tantos objectos
16. “Canarias e Inglaterra. El Comercio de Vinos(1650-1800)”, in Anuario de Estudios Atlanticos, nº 2, 1956. Publicado em livro de investigação e estudo, para o que seria indispensável aproveitarem os valiosos elementos que se encontram dispersos
em 1991 em diversas publicações”, Elucidário Madeirense, vol. III, p. 392.
17. Burguesia Extranjera y Comercio Atlantico. La Empresa Comercial Irlandesa en Canarias(1703-1771), Santa Cruz de 22. Vide vol.I - Balseira (p. 113), Estufas (p. 408); vol. II, Filoxera (pp. 31/2), Indústria Vinícola (pp. 148/54), Mangra da vinha (p.
Tenerife, 1985. 315), Míldio (p. 347); vol III, Os Vinhos (pp. 389/95), Vinhas (pp. 381/9, Vinhas e uvas do Porto Santo pp. 387/9), Vinho de
18. El Comercio del Vino entre Gran Canaria y las Indias en el Siglo XVI, Las Palmas de Gran Canaria, 1993. Canteiro (p. 389), Vinho de roda (p. 389).
19 .La Vid y El Vino en Tenerife en la Primera Mitad del siglo XVI, La Laguna, 1998. 23. Ilhas de Zargo, vol. I, pp. 275/301.
20. “La Econmía Vinícola de Tenerife en el Siglo XVII: Relación Angloespañola en un Comercio de lujo”, Aguayro, Las Palmas 24. Anotações às Saudades da Terra, pp. 728/30; veja-se igualmente a colaboração nos jornais locais nomeadamente na
de Gran Canaria, 138, 1981. “Discussão” e “A Madeira”.
18 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 19

ditou a necessidade de conhecimento25. Aqui destacam-se as monografias de Henry Também nós fomos contagiados e o vinho passou a ser companheiro diário das
Vizetely, André L. Simon, Ruppert Crooft-Cooke e as publicações recentes de Noel nossas pesquisas. Ao longo dos últimos vinte anos reunimos tudo o que de mais
Cossart e Alex Liddel. importante existe sobre ele ou com ele relacionado. Dos materiais perdidos nos
A partir de 1976 o processo autonómico permitiu a valorização do vinho da armazéns fizemos um museu. A partir daqui incidimos a nossa acção sobre os
Madeira. A regionalização das competências atribuídas à Junta Nacional do Vinho, arquivos públicos e privados, testemunhos dos apreciadores, defensores e detrac-
com a criação do Instituto do Vinho de Madeira (1979), conduziu a uma diferente tores. Disso demos notícia num Breviário da Vinha e do Vinho da Madeira (1990),
importância do produto e das tradições a ele ligadas. Desde 1978 a Direcção numa compilação História do Vinho da Madeira. Documentos (1993) e o Vinho
Regional de Turismo iniciou a evocação da festa das vindimas, que têm permitindo Madeira da Enciclopédia de Vinhos de Portugal. No penúltimo volume procuramos
um momento de diversão e divulgação do vinho. Em 1980, no âmbito da festa, teve reunir o mais importante testemunho da vivência que o vinho Madeira definiu: a
lugar no salão nobre do Teatro Municipal do Funchal uma exposição sobre o Vinho economia da ilha e o papel dos directos interventores, a insistente procura dos que
da Madeira, que foi uma oportunidade para recolha de materiais relacionados com se tornaram apreciadores, o júbilo e o agradecimento dos que descobriram a gen-
a vinha e o vinho que se encontravam ao abandono. Daqui resultou a consciênciali- uinidade do produto e foram testemunhos da importância económica.
zação dos empresários ligados ao sector para a necessidade de valorização da cul-
tura material relacionada com o produto. Foi neste contexto que a Madeira Wine
Company repensou as caves de S. Francisco, adaptando à condição de espaço- Formas de ver e estudar o vinho
museu aberto ao público. Entretanto o IVM recuperou a cave das instalações para
um espaço museológico, inaugurado a 18 de Setembro de 1984. Tudo isto é
corolário de um trabalho de valorização da componente cultural do vinho. O núcleo Na actualidade é cada vez mais evidente o interesse pelo estudo do vinho. A
museológico do IVM tornou-se num espaço de divulgação do Vinho da Madeira e atenção do público e comunidade científica é grande. Já na segunda metade do sécu-
ponto de encontro de interessados no tema. O Museu do IVM apostou na pro- lo XIX, momento definido por uma conjuntura de crise da viticultura europeia,
moção da História e cultura do vinho, de que se destaca a edição de Contributos deparamos com igual euforia editorial sobre a temática da vinha e vinho. Aqui somos
para uma Rota do Vinho de Madeira (1997) e o Vinho na História e Património da confrontados, para além das discussões sobre as soluções económicas e técnicas, com
Cidade do Funchal (2000). estudos descritivos da realidade e História da cultura e comércio do produto. Assim,
A criação do Centro de Estudos de História do Atlântico em 1985 contribuiu podemos definir dois tipos de publicações, de acordo com a posição em que se colo-
para um avanço significativo no conhecimento da História do vinho, que passou a ca o autor: 1. Os estrangeiros, nomeadamente os ingleses, procuravam divulgar junto
merecer um tratamento historiográfico adequado. Nas edições, colóquios e semi- dos consumidores o historial do vinho que corria diariamente à mesa; 2. Os
nários o vinho foi presença constante. Entretanto em 1998 realizou-se um seminário nacionais que, motivados por conjunturas de crise, intervém no sentido de apresen-
sobre Os Vinhos Licorosos e a História que foi o início de um eficaz intercâmbio tar soluções, indo ao encontro de causas políticas ou económicas. Assim, quando a
com investigadores do Porto, Bordéus, Málaga e Puerto Santa Maria. Podemos, crise se situava na esfera comercial, surgiram tratados em favor do proteccionismo e
ainda, assinalar que a aposta na divulgação da História do Vinho da Madeira levou na área da produção tivemos soluções miraculosas para debelar a crise.
o CEHA a editar em 1993 um volume sobre a História do Vinho da Madeira. A segunda metade do século XIX foi o momento de consciencialização para a
Documentos e Textos, da nossa autoria. dimensão científica social, económica, cultural e histórica do vinho. Os estudos
Todo o esforço de divulgação da História do vinho traduziu-se em inúmeras científicos adequaram-se ao combate da praga e espicaçaram a curiosidade de todos
publicações sob o formato papel e digital, que continuam a merecer a atenção do e permitiram a publicação de inúmeros trabalhos. Em muitos dos casos a recorrên-
público. Idêntica dedicação esteve presente ao nível museológico, ficando ao dispor cia à História foi o necessário alento para a aposta, debelar das doenças e fazer com
dos interessados espaços específicos das empresas e instituições do sector. O vinho que a cultura voltasse a assumir a adequada dimensão na sociedade e economia.
marcou épocas de prosperidade com evidentes reflexos no quotidiano e arte. As Sucederam-se exposições26, congressos27 e estações vitícolas28 e enológicas, associ-
expressões disso estão presentes na arquitectura urbana dos séculos XVIII e XIX e
em alguns museus. 26. Em Espanha tivemos em 1877 a Exposición Vinicola Nacional. Em Portugal: Exposição Histórica do Vinho do Porto(1931-
32).
27. Para Espanha: 1878 - Congreso Antifiloxerico de Madrid, 1886; Congreso de Viticultores. Em Portugal: Congresso Vinicola
Nacional(1895).
25. Aqui convém destacar as monografias de Henry Vizetely, de André L. Simon, Ruppert Crooft-Cooke, Noel Cossart e Alex 28. Em Espanha: Málaga, Zaragoça(1880), Sagunto(1881), Unidad Real(1882), Tanagona(1882). Em Portugal: Quinta de
Liddel, referenciados na Bibliografia. Nalaria(1887), Douro(1957), Régua(1929).
20 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 21

adas a publicações periódicas especializadas29. que envolve a cultura da vinha e o fabrico do vinho. O Folclore e as tradições
No caso das ilhas é na Madeira que encontramos a maior produção bibliográfica definem no passado e confrontam-se com a realidade global. A tecnologia tradi-
de autores nacionais e estrangeiros. O vinho havia conquistado uma dimensão inusu- cional foi esquecida nos armazéns. São poucos os lagares tradicionais que persistem
al pelo que se justificava a desmesurada atenção. Disso fizemos eco num estado onde e falta quem providencie o estudo e inventariação. O fabrico do vinho tinha lugar
compilamos o que de mais importante se publicou30. Nos últimos anos toda a atenção em lagares de madeira e pedra. Hoje são raros e o fabrico do vinho adequou-se às
tem sido dada ao sector comercial com trabalhos para o século XVIII. É, por isso, que inovações tecnológicas para que o produto final esteja conforme os padrões de
faz falta um estudo sistemático da cultura e do produto final que contemple os cinco qualidade da Comunidade Económica Europeia. No caso das Canárias é evidente
séculos de História. Também subsistem algumas dúvidas para alguns campos que nas ilhas de Tenerife e El Hierro o interesse dedicado a estas estruturas de madeira.
reputamos de grande interesse. Em primeiro lugar, no que concerne à diversidade de Já nos Açores é fácil encontrar no Museu do Vinho dos Biscoitos um conjunto único
castas, não temos informação segura sobre o início da presença na ilha e a dimensão de lagares e lagariças de pedra, a que se pode juntar idênticas infra-estruturas com
que cada uma assumiu no cômputo da produção. A isto acrescem as dificuldades em carácter museológico no Pico e Graciosa. Na Madeira são poucos os lagares de
conseguir definir de forma precisa as técnicas de vinificação e os tipos de vinho mais tabuado e pedra. As lagariças de pedra, circunscritas ao Curral das Freiras, Ponta do
comuns que deram fama ao Madeira. Para certa literatura tudo se reduz à Malvasia e, Pargo e S. Vicente, jazem hoje ao abandono.
de modo especial, à da Fajã dos Padres. O Vinho ganhou raízes nas ilhas pela necessidade dos primeiros povoadores mas
A análise da realidade vitivinícola não poderá esquecer a estrutura produtiva e cedo se espalhou a fama da qualidade fazendo com que acompanhasse as rotas
formas de evolução. Há que ter em conta o grupo de mercadores que serviram de comerciais do Novo Mundo e tradicionais mercados europeus. Fama e comércio
suporte ao mercado do vinho e dele tiraram o maior rendimento. A História das foram sinónimo de interesse científico e editorial. Daqui resulta que a Madeira se
casas comerciais é um tema ainda em aberto que deve ser merecedor da nossa apresenta como um caso raro na Historiografia da Vinha e do Vinho. O vinho foi
atenção, tendo em conta a disponibilidade de alguns e importantes arquivos empre- e continuará a ser uma referência importante na definição da ilha e da labuta de
sariais31. Os estudos no âmbito da História da Empresa têm aqui um campo que cinco séculos das gentes. As ilhas ficarão para a História como um momento do per-
aguarda a atenção do historiador. curso histórico do vinho entre o mundo antigo e o novo.
A par disso não deverá esquecer-se a envolvência do vinho na sociedade e as Em 1978, confrontados com o paupérrimo panorama bibliográfico madeirense
implicações daí resultantes. Assim, no caso da Madeira, é comum definir-se um sobre o vinho, decidimo-nos por encetar uma pesquisa com o objectivo de publicar
modelo de criação artística e urbanística, influenciado pelo vinho, que levou alguns uma monografia completa sobre o vinho, através da procura doutras vias de conhe-
a definirem para o Funchal uma cidade do Vinho. A propriedade do termo é dis- cimento e a recolha de informações, por intermédio de uma morosa investigação
cutível mas não impede de consideramos as relações do vinho com a arte e mesmo arquivística. A primeira atenção foi dedicada aos núcleos documentais dos Arquivos
com o quotidiano insular. A sociedade madeirense de oitocentos é herdeira do Regional da Madeira, da Torre do Tombo, Histórico Ultramarino e Secção de
impacto provocado pela dominância da vinha e vinho, faltando estudos que o valo- Reservados da Biblioteca Nacional. O trabalho de recolha alargou-se depois a toda
rizem. a imprensa madeirense, com particular relevo para a do século XIX. A informação
A um nível restrito poderá partir-se para um novo tipo de abordagens. Primeiro recolhida deu lugar a textos escolares, de divulgação e estudos apresentados em
a arte do vinho, lavrada em gravuras, avulsas ou ilustrativas de livros e rótulos. O colóquios. Hoje, passados mais de vinte anos, decidimo-nos por um melhor
rótulo para além da expressão plástica pode ser também um espelho da época aproveitamento de toda a informação recolhida, publicando o presente volume.
através das temáticas dominantes e mensagens escritas32. O levantamento das refe- Ao longo da investigação duas personalidades despertaram a nossa atenção: D.
rências que mereceu na literatura torna-se imperioso. Em prosa ou em verso o vinho João da Câmara Leme (Conde de Canavial) e José Silvestre Ribeiro. O primeiro foi
é uma constante que está ainda por descobrir. uma das mais destacadas figuras da sociedade madeirense da segunda metade do
A Etnografia é uma preciosa auxiliar do conhecimento e definição da ambiência século XIX, afirmando-se como escritor, cientista, naturalista, industrial, jornalista33,
influenciando de forma decisiva o aperfeiçoamento do processo de vinificação. Do
vasto espólio bibliográfico, merecem referência os estudos sobre o vinho e a situação
29. .Revista Vinícola Jerezana(1866) The Wine and Spirit Market (França-1871), The Wine Trade Review (Londres. 1864),
Revista do Comércio de Vinhos (1896) O País Vinhateiro (1884), Anais do Instituto do Vinho do Porto(1940), O Vinho(1935), de crise vinícola, traçando as linhas mestras da discussão em torno da crise e das
Vinicultura(1934).
30. História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993
31. Cf. Alberto Vieira, Guia Para a História e Investigação das Ilhas Atlânticas, Funchal, 1995, p.167.
33. Não existe qualquer monografia sobre esta personalidade insulana, apenas dispomos de alguns elementos em dois jornais
32. Cf. José de Sains-Trueva, Heráldica de Prestígio em Rótulos de Vinho Madeira, in Islenha, nº.9, 1991, 62 e segs; F. Guichard,
locais: - “A Luz”, nº 1 (1881), p. 2, e o “Diário de Notícias”, nº 5, pp. 2/3.
A Linguagem do Rótulo. O Vinho entre o Dito e o não Dito, in Os Vinhos Licorosos e a História, Funchal, 1998, pp.71-80.
22 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 23

soluções apresentadas pelas diferentes facções políticas. Foi pioneiro no associa-


tivismo cooperativo, apresentando a proposta de uma sociedade anónima de pro-
moção da rede viária da ilha para transporte das mercadorias com um cabo aéreo e
a criação da companhia fabril do açúcar madeirense, quer, ainda, com a criação de
uma associação de proprietários, viticultores e negociantes de vinho - Associação
Vinícola da Madeira, ou Real Associação Vinícola da Madeira -, como forma de
envolver os madeirenses na solução da crise da segunda metade do século XIX.
Ao mesmo nível está a figura de José Silvestre Ribeiro. A actuação situa-se mais
no campo prático da governação em momentos de crise vinícola da segunda metade
do século passado e nas medidas proteccionistas e incentivadoras do desenvolvi-
mento agrícola, como as soluções de emergência perante a situação de calamidade
pública resultante da crise. O delineamento da rede viária e a aposta no complica-
do sistema de levadas estiveram na linha da frente dos planos práticos para pro-
mover a agricultura e travar a emigração34.

Fontes e bibliografia

Os acervos bibliográficos e arquivísticos são pobres, como pouco conhecidos e


usados. Com isto não queremos dizer que escasseiem ou sejam desconhecidas as
fontes mais importantes, mas sim que o pouco estudado e inventariado é incom-
pleto para feitura dum trabalho científico. Durante muito tempo foi evidente a
ausência de um guia bibliográfico e roteiro arquivístico, onde fossem reveladas as
fontes fundamentais da História35. A inventariação bibliográfica evidencia a existên-
cia de várias tentativas, sendo de destacar as de A. Rodrigues de Azevedo36, José
Joaquim Rodrigues37, Fernando Augusto da Silva38 e o Visconde do Porto da Cruz39,
mas nunca se apostou no sentido de nos legar uma monografia completa.

34. Veja-se Colleção de Documentos Relativos à Crise de Fome..., 1847, Funchal, 1848; Uma Época Administrativa na Madeira
e Porto Santo, Funchal, 1949/50, III vols.
35 .Hoje o panorama é distinto. Foi guiado por esta ideia que em 1995 publicamos um Guia para a História e Investigação das
Ilhas Atlânticas.
36. Vide in Dicionário Universal de Português Ilustrado, artigo Madeira. Cuba em Madeira para
37. Catálogo Bibliográfico do Arquipélago da Madeira, Funchal, 1950. envelhecimento do vinho.
38. Elucidário Madeirense, vol. II, Elementos para a História da Madeira. Madeira Wine Company
39. Notas e Comentários para a História Literária da Madeira, Funchal, 1951, vol.II
2003
24 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 25

Gravura humorística. Re-nhau-


nhau

Carta de Armas de Ph. Cossart,


1700

As fontes

Copiador de cartas comerciais.


Arquivo da Madeira Wine
Company
F Ao nível arquivístico o panorama é pobre. A falta de um roteiro, colectâneas
documentais, obrigou à procura demorada nos arquivos disseminados pela capital e
ilha. A ideia lançada em 1960 (por altura das comemorações henriquinas) por
Pereira da Costa de publicação de uma MADEIRA MONUMENTA HISTÓ-
RICA, certamente tendo em vista o Arquivo dos Açores de Ernesto do Canto, não
teve continuadores. Os eruditos, interessados pela História da Madeira, entre 1873
e1950 dedicaram pouca importância à divulgação documental. Contrariando a situ-
ação temos iniciativas que merecem ser referenciadas. O Arquivo Histórico da
Madeira apostou desde os anos sessenta na publicação de documentos e o Centro
de Estudos de História do Atlântico seguiu o mesmo caminho com a edição de estu-
dos e documentação40. Foi aqui que publicamos três volumes com interesse para a
História do Vinho41.
Seria exaustivo enunciar todas as fontes dos séculos XVIII e XIX que reputamos
fundamentais mas, tendo em conta o tema que nos propusemos estudar, apresenta-
mos apenas uma relação sumária dos núcleos consultados. Na altura da pesquisa
documental, a inexistência do necessário roteiro arquivístico complicou o nosso tra-
balho, mas hoje a tarefa está facilitada pelos avanços no domínio da Arquivística.

40. É o caso dos livros de vereações do Funchal dos séculos XV a XVI, da responsabilidade de José Pereira da Costa.
41. História do Vinho da Madeira, Funchal, 1993; O Público e o Privado na História da Madeira 2 vols, Funchal, 1998.
26 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 27

Publicação de documentos
ARAGÃO, António, A Madeira Vista por Estrangeiros. 1455-1700, Funchal, 1981. [publi-
ca entre as pp.227-393. As cartas de W. Bolton de 1695-1700]
MENEZES, Servulo D., Uma Época Administrativa da Madeira e Porto Santo..., 3 vols,
Funchal, 1949-50
Guias de fontes NASCIMENTO, João Cabral, Apontamentos de História Insulana, Coimbra, 1927
SILVA, Maria Júlia de Oliveira e, Fidalgos-Mercadores no Século XVIII- Duarte Sodré
Arquivo Histórico Militar, Lisboa, 1978 Pereira, Lisboa, 1992
As Gavetas da Torre do Tombo, C.E.H.U., 12 vols., Lisboa, 1960-1977 SIMON, A. L., The Bolton Letters. The Letters of an English Merchant in Madeira, vol.
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Moniz]. — Lisboa: Biblioteca Nacional, 1896
BRANQUINHO, Isabel, Alguns Núcleos Documentais Relacionados com os Arquivo Regional da Madeira
Arquipélagos dos Açores e da Madeira Existentes em Arquivos e Bibliotecas de
Lisboa, in Os Arquivos Insulares (Atlântico e Caraíbas), Funchal, 1997, 227-266.
CASTRO E ALMEIDA, Eduardo, Archivo de Marinha e Ultramar. Inventário, 2 vols., Aqui distinguimos quatro núcleos onde foram recolhidos elementos importantes e valiosos
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Porto Santo, 1820-1833).
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28 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 29

- Actas do Conselho Distrital da Agricultura, 1893/1898, nº. 249 - Ofícios Dirigidos à Comissão da Fazenda, 1834/1835, nº. 400
-Actas da Sociedade Agrícola do Funchal, 1849/1854, 1854/1876, nº. 1016-1017 REPARTIÇÃO DO CONSELHO
-Inventário dos Volumes Oferecidos ao Gabinete de Leitura da Sociedade Agrícola - Avisos Expedidos, 1775/1844, nº. 402/409
do Funchal, nº. 1015 - Consultas, 1775/1791, nº. 410
Imposição das Estufas: - Ordens, 1775/1796, nº. 411/412
- Vinho, Manifestos, 1839/1872, 6 volumes, nº1069/1074. CONTADORIA GERAL:
Acção britânica e sua ocupação da ilha: - Contas-correntes do Rendimento das Estufas de Melhorar Vinho, 1806/1833, nº. 441
- Governo Civil, Registo de Ofícios, Rrespostas, Capitulações, Participações, Divisões - Notas da Contadoria – Registo, 1716/1833, nº. 458/460
e todos os mais Documentos Positivos deste Governo com as Forças e Tropas de Sua - Ofícios da Contadoria – Registo, 1806/1834, nº. 461/463
Majestade Britânica e Enviado Português em Londres, 1808/1815, nº. 516 - Portarias – Registo, 1830/1834, nº 465/467
- Portarias, Ofícios, Requerimentos, 1831/1832, nº 468
DÍZIMOS:
Câmara Municipal de Machico
- Contas Correntes com Vinho e Verduras, 1827/1831, nº 750
Colectâneas de documentos: ERÁRIO, Repartição do...:
- Livro do Registo Geral da Câmara, 1637/1840, nº. 84/93 - Avisos Expedidos, 1775/1832, nº. 758/759
- Livro das Vereações, 1700/1895, nº. 110/144 - Ordens Expedidas, 1775/1795, nº. 760
Imposição do Vinho: ERARIO RÉGIO:
- Livro de Arrematação da Imposição do Vinho, 1710/1732, nº. 3 - Consultas, 1775/1843, nº. 761/765
- Livro do Registo dos Manifestos de Vinho, Aguardente e Vinagre, 1774 e 1776, nº. - Ordens Enviadas à Junta da Fazenda, 1775/1844, nº. 770-778
145/146 JUNTA DA REAL FAZENDA:
Núcleo particular - Assentos Extraordinários, 1802/1807, nº. 940
- Casa Ornelas42 - Deliberações, 1775/1805, nº. 942
- Casa Torre Bela PORTO SANTO:
- Documentação sobre a Administração da Real Fazenda da Ilha..., 1781/1792, nº.
Arquivo Nacional da Torre do Tombo 960
REGISTO GERAL DA FAZENDA E CONTOS1569/1775, nº. 963/976
Quanto à Madeira o arquivo nacional dispõe de três núcleos arquivísticos impor-
tantes que para aí foram transferidos por portaria de 9 de Junho de 1886. Alfândega SUBSIDIO LITERÁRIO, Repartição:
do Funchal, Provedoria e Junta da Real Fazenda do Funchal, Cabido e Sé do - Avisos Expedidos, 1776/1789, nº. 994
Funchal. - Consultas e Ordens, 1775/1834, nº. 995/996
- Manifesto do vinho e receita por freguesia:
Alfândega do Funchal Arco de S. Jorge, 1834, nº. 1049
Calheta, Arco e Estreito, 1775/1834, nº. 1050/1053
-Direitos da Cerveja e Genebra, 1818. nº. 2
Camacha e Caniço, 1832, nº. 1054
Mercadorias- Entradas e saídas:
Câmara de Lobos e Estreito, 1812/1831, nº. 1055/1058
Livro do Fiel dos Armazéns - Manifesto de Carga de Vinhos, 1819/1831, nº. 207
Campanário (nº. 1063 também Ribeira Brava Serra de Agua e Tabua), 1828/1830, nº.
Vinho - exportação:
1059/1063
- Livro do Feitor do Embarque, 1789/1834, 11 volumes, nº 245/255
Caniço (o nº. 1068 também Gaula e Camacha, nº. 1069 também Gaula), 1803/1834,
nº. 1064
Provedoria e Junta da Real Fazenda do Funchal Estreito e Arco da Calheta, 1804/1825, nº. 1072/1073
-Registo de Cartas Escritas a Sua Majestade por Francisco de Andrada, seu Filho Estreito de Câmara de Lobos, 1828/189, nº. 1074/1075
Ambrósio Vieira Andrada e seu Neto Jorge Vieira de Andrada, 1646/1783, nº. 396 Faial, 1834, nº. 1076/1077
Fajã da Ovelha, Paul do Mar, Prazeres, Jardim do Mar, 1834, nº. 1078
Gaula, 1828/1834, nº. 1079/1080
42. Maria Fátima Barros Ferreira, Arquivo da Família Ornelas Vasconcelos. Instrumentos Descritivos, in Arquivo Histórico da Machico, Agua de Pena, Caniçal, Faial, Santa Cruz, 1827/1834, nº. 1081/1088
Madeira, Boletim do Arquivo Regional da Madeira, vol. XXI, 1998.
30 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 31

Madalena do Mar, 1803, nº. 1089 - Colecção de Ordens e Providencias Militares, Civis, Económicas na Ocupação pela
Nossa Senhora do Monte, 1829/1832, nº. 1090/1092 Força Inglesa sob as Ordens de Clinton até 1815, cod. 8022
Ponta Delgada, 1833/184 – nº. 1093/1094 - Papéis Vários sobre o Comércio Inglês na Madeira, MA. 219, nº. 29
Ponta do Sol, Canhas, Madalena e Tabua, 1803/1834, nº.1059/1104
Porto da Cruz, 1816 e 1834, nº. 115/116
Monografias manuscritas sobre a ilha da Madeira
Porto Moniz, Ribeira da Janela, Seixal, 1829/1834, nº.1107/1112
Porto Santo, 1805/1834, nº. 1113/1119 - Documentos para a História do Archipélago da Madeira, compilados por Álvaro
Ribeira Brava, Campanário, Serra de Agua, Tábua, 1805/1832, nº.1120/11203 Rodrigues Azevedo, Cod. 6999
Ribeira da Janela, 1834, nº. 1124 - Cultura da Vinha - Notas de 1832, Cod. 598, fol. 136 vº/267 vº
Santa Ana, Arco de S. Jorge, 1804/1834, nº. 1125/1126 - DRUMOND, João Pedro de Freitas, Documentos Históricos e Geográficos sobre a Ilha
Santa Cruz, Gaula, Santa Luzia, Caniço, 1804/1834, nº. 1127/1153 da Madeira (cópia), Cod. 7210
Santa Luzia, S. Gonçalo, Nossa Senhora do Monte, 1834/1835, nº.1134 - Excursions in Madeira During Autum of 1823 by T. Edward Bodwish (extractos em por-
Santa Maria Maior, 1812/1835, nº. 1135/1142 tuguês - notícias várias, acerca da agricultura da região), cod. 298
Santo António, Camacha, 1819, nº. 1143/1144 - Miscelânea Histórica - História do Descobrimento da Ilha da Madeira, seus Donatários
Santo António e Curral das Freiras, 1829/1831, nº. 1145/1147 e mais Notícias... Memorial dos Terramotos, Cheias e outras Calamidades
Santo António, Curral das Freiras, S. Martinho, Câmara de Lobos e Estreito, 1834, Ocorridas na Ilha da Madeira, Alvarás, Editais, Proclamação... de 1802/18
nº. 1148 Referentes à Ilha da Madeira, cod. 10848
S. Gonçalo, 1804/1829, nº. 1149/1153 NÓBREGA, Januário Justiniano de, Breve Memória para a Descrição Histórica,
S. Jorge, 1834, nº. 1154 Ttopográfica, Económica do Concelho do Funchal, 1851, cod. 8023
S. Martinho, 1829/1831, nº. 1155/1156
S. Pedro, 1804/31, nº. 1157/60 Sobre o comércio:
S. Pedro, S. Roque, Nossa Senhora do Monte, Santa Maria Maior, 1834, nº. 1161 - Comércio de Importação dos Estados de 1788/1828, cod. 600
S. Roque, 1813/1831, nº. 1162/1164
S. Roque, Santa Maria Maior, S. Pedro, 1834, nº. 1165 Arquivo Histórico Ultramarino
S. Vicente, 1833/1834, nº. 1166
Sé e Santa Luzia, 1831, nº. 1167
Seixal, 1834, nº. 1168
Serra de Agua e Tabua, 1813 e 1832, nº. 1169/1170 O núcleo mais importante sobre a Madeira veio do Antigo Arquivo da Marinha
Tábua, 1813/1829, nº. 1171/1173 e Ultramar, estando já inventariado por Eduardo Castro Almeida 46. No entanto exis-
tem mais 31 maços não catalogados onde fizemos uma breve pesquisa.
Cabido e Sé do Funchal Posteriormente encontrámos novos elementos no códice 1162 (1673/1696).
MAÇOS 4 nº. 32; 6 nº. 32; 7 nº. 3; 17 nº. 20; 20 nº. 2; 23 nº. 13; 32 nº. 39

Biblioteca Nacional de Lisboa/Secção de Reservados


Aqui apenas podemos considerar alguns manuscritos da Colecção Pombalina e ou-
tros variados, especificamente sobre a Madeira

Colecção Pombalina:
- Manuscritos, nºs. 458, 462, 466, 611, 638, 642

Outros
Sobre a acção e ocupação inglesa: 43. Archivo da Marinha e Ultramar -Inventário-Madeira e Porto Santo, I vol (1613/1819), II vol. (1820/1833), Coimbra, Imprensa
da Universidade, 1907
32 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 33

Os Jornais

J
Henry Mare afirma que escrever a história do jornalismo no século XIX é escre-
ver a história do próprio século48. A partir de 1821 com o incremento da imprensa
os jornais assumem-se como uma fonte primordial para o conhecimento mais por-
menorizado do quotidiano e da opinião do cidadão, obviamente letrado. Tendo em
conta que o século XIX na Madeira se apresenta bem documentado de publicações
periódicas e, que seria impossível um estudo detalhado de todas, optámos por uma
selecção prévia que se alargou à medida da necessidade de informações de índole
político-económica. Primeiro incidimos a recolha nos períodos mais marcantes da
conjuntura vitivinícola, dando particular destaque aos anos de 1820/30, 1850/1855,
1870/1875.
O período de 1820/1830 é aqui apresentado por ser a fase de arranque do jor-
nalismo insulano, marcadamente criticista e comprometido com a conturbada con-
Copiador de cartas
juntura da primeira metade do século XIX. Tivemos quatro tipografias para nove
comerciais da empresa de jornais de publicação efémera. O Patriota Funchalense49, primeiro periódico publi-
Thomas Newton. Século XVIII.
Arquivo da Madeira Wine
cado na ilha, é o nosso maior destaque. As páginas do bissemanário estavam aber-
Company tas à colaboração (paga pelos autores), afirmando-se como uma tribuna de discussão
dos problemas de âmbito regional. De entre as principais preocupações temos a
Os Arquivos Empresariais. salientar as questões do vinho, aguardentes, vínculos e contrato de colonia50. Mas,
depressa perderam vigor com os acontecimentos de 182351.
A investigação completa de um tema como o vinho deverá contemplar a consulta De entre os jornais surgidos no primeiro momento podemos destacar O
aos arquivos das principais regiões de destino do vinho na Europa e América e o Funchalense Liberal e O Defensor da Liberdade. Entre 1850/1870 estámos perante
recurso aos arquivos privados, nomeadamente a documentação das casas inglesas. um momento rico na publicação de jornais, com cerca de meia centena de periódi-
Apenas no seio da comunidade britânica encontrámos um maior cuidado na preser- cos, destacando-se alguns pela incidência na discussão político-económica-social: O
vação do arquivo empresarial, de que temos notícia detalhada dos arquivos de Cossart Amigo do Povo, O Progressista, A Ordem, o Clamor Público.
& Gordon44 e família Blandy. A Madeira Wine Company mantem no acervo históri- O Clamor Público, surgido em 1854, agregou jornalistas de mérito com acção
co documentação das diversas empresas que se associaram a partir de 1925. Aqui política nas Cortes e fora delas: António Correa Henriques, António Gonçalves de
podemos encontrar abundante informação sobre as firmas supracitadas, como é o Freitas, Luís de Freitas Branco52. E, como diziam em editorial, a função do jornal
caso das casas de Tarquinio T. Lomelino e F. F. Ferraz & Co. O arquivo da firma
Cossart Gordon & Co (1745-1831)45 é entre todos o mais significativo reunindo mais 48. Citado por A. Aragão Mimoso de Freitas, A Madeira Adere à Revolução de 1820, Lisboa, 1958 (tese de licenciatura), p. 17.
de 2000 peças documentais de 1745 a 1943. 49. Veja-se José Augusto dos Santos Alves, “O Patriota Funchalense” ou o elogio do contrapoder, in Actas do II Colóquio
Internacional de História da Madeira, Funchal, Setembro de 1989, Lisboa, 1990, pp.279-400; António Marques da Silva,
A partir da publicação das cartas de William Bolton por A. L. Simon46 é possível Preocupações Ecológicas do “Estrela do Norte”, in Atlântico, 19, 1989, pp.203-220; idem, Almeida Garrett e “O Patriota
Funchalense”, Atlântico, 8, 1986, pp.289-292.
conhecer a acção do negociante de vinhos entre 1695 e 1740. Para nós as cartas co- 50. Um facto característico desta colaboração é o tipo de pseudónimo então usado pelos seus colaboradores a condizer ou não
merciais de William Bolton, juntamente com as de Diogo Fernandes Branco (1649- com o momento. Assim temos o “Ilheo Constitucional”, o “Imparcial Cidadão”, “Despertador Principiante”, “O Novo
Despertador”, “O Amigo da Verdade”, “Amante da Justiça”, “Hum Amigo da Paz”, “Hum Observador Imparcial”, “O Inimigo
1652), João de Saldanha Albuquerque (1673-1698) e Duarte Sodré Pereira47 permitem dos Aristocratas”, “Hum Português”, “Hum filho da Madeira”, “O Sentinela do Erário”, “Hum Cidadão”, “Hum Villão do
Campo”, “O Camponez Madeirense”. Dois mais se destacam: um pelo nome - Robert Machim, o outro pela sua prosa vig-
colmatar algumas lacunas da documentação oficial para os séculos XVII e XVII. orosa e contestatária - o Estrella do Norte. O primeiro, fruto dum saudosismo, marcadamente britânico, o segundo, identifi-
cado com o cónego Jerónimo Alves da Silva (1770/1861) evidencia-se pela sua prosa jornalística marcadamente liberal e
criticista em que ninguém escapava ao seu olhar crítico. Por outro lado temos a referenciar a colaboração assinada, donde
44. Elizabeth Nicolas, Madeira and the Canarias, Londres, 1953, p. 107. destacamos algumas personalidades conhecidas, como Francisco Manuel Alves, Diogo Dias Ornelas, Jaime António de
45. Parte da documentação encontra-se nos arquivos da Madeira Wine Company e outra foi vendida pelos herdeiros à França Neto, J. Cardoso Giraldes, João Chrisóstomo Espínola Macedo, Francisco Paula Medina de Vasconcelos.
Universidade de Liverpool.Cf.Noel Cossart, Madeira the Island Vineyard, London,1984.p.XI. 51. Primeiro tivemos a prisão do proprietário e redactor, Nicolau Pita, por alçada de 1823, acusado de maçónico, por outro a cri-
46. The Bolton Letters..., Londres, 1965, vol. I. ação em 12 de Junho de 1823 duma comissão de censura, que conduziram ao fim deste periódico.
47. Maria Júlia de Oliveira e Silva, Fidalgos-Mercadores no século XVIII- Duarte Sodré Pereira, Lisboa, 1992 52. Isto só até ao número 27.
34 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 35

era importante: Se o título de um periódico pode significar a Índole e carácter dele - O Progressista, 28 Agosto 1851/15 Maio 1854
– ‘O Clamor Público’ - indica que ele há-de ocupar-se de todos os assuntos cuja dis- - A Ordem, 15 Janeiro 1852/1 Setembro 1860
cussão é reclamada pela opinião e interesses gerais desta província. E essa missão já - O Clamor Público, 17 Maio 1860/15 Outubro 1877
se vê que vai tratar dos meios de proteger as indústrias agrícola, comercial e fabril, - O Direito, 1880/1883
- O Funchalense, 17 Abril 1859/17 Fevereiro 1851
com muita especialidade53.
- A Voz do Povo, 17 Maio 1860/15 Outubro 1877
Cada jornal tinha o devido enquadramento político-partidário, apresentando-se
- Gazeta da Madeira, 1 Fevereiro 1866/27 Fevereiro 1869
como o decalque da situação política. Os editoriais e artigos dos colaboradores mais - A Razão, 1867/1870
directos são disso um reflexo. Daqui resultou acesa polémica que envolveu alguns - O Popular, 1 Fevereiro 1809/12 Setembro 1869 - 1874/1877
jornais, nomeadamente O Clamor Público e a Ordem. - A Lâmpada, 21 Novembro 1876/17 Janeiro 1878
Destaque especial foi dado a um periódico surgido em 1851 - O Agricultor - O Popular, 1 Novembro 1876/17 Janeiro 1878
Madeirense - que se afirmava como órgão oficial da Sociedade Agrícola - Diário de Notícias, 11 Outubro 1876
Madeirense. Em O Archivista, onde se imprimia o novo periódico, temos a notícia Na imprensa do continente encontrámos várias páginas dedicadas à Madeira da
do aparecimento e da finalidade em vista: É destinado a dar conta das Actas da autoria de madeirenses58, como é o caso das memórias publicadas por António
Sociedade Agrícola Madeirense e direcção - de todas as propostas, indicações, Correia Heredia na Revolução de Setembro. Noutros periódicos, onde soubemos
relatórios e trabalhos dos sócios e comissões - da legislação agrária, em geral, e da que a pesquisa seria coroada de êxito, fizemos o levantamento sumário dos ele-
especial da Madeira, - e de memórias, artigos, e quaisquer escritos interessantes mentos mais importantes. Aqui tivemos em conta as publicações da especialidade.
sobre agricultura54. A ideia repete-se no editorial do primeiro número, que explicita Assim do Portugal Agrícola - 1901/8 - retivemos informações sobre a lavra da vinha
as razões de criação da Sociedade Agrícola55. no continente e na Madeira, de que destacamos as monografias de Menezes
A informação disponível sobre o jornalismo madeirense é avulsa, fazendo falta Pimentel, Azevedo Menezes. Na Informação Vinícola (1950/3), órgão oficial da
uma monografia e inventário adequado. Apenas conhecemos duas listas incomple- Junta Nacional dos Vinhos, colhemos notícias e informações de índole histórica
tas feitas por Jordão Apolinário de Freitas56 e pelo Visconde do Porto da Cruz57. Nas sobre o vinho, de modo especial os textos de Rodrigo Cavalheiro, Avelar Machado,
bibliotecas do continente e da Madeira os núcleos jornalísticos estão incompletos, António de Almeida e José Tavares. Outros mais consultamos em que destacamos:
tornando impossível uma relação completa. A colecção da BNL pertence em
grande parte ao espólio de A. R. de Azeredo, aí incorporado após a morte, fican- - A Vinha Portuguesa - Revista Mensal Dedicada ao Progresso da Viticultura Nacional,
do-se no século XIX. Lisboa, 1886/1929, sob a direcção de F. Almeida Brito, Alfredo le Coca, Jorge de
Apresentamos, de seguida, por ordem cronológica, os jornais consultados em Melo.
que colhemos informações para o presente trabalho. - A Vinha Americana em Portugal, 1897, 2 números, revista bissemanal publicada por
António Palma de Vilhena, que como o nome indica releva toda a actividade para
o replantio das vinhas em Portugal por intermédio das castas americanas59.
- O Patriota Funchalense, 2 Julho 1821/8 Fevereiro 1823, 214 números
- Vinicultura, 1934, [que se publicou no Porto por iniciativa de um proprietário local,
- O Pregador Imparcial da Verdade, da Justiça e da Lei, 17 Fevereiro 1823/3 Julho
Fernando Ribeiro Guimarães].
1824, 71 números
- Vinhos de Portugal, publicação de propaganda vinícola, 1954, publicado em Coimbra
- Funchalense Liberal, 3 Fevereiro 1827/26 Abril 1828
por A. Rocha Pinto.
- O Defensor, 4 Janeiro 1840/18 Maio 1847
- O Vinho em Portugal, Lisboa, 1967, boletim mensal do grémio dos armazenistas de
- O Echo da Revolução, 27 Julho 1846/23 Janeiro 1847
vinho, sob direcção de Acácio Caldeira
- O Independente, 20 Agosto 1846/15 Maio 1847
- Vinho - Semanário Vitivinícola, publicado em Lisboa sob a direcção de António
- Correio da Madeira, 3 Fevereiro 1849/9 Agosto de 1851
Batalha Reis[um especialista das questões enológicas. Foi também director do jor-
- O Amigo do Povo, 26 Janeiro 1850/ 27 Abril 1854
- O Arrivista, 7 Dezembro 1850/27 Dezembro 1851 nal Informação Vinícola].
- O Agricultor Madeirense, 26 Março 1851/Dezembro 1851
53. Nº 1, p. 1.
54. Nº 15, p. 1.
55. Nº 1, pp. 1/2. 58. Existem diversas publicações que compilam os discursos parlamentares de deputados madeirenses. Veja-se Fernando
56. Vide Diário de Notícias, Funchal, nº 6385/6. Augusto da Silva, “Discursos”, in Elucidário Madeirense, vol. I, Funchal, 1984, pp.865-867.
57. Notas e Comentários para a História Literária da Madeira, Funchal, 1953, vol. II, pp. 311/3. 59. Vide nº 1, pp. 1/2, onde se alude a esta finalidade prática.
36 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 37

A Bibliografia fundos arquivísticos locais com a organização do arquivo local sob o impulso de João
Cabral do Nascimento, que através dum boletim (1931) procedeu à sua divulgação. O
trabalho teve continuidade nos anos subsequentes de forma que hoje o acesso aos fun-

B
No século XIX lançaram-se as bases da História Insulana que teve em Álvaro dos documentais está facilitado. Foi neste contexto que tivemos na década de 50, da ini-
Rodrigues de Azevedo (1825/1898) o marco fundamental, com as anotações às ciativa da Sociedade de Concertos da Madeira e sob os auspícios de Luís Peter Clode,
Saudades da Terra e na monografia sobre a Madeira publicada no Dicionário uma revista de artes, letras e História, que tomou o nome de Das Artes e da História
Universal de Português Ilustrado de Fernandes Costa e numa colectânea de docu- da Madeira. A publicação animou o panorama cultural da ilha durante duas décadas
mentos que deixou em manuscrito60. O primeiro estudo ficou como fonte base de toda (1950/1960), tendo marcado uma fase importante da historiografia local, com os estu-
a posterior escrita sobre história da Madeira e, ainda hoje, é um elemento indispensável dos de Pita Ferreira, Joel Serrão e Ernesto Gonçalves.
de consulta. São da mesma época os textos de Paulo Perestrelo da Câmara (1810/1854), As teses de licenciatura apresentadas entre 1940/60 como prova final da licenciatu-
Breve Notícia sobre a Ilha da Madeira (1841), os apontamentos manuscritos de João ra de História às Faculdades de Letras de Lisboa e Coimbra assumem igualmente uma
Pedro de Freitas Drumond e a referência do cónego Joaquim Gonçalves de Andrade importância fundamental por serem trabalhos monográficos de investigação sobre
(1795/1868), que anotou a História Insulana de António Cordeiro, no que toca à temas obscuros ou inexplorados, podendo salientar-se as de Fernando Jasmins Pereira
Madeira e que teria reunido documentação para a História da Madeira, que se perdeu (em Coimbra), Maria de Lurdes Freitas Ferraz, Maria do Carmo Jasmins Pereira,
juntamente com o espólio literário61. Quase todos os textos publicados estão impregna- António Aragão, Mimoso de Freitas e João José Abreu de Sousa.
dos pela marca ideológica do movimento liberal, como se pode comprovar nas Horácio Bento de Gouveia, através da obra literária, merece destaque por ser o
tomadas de posição de Álvaro Rodrigues de Azevedo sobre a questão em debate do escritor e memoralista das palpitações, problemas e quotidiano da população rural. Na
contrato de colonia e da subordinação da ilha ao domínio britânico. obra que nos deixou perpassa um traço historiográfico, nomeadamente em A Canga,
A historiografia primeira metade do século XX (1922/50) foi marcada pela ideolo- com a refutação do contrato de colonia, Aguas Mansas, com o retrato de miséria das
gia patriótico-nacionalista, como foi o caso do grupo conhecido como a Geração do bordadeiras, O Torna Viagem, com a saída e regresso do emigrante madeirense,
Cenáculo. Estamos perante uma agremiação onde se juntavram alguns dos vultos mais Margareta, com o desvendar dos meandros da urbe funchalense dos anos 40. Alguns
destacados da época, de que podemos salientar ao nível historiográfico, J. Reis Gomes, aspectos do quotidiano da primeira metade do século XX estão ao alcance de todos.
Fernando Augusto da Silva e Alberto Artur Sarmento. A tertúlia tinha como órgão ofi- Para os séculos XVIII e XIX não devemos desprezar o contributo dado pela litera-
cioso o Diário da Madeira e o Heraldo da Madeira, onde davam conta das deambu- tura inglesa com a publicação de monografias específicas sobre a ilha. O inglês, não só,
lações históricas. Foi daqui que partiu a ideia de comemorar o V centenário da dominou os circuitos comerciais, como também se mostrou interessado na cultura e
descoberta da ilha, que teve lugar entre 1922/1923. História, certamente com a intenção de defender-se das acusações que determinada
O Pe. Fernando Augusto da Silva (1863/1949), com o Elucidário Madeirense historiografia local vinha fazendo.
(1923), lançou as bases da História da Madeira. Estamos perante um apanhado, em A Madeira ganhou a atenção dos aguarelistas, escritores e historiadores ingleses. Nas
modo de dicionário, dos aspectos mais importantes mas não qualquer história acaba- aguarelas testemunha a vida (e caricatura) da sociedade madeirense do século XIX, o
da. Alberto Artur Sarmento (1878/1953) foi o elemento mais influente, espírito pers- traje, as festas, costumes e paisagens63. Entretanto os memorialistas que por cá passaram
picaz e aberto que em Os Ensaios Históricos da Minha Terra (1ª edição, 193) esboçou deixaram escritas as impressões de tudo quanto viram, dando realce ao vinho. Aqui
uma síntese de história regional. merece destaque a memória de Henry Vizettely que em Facts about Port and Madeira
A geração seguinte continuou o trabalho de pesquisa e divulgação da História da (1880) dá conta do estado das vinhas madeirenses infestadas com a moléstia da
Madeira. A conjuntura foi favorável, quer através do Congresso do Mundo Português Filoxera, das castas mais importantes, da forma de funcionamento das estufas, do
em 1940, quer das comemorações henriquinas em 1960. Veja-se, por exemplo, as comércio64. Outras monografias surgiram com carácter turístico. R. White em 1853 ao
comemorações henriquinas celebradas no Funchal através do boletim do Arquivo escrever Madeira its Climate and Sunny, que tinha um subtítulo significativo: A
Histórico62. Os elementos mais destacados são: o Pe. Eduardo Pereira (1887-1976), Handbook for Invalid and other Visitors. Mais recentemente tivemos W. H. Koebel,
Ernesto Gonçalves (1898-1982), Carlos Montenegro Miguel. A. L. Simon, Rupert Croft-Cook que, em estilo de memória ou em forma de mono-
A partir dos anos 30 deu-se um impulso decisivo na historiografia na valorização dos grafia histórica, deram conta de vários aspectos da história ao público inglês.

60. BNL, Secção de Reservados, Cod. 6999.


61. Visconde do Porto da Cruz, ibidem, p. 62. 63. José Leite Monteiro, Estampas Antigas de Paisagens e Costumes da Madeira, Funchal, 1951.
62. Vide vols. XII e XIII. 64. Vide Ruppert Croft Cook, Madeira, Londres, 1961, pp. 96/105.
38 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 39

A mesma opinião foi também defendida para as Canárias, onde, volvidos vinte anos,
Elias Serra Rafols71 respondia a Francisco Morales Lezcano72, enunciando que nunca
existiu um regime de monocultura, uma vez que a economia canária foi dominada
por uma variedade de culturas, cuja actuação não foi uniforme no tempo e no
espaço. A questão foi retomada na década de cinquenta por Frédèric Mauro73, que
aconselhado por Vitorino Magalhães Godinho74, afirma que a economia insular
assentava apenas num regime de produtos dominantes e não de monocultura. Aliás,
V. M. Godinho para desfazer os equívocos introduziu um novo conceito operatório,
o complexo histórico-geográfico.
Na Madeira a ideia dos ciclos vingou junto de historiadores e eruditos não sendo
difícil encontrar expressão em qualquer análise de carácter económico. Assim, ficou
assente que a História Económica da Madeira evoluiu do ciclo dos cereais, do açú-
car ou ouro branco, do vinho, do turismo, banana e, certamente, da autonomia.
Finalmente em 1979 esta leitura chegou à análise da História de Arte e urbanismo
da cidade, surgindo pela pena de António Aragão75 a ideia de que a cidade teve dois
momentos distintos em que se definiram diversas formas de concretização artística
e urbanística: a cidade do açúcar e do vinho. O impacto que o texto teve no meio
académico e público interessado conduziu a que a ideia, ainda que sem qualquer
fundamento, acabasse por vingar.
Armas da Uma análise aturada da economia insular diz-nos que não se regeu por princípios
Cidade do Funchal65.
exclusivistas, de acordo com a premência das solicitações externas. Antes pelo con-
trário, o desenvolvimento socio-económico processou-se de forma variada, sendo a
História económica e a teoria dos ciclos. exploração económica resultado do confronto com as condições e recursos do
meio, as solicitações da economia de subsistência. É difícil, senão impossível, definir
Uma das questões mais prementes da historiografia madeirense sobre o vinho um ciclo em que impere a monocultura de exportação, num espaço amplo e multi-
prende-se com a ideia de ciclo, usada para definir o período de afirmação da cultura facetado como é o do mundo insular.
e comércio do vinho. É comum apresentar-se o processo económico da Madeira de Os modelos, embora perfeitamente delineados, não se ajustam à realidade socio-
acordo com a afirmação cíclica de produtos66. A teoria, que teve o apogeu nas económica, que é extremamente variada e enriquecida de múltiplas matizes.
décadas de cinquenta e sessenta, não colhe hoje adeptos. Tudo começou em 1929 Embora alguns produtos, como o trigo, o açúcar, o vinho e o pastel, surjam em
com Lúcio de Azevedo67 e foi reforçado passados vinte anos com Fernand Braudel68, épocas e ilhas diferenciadas, como os mais importantes e definidores das trocas
acabando por conquistar a adesão da historiografia brasileira. Ambos argumentam externas, não são únicos na economia insular. Na verdade, a dominância sucede
que o processo económico das ilhas se articulou de acordo com o regime produtivo
de monocultura. Ainda, em 1949 Orlando Ribeiro69 esclarecia, que no caso da 71. ”El gofio Nuestro de cada Dia”, in Estudios Canários, XIV-XV, 1969-1970, pp.97-99, sendo corroborrado por M. A . Ladero
Quesada, España en 1492, Madrid, 1978, pp.205-218, e Eduardo Aznar Vallejo, La Integración de las Islas Canárias en la
Madeira não é possível encontrar rastros de monocultura no regime de exploração Corona de Castilla, La Laguna, 1983, p.455.
agrícola, mesmo assim Joel Serrão insistiu em 1950 em definir o ciclo dos cereais70. 72. MORALES LEZCANO, Victor, Sintesis de la Historia Economica, Tenerife, 1966, IDEM, Las Relaciones Mercantiles entre
Inglaterra y los Archipiélagos Atlantico Ibericos (...), La Laguna, 1970;IDEM, “Cultivos Dominantes y Ciclos Agricolas en la
Historia Moderna de las Islas Canarias”, in Historia General de las Islas Canarias, IV, 11-22.
73. Frédèric MAURO, Le Portugal et l’Atlantique au XVIIe, siècle (...), Paris, 1960, 501; IDEM, “Conjoncture Économique et
65. Os elementos figurativos começam por assinalar apenas a cana de açúcar e só a partir de 1809 surgem os referentes ao Structure Sociale en Amérique Latine depuis d’Époque Coloniale”, in Conjoncture Économique, Sctruture Sociales,
vinho, através de uma parreira com uvas, confronte-se António Aragão, As Armas da Cidade do Funchal no curso da sua Hommage à Ernest Labrouse, Paris, 1974, 237-251.
História, Funchal.1984. 74. GODINHO, Vitorino Magalhães, Os Descobrimentos e a Economia Mundial, vol. IV, Lisboa, 1983, pp.207-223; IDEM, “A
66. O mesmo debate existe quanto às análises de História Económica Ibero-americana, veja-se Goizueta-Mimo, Felix, Bitter Divisão da História de Portugal em Períodos”, in Ensaios II, 2ª ed., Lisboa, 1978, 12-14; IDEM, A Construção de Modelos
Cuban Sugar. Monoculture and Economie Dependence from 1825-1899, N. York, 1987. para as Economias Pré-Estatísticas, Revista de História Económica e Social, 16, 1985, pp.3-16; “Entender la Praxis de los
67. AZEVEDO, Lúcio de, Épocas de Portugal Económico. Esboços de História, Lisboa, 1929. Negocios”. Esboço de Modelo para a Economia dos Séculos XV e XVI, História das Ilhas Atlânticas, vol. I, Funchal, 1997,
68. BRAUDEL, F., Le Méditerranée et le Monde Méditerranéen(...), ed. de 1949, 123. 13-39; IDEM, “Entender la Praxis de los Negocios”. Esboço de Modelo para a Economia dos Séculos XV e XVI, in História
69. Orlando Ribeiro, L’Île de Madère (...), Lisboa, 1949, 67. das Ilhas Atlânticas, vol. I, Funchal, 1997, pp.40
70. SERRÃO, Joel, Temas Históricos Madeirenses, pp.17-20 e 53-75. 75. ARAGÃO, António, Para a História do Funchal, Pequenos Passos da Sua Memória, Funchal, 1979
40 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 41

apenas no sector da exportação e nunca na globalidade da economia da ilha, onde Obras gerais
por vezes outros, como fonte de riqueza familiar e subsistência, se tornam mais
importantes.
Os ciclos de monocultivo são apenas a parte visível das exportações pelo que Estrangeiras • Temática Geral
resumir a análise económica a isso é uma atitude reducionista uma vez que se limi-
ALBIZZI, Six mois à Madère, in La Tour de Monde, Paris, 1889, T.15, pp. 65/96
ta a reconhecer a importância dos produtos com maior peso nas exportações. A ilha
BAGUET, A., L’île Madère, in Bulletin de la Societé de Gèographique d’Anvers, Anvers,
é um microcosmo definido pela variedade de espaços ecológicos que não se com-
1879, T. VI, 367/82
padecem com a unicidade agrícola. A situação de produto dominante levou à sis-
BLAIZE, L., Madère, in Bulletin de la Societé de Géographique de Lyon, Lyon, 1879, T.
tematização do devir socio-economico em ciclos, uma ilusão da complexa realidade
II, pp. 81/85
que serve de base. O produto define a estrutura socio-economica, numa determi-
nada época, esquecendo-se a complexidade do sector produtivo e comercial. A DERVENU, Claude, Madeira, Paris, Horizons de France, S/D
documentação é unânime na afirmação de que o empenho do ilhéu não se resum- KOEBEL, W. H., Madeira-Impressions & Associations, London, Metwens & Ca. Ldt.,
ia apenas ao produto que mais girava nas relações com o exterior. Há em todos os 1924
momentos uma preocupação das autoridades e das populações de auto-suficiência MARJAY, Frederic, Madeira, Lisboa, Livraria Bertrand, 1965
que milita em favor da manutenção das culturas da dieta alimentar que medravam, NICHOLAS, E., Madeira and the Canarias,, London, 1953
lado a lado, com as dominantes e solicitadas pelo comércio externo. A polivalência POWER, C. A. de P., Powers Guide to the Island of Madeira (the pride of Portugal),
produtiva foi uma constante do devir economico, sendo uma das características das London, George Philips &Son Ltd., 30ª edição
regiões insulares. A dominância de um produto nas relações com o exterior não PAJEAUX, Daniel Hneri, L’Escale du Pére Laval à Madère-1720, in Arquivos do Centro
impede a situação de policultura, nem retira o empenho das gentes laboriosas em Cultural Português, Paris, 1970, vol. II, pp. 445/56.
assegurar a sua autosubsistência. As posturas Municipais, quando regulamentam os PAPILLAUD, Lucien, Un Voyage à Madère en 1858, in Bulletin de la Societé de
diversos sectores económicos, evidenciam uma diversidade de interesses e movi- Geographie de Rodefort, Rodefort, 1883, T. IV, pp. 190/220
mento de produtos. BIRD, W. And Alfred, Madeira - A Guide Book of Useful Information, London, F.
No processo histórico madeirense é gritante a extrema dependência da ilha em Passmore, S/D
relação ao exterior. A Europa assumiu uma posição dominante firmando-se como WILHELM, Hartnack, Madeira, Landeskunde Liner Insul, Hambourg, Friederisheen de
o centro donde emanavam as orientações de ordem política e económica. A situ- Gruyter & C.M.B.H., 1930
ação é comum ao mundo insular definindo uma das peculiaridades, marcada pela WHITE, Robert, Madeira its Climate and Scenery- a Hand-book for Invalid and other
fragilidade e dependência económica em relação ao velho continente. Para isso con- Visitors, Edimbourgh, Adaw and Charles Black, 1850
tribuiu a posição hegemónica das cidades-capitais dos impérios peninsulares a
pouca disponibilidade de recursos e meios das sociedades insulares.Por outro lado
a afirmação de um produto nas exportações não é possível sem a existência de um Nacionais
sistema de policultura, principalmente em universos restritos como o das ilhas. CÂMARA, Paulo Perestrelo da, Breve Notícia sobre a Ilha da Madeira..., Lisboa,
Assim, os canaviais subsistem se for possível assegurar um vasto hinterland de cul- Typografia da Academia de Bellas Artes, 1841
turas de subsistência. Perante isto podemos afirmar que os ciclos serão apenas a FARIA, José Cupertino de, O Arquipélago da Madeira- Guia Descritivo, Setúbal,
visão deformada do processo económico, a caricatura de uma realidade que sempre Typografia de J. Santos, 1901
foi muito mais complexa. GOUVEIA, Horácio Bento de, Canhenhos da Ilha, Funchal, ed. Junta Geral do Funchal,
Entender a economia das ilhas e a História é reconhecer um estatuto diferencia- 1966
do aos espaços económicos. Para nós a História e a realidade económica não se - A Canga, Coimbra Editora Ltd., 1975
compadece com teorias e tão pouco se lhes deve subjugar. Quem conhece as ilhas LAMAS, Maria, Arquipélago da Madeira - Maravilha Atlântica, Funchal, Eco do Funchal,
sabe que em todas domina a diversidade geo-económica, fruto da configuração 1956
geográfica, que provoca na Madeira um escalonamento de culturas. MONTEIRO, José Leite, Estampas Antigas de Paisagens e Costumes da Madeira, Funchal,
ed. Câmara Municipal do Funchal, 1951
42 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 43

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Obras específicas 10, pp. 1 e 2
Como auxiliar da consulta sobre o vinho é importante a bibliografia organizada em TENREIRO, Francisco, Nótula Acerca do Vinho da Madeira, in Geographica, 1965, nº. 1,
1938 pelo Instituto Superior de Agronomia, por altura do V Congresso Vinícola: pp. 26/31
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(Magazine), Washington, 1973, vol. 143, nº. 4, pp. 488/51

Monografias Históricas sobre o vinho


Viticultura/vinificação
Em primeiro lugar convém destacar as que se debruçam sobre a História do vinho
em geral, desde o aparecimento das primeiras cepas no Oriente, aos tempos que Em primeiro lugar convém destacar a acção da Academia de Ciências de Lisboa, ao
decorrem. Igualmente daremos conta das que caracterizam e definem o vinho. longo dos séculos XVIII/XIX, com a publicação das memórias de Agricultura pre-
ALLEN, Warner, The Wines of Portugal, London, Casa de Portugal, by George Rabird, miadas pela mesma, nomeadamente as memórias I a IV (1787/90), e até mesmo as
Ltd., 1962 memórias económicas publicadas entre 1789/1885.
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Quanto à História do vinho da Madeira, poucas são as monografias que merecem
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muito longínquas como meados do século XV, o vinho nunca é esquecido ficando A Voyage in the Sunbeam our Home on the Ocean for Eleven Months, London,
claro o entusiasmo da descoberta. O interesse do forasteiro pela descoberta do vinho 1881.
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58 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 59

incidência na literatura britânica e norte-americana. Merece referência Chadwyck- 2001. [290.000 volumes da literatura inglesa e norte-americana, em prosa, verso e
Healey, por ser a mais completa e exaustiva na informação apresentada. Só aqui peças de teatro do ano de 600 até a actualidade. Acesso limitado]
foram encontrados 360 registos, sendo 130 de poesia, 84 de drama e 146 de prosa. Making of America (Cornell University Site), [disponível na Internet via WWW. URL:
À pesquisa digital juntou-se a consulta da informação bibliográfica da Madeira, http://library5.library.cornell.edu/moa/] Arquivo capturado em 17 de Agosto de
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62 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 63

A tenue parreira que cortada


Aos ramos estendidos acrescenta
Não só nas folhas, pródiga chamada
Mas nos filhos, que vários alimenta
Sendo com várias castas enxertada
O seu óptimo fruto glória aumenta
E nos seus cachos fermosos cada dia
Mostrará que está rica de alegria.

M. Thomas, Insulana, 1635, Lº. X, v. 96, p. 479

Rótulo antigo.
Colecção Madeira
Wine Company.

Viticultura e Produção
A viticultura madeirense
A A definição da viticultura madeirense assenta na disposição das áreas de cultivo
das castas e na forma de cultivo. Ambas as situações estão em relação directa com
o solo e clima, factores determinantes na definição da qualidade e valor gustativo do
vinho. O Madeira é fruto das propriedades comuns à casta, mas são as condições e
variedade de microclimas que determinam, em última instância, as peculiaridades.
O resultado de tudo isto é um vinho inimitável, definido por uma elevada acidez
que, ao contrário do que acontece nos demais, o favorece no processo de envelhec-
imento.
No solo abrupto e ravinoso surgiram os poios (socalcos) onde se distribuíram as
cepas que engalanaram as latadas e balseiras. Os microclimas obrigaram à selecção
da videira adequada a cada área, favorecendo a variedade de castas e qualidade da
uva produzida. A orografia da ilha expressa-se a partir de uma configuração pirami-
dal de cordilheira montanhosa central, e espraia-se em duas vertentes marcadas por
uma costa abrupta, aqui e acolá, entremeada de áreas planas altas (Paul da Serra,
Santo) e de algumas Fajãs. As últimas são um espaço privilegiado para a cultura da
vinha, como se pode verificar com a Fajã dos Padres. Ao povoador estava reserva-
do o labor de humanização do novo espaço, começando por desbravar a floresta e
erguer paredes sobre as ravinas e encostas para aplainar a terra e nelas lançar a
semente.
A agricultura madeirense é marcada pelas condições mesológicas e a persistência
do velho sistema de propriedade (o contrato de colonia1), a origem do desprezo,
abandono do campo e aversão às inovações técnico-agrícolas. A faina vitivinícola,
definida pelos cuidados da videira e da uva, vindima, lagar e tratamento do vinho,

1. Sobre o contrato de colonia veja-se: Pedro Pita, O Contracto de Colónia na Madeira, Lisboa, 1929; Manuel Soares da Rocha,
A Colonia no Arquipélago da Madeira e a Questão que Gerou, Lisboa, 1957; Ramon Correia Rodrigues, A Colonia na
Madeira. Problema Moral e Económico, Funchal, 1947; Idem, Questões Económicas. À Margem da Colonia na Madeira,
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Colónia, in Islenha, 13, 1993, 47-73; IDEM, História Rural da Madeira. A Colónia, Funchal, 1994; João Lizardo, Algumas
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64 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 65

dominam o ano agrícola dando trabalho quase todo o ano. Para o colono ou caseiro O estudo de Orlando Ribeiro5 continua ainda a ser fundamental para conheci-
a função resumia-se apenas aos cuidados com a cultura e vindima. Para os demais mento da Climatologia e Geologia. Foi ele quem chamou a atenção para a diversi-
intervenientes começa aqui o processo que só acaba com o escoamento do produ- dade de microclimas, destacando o contraste Norte/Sul, o mais evidente ao nível do
to para os principais mercados onde será servido à mesa, nomeadamente em cele- clima e da configuração geográfica6. Assim, temos uma faixa norte, marcada pelos
brações festivas 2. maciços montanhosos de colinas abruptas caindo ao mar (S. Vicente, Seixal) com
algumas fajãs por meio (Ponta Delgada, Arco de S. Jorge, Fajã da Areia, Porto
O solo e o clima Moniz), definida por uma vegetação exuberante e variada e uma forte pluviosidade
e humidade do ar. A vertente Norte foi a fonte abastecedora das regiões do Sul. Em
contraste, o Sul é mais suave na inclinação e elevação, de menor pluviosidade,
A configuração geográfica da ilha pode ser definida em poucas palavras. A dom- podendo-se definir com uma região seca chegando a ser árida (Caniçal). A diferen-
inância de um massiço central montanhoso define duas vertentes costeiras abruptas, ciação natural contribuiu para a definição das áreas de cultura da vinha.
poucas planícies, que alternam entre altas (Paul da Serra, Santo da Serra) e baixas Perante tais condições importa perguntar qual foi a atitude do madeirense, nos
(fajãs do litoral). Está aqui a razão fundamental da morosidade do trabalho humano últimos cinco séculos de História, perante os acidentes que entravam o percurso?
na conquista do espaço. A faina de desbravamento, retenção e arroteamento de ter- No século XV a primeira solução para o desbravamento do solo virgem foi o incên-
ras foi dura. A isto juntou-se a necessidade de canalização das águas para que as cul- dio ateado às densas matas que cobriam a ilha, advindo daí, segundo Francisco
turas de regadio pudessem medrar. Por vezes, a faina não atingia os resultados espe- Alcoforado e Cadamosto, um solo fertilíssimo. Já, nos séculos posteriores, reconhe-
rados, pela pobreza do solo da ilha, levando o Homem a socorrer-se do estrume e, ceu-se o aventureirismo de tão precipitada solução do recurso às queimadas, optan-
depois, dos adubos3. do-se por outras menos drásticas. A desarborização conduziu a mudanças bruscas
Os solos da ilha são resultado da desagregação das rochas vulcânicas sendo com- no clima e está na origem dos efeitos catastróficos da erosão do vento e chuvas. As
postos de basalto, traquite, tufo, escórias e conglomerados. A composição muda grandes catástrofes, conhecidas com aluviões, são o principal resultado7. A partir
conforme se sobe a encosta, estabelecendo diversos níveis minerais. Isto con- daqui estabeleceram-se medidas de protecção do parque florestal, impedindo-se o
juntamente com a variedade climática definem os patamares ideais de culturas. A corte desordenado de lenhas e madeiras, e apostando-se na arborização das
falta de calcário, potássio e azoto obrigaram o Homem a intervir no sentido de lhe encostas escalvadas.
atribuir os suplementos minerais para que as culturas pudessem medrar em per- O primeiro projecto de arborização da ilha pertence a António Rodrigues de
feitas condições. Em síntese o solo é pobre implicando um redobrado esforço com Oliveira, Corregedor e Desembargador da ilha, e está registado nas instruções que
o recurso a fertilizantes, caso se queira produzir em condições satisfatórias4. deixou na Câmara da Calheta em 1782, quando esteve em correição. O plano pre-
via a reorganização das culturas agrícolas no sentido de uma maior diversificação:
2. Aqui apenas daremos conta da vindima e aspectos mais marcantes da viticultura deixando o trato e comércio para capítu- Promoverá o plantio de árvores úteis, em lugar de silvados, nas beiras dos caminhos:
los específicos.
3. Vide J. A. Salema de Freitas, “Alguns Aspectos Agrícolas na Madeira”, in Portugal Vinícola, nº 9, pp. 234/5; A. T. Sousa, o de castanheiros, nos baldios, de meias terras acima, isto é, nas terras mais altas,
Adubaçöes, Funchal, 1952. Orlando Ribeiro [Ibidem, p. 65.] refere-se a essa pobreza do solo do seguinte modo: Les soles
à Madère, sont en général de mauvaise qualité; ils manquant de chaux, et, ils possèdent du fer e du phosfore en quantité
próximas da serra; o de laranjeiras, limoeiros, limeiras, cidreiras, e outras árvores
suffisante, leur teneur au potasse est aussi dificitaire. Ces sont, en outre, trés pauvres en humus. Une fin détruit la coverture frutíferas, protegidas pelos loureiros, vinháticos, e canas nos sítios menos abrigados
végétable spontanée, le sol se degrede trés vite. Le ruissellement l’emporte, l’alteration des basaltes donnes souvent des
argiles plastiques, impermeáble, qui se dêsséchant et se crevassent pendant la longue périodes de sèche. Directment e não muito secos; o do algodoeiro, nos pontos mais quentes e vizinhos do mar; o
exposé à l’insolation, la matiére organique se perd. La frente est presque partout dèfavorable à la culture. No mesmo senti-
do escreveu A. Teixeira de Sousa [Ibidem, pp. 28/30, cit. E. Pereira, Ilhas de Zargo, vol. I, 39/40.]: Os solos agrícolas provêm
de amoreiras, junto às villas, igrejas, estradas e mais lugares públicos; e o de pinhais,
da desagregação de rochas vulcânicas, tais como: basaltos, traquites, tufos, escórias, conglomerados. Nas regiões de menor nos montes e picos escalvados, rochas sobranceiras ao mar, e geralmente nas terras
altitude preponderam os terrenos derivados do basalto, compactos, de cor escura que lhe imprime a presença de grande
quantidade de ferro; nos pontos altos os solos derivam com frequência das traquites. De um modo geral, uns e outros apre- magras e incapazes de outra produção; fizessem sementeiras de trigo, cevada,
sentam propriedades físicas muito apreciáveis e a sua fertilidade é notavelmente acrescida com água de irrigação.
Quanto ao aspecto químico são terras pobres em cal, de reacção à vida e contendo doses medianas de ácido fosfórico. Dos
restantes elementos nobres, o potássio, em regra apresenta-se em quantidades insuficientes e o azoto algumas vezes tam-
bém. Explica-se assim o muito proveito que estes terrenos teriam das calagens e das adubações completas. 5 . RIBEIRO, Orlando, A Ilha da Madeira até Meados do Século XX. Estudo Geográfico, Lisboa, 1985 (1ª edição em 1949 com
4 . Em diversos textos é referida a qualidade dos solos onde se cultiva a vinha. Cf. João de Andrade Corvo, A Mangra ou Doença o título: L’ile de Madère. Étude Geographique), pp.27-44. Confronte-se o estudo mais recente de Raimundo Quintal, Ilha da
das Vinhas, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, p. 283; T. E. Bowdich, Madeira. Esboço de Geografia Física, Funchal, 1985
Excursions in Madeira and Porto Santo, London, 1825, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, 6 . A Madeira está situada sob a influência do geral de Nordeste durante quase todo o ano. A ilha deve a este facto os traços
Funchal, 1993, p. 345; J. L Thudichum e a. Dupré, A Treatise on the Origin, Nature and Varieties of Wine, London, 1872, in gerais do seu clima e a oposição muito marcada entre as duas encostas, uma directamente exposta à acção do vento dom-
Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, p. 371; H. Vizetelly, Facts About Port and inante, a outra que lhe escpa completamente devido à interposição duma grande massa de relevo. (…) A variedade de
Madeira, London, 1880, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, p. 375; J. microclimas criados pelas condições topográficas é espantosa e seria tarefa vã tentar descrever toda a sua escala. (…) Toda
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66 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 67

Em 17989 João Francisco de Oliveira referia a urgência na criação de um viveiro de


plantas na ilha, mas só teve aplicação com o Corregedor José Maria Cardoso10 em
189511. Em 179912 o Governo Interino solicitara a D. Rodrigo de Sousa Coutinho o
envio de sementes para a plantação nas matas, prados, ribeiras, caminhos e
pomares. Remeteram-se sementes de sacapira e cedros, mas em quantidade insufi-
ciente para a pretensão das autoridades13.
O estabelecimento botânico, solicitado em 179914, ainda não estava preparado e
não se sabia se ia por diante, pois que o Bispo do Funchal queixava-se do facto da
Junta da Real Fazenda não ter abonado o dinheiro para a compra do terreno para
a implantação do viveiro. Era um estabelecimento útil à região, pois: ... que tem em
si todas as bem fundadas esperanças das maiores vantagens. O temperado do clima,
a situação local, a abundância das águas e tudo o mais chama por um semelhante
plano, que pode vir a ser um bom fiador das especiarias de Ásia, raridades da
América e talvez em princípio de riquezas verdadeiras e de um comércio novo e
bem útil à Humanidade.... Em 180115 a questão foi resolvida com a oferta pelo
Conde de Carvalhal do terreno necessário para a instalação do Reservatório de
Botânica.
A aluvião de 1803 evidenciou a urgência na aposta em novo projecto de arboriza-
ção como medida para impedir a desagregação das terras16. Em 181017 foi criada a
Junta de Melhoramento da Agricultura das Ilhas da Madeira e Porto Santo com tal
missão, mas a tarefa não foi executada por inépcia dos dirigentes18. A partir de 1850
a Sociedade Agrícola assumiu o comando da missão, dando-se através de O
Agricultor Madeirense19 as recomendações necessárias para a preservação do par-
que florestal. O Governador Civil José Silvestre Ribeiro foi o promotor da
Sociedade Agrícola20, incentivador da rearborização da ilha21 e do estabelecimento
de medidas proibitivas do corte de árvores para uso na fabricação de aguardente,
laboração das estufas e fornos de cal22.
A ilha do Porto Santo, a mais árida, arenosa e falha de arvoredo e águas, só era
merecedora da atenção das autoridades locais em momentos de crise marcados pela
Agricultura. Painel na
escadaria de acesso ao seca e fome. Daí resultou o Regulamento da Agricultura dado em 177423 por José
Salão Nobre do Governo António Sá Pereira, cuja aplicação ficou a cargo de um Inspector-geral com soldo de
Regional batatas, ou abóboras; e que para estas culturas, fossem aproveitadas as terras mais 400.000 reis. A situação de emergência obrigou à tomada de medidas drásticas,
altas, vizinhas da serra. Suscitou também o aproveitamento dos vegetais espontâneos
nesta ilha, usados em Pharmácia; o estancamento das águas; as searas de milho, a
9 . AHU, Madeira e Porto Santo, nº 997/998.
cuja cultura ele dera princípio, e intermeadas nestas, as do feijão, abóboras, ou semi- 10 . AHU, Madeira e Porto Santo, nº 1029.
lhas; a criação de gados, prados artificiais para pasto, bardos de resguardo às terras 11 . AHU, Madeira e Porto Santo, nº 1030.
12 . Idem, Madeira e Porto Santo, nº 1124.
cultivadas8. Foi a partir então que se esboçou o primeiro plano de arborização da 13 . Idem, Madeira e Porto Santo, nº 1123.
14 . Idem, Madeira e Porto Santo, nº.1092.
ilha e de escalonamento das culturas em altitude de forma a travar o avanço da 15 . Idem, Madeira e Porto Santo, nº 1188.
16 . A. R. Azevedo, ibidem, pp. 717, 723/725.
monocultura da vinha. 17 . AHU, Madeira e Porto Santo, nº 3290.
A necessidade de rearborização das serras foi e continua a ser uma constante. 18 . Idem, Madeira e Porto Santo, nº 3291, 3289, 3292, 4663.
19 . ARM, CMF, nº 1247, idem, GC, nº 1016/1017.
20 . Uma Época Administrativa da Madeira e Porto Santo, Funchal, 1949/52, vol. I, pp. 477/88, vol. II, pp. 68/97.
21 . Ibidem, vol. II, pp. 427-469
8 . A. R. Azevedo, Anotaçöes às “Saudades da Terra”, Funchal, 1873, p. 717, vide Agricultor Madeirense, nº 3, pp. 50, 52. 22 . Ibidem, vol. II, pp. 544/5.
68 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 69

como a extinção do contrato de colonia24. Madeira é regada pelo suor do vilão28. E como nos diz Eduardo Pereira: O homem
Em oposição à política de preservação florestal temos a labuta do agricultor pela subiu de picareta na mão, quase de joelhos as vertentes a lutar a ferro e fogo com as
conquista do solo virgem, desbravado a floresta, aproveitamento os baldios e levan- rochas, debastando acidentes e armando pedras soltas em socalcos ou taboleiros
tando os alicerces dos poios nas colinas abruptas e sobranceiras ao mar. Os socal- para deles fazer searas e jardins; subiu até onde pode abrir caminho de pé-posto ou
cos ou poios foram, conjuntamente com o arvoredo, o único meio de reter as terras conduzir um fio de água de irrigação29.
para cultivo: A ilha da Madeira, em muitas partes plana é quase toda piramidal, pre- Todas as tarefas de construção dos poios e preparação do solo para cultivo da
cisa de paredes arretas ou socalcos de pedra, que em pouca distância uns dos outros vinha foram executados pelo caseiro ou colono, uma vez que pertenciam ao
tenham mão na sua terra para se não precipitas no mar com as águas e chuvas, e domínio da benfeitoria30. Em 1821 o Governador e Capitão General, Sebastião
sem estas paredes ficaria a ilha da Madeira reduzida um monte de pedras, sem terra Xavier Botelho, tinha razão ao exclamar perante o Conde de Arcos: Sua Majestade
que pudesse produzir25. choraria de dor se visse com os seus olhos as fadigas, as penas, que sofrem os habi-
A tarefa de transformar a terra desabitada em solo arável foi definida, como tantes do sul da Madeira para recolherem uma pipa de vinho31.
epopeia rural por J. V Natividade26 e humana, por A. Lopes Oliveira27. O teste- O encanamento das águas, por meio das levadas, fazia parte da epopeia rural e
munho e apreço pelo labor do madeirense estão presentes na memória e escrita das foi uma das mais espinhosas tarefas que acompanhou os madeirenses até ao século
autoridades. Vejamos algumas provas disso: Em escassas centenas de anos o vilão XX. As levadas evoluíram de acordo com a importância das culturas de regadio e
madeirense ergueu com tão pobres materiais um dos mais extraordinários edifícios foram alvo de regulamentação adequada32, merecendo atenção a do Rabaçal, cuja
agrícolas do mundo e escreveu, com o seu sangue, o seu suor e as suas lágrimas uma construção se prolongou entre 1835 e 1890. No arranque da obra foi decisivo o
grande epopeia. Atacou a rocha para obter terra, transportou-a depois sobre o papel de José Silvestre Ribeiro33.
dorso, por caminhos inverosímeis; lapidou amorosamente a montanha, o serro, as Executadas as tarefas de preparação do solo para a agricultura, teríamos razões
escarpas, os espinhadeiros, como se trabalhasse minúsculos diamantes, não raro para afirmar que a Madeira se tornaria num paraíso, um jardim feito pelo
debruçado sobre abismos e com risco permanente da própria vida; ergueu poios madeirense onde a viticultura e horticultura seriam prósperas. Mas tal não sucedeu,
sobre poios para segurar esses punhados de terra, e fertilizou-a por fim, conquis- nem era isso que se passava em 182334. A época de prosperidade vinícola fora de
tando e dominando o fio de água misteriosamente nascido através de caprichosos e felicidade efémera e pouco rentável para o colono. Uma memória sobre o estado e
de acidentadíssimos percursos. Nas encostas, agora suavizadas pelo trabalho de melhoramento da ilha da Madeira, enviada em 5 de Dezembro, pelo então
inumeráveis gerações e com gigantescos anfiteatros sempre verdejantes esfolha-se o Corregedor Manuel Soares de Lobão e Albergaria ao Conde de Subserra, dá conta
casario. Junto a cada casa, a parreira, um canteiro ou um modesto alegrete de flo- disso: A situação geográfica, temperança do ar, qualidade componentes de seu ter-
res: anseio de beleza, doçura, suavidade, após uma tarefa rude e magnífica, num reno, contínuos orvalhos, copiosos mananciais de água de suas alcantiladas mon-
cenário ciclópico... Em nenhuma outra parte do mundo se põe ao serviço da agri- tanhas produzem a fecundidade deste velho país por extremo favorecido pela
cultura maior soma de trabalho humano por unidade de superfície... Talvez por natureza para agasalhar os viventes e produção dos vegetais, para poder dizer-se que
isso, ninguém votará mais fundo amor à terra do que o vilão madeirense e por amor são aqui indígenas todas as plantas do mundo conhecido, pela facilidade de se clima-
dela mais se sacrifique e padeça... Se atendermos a que grande parte do solo tizarem e ainda mesmo por se acharem naturalmente sem cultura algumas raças que
madeirense é explorado sob o contrato de colonia, pelo qual o colono entrega ao recebem de Ásia e América... Todas as sementes, grãos, frutas e todas as castas de
senhor da terra o demídio das colheitas, compreende-se que o agricultor para viver plantas da Europa produzem e vegetam maravilhosamente35.
obrigue essa terra a fazer prodígios e tenha, na intensificação cultural, a sua única A ideia da ilha como Paraíso desfez-se rapidamente, mercê das dificuldades
defesa. Por isso o vilão, o homem que faz milagres, o lapidador de montanhas, o resultantes da tendência para a monocultura da vinha: Este país porém ricamente
feiticeiro da água, que trabalha vida inteira como um animal de carga e vive pobre- dotado pela natureza acha-se pobre e atenuado. Causas desta desgraça: a falta de cul-
mente e no maior desconforto, ao erguer os socalcos gigantescos de degraus na ver-
tente das serranias, construiu afinal o seu próprio calvário. Mais do que pela água, a 28 . J. V. Natividade, Fomento da Fruticultura na Madeira, Funchal, 1947, pp. 15/7, cit. E. Pereira, ibidem, vol. I, 438/9.
29 . Ibidem, vol. I, pp. 438.
30 . Vide AHU, Madeira e Porto Santo, nº 6478 e 3281; ANTT, PJRFF, nº 763, fols. 120/2.
31 . AHU, Madeira e Porto Santo, nº 6265.
23 . ANTT, PJRFF, nº 976, fols. III -9. 32 . Para o estudo das levadas na Madeira vide M. R. Amaro da Costa, “Aproveitamento da Água na Ilha da Madeira”, in DAHM,
24 . AHU, Madeira e Porto Santo, nº 4846. vol. I, nº 4, 1950, 18/9.
25 . AHU, Madeira e Porto Santo, nº 6478; ANTT, PJRFF, nº 763, fols. 120/2. 33 . Uma Época Administrativa da Madeira e Porto Santo, vol. II, pp. 607/40.
26 . Madeira. Epopeia Rural, Funchal, 1953. 34 . AHU, Madeira e Porto Santo, nº 7265/6.
27 . Arquipélago da Madeira. Epopeia Humana, Funchal, 1969. 35 . Idem, Madeira e Porto Santo, nº 7266.
70 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 71

tura e de uma cultura regular é a primária causa da ruína. Nem sequer uma quinta 1880, segundo Henry Vizetelly, era de 2.500ha, e passados três anos, Almeida e
parte da ilha se acha cultivada, sendo que toda ela até nos íngremes outeiros tem a Brito refere que passou de 2.500ha para apenas 500ha41. A informação estatística
propriedade de produzir o centeio, a cevada, batatas, grãos e legumes. A cultura que para os anos de 1881, 1882, 1885 diz que era, respectivamente, de 594ha, 353,10ha
se emprega é só em vinhas e muito mal cultivadas. Resulta daqui a falta de géneros e 769,42ha. Já em 1949 Orlando Ribeiro estabelece a área cultivável em 225 Km2, o
mais necessários à subsistência e lá se vão buscar ao estrangeiro, que deste modo que corresponde a 30% do total da ilha, em que a vinha ocupa apenas 8%. Na déca-
absorvem toda a importância dos vinhos e ainda assim mesmo os habitantes não da de cinquenta, segundo José Tavares42, o vinhedo havia já recuperado 1.200ha da
podem satisfazer as suas despesas ordinárias. área cultivada, atingindo na década imediata 2.000ha43. A partir dos anos setenta foi
A gente do pais, que é educada, tem talento, mas o luxo, o fatal luxo lhes tem evidente o avanço da vinha. Em 1977 ocupava 1940ha e passados vinte anos situa-
vedado a inclinação para a cultura e indústria36. Os proprietários que têm fundos, va-se já nos 2000ha. Ao mesmo tempo a cultura adquiriu uma dimensão importante
nos quais podiam empregar uma interessante cultura, abandonam os seus campos a na agricultura, pois que em 1989 ocupava já mais de 20 % da área cultivada.
colonos ignorantes e preguiçosos, cujo trabalho estendem só ao necessário para sub- Orlando Ribeiro44 apresenta o escalonamento das culturas em três zonas. Na ver-
sistirem, nada adiantam e por isso longe de irem gradualmente cultivando o terreno tente Sul atingem faixas contínuas até 700 m, enquanto no Norte se apresentam
inculto, vão deixando de cultivar o que estava culto; a poucos passos acima de tudo descontínuas. A primeira zona, que atinge 400 m no sul e 200 m no Norte, oestava
em maninhos. dedicada à cana-de-açúcar e mais culturas tropicais. Na segunda até 600 m cultiva-se
A tenacidade dos camponeses em não admitirem emenda nos vícios, que lhe são os frutos mediterrâneos. Já na terceira, que engloba os terrenos os terrenos baldios
notados, os instrumentos rústicos do seu uso, sendo eles aterradíssimos aos usos e florestas45. O presente escalonamento não pode ser considerado estático e per-
que herdaram de seus maiores, produz outro embaraço para a boa cultura. Muito feitamente definido, pois que a realidade é bem outra e as culturas dispõem-se no
conviria para corrigir este erro e semelhantes distribuir com alguma vantagem pelas solo conforme as disponibilidades e necessidades dos proprietários do terreno.
aldeias desta ilha alguns peritos lavradores do Minho e da Beira, podendo deste É certo que a vinha tinha no Sul, nos terrenos situados entre os 330 e 750 metros
modo estabelecer-se uma mais regular e mais conveniente cultura37. de altitude, as melhores condições para medrar. Mas, o homem fê-la espalhar por
A ilha apresentava outros óbices à afirmação da economia agrícola, resul- toda a ilha, ignorando as condições ideais e sujeitando-se à qualidade do fruto que
tantes do facto de dispor uma área agrícola limitada. Em 1865 o solo cultivável, daí advinha. A possibilidade de escoamento interno nas tabernas ou a queima para
abaixo dos 900m, cifrava-se em 18.381 ha, sendo 29.448 de baldios e terras situadas fabrico de aguardente estão na origem da situação. A vinha era uma cultura de con-
acima dos 900 m. Da área agricultada, cerca de 2.500 ha (19%) estava ocupada com vívio fácil com as demais, erguendo-se em latadas e sob o solo livre plantavam-se
vinha, 4.649 de cereais de pragana, 357 de cana-de-açúcar, 488 de milho, 10.389 de batatas, abóboras e outras culturas que contribuíram para a adubação do solo. Em
batatas, semilhas, inhame, legumes, ervagem. Em 1949, O. Ribeiro38 dava conta de 1817, Junta de Melhoramento Agrícola insurgiu-se contra a situação considerando-a
2.525 Km2 (30%) da área cultivada, sendo 247 Km2 de terreno inculto. A área, uma lesiva da cultura da vinha.
conquista do madeirense, distribuía-se pelas culturas do trigo, bananas, açúcar, Os vinhos das uvas colhidas nas áreas litorais eram os melhores, perdendo quali-
notando que: ...a ilha da Madeira é um canto de terra profundamente ordenado dade à medida que se avançava para a montanha ou no sentido da vertente Norte.
pelo homem. (…) a superfície cultivada é pois uma obra humana, uma vitória sobre Os preços do mosto, desde o século XVI, foram estabelecidos de acordo com os
o declive, a seca estival e a pobreza do solo39. Para Eduardo Pereira (1956) o terreno patamares ideais da cultura. A vereação do Funchal definiu dois níveis de preços: os
arável cifra-se em 30.000 ha., de que apenas 20.000ha, ou seja 1/340, eram apro- vinhos das meias terras abaixo, os melhores; e os vinhos das meias terras acima, os
veitados. de inferior qualidade.
Outro problema prende-se com a extensão do solo aproveitável, que se situava
apenas abaixo dos 900 metros e ocupava uma ínfima parcela do total da ilha. A área
de vinhedo evoluiu ao longo dos tempos conforme o vinho foi ganhando ou per-
dendo importância. O efeito das doenças sentiu-se rapidamente de modo que em
41 . José Tavares, Subsídios para o Estudo da Vinha e do Vinho na Região da Madeira, Funchal, 1953, p.9
36 . Mais adiante salienta-se acerca do luxo, “O maníaco luxo dos insulanos que pela criaçäo inglesa tem dado maior valor aos 42 . Ibidem. Segundo Ramon Honorato C. Rodrigues [Questões Económicas, vol. II, Funchal, 1953, p.46] a área era de 1650ha
objectos estrangeiros, quando mesmo os nacionais excedem em bondade, é outra causa de ruina do paíz”. 43 . Edurado C. N. Pereira, Ilhas de Zargo, vol. II, p.576. Segundo Rupert Croft-Cooke [Madeira, London, 1961, p.95] as vinhas
37 . Eduardo Grande, Sociedade Agrícola do Funchal. Relatório, Funchal, 1865, p. 9. ocupavam na década de sessenta 3000ha
38 . Ibidem, p. 53 44 . Ibidem, pp. 56-59
39 . Ibidem, p. 55 45 . Ideia corroborada por Eduardo Pereira, Ibidem, vol. I, pp. 446/447; José Manuel Azevedo e Silva, ob.cit., vol. I., pp.59-65.
40 . Ibidem, vol. I, pp. 437/8. 46 . Vide H. Bento de Gouveia, A Canga.
72 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 73

O viticultor madeirense

V
A documentação do século XIX esclarece a forma como se estabelecia a domi-
nação e o tipo de relações geradas. Em 1813 dizia-se: Todo o terreno desta ilha, com
pouquíssimos, ou talvez nenhumas excessões, tem três donos; o primeiro, é o direc-
to senhorio, quando há emprazamento, o que raras vezes acontesse; o segundo, o
senhorio útil, enquanto não cai em comisso, o que também sucede, com a mesma
raridade; o terceiro é o colono que cultiva de meias, que quanto ao meu entender,
tira o mais lucro, porque come e cria todo o ano, de que não paga meação, porque
só a deve dos géneros da colheita, bem assim como o dízimo, o que é aqui um direi-
to provincial de 5 de Março de 1723, a favor da lavoura, para se lhe não exigirem
dízimos das verdadeiras, coisa muito bem entendida, por ser de dificultosa avalu-
ação e que tem causado a ruína de muitos cultivadores do Brasil, o que acontece,
quando o dizimado se não pode ajustar com o dizimeiro, o que é muito ordinário.
O colono além das utilidades ditas, tem o direito de retenção e conservação pelas
benfeitorias, que não outra coisa mais do que paredes que sustentam a terra, ou
taboleiros de vinha, para não serem levados pelas águas das grandes chuvas, o que
no Douro se chamão socalcos; cá manda-os fazer o proprietário, aqui são feitos pelo
colono e tem um valor verdadeiramente ideal; os socalcos, ou benfeitorias, sem a
terra, não valem coisa alguma, a terra sem eles, tem um preço e tudo que nela se
edifica, ou planta, pertencia ao dono por direito; aqui não é assim, e é muito justo
e útil que assim continue, por ser duplicado interesse de conservação e cultura entre
os proprietários e o colono, que tem mútua e recíproca dependência da fertilidade,
e cultura do mesmo terreno; o colono é quase servo da gleba, sem o saber e sem o
ser pela lei; o proprietário não o expulsa, sem lhe pagar as benfeitorias e o colono
Lavradores.
Gravura publicada O homem e a terra não se despede com o temor de perdê-las. São poucos os exemplos de serem des-
por W. Combe, 1821. pedidos, ou de se despedirem: uma prova de que as benfeitorias representão muito
Na Madeira a relação do homem com a terra foi diferente daquilo que aconte- e valem pouco, ou um preço ideal, é o número das benfeitorias incorporadas nos
ceu nas demais regiões do pais, resultado de uma situação particular conhecida próprios, avaliados em nove contos, para as quais não é comprado.
como contrato de colonia. De acordo com o contrato sobre a terra incidiam dois Há ainda um quarto proprietário, que tira sem interesse do trabalho industrioso
tipos de proprietários: o senhorio e o colono. O senhorio era o legítimo proprietário e dispendioso que concorre para a cultura; sabe-se geralmente que os soberanos
que recebera a terra de dadas, por compra ou herança e, por sua vez, a entregava ao reservam para si, quando dão muitos artigos; por exemplo, direitos reais, vieiros de
colono para que a tornasse arável, ficando com direito a metade das colheitas. O metais, águas, e outros declarados nas ordenações do Lº 2 Nº 26 e nas ordenações
colono estava obrigado a criar as benfeitorias necessárias, que era proprietário, para da Fazenda, cap. 237. Muitos destes artigos ficariam inertes e estéreis se os sobera-
que a terra se tornasse produtiva. Quanto à vinha o contrato, regido por normas nos os não concedessem a proprietários com certas e determinadas condições, fal-
consuetudinárias, estabelecia que o senhorio tinha direito a metade do mosto à bica tando-se a elas, caiem em comisso, e revestem para a coroa; desta natureza são as
do lagar, sendo todos os encargos com a plantação, construção das latadas e lagar, minas e águas47.
cuidados com a vinha e a vindima da responsabilidade do colono. A situação per- Em 1822 argumentava-se sobre o mesmo mas doutra forma: Há também n’esta
durou por muito tempo em algumas freguesias, terminando apenas em 1976, quan- ilha uma forma de domínio particular d’ela; e vem a ser, que um é o dono do solo,
do o contrato de colonia foi abolido por decreto da Assembleia Regional da
Madeira. 47 . AHU, Madeira e Porto Santo, nº 3281.
74 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 75

ou terra e outro o dono da superfície ou das benfeitorias. Chamam na ilha da posse universal na ilha, um senhorio não pode expulsar um rendeiro sem primeiro
Madeira - benfeitorias - a tudo o que está feito, plantado, ou edificado no solo, ou o compensar por todos esses melhoramentos - o que, a propósito não incluem pré-
no terreno; as paredes, feitas para sustentar ou defender a terra, as videiras, e árvores dios que tenham sido feitos - que o rendeiro tenha feito no seu pedaço de terra.
plantadas, tudo entra na classe de benfeitorias. Estas benfeitorias ou melhoramentos são avaliadas por funcionários do Governo,
Para avaliar as benfeitorias das videiras e árvores não se avalia o que elas cus- que invariavelmente se inclinam para o lado do rendeiro e as estimam num alto
tavam a plantar, mas sim o que actualmente valem e para se fazer a avaliação das valor. A consequência disto é que quanto mais terra o arrendatário coloca num
videiras contam-se os pés e não se atende à produção. Acontece ordinariamente que monte e quanto mais muros ele levanta no seu pequeno pedaço de terra, mais certo
se o terreno vale v. g. 100, as benfeitorias de paredes, videiras, árvores, etc. que n’ele está de que nunca será mandado para fora dele, pois presentemente estas cons-
estão, valem, 300 ou 400. Por via de regra o dono do terreno é o dono das ben- truções a que o camponês e a sua família dedicam todo o seu tempo livre, tanto se
feitorias, porque se por acaso o é e quer dar a fazenda a cultivar vende ao colono as torne vantajoso ou não, frequentemente excedem o valor da própria terra.
benfeitorias avaliadas na dita forma, o qual lh’as paga, ou logo ou em prestações. Presentemente, deve haver muitas centenas de milhas destes socalcos em toda a
O colono, senhor ou dono das benfeitorias, ou porque as fez, ou porque as com- ilha.
prou, tem de cultivar a fazenda à sua custa, podando, amanhando, e cavando a Renda em géneros é a regra na Madeira. O rendeiro lavra, planta e aduba o solo,
vinha, tem de fazer a vindima e o vinho no lagar e à beira dele dá metade ao dono faz a colheita, que, quando é trigo, ele debulha; se for cana-de-açúcar, ele extrai a
do terreno, ficando com outra metade. sacarina; se foram as uvas, ele espreme, dando metade do produto ao senhorio
Esta metade do colono, poucas vezes excede, e muitas não chega à despesa que como renda, depois do Governo ter tirado a sua dízima. Metade da produção de
ele faz com a cultura da fazenda anualmente de sorte que a metade da produção milho, açúcar e vinho é reclamada rigidamente pelo senhorio, mas todos os vegetais
com que fica o colono é a paga do seu trabalho, ficando assim o valor das benfeito- cultivados são geralmente retidos pelo rendeiro, juntamente com os cereais, embo-
rias sem ter rendimento algum48. ra o senhorio possa exigir metade dos últimos, se quiser.
Finalmente em 1826 temos outra referência mais elucidativa: Geralmente as ter- O rendeiro que reside na terra que lhe foi arrendada é chamado um caseiro,
ras cultivadas nesta ilha tem dois proprietários, um do solo, a que chamam senho- devido à casa que ocupa, enquanto se ele apenas arrendar a terra e não residir nela,
rio, e outro das benfeitorias, a que chamam caseiro, ou lavrador, o qual fazendo é chamado um «médio», pela metade da produção que ele tem que dar ao seu se-
toda a despesa do custeamento, parte com o senhorio a metade de deus frutos, nhorio. O último é geralmente o proprietário só da terra - pertencendo, em quase
sendo bem feliz quando a metade, lhe fica paga a sua despesa e trabalho, do qual todos os casos, ao rendeiro prédios, aterros, árvores, vinha, etc.50.
tudo depende, e por isso, que política, e que equidade não é precisa para animar O contrato de colonia provocou o gradual afastamento do senhorio da terra e à
esta numerosa classe de habitantes devedores, cuja fortuna é realmente termómetro fuga para os centros urbanos, onde aguardava peloos proventos, necessários ao sus-
de felicidade pública? Que resultados podem acontecer pondo-se em desgraça mi- tento e vida desafogada. O colono, obrigado à partilha dos proventos resultantes da
lhares de famílias sem bens, sem domicílio, sem ocupação e sem sustento? Qual força de trabalho não se sentia motivado para apostar no melhor aproveitamento da
será a autoridade que possa responder pela segurança pública achando-se a força terra, ficando pelo quanto bastasse para a sobrevivência. Vem daqui a situação de
unida à mesma segurança?49. abandono do campo e o lento entorpecimento das forças produtivas.
Muitos estrangeiros que visitaram a ilha não entenderam a forma como se estabe- A partir do século XVI a instituição do morgadio ou a vinculação da terra51 viciou
lecia a posse e exploração da terrra. Henry Vizetelly é dos poucos que viu de perto o contrato de colonia tornando-o num misto de parceria agrícola e enfiteuse52. Com
esta realidade, apresentando uma visão correcta: Em muitos lugares, as vinhas são o Governador e Capitão-general Sá Pereira, o Pombal Madeirense, segundo a
plantadas no solo empilhado em socalcos suportados por paredes de pedra. Este sis- expressão de A. R. de Azevedo, lançaram-se as bases da abolição e regulamentação
tema foi originalmente adoptado como precaução contra as chuvas periódicas que em face da anarquia vigente, com a lei de 9 de Setembro de 1769 e carta de 3 de
arrastavam o solo com elas pelas íngremes encostas abaixo. Hoje em dia, onde quer Agosto de 1770. A extinção definitiva só aconteceu por lei de 19 de Maio de 1863,
que seja possível acumular terra e levantar uma parede, é certo que isto será feito enquanto a colonia no Porto Santo fora abolida por lei de 13 de Outubro de 177053.
pelo ocupante da terra, embora o proveito muito provavelmente não seja propor-
cionado ao tempo e trabalho dispendido. Mas então, de acordo com o sistema de 50 . Henry Vizetelly, Facts About Port and Madeira (...), Londres, 1880, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira.
Documentos e Textos, Funchal, 1993, p. 387]
51 . Maria de Fátima Coelho, “O Instituto Vincular, sua Decadência e Morte: Questões Várias”, in O Século XIX em Portugal,
Lisboa, 1980, pp. 111/131, e bibliografia aí aduzida, especialmente a obra de Herculano.
48 . Idem, nº 6478; ANTT, PJRFF, nº 703, fols. 120/2. 52 . M. B. França, Da Administração Pombalina no Arquipélago da Madeira, Lisboa, 1956 (teses de licenciatura), fols. 37-46.
49 . ANTT, PJRFF, nº 764, pp. 95/98. 53 . Idem, ibidem, fol. 30-32.
76 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 77

Em 177454, o Governador em ofício a Martinho de Melo e Castro dava conta dos plantio e enxertia, para o Caniço em 1901 foi 114$400.
vexames sofridos pelos colonos, dando apoio à extinção. Em 177655a pretensão dos Os livros de manifesto do vinho e receita do subsídio literário elucidam-nos
colonos e rendeiros em arrecadarem 2/3 da colheita conduziu a um protesto da sobre a forma com estava estabelecida a estrutura fundiária60. Quanto ao morgadio
Câmara, justificado pela tradição histórica da partilha a meias. Os colonos temos a predominância na vertente Sul, nomeadamente na área do Funchal a
baseavam-se na ordem do Conselho da Fazenda de 17 de Outubro de 1722, que o Campanário. Entre 1819/1834 referem-se 12 (50%) em Câmara de Lobos, de que
regulamentava situação distinta para o Porto Santo. Em 1818 deu-se uma sublevação podemos destacar os mais importantes, como o Visconde de Torre Bela (C. de
dos colonos que reclamavam a aplicação da lei na Madeira: No dia em que espera- Lobos e Tabua), João de Carvalhal (S. Martinho, Camacha, Ponta do Sol, Ponta
vam o despacho de um grande número de homens do campo apareceu à porta da Delgada, S. Roque, Serra de Agua, C. de Lobos), Ayres de Ornellas de Vasconcellos
Casa da Junta da Real Fazenda e parecendo, pela grande multidão, que ali se ajun- (Ponta do Sol, S. Martinho, Ponta do Pargo, C. de Lobos), D. João da Câmara
tou e alvoroço com que estavam que eles se tinham dirigido com espírito de assua- Leme (Quinta do Leme). Em Câmara de Lobos juntam-se os morgados, José
da, imediatamente mandei um ajudante de ordens e um capitão de artilharia, com Ferreira, António Ferreira, Carlos Vicente, Henrique Fernandes, Fernando da
uma escolta de soldados que fizerão dispersos aquela gente prenderam alguns Câmara61. Em Santa Luzia os morgados Dória, Agostinho António62; em S. Roque,
homens que pareceram ser os autores daquele ajuntamento..56. os morgados Faria e Rego63; Nossa Senhora do Calhau, os morgados Faria,
Em 185257, A. Gonçalves apresentou o contrato de colonia, conjuntamente com Albuquerque, Nunes Freitas64; em S. Pedro Agostinho65; S. Martinho, Luís
o sistema de morgado, responsável da ruína da agricultura da ilha, pugnando pela Alexandre Souveraine, Francisco João de Vasconcelos, Diogo Dias de Ornelas,
extinção: O contrato de colonia desanima o colono, no meio do seu trabalho e Pedro Agostinho66. Fora da área da cidade e termo, além dos já referidos, o número
desanima e aflige o proprietário... Naquelas partes da ilha onde mais domina o con- é reduzido podendo-se salientar apenas, no Porto Moniz, Francisco Ferro, António
trato de colonia, aí a indústria é nenhuma, a agricultura nenhum progresso dá fruto Pedro Barbosa67; em S. Jorge o morgado Falcão68; na Serra de Água o morgado
e em lugar de vida e actividade, observamos a indolência, a preguiça e a inaptidão58. Saldanha, Diogo de Ornelas, Diogo de Ornelas, Francisco Pedro69; em Ponta
A contabilidade de algumas fazendas, onde dominava o contrato de colónia, era Delgada, João Lúcio e Nuno de Freitas70. Todos eram detentores de extensas áreas
criteriosa por parte dos feitores, o intermediário entre o colono e o proprietário. A de produção de vinho, que eram entregues ao cuidado dos colonos.
exemplificação está patente em documentos do arquivo da família de Agostinho de O contrato de colonia predomina no Funchal e áreas limítrofes, em especial
Ornelas e Vasconcellos59. A casa dispunha de fazendas em toda a ilha mas apenas Câmara de Lobos onde em 1829 o número de senhorios era superior a trinta. Aqui
no Caniço, Câmara de Lobos e Estreito de Câmara de Lobos surgem vinhas. O merecem referência os mais importantes como, Pedro Santana, Visconde de Torre
mosto era vendido aos mercadores do Funchal à bica do lagar como sucedeu em Bela, D. João da Câmara. No Campanário em 1831 o número elevava-se a vinte e
1895 à firma Blandy. Da receita, que competia ao senhor, retirava-se as despesas do quatro, destacando-se, o morgado João Correia Marques e José Agostinho Jervis,
feitor, com o plantio de novos bacelos e na compra do enxofre. Os gastos com o João da Câmara Leme, Luís Sauvaires, João Nunes Bento, A. Francisco Brito,
enxofre eram avaliados à razão de 200 réis por barril de mosto. Penfold71. Em S. Vicente, Fajã da Ovelha, Paul do Mar, Seixal, S. Jorge nota-se um
fraco número de senhorios, o que poderá ser indício do parcelamento da terra.
1895 1897 1900 1901 1902 1903 1904 1905 1906 Quanto ao contrato de colónia, é evidente a presença de proprietários influentes,
CASEIROS 10 15 14 6 4 11
VINHO Barris 53 10 52 18 8 55 121
morgados, ou militares. Mais significativa foi a importância assumida pelos propri-
réis 159$420 44$700 160$525 7$000 62$000 39$400 143$755 153$360 146$890 etários militares (Sargento-mor, Capitão, Tenente, Alferes), de que se destaca em S.

A cultura da vinha era rentável justificando-se o investimento em novas terras de


60. ANTT, PJRFF, nº 1049/1174. No entanto uma tal constatação requere um trabalho demorado nos referidos registos, o que
vinha. Em Câmara e Lobos apostou-se em simultâneo na cana doce e novos bace- nos seria impossível de realizar no pouco tempo disponível para a elaboração e investigação com este trabalho, assim, de
los enquanto que no Caniço os 89 caseiros receberam barbados de Lisboa e bace- uma breve consulta tiramos alguns apontamentos elucidativos, deixando para outra ocasião um estudo mais profundo.
61. Idem, nº 1057.
los do Norte. A despesa total, com a compra e despesa de transporte dos bacelos, 62. Idem, nº 1167
63. Idem, nº 1161
64. Idem, nº 1161, 1138
65. Idem, nº 1160
54 . A HU, Madeira e Porto Santo, nº418 66. Idem, nº 1156
55 . AHU, Madeira e Porto Santo, nº 449 67. Idem, nº 1112
56 . AHU, Madeira e Porto Santo, nº 4666 68. Idem, nº 1154
57 . O Clamor Público, nº 8, pp. 2/3; nº 9, pp. 2/3; nº 10, pp. 1/2 69. Idem, nº 1170.
58 . Idem, nº 9, p.2. 70. Idem, nº 1093-1094.
59 . ARM, Arquivo da Casa Ornelas, Caixa 2. Cf. Arquivo Histórico da Madeira, vol XXI, 1998. 71. Idem, nº 1104.
78 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 79

Jorge as fazendas do Sargento-mor, do Capitão João Rodrigues Moderno, e de


Francisco Correia do Tenente João Francisco da Silveira72; em Santana o Sargento-
mor José Joaquim de Moira e Silva, os capitães, Francisco Moniz Telles de
Menezes, Manuel António Silveira73; em S. Vicente do Capitão-mor Filipe Joaquim
Abreu, Capitão Gil Gomes74; no Seixal, o Capitão Filipe, o Capitão Roiz Pombo, o
Alferes Marcos João; na Serra de Agua, os Capitães João de Freitas, António
Joaquim Basto. O mesmo sucedia no Porto Santo com o Capitão Cristóvão Pereira
de Vasconcellos, os Tenentes Domingos de Castro Drumond, José Sebastião da
Silva, Justiniano José Lomelino e o Major João de Santana Vasconcellos.
A partir da informação aduzida na documentação podemos estabelecer duas for-
mas de dominação da propriedade vitícola: a vertente Sul dominando a área do
Funchal, C. de Lobos, Campanário, Ponta do Sol, onde predominava o morgado;
uma segunda a Norte, abrangendo S. Vicente, Seixal, S. Jorge, onde se afirma o con-
trato de colonia com a predominância do senhorio militar, isto é, os oficiais das
ordenanças do distrito de S. Vicente. Dentro da primeira área temos Campanário75
como propriedade eclesiástica das confrarias da Sé, Mosteiro de Santa Clara,
Religiosas da Encarnação. Os conventos assumiam uma posição de destaque. O de
Santa Clara possuía, para além da quinta de Santo António, diversas terras foreiras
em toda a ilha. No caso do Convento da Encarnação a área de vinho era menor,
atingindo-se em anos de boa colheita, como o de 1763, as 5 pipas76.
Um facto significativo da situação fundiária era a ausência quase total de propri-
etários estrangeiros, nomeadamente ingleses. A existência está atestada apenas na
área circunvizinha do Funchal. Em S. Pedro temos Leonardo B. Gordon, Diogo
Bringuel77; em S. Roque, Penfold; no Monte Henrique Briguel, Henry Temple78; em
S. Martinho, Thomas Magrath79. Isto denota que, à partida, os estrangeiros não
manifestavam interesse pela exploração da viticultura estando apenas empenhados
no comércio80.

72. Idem, nº 1120


73. Idem, nº.1125
74. Idem, nº 1166.
75. Idem, nº 1104.
76. Eduarda Maria de Sousa Gomes, O Convento da Encarnação do Funchal, Funchal, 1995.
77. Idem, nº 1160.
78. Idem, nº 1161.
79. Idem, nº 1156.
80. A partir de dados fornecidos em documentos oficiais fomos encontrar uma lista dos proprietários de vinhas na Madeira. A primeira
lista conhecida data de 1803 [Idem, nº 1160.], nela se referindo - João de Carvalhal Esmeraldo, Nuno de Freitas da Silva, Luíz
Alexandre Sauvayre Vasconcellos Drumond, Agostinho José de Ornellas herdeiros, Nicolau Tello de Menezes, herdeiros de Correia
Jervis d’Atouguia, Henrique de Correia Vilhena herdeiros, Cristóvão Ornelas Telles de Menezes, Pedro Jorge Monteiro, João António
de Gouveia Rego, Francisco José de Oliveira, Manuel de Sousa Tomás, José António Monteiro, João Joaquim Neto. Em 1824 [Idem,
nº 1161. temos outra mais numerosa: João de Carvalhal Esmeraldo, Nuno de Freitas da Silva, Nuno de Freitas Lomelino, João
Francisco de Florença Perera, João Agostinho Figueiroa Albuquerque de Freitas, Joaquim Francisco d’Oliveira, José Joaquim
Esmeraldo, José Joaquim de Freitas Abreu, D. Ana Joaquina de Freitas, D. Joana Francisca de Ornelas, Filipe Joaquim Acciauoly
Ferraz de Noronha, Luís Teixeira Doria, Pedro Anselmo Correia Olival, António de Carvalhal Esmeraldo, Luís Correia Acciauoly
António Caetano de Freitas Aragäo, D. Gertrudes Magna de Menezes Leal, Chrystóväo Esmeraldo, José António Monteiro, Carlos
Frederico Acciauoly, António José Spínola de Carvalhal Valdesso, José Caetano César de Freitas, João António Gouveia Rego,
Caetano Velloza de Castelbranco, João Sauvayreda Câmara, Luís Alexandre Sauvayre, João Francisco d’Oliveira, Paulo Malheiro
de Melo,. João Betencourt de Freitas, António de Freitas, António Leandro Escorsio de Menezes, Joaquim José de Faria
Bettencourt, Francisco António Ribeiro Tojal, João de Freitas da Silva, Roque Caetano d’Araújo, Roberto Leal, António Valério, Ayres
de Ornellas Sysneiros de Brito, Luís d’Ornellas e Vasconcelos, Pedro de Sant’Ana, Filipe Joaquim de Freitas e Abreu, Domingos
João da Affonseca, Jayme de França Netto, Ayres Augusto d’Ornellas, Francisco José de Oliveira, José Cruz de Sá Cabral, Balseira. Litografia de S. V. Harcourt, 1851.
Domingos José Ferro Garcez, Francisco João Betencourt, José Joaquim de Betencourt Araújo Esmeraldo, Manuel César de Freitas. Casa Museu Frederico de Freitas
80 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 81

O madeirense
modela
o rochedo
E o vilão ataca e tritura a rocha para a
transformar em solo agrícola; geme sob o
peso de enormes pedras para construir um
socalco; marinha pelas falésias para conquis-
tar um palmo de terra, mesquinha gleba,
pouco maior por vezes do que um ninho de
águias alcandorando no pendor de uma
fraga. Antes de ser agricultor, é cabouqueiro
e arquitecto. Labuta de sol a sol e transforma
o seu horto, a sua courela, num jardim. Onde
a água corre, o agricultor heróico e operoso
faz milagres; a levada empurra-o e ele em-
purra a levada. Novos poios se sobrepõem a
outros poios, e assim esse trabalhador hu-
milde, além de transportar sobre os ombros o
peso da sua cruz, cons-trói nos degraus da
montanha o seu próprio calvário. É a Madeira
sobrepovoada que luta heroicamente para
viver.
Este vilão madeirense, de torso hercúleo,
máscara rude e austera, personificação da
paisagem, figura de painel quinhentista; o
homem que cinzela montanhas, escala abis-
mos e amansa torrentes, é uma figura estran-
ha. Não se deixou vencer pelas seduções
traiçoeiras do clima desta antessala dos
trópicos que despertam em nós, lusíadas
indolentes, sonhadores e sensuais, o horror
ao esforço paciente e metódico. A meus
olhos, o vilão é um português que teve a cor-
agem de partir a guitarra, aquela guitarra que
todos nós trazemos na alma e no coração a
consolar-nos, com seus acordes de plan-
gente fatalismo, dos desencantos e dos fra-
cassos da vida.

J. Vieira Natividade, Madeira-A Epopeia Rural,


Funchal, 1953, pp. 39/40

Aguarela anónima. Séc. XIX, Colecção da Casa Museu Frederico de Freitas


82 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 83

A
Pintura de MaX Römer.
Sala de Provas da Madeira Wine Company

A área vitícola ocupava em 1865 cerca de 19% da terra arável distribuída pelas ver-
A cultura da vinha tentes Norte e Sul. Os efeitos da filoxera sentiram-se de forma rápida. A área de vi-
nhas no ano de 1883 não o nega. As estatísticas oficiais falam apenas 353ha, que pas-
saram em 1885 para 769ha. Segundo O. Ribeiro81: Na encosta norte, a vinha desce
Has de nela encontrar cepas viçosas
até ao nível do mar, achando-se sempre os maiores vinhedos nas terras baixas do
Em partes do terreno transplantadas, litoral. Ao Sul sobe até 400 metros, sendo cultivada em latada apenas até 400 me-
já mostrando seus frutos pampinosas tros. Nos anos quarenta a área vitícola ocupava 50% do solo cultivado no Sul, dom-
por mäos de natureza agricultadas: inado por Câmara de lobos, Estreito, Campanário, e 30% no Norte com as fregue-
farás, que destas parras preciosas sias de Seixal, Porto Moniz, Ponta Delgada, Arco de S. Jorge.
fiquem as terras brevemente inçadas,
O cultivo da vinha no século XX é descrito de forma sucinta por J. R. Gomes82:
porque fação nos séculos vindouros
o prazer das nações, os seus tesouros. Nas terras menos alagadas, como é natural, são as que dão melhores vinhos. Nas pro-
priedades mais bem cuidadas, o solo é aberto, até à profundidade de dois metros; o
Seja pois esta a planta mais querida bacelo, plantado fundo, alonga-se pelo gavião a procurar a humidade do subsolo,
de que tratem os íncolas primeiros; única que lhe dissolve os elementos necessários à sua nutrição. Para que a vinha se
seja a terra de cepas revestida
em vez de louros, cedros, e pinheiros:
não tente com a alimentação, fácil de Inverno, mas em profícua no Verão, das mais
a cultura das parras seja a lide altas camadas do terreno, as raízes superiores, as “pasteleiras”, são cortadas, permitin-
dos que forem alli teus companheiro, do-se-lhe unicamente esse árduo trabalho de mineiro que é de garantir-lhe, por longos
dizer-te nada mais me cumpre agora, anos, o sustento e a produção dos seus saborosos e abundantes cachos de oiro.
na enseada que vês ó Zargo, ancora. Só no fim de três anos é que o bacelo dá colheita apreciável. O seu tratamento não
Francisco Paula de Medina e Vasconcelos,
Zargueida, Lisboa, 1806, canto IX, vº XXIII, XXIV 81. RIBEIRO, Orlando, A Ilha da Madeira até Meados do Século XX. Estudo Geográfico, Lisboa, 1985 ( 1ª edição em 1949 com
o título: L’ile de Madère. Étude Geographique)
82. O vinho da Madeira..., p. 6/7.
84 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 85

é muito trabalhoso: dá-se-lhe uma cava em Janeiro, para arejar o terreno, metendo-se- teem se recusado obstinadamente a adoptar essa pratica, não obstante o resultado
lhe adubos, entre os quais o tremoceiro e a giesta que fornecem à planta grandes quan- das colheitas ter sido muitas vezes prejudicado por causa da grande quantidade de
tidades de azoto, ajudando a acção do ar. Essas cavas, ou “mantas”, permitem o ramos que eles se negam a cortar, porque aumentam a quantidade do vinho (…). A
empoçamento da água das chuvas e o seu escoamento profundo na direcção do pé. situação é corroborada por outro estrangeiro em 1823 que refere a reprodução por
Duas enxofrações, uma “esfolha” depois da flor “vingada”, e outra, mais tarde, meio da mergulhia, que antecedia o enxerto87.
para melhor amadurecer o bago, é tudo quanto se concede de mais privativo à A videira depois de plantada só atingia o nível adequado de produção ao fim de
vinha. Indirectamente, recebe de outros benefícios que visam ao desenvolvimento três anos e passados quinze anos entrava na fase de decadência. Assim, quando con-
de certas culturas hortícolas, que medram sob as latadas durante o tempo em que a sideramos as crises da viticultura, é necessário ter em conta a situação. O próprio P.
ausência de folha permite à luz do sol chegar ao terreno agricultado. P. da Câmara evidencia o curto período de vida da videira: Antes de 3 anos de cul-
A actividade vitícola resumia-se até ao século XIX83, a estas actividades. A enxo- tivo, nada produz, a cepa; no quarto começa a vigorizar-se, e a dar anualmente abun-
fração só surgiu após a doença do míldio. Durante séculos repetiu-se a rotação dantes e grandiosos cachos; nos 8 anos acha-se na sua completa maturidade, e logo
monótona das tarefas agrícolas marcadas pela cava com adubação, poda, esfolha, cul- depois entra na sua decrepidez, perde o vício e a robustez, carrega pouco de uva, e
minando o ciclo com as vindimas. A vinha não se planta sem uma grande profundi- por fim, morre entre os 10 a 15 anos (...). O contrário, porém acontece na do norte,
dade na terra. Toda ela é cavada à força de braços, em muitos lugares os homens a onde uma temperatura, mais fria, e um terreno húmido, abundante de águas e
cavão até exceder a sua própria altura, o que nunca se pode dispensar em salvo (sic) arvoredos, lhe conserva uma longevidade sempre viçosa, entrelaçada nos verdes
e em pedra mole aumentão, outro tanto à mesma altura, e se não fosse assim corta- ramos das árvores, produzindo quase quer sem trabalho, em muito mais abundân-
da a terra nada produziria a mesma vinha84. A tendência para o aproveitamento das cia, põem no geral de inferior qualidade88.
terras de vinha no período de Setembro a Maio para o cultivo de produtos hortíco- Henry Vizetelly, que visitou a ilha em 1877, percorrendo os vinhedos mais impor-
las, como semilhas, feijão, aboboreiras, é uma tradição que não se perdeu não tantes da área circunvizinha do Funchal, apresenta-nos informações sobre o modo
obstante terem existido recomendações das autoridades contra isso como sucedeu como se cultivava a vinha: Na Madeira a vinha propaga-se por mergulhias, que cos-
em 1817 com a Junta de Melhoramento da Agricultura: Há igualmente por bem a tumavam ser plantadas apenas a uma profundidade de vinte polegadas. Agora, no
mesma junta determinar a vossas mercês que fação proibir todas sementeiras que os entanto, costuma-se coloca-las em valas com quatro pés ou mais de profundidade,
lavradores costumão fazer por entre as vinhas, não lhes permitindo o fabrico delas de acordo com a qualidade do solo. No fundo da vala coloca-se uma camada de
por princípio algum nem a cultivação de batatas, abóboras, ou outra qualquer plan- pedras soltas para evitar que as raízes penetrem no solo duro por baixo. Nos vinhe-
ta, que contribua para a destruição das mesmas vinhas, reduzindo este objecto85. dos de melhor qualidade, estas mergulhias são geralmente feitas com muita distân-
Antes da filoxera a cultura fazia-se geralmente em cavalos da própria casta desen- cia entre elas. As vinhas dão fruto no terceiro ano e são colocadas, na maioria dos
volvendo-se de seu pé, pois raras vezes se procedia à enxertia. A partir da segunda casos, tanto em latadas, como em corredores…89.
metade do século XIX foi necessário recorrer a cavalos resistentes de herbemont, O texto para além de referir o modo de plantio da vinha dá conta do estado das
jacquez, riparia, para enxertar a casta desejada. A primeira indicação sobre a enxer- latadas no último terceiro quartel do século XIX. Tal como hoje sucede, era comum
tia da vinha surge já em 1768. Segundo James Cook86 a mudança não foi fácil: São o uso de latadas ou corredores, no Sul, como suporte das videiras, enquanto que no
tão insignificantes os progressos que os habitantes teem feito nas artes agrícolas, que Norte se fazia em balseiras ou embarrados90. Dos 400 m para cima temos a vinha
só muito recentemente conseguiram fazer em vinhedo produzir a mesma casta de
uvas, por meio da enxertia das respectivas cepas (…) Foi à custa de imensas dificul- 87. T. E. Bowdich, Excursions in Madeira…, London, 1850, p.347, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos
dades que se conseguiu decidir os habitantes a enxertarem as suas vinhas; alguns e Textos, Funchal, 1993, p. 337
88. Breve Notícia sobre a ilha da Madeira, pp. 68/9; a opiniäo de que as cepas apenas duram 15 anos é dada por Eduardo
Grande, ibidem, p. 77. ... a circunstância de serem os bacelos plantados muito perto uns dos outros, e o género de poda a
que a videira é submetida no paíz, determinam o definhamento precoz desta planta e a sua curta vida. Segundo o
83. Em diversos textos é referida a forma como se cultiva a vinha. Cf. João de Andrade Corvo, A Mangra ou Doença das Vinhas, Governador Correia de Sá, em 1799 as vinhas necessitavam de 5/6 anos para frutificar; vide AHU, Madeira e Porto Santo,
in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, pp. 285-286; T. E. Bowdich, Excursions nº 174.
in Madeira and Porto Santo, London, 1825, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 89. Publicado por Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira, Funchal, 1993, p.386
1993, p. 346; J. L Thudichum e a. Dupré, A Treatise on the Origin, Nature and Varieties of Wine, London, 1872, in Alberto 90. F. Augusto da Silva, Elucidário Madeirense, vol. I, p. 113. Sobre a cultura da vinha na ilha temos o testemunho de Eduardo
Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, p. 371; H. Vizetelly, Facts About Port and Madeira, Grande, Agrónomo adido ao Governo Civil do Distrito do Funchal em 1865: A cultura da vinha faz-se no Districto de duas
London, 1880, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, p. 386; J. Jonhson, formas differentes; em balseiras, ou embarrados, na região do norte; e em latadas e corredores na parte do sul.
Madeira its Climate and Scenery, London, 1885, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Nos embarrados a videira sustenta-se e enlata-se sobre árvores dispostas para esse fim: neste systema a produção abun-
Funchal, 1993, p. 408. dante, mas pouco qualificada, porque as uvas raras vezes chegam a uma completa maturação, já porque não recebem a
84. ARM, RGCMF, t. 14, fols. 131vº-134vº. reverberação dos raios caloríficos, já porque as arvores não são podadas convenientemente.
85. ARM, RGCMF, t. 14, fols. 106-106vº As árvores que no Districto se encontram associadas videira são o castanheiro, o carvalho, a faia e o louro. (Relatório
86. “Relação da Viagem Feita à Volta do Mundo…”, Heraldo da Madeira, nº.463, de 9 de Março de 1906. Sociedade Agrícola do Funchal.)
86 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 87

de pé e embarrados. A primeira referência às latadas surge 146191 em que o infante


D. Fernando ordenava a manutenção do dízimo da madeira delgada que se põem
nas latadas e vinhas e tapaduras92. A segunda aparece em 1492 quando se refere a
necessidade de restauro do caminho de S. Francisco que o tabelião Afonso Lopes
tinha um lugar de vinha e latada e casas de morada... para a quall hé muyto neces-
sario trazer madeyra para repairo da dita latada...93.
A forma de cultivo da vinha acarretava elevados encargos. Em 1815 em repre-
sentação ao monarca no Brasil refere-se os custosos trabalhos com as vinhas: Exige
ela outro trabalho muito arriscado, que é a condução das madeiras para latadas, e
corredores quase todas elas cortadas, em três ou quatro légoas de distância dos
lugares cultivados, e pelo meio da escarpa das rochas, onde a maior parte dos
homens vão cortá-las amarrados com cordas94. Numa representação da Câmara
(1811) aparecem as latadas e corredores como meio de segurar as vinhas dando-se
conta do elevado custo do sistema, pois precisava da constante renovação das
madeiras: Estas vinhas são surpreendidas sobre latadas, e corredores, formados de
canas sobre estacas de madeira, e tudo entre si ligado por atas de vimes, tudo expos-
to ao rigor das estações, e portanto é curta a sua duração, e precisão de ser reno-
vadas todos os anos as porções danificadas, o que induz o colono a mais uma anual
despeza. As mesmas vinhas cuja duração é de poucos anos precisão ser substituídas
por novas plantações, que também são de mais uma despeza anual95.
O espectáculo das latadas madeirenses, verdadeira obra-prima do colono
madeirense mereceu o elogio de Francisco Travassos Valdez: Usam-se muito na
Madeira, latadas ou parreiras armadas, trepando as vides pelas canas, e cobrindo
varandas, janelas e portadas, à maneira de toldo ou docel, formando em algumas
partes bonitos arcos, aberturas ou espécie de janelas entre cada uma das pilastras
que sustentam aquela vistosa cobertura de pâmpanos e cachos de uvas96.
Quanto à vinha de pé temos algumas referências. Em informação da Câmara do
Funchal ao Governador acerca da fome e meios para a debelar, alertava-se para os
perigos do corte de árvores: Enfim as vinhas se plantão por entre pedras das rochas
aonde não podem haver sementeiras e por causa destas cortando-se os arvoredos se
virão a secar as águas, e em consequência a extinguir as vinhas97.
As balseiras são referenciadas pela primeira vez em 1759 em ofício do
Governador José Correia de Sá sobre a necessidade de promover a cultura: E
porque não convém que haja só vinhos para as carregações aos estrangeiros, mas
também para os gastos da terra para o Brasil se deste também cuidar na cultura das
vinhas que podem servir a este intento o qual se pode facilmente obter plantando-
se as costas das ribeiras, e partes mais frias de árvores com vinha a que chamão bal-
91. ARM, RGCMF, t. 1, fols. 202-209. Balseira..Desenho de
92. Idem, t. 1, fol. 203vº. Litografia de Susan Vernon
93. Idem, t. 1, fols. 173vº-174vº.
Harcourt, Sketches in
94. Idem, t. 14, fols. 131vº-134.
95. AHU, Madeira e Porto Santo, nº 3007.
Madeira, Londres,
96. África Ocidental, Lisboa, 1864, p.54. 1851. Casa Museu
97. AHU, Madeira e Porto Santo, nº 173. Frederico de Freitas
88 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 89

seiras, a que também se deve aumentar o preço a juízo prudente, atende-se a que gistos que confirmam a mudança de culturas. Em 1571104 Jorge Vaz de Câmara de
estas vinhas dão novidade mais tarde. E para que ambição não faça esta cultura inútil Lobos decidiu plantar o chão das laranjeiras de malvasia para dar mais proveito. Já
plantando árvores, porque umas crescem mais do que outras e fazendo branhas em 1587105 a terra de João Gonçalves em Santo António, que havia sido de vinha,
nada darão98. estava com canavial de soca de um ano. Na verdade, a união ibérica alterou a
Em 1851 O Agricultor Madeirense dava conta da crise vitícola no Norte e da geografia do mercado açucareiro e a Madeira viu de novo a possibilidade de expor-
degradação que havia atingido as videiras em razão do abandono votado pelos sen- tar açúcar. Mas, nem sempre foi assim, pois, em plena euforia de cultura açucareira
horios e a morte das balseiras: O certo é que o estado da cultura é assustador; as no século XVII, Rafael Catanho Vivaldo de Ponta de Sol lastimava a sorte porque
árvores que sustentam a vinha estão secas, e se por mais de dois anos se lhe con- as terras eram de canas he as ditas canas se não quiseram dar106 daí que prantei has
serva a parreira encostada, também esta morre, é preciso mergulhar as vinhas, cor- ditas terras de vinha he fiz nellas três laguares.
tar as árvores e matos gastachos99. Numa sentença de 1853 sobre uma demanda Outro factor que condicionou a substituição de culturas prende-se com as pragas.
entre um senhorio e um colono, em que o primeiro pretende cortar dezoito pesse- Nos inícios do século XVII o bicho atacou a cana tornando impraticável a cultura.
gueiros, um damasqueiro, quatro figueiras, quatro enxertos de ameixoeira, dois Martim Afonso reclamava em 1612107 da sua sorte uma vez que a fazenda não era de
laranjeiras é referido que todas ou quase todas essas árvores, estão sustentando par- grande proveito. O vinho em pouco tempo tornava-se em vinagre e as canas estavam
reiras, as quais correm o risco de se perderem cortadas as árvores, com o que o atacadas pelo bicho, por isso não entendem o que poderão vir a dar mas também
colono sofreria grave prejuízo100. que já andarão de canas e por o bicho dar nelas as deixarão estar devolutas e as plan-
O uso das árvores como suporte das vinhas é uma das características da cultura taram de vinha há poucos anos por não darem canas por o bicho tudo levar a eito108
da vinha no Minho e a presença na Madeira tem a ver com a participação minhota . Já para Manuel da Gram109 os dois serrados eram quase improdutivos pelos ares e
no povoamento do arquipélago. Hoje a tradição desapareceu da Madeira mas ainda maldade da própria serra, a alforra e a falta de água, não dando para as despesas da
persiste no Minho101. Eduardo Grande em relatório sobre a vinha no momento capela a que estavam vinculados. O agricultor madeirense foi tomando consciência
imediato à crise do oídio dá conta do modo de suporte das parreiras no norte com da nova realidade e a vinha acabou por assumir a importância desejada na agricul-
balseiras e embarrados - usando-se para isso o castanheiro, a faia, o carvalho, o tura e economia da ilha. Rapidamente as terras foreiras passaram a estar ocupadas
loureiro, enquanto no sul se utilizava as latadas e embarrados. No norte se culti- de vinhas, como foi o caso das pertencentes ao Convento de Santa Clara.
vavam desse modo os bacelos de verdelho, sercial, tinta, que produziam abundantes Terras de Vinha Foreiras do Convento De Santa Clara - 1644
uvas mas de pouca qualidade, devido à falta de maturação em razão da folhagem das
Nome Local Foro em réis
árvores de suporte. Por isso aconselha o uso de bacelos isabella, que depois serão Gaspar Costa ..................................................................................1 400
enxertados com as ditas castas, ao mesmo tempo que salienta a necessidade de Francisco Noronha Henriques.......................................................2 500
escolha de árvores de suporte com poucas folhagens, como o carvalho, castanheiro Roberto Vilovit ...............................................................................1 650
e freixo, da disposição espaçada das árvores, e assídua poda das mesmas de modo Pero Catanho ................................................................................3 500
a que os raios solares atinjam as uvas; isto para que as uvas sejão mais gradas e o Baltasar Gonçalves .......................................................................5 000
Afonso Aires .................................................................................1 700
vinho de melhor qualidade102. João Escórcio Vasconcelos ...........................................................2 000
No Porto Santo, mercê das condições geológicas e climatéricas, o terreno dedi- Rafael Estêvão Florença ..............................Calheta ......................3 000
cado à vinha reduz-se à área do litoral, nomeadamente na vila Baleira, numa área António Correia .........................................Funchal .....................1 000
que se estende da Calheta ao Espírito Santo103. Aqui sempre dominou a vinha de pé. Cristóvão Moniz ...........................................................................3 800
O momento de afirmação da cultura da vinha aconteceu na segunda metade do António Gonçalves .......................................................................3 800
—-Carvalho Valdavesso .................................................................1 200
século XVI, de modo especial as três últimas décadas. O mercado do vinho adqui-
Domingos De Andrade ................................................................2 000
riu importância quando os canaviais deixaram de ser rentáveis. São inúmeros os re- Lourenço Matos Coutinho .........................Funchal ...................30 000
Domingos Vieira Coelho ...........................S. Gonçalo ...............3 000
98. Idem, nº 174.
99. Nº 7, p. 116.
100.Setenças dum Juiz de Direito, Lisboa, 1860, p. 40. 104. JRC., fl. 499vº-500vº, testamento de 30 de Maio de 1571.
101. Confronte-se J. Leite de Vasconcelos, Opúsculos, vol. VII, Lisboa, 1933, p.129; idem, Estudos de Filologia Portuguesa, Rio 105. Misericórdia do Funchal, L1 711, fls. 141vº-142vº, trespasse de 20 Dezembro.
de Janeiro, 1961, p.8 106. JRC, 427-429vº, 30 de Junho de 1608.
102. Eduardo Grande, ibidem, pp. 74/6 in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, 107. ARM, JRC, fls. 254-258, testamento de 3 de Fevereiro.
pp.305-306 108. JRC, fls. 254-258vº, 3 de Fevereiro de 1612.
103. C. A. Menezes, “A Vegetaçäo e Clima do Porto Santo”, in Portugal Agrícola, 1908, nº 6, pp. 81/4. 109. RC, fl. 155-175vº, 31 de Maio de 1616.
90 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 91

Apolónia de Sousa .....................................Caniço.......................1 200 e lagar, a troco de metade do mosto saído à bica do lagar. O senhor limitava-se a assistir
Manuel Vieira Toscano ...................................................................700 à vindima, à partilha do mosto e, em muitos dos casos, nem sequer estava presente nem
João Ornelas Abreu .....................................................................1 100 se fazia representar pelo feitor, ficando o colono com o encargo de o conduzir às lojas do
Manuel Gonçalves Brandão ........................R0 Brava ...................1 400
centro da freguesia ou no Funchal.
Isabel Atouguia ............................................R0 Brava ..................1 000
Manuel da Silva ..........................................C. Lobos ...................2 000 Quase todos os colonos apresentam-se com lagar, construído de acordo com as
António Gonçalves .......................................................................3 000 possibilidades económicas. Assim, temos as lagariças de pedra, o cocho, o lagar de pedra
Heitor Nunes Berenguer ............................Calheta .....................5 000 e fuso. Os lagares e a casa implicavam, para a maioria, um avultado investimento. Todo
Baltasar Sequeira ........................................Sto. António.....................? o investimento necessário à cultura de vinha era quase sempre da responsabilidade do
Diogo de Ornelas .........................................................................1 000
colono. Era ele que atribuía a mais-valia ao terreno para que as culturas medrassem.
Domingos Rodriguez ...................................................................3 000
Jerónimo Teixeira .......................................Gaula............................300 Daqui resultava a situação de duplo favorecimento do proprietário, que retirava rendi-
Pedro Gonçalvez Sidrão ...............................................................1 000 mento sem qualquer investimento e vinculava o colono à propriedade através de um con-
Fonte: ANTT, Convento de Santa Clara, nº 18. trato regido pelo direito consuetudinário. O sucesso da instituição, conhecida como con-
trato de colonia, deverá estar precisamente na teia de relações e interdependências que
Os conventos do Funchal, nomeadamente de Santa Clara e Encarnação, eram estabeleceu.
detentores de bens fundiários em toda a ilha. No caso do da Encarnação o número O investimento inicial assumido pelo colono em terras de senhorio era elevado
de foros em vinho é mais reduzido quando comparado com os demais produtos ou podendo ultrapassar quinhentos mil réis, distribuídos entre as paredes de retenção de ter-
com o de Santa Clara110. Os dotes das noviças, as doações particulares alimentaram ras, as parreiras, a latada e corredor de canas e vimes e o lagar com casa ou palheiro. O
ao longo dos anos o património. Os dados evidenciam a realidade e um documen- valor mais elevado incidia no levantamento de paredes e parreiras. No Norte da ilha uma
to que faz a relação das adegas do convento torna-a evidente. Assim em 1667111 o das características das latadas era a necessidade de construir sebes ou bardos para prote-
convento de Santa Clara tinha adega em Santo António, Câmara de Lobos, Estreito, ger as vinhas do vento e da ressalga. Para isso usa-se a urze, tal como se pode verificar no
Campanário, Ribeira Brava e S. Vicente com um total de 104 tonéis. litoral entre o Seixal e a Ribeira da Janela.
A casa e o lagar só adquiririam outro valor quando eram em simultâneo morada do
Adegas Do Convento De Santa Clara Ao Longo Da Costa colono e portanto de construção mais cuidada, podendo ficar por apenas $800 réis, como
foi o caso do lagar de Manuel Gonçalves em Campanário, ou ultrapassar os trezentos mil
local 1688 1691 1692 1708 1750 1752 1753 1754 1755 1757 1763 réis, como sucedeu com a casa e lagar que Domingos da Silva Pinto havia construído na
C. Lobos 4 1 fazenda de Francisco Figueira no Estreito de Câmara de Lobos. Estámos perante um
Lugar Baixo lagar de grandes dimensões, tendo em conta os custos de trabalho com o pedreiro e
Santa Cruz 8 4
Rª Brava 1
carpinteiro. O valor assinalado para as parreiras plantadas era de 372.580 réis112.
Porto Novo 1 2 3 2 3 1 1
Na avaliação do lagar tenha-se em conta a capacidade, forma de construção, dis-
ponibilidade de apetrechos e a cobertura que o protegia. A presença de utensílios, como
A partir do levantamento dos testamentos dos séculos XVII e XVIII disponíveis no a tina e funil. A dificuldade em encontrar referências ao vasilhame, poderá ser indício de
Arquivo Regional da Madeira é possível saber qual o investimento indispensável para a que o mosto seguia directamente para o Funchal. Em 1664 Manuel Moniz apresentou no
cultura da vinha e sistema fundiário. Na Madeira é necessário distinguir um sistema de inventário da fazenda na Ribeira Seca cinco tonéis, avaliados em 5.000 réis. Já em 1752
dupla propriedade, conhecido como contrato de colonia. Com a cultura da vinha expres- Romão Figueira declara apenas dois barris no valor de 1.000 réis113.
sava-se da seguinte forma. O proprietário pleno detinha apenas o espaço enquanto o O maior investimento do viticultor/colono estava no arranjo das terras, no plantio, en-
colono era o dono das benfeitorias necessárias ao aparecimento dos vinhedos, isto é, pare- xertia e cuidados com a vinha. Temos informação sobre os preços dos bacelos e enxer-
des, pés de vinha, latadas, loja e lagar. É possível saber-se qual o valor das benfeitorias que tos. Em 1692 os bacelos eram avaliados em 6 réis cada, situação que se manteve em 1742,
aparecem nos inventários para a posse dos legítimos herdeiros. O colono recebia muitas uma vez que um milheiro equivalia a 6.000 réis114. Os enxertos são a 50 réis por pé115.
vezes a terra e ficava com o encargo de erguer paredes, plantar videiras, construir latadas
112. ARM, Capelas, Inventário, cx. 19, nº 459, 11 Dezembro 1742.
110. A Restauração e o Convento de Santa Clara, Funchal, 1940, pp. 45-47; Maria Eduarda Gomes, O Convento da Encarnação 113. ARM, Capelas, cx. 36, nº 952, cx. 20, nº 516.
do Funchal, Funchal, 1995. 114. ARM, Capelas, cx. 7, nº 159; cx. 17, nº 398.
111. ANTT, Santa Clara, maço 2, 10 de Maio de 1667. 115. ARM, Capelas, cx. 30 nº 398.
92 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 93

CUSTO DAS VIDEIRAS.1692-1782 que para 24.232 parreiras viu-se obrigada a investir 45.000 réis na construção de
Data Vinha Valor Unitário Total latadas a que se somam mais 65.000 réis de paredes117. A última despesa dependia
1692 350 bacelos 6 2100 do local onde estava o terreno. O valor mais elevado resultava do trabalho de
1700 1300 parreira 16500 preparação do terreno para o plantio dos bacelos com a construção de paredes.
1728 2 milheiros e 842 parreiras 14210
2604parreiras 13020
1730 15 milheiros 75.000 INVESTIMENTOS DOS COLONOS NAS VINHAS.1692-1782
1731 Campanário 6636 parreiras 33180
1732 Tábua 6650 25315
1732 C. Lobos 3800 parreiras 19000 Data Local Colono/Proprietário Vinhas Latadas Lagar Paredes TOTAL
1733 R. Brava 2854 parreiras 9.270
1735 Tábua 2537 parreiras 12575 1692 Robert Vilovid 10.900 19.000 29.900
1736 Curujeira 7933 parreiras 39.665 1700 António Gomes 16.500 27.000 2.000 64.500 110.000
1736 4500 parreiras 22.500 1728 Tábua Manuel de Abreu 27.230 7.000 4.000 38.230
1736 12.500 parreiras 62.000
1736 Santo António 13.085 parreiras 56.000 1730 S. Martinho José gomes Jardim 75.000 3.500 61.600 14.100
1738 Campanário 8.300 41.500 1731 Campanário Manuel Fernandes 33.180 3.000 68200 104.380
1738 Será de Água 6400 milheiros e 40 parreiras 2050 1732 Tábua Manuel Nunes 25.315 1840 1.500 2710 31.365
1739 15.400 7.700
1739 1732 C. de Lobos Pedro da Cruz 19.000 4.000 2.600 5.500 31.100
S. Martinho 9.620 51.100
1740 Estreito de C. Lobos 4800 22.800 1733 Ribeira Brava José Gonçalves 27.270 1.000 62270 90.540
1741 Campanário 5 milheiros 25000 1735 Tábua Manuel Pereira 26.975 30.600 3.200 82.200 142.975
1742 E. de C. de Lobos 20140 parreiras 77.300 1736 José Ferreira Mesquita 39.665 10.000 9.500 99.000 158.165
1742 1840 2.250
1743 Tábua 2348 parreiras 11.746 1736 Manuel Pires 62.500 9.000 125.000 196.500
1744 S. Martinho 26700 parreiras 119.250 1736 Santo António Maria Fernandes 86.528 43.000 8.500 14.500 152.528
1745 S. Martinho 21320 parreiras 70.800 1738 Campanário Catarina Abreu 41.500 4.000 110.500 156.000
1746 Campanário 7510 20.255
1746 Campanário 13.400 67.000 1738 Serra de Água Bernardo Gouveia 41.200 12.000 3.000 10.500 66.700
1746 Campanário 14.270 71.350 1739 Maria Rosa 15.400 500 200.000 215.900
1747 Campanário 4586 22.680 1739 S. Martinho Mariana de Freitas 51.100 7.000 5.000 116.000 179.100
1748 Tábua 3 milheiros 15.000 1741 Campanário Manuel Fernandes 25.000 4.000 800 120.000 149.800
1748 Tábua 8000 7000
1748 Campanário 24222 31.080 1742 Estreito Domingos da Silva Pinto 373.070 305.700 678.770
1748 S. Martinho 43.600 172.000 1742 Pedro Gonçalves 326.370 9000 335.370
1748 Campanário 12 enxertos 600 1742 E. C. de Lobos João Lopes Dantas 127.300 16.000 10.000 140.100 293.400
9180 parreiras 24.000
1750 Campanário 6.010 22.000 1742 Domingas Ascensão 8.250 850 22.00 400 31.500
1752 21.800 60.000 1743 Tábua Maria Gomes 40.246 17.900 186.500 186.500 431.146
1753 Campanário Enxertos 50rs 600 1744 S. Martinho António Figueira 119.250 3.000 40.000 35.650 197.900
1762 Tábua 620 parreiras 13.100 1745 S. Martinho Maria Gomes 30.000 12.000 6.500 74.500 123.000
1782 S. Roque 1360 parreiras 36.200
1746 Campanário António Rodrigues 20.255 10.500 4000 68.000 102.755
FONTE: ARM, Capelas-inventário, maços:1 a 42
1746 Campanário Joana Duarte 67.000 9.000 76.000
A extensão de vinhedos pode ser deduzida a partir do número de milheiros de 1746 Campanário Madalena Gonçalves 71.350 33.000 15.000 135.000 254.350
1747 S. Martinho Martinho de Freitas 15.000 5.000 20.000
parreiras dadas a inventário. Em 1748 Antónia de Freitas, casada com João
1747 Campanário Pedro Rodriguez Silveira 22.680 12.000 34.680
Rodrigues, tinha em S. Martinho terras de benfeitorias do capitão Francisco da 1748 Tábua Manuel Rodriguez Serra 15.000 12.000 27.000
Cunha com 43.600 parreiras. Estámos perante um dos maiores investimentos algu- 1748 Tábua 7.000 2.5000 65.000 74.500
ma vez assumido por um colono. 1748 Campanário Manuel Rodriguez 31.680 45.000 5650 65.000 147.330
O colono era ainda onerado com a obrigação de outro conjunto de benfeitorias, 1748 S. Martinho Antónia Freitas 172.000 10.000 9.000 166.000 357.000
1748 Campanário Maria de Ascensão 24.600 10.000 36.400
imprescindíveis à laboração da faina vitivinícola. A construção de paredes, o plantio
1750 Campanário Maria Mendes 40.050 10.000 4.000 160.000 214.050
das videiras, o erguer latadas e construir lagares estão incluídos no primeiro investi- 1752 Romão Figueira 60.000 63.000 123.000
mento do colono. A despesa em latada é reduzida, o que deverá ser prova do uso 1753 Campanário Francisco Rodrigues 45.600 3.000 197.250 245.850
da vinha de pé116. Diferente era, todavia, o caso de Maria Pereira no Campanário 1762 Tábua Leandro de Brito Oliveira 13.100 15.000 2.000 115.000 145.100
1782 S. Roque Josefa Maria 36.200 42.000 4.000 235.000 317.200
116.ARM, Capelas, cx. 36, n1 968. FONTE: ARM, Capelas-inventário, maços: 1 a 42
117.ARM, Capelas, cx. 27, n1 736.
94 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 95

uma crise de seca e fome. Ao mesmo tempo tentava-se acabar com o abandono e
alheamento dos proprietários com a extinção do contrato da colonia118. No regi-
mento ordenava-se a protecção à cultura: Nas terras incapazes de produzir trigo, cen-
teio, ou cevada se deverão plantar vinhas, para que, assim vivão independentes os
moradores desta ilha dos vinhos da Madeira, por ter sido esta falta, o quarto modo
por onde se lhes introduziu, o princípio de sua ruína119. Daqui resultou que o plan-
tio de vinhas não foi esquecido e no ano de 1784 temos referência ao envio de bace-
los da Madeira. O Sargento-Mor da ilha, ao mesmo tempo Inspector de Agricultura,
Pedro Telles de Menezes, apossuiu-se delas plantando-as nas suas terras em detri-
mento de outras mais apropriadas. A Junta solicitou ao vigário local informação
sobre o mesmo com a mais cautela e segredo possível120.
Segundo A. R. Azevedo121 , apenas, o período da administração pombalina não
foi marcado pelo proteccionismo à vinha, uma vez que se promoveu uma diversifi-
cação de culturas122. A intenção de arborizar das serras escarpadas e o recurso a
novas culturas foi vencida pela febre vitícola pois, como salientam as instruções de
1792, a vinha era a dominante e aquela a que o povo se entregava com mais cuidado.
Cuidados com a vinha. Nos documentos consultados não encontramos dados concludentes quanto à
Painel de Max Römer.
Sala de Provas afirmação de A. R. Azevedo. Tudo indica que o mesmo excedeu a confiança que
da Madeira Wine Company seria de depositar nos diplomas que refere. Aliás, no próprio texto encontramos afir-
mações que o contradizem.
Com o Governador José António Sá Pereira lançou-se mãos da diversificação de
culturas. O facto foi repetido em 1782, mas nunca foi possível destronar a predomi-
A maior parte dos investimentos na cultura da vinha tiveram lugar a partir dos nância da cultura da vinha que, com o aproximar do fim do século XIX, o vinho se
séculos XVII ou XVIII, revelando que ainda existiam terras por aproveitar que se tornou cada vez mais solicitado pelos mercados externos e, por isso, mais rentável. A
procuravam conquistar. A afirmação da vinha foi, assim, resultado da usurpação do mudança aconteceu na segunda metade do século XIX com o avolumar da crise vití-
terreno ocupado pelos canaviais abandonados e, acima de tudo, pela conquista dos cola que tem origem nas diculdades da produção, fruto de factores patológico-botânico
baldios situados em zonas com condições apropriadas à cultura. Acresce, ainda, o (oídio em 1852, filoxera em 1872, míldio em 1912). Os agricultores madeirenses foram
facto de os dados disponíveis revelerem uma aposta preferencial a partir da segun- obrigados a aceitar a substituição da vinha por outras culturas. Sucedeu assim com a
da metade do século XVII. Era a vinha que valorizava o espaço agrícola pelo que cana sacarina e diversas experiências como novas culturas como o tabaco, chá e bicho-
todas as tarefas e benfeitorias que conduzissem à sua afirmação eram valorizadas da-seda. A vinha não ficou no esquecimento do colono e a necessidade da água-pé para
pelo que não é estranho as referências em inventários à vinha e benfeitorias corre- as festanças de Natal e as longas noites de Inverno levou-o a procurar outra forma de
lativas. cultura sob cautela do bicho com o ensaio de bacelos americanos resistentes. Uma nova
Poucos são os elementos, como vimos, que nos dão a imagem aproximada do fase relançou a cultura da vinha da ilha. As actividades da Comissão Anti-filoxérica
incremento da cultura da vinha ao longo dos séculos XVIII/XIX e mesmo em (1882/1883)123 e da Comissão de Auxílio à Agricultura [1888/1890]124 evidenciam a
período antecedente. Os dados disponíveis são avulsos e outros mais seriam neces- aposta na reconversão agrícola da região no período de crise.
sários para se formar uma ideia do incentivo à cultura. Apenas temos à mão o regi-
mento de 1774 para o Porto Santo e as instruções do Corregedor e Desembargador 118.ANTT, PJRFF, nº 976, fols. 111/119
119.Idem, nº 960, fols. 64/65.
António Rodrigues Veloso de Oliveira em 1782 que refere a necessidade de diver- 120.Ibidem, p. 718.
sificação das culturas de forma a evitar o sistema de monocultura da vinha e, por 121.Ibidem, vide pp. 710/718.
122.Dois documentos evidenciam esta preocupação do Governo: As instruções de 27 de Outubro de 1781 (Alberto Vieira,
consequência, a dependência dos mercados externos. Em finais do século XVIII a História do vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, pp.p.22), Informação do corregedor Pedro António Faria
de 16 de Maio de 1783[ibidem, pp.25-27), instruções para o Inspsector da Agricultura no Porto Santo de 1 de Junho de
tendência dominante era para a monocultura da vinha. O regimento de agricultura 1783(ibidem, pp.28-30)
123.ARM, GC, nº 85.
de 1774 dá conta das medidas de incentivo da policultura, como solução para mais 124.ARM, GC, nº 150.
96 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 97

Vinhas. Campo
Cuidados com a vinha.
Experimental do Estreito
Gravura de Max Romer. Sala
da Calheta. Colecção do
de Provas da Madeira Wine
autor. 2002
Company

estão as variedades preciosas cultivadas ao sul da Madeira; o que contudo, não deva
Cultura da Vinha talvez justificar o hábito, em que estão os cultivadores, de dar um extraordinário desen-
volvimento às videiras cultivadas em latadas e corredores. Todos os Enólogos confessam
A cultura e plantação das vinhas são, na Madeira, feita com bastante cuidado e per- que, na cultura da vinha, é a poda a operação mais difícil; e só a experiência pode decidir,
feição, o que infelizmente não sucede às outras plantas úteis. Contudo os processos qual o modo de a praticar nas diferentes variedades de vinha. Contudo certo que na
adoptados nessa cultura não são talvez os mais convenientes, como vamos ver. A plan- Madeira muitos proprietários se queixam de que os rendeiros, pelo modo por que podam
tação faz-se em valas de profundidade de quatro a seis pés, nos quais se lançam pedras as vinhas, as obrigam a produzir mais num ou dois anos, enfraquecendo-as assim e arrui-
soltas para o escoamento das águas, e boa terra com uma camada de mato. - Os bace- nando-as.
los são tirados de alguma das variedades mais vigorosas das vinhas, e depois são con- Uma outra operação cara e delicada de que as vinhas carecem no sul é a encana, isto
venientemente enxertados. Uma plantação de mil bacelos importa, termo médio, cinquen- é, o arranjo e concerto das latadas e parreirais, e a disposição das varas sobre estes; é
ta mil reis, segundo noticia dada por cultivadores inteligentes. De ordinário as vinhas são uma operação correspondente à empa, mas imperfeita em relação às necessidades da
pouco estrumadas com estrumes animais, porque se julga, com razão, que estes têm planta.
perniciosa influência sobre as qualidades das uvas. A cava das vinhas novas, de um, dois, ou três anos, faz-se em Janeiro; as outras
As vinhas começam a produzir frutos, aproveitáveis para a fabricação do vinho, três ou cavam-se no mês de Março ou nos princípios de Abril, havendo cuidado de escolher dias
quatro anos depois da sua plantação, e então elas são todos os anos sujeitas a variadas em que não haja nortes ásperos, porque estes prejudicam as raízes, ofendidas pela enxa-
operações, que favorecem a sua produtividade em frutos, à custa de certo da sua da, que ficam a descoberto depois da cava. Quando, semanas depois da poda, as vinhas
duração. Qual seja a época mais conveniente da poda não é ponto em que haja perfeito tem já brotado, e os pequenos cachos, com bagos tendo apenas o diâmetro de dois a três
acordo entre os lavradores; uns preferem o mês de Fevereiro, outros o de Março, e alguns milímetros, (ao que chamam na Madeira cachos em munição), se acham assombrados
hoje supõem ser a melhor poda a que se pratica em Janeiro. O processo geralmente pelas parras, procede-se ao arrancamento das folhas amarelas, e das que fazem maior
adoptado na prática desta operação tende a dar de ano para ano um maior desenvolvi- sombra aos cachos; tendo contudo cuidado que estes não fiquem inteiramente descober-
mento às videiras, e consequentemente a enfraquecê-las, e a torna-las mui sujeitas a tos, e expostos aos ardores do sol. Mais tarde esta operação da desfolha torna a repe-
doenças que as destroem; este processo de poda comprida é, principalmente no sul da tir-se, quando as uvas estão para luzir, isto é para entrarem em maturação; por este modo
Ilha, seguido nas latadas e corredores, e o seu resultado estarem ao cabo de quinze anos se facilita o progressivo amadurecimento das uvas, e se vão tirando das vinhas folhas que
de existência, e ainda menos, estas vinhas em muito grande decadência. A preferência, servem para dar ao gado.
contudo, a dar à poda curta ou à poda comprida não depende do capricho do viticultor; a
cada variedade de vinha compete um modo especial de poda, e não seguir esta opera- CORVO, João Andrade, Memórias sobre as Ilhas da Madeira e Porto Santo: Memória I -
ção as indicações da experiência é, ou sacrificar a produção da vinha, ou sacrificar as Memória sobre a Mangra ou Doença das Vinhas nas Ilhas,
apresentada à Academia de Ciências na sessão de 3 de Fevereiro de 1854
cepas. Há plantas que dão frutos logo nas gemas ou borbulhas mais inferiores, a estas
compete a poda curta; outras variedades de vinha há que só frutificam nos ramos que têm
grande desenvolvimento, nestas deve empregar-se a poda comprida. E neste último caso
98 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 99

Balseiras. Gravura do
século XIX. Colecção de
Gravuras da Casa Museu
Frederico de Freitas.
Vinhas. Campo experimental
do E. da Calheta.
Colecção do autor. 2002

Balseiras Cultura da vinha


A cultura da vinha faz-se no Districto de duas formas differentes; em balseiras, ou As terras menos alagadas, como é natural, são as que dão melhores vinhos. Nas pro-
embarrados, na região do norte; e em latadas e corredores na parte do sul. priedades mais bem cuidadas, o solo é aberto até à profundidade de dois metros; o bace-
Nos embarrados a videira sustenta-se e enlata-se sobre árvores dispostas para esse lo, plantado fundo, alonga-se pelo gavião a procurar a humidade do subsolo, única que
fim: neste systema a producção abundante, mas pouco qualificada, porque as uvas raras lhe dissolve os elementos necessários à sua nutrição. Para que a vinha se não tente com
vezes chegam a uma completa maturação, já porque não recebem a reverberação dos a alimentação fácil de Inverno, mas improfícua no Verão, das mais altas camadas de ter-
raios caloríficos, já porque as arvores não são podadas convenientemente. reno, as raízes superiores são cortadas permitindo-se-lhe unicamente esse árduo traba-
As árvores que no Districto se encontram associadas videira são o castanheiro, o car- lho de mineiro que há-de garantir-lhe, por longos anos, o sustento e a produção dos seus
valho, a faia e o louro. saborosos e abundantes cachos de ouro.
Só no fim de três anos é que o bacelo da colheita apreciável. O seu tratamento não é
GRANDE, Eduardo Dias, Relatório Agrícola do Funchal, Funchal, 1865 muito trabalhoso: dá-lhe uma cava em Janeiro para arejar a terra, metendo-se-lhe o
empoçamento da água das chuvas e o seu escoamento profundo na direcção do pé.
Duas enxofrações, uma esfolha depois da flor vingada, e outra mais tarde para
amadurecer o bago, é tudo quanto se concede de mais privativo à vinha. Indirectamente
recebe ela outros benefícios que visam ao desenvolvimento de certas culturas hortícolas,
medrando sob as latadas durante o tempo em que a ausência da folha permite a luz do
sol chegar ao terreno agricultado.
Quinto Centenário do Descobrimento da Madeira, Funchal, 1922, pp. 41/2
100 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 101

Casa e latada. Gravura do


século XIX. Colecção de
Latada. Museu de
Gravuras da Casa Museu
Photographia Vicentes,
Frederico de Freitas.
Colecção Perestrelos.

Cultura da vinha Cultura da vinha


Modo de Cultivo - As vinhas são amarradas a latadas de madeira ou canas que vari- Na Madeira a vinha propaga-se por mergulhias, que costumavam ser plantadas ape-
am em altura entre 3 e 6 pés. Por vezes, as canas são colocadas em arcos, de modo que nas a uma profundidade de vinte polegadas. Agora, no entanto, costuma-se coloca-las
as uvas amadurecem na sombra dos caminhos cobertos. Na parte norte da ilha, as vi- em valas com quatro pés ou mais de profundidade, de acordo com a qualidade do solo.
nhas são estendidas sobre árvores podadas e, como consequência, as uvas são aguadas No fundo da vala coloca-se uma camada de pedras soltas para evitar que as raízes pene-
e sem qualidade. Durante a estação chuvosa, de Outubro a Março, as vinhas ficam sem trem no solo duro por baixo. Nos vinhedos de melhor qualidade, estas mergulhias são
folhas e os vinhedos surgem então nus e desolados. A meados de Março as vinhas geralmente feitas com muita distância entre elas. As vinhas dão fruto no terceiro ano e
começam a rebentar e no início de Abril estão bastante verdes; florescem em Maio e são colocadas, na maioria dos casos, tanto em latadas como em corredores, tendo
Junho e perfumam todas as partes da ilha. Nesta altura, as noites frias por vezes danifi- ambos sido descritos no meu relato sobre o vinhedo da Messrs. Krohn em Santa Cruz.
cam a fluorescência e prejudicam a colheita. Mas o calor do Verão, em qualquer dos Uma desvantagem destas latadas é que por baixo de muitas delas quase não há espaço
casos, rapidamente desenvolve e amadurece as uvas, de modo que a colheita pode para os homens rastejarem de modo a mondarem, podarem, colocarem as vinhas na lata-
começar no fim de Julho. da e tirarem parcialmente as suas folhas, como é geralmente feito durante os meses de
verão, ou apanharem as uvas na altura da vindima. Só em casos particulares é adoptado
THUDICHUM, J. L. e DUPRÉ, A, A Treatise on the Origin, Nature and Varieties of Wine, Londres, 1872. um outro sistema de colocar as vinhas mais moderno, tal como o seguido pelo Sr.
Leacock em são João. Quando vista de cima, a estrutura destas latadas, descoradas
como é costume pela influência combinada do sol e chuva, assemelha-se muito a um
conjunto de redes espalhadas no solo.
No lado norte da ilha, antes das devastações causadas pelo oídio, as vinhas eram pre-
sas aos numerosos castanheiros, e podiam crescer até qualquer altura, ou então eram
102 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 103

As castas e as áreas dominantes


A História das castas que deram nome ao vinho Madeira não está ainda devida-
mente esclarecida125. Sabemos apenas que o Infante D. Henrique mandou vir de
Creta a celebrizada Malvasia. Todavia os colonos que estiveram no início do povoa-
O vinho vem a reparo mento da Madeira, maioritariamente da região de Entre-Douro-e-Minho, não
a caninga também é podem ser alheios nos primórdios da cultura na ilha, habituados que estavam ao seu
arco, madeira e atelo convívio e consumo. A cultura da vinha tem tradição em Portugal, sendo a região
o herbemon e o jaquet Norte uma das áreas privilegiadas126.
Não temos dados precisos sobre os diversos tipos de cepas trazidos pelos
eram mais aventureiras
as parreiras do boal, primeiros colonos. Por outro lado, à falta de estudos ampelográficos, é evidente a
depois vem a americana dificuldade na identificação, uma vez que a designação popular das variedades de
e o delicado ferral uva muda de região para região. No caso da Madeira apresentamos aqui um inven-
tário a partir dos dados reunidos na documentação e textos. A primeira e mais
em tempos houve verdelho,
exaustiva enunciação das castas encontrámos num texto anónimo de 1801127.
parreiras de terrantia,
moscatel, alicante
e cachos de malvasia CASTAS DO VINHO MADEIRA AO LONGO DA HISTÓRIA

havia o rico bastardo FONTE Castas


sercial e jarracão 1455: Cadamosto Malvasia e “uvas pretas…sem grainha”
vi a tinta negra-mole 1530: Giulio Landi Malvasia e outros vinhos generosos brancos
e cada cacho de listräo. 1687: Hans Sloane Casta “hermitage”, e três espécies de uvas: “branca, a vermelha e a grande mus-
cadínea ou malvasia
1689: John Ovington Refere 3 a 4 castas, sem indicar o nome
Alfredo F. Gomes, Poetas e Trovadores da Ilha, II, Versos
177 G. Forster Malvasia
de Manuel Gonçalves, Feiticeiro do Norte, 1959, pp. 44/46
1797: George Thomas Staunton Uva branca, tinta e vermelha (=bastarda), malvasia
1801: Anónimo Negro mole, verdelho, boal, bastardo, preta, Boalerdo branca, babosa terrantez,
negrinha, maroto, casuda, negrinha de água de mel lestrong Galija, bringo, mal-
vasiam, malvasia, malvasia roxa, sercial, sercial grosso, tinta de Lisboa, Alicante
preto, Alicante branco, ferral, moscatel, dedo de dama
1823: T. E. Bowdich Verdelho, negro mole, bastardo, bual, sercial, tinta, malvasia candel ou cândida,
malvasia babosa, malvasion
1826: Lyall Boal, sercial, verdelho, negra mole, malvasia
UVAS. Colecção do deixadas crescer à vontade, por cima das rochas e pelo chão. Como o bom vinho só vem 1827: J. Holman Tinto, sercial, malvasia
Autor. 2001 das uvas cultivadas perto da superfície do solo, muita da produção das vinhas presas às 1834: John Driver Sercial, boal, malvasia, tinta, negrinha
árvores só prestava para destilar em aguardente. Logo depois do aparecimento do oídio,
a maioria das árvores foi destruída pela mangra e quando as vinhas foram plantadas de
125.Existem mais de 24.000 variedades de vinhas, mas apenas um grupo reduzido produzm o vinho; veja-se P. Viala e V.
novo, foram colocadas de modo semelhante ao das do lado sul da ilha. Vermorel, Traité Général de Viticulture: Ampélographie, Paris, 1901-1910, A.J. Winkler, General Viticulture, Berkeley, 1962;
Os solos dos vinhedos da Madeira são saibro ou tufo calcário vermelho decomposto, J. Robinson, Vines, Grapes and Wines, London, 1986, Tim Unwin, Wine and the Vine. Na Historical Geography of Viticulture
cascalho, de características pedregoso, pedra mole ou tufo calcário amarelo decompos- and the Wine Trade, London, 1991. Em Portugal faltam inventários detalhados das castas por épocas. Chama-se a atenção
para os seguintes estudos, que privelegiam os aspectos ampelográficos: Vicencio Alarte, Agricultura das Vinhas…, Lisboa,
to, e massapés ou argila resultante da decomposição de tufos calcários mais escuros. O 1712, A. Girão, Tratado Teórico e Prático da Agricultura das Vinhas, 1822; Cincinnato da Costa, O Portugal Vinícola. Estudo
solo que produz o melhor vinho é o saibro, mais especialmente quando lhe é juntado uma sobre a Ampelografia e o Valor Oenologico das Principais Castas de Videiras de Portugal, Lisboa, 1900; A. M. Lopes de
Carvalho, Subsídios para a Ampelografia Portuguesa, Lisboa, 1885.
mistura de pedras. Em muitos lugares, as vinhas são plantadas no solo empilhado em 126.Cf. O Vinho na História Portuguesa (Séculos XIII-XIX), Ciclo de Conferências, Porto, 1983, Mário Viana, Os Vinhedos
socalcos suportados por paredes de pedra. Este sistema foi originalmente adoptado Medievais de Santarém, Cascais, 1998; Deniz de Ramos, Subsídios para a História da Vinha na Bairrada (Séculos X ao
XII), Anadia, 1991;J. Duarte Amaral, O Grande Livro do Vinho, Lisboa, 1994.
como precaução contra as chuvas periódicas que arrastavam o solo com elas pelas 127.Produz-se uma grande variedade de uvas na Madeira, tais como a Negro Mole, Verdelho, Boal, Bastardo, Preta, Boalerdo
íngremes encostas abaixo. Branca, Babosa Terrantez, Negrinha, Maroto, Casuda, Negrinha de Agua de Mel, Lestrong, Galija, Castelão, Bringo,
Malvasia, Malvasia Roxo, Malvasiam, Sercial, Sercial Grosso, Tinta de Lisboa, Alicante Preto, Alicante Branco, Ferral,
Moscatel, Dedo de Dama, etc, etc, etc. Mas se este grande número de qualidades fosse reduzido Negro Mole, à Verdelho
VIZETELLY, Henry, Facts about Port and Madeira, With Notices of Wines Vintaged Around Lisbon and the e à Boal, os vinhos seriam certamente de muito melhor qualidade. ( A Guide to Madeira Containing a Short Account of
Wines of Tenerife, London, 1880. Funchal, Londres, 1801, pp.12-20.)
104 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 105

1840: F. Taylor Boal, sercial, verdelho, negra mole, malvasia O panorama vitivinicola madeirense foi dominado por uma diversidade de cas-
1841: P. P. Câmara Sercial, malvasia, bastardo, boal, tinta, canaria, peringó, muscatel, ferral, negrinho
1851: Robert White Malvasia, boal, sercial, tinta ou Borgonha da Madeira, negra mole, maroto tas, que hoje se torna difícil identificar por falta de estudos ampelográficos, Segundo
1851: Edward V. Arcourt Malvasia, sercial, tinta, boal, verdelho, bastardo, negrinho e maroto P. Perestrelo de Câmara[1841] às castas era atribuída a valoração de acordo com a
1854: J. Andrade Corvo Boal, sercial, tinta, negrinho, verdelho, terrantez, bastardo, isabele
1854: E. S. Wortley Malvasia, tinta, sercial, negrinho, boal qualidade e apreciação do vinho. São quatro as que se destacam, sendo o Sercial a
1863: F.R.G.S. Malvasia cândida ou malvasia, bual, sercial, tinta, primeira casta em qualidade, ficando a Malvasia no segundo nível. Seguem em ter-
1865: Eduardo Grande Boal, sercial, malvasia, verdelho, bastardo branco, peringó, carão de moça,
gancheira, vermejolho, barrete de clerigo, sabba, listrão, moscatel branco, Alicante, ceiro lugar o Boal e o Bastardo e em quarto o Tinta negra mole. Sem classificação
tinta, negrinha, bastardo preto, terrantez, maroto. Castelão, isabele, ferral, mosca- ficam as Canaria, Peringó, Moscatel, Ferral e Negrinha.
tel roxo Alicante roxo, Arinto e tinta Padre António.
1872: J.L. Thudichum e A. Dupré Malvasia, vidonha, bagonal, sercial ou esgana-cão, muscatel, Alicante, bastardo, Já em 1865 Eduardo Grande divide as castas existentes na ilha em dois grupos:
tinta, negra mole, ferral, pérgola
1878: S. G. W. Benjamin Malvasia, bual, sercial, tinta
1880:H. Vizetelly Malvasia, verdelho, sercial, boal, 1. Uvas brancas - Boal, sercial, malvasia, verdelho, bastardo branco, peringó,
1880:Denis Embleton Malvasia, verdelho, sercial, bual, tinta, bastardo carão de moço, gancheira, vermejolho, barrete de clérigo, sabba, listrão.
1900: A. J. Drexel Biddle Verdelho, tinta, malvasia cândida, bual, sercial, negra mole, maroto, terrantez,
carão de moça, malvasia roxa, malvasião, listrão, bastardo, verdelho 2. Uvas coroadas - Negra mole, negrinha, bastardo preto, terrantés, maroto e
castellão, isabela (americano), ferral, muscatel roxo, alicante roxo.
A filoxera, a partir de 1872, condicionou a viticultura madeirense, pois caso se pre-
tendesse manter os vinhedos deveria socorrer-se das castas americanas como produ- De acordo com o Estatuto da vinha e do vinho, aprovado em 1985129, as castas
tores directos ou cavalos porta enxertos. O Governo criou dois viveiros, um no do vinho Madeira distribuem-se entre:
Torreão e outro no Ribeirinho, evidenciando a aposta na reposição das vinhas. Em Castas recomendadas:
1883 foram distribuídos mais de 60.000 bacelos americanos das mais distintas var- Brancas: Sercial (ou Cerceal), Boal (ou Boal), Malvasia Cândida, Terrantez
iedades: riparia, jaquez, hebermont, rupestris solonis, taylor, clinton, ebimbro, york e Verdelho Branco;
madeira. A que se juntaram, depois, outras como cunningham, viale, elvira, othelo, Tintas: Bastardo, Tinta da Madeira, Malvasia Roxa, Verdelho Tinto e
cineree, back pearle, gaston bazile, etc. Algumas serviram de cavalos para enxertia das Negra Mole;
castas tradicionais outras conquistaram o lugar, como foi o caso do jacquez, herbe- Castas autorizadas:
mont, cunningham e vinho americano, tornando-se em produtoras por excelência. Brancas: Carão de Moça, Moscatel de Málaga, Malvasia Babosa, Malvasia
Ganharam fama os jacquez de S. Vicente, Seixal, Porto Moniz, Ponta Delgada, Arco Fina, Rio Grande, Valveirinha, Listrão e Caracol;
de S. Jorge, e o vinho americano do Porto da Cruz. No Sul, nomeadamente em C. de Tintas: Tinto Negro, Complexa, Deliciosa e Triunfo.
Lobos, persistiram as antigas castas enxertadas em cavalos americanos.
No século XX estabeleceram-se medidas de reposição das castas tradicionais. A partir daqui ficou definido o panorama ampelográfico do arquipélago da
Em 1909 o Governo estabeleceu um regulamento no sentido de erradicar as castas Madeira. No sentido de contribuir para a elucidação da ampelografia histórica
americanas num prazo de oito anos. Acontece que a situação não mudou e em madeirense apresentamos alguns aspectos históricos das castas tendo em conta as
1935128 insiste-se no arranque das videiras americanas a partir de 30 de Março de áreas de expansão e o valor apreciativo no mercado130.
1936. E de novo ninguém cumpriu a ordem chegando até nós a presença e fama do A malvasia é a casta que deu nome ao vinho da Madeira e está presente desde os
vinho americano. inícios da ocupação. A tradição anota que foi o Infante D. Henrique que mandou
A Junta Geral, para fazer cumprir a medida de reposição das castas primitivas, vir os primeiros bacelos do Mediterrâneo. A Malvasia é originária de Napoli-di-mal-
estabeleceu, a partir de 1945, vários campos experimentais de videiras na Madeira vazie na ilha de Monia, junto da costa oriental de Moreia131, donde foi trazida para
e Porto Santo. Como corolário disto tivemos, desde 1954, a renovação das castas do a Madeira. Aqui desenvolveu-se em áreas específicas do litoral na vertente meridi-
Porto Santo com barbados vindos da Madeira. As diversas castas assumem particu- onal, estendendo-se pela Fajã dos Padres (Campanário), Paul do Mar, Jardim do
laridades que as diferenciam de idênticas na Madeira. Daí a adjectivação de Porto
Santo que normalmente se associava a Tinta, o Boal e o Moscatel. Somente a par-
129.Decreto Regulamentar Regional n.º 20/85/M: Aprova o Estatuto da Vinha e do Vinho da Região Autónoma da Madeira
tir de 1978 ficou assente o plano de reconversão das vinhas da Madeira no sentido 130.Fica desde já posto de parte o estudo botânico, que embora se afigure importante, por razões metodológicas reservamo-
lo para os especialistas como Carlos Azevedo de Menezes, “Vinhas da Madeira”, in Portugal Agrícola, 1908, pp. 353/9, vide
de reconstituir o aspecto vitícola anterior ao oídio e à filoxera. também Menezes Pimentel, “Vinhas e Vinhos da Madeira”, in ibidem, 1901/1902, pp. 262/266.
131.Segundo Filippo Cantannessa, Il Vino..., 1898, a Malvasia existia nas seguintes regiöes italianas (15/34): Provincia
Alexandria (p. 19), Novara (p. 20), Marche ed Umbria (p. 21), Regiäo Meridional do Adriático (p. 26), Sicilia (p. 28), Sardenha
128.Decreto-lei 24976, de 28 de Janeiro de 1935, Diário do Governo, nº.22. (p. 29).
106 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 107

Mar, Arco da Calheta, Madalena, Sítio do Lugar (Ribeira Brava), Anjos (Canhas). XVIII nunca excedeu as 80 ou 100 pipas e a de superior qualidade era no século
Os testemunhos de vários visitantes dos séculos XV e XVI anotam apenas a pre- XIX de apenas 200 pipas138. Ainda hoje continua a ser uma raridade.
sença da Malvasia. Somente em 1687 Hans Sloane diferencia três variedades de Em 1757, um marinheiro inglês de passagem pela Madeira dá conta da descober-
uvas: branca, vermelha, muscadinea ou Malvasia. A mais famosa surgiu na Fajã dos ta da malvasia do seguinte modo: As regards the Malmsey henhole island produces
Padres, mas a área de cultivo estendia-se ao Paul do Mar, Jardim do Mar, Arco da only abord 50 pipes annualy & they are the sole property of one gentleman & the
Calheta, Madalena, Sítio do Lugar (Ribeira Brava), Anjos (Canhas). excessive high prices graid him groth em & quantity being só small has made that
De entre as variedades de superior qualidade, que deram nome ao vinho wine never been regarded as a branch of trade & trade & whenany has beer shipped
Madeira, sobressai a Malvasia, com as variantes cândida, roxa, babosa e propea, que to oblige our friends they have seldom been charged more than has really been paid
mereceu a atenção dos mais afamados apreciadores do vinho - os ingleses - que no in the island for them and this I can affirm to you, that two years ago I paid for a
teatro, com Shakespeare, ou nos últimos desejos (morte do Duque de Clarence em quarter cask at the rate of 25 moidore p. pipes besides only & charge on shippings139.
1495) nunca a esqueceram. A fama do vinho Madeira, como é óbvio, adveio de cas- Para H. Warner Allen o que despertava a atenção era a qualidade do vinho que
tas superiores que estiveram na origem do vinho generoso: É a malvasia cândida, se produzia com a Malvasia: Gratest of old Madeira, malmsey, in wich quart bottle-
associada ao sercial, verdelho, boal, bastardo, malvasia roxa e tinta da Madeira que age transforms a quinessence of sweetness into a progronard magnificience of
sustentando os créditos de enologia insular deram nome aos seus vinhos, cuja fama ambrosial in ventacity such as the gods in the golden age drank are Olympus after
se espalhou por todo o mundo132. they had quenched their first with nectar, is perhapss the finest wine in the world...140.
Existem várias variedades de Malvasia. A mais recente é apelidada de S. Jorge, A vinha, por ser tão considerado, surge com frequência em testamentos e encargos
área onde incide a maior produção. Na ilha a mais conhecida foi a Malvasia cândi- pios. Nos encargos e foros do Convento da Encarnação do Funchal sabe-se da presença
da ou fina, Algumas não merecem a aprovação de todos os especialistas. Batalha da casta na cerca do convento e terras foreiras de Câmara de Lobos e Porto Novo141.
Reis, em conferência realizada no Funchal em 1905133, contraria a opinião corrente O Sercial, não tão conhecido como a Malvasia, pertence ao grupo das castas
ao condenar a Malvasia babosa por se desfazer em mosto e ser pouco doce. generosas de superior qualidade e é referido por P. P. da Câmara como de primeira
A Malvasia foi a bebida, por excelência, do aristocrata e colonialista britânico. qualidade antes mesmo da Malvasia: A mais preciosa e esquisita das bebidas, assim
Bebida doce que muitos preferem ao sercial, e que com ele emparelha na superi- como a mais custosa e rara de obter, e a que mais tempo exige para um completo
oridade e valor... esta se poderá bem comparar ao fabuloso néctar, no melífluo aperfeiçoamento (...). Nada menos de 10 anos são necessários, para este líquido
gosto e delicioso aroma, que parece sair de um ramo de odoríferas flores. Com 3 adquirir o gosto, aroma, e torrado que tanto o caracterizão, e durante este longo
anos de idade já esta bebida é preciosa, e quanto mais velha melhor, acrescendo, período, mais dispendioso e difícil é o seu tráfego... faz sobressair as qualidades na-
que mesmo de um ano é muito agradável, e até mais exala o seu perfume, e mais turais que é dotado as quais a idade aperfeiçoa142.
gosto de uva tem134. O Sercial terá sido importado do Reno, sendo conhecido no continente como
A Fajã dos Padres, propriedade dos Jesuítas na ilha, foi um dos lugares por Esgana cão. A área de cultivo é definida pelo Funchal, Câmara de Lobos, Fajã dos
excelência de produção da casta, tendo merecido a atenção dos comerciantes. Padres, Campanário, Paul do Mar, Fajã (Ponta do Pargo). Segundo Henry Vizetelly
William Bolton, em carta de 1699 ao Lord Somers em Bóston, que acompanhava era uma casta de superior qualidade fornecendo um vinho de sabor inestimável: pro-
o envio de 30 dúzias de Madeira Wine, dizia: There is a white wine Madeira wich duz um vinho branco, forte, seco, que possui um requintado aroma143.
called the jesuits wine and I think equal any of the spanish montain wines só much O Boal é a terceira casta na nomenclatura de P. P. da Câmara: A 3ª qualidade de
liked of late in England. Those Jesuits there so egross it, that it is ahard matter to get vinho que mais valor tem no mercado, mas que poucos proprietários mandão fazer
any: and I never tasted of that sorte of wine in two houses since my being in America em separado por ser o vidonho raro, é o boal, cujo cacho comprido e bago miúdo,
135
. Nas cartas comerciais é frequente a referência à produção e excelência da dando-se bem na vinha de pé... produz um líquido de sumo precioso, é o mais
Malvasia136, apresentado sempre como produto raro malmseys are very few this vin- aromático de quantos há na Madeira, porém de escassa quantidade144. A videira
tage, not exceding above half the quantity of other years137. A produção no século
138.P. P. Câmara, ibidem, p. 70.
139.Ruppert Croft-COOKE, ibidem, p. 136.
132.A. T. Sousa, Subsídio para o Estudo das Castas do Vinho da Madeira, Lisboa, 1938, p. 5.
140.The Wines of Portugal, Londres, 1962, p. 172.
133.Resumo da Conferência Realizada na Associação Commercial do Funchal em 15 de Outubro de 1905…., Funchal, 1905.
141.Eduarda Maria de Sousa GOMES, O Convento da Encarnação do Funchal, Funchal, 1995
134.P. P. Câmara, ibidem, p. 70.
142.P. P. CÂMARA, ibidem, pp. 60/70.
135.Portland mss, vol. VII, part. II; cit. A. L. Simon, The Bolton Letters..., vol. I, p. 18.
143.Alberto VIEIRA, História do Vinho da Madeira, Funchal, 1993, p.385
136.Idem, ibidem, pp. 2, 51, 56, 159/61.
144.P. P. CÂMARA, ibidem, pp. 70/1.
137.Idem, ibidem, p. 56.
108 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 109

importada da Bretanha espalhou-se pela vertente meridional: Campanário, Câmara tornaram-se improdutivas com o oídio ou definharam com o ataque da filoxera às
de Lobos, Santo António, Estreito de C. Lobos, Paul do Mar, Fajã (Ponta do Pargo). raízes. Os produtos químicos não resolveram cabalmente o problema e só com o
A quarta qualidade mais conhecida é a Tinta, distinguindo-se duas classes con- recurso às castas americanas, vindas directamente dos EUA ou através da Europa,
forme as áreas de cultivo: conseguiu-se assegurar a reposição dos stocks de vinho e corresponder à solicitação
• 1ª qualidade de Santo António, Câmara de Lobos, Estreito de Câmara de do mercado de consumo interno e externo.
Lobos, S. Martinho; Apenas para o século XX se torna possível fazer uma ideia da importância asumi-
• 2ª qualidade em Porto Moniz, Santa Cruz, Gaula. da pelas diversas castas no conjunto da produção de vinho. Antes disso temos ape-
nas informação dispersa para os anos de 1849 e 1850148.
A casta foi trazida de Espanha para o reino e Canárias e da última para a
Madeira. A ela se refere H. Vizetelly: A uva negra, geralmente redonda, misturada PRODUÇÃO SEGUNDO AS CASTAS
com as anteriores variedades brancas é a tinta, da qual se faz, em certa quantidade, Castas 1849 1850
um vinho diferente…145. Pipas % Pipas %
O Verdelho é uma das que melhor produz na ilha, situando-se a área de cultura Malvasia 100 0,76 107 0,79
nas zonas altas. Na segunda metade do século XIX alcançou um lugar destacado na Sercial 93 0,71 99 0,69
viticultura madeirense, ocupando dois terços do vinhedo146. Tinta 88 0,67 94 0,63
Total 13 080 13 571
Como esclarece A. T. Sousa o vinho produzido por uma mesma casta em diver-
sas regiões apresenta-se com qualidade e características diversificadas, pois que as
De entre as castas nobres a Malvasia parece ter sido a rainha mas a que hoje con-
características dos mostos das diferentes castas estão em estreita dependência da
tinua a ser a principal fonte do vinho Madeira é a Tinta negra-mole. O quadro dos
natureza do solo, e da variação dos factores climatéricos da região onde são culti-
valores médios da produção em litros para o quinquénio de 1935-1939 evidencia a
vadas147. Daí distinguir-se os vinhos de primeira, segunda e terceira qualidade, con-
dominância do jacquez com 40% do total.
forme a região a que pertenciam. Por outro lado os estrangeiros, nomeadamente os
ingleses mais atentos ao vinho, delimitavam as melhores áreas de vinha. Em 1851 EVOLUÇÃO DAS CASTAS EUROPEIAS E AMERICANAS.1935-39
Edward V. Harcourt refere que os melhores vinhos eram oriundos de Câmara de
Lobos, S. Martinho, S. Pedro, partes baixas de Santo António, Estreito de Câmara CASTAS EUROPEIAS CASTASAMERICANAS
de Lobos, S. Roque, S. Gonçalo e Campanário. Para Henry Vizetelly(1884) S. Tinta 2.644.740 Izabela 647.045
Martinho produzia um vinho de elevada categoria enquanto a melhor área se situa- Listrão 146.326 Cunningham 157.965
Verdelho 43.401 Herbemont 736.846
va na Torre em Câmara de Lobos. Boal 58.373 Jacquez 3.494.887
Algumas das castas com que se faz o vinho Madeira são consideradas e valo- Moscatel 6.495
rizadas pela raridade e excelência dos vinhos. São elas o Bastardo, Listrão e Sercial 45.521
Terrantez. O vinho da última continua a ser considerado um verdadeiro néctar dos Malvasia 698.173
deuses. A cultura popular não se faz rogada em elogios: Total 4.036.534 Total 5.036.743
As uvas terrantez
Nas as comas nem as dês A dominância das castas americanas ocorre nos concelhos do Norte, com espe-
Para uvas Deus as fez cial destaque para S. Vicente, enquanto as europeias têm uma incidência particular
no Sul. Apenas com o Verdelho e o Sercial se altera a situação em favor do Porto
Eduardo Grande (1854) evidencia valorização das castas americanas a partir de
meados do século XIX. Elas chegaram à Europa pela fama da resistência ao oídio.
Mas acontece que transportavam nas raízes as larvas da filoxera. A situação impli-
cou uma mudança radical no espectro vitícola. As castas tradicionais europeias
148.O Agricultor Madeirense, 1851, pp.96-97, 125
145.Publicado por Alberto VIEIRA, História do Vinho da Madeira, Funchal, 1993, p.385
146.CÂMARA, Benedita, A Economia da Madeira (1850-1914), Lisboa, 2002, p.104
147.bidem, p. 5.
110 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 111

Moniz, a principal área de ambas.


A relação maioritária das castas americanas manteve-se nas décadas de cinquen-
ta e setenta. A total reconversão da vinha para as europeias só começou a ganhar
forma na década de setenta com o impulso do recém-criado Instituto do Vinho da
Madeira. Tudo isto foi consequência de directivas comunitárias que proibiram desde
de 1996 os vinhos de híbridos de produtores directos. A partir daqui resultou a
inversão dos valores da produção de vinho a favor das castas europeias.

EVOLUÇÃO DAS CASTAS EUROPEIAS E AMERICANAS.1951-2002

ANOS Castas Europeias Castas Americanas TOTAL


(litros) (litros)
1951 1.830.425 5.332.890 7.163.315
1952 1.962.085 6.091.185 8.053.270
1853 3.181.616 8.739.949 11.921.565
1954 3.747.454 8.585.589 12.333.043
1955 3.488.792 .269.317 11.758.109
1966 2.413.426 7.518.259 9.931.685
1971 2.134.056 6.549.744 8.683.800
1975 1.788.704 5.783.920 7.572.624
1978 2.692.102 6.980.422 9.672.524 QUADRO EVOLUTIVO DAS DIVERSAS CASTAS. 1925-2001 Lagar.
Postal antigo
1979 3.145.399 8.530.139 11.672524 CASTAS 1935-39 1951 1966 1954 1980 1986 1990 1992 1994 1995 1997 1998 1999
1980 3.770.259 7.725.949 11.496.208 Tinta 30,4 48,5 38,0 54,0 70,1 77 67,8

CASTAS EUROPEIAS
1981 3.622.858 4.988.879 8.611.137 Listrão 1,7
Verdelho 0,5 0,5 0,4 0,7 0,9 1,4 1,4 1,6
1982 3.390.749 3.918.990 7.309.739 Boal 0,7 0,6 0,6 0,7 0,9 1,7 2,3 2,7
1983 2.927.930 3.761.314 6.689.244 Sercial 0,5 1,1 0,8 1,2 1,4 1,1 1,2 1,8
1984 2.528.538 3.178.853 5.707.189 Malvasia 1,2 0,9 2,0 1,8 3,1 2,6 3,4
1985 2.086.694 3.695.484 5.782.178 Malvasia babosa 8,1 1,83 1,6
Moscatel 0,1
1986 5.842.895 7.939.000 13.781.895
TOTAL 41,9 25,6 24,3 30,4 32,8 42,4 52,2 41,0 58,8 69,6 77,7 84,3 77,3
1987 4.947.508 6.849.092 11.796.600 Isabella 7,46

AMERICANAS
1988 4.692.926 5.636.652 10.329.578

CASTAS
Cunningham 1,82
1989 4.841.029 5.738.272 10.579.301 Herbemonmt 8,5
1990 4.025.780 3.686.685 7.712.465 Jacquez 40,41
1991 2.093.487 5.913.347 10.006.834 TOTAL 58,1 74,4 75.94 69,6 67,2 57,6 47,8 59,0 41,2 30,4 22,3 15,7 22,7
1992 3.779.875 5.454.466 9.234.341 (1) malvasia babosa
1993 3.100.225 2.810.364 5.910.389
1994 3.108.223 2.178.352 5.286.575 Não existe um estudo ampelográfico actual e comparativo que permita conhecer
1995 3.265.100 2.781.300 6.049.400
a situação da viticultura madeirense enquadra-la no panorama nacional e interna-
1996 4.759.401 1.252.605 6.012.006
1997 4.554.584 1.310.460 5.865.044 cional. Os raros estudos que conhecemos são do Eng. Teixeira de Sousa149, que apre-
1998 3.792.189 698.904 4.491.093 sentou um trabalho no V Congresso Internacional da Vinha e do vinho realizado
1999 5.102.830 1.499.194 6.601.923 em Lisboa em 1938, e de Carlos Azevedo de Menezes150. Estamos perante um
2000 5.651.548 591.351 6.242.899 campo em aberto que espera pela atenção dos especialistas.
2001 5.017.681 676.190 5.693.871
2002 4.564.085 539.936 5.104.021
149.Um sumário das castas mais importantes é apresentado por Eduardo C. N. Pereira, Ilhas de Zargo, vol. I, Funchal, 1989,
p.564.O mesmo corre em folheto de divulgação editado pelo IVM.
150.Artigo publicado em 1902 no Portugal Vinícola, transcrito, parcialmente, no Elucidário Madeirense, vol. III, Funchal, 1966,
pp.384-387. Cf. P. Viala e V. Vermorel, Ampélographie, 7 vols, Paris, 1901-1910.
112 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 113

1663 para plantar 7000 bacelos de Malvasia, na


maioria em latada153.
A Fajã deveria ser uma referência para os
estrangeiros, pois em 1825 Edward Bowdich154
descreve a viagem por barco à descoberta deste
recanto. Já para John Driver155 aquilo que o entusi-
asmou em 1834 foi o Malvasia, considerado o me-
lhor entre todos. Em meados do século XIX a fama
da Malvasia persistia ainda como afirma Isabella
de França: há um sítio chamado Fajã dos Padres,
por ter pertencido antigamente aos jesuítas:
cresce aqui a melhor malvasia, famosa em todo o
mundo156. Em 1873 Henry Vizetelly refere a cele-
bridade do local pelas mesmas uvas, mas salienta
que a família Neto, proprietária da Fajã, aí plantou
verdelho157.
Os jesuítas, desde a fixação na ilha na 2ª
metade do século XVI, foram detentores de fartas
fazendas onde medravam culturas ricas como a
Fajã dos Padres.
Colecção do autor.1999
cana-de-açúcar e a vinha. As quintas estendiam-
se por toda a ilha ficando célebre a que se situava
na freguesia de Campanário. Daí resultou o nome
A Malvasia da Fajã dos Padres da actual Quinta Grande. Em 1759 os bens da
companhia foram confiscados e arrematados em
hasta pública por João Francisco de Freitas
Entre todos os tipos de vinho o mais celebrado é o Malvasia, o rico sumo das luzidias Esmeraldo no ano de 1770. Na década de setenta
uvas brancas que descem as latadas em largos e fartos cachos. Foi assim na Antiguidade do século XIX a Fajã estava em poder do coronel
e continuou nas épocas subsequentes até ao presente. A Malvasia cândida manteve-se por Manuel de França Dória, que a vendeu em 1919 a
muito tempo a rainha das videiras. Aconteceu assim no Mediterrâneo e também no Joaquim Carlos de Mendonça. A Quinta dos
Atlântico, tendo por assento as paradisíacas ilhas como a Madeira e Canárias. Na Europa Jesuítas de Campanário, definida pela actual
do século XV foi celebrado por poetas e dramaturgos, como Shakespeare. A fama condi- Quinta Grande, indicia uma faixa de terreno que ia
cionou a opção do Infante D. Henrique em recomendar aos povoadores as videiras de até ao mar, contemplando a ubérrima Fajã, isolada
Malvasia de Cândida. O senhor da ilha pretendia cultivar no novo espaço o vinho. Todavia, no litoral, cujo acesso se fazia apenas por mar
o mesmo não previa que havia de se tornar no mais afamado da ilha, que levou o nome aos Não dispomos de muitas informações sobre a
quatro cantos do mundo. Fajã, para além do afamado Malvasia que aí se
Já em meados do século XV o veneziano Cadamosto fazia fé na realidade ao afirmar produziu. O isolamento do lugar, os vestígios sobre
que provaram muito bem. Aliás, em 1530 outro italiano, Giulio Landi, proclamava que o o terreno indiciam a presença permanente de
malvasia madeirense é reputado melhor do que o de Cândida151. A fama persisitiu até ao colonos, tendo-se para o efeito construído uma
presente, sendo o Malvasia de todos o mais considerado dos vinhos da ilha. A produção Capela da invocação de Nª Sr.ª da Conceição.
foi sempre reduzida mas a procura foi sempre elevada. Em 1757 a produção foi de ape- Apenas sabemos da existência em 1626, quando
nas 50 pipas, muito disputadas pelos mercadores funchalenses. Aqui incluíam-se algu- foi profanada por corsários, mas a construção Vinhas na Fajã dos Padres.
mas pipas da Fajã dos Padres. A Fajã confunde-se com o Malvasia. Foi o Malvasia o mais deve ser de inícios da centúria, se tivermos em Colecção do autor. 2002
cobiçado entre todos os mercadores. conta a data da aquisição pelos jesuítas em 1595.
Os jesuítas destacaram-se na produção de vinho, sendo acusados em 1689 por John A ermida é referida em 1722 por Henrique
Ovington de quasi monopólio da malvasia: Eles asseguram aqui o monopólio do malva- Henriques de Noronha158, sendo quarenta anos
sia do que existe em toda a ilha apenas uma boa e grande vinha - na dita fajã - de que
são os únicos possuidores.152 153.Rui Carita, O Colégio dos Jesuítas do Funchal. Descrição e Inventários, Funchal, 1987, vol. II, p.240
A malvasia foi plantada por iniciativa do Padre Sebastião de Lima. É dele a ordem de 154.T. E. Bowdich, Excursions in Madeira…, London, 1825, p.59
155.Letters From Madeira, London, 1838, p. XII.
156.Jornal de uma Visita à Madeira…, Funchal, 1970, p.91
151.António Aragão, A Madeira Vista por Estrangeiros, Funchal, 1981, pp.37 e 86 157.Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira, Funchal, 1993, p.386
152.António Aragão, A Madeira Vista por Estrangeiros, Funchal, 1981, p.198 158.Memórias Seculares e Eclesiástics para a Composição da História da Diocese do Funchal ilha da Madeira, Funchal, 1996.
114 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 115

Parreiras e uvas de depois deixada ao abandono com a expulsão e sequestro dos bens dos jesuítas na ilha. Começaremos pelo Sercial, a meu ver, a mais preciosa e esquisita das bebidas, assim Uvas das castas sercial,
malvazia na A memória material da presença quase que se apagou no tempo, restando em uma das como a mais custosa e rara a obter, e a que mais tempo exige para um completo aper- malvazia e boal.
Fajã dos Padres. Colecção do Autor. 2001
habitações a pia para a água benta. feiçoamento. O seu cacho, raramente adquire uma madureza perfeita, conserva sempre
Colecção do autor. 2002
Aí deveria existir uma pequena comunidade de jesuítas e colonos que tratavam do uma natural agrosidade, e apenas é tolerável o que nasce na beira-mar, crestado pela
amanho da terra, sendo certamente um local de veraneio dos frades, como sucedia na maresia e ardor do sol. Nada menos de 10 annos são necessários, para este liquido
Quinta do Cardo no Funchal. As construções existentes são testemunho disso. adquirir o gosto, aroma e torrado que tanto o caracterizam, e durante este longo período,
Certamente que os piratas argelinos não assaltariam um lugar ermo, sem vivalma e algo mui dispendioso e difícil é o seu tráfego, absorvendo perto de metade da sua totalidade
de interesse económico e religioso. O assalto provocou uma devassa, por as gentes de em aguardente, a qual evaporando-se em tão comprido espaço, não falando já no da
Câmara de Lobos, nomeadamente os pescadores, não terem acudido ao rebate dos Estufa, faz sobressair ao Sercial as qualidades naturais de que é dotado, as quaes a
sinos. idade aperfeiçoa; por isso uma pipa d’elle, da melhor qualidade, com o tratamento que
Saíram os jesuítas mas ficou o nome na designação do local, Fajã dos Padres, e o deixo dito, vale nunca menos de 200$000 rs. O melhor, e talvez o único bom que se cul-
interesse pelo vinho aí produzido continuou até 1920, altura em que a Fajã logrou o últi- tiva, é o da freguesia do Paul do mar, pertencente ao morgado João da Câmara de
mo afamado malvasia, sobrevivendo apenas algumas parreiras. Em 1940 encontrou-se Carvalhal, e toda a ilha poderá produzir anualmente 100 pipas do bom.
uma donde se retiraram bacelos que foram plantados em Câmara de Lobos nas terras de Vem logo depois a Malvasia, bebida doce que muitos preferem ao Sercial, e que com
Dermot Francis Bolger159. Em 1979 a operação foi repetida pelo actual proprietário, o ele emparelha na superioridade e valor. Da de superior qualidade apenas se colherão
Eng.º. Mário Jardim Fernandes, que enviou um exemplar ao Instituto Gulbenkian para pro- anualmente umas 200 pipas; esta se poderá bem comparar ao fabuloso néctar, no
ceder à clonagem e plantar no local. Hoje as latadas que cobrem o caminho de acesso melífluo gosto e delicioso aroma, que parece sair de um ramo de odoríferas flores. Com
às casas estão cobertas da videira, tornando o espectáculo alucinante nos meses de 8 annos de idade, já esta bebida preciosa, e quanto mais velha melhor, acrescendo, que
Julho e Agosto. mesmo de 1 ano é muito agradável, e até mais exala o seu perfume, e mais gosto da uva
Hoje a Fajã está rejuvenescida e os largos e dourados cachos de uvas regressaram tem.
ao recanto junto ao precipício. E a quem como nós tiver o prazer de degustar o actual A colheita total, entre boa e má, chegara a perto de 600 pipas, porem a melhor,
Malvasia espreitar e fotografar os cachos luzidios poderá afirmar que a tradição está de provem do lugar no Campanário, denominado Fajam dos Padres, que pertenceu aos
volta. Recuperou-se a memória e a técnica do afamado malvasia, ao mesmo tempo que Jesuítas, e logo depois a do Paul, Jardim, Arco da Calheta e Madalena.
se redescobriu um recanto paradisíaco, refúgio de locais e estrangeiros. Para nós o A 3ª qualidade de vinho que mais valor tem no mercado, mas que poucos proprietários
simples gesto de degustar um cálice de malvasia conduz-nos a um sinuoso percurso mandão fazer em separado por ser o vidonho raro é o Boal, cujo cacho comprido e bago
na descoberta da história. Todavia, ontem como hoje, resta a dúvida: quem plantou aí miúdo, dado se bem na vinha de pé, e por isso prematuramente crestado pelo ardor do
as primeiras videiras e fez brotar por entre os penhascos o sumo que escorreu nos qua- sol e calor natural da terra, temporãmente amadurece, o que junto à fortaleza e gene-
tros cantos do mundo para dessedentar o paladar dos mais exigentes apreciadores. rosidade da sua natureza, produz um liquido de suma preciosidade, e o mais aromático
Hoje, como ontem, apenas uma certeza, o malvasia madeirense confunde-se com a de quantos da Madeira, porem de escassa quantidade pois de Boal puro, apenas se
Fajã. poderão colher anualmente umas 50 pipas. O de melhor qualidade é produzido nas
freguesias do Campanário, Câmara de Lobos, Stº António, Estreito da Calheta &c. &c. e
159.Eduardo Pereira, Ilhas de Zargo, vol.I, 1989, p.563.
116 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 117

Uvas das castas bastardo


e tinta negra-mole. As variedades principais da vinha, que se cultivam na Madeira, são as seguintes: Uvas da casta terrantez.
Colecção do autor. 2002 Boal. - Uvas de um branco alambreado: bagos pouco unidos de pequena grandeza. Parra Colecção do autor. 2001
com as quatro divisões superiores muito profundas e agudas; pelos com ambas as faces.
o seu preço pouca diferença faz para menos do da malvasia. Julga-se que esta variedade de vinha foi trazida de Bucelas para a ilha; há porém, quem
Apenas aqui farei menção da muito rara e estimada uva denominada bastardo, a qual pense que ela veio de Borgonha.
já hoje pela sua escassez, não se pode separar para fazer liquido puro, de uma só qua- Sercial. - Uvas amareladas de bagos redondos, parras com quatro lobos arredondados;
lidade. Duas cousas se lhe notão que a tornão apreciável e curiosa; a primeira é por ser nervuras salientes; de um verde amarelado. Esta variedade é a conhecida em Alemanha com
rara e excelente para o prato ou mesa, pela dureza e adstringência do seu bago, e a o nome de Hock.
segunda é, que sendo uva preta, produz vinho branco. Malvasia. - Há quatro qualidades de Malvasia. A candila ou cadel; a malvasia roxa de bago
Em ordem numérica de valor, poderemos contar em quarta qualidade, a conheci- redondo; a babosa de bago branco e um tanto alongado; e a malvasia propriamente dita.
da e afamada Tinta, denominação bem aplicada, pela sua cor, e exclusivamente feita da Destas variedades o principal é a candila, esta dá cachos grandes e ovais de bagos ovados
uva preta. Os epicuristas classificam-na em duas qualidades, a forte e a fraca. A da e cor de ouro, parras de cor amarela esverdeada, com quatro divisões muito profundas, e
primeira classe abunda nas freguesias de Stº António, Camera de Lobos, Estreito, e S. redondas, e com duas menos distintas; cada dentadura tem uma ponta pequena e amarela-
Martinho, e a da 2ª nas de Porto do Moniz, Santa Cruz, e Gaula. O seu uso é muito da. Esta foi a primeira variedade de vinha introduzida na Madeira pelo príncipe D. Henrique
recomendado nas diarreias, gozando alem d’essa, d’outras virtudes medicinais, e em em 1445, vinte e seis anos depois da descoberta de ilha; é originária de Cândida. Como a
adstringência emparelha com o melhor vinho do Porto tinto. Sendo velha, mais preço tem; posição da Ilha da Madeira é quase idêntica à da ilha de Cândida, em relação à direcção da
com tudo a meu ver o estado da sua perfeição é aos 3 annos, antes que perca a cor e o linha isoterma dos 20º nada admira que esta variedade prosperasse na Madeira.
aperto do gosto, o que acontece dos 4 em diante. A sua colheita não escassa, da melhor Negra Molle-Tinta. - Uvas pretas de bago redondo. Parras de sete lobos, com sinuosi-
sorte, se poderão colher anualmente 350 pipas e no total umas 800; a do primeiro lote dades muito profundas e redondas; de cor verde escura com pontuações purpurinas.
tendo de 2 a 3 annos de idade pode valer 110$000 rs por pipa, mas a do segundo como Negrinha. - Uvas pretas, pouco preciosas. É necessário para delas se fabricar vinho de
quase só sirva para misturar com o vinho branco afim de lhe dar cor, regula menos de algum merecimento sujeitar à acção do sol, oito ou mais dias, as uvas depois de colhidas.
metade d’est’outra, e não tem consumo em pais estrangeiro. Verdelho. - Uva de bago amarelo, oval, Parras com sete lobos, com sinuosidades pouco
Muitas outras qualidades de uva ha, tais como Canaria, Peringó, Muscatel, Ferral profundas, de cor verde escura. Esta variedade é das que sobem a maiores alturas.
Negrinho & porem a sua diminuta quantidade pertencente a um só proprietário, em os Tarrantés. - Bago roxo escuro; alongado.
sítios onde nascem, não permite d’ellas fazer liquido puro, e vão juntamente com o verde- Bastardo. - Bago preto, e redondo.
lho, formar a grande maioria da produção dos seus vinhos, dos quaes esta ultima quali- Isabelle. - Cachos grandes - bagos arredondados de um roxo escuro, de pele grossa,
dade entra nas seis decimas partes da sua totalidade. muito abundantes em sumo; com um perfume um pouco semelhante ao das maçãs - Parras
grandes, pouco divididas, com a página inferior coberta de pelos abundantes. Variedade
Paulo Perestrelo da Câmara, Breve Notícia sobre a Madeira, Lisboa, 1841, pp.67-91 americana da vitis vulpina.

João de Andrade Corvo, Memórias sobre as ilhas da Madeira e Porto-Santo. Por João Andrade Corvo, sócio
efectivo da Academia Real de Sciencias de Lisboa - Memória I. Memoria sobre a “mangra” ou doença das vinhas
da Madeira e Porto-Santo. Apresentada à Academia na Sessão de 3 de Fevereiro de 1854, (Lisboa), (1954); “A
mangra ou doença das vinhas”, in Das Artes e da História da Madeira, vols. IV-V, nºs.24-29, 1956-1959
118 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 119

Vinhas. Campo experimen-


tal do E. da Calheta.
Colecção do autor.2002

Latada.
Vicentes Photographos.
Museu Photographia Vicentes

Dois terços das vinhas nos vinhedos da Madeira são da qualidade verdelho, cujas era feito com uvas cultivadas num local especial, perto do mar e por baixo de um alto pe-
uvas possuem muita sacarina e produzem um rico vinho de qualidade esplêndida. A uva nhasco, chamado Fajã dos Padres, a oeste de Câmara de Lobos e num vinhedo perten-
sercial, que se diz ser a famosa uva «riesling» do Reno, transplantada para a Madeira, cente aos Jesuítas. Hoje, no entanto, o vinhedo tornou-se propriedade da família Neto e
agora muito rara, (predomina, na sua maioria, no concelho da Ponta do Pargo, no lado está cultivado principalmente com vinhas da qualidade verdelho. A uva malvasia requer
sudoeste da ilha), produz um vinho branco, forte e seco, que possui um requintado aroma. um solo muito seco e calor intenso, e não é normalmente colhida até que se adquira as
No entanto, quando é novo, este vinho é desagradável ao paladar, sendo a idade características de uva passada. Uma quantidade insignificante de vinho é feita da uva
necessária para o levar à perfeição e desenvolver o sabor agradável pelo qual se dis- muscatel, de sabor doce, e possuindo o bem conhecido aroma especial que uma
tingue. Outra uva é a boal, também bastante rara, dando um rico vinho saboroso, delica- decoação de flores de sabugueiro imita muito bem. Uma vez que os vinhedos da Madeira
do em sabor e com um aroma especial. A uva negra, geralmente redonda, misturada com são, em regra, de área reduzida e cultivados com diversas qualidades de vinhas, não vale
as anteriores variedades brancas é a tinta, da qual se faz, em certa quantidade, um vinho a pena ao cultivador separar as diferentes espécies antes de as espremer no lagar.
diferente, com uma cor profunda e um sabor adstringente, devido aos pedúnculos e às Consequente mente, a totalidade das uvas são esmagadas juntas, sendo o resultado um
cascas das uvas que ficam em infusão no mosto durante a fermentação. Dentro de rico vinho branco, de certo modo com uma cor profunda, devido à mistura de uvas negras,
poucos anos, este vinho torna-se amarelo-acastanhado, e com o passar do tempo encontrando-se em todos os vinhedos uma certa quantidade delas. Em vinhedos de
adquire a cor de um profundo Madeira médio. Outra variedade de uva, conhecida como a maior extensão, geralmente tem-se mais cuidado. As diferentes qualidades de uvas são
bastardo, tem uma tonalidade cor-de-rosa. o vinho que ela produz tem um aroma muito esmagadas separadamente, e o mosto de cada uma delas é mantido separado, espe-
delicado e é doce ao paladar, deixando, no entanto, uma adstringência não desagradá- cialmente o das qualidades sercial, boal e malvasia.
vel. Outras uvas brancas que ocasionalmente encontrámos são a terrantês, a listro e a
maroto, a primeira das quais produz um vinho de certo modo estimado quando velho. Henry Vizetelly, Facts about Port and Madeira(...), Londres, 1880
Toda a gente já ouviu falar no famoso Malvasia da Madeira, produzido da espécie de
uva malvasia - um vinho delicioso, que com a idade se torna um tanto alcoólico e tem todo
o carácter de um delicado licor. Durante alguns anos o melhor Malvasia produzido na ilha
120 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 121

Uvas da casta malvazia. Uvas da casta Sercial.


Campo Experimental Uvas da casta Verdelho. Uvas da casta Boal. Campo Experimental
das Preces. Campo Experimental das Preces. Campo Experimental das Preces. das Preces.
Colecção do autor. 2001 Colecção do autor. 2001 Colecção do autor. 2001 Colecção do autor. 2001

Malvasia Verdelho Boal Sercial.


Folhas glabras ou quase nas duas Folhas medianas, arredondadas, ondea- Folhas medianas, cotanilhosas na Folhas medianas, cotanilhosas na
faces, com 5 lóbulos muito profundos, em das, glabras ou providas de alguns pelos na página inferior, subglabras ou pubescentes página inferior, subglabras ou pubescentes
geral pontiagudos; dentes desiguais trian- na superior, com os 3 lóbulos do alto bem na superior, tom os 3 lóbulos do alto bem
pagina superior, cotanilhosas na inferior, mas
gulares, agudos ou sub-agudos; seios late- aparentes, as vezes acuminadas, os inferi- aparentes e os inferiores apenas esboça-
com o indumento pouco denso e irregular- ores de ordinário mal esboçados; dentes dos; lóbulo superior quase sempre maior e
rais quase sempre abertos e o peciolar mente distribuído, sendo as vezes quase
muito aberto; cachos grandes, cónicos, desiguais, em geral sub-obtusos, menos mais agudo ou acuminado que os laterais;
nulo em todo o limbo ou em parte dele; lóbu- vezes agudos; seio peciolar fechado ou dentes pouco profundos, desiguais; seios
densos ou frouxos, quase sempre muito
alados; bagos de 17/20 milímetros elípticos los muito pouco profundos ou apenas pouco aberto; seios laterais superiores laterais superiores e o peciolar quase sem-
ou eliptico-globosos, pouco rijos ou moles, esboçados com dentes obtusos ou agudos; muitas vezes pouco aparentes em virtude pre abertos; cachos pequenos ou medi-
verdoengo-amarelados, por fim dourados. seio peciolar de ordinário muito fechado; da sobreposição dos lóbulos; cachos anas, mm excedendo em geral 20 cen-
Cepa grossa, alta; sarmentos de um pardo cachos pequenos ou medianas (15/22 cm), grandes, muito alados, densos; bagos tímetros, densos quase sempre alados;
amarelado ou acastanhado, de entre nós quase sempre elípticos, de 15/22 milíme- bagos elípticos, de 15/20 milímetros,
geralmente alados e densos, cilíndricos ou
curtos ou medianos. E esta casta, conheci- tros, rijos, verdoengo-amarelados, doura- esverdinhado-amarelados, um pouco acer-
cilindrico-cónicos; bagos de 15/20 milímetros,
da também pelos nomes de malvasia de dos depois de maduros, muito dotes. Cepa bos, sub-rigidos. Cepa vigorosa; sarmentos
muito doces, rígidos, elípticos ou oblongos, mediana; sarmentos de um pardo claro, pardentoclaros, de entre nós curtos. O seu
cheiro, m. cândida e m. da ribeira, que pro- verdoengo-amarelados, geralmente doura-
duz o precioso vinho malvasia muito co- tom entre nós curtos. Produz boas uvas de vinho quando amadurecido (antes dos 10
dos na maturação, cepa Alta e muito vigo- mesa e um vinho meio dote muito estima- anos é áspero e cru), e seco e de exce-
nhecido pela sua doçura e perfume.
rosa; sarmentos pardentos ou pardento-aver- do. lente qualidade.
Eng.Teixeira de Sousa, 1938. melhados, de entre nós curtos. As suas uvas
Eng. Teixeira de Sousa, 1938 Eng. Teixeira de Sousa, 1938.
um tanto fortes são muito boas para comer e
.
produzem um vinho meio seco e de sabor
agradável que e tido como um dos mais finos
da Madeira.

Eng. Teixeira de Sousa, 1938.


122 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 123

O vingar do cacho.
Colecção do autor. 1999 Factores Meteorológicos E Botânicos
O clima nem sempre favoreceu a cultura da vinha no século XIX. Os factores
S
Secas
As condições climáticas são distintas na Madeira e Porto Santo. Enquanto na
primeira as crises de seca foram reduzidas e de menor influência, já na segunda per-
duraram ao longo do século XVIII e XIX, provocando graves crises de fome e o
abandono por parte da população da ilha. A mais antiga referência a uma seca pro-
longada na ilha da Madeira, no período invernal data de 1798, pois que em carta de
31 de Janeiro160 o Senado da Câmara da cidade em carta ao bispo implorava que se
fizessem preces públicas: Os tempos que tem e concorrem com geral falta de chuva,
nos promete notável esterilidade, nos frutos no presente ano, por impedirem aos
lavradores a semearem seus trigos, e a outros haver nascido as plantas do que a terra
tem entregue para a multiplicação, motivo porque ansiosos desejam deprecar a Deus
Nosso Senhor para do mesmo Deus alcançarem o remédio a tanto mal ameaçado.
E nós por bem de todos somos conformes a pedir a Vossa Exa. se digne deter-
minar três dias de preces nessa catedral do Santíssimo Sacramento, concorrendo a
elas as colegiadas e mais clero, para que o Altíssimo Deus nos conceda o remédio
necessário como temos recebido, quando nestas deprecações o imploramos.
Determinando-nos Vossas Senhorias com a brevidade possível, o dia que dão princí-
pio às ditas rogativas para nós concorrermos com juntamento todo o povo desta ilha.
Em 1850 aconteceu nova seca no período invernal e de novo se efez apelo ao
mesmo sentimento de impotência e submissão ao Divino. O Governador Civil, José
Silvestre Ribeiro, implorava, em carta de 6 de Fevereiro162, ao bispado que se
fizessem novas preces públicas: Desgraçadamente tem continuado a falta de chuva,
e é bem claro que, ou não poderão lançar-se as sementes à terra ou as que tiverem
sido e forem sendo lançadas não poderão frutificar, nem tão pouco os campos
poderão produzir pastos para os gados.
Nesta apurada situação, em que as providências humanas se apresentam inefi-
meteorológicos actuaram por vezes de forma negativa no cultivo da vinha, não só cazes, a alguém tem ocorrido apelar para a misericórdia divina e seguir os exemplos
porque ao homem faltavam os meios para os combater, mas também porque os de outros tempos, nos quais em idênticas circunstâncias costumavam os povos cor-
efeitos se faziam sentir no volume de produção e qualidade do produto. Daqui resul- rer aos templos, e dirigir a quem tudo manda fervorosas preces para que Deus se
ta a diferenciação dos vinhos de colheita. A designação vintage é a que celebra o compadecesse da desgraça dos homens163.
benefício favorável da meteorologia. Mais evidentes foram os efeitos negativos das 160.ANTT, CSF, maço 6, nº 32.
secas, tempestades e aluviões. 162.Uma Época Administrativa na Madeira, vol. III, pp. 300/2.
163.Idem, pp. 301/2.
124 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 125

Em carta ao Governador ao Administrador do concelho da Ponta do Sol164 jus- elevada quebra da produção que ficou por um quarto do ano anterior.
tifica-se as razões que estiveram na origem do pedido ao Bispo: Quando as calami- Em conclusão podemos afirmar que uma seca sendo prolongada torna-se lesiva
dades públicas excedem as faculdades humanas, só resta invocar a misericórdia divi- da cultura da vinha, provocando um decréscimo da produção, devido ao defi-
na, e n’este caso nos encontramos hoje, tendo que deplorar o temeroso flagelo da nhamento das parreiras. Mas quando extemporâneas e aparecem em determinadas
seca, que se continuar pode acarretar-nos horrores de fome, como V. S. tão judi- épocas do ano tornam-se propícias à manutenção da uva como úteis e benéficas à
ciosamente antevê - uma filosofia desdenhosa e altiva pergunta n’estas circunstâncias boa qualidade da colheita. Pelo menos assim se exprimia em 1851 Notícias
se a Natureza não obedece, por ventura, a leis gerais e imprescritíveis, - e argumen- Agrícolas do Agricultor Madeirense, quando aludia que o ano era seco nas fregue-
ta com esse facto para rejeitar a submissão ao omnipotente. Sim a Natureza obedece sias do Norte: Sítios há onde nunca se viu uva cerejada como este ano, ou seja madu-
a leis gerais: mas quem prescreveu esses leis? Foi Deus. Humilhemo-nos, pois ante ra, a novidade não é das grandes, mas também não das escassas, e os vinhos devem
os seus decretos e não nos envergonhemos de lhe pedir socorro nas nossas atribu- ser excelentes para a sua qualidade173.
lações. E ainda quando esta piedosa crença deixasse de assentar em sólidas con-
vicções do espírito, conviria, em todo o caso não arrancar aos infelizes a consolação
única, que nos dolorosos transes da vida pode ter o desgraçado165.
O Porto Santo, mais propício às secas prolongadas devido ao posicionamento
geográfico e à falta de arvoredos, ficou como a ilha seca, pobre e sujeita a prolon-

A
gadas estiagens. Em 1770 temos notícia da primeira seguindo-se outras em 1802, Aluviões e tempestades
1806, 1815, 1815, 1829, 1847, 1850, 1854, 1855, 1883. Se tivermos em conta que, a
cada momento segue-se outra crise mais prolongada de fome e abandono dos cam-
pos com a fuga para a Madeira poderemos prever o nível dos efeitos catastróficos. Em contraste com as estiagens prolongadas do Porto Santo temos na Madeira ao
Em 15 de Junho de 1770166 o Governador João António Correia de Sá, em ofício longo dos séculos XVIII e XIX a afluência espaçada de aluviões e tempestades. A
dirigido a Martinho de Mello e Castro, dava conta da situação deplorável dos povos configuração piramidal, com vertentes abruptas sobranceiras ao mar, fazia com que
da ilha do Porto Santo em resultado das prolongadas estiagens, da invasão das a acção continuada e torrencial das chuvas se tornasse catastrófica, porque arrastava
areias, esterilidade do solo, excesso populacional em relação aos recursos da região, os terrenos férteis dos socalcos e as poucas árvores, como as parreiras. De entre as
implorando por medidas eficazes. Em 27 de Outubro167 a Câmara em carta ao mais significativas destacamos: 18 de Novembro de 1724, 18 de Novembro de 1765,
Governador faz saber a situação clamando por auxílio. O Governador respondeu, 9 de Outubro de 1803, 26 de Outubro de 1815, 24 de Outubro de 1842, 19 e 20 de
seguindo as orientações régias, com um regulamento ao capitão Pedro Telles de Novembro de 1848, 5 e 6 de Janeiro de 1856174.
Menezes168 para executar e solicitando ao povo obediência169. Mesmo assim em 1783 De todas as aluviões referidas a mais catastrófica e lesiva da viticultura, foi sem
a situação pouco se havia alterado o que obrigou o Governador, D. Diogo Pereira dúvida a de 1803175, que atingiu toda a ilha e de modo especial o Funchal, Machico,
Forjaz Coutinho, a enviar o Sargento-mor Manuel da Câmara Bettencourt Noronha Santa Cruz, Campanário, Ribeira Brava e Calheta. A de 1848 inundou o concelho
e o Ajudante Diogo Luís Drumond em diligência170. de Santana arrastanto as águas as benfeitorias produtivas mais importantes.
Em 1829 ocorreu novo período de estiagem pela falta de chuvas por quatro anos Devemos, ainda, considerar as que assolaram a cidade do Funchal em 1765, 1803,
consecutivos, que provocou nova crise de fome a que acudiu o Governador José 1815, 1842, provocando danos nas lojas e contribuindo para a deterioração do vinho
Maria Monteiro171. Daqui resultou uma quebra na produção do vinho pois, das 1000 armazenado176. A tudo isto acresce a destruição de estufas, maioritariamente situadas
pipas que a ilha recolhia entre 1815/1816, ficou-se por apenas 600 em 1829172. O na margem das ribeiras.
mesmo sucedeu na Madeira em 1876 em que os efeitos da seca conduziram a uma Com as secas implorava-se a clemência e intercessão divina por meio de preces
públicas. Já com as chuvadas o madeirense poderia intervir no sentido de minorar
os efeitos, através de projectos de rearborização e desentulhamento das ribeiras177.
164.Idem, pp. 302/4.
165.Idem, pp. 303/4.
166.AHU, Madeira e Porto Santo, nº 391. 173.Agricultor Madeirense, nº 7, p. 116.
167.Idem, nº 395. 174.Elucidário Madeirense, vol. I, pp. 51/5.
168.Idem, nº 396. 175.A. R. Azevedo, ibidem, pp. 723/725.
169.Idem, nº 397. A estas medidas juntaram-se outras por provisão régia de 13 de Outubro[Idem, nº 394.] 176.Vide, Defensor, nº 149, pp. 2/3, no que concerne ao aluvião de 1842; ARM, RGCMF, t. 14, fols. 126-130vº, quanto a alu-
170.Vide Documentos, ANTT, PJRFF, nº 960; AHU, Madeira e Porto Santo, nº 662/4, 666/8, 671, 3033. vião de 1815.
171.AHU, Madeira e Porto Santo, nº 11273/11278. 177.Raimundo Quintal, Aluviões da Madeira. Séculos XIX e XX, Territorium, 6, 1999, pp.31-48. IDEM, O Parque Ecológico do
172.Idem, nº 11275. Funchal e a Prevenção das Cheias e Incêndios Florestais, in Territorium, 7, Coimbra, 2000, pp.39-54;
126 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 127

O
Oidium tucheri
O oídio, vulgarmente conhecido como mangra da vinha, surgiu em Inglaterra em
1845, alastrando depois à França e mais regiões vinícolas da Europa. Segundo
Hermann Schalack a doença começou, tal como na Alemanha, com o nascer da
flor178. A origem na Madeira deve estar relacionada com o facto de um francês ter
vendido em Fevereiro de 1851 castas colhidas em zonas infectadas na França. Por
este ou por outro qualquer motivo a doença fez sentir desde 1852 alastrando do
Funchal ao resto da área de cultura, atingindo, de modo especial, a zona de
Machico, Agua de Pena, Funchal, e arredores. Ficaram imunes à praga algumas
áreas, como as plantações de Roberto Donaldson no Curral do Mar (Porto da Cruz)
e as propriedades de Nicolau d’Ornelas no Caramanchão (Machico)179.
A 23 de Agosto o Governador Civil, José Silvestre Ribeiro, em proclamação aos
madeirenses, referia os efeitos da doença, implorando aos agricultores para que não
abandonassem os campos: Uma grande calamidade, talvez a mais temerosa de que
há notícia a história desta ilha pende hoje sobre vós
A fatal moléstia, que acometeu o rico fruto das nossas vinhas, ameaça reduzir-nos
à miséria.
Phylloxera Vastatrix, Gravura publicada Não o dissimularei. O mal é extremo, e os prejuízos que esse desastre vos acar-
em A vinha Portugueza, Julho de 1898. reta hão-de ser consideráveis, intensos, opressores... Madeirenses. O vosso gover-
nador civil também vos brada agora: coragem. Confiança em Deus.
Moradores das freguesias rurais. Não abandoneis a vossa terra. Não fujais desses
Factores patologicos e botanicos campos que vossos pais regaram com seu suor. Não deixeis o tecto das vossas
moradas, onde nasceram vossos filhos. Não volteis as costas à vossa risonha ilha.
O mundo vitícola não se prende apenas com os problemas relaciondados com o Lembrai-vos de que perdeis, talvez para sempre, o ar puro das vossas montanhas, o
ciclo de vida da vinha, como o replantio e a enxertia, necessários a uma melhor pro- risonho céu e o saudável clima da vossa pátria. Trazei à lembrança que muitas vezes
dução, pois também deverá juntar-se os factores patológicos e botânicos. A actuação tendes recolhido abundantes frutos, em recompensa das vossas fadigas, e que não
dos últimos foi mais catastrófica porque atacou as cepas destruindo-as e tornando convém ceder aos primeiros golpes da adversidade180.
impossível a permanência de qualquer casta em zona infestada, a não ser com o A 5 de Fevereiro de 1853181The Illustrated London News dava conta ao público
recurso ao sistema de replantio com cepas resistentes (americanas). O oídium e londrino da nova fatalidade que assolava a ilha. No breve historial da situação pre-
filoxera foram os principais agentes destrutivos da vinha na segunda metade do sécu-
lo XIX. Tardaram soluções e medidas preventivas. A recuperação das vides ata- 178. “Notícia da Madeira”, tradução do alemão por J. Félix Pereira, in A Lâmpada, nº 27, p. 3.
cadas, com o recurso a uma campanha de plantio com videiras americanas, só resul- 179.“Annaes do Municipio da Antiga Villa de Machico-Ilha da Madeira”, in Flor do Oceano (1865), nº 260, p. 2.
180.Proclamação avulsa, BNL, Leitura Geral, J. 437M.
tou em pleno alguns anos após o alastramento da doença. 181.Ruppert Crooft-Coock, ibidem, p. 9.
128 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 129

cavia-se o comerciante menos avisado para as consequências que se seguiriam nas Obras Públicas, Comércio e Indústria que, por sua vez, se encarregava de comu-
exportações. Em 4 de Junho, ia já avançando o estado de crescimento do cacho, o nicar à Madeira. Em 2 de Agosto de 1853 tivemos notícia do tratamento das cepas
Amigo do Povo182 referia o alastramento da moléstia a toda a ilha, fazendo apelo ao com cal e sangria. Em 17 de Agosto, a partir dos ensaios de D. Eramos de Janes,
Governador Civil para que fossem tomadas medidas: Convoque-se a Sociedade avançou-se com a aspersão do cacho com sulfato de ferro dissolvido em água191. E,
Agrícola, unam-se a ela todos os homens inteligentes e amigos da pátria, delibere-se finalmente, em 5 de Agosto de 1854192 divulgou-se a solução descoberta por D. José
aí o que convém reclamar a bem da agricultura.... Pois como refere Já não resta dúvi- Sacristia, natural de Barcelona: Toma-se pouca de lã, cânhamo, estopa ou pelo, e
da a pessoa alguma que a mangra é geral em todas as vilas, posto isto, é mister que far-se-á na extremidade superior do corpo das cepas, atada com um fio, banhando-
desde já se oficie ao governo reclamando as providências adequadas parecerem para a com qualquer azeite, substância gordurosa, ou mesmo alcatrão. Far-se-á isto
nos socorrer em quanto é tempo. A. G. Gomes, em comunicado no Clamor durante o mês de Junho e no princípio de Agosto, cortar-se-ão as vides, desde a
Público183, alude à moléstia, a quem acusa da origem da desgraça que se abateu extremidade ate ao ponto em que pendemos o cacho.
sobre a ilha: No pio sinistro de 3 anos, um aluvião de mangra tem encomendado Tendo em conta que o oídio é uma doença que ataca a flor da vinha, fácil será
nossas vinhas à desgraça, roubou-nos 3 novidade, no valor aproximado de 4 mil con- de deduzir o desconhecimento que então havia sobre a origem da moléstia, pelo
tos de reis. Perdidas estas novidades, a fome tem, crescido de dia para dia em toda menos por parte dos autores dos processos usados em Espanha, e de quem os
a extensão desta ilha. divulgava em Portugal, em oposição aos conselhos do Conde de Canavial e do
A gravidade da crise de fome e a situação das vinhas, principal origem do sus- Barão de Ornelas, que apresentavam meios de reconhecida probidade científica. O
tento da maioria dos madeirenses, levaram a que as autoridades fossem obrigadas a primeiro de regresso à Madeira tomou contacto com a situação lamentando-se de a
intervir. Em 1853 foi criada em Lisboa uma comissão para fazer o estudo da situ- sua voz não ter sido ouvida: Infelizmente a minha voz não foi ouvida. Não foram
ação, merecendo o desacordo de O Amigo do Povo que considerava colidirem as seguidos os meus conselhos. Cruzaram-se os braços; o flagelo caminhou sem encon-
suas competências com a Sociedade Agrícola184. Entretanto, a 15 de Julho185 reuniu- trar obstáculos, deixando por toda a parte ruína e destruição; e, quando, mais tarde,
se a Sociedade Agrícola, para estudar a conjuntura decorrente da mangra e o os lavradores, acordando do letargo, quiseram acudir às suas vinhas, não encon-
nomear de uma comissão para estudo da crise186. Mas, a Academia de Ciências de traram já senão cadáveres.
Lisboa enviou à ilha João Andrade Corvo com intuito de estudar a moléstia da Veio então a miséria com todos os seus horrores. Veio a emigração e a Madeira,
vinha. Esta atitude foi acolhido com grande regozijo pelos madeirenses187. Da deslo- vestida de andrajos, esmolando de cidade em cidade, de paíz em paíz. Que
cação resultou um relatório sobre o estado das vinhas do arquipélago188. dolorosas recordações. Mas também que profícua lição193.
D. João da Câmara Leme, à altura em Paris, de imediato enviou à ilha os As perdas foram elevadíssimas, colocando a ilha num completo estado de pros-
esclarecimentos necessários sobre a doença e o modo de a atacar. Em texto publi- tração. Segundo dados oficiais as perdas cifraram-se em mais de um milhão de réis.
cado no Estudo de 30 de Novembro de 1852, manifestou-se contrário à emigração,
aconselhando que tratassem de conservar as suas vinhas pelos meios que a ciência VALOR DAS PERDAS
e a experiência mostrassem ser os melhores, e que tivessem resignação, confiança LOCALIDADE VALOR EM RÉIS
no Senhor e esperança no futuro189. Ao mesmo tempo apresentou os meios usados Funchal 638.120$000
Santa Cruz 50.999$000
em França para combater a mangra por meio de pó de enxofre. Ainda, em França, Machico 31.200$000
o Barão de Ornelas deu conta de um novo processo de tratamento com sulphur Câmara de Lobos 150.000$000
que só começou a ser utilizado a partir de 1861190. Ponta do Sol 25.000$000
Calheta 20.000$000
Outros processos de combate foram descobertos e ensaiados em Espanha e o S. Vicente 120.000$000
cônsul português deles deu notícia à repartição da Agricultura do Ministério de Santana 103.670$000
Total 1:137.990$000
182.Nº 134, p. 1, vide igualmente nº 135, pp. 1/2. Fonte: Alberto Vieira, História do vinho da Madeira.
183.Nº 9, p. 4, vide nº 10, p. 1 e 4, onde se refere a acção então desencadeada, não se poupando críticas severas ao Governo
Civil.
Documentos e Textos, Funchal, 1993, p.295
184.Nº. 135, pp. 1/2.
185.O Amigo do Povo, nº 135, p. 4.
186.Idem, nº 136, p. 1.
187.Idem, nº 142, p. 1.
188.Apresentado à Academia de Ciências em sessão de 3 de Fevereiro de 1854. 191.O Amigo do Povo, nº 177.
189.Carta sobre a Nova Moléstia da Vinha, Funchal, 1872, p. 2. 192.Idem, p. 2.
190.Ruppert Crooft-Coock, ibidem, p. 92. 193.Idem, p. 2.
130 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 131

Phylloxera Vastatrix tidade vem a ser muito grande em proporção dos embarques, posto que menos que
menos que a do ano passado201. Em 5 de Outubro foi a vez de Leal Irmãos & Ca.,
a dirigir-se ao mesmo jornal para desfazer as notícias do Sr. Grabham: E verdade
Vinte anos depois da mangra da vinha, surgiu outra doença, não menos catas- que a filoxera já apareceu na Madeira, mas o facto não é tão assustador como o seu
trófica, que deu o golpe mortal à viticultura madeirense: A moléstia da vinha que correspondente parece querer profetizar, a produção dos nossos vinhos tem aumen-
me refiro foi descoberta na América em 1854, em Inglaterra em 1863, e em França tado nos últimos anos.202
também em 1863, mas só bem determinada neste paíz em 1866. Em Portugal foi Idêntica opinião tinha um articulista de A Lâmpada em 26 de Setembro de
notada de 1868 para 1869194. Segundo F. Almeida Brito chegou em 1865 em bace- 1873203 ao referir-se que a moléstia ainda não havia alastrado a toda a área vitícola,
los de Izabella, ou vinha americana, castas resistentes ao oídio195. Os primeiros indí- apontando-se a necessidade de proteger as que ainda estavam imunes como era o
cios da doença contagiosa foram detectados em 1872 por D. João da Câmara Leme, caso do Porto Santo. Segundo Carlos Azevedo Menezes a acção da filoxera foi tar-
em amostras de S. Gonçalo e S. Roque, cedidas por um lavrador196. A partir de dia de modo que em 1908 ainda se fazia sentir: A philloxera, que apareceu pela
então o cientista dedicou-se ao estudo da fêmea aptera e dos pós escuros na senda primeira vez na Madeira em 1872, só há poucos anos se manifestou igualmente no
de encontrar o processo adequado de tratamento. Porto Santo, mas apesar de ser recente a sua introdução, consideráveis são já os
Em 15 de Outubro de 1876 o inglês Michael Grabham publicou no Times197 uma estragos que tem causado. As cepas mais atacadas, têm sido as dos terrenos
carta sobre o estado da cultura da vinha na ilha dando conta dos efeitos devastadores argilosos, mas n’alguns pontos, embora poucos, onde o solo é arenoso, também as
da filoxera: Os cultivadores que plantaram vinhas depois da primeira moléstia que os vinhas têm sido invadidas por esse insecto. Segundo nos informam, as cepas do
destruiu, gosaram apenas de pouca prosperidade, porque a phylloxera vastatrix, litoral desapareceram quasi todas, só existindo ali duas faixas cultivadas de vinha,
insecto que suga as raízes, espalha geral e completa destruição. Nos melhores pontos uma do Espírito Santo e outra na Ponta.
os lavradores estão já queimando em montões os corredores das suas ainda há pouco (...) A não se cuidar a sério na introdução de cepas resistentes e adequadas aos
belas plantações, e nos lugares menos importantes a devastação está quasi a par das terrenos, grandes devastações poderá sofrer ainda a viticultura porto-santense, pois
outras. Nos arredores do Funchal não há uma só parreira em condições de vigor e é a experiência tem mostrado que as areias nem sempre constituem um dique à
claro que já se não deve esperar colheita considerável de vinho bom198. invasão da terrível phylloxera204.
A declaração, em tom alarmista, provocou a reacção dos produtores e comer- No período sucedâneo de 1877/1880 o panorama dos vinhedos da Madeira
ciantes locais (nacionais e estrangeiros). O articulista de O Popular, ao publicar a poderia ser considerado dramático. Os efeitos da doença eram visíveis, principal-
tradução da carta, tece algumas considerações sobre as intenções do Sr. Grabham ao mente na área circunvizinha do Funchal, como testemunha Henry Vizetelly em
publicar a missiva alarmista, notando os erros da visão, pois a área alastrada, resumia- 1877. Da visita que fez dá conta da situação. Sobre as vinhas das terras de Thomas
se apenas a Câmara de Lobos, Estreito e arredores do Funchal (S. Martinho, Santo Slapp Leacock em S. João refere: Não há muitos anos, o vinhedo do Sr. Leacock
António, Monte, S. Gonçalo), enquanto a maior parte dos vinhedos da ilha ainda se foi atacado pela filoxera e muitas vinhas foram seriamente afectadas. No entanto, o
acham cheios de vigor e de vida e em estado de produzirem de futuro, como pro- proprietário, através do seu atento cuidado e de tratamento sensato, incluindo a apli-
duziam no corrente ano (1876), grandes quantidades de excelente vinho199. Refere-se, cação de uma espécie de verniz nas raízes principais da vinha, o qual neste caso
ainda, que a filoxera não atingiu a Quinta Grande, Campanário, Fajã dos Padres, Paul parece ter sido o necessário, conseguiu recuperar a maior parte das vinhas doentes,
do Mar, Ponta do Pargo, ou seja as melhores áreas de vinhos da ilha. atingindo uma condição comparativamente saudável. O cultivador de vinha na
Cossart Gordon & Ca.200 em carta ao periódico londrino desmente o tom catas- Madeira tem não só pavor da filoxera, como também que proteger as suas vinhas
trófico da missiva do compatrício: não há dúvida que a philloxera tem feito algum contra o oídio. Isto consegue-se enxofrando-as, mas esta prática tem a desvantagem
dano às vinhas este ano (1875), mas a nossa casa, segundo nos escreveu da ilha em de se tornar difícil retirar todo o enxofre do fruto. O Sr. Leacock faz isto com a
15 de Agosto do corrente (Setembro último), informa-nos que a qualidade da co- ajuda de um fole e escovas que as mulheres aprenderam a usar com paciência e jeito
lheita deste ano é boa, tanto quanto se pode julgar pelo sacarímetro, e que a quan- na estação do ano em que as cascas das uvas começam a brilhar205.

194.D. João da Câmara Leme, Carta sobre a Moléstia da Vinha da Madeira, p. 2.


195.F. A. Silva, Elucidário Madeirense, vol. I, p. 31. 201.Idem, p. 1
196.Uma Crise Agrícola..., pp. 122/4. 202.Diário de Notícias, nº 16, pp. 2/3.
197.Tradução e publicação em O Popular, nº 73, p. 2.198. Idem, p. 2. 203.Nº 39. p.1.
199.Idem, p.3. 204.“A Navegação e Clima do Porto Santo”, in Portugal Agrícola, 1908, nº 6, p. 81.
200.Publicado no Diário de Notícias, Funchal, nº 5, pp. 1/2. 205.Idem, ibidem, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, p.381
132 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 133

e comerciantes208. Segundo afirmava todos os processos e meios até então usados


para combater a doença da vinha209 haviam sido quasi todos ineficazes, insuficientes
ou inaplicáveis210 tendo em conta que o progressivo desenvolvimento da nova molés-
tia da vinha não devida a um estado particular das videiras, mas sim ao contágio e
propagação da phylloxera..211. Só devemos combater a nova moléstia da vinha, como
hoje combatemos a sarna no homem e os animais; isto é prevenindo quanto pos-
sível o contágio, e destruindo o acarus nos indivíduos em que ela se manifesta, não
simplesmente com remédios internos e gerais, como faziam os antigos, mas sim, e
sobretudo, por meio de agentes insectidos aplicados localmente.
Para impedir o contágio é indispensável procurar destruir a phylloxera nas vinhas
já atacadas, ainda que não sejam de todas mortas, ainda quando seja necessário para
isso sacrificá-las.
(...) a conservação das vinhas sans exige que se sacrifique as vinhas atacadas de
moléstia e que já estão votadas a uma morte certa; pois que só enquanto o vinho tem
vida, só enquanto tem raízes suculentas que possam ministrar alimentos aos phyl-
loxeras, é que se acham junto delas e podem ser aí destruídos212.
Por isso propunha as seguintes medidas para atacar a doença das cepas. 1º
nomear uma comissão, com a sua sede na cidade do Funchal, encarregada de estu-
José Silvestre Ribeiro dar a nova moléstia das vinhas na Madeira, fazer ensaios, e propor os meios conve-
nientes de a debelar; 2º criar em cada concelhos uma comissão filial presidida pelo
respectivo administrador e da qual devem fazer parte os párocos, o presidente da
câmara municipal, e alguns dos proprietários mais instruídos, - comissões que se cor-
responderiam com a comissão central dando conhecimento do desenvolvimento da
moléstia, dos sintomas observados, dos ensaios feitos, e dos resultados obtidos; 3º
Conde de Canavial
fornecer, já pela caixa de socorros, sendo possível, já por subscrições, ou por qual-
quer outro modo que V. Exa. (dirige-se ao governador civil) entender conveniente,
os recursos necessários para que essas comissões possam pôr em prática os meios
A situação trazia à mente do insulano os tempos difíceis passados com a fome de que entenderem dever-se empregar para preservar as nossas vinhas de tão terrível
1847 e a crise de 1852. Estavam criadas as condições para reacender o debate na calamidade”213.
imprensa. Primeiro foi a procura desesperada das curas possíveis, a que se seguiu a O Governador Civil deu bom acolhimento à medida proposta, como se pode ver
tentativa de implantação de novas culturas como a cana-de-açúcar, o tabaco e a em carta de 28 de Agosto de 1872214 em que lhe solicitava a indicação das pessoas
cochonilha206. Aqui evidenciaram-se algumas personalidades locais, conhecidos pela adequadas para fazerem parte da comissão. Em 30 de Agosto215 apontaram-se as
actividade política e dom da oratória, como D. João da Câmara Leme. O Conde de seguintes: Juvenal Honório de Ornellas, José Leão Drumond Cavaleiro, Domingos
Canavial, cientista madeirense, havia adquirido em França a experiência e conheci- Alberto Cunha, Maurício de Andrade, João Maria Moniz, João Araújo Cunha,
mentos científicos necessários para se dedicar à investigação enológica e à Medicina. Francisco António de Freitas Abreu, Salvador Augusto Gramito d’Oliveira. Por
A ele se deve um dos raros estudos sobre a filoxera vastatrix207, os processos de trata-
mento das videiras infestadas, e as soluções para a crise vitícola com a definição de
208.Uma Crise Agrícola..., pp. 143/5.
uma politica de desenvolvimento local e a criação de uma associação de viticultores 209.Vide Uma Crise Agrícola..., pp. 118/31, as transcrições e referências aos processos usados ou experimentados localmente
e em França, e mais referências ao mesmo em Uma Carta sobre a Nova Moléstia da Vinha, pp. 12/5.
210.Carta sobre a Nova Moléstia da Vinha, p. 9.
211.Idem, ibidem, p. 11.
206.Vide estudos de D. João da Câmara Leme, Uma Crise Agrícola...; e jornais da época, especialmente O Direito, A Lâmpada, 212.Idem, p. 11.213. Idem p. 15.
Diário de Notícias, o Popular. 214.Idem, pp. 17/8.
207.Carta sobre a Nova Moléstia da Vinha da Madeira, Funchal, 1872. 215.Idem, p. 19.216. Idem, pp. 20/21.
134 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 135

alvará régio de 11 de Setembro foi criada a comissão216. Mas pouco ou nada sabemos causa pública224.
da actividade desenvolvida, ficando condenada ao malogro por força da luta políti- Em 30 de Julho de 1879 D. João da Câmara Leme foi finalmente nomeado
ca e partidária217. Governador Civil, com a possibilidade de pôr em prática as soluções que há muito
A 8 de Outubro de 1876 o Governador Civil, Francisco Albuquerque Mesquita tempo vinha pugnando. Mas se assim o pensava, cedo chegaria à conclusão que se
e Castro convocou uma reunião para estudo da crise agrícola, protestando D. João havia enganado, pois que instalado no cargo teve de fazer frente aos adversários
da Câmara Leme, quer pelo aspecto formal da reunião pública218, quer pelas decla- políticos que dominavam parte dos serviços administrativos e se negaram a põr em
rações aí proferidas219. E, mais uma vez, no discurso apresentou a solução para a prática as medidas. O primeiro facto surgiu em 11 de Agosto225, quando solicitou às
crise220, com forte impacto nos jornais, nomeadamente nos afectos ao Partido câmaras e Administradores dos concelhos do distrito um parecer sobre o estado da
Progressista de que o Conde era o líder local. Tal foi o caso de O Direito que refe- agricultura de cada zona. Todos se escusaram226, invocando razões várias, o que o
ria, a propósito: Tomou então a palavra o Sr. João da Câmara Leme, e num bri- não impediu de fazer um breve relatório em 6 de Dezembro de 1879227, dando
lhante discurso, fez sentir o estado agrícola do paíz, a grave crise que este atravessa- conta da situação aflitiva da ilha e da falta das necessárias medidas por parte de
va, e, em linguagem enérgica, apontou o mal e aconselhou o remédio eficaz para o Lisboa, ou a autorização para serem postas em prática as por si apresentadas, pois
debelar; demonstrou a evidência, a utilidade, a riqueza agrícola da cultura da como refere a Madeira, não só não poderá entender-se, mas há-de forçosamente
beterraba; e leva igualmente à convicção de todos os que o escutavão o grande esmorecer, se não tiver eficaz protecção228.
alcance do meio de transporte ou viação acelerada por um cabo, como S. Exa. pro- Mais uma vez aguardou-se por soluções de Lisboa que tardavam e só chegaram
punha. depois da filoxera ter alastrado no continente. A partir de então a situação da ilha
Era o homem da ciência que falava, o trabalhador incansável que expunha aos tornou-se clara para as autoridades nacionais e surgiram medidas para atacar a crise
seus concidadãos o fructo das suas vigílias em favor da terra natal, que tanto honra. vitícola. Houve que aguardar pelo ano de 1882 e pela acção da recém-criada
O discurso do Sr. Câmara foi extenso mas suculento, construtivo, à altura de ser Comissão Anti-filoxérica Distrital (5 de Agosto)229 para que fosse posta em prática
proferido numa academia, como o foi ante homens ilustrados”221. uma política de auxílio aos viticultores no sentido de minorar os feitos da crise. A
O Conde de Canavial, confrontado com a convocatória da reunião da Sociedade nova comissão composta por ilustres personalidades locais - Henrique de Lima e
Agrícola para 27 de Novembro sentiu-se magoado por ver as propostas votadas ao Canto, João de Calles Caldeira, Manuel José Vieira, John Leacock, Daniel Simões
esquecimento pelas autoridades civis, decidindo não comparecer, mas presenciando Soares - tinha como objectivo combater a filoxera por meio do uso do sulfureto de
de fora com olhar crítico o que aí se passou222. Discordou da argúcia das palavras do carbono, montando para o efeito um posto de tratamento. Ao mesmo tempo incen-
Governador Civil e da medida reabilitadora da decadente Sociedade Agrícola: E tivava os viticultores ao replantio da vinha com castas resistentes.
dizem que a Sociedade Agrícola ressuscitou... não ressuscitou, não. Arracaram-na Em sessão de 20 de Dezembro de 1882230 foi deliberado solicitar à comissão cen-
morta do túmulo; deram-na morta em espectáculo público; e morta a encerraram, tral que o distrito do Funchal, excepto o Porto Santo231, fosse considerado zona inva-
de novo no túmulo, repetindo em coro - requiescet in pace223. Proveita ainda para dida pela filoxera. Na reunião tratou-se da criação de um viveiro de cepas ameri-
desfazer qualquer dúvida que as tomadas de posição pudessem suscitar: não faço canas para as campanhas de replantio. O processo arrastou-se por algum tempo e o
oposição a este ou aquele ministério, a este ou aquele representante do governo: viveiro por ser instalado nas propriedades de Maurício Carlos Castelo-Branco232 e
revolto-me contra todos os que se opuseram à realização do que for útil, justo, depois foi transferido para outros terrenos no Ribeirinho e Torreão233. O presidente
necessário. da comissão, João Salles Caldeira, havia ensaiado com êxito as cepas americanas nas
Quem quiser unir-se em torno desta bandeira, alistar-se nesta cruzada, combater
nesta fileiras, achará em mim um fiel companheiro. Venham todos os que prezam
deveras o bem do seu paíz; formemos um grupo forte; não para servir um conilho 224.Idem, p. 142.
225.D. João da Câmara Leme, Apontamentos para o Estudo da Crise Agrícola no Distrito do Funchal, pp. 8/10.
político qualquer mas para empreender tudo quanto for conveniente e proveitoso à 226.Idem, ibidem, pp. 11/3; só houve uma resposta satírica apresentada sob o pseudónimo João Craca, publicada em Lisboa
em 1879.
227.Idem, ibidem, pp. 15/110.
217.Uma Crise Agrícola..., p. 39. 228.Idem, ibidem, p. 31.
218.Idem, ibidem, pp. 40/3. 229.ARM, GC, nº 85, fols. 1vº-2vº.As actas das reuniões foram publicadas por Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira.
219.Idem, pp. 44/6, 61/72. Documentos e Textos, Funchal, 1993, pp. 127-134
220.Idem, pp. 46/56. 230.Idem, fols. 5/6.
221.Idem, p. 73, igualmente Joaquim Ricardo de Trindade Vasconcelos em 15 de Outubro, no Diário de Notícias refere-se à 231.Quanto à ilha do Porto Santo, porém, que não deve ela ser compreendida nesta lista porque pela natureza do seu terreno
acção de D. João da Câmara Leme, cit. idem, ibidem, pp. 74/9. (arreias finas) e isolamento da ilha se espera que ela se conserve indemne... [Idem, fols. 1vº-2vº.]
222.Idem, pp. 114/24. 232.Idem, fol. 2.
223.Idem, p. 138. 233.Idem, fols. 11/2.
136 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 137

propriedades da Madalena (Santo António)234, como incentivo para a acção da canas e cana doce de castas resistentes às respectivas doenças, bem como estabele-
comissão que de imediato procedeu plantação de bacelos e sementes americanas. cer e organizar a estação química agrícola desta 100 região agronómica e o campo
Em 27 de Março de 1883 a comissão mandou avisar os jornais locais que comuni- experimental adjacente e demonstrativo, junto da mesma estacão e em outras pon-
cassem ao público de que distribuíam gratuitamente grainhas de vinhas americanas tas da ilha242. O certo é que toda a acção, incluso da comissão apoiante, composta
resistentes235. Daqui resultou a distribuição de 6.000 pés de videira de diversas castas pelo Visconde do Ribeiro Real, Domingos Alberto da Cunha, João Maria Curado
americanas resistentes. Ao mesmo tempo recomendou-se ao Juiz da Alfândega que de Vasconcelos e José Eduardo Gomes, se orientou para a procura de uma cultura
permitisse a entrada dos bacelos americanos sem cobrança de qualquer direito236. Em alternativa com valor mercantil. Daqui resultaram novas experiências com a cana-de-
1885 nos 2000ha de vinha destruídos temos 40ha com videiras americanas. açúcar, chá e tabaco.
A Junta tentou, ainda, recorrer aos métodos de tratamento disponíveis no senti- As actas das sessões realizadas são elucidativas e abundam em informações sobre
do de conservar as poucas castas não atacadas ou de minorar os efeitos da doença a cana doce vinda de Demerara243, Jamaica244, Taiti, Maurícias, Brasil245 e Canárias246,
nas já atacadas. Assim, estabeleceu-se um posto de tratamento, vindo em 1882 dois que se distribuíram pelo Funchal, Porto da Cruz, Ponta Delgada, Ponta do Sol247.
inspectores do reino com alguns barris de sulfureto e as instruções para proceder ao Para o vinho as referências são mínimas. Apenas se dá conta da distribuição das cas-
trabalho237. O prático, foi enviado, em Março, às freguesias de S. Vicente e tas pagas248. Em 16 de Março de 1889 os 15 requisitantes receberam cada um 687
Calheta238. Em 1883239 os trabalhos de sulfuração dos terrenos afectados estavam a bacelos. Manuel José Vieira adquiriu 135 bacelos de três castas e a Tomás Rebelo
cargo de António Brito Guedes. No tratamento da vinha o proprietário pagava 1/3 bacelos de quatro castas249. A situação evidencia uma tendência para a concentração
do custo do tratamento, ficando o restante a cargo da comissão. Mesmo assim a área da cultura em determinados proprietários com capacidade para enfrentar a despesa
abrangida pelo tratamento do sulfureto não ultrapassava os 4ha, quando tínhamos que o acto acarretava. Além disso, refere-se a necessidade de trato das vinhas com o
2000ha de vinha afectada. uso do adubo betuminoso antifiloxérico250. A comissão, ao fim de dois anos de activi-
Desde 10 de Junho de 1883 funcionou uma comissão de inspecção às vinhas dade, foi extinta por ofício de 20 de Dezembro e portaria de 30 de Dezembro de
composta por F. Almeida Brito (Inspector Geral), Salvador Gamito de Oliveira 1889 realizando-se a última sessão em 13 de Janeiro de 1890251.
(Intendente pecuário), João Salles Caldeira (Presidente da comissão antifiloxérica Não terminou aqui a acção das doenças da vinha. O míldio atacou os vinhedos nos
do distrito), para saber das áreas afectadas, aconselhando o processo de tratamento anos de 1894 e 1912. A cultura da vinha passou a merecer por parte do viticultor exces-
e adquirir os necessários elementos para elaborar o mapa filoxérico da Madeira240. sivos cuidados. O uso de pesticidas e a enxertia são hoje os meios de tratamento con-
Na conformidade do decreto de 2 de Novembro de 1880 e do ofício da tra as doenças252. As doenças ainda continuam a fazer sentir os efeitos sobre a cultura,
Comissão Central de 16 de Julho de 1883, surgiu a 7 de Setembro de 1883 a onerando os custos de produção. De acordo com José Tavares253 em 1938 os custos
Comissão de Vigilância à ilha do Porto Santo composta por João Fausto de Santana médios do cultivo da vinha no Porto Santo foram onerados em mais de 28%.
e Vasconcelos, Pedro Júlio de Vasconcellos, José Alexandre Lomelino de A política de reconversão e expansão da vinha contou, a partir de 1972, com a
Vasconcellos, Júlio César de Vasconcellos, Tomás Maria Tello, Manuel António intervenção do Governo através da Junta Geral, criando-se campos experimentais na
Ruas e Luís Faustino de Vasconcellos, com função de vigiar as vinhas de forma a evi- Ribeira Brava, Ponta do Pargo, Câmara de Lobos, Estreito da Calheta. Com o
tar o ataque da filoxera. processo autonómico o Governo Regional reforçou a aposta na viticultura com
A partir de 5 de Abril de 1888, com a criação da Comissão de Auxilio à Lavoura novos campos em S. Vicente, Ponta Delgada, Seixal e S. Jorge. A par disso, entre
da Madeira241, todas as tarefas de combate à filoxera transitaram para a sua alçada. 1973 e 1983, foram distribuídos 1.168.519 bacelos254.
Manuel do Carmo Rodrigues Morais havia sido enviado à ilha, segundo portaria de
4 de Fevereiro de 1888, em comissão com o fim de estudar o estado da cultura da
242.Idem, p. 1.
vinha e cana doce na ilha, distribuir gratuitamente pelos agricultores videiras ameri- 243.Idem, pp. 1/7, 20/4.
244.Idem, p. 30.
245.Idem, pp. 33, 37.
246.Idem, p. 21.
247.Idem, pp. 2, 8/15, 23/30, 63/74; vide igualmente livro nº 150.
234.Idem, fols. 2vº-3. 248.Idem, pp. 49/51, 55/60.
235.Idem, fols. 14vº-5. 249.Idem, pp. 60/1.
236.Idem, fols. 16vº-17vº. 250.Idem, pp. 29/34.
237.Idem, fols. 3vº/5, 7vº/9vº. 251.Idem, pp. 75/78.
238.Idem, fols. 11/12, 17. 252.Eduardo Pereira [Ilhas de Zargo, vol. II, pp. 575-576] refere ainda outras pragas que atacam a vinha: gota, lapa ou sarnica,
239.Idem, fol. 8. lapa preta, alforra, e a lagarta.
240.Idem, fol. 15. 253.Subsídios para o Estudo da Vinha e do Vinho na Região da Madeira, Funchal, 1953, p.44
241.ARM, GC, nº 149, pp. 1/7. 254.Noel Cossart, ob.cit., p.82
138 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 139

Armazéns da firma Blandy


Brothers & Co.
Gravura A. Vizetelly, 1880
A Vinificação

O ciclo vitícola distribui-se entre o plantar do bacelo, o trato das videiras e as tare-
fas rotineiras da vinha distribuídas ao longo do ano, em muitos casos executadas de
acordo com determinados princípios supersticiosos que a tradição não deixou
D
Da vindima ao lagar
A vindima, pelo movimento desusado de pessoas e animação é considerada o
momento mais importante da faina rural ligada à vinha. Ao longo do ano sucedem-
se os diversos cuidados com a vinha, quase sempre a cargo dos homens, atingindo-
se em Setembro o clímax com a vindima, que conta com a participação de todos. É
aqui que o agricultor vê o esforço compensado pela contemplação dos maduros e
luzidios cachos ou amenizado com os cantares característicos da época. As trovas
populares alusivas ao momento davam a necessária animação e alento.
Setembro é, por excelência, o mês das vindimas. Ao Agosto, de férias e festas,
sucede-se o mês do trabalho em que a viticultura é rainha. As terras de vinha são o
centro de todas as atenções. Do Estreito de Câmara de Lobos a S. Vicente, tudo se
movimentava em torno das latadas, dos poucos lagares e inúmeros postos recep-
tores de uvas. No passado o movimento era inusitado, ocupando quase todas as
gentes. Era um verdadeiro assalto às vinhas e lagares. Os senhores desciam do burgo
ao campo a observar e fiscalizar os pâmpanos de uvas e o pastoso mosto. Os demais
iam à procura de trabalho, pois a vindima aumentava a oferta de trabalho e, por isso,
em meados do século dezanove com o espectro da fome e da emigração, as autori-
dades rejubilavam por se fecharem, ainda que temporariamente, as portas da emi-
gração. A cidade ficava deserta. Todos estavam nas vindimas: uns a reivindicar o
pecúlio, outros no árduo labor da apanha, transporte, pisa da uva e posterior con-
dução do mosto aos tonéis, para descanso de alguns meses, até à viagem ao Funchal.
O processo era moroso e implicava a presença de mão-de-obra para que as tarefas
fossem executadas atempadamente.
Hoje tudo mudou. As terras não são de colonia ou de rendeiros. As tarefas da
vindima perderam em bucolismo mas ganharam em alívio do esforço humano. O
dorso do Homem deu lugar à caixa da furgoneta, o lagar passou a peça de museu,
esquecer, transmitindo-os de geração em geração sob o olhar expectante das autori- sendo o serviço executado pela hodierna maquinaria. O borracheiro desapareceu
dades interessadas em inovar. Aqui apenas destacaremos alguns aspectos da vinifi- da paisagem, dando lugar às cubas de metal, transportadas encosta acima pelo
cação madeirense iniciada com a vindima, que tem expressão em diversas tarefas automóvel. A força do progresso joga a favor do madeirense e contra o espectador
como a pisa, repisa, fermentação e trato do vinho. (turista de dentro e de fora) que se compraz no sofrimento dos outros. Não foi o
140 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 141

Máquina de moer uvas.


Museu de Photografia Lagar. Museu de
Vicentes. Photografia Vicentes.

instinto destruidor que fez apagar a bucólica imagem mas a urgência de libertação A festa das vindimas é uma tradição antiga estando documentada a realização
do madeirense da canga acumulada no dorso, há mais de quinhentos anos. Na actu- no Funchal em 1938, 1945 e 1946256. Para além do Funchal refere-se ainda em S.
alidade resta apenas a obra de engenharia que são os poios, agora ligados por estra- Vicente uma ocasional comemoração em 1981257. Hoje é ainda possível o reen-
da, e o canto de Vieira Natividade em a Madeira. Epopeia Rural. Ninguém melhor contro com o passado através das memórias descritivas e romances como sucede
que ele entendeu a luta hercúlea do íncola contra a natureza. Ninguém como ele com Horácio Bento de Gouveia, o retratista das emoções rurais do norte da ilha,
sentiu a dor e sofrimento do madeirense no acto de transformação do rochedo em nas gravuras inglesas ou fotografias, de que fizemos uso numa exposição que teve
horta ajardinada. A imagem, que pertence ao passado, perpassa a escrita poética. lugar no Teatro Municipal em Outubro de 1982. Os museus do Funchal sobre a
Pretender o regresso ao passado é atraiçoar o progresso e perpetuar o secular temática são os fiéis depositários.
sofrimento. O Eco-museu, realidade que não entrou no quotidiano, em que o visi- A época da vindima, que se estende de Agosto a Setembro ou Outubro, é o
tante é participante activo é a resposta e o meio de harmonização do passado com momento de maior azáfama rural e origem de migrações internas. Em terras onde
o presente. A emoção ao vivo não deve ficar-se pela hipócrita contemplação mas imperava o contrato de colonia, a apanha da uva subordinava-se à autorização do
alargar-se à observação participante. E, talvez, consigamos entender o grito de dor e senhorio, a disponibilidade de lagar e ao chamar gente para o dia aprazado: Os
os impulsos que fizeram progredir e inovar as tarefas que fazem parte do dia à dia colonos ao passo que as uvas amaduravam, dirigiam-se ao senhorio ou feitor a pedir
das vindimas. Assim, fica demonstrado que o progresso não é o virar de costas ao licença para fizeram a colheita, a apalavrarem o dia de empréstimo dos lagares. Os
passado, mas a expressão do presente e a projecção para o futuro. quais, porque em número restrito, não bastam nunca para os pedidos. E assim,ainda
Em muitos lugares o ciclo de trabalho revestia-se de um cerimonial inaudível que um lagar está a empesar um pé de uvas, já para dentro dele se despejam cestos sobre
atraía centenas de forasteiros da cidade. Sucedia assim em Câmara de Lobos nas quin- cestos, propriedade de outrem.
tas do Visconde de Torre Bela, do Conde de Carvalhal como no Estreito da Calheta e Logo que a manhã dealba, onde o mar toca no céu, começa a labutação de fazer
terras de João Nascimento255. Hoje temos algumas manifestações que pretendem recor- vinho de uvas que fazem apanhadas de véspera e o bulício lagareiro prolonga-se,
dar a faina em torno da vinha e do vinho. Referimo-nos às festas da uva, do Porto da fora de horas até passante da meia-noite258.
Cruz e das vindimas, desde 1980, no Estreito de Câmara de Lobos e Funchal. Ambas A vindima ocorria no dia marcado e desde muito cedo a azafama era grande: ...
as evocações são o momento ideal para a comunhão do passado com o presente.
256.Danilo José Fernandes, O Folclore em Eventos Sociais entre 1850 e 1948, Funchal, 1999, pp.34, 71-77
257.Horácio Bento de Gouveia, Crónicas do Norte, Funchal, 1994, pp.112-115
255.J. Reis Gomes, Op. cit., pp. 7/11. 258.Horácio Bento de Gouveia, A Canga, Coimbra, 1975, pp. 116/7.
142 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 143

por toda a parte, em montados, fajãs, cabeços, fraldas da montanha, um agitar de ao monarca, solicitando medidas urgentes contra tais práticas, o que foi prontamente
braços fazia estremecer as folhas das vinhas. Velhos e gente nova, munidos de facas atendido pelo regimento das vindimas de 16 de Agosto de 1785267. Aí estabeleceu-se
e navalhas, cortavam os cachos que lançavam para dentro dos cestos pequenos os o processo e a obrigatoriedade da escolha das uvas. Quanto ao primeiro deliberou-
quais por sua vez, se despejavam em barreleiros, que se enchiam, até que as uvas, se que em nenhuma das freguesias desta ilha se fará vindimar, sem expressa licença
acamadas umas sobre as outras para cima da roda da beira se acogulavam. E alça- por escrito deste governo, antes dos dias que vão indicados na relação que será com
dos trabalhadores a carregarem os barreleiros às costas a caminho do lagar...259. Já esta e assinada pelo secretário do mesmo governo. A tarefa ficou a cargo dum
no lagar, os homens de pé descalço e calça arregaçada após a respectiva licença do inspector, coadjuvado por inspectores locais. A autorização para vindimar só era
senhorio da lançavam-se aos montes de uvas260. Iniciada a tarefa os cachos esbor- passada após uma visita às vinhas. Quanto ao segundo providenciariam junto dos
rachavam-se e o mosto espumava na tina formando bolhas que cresciam e reben- colonos para que à bica do lagar se procedesse a necessária escolha das uvas, situ-
tavam para dar lugar a outras que se vão desfazendo por sua vez261. ação difícil de controlar. Ao infractor aplicavam-se severas penas: O lavrador que se
Esmagadas as uvas o bagaço era arrumado ao centro, posto em pé enrolado heli- atreva a vindimar sem a referida licença, fique por esse efeito incurso nas penas de
coidalmente, por uma corda, que dá todo o aspecto dum tronco de cone de largas prisão, e de perdimento das uvas que tiver vindimado, e vinho que delas tiver feito,
bases sobre a superior como diâmetro, e na direcção da “vara” assenta o “juiz” em que o mesmo inspector-geral mandará fazer apreensão e fará vender. Em anexo
decidindo, pela justa colocação da proficuidade dos esforços que o todo se prepara vêm estipuladas as datas da vindima em cada localidade:
para suportar. E em cima do “juiz” que se colocam “sucessivamente” as tábuas, os
“malhais”, e a “porca”, os “leitões”, e por último o “cachaço”, pedaço de madeira • a partir de 15 de Setembro, nas freguesias de Stº António, Stª Luzia, Stª Cruz,
de grossura variável, sendo este último que recebe directamente a acção da vara. O Ribeira Brava, Ponta do Sol, Arco da Calheta, Paul, Ponta do Pargo, S. Roque,
estremo livre desta grossa trave é atravessado pelo “fuso” que se prende inferior- Caniço, Campanário, Tabua, Madalena, Calheta, Jardim do Mar, Fajã da Ovelha,
mente à pesada “pedra de lagar”. Pondo-o em movimento de aperto, atarrachando- Canhas.
o, a pedra, que descansava no solo, levanta-se e fica exercendo pressão sobre o • desde 25 de Setembro nas freguesias de Machico, Estreito de Câmara de
bagaço. É a chamada empesa262. ... no silêncio da noite, ao longo e ao perto, ouve- Lobos, Stª Anna.
se o guinchar, o ranger das roscas do fuso que vai andando em torno da concha e • desde 1 de Outubro na freguesia de S. Vicente e a malvasia por ser este o
subindo na parte a vara com o esforço dos braços do homem, até fazer a pedra le- vidonho o que mais custa a sazonar268.
vantar do chão263. ... e cai da bica do lagar, na tina, o mosto espumoso e pegajento
que é medido pelo pote e canada nos barris...264. Depois pela noite segue-se a repisa, As recomendações quanto à cultura da vinha surgiram pela primeira vez em
em que se humedesse o bagaço obrigando a deitar o último pingo de vinho. Só 1785, conjuntamente com a proibição da baldeação interna e de adulteração dos vi-
então depois de espremido todo o vinho é que o senhorio autoriza o caseiro a fazer nhos. São medidas próximas das que o Marquês do Pombal preparou para o vinho
a água-pé, a chamada babida “dui proves”265. Feito o vinho, o mosto era vendido à do Porto quando ordenou a criação da região demarcada. Chegou-se mesmo a
bica do lagar ou transportado à adega que se situava junto à costa ou no Funchal. O reclamar por uma companhia para a Madeira como se havia feito em 1756 para o
colono só ficava com a água-pé, pois a parte do mosto que lhe cabia era vendida, de Douro269.
ordinário, ao senhorio e muito raramente ao comerciante. O facto de não dispor de Em Agosto de 1785270 publicou-se o regimento das vindimas em todos os distri-
adega ou vasilhame condicionava o campo de acção. tos da ilha com indicações sobre a forma de evitar o dano provocado pela colheita
Eram muitos os abusos praticados com as vindimas fora de tempo, porque os prematura sem escolha das uvas. Em 1819271 refere-se a prática corrente de apanha
colonos não esperão que as suas uvas estejão perfeitamente sazonadas para as vin- das uvas verdes era considerada uma das três causas da crise: são as vindimas pre-
dimarem; nem no tempo da vindima fazem a precisa escolha que se requer para que maturas, sem chegar a uva ao estado da perfeição natural, pois o vinho vai feito de
não se misture o verde com o maduro...266, conduziu às reclamações dos senhorios cepas regulando a uma inspecção prudente e deste modo se corta pela raiz o mal

259.Idem, ibidem, p. 116; vide idem, Canhenhos da Ilha, Funchal, 1966, pp. 57/9, 123/5. 267.ARM, GC, fols. 29vº-32,São diversos os regimentos sobre as vindimas: 12 de Agosto e 4 de Setembro de 1784, 16 de
260.Idem, A Canga, p. 125. Agosto de 1785, 16 de Agosto de 1786, 7 de Janeiro de 1839, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos
261.Idem, ibidem, p. 125. e Textos, Funchal, 1993, pp. 31-35, 39-42,121-122.
262.J. Reis Gomes, ibidem, p. 8. 268.ARM, GC, fol. 32.
263.H. B. Gouveia, Canhenhos da Ilha, p. 125. 269.ARM, RGCMF, T. 14, fols. 202/203vº.
264.Idem, ibidem, p. 58. 270.ARM, GC, nº 70, fols. 29vº/32, 35vº/43vº., in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal,
265.Idem, A Canga, p. 134. 1993, pp.31-42
266.ARM, GC, nº 70, fol. 29vº-32. 271.Idem, T. 14, fols. 202/203vº.
144 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 145

que se faz ao vinho, deitando-se-lhe açúcar e mel de barbadas para emendar a ver- em conjugação com os representantes das empresas quem determina a data de iní-
dura. A Junta de Melhoramento da Agricultura ordenou em 18 de Agosto272 que fos- cio da vindima.
sem nomeados três inspectores por freguesia para fiscalizarem a aplicação. As medi- Podemos ainda considerar outras medidas sobre a cultura da vinha, com a inter-
das tiveram eco nos anos de 1827273 e 1838274. No primeiro retomou-se a provisão de dição de cultivos intermédios os cuidados nas fases mais importantes do ano vitíco-
1819275 enquanto no segundo foi-se buscar fundamento à lei de 1786. Desta forma la. Acontece que as regulamentações esbarravam quase sempre com uma prática
procurava-se defender a qualidade do vinho e evitar os efeitos prejudiciais da práti- rotineira e adversa a qualquer progresso. A mesma opção rotineira é correspon-
ca corrente no comércio. A expressão espaçada das medidas dá conta da premên- sabilizada pelo atraso da viticultura e vinificação madeirenses.
cia em momentos de agudização da crise ou discussão e evidencia a apatia dos A qualidade do mosto não dependia apenas do respeito das medidas atrás referi-
colonos perante uma prática que se tornava onerosa e lesiva da safra da vinha. das. As condições climáticas do ano vitícola e, nomeadamente no período estival,
Em 1819 uma provisão da Junta d’Agricultura ordenava que se nomeassem condicionaram a situação e determinaram em última instância o resultado final. A
inspectores para as vindimas, três por freguesia, de maneira a que nos mesmos bair- partir de informações dispersas é possível acompanhar o quadro das vindimas280.
ros não possa pessoa alguma vindimar, antes do dia aprovado, guardando-se neste
procedimento quanto for possível e direito dos proprietários em combinação com SITUAÇÃO DAS VINDIMAS. 1695-1983
o interesse geral da ilha, e fabrico dos bons vinhos...276. Foi fácil a elaboração das
medidas mas difícil a aplicação. O fim em vista era de utilidade face ao descrédito ANO COLHEITA CASTAS LOCALIDADE QUALIDADE do vinho
1695 Pequena Regular
que o vinho estava enfrentando no mercado colonial britânico. A reclamação das
1696 Pequena Muito bom
medidas prende-se com a crise de exportação do produto. 1697 Pequena
A mesma política ressurgiu em 1939, quando o Conselho do Distrito decidiu por 1698 Muito pequena
1699 Maior que ano anterior
acórdão manter a regulamentação das vindimas, ordenando que se fizessem depois
1700 Grande
da aprovação por inspectores competentemente nomeados pela municipalidade, de 1701 Pequena
acordo com o regulamento de 16 de Maio de 1831277. Em carta de 4 de Outubro278 1702 Pequena
1703 Grande Bom
o Administrador Geral recomendava vivamente à Câmara a aplicação das medidas,
1704 Pequena Bom
replicando a Vereação com as devidas providências. Sabe-se, ainda que era comum 1705 Grande Bom
os lavradores misturarem as variedades de uva, enganando os compradores. Em 1706 Grande
1707 Menor ano anterior Muito bom
1849279 uma postura estabelecia a pena de 6$000 réis para quem misturasse as uvas
1708 Pequena
de bom vidonho denominadas malvasia, carão de moça, maroto, caxudo, etc., com 1709 Média Muito bom
outras de pior qualidade. 1710 Bom
1711
Não sabemos a forma como se procedeu à aplicação da medida, considerada
1712 Muito bom
salutar para a boa qualidade do vinho e, de certo modo, lesiva para o colono. 1713 Muito grande
Apenas podemos afirmar que em 1940 ainda persistia sob outra forma na freguesia 1774 Pequena Muito bom
1775 Muito bom
da Ponta Delgada como testemunha Horácio Bento de Gouveia. O colono estava
1783 Pequena verdelho Bom
obrigado a avisar o senhorio do início da vindima, aguardando o sim ou não de iní- 1787 Pequena Bom
cio da vindima. Estamos perante uma variante muito afastada, que comprova de 1788 Muito bom
1789 Câmara de Lobos Muito fino
modo inequívoco a subordinação do colono ou mieiro ao senhorio. Com a criação
1790 Câmara de Lobos Muito fino
do Instituto do Vinho da Madeira a vindima passou a ser controlada, sendo o IVM 1792 Boal Bom
1795 Muito bom
1803 Muito bom
272.Idem, T. 14, fols. 204/204vº. 1805 Verdelho Muito bom
273.Defensor da Liberdade, nº 20, p. 3.
1806 Câmara de Lobos e S. Martinho fino
274.ARM, RGCMF, T. 19, fols. 14/5vº, 224vº/225vº.
275.Tendo-se então granjeado forte apoio, como podemos inferir das informações fornecidas pelo Defensor da Liberdade [nº 1808 Muito bom
20, p. 2, nº 17, nº 15, p. 2.]
276.ARM, RGCMF, t. 14, fols. 14-15vº.
277.ARM, RGCMF, t. 1, fols. 15-15vº.
278.ARM, RGCMF, t. 19, fols. 224vº-225vº.
279.Posturas da Câmara Municipal do Funchal, Funchal, 1849, p.21 280.Cf. Noel Cossart, ob.cit., pp.158-159
146 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 147

1812 Boal Muito fino 1902 Pequena Norte e Oeste Muito fino
1814 Boal Muito fino 1903 Boa Sercial Fino
1815 Boal Bom 1904 Acima da média
1816 Boal Muito fino 1905 Abundante Sercial e verdelho Norte Bom
1817 Sercial Bom 1906 Boa Malvasia Bom
1822 Excelente 1907 Verdelho fino
1824 Boal Muito fino 1908 Boa
1826 Sercial Muito fino 1909 melhor que ano anterior
1827 Sercial Muito fino 1910 Pequena Sercial, boal, verdelho Excelente
1834 Boal Muito bom 1911 Boa
1836 Sercial Muito bom 1912 Boa
1837 Malvasia Muito bom 1913 Pequena
1838 Verdelho Muito bom 1914 Pequena Boal Fino
1839 Malvasia Muito bom 1915 Muito boa Boal fino
1840 Sercial e verdelho Muito bom 1916 Muito boa malvasia Fino
1842 Sercial Muito bom 1918 Muito boa
1844 Boal Muito bom 1920 Muito boa Malvasia, Boal Excelente
1845 Boal Muito fino 1926 Muito boa Boal Fino
1846 Terrantez, boal e verdelho Muito fino 1934 Verdelho boal e malvasia Muito fino
1848 Boal e terrantez Muito bom 1936 Sercial Fino
1850 Verdelho Muito bom 1940 Sercial Muito fino
1851 Sercial, boal, malvasia Muito fino 1941 Boal e malvasia Muito fino
1852 Oidium 1844 Muito fino
1854 Muito pequena Sercial Muito bom 1950 Sercial Muito fino
1857 Muito pequena Sercial Muito bom 1951 Muito fino
1858 Muito pequena Verdelho Muito bom 1952 Verdelho e malvasia Muito fino
1860 Muito pequena Sercial Muito bom 1954 Boal, malvasia e bastardo Muito fino
1862 Pequena Malvasia Bom 1956 Boal, malvasia Muito fino
1863 Pequena Malvasia Câmara de Lobos Muito fino 1969 Verdelho Muito bom
1864 Pequena Boal, malvasia Bom 1974 Normal
1865 Pequena Tinta Bom 1975 Pequena
1866 Pequena Tinta Bom 1976 Pequena
1867 Pequena Tinta Bom 1977 Normal
1868 Pequena Boal Bom 1978 Extraordinária
1869 Pequena Boal Bom 1979 Normal
1870 Pequena Sercial Bom 1980 Normal
1871 Bom 1981 Normal
1872 Filoxera, pequena Fino 1982 Extraordinária
1873 Muito pequena Quinta Paz Fino 1983 Muito extraordinária
1874 Muito pequena Quinta Paz Fino
1880 Malvasia Fino
1882 Muito pequena Boal Fino
1883 Muito pequena Sercial Fino
1884 Muito pequena Sercial Fino
1885 Muito pequena Malvasia Fino
1886 Produção média
1890 Boa colheita Bom
1891 Boa Boal Bom
1892 Produção média Sercial Bom
1893 Pequena Malvasia Bom
1895 Pequena Boal Fino
1897 Pequena
1898 Verdelho e sercial Muito fino
1899 Regular Norte da ilha
1900 Média Muito fino
148 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 149

Lagar de Krohn Brothers. Museu de Photografia Vicentes. Lagar. Museu de Photografia Vicentes.

viticultores tinham meios para o dispor, sujeitando-se a maior parte dos caseiros ao
lagar do senhor. O lagar é hoje uma peça de museu, sendo substituído pela moder-
na tecnologia, mas noutros tempos foi um instrumento imprescindível ao fabrico do
vinho.
Na Madeira está documentada a presença de três tipos:

• lagariças de pedra, com o cocho escavado na rocha dispondo de vara e fuso


em madeira para exercer pressão sobre o bagaço;
Lagar. Gravura de A. • lagares de madeira, que podiam ser escavados num tronco formando um
Vizetelly, 1880 Do lagar ao canteiro cocho ou de traves de madeira calafetada;
• lagar de alvenaria com vara e pedra ou de prensa mecânica.
Nem todos os colonos e lavradores, na ânsia de uma rápida vindima, aguardavam
pelo total amadurecimento dos cachos, obrigando as autoridades a regulamentar a A tradição de uso da pedra e madeira na construção dos lagares foi trazida do
faina vitícola através do regimento das vindimas publicado em 12 de Agosto de 1785. continente português onde ainda existem testemunhos de épocas anteriores ao sécu-
A partir daqui a vindima passou a ser autorizada por inspectores nomeados para lo XV282. Na Madeira persistiram até a actualidade alguns lagares de madeira ou
todas as freguesias, ficando os infractores sujeitos à pena de prisão e de sequestro pedra. Dos construídos em pedra temos notícia de vestígios no Curral das Freiras,
das uvas. Arco da Calheta, Ponta do Pargo e S. Vicente, na chamada lapa do Chiapa. Para os
Concluída a apanha das uvas a animação transferia-se para a beira do lagar onde de madeira persistem vários exemplares na Madeira e Porto Santo, propriedade de
os homens esmagavam as uvas para poderem extrair o mosto281. Noite fora, até que particulares, museus e empresas do sector. O de cocho poderá ser encontrado no
fosse concluída a tarefa, o bulício continuava com desusada animação. A presença Campo de Baixo no Porto Santo e no Museu da Ribeira Brava, quanto ao de caixa
do lagar foi sinónimo de uma rectaguarda importante de vinhas, pois nem todos os temos exemlares nos Museus do IVM e da Madeira Wine Company.

281.A faina do lagar está devidamente descrita por alguns autores estrangeiros [Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira,
Funchal, 1993] e nacionais [GOMES, João dos Reis, O Vinho da Madeira. Como se Prepara um Nectar. Monografia, 282.V. Loureiro, As Lagaretas Escavadas na rocha. Uma Perspectiva Tecnológica, in O Vinho, a História e a Cultura Popular.
Funchal, 1937; Eduardo Pereira, Ilhas de Zargo, vol. I, Funchal, pp.577-582.] Actas de Congresso, Lisboa, 2001, pp.27-37
150 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 151

O lagar foi e continua a ser um elemento de fascínio na faina vitivinícola. Todos 1723 Santo António 11.000
os que o descobrem ficam encantados com a monumentalidade e tarefas que ainda 1728 Tábua 4000
1730 S. Martinho 3500
ocorrem. A descrição do lagar tradicional de madeira atraiu o interesse de alguns 1731 Campanário 3000
literatos283. 1732 Tábua 1500
Junto dos vinhedos encontrava-se quase sempre o lagar que atingia a dimensão 1732 C. de Lobos 2600
1733 R. Brava 1000
igual à área de vinha. São lagares de madeira mas também lagariças de pedra. Na 1735 Tábua 3200
Ponta de Sol, Rafael Catanho Vivaldo apresentava em 1608284 uma extensa fazenda 1736 9500
de vinhas com três lagares. Em 1728 o lagar de pedra de Manuel de Abreu na Tabua 1736 12.000
1726 9.000
é avaliado em 4$000 réis e servia um vinhedo de 3.444 parreiras. Já em 1742 João 1736 Santo António 8500
Lopes do Monte do Estreito de Câmara de Lobos apresenta uma casa e lagar no 1738 Campanário 4000
valor de 10.000 réis para uma extensão de 20.140 parreiras. Os agricultores com 1738 Serra de Água 3000
1739 S. Martinho 5000
courelas de vinhas não tinham possibilidade de montar a estrutura e, por isso, socor- 1741 Campanário 800
riam-se do lagar do vizinho. 1742 9000
Os custos de construção da infra-estrutura eram elevados, sendo em muitos casos 1742 Estreito 305.700
1742 Estreito 10.000
mais um encargo a que estava sujeito o colono. O preço do lagar variava consoante 1742 22.000
fosse construído em madeira ou escavado na rocha, acrescentando-se, ainda, a 1743 Tábua 19000
cobertura. Quanto às diversas partes do lagar sabemos em 1767 do valor285 das do 1744 Campanário 2000
1744 S. Martinho 40.000
lagar de Paula de Aguiar na Tábua. Dos 28.9000 réis de despesa o senhorio con- 1745 S. Martinho 6500
tribuiu com 10.000 réis para o fuso, pedra e paredes: 1746 Campanário 4000
1747 S. Martinho 5000
1747 Campanário 12000
Caldeira do lagar em rocha e tina: 10.900 réis 1748 Tábua 12000
Pedra de empesar: 5.000 1748 Tábua 2500
Obra de carpintaria: fuso e toda a madeira: 2.400 1748 Campanário 5650
Palha e canas do lagar: 600 1748 S. Martinho 9000
total: 28.900 1748 Campanário 10.000
1750 Campanário 2000
1752 63000
O quadro, que se segue, completa a elucidação dos valores do investimento em 1753 Campanário 6000
lagares na ilha. 1762 Tábua 2000
1782 4000
LAGAR E CASA-CUSTOS(1650-1782) FONTE: ARM, Capelas-inventário, maços: 1 a 42

Ano Local Lagar Lagar e Casa


Pedra Madeira Pedra Madeira De acordo com o inventário das indústrias, feito em 1863 por Francisco P.
1650 S. Martinho 80.500rs Oliveira286, o arquipélago dispunha de 185 lagares assim distribuídos:
1664 Ribeira Seca 12.000
1690 Campanário 800 Funchal. 39 Porto Moniz. 31
1700 1800 Machico. 1 Calheta. 25
1717 S. Martinho 4000
Santana. 13 C. Lobos. 23
1718 Campanário 2000
1718 Campanário 21500
S. Vicente. 12 Porto Santo. 41
1720 Ribeira Brava 1400
1720 Campanário 15.000 Não deverá esquecer-se que o inventário ocorreu numa fase em que a economia
1720 2000
vitícola estava ameaçada pelo oídio, pelo que o número de lagares em funciona-
283.Marquez de Jácome Correa, A Ilha da Madeira, Coimbra, 1927, p.113; Eduardo Pereira, Ilhas de Zargo, vol. I, Funchal, 582.
284.ARM. JRC, fls. 427-429vº, testamento de 30 de Junho. 286.Informações para a Estatística Industrial Publicadas pela Repartição de Pesos e Medidas-Distrito de Leiria e Funchal,
285.ARM, Capelas-Inventário, maço 18, nº.429, 11 de Setembro. Lisboa, 1863.
152 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 153

Lagar. Museu de Borracheiros. Museu de


Photografia Vicentes. Photografia Vicentes.

mento deveria ter sido superior na primeira metade da centúria. Aliás, o autor casas, foi definida pela substituição dos lagares de madeira por outros em cimento
chama a atenção para isso, destacando que muitos dos lagares estavam abandona- e o aparecimento generalizado das prensas manuais e mecânicas. Na actualidade a
dos por falta de uvas. Sucedia assim em quase todos os municípios, excepto no ilha dispõe da mais avançada tecnologia para o fabrico do vinho. Toda a produção
Porto Santo e Porto Moniz. A maioria era apenas utilizada no fabrico de vinho de dos viticultores destinada ao vinho Madeira é vendida em uvas, tornando
peros. Quanto ao Funchal o autor declara que Não se trabalha geralmente nos desnecessária a infraestrutura. Lagares ou prensas existem apenas em museus ou em
lagares de vinho pela falta de uvas depois do aparecimento do oidium tuckery, e casas particulares para a laboração do vinho caseiro.
apenas em três lagares se espremem alguns peros para fabricação de vinho. Hoje são raros os lagares tradicionais de madeira. No século XX evolui-se para a
A situação piorou, passados dez anos, com a filoxera, mas no século XX a ilha construção do cocho e tina em cimento ficando apenas a vara e o fuso, como sobre-
recuperou a vinha e os lagares voltaram ao activo, referindo-se para 1916 a existên- vivência da madeira. Os lagares de madeira são peças de museu, enquanto que nos
cia de cerca de 1000 lagares para um total de viticultores não superior a 8000287. Isto de cimento já poucos restam, pois deram lugar aos de fuso ou deixaram de ter utili-
quer dizer, se tivermos em conta que a produção era pouco superior a 50 mil hec- dade. As casas comerciais compram as uvas e no fabrico do mosto utilizam a mais
tolitros, que a laboração média por lagar era de 50hl. Muitos dos lagares eram actual tecnologia. No Norte da Madeira, nomeadamente no Seixal, Ribeira da
pequenos e artesanais, sendo construídos pelos proprietários para apoio à pouca Janela, era comum a construção das adegas junto dos vinhedos, situação que ainda
produção de vinho. A maioria dos viticultores não os possuia socorrendo-se dos que hoje persiste. São edifícios térreos de duas águas, tendo no interior um lagar e can-
estavam mais próximos. A contrapartida, tanto poderia ser feita em género, como teiro de pipas.
em serviços ou em dinheiro. Para o vinho de peros refere-se que em Ponta de Sol O momento mais esperado da vindima acontecia quando se procedia à divisão e
o pagamento de 49 a 59 réis por hectolitro de vinho saída da bica do lagar288. venda do vinho. Era à bica do lagar que todos vinham em busca dos dividendos: As
A última geração, anterior ao actual processo de mecanização organizado pelas vinhas são entregues apenas em posse anual e o cultivador somente recebe quatro
décimos do produto - outros quatro décimos são pagos em espécie ao dono da terra,
287.Vida Económica da Madeira (…), Funchal, 1916, p.82.
288.Francisco P. Oliveira, Informações para a Estatística Industrial Publicadas pela Repartição de Pesos e Medidas-Distrito de
um décimo ao rei e um ao clero. Proveito tão escasso e a ideia de estar meramente
Leiria e Funchal, Lisboa, 1863, p.77. Tenha-se em conta que a pipa de vinho se poderia a retalho entre 575 a 860 réis o a labutar para os lucros de outros, excluem absolutamente a esperança de um
litro [idem, ibidem, p.77]
154 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 155

aumento de produção, mesmo que sejam tentados melhoramentos289. A mesma


ideia repete-se noutro testemunho: O proprietário da terra e o cobrador dos impos-
tos da Coroa assistem a esta operação: este último tira da tina o décimo de mosto
que lhe corresponde, sendo depois dividido o restante entre o proprietário da terra
e o arrendatário. Cada um leva consigo um número suficiente de carregadores para
transportar as suas respectivas partes, às vezes em barris, e às vezes em odres de pele
de cabra, para as adegas no Funchal. Os comerciantes Ingleses geralmente fornecem
antecipadamente dinheiro aos agricultores de maneira a motivá-los para um cultivo
mais cuidadoso290.
Feito o vinho o mosto era transportado ao destino, que poderia ser a loja do viti-
cultor, ou o armazém dos comerciantes no Funchal. No último caso tanto podia
acontecer por via terrestre, nas regiões próximas da cidade, ou marítima, quando
proveniente das diversas freguesias. Era no Funchal, sede as casas exportadoras, que
tinha lugar a fase seguinte. O transporte às adegas rurais ou da cidade era feito por
carreteiros em borrachos291. O mosto era enviado directamente ao Funchal, por via
marítima ou terrestre, onde fermentava nas lojas292. Era aí que se iniciava o proces-
so de vinificação. Após a fermentação era sujeito às trasfegas e trato em canteiro ou Borracheiro.
Foto José Pereira da Costa
estufa.
Os borrachos ou odres assumiram um papel importante na circulação interna do
mosto. A tradição do odre para o transporte de líquidos está documentada no como nas vizinhas Canárias. A população indígena do arquipélago, donde os
mundo mediterrânico desde a Antiguidade293. Também na cultura berbere encon- madeirenses trouxeram os primeiros escravos, utilizava este tipo de vasilhame, sob
tramos o uso, donde a origem dos chamados zurrones das Canárias294. Os mesmos a designação de zurrones, para guardar o gofio e leite de cabra. No século XVI
estão testemunhados em Portugal no século XV e no século seguinte na Madeira. surgem referências avulsas a odres e sabemos da existência do ofício de odreiro295.
Está ainda por apurar a origem na Madeira, pois tanto pode estar na Península, Falta-nos informação sobre o momento em que passaram a chamar-se borrachos.
Entre nós ganharam fama e foram um dos elementos pitorescos que mais
chamou à atenção dos estrangeiros. Isabella de França296, no retrato da visita à ilha
289.G. Forster, A Voyage Round the World (...), Londres, 1777, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e
Textos, Funchal, 1993, p. 337.
entre 1853 e 1854, refere-o: A pele de cabra usava-se no tempo do vinho para o
290.J. Barrow, A Voyage to Conchinchina…, London, 1806, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e transportar até às pipas, frequentemente a algumas milhas de distância, quando a
Textos, Funchal, 1993, p. 337
291. J. Reis Gomes, ibidem, p. 11. Já em 1793 John Barrow de passagem pela Madeira refere os odres feitos com pele de cabra estas não era fácil trazê-las do local da vindima. A pele é voltada do avesso, cortam-
para transporte do vinho, vide A. A. Sarmento, Ensaios Históricos da Minha Terra, Funchal, vol. III, pp. 131/3; J. Barrow, A
Voyage to Conchinchina…, London, 1806, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, lhe a cabeça e os pés e as aberturas assim formadas ligam-nas com cordel. Ao dis-
1993, p. 337
292.Temos três fontes que comprovam de modo directo o que vimos afirmando e explicitam as razões de tal procedimento. A
tender-se, dá a impressão de estranho animal acéfalo. E que espectáculo singular o
primeira é-nos dada num documento de 1777 [ANTT, PJRFF, nº 994, pp. 8/11.], em que se salienta que na ilha não se pro- de uma fila de homens a descer pelos montes com essas peles cheias aos ombros.
cede de modo idêntico como no reino: não se praticäo as colheitas como no reino que vão passando dos lagares a encubar
nas adegas, mas como as terras estão aqui divididas em porções módicas de colonos, estes pisando suas módicas porções Os odres cheios de vinho eram transportados até ao porto mais próximo de
que logo imediatamente conduzem a meia parte respectiva ao senhorio para a cidade, nem dão lugar a tirar guias, o que
é impraticável por ser a condução em barris de dois almudes, ou odres sobre ombros de homens, porque a escabrosidade
embarque ou ao Funchal aos ombros dos homens ou no dorso das mulas297. Os gru-
dos caminhos faz impraticáveis outras conduções [Idem, ibidem, p. 9.]. A segunda surge-nos de modo idêntico em docu- pos intermináveis de borracheiros faziam parte do espectáculo das vindimas. A ne-
mento de 1779 [ANTT, PJRFF, nº 995, pp. 25/41]: ... os moradores são avulsos por não haver na ilha povoações, ou lugares,
nem os colonos encubäo os vinhos em suas adegas, porque não tem, e cada um em sua casa em lagariças de pau faz o nhum estrangeiro passava desapercebido tal burburinho: No momento da nossa visi-
vinho que daí se transporta por homens rústicos muitas légoas para as dos senhorios pela escalosidade dos caminhos, tais
que nem cavalgaduras o podem transportar, quanto mais vasos ou pipas. [Idem, ibidem, p. 37.]. A terceira é dada noutro
documento de 1789 [ANTT, PJRFF, nº 995, pp. 53/4.]. ... no campo não se achäo adegas suficientes para o vinho, porque
a parte dos senhorios habitantes nesta cidade, todo é transportado para esta e a maior parte do vinho dos caseiros, é ven- 295.Bernardete Barros, A Festa Processional, “Corpus Christi”, no Funchal (séculos XV a XIX), in Actas do I Colóquio
dido à bida a infinitos habitantes também desta cidade para onde igualmente transportäo[ Idem, ibidem.]. Internacional de História da Madeira. 1985, Funchal, 1989, vol. I, p.348
293.Robert Flacelière, A Vida Quotidiana dos Gregos no Século de Péricles, Lisboa, sd., p.190: O vinho destinado ao consumo 296.Jornal de uma Visita à Madeira e a Portugal. 1853-1854, Funchal, 1970, p.112-113
local era metido em odres de pele de cabra ou de porco… 297.O mosto fermenta em barris. Quando vendido aos comerciantes de vinho, é transportado para as suas adegas em
294.Luis Diego Cuscoy, Los Guanches, Santa Cruz de Tenerife, 1968; Vários, Aproximación a la Descripción de la Carta pequenos barris ou odres de pele de cabra amarrados no dorso das mulas. [J.L.Thudichum e A. Dupré, A treatise on the
Arqueológica de Fuerteventura, in I Jornadas de História de Fuerteventura y Lanzarote, vol. II, Puerto del rosario, 1987, origin, nature and varieties of wine, Londres, 1872, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos,
p.129. Funchal, 1993, pp. 389]
156 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 157

ta [à casa Krohn Brothers & Co.], encontrámos um grupo de borracheiros enchar-


cados de suor, entregando odres com mosto, que tinham trazido das montanhas
nessa manhã. Ao serem despejados nas pipas, um empregado do armazém volta e
meia media os conteúdos de um certo número deles escolhidos ao acaso e verifica-
va a quantidade de sacarina através de um sacarómetro, para se certificar de que cada
odre continha todo o seu barril, correspondente a cerca de nove ou dez galões, e de
que o mosto não fora falsificado «en route». O preço do mosto oscila entre 18s. e
21s. por barril - sendo doze barris equivalentes a uma pipa. Os borracheiros mais
robustos fazem, durante o auge da vindima, duas ou mesmo três viagens das mon-
tanhas para a cidade e de regresso às montanhas, durante um dia298.
O espectáculo dos borracheiros é hoje um dado do passado e só ficou a célebre
canção dos borracheiros e alguns borrachos como ornamento de lagares perdidos.
Hoje a realidade é distinta. A partir da década de quarenta o automóvel ocupou o
lugar do homem no transporte do vinho ao Funchal. Às filas intermináveis de bor-
racheiros sucedeu o desusado movimento de furgonetas com pipas em pé a trans-
bordar de mosto. Mudou também o processo. As casas exportadoras passaram nos
últimos anos a adquirir as uvas directamente aos viticultores, através de uma rede de
agentes em toda a ilha. A vindima resume-se quase só ao rotineiro gesto do apanhar
das uvas. Esta nova forma de intervenção das empresas permite controlar todo o
processo de vinificação, adequando-o às actuais exigências do mercado e às
recomendações legislativas.
Vindima. Pintura de Max Romer.
Muitas das terras de vinhas eram de colonia, residindo o senhor no Funchal. Sala de Provas da Madeira Wine Company
Aqui destaca-se os conventos, importantes senhorios em toda a ilha. Em 1667 o
Convento de Santa Clara apresentava-se com cinco adegas, com 154 tonéis, para
recolha do quinhão de vinho: Santo António, Câmara de Lobos, Estreito de Câmara
de Lobos, Campanário e Ribeira Brava. Apenas neste ano o convento vendeu para
fora 165 pipas de vinho.
As adegas madeirenses, não eram edifícios preparados de raiz, pois qualquer
cave, desde que ampla e escura, servia para guardar e envelhecer os vinhos299. Junto A vindima é uma época de grande excitação em toda a ilha. Os homens e mulheres
estavam as estufas e a oficina de tanoaria. Foram os ingleses quem no século XIX que apanham as uvas formam uma alegre multidão que rasteja por baixo das latadas e,
tentou alterar a situação definindo uma arquitectura e estruturas adequadas à função entre muita conversa e brincadeira colhem os cachos que são em seguida colocados em
pequenos cestos. Quando cheio, o conteúdo destes cestos é cuidadosamente deitado
das instalações300. A maior evidência de mudança pode ser encontrada nas insta- num grande e forte cesto de salgueiro, o “cesto de vindima”, redondo, com uma boca
lações da firma Cossart Gordon, de que apenas dispomos descrições, gravuras e que abre como a duma trompeta, neste, as uvas são levadas para o lagar. Ele suporta
fotografias. cerca de cem pesos de uvas, as quais devem produzir um barril de sumo. Quando
chegam ao recinto onde a operação de esmagar tem lugar, os cestos são esvaziados
para dentro de uma rude tina de madeira chamada “lagar”.

J. Jonhson, Madeira its Climate and Scenery (...), Londres, 1885, pp.81-91 in Alberto Vieira, História do
Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, p.409

298.Henry Vizetelly, Facts about Port and Madeira (...), Londres, 1880, pp.149-202, in Alberto Vieira, História do Vinho da
Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, pp. 392-393
299.Ruppert Croft-Cook, ibidem, pp. 159/166.
300.Confronte-se o texto de H. Vizetelly in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira, Funchal, 1983, pp.375-399.
158 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 159

Vindima.
Gravura de A. Vizetelly. 1880

Década de sessenta do Vindima.


século XX Vindima. Museu de Photographia Vicentes.
Fotografia Perestrellos.
Museu de Photographia
Vicentes.

Azáfama das vindimas


Os colonos ao passo que as uvas
amaduravam, dirigiam-se ao senhorio ou
feitor a pedir licença para fazerem a co-
lheita, a apalavrarem o dia de emprésti-
mo dos lagares. (...) por toda a parte, em
montados, Fajãs, cabeços, fraldas da
Transporte uvas ao lagar. Transporte de uvas ao lagar.
montanha, um agitar de braços fazia Colecção Perestrellos. Grvura de a. Vizetelly.1880
estremecer as folhas das vinhas. Velhos Museu de Photographia Vicentes
e gente nova, munidos de facas e nava-
lhas, cortavam os cachos que lançavam
para dentro dos cestos pequenos, os
quais por sua vez, se despejavam em
barreleiros, que se enchiam, até que as
uvas, acamadas umas sobre as outras Por Regimento de 12 de Agosto de 1785 foi regulamentado o processo das vindimas
para cima da roda da beira se na ilha, de modo a evitar os abusos praticados pelos colonos, que não esperam que as
acogulavam. (...) trabalhadores a car- suas uvas estejam perfeitamente sazonadas para as vindimarem; nem no tempo da vin-
regarem os barreleiros às costas a ca- dima fazem a precisa escolha que se requer para que não se misture o verde com o
minho do lagar... maduro....
Cestos Vindimo. No mesmo regimento se estipulava a data certa para a vindima em cada locali-
Foto de José Pereira H. B. de Gouveia, A Canga, Coimbra. pp. dade, ficando o cumprimento desta regulamentação a cargo de um inspector coadjuva-
da Costa. 116/117
do por inspectores locais.

ARM, GC, N.º 70, fols. 29Vº/32


160 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 161

Lagar.Postal pintado.
Barrault Photographie

Evolução do lagar
Lagar. Pintura de Max Romer. Sala de Pisam os homens as uvas nos lagares, de calça arregaçada até ao joelho, músculos
provas da Madeira Wine Company. estriados e faces congestionadas. E há 44 lagares em actividade, construídos de cimen-
to, assim como as tinas. Os de madeira de til com tinas feitas de ripas arcaizaram-se e
aproveitaram-se as tábuas. O cimento conferiu aos lagares uma eternidade que a
madeira não podia dar. E, de feito, a substituição desta por aquele trouxe vantagens ao
O lagar madeirense lavrador. Pois os lagares de madeira, todos os anos, por altura das colheitas, tinham de
ser calafetados. Através das juntas das tábuas, com o batuque das repisas e no ardor
ainda maior de tirar do bagaço a água-pé, as pranchas davam de si e o mosto começa-
A espremadura das uvas faz-se a pé calcante, a dentro dum reservatório que antiga- va de pingar. As tinas apertadas por arcos de ferro também se desconjuntavam. Deixou,
mente era um simples tronco escavado, em geral de dragoeiro, que constituía o velho portanto, de haver a preocupação do conserto, semanas antes das vindimas, além de
lagar de coxo. que era outra a durabilidade.
Fez-se depois de tábuas justas, calafetadas em caixa aberta com biqueira na base, Introduziu-se, há muitos anos, a prensa no lagar, mas, no norte da ilha não vingou o
sobre um suporte de traves, encimando-o a vara do lagar, grossa viga articulada num moderno aperfeiçoamento da técnica no espremer das uvas. Mais dispendioso, menos
extremo e apoiada no outro por uma porca, onde vem morder um alto parafuso de
pratico e de resultados não superiores ao processo primitivo. Pelo que o sistema da vara
madeira, ligado a um pesado bloco de pedra. Esta suspende, ao elevar-se o parafuso de
corpulenta de pinho ou de castanho e o fuso de pau branco, das nossas serras, conti-
pau branco, transfurando a vara, e actua como reforço, premindo de alavanca inter-
nua mantendo o costume, posto que absoleto, dos avoengos. A mesma corda grossa a
resistente sobre o bagaço, depois deste ter sofrido o primeiro piso, a pé nu lavado.
Há pequenos lagares mais simples, sem parafuso, e então o reforço do peso é feito enrolar o monte dos engaços, se bem que o chincho a vá substituindo, as mesmas
num prato, como os de balança decimal, onde sucessivamente se vão colocando peças de madeira, o tampão e os dormentes, sobrepostos aquele e até tocarem a parte
pedras, aumentando a potência de espremeção, sobre o “frascal”, em forma de pão de inferior da vara, a mesma pedra redonda, volumosa e pesada, com um buraco ao de
açúcar, formado pelos engaços e folhelho, apertado espiralmente por uma resistente cima, onde sai um ferro que se encaixa na base do fuso e se prende a ele.
corda fabricada de esparto ou raízes de era.
Horácio Bento de Gouveia, Canhenhos da ilha, Funchal, S/D, pp. 124/5

A. Sarmento, Notícia Histórico-militar sobre a Ilha do Porto Santo, Funchal, 1933, pp. 94/95
162 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 163

Armazéns de Messr. Krohn


Como em todos os vinhedos da Madeira, a sua área limi-
tada, compreendendo apenas quatro acres, estando rodeado
de muralhas por todos os lados. Elevações abruptas apre-
sentando poios cultivados e com abetos coroando os seus
cumes, rodeiam o vinhedo de ambos os lados. A maioria das
vinhas, que são principalmente da qualidade verdelho, com
uma quantidade insignificante de tinta, ou uva negra, são
colocadas sobre uma baixa latada horizontal, a uma altura de
cerca de quatro pés do chão, quase uma cópia do sistema de
colocar as uvas que prevalece em certos distritos vinícolas
da Alemanha chamado «Kammerbau». As restantes vinhas
são colocadas mais altas em relação ao solo naquilo que é
chamado corredor, oferecendo as latadas colocadas por
cima uma agradável sombra para os calores do Verão. Estas
latadas são construídas em cana ou madeira de pinheiro,
com estacas de castanheiro a servirem de suportes.
Aqui, os trabalhadores que colhem as uvas são todos
homens, com barba preta, descalços, e com roupas esfar-
rapadas, com a sua pele quase tão castanha quanto os seus
calções cor de mogno. Eles apanham as uvas e atiram-nas
para dentro de redondos cestos abertos com pegas,
esvaziando-os depois num cesto maior, semelhante na forma
e conhecido como o «cesto da vindima». Este último cesto
tem capacidade para mais de um quintal de uvas, mais ou
menos o suficiente para produzir um barril de mosto, o mesmo
que um pouco mais de nove galões imperiais. A casa do lagar
Lagar.
Pintura de Max Romer. ficava no centro do vinhedo, e o próprio lagar era formado por
Sala de provas da Madeira Wine Company. uma enorme tina de madeira, semelhante ao usado na região
do Xerez. No entanto, em vez de um parafuso de metal ele- Lagar. Gravura de W. S.
vando-se no centro do lagar, uma enorme trave de madeira, Aqui, as vinhas plantadas em canteiros elevados que formam um rego entre as dife- Pitt Spingett.1843.
como aquelas usadas nas proximidades de Lisboa e no Alto rentes filas , são colocadas ao longo de arames horizontais, sustentados por postes Colecção da Casa Museu
inclinados, que se juntam na parte superior, formando um V invertido.… Embora o vinhe- Frederico de Freitas
Douro, está pendurada no meio do lagar e ajuda na extracção
do sumo das cascas de uvas amontoadas, depois destas do possua menos de treze acres, as uvas são colhidas em não menos de oito alturas
terem sido bem pisadas por vários pés acastanhados. No diferentes, sendo apenas apanhados em cada momento os cachos completamente
entanto, antes dos pisadores entrarem no lagar, o próprio maduros. Por este motivo, a vindima que começou a 24 de Agosto, durará um período
peso das uvas produz um fluxo contínuo de sumo que corre de três semanas completas. Quem colhia as uvas eram mulheres descalças, com vesti-
para a tina contígua - um regato que se torna uma torrente dos leves e casacos brancos de linho, com lenços vermelhos e amarelos amarrados à
quando se começa a pisar. Os homens, dispersos pelo lagar, cabeça. ...
começam com um movimento lento e regular, depois esticam A casa do lagar é uma construção baixa de pedra com um alto telhado, iluminada por
os braços e agarram-se na enorme trave interveniente, apro- algumas pequenas janelas, e à sombra dos grandes ramos de um óptimo espécime da
ximando-se e afastando-se rapidamente um do outro, dando, eriobotrya japonica. Possui vários lagares, sendo o maior deles capazes de espremer
ocasionalmente, meia volta uma vez para a esquerda, uma quatro ou cinco pipas de mosto ao mesmo tempo. Encontrámos seis homens a trabalhar
vez para a direita, abrandando, depois, os seus movimentos lá, três em cada lado de uma espécie de trave divisória ou vara. O primeiro sumo que
agitados para um tipo de dança lenta e monótona. saiu foi deitado num balseiro ou pequena tina, contendo cerca de oitenta galões, e que
possui uma torneira na parte mais baixa, para permitir que o sumo saia depois dos
VIZETELLY, Henry, Facts About Port and Madeira, With Notices of restos de enxofre que ficaram nas uvas se terem depositado na parte mais baixa. Os
Wines Vintaged Around Lisbon and the Wines of Tenerife, London, 1880. pisadores fizeram várias vezes o mesmo movimento que já descrevemos, e quando o
164 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 165

Latada em Madeira.
Vicentes Photógraphos.
Museu Photographia Vicentes

sumo já não saia do lagar através da abertura que ficou tapada com as uvas esma-
gadas, estas foram empilhadas no centro ou aos lados, pressionadas e levemente
espremidas com as mãos, e o sumo, conforme ia escorrendo, era coado, passando por
um cesto pendurado na bica ou tubo do lagar. Este empilhamento foi repetido três vezes,
conhecidas como a primeira, segunda e terceira abertura, e depois passou-se a outra
operação - a massa é reunida de modo compacto num monte central, ficando pronta
para receber a corda, que foi cuidadosamente enrolada à sua volta, com espaços pelo
meio, pelos quais o sumo podia passar. Um forte disco de madeira, reforçado com
pedaços cruzados, foi colocado na parte de cima, e sobre este foram colocadas, trans-
versalmente, várias pequenas barras quadradas de metal, e uma forte tábua por cima
de tudo. A pressão é exercida sobre este monte através do parafuso perpendicular numa
das duas extremidades, que se apoia numa enorme pedra a alguns pés do lagar. O
sumo espremido deste modo chama-se vinho da corda. Depois de uma ou duas horas
nesta operação, a massa sólida é quebrada com as mão ou, se necessário, com enx-
adas, e depois começa a repisa, um vigoroso movimento de dança ou saltos executado
sobre as cascas de uvas aparentemente secas. Faz-se isto para esmagar, de maneira
eficaz, aquelas uvas que estão já em passas e que se tornaram mais moles por terem
ficado de molho no sumo produzido. A repisa dura cerca de meia hora, e os homens ale-
gram o seu trabalho com uma variedade de piadas, partidas ou outras. Por vezes, dois
deles de um lado da trave subitamente agarram um camarada e atiram-no por cima da
trave para o outro lado, onde os homens o receberão com os braços abertos, mas só
para o atirar de volta outra vez por cima da trave, entre o riso de todos. As cascas das
uvas são novamente empilhadas; depois deita-se água por cima delas, e são bem
revolvidas e espremidas pela última vez, produzindo a água-pé que se dá aos trabal-
hadores para beberem.

VIZETELLY, Henry, Facts About Port and Madeira, With Notices of Wines Vintaged
Around Lisbon and the Wines of Tenerife, London, 1880.
Festa das Vindimas. Estreito de Câmara de Lobos, 2002
166 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 167

Latada no E. de Câmara de
A PRODUÇÃO DE VINHO
P Para que a análise do quadro da produção de vinho no arquipéla-
go seja completa devemos ter em conta a evolução quantitativa, de
acordo com as áreas produtivas e o tipo de uva, com também a carac-
terização do sistema de exploração da terra, que teve na ilha uma
forma peculiar de expressão, com o contrato de colónia. No que con-
cerne aos valores de produção a informação é escassa e, por vezes,
contraditória. Daqui que resulta que o o completo esclarecimento só
é possível se tivermos em conta os níveis de produtividade da ilha, o
estado e a forma de cultivo da vinha.
Segundo T. Bowdich301 um acre de terra de vinha podia produzir
quatro pipas, mas a média era de apenas uma pipa. Insiste-se na ideia
de que a produtividade é fraca: A produtividade das vinhas não é, em
geral, muito grande na Madeira. Ainda que nalgumas das balseiras da
região do norte, como por exemplo sucedeu em 1850 no sítio
denominado Fajã do Penedo, duas cepas possam produzir até
catorze barris de vinho, é contudo certo, que no sul a produção é de
duas a seis pipas, ao mais, por hectare, ou de oito almudes por mil
bacelos, o que é uma produção muito pouco considerável302. A pro-
dução para E. Harcourt estava de acordo com as condições do solo:
Um alqueire de terreno, quando se trata de solo da melhor quali-
dade e bem cultivado, produzirá, num ano médio, entre doze e
quinze barris de vinho, dos quais doze vão para a pipa. Se o solo é
de qualidade média e bem cultivado, produzirá entre oito e dez bar-
ris. Terreno de qualidade média ou boa com maus cultivadores não
produzirá mais do que um ou dois barris.303

301.Excursions in Madeira, London, 1825, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993,
Lobos. Colecção p.346 e corroborado por Alfred Lyall, Rambles in Madeira, London, 1827, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira.
Perestrellos. Museu de Documentos e Textos, Funchal, 1993, p. 349; F. W. Taylor, The Flag Ship, NY, 1840, in Alberto Vieira, História do Vinho da
Photografia Vicentes. Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, p. 357.
302.João Andrade Corvo, Memoria I.Memoria sobre a “Mangra” ou Doença das vinhas da Madeira e Porto Santo. Apresentada
à Academia na Sessão de 3 de Fevereiro de 1854, (Lisboa), (1954); “A Mangra ou Doença das vinhas”, in Das Artes e da
História da Madeira, vols. IV-V, nºs.24-29, 1956-1959. in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos,
Funchal, 1993, p.288.
303.Edward V. Harcourt, A Sketch of Madeira…, London, 1851, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e
Textos, Funchal, 1993, pp. 362-363
168 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 169

abrangendo a vertente de Machico ao Porto Moniz representava mais de metade da


produção. No Norte as maiores áreas vitícolas, situam-se em S. Vicente, Ponta
Delgada, Porto da Cruz, que até a actualidade se afirmaram como as principais
áreas. A situação tornou-se mais clara a partir de 1821 com o surto dos alambiques
e as crises provocadas pelas doenças em 1852 e 1872. No Sul, as áreas de maior pro-
dução estavam em Santo António, Câmara de Lobos e Estreito, Ponta do Sol, S.
Roque, onde se encontrava também o melhor vinho da ilha para embarque.
De acordo com o mapa da produção, elaborado por Casado Giraldes305, eviden-
cia-se, mais uma vez, o predomínio da capitania do Norte, sobressaindo Ponta Del-
gada, Faial, Porto da Cruz, S. Jorge, S. Vicente e Santana, enquanto no Sul temos
Santo António e Estreito de Câmara de Lobos. A relação entre os valores do vinho
de inferior qualidade e os de superior qualidade de castas europeias era de 3 para
1. A situação é idêntica entre a produção e a exportação o que pode ser encarado
como um forte indicio de que os vinhos do Sul eram reservados para embarque,
enquanto os do Norte ficavam para consumo interno e destilação. A receita do
Subsídio Literário dá conta da mesma diferença, numa relação de 324 para 17,
destacando-se, mais uma vez Câmara de Lobos, Santo António, S. Martinho, no sul
e S. Vicente, Faial, Porto da Cruz, Ponta Delgada, Machico, no norte. Segundo uma
média de produção estabelecida entre 1830/1840 por P. P. da Câmara306 confirma-
se o predomínio do Norte, desde o Faial, Porto da Cruz, S. Jorge, Ponta Delgada,
Santana, e no Sul de Santo António, Câmara de Lobos e Estreito.

PRODUÇÃO DE MOSTO POR CONCELHO 1787-1887(EM HECTOLITROS)


Localidade 1787 1813 1837 1851 1852 1986
Calheta 6773 5295 4106 4573 1063 833
Câmara de Lobos 6838 8850 11960 8208 1455 53891
Funchal 14231 14225 10217 11470 1363 9068
Machico 9348 15580 10882 3017 247 678
Ponta de Sol 7006 4380 5941 4530 348 7225
Borracheiros. Porto Santo 916 1650 2270 2412
Museu Áreas de produção Santana 11214 28760 25576 23341 931 19092
de Photographia Vicentes
Santa Cruz 2528 3695 23925 1493 200 1030
A ilha apresenta duas áreas vitivinícolas perfeitamente demnarcadas. Na vertente São Vicente 19879 30520 26766 19486 4283 38911
Sul, dominada na quase totalidade pelo espaço da primitiva capitania do Funchal, TOTAL 78733 111305 119373 76121 9894 137818
encontramos o melhor vinho, enquanto na vertente Norte, área quase exclusiva da
Obs.: os municípios de Câmara de Lobos e Santana só surgiram após a reforma de Mouzinho da Silveira. A conversão
capitania de Machico, produzia-se em maior quantidade mas de pior qualidade. Este dos barris foi feita pelo valor médio de 50 litros
vinho raramente saia da ilha, sendo usado para consumo interno e fabrico de Fonte: AHU, Madeira e Porto Santo, nº.977, José Pedro Casado Giraldes, Estatística Histórico Geográfica das Ilhas da
Madeira e Porto Santo…, Paris, sd.; Alberto Vieira, História do vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993,
aguardente. pp.295
Já atrás aludimos às áreas vitícolas de acordo com a qualidade e castas e a demar-
cação de 1795, aqui apenas daremos conta da importância e peso no volume de pro-
dução304. Pelos dados de 1787 constata-se que a capitania de Machico, ou do Norte,
305.Estatística Histórico Geográfica da Madeira e Porto Santo, Paris, s/d.
304.AHU, Madeira e Porto Santo, nº 977. 306.Op. cit., pp. 78/81
170 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 171

PRODUÇÃO DE VINHO em hectolitros o ano foi mau sendo a colheita inferior a metade do ano anterior. Apenas a partir
Localidade 1986 1996 1997 1998 1999 de finais da centúria temos informações claras. Assim, enquanto Hans Sloane refere
Calheta 833 770 760 608 1404 em 1687 que a maior parte da ilha estava coberta de vinhedos, em 1689, John
Câmara de Lobos 53891 33827 29414 25602 31483 Ovington torna a situação mais clara, dando-nos os primeiros valores de produção,
Funchal 9068 3194 889 552 1499
que se cifravam em 20.000 pipas312, situação que se repete em 1698313. O vinho era
Machico 678 404 323 102 451
Ponta de Sol 7225 475 205 158 728 o principal produto da ilha, pelo que as colinas e vales estavam abafados de vinha.
Porto Moniz 9293 4231 2947 1715 3764 A vinha ganhou importância no último quartel do século. As vindimas de 1697 e
Porto Santo 2412 507 1187 477 367 1698 foram reduzidas, melhorando no ano imediato, como corrobora William
Ribeira Brava 4664 1449 1103 910 1508 Bolton314.
Santana 15092 7760 5448 2784 6367
Santa Cruz 1030 17 60 645 205
São Vicente 29618 20007 16308 11933 18237
TOTAL 137818 72646 58650 44910 66020

Movimento da produção
Não dispomos de dados completos que permitam acompanhar a produção

P
desde o século XV. A informação apenas se torna frequente a partir do século XIX.
Mesmo assim os dados disponíveis, ainda que avulsos, dão-nos uma ideia do proces-
so evolutivo da produção e da importância que a vinha assumiu na economia agrí- PRODUÇÃO DE VINHO NO SÉCULO XVII. Cálculo estimado315
cola do arquipélago. Em 1455 Cadamosto realçava a elevada produção de vinho,
pois que satisfeitas as necessidades dos residentes se exportam muitos deles.307 A Borracheiros. Foto José Pereira da Costa Com dados disponíveis elaboramos o
ideia mantém-se no século XVI, referindo Giulio Landi, cerca de 1530, que se mapa da produção que contempla os momentos mais significativos da História do
exportava vinho, por lá haver em grande abundância.308 Passados trinta e sete anos, vinho no arquipélago316. A evolução da cultura da vinha adequa-se às exigências do
outro italiano, Pompeo Arditi, refere que toda a ilha produz grande quantidade de mercado e à influência da comunidade britânica na ilha que definiu um destino priv-
vinho.309 ilegiado para o vinho. A partir de meados do século XVII a produção entrou em
Gaspar Frutuoso310 apresenta, para finais do século XVI, o panorama das áreas curva ascendente só parando na década de vinte do século XIX. O golpe mortal foi
de produção do vinho da ilha, referindo 1180 pipas. O Funchal era o principal cen- dado na segunda metade da centúria tendo origem nas diversas doenças que asso-
tro produtor onde se encontravam vinhas de muitos vidonhos e de boas malvasias. laram a vinha. Em 1852 tivemos o oídio e desde 1872 a filoxera. O oídio deverá ter
Aos vinhos de boa qualidade juntavam-se os das Ribeiras do Porto do Seixo, de chegado à ilha em Fevereiro de 1851 em castas trazidas de França. E rapidamente
Santa Cruz e Socorridos, dos lugares de Gaula, Caniço e Câmara de Lobos. A área alastrou a doença a toda a ilha, atingindo de modo especial o Funchal e Machico.
de produção de vinhos de inferior qualidade compreendia as localidades da Ribeira As soluções tardaram e, por isso mesmo, os efeitos fizeram-se sentir de forma pro-
Brava, Ponta do Sol, Canhas, Calheta, Jardim do Mar, Machico, S. Jorge, Ponta longada na produção.
Delgada, S. Vicente e Seixal. Em meados do século XVII a tendência era para a subida em ritmo galopante
Para o século XVII escasseiam dados sobre a produção. Em 1625311 sabe-se que de modo que, num intervalo de 26 anos (1650/76), quintuplicou a produção, man-
307.António Aragão, A Madeira Vista por Estrangeiros, Funchal, 1981, p.37. De acordo com o dinheiro da imposição sabe-se
que no Funchal se consumiram em 1488 cerca de 439 pipas de vinho [J. M. Azevedo e Silva, A Madeira e a Construção do 312.António Aragão, A Madeira Vista por Estrangeiros, Funchal, 1981, pp.158, 197-198
Mundo Atlântico, Funchal, 1995, vol. I, p.265.]. 313.Cabral do Nascimento, Documentos para a História das Capitanias da Madeira, Funchal, 1930
308.António Aragão, A Madeira Vista por Estrangeiros, Funchal, 1981, p.83 314.António Aragão, A Madeira Vista por Estrangeiros, Funchal, 1981, pp.341, 351, 366
309.António Aragão, A Madeira Vista por Estrangeiros, Funchal, 1981, p.130 315.J. M. Azevedo e Silva, A Madeira e a Construção do Mundo Atlântico, Funchal, 1995, vol. I, p.269
310.Livro Segundo das Saudades da Terra, Ponta Delgada, 1979, caps. XV, XVI e XVII. 316.Elementos colhidos em quase toda a bibliografia consultada, sendo de destacar Eduardo Grande e a informação apresen-
311.ARM, CMF, nº.1323, fl.66, 25 de Outubro de 1625. tada por D. João da Câmara Leme, Os Vinhos da Madeira e o seu Descrédito pelas Estufas..., pp. 30/31.
172 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 173

Borracheiros. Borracheiros.
Estreito de Câmara de Lobos.
tendo-se o último quartel do século com valores médios de 20.000 pipas. Se nos 40.000 pipas e dão uma média de 20.000. Até 1852, altura da crise da produção do Postal Antigo.
Foto de José Pereira da Costa primeiros anos do século XVIII os dados oscilaram pouco, desde 1730 é evidente vinho, a Madeira nunca conseguiu estabilizar o mercado exportador, ainda que
a descida, mas é em 1756 que se atinge o valor mais elevado até então, isto é, 35.000 entre 1833/1846 se tivesse dado um curto incentivo, a quebra é acentuada. Se ao
pipas. longo do século XVIII e inícios do XIX a crise se apresentava como de sub con-
Desde 1776 entrou-se numa fase descendente, atingindo-se em 1780 valores infe- sumo, tendo como ponto de partida as mudanças temporárias do mercado de des-
riores (856 pipas), seguindo-se um momento ascendente em 1781/1782, com um tino em pleno século XIX a crise dominou a produção resultando de vários facto-
período de estabilidade até 1796, altura em que a subida foi vertiginosa até 1801. De res e, não unicamente dos patológico-botânicos. Entre 1814/1816 foi evidente a crise
acordo com os dados de 1787 o arquipélago produziu 22.053 pipas de vinho maiori- na produção, pautada pela estagnação do vinho no mercado local em razão da aber-
tariamente na Madeira, uma vez que no Porto Santo tivemos apenas 179 pipas. O tura de outros portos exportadores do vinho de França e Espanha.
restante valor era da capitania de Machico com 68%. O concelho de São Vicente O período que decorre de 1801/1825 foi marcado por altos e baixos, como
era o principal produtor com 3.898 pipas, seguido do Porto da Cruz com 1245. No sucede em 1806, 1810, 1820. O facto revela o incentivo dado à cultura em razão da
Sul o maior volume e qualidade estava no Funchal e freguesias limítrofes, donde saia solicitação que o vinho tinha no mercado mundial e ao elevado preço que alcançou
o chamado vinho de exportação. A afirmação da viticultura na vertente Norte acen- entre 1780 a 1810318. A quebra momentânea da procura com a Paz Geral fez-se sen-
tuou-se na primeira metade do século XIX, mercê da incessante solicitação de vi- tir, conduzindo, à crise de sub consumo em 1820/1821, com reflexos na produção
nhos para exportação e da destilação nos alambiques. Além disso as medidas fruto do abandono das vinhas.
proibitivas de entrada de aguardentes de França foram favoráveis à alambicação dos O período de 1816/1820 foi marcado por uma ligeira quebra, a que se seguiram
vinhos do Norte, cujas guardentes passaram a fortificar os do Sul. anos fartos entre 1821/1827. Isto demonstra que os reflexos da crise nas exportações
Os dados reunidos dão conta que a produção entre finais do século XVIII e iní- só se fizeram sentir a partir de 1837. Embora, entre 1831 e 1851 se note uma recu-
cios do XIX, o período de apogeu, oscilava entre as 50.000 pipas e as 20.000, com peração, atingindo-se valores elevados em 1836, o certo é que a produção estava
uma média de 30.000317. Acontece que os números disponíveis não ultrapassam as
318.O texto anónimo de um autor francês testemunha o surto da viticultura: On planta des ceps sans interruption de la mer a
la montagne et toute la main d’oeuvre disponible fut y employé. La vigne prenait avec une facilité incroyable; même dans le
Nord elle s’enroulait autor des cataigners. L’ile entiére se transforma en une vaste vignoble. [Rupert Croft-Cooke, Madeira,
317.ARM, RGCMF, t. 14, fols. 78-81, 126-130vº; t. 15, fols. 100vº-104. London, 1961, p.81]
174 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 175

condenada, ficando comprometida desde 1852 com o oídio. Entre 1852/1859 tive- de Ciências de Lisboa, as perdas foram elevadas sendo contabilizadas em
mos os valores mais baixos de produção, que oscilaram entre 30 (em 1855) e 1.872 1.137.990$00 réis, fruto de uma quebra de 132.454,7 barris de vinho
pipas (em 1858). As décadas de 60 e 70 foram favoráveis à produção, denotando-se A busca desesperada de soluções para debelar a crise levou os agricultores a
a recuperação rápida após os anos de doença. Além disso os efeitos da filoxera socorrerem-se dos bacelos de Izabella, resistentes ao oídio, que começaram a chegar
(1872) só se fizeram sentir de forma clara em 1876/1877. O vinho estava condenado à ilha em 1865. Só que eram portadores de uma larva, a filoxera vastatrix, que ata-
e perdia-se na memória dos tempos os anos de abundância e riqueza. cou as raizes das videiras europeias fazendo-as definhar.
Em 1837 a crise de produção é reflexo da estagnação das três colheitas Não foi fácil a recuperação da cultura. O desânimo do madeirense, o abandono
de algumas casas inglesas, a conturbada situação das colónias inglesas, principal des-
(1818/1820). A situação conduziu ao abandono de muitos vinhedos e à fuga da popu-
tino do vinho, fizeram retardar o processo de restabelecimento da cultura. Em 1883
lação do campo para a cidade ou a emigração para as colónias inglesas. A crise acen-
apenas 353 ha dos 2500 que a vinha ocupava quando foi atacada pela filoxera
tuou-se a partir de 1848, caminhando a passos largos até 1851/1852 para um momen- estavam plantados. As estatísticas referem que mais de 80% das vinhas foram
to de forte quebra. Deste modo será errado atribuir ao oídio a origem e princípio da destruídas. Os cuidados com a vinha e a forma de debelar a doença foram morosos.
crise de produção vitícola, uma vez que esta já se arrastava desde 1814 e se eviden- Apenas quatro hectares estavam a ser tratados com sulfureto e as vinhas americanas
ciou de uma forma nítida desde 1837. Mais, a crise de sub produção do vinho liga-se ficavam-se por 40ha. A conjuntura conduziu ao quase total desaparecimento das cas-
a outra de sub-consumo que, como já referimos, vinha de 1815, com expressão plena tas que deram fama ao vinho Madeira. A Malvasia só se salvou na Fajã dos Padres.
1820. A perda dos mercados das Índias Ocidentais e Orientais não foi, no imediato, O panorama da viticultura madeirense mudou passando a dominar as castas amer-
compensada com a conquista do nórdico, já invadido e dominado por outros vinhos. icanas. O quadro dos valores da produção em litros, para o quinquénio de 1935-
A quebra da produção torna-se mais nítida em 1823, 1826/1827, 1830/1831, 1939, evidencia a total dominância do jacquez com 40% do total.
1847/1848 e, como é óbvio, de modo acentuado a partir de 1852/1853. No período
de 1852/1861 fez-se sentir, concomitantemente, uma crise de sub produção e sub
consumo. A tendência de subida da produção só foi acompanhada das exportações
a partir de 1866. Esta coincidência cronológica dos factores patológicos sobre a pro-
dução vitícola torna quase impossível discernir as consequências de um e outro
fenómeno, uma vez que o efeito de ambos se exerce no mesmo sentido319.
A crise vitícola madeirense diferencia-se da que aconteceu no Douro. Na
Madeira desde o primeiro quartel do século XIX tivemos uma forte quebra no volu-
me das exportações resultante da contracção do mercado externo, que se acentuou
a partir de 1852. A retracção do consumo repercutiu-se na produção, conduzindo a
uma diminuição acentuada, fruto do abandono do campo pelo viticultor.
PRODUÇÃO DE MOSTO POR CASTAS. 1935-39320
PRODUÇÃO POR CONCELHOS-1851-1852
Castas europeias Castas americanas
LOCALIDADE 1851 1852 Concelhos Tinta Listrão Verdelho Boal Moscatel Sercial Malvasia Cunnin- Izabela Herbe- jacquez
Babosa gham mont
Funchal 2.2941,3 2.727,8 Funchal 374.628 38.850 3.121 39.854 5.676 1.359 689.124 109.046 202.974 14.785 1.040.085
Santa Cruz 2.987,3 400,8 C. de Lobos 1.792. 10 315 12.561 334 221 43.065 173 10.432 6.141 63 302.127
Machico 6.034,7 4.946,0 Porto Moniz 32 26.463 162 33 2.205 968.168
S. Vicente 49.239 365 558 1.444 140.187 823.616
C. Lobos 16.417,5 2.911,3 Santana 260 3.173 517.599 122.087
Ponta Sol 9.061,0 697,9 Calheta 179.559 120 40 785 3.976 28.723 74.162 37.943 108.065
Calheta 9.146,1 2.127,7 Ponta de Sol 113.584 100 45 3.580 290 68.541 4.679 64.693
S. Vicente 38.972,6 8.566,7 Ribeira Brava 105.136 28 732 17.955 312 1.130 4.245 57.451 1,582 31.317
Machico 7 207.131 17.765 6.062
Santana 46.683,2 1.862,2 Santa Cruz 14.624 34 28 3.518 27.439 18 28.667
Total 152.243,7 19.789 Porto Santo 5.328 106.913 125 185

Tal como informa João Andrade Corvo, no relatório feito em 1854 à Academia A incidência das castas americanas ocorre nos concelhos do Norte, com especial
destaque para S. Vicente, enquanto as europeias tinham plena afirmação no Sul.
319.M. H. Pereira, Livre Cambio e Desenvolvimento Económico em Portugal na Segunda Metade do Século XIX, Lisboa, 1971,
p. 151. 320.José Tavares, Subsídios para o Estudo da Vinha e do Vinho na Região da Madeira, pp.16-17
176 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 177

A total reconversão da área de vinha para cas-


Armazéns de tas europeias só começou verdadeiramente na
envelhecimento de Vinhos.
Madeira Wine Company década de setenta com o impulso e apoio dado
pelo Serviços de Viticultura do Governo Regional
Apenas com o Verdelho e Sercial se altera a situação em favor do Porto Moniz, a da Madeira. A reconversão das vinhas atingiu de
principal área de ambas as castas. A posição maioritária das castas americanas man- modo especial a costa Norte onde dominavam os
teve-se nas décadas de cinquenta e setenta. híbridos americanos. Tudo isto foi resultado de
directivas comunitárias que proibiram a partir de
PRODUÇÃO.1935-2002 1996 os vinhos de híbridos de produtores direc-
Castas Europeias Castas Americanas TOTAL tos. Só a partir daqui sucedeu a inversão dos val-
Hl % Hl % Hl
ores da produção de vinho em favor das castas
1935-39 40365 44,5 50367 55,5 90732
1951 18304 25,6 53328 74,4 71632 europeias321.
1952 19620 24,4 60911 75,6 80531
1953 31816 26,7 87399 73,3 119.215
1954 37474 30,4 85855 69,6 123329
1955 34887 29,7 82693 70,3 117580
1966 24134 24,3 75182 75,7 99316
1971 21340 24.6 65497 75,4 86838
1975 17887 23,7 57839 76,3 75726
1978 26921 27,9 69804 72,1 96725
1979 31453 24,9 85301 73,1 116725
1980 37702 32,8 77259 67,2 114962
1990 40258 52,2 36866 47,8 77124
1991 40934 40,9 59133 59,1 100064
1992 37799 41,0 54544 59,0 92343
1994 31082 58,8 21783 41,2 52865
1997 45546 77,7 13104 22,3 58650
1998 34587 83,2 6989 16,8 41576
1999 51028 77,3 14991 22,7 66019
Pipas.
321.João Brazão, A Reestruturação e Reconversão da Vinha na Região
Vinhos Barbeito, Ldª
Autónoma da Madeira, in Os Vinhos Licorosos e a História, Funchal,
1998, pp. 185-197.
178 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 179

e na Ásia de 10 reis em cada canada de aguardente das que fazem nas terras, debaixo
de qualquer nome que se lhe dê ou venha a dar. Estava assim criado um novo impos-
to que onerava o vinho na produção. O imposto manteve-se por largos anos até 11 de
Setembro de 1861, altura em que foi extinto na Madeira e nos Açores323.
O alvará de 1772 e instruções de 1773324 dão conta do modo a seguir na adminis-
tração do imposto, tendo em conta as fraudes e subterfúgios que habitualmente sur-
giam na arrecadação. As instruções de 1773 especificavam a forma de recolha da colec-
ta: As pipas de vinho a 315 reis cada uma e os almudes a 12 reis, as aguardentes a 248
reis e os seus almudes a 48 reis, e as de vinagre a 160 reis, e os almudes dele a 6 reis
cada hum. Estavam isentos os vinhos produzidos nas cercas, muradas de qualquer con-
vento, que diserem respeito às cláusulas deles, como também o fabrico e os casais e
fazendas, que forem enfiteutas ao cabido da colegiada de Nossa Senhora de Oliveira
de Guimarães...325.
De acordo com as instruções de 1773 e alvará de 1772 a arrecadação deveria ser feita
por meio dos juízes ou contadores. Mando que nos tempos em que os vinhos das co-
lheitas entrarem nas adegas e os do consumo ordinário nas tavernas sejam obrigados
os donos deles a manifestálos perante os respectivos juízes que farão lançar, por termos
estes manifestos nos sobreditos livros, debaixo das penas contra os primeiros do perdi-
mento dos vinhos que não manifestarem, ou os manifestarem com diminuição em pre-
juízo público, contra os segundos de suspensão dos seus lugares até minha mercê nos
casos em que acharem incursos nas negligências de não terem obrigado os donos dos
vinhos de colheitas até o fim do mês de Novembro de cada ano. E os que venderem
vinhos por meudos antes de os recolherem nas tavernas onde será perdido provando-
se que nelas sem ser manifestado, salvos somente os casos que apresentarem certidões
e guias com que provem que as imposições serão já pagas pelos primeiros vendedores.
O mesmo se observará debaixo das mesmas penas pelo que toca às aguardentes,
incumbindo sempre aos ditos respeitos. E em todos os casos os pagamentos, e os
Igreja e encargos as pessoas que fizerem as vendas em grosso os seus armazéns, ou suas ade-
Subsídio literário

L
Colégio dos Jesuítas.
Desenho de E. h. Locker. gas, como sucede nos vinhos das costas e demarcações do Alto Douro, cuja
1805. arrecadação se acha encarregada a Junta da Companhia Geral da Agricultura deles326.
A reforma pombalina dos estudos foi feita para suprir a falta provocada pela extinção Os juízes ou contadores deveriam ir às terras das comarcas e incumbir ao juiz da
da Companhia de Jesus, que detinha o controlo do ensino. Com isto acabaram-se as vara ou o juiz ordinário a diligência de tomarem aos lavradores e mais pessoas delas
colectas usadas para tal, mas em contrapartida criou-se um novo direito para financiar debaixo de juramento dos Santos Evangelhos, os manifestos dos vinhos, que cada um
o ensino oficial. D. José em 1772322 ordenou que acabassem todas as colectas que forão tiver recolhido nas adegas e casas de sua morada e isto no acto da revista, que os ditos
lançadas para por elas serem pagos mestres de leis, e escrever ou de solfa, ou de juízes devem dar ao tempo das colheitas deles. Obrigando-os outrossim a manifestarem
gramática, ou de qualquer outra instrução de meninos... mando que para a útil apli- as aguardentes e vinagres que a esse tempo tiverem nas ditas adegas e que pelo ano em
cação do mesmo ensino público em lugar das sobreditas colectas até agora lançadas e diante fabricarem...327.
a cargo dos povos se estabeleça, como estabeleço o único imposto, a saber, nestes No final do mês de Novembro de cada ano os juízes deviam ter concluída a revista
reinos e ilhas dos Açores e Madeira, de um real em cada canada de vinho, e de quatro
reis em cada canada de aguardente, de cento e sessenta reis por cada pipa de vinagre...
323.Vide “Informação Vinícola”, nº 5, 1950, pp. 1 e 3.
324.ARM, RGCMF, t. 12, fols. 9vº-12vº.
325.Idem.
322.ARM, RGCMF, t. 12, fols. 5-7vº; ANTT, PJRFF, nº 994, fols. 3-4.
326.Idem, t. 13, fols. 5-7vº.
180 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 181

às adegas e casas dos moradores do distrito de modo a enviarem uma certidão autênti- pagarem, a qual é consequência, porque estes povos não tem todo o acatamento devi-
ca extraída do livro dos ditos manifestos328. A partir das certidões o Provedor fazia o do às ordens régias e menos ideias de utilidade resultante deste subsídio. E por isso é
mapa geral que enviava à Junta da Administração e Arrecadação do Subsídio necessário todo o cuidado como em nenhuma outra terra335. Deste modo retornou o
Literário329. Foi este o modelo administrativo aplicado na ilha com a Repartição do sistema antigo, moroso e lesivo do colono ou mieiro.
Subsídio Literário330. Em 14 de Julho de 1777336 o escrivão da Junta do Subsídio Literário, Vicente Luís
O sistema de propriedade, assente no contrato de colónia, gerou dúvidas quanto à Nobre, representou ao monarca os inconvenientes da arrecadação em dinheiro e a pos-
forma do lançamento e arrecadação do imposto. Não se sabia sobre quem deveria sibilidade de passar a ser feito em género por meio de contrato. Deste modo se
recair o imposto: o senhorio, colono ou mieiro. Em 1777 o Governador desfez todas obviaram os inconvenientes devidos à inépcia dos oficiais: Agora devo participar a
as dúvidas por meio de um edital, partindo do princípio que os colonos ou mieiros Vossa Mercê que estes povos estão no miserável estado de não poderem pagar, pois
que, na verdade, são jornaleiros, que as cultivão e recebem a satisfação de seus jornais lhes falta o dinheiro, que aqui é pouco, em vinho muito bem poderião satisfazer, mas
as meunças de todos os frutos que colonizão e que os mesmos eram pobres e a acção ainda que ordem houvesse para isto, muito trabalhosa seria a arrecadação dedução e
de manifesto do vinho os obrigava a deslocações prolongadas e desgastantes, pelo que só assim por meio de arrematação, arrecadando-se a colecta ou por massa geral, ou por
decide: Ordeno, que os ditos lavradores, ou sejam proprietários das fazendas, quais são freguezias como se faz aos dízimos, porque os mesmos rendeiros dos dízimos, os ou-
os que nelas tem o domínio directo e útil, ou sejam arrendatários delas, quais são os tros administrando e recebendo a colecta em vinho era suavíssima aos lavradores e
que por certo e determinado tempo e preço tem só o domínio útil, sejam unicamente lucrosa à colecta, porque neste continente não se praticão as colheitas do reino que vão
os obrigados a manifestarem todo o vinho que produzir cada uma propriedade das passando dos lagares a encubar nas adegas, mas como as terras estão aqui divididas em
ditas fazendas, ou de sua propriedade, ou do seu arrendamento e a pagarem a porções módicas de colonos, estes pisando suas módicas porções que logo imediata-
imposição ou coleta respectiva a todo o dito vinho produzido na sua fazenda sem que mente conduzem a meia parte corespectiva ao senhorio para a cidade, nem dão lugar
sejam contemplados para o pagamento as pessoas, ou colonos a quem os ditos propri- a tirar guias, o que é impraticável por ser a condução em barris de dois almudes, ou
etários ou arrendatários façam à parte ou o todo dos ditos vinhos, ou em pagamento, odres sobre ombros de homens, porque a escabrosidade dos caminhos faz imprati-
como é aos colonos, ou em renda, como é aos mercadores que lhes comprão. Ficando cáveis outras condições. Ou deixão de pagar a colecta quem só tem 2, 3 e 4 barris o
lhes sempre o direito salvo (se entenderem que o tem) para haverem dos mesmos que farião se pagassem o vinho por almudes. E por isso é impossível fazerem os juízes
colonos, e dos mesmos mercadores a importância respectiva à coleta que pagarem dos leigos o lançamento como devem, porque não há adegas lá para onde se conduzão, ou
referidos vinhos, que pelos referido modo lhes entregarem331. Eram os proprietários ou são de mercadores, que comprão em mosto, ou de senhorios em que recebem as suas
arrendatários que pagavam os direitos do vinho e tinham poderes para deduzi-los do mais partes do rendimento, ficando a outra meia parte, que pertence ao colono no
total da colheita. Em aviso às câmaras de 12 de Julho de 1777332, em consequência do arbítrio deste quando não chega a pipa a ocultá-lo, além de que os oficiais para os lança-
edital, ordenou-se o manifesto dos vinhos. O pagamento era feito em dois quartéis, mentos são inábeis, e escusão-se com razão pelas longas e falta de possibilidade, porque
sendo o primeiro pago logo no início e o segundo a partir de 5 de Novembro333. as vilas são muito distantes e os oficiais opidâneos são inertes mas assim vão tratando
Como seria de esperar a medida não teve bom acolhimento por parte dos propri- do modo mais activo que pode ser337.
etários, que se sentiram lesados. Em 27 de Novembro de 1778334 dá-se conta que sendo Noutro documento de 1779338 insistiu-se na má arrecadação e administração dos
parcial (o edital) fez causar uma revolução nesta terra que nem a política e o cuidado juízes nas comarcas: Nem a ilha pelos juízes ordinários rudes que há nas ilhas e que só
com que a Junta fez logo anular o dito edital e influir nos povos, que em nada se altera- o seu sinal mal fazem podem dar conta de semelhante encargo, porque os chamados
ria a cobrança da sua consistência antiga, pode remover a repugnância congénita a à Contadoria Geral da Junta para aprenderem, tanto pela sua inversível ignorância,
como pela quotidiana expulsão de uns, entrada de outros, e finalmente pela longitude
das terras e um só escrivão não pode, porque nem tem que viver e menos com que
327.Idem, t. 12, fols. 9vº-12vº.
328.Idem.
transitar, porque os moradores são avulsos por não haver na ilha povoações ou lugares,
329.Para a escrituração existiam vários livros de contabilidade - um borrador, um livro-diário, um livro do mestre, 4 livros de reg-
isto de ordens, e 7 livros auxiliares . Cf. A. F. Germano, O Subsídio Literário e os Estudos Menores - 1772/1782, Lisboa,
nem os colonos encubam os vinhos em suas adegas, porque não as tem...339. As
1969 (tese de licenciatura em História apresentada em Lisboa à Faculdade de Letras), pp. 95/96.
330.Da acção da repartição, guardam-se no ANTT [ANTT, PJRFF, nº 994/1186.] alguns livros que atestam a actividade e nos
fornecem elementos importantes para o estudo de determinados aspectos da estrutura da propriedade fundiária na ilha
[Idem, nº 1049/1073.]. 335.Idem, nº 994, pp. 8/11.
331.ANTT, PJRFF, nº 995, p. 11. 336.Idem, nº 994, pp. 8/11.
332.Idem, nº 995, pp. 12/14. 337.Idem, nº 994, pp. 8/9.
333.Idem, nº 995, pp. 14/15. 338.Idem, nº 994, pp. 25/41.
334.Idem, nº 994, pp. 26/28. 339.Idem, nº 994, p. 37.
182 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 183

recomendações foram de pouca importância, pois que nada havia sido feito até 1788340 maior parte é transportado (o vinho em mosto) para a cidade do Funchal em mosto e
mantendo-se a prática lesiva dos juízes: Estes umas vezes por negligência, incapacidade, no breve espaço da vindima, que dura de 40 a 50 dias, sendo o seu transporte feito
outras vezes por ser aquele trabalho sem remuneração alguma deixam passar o ano do parte por mar e parte por terra, em muito pequenas porções. Nestes termos quais serão
seu juizado sem fazer diligência alguma, correspondendo unicamente em cartas e as pessoas encarregadas desta cobrança, que tão breve espaço possam tomar denuncias,
respostas de dúvidas e embarcações, desculpando-se com os procedimentos de seus receber o pagamento e passar guias e examinar os vinhos que em tão grande quanti-
antecessores ou exagerando a miséria e impossibilidade dos colectados, ao ponto, que dade entram naquele espaço, assim por mar, como por terra, não só de dia, como de
quando pela Contadoria Geral se chega a conhecer os fundamentos verdadeiros ou noite. Que confusão e desordem se seguiria em querer embaraçar o expediente destes
inabilidade, ou descuido dos juízes ordinários, é em tempo que tem findado a sua juris- indispensáveis transportes, quando no campo se não achão adegas suficientes para o
dição e produz novos motivos de desculpa, que deste modo se amontoam as dúvidas, vinho, porque a parte dos senhorios, habitantes nesta cidade, toda é transportada para
impossibilitar-se os devedores e se confundem os procedimentos e escrivães, os quais esta, e a maior parte do vinho dos caseiros, é vendida à bica a infinitos habitantes tam-
muitas vezes se aproveitam desta mesma desordem para se servirem dos dinheiros bém desta cidade para d’onde os transportão.
cobrados e espalhados pelas freguezias. Em 1787344 procedeu-se à reformulação da lei de 1772 com o novo regimento dado
À inépcia dos arrecadantes juntava-se a retracção dos arrecadados e a falta de opera- pelo Visconde de Vila Nova da Cerveira e, em 1805345 determinou-se uma nova modali-
cionalidade das repartições da Junta na vigilância e controlo, pois a população desta ilha dade de arrecadação com o recurso aos arrendamentos. Procedeu-se à arrematação da
dispersa por branhas e serras, sem lugares ou aldeias, em que não pode caber na colecta para os anos de 1805/1807, ficando encarregado Francisco Alexandre Silva. Em
diligência dos exactores vagarem, ainda quando não os embaraçasse, a incapacidade, e 1798346 os proprietários negaram-se ao pagamento da colecta, ocultando a quantidade e
comissão, pobreza...341. À Junta não interessava nem era possível punir todos os infrac- qualidade do vinho produzido, contado para o efeito com a complacência do escrivão
tores, mas apenas os casos mais gritantes, para servirem de exemplo, como então se da arrecadação. A 14 de Março347 a Junta recomendou ao Juiz vereador da cidade que
dizia. A justificação foi mais uma forma de subtrair a responsabilidade directa e define exercesse vigilância sobre a acção do escrivão. Neste ano corria um processo contra
a complacência dos quadros administrativos. A Junta pautava-se pelos seguintes princí- Agostinho Pedro de Vasconcelos e Manuel Acciauoly, por não ter pago a colecta de
pios: Porque esta tem por dictame castigar poucos para terror de muitos e não destru- 1795348, o que prova a maior dureza da Junta após a reformulação do regimento em
ir um corpo desfalecido quando vê que a falta de prontidão nos exactores nasce da mi- 1787. É também a partir de então que os livros de registo da arrecadação são mais abun-
séria em que vivem sem os lucros a que esta junta não pode deferir, vendo que os mere- dantes.
cem pela pobreza em que são obrigados a vagarem por serras e branhas, a desamparem Por alvará e edital de 7 de Julho de 1787 isentou-se os vinagres e aguardentes,
suas casas e famílias, e a conduzirem consigo o alimento, pagando casas, por não haver enquanto os vinhos verdes ou de enforcado pagavam apenas 120 réis por pipa, o que
estalagens; finalmente porque os mesmos oficiais por falta de rendimento de ofícios, em 1789349 foi abolido, passando a pagar igualmente 315 réis por pipa e 1 real por cana-
são inertes, por não se aporem a eles alguns hábeis, o que dá causa a não persistirem e da. A medida de interditar as aguardentes e vinagres tinha, de certo, em mente uma
nunca poder conseguir-se, não manifestos regulares, mas nem clareza desordenada, consulta de 1779350 que referia aos inconvenientes da colecta sobre o vinagre e
numa força dos emprazamentos de juízes e oficiais, de que outra consequência alguma aguardente, únicos géneros que faziam mover desta ilha o comércio do Brasil, comér-
se tira do que perpetuarem-se nos cárceres, como então alguns sem poder averiguar-se cio tão suspirado... visto que por indolência dos povos se não tinha com a corte351. O
a sua responsabilidade e dívidas342. comércio era tão pouco que, a manter-se o estanco a favor do imposto, ficaria reduzi-
Segundo a lei de 1772, que criou o subsídio literário, era necessário proceder-se aos do a nada.
varejos e guias, aquando da passagem do vinho de uma localidade para outra, de modo Os dados quantitativos evidenciam a evolução do volume do produto arrecadado e
a evitar-se as fugas ao tributo e os inconvenientes de uma segunda imposição. A prática a relação directa com o volume de produção. A partir de 1805 é evidente a assiduidade
seria difícil de concretizar na ilha, sendo necessárias soluções que se adaptassem aos na marcação dos dados das colectas, facto que deve resultar de as colectas passarem a
condicionalismos locais. A primeira medida foi a obrigatoriedade dos senhorios e ser feitas por meio de contratos de arrendamento por hasta pública.
lavradores ou arrendatários darem conta do vinho produzido e pagarem a respectiva
soma aos juízes encarregados da arrecadação. Em consulta de 1789343 justifica-se: A 344.Idem, nº 996, pp. 17/18.
345.Idem, nº 996, p. 85.
346.Idem, nº 995, pp. 63/5.
347.Idem, nº 995, pp. 65/68.
340.Idem, nº 995, pp. 50/52. 348.Idem, nº 995, pp. 69/72.
341.Idem, nº 994, p. 74. 349.Idem, nº 996, pp. 24/25.
342.Ibidem, nº 994, pp. 76, 91. 350.Idem, nº 995, pp. 25/41.
343.Idem, nº 995, pp. 53/54. 351.Idem, nº 761, pp. 173/174.
184 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 185

LOCALIDADE 1795 1796 1802 1803 1804 1805 1809 1811 1812 1816 1817 1818 1819 1823 1825 1827 1828 1829 1831 1832 1833 1834
Arco da Calheta 112749 108981 151563 51271
Arco de S. Jorge 65219
Calheta 144403 143036 84208 62774
Camacha 1992 11057 170672
Câmara de Lobos 67744 110130 84209 211708
Campanário 170790 60482 46004 25965 55700 60733
Canhas 87889 26565 99649 18023 48619
Caniço 126334 56406 39523 37022 13936 13463 24153 33550 24099
Curral das Freiras
Estreito da Calheta 115011 108981 279880 75438
E. Câmara de Lobos 215644 149623
Faial 349541
Fajã da Ovelha 22164 13885
Gaula 28004 21418 11341 17588 23136
Jardim do Mar 13892 19374
Madalena 18580 23610 9591 21535
Machico 37551 210509
Monte 50309 45714 61977 59695
Nª Senhora do Calhau 54782
Ponta Delgada 403986
Ponta do Pargo 12840
Ponta de Sol 53072 26020 52633 27008 49403 104171
Porto da Cruz 343364 212135
Porto Moniz 94456 339100 83194
Porto Santo 108582 269757 128512 188172 208012 108847 82419 64968
Prazeres 11478 9441
Ribeira Brava 46944 12282 56332 152396
Ribeira da Janela 108632 71322
Santa Maria Maior 81582 33294 33431 60896 67138 42275 41988
Santa Cruz 144374 68841 31285 63613 52477 93379
Santana 100438 132418
Santa Luzia 93467 99649
Santo António 301570 166495 143095 282370
São Gonçalo 39871 19009 32512 15269 23385
São Jorge 45644
São Martinho 72147 74178 113134
São Pedro 315672 58402 75887 85061
São Roque 82229 52282 86797
São Vicente 351941 269503
Sé 1769 1127
Seixal 169374
Serra de Água 160075 6726 33795 8524
Tábua 35661 63504 21505 6536 25960 26661

SUBSÍDIO LITERÁRIO.
186 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 187

Marcas da firma Cossart Gordon & Co.

Os preços

Borracheiro. E. C. Lobos.
Foto Figueiras.
Photographia Museu Vicentes
P O estudo dos preços torna-se importante na abordagem das flutuações económi-
cas e conhecimento do processo histórico no geral352. Guiados por este princípio
decidimo-nos por uma breve abordagem dos preços do vinho. Acontece, que uma
análise do movimento de preços necessita de uma reflexão aturada da dinâmica
envolvente, uma vez que os números e gráficos, de per si, não são elucidativos e idên-
ticos aos movimentos de produção e exportação. Aqui há que ter em conta a relação
entre os valores monetário e real, com o ouro e prata. No caso da Madeira devemos
ter em conta a disponibilidade de prata uma vez que a moeda corrente era a prata
espanhola. A moeda circulante na ilha entre os séculos XVII/XIX foi a pataca espan-
hola. Estamos perante um facto notável se tivermos em conta a obsessão pelo ouro e
dos ingleses não terem conseguido inverter a situação353.
A questão financeira dominou as carências do mercado insular sem nunca se ter
encontrado uma solução satisfatória, reflectindo-se nas crises económicas que
sucederam ao longo dos séculos XVIII e XIX. Em 1799354 a situação económica da

352.Como o sugere A. Silbert [Do Portugal do Antigo Regime ao Portugal Oitocentista, Lisboa, 1977, pp. 3/31] no estudo que
faz sobre o movimento dos preços dos cereais em Lisboa desde 1750/1850: Ninguém ignora quanto a História dos preços
pode enriquecer a História Geral. Ela permite tirar conclusões suficientemente seguras sobre as flutuações. É indispensável
a toda a tentativa de compreensão de um período. Os movimentos longos agem sobre as estruturas ou reflectem as mod-
ificações que as afectam. E o jogo combinado das estruturas e conjunturas apresenta muitas vezes a chave das grandes
transformações históricas [Idem, ibidem, p. 9.]. V. M. Godinho [Introdução à História Económica, Lisboa, s/d, pp. 87/181, e
no Dicionário de História de Portugal, vol. IV, pp. 488/516. Prix et Monais au Portugal.1750/1850, Paris, 1955.] salienta que
a importância do estudo do movimento de preços com elemento importante para o estudo de uma dada conjuntura
económica, tendo para tal feito um estudo, bem elaborado sobre preços. No que foi secundado por M. H. Pereira [Livre
Câmbio e Desenvolvimento Económico..., Lisboa, 1971, pp. 189/231.]. Num estudo do movimento dos preços agrícolas na
segunda metade do século XIX, tendo em consideração que por tal meio seria possível verificar a correlação entre as alter-
ações produzidas na produção e os preços e entre estes e a exportação.
353.A. Silbert, Madère un Carrefour..., pp. 42/44.
354.ANTT, PJRFF, nº 761, pp. 52/59.
188 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 189

ilha é resultado do facto de não haver dinheiro girante e em girar o pouco em No século XVII o preço de compra do mosto era estabelecido em vereação, de
moeda castelhana de 200, 100 e 50 reis com vinte e cinco por cento de perda no acordo com as estimativas da produção e a qualidade da colheita de acordo com a
valor de 160, 804 reis, porque corre fora da ilha quanto ao dinheiro sarrilhado, posição geográfica das vinhas: meias terras acima ou meias terras abaixo362. A desig-
porque o do Peru ou mechicano se não pesa como devera e como susceptível de nação, que diferencia os preços de acordo com a altitude, desapareceu a partir de 1667.
furto se vai o povo agravando355. Como solução tivemos a substituição pela moeda
PREÇO DO MOSTO.1620-1667
do reino, o que facilitou as trocas. Em 1813 a falta de dinheiro corrente era crónica, Ano Meias terras cima Meias terras abaixo
contribuindo para isso as práticas especulativas dos comerciantes: Há aqui nego-
1620 5$500 4$800
ciantes com grandes liquidações em todos os artigos, sem comprarem vinhos, nem 1625 5$000 6$000
letras. Tem estes contra si a presunção de réus na matéria sujeita, minando surda- 1665 5$000 4$500
mente o fundamento principal do comércio, que é a moeda, com prejuízo público 1667 6$500 7$000
e particular, pois falta o dinheiro e para paga da Real Fazenda, dos proprietários dos
vinhos, falta o giro das letras e por consequência extinta aquela mola real ficam O preço de venda à bica do lagar tinha em conta não só a área de proveniência
paradas todas as ramificações do bem público e particular. Tão grandes males mere- como também o tipo da casta. No Funchal estabeleceu-se a diferenciação entre as
cem proporcionados remédios356. meias terras abaixo e meias terras acima. Depois demarcaram-se as áreas entre S.
Em 1821357 a falta de moeda foi compensada pelo hábito da troca directa, de pro- Gonçalo e Câmara de Lobos e daí por diante até à Lombada da Ponta de Sol363.
duto a produto, sendo o vinho a moeda corrente ou a contrapartida à importação Quanto à casta sabemos que a Malvasia era a mais valorizada, havendo uma dife-
de comestíveis e manufacturas358. Quando o circuito falhava era o caos financeiro renciação do preço por localidade. Em 1641 uma pipa de malvasia do Caniço, ven-
para o agricultor e o momento ideal para o inglês aumentar os réditos, através do dida à bica do lagar, custava 8$000 réis, situando-se o demais entre 4 e 5$000 réis364.
crédito aos agricultores. A situação marcou a relação entre o agricultor e o comer- Em 1846 ao barril de mosto de Malvasia da Madalena do Mar valia 3$600 réis,
ciante de vinhos e do preço de compra do vinho. A prática dos mercadores ingleses enquanto a dos Anjos, nos Canhas ficava por 2$500365.
foi vantajosa, não só porque assegurava uma permanente actividade dos represen-
tantes e casas comerciais, mas igualmente porque era um incentivo ao controlo dos PREÇO DO MOSTO POR LOCALIDADE DE ACORDO COM A CASTA.1839-1848

circuitos comerciais e preços de compra do vinho. Contra isto manifestaram-se por CASTA LOCALIDADE 1839 1846 1848
várias vezes a Junta e a Câmara. A primeira referência surge em 1722359, dando-se Anjos 3400 5010
conta que o vinho da Madeira era escoado para o Brasil ou vendido aos ingleses e Madalena 4200 2400
Santa Cruz 4000
lhe tinham pouca conveniência, porque os ingleses os queriam extrair, como Arco da Calheta 5000
extraem, por muito inferiores preços e a troco de alguns géneros comestíveis, que MALVASIA Jardim do Mar 5500 4000
lhe tinham pouca conta aos moradores dessa ilha. Paul do Mar 7000 5700 4300
Calheta 3600
Em 1814360 com o tratado de 1810 a dominação inglesa fazia-se sentir de forma Canhas 1800
vincada, tornando o comércio dos insulares passivo: O nosso comércio é absoluta- Ribeira Brava 2300
mente passivo, os ingleses põem o preço aos nossos vinhos e aos seus efeitos. O SERCIAL Paul do Mar 5000 3000 3000
cabedal da gente da terra está todo em poder deles pelos longuíssimos prazos, a que S. Vicente 3000
Jardim do Mar 4500
tem puxado os pagamentos e para aguentar, ainda, a sua preponderância e
BOAL Paul do Mar 4000 3200
ascendência comercial trabalham por fazer parar nas nossas mãos, para passar às
suas pelo preço que quiserem um grande excedente de vinhos e não há decerto
No século XX as câmaras municipais passaram a diferenciar a qualidade do
meio mais adequado para obter este danado fim do que arruinar e obstruir o nosso
vinho por sortes. Os preços eram tabelados em 3 sortes:
consumo interior, que sendo só dos nossos vinhos, emparelha com a exportação361.
355.Idem, p. 55.
356.ARM, RGCMF, t. 14, fols. 59-59vº.
357.Idem, t. 15, fols. 263/264. 362.T. B. Duncan, Atlantic Islands, Chicago, 1972, pp.40-43
358.ANTT, PJRFF, nº 942, fols. 45, 160; idem, AF, nº 239, fol. 54vº. 363.Em 1661 o primeiro vinho valia 8$000 e o segundo 7$000, veja-se João Adriano Ribeiro, Ribeira Brava. Subsídios para a
359.ARM, RGCMF, t. 14, fols. 59-59vº. História do concelho, Funchal, 1998, p.157
360.ARM, RGCMF, t. 14, fols. 79vº/81. 364.F. Mauro, ob.cit., p.119.
361.Em documentos de 1814 e 1817 alude-se ao mesmo facto, vide ARM, RGCMF, t. 14, fols. 87vº, 154-155. 365.J. Adriano Ribeiro, Ponta de Sol. Subsídios para a História do Concelho, Ponta de Sol, 1993, p.117.
190 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 191

LOCALIDADE 1821 1822 1839 1844 1845 1846 1846 1848 1850 1851 1852
1ª 2ª 3ª 1ª 2º 3ª 1ª 2ª 3ª 1ª 2ª 3ª 1º 2ª 3ª 1ª 2ª 3ª 1ª 2ª 3ª 1ª 2ª 3ª
Água Pena 4000 4000 3800 3300 3000 1310 1900 1400 1200 2800 1800 1500 2800 2000 1700 1500 1200
Arco Calheta 4.500 45000 3000 2400 2000 1800 1600 1500 1380 1200 1800 1400 1300 1000 800 2000 1600 1200 2000 1500 1200 1200 1000 800
Arco S. Jorge 2800 3000 2500 2000 1450 1500 1200 1000 800 1500 1100 1800 1500 3000
Boaventura 1000 700
Calheta 4000 3800 2800 2500 2000 1800 1600 1500 1380 2000 1800 1400 300 1100 900 2200 1800 1500 2000 2000 1800 1500 1200 1000
Camacha 1800 1200 1100 3000 2200
Campanário 5600 6200 4000 3200 2500 1200 1500 4000 3500 2500 2200 1800 5000 4500 2500 2000 1600
C. Lobos 5600 6000 4000 3000 7000 6000 4000 3500 2500 1500 2400 4700 4000 2000 5300 4500 2500 5400 4000 2500 3800 2500 1500
Canhas 3500 3000 2500 2000 1200 1400 1000 800 1100 1800 1500 800 1400 1000 700 2000 1500 800 1800 1500 1400
Caniço 4000 4500 4000 3000 2700 2400 1800 1600 1100 1400 2000 1600 1200 1700 1400 1000 2100 1800 1200 2000 1500 1200
Curral 2000 100 900 935 1100 800 900 800 1500 1200 1400 1100
E. Calheta 3000 3000 2700 2500 2400 1800 1500 1300 1380 1800 1600 1500 1300 1200 1800 1600 1400 1800 1700 1500 1800 1200 1000
E. C. Lobos 5500 5500 4000 3000 6600 4500 3000 3500 2500 1800 1700 4500 3000 2000 2800 2000 5000 3500 2500 5100 3500 2000 3500 2200
Faial 3400 3000 3000 2500 2000 1600 1300 1000 1200 1700 1400 1100 1200 1100 1000 2000 1700 1400 2000 1800 1400 3000
Fajã Ovelha 4000 4500 3500 3000 1500 2000 1800 1000 1220 2900 2000 1500 1500 1200 800 3200 2000 1500 2000 1500 1200
Gaula 4000 4000 1900 1500 1000 1400 2000 1600 1200 1600 1400 1000 2000 1800 1200 1900 1800 1300 2000
Jardim do Mar 3500 3000 1500 4000 3500 3000 4000 3000 2000 1500 800
Lombada 5000
Machico 3000 2500 2600 2300 2000 1310 1500 1300 1100 1300 1200 1000 1800 1600 1400 1900 1600 1400 1500 1200 1000
Madalena 3500 3500 3400 2800 2000 1800 1500 1300 1120 1800 1500 1200 2000 1600 1200 2000 1800 1500
Monte 4500 4500 4200 2000 1700 1900 2200 2000 1600 1200 2600 2200 3000 2600 1500 1200
Nª Sª Calhau 5000 5000 4000
Paul do Mar 4000 5000 3000 2800 1220 3000 5500 5400 4000 8000
P. Delgada 3000 2000 3000 2300 2000 1400 1100 800 1320 1900 1600 1300 2200 1800 1600 3000 4000
Porto Moniz 5000 4000 3600 3300 3000 2000 1800 1600 1700 2000 1700 1600 1500 1300 1100 2500 2200 2000 4000 3500 2500
P. Pargo 4000 5000 3000 2500 2000 2000 1500 1200 1220 2400 2000 1500 2000 1500 1000 3000 2500 5000 1800 1200
P. Sol 3000 3000 2600 2000 1200 1500 1100 800 1100 1900 1400 1000 1500 1200 800 2000 1500 1000 1500 1200 800 2000 1500 600
P. Cruz 3200 3000 3400 3100 2700 1600 1400 1000 1500 1600 1500 1200 1600 1500 1300 2000 1800 1500 2000 1900 1800 3200 2000 1500
Porto Santo 1410 1600 1500 1400 1300 1200 1100 2000 2400 2300 2200 4200 4000 3800
Prazeres 5000 3000 1220 2500 2000 1000 1500 1300 800 2000 1500 1000 1800 1600 1200 1200 1000 800
Ota Grande 2000 1600 1300 4000 4000 3000 3000 2000
Ribeira Brava 5000 4500 3500 4000 3500 1800 2200 1600 800 1100 2500 2000 1500 1600 1200 800 2000 1600 1200 2600 1500 800 3000 1800 1000
R. Janela 3500 3000 3000 2500 2000 1500 1300 1000 1700 1700 1500 1200 1300 1200 1000 2000 1800 1500 2600 2000 1500 3000
Santa Cruz 4000 3900 4000 3500 1900 1500 1100 1400 2000 1600 1200 1600 1400 1000 2000 1800 1500 2000 1600 1200
Santana 2400 2200 2000 1800 850 709 1230 1300 1000 900 800 1200 1000 1500 1000 2000
S. Maria Maior 2500 2200 1800 1910 2800 2500 2000 2200 2000 1600 3000 2500 2200 3300 2600 2200 1000
Santa Luzia 4500 4000 1800 1600 1500 1900 2100 1900 2400 1800 1400 2500 2200 2000 3000 2500 2000 1500
S. Martinho 5000 5000 4000 2000 2160 3000 2400 4000 4000 6000 3000
S. Pedro 5000 5000 3500 2600 2200 1600 2350 3000 2600 2000 2400 1800 1400 4000 3000 2000 4000 3000 2000 5500 2500
S. António 5500 5000 2600 2000 2450 3000 2400 2400 1700 3800 2500 4000 2800 3000 2200
S. Gonçalo 4500 5000 4000 3000 2300 2000 1400 1910 2700 2200 1800 2000 1800 1500 3300 3000 2800 3300 2800 2600 1500
S. Jorge 2600 2100 2000 1000 950 1220 1350 1200 1000 900 800 1200 1000 1400 1300 3000 1000
S. Roque 5000 5000 4500 2500 2200 1900 2900 2400 200 1700 3300 2700 3300 2600 2200
S. Vicente 1500 1500 2000 900 800 1365 1400 1300 800 700 1100 1000 1500 1500 1000
Seixal 3300 3000 2800 2300 2200 1200 1100 1000 1410 1600 1500 1400 1200 1100 1000 1800 1600 1500 2500 200 1800 3000 2500 2000
Serra Água 1400 1200 1000 1100 1800 1500 900 1500 1300 800 1900 1500 1000 1600 1200 800 1000
Tabua 5000 4600 3000 2500 2800 2000 1400 1400 1000 800 1100 1800 1500 1000 1800 1200 600 1800 1400 1000 1900 1400 1000 2000 1200

PREÇO DO MOSTO POR FREGUESIA.1821-1852


192 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 193

Para o período de 1699 a 1863 temos informação dos preços da pipa de mosto de 16.000 reis o barril. A quebra acentuou-se, atingindo valores de 3.000 e 8.000
vendida à bica do lagar no concelho de Machico366: reis, igual ao que tivera há cerca de 250 anos370.
Em 1829 pressente-se uma ligeira recuperação a que se seguiu entre 1833/1834
PREÇO DO MOSTO EM MACHICO. 1699-1863
uma quebra superior à de 1819/1823, num momento em que a exportação se encon-
Ano 1ª sorte 2ª sorte 3ª sorte trava em notável recuperação, se tivermos em conta os anos de 1830/1831. Entre
1699 13$000 10$000 6$000 1837/1845 tivemos um aumento acentuado do preço da pipa de vinho, seguindo-se
1700 9$000 7$500 5$000 a partir de 1846 uma quebra que se manteve até 1850, altura em que aumentou de
1712 11$000 7$000 4$000
1799 48$000 36$000 30$000 forma vertiginosa, como se pode verificar entre 1851/1854371, atingindo em 1863 o
1800 56$000 54$000 48$000 valor de 80.000 reis, regressando em 1875 a valores inferiores. A subida do preço
1814 80$000 75$000 70$000 justifica-se pela permanência da procura pela colheita má, provocada pelo oídio. A
1815 100$000 80$000 70$000
1823 25$000 22$000 20$000 quebra foi provocada pela estagnação em 1878 dos vinhos nos armazéns. Entre
1829 30$000 26$000 21$000 1882/1888 a tendência foi novamente para uma progressão descendente372. A subi-
1833 18$000 16$000 13$000 da nos inícios da década de noventa prende-se com o facto de se ter retomado a
1834 19$000 16$000 12$000
1850 18$000 16$000 13$000 queima de vinhos para o fabrico de aguardente. Embora em 1893 as perspectivas
1851 19$000 16$000 14$000 não fossem as melhores a tendência desde 1898 foi para subida atingindo mais de
1860 50$000 30%, fruto do aumento das exportações e consumo local. Acontece que nos anos
1863 80$000
imediatos o preço desceu devido às colheitas abundantes. O início do século XX foi
A partir do quadro da evolução global do movimento de preços é possível con- marcado pela estagnação dos preços dos vinhos superiores, enquanto com os infe-
statar a influência dos factores atrás enunciados. Partindo dos dados disponíveis riores do Norte a tendência foi para descida em 1907 e de subida em 1912.
vamos acompanhar a evolução dos preços do vinho. Desde 1615 a 1815 a tendência No mercado local o preço do vinho em mosto variava de terra em terra con-
geral foi para uma subida acentuada que se evidenciou nos anos de 1810/1815. O soante a qualidade e as castas. Os preços eram tabelados anualmente pelo
facto revela a importância que ganhou no mercado colonial consumidor. O período Administrador do concelho373, de acordo com os condicionalismos de cada área pro-
de 1810/1815 define-se por valores elevados marcando um dos momentos mais sig- dutiva, sendo a principal diferença entre os preços do vinho do Norte e o do Sul.
nificativos do comércio e valoração no mercado internacional. Em 1813 atingiu-se o Em 1783 enquanto os preços do Sul oscilavam entre 60/80.000 reis por pipa, os do
preço mais elevado. A situação é tanto mais saliente, se tivermos em consideração Norte ficavam por 30 a 50.000 reis; em 1850 enquanto os do Sul eram vendidos a
que a produção de 1812 foi das mais profícuas (40.000 pipas) correspondendo tam- 50.000 os do Norte por 30.000. No que concerne à qualidade do vinho tem-se em
bém a uma exportação de valor elevado (22.000). A quebra do preço em 1814 só se conta quatro sortes com preços distintos para a mesma casta. Em 1822 na freguesia
torna compreensível com a descida acentuada das exportações, pois que o volume de Câmara de Lobos o vinho comum da primeira sorte vendia-se a 6.000 reis ao
de produção é reduzido, acentuando-se em 1815, o que provocou um aumento do barril, da segunda a 4.000 e da terceira a 3.000.
preço. As castas, de acordo com a região a que pertenciam, tinham preços variados. A
A partir de 1819 a tendência foi para descida, que se acentuou em 1823 e Malvasia do Paul do Mar vende-se a 7.000 reis o barril, do Arco da Calheta a 5.000,
1833/1834. No primeiro caso a situação explica-se pela estagnação da colheita dos da Madalena a 4.200, Santa Cruz a 4.000, dos Anjos a 3.400 (1839). Outra modali-
três anos antecedentes por falta de escoamento367. Estava-se num momento de fartas dade de preço era estabelecida consoante a casta. Em 1839 no Paul do Mar temos
colheitas e de contracção do mercado do vinho. A conjuntura vintista não foi favorá- a Malvasia a 7.000 reis o barril, o Sercial a 5.000 e o Boal a 4.000; em Santa Cruz o
vel à viticultura madeirense. A contenção das pipas de vinho vinha-se verificando vinho ordinário a 3.100, a Tinta e Malvasia a igual preço.
desde 1819368, acentuando-se em 1821369 com a estagnação de 20.000 pipas de vinho A situação manteve-se no século XX apontando-se, em muitos dos casos, a ati-
nas adegas. A quebra do preço foi elevada, ficando reduzido a 1/3 do de 1817, cerca tude dos chamados partidistas que se substituíram aos ingleses. A depreciação dos
preços de compra do vinho era uma forma de exploração, tanto mais evidente

366.Zita Cardoso, Machico. Cidade Histórica, Machico, 1996, p.32 370.Idem.


367.A. Silbert destaca a mesma conjuntura de crise no reino, vide, Le Problème Agraire Portugais au Temps des Premières 371.Coincidindo com igual subida coincide com igual subida do vinho do Porto conforme salienta M. H. Pereira, ibidem, pp.
Cortes Libérales, Paris, 1968, pp. 37/9. 223/229.
368.ARM, RGCMF, t. 14, fols. 198-199vº 372.Idem, t. 14, fols. 263-264, 100vº-104.
369.Idem, t. 15, fols. 263-264, 100vº-104. 373.ARM, RGCMF, t. 18, fols. 97/98.
194 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 195

quando se estabelecem comparações. Antes da Primeira Guerra Mundial a pipa do


vinho do Porto valia 70$, quando o Madeira não ultrapassava os 20$, inferior ao
preço dos chamados vinhos de pasto do continente374.
Os madeirenses estavam dependentes dos interesses das casas de vinho inglesas
que fixavam os preços. Em finais do século XIX a casa Cossart Gordon Lda., uma
das principais no comércio de vinho, era quem de forma arbitrária estabelecia o
preço. Aliás, o senhor Cossart era considerado o rei do comércio do vinho da
Madeira.375 Para combater o poder discricionário dos estrangeiros insistiu-se na cri-
ação de uma associação de viticultores, o que veio a suceder em 1900 com a Real
Associação Vinícola da Madeira, que teve apenas um ano de vida.376
O estabelecimento do preço manteve-se durante muito tempo ao livre arbitrio
dos comerciantes e partidistas. A partir de 1835 a classe de Exportadores de Vinho
da Madeira, da Associação Comercial do Funchal, anunciava os preços de compra.
O preço começou por ser determinado anualmente antes da vindima pelo Governo
Civil. Todavia, a partir da década de quarenta do século XX o Ministério da
Economia interveio através da delegação da Junta Nacional do Vinho, que determi-
nava o preço do mosto, mas depois voltou-se a situação arbitrária da determinação
do preço pelos compradores.
No sentido de combater a situação foi manifesto o empenho de algumas autori- Sistema de engarrafamento manual. Artur Barros & Sousa Ldª
dades. Foi o caso do empenho do Agrónomo António Teixeira de Sousa na criação
de Adegas Regionais, com a função de regular o preço de mercado e de salvaguar-
da dos interesses dos agricultores em época de vindimas excedentárias. A primeira
adega foi montada no Porto Santo em 1956, seguindo-se no ano imediato outra em
Câmara de Lobos.
Com a criação do Instituto do Vinho da Madeira, desde 1979, ainda se avançou
em consonância com a Mesa de Vinhos da Associação Comercial do Funchal, com
o tabelamento do preço de compra do mosto, mas hoje a opção é livre, intervindo
o IVM apenas na determinação da data da vindima e na fiscalização.
Na década de setenta do século XX generalizou-se o uso de aquisição das uvas
por parte das empresas, passando o preço a ser estabelecido por kg e graduação
alcoólica do mosto. Para uma vindima com 10º Baumé o preço de compra pelas
empresas da Tinta negra mole ao kg era o seguinte:

1974: 11$20 1979: 35$00


1975: 10$88 1980: 40$00
1976: 12$00 1981; 44$00
1977: 17$00 1982; 44$00
1978: 24$00 1983; 54$20

374.Eduardo Atonino Pestana, Ilha da Madeira. II. Estudos Madeirenses, Funchal, 1970, pp.233-238; Eduardo Pereira, Ilhas de
Zargo, vol. II, pp. 583-589. Sistema
375.Cf. Benedita Câmara, A Economia da Madeira (1850-1914), Lisboa, 2002, pp.139-140 de engarrafamento
376.Estatutos da Real Associação Vinícola da Madeira. Sociedade Cooperativa, Anonyma, Responsabilidade Limitada. Fundada automático.
na Cidade do Funchal em 19 de Janeiro de 1900, Funchal, 1900. Justino & Henriques, Ldª
196 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 197

As lojas e os serrados

A partir do texto de Henry Vizetelly377 e

C
das gravuras que adicionou de Ernest A.
Vizetelly é possível conhecer algumas cons-
truções que serviram para de adegas para
abergar o vinho. Aqui são descritas as insta-
lações de algumas das mais importantes fir-
mas: Cossart, Gordon and Cº, Krohn
Borthers & Cº, Blandy Brothers, Leacock
and Company, Henry Dru Drury, Henriques
and Lawton, Mrs Welsh, R. Donaldson and
Cº, Meyrelles Sobrinho e Cia, Henrique J. M.
Camacho, Augusto C. Bianchi, Sr. Cunha e
Leal Irmãos e Cia.
Em todos é evidente a mesma definição
do espaço. Uma fachada imponente, que dá
entrada para um grande pátio coberto de lata-
da, que serve de logradouro comum às diver-
sas arrecadações: as lojas de fermentação e
envelhecimento do vinho, a oficina de
tanoaria e a estufa. O bom gosto com que
alguns souberam combinar as diversas
divisões e o cuidado que lhes atribuíam não
Fachada dos armazéns de foram ignorados por Henry Vizetelly que na
Blandy Brothers no Funchal.
Peretrellos Photographos.
Os complexos vinícolas casa Blandy Brothers é levado a afirmar que
Museu de Photographia Vicentes. estava perante um verdadeiro museu de
Princípios do século XX vinho.

377.Facts About Port and Madeira. Londres, 1880


198 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 199

Antiga oficina de Tanoaria


da Madeira Wine Company
nas adegas de S. Francisco.
[Colecção do autor , 1998]

A tanoaria
A oficina de tanoaria assumia um papel relevante no quotidiano estando em
relação directa com a importância da casa378. Maior número de pipas com vinho a
envelhecer implicava um aparato enorme de operários preparados para reparação,
como para proceder à construção de novas para envelhecimento e embarque do
vinho. Acresce, ainda, que, até meados do século XIX, o sistema ordinário de trans-
porte do vinho para os principais mercados era estes recipientes de madeira, feitos em
diversos tamanhos: pipas, quartolas, barris e barrilinhos. Embora esteja documentado
o uso das garrafas nas exportações foi muito tardia a plena afirmação. Muitas das pipas
retornavam à origem em peças de aduela, poupando-se espaço nos navios.
O vasilhame de madeira usado no transporte, vinvificação e envelhecimento do
vinho, era quase todo fabricado na ilha. Para isso usava-se habitualmente as
seguintes vasilhas:
TIPOS CAPACIDADE
Tonel 750 a 2500 litros
Antiga oficina de Ponche 630
Tanoaria da Pipa 550
Madeira Wine Meia pipa 210
Company nas
adegas de S. Quartola 105
Francisco. Barril de mosto 50
[Colecção do autor
, 1998] 378.Cf. Lília Mata, Ofícios Tradicionais: os Tanoeiros, in Islenha, 12, 1983, pp.97-105.
200 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 201

A partir do registo de exportação de vinho é possível fazer uma ideia do vasi- Ano Origem Pacas Arcos Aduelas Molhadas
Pipa Quarto Quartola (molhos) Pipas quartos
lhame necessário para o processo de vinificação e transporte do vinho aos princi-
1827-28 Filadélfia 10
pais mercados. A maior incidência, no século XVIII, estava nas pipas, mas na cen- Liverpool 300 300 197 1.192
túria seguinte as vasilhas de capacidade inferior ganharam importância. De acordo Londres 621 342 329 7.230
com os dados da exportação de 1784 a 1787 as embarcações transportavam em Newport 160
Neverson 60 20
média 80 pipas. Nova York 125 160
Garnizé 37
Ano Tonéis Pipas Quartos Quartolas Estad. Unidos América 15.919
1784 8358 4 1829-30 Filadélfia 109
1785 11498 1 Liverpool 2.072
Londres 404 100 2.307
1786 6556 4
Dublin 25 125 20 4
1787 10831 2 Bristol 1.498
1831 42 3182 280 3415 Nova York 464 636 760
1832 39 3515 3522 Hamburgo 218

As madeiras usadas na construção do vasilhame tinham várias proveniências. A As peças de tanoaria importadas tinham preço de venda ao público publicitado
ilha fornecia alguma de vinhatico, aderno, castanho e carvalho, mas a maior parte nos jornais:
era de importação379. Das florestas do Báltico, até à Revolução Russa, vinham as adu-
elas preparadas de carvalho negro, o mesmo sucedendo com as de carvalho e faia PREÇO DE VENDA AO PUBLICO DOS MATERIAIS DE TANOARIA.1836-1838
de Nova Orleães e Charleston. A maior frequência de madeiras é dos Estados PEÇAS 1836 1838
Unidos da América380. No período de 1727 a 1810, temos a entrada de 181 embar- Aduela de pipa(milheiro) 120$000 a 130$000 120$000 a 130$000
cações com aduelas381. Da Inglaterra e da Irlanda evidencia-se a maior constância Aduela de quarto(milheiro) 85$000 a 90$000 70$000 a 80$000
aduelas e arcos, mas também de pipas e outro vasilhame. Estamos perante o retorno Aduela de quartola(milheiro) 45$000 a 60$000 60$000
Arcos de ferro(quintal) 4$000 a 4$500 4$000 a 5$000
do vasilhame usado no transporte do vinho. No período de 1727 a 1810 foram
declaradas na alfândega 238 embarcações com aduelas e arcos e 147 com pipas e FONTE: Flor do Oceano, 71, 1836; A Chronica, nº.18, 1838
outras vasilhas.382
O convento de Santa Clara dispunha de uma ampla adega no Funchal e outras
I IMPORTAÇÃO DE MATERAIS DE TANOARIA- 1819-28 dispersas por toda a ilha, de forma a poder armazenar o vinho que lhe pertencia.
Em 1667 são referidas 161 pipas para uso corrente283. Ora isto implicava a existência
Ano Origem Pacas Arcos Aduelas Molhadas
Pipa Quarto Quartola (molhos) Pipas quartos de uma importante oficina de tanoaria. As aduelas eram preparadas até fim do sécu-
1819-20 Nova York 24.309 lo XVII com madeiras de S. Vicente, passando a partir daqui a depender de
Londres 275 73 105 10 madeiras importadas da Grã-Bretanha284.
Canárias 1.200 191 3
Liverpool 55 55 10
O tanoeiro, para além do serviço de apoio às lojas de vinho, tinha também ocu-
1821 Filadélfia 1.389
pação no apoio às embarcações que demandavam o porto. O trabalho era duplo
Bordéus 221 pois o vasilhame era usado para manter as reservas necessárias de água potável a
Liverpool 223 20 10 2.189 bordo. Em 1566, de acordo com o livro de posturas de Lisboa, tanto faziam as pipas
Leithe 100
Londres 2.900
no porto de Lisboa, como nos da Madeira, Castela e Algarve285. Em 1698 a
Provedoria da Fazenda pagou aos tanoeiros 26.110 réis pelo concerto de 98 pipas de
água da fragata Nossa Senhora das Hortas, vinda de Lisboa286. O trabalho do
379.Gaspar Frutuoso, Livro Segundo das Saudades da Terra, Ponta Delgada, 1979, p.138
380.Importa-se madeira incluindo tábuas para barris, sobretudo da América. [Alfred Lyall, Rambles in Madeira…, London, 1827,
in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, p.348] 383.ANTT, Convento de Santa Clara, maço 2, 10 de Maio de 1667.
381.J. J. Abreu de Sousa, O Movimento do Porto do Funchal e a Conjuntura da Madeira de 1727 a 1810. Alguns Aspectos, 384.Otília R. Fontoura, As Clarissas na Madeira, Funchal, 200, p.100.
Funchal, 1989., pp.146-148 385.Livro das Posturas Antigas, Lisboa, 1974, p.363
382.J. J. Abreu de Sousa, ibidem., pp.138-141. 386.ANTT, PJRFF, nº.969, fl. 114vº-115vº.
202 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 203

PREÇO DO VASILHAME. 1884-1740


Ano Barril Quartola Pipa Tonel
1664 1$000
1667 1$666
1670 $320 $600
1690 2$000
1720 1$800
1740 $290 1$500
Fonte: ANTT, Convento da Encarnação, nº.14-15; ANTT, Convento de
Santa Clara, maço. 2; ARM, Capelas- inventário, maços: 15, 20, 36

O ofício de tanoeiro assumiu desde o século XV uma importância relevante no


quadro dos ofícios do Funchal, estando representado na Casa dos Vinte e Quatro
com dois oficiais388 e tinha lugar cativo na procissão do Corpo de Deus, sendo eles
quem levavam a torre389. A arte da tanoaria era de prestígio na sociedade fun-
chalense390. O juiz de tanoeiro tinha a obrigação de controlar a capacidade do vasi-
lhame feito pelos companheiros de ofício, sendo a marca da corporação a garantia.
Na Ribeira Brava um destes, por nome António Rodrigues Jardim, terá construído
uma capela da invocação das Almas, que hoje já não existe.
A Funchal era o local onde se concentravam-se as oficinas de tanoaria, que
começaram a funcionar de forma isolada. Com o desenvolvimento das casas co-
merciais do vinho, a partir de meados do século XVII, passaram a estar próximas
ou incorporadas nas adegas. A Rua dos Tanoeiros existe desde o século XVI391.
Num inventário dos ofícios de 1863 sabemos que dos 52 tanoeiros existentes em
toda a ilha 46 eram do Funchal392.
Funchal. 46
Calheta. 3
Câmara de Lobos. 1
Porto Moniz. 1
S. Vicente. 1

Henry Vizetelly393, no relato que faz da situação da vinha e do vinho da Madeira


em finais do século XIX, destaca a importância de algumas oficinas de tanoaria,
associadas a empresas, descrevendo a da firma Cossart Gordon & Co: Aqui observá-

388.Alberto Vieira, O Município do Funchal (1550-1650), in Actas do I Colóquio Internacional de História da Madeira.1986, Vol.
Oficinas em plena II, Funchal, 1990, pp.1056-1057.
Rua de João Esmeraldo. 389.Bernardete Barros, A Festa Processional, “Corpus Christi”, no Funchal (séculos XV a XIX), in Actas do I Colóquio
Internacional de História da Madeira. 1985, Funchal, 1989, vol. I, p.348
Gravura de 1850.
390.Diz-se que os barris da Madeira são os melhores do mundo; säo todos feitos na ilha e os tanoeiros formam uma corporaçäo
que tem privilégios especiais. Säo os únicos trabalhadores autorizados a exercer a sua actividade na rua. [Alfred Lyall,
Rambles in Madeira…, London, 1827, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993,
p.348]
tanoeiro era bem remunerado. Assim em 1671 o conserto de um barril custou 500 391.Álvaro Manso de Sousa, Ruas do Funchal (Notas para o Estudo da Toponímia Citadina), in DAHM, nº.510, 17 de Julho de
1949, p.279.
réis ao Convento da Encarnação, quando apenas um novo poderia valer 320 réis287. 392.Francisco P. Oliveira, Informações para a Estatística Industrial Publicadas pela Repartição de Pesos e Medidas-Distrito de
Leiria e Funchal, Lisboa, 1863, p.10
383.Facts about Port and Madeira…, London, 1880, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos,
387.ANTT, Convento da Encarnação, nº.14 fls.58vo, 61
Funchal, 1993, pp. 375-399]
204 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 205

Antiga oficina de Tanoaria Antiga oficina de Tanoaria


da Madeira Wine Company mos pipas a serem feitas precisamente do mesmo modo que o utilizado no Jerez, aguardente394. da Madeira Wine Company
nas adegas de S. Francisco. talvez com a excepção do cutelo que os homens manejam tão destramente ser um Em 1910 são referidas apenas 10 oficinas de tanoaria, mas os operários do ofício nas adegas de S. Francisco.
[Colecção do autor , 1998] [Colecção do autor , 1998]
pouco mais pesado e desajeitado do que o que é usado pelos seus irmãos da mesma deveriam ser em número mais elevado, uma vez que em 1913 foi criada a
confraria do Jerez. Os tanoeiros do Funchal trabalham à peça e cada pipa, que é cer- Associação de Tanoeiros do Funchal, com 124 sócios. Na década de vinte são
tamente um artigo bem executado, custa qualquer coisa como algumas libras. à volta recenseados duzentos operários relacionados com a actividade de tanoaria395.
da tanoaria havia pilhas de aduelas de carvalho Americano, já preparadas ou em Hoje a profissão está em vias de extinção e são poucas as empresas que continu-
bruto, enquanto no centro do terreno havia barracões onde as pipas são medidas, am a manter e valorizar as oficinas de tanoaria. Os recipientes de aço inoxidável reti-
marcadas com ferro quente, escaldadas e submetidas à acção do vapor de água, bem raram-lhe parte do protagonismo. O vasilhame de madeira é apenas usado para o
como alguns grandes reservatórios. O espaço vago entre os barracões e os armazéns envelhecimento dos vinhos no canteiro. E mesmo aqui a aposta continua a ser nos
está ocupado com filas de pipas de vários tamanhos, acabadas de vir da tanoaria, cascos velhos, já preparados para receber o vinho.
passando aqui por um período de habituação com água. Quando sito está termina-
do, as pipas são transferidas para o armazém de Avinhar, sendo lá enchidas com
vinho comum, que permanece dentro delas durante dois ou três meses. Nestes
armazéns há sempre em uso para este fim entre oitenta e cem pipas de vinho, o qual
depois de usado muitas vezes não está mais adequado e é destilado em
394.Facts about Port and Madeira…, London, 1880, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos,
Funchal, 1993, pp. 389]
395.Peres Trancoso, O Trabalho Português, I Madeira, Lisboa, 1928, pp.119-123
206 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 207

Medidas. jas usadas na venda de líquidos. As botijas de arroba deveriam ter capacidade para Medidas.
Exposição de1988. Medidas do vinho 7 canadas e meia, enquanto a botija de meia arroba equivaleria a 3 canadas e 3 quar-
Exposição de1988.
Colecção do autor Colecção do autor

M
tilhos400. Ao mesmo tempo determinou-se a capacidade do vasilhame usado no
A Historiografia testemunha o pouco interesse votado à Metrologia Histórica. transporte do vinho.
Entre nós é uma realidade ignorada, assumindo importância significativa em estu- A imposição do vinho determinava, ainda, algumas regras sobre a forma de
dos de História económica396. Até à reforma dos pesos e medidas de 1865, que esta- venda do vinho ao público nas tabernas. Em 1485401 o almude passou de 12 para 13
beleceu a uniformização para o todo o país, a cada região correspondia um sistema canadas, sendo a referida canada para a imposição. Já em 1637402 o almude, que era
de medição distinta. Aqui devemos considerar dois tipos de medidas usadas no con- de 14 canadas, passou para 15.
sumo e comércio que, por vezes, não eram coincidentes. O barril, para carregar o mosto, deveria ser de 27 almudes, sendo a pipa equiva-
A regulamentação das medidas era uma prerrogativa do poder municipal, lente a 12 barris de 3 almudes e 1 de 2 almudes403. De acordo com postura de 1842
estando definido de forma clara a intervenção, quer nas posturas, quer nas o barril do carreteiro deveria medir 19 canadas e meia404, mas, passados sete anos, o
vereações397. O município, através dos almotacés e afiladores, procedia ao afilamen- barril de mosto era de 2 almudes e meio405, enquanto o usado pelos taberneiros era
to das medidas usadas nas lojas de venda ao público como de transporte e expor- de 2 almudes e 1 almude. Aqui, diferenciava-se a canada de aguardente da de vinho,
tação. Em 1789 foi provido no cargo de marcador das pipas António José Drumond pois a primeira era de 7 canadas, enquanto a segunda de 14 canadas406. Em meados
Novais e Henriques, uma vez que o cargo estava na posse da família398. do século, José Silvestre Ribeiro refere distintas medidas. Assim, o barril de mosto,
A venda do vinho ao público só poderia ser feita por almudes estando proibido
o uso de jarras e botijas399. Em 1547 a vereação determinava a capacidade das boti- 400.Ibidem, p.393.
401.IARM. CMF, t.1, fls.22-24vº
402.IARM. CMF, t.6, fls. 26-31vº, 16 de Março.
403.Iibidem, p.392.
396.Confronte-se Witold Kula, Las Medidas y los Hombres, Madrid, 1980; Manuel Lobo Cabrera, Monedas Pesas y Medidas en
404.IPosturas da Câmara Municipal do Funchal, Funchal, 1849, pp.57-60; Posturas da Câmara Municipal da Cidade do Funchal,
Canarias en el siglo XVI, Las Palmas, 1989.
Funchal, 1895, p.49
397.José Pereira da Costa, Vereações da Câmara Municipal do Funchal. Século XV, Funchal, 1998, p.98-99.
405.ISérvulo Drummond de Menezes, Uma Época Administrativa da Madeira e Porto Santo, Funchal, 1850, pp.49-61.
398.Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, p.46
406.IPosturas da Câmara Municipal da Villa de Machico, Approvadas pelo Concelho de Distrito em 5 julho 1856, Funchal, 1856,
399.José Pereira da Costa, Vereações da Câmara Municipal do Funchal. Primeira Metade do Século XVI, Funchal, 1998, p.286
p.13.
208 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 209

a Sul e a Norte, era de dois almudes e meio, e o de vinho limpo ficava igual no A uniformização das medidas nunca foi alcançada na plenitude e ainda hoje per-
Norte, sendo reduzido para 2 almudes no Sul. Também no barril anota algumas sistem as antigas em alguns lugares, como é o caso do Porto da Cruz, onde é notória
diferenças, de acordo com o tipo de medida de almude usada. Em S. Vicente e uma diferença quanto ao barril. De acordo com Eduardo Pereira415 o barril apre-
Porto Moniz o barril era de 35 canadas de folha, enquanto no Sul as mesmas de sentava uma medida distinta nos concelhos da região:
barro. Atente-se que doze canadas de folha equivaliam a catorze de barro407.
A pipa de vinho, normalmente de 30 almudes, distingue-se consoante fosse de Capacidade LOCALIDADES
mosto ou vinho limpo. A diferença era de menos 4 almudes para o vinho limpo. do barril
45 litros C. de Lobos, E. de Câmara de Lobos, Curral das Freiras, Funchal, Porto Santo
Acontece que no Porto a de mosto tinha 25 almudes e a de vinho claro 26 almudes. 50 litros Arco de S. Jorge, Boaventura, Calheta, Faial, Ponta Delgada, S. Vicente
Já em Machico a pipa tinha a capacidade única de 10 barris de 2 almudes408. 56 litros Porto Moniz, Ribeira da Janela, Seixal, Achadas da Cruz
Também se diferencia a pipa carreteira da de embarque. A primeira media 418
litros e a segunda 500 litros, equivalendo a 92 galões ingleses409. Todavia em 1755410 A necessidade de definir uma medida padrão, de forma a evitar o dolo, levou a
o Conselho da Fazenda determinou que as pipas de exportação do vinho Madeira que ficasse assim estabelecido:
deveriam ser de 23 almudes. Anotam-se ainda outras medidas para a pipa, que tanto
DESIGNAÇÃO CAPACIDADE
poderia ser de 389,95 litros ou de 429 litros411.
Tonel 50 pipas
As medidas usadas tanto podiam ser de barro, folha e, em alguns casos de
Pipa carreteira 5 00 litros
madeira. Entre o almude de barro e o de folha havia uma diferença de duas Pipa de exportação 418
canadas412. A afilação das medidas passou a fazer-se desde 1484 de acordo com a Quartola 105
forma que se fazia em Lisboa, sendo obrigatório. O vinho só podia ser medido por Barril 45 a 50 litros
almude que deveria equivaler a 13 canadas. Vasilhas 20 a 1 litro
Almude 25 litros
Paulo Dias Almeida413 apresenta, em princípios do século XIX, o quadro das
Canada 2 litros
medidas usadas na Madeira. Galão 4,5 litros
Medida Equivalência Capacidade em litros
Acontece que na construção do vasilhame de madeira torna-se difícil, senão
Canada 1 e ? almude 2,0
Galão 4,5
impossível, ao tanoeiro conseguir acertar com a medida atribuída. Desde tempos
Almude 48 quartilhos ou 22 canadas 25,0 recuados ficou estabelecido que o tanoeiro deveria marcar a medida exacta. Existia
Pipa 23 almudes 375,0 mesmo alguém que recebia o encargo de proceder à aferição do vasilhame. De acor-
Tonel Pipa e meia 562,5 do com postura de 1587, uma pipa ou barril que fosse concertado deveria ser nova-
mente afilado e confirmado por contra marca416.
A equivalência das diversas medidas foi estabelecida em 1865414.
Tipo Funchal C. Lobos P. de Sol Calheta S. Vicente Santana Machico S. Cruz P. Santo
Meio almude 9 8,85 9,29 9,08 9 8,88 8,81
Canada de folha 1,5 1,47 1,46 1,46 1,47 1,47 1,5 1,45 1,45
Canada de barro 1,286 1,27 1,24 1,34 1,3 1,286 1,25 1,27
Meio pote 4,34

407.IAlberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, p.172
408.ISérvulo Drummond de Menezes, Uma Época Administrativa da Madeira e Porto Santo, Funchal, 1850, pp.49-61
409.IElucidário Madeirense, vol. II, 1978, p.80.
410.IAlberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, p.20
411.IPauta Geral das Alfândegas do Continente de Portugal e Ilhas, Lisboa, 1885, p.44, Inquérito sobre a Situação da Ilha da
Madeira, Lisboa, 1885, pp.183-185
412.IIbidem
413.IRui Carita, Paulo Dias de Almeida e a Descrição da Ilha da Madeira, Funchal, 1982, p.99
414.IMappas das Medidas do Novo Systema Legal Comparadas com as Antigas nos Diversos Concelhos do Reino e Ilhas, 415.IIlhas de Zargo, vol. II, Funchal, 1967, p.586.
1868, pp.129-131 416.IArquivo Histórico da Madeira, vol. I, p.75
210 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 211

Aspecto de armazém
de vinhos. Madeira
Wine Company

Armazéns de Krohn
Brothers no Funchal. tufas encontram-se os vinhos mais baratos da Messrs. Krohn Brothers and Co. - um
Gravura Krohn Brothers and Co. Madeira absolutamente leve variando entre 26 e 30 libras por pipa - armazenados no
de a. Vizetelly. 1880 andar superior; enquanto no andar de baixo, trabalhadores com as habituais camisas
compridas, estão a preparar um carregamento de um puro vinho seco de sabor suave
Em frente da casa espaçosa onde está instalada a casa da contabilidade - uma constru-
para o mercado Holandês, trasfegando a bebida alcoólica para grandes jarros de cobre.
ção pomposa com uma alta torre central com telhado, com as habituais barras de ferro
No rés-do-chão deste armazém há barricas de aguardente e de vinhos acabados de
em todas as suas janelas mais baixas e varandas ornamentais nas de cima -, uma baixa
vir da estufa, à espera de serem melhorados antes de passarem para outros armazéns
passagem em arco conduz a um pátio pavimentado onde estão dois carros de bois espe-
mais espaçosos, situados numa rua contígua. Estes últimos compreendem um rés-do-
rando à sombra para transportarem algumas pipas de vinho para a praia. Em frente à
chão e dois andares superiores, cada um formando um vasto compartimento iluminado
entrada de onde as pipas são trazidas a rolar, ficam as estufas da firma, um compacto
por grandes janelas em cada uma das extremidades, e com filas de pilares de pedra a
prédio de dois andares, encimado por um compartimento espaçoso com os lados e o
dividi-lo em três partes. Aqui, a firma recebe as suas aquisições de mosto, sendo depo-
tecto em ferro. Este é a Estufa do Sol, na qual sessenta pipas de vinho podem ser sub-
sitadas no armazém, no rés-do-chão do prédio.
metidas à influência dos raios de sol ao mesmo tempo. Nos dois andares da estufa pro-
No primeiro e segundo andares do prédio de que temos estado a falar, são armazena-
priamente dita, o primeiro dos quais tem entrada pelas traseiras. - ficando ao mesmo nível
dos vinhos de qualidade mais baixa e intermédia, sendo um dos melhores um «Verdelho
do pátio devido à inclinação do solo - cerca de 500 pipas podem ser empilhadas, e
fino» de sabor delicado e de agradável aroma, com alguns vinhos novos que prometem
amadurecidas através de calor artificial, provocado, como já foi explicado, por serpentinas
transformar-se em Madeira de alta categoria. Depois de visitarmos vários outros arma-
que passam pelo interior do prédio. Perto da estufa fica uma pequena estrutura que con-
zéns, onde são guardados lotes de vinho diverso, incluindo um recentemente arrendado
tém os utensílios do empacotador para a exportação de amostras, os ferros de marcar,
para armazenar uma parte das aquisições da firma de mosto novo, passámos para o anti-
etc. A fornalha propriamente dita confina com a fresca tanoaria com sombra, no lado direi-
go armazém onde a Messers. Krohn tem reunidos os seus melhores vinhos. Entra-se
to. Por baixo de um grande alpendre, na parte traseira do prédio e perto de um jardim
neste venerável armazém através de um estreito pátio pavimentado, e os vários andares,
umbroso, estão empilhadas em filas pipas de todos os tamanhos. As pipas são medidas
com as pesadas cargas que têm que suportar, estão apoiados em fortes vigas. As gran-
por meio de um pequeno tanque que possui um indicador e mesmo ao lado homens
des pipas têm pequenas chapas pretas penduradas, indicando o seu conteúdo.
descalços com compridas camisas estão a limpar as pipas com uma quantidade de
pequenas pedras redondas dentro delas, rolando-as para a frente e para trás com um VIZETELLY, Henry, Facts About Port and Madeira, With Notices of Wines Vintaged Aound Lisbon and the
movimento brusco ao longo de suas fortes traves. No armazém mesmo em frente das es- Wines of Tenerife, London, 1880
212 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 213

Fachada dos armazéns de


Blandy Brothers no Funchal. Armazéns de H. Dru Drury
Peretrellos Photographos. no Funchal.
Museu de Photographia Vicentes. Gravura de A. Vizetelly. 1880

A maior reserva de Madeira armazenado por qualquer casa de exportação no Funchal as quais, ao contrário dos vinhos produzidos no lado sul da ilha, ocasionalmente desen-
é a que pertence à Messrs. Blandy Brothers. Ela chega a atingir cerca de 5.000 pipas, volvem a «mycoderma vina» ou as chamadas flores da vinha, tão ansiosamente procu-
variando em valor entre 35 e 250 libras cada, e foi acumulada pelo velho Sr. Charles R. radas pelos produtores de xerez. Continua-se por uma série de armazéns, unidos por
Blandy, a seguir à destruição dos vinhedos da Madeira de 1852. Estes vinhos - que numerosos pátios e plataformas - com várias «Clapham Junctions» - onde estão
incluem alguns admiráveis exemplares e uma variedade de produções, armazenados dis- armazenados vinhos que variam entre 1865 e 1875.
tintamente tanto quanto à localidade de produção como quanto ao ano da vindima - estão
guardados em não menos de quarenta armazéns, ligados por passagens, escadas, pata- VIZETELLY, Henry, Facts About Port and Madeira, With Notices of Wines Vintaged Around Lisbon and the
mares e entradas abertas em maciças paredes de pedra. Wines of Tenerife, London, 1880.
Sai-se dos escritórios na Rua de são Francisco - uma rua que segue em direcção ao
mar - e entra-se num pequeno pátio rodeado por estranhos prédios irregulares, sendo o
rés-do-chão de um deles o antigo armazém onde os vinhos mais veneráveis da firma A casa de Henry Dru Drury, antigamente Rutherford, Drury and Co., estabeleceu-se
estão reunidos. É um compartimento longo e sombrio, iluminado por pequenas janelas inicialmente na Madeira logo depois do início do presente século. Os seus armazéns,
quadradas, protegidas por barras de ferro, e pavimentado com lages. Aqui, alinhadas em situados no quarteirão oeste do Funchal, e onde se entra através de um estreito pátio,
filas, estão umas trinta ou quarenta enormes pipas, todas com um aspecto mais ou compreendem alguns prédios grandes, com não muito menos de 200 pés de compri-
menos antigo, e muitas possuindo as marcas de firmas madeirenses antigamente famo- mento, cada um com dois andares, e ligados ao primeiro andar por uma galeria de
sas, hoje extintas, cujas reservas ainda estão aqui expostas. …. Confinando com este ver- madeira com vinhas em latada, deixadas crescer à sua vontade. Num lado armazena-se
dadeiro museu de vinho ficava antigamente o velho teatro do Funchal, que o Sr. Charles o mosto enquanto completa a sua fermentação, e no outro estão os vinhos maduros e os
R. Blandy adquiriu e converteu num armazém de vinho. Aqui, uma série de arcos con- velhos e valiosos vinhos da firma, sendo os últimos armazenados em pipas com aspecto
duzem a uma sucessão de pátios rodeados de prédios cheios de pipas sobre pipas de antigo no andar superior. A tanoaria fica na parte detrás dos armazéns, confinando com
vinho. No antigo teatro, onde se armazenam vinhos em pipas duplas, os trabalhadores um pequeno terreno com vinhas das quais a firma produz algumas pipas de vinho. Este
estavam ocupados a melhorar o vinho com clara de ovo, enquanto que numa espécie de pequeno vinhedo está ligado, num dos lados, a um velho convento onde se instalaram na
armazém aberto se fazia uma mistura de cinquenta pipas. …. Daqui, uma escada conduz altura da nossa visita, sete veneráveis irmãs, tendo a mais nova cerca de setenta anos.
para uma plataforma em cima, onde está instalado um mecanismo para erguer e descer Uma vez que a legislatura portuguesa decretou a supressão de estabelecimentos con-
as pipas, e tem-se acesso a vários armazéns espaçosos, contendo cada um duzentas ou ventuais, não se fazem mais adições à venerável irmandade.
trezentas pipas. Num destes as pipas estavam alinhadas em cinco filas separadas, e num
outro, cujo chão assentava em sólidos suportes de alvenaria, as pipas estavam colocadas VIZETELLY, Henry, Facts About Port and Madeira, With Notices of Wines Vintaged Around Lisbon and the
Wines of Tenerife, London, 1880.
uma sobre a outra. Aqui estavam algumas das produções do norte, agradáveis e leves,
214 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 215

Borracheiro. Pintura de Max


Romer. Sala de provas da
Madeira Wine Company

Casa de H. Lawton no Na Messrs. Henriques and Lawton passámos através de uma «porte cochère» em ruí-
Funchal. Gravura de A.
nas, com altos pilares de pedra de cada lado, entrando num espaçoso pátio empedrado,
O trato do vinho
Vizetelly. 1880

O
onde a mansão desmantelada erguia a sua fachada maciça, com as suas numerosas e
grandes janelas ornamentais, no nosso lado esquerdo, e uma fila de armazéns mais A necessidade de apurar a qualidade do vinho para exportação levou as autori-
baixos, parcialmente cobertos de vinhas, surgia em frente. Através da casa, chega-se a
um segundo pátio pavimentado, coberto com vinhas cheias de folhas, colocadas em
dades a estabelecerem medidas no sentido de impedir que os vinhos bons do Sul
corredores, por baixo de cuja sombra numerosos tanoeiros trabalham. As estufas da firma fossem baldeados com os de inferior qualidade do Norte. A Vereação do Funchal,
que incluem uma estufa aquecida por temperatura artificial e uma estufa do sol, sendo o em face de reclamação dos mercadores, aprovou em 9 de Janeiro de 1737 uma pos-
seu calor causado, como sugere o nome, exclusivamente pelo sol, contêm as duas jun- tura interditando a entrada dos vinhos de inferior qualidade na cidade. Mais tarde,
tas 350 pipas e ficam situadas noutra parte da cidade com uma panorâmica total sobre o em 1768, o Governador e Capitão General Sá Pereira retomou as medidas
mar.
proibindo a entrada dos vinhos do Norte no Sul até Maio, de forma a poder escoar-
VIZETELLY, Henry, Facts About Port and Madeira, With Notices of Wines Vintaged Around Lisbon and the se o do Sul. Por outro lado defendia-se que os vinhos das melhores áreas, que é
Wines of Tenerife, London, 1880. como quem diz, de Câmara de Lobos, Canhas, Calheta, Arco da Calheta, Prazeres
e Fajã da Ovelha, não podiam ser baldeados com outros inferiores. Em 1785 ficou
estabelecido que todos os vinhos do Norte deveriam permanecer encascados até
Janeiro. Caso alguém tivesse intenção de o movimentar deveria fazê-lo com uma
guia passada pelo Juiz do lugar ou Comandante do distrito militar. Tais medidas não
colheram grandes apoios por parte dos proprietários. Os vinhedos a Norte e a Sul
estava quase todos sujeitos ao contrato de colonia. O senhorio da terra residia no
216 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 217

Vinho canteiro
Vejamos agora o modo singular de os tratar nos
dois sistemas em uso Canteiro e de Estufa. O
primeiro reduz se a conserva-lo no vasilhame colo-
cado em cima de duas traves, na altura de 2 ou 3
palmos do chão, e ahi se lhe presta o necessário
tratamento; começarei desde o seu primeiro
processo. Colhida que é a uva, e lançada no lagar,
é pisada com os pés até que o bago fica quasi
moído; então de todo o bagaço se forma uma pyra-
mide sustentada em roda por cordas, em cima da
qual uma taboa vai servir de base a alguns
pedaços de madeira quadrados até irem tocar na
vara do lagar, isto é, uma grossa viga que o atra-
vessa, com um maquinismo de espremer, ou aper-
tar o objecto a que aplicado, com um peso de
pedra. Findo este processo, desmancha se o
bagaço, o qual ficou exausto de suco aparente-
mente, cortado, separado, e então outra vez forte-
mente calcado, ao que chamão repisa, findo o que,
Pormenor do armazém Funchal e era aí que se encontravam os armazéns e pipas para encascar os vinhos. o mesmo resíduo ensopando-se outra vez do
da empresa Henriques âmago da uva que, se não poude esgotar no
& Henriques, Ldª Por outro lado o colono não tinha loja nem cascos para a armazenar o quinhão, ven- primeiro processo, passa a um segundo igual, e o
dendo-o todo à bica do lagar. liquido que produz, chamado o da corda ou repisa,
Feita a vindima e escorrido o mosto sucedia-se nova fase do ciclo vitivinícola, na é de superior qualidade. Depois torna-se a des-
cidade onde se encontram os armazéns dos exportadores com as adegas para onde manchar o bagaço, deita-se lhe agoa, o que pro-
eram escoados todos os vinhos. O Funchal era o centro privilegiado do processo de duz a agoa pé.
Sacado o mosto da tina, he lançado em pipas,
vinificação, tendo as casas exportadoras, servidas de amplas adegas, como o palco não batocadas, por causa da efervescência que
de actividade. Isto manteve-se sem alteração por muito tempo. logo se lhe desenvolve, e dura nos vinhos gen-
A partir de finais do século XVIII ocorreram profundas alterações no processo erosos até Dezembro. Claro que esteja, é tirado
de vinificação madeirense provocadas, quer pelo funcionamento das estufas para de cima da borra; então é logo mandado para o
aceleração do envelhecimento do vinho, quer pela adição de aguardentes, primeiro alambique, e o que se quer tratar para velho vai
para o canteiro onde é clarificado com goma de
de França e, depois da terra, para fortificar os vinhos mais fracos. O método antigo, peixe, ou claras d’ovo, ou sangue, e logo trasfega-
conhecido de canteiro, entrou em desuso, por ser mais demorado, dispendioso e do e agoardentado. Nos primeiros 18 mezes, é
incapaz de antender às solicitações do mercado. A solução estava nas estufas e na necessário repetir este processo 6 ou 8 vezes
abafando-o sempre com aguardente. Se acaso Canteiro. Armazém de Artur Barros
fortificação com as aguardentes. e Sousa Lda. Colecção do autor.
D. João da Câmara Leme, qu, em meados do século XIX tomara contacto com por ser muito maduro ou muito verde o vinho 2002
amolece, e fica como azeite, o que acontece ás
os processos de vinificação utilizados no trato, apercebeu-se do deficiente uso das vezes nestes dois estremos, é preciso logo
aguardentes e estufas, apostando numa solução mais rápida e eficaz para o trato do baldea-lo, rolar a pipa em que está, ou bate-lo
vinho, que ficou conhecida como sistema canavial, definido pelas seguintes fases: 1º bem com o mechedor e agoardenta-lo, mas se a
- sistema sem aquecimento; 2º - sistema com aquecimento lento, ficando o vinho em nada disto cede, só o calor da estufa o curará, ou
comunicação com o ar ambiente; 3º - sistema com aquecimento rápido e arrefeci- servirá para aguardente.
mento lento, demorado ou não, em recipiente fechado417. (PAULO PERESTRELO DA CÂMARA Breve Notícia sobre
a Madeira, Lisboa, 1841, pp.67-91)
417.IIdem, ibidem, p. 1.
218 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 219

Armazém de Vinhos. Vindima em Santa Cruz. A.


Cossart Gordon & co. Vizetelly. 1880

Na Madeira e Porto Santo produzem-se muitas qualidades de vinho, algumas das pouco mais ou menos. Quando terminada esta fermentação faz-se o trasfego do vinho
quais tem grande importância no comércio, e outras só são próprias para o consumo para outras vasilhas; sendo esta operação acompanhada de uma clarificação, e do adi-
interno das ilhas, ou para serem destilados nas fábricas de aguardente. Os vinhos mais cionamento de uma quantidade considerável de aguardente. depois desta operação que
conhecidos pelas suas qualidades são: começa para os vinhos essa lenta transformação, que os enriquece e torna preciosos
O Boal - vinho branco delicado e maduro, de alto preço; podendo ser consumido quer pelas suas qualidades. Para fazer adquirir rapidamente ao vinho propriedades que só o
quando novo, quer quando velho. este vinho é extraído das uvas do mesmo nome. tempo lhe pode dar convenientemente, introduziu-se na Madeira, na época da guerra que
O Sercial - vinho seco, de cor alambreada, “aromático e de fino perfume”. E este vinho agitou a Europa nos primeiros anos deste século, e em que os vinhos daquela ilha foram
só adquire todas as boas qualidades no fim de anos. É produzido pela variedade de vinha muito procurados, o uso de sujeitar vinhos novos durante meses a uma alta temperatura
“sercial”, que descrevemos. (60º ou mais) dentro de estufas que para isso se construíram. O número das estufas foi,
O Malvasia - vinho de cor alambreada, muito apreciado pelo seu “perfume” e com- desde essa época, progressivamente crescendo, e em 1850 havia quarenta e duas estu-
parável ao Tokai; mas que a ilha da Madeira produz só em pequena quantidade, e em fas em actividade. Os vinhos porém, assim trabalhados, não chegam segundo a opinião
lugares muito pouco elevados. dos homens entendidos na matéria, a adquirir as boas qualidades do vinho velho da
A Tinta - vinho tinto bastante agradável, e que se assemelha no sabor e qualidade ao Madeira, antes adquirem às vezes um sabor pouco agradável, e o seu aparecimento nos
Porto. A fermentação fazendo-se em contacto com o engaço, dá a este vinho o sabor mercados estrangeiros tem contribuído para o descrédito dos vinhos da ilha.
adstringente. A aguardente que se aplica ao tratamento dos vinhos, fabricada na Madeira com vi-
O Madeira - vinho, de todos o mais conhecido nos mercados da Europa e da América, nhos da região do norte e com os vinhos do Porto Santo; a aguardente estrangeira, e
branco alambreado; quando amadurecido pelo tempo, de um delicado perfume. Este mesmo a de Portugal não é, por lei, admitida na Ilha.
vinho é o resultado da mistura de uvas das variedades Verdelho, Tinta, Tarrantés,
Bastardo e Boal. João de Andrade Corvo, Memórias sobre as Ilhas da Madeira e Porto-Santo. Por João Andrade Corvo,
sócio efectivo da Academia Real de Sciencias de Lisboa - Memória I. Memoria sobre a “Mangra” ou Doença
O Vinho pálido - vinho de pouco valor feito de “verdelho”, e clarificado. das Vinhas da Madeira e Porto-Santo. Apresentada à Academia na Sessão de 3 de Fevereiro de 1854,
Para a fabricação dos vinhos mais preciosos da Madeira faz-se escolha dos cachos (Lisboa), (1954); “A Mangra ou Doença das Vinhas”, in Das Artes e da História da Madeira, vols. IV-V,
de uvas melhores, logo depois da vindima. As uvas levadas ao lagar, são espremidas, nºs.24-29, 1956-1959.
primeiro por homens que as pisam, depois pela pressão da vara, e o líquido assim tirado
delas é levado em odres para os cascos onde fermenta por quatro, ou cinco semanas
220 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 221

Réplica de “decanter” de vinho


Madeira de Thomas Jefferson.
Colecção Museu do

Somente a partir de meados do século XVIII temos notícia do uso da aguardente para
“adubar” os vinhos. Primeiro usam-se as afamadas aguardentes de França, mas num
segundo momento apostou-se na aguardente local. Esta pratica de fortificação do vinho
foi provocada pelos ingleses que também fizeram chegar até nós as ditas aguardentes
A partir de 1822 proíbe-se a entrada dessa aguardente que será substituída pela da
ilha feita com os vinhos do norte. Pois tal como se proclama em 1821 era “um erro capi-
tal na economia política receber de fora as produções e manufacturas de que o país não
carece, antes abunda”.
Armazém de Vinhos
Esta medida favoreceu o desenvolvimento dos alambiques, especialmente na zona O canteiro de Freitas Caldeira.
norte, o que favoreceu de forma vantajosa o vinho daí de inferior qualidade. Severiano de
Freitas Ferraz foi um dos destacados interventores neste processo tendo descoberto um

C
maquinismo avançado de destilação contínua. O sistema, conhecido como de canteiro, era simples. As pipas descansavam
Em meados do século XIX a ilha estava servida de 13 alambiques que ferviam em cheias de vinho sob duas traves, onde se procedia à clarificação e múltiplas trasfe-
media 7 a 8.0000 pipas de vinho. O resultado desta aposta é evidente, uma vez que em
gas. A clarificação ocorria num período de 19 meses e tinha lugar entre 6 ou 8 vezes,
1821 foram assinalados apenas 3 alambiques.
A generalização do uso da aguardente como bebida e produto para adubar os vinhos usando-se goma de peixe, clara de ovo e sangue. Os vinhos da Madeira que hoje
é, entre nós, uma realidade apenas na segunda do século XVIII. Foram os ingleses que aparecem, geralmente nos mercados, são muito diferentes d’esses vinhos afamados,
introduziram tal uso, oferecendo-nos as aguardentes de França. Eles estavam habituados e que a Madeira exportava antes dos fins do século XVIII. A ilha da Madeira não
a beber os vinhos franceses fortificados, mas, impossibilitados pela guerra, foram mudou... o que mudou foi o sistema de tratamento418.
buscá-los a outros destinos. Note-se que no período de ocupação da ilha pelas tropas
O método de envelhecimento do vinho em canteiro era o único usado até finais
britânicas (1801-1802, 1807-1814) generalizou-se entre os madeirenses o hábito do con-
sumo de aguardente e demais bebidas espirituosas. do século XVIII. A forma de execução surge descrita em alguns documentos. Na
A Madeira ficou conhecida como a ilha da Aguardente. O alcoolismo tornou-se numa ilha do Porto Santo as autoridades procuraram por todos os meios disciplinar os
praga social e para o combater tivemos, após a saída dos ingleses, inúmeras proibições, métodos de tratamento do vinho, estabelecendo regras a serem usadas por todos os
mas a aguardente continuou a entrar por via do contrabando e a encontrar consumidor. agricultores, de forma a conseguir-se um produto de superior qualidade: De pois de
Entretanto o madeirense começou a alambicar os seus vinhos e a dispor der
muito bem lavada a pipa, se concerve destapada vinte e quatro horas sobre os can-
aguardente local para consumo nas tabernas e fortificação dos vinhos. As dificuldades na
saída dos vinhos a partir de 1814 vieram aumentar as possibilidades de recurso
aguardente local e a guerra aberta às aguardentes de França, proibidas desde 1822. 418.D. João da Câmara Leme, Os Três Sistemas de Tratamento de Vinho, p. 1.
222 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 223

teiros para se enchugar e expellir o mofo. Dece-lhe huma boa porsao de mecha; Alfândega, Manuel António Serrão para proceder ao trato, pois que o trato dos vin-
com a qual se conservará tapada por espaço de cinco a seiz horas; no fim das quaes hos deste país é inteiramente diferente daquele que se pratica em Portugal, sendo
se lhe hirá lançando o mosto, e estando a pipa meia, se lhe deitará canada e meia necessário cuidá-lo de contínuo424.
de agoardente boa, sobre a qual se contenuara o mosto de sorte que não fique a pipa Já em Lisboa o mesmo representou que aonde se achão os vinhos da Madeira,
perfeitamente cheia. Tenha-se prevenido huma porsão de uvada ou marmelada de não é aquela comodidade necessária para os beneficiar, e fazer caldas que é preciso
uvas, como aqui se lhe chama, feita de verdelho, ou boal, com alguma passa, de ser em mais particular, da mesma forma não há nas sete casas a dita comodidade...
sorte, que fique em boa consistência, e lançando-se em cada pipa de cinco até seis o único lugar onde tal seria possível era o armazém no sítio da Boavista, que já antes
arráteis de marmelada muito bem desfeita, não sesse o mechedor de trabalhar pella servira tal fim e ora encontrava-se cheio de tabaco425. José Joaquim Rosa Coelho, do
manha, e noite, até que tutalmente suspenda a fervura. Descance o vinho para Arsenal da Marinha, não ficou contente com a relutância do madeirense e por isso
abater as fezes, tendo cuidado de o ver de tempo a tempo para se obeservar se está em representação, chama-o de impostor refinado: Tratei imediatamente de fazer
propenço a algum vicio; e concervando-se sem novidade até 20 do mez de Março, despejar dois armazéns, os mais inxulados (sic), fi-los limpar, pôr canteiros,
se porá em limpo, e trasfegará; lançando-se no meio da pipa duas canadas de agoar- arrecadar neles o vinho que se tem recebido, e guardei em meu poder as chaves
dente boa, que será muito bem encorporada pello mechedor, atestando-se e tapan- ficando desta maneira o vinho acondicionado de forma que é costume desde que
do-se imediatmente. Se o vinho for tão doce, que se possa temer a fermentação do no mundo há vinho, e a coberto de toda e qualquer fraude, que ele pudesse ter, (...)
accido, se ajunte na tansfega com trez cannadas de agoardente; se estiver tão turvo, o encarregado de os tratar perguntou em um dos armazéns se era fresco, respondeu-
que se purefique, se lhes lance na transfega algumas claras de ovos muito bem bati- se-lhe que era que sim, desaprovou-o logo, porque deve ser quente, passou imedi-
dos, com os quaes se mexerá o vinho muito bem, e facilmente se hirá alimpando, e atamente ao outro e fez a mesma pergunta, respondeu-se-lhe que era quente,
purifficando.419 reprovou-o porque devia ser frio. Reprovava os canteiros que não são outra coisa,
Feito o vinho o mosto era transportado à adega onde fermentava no vasilhame mais do que uns paus sobre os quais se estivão as pipas, para não estarem no chão,
instalado sobre o canteiro, ou seja duas traves na altura de dois ou três palmos420, por conseguinte o homem reprovava tudo, e por tal motivo confirmo a opinião que
depois de retiradas as borras, o que deveria envelhecer era transfegado, após ter dele faço, e digo a V. Exa. que neste arsenal só pode haver armazéns quentes como
sofrido o processo de clarificação com goma de peixe, clara de ovo, sangue. O ele quer, metendo-lhe dentro alguma estufa, e frescos talvez também como ele dese-
processo de clarificação repetia-se por seis ou oito vezes no decurso de 19 meses. ja tendo-lhe a porta aberta426.
Só numa fase posterior se começou a adicionar aguardente na fase de transfega421. Em Agosto foram escolhidos cinco homens para o trabalho de lotação do vinho
À informação fornecida por P. P. da Câmara422 podemos juntar outra avulsa que da Madeira, pagos a 300 reis por dia427, iniciando-se de imediato os trabalhos. Na
encontramos no Arquivo Histórico Ultramarino em que se dá conta do modo como altura da trasfega deu-se por falta de 2 almudes em cada pipa o que o encarregado
era tratado em Lisboa os vinhos para aí enviados após a fermentação. Nos armazéns do trato de imediato deu conta, ilibando-se de qualquer responsabilidade: Eu não
do Arsenal da Marinha procedia-se às diversas tarefas de trato do vinho, como a sei se é dos navios que conduzirão os vinhos, donde esta falta procede, eu não sei,
clarificação com goma de peixe423 e trasfegas. A prática encontra-se documentada a só o que sei que falta, eu não estou para responder a V. Exa. por faltas dos outros428.
partir de 1832. Em Abril a Junta da Fazenda do Funchal enviou para Lisboa o vinho Durante os meses de Agosto e Setembro laborava-se com grande intensidade nos
do sequestro feito nos armazéns do morgado João de Carvalhal Esmeraldo, pro- armazéns de vinho do Arsenal da Marinha, onde se encontrava o vinho, ora envasi-
nunciado na devassa de 1828. A acompanhar o vinho seguiu o Escrivão da lhando o vinho novo, ora trasfegando o velho ao mesmo tempo que se clarificava e
tratava com aguardente e se baldeava alguma Malvasia velha. A 5 de Agosto429 fez-se
o trato dos lotes de vinho sercial de 1820, de 1823/1825, procedendo-se à clarifi-
419.AHU, Madeira e Porto Santo, nº.667., confronte, Jorge de Freitas Branco, Camponeses da Madeira, Lisboa, 1987, pp. 211-
212 cação com goma de peixe 28 tonéis e 1 pipa, à trasfega de um lote particular de 1244
420.P. P. da Câmara, ibidem, p. 73.
421.D. João da Câmara Leme, ibidem, p. 6. pipas, um lote de 1824 com 7 tonéis e 12 pipas e outro de 1826 com 6 tonéis e 8
422.Paulo Perestrelo da CÂMARA Breve Notícia sobre a Madeira, Lisboa, 1841, pp.67-91 pipas. Entre 27 de Agosto e 10 de Setembro foram clarificados e trasfegados outros
423.O processo de vinificação é descrito pelos inúmeros estrangeiros que visitaram a Madeira no decurso do século XIX.
Quanto à clarificação referem o uso do gesso, sangue de boi, clara de ovo e carvão. Cf. A Guide to Madeira,…, London,
1801, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, p. 342; T. Bowdich, Excursions
in Madeira, London, 1825, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, p. 347; 424.AHU, Madeira e Porto Santo, (documentos näo catalogados), maço 24, doc. 5 de Abril de 1832.
Robert White, Madeira, London, 1851, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, 425.Idem, doc. de 5 de Abril de 1832.
p. 359; E. Wortley, A Visit to Portugal and Madeira, London, 1854, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. 426.Idem, doc. de 5 de Abril de 1832.
Documentos e Textos, Funchal, 1993, p. 366; D. Embleton, A Visit to Madeira, London, 1882, in Alberto Vieira, História do 427.Idem, doc. de 10 de Agosto de 1832.
Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, p. 401; J. Jonhson, Madeira, London, 1885, in Alberto Vieira, 428.Idem, doc. de 14 de Agosto de 1832.
História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, p. 409. 429.Idem, doc. de 25 de Agosto de 1832.
224 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 225

lotes de vinho totalizando 32 tonéis e 399 pipas430. A 15 de Setembro clarificou-se


vinho Madeira Particular de primeira qualidade ao mesmo tempo que foram trata-
dos 46 tonéis e 369 pipas com efusão de Malvasia431. Seguindo-se, depois, mais 220
pipas clarificadas com goma de peixe432. A 17 de Setembro433 procedeu-se à trasfega
e clarificação de 39 pipas, e em 14 de Outubro a 228 tonéis e 459 pipas de Sercial.
A 14 de Outubro, Manuel António Serrão dava por terminados os trabalhos,
descrevendo de modo sumário o processo usado: Achando-se acabado as lotações do
vinho de que vim encarregado pelo Exmo. Governador e Capitão General da ilha da
Madeira, sendo do meu dever como encarregado de uma tal comissão e para crédito
de tais vinhos, uma vez que sejão exportados para países estrangeiros, exceptuando
deste o da Rússia, que é aonde tem menor preço por não gostarem senão de vinhos
baixos e estufados, com bastante aguardente, e como estes sejão vinhos, sejão criados
de canteiro, tem por sua idade adquirido cheiro balsâmico por isso se fizeram dois
lotes, como já fiz patente a V. Exa. por um mapa que remeti e agora por o que vai junto
e, que pertence ao segundo lote, sendo estes dois lotes de primeira e segunda qua-
lidade, que pouco diferem do primeiro, a que ficará tudo igual logo que leve a sua com-
petente aguardente, e como esta só haja própria na ilha da Madeira dos mesmos bens
socrestados, onde se acha preparada e concertada com malvasia, que era já para adubar
estes mesmos vinhos. E por isso de certo não se poderá dispensar o ela vir, não só para
que dê mais valor aos mesmos vinhos, como também para interesse da Real Fazenda,
cujos vinhos já se acham clarificados, e prontos a entrar na sua trasfega. Logo que
Actual sistema de filtragem
aguardente venha para se deitar aquela porção que for suficiente, segundo o clima do foram ao longo do século XIX motivo de polémica. As francesas, comummente e transfega. Empresa
país e ficarem de todo prontos. E por isso julgava de necessidade que V. Exa. mandasse usadas para adubar os vinhos, ora surgem como adubo necessário e precioso, ora Justino Henriques. 2002.
vir da dita ilha, a qualidade de 180 a 200 galões d’aguardente já acima indicada. E como prejudiciais.
achando-se a malvasia ainda por concertar, não se poderá fazer sem vir a dita Em 1863 temos outra informação, que acrescenta novos dados sobre o método
aguardente, pois na ocasião de ser concertada é que leva a sua competente porção...434. usado no tratamento do vinho: Lançam o mosto em pipas enxofradas, tapando-o
O uso da aguardente de França e, depois, da terra, foi uma prática muito tardia convenientemente. Alguns fabricantes limpam as impurezas que se reúnem em
no tratamento dos vinhos de canteiro, uma vez que está documentada apenas a par- cima do liquido na ocasião de fermentação tumultuosa, outros reservam-se para o
tir de meados do século XVIII: O que porém, parece averiguado é que, na segun- limpar mais tarde e totalmente, depois da fermentação, ou ainda depois de já estar
da metade do século XVIII, os vinhos da Madeira superiores eram já adubados com tratado pela aguardente; para limpar os vinhos usam do emprego ordinário da colla
aguardente de França para o mesmo fim435. A partir daqui a tradição de adicionar de peixe, das claras de ovos, e ainda alguns de gomma arábica.
dois galões de aguardente a uma pipa de vinho generalizou-se436. As aguardentes Passada completamente a fermentação tumultuosa, e quando pelos signaes
adquiridos pela pratica só tratamento de vinhos, principalmente pela densidade,
sabor, cheiro e cor, se reconhece que o liquido está capaz de começar a ser tratado,
430.Idem, doc. de 10 de Setembro de 1832.
431.Idem, maço 20, doc. de 15 de Setembro de 1832. immediatamente o trasfegam, com as attenções convenientes e ordinárias a esta
432.Idem, maço 24, doc. de 15 de Setembro de 1832.
433.Idem, doc. de 17 de Setembro de 1832.
operação, para outras pipas, misturando com o mosto fermentado uma certa quan-
434.Idem, doc. de 14 de Outubro de 1832. tidade de assucar, isto é, 7 a 8 kilogrammas por pipa, assim como aguardente e pas-
435.D. João da Câmara Leme, ibidem, pp. 3/4; vide H. Machard, Traité Pratique sur les Vins, Besançon, 1865, p. 87 e seguintes.
436.São vários os testemunhos sobre a adição de aguardente. Cf. A Guide to Madeira,…, London, 1801, in Alberto Vieira, sas de Alicante pisadas, ou o sumo destas, sendo 48 litros de aguardente e 6,5 litros
História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, p. 342; T. Bowdich, Excursions in Madeira, London,
1825, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, p. 347; Robert White, Madeira,
de passas por cada pipa. Passado algum tempo os vinhos são outra vez trasfegados
London, 1851, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, p. 359; E. Wortley, A e limpos, e ainda mesmo sem os trasfegarem, são levados para as estufas, onde
Visit to Portugal and Madeira, London, 1854, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal,
1993, p. 366; D. Embleton, A Visit to Madeira, London, 1882, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e ficam por espaço de três mezes; no fim deste tempo tiram-se os vinhos das estufas,
Textos, Funchal, 1993, p. 401; J. Jonhson, Madeira, London, 1885, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira.
Documentos e Textos, Funchal, 1993, p. 409. sendo então tratados com iguaes quantidades de aguardente, assucar e passas, como
226 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 227

tinham sido antes de entrarem nellas.


Depois de dez ou doze dias e às vezes de mais, limpam os vinhos conveniente-
mente, pelos processos ordinários. Alguns fabricantes deitam o assucar no mosto
antes de começar a fermentação tumultuosa e a outra metade depois de sair da estu-
fa.437
Em finais do século, quando a vinha agonizava, publicaram-se vários estudos com
as soluções adequadas para debelar a crise. Surgiram instruções sobre a forma de
cultivo e o método mais adequado para o tratamento de vinho. Um deles foi apre-
sentado por D. João da Câmara Leme, o maior especialista em enologia
madeirense: Era então pequeno o número de cepas, principalmente cultivadas na
Madeira: verdelho, malvasia, boal, sercial, tinta. O vinho feito de uvas de uma só va-
riedade tomava o nome de cepa que o produzia; quando no vinho entravam uvas
de diversas variedades, ele tomava o nome de vinho Madeira.
Na apreciação do vinho tinham-se em conta o sítio e a exposição; a maturação da
uva, que muitas vezes, se queria que estivesse meio passado, o que exigia sempre
uma rigorosa escolha, para que o vinho da uva bem madura ficasse separada do da
uva menos madura, que era chamado vinho de escolha, ou vinho verde; os anos
mais chuvosos e frios eram cuidadosamente notados nas reservas anuais; de modo
que, quando as casas exportadoras compravão o vinho antes da colheita, os culti-
vadores não tinham, geralmente licença para a vindima, senão depois de terem sido
enviados inspectores por essas casas, para verem se as uvas estavam capazes.
Mas, a esse tempo, os exportadores, para mais segurança costumavam comprar
Bomba de transfegas.
o vinho, depois de claro, aos colonos, aos senhorios ou a comerciantes inter- deveria fazer-se com ovos, goma, leite, sangue, barro. O sercial, de todos o mais Colecção do Autor. 1988
mediários. Por isso a colheita da uva era feita sempre com o maior cuidado; e o alcoólico é também o que requere menos trabalho (...).
vinho ia dos lagares para as adegas; onde permanecia enquanto fermentava. Mas ao passo que as clarificações e trasfegas se iam tornando menos frequentes
Se era sercial, a fermentação durava enquanto havia açúcar no vinho, que por à medida que os fermentos iam sendo eliminados, o vinho ia perdendo, sem sair do
isso, ficava seco e mais alcoólico, e se tornava, depois mais aromático. Se era mal- canteiro, o gosto, o sabor, o cheiro e cor de novo, e adquirindo o gosto, sabor, o
vasia ou boal, numa palavra, era vinho que não contivesse fermentos suficientes para cheiro e a cor de vinho mais velho; até que quando, passados quatro ou cinco anos,
desdobrarem todo o açúcar, o vinho ficava doce, menos alcoólico, e não se tornava o vinho podia conservar-se, por muito tempo, sem alteração, em vasilha fechada e
tão aromático. longe de vinhos mais novos, era considerado pronto para o consumo, tendo adquiri-
Se era vinho Madeira, mais ou menos doce, mais ou menos alcoólico, e tornava- do as qualidades especiais que o caracterizavam.
se depois mais ou menos aromático segundo as variedades das uvas que o tinham Assim o sercial, cor de topázio claro, tornara-se seco, muito alcoólico, e muito
produzido. aromático; o malvasia, também cor de topázio, talvez mais apertada, do que a do ser-
O tinta era especialmente notável por sua cor escura, que perdia com o tempo. cial conservara-se menos doce, mas tornara-se muito menos alcoólico e menos
O vinho ficava claro “quando os fermentos tinham desdobrado todo o açúcar, ou aromático; o boal, de cor semelhante à do sercial, conservara-se menos doce do que
quando havia mais fermento em actividade que desdobrassem o açúcar. o malvasia mas tornara-se um pouco mais alcoólico e aromático; o tinta era espe-
A partir de então retirava-se as borras e os exportadores conduziam-nos ao envel- cialmente caracterizado pela sua cor escura que os anos faziam desaparecer; o
hecimento no canteiro. madeira, em que entrava, em grande parte o verdelho, e, muitas vezes, o tinta a cor
Os vinhos menos alcoólicos incapazes de manter inertes os fermentos eram sub- de rubim mais ou menos viva e apresentava qualidades um pouco variáveis, segun-
metidos maiores tratamentos com clarificações balde, celhas por vezes a clarificação do as variedades das uvas que nele predominavam438.
437.Francisco P. Oliveira, Informações para a Estatística Industrial Publicadas pela Repartição de Pesos e Medidas-Distrito de
Leiria e Funchal, Lisboa, 1863, p.48.. 438.Idem, ibidem, p. 6.
228 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 229

Canteiro com pipas.


Artur Barros & Sousa, Ldª

Vinho canteiro
Vejamos agora o modo singular de os tratar nos dois sistemas em uso Canteiro e de
Estufa. O primeiro reduz se a conserva-lo no vasilhame colocado em cima de duas tra-
ves, na altura de 2 ou 3 palmos do chão, e ahi se lhe presta o necessário tratamento;
começarei desde o seu primeiro processo. Colhida que é a uva, e lançada no lagar, é
pisada com os pés até que o bago fica quase moído; então de todo o bagaço se forma
uma pyramide sustentada em roda por cordas, em cima da qual uma taboa vai servir de
base a alguns pedaços de madeira quadrados até irem tocar na vara do lagar, isto é, uma
grossa viga que o atravessa, com um maquinismo de espremer, ou apertar o objecto a
que aplicado, com um peso de pedra. Findo este processo, desmancha se o bagaço, o
qual ficou exausto de suco aparentemente, cortado, separado, e então outra vez forte-
mente calcado, ao que chamão repisa, findo o que, o mesmo resíduo ensopando-se outra
vez do âmago da uva que, se não poude esgotar no primeiro processo, passa a um
segundo igual, e o liquido que produz, chamado o da corda ou repisa, é de superior qua-
lidade. Depois torna-se a desmanchar o bagaço, deita-se lhe agoa, o que produz a agoa
pé.
Sacado o mosto da tina, he lançado em pipas, não batocadas, por causa da efer-
vescência que logo se lhe desenvolve, e dura nos vinhos generosos até Dezembro. Claro
que esteja, é tirado de cima da borra; então é logo mandado para o alambique, e o que
se quer tratar para velho vai para o canteiro onde é clarificado com goma de peixe, ou
claras d’ovo, ou sangue, e logo trasfegado e agoardentado. Nos primeiros 18 mezes, é
necessário repetir este processo 6 ou 8 vezes abafando-o sempre com aguardente. Se
acaso por ser muito maduro ou muito verde o vinho amolece, e fica como azeite, o que
acontece ás vezes nestes dois estremos, é preciso logo baldea-lo, rolar a pipa em que
está, ou bate-lo bem com o mechedor e agoardenta-lo, mas se a nada disto cede, só o
calor da estufa o curará, ou servirá para aguardente.
Preparação das pipas. Gravura
de Max romer. Sala de Provas PAULO PERESTRELO DA CÅMARA Breve Notícia sobre a Madeira, Lisboa, 1841, pp.67-91
da Madeira Wine Co.
230 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 231

principais consumidores do vinho Madeira, foram os primeiros apreciadores do


vinho da roda, por isso no mercado britânico, desde finais do século XVIII, os
Common Madeira, London Market e London Particular foram preteridos em favor
do East India Madeira. As pipas embarcadas eram marcadas com as seguintes ini-
ciais: V.O. W. I (Very Old West Indies Madeira). A diferença de preços entre um
e outro era do dobro, resultante dos custos do transporte, elevada procura e repu-
tação que o mesmo adquiriu no Reino Unido onde teve um estatuto especial440. A
primeira referência ao comércio do vinho retornado das Índias surge em 1722441.
Nos meses de Setembro e Novembro de 1790 Mr. Christie colocou à venda no mer-
cado britânico 3 pipas de vinho Madeira vindo da Índia e 39 do Brasil.
Foi a partir daqui que se generalizou o uso das estufas como sistema de enve-
lhecimento dos vinhos, estando a primeira documentada em 1794. A solução re-
presentava uma maior economia de tempo e custos permitindo colocar, em pouco
mais de três meses, à disposição do cliente um vinho prematuramente envelhecido,
com propriedades semelhantes ao que tinha cinco anos no casco. O uso das estufas
generalizou-se. Era vulgar ver-se as pipas jacentes nos fornos de pão da cidade, ou
simplesmente ao Sol. O vinho estufado, para alem de ter gerado acesa polémica em
Rótulo antigo. Colecção da princípios do século XIX não mereceu os elogios do consumidor.
Madeira Wine Company
O vinho da Roda era diferente e tinha o condão de melhorar as qualidades
organolépticas sem se degradar, o que não sucedia, segundo alguns, com o vinho estu-
O vinho da roda fado. Em 1818 a própria Junta deu o exemplo ao carregar 50 pipas no brigue-escuna
Maria do Capitão José A. Martim de Sá442. Tendo-se dado ordem de embarque a 21
A situação privilegiada da comunidade britânica é resultado dos tratados de ami- de Abril443. Em aviso ao Deputado-escrivão da Junta de Cabo Verde se dá conta da

R
zade, nomeadamente o de Methuen, e da estratégia definida pelas actas de navega- remessa de vinho para envelhecer e depois ser dado o destino que S. M. desejar,
ção inglesas (em 1660 e 1665). A Madeira foi para os ingleses a ilha das escalas e recomendando o cuidado e vigilância de sua existência, de maneira que receba o
abastecimento em vinho. São inúmeros os testemunhos da presença das armadas muito calor possível de Verão futuro e não haja extravio444. Noutro aviso a J. de Araújo
britânicas no porto do Funchal. A passagem era frequente, usufruindo de um trata- Barros, em Cabo Verde, dá-se conta da remessa para os fazer pôr nessa ilha e voltarem
mento especial das autoridades locais. Relevam-se as de 1799 e 1855 compostas a vir depois de passado o Verão futuro... lhe rogo o maior desvelo e cuidado na boa
respectivamente por 108 e 112 embarcações que saíram da ilha a abarrotar de vinho. guarda e vigilância do dito vinho a fim de que não haja extravio casual nem voluntário
Muito do vinho fazia o percurso de ida e volta. Os tonéis de vinho no porão das e obtenha aquele grau de melhora que se espera146.Em 1826 a prática de embarque
embarcações estavam expostos ao calor dos trópicos e sujeitos à constante baldeação de vinhos nem voluntário e obtenha aquele grau de melhora que se espera445
resultante das correntes marítimas, adquiria um envelhecimento prematuro, assim Em 1826 a prática de embarque de vinhos para emvelhecer havia-se generalizado
descrito por A. Sarmento439: Pelo final do século XVIII, notaram os negociantes e e todo o vinho de roda era reembolsado dos direitos pagos à saída ou levantava
exportadores de vinho que este, sujeito a uma longa viagem, batido pelo balouço da fiança até ao retorno. Em 21 de Fevereiro Philip Noailles Searle solicitou o descon-
embarcação, aquecido às abafadas temperaturas que se notam nos porões, tornava to dos direitos de 3 quartos e 10 meias quartolas de vinho de roda, autorizado em 8
características especiais de aromatização, um todo precocemente envelhecido, pelo de Junho de 1825446.
que mandavam muitas pipas à índia com frete de torna-viagem, para de lá voltar me-
lhorado o vinho, que ficou sendo chamado da roda do mundo ou simplesmente 440.A.Jullien, Topographie de tous les Vignobles Connus, Paris, 1816(reed.1832), p.467; Rupert Croft-Cooke, Madeira, London,
1961, p.86
vinho da roda. 441.A. Huetz de Lamps, Le Vin de Madere, p.36.
442.ANTT, PJRFF, nº 759, fol. 407.
Diz-se, que da constatação deste facto à prática corrente foi um salto. Os ingleses, 443.Idem, nº 405, fol. 161.
444.Idem, nº 759, fols. 408/409.
445.Idem, nº.759,fl. 409.
439.SARMENTO, Alberto Artur, Ensaios Históricos da Minha Terra, vol. III, Funchal, 1952, pp.119-120 446.Idem, nº 241, fol. 39vº.
232 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 233

Um ano depois a generalização e a prática causou graves incómodos à adminis- A Junta da Real Fazenda reconhecendo os per-
tração da alfândega, pelo que se determinou o embargo: Havendo-se nesta ilha calços que a situação causava à arrecadação dos direitos
introduzido o costume de embarcar vinho com faculdade de voltar a ela para na via- decidiu por fim tal prática. Daqui resultou a perda de
gem ganhar melhoramento, foi sempre tolerado em pequenas proporções. De tal importância do vinho da roda na ilha e a consequente
uso passou a fazer-se abuso, pois que os negociantes para ganharem maior prazo no valorização no mercado britânico, onde as pipas da
pagamento dos direitos, figuravam em mui tas das suas especulações os embarques roda passaram a afluir com maior assiduidade.
do vinho para vir de roda, dando a sua fiança, e a final quando passava o prazo mar- Ficou célebre, entre os apreciadores, o vinho que o
cado para a entrada do vinho, e este não chegava, se lhes carregavam os direitos, cuja cônsul inglês H. Veitch ofereceu em 1815 a Napoleão
arrecadação ia ter a demora que as mais ordens terminam a favor dos assinantes. Bonaparte, aquando da passagem pelo Funchal com
Resultava deste meio acharem-se muitos direitos por cobrar, poderem ometer-se destino ao exílio de Santa Helena. O imperador não o
outros dolos que esta Junta por bem da fazenda intendeu dever prevenir e substrar bebeu e o vinho acabou de volta à ilha, onde foi engar-
na continuação de tal prática447. rafado a partir de 1840 com o título de Battle of
Nos registos de embarque de vinho entre 1823/30 assinala-se o vinho da roda que Waterloo. Winston Churchill de visita à ilha em 1950
durante a fase permissiva atingiu grandes proporções. Em 1823 saíram 1650 pipas e foi um dos poucos contemplados com uma garrafa.
em 1824, 366. Aqui destacaram-se os comerciantes ingleses John Howard March & Em 1992 recriou-se a referida rota e a técnica de
Ca. e Philip Noailles Searle, e poucos portugueses, de que se afirmam as casas envelhecimento com o embarque de 600 litros de Boal
madeirenses mais importantes como Monteiros & Ca., Luís de Ornelas a bordo do veleiro Kaisei, que participou na regata
Vasconcelos, João Oliveira & Ca. Colombo 1992.
O vinho da roda é para o madeirense e o britânico
REGISTO DE SAÍDA DE VINHO DA RODA. 1823-1830 uma dádiva do oceano. As agitadas águas do Atlântico
e Índico transformaram-se numa grande adega, onde
MERCADOR 1823 1824 1828 1830 Rótulo antigo.
os vinhos madeirenses envelheciam. Foi uma mais- Colecção da Madeira Wine Company
1/2 quartolas

1/2 quartolas

1/2 quartolas

1/2 quartolas
valia, sabiamente aproveitada pelos insulares que
quartolas

quartolas

quartolas

quartolas
Quartos

Quartos

Quartos

Quartos
cativou os tradicionais apreciadores britânicos. Mas
pipas

pipas

pipas

pipas
nem todos comungaram da mesma ideia, surgindo
John Howard March & C. 100 77 73 38 2 3
opiniões contrárias: Consumidores de vinho em
Monteiros & Co. 19 18 8 Inglaterra são muitas vezes enganados pela ideia de
Gordon Inglis & Co. 74 1
Luiz de Ornelas Vasconcelos 22 2 11
que uma viagem às índias Orientais ou Ocidentais é
Seymonds Rfly & Co. 25 31 22 18 suficiente para garantir a excelência do vinho. Mas isto
Minett Honotton & Cº. 3
Diogo Hougton 46 20 8
é uma falácia óbvia, pois, se o vinho não fosse de boa
Gould & Co. 3 qualidade quando exportado da ilha, mil viagens não o
George Blackburn & Co. 80 5 5 19
Alexander Hally 54 2 43 42
poderiam tornar no que nunca tinha sido. Todos os
João Oliveira & Co. 13 24 1 comerciantes na Madeira sabem bem que uma grande
Rutherefort & Grant 1 9 14 12
Diogo Taylor 30 16
parte dos vinhos assim exportados são de uma quali-
Guilherme Tindlay 55 38 18 1 9 dade inferior, e são adquiridos em troca de géneros
Philip Noailles Searle 94 78 47 161 34 21 5
Gough & Hollway & Co. 27 54 12
por pessoas geralmente conhecidas como comer-
Outros… 402 432 560 25 2 2 4 ciantes por troca448.

448.J. Holman, Travels in Madeira, London, 1840, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal,
1993, p.354. Sobre o vinho da roda veja-se: A Guide to Madeira, London, 1801, in Alberto Vieira, História do Vinho da
Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, p.343; J. L. Thudichum, A Treatise on the Origin, Nature and Varieties of
447.Idem, nº 764, fol. 139. Este informe vem a propósito de um requerimento de Philip Noailles Searle & Ca, solicitando o reem- Wine, London, 1872, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, p.372; A. Drexel
bolso dos direitos de 50 pipas de vinho de roda [Idem, nº 406, fol. 20.]. Biddle, The Land of the Wine Being na Account of the Madeira, London, 1900, in Alberto Vieira, História do Vinho da
Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, p.421.
234 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 235

passaram a ser expostas ao sol450 ou colocadas por cima dos fornos de pão sujeitas
ao calor. Ao mesmo tempo construíram-se as primeiras estufas, isto é, recintos fecha-
dos onde circulava o ar quente por canos. A mais antiga conhecida, mas não a
primeira, é a de Pantaleão Fernandes e data de 1794451.
O sistema de estufa está considerado oficialmente como o método de tratamen-
to do vinho, apenas usado pelas casas para o vinho das castas autorizadas, nomeada-
mente, a tinta negra mole. De acordo com a legislação em vigor o vinho deverá man-
ter-se recipientes a uma temperatura constante até 55ºC. por um prazo de noventa
dias. Antigamente o vinho sofria uma evaporação de cerca de 15%, mas hoje com a
nova tecnologia as perdas são reduzidas. A disponibilização no mercado só poderá
acontecer após dois anos de estágio no canteiro452.
Apenas a empresa familiar Artur Barros & Sousa Lda. não utiliza no tratamento
do vinho as estufas. As demais dispõem do referido sistema, usufruindo da mais
moderna tecnologia. A Madeira Wine Company Lda. dispõe nas instalações ao
Largo Severiano Ferraz dois tipos de estufas tradicionais: a estufa de cimento e de
madeira. Além disso usa aqui e na rua de S. Francisco do chamado sistema de
armazém de calor.
A estufa é entendida como resultado da conjuntura favorável ao escoamento rápi-
do do vinho, que adveio com as guerras napoleónicas, com consequente esgota-
mento dos stocks, criando a necessidade do trato rápido dos vinhos novos para sat-
isfazer as encomendas do mercado, o que só poderia ser possível com as estufas. Ao
primeiro facto comenta D. João da Câmara Leme: Estamos em fins do século
XVIII. A exportação dos vinhos da Madeira tem aumentado, muito principalmente
Fornalha da estufa
para a Inglaterra, porque, em razão da guerra, lhe estão fechados os portos da
da firma Cossart As estufas Europa. As reservas de vinhos em boas condições de embarque estão esgotadas. O
Gordon & co.
sistema do canteiro não é processo aplicável a um largo e importante consumo com

E
O vinho da roda é considerado um feliz acaso das viagens transoceânicas. No per- a perspectiva de grandes lucros453. Quanto ao segundo Alberto Artur Sarmento
curso da Madeira à Índia e retorno à Inglaterra, com duas passagens pelos trópicos, destaca: Pelo final do século XVIII, notaram os negociantes exportadores de vinho
melhorava. O calor dos porões atribuía-lhe um rápido envelhecimento, que cedo se da Madeira, que este sujeito a longa viagem batido pelo balanço da embarcação,
tornou notado pelos ingleses. Foram eles os primeiros a usufruir da situação vanta- aquecido às abafadas temperaturas que se notam nos porões, tomava características
josa. Este vinho tem a fama de possuir muitas qualidades extraordinárias. Tenho especiais de aromatização, um todo precocemente envelhecido, pelo que man-
ouvido dizer que se Madeira genuíno for exposto a temperaturas muito baixas até davam muitas pipas à Índia com frete de torna-viagem, para lá voltar melhorado o
ficar congelado numa massa sólida de gelo e outra vez descongelado pelo fogo, se vinho, que ficou sendo chamado de roda do mundo ou simplesmente vinho de
for aquecido até ao ponto de fervura e depois deixado arrefecer ou se ficar exposto roda454.
ao sol durante semanas seguidas em barris abertos ou colocado em caves húmidas O processo generalizou-se rapidamente, embora continuasse a ser oneroso e
não sofrerá o mínimo dano apesar de sujeito a tão violentas alterações449. demorado para as exigências do mercado. Estamos perante uma situação comu-
De imediato o vinho da roda ganhou fama e começou a embarcar-se pipas de
vinho nos porões dos navios para aí envelhecerem. A partir daqui deu-se o salto para 450.Construíram-se até estufas para fruir do calor do sol, como nos refere Henry Vizetelly [Facts about Port and Madeira,
a concretização local do processo de envelhecimento prematuro do vinho. As pipas London, 1880, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, p.397] sobre a casa
Meyrelles sobrinho & cia.
451.Manoel de Santanna e Vasconcellos, Clamor dos Madeirenses. Funchal, 1835, p.8
452.Alex Lidll, Madeira, London, 1998, pp.126-128.
449.J. Barrow, A Voyage to Conchinchina, London, 1806, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, 453.Idem, ibidem, p. 6.
Funchal, 1993, p.339 454.Op. Cit., vol. III (1965), p. 119.
236 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 237

mente aceite, mas que no nosso entender deverá ter sucedido de forma distinta. O acontece com John Ovington462 que em 1689 referia: O vinho Madeira tem a quali-
madeirense não ignorava o sistema de tratamento usado pelos antigos. Já os Gregos dade muito peculiar de, quando está a fermentar, ser melhorado pelo calor do sol
e Romanos tinham conhecimento da acção do calor dos porões dos barcos e dele se o batoque for desviado da abertura da pipa e, desta madeira, o vinho ficar expos-
se serviram para trato dos vinhos tal como refere Plínio, entre outros. Na Madeira to ao ar. A partir de 1730463 era corrente a designação de vinho de sol e em 1880
a prática parece ser tardia. A primeira informação que dispomos data de 1550455 e Henry Vizeteelly464 descreve a estufa de sol da firma Krohn Brothers no Funchal.
refere a despesa de dois vinténs feita pela Misericórdia de Machico para lenha para O uso das estufas no envelhecimento do vinho não foi unânime. O Governador
cozer o vinho. Não sabemos a que se reporta a situação e se refere ao fabrico de D. José Manuel da Câmara por editais de 23 de Agosto de 1802 e 6 de Novembro
aguardente. de 1803 proibiu o funcionamento das estufas por serem prejudiciais à boa reputação
A primeira referência às estufas remonta a 1730456. Daí à afirmação do sistema o dos vinhos. Mas, em face da reacção da maioria dos comerciantes nacionais e
salto foi rápido: Vião os comerciantes que o calor dos navios e dos climas mais estrangeiros da região465 e do Senado da Câmara466 foi obrigado, em 14 de Fevereiro
ardentes beneficiaram considerável e visivelmente os vinhos em toda a sua quali- de 1804, a oficiar ao Conde de Anadia, dando conta do sucedido e da pretensão dos
dade, tanto de sabor como de cheiro, logo pela razão, a mais bem deduzida, se per- locais para que fosse levantada a suspensão de modo a poderem aviar as encomen-
suadirão, e se convencerão de que o vinho Madeira se aperfeiçoava e mesmo se das467. Por ordem régia de 7 de Maio, do mesmo ano, foi expedido aviso para ser lev-
requintava com o calor: ocorreu logo, que sendo possível tratá-lo em terra com uma antada a proibição. Não terminou aqui a questão das estufas não terminou, pois que
precisa quentura para o seu benefício seriam grandes os proveitos que colheria o em todos os debates sobre a qualidade do vinho se alude à influência benéfica ou
comércio, o público, e não menos S. A. Real457. Assim, tivemos o primeiro ensaio prejudicial do tratamento com as estufas. O próprio Senado da Câmara, cuja com-
de estufa com vinhos novos, enquanto um comerciante aquecia dia e noite um posição heterogénea mudava com assiduidade, assumiu posições contraditórias.
armazém com vinhos novos outro colocava no armazém canos de ar quente458. A Os que comungavam de opinião desfavorável acusam as estufas de estarem na
primeira estufa levantada nesta ilha se fabricou no ano de 1794 e 1795, e depois dela origem da perda da fama e decadência docomércio do vinho, porque o prejudi-
se levantavão sucessivamente muitas outras que todas tem trabalhado até os últimos cavam, retirando-lhe as qualidades balsâmicas468, ou alterando o sabor e atribuindo
meses passados459. Em 1802 segundo John Leacock estufas are now become gene- um gosto torrado, queimado muito desagradável469. Disto se fez eco de modo sar-
ral460. cástico, em 1851 no Correio da Madeira: O vinho estufado, cozido, fervido, frito,
Antes do aparecimento das estufas tivemos o chamado vinho de sol. A referência assado e agrilhoado é a causa suficiente da decadência do nosso comércio e o aba-
mais antiga ao processo surge em 1687. De acordo com H. Sloane461 o vinho bene- timento da nossa agricultura... As estufas são somente próprias para o vinho mão, e
ficiava com a exposição ao sol: …tem a propriedade curiosa, muito especial de se o que é essencialmente mau, não há forças humanas que o fação bom.
tornar melhor quanto mais exposto estiver ao sol e ao calor. Assim, em vez de o O vinho bom carece de estufa, logo as estufas só servem para o ordinário: que se
levarem para uma adega fresca expõem-no ao sol e ao calor. A mesma constatação deve ferver para aguardente, e consumir nas tabernas. O cheiro, o sabor do vinho
estufado são péssimos, são repugnantes e asquerosos: o vinho não sabe à uva, parece
sumo das aduelas, das vasilhas, que o tiverão em fermentação. Nada mais ingrato,
455.Alvaro Manso de Sousa, O Fato do Diabo. Curiosas Notas sobre a Misericórdia de Machico, in Das Artes e da História da
Madeira, nº.5069, 5 de Maio de 1949, p.234
nada mais desgostoso ao paladar. O vinho de estufa ataca o cérebro, afecta o bofe,
456.Ruppert Croft-Cook, ibidem, p. 65. excita sede insaciável, provoca almorreimas, produz puxos, tenesmos, frenesim,
457.AHU, Madeira e Porto Santo, nº 1431.
458.D. Joäo da Câmara Leme, ibidem, p. 6. delírios, loucura. E uma calamidade pública esta funesta descoberta; que fazendo
459.Joäo da Câmara Leme, ibidem, p. 6.
460.Ruppert Croft-Cook, ibidem, p.66. Numa carta de 1800, o mesmo descreve a sua primeira estufa que teve na ilha, dando
exportar o vinho mau, deixa o bom, e óptimo estagnado, arruinado o nosso cré-
conta do movimento das estufas, e da discussäo sobre o vinho estufado: We are erecting an estufa & hope to have it fur- dito470.
nished in two or three weeks we shall stard in need of two common thermometheos. good but the least expensive, in order
that we may regulate the heat; we therefore by you will send out a couple very carefully packed we hope this new mode of
treating wine will answer, but the correspondents of those who ship its - they are now common of all the houses use estu-
fas - several of them have built them & others put their wine into hired estufas, where they pay 5 m000. p. pipe for 3 months 462.António Aragão, ibidem, pp.197-198
stewing. We are not yet perfectly satisfied of all the effects produced by the application of heat to the wine, but think in gen- 463.Rupert Croft-Cooke, Madeira, p.66.
eral they keep too fierce a degree of heat, nickel keeps the wine constantly boiling, and in rather insipid of weak. We are of 464.Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira, p.392
opinion that a moon moderate temperature will succeed better & shall prolong the period to six instead of three months as 465.AHU, Madeira e Porto Santo, nº 1431.
we have see. However the great test will be, how it is approved by those who are no good judges, the new wine with three 466.Idem, nº 1433.
months estufa imitates wine of 4 or 5 years old & we don’t think that the deception will be easily discovered- perhaps prej- 467.Idem, nº 1428.
udice the character of Madeira wine. Wall hot climates its improves much quicker than in gold over: twelve months in the 468.ARM, RGCMF, t. 14, fols. 202/203vº.
East or West Indies ha me effect than 3 years here, or four or five years in England - there for the heat must be on benefit 469.D. Joäo da Câmara Leme, ibidem, p. 7.
& we must make a climate [Idem, ibidem, pp. 67/68; vide também P. P. da Câmara, ibidem, pp. 76/7, onde faz uma descriçäo 470.Nº 116, p. 2; vide resposta no nº 117, pp. 1 e 2, Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal,
da estufa; Confronte-se o texto de H. Vizetelly in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira, Funchal, 1983, pp.375-399. 1993, p.223; Requerimento de 1834 contra as estufas, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos,
461.António Aragão, ibidem, p.159 Funchal, 1993, pp. 221-222
238 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 239

Os que defendem as estufas anotam a qualidade do vinho estufado, destacando do juiz do povo475. Na realidade, como referem, só houve até 1803 três ameaços e
que a medida era útil e barata para o trato e rapidez de escoamento do vinho. apenas um incêndio na estufa de Phelps Page & Ca. em 29 de Outubro de 1806476.
Assim, o referem os comerciantes locais em 1804: Granjeou o comerciante o fruto Depois disso só temos referência a três incendios na ultima década da centúria. A
preciso dos seus cuidados, dos seus cálculos, e da sua bem atendida vigilância, pois 20 de Janeiro de 1894 o fogo devorou a estufa da firma de vinhos Araujo &
que com o novo método de melhorar, e adiantar os seus vinhos de 5 a 6 meses Henriques, seguindo-se a 15 de Dezembro de 1898 um outro na estufa do Conde
apronta toda a quantidade de vinho, que é preciso para os seus embarques, não de Canavial na rua 5 de Julho onde estavam mais de cem pipas de diversos propri-
sendo oubrigados a esperar o espaço seguro de 4 a 5 anos471. etários. O último que temos noticia sucedeu a 11 de Julho de 1900 num prédio da
Em 1834 a Câmara do Funchal desfez as acusações que apontavam as estufas Rua do Esmeraldo, propriedade dos herdeiros de Júlio Henriques de Freitas, que
como a causa da ruína do comércio local, apresentando o efeito benéfico e incenti- tinha no primeiro andar uma estufa com 49 pipas, que felizmente se salvaram477.
vador para o comércio: Ora devendo-se considerar a invenção das estufas como Se as estufas não eram consideradas um perigo para a saúde e segurança públi-
admirável processo por meio do qual se melhora rapidamente a qualidade dos vi- cas, tornavam-se prejudiciais à pouca salubridade do burgo oitocentista atingindo o
nhos, apressando sua maturação, ao mesmo passo que se evitão grandes embates de centro do burgo e ruas de maior movimento em redor do porto do Funchal. Era o
capital; e sendo este aliás o único método que nos pode habilitar a competir com os caso da área da Sé do Funchal, próxima da Alfândega e do cabrestante, onde entre
vinhos de outras nações nos quais a cultura dos vinhos é mui pouco dispendiosa...472. 1809/1834 laboraram as estufas de Gordon Duff, & Ca., respectivamente no Beco
Da mesma opinião era P. P. da Câmara: Seria inepto julgar, que foi o processo da do Assucar e Rua do Esmeraldo. Aliás, se tivermos em conta que a freguesia da Sé
estufa que desacreditou este género, e diminuiu o seu consumo... a não ser esta se situa na área central da cidade ficaremos com uma ideia clara da implantação,
providência que tanto veio a baratear a única produção que aviventa a Madeira, o pois que entre 1839/1840 existiam 15 estufas, a que se seguiam 9 na freguesia de S.
que seria hoje d’ella, se este método não tivesse facilitado a sua exportação, barate- Pedro, denotando uma forte concentração na área circunvizinha da Alfândega e
ando o seu custo?... O sistema das estufas veio facilitar a sua extracção, assim como Porto do Funchal o que, em parte, se justifica para um fácil transporte do vinho de
dar-lhe velhice e fortaleza para resistir ao gelo do norte, recebeu nova inculação e embarque. De notar entre 1839/1840 a elevada concentração de estufas no Beco
sangue desta ilha...473. dos Aranhas (4 e 5) e em S. Paulo (3 e 1), área ribeirinha ao mar pelo lado da
No Funchal, principal centro vinícola da ilha, procedia-se ao tratamento do vinho Pontinha e sobranceira à ribeira de S. João. No termo da cidade as estufas local-
por meio das estufas. O sistema generalizou-se a partir de finais do século XIX. As izavam-se em Santa Luzia, Caminho da Torrinha, Torreão e, em Santa Maria Maior
estufas distribuíam-se indiscriminadamente por toda a cidade situando-se nos ter- na Rua dos Balcões, Rua Bela de Santiago, Rochinha. Fora da área do Funchal,
renos anexos às adegas na área circunvizinha do cabrestante. O processo de estu- encontramos apenas duas em Santa Cruz em 1840, uma em S. Fernando, de
fagem tinha lugar em edifícios construídos para tal ou em cima dos fornos de cal ou Joaquim Telles de Menezes e outra na Rua Direita de Augusto César de Oliveira.
de cozer pão. Em 1861 a estufa existente na rua dos Moinhos foi demolida por não Entre 1805 e 1816 nota-se uma estabilização no número de estufas. Estamos num
ter conseguido resultado de melhorar o vinho474. Para o período de 1739 a 1872 assi- momento de medidas proibitivas e da discussão contrária à implantação e utili-
nala-se o uso de um forno de cal à Rua do Hospital Velho e de 12 fornos de cozer dade478. Passado este período ganham uma certa estabilidade, a que se seguiu,
pão, com idênticas funções, nas ruas do Aljube, Ponte Nova, da Sé, Queimadas, depois de solucionada a crise, um forte impulso entre 1817/1829. A década de trin-
Ingleses, Capitão, Bela Vista, Castanheiro, Pintos, Nova de Santa Maria, Esmeraldo ta foi marcada por uma queda, que se acentuou a partir de 1832. O período que
e Largo da Sé. decorre de 1834/1844 foi marcado por uma certa estabilidade no número de estu-
Por editais de 23 de Agosto de 1802 e 6 de Novembro de 1803 proibiu-se a cons- fas em laboração, apenas se notando um salto isolado em 1839. Desde 1845 a
trução de estufas no recinto da cidade, argumentando o juiz do povo os inconve- tendência era para subir, atingindo-se em 1851 o número máximo de estufas. A situ-
nientes que advinha para a saúde pública, pelo fumo e constante perigo de incêndio ação vivida a partir de 185 inverteu o processo, que se acentuou a partir de 1860.
no período de laboração. Os comerciantes da praça do Funchal manifestaram-se Procuramos nos elementos recolhidos alinhavar uma explicação para a quebra acen-
contra, alegando os prejuízos e contrariando os argumentos infundados do referi-
475.AHU, Madeira e Porto Santo, nº 1428, 1431.
476.ANTT, PJRFF, nº 461, p. 12.
471.AHU, Madeira e Porto Santo, nº 1431. in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, 477.Vasco F. Campos e Alberto Malho, O Bombeiro Madeirense e a sua História, Funchal, 1963, pp.35, 40-41, 47
pp. 52-56 478.Com base nos dados fornecidos por alguns códices do ANTT, ARM [ARM, CMF, nº 1069/74; ANTT, PJRFF, nº 441.] e ele-
472.ARM, RGCMF, t.17, fols.148vº-152. mentos fornecidos por José Silvestre Ribeiro [José Silvestre Ribeiro, “op. cit.”, in Diário da Madeira, nº 113, p. 4.], J. J.
473.Op. cit., pp.75/76. Nóbrega [ibidem, fol. 9.] e Gerardo Pery Gerardo Pery, ibidem, p. 319.] Elaborámos o mapa de evolução do número de est-
474.ARM, CMF, Vinho, Manifestos, 1839/1872, 6 volumes, nº1069/1074. ufas na Cidade do Funchal e termo, atingindo o período de 1805/1872
240 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 241

tuada de 1834 e a subida em flecha de 1851, mas foi em vão, pois, não encontramos LOCALIZAÇÃO DAS ESTUFAS 1805-1872
nada que permita dar uma resposta satisfatória479. O primeiro dado surge num LOCAL Estufas LOCAL Estufas
momento em que a discussão das estufas se havia atenuado e a Câmara do Funchal Beco dos Aranhas 13 Rua Santa Eulália 1
estava de acordo com a utilização. Já em 1851 estamos novamente num período de Santa Catarina 2 Rua Bela Santiago 1
intensa discussão. R. Castanheiro 5 Rua da Rosa 2
R. Ferreiros 2 Praça de S. João
A crise do comércio do vinho ocorrida em finais do século XIX contribuiu para R. do Carmo 1 R. Balcões 1
o lento desaparecimento das estufas, tal como vinha sucedendo com as empresas do R. da Laranjeira 1 Rochinha 1
sector. A tradição de estufar vinho não se perdeu, pois permaneceu passando a fazer R. Monteiro novo 1 S. Fernando(Santa Cruz) 1
parte do processo de vinificação do vinho. Uma característica do processo de vinifi- R. Bom Jesus 1 Ponte Nova 3
cação que só acontece com o vinho Madeira. R. Fanqueiros 2 Beco de Santa Emília 3
Rua Nova 2 R Fontes 1
ESTUFAS EM FUNCIONAMENTO1805-2002 Caminho da Torrinha 4 R. hortas 1
ANO ESTUFAS ANO ESTUFAS R. Moinhos 1 R. Esmeraldo 1
Nacionais Estrangeiros Total Nacionais Estrangeiros Total R. Anadia 2 R. Infância 1
1805 11 6 17 1841 7 5 12 S. Paulo 4 Rua Mouraria 1
1806 9 6 15 1842 7 5 12 Torreão 1 Forca 1
1807 6 6 12 1843 7 5 12 R. Boa viagem 1 Rua Nova de Santa Maria 3
1808 5 7 12 1844 7 5 12
R. Mercês 1 Beco Gangorra 2
1809 6 6 12 1845 22 5 27
1810 9 6 15 1846 23 13 26
Rua Nova de S. Pedro 2 Rua Bela Vista 1
1811 9 8 17 1848 15 12 27 R. Pinheiro 2 Largo Colégio 1
1812 11 8 19 1849 30 16 46
1813 10 5 15 1850 30 16 46 FONTE: ARM, CMF, Vinho, Manifestos, 1839/72, 6 volumes, nº1069/1074.
1814 11 5 16 1851 38 16 56
1815 12 5 17 1852 22 12 44 D. João da Câmara Leme, especialista em assuntos enológicos teve oportunidade
1816 12 5 17 1853 22 12 44
1817 13 7 20 1854 22 12 44 de em França entrar em contacto com os sistemas de aquecimento usados desde o
1818 17 8 25 1855 22 12 44 primeiro quartel do século XIX, nomeadamente os sistemas em vaso fechado de
1819 17 8 25 1856 22 12 44 Appert, Ervais, Verguette, Cemotte e Pasteur480. De regresso à Madeira foi con-
1820 18 8 26 1857 22 12 44
1821 20 8 28 1858 22 12 44 frontado com o processo de estufagem em uso, notando que o sistema de aqueci-
1822 18 8 26 1859 24 14 38 mento lento com comunicação com ar ambiente481 dava ao vinho um sabor torrado
1823 17 8 25 1860 7 6 13 de queimado muito desagradável482 ao mesmo tempo que lhe retirava as pro-
1824 17 9 26 1861 7 6 13
1825 17 9 26 1862 6 6 12 priedades essenciais: Um sistema que priva os vinhos novos das suas melhores quali-
1826 19 9 28 1863 5 6 11 dades naturais e lhes introduz efeitos persistentes; que lhes tira o açúcar, alcool,
1827 21 8 29 1864 4 6 10 óleos essenciais, e lhes introduz, um sabor desagradável que o carvão vegetal empre-
1828 22 8 30 1865 5 6 11
1829 25 10 35 1866 5 10 15 gado lhes não pode nunca tirar de tudo, e que os impede de adquirir a finura tão
1830 23 9 32 1867 5 8 13 assinalada nos antigos vinhos de canteiro. Na destilação do vinho de garapa
1831 25 10 35 1868 6 8 14 despreza-se o vinhão e guardam-se líquidos acoólicos, éteres, e sais e guarda-se o vi-
1832 24 11 35 1869 6 8 14
1833 23 11 34 1870 5 8 13 nhão483.
1834 21 8 29 1871 5 8 13 Perante a constatação houve que tomar providências, optando-se por um sistema
1835 10 5 15 1872 3 8 11 de aquecimento em vaso fechado, de modo especial, o método Pasteur, conhecido
1836 10 5 15 1894 2 2
1837 10 5 15 1898 1 1 por pasteurização. Feitas as devidas experiências D. João da Câmara Leme conclui
1838 10 5 15 1900 1 1
1839 20 8 28 2002 7
480.Vide M. L. Pasteur, Études sur le Vin, ses Maladies, Causes qui le Provoquant Procédés Nouveaux pour le Conserver et
1840 7 5 12 pour le Vieilliès, Paris, 1873, pp. 130/204, dando pp. 205/262 aparelhos de aquecimento.
481.Op. cit., p. 6/12.
479.A concorrência entre os diversos proprietários levava ao uso de todos os métodos, surgindo publicidade nos jornais: O 482.Idem, ibidem, p. 7.
Defensor, nº. 23, 1839; Correio da Madeira, nº.4, 1849. 483.Idem, ibidem, pp. 10 e 12.
242 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 243

que o gosto de novo desaparecia muito pouco para que o vinho Madeira pudesse manece, durante meses, num recinto onde a temperatura é moderada, mas cons-
ser embarcado em pouco tempo como vinho mais velho, e que os seus outros carac- tante e bem regulada.
teres não tinham suficientemente melhorado484. Em 1889, ao fim de seis anos de Cinco fornalhas introduzem ar quente em canos que dão três voltas nas estâncias;
estudo e 10 anos de ensaios e experiências, estabeleceu um sistema de aquecimen- e que são guarnecidos de chapas de ferro para facilitarem a transmissão do calor,
to e afinamento dos vinhos, que tomou o nome de sistema canavial. Adoptava o sempre bem regulado e facilmente observado por termómetros que se podem bem
novo método de aquecimento rápido e arrefecimento lento, demorado ou não, em ler de fora.
recipiente fechado, salientando que este processo de aquecimento e afinamento dos As estâncias, que são sempre cuidadosamente revistadas para serem as pipas
vinhos, ou processo de aquecimento e de arrefecimento demorado, em recipiente oportunamente rebatidas, são a princípio, mantidas na temperatura de 120º F. (50º
fechado, é o mais próprio para vinhos superiores ou medianos, é o mais próprio C); mas depois de ter o vinho arrefecido suficientemente para se pôr em equilíbrio
para o vinho Madeira e Para todos os vinhos especiais485. O vinho que vai ser aque- com o meio ambiente, essa temperatura vai lentamente descendo, e fazendo
cido entre, depois de medido, num reservatório superiormente disposto, d’onde paradas convenientes, até ao fim do afinamento.
desde, pelo seu próprio peso, por um cano de estanho, no qual é elevado, em O vinho assim aquecido e afinado conserva todas as qualidades naturais, apre-
banho-maria e o abrigo do contacto do ar à temperatura de 158º F. (70º C), conti- senta qualidades próprias do vinho de canteiro que tem cinco ou seis anos e uma
nuando depois a descer, sem encontrar nada no caminho que lhe apresse o aper- notável finura muito apreciável; sem apresentar nenhum mau sabor, nem defeito
feiçoamento; e chegando finalmente, depois de ter marcado num termómetro a algum, sendo convenientemente tratado, pode logo ser lotado com outros vinhos
uma temperatura adquirida, ao fundo da mesma pipa d’onde sairá pouco antes, e aquecidos e conservados livres de fermentos, e mesmo ser embarcado, sem risco de
cuja boca, disposta de modo a impedir perda de vapores, é fechada logo que termi- se alterar, e com grande economia d’alcool486.
na a operação (...). O método exposto era considerado o único processo de tratamento por estufa
O vinho gasta cerca de 3 minutos no tratamento do seu aquecimento, que para que animava a qualidade do vinho fazendo-o adquirir características e qualidades
uma pipa de 450 litros, exige hora e meia. O calor, comunicado pelo vinho ao inte- próprias, e capaz de rivalizar com os melhores de canteiro. O vinho canavial487 era
rior da pipa, manifesta-se em breve exteriormente. Os Arcos alargam-se, e precisam normalmente preparado com o boal, apresentado as seguintes propriedades: diges-
de ser rebatidos. tivo, anticéptico, medicinal, alimentício.
O vinho assim aquecido não é nunca voluntariamente arrefecido: e, quando se Muito antes de D. João da Câmara Leme temos notícia de outro invento de estu-
lhe não demora o arrefecimento, deixa-se que ele se faça naturalmente, mais ou fagem. O novo método dava-se nos vinhos comunicando-lhes o calor internamente
menos, lentamente segundo a diferença entre a temperatura da pipa e a do meio e de os fazer assim vermelhos em pouco tempo488. Será o mesmo sistema do prati-
ambiente; gastando, geralmente, cerca de três dias. cado em França, conhecido como pasteurização?489. Tudo indica que assim seja uma
É o mais curto arrefecimento do vinho rapidamente aquecido pelo sistema vez que o autor foi a França várias vezes, donde trouxe alambiques de destilação con-
canavial. tínua e travou contacto com as inovações da técnica francesa de destilação e aqueci-
Quem observar este vinho pouco depois do aquecimento, ou no fim do arrefe- mento do vinho.
cimento, tendo-se conservado a pipa sempre bem fechada, nota que ele não fer- No período de 1806 a 1872 é possível acompanhar o número de pipas de vinho
menta; que não tem cheiro que indique a presença de enxofre; e que o aroma de submetidas a este sistema de tratamento. A primeira conclusão possível é de que até
novo se tornou mais agradável; nota que o gosto está também sensivelmente muda- meados do século era reduzido o número de pipas de vinho estufado, quando com-
do, e que parece de vinho de mais idade; e uma operação destilatória, feita antes e parado com os valores da produção e exportação. A estufagem só se generalizou a
depois do aquecimento, mostra que a percentagem alcoólica é igual. Houve, pois partir da década de cinquenta no processo de vinificação do vinho Madeira. O
neste aquecimento, um notável melhoramento; e não houve prejuízo (...). período que decorre de 1856 a 1865 pode ser considerado um momento crítico. A
É baseado em tais princípios que este estabelecimento organizou casas, ou estân- crise do oídio reflecte-se nas produções e exportações, fazendo com que a oferta de
cias, próprias para demorar o arrefecimento do vinho. Quando, pois, uma pipa de vinhos estufados seja muito superior à colheita e à procura. Isto deverá ser prova da
vinho é destinada ao afinamento numa destas estâncias, é para lá transportada, her- existência de elevados stocks de vinho em armazém de colheitas anteriores.
meticamente fechada, logo depois de terminado o aquecimento; e assim per-
486.Idem, ibidem, pp. 17/19.
487.D. Joäo da Câmara Leme, Sobre o Vinho Canavial, Funchal, 1892.
484.Idem, ibidem, p. 13. 488.AHU, Madeira e Porto Santo, nº 9480.
485.Idem, ibidem, pp. 19/20. 489.D. João da Câmara Leme, Ibidem, pp.17-19
244 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 245

RELAÇÃO DO VINHO ESTUFADO COM A PRODUÇÃO E EXPORTAÇÃO.1805-1872


Imposição das estufas

I
Data Vinho Estufado Produçâo Exportaçâo
hl produção % export % em hectolitros em hectolitros Nos inícios do século XIX as estufas haviam proliferado por toda a cidade do
1805 2574 2,14 4,40 120000 58494 Funchal, anichando-se nas imediações das ribeiras e respectivas lojas. A fazenda
1806 5584 5,07 9,53 110000 58582 Real viu aqui mais um meio de receita, estabelecendo a partir de 18 de Julho de
1807 3130 2,31 4,48 135000 69810
1805490 um imposto mensal de 16.000 réis por cada estufa, sem ter em conta o
1808 3507 0,26 7,52 135000 46623
1809 3507 6,05 5,46 57960 64217 tamanho ou número de pipas que aí se cozia. Em Março de 1806491 a Junta dava
1810 3272 3,81 6,94 85690 47121 conta da resolução régia de 12 de Junho, em que o imposto era lançado indiferen-
1811 3093 1,90 7,73 162160 40023 ciadamente por todas as estufas, anotando-se os inconvenientes e propondo-se o
1812 3043 1,95 155336 imposto de acordo com a capacidade. Mas noutra conta de 23 de Agosto de 1806492
1813 2319 2,33 2,52 99218 91960
a Junta, em resposta à provisão do Erário Régio de 24 de Julho493, ordena o lança-
1814 2717 4,64 4,64 58520 58520
1815-31 97875 12,27 13,99 797673 699656 mento de um imposto de 12.000 réis por pipa em cada mês, tal como havia delibe-
1832-34 13265 13,69 12,84 96879 103332 rado em reunião de 26 de Março494. No entanto, em 25 de Fevereiro de 1807495 a
1839-40 21009 29,69 29,53 70755 71142 Junta faz assento de novo decreto de 15 de Dezembro de 1806, comunicado por
1845-47 30218 37,37 34,51 80857 87553 provisão do Erário Régio de 16 de Fevereiro de 1807, e alterou o imposto de 16.000
1849-50 35401 63,17 57,69 56043 61362
réis mensais por cada pipa para 1.920 réis por pipa cozida. Por isso ordenou ao de-
1851-1855 22482 43,77 24,23 51367 92785
1856 4188 543,90 78,22 770 5354 putado corregedor da Câmara para vistoriar as estufas e ver a capacidade para
1859 1772 280,38 31,92 632 5551 depois ser cobrada a soma respectiva, impondo-se a pena de imposto dobrado para
1860 3902 155,58 92,16 2508 4234 aqueles que fizessem novas entregas e não as manifestassem. Tudo isto foi regula-
1861 5670 105,23 5388 mentado publicamente por edital de 28 de Fevereiro de 1807496, em que se tinha em
1862 4154 260,28 101,32 1596 4100
conta, não só a medida de cada estufa, mas igualmente o número de pipas car-
1863 3930 41,09 130,05 1615 3022
1864 3701 49,35 105,41 7500 3511 regadas por temporada, lançando-se depois mensalmente a respectiva imposição497.
1865 3715 49,53 165,85 7500 2240 Por decreto de 23 de Julho de 1834498 sucedeu nova alteração passando a
1866 2735 24,86 79,51 11000 3440 imposição a ser cobrada, mensalmente, a partir de então, a taxa de 200 réis por pipa
1867 3156 88,95 3548 de vinho que se cozesse. A medida era considerada lesiva da qualidade do vinho
1868 3585 21,99 98,14 16306 3653
submetido às estufas, uma vez que os proprietários procuravam acelerar o processo
1869 5478 29,29 132.80 18700 4125
1870 4982 9,96 107,39 50000 4639 de aquecimento de forma a diminuir o período de maturação. De acordo com o
1871 7628 31,95 120,79 23874 6315 decreto de 1805 que fixava o imposto de modo genérico sobre cada estufa em labo-
1872 4394 17,855 63,56 24615 6913 ração, apenas era necessário o conhecimento das estufas e proprietários, pelo que
Obs. Pipa de 418 litros se mandou proceder a um inventário ou manifesto por editais de 29 de Outubro499
FONTE: ARM, CMF, Vinho, Manifestos, 1839/72, 6 volumes, nº1069/1074.
e 26 de Novembro500 de 1806. De acordo com os editais o dono deveria dirigir-se à
Junta para registar as estufas pois, caso contrário, seriam encerradas.
As estufas não morreram apenas foram sendo aperfeiçoadas com o tempo. Os
mecanismos a vapor e a moderna tecnologia eléctrica substituíram as fornalhas de
490.Idem, nº 761, pp. 173/174. Foi resolvido por provisão de 8 de Outubro de 1805 [segundo informação dada à margem do
lenha propiciando uma temperatura constante de 45 a 50 graus centígrados por um documento que refere estar lançada no Lº 3 de Ordens Expedidas pelo Erário Régio, fol. 382.] e dado conhecimento públi-
co por edital de 19 de Julho [Idem, nº 405, p. 13.].
período de três meses. No presente o sistema de canteiro convive de modo cordial 491.Idem, nº 761, pp. 202/203.
com o das estufas. Ambos persistem e são usados pelas empresas de acordo com o 492.Idem, nº 761, pp. 227/228.
493.Idem, em nota à margem refere que foi registada no Lº 3 de Ordens Expedidas pelo Erário Régio, fol. 428.
tipo de vinhos que se pretende fazer. Os chamados vinhos novos de cinco anos são 494.AHU, Madeira e Porto Santo, nº 1695.
495.ANTT, PJRFF, nº 459, pp. 35/37.
quase sempre de estufa, enquanto os demais são de canteiro. Apenas uma empresa, 496.Idem, nº 404. p. 119.
497.Idem, nº 404, p. 136.
Artur Barros & Sousa Lda., continua fiel à tradição do sistema de canteiro em todos 498.ARM, RGCMF, T. 17, fols. 103/106vº.
os vinhos que comercializa. 499.ANTT, PJRFF, nº 940, pp. 32/33.
500.Idem, nº 404, p. 4.
246 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 247

A partir de 1806 a imposição passou a ser lançada, mensalmente, sobre a capaci- lesivo para o comércio do vinho, sendo apontado com o principal factor de entor-
dade, não se tendo em conta os meses de laboração e quantidade de vinho. Apenas pecimento das trocas508.
se tornava necessário uma vistoria para dar conta do número de pipas que podiam A estrutura administrativa criada para a cobrança do imposto era simples. A par-
conter501. Com a nova modalidade, a partir de 1807, tornava-se necessária uma maior tir de 1807509 a tarefa de vistoriar as estufas estava a cargo do deputado executor ou
vigilância na laboração, como se recomendava em 1809: É preciso encarregar as fis- corregedor da comarca, cargo que em 1821510 era ocupado por Luís António
calizações deste rendimento a uma pessoa de fé pública e de confidência deste tri- Oliveira, nomeado pela Junta511 e, em 1825512 por João da Cruz Henriques. O
bunal que evide em verificar se se crião estufas além das que se achão estabelecidas administrador era coadjuvado por alguns fiscais, de que temos notícia em 1835513 do
e vistoriadas, para que nelas se proceda ao arbitramento de sua lotação na forma do provimento de três: José da Silva Lopes, Fortunato Ernesto Soares, Tude Fernando
costume502. Ao mesmo tempo era preciso que a acção de fiscalização tivesse lugar Carmo514. A arrecadação era feita pelo sistema de arrendamento515, que como se
nos momentos de carga e descarga de forma a estabelecer-se o número de pipas em pode inferir de vários documentos516 foi muito morosa, tardando os devedores no
laboração503, tal como se refere em 1809: Que os proprietários quando quiserem por pagamento. A Junta via-se forçada a notificá-los ou a proceder judicialmente. Em
em acção hajão de dar parte ao dito encarregado para ir examinar e tomar assento, alguns casos confiscaram as estufas e colocava-se em hasta pública de forma reaver
pôr termo do dia em que principiarão a carregar, praticando o mesmo quando as os direitos em dívida517, ou então procedia à avaliação dos bens confiscados518.
descarregarem, em cujo acto deverá fazer em todos os trimestres do ano uma visto-
ria pelas estufas que não tiverem dado parte para cozerem, a fim de ver se estão ou RENDIMENTO DAS ESTUFAS (VALOR EM RÉIS)

não despejadas, registando tudo numa certidão para a Contadoria Geral como sua PROPRIETÁRIO 1805 1806 1807 1808 1809 1810 1811 1812 1813 1814
prática com os demais rendimentos504. Em 1825 acrescentava-se: Nenhum propri- Manuel Ferreira da Luz 80.000 111.000
Valentim da Cunha 80.000 183.225 25.920 52.920 51.129 67.036 50.844 17.895 8.521
etário de estufa ou pessoa, por qualquer título ou contrato, o presente poderá car- Manuel António 80.000 183.225 18.631 18.631 39.084 26.732 64.505 39.780 36.126
regá-la sem participar ao administrador, João da Cruz Henriques, ou aquele ao George Colson Smith 80.000 183.225 28.800 38.200 20.620 44.974 44.659 29.500 26.939
João António Gouveia Rego 80.000 183.225 61.440 70.025 103.075 111.768 114.462 109.748 15.307 3.703
diante que pela Junta for nomeado, o dia em que principiar o seu carregamento, e Domingos da Silva Pimenta 48.000 60.260
no fim dele lhe dará uma relação do vinho que houver metido nela, representado João Leacock 183.225 224.050 137.245 163.639 78.602 51.112 65.616 29,825 56.800
Thomas Gordon 80.000 183.225 149.917 221.089 141.553 206.884 130.191 130.189 138.239 133.187
pelo número de vasilhas classificadas por seu nome ou tamanho, declarando essen- Cristóvão Esmeraldo 80.000 183.225 25.249
cialmente sua marca e o dia em que principia e lhe acende fogo. Os donos do vinho Thomás Cantuária 80.000 183.225 52.865 128.075 133.143
Bartholomeu a. Vidal 15.360 154.480 43.382 41.932 94.644 17.674 13.634
que se meter em estufa serão obrigados a manifestá-lo ao mesmo administrador por Francisco Alexandre 96.000 167.225 120.960 14.644
escrito, até 8 dias depois de o terem mandado para ele, declarando o nome do dono Monteiros & Co. 80.000 183.225 160.765 171.663 160.764 247.958 246.596 234.334 264.770
Henrique Correia 80.000 183.225 42.224 107.520 32.697 18.263 98.608 249.321
da estufa, a quantidade e qualidade nominal das vasilhas, e marca que tiverem Gordon Duff & Co. 80.000 174.220 72.537 91.153 80.995 103.729 94.544 27.100 87.713 82.588
recebendo o mesmo administrador um bilhete do manifesto para ser ressalvo. Scott & Co. 80.000 183.225 148.709 195.176 236.183 170.494 173.954 71.247 142.594 194.777
Phelps Page & Co. 19.096 87.440 97.440 130.009 98.773 59.797 201.350 59.788 112.656
Nenhuma estufa poderá ser descarregada sem que o primeiro se participe ao admi- Fernando V. Cantuária 5.917 52.865 128.975 147.147 103774 65.541 48.585 73.138 149.601
nistrador o dia em que se principia sua descarga para assistir a ela. Todo o vinho António Valério 71.225 156.040 139.376 134.831 181.033 132.555 169.012 114.799 118.503
António J. R. Garcês 19.944 127.255 20.105 15.686
que se achar além do manifestado será perdido e todo o que se tirar em qualquer Pedro de Santa Ana 18.152 32.643 32.033 14.644
tempo de cozimento sem assistência do mesmo administrador será sua importância Pedro de Mendonça 15.622 45.162 14.360 12.456
Manuel M. Malheiro 27.521
paga pelo dono da estufa, dando-se metade ao denunciante, se o houver, e a outra Henrique J. de Cotto 5.049
metade será aplicada para o mesmo benefício público505. Robert Veitch 9.468
TOTAL 1,184.000 2.565.158 1.438.312 1.611.720 1.509.355 1.503.952 1.422.595 1.398.004 1.067.118 1.249.700
Em 1831 determinou-se que a imposição deveria ser lançada em todo e qualquer
Rendimento das estufas (valor em réis)
que for o método de sua construção, uma vez que se aproveite o calor do fogo arti-
ficial506. Daqui resultou que a cobrança feita em 1839 e 1840 atingia o vinho que 508.Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, pp. 219-220
amadurecia ao ar livre em cima dos fornos de cozer pão507, no que foi considerado 509.ANTT, PJRFF, Idem, nº 406; nº 459, pp. 35/7, nº 404, p. 136.
510.Idem, nº 405, p. 281.
511.Idem, nº 406, fols. 143-143vº.
501.Idem, nº 404, p. 136. 512.Idem, nº 406, fol. 145vº.
502.Idem, nº 461, pp. 314/315, 284/285. 513.Idem, nº 409, fols. 8vº, 40.
503.Idem, nº 461, pp. 314/315; nº 406, fol. 16; nº 465, pp. 118/119. 514.Idem, nº 409, fols. 19-20vº, 70vº-77.
504.Idem, nº 461, pp. 314/315. 515.Idem, nº 406, fols. 18vº, 90.
505.Idem, nº 406, fols. 143/vº. 516.Idem, nº 940, p. 32; nº 465, pp. 293/6; nº 466, pp. 130/1, 138/140, 158/166; nº 468, pp. 77, 106, 332/346.
506.Idem, nº 465, pp. 118/9. 517.Idem, nº 404. p. 457.
507.ARM, CMF, nº 1069, fols. 26vº, 28vº, 29vº, 31, 34vº. 518.Idem, nº 468, pp. 204/207.
248 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 249

Aspectos da antuga estufa


da firma Blandy Brothers à
Rua de s. Francisco.
Colecção do Autor, 1979.

A questão das estufas régia em data de 9 de Março de 1803, sendo renovada a proibição por edital do
mesmo governador e capitão general, em data de 6 de Novembro de 1803519.
Contrariando a lei de 1803 temos uma representação dos comerciantes locais,
Em finais do século XVIII generalizou-se o uso das estufas no tratamento do pedindo a revogação, pois Desta proibição tem resultado um geral desgosto e
vinho. A conjunutura do mercado consumidor era favorável à aceleração do proces- desânimo no comércio e também um considerável número de particulares propri-
so de envelhecimento. Acabou-se a guerra e cedo os apreciadores do vinho Madeira etários, porque contemplam com susto no ruinoso efeito de uma providência, que
se aperceberam que lhes vendiam gato por lebre, começando a negar as encomen- atropela a desbarata os seus melhores interesses, e tanto mais se tem dado ao devi-
das. Rapidamente se encontrou o culpado: Os vinhos estufados, entrando no con- do socorro, com que ele deve ser protegido e auxiliado (...). Nesta contenda o corpo
sumo, causaram tão desagradável impressão nos que estavam habituados ao sabor e do comércio sofreu o ataque e afinal recebeu o golpe, porque nunca se lhe permi-
aroma delicioso dos nossos excelentes vinhos de canteiro, que foi logo declarada tiu a sua legítima defesa. Não o podia assim, nem a boa justiça, nem a boa razão.
guerra às estufas como prejudiciais à reputação dos vinhos da Madeira, e por isso, São três, os pontos principais, que servem de matéria para se atacar a existência,
como já sabemos foram proibidas na cidade do Funchal, pelo edital do governador
e capitão general da província, datado de 23 de Agosto de 1802, com aprovação 519.D. João da Câmara Leme, Os Vinhos da Madeira e o seu Descrédito pelas Estufas, pp. 24/25.
250 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 251

continuação e conservação das estufas. Eles abrangem diversos argumentos, que


serão todos destruídos. O primeiro é o descrédito dos vinhos resultantes do benefí-
cio artificial, que se lhes quer fazer por meio das estufas. O segundo, o perigo imi-
nente e continuado dos incêndios, em consequência dos fogos mais violentos e atu-
rados, com que se trabalhavam as estufas. O terceiro, o prejuízo grave dos fumos,
que originam de arder carvão de pedra, que dizem, atacam, alteram, e incomodam
a saúde dos povos520.
A opinião da Câmara em 1819521 era diferente. Em representação à Junta de
Melhoramento, dava conta da quebra do vinho no mercado exportador, como con-
sequência da perda de qualidade resultante do uso generalizado das estufas, que
degradando o vinho das suas virtudes essenciais, só lhe dão o cheiro postiço e uma
Cubas em madeira de
aparência de bondade momentânea, tudo o que era sumo de parreira sem selecção cetim do Brasil. Madeira
alguma se preparava para o embarque. O que abertos, com a paz, os diques da guer- Wine Company,
Perestrellos Photógraphos.
ra, os mercados se inundaram de vinhos já o nosso deixou de servir a necessidade Museu Photographia
e parto ordinário, contrariando o seu consumo as mesas de luxo aonde o capricho Vicentes
e delicadeza faz aparecer algumas boteilhas de vinho Madeira... e o vinho estufado, calamidade pública esta funesta descoberta, que fazendo exportar o vinho mau,
foi rejeitado pelo mercado e as estufas passaram a ser prejudiciais, estando na deixa o bom e óptimo estagnado, arruinado o nosso crédito524. Contra esta opinião
origem da decadência e descrédito. São as estufas, pois sabe-se pela experiência que manifestou-se um leitor no número imediato525, anotando que a origem da crise
tiram ao vinho as partes balcânicas, de sorte que em muitas praças já os médicos o emanava da pauta. Quanto às estufas referia que era uma questão de prática, pois o
não aplicam a certas moléstias em que tinham cura feliz e um desse conte que estava mal eram os abusos praticados, ou seja o estufar o vinho ruim que deve
desagradável, causa sede e dores de cabeça, sem beneficiar a digestão, de maneira ir para o alambique e só para o alambique, o envasilhar o vinho em pipas não avi-
que na terra se não faz uso desta bebida.... Daqui resulta a necessidade de interdição nhadas, o meter vinho em estufa forte de 3 meses, o embarcar o vinho antes de pas-
ou de regulamentação do uso da estufagem no trato do vinho para que os donos fos- sar o tempo que é mister esta sobre o canteiro, uma vez que a uma estufagem bem
sem obrigados a manter o cozimento por 10 meses. feita deveriam seguir-se dois anos de descanso no canteiro para o vinho adquirir o
Idêntica petição surge em 1821522, clamando-se contra as perfídias estufas. Os aroma526. Igual opinião tinha D. João da Câmara Leme, que estabeleceu um novo
comerciantes em 1834523 reiteraram as afirmações de 1803 e, mais uma vez, mani- processo de tratamento, conhecido como o método de canavial, considerando o
festaram-se contra o decreto que impunha o imposto sobre estufas. Ao mesmo método eficaz e capaz de manter as qualidades do vinho.
tempo desfazia-se o equívoco das estufas serem a causa da decadência do vinho, pois Eduardo Grande, em 1865, no relatório sobre a situação da ilha no post crise de
fora da ilha também se estufava o vinho e tal não sucedia: As ilhas dos Açores, 1852, salienta que a crise não se deveu única e exclusivamente à moléstia da vinha,
Canárias e Cabo da Boa Esperança, tem estufas e estas livres de todo o tributo, ora pois que de há muito que ele se preparava pelo descrédito que os vinhos desta ilha
se os vinhos estufados tivessem perdido o crédito decerto ali não haveria. Em todos foram pouco a pouco granjeando no estrangeiro, como o abuso inconsiderado das
países onde há vinhos está a exportação deles livre e livres de impostos todos aque- estufas (...).
les que por meio da sua indústria promovem o consumo deles. Por esta prática lançou-se imprudentemente nos mercados estrangeiros uma
Em meados do século, com o agudizar da crise, reacendeu-se novamente a grande porção de vinhos, muitos dos quais mal preparados, e estas circunstâncias
questão das estufas na imprensa local. Nas páginas do Correio da Madeira afirma- provocaram a procura e acarretaram as desconfianças dos consumidores, diminuiri-
va-se em 1851: O vinho bom não carece de estufa, logo as estufas só servem para o am a procura e acarretaram uma baixa sensível no preço do género527.
ordinário, que se deve fazer para aguardente e consumir nas tabernas (...). É uma As estufas nunca perderam o estigma do mal que marcou a sua afirmação no
século XIX e ainda hoje há quem as aponte a dedo.
520.AHU, Madeira e Porto Santo, nº 1431.
521.ARM, RGCMF, T. 14, fols. 202/203vº. in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993,
pp. 86-87 524.Nº 116, p. 2., in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, p.223
522.ARM, RGCMF, T. 15, fols. 100vº/104. 525.Nº 117, pp. 1/2.
523.Idem, T. 17, fols. 103/106vº. in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, pp.115- 526.Ibidem, nº 117, p. 2.
117 527.Sociedade Agrícola Madeirense-Relatório, p. 71.
252 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 253

Estufa de Cossart Gordon


& co. Gravura de A.
Vizetelly, 1880

Estufas
Serrado da firma Cossart

Agora falarei deste curioso processo de que se tem dito muito mal e bem, e sobre o
Messers. Cossart, Gordon and Co. Gordon & co.

qual ainda hoje a opinião publica não está inteiramente pronunciada. A estufa nada mais Rótulo da colecção da
é de que o método de acelerar o desenvolvimento das partículas que constituem a Madeira Wine Company
Os seus armazéns compreendem três conjuntos diferentes de prédios, conhecidos
excelência do vinho da Madeira, isto é, suprir em 3 mezes o que 7 ou 8 annos havião de respectivamente como os armazéns do Serrado, da Estufa e os armazéns «Pateo», todos
exigir; e neste inegável principio, sustentarei, que o sistema de estufar a grande maioria do situados a uma distância de cinco minutos uns dos outros.
vinho que a Madeira se exporta, he o que a tem sustentado nestes últimos annos em que Os armazéns Estufa da Messrs. Cossart, Gordon and Co. compreendem um bloco de
este seu único artigo de comercio tem achado poderosos concorrentes nos mercados prédios com dois andares, divididos em quatro compartimentos diferentes. No primeiro
estrangeiros, havendo o seu por capricho da moda, sofrido desuso, assim como um eter- destes, vinhos comuns são sujeitos a uma temperatura de 140 graus Fahrenheit - deriva-
no empate o viria estagnar, a não ser o rápido processo que tanto barateou o valor com da de serpentinas aquecidas com carvão antracite - durante três meses. No comparti-
que pode ser exportado este género, com bom interesse, sem com tudo ser adulterado ou mento seguinte, vinhos de uma qualidade intermédia são aquecidos até 130 graus por um
falsificado. período de quatro meses e meio; enquanto que o terceiro é deixado de parte para vinhos
Consiste o processo de estufar vinho, na seguinte maneira. superiores, aquecidos de modo variado dos 110 aos 120 graus durante um período de
Qualquer que seja o edifício, (em geral são de abobada) deve ser hermeticamente seis meses. O quarto compartimento, conhecido como o Calor, não possui serpentinas,
rebocado, a estuque, deixando se lhe apenas a porta por onde entra o vasilhame, a qual mas deriva o seu aquecimento exclusivamente dos compartimentos adjacentes, variando
é também entaipada, depois que a cascadura se acha estivada dentro, e apenas se lhe entre 90 e 100 graus; e aqui são colocados apenas vinhos de alta qualidade. O objectivo
deixa um postigo por onde um só homem possa caber, para ir diariamente examinar com deste aquecimento do vinho destruir quaisquer germes de fermentação que per-
uma lanterna se há novidade dentro. No edifício deve haver uma fornalha, praticada no maneçam nele, e amadurecê-lo mais rapidamente de modo a que possa ser exportado
interior, porem de maneira que facilmente seja alimentada de fora com o necessário com- no seu segundo ou terceiro ano sem outra adição de álcool. O uso destas estufas na
bustível, findo o que é fechada. Em todo o circuito do muro da mesma Estufa ha um cano Madeira data do início do presente século e a maior parte do vinho passa por este ou por
ou tubo de cantaria ou tijolo, que faz circular o intenso calor da fornalha por toda a parte, um modo semelhante de tratamento antes de ser exportado. Estas estufas artificialmente
calor que muitas vezes excede a 160 graus de Farenheit, e então o liquido ferve dentro da aquecidas são apenas usadas pelas maiores casas de exportação, que, no entanto,
vasilha, como uma chaleira em cima de brasas, tendo se lhe previamente feito um furo no aquecem aí vinho para outros exportadores a uma taxa estipulada. Outros conseguem o
fundo superior, para não arrebentar. Durante 3 mezes ou 100 dias se acha nesta continua objectivo desejado, colocando os seus vinhos numa espécie de estufa, onde per-
fermentação na qual perde em geral 10 por 100 da sua totalidade; então apaga-se a for- manecem expostos ao calor total do sol. Durante o dia é assegurada uma temperatura de
nalha, e dias depois vão as pipas para o canteiro, afim do vinho ser tratado. É notável, que 120 a 130 graus, que, no entanto, se torna consideravelmente mais baixa durante a noite
até durante o maior auge de calor, entrão neste Inferno artificial homens a isso acostuma- - uma circunstância que é observada por muitos como prejudicial para o desenvolvimen-
dos, e com a ajuda da lanterna correm os sinuosos espaços com que o vasilhame está to do vinho. Nas freguesias do campo, onde não existe qualquer forma de estufas, os pro-
estivado, e estancão facilmente algum esvaimento, ruptura ou broca. prietários de vinho colocam as barricas ao ar livre em posições favoráveis para assegu-
rar uma acção completa dos raios de sol. …
PAULO PERESTRELO DA CÅMARA Breve Notícia sobre a Madeira, Lisboa, 1841, pp.67-91
254 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 255

A questão das aguardentes

Q
Ao processo de estufagem seguia a fase de envelhecimento do vinho no canteiro.
A adição de aguardente fazia-se no decurso do processo de fermentação ou já na
fase de amadurecimento. Para isso usaram-se, primeiro as aguardentes de França e,
depois as da terra.
A generalização do consumo de aguardente nas tabernas e o uso na fortificação
do vinho de exportação criaram as condições para o aparecimento de alambiques
na ilha. De França vieram as aguardentes mas também os primeiros alambiques. Em
1821 está documentada a presença de 3 alambiques a que se juntou, desde 1822,
uma fábrica de destilação contínua, propriedade de Severiano Alberto de Freitas
Ferraz.
Os vinhos de baixa qualidade passaram a ser queimados nos alambiques, abrindo
uma alternativa para o consumo dos do Norte, especialmente de São Vicente e São
Jorge. O Decreto-lei de 11 de Março de 1911 acabou com os alambiques para dar
lugar ao monopólio do engenho do Hinton e à afirmação da aguardente de cana-de-
Armazéns de Cossart açúcar. Daqui resultou a perda de qualidade do vinho Madeira, que se manteve até
Gordon & Co.
1974, altura em que acabou a proibição. Durante este período a aguardente vínica
era um segredo apenas conhecido dos habituais apreciadores.
Nas estufas que estou agora a descrever - que, se cheias, são capazes de aquecer Ao ancestral sistema de canteiro veio juntar-se em finais do século XVIII a estu-
1.600 pipas de vinho de uma vez - as pipas são colocadas de pé, em pilhas de quatro,
fagem. Tal como afirmava D. João da Câmara Leme o sistema de canteiro não é
com pipas mais pequenas por cima, deixando-se uma estreita passagem entre as dife-
rentes pilhas para permitir a passagem de um homem para se assegurar de que as pipas processo aplicável a um largo e importante consumo com a perspectiva de grandes
não vertem, pois quando sujeitas a elevada temperatura têm tendência natural para o lucros. Deste modo em finais do século XVIII quando a procura aumentou tornou-
fazer. Um buraco com cerca de um sexto de polegada de diâmetro foi previamente feito se urgente apressar o processo de envelhecimento. Ao tradicional método juntaram-
no batoque de cada pipa para permitir que o vapor quente saia, caso contrário a pipa se outros: No tratamento dos vinhos da Madeira teem sido empregados três sys-
rebentaria. Na realidade, as pipas, não pouco frequentemente, vertem, como depreen-
demos das numerosas manchas escuras em várias partes do chão, tornando necessário
temas bem distintos: - 1º, Systema sem aquecimento; 2º, Systema com aquecimento
que os diferentes compartimentos da estufa sejam inspeccionados uma vez durante o dia lento, ficando o vinho em comunicação com o ar ambiente; 3º, Systema com aque-
e uma vez durante a noite, de modo que qualquer acidente deste tipo seja imediatamente cimento rápido e arrefecimento lento, demorado ou não, em recipiente fechado.528
rectificado. Cada compartimento possui alçapões duplos, e depois de serem enchidos Até 1821 a aguardente estrangeira teve livre-trânsito no porto do Funchal, situação
com vinho as portas interiores são revestidas com cal, de modo a fechar qualquer aber- justificada pela acção benéfica no trato e falta de aguardente local de qualidade. A
tura que possa haver. Quando é necessário entrar na estufa, apenas as portas exteriores
partir de então tudo mudou com a introdução dos alambiques de destilação con-
são abertas, e um pequeno alçapão nas portas interiores é empurrado para permitir a
entrada do homem encarregado que passa por entre as diferentes pilhas de pipas baten- tínua. Daqui resultou nova polémica em torno do trato, defesa da qualidade e con-
do levemente numa a seguir à outra, para se assegurar de que não há derrame. Ao sair sumo do vinho. São duas as opiniões em confronto. Os que estavam ligados ao trá-
da estufa, depois de ter ficado uma hora, embrulha-se automaticamente num cobertor, fico do género (nomeadamente os comerciantes ingleses) argumentavam em favor
bebe um copo cheio de vinho, e depois fecha-se num pequeno compartimento, no qual da utilidade da aguardente no trato do vinho, ao contrário do que sucedia com a de
não entra ar frio, preparado para esse fim. A Messrs. Cossart, Gordon and Co. nor-
produção local. Os proprietários dos alambiques e lavradores eram contrários à
malmente coloca os seus vinhos na estufa durante os meses de Janeiro e Fevereiro, o
que permite a remoção para outros armazéns antes de começar a próxima vindima. entrada por ser lesiva ao escoamento do produto da região e ter efeitos nocivos
Durante o tempo em que estão na estufa, diminuem uns 10 a 15 por cento pela evapo- sobre o vinho. Em 1822 deu-se uma viragem no comércio das aguardentes france-
ração das suas partes aquosas. sas. Os proprietários locais, aproveitando o momento de crise que se vivia, solici-
VIZETELLY, Henry, Facts About Port and Madeira, With Notices of Wines Vintaged Around Lisbon and the
Wines of Tenerife, London, 1880. 528.Conde Canavial, Os três systemas de tratamento dos vinhos da Madeira, Funchal, 1900.
256 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 257

taram a proibição o que veio acontecer por lei de 31 de Julho de 1822. Que igualmente as mesmas forem introduzidas voltam a sair na extracção do vinho
A Madeira desde o século XVI que exportava aguardente para o Brasil e Angola, que facilitam e engrossam os direitos da Alfândega por entrada e por saída. Sendo
mas o uso na fortificação dos vinhos parece ser mais tardio. As referências são mais de maior atenção a grande qualificadíssima qualidade de ser o género, que sem
frequentes a partir de meados do século XVIII. Em 1704 W. Bolton refere que se empecer a extracção do nosso concorre a dar-lhe reputação e maior valor em preço
fazia a adição de aguardente de França aos vinhos de exportação, tendo recebido e que depois de pagar direitos a S. M., constitue com decoro do reino as espécies
desde Londres 10 pipas529. No Porto a prática generalizou-se a partir de 1730530. O activas dos nossos vinhos, visto que os desta ilha na concorrência dos mais da
mercador Francis Newton refere em cartas de 1752 e 1753 que o uso de adicionar Europa e ainda dos do nosso reino só tem puridade e preferível estimação na fer-
aguardente aos vinhos era corrente531. Acontece, ainda, que os mercadores da Nova mosa consistência em que por decurso do tempo se vão elevando a tal grandeza e
Inglaterra e Virgínia eram favoráveis à adição de aguardente. Na correspondência generosidade, que constituem as delicias dos que a preços altos os compram; pureza
comercial dos mercadores ingleses é insistente a referência ao efeito benéfico da for- e tão substanciosa que pelos muitos anos em que os outros a pedem nesses mesmos
tificação dos vinhos com aguardente532. adquirem e sustentam os desta ilha.
A História do alambique remonta ao tempo dos Romanos, mas foram os árabes Em consulta de 31 de Maio537, sobre o mesmo assunto, argumenta-se com a con-
que aperfeiçoaram o mecanismo e o divulgaram na bacia mediterrânica533. Em corrência dos vinhos estrangeiros no mercado internacional e a necessidade do da
Portugal está documentado desde o século XVI. Na Madeira não sabemos quando ilha ganhar mercado, não pelo baixo preço, o que era impossível, mas pela quali-
surgiu o primeiro mas, de certeza que no século XVI deveriam existir uma vez que dade e propriedade de se melhorar com o tempo. Ora, tendo em conta que a
está documentada a exportação de aguardente para Angola e o Brasil. A referência duração e distinta qualidade dos vinhos depende da indispensável lotação de
mais antiga a um alambique é de 1667, altura um que o convento de Santa Clara aguardente de França, principalmente naqueles que pela sua riqueza, como pro-
vendeu uma caldeira de cobre de fazer aguardente a Manuel da Fonseca, mercador, duzidos em terras impróprias, lhes faltam os espíritos para se conservarem e que a
por 31$200 réis534. Depois disso só em 1745 surge nova informação sobre um outro dita lotação vem o fazer decorosa a reputação do reino, e a sua utilidade e a leva-los,
alambique que funcionava no Seixal, no Norte da Madeira535. ou conservá-los reciprocamente útil, tornava-se útil a introdução limitada, pois que
Desde 1777536 temos indicação sobre o trato do vinho da Madeira com aguar- tinham a estimável qualidade de não fazerem as da terra, conhecida a lotação dos
dente importada de França. Num requerimento dos negociantes solicitando a entra- vinhos pelo impermutável benefício que lhes fazem.
da de aguardente, a Junta, tendo em conta o momento de crise e o facto dos poucos A Junta autorizou em 1782538 a entrada de 20 vasilhas de aguardente de França,
vinhos ainda exportados serem loteados com a aguardente, por razão da sua gene- e em 1793539 aceitou um contrato com particular por nove anos a 1200 réis por galão.
rosa qualidade e por outra esquisita, de se não perceber a lotação dela com os vi- A propósito comentava-se: Primeiramente tem a experiência demonstrado com a
nhos, se fazia decente a sua entrada, mas de modo controlado, pois que não impede magnificência, que os vinhos desta ilha, único, mas muito considerável ramo dele,
a extracção do pouco que nesta ilha se fabrica... nem também obsta o consumo inte- sendo concertado com as genuínas aguardentes de França conservam por meio
rior, tanto pelo alto preço com que entra a de França sem se poder por isso reex- deste benefício a sua primitiva e generosa qualidade e senão arriscam a decair dela,
portar, a menos aplicar-se a outro uso que não seja aquela mesma utilíssima lotação. como tem acontecido, introduzindo-se em seu lugar aguardentes adulteradas,... que
não só adulteram os vinhos, mas os fazem perder a superior qualidade que dá
529.The Bolton Letters. The Letters of an English merchant in Madeira, Funchal, 1960, p.34; Rupert Croft-Cooke, Madeira, p.39
530.Alarte, Vicencio [A Agricultura das Vinhas e tudo o que Pertence a ellas até o Perfeito Recolhimento do Vinho e Relação
origem à sua extraordinária exportação.
das suas Virtudes e da Cepa, Vides, Folhas e Borras, Lisboa, na Officina Rela Reseandesina, 1712] recomendava o uso A questão foi de novo ateada nos anos vinte do século XIX. As aguardentes
de três galões de aguardente por pipa de vinho.
531.Rupert Croft-Cooke, Madeira, London, 1961, p.50 importadas perdem importância. A 23 de Agosto de 1821540 a Câmara do Funchal
532.Em carta de John Leacock para o seu irmão refere-se o seguinte: …as brandy is such na essential help to the wines, we
shall make it a constant rule to give all our wines that go round a sufficient portion. We find that all those houses who are
em petição às Cortes clamava pela interdição de entrada, como forma de acudir à
most noted for putting an extra quantity of it in their wines meet with more success in pleasing their correspondentsthan crise, e para que os vinhos de sua produção fossem adubados só com as aguardentes
whose who ships much better wines, that do not adopt method of makingthem up.. Indeed in the course of eight or nine
months continual agitation on board a vessel, the extra fire and spirit of the brandy must be much exhausted & softened, fabricadas nesta província, que não só podem abastar, mas que são de qualidade e
and the wine receive the strength which is quite different when the wines remain quiet and undisturbed in our stores, then
the additional dose of brandy as you know from experience takes away the flavour & pleasantness of the wine and is very quilates superiores a todas as aguardentes conhecidas, não podendo, de modo
apt to give it a disagreeabke hars twang. [Rupert Croft-Cooke, Madeira, London, 1961, pp.57-58]
533.João Inácio Ferreira Lapa, Artes Chimicas, Agrícolas e Florestaes ou Technologia Rural, vol. I, Lisboa, 1865; Avelar
algum, ser igualadas em bondade por outra alguma conhecida, uma vez que operam
Machado, Subsídio para a História da Destilação, Informação Vinícola, nº.10, 1950, pp.1-2: idem, O Alambique através dos
Tempos, in Informação Vinícola, nº.13, 1950, p.4; Margarida Ribeiro, Alguns Aparelhos de Destilação em Portugal, in 537.Idem, nº 411, pp. 32/33.
Boletim Cultural da Assembleia Distrital de Lisboa, Lisboa, 1989, nº91, t.I, pp.125-147 538.Idem, nº 942, fol. 96.
534.ANTT, Convento de Santa Clara, maço 2, 10 de Maio de 1667. 539.Idem, nº 761, pp. 196/197.
535.João Adriano Ribeiro, Porto Moniz. Subsídios para a História do Concelho, Porto Moniz, 1996, p.93. 540.ARM, RGCMF, T. 15, fols. 100vº/104, 263/264., in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos,
536.ANTT, PJRFF, nº 942, pp. 19/20. Funchal, 1993, p.95
258 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 259

tanto no concerto e trato dos nossos vinhos, em uma medida dada, quando produz 31 de Julho de 1822 proibiu a entrada das aguardentes estrangeiras e sobrecarregou
o dobro de aguardente de França, além do benefício, que resulta da sua natureza as nacionais com 60.000 réis de direitos por pipa543. F. Manuel Alves544 refere a neces-
homogénea. Elas só tem um fumo, a que chamam fleuma, causado pelas máquinas sidade de importação de 2000 pipas de aguardente de França, uma vez que esta
imperfeitas, que ora se fabricam. É por certo, que ainda lançado nos vinhos com aguardente é de qualidade tão superior, que parece um pouco difícil suprir a sua
este sabor, passados quatro, ou seis meses este desaparece e se não conhece de falta e isto principalmente pelas seguintes razões: a diminuta porção, que aqui se faz
maneira alguma e nunca se percebe sendo laudas no mosto, antes pelo contrário de aguardente da terra, por falta das caldeiras de moderna invenção, tem muito
lhes dá uma qualidade realçada. As medidas assentavam na máxima de ser um erro fleuma e um gosto agenebrado que por isso comunica um sabor desagradável dos
capital na economia política receber de fora as produções e manufacturas de que o vinhos. Para Diogo Dias de Ornelas545 a exposição era um elogio camuflado ao
país não carece, antes abunda. comércio da aguardente francesa, pois que o importante era contrariar a impor-
Eram os ingleses que traziam grandes somas de aguardente de França, Itália e tação, apoiado nas seguintes razões: 1- porque ela aumenta e torna mais difícil a
Espanha e as adulteravam na viagem, pelo que se interditou a entrada em 1760. exportação dos nossos vinhos, em razão de importação de 3 para 4 mil pipas. 2-
Apenas se permitiu o tráfico e começou a haver a arbitrária permissão de entrada porque nos faz dependentes dos estrangeiros, por falta de indústria nacional, o que
de pequeno número de pipas de aguardente de França, para adubar alguns vinhos é um grande mal. 3- porque favorece o monopólio de 11 ou 12 negociantes (quasi
de embarque; liberdade, que foi crescendo de dia para dia ate o enorme abuso que todos estrangeiros) com notável detrimento público. 4- porque em consequência
chegou esta importação, que por ser uma infracção às leis deve ser sistematicamente dessa importação se fazem muitos contrabandos, e se cometem (segundo dizem)
abolida. A proibição das aguardentes francesas justificava-se em razão do impasse gravíssimas peculatas. 5- porque de envolta com essa aguardente entram outras
que se vivia: Muitos especuladores estão à espera de que se firme a proibição das bebidas espirituosas, que nos vem arruinar nos bens, e na saúde, fazendo grande
aguardentes estranhas na ilha para fazerem apontar imediatamente nas máquinas estrago na população com as epidemias que elas originam neste clima, como a
aperfeiçoadas para entrar na sua laboração, não se animando a isso pelo perigo de experiência o tem mostrado. 6- porque ele não é tão superior como V. M. diz, pois
perderem o seu cabedal e a sua esperança. Isto é um incentivo poderoso para que que sendo deitada em vinho fraco, tanto degenera, que por fim à força de
se decida a sua positiva proibição quando antes, muito principalmente havendo na aguardente que é preciso deitar-lhe, transforma-se o vinho nela. O que não sucede
ilha, actualmente, aguardente bastante e sobeja para os vinhos que produzir a co- ao vinho bom e generoso, porque este conserva-se ate com água, sendo em pouca
lheita próxima. Não será porém fora de prudência para evitar qualquer paralisação quantidade. 7- porque nos tira, todos os anos dois milhões de cruzados, pouco mais,
que a demorada chegada das novas caldeiras pode ocasionar, ou as cautelas dos ou menos. 8- porque não dá lugar a que se fervam os nossos vinhos de ínfima quali-
comerciantes possam opor em ódio desta inovação salutífera, dar-se algum tempo dade e por conseguinte concorre para que estes com facilidade e falsificados se
para que as aguardentes, que não tiveram tempo de ser contra mandadas, sejão embarquem, com empate dos vinhos bons e nosso descrédito. 9- finalmente,
admitidas a despacho da Alfândega. Todas as manifestações contrárias vinham de porque proibindo-se essa importação, sacudiremos parte do jugo em que jazemos
sectores próximos dos ingleses: A proibição de todas e quaisquer aguardentes, é um manietados e em vez de darmos o nosso dinheiro em troco de aguardente francesa,
poderoso meio de salvar a ilha da inevitável desgraça, que ameaça; toda esta provín- talvez que em breve nós recebamos grande cópia de numerário pela nossa. A isto
cia instantaneamente o pede, e esteja V. M. persuadido, que só estas pessoas aditas contrapõe Francisco Manuel Alves546 os inúmeros prejuízos provocados pela
aos ingleses e por eles subornadas, ou miseráveis publicanos, que preferem o seu proibição: 1- privar o erário do rendimento, de 50 contos de reis anualmente, 2-
particular interesse ao bem da pátria e a felicidade comum, ou na Alfândega fazem perder o benefício de exportação dos vinhos, que se embarcam em troco, para paga-
criminosas especulações em o próprio e parte da nação podem duvidar desta ver- mento da aguardente de França, 3- o risco que há de que os vinhos do norte desta
dade e afectar (sic) ser de opinião contrária. ilha rebaixa muito de preço, com grande perda dos lavradores e dos senhorios das
A 9 de Outubro541 foi permitida a entrada das aguardentes sobrecarregadas com terras, ou que a aguardente da terra seja muito cara, com prejuízo dos habitantes....
gravosos direitos. Daí ter-se enviado nova representação às cortes em 19 de Abril de Para o cidadão que assina hum português547 a aguardente que entrava na ilha não
1822542 contra a medida surgida de surpresa., A resolução de Outubro deu azo a era boa, o que se demonstrava pela quantidade que se gastava para fortificar o
acesa polémica, nas colunas do Patriota Funchalense, perdurando até que a lei de

543.Patriota Funchalense, nº 123, pp. 3/4.


544.Idem, nº 9, p. 3.
541.Idem, T. 15, fols. 24/26. 545.Idem, nº 11, pp. 3/4.
542.Vide O Patriota Funchalense, nº 9, pp. 1/3, nº 25, p. 4, nº 30, p. 2, nº 31, p. 4., in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. 546.Idem, nº 11, p. 4.
Documentos e Textos, Funchal, 1993, p. 99 547.Idem, nº 12, pp. 3/4.
260 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 261

vinho. A boa aguardente de França, que se importava directamente, era muito pudesse funcionar como medida impeditiva.
reduzida, a outra exportada de Londres para aqui, sabido é que lá foi enfraquecida A discussão permite tirar várias ilações sobre a índole sócio-económica do movi-
com água para a pôr no quilate lã permitido a essa aguardente, ademais vem de mento a favor e contra a importação de aguardente estrangeira. A maior parte dos
Espanha e Itália muitas vezes adulterada. Além disso a introdução estava na origem proprietários rurais do Norte e Sul eram favoráveis à interdição das bebidas, porque
da estagnação dos vinhos e da desgraça dos madeirenses. Desta forma era útil a consideravam a medida vantajosa para as vendas, aliviando as próximas colheitas ou
interdição de entrada e a concessão de empréstimos pelo erário público para com- o vinho armazenado que não tivesse saída. Os comerciantes que se dedicavam ao
pra de alambiques para destilar o vinho baixo da ilha. A medida proibitiva mereceu comércio das aguardentes estrangeiras eram de opinião contrária. Para os ingleses e
a gratidão dos proprietários, uma vez que contribuía para o escoamento dos stocks acólitos, a entrada das aguardentes era um meio de fácil saque. Já os pequenos pro-
de vinho. Foi assim que se manifestaram os proprietários António de França Neto548 prietários do Norte exerceram uma forte pressão, uma vez que o destino das co-
e Diogo de Ornelas549, para quem a lógica do Sr. F. Manuel provoca náuseas, esclare- lheitas dependia da solução encarada.
cendo-se acerca da pessoa em causa: Deve saber-se que o Sr. Francisco Manuel A instabilidade política no continente provocou alguma desconfiança das institu-
Alves não é proprietário, nem negociante de vinhos e que por dever de amizade e ições locais perante a iminência de novas medidas que pudessem surgir de Lisboa.
interesse é mui afeiçoado a alguns senhores negociantes ingleses. Declaro isto, não Assim, em 8 de Agosto de 1823556, após a Vila-francada (em Maio), a Câmara re-
para ofender, mas para o critério avaliar-nos”550. O articulista Hum Português551 presentava para que com a mudança das causas se não faça alguma alteração naque-
acrescentava a discussão o seguinte: A aguardente que eles nos trazem será porven- las providentes leis, visto haver ainda, quem tendo só em consideração os seus
tura um efeito da sua filantropia? Não será antes para nos por na sua dependência, próprios interesses e em nenhuma conta a prosperidade pública desta província
para terem mais um artigo de contrabando e de monopólio e com fim para declama e representa contra a disposição destas leis”. Mas o Conde de Subserra por
reduzirem o preço do nosso vinho B mais Ínfima expressão. aviso de 12 de Março de 1824557 sossegou-os confirmando-as.
O polémico Estrela do Norte552 atacou, não só a opinião do Sr. Alves, como o As constantes alterações e a extrema fragilidade do sistema político, na primeira
decreto aprovado em Cortes, que permitia a entrada das aguardentes nacionais, pois metade do século XIX, contribuíram para o arrastar da crise porque as medidas tar-
as pipas de aguardente, que entram em nosso porto são mais temíveis, que os davam em chegar e as soluções provisórias eram ineficazes e pelo imperfeito rota-
corsários insurgentes553, que podem olhá-las como outros tantos inimigos, que lhes tivismo de domínio dos diversos interesses conduzia a uma variedade opção em face
vem roubar o sangue e dar morte violenta aos seus interesses. dos acontecimentos, que se materializava muitas vezes em soluções ou medidas
O redactor de O Patriota Funchalense, N. C. Pitta554 considerava a lei de 9 de diferentes, de acordo com os interesses em jogo. Assim, enquanto em 1794558 se
Outubro, como prejudicial, porque no comércio com o reino não havia contra- proibiu a entrada de certa porção de aguardente de Valença, em 1810559 tivemos
partida: Numa tal colisão, antes continuasse a importação de aguardente estrangeira, medidas de excepção com a permissão de entrada de 3.600 galões de aguardente,
pois como esta era importada pelos ingleses e estas são quasi os únicos consumi- livre de impostos para a tropa ocupante da ilha. Em 1821 deu-se entrada a 6 pipas
dores e exportadores do nosso vinho, era-nos mais vantajoso receber deles a de aguardente de Londres para José Rebello560 e de 180 pipas de Bordéus para T.
aguardente, dando-lhes em troca vinho, que recebê-la de Portugal, que nos arruína, H. Edwards & Ca.561. Mas já em 1822 o juiz da Alfândega apreendeu uma pipa de
levando o nosso numerário e impedir do que fervamos os nossos vinhos, na certeza aguardente a Philip N. Searle, dizendo ser estrangeira562, mas por sentença do Feitor
de não acharmos compradores, por terem igual género de Lisboa muito mais bara- da fazenda de Lisboa em 1825563, confirmou-se ser fabricada na ilha do Faial em
to555. Mais uma vez os privilégios exclusivos eram anti-constitucionais, ficando-se alambique, dando-se a devida autorização de entrada. O caso demonstra a dispari-
pelo meio-termo, pedindo-se apenas um aumento dos direitos de importação da dade de opções entre Lisboa e a ilha. Pelo menos assim o devia entender o comer-
aguardente nacional de 7.600 réis para 40.000 réis, esperando que esta medida ciante que em face da apreensão fez apelo aos tribunais do reino e não aos da ilha.
Em 1823 gerou-se acesa polémica acerca de um requerimento de Murdoch Wille
548.Idem, nº 13, pp. 3/4. in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, pp. 195-197 & Ca., casa da companhia nova, em que solicitava a admissão de 400 pipas de
549.Idem, nº 13, p. 4; nº 14, p. 4.
550.Idem, nº 14, p. 4.
551.Idem, nº 14, p. 3.
552.Idem, nº 26, pp. 3/4 556.ARM, RGCMF, T. 15, fols. 99vº/100, vide representação de 3 de Janeiro de 1823; idem, T. 15, fols. 119vº/121.
553.Os corsários insurgentes surgiram entre 1818/9, actuando de modo especial no mar circunvizinho dos Açores e Madeira. 557.ARM, RGCMF, T. 15, fols. 133/134vº.
Estes corsários eram de proveniência argentina e actuavam aqui contra os portugueses e espanhóis em represália da 558.ANTT, AF, nº 238, fols. 2vº.
acção da invasão portuguesa em face da guerra da Argentina. Até ao momento era desconhecida a sua acção nesta área, 559.Idem, nº 238, fols. 137vº, 141.
só uma investigação por nós feita e m vias de publicação deu-nos a possibilidade dessa descoberta. 560.Idem, nº 240, fols. 20/21vº.
554.Patriota Funchalense, nº 40, pp. 1/2. 561.Idem, nº 240, fols. 33vº, 49/49vº, 54vº/55vº, idem, PJRFF, nº 405, pp. 335, 378, nº 406, fol. 20, nº 450, pp. 7/8.
555.Idem, p. 1. 562.ANTT, AF, nº 240, fols. 68vº, 89vº, nº 406, fol. 53vº.
262 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 263

aguardente de França. A Junta em face do pedido solicitou o parecer das câmaras aguardente praticado pelos navios franceses Le Renard e L’Americaine, sob a com-
de Machico, Calheta, Ponta do Sol, S. Vicente564 e do Funchal565. Os comerciantes e placência de quatro guardas de número da Alfândega: não pode a Junta deixar de
proprietários do Funchal em representação conjunta manifestaram-se contra o estranhar que haja pessoas tão pouco zelosas do seu crédito e de sua mesma pátria
requerimento, apontando: Já ninguém duvida que os novos alambiques destilam que por tão ridículo interesse sacrifiquem o maior bem dela com desprezo da mais
com nossos vinhos aguardente de superior qualidade, tanto para consumo de vinhos sábia e providente lei constituindo-se os autores de semelhante falta pouco dignos
novos, como de velhos, enquanto guardado de um para outro ano, capaz de rivalizar da estimação pública e de qualquer carácter de representação que os distinga, ou
com a melhor, que aqui nos tem vindo de França, desta verdade estão todos con- classe de comércio a que pertençam572.
vencidos, ate às casas de comércio estrangeiras da maior inteligência, dignidade e Para o ano de 1827573 ficou reservado o maior escândalo de contrabando até
respeito. Pressente-se a força do novo comerciante enriquecido com os lucros das então praticado no Funchal. A apreensão de certa quantidade de aguardente a
novas fábricas de destilação contínua e que começaram a dominar e fazer valer os Francis Gordos foi o mote. A Câmara e a opinião pública em geral574, manifestaram-
seus interesses. Entrávamos na época dos alambiques e dos proprietários de fábricas se contra o sucedido apontado a necessidade de medidas severas, como o derra-
de destilação há pouco enriquecidos. A opinião terá acento na Câmara do Funchal, mamento no calhau. No entanto, inadvertidamente, a Junta em 7 de Outubro a
por intermédio, certamente de Severiano de Freitas Ferraz, daí a negativa ao reque- admitiu a aguardente e solicitou à Câmara a permissão para o livre consumo. Em
rimento citado antes se manifestando pela aplicação imediata da lei de 2 de Janeiro 1839575 foi encontrada a boiar no mar uma pipa de aguardente, perdida do contra-
de 1824566. bando, arrematada em hasta pública. Ainda, segundo Ruppert-Coock576, um navio
Idêntica força se fez sentir na decisão da Junta em 17 de Março de 1824567, ao alemão teria desembarcado na baía de Câmara de Lobos 300 caixas de gin que
indeferir a mesma pretensão assim justificada: Apesar que as Juntas passadas te- escondeu na furna dos lobos, sendo depois encontradas, por um par de namorados.
nham muitas vezes representado a necessidade absoluta de entrada de semelhante Perante a inépcia da vigilância da costa e a continuidade da acção fraudulenta na
género ate persuadidas que das aguardentes de França dependia a estima e particu- baía do Funchal, através da manifesta corrupção de grande número de guardas da
lar conceito que os vinhos da Madeira tinham no mercado estrangeiro, tem-se real- Alfândega, perguntava-se o articulista do Funchalense Liberal: De que serve então
mente conhecido que esta opinião provinha da falta que então havia da indústria dizer - fica proibida a importação das aguardentes estrangeiras na ilha da Madeira -
alambiques próprios para fazer sem os defeitos com que então se destilava, porém se se desprezam os meios de tornar efectiva essa proibição?.O Correio da Madeira,
agora que a falta de comércio, minorando a exportação dos vinhos promoveu esta em 1851, lamentava a triste sorte da ilha com o aparecimento tardio dos alambiques:
indústria mandando muitos vir de França os melhores alambiques nos quais se faz Se nas grandes e felizes épocas desta ilha houvesse alambiques, não teriam exporta-
a maior perfeita destilação, seria para os empreendedores a admissão pedida, um do para os mercados estrangeiros vinho de má qualidade que muito desacreditou o
mal gravíssimo e para sua indústria e ate talvez tornar na aguardente desta ilha um nosso comércio, e este erro manifesto nos teria reduzido há extrema indigência, não
ramo de exportação preferível às de outro país, atendendo à melhoria dos vinhos vir a providente, a mil vezes bem calculada e restauradora medida consignada na
que é extraída. carta de lei de 2 de Agosto de 1822577. Mais afirmava que a defesa do vinho, em face
Os comerciantes que teimavam no negócio rendoso das aguardentes restava ape- da concorrência do Porto e Xerez, deveria ser afrontada com medidas de defesa da
nas o afrontamento às medidas interditivas com o recurso ao contrabando. A costa reputação e qualidade. Minorando os gravames do nosso vinho, facilitando-lhes e
entre Machico e a Calheta oferecia enseadas desprotegidas e não vigiadas pelas promovendo-lhe o consumo e guerreando o contrabando da aguardente - que é uma
forças militares, o que facilitava o contrabando568. A primeira referência surge em traiçoada investida, um hostil assalto ao nosso produto já tão sobrecarregado e víti-
1823, com a apreensão pelo juiz da Ribeira Brava569, no lugar de Baixo do termo da ma do flagelo da pauta - que embaraça a nossa agricultura, dificulta o nosso comér-
Vila da Ponta do Sol, e do juiz da Alfândega na baía do Funchal de 7 pipas, da chalu- cio, rouba-nos o pão de nossas famílias, o interesse de nosso trabalho e ate cedo nos
pa inglesa George the Fourth570. Em 1825571 a Junta denunciou o contrabando de esbulhará de nosso tecto protector578.
A importação das aguardentes é apontada como uma das origens da crise. Até
563.Idem, nº 240, fol. 175vº.
564.ANTT, PJRFF, nº 774, p. 126.
1821 argumentava-se a favor da de França, como meio único e necessário para o
565.Idem, nº 406, fol. 84.
566.Idem, nº 406, fol. 91vº; ARM, RGCMF, T. 15, fols. 129vº/130. 572.ANTT, PJRFF, nº 406, fol. 173.
567.ARM, RGCMF, T. 15, fols. 117vº/119. 573.Idem; veja-se O Funchalense Liberal, nº 6, pp. 2/3, nº 7, pp. 2/3.
568.ANTT, PJRFF, nº 763, fols. 169/169vº. 574.ARM, RGCMF, T. 16, fols 67vº/69vº.
569.Vide o Defensor da Liberdade, nº 25, p. 2; nº 28, p. 1; nº 36, p. 1; O Funchalense Liberal, nº 1, pp. 2/3; nº 6, pp. 1/3; Correio 575.O Defensor da Liberdade, nº 28, p. 1, nº 35, p. 1.
da Madeira, nº 113, pp. 1/2, nº 115, pp. 5/6, nº 119, p. 3, nº 120, p. 3; Ruppert Crooft Coock, ibidem, pp. 87/88. 576.ANTT, PJRFF, nº 467, fol. 75vº.
570.ANTT, AF, nº 240, fols. 73vº, 89vº. 577.Idem, nº 407, fol. 189vº.
571.Idem, nº 240, fol. 72vº. 578.Idem, ibidem, pp. 88/89.
264 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 265

trato dos vinhos. Mas a partir de então tivemos medidas proibitivas, justificadas pela
produção e boa qualidade da aguardente da terra e dos novos alambiques de desti-
lação contínua em funcionamento. O ano de 1821 marca a viragem do domínio do
grande comércio das aguardentes de França, sob a alçada dos ingleses, para o dos
proprietários de fábricas de destilação contínua, interessadas no comércio dos vi-
nhos do Norte por meio da destilação, no que certamente se nota um predomínio
dos proprietários do Norte em relação aos do Sul. A partir daqui processou-se uma
momentânea alteração das rotas da aguardente, via Gibraltar ou Inglaterra, lesando
de modo directo os ingleses, a parte mais interessada no negócio. Sucederam-se
reclamações, mas iam longe os tempos áureos de 1640 e 1810. A única possibilidade
de furar o embargo estava no contrabando. Foi necessário reconverter os velhos cir-
cuitos do negócio. Mas enquanto isto sucedia a crise dos anos 50 e 70 fê-los arru-
mar as malas e partir.
Em 1821 temos referência de três alambiques de destilação contínua, em notícias
que colhemos no Patriota Funchalense579. O de Frederico Castro Novo funcionava
aos Moinhos, destilando vinhos de toda a ilha580. Em 1822581 junta-se a fábrica de des-
tilação de Severiano Alberto de Freitas Ferraz com dois custosos e aperfeiçoados
destinatários, aonde se tem fabricado a mais perfeita aguardente.
A Junta tomou a iniciativa de solicitar a João Francisco de Oliveira, encarregado
de negócios em França, um alambique de destilação contínua582. Em Fevereiro de
1823523 o Tesoureiro geral solicitou dois alambiques no valor de 5000 francos (80 mil

579.TERTULIANO TORÍBIO DE FREITAS VERGOLINO: Anuncia aos respeitáveis patrícios seus Tertuliano Toríbio de Freitas
Vergolino, que faz aguardente de vinho e de borra, toda capaz para concerto de vinho; de borra para ser boa J preparada
e restilhada e sendo de vinho extraída do quilate que seu dono quiser, pela primeira destilação feita de vinho por 2.600 reis reis). Em Abril584 recomendava-se o envio via Londres, que talvez seja menos dis- Garrafas de vinho velho.
cada pipa de 23 almudes, entregando a produção com quilate subido e as aguardentes fracas correspondentes, pipa de Pereira de Oliveira, Ldª
barra com 23 almudes primeira destilação por 2.600 reis e pelo preparativo e destilar 100 reis por cada galão que estufar, pendioso, mais seguro. No mesmo ano Severiano de Freitas Ferraz construiu um
tudo feito sem impostura [Patriota Funchalense, nº 36, p. 4.].
PEDRO PETRELI SANTA CRUZ: Pedro Petreli Santa Cruz, estabelecido com uma fábrica de destilar aguardente, no sítio
alambique de destilação contínua baseado no modelo francês, contribuindo para
dos Moinhos, notícia ao público, que ele faz aguardente de diversas qualidades, fazendo uma de que já se pode fazer uso isso as viagens que havia feito a França para se instruir na química de destilação de
para os vinhos novos e outra que passados alguns meses serve para se deitar em vinhos, sem que se possa conhecer se
foi feita na terra ou em França [Idem, nº 36, p. 4.]. Pedro Petreli Santa Cruz, tendo observado que com alguma inconsider- vinhos. O Patriota Funchalense não deixou passar a oportunidade, fazendo o elogio
ação se escreveu contra as aguardentes fabricadas nesta província supondo-se-lhes imperfeições, que na verdade não
existem, faz saber ao respeitável público desta mesma província, que na sua fábrica, nos Moinhos, ele tem dado provas no
das potencialidades da região e dos sábios que abarcava: não é a primeira vez que
curto espaço de três meses de que na sua fábrica faz aguardentes de melhor qualidade de que muita de que se importa temos visto engenhosas produções de mecânicas de um hábil e patrício, Severiano
neste país, tendo oferecido mostras delas sem imperfeições, que conservadas alguns meses aparecem como as de mel-
hor lote que vem de França, o que tendo feito patente ao soberano congresso, por tais tem sido acreditadas, mostrando de Freitas Ferraz, e por isso faltaríamos aos deveres de patriota, se deixássemos de
assim a este público que a chegada do alambique, que mandou vir de França pelo seu colega Frederico Castro Novo, pro-
porcionará a este país de fazer aguardente superior à estrangeira. Anunciando o exposto, ele assegura aos habitantes anunciar aos nossos concidadãos um novo alambique de vapor, que aquele cidadão
desta província que em breve lhe demonstrará sua asserção de um modo que se convençam os que falavam teoricamente
e que não duvida auxiliar as observações dos que duvidam de uma verdade hoje conhecida de mor parte dos inteligentes
acaba de construir. A simplicidade do seu mecanismo o faz um tanto mais
desta cidade [Idem, nº 57, p. 4.]. recomendável e a perfeição do espírito que destila, parece-nos superior ao que
FREDERICO CASTRO NOVO: Faz-se saber aos proprietários e negociantes, que achando-se estabelecidos os alambiques
da última invenção, que trouxe de França Frederico Castro Novo e tendo-se já fervido neles vinhos, ainda os da mais baixa temos visto. Seria para desejar que vista a determinação do soberano congresso em
qualidade, se verifica conseguir-se a mais perfeita aguardente, que rivaliza bom a melhor de França, o que promete a esta
província as maiores vantagens, portanto os que quiseram ferver vinhos, se dirigirão aos seus directores, que pelo resul-
mandar vir alambiques de França para se venderem ou arrendarem por conta da
tado se lisonjeiam convencê-los do que tão francamente lhes anunciam [Idem, nº 81, p. 4.]. Frederico Castro Novo, dese- Fazenda Nacional nesta província, se fizesse aqui a despesa com a mão-de-obra,
jando manifestar ao respeitável público o vivo interesse que torna sem ser-lhe útil, fazer prosperar o estabelecimento que
vem de procurar a esta província com os novos destinatários d’aguardente faz saber que o preço dos cozimentos ficam concedendo-se a quem teve tanto trabalho o empréstimo de 500.000 réis para o fa-
reduzidos a 100 reis por almude de vinho, assegurando que as grandes despesas, que deve fazer, são o forte motivo de
não poder prestar-se mais comodamente, como sinceramente desejava [ Idem, nº 85, p. 4.]. brico daquele alambique em ponto grande, pois só deste modo se anima a indústria
581.Cf. Pregador Imparcial da Verdade, no.44, 47, 49 [1827]
582.RGCMF, T. 15, fols. 24/26.
583.ANTT, PJRFF, nº 759, pp. 442/443. 584.Idem, nº 759, p. 445.
266 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 267

e remunera os trabalhos de quem deseja ser útil à Pátria585.


Perante a situação a Junta a 2 de Setembro586 anulou o pedido de um alambique,
justificando a atitude pelo facto de Severiano de Freitas Ferraz ter inventado um
maquinismo de alambique de destilação contínua, no qual afiançava melhores resul-
tados do que o dos últimos inventos de França existentes neste país. A posição esta- lação de fábricas de destilação contínua.
va baseada no parecer dos químicos e engenheiros da Sociedade Funchalense dos A partir de finais do século XIX
Amigos das Artes e das Ciências que mostraram os mais lisonjeiros resultados do mudou o panorama económico da ilha
mesmo invento. A Junta logo emprestou 600.000 reis para a construção do novo com a valorização da cana-de-açúcar na
alambique, animando ao mesmo tempo a continuação de novos inventos. Em agricultura, donde se passou a fabricar
1826587 o mesmo inventor possuía a melhor fábrica de destilação da ilha que, segun- álcool e aguardente que passaram a ter
do informação de 1827588, se compunha de cinco perfeitos aparelhos de destilação uso local e na exportação. A disponibili-
contínua habilmente dirigidos, e com toda a vigilância e exactidão. dade da aguardente de cana levou à uti-
As leis proibitivas, a partir de 1822, foram um incentivo à proliferação das fábri- lização no tratamento do vinho até
cas de destilação589. Os alambiques expandiram-se rapidamente no perímetro da 1967594. A situação da indústria levou o
cidade e meio rural onde o vinho assumia importância. É o caso da vertente Norte, governo a estabelecer regras no sentido
onde se produziam os vinhos apropriados para a destilação. Em 1827, Frederico de de disciplinar e frenar o consumo exces-
Castro Novo tinha montada uma oficina para construção de alambiques novos ou sivo de aguardente. Em 1911 concedeu-se
concerto de velhos590. Já em 1851 J. J. Nóbrega591 refere para o Funchal seis o monopólio do fabrico de açúcar à casa
caldeireiros, latoeiros e funileiros. Segundo J. Silvestre Ribeiro existiam na ilha, em Hinton595.
meados do século XIX, treze alambiques, sendo três no Funchal, um em Santa O consumo excessivo da aguardente
Cruz, um em Ponta do Sol, um em Porto Moniz, um em Ponta Delgada, três em S. levou o governo a conceder a distribuição
Vicente, dois em S. Jorge e um no Faial, que ferviam em média por ano 7 a 8000 em regime de monopólio, por 25 anos, à
pipas592. Em 1785, segundo G. Pery593 o número elevava-se a 15. Dos três existentes Companhia da Aguardente da Madeira e
em 1821 se evoluiu de modo rápido, em cerca de 30 anos para 13, cujo número esta- em 1939 fecharam-se 39 das 48 fábricas
cionou, apenas subindo em 1875 mais três. em funcionamento. Isto teve reflexos na
A distribuição geográfica dos alambiques pelas áreas produtoras de vinho é elu- produção vitivinícola, uma vez que con-
cidativa. Na vertente Sul, onde se produziam os melhores vinhos e em maiores duziu à proibição de funcionamento dos
quantidades, temos apenas cinco, sendo três no Funchal e os outros dois, distribuí- alambiques para queimar as borras ou
dos em áreas onde se colhiam os mais fracos do Sul - Santa Cruz e Ponta do Sol . vinhos maus, passando-se a usar a
A vertente Norte, origem da maioria dos vinhos baixos, apresentava oito alam- aguardente de cana no tratamento do
biques, com três em S. Vicente e dois em S. Jorge. Ambas as freguesias eram con- vinho. Com a criação da Junta Nacional
sideradas as de maior produção no Norte. A luta em prol da qualidade e boa rep- do Vinho toda a actividade de controlo
utação do vinho passava pela destilação dos vinhos baixos do Norte e daí a insta- do álcool para a beneficiação do vinho
passou a depender da delegação regional,
585.Idem, nº 759, pp. 442/443.
passando em 1979 para o Instituto do
586.Nº.125, p.2 Vinho da Madeira até 1992, altura em
587.ANTT, PJRFF, nº 763, pp.146vº-147.
588.AHU, Madeira e Porto Santo, nº.9480 que foi liberalizada a venda por
589.Defensor da Liberdade, nº.26, p.4
590.Veja-se as declarações da câmara nas representações de 1821 e 1822 e teremos uma antevisão deste movimento, ARM,
imposição da CEE.
RGCMF, T. 15, fols. 100vº/104, 24/26. in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993,
pp. 99-101
591.ANTT, PJRFF, nº 763, fols. 146vº/147. 594.Geografia Estatística Geral de Portugal e Colónias, Lisboa,
592.AHU, Madeira e Porto Santo, nº 9480. 1875, pp. 3/9. Aspecto de canteiro
593.“Apontamentos Estatísticos sobre a Cultura da Vinha na Ilha da Madeira, in Correio da Madeira, nº 114, p. 1, confirmado 595.A questãso motivou aceso debate na imprensa e em fol- nos armazéns da
por J. J. Nóbrega em 1851. hetos avulso. Cf. Benedita Câmnara, ob. Cit., pp.168-169 empresa Barbeitos.
268 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 269

o dedo acusador à generalização da mistura dos vinhos do Norte com o do Sul e


depois a baldeação com os dos Açores e Canárias. Esta nova ordem de cousas se
pode atribuir a três causas principais que foram: primeira o suo de adubar os vinhos
com aguardentes e de os estufar: segunda o tornarem-se os britânicos proprietários,
e assim terem e comprarem vinhos em mosto; terceira, a guerra e a separação da
América inglesa.
Alguns especuladores por estes anos começaram a lançar nos vinhos aguardentes
velhas, feitas das fezes e dos vinhos sãos da terra, chamados - de cabeça - e fazer fer-
mentar os mesmos em pequenas estufas domésticas e ocultas, dando-lhes assim
realce de velhice. Porém estes artefactos não eram fraudulentos, porque, sendo os
vinhos e a aguardente de boa qualidade, se melhoravam sem perigo para o futuro.
Tendo-se, porém divulgado estas manipulações, todos se quiseram aproveitar de
tais interesses, e como esta boa aguardente da ilha não era bastante, se obteve do
ministério licença par entrar aqui uma limitada soma de pipas de boa aguardente
vinda de França; o que sendo depois ampliado, veio por fim a ser a sua admissão
Garrafeira indefinida.
da MadeiraWine Company. Estas aguardentes imensas, não já só vindas de França, mas da Espanha e Itália,
Colecção do autor. 1979
por abuso, logo passaram a ser adulteradas na sua pureza, origem e fabrico e por
isso mesmo precisavam de maior quantidade e com tal natureza se ião mascarar nas
A defesa da qualidade perfídias estufas, já tornadas gerais e de locação, onde recebiam uma aparência tem-
porária e insidiosa.
Com este transtorno os vinhos baixos da ilha, muito principalmente os da costa
Ao longo dos tempos a política de defesa da qualidade do vinho da Madeira
do norte e os do Porto Santo, onde se principiava por então o seu cultivo, sendo
enquadra-se num plano mais vasto de salvaguarda da reputação do produto e do
baratos, tiveram preferência aos vinhos generosos da parte sul, no que os propri-
mercado. As questões envolventes ganham actualidade em momentos de dificul-

Q
etários e cultivadores foram tanto mais prejudicados, quanto a plantação, cultura e
dade, como é o caso da viragem do século XVIII para o XIX, e articulam-se de
colheita destes é dobradas vezes mais difícil e dispendiosa, e a sua produção mais
acordo a conjuntura se apresenta ou não favorável. Deste modo os anos de
precária. Assim se paralisou a venda dos bons vinhos da Madeira; fomos ensinar aos
1818/1820, 1852 e 1872/1873 são um marco importante neste debate.
Açores e às Canárias a limitar-nos na fraude, ficamos sem crédito nos mercados das
O facto mais saliente da discussão é que nunca se conseguiu estabelecer um con-
nações consumidoras deste nosso bom género, e ainda que por algum tempo os
senso sobre a situação e as soluções encontradas para debelar a crise. Para uns foi o
danos dos vinhos baixos tiveram relevantes interesses, contudo já também sentem o
uso imoderado das aguardentes estrangeiras, nomeadamente de França, que danou
mal comum, pelo abandono total do nosso comércio.
a boa reputação dos vinhos. Por isso viam na baldeação de aguardente o acto
Tendo os ingleses a liberdade de possuir largas fazendas, ora como proprietários,
necessário e fortificador do vinho. Para outros a causa estava baldeação de vinhos
ora como rendeiros, e de comprarem, além disso, muitos vinhos em mosto, não se
dos Açores ou Canárias, ou dos vinhos fracos do Norte com os do Sul. Outros,
desarranjaram o comércio e lucro dos mercadores portugueses interpostos, que com-
ainda, apontavam a origem do mal no trato que se fazia com as estufas, ou a má co-
pravam esses vinhos das primeiras mãos para depois os venderem aos negociantes de
lheita das uvas com uma vindima apressada e sem a correcta escolha. Foi em torno
grosso trato, mas lhes ficou fácil a adquirirem vinhos baixos, concertados imediata-
disto que se ateou a discussão sobre a defesa da qualidade do vinho, expressa em
mente com o novo método e de má fé, embarca-los com tanto dolo, como certo
petições, cartas, representações, medidas proibitivas dos Governadores, Senado,
ganho, porque nada lhes importa o descrédito do país, com tanto que momentanea-
Junta e em artigos de jornais a partir de 1821.
mente façam uma rápida fortuna, que transpõem consigo596. Em 1873 A. Rodrigues
Em 1822 João Pedro de Freitas Drumond de Menezes na Memória sobre
de Azevedo referia-se ao mesmo: O principal inimigo dos vinhos da Madeira foi a
Algumas Matérias Estatísticas da Província da Madeira dava conta da origem do mal
que conduziu à crise vinícola na viragem do século XVIII para o XIX, apontando 596.Benedita Câmara, A Madeira e o Proteccionismo Sacarino (1895-1918), in Análise Social, vol. XXXIIII (145), 1978, pp.117-
143.
270 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 271

adulteração ou falsificação deles, feita não só no estrangeiro, mas ate na ilha: aqui
temperando-os com aguardentes baixas e lotando-os com os da costa do norte, ou
com os das ilhas dos Açores, e fora, contrafazendo-os de outros diversos vinhos597.
A da defesa da qualidade e reputação do vinho é apresentada em três níveis.
Primeiro, a regulamentação da cultura e apanha da uva, evitando os inconvenientes
e maus hábitos da vindima. Já quanto ao trato deveria actuar-se com o recurso às
aguardentes e ao envelhecimento nas estufas. E, finalmente, as práticas fraudulentas
de baldeação interna, do vinho do Norte com o do Sul, e externa com vinhos dos
Açores e Canárias. A tudo isto as autoridades atacaram com soluções, comparti-
lhando a opinião corrente da crise do comércio do vinho e, desconhecendo que o
problema se situava na contracção do mercado consumidor do vinho que ocorreu
entre em finais do século XVIII e princípios do século XIX.
Na década de sessenta do século XIX a falta de vinho de uvas era compensada
com o recurso ao chamado vinho de peros. As vinhas estavam ao abandono e
muitos dos 185 lagares existentes usavam-se para o seu fabrico. Uma pipa de falso
Madeira, com 420 litros, feita com vinho de peros, era resultado da mistura de 2
decalitros de vinho genuíno598. O vinho tanto se consumia na ilha, como era expor-
Corsa de transporte
tado para Lisboa e estrangeiro. Em 1863 a produção de vinho de peros foi de 476 de vinho.
pipas, sendo superior à do genuíno. Postal antigo.
No século XX continuou a cruzada em favor da qualidade do vinho Madeira. Em
1910 reclamava-se sobre o uso da calda de açúcar no tratamento do vinho, que se Proibição da baldeação interna
havia tornado pratica corrente. No sentido de salvaguardar a qualidade do vinho

B
criou-se em 1911 um laboratório para análises ao mesmo tempo que em 1924 se
No momento que antecedeu o fim das guerras que marcaram a viragem do sécu-
regulamentou a forma de uso do álcool.
lo XVIII, a procura incessante do vinho da Madeira conduziu à acelaração do
Nos anos trinta sector continuava em crise e o governo do Estado Novo interveio
processo de envelhecimento dos vinhos e o recurso a meios capazes de dar resposta
de forma clara no sentido de encontrar uma saída. O próprio Salazar, em carta ao Dr.
à cada vez maior procura nos mercados internacionais. Das práticas correntes, já em
João Abel de Freitas, de 23 de Maio de 1935, tinha ideias claras sobre a situação e da
pleno século XVIII, quando o vinho da ilha não satisfazia a procura, avançou-se para
forma de actuar no sentido da defesa da qualidade da cultura e reabilitação das expor-
a defraudação da qualidade. O vinho mau do Norte, por ser mais barato e disponí-
tações: Nós não podemos, a mexer no assunto, continuar permitindo que a expor-
vel em maior quantidade, substituía os bons e mais caros das castas seleccionadas do
tação seja aviltada em qualidade com os produtores directos, com o fabrico artificial,
Sul. A prática era lucrativa para os proprietários nortenhos, mas em momentos de
e com os vinhos por envelhecer. A solução razoável está em permitir apenas o pro-
superprodução ou sub-consumo tornava-se lesiva para a economia insulana, atingin-
dutor directo em certas zonas onde outra vide se não dá, mas só para consumo inter-
do os proprietários do Sul. O problema foi enfrentado com medidas punitivas seve-
no, e ir obrigando à enxertia os demais, por dois meios: 1º pagando por melhor preço
ras. Primeiro procurou-se impedir a prática da baldeação dos do Norte com os do
o vinho de castas nacionais; 2º fixando a percentagem decrescente num período talvez
Sul, passando-se, depois, pela proibição das cerejeiras pretas, cujo suco se usava na
de 5 anos em que o vinho exportado podia conter vinho do produtor directo.
coloração do vinho falsificado, e à proibição da mistura com os do Faial e Canárias.
[…] Deviam convencer-se aí de uma coisa Madeira bom, não há em parte ne-
Na primeira metade do século XVIII era comum a baldeação e trato do vinho do
nhuma do mundo; mas Madeira ordinário encontra-se por toda a parte, sem ser
Norte com o suco de cereja de modo a adquirir a coloração característica dos do Sul.
necessário ir daí. Estou convencido de que a reforma acabará por impor-se, tam ló-
Os homens de negócio, vendo-se lesados, clamaram em 1724599 ao Senado da
gica é, mas não sei se se aguardará a oportunidade de haver mais convencidos da
Câmara. No entanto, só a 9 de Janeiro de 1737600, por postura da Câmara se atendeu
sua benemerência.
597.Citado por D. João da Câmara Leme, Os Vinhos da Madeira e o seu Descrédito pelas Estufas..., pp. 26/27. 599.Francisco P. Oliveira, Informações para a Estatística Industrial Publicadas pela Repartição de Pesos e Medidas-Distrito de
598.A. R. Azevedo, Anotações às Saudades da Terra, p. 718. Leiria e Funchal, Lisboa, 1863, p.90
272 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 273

à situação interditando a entrada dos do Norte nas partes do Sul. Como Norte da ilha
entendia-se toda a área compreendida entre o Porto da Cruz e a Ponta do Pargo.
Em 1768 o Governador e Capitão General, Sá Pereira procurava corresponder
ao pedido de Martinho de Mello e Castro para o envio de 4 pipas de vinho puro
para Londres, temendo de o não encontrar pelas baldeações que se faziam. Todavia
estava dispoto a acabar com a situação por meio de medidas que havia posto em
prática601. A postura de 1737 estava já no esquecimento. Aliás, em papel de Francisco
Teodoro, homem de negócios, refere-se que a dita postura há muito tempo se não
observava. Mais dizia que no Porto da Cruz, Porto Moniz, Seixal, S. Jorge, Faial exis-
tiam melhores vinhos que em algumas zonas do Sul, que seriam tão úteis para o
embarque ao Brasil, gastos dos marinheiros e navios estrangeiros. Daqui resultava a
necessidade de reformular a postura, apontando, por exemplo, na proibição até
Abril, por ser de esse tempo a maior extractos vinhos de embarque602.
Das medidas referidas por Sá Pereira no ofício de Fevereiro temos um edital em
que se proibia a exportação ate Maio dos vinhos do Porto da Cruz, Faial, Arco de Preparação de embarque.
S. Jorge, Seixal, Porto Moniz, S. Vicente, Ponta Delgada, Santana, S. Jorge, Ma- Empresa de vinhos
Barbeitos.
chico, Ponta do Pargo, Serra de Água, sendo vendidos nas tabernas locais. Quanto
aos vinhos das melhores áreas, como Câmara de Lobos, Canhas, Calheta, Arco da
Calheta, Prazeres, Fajã da Ovelha, proibiu-se a baldeação com os inferiores603. (as fraudes) as que sem dúvida tem concorrido em grande parte para se haver
Em 1785/1786 o Governador e Capitão General, Diogo Pereira Forjaz Coutinho, diminuído aquele artigo e bem merecida reputação do vinho da Madeira, em cujo
o folgazão e amante da pompa e festas, ditou novas ordens com a regulamentação género consiste todo o comércio e conservação desta ilha.... Por isso, determinou-
das vindimas (16 de Agosto de 1785604), a interdição da baldeação dos vinhos do se que o vinho das freguesias do Norte ficasse encascado até Janeiro. Caso os
Norte como os do Sul (13 de Setembro de 1785) e, por fim, bando geral de 16 de lavradores quisessem transporta-lo à cidade deveriam fazê-lo debaixo de uma guia
Agosto de 1786 estabelecendo medidas quanto à má cultura, vindima, falsificação e passada pelo Juiz do lugar, ou Comandante do distrito. Ao mesmo tempo ordena-
adulteração do vinho. De acordo com a ordem de 13 de Setembro de 1785605 a má va-se aos oficiais da guerra e da justiça uma maior vigilância, impedindo o transporte
reputação e e perda de qualidade do vinho não se deveu à prática corrente da cul- durante a noite. A medida era lesiva dos interesses dos proprietários locais, colonos,
tura e vindima, mas sim às fraudes que costumam usar algumas pessoas que por uma vez que nas freguesias não havia adegas ou as que haviam eram poucas, vendo-
uma particular, ainda que aparente utilidade, sacrificam o público interesse do seu se obrigados a vender o vinho em mosto ou a conduzi-lo às lojas no Funchal.
próprio país, introduzindo nas freguesias aonde os vinhos delas são bem reputados, No ano imediato por Bando Geral de 16 de Agosto606, dá-se conta da prática de
outros de diferentes freguesias e de inferior qualidade para assim fazerem mais avul- fraudes, falsificações e a premência das medidas enunciadas: Porquanto me consta
tada a sua partida e a venderem todo como vinho superior e daquela freguesia, onde que os vinhos em quintais desta cidade, vilas e lugares se costumam clandestina-
dissimulada e clandestinamente o tem introduzido, fazendo-lhe algum concerto e mente introduzir nos campos circunvizinhos, ou para os misturarem com os vinhos
mistura, com que à primeira vista se equivoca com o bom vinho daquela freguesia deles, ou para os compradores se persuadam que são ali produzidos e por tais os
que tem melhor reputação, seguindo-se deste engano que o negociante que o com- paguem; que semelhantemente e para o mesmo doloso fim se introduzem vinhos
pra para o embarcar, não lhe faz o benefício e concerto que lhe faria se soubesse de da costa do norte em algumas freguesias da do sul, e que com o mesmo intento
cuja ele era, por cuja razão o dito vinho, ou se lhe arruína no armazém, ou se acaso muitas pessoas compram vinhos em mosto nos altos das freguesias da costa do norte
se conserva bom ate o tempo de embarque abate a tal sorte na viagem, que quando em algumas freguesias da do sul, e com o mesmo intuito muitas pessoas compram
chega ao porto do seu destino, já se manifesta ser de inferior qualidade... Sendo elas vinhos em mosto nos altos das freguesias de toda a costa sul e os trazem e vem fazer
cozer para as freguesias mais perto do mar a fim de os lotarem com vinhos de me-
601.Idem, nº 291. lhores portos, onde os inculcarem por vinhos produzidos nelas...
602.Idem, nº 289.
603.Idem, nº 293.
604.Idem, nº 290, vide os docs. nº 346, 310/311. 606.ARM, GC, nº 70, fols. 33vº/35vº, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, pp.
605.Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, pp. 34-35 36-38
274 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 275

(...) Proíbo a todas as pessoas de qualquer qualidade e condição que sejam que
não embarcarem para fora da ilha os próprios vinhos, que os possam lotar, ou mis-
turar de sorte alguma, ou sejão em mosto, ou depois de cozidos; nem do norte nem
do sul, nem os de umas com os de outras freguesias, nem ainda os dos bons, com
os de inferiores postos da mesma. Antes contrariamente ordeno aos mesmos
encubadores do vinho que cozam e beneficiem os de diferentes qualidades em cas-
cos separados e quando os venderem não ocultem os compradores os verdadeiros O processo
sítios, onde eles foram produzidos, pois esta sorte é que se mantêm e nutre a boa-
fé que deve haver nos contratos, se tranquilizem as consciências e se pode restaurar
de vinificação hoje
o arruinado crédito do comércio desta ilha. Mais se interditava a entrada dos vinhos
do Norte no Sul, antes do mês de Maio. Todos os infractores eram punidos com a Na segunda metade do século XX deu-se um salto
pena de apreensão do vinho em causa, sendo uma terça parte do produto ou da con- qualitativo no processo de vinificação que permitiu
denação pecuniária para o denunciante. apurar a qualidade do vinho Madeira e apresentar ao
O edital de 27 de Fevereiro de 1788607 proibiu a plantação de cerejeiras pretas e consumidor uma gama muito variada. O vinho
ordenou o arranque ou enxertia das existentes, de modo a evitar o abuso na colo- Madeira continua a ser o único a integrar no proces-
ração aos vinhos defraudados com o suco da cereja. Os infractores seriam punidos so da vinificação a beneficiação pelo calor através de
com multa de 6000 reis. Assim, atendeu-se a uma representação dos comerciantes estufas. Estas evoluíram nos últimos anos para uma
de vinho que se havia manifestado contra tal prática608. A 6 de Março609, um restrito sofisticação que permite um maior controlo do aque-
grupo de proprietários, entre os quais Manuel Acciauoli e o Cónego Pedro Nicolau cimento, evitando o contacto directo com o calor.
Acciauolli, solicitaram a suspensão do edital, aduzindo os inconvenientes da apli- Daqui resulta um processo de vinificação típico e
cação. O Governador, por despacho de 13 de Março610, indeferiu a pretensão, mas único.
o Cónego lesado teimou em transgredir a lei não permitindo o arranque ou enxer- O processo de laboração do mosto abandonou o
tia das cerejeiras. Além disso penalizava os colonos que o fizessem. O Governador primitivo lagar e passou a fazer-se em moderna
ripostou com medidas severas, ordenando a prisão. O caso arrastou-se por algum maquinaria, que separa o engaço e a grainha da polpa
tempo até que a morte do réu o encerrou611. No entanto em 1819612 o uso da cereja e casca da uva. Ganhou-se em condições e meios do
preta ainda se mantinha e a Câmara afirma que era uma das causas descrédito dos processo, como na vindima e recolha da uva junto dos
vinhos. A resposta do Governador, D. Diogo Forjaz Coutinho, foi imediata. Mais agricultores. Hoje todas as empresas recebem as uvas
uma vez era necessário estabelecer a demarcação das áreas vitícolas, segundo o de forma a melhor controlarem o processo de vinifi-
modelo pombalino. Sobre tão sólida base, achando-se aliás a Junta autorizada para cação e evitar os vinhos com elevado nível de acidez Máquina de rotular. Colecção da empresa Henriques &
volátil. Para isso montaram uma rede de agentes em Henriques. 2002
promover o bem da agricultura em que tem o primeiro lugar importante e precioso
artigo do vinho deve fazer-se uma demarcação das freguesias e sítios que dão vinho toda a ilha, que intervêm junto dos agricultores. Além
de embarque, destinados para o consumo da terra o que é inferior, porquanto o que disso eles têm a função de acompanhar o ciclo vege-
faz sustentar em tão pequeno ponto 100.000 vassalos é o crédito, intenção do valor tativo e de controlar a maturação da uva a partir do
e inimitável generosidade do vinho Madeira, que a igualar-se pelas misturas com o mês de Junho. Nalgumas casas, o controlo do grau
mais vinho da Europa, em preço e qualidade seria preciso para não morrer de fome, potencial, é feito de forma rigorosa através do
que S. M. mandasse despejar 2/3 desta povoação para os sertões do Brazil. refratómetro, durante a fase de maturaçã, dele depen-
dendo a aceitação ou não das uvas. A medida padrão
da graduação alcoólica para aceitação das uvas é de
607.AHU, Madeira e Porto Santo, nº 825. 8,5º. O incentivo à perfeita maturação é dado através
608.Idem, nº 824.
609.Idem, nº 826.
do pagamento do quilograma de acordo com a gradu-
610.Idem, nº 826. ação alcoólica.
611.ARM, RGCMF, T. 14, fols. 202/203vº.
612.ANTT, PJRFF, nº 942, p. 120. A ordem para a apanha da uva é dada pela empre-
276 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 277

sa, após a abertura oficial da vindima. As uvas são recolhidas pelos agentes nas
freguesias rurais, sendo transportadas no mesmo dia ou na madrugada do dia ime-
diato para a empresa. As caixas são pesadas e depois despejadas em tegões para
serem sujeitas ao processo de desengace total ou parcial. A utilidade do engaço tem
a ver com os níveis de taninos que se pretende atribuir ao vinho. Acontece que o
facto da maioria dos engaços se apresentarem verdes conduz a elevados níveis de
hexagonol, razão pela qual a preferência vai quase sempre para o desengace total.
Retirado o engaço procede-se ao esmagamento. A maioria das empresas de
vinho Madeira fez nos últimos anos um notável esforço de aperfeiçoamento tec-
nológico do sistema de recepção das uvas, apostando na mecanização do processo
de pesagem, desengace, esmagamento, prensagem e fermentação. A maquinaria de
vinificação está presente e todos os recipientes são de aço inoxidável.
A partir daqui inicia-se o processo de vinificação que pode ser feito de bica aber-
ta, de bica aberta com maceração e curtimenta. Vejamos de forma sucinta com se Garrafas com vinho velho.
processam as três técnicas aduzidas. Na vinificação de bica aberta a massa vínica, Pereira d’Oliveiras, Ldª
depois da adição de SO2, o primeiro prensado é encubado, enquanto que no
processo com maceração a massa vínica vai a encubar por um curto período, proce-
dendo-se depois à separação do mosto. O último processo diferencia-se pelo facto Os diversos tipos de vinho madeira
de só se proceder à separação do mosto após a fermentação em autovinificador ou
cuba de remontagem. O vinho Madeira apresenta diversas tipologias, de acordo com as castas, o grau

T
A fermentação é feita com o controlo de temperatura para poder preservar-se os de doçura ou a forma de tratamento. No passado a única distinção existente era
aromas da casta. A fermentação a frio evita que o vinho perda álcool, aromas florais entre o vinho das diversas castas, Acontece que nos últimos anos a Vinificação
e estrato seco. O processo é travado com a adição de álcool vínico com 96º, depen- sofreu diversos ajustamentos de acordo com as exigências do mercado. Surgiu, por
dendo as quantidades do tipo de vinho que se pretende fazer e da casta em causa. exemplo, o vinho Madeira elaborado à base de Tinta negra-mole, para os jovens e
Terminada a fermentação o vinho das uvas de castas nobres é desencubado e passa de preço mais acessível. Além disso generalizou-se a prática de loteamento e a imple-
para o armazém, sendo depositado em lotes de vindima nas pipas onde vai enve- mentação de práticas comuns noutras regiões, como é o caso do Solera do Jerez.
lhecer sobre o olhar atento dos enólogos ou técnicos de vinificação. Os vinhos das No sentido de corresponder às exigências de um publico consumidor muito vari-
castas autorizadas, como a Tinta negra mole, ficam a aguardar pela estufagem por ado ampliou-se a gama de vinhos de venda ao público. Actualmente estão con-
um período de três meses, passando depois para o canteiro, onde estagiam um sagradas para o Vinho da Madeira diversas menções tradicionais. O Madeira que
determinado de tempo até terem autorização de embarque. surge à venda distingue-se por diversas características. Quanto às castas temos: Sercial
O processo é controlado pelo Instituto do Vinho da Madeira, que procede à (ou Cerceal), Boal (ou Boal), Verdelho, Malvasia, Terrantez. Já de acordo com a qual-
selagem das estufas e ao fim de três meses vistoria a abertura. A partir da estufagem idade podem ser definidos como: Garrafeira (ou Frasqueira) Superior, Reserva,
o vinho está pronto a estagiar nos cascos de carvalho. Para isso procede-se ao esta- Velho (Old, Vieux), Reserva Velha, Muito Velho (Old Reserve, Very Old), Reserve
belecimento dos lotes pretendidos que são encaminhados para os cascos nos Especial (Special Reserve), Seleccionado (Selected, Choice, Finest), Solera, Canteiro
armazéns. (Vinho canteiro ou Vinho de Canteiro), Colheita (datada). A indicação da idade está
A qualquer momento, de acordo com a procura do mercado, a casa procede ao estabelecida para 3 anos, 5 anos, 10 anos, 15 anos, 20 anos. Ainda poderá diferen-
engarrafamento do vinho. O acto é precedido de diversas operações e da autoriza- ciar-se de acordo com o grau de doçura [Seco (Dry), Meio-Seco (Medium-Dry),
ção expressa do IVM que controla a qualidade dos lotes. Concedida a autorização Meio-Doce (Medium Sweet), Doce (Sweet) ], quanto à cor [Muito Pálido (Extra Pâle,
procede-se à preparação do engarrafamento através da estabilização e filtragem das e Light Pâle), Pálido (Pâle), Dourado (Golden), Meio escuro (Medium Dark), Escuro
impurezas. No fim do processo de engarrafamento são tiradas duas garrafas de (Dark)], ou quanto ao corpo e sabor [Leve (Light Bodied), Encorpado (Full ou Full
foprma aleatória para posterior análise no IVM. Bodied), Fino (Fine), Macio (Soft), Aveludado (Luscioun), Amadurecido (Mellow)].
De acordo com a legislação em vigor existem vários tipos de vinho Madeira com
278 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 279

características e idades diferentes:


1. Vintage. É um vinho feito de uma casta nobre numa colheita especial que deve
permanecer o mínimo de 20 anos encascado e 2 anos engarrafado.
Particulares e empresas dispõe de colecções variadas deste tipo de vinho,
sendo a mais famosa de 1815, engarrafado em 1840 por John Blandy. É do
vinho que Napoleão Bonaparte nunca bebeu no exílio em Santa Helena,
sendo conhecido como Waterloo Madeira.
2. Reserve. Vinho feito com castas nobres ou autorizadas, cujo conteúdo deverá
equivaler a 85% da casta referida no rótulo. Só pode ser vendido com cinco
anos de envelhecimento. Apenas com o sercial o período de amadurecimen-
to é alargado para sete anos.
3. Special reserve. O que o diferencia do anterior é o facto de ter dez anos.
4. Extra reserve. Embora não seja considerada oficialmente, a designação é
atribuída ao vinho com o mínimo de 15 anos.
5. Finest/Selected/Choice. Usa apenas nome de Madeira associado à situação e
às indicações de Dry, Medium, Sweet. É um vinho com três anos, feito com
Garrafas de vinho para
base na tinta negra mole. exportação. Museu de
6. Rainwater. O Verdelho com apenas três anos. Diz-se que o uso do nome Photographia Vicentes.

derivou da dificuldade dos ingleses em pronunciarem a palavra Verdelho. É


normalmente um vinho de cor dourada com muito boa qualidade. Dos Vinhos
7. Soleras. É um vinho datado que ao longo dos anos recebe a adição de outros,
sendo apenas 10% ao ano. O solera é um sistema de vinificação e não um tipo Na Madeira e Porto Santo produzem-se muitas qualidades de vinho, algumas das
de vinho, sendo o nome originário do Sherry. Dos soleras mais famosos quais tem grande importância no comércio, e outras só são próprias para o consumo
interno das ilhas, ou para serem destilados nas fábricas de aguardente. Os vinhos mais
podemos referir: Blandy 1792, Malmsey solera 1808 de Cossart Gordon’s. conhecidos pelas suas qualidades são:
Nos últimos anos do século XX apostou-se na preparação e engarrafamento de O Boal - vinho branco delicado e maduro, de alto preço; podendo ser consumido quer
vinho de mesa, no sentido de atender a uma franja de mercado propiciada pelo tur- quando novo, quer quando velho. Este vinho é extraído das uvas do mesmo nome.
ismo e de atenuar as importações de vinho de mesa, uma vez que a região consome O Sercial - vinho seco, de cor alambreada, “aromático e de fino perfume”.E este vinho
mais de cinco milhões de litros. Para isso utilizam-se as castas tradicionais, como a só adquire todas as boas qualidades no fim de anos. É produzido pela variedade
de vinha “sercial”, que descrevemos.
Tinta Negra-mole e Verdelho, ou então socorre-se de outras castas europeias, mais O Malvasia - vinho de cor alambreada, muito apreciado pelo seu “perfume” e com-
apropriadas e usuais no fabrico de vinho de mesa, como é o caso da Cabernet parável ao Tokai; mas que a ilha da Madeira produz só em pequena quantidade, e
Sauvignon, Merlot, Arnsburguer, Chardonnay. A entrada em funcionamento da em lugares muito pouco elevados.
Adega de S. Vicente deu um incentivo à produção de vinho de mesa, pois colocou A Tinta - vinho tinto bastante agradável, e que se assemelha no sabor e qualidade ao
à disposição dos viticultores os meios técnicos técnicos para tal. Actualmente existem Porto. A fermentação fazendo-se em contacto com o engaço, dá a este vinho o
sabor adstringente.
cinco rótulos de vinho de mesa VQPRD (Vinho de Qualidade Produzida em O Madeira - vinho, de todos o mais conhecido nos mercados da Europa e da América,
Região Demarcada, regulamentado por portaria 86/99M), com uma produção não branco alambreadoa; quando amadurecido pelo tempo, de um delicado perfume.
superior a 100.000 litros, quando o consumo local de vinhos de mesa é de quatro Este vinho é o resultado da mistura de uvas das variedades Verdelho, Tinta,
milhões de litros. Duas empresas, tradicionalmente ligadas ao vinho Madeira, Tarrantés, Bastardo e Boal.
Madeira Wine Company Lda., e Justino & Henriques, têm apostado no fabrico de O Vinho pálido - vinho de pouco valor feito de “verdelho”, e clarificado.
Para a fabricação dos vinhos mais preciosos da Madeira faz-se escolha dos cachos
vinho de mesa. A Madeira Wine lançou em 1991 o vinho Atlantis rose. de uvas melhores, logo depois da vindima. As uvas levadas ao lagar, são espremidas,
A partir de 1999 com a abertura ao público da Adega Cooperativa de S. Vicente, primeiro por homens que as pisam, depois pela pressão da vara, e o líquido assim tirado
os viticultores podem engarrafar a produção para vinho de mesa, estão neste caso, delas é levado em odres para os cascos onde fermenta por quatro, ou cinco semanas
João Mendes, Ricardo França, Luís Gomes Araújo e Crispim Morgado. pouco mais ou menos. Quando terminada esta fermentação faz-se o trasfego do vinho
280 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 281

Garrafas de Vinho Madeira


Armazém de Vinhos
pintadas à mão.
Barbeito, Ldª
Artur Barrros & Sousa, Ldª
2003

para outras vasilhas; sendo esta operação acompanhada de uma clarificação, e do adi- Há alguns anos, os vinhos da Madeira caíram em descrédito e circunstâncias espe-
cionamento de uma quantidade considerável de aguardente. Depois desta operação que ciais foram motivo suficiente para esta mudança de opinião e gosto entre aqueles que em
começa para os vinhos essa lenta transformação, que os enriquece e torna preciosos tempos muito tinham defendido a produção na ilha. Isto porque durante o longo período
pelas suas qualidades. Para fazer adquirir rapidamente ao vinho propriedades que só o da guerra que terminou em 1814, a procura do vinho por navios que por cá passavam era
tempo lhe pode dar convenientemente, introduziu-se na Madeira, na época da guerra que enorme, de modo que todas as qualidades superiores foram rapidamente vendidas.
agitou a Europa nos primeiros anos deste século, e em que os vinhos daquela ilha foram Assim, as quantidades que restavam nas adegas eram apenas de vinhos inferiores do
muito procurados, o uso de sujeitar vinhos novos durante meses a uma alta temperatura norte que têm a reputação ou má fama de serem excessivamente ácidos e, para além
(60º ou mais) dentro de estufas que para isso se construíram. O número das estufas foi, disso, se revelarem muito mais pobres - de facto, de um modo geral, de uma qualidade
desde essa época, progressivamente crescendo, e em 1850 havia quarenta e duas estu- bastante inferior. No entanto, os proprietários não conseguiam resistir à tentação de se
fas em actividade. Os vinhos porém, assim trabalhados, não chegam segundo a opinião aproveitar da oportunidade que lhes foi dada de fornecer de imediato aqueles que
dos homens entendidos na matéria, a adquirir as boas qualidades do vinho velho da encomendavam vinho a 70 L. ou 80 L. por pipa, não obstante ser vinho de 20 L. por pipa
Madeira, antes adquirem às vezes um sabor pouco agradável, e o seu aparecimento nos todo o que lhes restava. Tal era, na realidade, o seu valor real. Eles recorreram então a
mercados estrangeiros tem contribuído para o descrédito dos vinhos da ilha. meios artificiais para ultrapassar tanto quanto possível a aspereza de sabor e a já men-
cionada acidez destes vinhos. Para este fim, foram introduzidos os fornos (estufas), de
CORVO, João Andrade, Memórias sobre as Ilhas da Madeira e Porto Santo: Memória I - Memória sobre a modo que, mantendo o vinho num lugar fechado e restrito - talvez a uma temperatura de
Mangra ou Doença das Vinhas nas Ilhas, apresentada à Academia de Ciências na sessão de 3 de Fevereiro cem graus - ele poderia adquirir uma maturação prematura e falsa e adquirir uma
enganadora aparência de idade. Geralmente pensa-se que este processo forçado tem
como efeito deteriorar o verdadeiro sabor natural de todos os vinhos. E é mais do que sus-
Os melhores vinhos da Madeira são produzidos nas freguesias de Câmara de Lobos, peito que, desde a altura em que foi experimentado pela primeira vez, tem sido aplicado
São Martinho e São Pedro, nas partes mais baixas de Santo António, no Estreito de alternadamente a vinhos de todas as classes. Nenhum cuidado ou conduta posterior resti-
Câmara de Lobos, Campanário, são Roque e são Gonçalo. As partes mais altas das últi- tui ao vinho o sabor genuíno quando ele foi assim prejudicado e afectado. Pessoas que
mas cinco freguesias produzem apenas vinhos de segunda e terceira qualidade. Os me- percebem do assunto consideram a temperatura do forno ou “estufa” se mais gradual-
lhores Malvasia e Sercial são da Fajã dos Padres no sopé do Cabo Girão e do Paul e mente aplicada, se continuasse por mais tempo e com uma moderação mais sensata,
Jardim do Mar. podia resultar de modo benéfico e produzir resultados como os que uma viagem às índias
As parras de Malvasia são as melhores para suportar um enxerto. A melhor vinha para Orientais e Ocidentais se julga geralmente produzir, o que é normalmente considerado
plantar no sul é a Verdelho, obtida tanto do norte como do Curral das Freiras. um método excelente de melhorar o vinho, conduzindo-o a um estado de alta perfeição.
Alguns escritores afirmam que, em consequência do modo pelo qual vinhos inferiores são
alterados em estufas, estes adquirem um sabor seco a fumo o que nunca consegue ser
HARCOURT, Edward Vernon, A Sketch of Madeira…., London, 1851
282 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 283

Verdelho Tinta Negra Mole


Uvas da Casta Malvasia. Colecção do autor. 2002

posteriormente erradicado. Destas qualidades de vinhos exportam-se anualmente Malvasia - Um vinho levemente colorido, feito da “Malvasia Cândida”, uma grande uva
grandes quantidades para Hamburgo onde, depois de submetidas a um processo que as oval, de uma rica cor dourada quando madura que cresce em compridos cachos bas-
faz parecer muito a “Hock”, são vendidas como tal. É presume-se que uma parte consi- tante finos, os quais permanecem nas parreiras um mês depois da outras uvas terem
derável desta imitação de “Hock” é enviada para o mercado Britânico. Quanto aos vinhos sido colhidas, de modo que as suas uvas contêm uma quantidade extraordinária de
produzidos ao longo da costa sul da Madeira, considera-se que são raramente e se pos- açúcar. Os melhores vinhos deste tipo são produzidos na Fazenda dos Padres que
sível equiparados em delicadeza e sabor, aroma e pureza e suavidade a qualquer outro antigamente pertencia aos Jesuítas e no Paul do Mar, ambos a oeste do Funchal. A
vinho. Quanto às uvas e vinhos principais da ilha, as uvas nunca são exportadas e uma safra é, no entanto, incerta pois a flor seca facilmente e a produção frequentemente
grande parte dos vinhos é, na realidade, muito pouco conhecida fora do país. reduzida ou mesmo nula. Por este motivo, bem como por causa das suas característi-
cas muito ricas, o malvasia considerado o mais valioso dos vinhos da Madeira.
WORTLEY, E. S., A Visit to Portugal and Madeira, London, 1854
Boal - Um vinho suave e delicado, feito de uma linda uva redonda amarela-clara, com
cerca do mesmo tamanho que um pequeno berlinde. Tem que ser colhida assim que
Verdelho - É um bom vinho branco, abundantemente produzido da uva amarela esverdea-
amadurece, caso contrário murcha e produz pouco sumo. O vinho possui uma quali-
da com esse nome. A uva Moscatel produz um vinho doce de sabor forte do qual ape-
dade peculiarmente delicada e rica, apresenta um aroma muito forte e é um vinho
nas uma pequena quantidade é feita por se julgar que é inferior ao Moscatel de
esplêndido tanto novo como velho.
Portugal. Da uva Bastardo, preta e redonda, faz-se um vinho com o mesmo nome.
Madeira - o vinho principal da ilha, resulta de uma variedade de uvas escuras ou leve- JONHSON, J., Madeira its Climate and Scenery, London, 1885.
mente coloridas, misturadas no lagar, embora a maior parte do fruto consista na escu-
ra uva Tinta e na pálida uva Verdelho. Quando novo, possui geralmente uma suave cor
vermelha clara mas esta tonalidade desaparece gradualmente quando o vinho se
torna maduro, adquirindo uma brilhante cor amarela âmbar. Supõe-se que este vinho
melhora com uma viagem às índias Orientais ou Ocidentais e é consequentemente
classificado no mercado de Londres como “Madeira das índias Orientais ou
Ocidentais”; aquele que não é enviado numa viagem é chamado “London Particular”.

JONHSON, J., Madeira its Climate and Scenery, London, 1885.


284 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 285

Uvas das castas Sercial e A. Izidro Gonçalves.


Sercial - Um vinho seco ligeiramente colorido, com forte aroma e sabor, produzido da Colecção Vicentes. Museu
tinta negra mole. Colecção
do autor. 2002
vinha “Riessling” trazida da região do Reno. As redondas uvas brancas que são cultiva- A defesa institucional do Vinho Madeira de Photographia Vicentes.
das principalmente no Paul do Mar, crescem em densos cachos, este vinho não pode
ser usado antes de ter oito anos. É então considerado pelos conhecedores como o
melhor e mais saudável de todos os vinhos da Madeira. O vinho novo é extremamente
Hoje a defesa institucional do vinho Madeira está salvaguardada. A existência de
um sector de Vinhos na Associação Comercial do Funchal, do Instituto do Vinho

V
desagradável ao gosto; e a própria uva é incomestível, tanto que até as lagartixas não
lhe tocam. da Madeira, o organismo oficial que o tutela, e, por fim, da Confraria do Vinho da
Madeira são os garantes e meios adequados de defesa e promoção do vinho.
Tinta ou Borgonha da Madeira - Um vinho escuro de sabor delicado, feito da pequena e
preta uva de Borgonha. Deve a sua cor vermelha às cascas que permanecem no vinho
durante o processo da fermentação, o que lhe dá a propriedade adstringente do Porto.
Instituto do Vinho da Madeira
O Tinta é geralmente utilizado durante o primeiro ou segundo ano. Depois desse perío-
do, perde gradualmente algum do seu refinado aroma e sabor delicado. Mas, mesmo A necessidade de defesa da qualidade do vinho levou à implementação de estru-
quando envelhecido na garrafa e então com uma cor vermelha fulva, é um vinho exce-
turas institucionais adequadas. A primeira surgiu em 1774, mas não se concretizou.
lente. O Tinta não deve ser confundido com o Tinto, sendo este último o nome dado a
qualquer vinho vermelho de qualidade vulgar. Entretanto em 1900 foi criada a Real Associação Vinícola da Madeira, que durou
pouco tempo. O decreto nº.23910 de 20 de Maio de 1934, que regulamentava o
JONHSON, J., Madeira its Climate and Scenery, London, 1885 vinho Madeira, fala da criação do Instituto do Vinho da Madeira, um organismo
coordenador das actividades em presença, orientador de toda a economia dos vi-
nhos da Madeira, defensor da marca e da sua expansão em todos os mercados exter-
nos. A partir de 1937, com a criação da Junta Nacional do Vinho, tivemos uma dele-
gação e só em 1979, com a regionalização do sector, foi criado o Instituto do Vinho
da Madeira.
Com a conquista da Autonomia Política em 1976 a Madeira passou a Região
286 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 287

Autónoma, dispondo de órgãos próprios, de poder. De acorco com o decreto-lei Nº


318-D/76, de 30 de Abril, que aprovou o Estatuto Provisório abriu-se a porta à adap-
tação das estruturas dos diversos organismos que então actuavam na região à nova
realidade política administrativa. A Assembleia Regional da Madeira e o Governo
Regional reconheceram a necessidade de criação de um organismo regional para o
vinho. A medida era justificada pela importância histórica do produto na agricultura
e economia e por se reconhecer que o sector vitivinícola atravessava uma crise que
era preciso acudir e dar o tratamento adequado.
Em 1979 foi decidido criar um organismo regional para o vinho que disporia de
um departamento para os assuntos do açúcar e do álcool. No mesmo Diário da
República de 6 de Abril de 1979, em que é publicado o decreto-lei nº 75/79, da
Presidência do Conselho de Ministros e do Ministério do Comércio e Turismo
(com tutela sobre a JNV e a AGA), pelo qual se transferiram para o organismo a
criar na Região Autónoma da Madeira, as atribuições e competências que vinham
sendo exercidas pela Junta Nacional do Vinho (JNV) e Administração-Geral do
Açúcar e do Álcool (AGA), foi também publicado o Decreto Regional nº 7/79/M,
que criava o Instituto do Vinho da Madeira e aprovava os estatutos. Tonéis no IVM.
Colecção do autor. 2002
No Estatuto (art. 11) ficou expresso que o Instituto do Vinho da Madeira era um
Instituto público dotado de personalidade jurídica, com autonomia administrativa e
financeira e património próprio e que junto dele funcionaria um serviço para os 4252/88 do Conselho de 21 de Junho, em que ficaram salvaguardadas as especifici-
assuntos ligados ao açúcar e ao álcool. dades para o vinho da Madeira, em especial o teor alcoólico mínimo natural de
A organização dos serviços do IVM veio a ser estabelecida pela Portaria nº 4/79, mostos, a utilização do mosto concentrado de uva rectificado e a consagração da
de 13 de Dezembro, da Presidência do Governo Regional. A primeira Direcção do operação de estufagem como método enológico tradicional para o envelhecimento
Instituto do Vinho da Madeira tomou posse no dia 27 de Julho de 1979, sendo con- do Vinho da Madeira. O processo havia sido consagrado no decreto-lei nº.23910 de
stituída pelo Dr. Constantino Lopes Palma no lugar de Presidente e Dr. Paulo Jorge 20 de Maio de 1934, onde se determinava que o período de estufagem deveria ser
Figueiroa França Gomes como Vice-Presidente. O primeiro Conselho Directivo foi no mínimo de três meses a uma temperatura média não superior aos 50º.
constituído pelos membros da Direcção e os Senhores Jorge da Veiga França, re- A denominação de origem Madeira, ou Vinho da Madeira encontra-se con-
presentante da Mesa do Sector de Vinhos da ACIF e João Figueira César e Gilberto sagrada em inúmeros diplomas, com vista a salvaguardar no plano internacional de
Fernandes Rebolo representantes da Associação de Agricultores da Madeira. uma das mais antigas denominações de origem do país. Assim o uso da denomi-
A criação do Instituto do Vinho da Madeira foi um princípio dea regulamentação nação de origem Madeira não pode ser admitido para outros países pela União
de tradições e práticas que careciam de enquadramento legal. Nos últimos anos, Europeia dado que já no Regulamento 649/86 da Comissão se especificava estar a
através de disposições internas e decretos produziram-se normativas no sentido de denominação Madeira, Madera... reservada a vinhos licorosos de Portugal.
garantir a genuinidade e especificidade do Vinho da Madeira e a harmonização de
acordo com a evolução tecnológica. Ao mesmo tempo redobraram as exigências
quanto ao controlo dos stocks e às existências de vinhos no comércio. Daqui resul-
tou também uma aposta na formação técnico-científica laboratorial e na Câmara de
provas de acordo com o quadro da legislação vitivinícola comunitária.
A primeira iniciativa do Instituto foi adequar a viticultura, vinificação e comércio
aos padrões estabelecidos pela CEE. No primeiro caso salienta-se a política de
reconversão da vinha com o arranque dos bacelos americanos e a substituição pelas
castas tradicionais. O I.V.M teve participação activa na elaboração de vários diplo-
mas nacionais e comunitários, dos quais se ressalva o Regulamento (CEE) n.º
288 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 289

Bragança.
O hábito da Confraria é constituído por
uma longa capa de veludo em tom cor de
vinho a fazer lembrar a cor rubi do Malvasia.
O chapéu em veludo preto, com plumas de
avestruz de várias cores, associa os confrades
aos gentis-homens e abastados mercadores
do início do povoamento da Madeira. Foram
eles que plantaram as primeiras vinhas e pro-
moveram o progresso económico da ilha.
A admissão de novos confrades é propos-
ta pelos padrinhos em segredo e previa-
mente apresentada à Chancelaria e só é tor-
Confraria do Vinho da Madeira nada pública na reunião do Capítulo. A ceri-
mónia de entronização de novos confrades
As confrarias do vinho surgiram com o intuito de irmanar todos os entusiastas e faz-se em reunião do capítulo, sob a
agentes do sector no sentido da defesa e exaltação do vinho. A mais antiga agremi- presidência do Cancelário-Mor. Aí o
Confrade Padrinho apresenta o candidato ao Confraria do Vinho. Aspectos de entronização de membros.
ação surgiu no século XII em Bordéus, tendo repercussão na Alemanha no século Colecção do IVV.
XVIII. A partir dos anos cinquenta do século XX generalizou-se a criação das con- Chanceler, valorizando os aspectos que o
frarias nas regiões vitícolas francesas, espanholas, e italianas. Em Portugal o apare- fazem merecedor de tal honra, nomeada-
cimento é mais recente e tarda do último quartel da centúria. mente quanto à divulgação e defesa do nome
A Madeira, a exemplo das demais regiões vitivinícolas, passou a dispor de uma do vinho da Madeira
confraria para defesa e promoção do vinho Madeira. A confraria, criada a 22 de É hábito os confrades reunirem-se todos
Abril de 1988, sob os auspícios do Instituto do Vinho da Madeira, tem como os anos pelo São Martinho para degustar o
Cancelário-mor o Dr. Alberto João Jardim, Presidente do Governo Regional da vinho novo, honrar e defender o prestígio do
Madeira. No presente conta com 116 confrades oriundos das mais diversas áreas da velho. O momento é quase sempre
vida política e económica da região, do país e estrangeiro, de que se destacam: Sua aproveitado para a entronização de novos
Alteza Real o Arquiduque Carlos de Habsburgo e D. Duarte Nuno, Duque de membros.
290 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 291

ANEXO Anos Total Madeira Porto Anos Total Madeira Porto

Movimento de produção de vinho (em hectolitros) Nacional % % Nacional % %


1829 31.317 1889 20.000
1830 21.250 1890 21.897
1831 21.381 1891 16.287
Anos Total Madeira Porto Anos Total Madeira Porto 1832 27.667 1892 3.523.200 40.000 1,14
Nacional % % Nacional % % 1833 33.553 1893
1834 35.659 1894 39.420
1488 2.195 1756 175.000
1835 20.868 1895 40.000
1492 1.850 1776 47.180
1836 30.576 1896
1495 1.065 1777 44.955
1837 31.388 1897 25.000
1497 2.375 1778 23.670
1838 37.976 378.000 1898 45.000
1590 1.000 1779 15.355
1839 39.945 364.900 1899 45.000
1596 2.975 1780 4.280
1840 30.810 444.200 1900 5.760.000 46.000 0,80
1597 2.830 1781 46.360
1841 27.656 487.200 1901 5.705.000 36.776 0,64
1614 3.430 1782 96.355
1842 24.228 446.400 1902 4.603.000 37.174 0,81
1616 2.885 1783 40.775
1843 28.542 458.600 1903 3.523.000 38.265 1,09
1618 2.690 1784 51.865
1844 27.256 1904 6.200.000 60.000 0,97
1621 2.830 1785 56.520
1845 27.740 1905 4.100.000 40.000 0,98
1622 3.180 1786 54.410
1846 31.645 1906 1.517.400 50.000 3,30
1623 3.180 1787 78733
1847 21.472 1907 47.500
1624 2.785 1788 38.990
1848 4.218.300 22.523 0,53 1908 6.869.400 41.800 0,61
1625 2.865 1789 66.000
1849 2.787.800 28.512 1,02 1909 6.035.000 48.750 0,81
1626 3.175 1790 89.480
1850 2.908.700 27.531 0,95 1910 4.335.000 50.000 1,15
1627 2.850 1791 68.735
1851 3.439.000 38.543 1,12 1911 3.911.700 62.700 1,60
1628 2.850 1792 70.385
1852 8.883 1912 4.444.000 66.880 1,50
1630 3.440 1793 65.455
1853 3.167 1913 3.923.000 67.879 1,73
1631 3.330 1794 92.470
1854 620 1914 4.770.000 60.883 1,28
1632 3.365 1795 86.340
1855 151 1915 4.910.600 65.795
1633 3.555 1796 56.750
1856 364 1916 4.582.800 54.925 1,20
1634 3.540 1797 100.000
1857 423 1917 4.405.900 23.601 0,54
1635 3.730 1798 140.000
1858 770 1918 4.270.100
1636 4.165 1799 150.000
1859 632 1919 5.133.300 40.000 0,78
1637 3.640 1800 154.450
1860 2.508 1920 3.383.600
1638 2.830 1801 175.000
1861 1921 4.607.000
1640 2.850 1802 135.000
1862 1.596 1922 5.793.900
1645 3.000 1803 125.000
1863 1.615 1923 6.161.200
1646 3.000 1804 115.000
1864 7.500 1924 5.246.300
1651 3.400 1805 120.000
1865 7.500 1925 5.672.300
1655 2.765 1806 110.000
1866 11.000 1926 3.666.300
1659 5.000 1807 135.000
1867 1927 9.267.000
1660 5.000 1808 135.000
1868 16.306 1928 4521600
1661 2.500 1809 57.960
1869 18.700 1929 6.599.800
1882 5.000 1810 85.690
1870 50.000 1930 5.784.700
1663 5.000 1811 162.160
1871 23.874 1931 7.380.400 127.629 1,73
1664 5.000 1812 155.335
1872 24.615 1932 6.149.800
1665 5.000 1813 99.218
1873 12.710 1933 9.200.300
1666 5.000 1814 58.520
1874 40.000 1934 10.804.700
1667 5.000 1815 20.900
1875 40.000 1935 5.924.300
1675 2.500 1816 50.160
1876 20.702 1936 3.708.900
1676 131.250 1817 58.520
1877 20.000 1937 8.048.900
1689 100.000 1818 75.240
1878 35.000 1938 10.955.000
1694 108.980 1819 76.835
1879 35.000 1939 7.720.100
1696 12.500 1820 71.060
1880 35.000 1940 5.186.600
1697 10.000 1821 62.700
1881 2.243.700 1941 7.373.500
1698 100.000 1822 43.890
1882 2.812.200 22.500 0,80 1942 8.258.600
1699 7.500 1823 37.620
1883 2.527.100 9.617 0,38 1943 14.006.300 78.995 0,56
1700 100.000 1824 41.800
1884 3.256.800 6.781 0,21 1944 14.506.800
1703 107.320 1825 53.765
1885 4.626.000 15.097 0,33 1945 10.167.200
1721 125000 1826 48.070
1886 25.000 1946 6.688.800
1730 70.715 1827 45.980
1887 5.256.000 22.023 0,42 1947 10.110.800
1738 85.000 1828 37.185
1888 25.000 1948 8.176.300 31.955 0,39
292 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX

Anos Total Madeira Porto Anos Total Madeira Porto


Nacional % % Nacional % %
1949 7.926.600 1980 10.035.400 37.702 0,38
1950 8.725.200 1981 8.211.500 86.111 1,05
1951 9.489.500 71.633 0,75 1982 10.030.900 73.097 0,73
1852 5.802.200 80.532 1,39 1983 8.249.100 66.892 0,81
1853 11.736.100 119.215 1,02 1984 8.392.900 57.071 0,68
1954 12.184.700 123.330 1,01 1985 9.567.200 57.821 0,60
1855 11.336.100 117.581 1,04 1986 7.615.300 137.818 1,81
1956 10.964.500 92.355 0,84 1987 117966
1957 9.576.300 93.988 0,98 1988 103295
1958 8.585.000 99.192 1,16 1989 105.793
1959 8.924.200 102.391 1,15 1990 77.124
1960 11.457.800 117.919 1,03 1991 100.068
1961 7.419.600 126.943 1,71 1992 92.343
1962 15.268.000 106.400 0,70 1993 59.105
1963 12.979.300 101.916 0,79 1994
1964 13.594.500 207.468 1,53 1995 60.494
1965 14.749.200 157.642 1,07 1996 60.120
1966 8.927.800 99.316 1,11 1997 58.650
1967 9.739.700 67.596 1998 44.910
1968 11.690.400 182.144 1,56 1999 66.020
1969 8.081.200 104234 2000
1970 11.327.600 143.198 1,26 2001
1971 8.834.900 86.838 0,98 2002
1972 8.196.000 113398
1973 11.086.000 101629
1974 13.872.500 17.341 0,13
1975 8.773.300 75.726 0,83
1976 9.252.800 77.460 0,84
1977 6.586.800 27.451 0,42
1978 6.361.900 96.725 1,52
1979 14.078.200 116.755 0,83

FONTE: Para o Vinho do continente os dados foram recolhidos no livro de Conceição Andrade Martins, Memória do
Vinho do Porto, Lisboa, 1990. Para a Madeira a origem dos números é de diversa origem.
A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 293

Rótulo antigo. Colecção


da Madeira Wine
Company.

M
Circuitos e mercados
O comércio depende da intervenção de múltiplos factores, propiciadores ou não,
do sistema de trocas. Os produtos embora sejam justificativo e factor de vitalização das
trocas comerciais, não são por si só suficientes para dar continuidade ao processo. São
necessárias condições que as favoreçam, como é o caso dos meios e vias de comuni-
cação, agentes habilitados para os diversos serviços e instrumentos de pagamento ajus-
tados ao volume e duração de trocas. O desenvolvimento das relações comerciais é
resultado de todos os condicionalismos. As operações comerciais são, ao mesmo
tempo, consequência e causa do desenvolvimento da sociedade e economia insulares.
O surto do comércio açucareiro condicionou a afirmação do porto e a valorização pa-
trimonial da cidade nos séculos XV e XVI.
O comércio foi desde muito cedo uma actividade que escapou ao controlo do ilhéu.
O europeu estabeleceu e dominou os circuitos de troca, colocando a ilha numa posição
periférica e atuando como mercado de reserva para as necessidades mercantis. A coroa,
empenhada que estava no comércio monopolista, intervinha assiduamente regulamen-
tando de forma exaustiva as actividades económicas e definindo o campo de manobra
294 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 295

dos agentes intervenientes. A constante poresença do poder régio, as intempéries, as para as hesitações e retracção perante as mudanças das rotas, provocadas pela conjun-
tempestades marítimas, a peste, a pirataria e o corso foram insistentemente apontados tura europeia e colonial. A guerra da independência dos Estados Unidos da América
como responsáveis pelo bloqueio dos circuitos comerciais. e o consequente movimento autonomista e independentista que lhe seguiu em toda a
O comércio, bem como as demais actividades económicas, estiveram sujeitos ao América colonial teve efeito perverso no mercado do vinho. A viragem do século
controlo e regulamentação da Coroa. A isto acresce a pretensão em preservar o XVIII para o XIX e a primeira metade da centúria oitocentista foram os momentos
monopólio real do comércio de determinados produtos de certos mercados, a neces- importantes na afirmação do vinho Madeira no mercado internacional.
sidade de assegurar abastecimento local e a imposição de um conjunto de culturas que O estudo dos circuitos e mercados só se torna possível se tivermos em conta o movi-
tinham troca assegurada no mercado. A economia estruturou-se em consonância com mento interno em que se articula o transporte do vinho dos lagares ao canteiro e daí às
os vectores da política expansionista europeia e as diferenças ou assimetrias resultantes tabernas, onde era vendido a retalho e, depois, o externo. O mercado das colónias
da estrutura do solo, clima e posicionamento geográfico. surge numa posição destacada pelo que somos levados a afirmar que estamos perante
Foi necessário definir e regulamentar as actividades económicas. As administrações, um vinho para o colonialista do Além-Mar.
central e insular, exerceram um estrito controlo das actividades económicas. As autori- O vinho da Madeira, que era um produto subsidiário da rota da prata americana,
dades municipais e régias intervieram na produção, processo transformador das do açúcar e ouro brasileiro, dos produtos orientais, da farinha e milho americanos,
matérias-primas, distribuição e comércio dos produtos locais e estrangeiros. A cultura tornou-se num produto de saque fácil e de escoamento imediato nos mercados coloni-
da vinha e o fabrico e comércio do vinho não estivam isentos de qualquer tipo deste ais. Era a contrapartida lucrativa para as naus, que evitavam o lastro carregando à pas-
controlo. sagem pela ilha vinho. Acresce, ainda, o facto da ilha ser um ponto de passagem obri-
O vinho após o tratamento e o repouso no canteiro está pronto a exportar aos mer- gatório das embarcações inglesas que carregavam o vinho e faziam aguada. Foi a partir
cados consumidores da Europa, ou do mundo colonial britânico e português. Uma do mercado colonial que o vinho da Madeira adquiriu fama mundial e conquistou o
parte significativa seguia rumo aos destinos, por via directa ou indirecta, enquanto a mercado londrino.
restante ficava para consumo local, ou fabrico de aguardente. Segundo o testemunho A evolução do mercado madeirense do vinho adequa-se à conjuntura político-
de alguns estrangeiros o vinho exportado representava apenas 40% do volume total da económica europeia e colonial. Para além da necessidade de assinalar os afrontamen-
produção. tos europeus ou americanos torna-se imprescindível entender qual a posição assumida
O açúcar madeirense definiu nos séculos XV e XVI uma rota que ligava a ilha aos pela Madeira no mundo colonial britânico. A Inglaterra com os diversos tratados, a par-
principais mercados consumidores do Mediterrâneo e Norte da Europa. Já para o tir do século XVII, conduziu a Madeira para a sua esfera fazendo-a assumir uma
vinho não nos parece correcto falar de uma rota definida pela procura do produto. A posição chave. O facto da ilha se situar no meio do Atlântico acarretou inúmeras van-
ilha nos séculos XVIII/XIX enquadrava-se numa área atlântica de passagem, situada na tagens. Por um lado transformou-se em porto de escala do tráfico oceânico. Por outro
confluência das várias rotas atlânticas das Índias Ocidentais e Orientais, da América, ficou à margem dos conflitos que assolaram a Europa, como a guerra de sucessão da
Brasil e Africa. E foi no seguimento desta posição que o vinho definiu o mercado. Áustria (1740-1748), a guerra dos sete anos, a Revolução Francesa (1789) e o conse-
A Madeira, ocupando uma posição central no mundo insular atlântico, surgia em quente bloqueio continental (1806). Apenas a guerra de independência dos EUA
18081 como o lugar ideal para a criação de um distrito jurídico, englobando os Açores (1776-1790) teve reflexos inevitáveis na Madeira.
e Cabo Verde, o que demonstra a posição privilegiada. Não foi só isso que condicio- A economia da ilha havia-se orientado para a monocultura com interesse mercantil
nou o protagonismo madeirense. A confluência dos ventos alísios do NE obrigava os desde finais do século XV, o que conduziu a economia para uma dependência extrema
marinheiros que sulcavam o Atlântico a procurarem, na ida, a Madeira ou as Canárias do mercado externo. Com a afirmação do vinho abriu-se o caminho para o domínio
e no regresso os Açores. A Madeira encontra-se de facto com bastante rigor na entra- dos ingleses, que cedo passaram a controlar a circulação mercantil, tomando conta dos
da da zona dos alísios do NE. (...) É que a direcção dos alisados sente-se melhor perto circuitos abastecedores de trigo e milho americano e as manufacturas europeias a troco
da Madeira, é um tronco comum que favorece pouco mais ou menos as rotas que do vinho. O total controlo da esfera mercantil fazia com que o lucro fosse elevado.
levam da Europa à América, à África ou à Ásia. (...) A Madeira, bem situada, no âmbito A fragilidade da economia madeirense é uma evidência histórica e surge como resul-
da circulação intercontinental, fica numa direcção única2. É de acordo com estes tado da insistente aposta num produto de exportação. O vinho passou a assumir uma
parâmetros que se enquadram os circuitos de escoamento do vinho e a expansão do posição cimeira nas exportações desde a década de setenta do século XVI. No decur-
mercado consumidor. A inter-conexão dos circuitos comerciais do vinho alerta-nos so do século XVII a ilha teve de partilhar a posição com a casquinha3, mas o século
1. AHU, Madeira e Porto Santo, nº 1938. 3. Cabral do Nascimento, Documentos para a História das Capitanias da Madeira, Funchal, 1930, 13, 22; ANTT, PJRFF,
2. A. Silbert, Uma Encruzilhada do Atlântico Madeira (1640-1820), Funchal, 1997, pp.79-80. nº.396, fl. 56vº, documento de 3 de Novembro de 1673 refere que o vinho e a casca são os géneros que a terra tem.
296 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 297

XVIII anunciou-se como a época de afirmação do vinho. A Câmara, em representação Em 1782 os comerciantes queixavam-se do desaparecimento da casquinha e dos
18334, dá conta que o vinho havia sido nos séculos XVII e XVIII a única fonte de recei- barcos que a procuravam, sendo substituída pelo cultivo das vinhas em que os
ta, dependendo dele o progresso da economia e a felicidade do povo. Vários teste- lavradores sentião mais lucro12. Perante isto a Madeira não tinha com que acenar aos
munhos confirmam a situação. Em 1669 o cônsul francês dizia que o negócio princi- navios senão o copo de vinho. Tudo o que se necessitava era trazido pelos navios
pal desta ilha consiste em vinhos 5. A posição é reforçada em 17226, afirmando-se que estrangeiros, que juntavam o comércio de importação de manufacturas e
o negócio não consistia mais que em vinhos e aguardentes. Em 17777 o vinho era a prin- comestíveis com a exportação de vinho. Em 1786 a produção cerealífera local cifra-
cipal e total riqueza da ilha, produzindo-se entre 109 e 112 mil pipas anualmente, mas va-se em 5.093 moios, que apenas davam para sustento da população durante 4
tal ainda não faz equilíbrio vantajoso à terra, por depender esta da introdução de tudo meses, o que obrigava a importação entre 1783 e 1786 de 9.386 moios de cereais e
quanto necessitava para a sua subsistência indispensável e por isso excede a exportação. uma média anual de 13.870 barris de farinha13. Daqui resulta a situação deficitária
Em 1768 James Cook8 não hesita em afirmar que o único artigo de comércio que a do comércio da ilha em razão da diferença entre as entradas e as saídas e do vinho
Madeira produz é o vinho. Em 1777 o vinho continua a ser a grande riqueza da ilha, ser a única moeda de troca, segundo se dizia em 179914. A situação foi, ainda, agrava-
mas mesmo assim as 112 mil pipas não faziam o equilíbrio vantajoso à terra, por depen- da pela existência de uma troca desigual, como é referido em 1811: O vinho é deci-
der esta da introdução de tudo quanto necessita para a sua subsistência indispensável e sivamente a principal produção da ilha de Madeira e o único ramo do seu comér-
por isso excede a exportação 9. cio que está por assim dizer restringido a certo número de casas inglesas, que trazen-
Entre 1779/1821 os documentos consultados destacam o predomínio da cultura do calculado o gasto anual do sustento diário d’aquela povoação conservam sempre
da vinha e a exclusividade do comércio do vinho nas trocas comerciais, actuando em altos preços os alimentos de primeira necessidade, ficando-lhes continuamente
como única moeda. O panorama monetário da ilha era muito deficitário, socorren- devedores o proprietário e o colono. Tudo isto porque a Madeira não tinha com
do-se das patacas espanholas10. Em 1779 discorria-se, a propósito: Esta ilha que se que acenar aos navios que por aí passavam ou demandavam, senão um copo de
compreende em 18 léguas de extensão, tem por habitantes mil almas sem excepção vinho, o resto que necessitava para o seu viver quotidiano e era trazido pelos navios
de sexo ou idade, que habitam nas rampas dos montes e se alimentam pela maior estrangeiros, que juntavam o útil ao agradável ao juntarem um comércio de impor-
parte de inhames, batatas, ou semilhas e alguns legumes; o género principal do seu tação de manufacturas e comestíveis, como de exportação de vinho.
comércio é o vinho, que faz todo o seu tráfico, depois que o aumento excessivo do Perante tais condições a balança de pagamentos com a Inglaterra foi sempre
seu valor em um tempo de prosperidade lhe fez totalmente abandonar a manufac- deficitária, resultando um saldo a favor dos ingleses de 140,867 libras:
tura do açúcar, que servia infinitivamente a nutrir o ramo da casca, hoje quasi extin-
to... Semeiam alguns dos grãos de primeira necessidade, como trigo, milho, cevada, COMÉRCIO DA MADEIRA COM A INGLATERRA.1699-1783
centeio, etc., porém, em tal quantidade, que não chega para a sustentação da ilha a Anos Importações Exportações Balanço a favor dos ingleses
mais de três ou quatro meses e morrerão de fome sem os socorros de fora11. 1699-1711 2,608.8.7 14,464.5.8 11,855.17.1
1712-1730 4,055.13.4 58,195.12.3 54,140.1.1
1731-1751 4,191.13.9 19,093.19.7 14,002.2.10
4. ARM, RGCMF, t.17, fols. 60vº-62. 1766-1779 4,354.2.4 23,312.14.8 18,958.11.10
5. A. Silbert, ibidem, p. 93
6. Idem, t. 8, fol. 14. 1780 2,612.5.4 51,907.15.5 49,295.10.1
7. ANTT, PJRFF, nº 411, pp. 32/3. 1781 2,433.8.2 24,000.9.10 21,567.7.8
8. “Relação da Viagem feita à Volta do Mundo…”, Heraldo da Madeira, nº.463, de 9 de Março de 1906.
9. Ibidem. 1782 33,867.7.6 50,256.13.2 46,389.5.8
10. A. Silbert, ibidem, pp.86-87; AHU, Madeira e Porto Santo, nº 251, 1119, 1087. 1783 3,303.18.10 26,919.8.9 23,615.9.11
11. AHU, Madeira e Porto Santo, nº 518. Temos ainda outras informações semelhantes doutros documentos. Em 1811 O vinho
é decisivamente a principal produção da ilha da Madeira e o único ramo do seu comércio, que está por assi dizer restringi- FONTE: BNL, Secção de Reservados, nº. 219, 29.
do a certo número de casas, que trazendo calculado o gasto anual do sustento diário d’aquela povoação conservam sem-
pre em altos preços os alimentos de primeira necessidade, ficando-lhes continuadamente devedores o proprietário e o
colono [Idem, nº 3007.]. em 1819 A agricultura consiste em vinhos, mas a ilha que só tem este género de exportação, a Aos estrangeiros, nomeadamente aos ingleses e americanos estava reservado o
que seus habitantes se entregam todos pela certeza do lucro, abandonam o essencial, importam todos os outros géneros.
Embora a ilha se fortifique e se defenda de qualquer ataque, à viva força, porque não pode resistir a um bloqueio, visto comércio de importação e distribuição por grosso de víveres. Antes da inde-
que de tudo carece[ Idem, nº 4625.]. O vinho é o único género abundante que produz esta ilha e faz toda a sua riqueza
é a moeda que mais gira como equivalente do mais que importa para sustento de seus habitantes alimentados unicamente
pendência da América a Madeira recebia da Inglaterra manufacturas, artigos de luxo
do seu produto sem recurso de nenhuma outra produção que possa contrapesar os males da introdução de outras bebidas e farinhas, e do outro lado do Atlântico as farinhas e madeira para pipas. O inglês
capazes de adulterar os vinhos bons de embarque ou paralisar a venda dos baixos nas tabernas que desta forma não ven-
didas, se exportam com descrédito dos legais de embarque [ ANTT, PJRFF, nº 963, fol. 85vº-86.]. E em 1821 A Madeira J. Banger tinha em finais do século XVIII o privilégio do negócio das farinhas ame-
é uma província de precária subsistência e não produz grão que chegue para consumo de dois meses e os outros vege-
tais fructosos apenas farão subsistência para mais de um mês, de maneira, que o sustento de 8 para 9 meses lhe é impor- ricanas, mas em 1795 com a crise de fome o Erário Régio procurou contrariar a situ-
tado. Ela não tem fabrica, nem produção alguma outra filha da natureza, ou de arte que socorra a esta e as outras pre-
cisões, além, dos seus vinhos generosos [ ARM, RGCMF, t. 15, fols. 100vº-104.].
298 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 299

ação15. Em 1822, a casa de J. H. March, cônsul americano, era acusada por Casado Vias de contacto
Giraldes de ser detentora do monopólio das farinhas16. A questão deu azo a acesa
polémica nas colunas de o Patriota Funchalense17. J. J. Sousa, reportando-se ao
primeiro caso, refere: O caso deste mercador é apenas sintomático do que vimos A configuração geográfica da ilha não facilitava a circulação interior e, tão pouco,
afirmando sobre as condições da produção local neste período. A incapacidade de entre as áreas costeiras a partir do mar. Segundo Orlando Ribeiro19 o relevo foi um
manter o abastecimento interno levava a Madeira a procurá-lo nos mercados que forte entrave às comunicações internas. Os obstáculos naturais foram uma das prin-
podiam compensatoriamente consumir a sua produção vinícola, ou então de modo cipais causas de entorpecimento da agricultura e da cultura do vinho em regiões de
menos durável em regiões nacionais, sobretudo, nas épocas de urgência, muito fre- acesso difícil. A forma de aproveitamento do solo foi irregular, acontecendo no sen-
quentes. Então os Açores e a metrópole ou Cabo Verde passam, particularmente o tido do litoral para o interior e do Sul para o Norte.
primeiro e o último, a um plano expressivo. Mas igualmente certos territórios O mar que rodeia a ilha por todos os lados foi a via de contacto mais utilizada e
estrangeiros, marginais ao grande quadro em que se processam as relações comer- vantajosa nos últimos quinhentos anos20. Apenas na segunda metade do século XX,
ciais da Madeira, vão então ganhar uma funcionalidade nele, como a Berbéria e as com o incremento da viação motorizada e o delineamento de um plano de estradas,
ilhas Canárias. estamos perante o domínio total das vias terrestres sobre as marítimas. O processo
Todo este sistema de relações é dominado, mesmo regionalmente, por uma autonómico acelerou a afirmação da rede viárias, esbatendo as distâncias e aproxi-
influente burguesia estrangeira, inglesa sobretudo, que se apoia em condições muito mando o mundo rural do Funchal.
vantajosas (controle dos mercados, capitais e transportes). O sistema de transportes marítimos da ilha é apresentado por A. Loureiro21 no
Centro destas condições, o circuito comercial em que entrava a ilha tornava-se estudo que fez sobre os portos e ancoradouros da ilha. Em todo o perímetro da ilha
importante e denso quando se tratava das relações com o estrangeiro, nem sempre da Madeira, em reentrâncias, abrem-se numerosos portos, ou simples desembar-
autónomas, antes pelo contrário, das próprias necessidades do trânsito atlântico cadouros, que, não se dedicando ao comércio exterior da ilha tem contudo grande
desses navios que encontravam no Funchal um bom porto de escala. Em condições importância para a vida e comodidades dos povos, não só nas relações com a capi-
mais precárias mantêm-se as relações com as áreas nacionais, nelas participando alti- tal do distrito e seu comércio, mas também nas recíprocas relações entre si, porque,
vamente mercadores e armadores locais, que, jogando com um certo espírito xenó- com a acidentarão e as irregularidades orográficas que apresenta a ilha, as suas
fobo constituem uma ligeira concorrência à estrangeira. Tornar-se-á particularmente comunicações terrestres são difíceis e demoradas e o problema da sua viação
activa depois da revolução americana, mas nunca conseguirá destronar os elemen- ordinária não é fácil de resolver e está ainda para demora22. Aqui destacam-se os por-
tos ingleses18. tos e desembarcadouros de Machico, Santa Cruz, Porto Novo, Caniço, Câmara de
Lobos, Ribeira Brava, Ponta do Sol, Porto Moniz, Calheta, Paul do Mar, Seixal, S.
Vicente, Ponta Delgada, S. Jorge, Faial e Porto da Cruz23. Em finais do século XIX
ocorreu uma profunda transformação na navegação de cabotagem. Em simultâneo
Movimento interno com a implantação da máquina a vapor tivemos o aparecimento dos serviços de cab-
otagem da Casa Blandy Bros & Cº. e Empreza Funchalense de Cabotagem. Em
Por movimento interno do vinho entende-se o transporte do mosto do lagar às 1893 o serviço de cabotagem com o Norte era assegurado pela Empreza Insulana,
adegas dos proprietários e comerciantes, bem como a condução das adegas às estu- que assegurava três ligações semanais a Ponta Delgada.
fas, às fábricas de destilação e, finalmente, às tabernas para venda a retalho. Para As vias de acesso aos portos costeiros ou de comunicação interna nas freguesias
podermos entender a forma como isto aconteceu devemos ter em conta as possi- eram muito complicadas e difíceis, fazendo depender a circulação das mercadorias
bilidades de comunicação entre os diversos distritos vitícolas e o centro de escoa- da capacidade de carga do homem e dos animais. O Governador e Capitão General
mento interno e externo. A situação das vias de comunicação terrestres ou maríti- José António Sá Pereira empenhou-se na construção de pontes e estradas. Não
mas é importante na avaliação de todo o processo. havia além disso naquela ilha caminhos alguns por onde sem um evidente perigo de

12 . ARM, Governo Civil, 597, fls.2vº-3, 18 de Maio de 1782. 19. A Ilha da Madeira até Meados do Século XX. Estudo Geográfico, Lisboa, 1985, pp. 17-26.
13. J.J. de Sousa, ibidem, p. 164. 20. Cf. Artur Teodoro de Matos, Transportes e Comunicações em Portugal, Açores e Madeira (1750-1850), Ponta Delgada,
14. AHU, Madeira e Porto Santo, nº 1102. 1980; Álvaro Vieira Simões, Transportes na Madeira, Funchal, 1983; João Adriano Ribeiro. Ilha da Madeira. Roteiro
15. Idem, ibidem, fols. 167/172. Histórico-marítimo, Funchal, sd.
16. Patriota Funchalense, nº 41, p. 4. 21. A. Loureiro, Os Portos de Portugal e Ilhas Adjacentes, Lisboa, 1910, pp. 110/157.
17. Ibidem, nº 45, p. 1, nº 47; pp. 1/3; nº 50, p. 1. 22. Idem, ibidem, pp. 112/3.
18. João José de Sousa, O Movimento do Porto do Funchal..., pp.118-119 23. Idem, ibidem, pp. 122/150; E. Pereira, Ilhas de Zargo, vol. II, pp. 804/20.
300 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 301

vida de podesse passar de uma para outras freguesias e ainda sair da cidade mais de go, porque todos estão desamparados e sem parapeito assim da parte do mar, como
meia légua para o que concorria a quasi inacessível fragosidade de montes e vales dos despenhadeiros e enormes cavidades, que as montanhas formam e abrem entre
em que consiste a sua superfície. Não haviam as pontes necessárias para a passagem si. Além disto faltam pontes em algumas destas ribeiras e por isso no Inverno há
além das muitas ribeiras caudalosas, que principalmente no Inverno fazem horror, muitas vezes embaraçada a comunicação dos povos entre si e com a capital, são apli-
por entre os referidos montes. Finalmente era quasi impossível a comunicação da cados fora de tempos os remédios espirituais, falta-se ao sacrifício da missa, seguem-
capital com as vilas e lugares de toda a ilha que não fosse unicamente pelo mar, que se outros males, que nascem de não haver comunicação. A estrada chamada central
no Inverno é bravíssimo. Mas o zelo, o desvelo, o cuidado do dito governador em que começa no alto da serra, cujo projecto foi bem concebido e que pode vir a ser
persuadir aos povos esta grande importância e procurar todos os meios, cálculos e útil, não é por agora, pelo mau estado de todos os outros caminhos, que vem ter a
arbítrios para tão útil e necessário objecto, fez que sem violência, antes com satis- ela, pela falta de pontes, e porque não se escolheu, a meu ver o melhor método na
fação se comunicassem as freguesias do norte com as do sul, onde está a capital da abertura o seguimento deste caminho. Todos os terrenos, que estão ao largo da
ilha e umas com outras vilas e freguesias por estradas, e montes que fez construir costa, desde o sudoeste pelo norte, até essueste da ilha e em uma légua de compri-
quanto era possível24. do do mar para a serra, são terrenos abençoados capazes de toda a cultura e de ou-
Em 181325 o Governador Luís Beltrão de Gouveia, em ofício ao Conde das tras de que as nossas terras de Portugal não são susceptíveis. Há delas, como as de
Galveias, referia que falta de estradas contribuiu para o entorpecimento da política S. Vicente e Ponta Delgada, em que é grande a fertilidade e seus habitantes de nada
de relançamento da agricultura e desenvolvimento da ilha: ... Toda a cultura desta carecem, mas por falta de pontes e caminhos não fornecem a capital, fabricam
ilha é, mais ou menos activa na razão da facilidade, ou dificuldade dos caminhos, somente para seu consumo e deixam inculto grande parte dos terrenos, que culti-
não uso do termo estradas, porque não existem; tanto que os terrenos ficam na dis- vados faria rica e independente esta fertilíssima colonia26.
tância de meia légua das povoações maiores, ou de maior distância desta cidade, os O problema não foi resolvido e a situação da rede viária perdurou, pelo que em
caminhos, ou são difíceis, ou mais longos, pelos rodeios ou a cabos, assim sucede à 182427 o Governador D. Manuel de Portugal e Castro testemunhava, de novo, o esta-
cultura;... Impossibilita-se pela dificuldade dos caminhos e dos transportes, havendo do miserável da viação madeirense, notando que sem estradas que comuniquem e
apenas, estreitas e perigosas veredas que os habitantes atraveçam conduzindo às facilitem as conduções não pode haver comércio. A solução dependia do lança-
costas pequenos pesos, pela impossibilidade de os levarem maiores e assim mesmo mento duma imposição em dinheiro e mão-de-obra para a construção de estradas.
com o risco de vida, como muitas vezes acontece, morrendo precipitados (...). Por A reparação e construção das pontes e estradas estavam a cargo dos
tudo isto tornava-se premente o relançamento da rede viária, a reparação das pontes Governadores e Capitães Generais que as entregavam aos militares. Posteriormente
e estradas molestadas pelo único meio de transporte usado, a carroça, através de o encargo passou para a alçada dos Inspectores de Agricultura e Estradas. No sécu-
uma taxa sobre os carreiros. (...) Aqui não há carros, há um equivalente, vem a ser lo XIX os militares e civis construíam e reparavam as estradas, por meio de uma
um madeiro, que é conduzido de rastos, preso ao jugo dos bois, a que dão o nome prestação anual de cinco dias de serviço, que deu lugar, mais tarde, ao imposto de
de corça. E este veículo conduzem pipas de vinho, pedras, paus de todo o taman- roda de caminho. A tributação já existia em 1800, altura em que foi taxado a 1.000
ho, pesos extraordinários, destruindo por este meio bárbaro as poucas calçadas e reis, sendo depois regulamentada em 1804. Embora extinta em 1824 retornou com
pontes que existem. José Silvestre Ribeiro28. Foi ele que iniciou o verdadeiro plano da rede viária da ilha,
Em 1819 a situação da rede viária da ilha era desastrosa. O Governador e Capitão que só atingiu a plenitude no século XXI. O século XX foi o momento da aposta
General Sebastião Xavier Botelho, na visita que fez para verificar o estado das forti- na rede viária. A presença em 1904 do primeiro automóvel no Funchal foi o prenún-
ficações, estradas e pontes, é peremptório no retrato da situação: Enquanto às cio da mudança. D. João da Câmara Leme apresentou um plano revolucionário
estradas só se podem chamar assim aquelas, que saem da cidade até a distância de para os transportes na ilha baseado na ideia dos cabos aéreos de transporte29 que
uma légua, quando muito, o mais são estreitos carris e caminhos ladeando rochas, nunca mereceu a atenção dos políticos.
ou abertos a prumo nas montanhas, de cujo cimo descem com enorme declive para
as ribeiras, e sobem destas com a mesma direcção até o cume de outra montanha,
o que acontece progressivamente desde que se sai, até que se entra na cidade, segun-
do a configuração da ilha. Estes caminhos além de estreitíssimos, são do maior peri-
26. Idem, nº 4697.
27. Idem, nº 7685.
24. AHU, Madeira e Porto Santo, nº 4846, vide ainda ARM, RGCMF, t. 12, fols. 59-70. 28. Uma Época Administrativa (...), vol. II, pp. 367/418.
25. Idem, nº 3281. 29. Uma Crise Agrícola, pp. 143/5.
302 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 303

go. No Funchal se recebem todos os géneros consumidos na ilha vindos do


estrangeiro e da mesma cidade se exportam todos os ricos produtos da ilha, que se
espalham por todo o mundo, e alguns dos quais são de fama universal, como o seu
precioso vinho31.
As autoridades estabeleceram desde 1785 normas sobre o movimento interno de
vinhos para impedir a baldeação dos vinhos baixos com os superiores e pôr cobro
à defraudação. Até Maio impedia-se a entrada dos vinhos baixos do Norte até Maio,
para travar o uso nas trocas com o exterior, ficando para destilação ou consumo nas
tabernas da ilha. Note-se que o período de exportação do vinho tinha uma maior
incidência nos meses de Dezembro a Abril, altura de passagem das naus.
A condução dos vinhos aos armazéns apresentava ainda outro tipo de problemas.
Aos entraves naturais juntavam-se os inconvenientes do roubo, baldeação e adulte-
ração dos vinhos do norte da ilha. Os barqueiros de Machico e Santa Cruz tinham
por hábito furtar algum do vinho que transportavam, preenchendo o espaço vazio
com água. A solução não estava nas medidas proibitivas ou na aplicação do código
comercial, mas antes, segundo o articulista de o Correio da Madeira em 1849, na
conjugação de esforços de proprietários e comerciantes para que através de uma
associação se construísse um barco de lote de 50 a 60 pipas com coberta e escotilha
fechada e comandada por um mestre e não por um barqueiro (vilão) que sob a
responsabilidade dos capitães dos navios e pago mensalmente, possa bem dirigir
este comércio de transporte (...). Por esta forma nem o vinho será roubado, nem
adulterado, como o não é nos navios do alto mar e a navegação correrá menos riscos
de alojamento32.
Outro problema, não menos importante, ligado à circulação interna das pipas de
Embarque de vinho no
vinho resultava do modo como era feita a tiragem das pipas no calhau do porto do
Porto Santo. Foto José Movimento do vinho no mercado madeirense Funchal. Os proprietários e comerciantes em requerimento ao Senado da Câmara
Pereira da costa. Anos
sessenta do século XX
de 181833, reclamavam que a descarga do vinho no porto desta cidade vindo de toda
a costa desta ilha e Porto Santo é feita com tanta desordem que tem chegado ao
O mosto era transportado do lagar às adegas em barris de dois almudes, ou odres
ponto de se juntarem pipas de vinho, trocarem-se umas por outras, demoras
sobre os ombros dos homens, porque a escabrosidade dos caminhos faz imprati-
insofríveis, furtos pelos boeiros, tudo nascido da errata prática actual de que cada
cáveis outras conduções30 e, uma vez que faltavam no campo as adegas e vasilhame,
boeiro largar (como) lhe parece o vinho em tantos sítios quantos sãos os boeiros que
era conduzido à cidade, onde fermentava, sendo depois submetido ao trato nas ade-
o tiram e o que mais é fica às ordens do boeiro tirador pela convenção que entre si
gas dos senhorios ou comerciantes. Alguns proprietários dispunham de adegas
tem feito de não pegar um nas pipas que outro tirou e nesta certeza largam o serviço
locais. Nas áreas junto à costa, servidas de pequenos portos ou ancoradouros, exis-
do calhau e vão fazer outro pela cidade e às vezes depois de noite chegam com as
tiam armazéns de recolha do mosto. É o caso do Porto da Cruz e da Ponta Delgada,
pipas às lojas de seus donos. Perante a situação apontavam um conjunto de medi-
onde ainda estão de pé.
das capazes de minorar os efeitos daí decorrentes.
As lojas de vinho dos grandes proprietários ou senhorios, de comerciantes, para
O arrais recebe o vinho em terra, deve também entregá-lo em terra a seu dono,
onde era canalizada a totalidade (ou quase) do vinho produzido estavam situadas no
livro da enchente do mar, acima do camalhão, todo junto em ruma (sic) ou a monte
Funchal. Como dizia em 1910 Adolfo Loureiro, o Funchal era porto de um movi-
e até em um golpe de vista entregá-lo a seu dono. Pela tiragem de cada pipa deve
mento marítimo considerável, toda a vida comercial e industrial da ilha se concen-
trou na sua capital, sendo a cidade... o centro do comércio da ilha e do arquipéla-
31. Op. cit., pp. 453/3.
32. Nº 3, p. 3.
30. ANTT, PJRFF, nº 994, pp. 9/11. 33. ARM, RGCMF, t. 14, fols. 177vº-187.
304 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 305

Borracheiros. século XIX.


Colecção da Casa Museu
Frederico de Freitas.

Borracheiros. pagar a cada boeiro 50 réis, que há-de carregar em cima do frete para receber de seu
Aguarelas do século XIX. Imposição do vinho
Colecção da Casa Museu dono e pagar ao boeiro, que também interessa em receber seu salário de uma só
Frederico de Freitas. mão esta taxa é conforme ao estilo geral, que se pratica onde há serviços invariáveis,
como é nas alfândegas, guindastes, e cabrestantes entregue daquele modo. O dono O lançamento da imposição do vinho foi determinado em 148436 por D. Manuel,
do vinho das suas pipas pode mandá-lo recolher para onde quiser e por quem quis- a exemplo do que se fazia com o real do vinho e da água no reino, ficando a recei-
er, sempre à vontade das partes, visto não poder haver taxa certa. Deste modo o ta para nobrecimento e cousas do conçelho37. A imposição enquadra-se no conjun-
dono do vinho o vigia melhor, estando todo junto e com mais brevidade o vê nas to de impostos camarários indirectos, uma vez que só a partir do século XVII pas-
lojas, porque já o boeiro pelo facto da tiragem não tem às suas ordens e sabendo sou para o controlo do Erário Régio e a receita a ser repartida38.
que seu dono o dá ao primeiro que chegar, todos acodem, como correm logo sem O imposto incidia sobre o vinho vendido nas tavernas. Aqui onerava-se as
meterem em meio outro serviço, como costumavam fazer em prejuízo daquele transacções locais entre o comerciante ou produtor e o taberneiro. Todos os que
primeiro trabalho, pelo que acrescendo a pena de cadeia contra os que invertem a vendessem vinhos deveriam comunicar ao vereador que o dito carrego tiverem pera
boa ordem, sendo executor o alcaide do mar, a custo do delinquente. Em Maio de se lhe ser esprito o preço a que o puser e lhe ser lançada a vara pera se saber quan-
182334, com representação da Câmara de 20 de Março, facilitou-se a entrada de vin- tos almudes tem (…). Do mesmo modo o mercador fará saber aos oficiais que o car-
hos nos diversos cais da ilha e permitiu-se a inspecção no calhau, evitando a despe- rego teverem, todos os vinhos que trouxer e dos que vender atavernados será obri-
sa do carreto de passagem pela casa da alfândega. gado a fazer a saber ante do abrir pera lhe ser esprito o preço e lhe ser lançada a
As medidas de 1785/1786 e a regulamentação do Subsídio Literário de 1772 vara (...). Os infractores aplicava-se a pena de 1.000 reais e mais lhe será logo leva-
estipulavam o uso de guias de embarque, de forma a ter-se a certificar-se a
36. ARM, RGCMF, t. 1, fols. 2247-254, publ.in AHM, vol.XV, p.150; Idem, t. 1, fols. 22-22vº, publ.in AHM, vol.XV, p.150-161
proveniência do vinho e saber-se se havia pago ou não os direitos. As guias de 37. Idem, t. 1, fols. 30-30vº, publ.in AHM, vol.XV, pp.227-228; Idem, t. 1, fols. 91vº-92º, publ.in AHM, vol.XV, p.235: Idem, t. 1,
fols. 49-53vº, publ.in AHM, vol.XV, pp.282;
embarque acompanhavam as pipas de vinho que circulavam nos portos costeiros da 38. Tenha-se em conta que esta designação é específica da Madeira, pois no continente chamava-se real da água e depois
ilha, como testemunha documento de 181835. real do vinho. Parece existir uma grande confusão sobre este imposto. Assim a ideia da imposição como imposto local
surge em Paulo Jorge da Silva Fernandes, Elites e Finanças municipais em Montemor-o-Novo do antigo regime à rege-
neração (1816-1851), Montemor-o-Novo, 1999, p.140; o mesmo sucede na obra dirigida por César de Oliveira, História dos
Municípios e do poder local (dos finais da Idade Média à União Europeia), Lisboa, 1995, pp. 220-221. Fátima Freitas
Gomes [Machico a Vila e o Termo. Formas do Exercício do Poder Municipal (Fins do Século XVII a 1750), Funchal, 2002,
34. ANTT, AF, nº 240, fol. 83vº. p.149] considera como um imposto régio. Na verdade, ele começou por ser um imposto municipal que passou para a alça-
35. Idem, nº 239, fols. 115-115Vº. da do Erário Régio a partir de 6 de Março de 1635.
306 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 307

do em cheo todo ho que a dita pipa ou toda ou quanto avia de render a dita renda demniza-lo pelos danos causados. Ao mesmo tempo retirou a licença de ofício, ao
(...). O taverneiro que baixasse o preço do vinho deveria participar ao escrivão e juiz, e proibiu-o de exercer todo e qualquer cargo público. Não estamos perante um
varejador para a imposição da quantia ser arrecadada pelo novo preço, ou seja uma episódio único, uma vez que foram constantes as provisões e cartas a recomendar o
canada de vinho por almude de 13 canadas por canto a recebe em dinheiro do povo cuidado a ter na arrecadação para a evitar-se ocultações e desvios.
que asy do dito vinho bebe, enquanto que do vinho vendido no torno deveria ser Em 171545 foi proibida a venda a retalho pelos mercadores nos armazéns contra
retirada uma canada ou um almude de 13 canadas. a forma do regimento, porque sem ramo nem licença o vendiam como lhes pare-
A eficácia na arrecadação do novo direito só foi possível de conseguir com o cia, punindo-se os infractores com penas pesadas: Hei por bem que nenhum mer-
recurso a um quadro administrativo. O condutor de vinhos para as tabernas tinha o cador de vinhos, lavrador ou outra qualquer pessoa natural, estrangeira, de qualquer
encargo de fazer chegar o vinho às tabernas, mediante manifestos. O cargo foi cria- qualidade ou condição que seja possa vender vinhos nesta cidade em sua casa ou
do para tornar o controlo da circulação dos vinhos mais eficaz39. O varejador per- em armazém a almudes, potes, canadas, copos ou por outra qualquer medida senão
corria as tabernas ou casas onde se vendesse vinho e lançava a vara em todas as vasi- atavernado publicamente, com ramo à porta..., senão intende as casas do porto,
lhas com vinho, dando conta ao escrivão da quantidade disponível, o preço de venda porque as exceptuo para poderem vender como sempre se praticou. E somente seja
e o dia em que procedeu ao varejamento40. O recebedor tinha a obrigação de pro- lícito as sobreditas pessoas venderem uma ou mais pipas de vinho em que com
ceder ao recebimento e arrecadação do dinheiro, dispondo de um livro onde assen- aquela obrigação usada e o vendedor fazer presente na mesa, a venda, e também o
tava a conta para dela ser deduzida a soma a pagar e dar notícia aos oficiais da comprador para com legalidade se prover como se estila. E achando-se semelhante
câmara. O recebedor e o escrivão da câmara percorriam a cidade três vezes por venda pelo miúdo de qualquer qualidade que seja, o vendedor incorra na pena de
semana tomando nota das ementas das pipas abertas para venda nas tabernas perdimento do vinho que lhe for achado na casa, armazéns e com dois meses de
A imposição do vinho de 1568 foi lançada em 2 canadas por almude de 14 prisão irremicivelmente e não poderá usar mais em tempo algum de meter nem
canadas ou a 7ª parte, o que corresponde a 14,3%, enquanto no continente o vinho vender vinho nesta cidade. E que seja lícito a qualquer pessoa poder denunciar deste
pagava 7 reais do real de água41. Com o novo regimento de 162842 a imposição foi delito. E ainda em segredo, e haverá a terça parte o denunciante (...).
aumentada para 2 canadas e a pena aos infractores passou para 2.000 reais. O A rainha em carta de 1782 às Câmaras da cidade do Funchal46 e da vila da
vereador mais velho da câmara era o juiz da imposição, com alçada sobre o feitor e Calheta47, ordenou a aplicação do regimento que regulamentavam a arrecadação da
escrivão da câmara. Os vereadores tinham ainda o encargo de fazer o assento dos imposição, proibindo a venda de vinhos a retalho fora das tabernas com ramo à
preços, do dinheiro que recebiam, a relação das pipas vazias e os almudes restantes porta, dando recomendações sobre a forma de evitar o dolo. Na que dirigiu ao
nas já abertas que se encerravam. A partir daqui estabeleciam-se os direitos pagos Funchal refere que os desvios, e ocultações acometidos na arrecadação da
aos quartéis: Estes vinhateiros vem pagar cada três meses o seu quarter e cada pipa imposição do vinho, sem que tenham sido bastantes os regimentos, posturas e
que tem vinte e seis almudes se lhe dá de quebra dois almudes, e dos vinte e quatro alvarás, que tem coibido se não venda vinho por quaisquer medidas legais ou arbi-
almudes se lhes faz conta a duas canadas que pagão de cada almude à razão do trárias, sem se pagar a imposição, procedendo manifestos aos rendeiros ou admi-
preço como se vende, e assim pagam as outras pessoas que tem uma pipa, e duas nistradores, cometendo os vendedores o dolo conhecido...Daí a necessidade de
são obrigadas em acabando de vender seus vinhos de vir logo pagar as serem aplicadas as leis reais que proíbem semelhantes descaminhos, não con-
imposições...43. sentindo que pessoa de qualquer qualidade venda vinho, sem o manifesto e o paga-
A aplicação das penas aos infractores foi alvo de atropelos, acontecendo muitas mento da imposição. Na segunda carta alude-se ao pouco cuidado, com que na
vezes que o juiz julgava indevidamente os taberneiros. Um foi incriminado em câmara deixa inprevenidas estas distracções em ofensa não só das posturas dela e da
178044 porque na sua taverna estava medindo e vendendo vinhos sem insígnia de câmara desta cidade, nos alvarás (...). Ao mesmo tempo ordenava-se que o vereador
juiz. A câmara discordou da pena e multa, ilibando o réu e obrigando o juiz a in- mais velho deveria proceder a devassa contra os infractores, o que na realidade
sucedeu, como dá conta o Administrador da imposição do vinho da Calheta em
39 . Alberto Vieira, História do vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, p.21, provimento de condutor de vin-
carta de 12 de Abril de 1783. A medida foi suspensa a 7 de Maio48.
hos de 1 de Outubro de 1774. Perante tantas recomendações e ordens repressivas seria de esperar o cumpri-
40 . José Pereira da Costa, Vereações da Câmara Municipal do Funchal. Século XV, Funchal, 1995, pp.98-99. Cf. Alberto
Vieira, História do vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, pp.16-18, regimento da imposição do vinho
de 26 de Março de 1545. 45. Idem, t. 13, fols. 164vº-165.
41. Considerações Apresentadas à Comissão Encarregada do Estudo Económico da Madeira, Funchal, 1888, p. 9. 46. Idem, t. 13, fol. 165-166; ANTT, PJRFF, nº 760, pp. 73.
42. ARM, RGCMF, t. 5, fols. 111vº-114. 47. ARM, RGCMF, t. 13, fol. 166; ANTT, PJRFF, nº 760, pp. 73/4. Aqui se referem as ordens de 30 de Novembro de 1640,
43. Idem, t. 5, fol. 172vº. 23 de Dezembro de 1715 e de 11 de Abril de 1776, em que tal arrecadação era regulamentada.
44. Idem, t. 12, fols. 173vº-174. 48. ANTT, PJRFF, nº 758, p. 206.
308 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 309

mento do que estava estabelecido. A realidade era outra, pois em 27 de Fevereiro


de 180649 a Câmara do Funchal ordenava à da Calheta a obediência às ordens régias,
que mais uma vez remetia para que se desfizessem algumas dúvidas surgidas. A
mesma ordem foi dada em 181850 ao juiz ordinário da Câmara da Ponta do Sol em
resposta a pedido de esclarecimento, aludindo-se que todo o vinho que se vende
atavernado paga imposição e que todo aquele que entra para a venda e paga ainda
que seja dado, trocado ou bebido pelo taverneiro. As determinações por parte do
reino, da Junta ou Câmara continuaram em cartas, provisões e alvarás o que com-
prova que eram insuficientes para evitar o dolo, infracção, desvios e suborno. A
Junta, em portaria de 183451 dava conta da introdução de vinhos nas tabernas fora
da alçada do arrieiro-mor e da venda a retalho nos armazéns. Perante os factos con-
sumados restava-lhe fazer apelo por edital52 ao juiz do povo53, juízes ordinários da
Calheta54 e de Santa Cruz55, administrador da renda56 e público para que fosse posta
em prática a lei de 23 de Dezembro de 1715.
A acção da justiça perante os infractores não condizia com o carácter repressivo
das ordens e admoestações das autoridades municipais. A maioria dos casos eram Transporte de vinho. Gravura de A. Vizetelly. 1880
absolvidos, como sucedeu em 178057, 178358 e 183859. O procurador da Câmara do
Funchal mandou cassar a licença de venda ou taverna a António Faria Camacho, no século XVII com a presença de um representante do Governador. Transporte de
sítio do Valverde, porque por várias vezes havia defraudado o rendimento da vinho.William Combe.1821
O Rendeiro ou Arrematador detinha o contrato, de acordo com o estabelecido
imposição introduzido clandestinamente vinho na venda. A câmara em 183960 dizia em praça, e obrigava-se a fazer a recolher a renda por meio de agentes. Roque
ter intimidado o réu, aludindo as queixas que havia recebido e dando parecer des- Rodrigues era em 179262 o arrematador. Nas freguesias havia igualmente o arremata-
favorável ao parecer do magistrado, pois existiam outras medidas para coibir as dor que procedia à arrecadação, como sucedeu em 1819 em S. Jorge63. Caso não
infracções de que se queixa este magistrado sem se recorrer a fechar a taberna, o existisse as funções eram da competência da Câmara. A arrematação de 179264 foi
que no meu entender é uma medida, além de pouco justa perfeitamente ineficaz, feita por uma sociedade composta por Francisco Martins de Gouveia, José
podendo o acusado obter licença em nome d’outra qualquer pessoa (…). Mas tudo Gonçalves Brazão e António Cipriano. O processo não foi fácil para a empresa
ficou sem efeito. pelos desentendimentos havidos, como se pode deduzir de alguns documentos65.
Para que a imposição fosse arrecadada na melhor forma, evitando as infracções O rendeiro tinha alçada sobre o arrieiro-mor ou condutor dos vinhos vendidos
ou dolo, foi necessário criar uma estrutura administrativa em que os agentes, encar- nas tavernas, da livre escolha como as mais pessoas aí ocupadas. Disso nos dá conta
regados da arrecadação do imposto, manifestasse interesse e empenho. A solução o Governador D. Diogo Pereira Forjaz Coutinho em 1784: De todo tempo teve o
encontrada foi a arrematação em lanços bienais a particulares. O administrador da rendeiro da imposição do vinho o privilégio de eleger e nomear os seus cobradores
renda procedia à arrematação dos contratos e recebia os quartéis na altura determi- e vigiar, entre os quais há um capataz a que chamão condutor...66. Segundo o
nada61. A arrematação do imposto nos diversos municípios passou a contar desde o Governador Florêncio Correia de Melo em 1818 a Câmara interveio na nomeação:
Houve um tempo em que a câmara nomeava sujeito para aquele lugar, mas como a
49. ARM, RGCMF, t. 14, fol. 166vº.
50. ANTT, PJRFF, nº 405, p. 154. nomeação nem sempre era de vontade dos rendeiros, deixou-se a estes a liberdade
51. Idem, nº 408, fol. 122vº.
52. Idem, fols. 124-124vº. de escolher para condutor dos vinhos algum homem de confiança...67. A Junta não
53.
54.
Idem, nº 408, fol. 123.
Idem, nº 408, fols. 124vº-125.
podia nem devia interferir na nomeação como refere a Câmara em 178468, não se
55. Idem, nº 408, fol. 125.
56. Idem, fol. 123vº. 62. Idem, nº 760, p. 101.
57. ARM, RGCMF, t. 12, fols. 173vº-174. 63. Idem, nº 405, p. 222.
58. ANTT, PJRFF, nº 758, p. 206. 64. Idem, nº 760, p. 101.
59. ARM, RGCMF, t. 19, fols. 36-37. 65. Idem, nº 679/688, 722.
60. Idem, t. 19, fols. 38-38vº. 66. Idem, nº 731.
61. ANTT, PJRFF, nº 760, p. 101; nº 406, fols. 101vº-102; nº 113vº-114; nº 458, pp. 47/8. Em 1824 temos referência à 67. Idem, nº 4034, certamente se referia ao ano de 1774 e 1779 em que os ditos cargos eram providos pela câmara, vide
nomeação de três oficiais para este cargo: Leandro José de Almeida [Idem, nº 406, fols. 101vº-102.], José Martins ARM, RGCMF, t. 12, fols.17, 95vº-96, 122-122vº.
Júnior [Idem, nº 406, fol. 113vº.] e Roberto F. Jardim [Idem, fols. 113vº-114.]. 68. AHU, Madeira e Porto Santo, nº 732.
310 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 311

justificando os requerimentos de António Pinho69 e António João da Silva7071, pois


por alvará de 14 de Abril de 1796 estava impedida de o fazer72. O provimento de
Tomé da Silva e de Silvestre Jesus Seabra73 para o cargo de Condutor dos vinhos em
178474 deu lugar a acesa polémica. O facto repetiu-se em 179775 e 181676, respectiva-
mente com António Silva e João Gonçalves.
Na maioria dos municípios rurais a situação não se justificava, mas nas vilas mais
importantes, como Santa Cruz e Machico, poderiam ser necessários, sendo provi-
dos pela respectiva Câmara, como sucedeu em 1819 em Santa Cruz com o soldo 35
réis por barril pagos pelo taberneiro77. José de Freitas e José da Costa Mateus eram
os arrieiros que em 183478 tinham o encargo de conduzir os vinhos das freguesias do
norte para as tabernas. A situação justifica-se pela necessidade de evitar a baldeação
com os do Sul, uma vez que se alude à medida proibitiva do Governador José
António Sá Pereira79.
A abertura do preço do vinho por 3 homens probos debaixo juramento80 ante-
cedia o acto de arrematação da renda. De acordo com o preço corrente do barril
de vinho estabelecia-se a quantia do imposto, procedendo-se à arrematação em
lanços81. O conhecimento público era feito por meio de edital82. O Arrieiro-mor83 e
o Varejador, sob as ordens do rendeiro, percorriam as tabernas da cidade dando
conta do vinho que depois registavam em livro próprio. Feita a inspecção procedia-
se ao lançamento da imposição, avançando-se com a arrecadação em género ou di- O rendeiro, no acto da arrematação, combinava o modo de entrega da receita da Transporte de vinho.
nheiro. A colecta era feita em género84, como se pode deduzir dos avisos da Junta Aguarela do século
Junta, por norma em quartéis distribuídos pelo período do contrato87. O dinheiro XIX. Colecção da
para Paulo Vicente de Ornelas, Administrador da renda de S. Jorge, para entregar da arrematação tinha como base o preço corrente, estipulado a partir da produção Casa Museu
vários lotes de vinho de 200 pipas da renda arrematada a quem a havia adquirido Frederico de Freitas.
do ano antecedente. Os preços eram estabelecidos de acordo com a qualidade da
por arrematação85. A Junta em 1834 ordenou ao Administrador da renda de colheita ou o tipo de casta, assim, em 1828 para a freguesia de S. Jorge temos 600
Machico que o pagamento aos carreteiros do vinho deveria ser feito pelo preço do barris pagos a 1350 réis ao barril, 600 a 1300 réis, 915 a 1200 réis88. Deduzido o di-
ano anterior. Os carreteiros tinham o encargo de transportar o vinho das rendas do nheiro procedia-se ao pagamento aos quartéis. O rendeiro, retiradas as despesas de
lagar aos armazéns da Junta ou do Administrador86. arrecadação, entregava metade à câmara da zona do arrendamento e a outra ao
Administrador local da renda. Já em 1792, em aviso do Juiz da Câmara da Ponta do
69.
70.
Idem, nº 1479/81.
Idem, nº 4035, vide resposta da câmara ao mesmo, ARM, RGCMF, t. 12, fols. 170vº-171.
Sol89, e em 179890 e 183591, por aviso ao rendeiro da imposição do vinho de S.
71. Idem, nº 4034/48. Vicente, João António de Gouveia, vimos que metade da renda era entregue à
72. Idem, nº 481.
73. ARM, RGCMF, t. 12, fols. 186vº, 227vº-228. Câmara e a outra à Junta92. Em 179493 da parte da Junta deduzia-se no Funchal um
74. ANTT, PJRFF, nº 412, p. 113.
75. Idem, nº 403, pp. 233/4.
terço para o Senado da Câmara. No Porto Santo à falta de rendeiro a soma era
76. Idem, nº 405, p. 108; nº 407, fols. 117vº, 122vº. arrecadada por inteiro pela câmara, que dela se servia para custear as despesas nor-
77. Idem, nº 407, fols. 117vº, 122vº.
78. ARM, CMF, nº 1396, fol. 1vº. mais94.
79. Idem, nº 1396, fols. 7-12.
80. ANTT, PJRFF, nº 408, fols. 180vº, 262vº. Os quartéis da renda eram pagos de forma irregular, justificando-se pelas
81. Idem, nº 408, fols. 183vº-184, vide livros de arrematações das rendas: ARM, CMF, nº 11/8, 466/9.
82. Vide editais, ANTT, PJRFF, nº 403/8.
condições adversas da produção. O arrematador, para evitar perdas com o contra-
83. Em documentos de 1784 e 1818 definem-se as funções do arrieiro-mor: ... há um capataz que chamão condutor, cuja obri-
gação é de examinar continuadamente por todas as tabernas da cidade o vinho que para elas vai a vender, e no fim de 87. Idem, nº 436, fols. 1-13.
cada dia dar conta ao rendeiro, para este arrecadar o devido imposto [ AHU, Madeira e Porto Santo, nº 731.]. ... o referi- 88. Idem, nº 750.
do ofício, chamado aqui arrieiro-mor, consiste fazer diariamente em livro[ARM, CMF, nº 60 e 1396.] competente os assen- 89. Idem, nº 760, p. 100.
tos das entradas dos vinhos, que ele faz entrar nas tabernas e d’eles dar conta aos rendeiros da imposição para que con- 90. Idem, nº 403, p. 285.
forme as suas relações e assentos, possão haver o produto d’aquela renda[ AHU, Madeira e Porto Santo, nº 4034.]. 91. Idem, nº 409, fol. 100vº.
84. ANTT, PJRFF, nº 405, fols. 222-225. 92. ARM, RGCMF, t. 18, fols. 172vº-173, 382vº-383.
85. Idem, nº 408, fol. 176. 93. ANTT, PJRFF, nº 759, p. 75.
86. Idem, nº 750. 94. Idem, nº 400, fols. 80vº-82.
312 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 313

RECEITA DA RENDA DA IMPOSIÇÃO DO VINHO. 1775-1834


Data Machico Calheta Ponta de Sol Funchal Santa Cruz S. Vicente
1775-1776 800.200 622.110 106.000 5.400.000 215.100
1779-1781 610.438 435.160 82.478 5.080.240
1782-1785 607.200 793.924 657.800 5.677.320 224.360
1786-1787 202.400 657.800 5.677.320
1788-1790 910.800 202.400 72.140 5.940.440 172.140
1791-1793 658.202 364.320 82.984 5.940.434 223.652
1794-1796 404.850 50.600 5.940.440 364.320
1797-1799 1.012.00 477.158 106.260 5.940.440 223.652 212.520
1800-1802 1.720.400 477.158 198.352 8.703.200 374.440 404.800
1803 2.029.060 477.158 244.094 8.733.560 739.772 658.812
1804-1805 2.029.060 810.612 244.094 8.733.560 739.772 658.812
18061808 2.029.060 1.032.341 539.288 10.676.600 1.012.000 678.040
1809-1811 3.100.780 1.032.341 303.600 16.192.000 1.013.012 679.053
1812-1814 4.049.012 1.012.000 274.474 16.499.600 1.013.012 862.224
1815-1817 4.049.012 1.012.00 160.901 16.596.800 1.032.240 1.388.200
1818 2.034.653 863.222 160.901 10.990.635 392.585 1.295.300
1819-1820 3.299.000 863.222 160.901 12.144.000 1.028.744 308.660
1821-1823 2.024.000 667.492 172.242 1.026.128 312.650
1824 2.024.000 592.249 172.242 11.181.299 950.000 1.458.552
1825-1826 2.028.400 542.040 253.000 11.181.299 960.000 252.000
1827 1.353.733 520.000 12.260.240 966.000 234.784
1828 1.353.733 422.445 282.035 8.221.431 617.799 234.784
1829 1.353.733 225.667 10.632.819 742.440 234.784
Transporte de vinho.
1830-1832 928.654 109.634 225.667 8.821.782 733.240 253.000
W. Combe. 1821.
to, reclamava das dificuldades, esperando poder contar com os bons ofícios das 1834 415.919 481.876 289.720 3.911.671 470.689 258.060
Colecção da Casa Museu autoridades. Acontece que a disputa entre diversos grupos de arrematadores fazia Fonte: ANTT, PJRFF, nº. 751-754
Frederico de Freitas.
elevar a renda a valores incomportáveis. A solução estava no recurso a diversos sub-
terfúgios para evitar a entrega do imposto. Foi o que sucedeu com contrato de A renda começou por ser administrada pelo município, mas com o domínio fili-
1776/1778 em que a renda foi arrematada em 601.000 réis. Em 1785 ainda estavam pino passou a contar com a intervenção da coroa através do Erário Régio, sendo a
por arrecadar 2.881.000 réis, pelo que a Junta deu parecer favorável à proposta apre- receita dividida entre o município e o Erário Régio97. Não obstante ter sido uma
sentada por António Cipriano da Conceição, arrematador de 1783/1784, para ser renda criada para para suprir as despesas dos municípios98, a forma de aplicação foi
novo rendeiro dos anos de 1785/1787 por 5.610.000 réis ao ano, com a cláusula de distinta ao longo dos tempos. A primeira aplicação da renda no Funchal foi na cons-
não ser posta em praça. A Junta estava consciente da situação insistindo nos incon- trução da praça que deveria servir o edifício da alfândega e a igreja99. Em 1488100
venientes do acto de arrematação95. O valor elevado das dívidas em 179096 obrigou imposto só poderia ser aplicado na aposentadoria dos tabeliães, mas em 1489101 e
à decisão drástica de proibir os devedores de proceder a novas arrematações. 1490102 insiste-se no uso para enobrecimento da vila, que em 1493103 significava a
A informação sobre as rendas da imposição é muito limitada e só dispomos de realização de obras para as casas do concelho e da cerca e muros.
dados em série para o período que decorre a partir de 1775. No quadro geral do valor D. Manuel tinha perfeita consciência do objectivo da imposição e queria seguir à
das rendas arrecadadas podemos assinalar entre 1781/1799 a tendência de aumento risca a finalidade, reprovando a atitude da câmara quando pretendia desvia-lo para
até se atingir em 1797/1798 quase o dobro de 1780/1781. Nos anos de 1803/1805 outros fins: Em outro apontamento que pedis por merçee que vos leyxe gastar a
temos de novo valores baixos, inferiores aos de 1780/1781, mas a receita voltou a
subir. Entre 1818/1834 faltam-nos dados totais, mas dispomos de alguns parcelares 97. A Real Fazenda tinha direito em 1817 a metade do valor arrecadado: ARM. RGCMF, t.14, fls.199vº-200, representação de
20 de Junho; ARM. RGCMF, t.15, fls. 121-122vº, conta de 17 de Janeiro de 1824; ARM. RGCMF, t.18, fl.172vº-173,382vº-
que elucidam, ainda que de modo precário, sobre a imposição em momentos críti- 383, ofícios de 24 de Julho de 1837 e 13 de Agosto de 1838; ARM. RGCMF, t.19, fls. 432vº-433, ofício de 6 de Agosto de
1840.
cos da primeira metade do século XIX. O quadro que se apresenta resulta da forma 98 . ARM. RGCMF, t. 1, fl.249, apontamentos de D. Manuel de 22 de Março de 1485
de arrecadação do imposto, feita sob a forma de arrendamento trienal. 99. ARM. RGCMF, t. 1, fl.25v-26, carta do duque de 20 de Novembro de 1486.
100. ARM. RGCMF, t. 1, fl.27-28, carta do duque de 24 de Novembro.
101. ARM. RGCMF, t. 1, fl.30-30vº, carta do duque de 5 de Outubro de 1489
95. Idem, nº 411, pp. 251/3. 102. ARM. RGCMF, t. 1, fl.56vº-57, carta do duque de 20 de Fevereiro de 1490.
96. Idem, nº 458, pp. 47/8. 103. ARM. RGCMF, t. 1, fl.48vº-52vº, 175-176vº, cartas do duque de 13 de Janeiro e 21 de Junho
314 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 315

ymposisam no que vos bem pareceer este requyrimento fora razoado se me vyras
gastar della em alguma cousa que nam pertencera ao bem dessa terra mas vos sabees
que eu vos tenho dado segurança que nem meos soçesores nom gastem nem metam
mãao nessa renda se nam em cousas de nobreçimento e acreçentamento e honrra
dessa villa como atee quj he feyto…104
Nos primeiros anos do século XVI a renda do Funchal, Ponta de Sol e Calheta
foi usada no financiamento das obras da Sé do Funchal105. Concluída a obra desvi-
ou-se o dinheiro para a aposentadoria, a correcção das ribeiras e obras do hospi-
tal106. A partir de 1568 a grande preocupação da cidade estava nas despesas militares,
em que se incluíam a fortificação da cidade e as despesas do presídio107. Ao longo
dos tempos foi evidente o choque de interesses entre o município e as autoridades
régias sobre a forma de utilização da receita do imposto. Assim, quando em 1611 se
estabeleceu que dois terços ficariam consignados à fortificação, a Câmara conside-
rava que seriam melhor aproveitados na canalização das ribeiras, sendo contrariada
pela intervenção decisiva do Governador que insistiu na construção da Fortaleza do
Pico108.
No decurso do século XVIII parece que a receita passou a ser distribuída em três
Taberna madeirense.
partes para diversas finalidades. Assim, para além da parte usada no apoio social dos Gravura de P. Springett.
lázaros109, temos dois terços dedicados à fortificação110. Os princípios que regeram o 1843
lançamento da imposição do vinho perduraram até ao século XIX. Assim em 1839111
na prestação de contas ao Administrador Geral justifica-se a despesa de 4.612$275 O quotidiano e o vinho
reis da imposição do vinho que foi gasta em obras municipais, sustento dos expos-
tos, sustento dos lázaros, pagamentos dos empregados, pagamento às câmaras Nos séculos XVIII e XIX os forasteiros, de passagem pelo Funchal ou que
municipaes desta ilha da quarta parte do imposto dos cereaes, que lhes pertence, e demandavam a ilha em busca da cura para a tísica pulmonar, foram os principais
em diversas despezas miúdas,… divulgadores da mesa madeirense. Habituados que estavam às laudas mesas
reprovam a frugalidade do mundo rural madeirense. Todos insistem em referir o
contraste entre a mesa das famílias distintas e a da maioria da população. Por norma
a alimentação madeirense era muito frugal, pois segundo John Ovington em 1689,
os pobres no tempo da vindima comiam apenas de uvas e pão. Diz-nos George
Forster que os camponeses são excepcionalmente sóbrios e frugais; a alimentação
consiste em pão, cebolas, vários tubérculos e pouca carne. Na verdade a alimentação
consistia em vegetais algum pão, inhame e castanha e os frutos da época112.

112. Testemunhos de estrangeiros sobre a alimentação: PENFOLD, Jane Wallas. Madeira Flowers, Fruits, and Ferns, London,
1845. John Ovington, Antologia- A Ilha da Madeira, Atlântico, nº1, 1985, 70-79. George Forster, ANTOLOGIA- Uma Visão
104. ARM. RGCMF, t. 1, fl. 48vº-52vº, carta do duque de 13 de Janeiro da Madeira, Atlântico, 5, 1986, 69-78. Isabella de França, Jornal de Uma Visita à Madeira e a Portugal (1853-54), Funchal,
105. ARM. RGCMF, t. 1, fl.87-87vº, 196, 286vº-287vº, carta régias de 18 de Julho de 1500, 18 de Abril de 1508, 16 de Agosto 1969. Missa Katherine Parry, Diário de uma Visita à Madeira, Atlântico, III, 1987. Eberhard Axel Wilhelm, A Vida no Funchal
de 1502, por 1860. Uma Descrição pelo Médico Alemão Rodolfo Schultze, Xarabanda Revista, 11, 1997, 20-27. IDEM, Os
106. ARM. RGCMF, t. 1, fl.309-309vº, 311-311vº, 323vº-324vº, 125vº-127, cartas régias de 13 de Maio, 11 de Agosto de 1511, Madeirenses na Visão de Alguns Germânicos. O Seu Aspecto e Carácter e a Sua Maneira de Viver, Ibidem, 7, 1995, 2-13.
25 de Julho de 1512, 2 de Maio de 1516. IDEM, O Concelho de Câmara de Lobos entre 1850 2 1910 Visto por Alguns Germânicos, Girão 5, 1990, 185-195. IDEM,
107. ARM. RGCMF, t. Velho, fl.125-125vo, 147-147vo, t.3, fl.18-19, t.6, fl.132vº-133, provisões de 9 de Março de 1568, 26 de A Madeira entre 1850 e 1900. Uma Estância de Tísicos Germânicos, Islenha, 13, 1993, 116-121. IDEM, Seis Meses e Meio
Junho de 1584, 26 de Dezembro de 1602, 26 de Novembro de 1658 na Madeira (1854-1855). Os Diários da Governanta Alemã Augusta Werlich, Islenha, 16, 1995, 60-71, IDEM, Ibidem, 17,
108. ARM, CMF, lº.1318, fls.38-39, de 9 de Julho de 1612; ARM, CMF, lº.1319, fls.13 13 de Fevereiro de 1613; ARM. RGCMF, 1995, 75-83. IDEM, Na Madeira Há 125 Anos. Observações dum Médico de Tuberculosos Alemão, Atlântico, 12, 1987,
t.3, fl.89vº, 27 de Janeiro de 1612; AHU, Madeira e Porto Santo, docs. 4798-4799, 4800-4801. 274-285. Maria dos Remédios Castelo Branco, As Impressões de Jean Mocquet sobre o Funchal em 1601, Atlântico, 11,
109. ARM, CMF, lº.1323, f.8, 6 de Fevereiro de 1620; ARM. RGCMF, t. 9, fls.205vº, 208-209, provisões de 4 de Novembro de 1987, 222-226. IDEM, Testemunhos de Viajantes Ingleses sobre a Madeira, I Colóquio Internacional de História da
1751 e 23 de Fevereiro de 1752. Madeira, Funchal, 1989. IDEM; Perspectivas Americanas na Madeira, II Colóquio Internacional de História da Madeira,
110. ARM. RGCMF, t. 9, fls.205vº, 208-209, provisão de 23 de Fevereiro de 1752 Funchal, 1989. António Marques da Silva, Apontamentos sobre o Quotidiano Madeirense (1750-1900), Lisboa, 1994.
111. ARM. RGCMF, t.19, fl.60vº-61vº
316 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 317

Mercados e vendas metros da canalização pública a obrigação revestia-se na presença de um reser-


vatório de barro com capacidade para 50 litros. Por outro lado os géneros alimentí-
cios deveriam ser guardados em prateleiras envidraçadas ou caixas fechadas. Depois,
A venda de produtos necessários à subsistência das populações fazia-se em mer- foi a proibição de vender no mesmo compartimento os géneros alimentícios, tintas,
cados e feiras, onde se podia encontrar fruta, peixe e outros mais produtos, reali- óleos, guanos, sulfato de cobre e substâncias tóxicas ou nocivas à saúde.
zavam-se diariamente ou uma vez por semana em espaços determinados. Na cidade, Robert White113 e muitos outros autores que publicaram textos de apoio aos vis-
o mercado foi desde o século XV um espaço de permanente intervenção do municí- itantes estrangeiros testemunham a importância da taberna como local de convívio
pio no sentido de facilitar a livre concorrência, salvaguardar a qualidade dos produ- e de apoio aos transeuntes. Nas tabernas a publicidade fazia-se através de siglas,
tos à venda e o justo valor. referindo a propósito, PVB [Pão Vinho Bom] e PVAB [Pão Vinho Aguardente
No século dezanove testemunham-se três mercados na cidade. O primeiro de D. Bom]
Pedro, também conhecido como da feira velha, situava-se entre o Largo dos À vereação estava atribuída a missão de estabelecer os preços de venda ao públi-
Lavradores e o Largo do Poço, mais propriamente nas traseiras da actual alfândega. co dos géneros de produção local. Todos os anos entre Outubro e Janeiro eram
Era o mercado de venda de legumes, hortaliças, frutos e outros géneros alimentícios. tabelados os preços dos produtos colhidos no concelho: vinho, cereais, cebolas, fei-
Foi o principal mercado da cidade até que em 1 de Dezembro de 1940 abriu ao jão, favas, batata, carne, laranjas, limões, inhame, vimes, cana doce. As actas da
público o actual mercado dos lavradores. Juntou-se depois os da União, no actual vereação e as posturas municipais revelam muitos dos problemas resultantes do
Largo da Feira, e de São João, no sítio onde hoje está implantado o Teatro abastecimento de bens alimentares e artefactos no mercado madeirense.
Municipal. A venda dos produtos acontecia em barracas arrematadas à câmara Em todos os tempos existiram espaços abertos ou fechados de venda pública dos
pelos chamados barraqueiros. produtos. O correr dos anos apenas fez mudar os locais ou a designação, e aper-
O mercado apresentava os produtos da terra, enquanto a venda dava preferência feiçoou os hábitos de consumo. Na cidade e localidades circunvizinhas tivemos
aos de fora. A oferta dos produtos completava-se com os vendedores ambulantes ao outro tipo de venda ambulante que contemplava, não só o leite, como também, o
domicílio, que ofereciam líquidos, como azeite, vinagre e leite, hortaliças, aves, azeite, petróleo, hortaliças, aves, cebolas, mel, sorvetes e outros gelados, carvão veg-
lenha e carvão. A figura do leiteiro, que ainda hoje sobrevive, define uma forma de etal. A década de sessenta do século XX foi o momento de evolução das estruturas
venda de leite fresco ao domicílio. Ademais os interessados podiam ainda encontrar de apoio à venda dos produtos alimentares. As vendas perderam actualidade dando
na cidade vacarias onde se servia o leite fresco, ordenhado no momento. Era assim lugar supermercados, o princípio da transição para as actuais grandes superfícies ini-
na vacaria Burnay no Largo da Sé e a Sousa na Rua de João Tavira. A ilha apresen- ciada em 1963 com o supermercado BACH.
tava em 1928 cento e setenta mil vacas de ordenha que produziam vinte milhões de
litros. O Funchal consumia anualmente um milhão e quinhentos mil litros de leite,
o que equivale a cerca de quatro mil litros diários. O restante leite era usado no fa-
brico de manteiga e queijo. Na mesma data a produção de manteiga orçava as mil Da copa à taberna
toneladas, sendo exportada mais de três quartos, revelando um extraordinário incre-
mento, uma vez que em 1880 a exportação foi de apenas cento e vinte e nove quilo- Os líquidos corriam em abundância nas mesas fartas. O vinho está presente na
gramas. ração diária dos conventos e Colégio dos Jesuítas, servindo-se da produção própria,
O abastecimento local fazia-se a partir das mercearias e tabernas, onde se vendia e foi durante muito tempo o único líquido, para além da água, servido à mesa. Na
em simultâneo bebidas, nomeadamente o vinho da terra, géneros alimentícios e casa das famílias pobres bebia-se apenas a água-pé nos dias que precediam à vindi-
artefactos locais ou de importação. A abertura de um estabelecimento obrigava ao ma até ao Natal.
requerimento da licença que só poderia ocorrer da necessária autorização camarária A maioria dos estrangeiros insiste na sobriedade dos madeirenses no consumo
depois do pagamento de uma taxa. Ao infractor era atribuída uma pesada multa. de bebidas alcoólicas. Acontece que, no princípio do século XX, a generalização do
Acrescem outros requisitos regulamentados ao longo do tempo. A partir de 1931 a fabrico de aguardente e a abundância, conduziram ao consumo exagerado, receben-
localização deveria estar a mais de 500 metros de distância das escolas. Antes havia- do a Madeira o epíteto de ilha da aguardente. A situação trouxe inegáveis prejuízos
se estabelecido padrões de higiene e sanidade no funcionamento. De acordo com 113. Madeira, its Climate and Scenery, London, 1857. A taberna causa-lhe uma certa estupefacção: If we pause to look into
regulamento de 1946 todos os estabelecimentos comerciais foram obrigados, num one of these small dark wine shops we shall see a decante ror two liquor, with some glasses ready for use, and a few loaves
of bread. What contrast between such a place and its London equivalent, a gin shop.
prazo de noventa dias, a ter água canalizada e pia, caso se situassem a mais de 100
318 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 319

termo.
A venda do vinho nas tabernas estava sujeita a uma regulamentação rigorosa.
Quanto ao vasilhame recomendava-se que deveriam dispor de dois pipas, uma para
branco e outra para tinto119. A fim de evitar o engano estava ainda condicionado o
tipo de recipiente usado. Em 1522 só se poderia vender vinho pela medida de
almude estando proibido em jarras e botijas120. Já em 1547 a vereação condescende
na venda em botijas, estabelecendo a medida de 7 canadas e meia e 3 canadas e três
quartilhos para as botijas de arroba e de meia arroba121. A venda do vinho novo esta-
va condicionada ao esgotamento dos stocks do vinho velho122 e à conclusão do
processo de fermentação. A data limite, ontem como hoje, estava na festa do S.
Martinho123.
O consumo de vinho deveria algo natural num espaço como a Madeira onde a
cultura assumiu importância desde os primórdios da ocupação. A partir dos dados
referentes à imposição, isto é, o direito por venda nas tabernas, podemos acompa-
nhar a evolução do consumo no Funchal. Em 1488 a vila consumiu 439 pipas, mas
nos anos cinquenta e sessenta do século XVII o consumo rondava as 6.000 pipas
anuais124. Gaspar Frutuoso125 refere o facto de em Câmara de Lobos terem disponí-
vel, na Levada dos Socorridos, construída por Luís de Noronha para mover o
Garrafas para embarque.
engenho, entre 10 a 12 pipas de vinho para dar os levadeiros e demais homens que
Colecção Perestrellos. Museu aí trabalhavam. O mesmo refere, por diversas vezes, a frequência com que o vinho
de Photographia Vicentes.
estava presente na mesa dos madeirenses. Em 1532, na busca feita para encontrar o
auto-denominado profeta do Porto Santo, Manuel de Crasto, distribuiu-se um saco
para a saúde pública, obrigando as autoridades a estabelecerem medidas limitativas de pão e um barril de vinho por todos aqueles que ajudaram à captura do foragi-
da venda e consumo. Segundo Rodolfo Schultze, em 1864, os madeirenses tinham do126. Em 1566 a Gaspar Borges, homem engenhoso e artífice que desencravou a
preferência pelo consumo de vinho misturado com água ou cerveja. A última surgiu artilharia da fortaleza, recebeu de alguns madeirenses, como prova de apreço, um
na ilha por influência inglesa. lombo de porco e entrecosto, e dois barris de bom vinho127.
A venda de vinho ao público passou a estar controlada desde 1484 com o estabe- Os visitantes estrangeiros testemunham também o consumo de vinho. De acor-
lecimento da imposição do vinho. O imposto, que onerava a venda ao público, do com John Ovington128 em 1689, o gasto cifrava-se entre 8 e 9 mil pipas, para uma
implicou um sistema de controlo na circulação e evolução dos stocks nas lojas e população aproximada de oitenta mil habitantes, avisando que os homens rara-
tabernas114. O funcionamento das tabernas estava regulado por posturas. Assim, as mente abusam das bebidas alcoólicas e habituam-se à moderação.129 Só em 1787130
lojas que vendessem vinho deveriam ostentar um ramo verde. O horário de fun- no Funchal consumiram-se 1.019 pipas, sendo a exportação de 10.831 pipas. No
cionamento, no século XIX, poderia ir até às 22 horas115. De acordo com as posturas
municipais, só poderiam vender vinho nas tabernas os residentes casados. A venda 119. Álvaro Manso de Sousa, Curiosidades Históricas da Ilha, in DAHM, nº 5001, 13 de Março de 1949, p.141-142.
acontecia depois do produto ser selado pelo rendeiro da imposição. Isto era uma 120. J. P. Costa, Vereações da Câmara Municipal do Funchal. Primeira Metade do Século XVI, Funchal, 1993,p.286.
121. Idem, ibidem, p.393.
forma de impedir a fuga ao imposto como de evitar que lhe adicionassem água116. 122. ARM, CMF, nº.1328, fl.24vº, vereação de 23 de Outubro de 1637.
123. ARM, CMF, nº.1315, fl.62, vereação de 11 de Outubro de 1603; ARM, CMF, nº.1327, fl.37vº, vereação de 8 de Novembro
Ainda, em cada taberna deveria existir duas pipas, uma para branco e outra para de 1634; ARM, CMF, nº.1331, fl.25, vereação de 6 de Novembro de 1649.
tinto117. Sabemos que em 1851118 havia 208 tabernas de porta aberta na cidade e 124. J. M. Azevedo e Silva, A Madeira e a Construção do Mundo Atlântico, Funchal, 1995, vol. I, p.270
125. Livro Segundo das Saudades da Terra, Ponta Delgada, 1979, p.121
126. Livro Segundo das Saudades da Terra, Ponta Delgada, 1979, p.77
114. Posturas da Câmara Municipal do Funchal, Funchal, 1849, pp.61-64. 127. Livro Segundo das Saudades da Terra, Ponta Delgada, 1979, p.383
115. Ibidem, pp.34-35. 128. António Aragão, A Madeira Vista por Estrangeiros, Funchal, 1981, p.198.
116. ARM, CMF, nº.1309, fl.17, vereação de 2 de Fevereiro de 1550; J. P. Costa, Vereações da Câmara Municipal do Funchal. 129. Referindo ainda: Quando bebem em companhia não impõem aos outros o vinho que devem beber. O criado empunha a
Primeira Metade do Século XVI, Funchal, 1993, p.434 garrafa e entregando ao convidado o seu copo, lentamente verte a quantidade que aquele deseja. Deste modo cada um
117. Cf. Alberto Vieira, As Posturas Municipais da Madeira e Açores dos Séculos XV e XVII, in BIHIT, vol. XLIX, 1991, pp.30- toma a quantidade que lhe apetece, não sendo, por isso, os mais sóbrios forçados a beber de mais contra a sua vontade.
31. [António Aragão, A Madeira Vista por Estrangeiros, Funchal, 1981, p.200]
118. J. J. Nóbrega, Breve Memória..., BNL, SR, Cod. 8023, fol. 9. 130. AHU, Madeira e Porto Santo, nº.972.
320 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 321

século XIX a situação era distinta, pois havia-se generalizado o consumo do chama-
do vinho de pasto. Em 1849 a ilha consumiu 7.479 pipas, sendo 3.600 no Funchal.
Já em 1868, período de crise de produção, bebeu-se cerca de três quartos da pro-
dução, avaliados em 4.000 pipas.
A falta de mercado para os vinhos e o aumento excessivo das áreas de cultivo
levou à disponibilização de um excedente de inferior qualidade que se vendia a
preços baixos, como testemunha Edward V. Harcourt em 1851:_ Isto faz com que
a grande quantidade de 9.149 pipas seja anualmente consumida na ilha ou utilizada
para o fabrico de aguardente. As maiores quantidades são bebidas por pescadores
e “burroqueros”, os quais gastam cerca de um terço das suas posses numa bebida
alcoólica que é usada com a denominação de “vinho baixo”131.
A partir dos direitos lançados sobre a venda nas tabernas, a imposição do vinho,
podemos acompanhar a evolução do consumo anual de vinho.

RENDIMENTOS REAIS EM PIPAS.1780-1799


Local 1780-81 1782-84 1785-87 1788-90 1791-93 1794-96 1797-99
Cidade 2339 59 73 95 104 114 119
Ponta de Sol 31 67 80 98 107 113 122
Calheta 499 71 74 102 108 116 145 Sala de Provas da Madeira
Wine Company Colecção
Santa Cruz 359 56 71 97 106 114 121 Perestrellos. Museu de
Machico 329 52 78 96 105 112 123 Photographia Vicentes.
Designação Preço em réis
S. Vicente 120
Vinho de 10 anos 9$350
TOTAL 3557 305 376 488 530 569 750
Boal velho $350
Sercial velho $350
O consumo de água-pé, o vinho dos colonos e pobres, está documentada desde Malvasia $350
o século XVII e foi muito importante para o mundo rural até meados do século XX. vinho velho $120 a $300
Em 1654 refere-se o hábito dos moradores desta ilha custumarem a fazer agoa pé Cerveja preta $300
que bebem dous ou três mezes…132
O vinho Madeira não se destinava apenas à exportação, pois uma parte signi- Consumia-se ainda cerveja, ginger-beer (limonada de gengibre) e água mineral.
ficativa tinha venda local às famílias mais abastadas e estrangeiros. A partir de um No século XIX os ingleses provocaram uma mudança radical nos hábitos de con-
anúncio publicado em 1852133 podemos saber o preço de venda ao público: sumo de bebidas com a introdução da cerveja. A primeira fábrica na ilha era de João
Park e foi implantada em 1840. Na década de cinquenta tivemos outras, como foi o
caso da de Victorino José Figueira (1856) e José de Freitas (1859). Dispomos ainda
de dados sobre a produção de cerveja. O primeiro produzia 326 hectolitros de
cerveja branca e preta e 58 de ginger beer, já o segundo apresentava 340 de cerveja
branca e preta e 60 de ginger beer. Muitos estrangeiros preferiam a cerveja impor-
131. A Sketch of Madeira…, London, 1851, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal,
1993, pp. 389]
tada, tal como nos refere Rudolfo Schultze em 1864, mas a concorrência da cerveja
132. ANTT, PJRFF, nº.396, fls. 18vº-19. O seu fabrico é descrito em texto de autor anónimo [A Guide to Madeira Containing a
Short Account of Funchal, Londres, 1801, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal,
inglesa e alemã não afectava a madeirense, muito apreciada pelos locais por ser con-
1993, p. 337]]: Este processo é mesmo repetido uma terceira vez, com o objectivo de obter da uva uma maior quantidade siderada de superior qualidade. Em 1863134 está documentada a existência de três
de vinho; e, por fim, uma quarta vez, com a finalidade de obter a Agua-Pé. No entanto, nesta quarta ou última vez, quan-
do a massa é partida, está tão seca como um bocado de madeira e, por isso, antes de a pisar, é necessário juntar-lhe uma fábricas de cerveja e ginger-beer.
quantidade de água na proporção de dois barris para cada pipa de sumo que tenha sido obtida. Assim, se doze barris de
vinho ou sumo foram obtidos, são adicionados dois de água. A massa utilizada para obter a “Agua-Pé” é normalmente
Em 1872 H. P. Miles fundou a Atlantic Brewery e em 1890 Manuel Alves de
colocada sobre pressão à noite, ficando nesta posição até à manhã seguinte, quando a “Agua-Pé” é retirada e colocada
em cascos para uso imediato. 134. Francisco P. Oliveira, Informações para a Estatística Industrial Publicadas pela Repartição de Pesos e Medidas - Distrito
133. A Ordem, nº. 17, p.4. de Leiria e Funchal, Lisboa, 1863, p.11
322 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 323

Borracheiros. E.C. Lobos Araújo surge com a fábrica Leão. A primeira, que produzia água de soda, limonada
Perestrellos Photographos
gasosa e cerveja, apresentava o equipamento adequado ao engarrafamento avança-
do em relação às demais. Em 1908 em duas unidades do Funchal fabricava-se 666
hectolitros de cerveja branca e preta e 118 de ginger beer. Uma cerveja custava 30
réis enquanto um ginger beer ficava pelos 20 réis. A crise da década de trinta obrigou
à fusão de todas as pequenas industrias numa só unidade industrial, dando lugar à
Empresa de Cervejas da Madeira que hoje domina o mercado local. Mesmo assim
não conseguia satisfazer as necessidades dos apreciadores de cerveja, uma vez que
nos inícios da década de cinquenta a ilha importava 29.520 litros de cerveja. Fora
do Funchal temos notícia de uma fábrica de refrigerantes na Ribeira Brava, que fun-
A pele de cabra usava-se no tempo ao vinho para o transporte a algumas milhas de Borracheiro.
cionava em 1955 e de um outra em 1909 no Porto Santo, propriedade de João Foto de José Pereira da Costa.
distância, quando a estas não era fácil traze-las ao local da _vindima. A pele é voltada do Anos sessenta do século XX
Augusto de Pina para engarrafamento da água da Fontinha. avesso, cortam-lhe a cabeça e os pés, e as aberturas assim formadas ligam-nas com
O restrito grupo de bebidas alarga-se à cidra, ou vinho de peros, muito aprecia- cordel, Ao distender-se, dá a impressão de estranho animal acéfalo. E que espectáculo
da na ilha em princípios do século XX. A fazer fé nos dezoito lagares em funciona- singular o de uma fila de homens a descer pelos montes com essas peles cheias aos
mento em 1908, o vinho em questão deveria ser muito apreciado. Hoje a tradição ombros.
da bebida persiste no Santo da Serra. A bebida mais apreciada era a aguardente, Isabella de França, Jornal de uma Visita à Madeira e a Portugal 1855-1854, Funchal, 1970., p.112-113.
cujo consumo começou a divulgar-se em princípios do século XIX por influências
das tropas inglesas que por duas vezes ocuparam a ilha.
324 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 325

Borracheiros. Borracheiro. Aguarela do século XIX. Colecção da


Gravura W. Combe. 1821. Colecção da Casa Museu Frederico de Freitas Casa Museu Frederico de Freitas.

Borrachos. Aguarela do
O borracho Condução século XIX. Colecção da
Casa Museu Frederico
dos vinhos em 1777 de Freitas.
A pele (de cabra) emprega-se no fabrico de borrachos (odres) para transportar vinho
dos lagares para os armazéns,...O borracho é feito de preferência da pele do macho,
voltada de dentro para fora, depois de sangrado junto dum ouvido e de esfolado pelas (...) não se praticam as co-
orelhas. Pelas aberturas do pescoço e dos ombros, cortados nas articulações inferiores, lheitas como no reino, que vão
aparta-se a pele da carne deixando parte do tecido da barriga para fortalecer aquela passando dos lagares a encubar
nessa região. “Fechado o borracho pelos membros e extremidades deste e lavado inte- nas adegas, mas como as terras
riormente com água e cinza, a fim de se poder arrancar mais facilmente parte do pelo. É estão aqui divididas em porções
deitado em seguida a curtir num banho de casca de vinhático que lhe dá uma cor aver- módicas de colonos, estes pisan-
melhada. Passadas estas operações, procede-se à insuflação do ar pela abertura do do suas módicas porções, que
pescoço, apertando o borracho pela parte média para que forme cintura e se torne mais logo imediatamente conduzem a
cómodo para o transporte (horizontalmente) sobre os ombros. A suspensão faz-se ligan- meia parte respectiva ao senho-
do a pele dos membros próximos, anteriores e posteriores, em forma de ansas, às quais rio para a cidade, nem dão lugar
se prende a testeira-arriscol-formada de duas cordas paralelas (de lã, linho ou estopa A tirar guias, o que é impra-
entrançada) que vem apoiar-se sobre o frontal do condutor” ticável por ser a condução em
barris de dois almudes, ou odres
A. Sarmento, Zoologia Local, publ. Diário de Notícias (Madeira), de 23 de
sobre ombros de homens,
Agosto de 1936, p.2 porque a escabrosidade dos
caminhos faz impraticáveis ou-
tras condições.

ANTT,___ JRFF, nº.994, pp.8-11


Borracheiros. Gravura de
A. Vizetelly. 1880
326 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 327

Transporte vinho em corsa.


Gravura século XIX. Embarque de pipas.
Colecção da Casa Museu Gravura de A.
Frederico de Freitas. Vizetelley. 1880

No entanto, todo o vinho pro-


A corça duzido no lado norte chega pelo
mar, não na forma de mosto, mas
(...) aqui não há barros, há um equivalente, vem a ser um madeiro, que é conduzido na forma seguinte, como «vinho em
de rastos, preso ao jugo dos bois, a que dão o nome de corça. E neste veículo conduzem limpo», ou vinho fermentado, e, por
pipas de vinho, pedras, paus de todo o tamanho, pesos extraordinários (...) não haver no Funchal molhe ou
cais, é desembarcado de um modo
AHU, Madeira e Porto Santo, N.º 3281 muito primitivo. Os barcos ficam
ancorados a alguma distância da
costa, as pipas são atiradas para
fora do barco e homem atrás de
O barco homem da tripulação, depois de se
despir e de se benzer religiosa-
Enchem-se as pipas que os camiões hão-de levar para a cidade. Vieram eles em mente, salta para o mar e colocan-
corças que arrastavam juntas de bois, seguiam para o calhau. Eram amarradas em do as suas mãos sobre uma pipa,
grossas cordas e, uma atrás da outra, empurradas pelos barqueiros na maré-cheia, geral- nada atrás dela até chegar às
mente, quando a ondulação permitia. O bolinete de bordo enrolando a corda presa à vagas que rebentam na praia, onde
primeira pipa ia puxando a bicha enorme de pipas. as pipas são colocadas em corças e
puxadas para cima, pela praia incli-
Horácio B. de Gouveia, Canhenhos da ilha, pp. 58/59 nada.

H. Vizetelly, Facts about Port and


Madeira, London, 1880, in Alberto Vieira,
História do Vinho da Madeira, Funchal,
1983, p.393 Porto do Funchal. Gravura do século XIX. Colecção da Casa Museu Frederico de Freitas.
328 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 329

cados pelas guerras na Europa e colónias, a acção dos piratas argelinos, insurgentes
e, finalmente, as condições climáticas, os ventos e correntes marítimas136. A ilha da
Madeira, situada a meio caminho entre a Europa e os mercados coloniais, viu-se
empurrada para os conflitos europeus, no continente ou fora dele, como sucedeu
com as guerras entre a França e Inglaterra, da Independência da América e da
Argentina. Os conflitos influenciaram de forma distinta o comércio internacional. A
ilha porque estava fora dos limites dos acontecimentos, usufruiu de uma posição
vantajosa no comércio do vinho, uma vez que fechados os circuitos e mercados
exportadores europeus do vinho, o madeirense apresentava-se capaz de os substi-
tuir. Foi o momento de apogeu da produção e comercialização, que se prolongou
de finais do século XVIII a princípios do XIX. A rotura repercutiu-se de forma
negativa, provocando a queda em flecha do comércio a partir da segunda metade do
século XIX. As mesmas condições poderiam conduzir ao fecho das rotas de expor-
tação, com o bloqueio das rotas comerciais com origem na Europa ou colónias ou
a influência negativa da pirataria e corso.
A segunda metade do século XIX terá sido fatal para a Madeira, uma vez que se
conjugaram a crise de produção com as alterações das rotas oceânicas, resultantes
da abertura do canal do Suez e os progressos da navegação a vapor137, como o
entende A. Silbert: E, todavia, o declínio da ilha, por relativo que seja, vai começar.
Hesitante a princípio, paralelo à evolução da conjuntura na primeira metade do
século, afasta-se para se tornar mais nítido depois de 1850. (…) a Madeira não é mais
como noutro tempo uma encruzilhada vital (…). […] Madeira, esta encruzilhada, é
também um espelho. Um espelho onde se reflecte uma multidão de paisagens
geográficas: tropicais, mediterrânicas e algumas vezes oceânicas. Um espelho tam-
Embarque de pipas. Movimento externo bém onde ressuscitam, como num globo mágico, os progressos e a morte de todo
Colecção Perestrellos. um aspecto essencial do nosso velho mundo ocidental, o dos navios mercantes nave-
Museu de
Photographia Vicentes. gando ao sabor dos ventos por um oceano nutriente.138
O movimento de comércio do vinho da Madeira ao longo dos séculos XVIII e O Funchal não apresentava grandes condições de apoio à navegação. A cidade
XIX imbrica-se de modo directo com as rotas marítimas coloniais que tinham pas- estava situada numa enseada pouco abrigada dos ventos que sopravam do quadrante
sagem pela Madeira, estabelecendo um circuito de triangulação135. As rotas com Sul, ficando os navios ancorados na baía sujeitos a constantes naufrágios139. Apenas
origem nos portos ingleses tocavam a Madeira para refresco e carga de vinho dirigin- em 1876 foram registados 10 naufrágios. A necessidade de construção de um porto
do-se aos mercados das Índias Ocidentais e Orientais ou América, donde regres- de abrigo, no sentido de melhorar o serviço, era fundamental para o incremento da
savam via Açores com o recheio colonial. Juntam-se, ainda, os navios portugueses navegação, nomeadamente no último quartel do século XIX com a concorrência
da rota das Índias, ou do Brasil, que faziam escala no Funchal para receber o vinho dos portos das ilhas Canárias.
que conduziam às praças de destino e regressavam com o saque pelos Açores. Por Em 1766 ficou concluído o primeiro cais na Pontinha. Em 1881 o Governador
fim podíamos contar com os navios ingleses que se dirigiam à Madeira com manu- Civil insistia na necessidade de construir um cais e porto de abrigo, a exemplo do
facturas e no retorno tocavam Gibraltar ou Lisboa (e Porto). A tudo isto juntavam- que sucedia nos Açores, em Ponta Delgada e Horta. A necessidade da construção
se os navios ingleses e, depois, norte-americanos, que traziam da América as fari- mais se fez sentir dois anos após com os planos de melhoramento do porto de Las
nhas e retornavam com vinho.
O movimento das rotas comerciais teve que enfrentar diversos obstáculos provo- 136. Vide A. Silbert, ibidem, pp. 79-80
137. J. A. Lesourd, ibidem, pp. 265/7, 355/369; A. Silbert, ibidem, pp. 120-121
138. Op. cit., pp. 120-121.
135. Sobre o comércio de triangulação veja-se J. A. Lesourd, Histoire Economique XIXe et XXe Siècles, Paris, 1973, pp. 139. Rui Carita, Paulo Dias de Almeida e a Sua Descrição da Ilha da Madeira de 1817-1818, Funchal, 1987, pp.58-59;
242/243. Fernando Augusto da Silva, Elucidário Madeirense, vol. II, pp.407-408.
330 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 331

Palmas. Apenas em 1885 se avançou com o molhe entre a Pontinha e o Ilhéu, ter- aquelas coisas que fabricam panos da ilha e dela transportam aquelas de que a ilha
minado passados dez anos. A obra decorreu em duas fases: entre 1934-1939 abriu- produtora, tais como açúcar e vinho, por lá haver em grande abundância. O mesmo
se um túnel no Ilhéu e entre 1957-1962 concluiu-se o molhe. autor refere que a Madeira se abastece de cereais nas ilhas vizinhas e que o vinho‚
vendido a mercadores que o levam à Península Ibérica e para outros países seten-
Comércio na madeira trionais. Já em 1567 Pompeo Arditi144 observava que o comércio baseado no açúcar,
conservas e vinhos era abundante, e que a ilha tinha de assegurar a subsistência com
os cereais oriundos das Canárias e Açores.
O Atlântico foi a partir do século XV o principal espaço de circulação dos As descrições, distanciadas no tempo em trinta e sete anos, atestam que a crise
veleiros, definindo um intrincado traçado de rotas de navegação e comércio entre o açucareira da primeira metade do século não provocou o colapso da economia
velho continente, o litoral africano, americano e as ilhas. A multiplicidade de rotas madeirense, porque o açúcar local, não obstante a quebra sofrida, continuou a ter
resultou da complementaridade económica das áreas insulares e continentais e maior valorização e procura no mercado europeu e o vinho preencheu paulatina-
surge como consequência das formas de aproveitamento económico adoptadas. mente a lacuna resultante da quebra açucareira. O momento de esplendor de finais
Tudo isto deverá ser conjugado com as condições geofísicas do oceano, resultantes do século, conforme descrições de Frutuoso e Torriani, deverá resultar certamente
das correntes e ventos que delinearam o traçado das rotas e os rumos da viagem. No do comércio do vinho que, desde a década de setenta, vinha conquistando a Europa
século XV a afirmação da Madeira derivou do facto de ser escala para as primeiras e a América. O primeiro exalta a opulência madeirense: A ilha da Madeira /.../ tão
navegações portuguesas no Atlântico, posição que veio a perder em favor das afamada e guerreira com seus ilustres e cavaleiros capitães, e tão magnânimos, e
Canárias e Cabo Verde140. com generosos e grandiosos moradores; rica com seus frutos; celebrada com seu
A Madeira manteve desde meados do século XV um comércio assíduo com o comércio que Deus põe no mar oceano ocidental por escala, refúgio, colheita e
reino, activado pela oferta de madeiras, urzela, trigo e, depois, de açúcar e vinho. O remédio dos navegantes que de Portugal e de outro reynos vão, e de outros portos
movimento alargou-se às cidades nórdicas e mediterrânicas, com o aparecimento de e navegações vêm para diversas partes, além dos que de força ela somente navegam,
estrangeiros interessados no comércio do açúcar. A evolução das trocas foi rápida e levando-lhe mercadorias estrangeiras e muito dinheiro para se aproveitar do retorno
lucrativa pelo que em 1493141 a Fazenda Real lançou uma imposição sobre o movi- que dela lutam para suas terras, /.../ com seu licor e doçura, como um néctar e
mento do porto da cidade para a despesa de construção da cerca e muros. Da ambrosio provê as Índias ambas, a Oriental aromática e a Ocidental dourada,
dedução de um vintém sobre a tonelagem tirou-se o rendimento de cem mil reais e chegando e adoçando seus frutos de extremo a extremo quase o mundo todo145. O
quanto ao 1% sobre as mercadorias arrecadou-se duzentos e cinquenta reais. O açú- segundo incidiu a observação na intensa actividade comercial do porto funchalense
car deveria ser o principal responsável por tão elevada quantia, contribuindo para o com a África e a Europa: El comercio es muy importante, y se hace navios que
arranque decisivo da economia madeirense e a consequente inserção da Madeira no vienen a esta ciudad de Funchal de todas las partes del África Cristiana, de Itália,
mercado europeu. O acelerado ritmo de crescimento económico condicionou a Espana, França, Alemana y Escocia, de modo que se ha apodado de ‘pequeña
atracção de diversas correntes migratórias. Foi com base nisto que em 1508142 D. Lisboa’ 146. Esta piccola lixbona inseria-se na economia europeia atlântica, partici-
Manuel justificou a elevação do Funchal à categoria de cidade: teem creçido em mui pando do trato com o Velho e Novo Mundo, e servindo de entreposto de comércio
gramde povoraçam e como nella vivem muytos fidalgos cavaleyros e pessoaes homr- para as riquezas e áreas vizinhas.
radas e de gramdes fazendas pollas quaaes e pello grande trauto da dyta ylha.... As isenções fiscais (1443-1444) no comércio com o reino, para além de terem
A tendência para a monocultura condicionou a economia madeirense, marcan- sido aliciante à fixação de colonos, contribuíram para o reforço das ligações com o
do a dependência do mercado externo, uma vez que a ilha necessitava dele para a continente e afirmação da burguesia metropolitana. Aliás, nas cortes de Coimbra
colocação do açúcar e abastecer-se de produtos alimentares (carne, pescado, (1472) e Évora (1481-1482) estava bem expressa a aspiração.
legumes, cereais, azeite, sal) e artefactos (ferro, telha, barro, panos, linho, etc.). No século dezassete ocorreram mutações na política comercial, afirmando-se,
Giulio Landi143, cerca de 1530, retrata com grande acuidade a ambiência do burgo cada vez mais, a tendência para o proteccionismo económico com o aparecimento
funchalense: Aqui chegam frequentemente mercadores de países muito distantes: das companhias comerciais e o estabelecimento de legislação restritiva. Os holan-
de Itália, França, Flandres, Inglaterra e da Península Ibérica, que para lá levam deses criaram em 1629 a companhia das Índias Ocidentais. Os portugueses
140. Alberto Vieira, A Madeira na Rota dos Descobrimentos e Expansão Atlântica, Lisboa, 1988, Separata nº 217.
141. ARM, CMF, registo geral, t. I, fl. 172-179, in AHM, vol. XVI, p.287. 144. António Aragão, A Madeira Vista por Estrangeiros, Funchal, 1981, p.130
142. Ibidem, t.I, fls. 278-vº-279, in AHM, vol. XVIII, pp.512-513 145. Livro Segundo das Saudades da Terra, Ponta Delgada, 1979, pp.99-100
143. António Aragão, A Madeira Vista por Estrangeiros, Funchal, 1981, p.83 146. Descripcion e Historia del Reino de las islas Canárias, Santa Cruz de Tenerife, 1978, p.266
332 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 333

avançaram em 1649 com a Companhia Geral do Comércio para o Brasil. E, final- Na Madeira foi proibida em 1776 a entrada do vinho, aguardente e vinagre das
mente os ingleses em 1660 com a Royal Adventuress in to Africa e, em 1672 com a regiões do sul o que veio reforçar a tradicional relação com os portos do Nordeste
Royal Campany of England. A política monopolista e proteccionista dos ingleses ini- brasileiro. Outras medidas anteriores insistiam na proibição de reexportação de pro-
ciada em 1651 com o Acto de Navegação, manteve-se nos actos posteriores de 1661 dutos estrangeiros. Em 1748 o número de embarcações ocupadas no comércio com
a 1696. Em França a política do cardeal Richelieu (1624-1642) havia dado o mote o Brasil passou para quatro, dando maiores garantias à rota151.
para a nova situação. Múltiplas e variadas razões fizeram com que o Funchal se afirmasse no século
O mar, que séculos atrás foi apenas um privilégio dos peninsulares, surge agora XVIII como centro das transformações sócio-políticas operadas de ambos os lados
como património dos diversos empórios marítimos europeus. A anterior divisão do oceano. As ilhas foram protagonistas concorrendo para isso vários factores.
política deixou de ser uma realidade e deu lugar a imperativos económicos. As Primeiro temos a presença da comunidade inglesa num importante eixo da afir-
mudanças operadas, no domínio político e económico, ao longo dos séculos dezoito mação colonial e marítima152. Depois a vinculação ao império britânico é evidente
e dezanove não retiraram às ilhas a função primordial de escala e espaço de disputa no quotidiano e devir histórico madeirenses dos séculos XVIII e XIX153. No fogo
do mar oceano. A frequência de embarcações manteve-se, não se deixando intimidar cruzado que se ateou entre o Velho e Novo Mundo e as ilhas porque protagonistas
pela escalada do corso entre finais da primeira centúria e princípios da seguinte. Aos activas no relacionamento e presença da comunidade inglesa, não podiam alhear-se
corsários de França, Inglaterra, Holanda juntaram-se os americanos do Norte e Sul. das mudanças políticas geradas pela difusão de novas ideias, na segunda metade do
As mudanças ocorridas no mercado colonial a partir de meados do século XVII, século XVIII154.
foram significativas e tiveram reflexos nos Açores. As colónias americanas147, por um No decurso do século XVIII as ilhas firmaram a vocação atlântica contribuindo
lado, e o Brasil, do outro, configuraram uma nova orientação para o relacionamen- para isso o facto dos ingleses não dispensarem os portos e os vinhos insulares na
to do mercado colonial com as ilhas. O mercado colonial passou a comandar o estratégia colonial. As Actas de Navegação (1660,1665), corroboradas pelos tratados
processo, deixando de depender da Europa. O vinho foi fundamental na definição de amizade como é o caso do de Methuen (1703)155, abriram caminho para que as
e consolidação das rotas. Como corolário disto tivemos a designação de ilhas do ilhas entrassem na órbita da influência inglesa156. Aos poucos a comunidade ganhou
vinho, que surge na documentação oficial norte-americana a definir os arquipélagos uma posição, por vezes incomodativa, na sociedade madeirense157. A feitoria inglesa
atlânticos provedores de vinho, isto é, Açores, Madeira e Canárias148. é uma realidade insofismável no século XVIII 158.
O Brasil foi a partir do século XVII uma das rotas privilegiadas, mantendo-se A partir da década de 70 do século dezoito e até aos princípios do século seguinte
fechado aos estrangeiros até 1765, altura em que acabou o sistema exclusivo das fro- os conflitos que tiveram como palco os continentes europeu e americano alargaram-
tas criado em 1649. A constituição da companhia de comércio do Brasil retirou às se ao Atlântico. Aliás, o oceano foi um activo protagonista das disputas entre os três
ilhas possibilidades de comércio. Os insulares reclamaram, recebendo como con- principais beligerantes: Espanha, França e Inglaterra. Mario Hernandez Sánchez-
trapartida em 1652 o envio de três embarcações dos Açores e duas da Madeira149. Barba159 define o século XVIII por três realidades: guerra, diplomacia e comércio.
A Madeira manifestou grande empenho no comércio com o Brasil, no decurso Era permanente a preocupação com a organização militar e a defesa da costa,
do século XVI, pela necessidade que tinha de açúcar para manter activo, em porque o perigo espreitava no mar a qualquer momento. A conjuntura de afronta-
momentos de dificuldade da produção da ilha, o fabrico de conservas e casquinha. mento levou à presença dos corsários, com forte incidência em dois momentos: o
No decurso dos séculos XVI e XVII manteve-se o afrontamento entre os produtores período que decorre entre 1744 a 1736, marcado pelo afrontamento de Inglaterra
locais e os mercadores do açúcar brasileiro. A partir de meados do século XVII, o com a França e Espanha; a época das grandes transformações do século, com a
açúcar madeirense foi, paulatinamente definhado, rendendo-se a indústria do doce proclamação da independência das colónias inglesas da América do Norte (e a con-
com o açúcar do Brasil. Aqui releva-se a figura de Diogo Fernandes Branco que sequente guerra de independência até 1783), a Revolução Francesa (1779) e as con-
estabeleceu uma rede de negócios, a partir do Funchal, tendo Lisboa, Angola e
151. Confronte-se João José de Sousa, O Movimento do Porto do Funchal..., pp. 161-172.
Brasil como vértice do triângulo150. 152. Em 14 de Julho de 1722 ( Public Record Office, Foreign office, nº. 63/7) determinava-se que as embarcações inglesas
permanecessem alguns dias no Funchal.
147. Tenha-se em conta a presença de um cônsul americano na Horta, nomeadamente John B. Dabney. Confronte-se João 153. Confronte-se Desmond GREGORY, The Beneficent Usurpers. A History of the British in Madeira, London, 1988.
Afonso, Açores em Novos Papeis Velhos, Angra do Heroísmo, 1980, pp. 235-249. Aí refere-se a importância dos Anais 154. António LOJA, A Luta do Poder Contra a Maçonaria, Lisboa, 1985, p.247.
da Família Dabney no Faial (1806-1871), para a História dos Açores. Mary Theresa Silva Vermette, Early America’s 155. Veja-se Public Record Office, FO, 811/1, cartas dos privilégios da nação britânica com Portugal desde 1401 a 1805.
Relationship with the Azores. A Consular View, BIHIT, vol. XLV, t. II, 1988, pp. 1301-1314. 156. Confronte-se J. H. FISHER, The Methuen a Pombal. O Comércio Anglo-português de 1700 a 1770, Lisboa, 1984, p. 29.
148. E não Cabo Verde como refere erradamente Kenneth Morgan, Bristol & the Atlantic Trade in the Eighteenth Century, N. 157. Em 1754 o Governador Manuel Saldanha Albuquerque lamenta o exclusivo do comércio inglês na ilha (AHU, Madeira e
Y, 1993, p. XIX. Porto Santo, n1.48-49).
149. Alberto Vieira, O Açúcar na Madeira. Séculos XVII e XVIII, in Actas do III Colóquio Internacional de História da Madeira, 158. De acordo com Albert Silbert (Un Carrefour de l’Atlantique. Madère. 1640-1820, in Economia e Finanças, XXII, Lisboa,
Funchal, 1993, pp325-344 1954, p.432) Atlantique que étant devenu plus que jamais anglais, Madère avait failli le devenir aussi.
150. Cf. Alberto Vieira, “O Açúcar na Madeira. Séculos XVII e XVIII” in Actas do III C.I.H.M., Funchal, 1993, 325-344. 159. El Mar en la Historia de América, Madrid, 1992, p. 239.
334 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 335

vulsões que se seguiram até 1815.


A dimensão assumida pela guerra de represália está bem patente nas presas. No
período de 1793 a 1798 os franceses apresaram alguns milhares de embarcações
inglesas e aliadas. Em 1795 apenas o porto de Brest tinha 700 presas inglesas e em
1798 contavam-se 3199 navios comerciais apresados160. Perante o perigo da investida
francesa os ingleses ocuparam a Madeira por duas vezes, sendo a atitude entendida
como uma forma de preservar os interesses dos súbditos de Sua Majestade e de esta-
belecer uma barreira ao avanço francês além oceano161. O corso, que incidia prefe-
rencialmente sobre as embarcações espanholas e francesas, motivou uma resposta
violenta das partes molestadas, como sucedeu com a investida francesa contra os in-
gleses em 1793, 1797, 1814.
Ao nível interno temos de reconhecer que a questão do trigo foi uma dominante
da História da metrópole e ilhas, incendinado o debate político no século XIX162. A
luta pelo pão foi uma constante da História insular e de modo particular da
Madeira, provocada pela desarticulação entre o movimento demográfico e a econo-
mia de subsistência. A aposta preferencial estava nos produtos de exportação, com
grande solicitação no mercado. A incessante luta pelo pão, que ateou em todo o
processo histórico o relacionamento entre as ilhas. O tráfico inter-insular assentou
fundamentalmente na redistribuição dos meios de subsistência. Daqui resultou a
complementaridade, que se tornou evidente nos primórdios da criação das
sociedades insulares que nos momentos posteriores. Na lógica de complementari- sistência das populações foi uma constante da História, que perdurou até a actuali- Porto do Funchal.
dade definiram-se os circuitos inter-insulares e ganhou forma a escala das ilhas num dade. Desde finais do século XV que a aposta num produto de exportação, associ-
Gravura do século
XIX Colecção da
circuito que enlaçava o chamado Mediterrâneo Atlântico. ada ao elevado crescimento demográfico, conduziram a ilha para a crónica Casa Museu
A necessidade de abastecimento de cereais foi um dos principais incentivos à dependência externa, como descreve de forma exemplar Giulio Landi em 1530: a
Frederico de Freitas.

manutenção das relações inter-insulares, que são uma constante no período em ilha produziria em maior quantidade se semeasse. Mas a ambição das riquezas faz
causa. Em qualquer dos momentos o Mediterrâneo Atlântico não foi auto-suficiente com que os habitantes descuidando-se de semear trigo, se dediquem apenas ao fa-
carecendo da importação do mercado europeu ou americano. O último tornou-se brico de açúcar, pois deste tiram maiores proveitos, o que explica não se colher na
uma realidade no decurso dos séculos XVIII e XIX, funcionando para a Madeira ilha trigo para mais de seis meses. Por isso há uma carestia de trigo, pois em grande
como contrapartida ao vinho. Para o período que decorre de 1727 a 1810 entraram abundância é importado das ilhas vizinhas164.
no porto do Funchal 4297 embarcações com cereal ou farinha, sendo 2053 (48%) Na Madeira a situação foi de total dependência das searas dos outros. Em 1625
da América do Norte, 799 (19%) de Inglaterra e 687 dos Açores (16%)163. A Madeira a produção local dava apenas para 4 meses, aumentando em 1662 e 1696 para os
fazia depender a subsistência do vinho. seis meses. No decurso do século dezoito a porção reduziu drasticamente sendo em
A dependência madeirense em relação ao mercado externo no assegurar da sub- 1777 de apenas 3 meses, o que veio a agravar a dependência externa de cereal. O
Norte da Europa e a América do Norte foram os principais mercados, sendo o sis-
160. Confronte-se A. C. BAPTISTA, O Ressurgimento da Marinha Portuguesa no Último Quartel do Século XVIII, Lisboa,
1957 (tese de licenciatura na Faculdade de Letras).
tema de trocas activado pelo vinho. Para o período de 1784 a 1786165 é possível esta-
161. Cf. Alberto Vieira, Funchal no Contexto das Mudanças Político-ideológicas do Século XVII. O Corso e a Guerra de belecer uma relação entre os valores da importação de bens alimentares e saída de
Represália como Arma, in As sociedades Insulares no Contexto das Interinfluências Culturais do século XVIII, Funchal,
1994, pp.93-113; Paulo Miguel Rodrigues, A Política e as Questões Militares na Madeira. O Período das Guerras vinhos. A situação era favorável à Madeira, mas eram os ingleses que arrecadavam
Napoleónicas, Funchal, 1999.
162. João Rocha Ribeiro, Collecção de Avisos Regios, officios e mais Papeis Relativos a Exportação do Grão das Ilhas dos lucros mercê da política de adiantamentos de manufacturas e mantimentos.
Açores... (Lisboa, 1821), in Archivo dos Açores, V, pp.281-358. A. H. de Oliveira Marques, Introdução à História da
Agricultura em Portugal( Questão Cerealífera durante a Idade Média), 20 ed., Lisboa, 1968.
Os Açores em aliança com as Canárias tiveram no decurso do século XVI a mis-
163. João José Abreu de Sousa, O Movimento do Porto do Funchal e a Conjuntura da Madeira de 1727 a 1810. Alguns
Aspectos, Funchal, 1989, pp.105-160. É fundamental o estudo dos livros de registo de entrada de navios com trigo,
milho e outros grãos (A.R.M., C.M.F., nºs 1284-1295, anos de 1754 a 1847), para fazer-se uma ideia dos principais mer- 164. António Aragão, A Madeira Vista por Estrangeiros, Funchal, 1981, 84.
cados fornecedores de grão à Madeira, no decurso dos séculos XVIII e XIX. 165. BNL, Reservados, ms. 219, nº 29.
336 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 337

em correlação viva com o aumento das trocas e do trânsito. A orgânica administra-


tiva, a par duma discriminação legislativa mais rígida, vai também sofrer alterações,
tendo como base a instituição alfandegária e seus minuciosos serviços (...). A vida
dos madeirenses palpita efectivamente na actividade do porto como este traduz uma
necessidade essencial da sua estrutura económica170.
Da análise do tráfego marítimo constata-se que uma grande percentagem era
europeu ligado às possessões ultramarinas, com 4/5 do movimento total, fazendo
com que a Madeira fosse um porto transitório do tráfego atlântico171. Os ingleses
dominavam com 3/5, perdendo importância a favor dos americanos na segunda
metade do século XVIII. As ligações com os países do Norte da Europa foram
constantes mercê da assiduidade de navios da Dinamarca, Suécia, Flandres,
Holanda. As guerras dos Sete Anos, de independência da América e da Revolução
conduziram à valorização dos barcos hamburgueses, imperiais, prussianos, regu-
sianos, napolitanos, genoveses, venezianos, papemburgueses, dinamarqueses. Com
os navios portugueses o movimento foi ascendente entre 1738/1749 atingindo-se o
máximo em 1808 com 220 unidades. Dum modo geral vemos que o movimento
do porto tende a tornar-se ascendente. De modo específico, desde fins do século
XVIII, princípios do seguinte. Apresenta-se com relativa constância ao longo do
século XVIII (mantendo-se entre 200 e 400 unidades), é durante as guerras dos
Sete Anos e Independência da América que os seus valores atingem a escala mais
são de suprimento das necessidades frumentárias da ilha, perdendo em favor do baixa172.
Porto do Funchal.
Gravura do século XIX. novo mercado conquistado com o comércio do vinho. No período de 1510 a 1640 A conjuntura atlântica173 do século XVIII, pautada pela guerra, dá conta das
Colecção da Casa
as ilhas acudiram com 69% do cereal consumido no Funchal, assumindo um Açores causas que conduziram à retracção do movimento. A guerra de Sucessão de Áustria
Museu Frederico de
Freitas. um posição dominante com 55% ficando a Europa numa posição inferior com [1740/48] fez desaparecer os navios espanhóis e franceses, afugentados pelo corso
28%166. A situação mudou no decurso do século XIX com a revolução dos hábitos inglês com base na Madeira, e aumentar a presença dos navios nacionais. O fim da
alimentares nas ilhas. O milho assumiu grande protagonismo associando-se depois guerra fez com que o movimento regressasse à normalidade a partir de 1750. A guer-
à batata167. A crise de fome de 1847 foi provocada pela falta do tubérculo, atacado ra dos Sete Anos não trouxe qualquer alteração ao movimento do porto madeirense,
pela doença168. mas entre 1770/90 a guerra da Independência dos Estados Unidos da América
O estudo de J. J. Abreu de Sousa169 permite conhecer o movimento do porto do provocou a paralisia quase completa do porto com o bloqueio dos portos ameri-
Funchal, entre 1727/1810, e saber do comércio que se fazia com as diversas áreas. canos. Isto gerou na ilha uma das mais graves crises de fome, provocada pela falta
As relações de tráfego com as diversas áreas geográficas definem-se quantitativa- das farinhas americanas e precária saída do vinho. A fome e o pânico provocaram a
mente em função dos interesses complementares ou essencialmente exclusivos a subida em flecha do preço dos bens comestíveis174. A paz de 1783 deu ao porto a
uma das partes. Assim o tráfego britânico e nórdico utilizam a ilha como escala, antiga vitalidade. Com a Revolução Francesa (1789) e o Bloqueio Continental (1806)
dando ao mesmo tempo vazão à sua produção e abastecendo-se de víveres ou que se seguiu175 surgiram de novo dificuldades de abastecimento. Entre 1785/1802 a
matérias-primas. Todo este movimento que se localizava particularmente na baía do quebra das relações comerciais com a América do Norte foi acentuada, reflectindo-
Funchal veio estimular o desenvolvimento das condições técnicas do porto favore- se nas crises de fome de 1795/1796, 1799.
cendo as condições da natureza, assim o seu apetrechamento vai-se aperfeiçoando O bloqueio continental provocou efeitos de maior monta. A partir de 1807 tive-

166. CF. Alberto Vieira, artigos citados na bibliografia. 170. Idem, ibidem, pp.9-10
167. Margarida Vaz do Rego Machado, O milho nos Finais de Setecentos na Ilha de S. Miguel, in Arquipélago-História, vol. II, 171. Idem, ibidem, p.28.
nº.2, 1995, pp.175-188. 172. Idem, ibidem, p. 30.
168. Cf. Jorge de Freitas Branco, Camponeses da Madeira, Lisboa, 1987, pp. 189 e segs. 173. Idem, ibidem, pp.67-96.
169. O Movimento do Porto do Funchal e a Conjuntura da Madeira de 1727-1810, Lisboa, 1965 (tese de licenciatura em 174. Idem, ibidem, p.78
História)edição em livro no ano de 1989. 175. Idem, ibidem, pp.80-96.
338 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 339

mos uma quebra acentuada dos contactos com a América, Espanha, Africa em favor João José de Sousa179 em face dos dados disponíveis conclui: No conjunto das
do aumento das ligações com os Açores, que se tornaram mais uma vez no celeiro importações vindas das zonas portuguesas domina a metrópole, como nas áreas
madeirense. Os franceses nunca conseguiram impor o bloqueio à ilha. Em suma, estrangeiras domina a Inglaterra e colónias. Também num e noutro caso, consoante
durante os anos iniciais do bloqueio (1806/9) os índices numéricos do movimento as “praças”, dominam os mercadores consignatários respectivamente madeirenses e
portuário são pouco alterados, certos anos ganham porém especial evidência das ingleses180.
suas consequências - como 1808 ano da ocupação de Junot, do conflito dos países No último quartel do século XIX, a concorrência dos portos insulares como
saxónicos. Mais notáveis são as mudanças nas relações com certas áreas na sua escalas de apoio à navegação atlântica, levou à criação de incentivos, como a cons-
importância: - vimos o desaparecimento do tráfego (uma das mais importantes mani- trução de portos com condições para apoiar o tráfico e a definição da política de
festações da eficiência parcial do bloqueio, sem alterar os interesses da ilha), a portos francos. A competência acentou-se pelo que as respostas e incentivos deve-
diminuição do tráfego com a metrópole, sofrendo a acção directa dos franceses, as riam ser imediatos181. A mudança das áreas de influência das potências europeias foi
dificuldades de abastecimento e comunicações com a América são compensadas evidente. A América cedeu lugar à Africa e Ásia182 mas a Madeira continuou a man-
pelo aumento do intercâmbio inter-ilhas portuguesas atlânticas. As relações com as ter o vínculo com a rota dos vapores do Cabo.
áreas do Norte de África e Mediterrâneo sofrem, o desabitual incremento, sobretu-
do depois da revolta espanhola. Entretanto os navios em demanda do Brasil inter-
nacionalizam-se por motivo da gradual abertura dos seus portos, criando as Movimento de exportação de vinho
condições para o fim das relações próprias dos armadores madeirenses com essa
colónia. Em relação ao tráfego indiano os navios nacionais quase desaparecem Os mercados do vinho diversificaram-se ao longo dos tempos. E, entre todos,
mercê de algumas dificuldades causadas pelo bloqueio de Lisboa176. As áreas de apenas o britânico manteve fidelidade ao vinho. Os ingleses foram os primeiros a
proveniência e destino dão-nos a entender a existência de um circuito comercial tri- aprecia-lo, estando documentadas exportações desde o século XV. O vinho
angular, definido pela Europa, América Central e do Norte. Madeira ganhou fama em toda a Europa Ocidental. Em meados do século XV o
No grupo dos consignatários a concorrência acontecia entre a burguesia genovês Cadamosto referia que os vinhos da ilha são em tanta quantidade, que
consignatária local e os estrangeiros, identificados quase sempre com os ingleses. chegam para os da ilha e se exportam muitos deles. Em pleno século XVI Giulio
Aqui merece atenção o proteccionismo concedido a algumas firmas locais como foi Landi (1530)183 diz-nos que os madeirenses não costumavam beber vinho, vendem-
o caso de Jorge Monteiro e D. Guiomar177. no a mercadores, que o levam para a Península Ibérica e para outros países seten-
O sistema de trocas madeirenses pode ser definido por cinco grandes áreas: trionais. Em finais da centúria Gaspar Frutuoso184 dava conta que o vinho malvasia
é o melhor que se acha no Universo e leva-se para a Índia e para muitas partes do
• Inglaterra e Irlanda - fazendas de lá, ferragens, trigo, farinhas, manteiga, carne mundo (...). O malvasia madeirense ganhou fama conquistando apreciadores na
de vaca e porco, velas de sebo, sendo muitos em trânsito para a América Europa e espaços revelados a partir do século XV.
espanhola; Segundo Cadamosto a exportação de vinho fazia-se já em medos do século XV.
• Europa do Norte (Noruega, Dinamarca, Suécia e portos franceses do Norte) A ideia é corroborada em 1461185 quando os madeirenses reivindicaram junto do
- farinha, manteiga, peixe de salmoura, material de construção naval, Infante D. Fernando a isenção da dízima alfandegária das exportações, em que se
aguardente francesa: incluía o vinho. A perda da maior parte dos registos de saída da alfândega impossi-
• Portugal Continental - sal, sabão, tabaco, géneros comestíveis como gorduras
(azeite, óleo), frutas algarvias, cereais (milho), produtos manufacturados diver-
sos ligados à construção (tijolo, telhas), vestuário; 179. Idem, ibidem, vide quadros nº.39/66.
180. Idem, ibidem, p.120
• Brasil - açúcar, farinha de pau, sola, madeiras, escravos: 181. Vide para os Açores: Isabel João, Os Açores no Século XIX, pp. 134 e segs; para a Madeira: João Sauvayre da Câmara e
Vascocnelos, Representação da Câmara Municipal da Cidade do Funchal ao Governo de S. M. sobre Diversas Medidas
• Açores e Cabo Verde e Mediterrâneo (Sul de Espanha, portos barbarescos, Tendentes a Conservar e Arruinar a Navegação de Passagem neste Porto, dos Paquetes Transatlânticos, Funchal, 1884;
Canárias) - os cereais em momento de faltas crónicas178. Visconde Valle Paraizo, Propostas Apresentadas pela Commissão Nomeada em Assembleia da Associação Commercial
do Funchal 1 14 de Novembro de 1894 para Estudar as Causas do Desvio da Navegação do Nosso Porto e do
Afastamento de Forasteiros, Funchal, 1895; João Augusto d’Ornellas, A Madeira e as Canárias, Funchal, 1884.
182. Cf. J. R. Mcneill, The World of the Gold Atlantic World: Americas, Africa, Europe 1770-1888, in Alan K. Karras e J. R. Mcneill,
Atlantic American Societies, London/N. York, 1992, p.265.
176. Idem, ibidem, p.96 183. António Aragão, A Madeira Vista por Estrangeiros, Funchal, 1981, p.83
177. Idem, ibidem, pp.41-47 184. Livro Segundo das Saudades da Terra, Ponta Delgada, 1979, 99
178. Idem, ibidem, pp.119-161 185. AHM, vol. XV, p.14.
340 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 341

mado pelos homens de soldada na jorna192. A referência mais antiga à exportação


para os Açores surge em 1544193 com o envio pelo mercador Afonso Alvarez de
cinco pipas para o Faial. O vinho estava também presente no comércio com as
Canárias, sendo a troca para o cereal. A primeira saída que temos notícia surge em
1521194 quando Juan Pomar enviou para Gran Canaria algumas pipas.
O vinho Madeira ganhou fama pela capacidade de adaptação ao calor tórrido
dos trópicos e as colónias europeias foram o novo e prometedor mercado195, mas foi
nas colónias portuguesas em África ou no Brasil, que se verificou a primeira cons-
tatação. Em 1589196 Simão Pires levou para Cabo Verde 12 pipas de vinho de seu
pai avaliadas em 140.000 reais. Para as ilhas seguiram mais 50 pipas por ordem de
Vicente Gomes. Em 1634 o capitão-mor da Mina reclamava apenas o envio de vi-
nhos da Madeira porque os demais se degradavam. A constatação resultou do facto
dos recebidos por Tomé Matoso se terem degradado197. O vinho madeirense era
muito apreciado em Angola198. A partir de 1659199 procedeu-se ao envio de vinhos
como esmola para os padres capuchos do convento de Santo António em Cabo
Verde. No ano imediato seguiram outras duas pipas com o mesmo destino e oito
para os padres que assistiam em Angola200. Em 1665201 sabe-se que o vinho tinha
como destino os Carmelitas Descalços que o usavam como vinho de missa.
O vinho madeirense adquiriu um estatuto especial na dispensa do Novo Mundo,
Porto do Funchal.
bilita uma análise mais alargada. No século XVI, a primeira referência à saída de como vinho de mesa e de missa. Foi servido à mesa das autoridades e grandes lati-
Gravura do século XIX.
Colecção da Casa Museu vinho surge em 1505, com 13 pipas despachadas para Lisboa, da fazenda de João fundiários. Nos séculos XV e XVI era exportado em reduzidas quantidades, para os
Frederico de Freitas.
Manuel, que havia passado para a coroa186. Em 1508187 Diogo de Azambuja condu- diversos cantos do mundo. Com o dealbar do século XVII consolidou definitiva-
ziu 21 pipas de vinho para a praça de Safim e em 1523188 Lopo Martins despachou mente o mercado.
20 pipas de vinho novo. O Brasil foi, a partir de finais do século XVI, o principal mercado para o vinho
A Europa era o principal mercado do vinho. Os britânicos foram os mais desta- Madeira, onde era trocado por açúcar202. A coroa proibiu em 1598 os mercadores e
cados apreciadores. Shakespeare insiste na presença do Madeira nas tabernas e à embarcações do Brasil de fazerem escala na ilha como forma de defesa do açúcar
mesa da aristocracia. A referência mais antiga à exportação europeia é para Rouen e local. A medida foi considerada lesiva para o comércio do vinho e favorável ao de
Orleans em 1532189. Mas, segundo P. P. Câmara190 já em 1478 o vinho da Madeira era La Palma. Os madeirenses reclamaram em 1621203, obtendo autorização para com-
conhecido em Inglaterra e terá sido a corte de Francisco I, rei de França (1495/1547)
a receber os primeiros vinhos. Rebelo da Silva191 diz que o vinho da Madeira, a par- 192 . Linschoot, História da Navegação do holandês, in Boletim do Instituto Histórico da Ilha Terceira, nº.1, 1943, p.151; Gaspar
Frutuoso, Livro Quarto da Saudades da Terra, vol. II, p.47 e 198; Alberto Vieira, O Comércio Inter-Insular nos Séculos XV
tir da segunda metade do século XVI, era apreciado no mercado europeu. Lopes, e XVI. Madeira, Açores e Canárias, Funchal, 1987, pp.143-144.
nas memórias de viagens (1588), publicadas no Purchas Pilgrinages, refere que o 193. ARM, Misericórdia do Funchal, nº.684, fl. 286, testamento de 1 de Agosto de 1544.
194. Idem, ibidem, fol.303.
vinho assumia em finais do século XVI um peso significativo nas exportações. 195. Esta ideia é insistentemente referida. Assim, em 1663 Edward Barlow refere que Madeira was the best wine for keeping
and carrying to a hot climate[A. d. Francis, The Winer Trade, Edimburgh, 1973, p.64]. Já em 1792 o vinho Madeira era de
Os Açores foram no século XVI um importante mercado consumidor do vinho novo o preferido em Manila e Bengala, uma vez que o demais se estropeava [F. Morales Padron, El Comercio Canário-
da Madeira. Os açorianos manifestaram especial predilecção pelo vinho Americano, Sevilla, 1955, p.234.]
196. ARM, JRC, fl. 381vº-385vº, testamento de 3 de Abril de 1589.
madeirense, usado na celebração eucarística, encargos testamentários e cobiçado 197. Monumenta Missionária Africana, Lisboa, 1960, nº.74, pp.306-308. Aí refere-se o seguinte: os vinhos que VM mandou com
o cabo Thomé Matozo se mudarão em chegando a esta costa, de maneira que nem os negros os gastarão senão a meyo
por todas as mesas. Era um vinho para os mais ricos da terra mas também recla- tostão…. Pelo que VM deve mandar que não venhão vinhos para esta praça, salvo da ilha da Madeira, porque doutra parte
fazem o mesmo que fizerão estes.
198. Arquivos de Angola, vol. XVII, pp.62-65.
186. ANTT, Núcleo antigo, nº.901, fls. 1, 5vº, veja-se Fernando Jasmins Pereira, Livro de Contas…, vol. I, pp.67, 70, 75 e 81. 199. ANTT, PJRFF, nº. 396, fl.23. 5 de Novembro.
187. ANTT, CC, II, M.15, d.44, de 25 de Agosto. 200. ANNT, PJRFF, nº.396, fls. 26, 42vº.
188. Ibidem, pp. 90. 201. ANTT, PJRFF, nº.965ª, fl. 427vº-428, 19 de Fevereiro.
189. Michel Mollat, Le Commerce Maritime Normand à la Fin do Moyen Age, Paris, 1952, p.121. 202. E. C. Lopes. A Escravatura, Lisboa, 1944, p.74; J. G. Salvador, Cristãos-novos e o Comércio no Atlântico Meridional,
190. Breve Notícia..., pp. 82/3. Lisboa, 1978, pp.263-266.
191. Memória sobre a Agricultura, p. 162. 203. ARM, RGCMF, t.III, fls. 263-263vº, 11 de Abril.
342 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 343

erciar o vinho no mercado brasileiro. A partir daqui os contactos com o Brasil


tornaram-se assíduos, afirmando-se pela posição dominante no consumo do vinho
Madeira. Só em 1663 Eduard Barlow conduziu 500 pipas ao Rio de Janeiro, justifi-
cando-se a escolha pelo facto de ser o único vinho que se adaptava aos locais
quentes.

EXPORTAÇÃO DE VINHO PARA AS COLÓNIAS.1572-1695204


Baia Rio de Pernam- Porto Brasil Angola Cabo TOTAL
Janeiro buco Seguro Verde
1572 32 32
1623 4 4
1626 2 2
1638 800 800
1645 1766 106 2568 4440
1646 2477 2477
1648 100 100
1654 243 180 423
1655 336 336
1658 100 176 276
1671 200 200
1687 505 200 310 280 25 1320
1688 1435 597 515 438 190 3175
1690 1010 480 250 450 2190 bordo, nomeadamente o escorbuto210, pelo que a presença se tornou obrigatória nas Porto do Funchal.
1691 200 250 425 875 Gravura do século
1692 982 120 400 112 1614
embarcações que sulcavam o Atlântico. Na Madeira muitas embarcações proviam- XIX. Colecção da
Casa Museu
1693 900 390 400 1690 se de vinho, água e alimentos frescos para o consumo211. As portuguesas tinham Frederico de
1694 82 370 212 664 garantido o abastecimento pelo Provedor da Fazenda. Em 1548 cada tripulante da Freitas.
1695 197 1997 nau S. Martinho tinha direito a uma ração diária de duas arrobas de biscoito, dois
almudes e meio de vinho, duas pescadas e meia e uma arroba de carne212. Em 1533
A partir de meados do século XVII temos informações que permitem saber a Richard Eraen em viagem para a Guiné tomou algumas pipas de vinho para as tri-
importância assumida pelo vinho no volume global das exportações da ilha. Em pulações.
1646 A. R. Azevedo205, baseado no alvará de 27 de Julho que estabelece o donativo Os corsários, que infestaram os mares da Madeira no decurso do século XVI,
no valor de 10.000 cruzados, dá conta da exportação de 2.000 pipas, enquanto M. não prescindiam da dose diária de vinho. Em 1566 a armada de Bertrand de
L. Ferraz206 apresenta 10 ou 12.000 pipas. Parece-nos, no entanto que o primeiro Montluc, que se dirigia para a Mina, diz que a escala funchalense tinha apenas como
número é o mais razoável e de acordo com os fornecidos posteriormente por F. intenção o abastecimento de vinho e carne, sendo o assalto foi provocado pelos
Mauro207, com 2.619 pipas exportadas em 1650, e Jefferson que para 1676 dá conta locais213. Já em 1587 um outro corsário ameaçava as costas da ilha, pedindo apenas
da saída de 2.500 pipas208. Neste momento destacou-se João Saldanha de ao capitão Tristão Vaz da Veiga vinte pipas de vinho e água. Alheio às objecções dos
Albuquerque, Capitão General da ilha, com exportações significativas para Angola naturais entrou no porto onde cortou as amarras a um navio carregado de vinho214.
e Brasil209. O provimento das naus portuguesas entre 1641/1643 estava regulamentado e
O vinho foi considerado um importante meio na profilaxia das doenças de fazia-se por intermédio do Provedor da Fazenda no Funchal. O vinho Madeira
210. Cf. Rodrigues Cavalheiro, Subsídios para a História do Vinho a Bordo, in Informação Vinícola, nº.1, 1944, pp.1-2; Idem,
204. ANTT, PJRFF, nº.373, fianças para o Brasil (1687-1695); AHU, Madeira e Porto Santo, cx. 1, documentos avulsos. Ainda o Vinho das Naus das Índias, in ibidem, nº. 24, 1944, p.1; António de Almeida, O Vinho na Medicina, in Ibidem,
205. Anotações..., p. 709. nº.18 e 26, 1949.
206. A Madeira no Século XV sob a Acção do Infante D. Henrique e D. Fernando, fol. 35. 211. O Defensor, nº.111.
207. Le Portugal et l’Atlantique au XVIIe Siècle, Paris, 1960. 212. Alberto Vieira, O Comércio Inter-insular nos Séculos XV e XVI, Funchal, 1987, p.23
208. Elucidário Madeirense, vol. II, p. 28. 213. Gaspar Frutuoso, Livro Segundo das Saudades da Terra, Ponta Delgada, 1979, p.364.
209. Alberto Vieira. O Público e o Privado na História da Madeira, Funchal, 1998. 214. Ibidem, pp.201-202
344 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 345

adquiriu fama junto das tripulações, sendo obrigatório no abastecimento das embar-
cações. As armadas que partiam de Lisboa eram abastecidas com o vinho enviado
do Funchal por ordem da Junta. As armadas da Índia foram assíduos consumidores.
O Provedor da Fazenda no Funchal, Francisco de Andrade, providenciou em 1651
o envio de 400 pipas de vinho a Lisboa para as armadas da Índia. Em 1635 seguiram
outras 3.000 pipas com igual objectivo, juntando-se 400 pipas no ano imediato215. Ao
vinho, que seguia para Lisboa, junta-se outro de embarque directo no Funchal pelos
navios ou armadas. Em 1664216 uma armada francesa com destino às Antilhas foi
provida de 40 pipas. O vinho era conhecido como de beberagem e, por isso, segun-
do a tradição, estava isento de direitos. Vários comboios que se dirigiam às Antilhas,
ao longo do século XVIII, passavam pela Madeira onde tomaram grandes quanti-
dades de vinho, destacando-se o de Dezembro de 1744 com 33 navios e o de 1788
com 70 navios que carregou 2.000 pipas de vinho217, a que se juntou outro em
Outubro de 1799 com 60 navios que carregou 3.041 pipas218. Os registos de saída da Calhau no Funchal.
Postal antigo
alfândega no século XIX assinalam a saída de vinho para gasto de embarcações
estrangeiras:
segundo o mesmo, o incremento do comércio do vinho liga-se de modo directo
com o estabelecimento dos ingleses na ilha, apresentando as datas de 1640 e 1660
EMBARQUE DE VINHO PARA GASTOS.1843.1888
como os marcos da plena afirmação220. Em 1680, das 20 casas estrangeiras existentes
ANO PIPAS
na ilha 10 eram inglesas, a que se juntavam 6 ou 8 de nacionais de compravam os
1843 43
1847 80 vinhos já prontos e os exportavam221.
1848 6 Não existem dados sobre as exportações de vinho Madeira no século XVII. Tão
1849 92 pouco os dados oficiais dos registos de saída da alfândega devem ser fiáveis222. T.
1850 101 Duncan223 propõe uma estimativa dos valores das exportações para o período de
1882 88,3 1600 a 1699 apresentando como média anual os seguintes valores:
1883 2
1884 41,9
1885 36,5 ANO PIPAS
1886 77,5 1600-19 2.000
1887 46,9 1620-39 2.500
1640-59 3.500
1888 22,9
1660-79 5.000
Fonte: João da Câmara Leme, Os Vinhos da Madeira e o seu Descrédito pelas Estufas…, pp.32-40
1680-99 6.500

Para A. R. Azevedo o surgimento dos estabelecimentos consulares da Bélgica Os dados disponíveis evidenciam a tendência de crescimento na segunda metade
[1608], França [1626], Inglaterra [1658], Holanda [1667], Espanha [1668] mostra da centúria, situação que se torna clara nas décadas de oitenta e noventa224. Acontece
não só com que nações comerciava ela os seus vinhos, mas também indica a que os últimos anos foram de dificuldade para as embarcações inglesa, fruto da guer-
gradação do desenvolvimento deste comércio: Flandres, França, Inglaterra, ra com França. As colónias inglesas da América haviam assumido uma posição
Holanda, Espanha. Só mais tarde os vinhos da Madeira foram directamente levados dominante nas exportações, de acordo com as medidas favoráveis estabelecidas no
à Alemanha. Rússia, e por último aos Estados Unidos da América - as relações co-
merciais desta ilha com a metrópole eram talvez as menos importantes219. Ainda, 220. Idem, ibidem, p. 709.
221. P. P. Câmara, ibidem, p. 85.
215. ANTT, PJRFF, nº.396, fls. 12vº. 12vº-13, 15 222. T. B. Duncan, Atlantic Islands, pp.44-48; Alain Huetz de Lamps, Le Vin de Madere, pp.30-36
216. ANTT, PJRFF, nº.396, fls. 35vº. 223. T. B. Duncan, Atlantic Islands, p.48
217. Idem, p. 109 224. Estes dados não são concordantes com o testemunho de alguns estrangeiros. Assim, em 1687 Christopher Jefferson
218. D. João da Câmara Leme, ibidem, p. 9. refere a exportação de 25.000 pipas, dado que deve ser exagerado e deverá ser confusão com a produção, enquanto
219. Op. cit., p. 710. que em 1689 John Ovington refere apenas a exportação de entre 8 e 9 mil pipas. Cf. em anexo quadro nº.1.
346 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 347

Staple Act de 1663, fruto do casamento da infanta D. Catarina com Carlos II de presença do vinho Madeira no Brasil datam da segunda metade do século XVI. Em
Inglaterra. As Índias Ocidentais foram um destino privilegiado, sendo Barbados o 1572 rumaram para aí 36 pipas de vinho branco, a que se juntaram em 1587 outras 98
principal entreposto de distribuição para as demais ilhas, como se faz eco em diver- para o Espírito Santo e Rio de Janeiro a troco de açúcar. Abriu-se a rota do vinho
sos testemunhos: …e o resto exportado principalmente para as Índias Ocidentais, Madeira que continuou na centúria seguinte pelas facilidades concedidas aos navios da
especialmente Barbados, onde tem mais aceitação que outros vinhos europeus.225 frota do Brasil e a possibilidade da ilha intervir com o envio directo de duas embar-
Os números disponíveis, embora avulsos, demonstram que o vinho no decorrer cações. O vinho tinha lugar na mesa do senhor de engenho como sucedia em 1626 no
dos anos foi aumentando de importância na balança comercial da ilha, pelo que o de Sergipe do Conde que recebeu duas pipas. Para o período de 1638 a 1655 o Brasil,
cônsul francês em 1669 afirmava ser o vinho o único meio de comércio da ilha226. através da Baía, Pernambuco e Rio de Janeiro, recebeu 6.602 pipas de vinho de
Na década de sessenta surgiram dificuldades para o porto do Funchal. A falta de Madeira. Para a segunda metade do século temos dados seguros sobre a exportação.
embarcações impediu o embarque, impedindo as relações com o reino e a disponi-
Destino 1623-50 1651-65 1687-1695
bilidade de letras227. O comércio baseava-se, segundo o cônsul francês, no vinho228.
Angola - 313 1.762
África Mina - 100 -
Cabo Verde - 6 327
Ilhas Açores - - 53
Baía 2.579 100 5.529
Pernambuco - 180 2.475
Brasil Porto Seguro - 236 -
Rio Janeiro 1.820 - 5.029

Para o ano de 1699 podemos fazer uma ideia da exportação diferenciando-se o


EXPORTAÇÃO DE PIPAS DE VINHO MADEIRA229 vinho comum da Malvasia. No primeiro caso dominavam as colónias inglesas,
enquanto no segundo a preferência continuava a ser para o mercado londrino com
O continente americano e Índico foram as novas apostas do vinho do século 58 pipas e apenas uma quartola para Lisboa e um quarto para baixo.
XVII. Alguns viajantes ingleses dão conta da situação a partir do último quartel do EXPORTAÇÃO DE VINHO NO PORTO DO FUNCHAL.1699
século. Hans Sloane230 (1687) evidencia a conquista de novos mercados, fruto de Destino Pipas Quartolas Quartos
desusadas propriedades: É exportado em grandes quantidades para as plantações Para Baixo 2836 133 10
das Índias Ocidentais e, ultimamente, para o Ocidente, pois não há nenhuma espé- Barbadas 451 27
Jamaica 384 12 1
cie de vinho que se mantenha tão bem em climas quentes. A ideia é corroborada Martinica 2851/2 13
por John Ovington231 [1689] que dá conta da exportação de 8 mil pipas principal- Antigua 2701/2 10 1
mente para as Índias Ocidentais, especialmente Barbados, onde tem mais aceitação Boston 99 12
N. York 54
que os vinhos europeus. Nova Inglaterra 181/2 1
Foi nas colónias inglesas da América que se encontrou na segunda metade do sécu- Virgínia 35 1
lo XVII, um dos melhores mercados para o vinho Madeira. O Brasil foi o principal Canárias 27
S. Miguel 18 1 1
destino nacional do vinho. O município do Funchal insistiu em 1621 junto da coroa no Lisboa 9 1
sentido de o reservar para o vinho nacional. A acção da companhia Geral do Comércio França 8 7
do Brasil na Madeira assentava no negócio dos vinhos. As mais antigas referências à Holanda 34 2
Londres 111
225. António Aragão, A Madeira Vista por Estrangeiros, p.198.
Dunquerque 3
226. A. Silbert, ibidem, p. 93 Outros 344 10 2
227. ANTT, PJRFF, nº. fls.153v-154, 44v-45, 46, 56vº, TOTAL 49841/2 233 59
228. Albert Silbert, Uma Encruzilhada do Atlântico. Madeira (1640-1820), Funchal, 1997, pp.113-114
229. Segundo informação de José Manuel Azevedo e Silva, A Madeira e a Construção do Mundo Atlântico (Séculos XV-XVII),
Fonte: Maria Olímpia da Rocha Gil, Madeira e Canárias no Movimento Portuário de Ponta Delgada. Problemas de Importação e
vol. I, Funchal, 1995, p.269.
230. “Uma Viagem nas Ilhas da Madeira…”, in António Aragão, A Madeira Vista por Estrangeiros, Funchal, 1981, p.159. Exportação nos Finais do Século XVII, in Actas do Colóquio Internacional de História da Madeira. 1986, vol. II, Funchal, 1890, p.897.
231. “Uma Viagem a Suratt no ano de 1689”, in António Aragão, A Madeira Vista por Estrangeiros, Funchal, 1981, p.198
348 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 349

No período de 1649 a 1652 evidenciaram-se dois mercadores: Diogo Fernandes partir de Londres. A ordenança de 1663 estabelecia uma excepção às ilhas da
Branco e William Bolton (1696-1714). Diogo Fernandes Branco foi um dos elos do Madeira e Açores que ficaram com o exclusivo do fornecimento de vinho, por via
circuito. Sabemos disso através de algumas cartas comerciais, que escreveu aos par- directa. William Bolton234 foi um dos mais destacados mercadores ingleses a
ceiros entre 1649 e 1652232. A actividade comercial incidia, preferencialmente, na usufruir da conjuntura favorável. As colónias inglesas das Antilhas e América do
exportação de vinho para Angola, onde trocava por escravos que, depois, vendia no Norte foram o objectivo e o vinho o principal negócio.
Brasil a troco de açúcar. O circuito de triangulação fechava-se com a chegada à ilha
das naus com caixas de açúcar. São múltiplas as operações comerciais registadas na EXPORTAÇÃO DE VINHO.1696-1714
documentação epistolar, que revelam ter-se especializado em duas actividades para- ÁREA DESTINO 1696-1700 1701-1714
lelas: o comércio de vinho para Angola e Brasil, e do açúcar e derivados para ado- ANTILHAS Antigua - 780
cicar os manjares dos repastos da mesa europeia. Do vinho sabemos ter embarcado Curaçau 550 520
Barbados 2.260 5.055
3.339 pipas, sendo 41% destinadas a Angola:
Jamaica 0 8.033
Martinica - 170
DESTINO PIPAS
Montserrat - 320
Angola 1368
Nevis 225 160
Barbados 21
St. Thomas - 60
Brasil 133
St. Christophus - 150
C. Verde 25
AMÉRICA Bóston 180 190
Lisboa 108
Do Carolina - 100
Londres 232
NORTE N. York 620 600
Outros 1452
N. Inglaterra 300 300
TOTAL 3339
Virgínia - 100
Rhode Island 40 -
Para a década de setenta temos a informação compilada a partir das cartas co- BRASIL 2.200 4.450
merciais de João de Saldanha Albuquerque233, onde o vinho exportado tem como ÍNDIA - 120 330
destino principal o Brasil: BATAVIA - 60
EUROPA Inglaterra 2.261 -
Destino Pipas quartolas Irlanda 100 -
Baía 90 ÁFRICA Guiné 10 -
Pernambuco 1675
Cabo Verde 4 4 Duarte Sodré Pereira235, um fidalgo comprometido com o comércio atlântico, dá-
nos conta da situação do mercado em princípios do século XVIII. De acordo com
A presença de William Bolton na Madeira enquadra-se na nova conjuntura co-
o copiador de cartas esteve envolvido no comércio com Inglaterra, Lisboa, Estados
mercial favorável à fixação inglesa. Os tratados de amizade celebrados entre Portugal
Unidos da América, América Central (Barbados, Jamaica e Curaçau) e Brasil.
e a Inglaterra propiciaram a presença, que se tornou necessária para o provimento
O vinho da Madeira tinha no mercado colonial britânico um destino privilegia-
do mercado colonial e foi facilitada pelos actos de navegação de Cromwell. A políti-
do. Os navios do tráfico negreiro com origem em Bristol abasteciam-se de vinho na
ca mercantilista inglesa estabeleceu que todo o movimento para os portos das coló-
Madeira236. A América do Norte foi desde a década de quarenta do século XVII um
nias deveria ser feito por barcos com pavilhão inglês, sendo a partida e regresso a
dos principais destinos: New England (1641), New Haven (1642), Boston (1645),
Nova York (1687)237. No século XVIII consolidou-se o mercado americano e os
232. As 194 cartas que encontrámos nos arquivos do Convento de Santa Clara preservaram-se por iniciativa da madre Doroteia
Matilde dos Santos, sobrinha e afilhada do mesmo, que em 1732 era administradora da capela da Encarnação, que o
mesmo criara. A partir delas é possível reconstruir parte da rede de negócios em que se integrava este destacado mer- 234. A correspondência comercial, para o período de 1696 a 1714, que permite reconstituir esta viragem, bem como a articu-
cador madeirense. Da sua quinta de Santa Luzia ele administrava os bens fundiários da família da Ribeira Brava, man- lação do movimento do porto do Funchal. As Cartas estão publicadas: SIMON, A. L., The Bolton Letters. The Letters of an
tinha o seu expediente epistolar em dia e satisfazia os pedidos dos seus parceiros de negócio. Além disso era um obser- English Merchant in Madeira, vol. I [1695-1700], Londres, 1965; Idem, The Bolton Letters. The Letters of an English
vador atento das oscilações do mercado e dos produtos em troca, sempre pronto a aconselhar os parceiros da melhor Merchant in Madeira, vol. II(1701-1714), Funchal, 1960, ed. Policopiada de Graham Blandy. ARAGÃO, António, A Madeira
oportunidade para satisfazer os seus pedidos. Mesmo assim estava sujeito a uma vida atribulada e de preocupações: as Vista por Estrangeiros. 1455-1700, Funchal, 1981. [publica entre as pp.227-393. As cartas de W. Bolton de 1695-1700].
dificuldades em satisfazer os pedidos de bom vinho, os habituais problemas financeiros, a notícia de um naufrágio ou a 235. Maria Júlia de Oliveira e Silva, Fidalgos-Mercadores no século XVIII. Duarte Sodré Pereira, Lisboa, 1992.
tardança dos navios com o açúcar para o fabrico de casca e conservas e o cereal para saciar os famintos. Veja-se Alberto 236. G. D. Ramsay, English Overseas Trade During Two Centuries of Emergence, London, 1957, p.156.
Vieira, O Público e O Privado na História da Madeira, vol. I, Funchal, 1996. 237. Bernard Bailyn, The New England Merchants in the Seventeenth Century, Mass., 1955, pp.78,83, 85;
233. Alberto Vieira, O Público e Privado na História da Madeira, vol. II, Funchal, 1998.
350 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 351

demais mercados do mundo colonial inglês. No século XVIII a ascensão continuou gareiros, de noite e de dia; e obtem
até atingir o domínio completo em finais do século XVIII e princípios do seguinte. resultado animador. É o primeiro
O vinho e as castas que o originavam foram motivo de grande admiração. A mal- passo para o novo tratamento.
vasia foi levada em 1736 pelo Dr. William Houston para Charleston, enquanto em Pouco depois, outro negociante
1773 Joseph Aleston fez aí chegar novas castas com igual sucesso238. A segunda do Funchal dispõe também vinhos
metade do século foi o momento de afirmação do vinho madeirense, sendo evi- novos em armazém onde o calor
dente o empenho dos mercadores norte-americanos no proveitoso comércio de lhes é communicado por canos de ar
troca por peixe, cereais e aduelas para pipas239. quente, e a que chama Estufa.
Quando se determinou celebrar o acto de independência dos Estados Unidos da Observa-se que o vinho perde assim
América com o Madeira pretendeu-se afirmar a importância que assumiu na o gosto de novo, e pode ser embar-
sociedade. Aliás o vinho Madeira está ligado ao movimento de pró-independência. cado em menos tempo sem se alte-
A defesa da livre trânsito de mercadorias, contra o pagamento dos direitos de entra- rar.
da teve o primeiro incidente em 1768 com 100 pipas de vinho trazidas da Madeira Julga-se, com grande enthusias-
para Boston por John Hancock240. mo, resolvido o problema; e outros
A situação do mercado no século XVIII foi marcada por um franco progresso na negociantes apressam-se em cons-
procura do vinho, nomeadamente no último quartel, sofrendo um ligeiro recuo truir estufas.241
entre 1776 e 1782 com a instabilidade gerada no mercado Atlântico e norte-ameri-
cano com a guerra de independência dos Estados Unidos. O volume total das
241. Os Três Systemas de Tratamento dos Vinhos da
exportações de vinho não espelha a realidade, uma vez que de imediato se encon- Madeira. Pelo Conde Canavial, Funchal, 1900.
trou mercados substitutivos.
Os dados sobre a exportação do vinho Madeira disponíveis, ainda que por vezes
avulsos, evidenciam a tendência para a subida a partir de 1640, situação que só será
invertida, passado mais de um século, a partir de 1814. O período de 1794 a 1801,
excluído o ano de 1798, pautou-se por uma alta das exportações de vinho, o que
demonstra que a conjuntura de finais do século XVIII e princípios do seguinte foi
favorável ao comércio do vinho Madeira. Estamos em fins do século XVIII. A
exportação dos vinhos da Madeira tem augmentado muito, principalmente para a
Inglaterra, porque, em razão da guerra, lhe estão fechados os portos da Europa. As
reservas de vinhos em boas condições de embarque estão esgotadas. O systema do
canteiro não é processo applicavel a um largo e impaciente consumo com a pres-
pectiva de grandes lucros.
É facto reconhecido que o vinho da Madeira que vae em viagem ás regiões tro- A ilha da Madeira é conhecida pelos
picaes volta consideravelmente melhor. Americanos principal mente devido aos
Um negociante do Funchal, chamado Pantaleão Fernandes, tendo também já seus vinhos; e em anos anteriores,
observado que o vinho melhorava muito sendo conservado em logares quentes, pelas quantidades de cereais que eram
importados dos Estados Unidos para a
principalmente sendo posto ao sol, aquece um armazém de vinhos novos com fo- ilha. Nos últimos anos, o número de
embarcações aqui chegadas, vindas
238. Thomas Pinney, A History of Win in America from the Beginnings to Prohibition, Los Angeles, 1989, pp.43, 57-59 dos Estados Unidos, diminuiu, embora
239. Cynthia A. Kierner, Traders and Gentlefolk. The Livingston of New York, Ithaca, 1992, p.72; Robert A. East, Business
Enterprise in the American Revolutionary Era, London, 1938, p.244; Bernard Bailyn, The New England Merchants in the
ainda seja matéria de algum interesse Pilar de Banger
Seventeenth Century, Mass., 1955, pp.78; Jorge Martins Ribeiro, Alguns Aspectos do Comércio da Madeira com a para o nosso comércio. Postal Antigo
América do Norte na Segunda Metade do Século XVIII, in III Colóquio Internacional de História da Madeira, Funchal,
1993, pp. 389-402. Fitch W. Taylor, The Flag Ship: Or a Voyage
240. John W. Tyler, Smugglers & Patriots. Boston Merchants and the Advent of the American Revolution, Boston, 1986, p.115;
Around the World, N.Y., 1840, p.106
Hiller B. Zobel, The Boston Massacre, N. York, 1978, p.73.
352 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 353

Porto do Funchal. Gravura do


século XIX

… a outras pessoas, normalmente não habituadas aos meandros do negócio, um


preço superior é sempre pedido. Ao vinho velho é feito um acréscimo de cinco xelins ou
mais por pipa, por cada ano que é conservado, o que equivale à quantidade perdida se
derramado, à evaporação e aos juros do capital que permanece não empregue. O preço
médio de qualquer qualidade de vinho pouco mais ou menos catorze libras, o que reduz
o valor total de exportações muito abaixo de duzentos mil libras, parte do qual serve para
pagar produtos manufacturados da Grã-Bretanha, farinha e peixe salgado da América e
milho das ilhas Ocidentais que pertencem, do mesmo modo que a Madeira, à Coroa de Assinatura da Declaração
Portugal.
Os Presidentes dos Estados Unidos e o Vinho Madeira de independência dos
Estados Unidos (1776).
Não é raro os comerciantes da Madeira comprarem mercadorias inglesas, com uma Pintura de J. Trumbull.
taxa de vinte e cinco por cento de lucro sobre o preço original, indicado na factura dos O vinho da Madeira foi a partir de meados do século XVI o predilecto dos
produtos. Na realidade, a factura é, algumas vezes, alterada na passagem entre a norte-americanos, pela facilidade na aquisição e pela constatação de ser dos
Inglaterra e a Madeira e preços superiores são acrescentados como se tivessem sido poucos que se adaptava bem ao calor elevado242. O facto de muitos os presi-
pagos, na origem, por cada artigo. Esta prática ilegal é tão divulgada que é dado o nome
dentes norte-americanos terem sido grandes apreciadores, deverá ter favorecido
de “facturas de água salgada” a esses preços alterados. No entanto, os consumidores são
a importância social do vinho Madeira na sociedade norte-americana243. Já os
os únicos prejudicados, uma vez que o comerciante madeirense faz geralmente o mesmo
aumento proporcional, para além do que paga, às mercadorias que tem para vender. Governadores da colónia foram apreciadores. Hon Robert Monckton, Governador
de Nova York, em 1763 comprou três pipas para uso nas recepções244. Na mesma
George-Thomas Staunton, An Authentic Account of an Embassy from the King of Great Britain to the linha seguiu o presidente Ronald Reagan que em 1982 brindou o 71º aniversário
Emperor of China (...), Londres, vol. I, 1797, pp.69-71 com um cálice de vinho Madeira.

242. A. D. Francis, The Wine Trade, Edinburgh, 1973, p.64.


243. T. Bentley Duncan, Atlantic Islands. Madeira, the Azores and the Cape Verdes in Seventeenth-century Commerce and
Navigation, Chicago, 1972, pp.250-252.
244. Noel Cossart, Madeira. The Island Vineyard, London, 1984, p.59
354 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 355

GEORGE WASHINGTON [1789- BENJAMIN FRANKLIM [1706- JOHN ADAMS [1735-1826] desde THOMAS JEFFERSON [1743-
1797] foi um grande apreciador de 1790] impelido pela fama do vinho não 1761 afirmava publicamente a predi- 1826], considerado um grande enólo-
bebidas alcoólicas, não prescindindo prescindiu, na viagem à Europa em lecção que tinha pelo vinho Madeira. go, encontra-se entre os apreciadores
do bom vinho Madeira à mesa, solici- 1763, de uma breve estância na Em 1774 não hesita em afirmar que: I do vinho Madeira. Em 1786 em Paris
tando com frequência o envio da Madeira, onde apreciou as belezas e drank madeira at a great rate and found não prescindia do vinho, tendo solicita-
Madeira245. A referência mais antiga ao de novo degustou o vinho248. no incovenience in it249. Em 1784 asse- do o envio de uma pipa desde os
envio de uma pipa de vinho é de gurava ao embaixador português que o Estados Unidos, uma vez que I would
1759246. No período que decorre até Madeira era o vinho mais apreciado prefer that which is of the nut quality,
1783 recebeu 15 pipas de vinho velho pelos americanos, pelo facto de tanto and of the very best251. Em 1997 uma
da Madeira, cujo custo oscilou entre as poder ser bebido no Verão e Inverno250. das garrafas de vinho Madeira de 1800
26 e 31 libras esterlinas247. foi leiloada em Londres.

245. Mount Vernon An Illustrated Handbook, 1974, 85-86, 88; The Writings of George Washington from the Original
Manuscript Sources, 1745-1799. John C. Fitzpatrick, Editor.
246. Washington, Writings, Washington, 1931, p.321.
247. Letters to Washington and Accompanying Papers. Published by the Society of the Colonial Dames of America. Edited by 249. Diary and Autobiography of John Adams, 4 vols, Mass. 1961, 1962: vol. I., pp.213, 274, 352-354, vol.II. pp.134, 136, Vol.
Stanislaus Murray Hamilton II, p.306, vol.IV., p.102; Legal Papers of John Adams, Mass., 1965, pp.174, 194.
248. Ronald W. Clark, A Biography. Benjamin Franklin, N. York, 1983, pp.168 e 175; Esmond Wright(ed.), Benjamin Franklin. 250. Adams, Works, VIII, Boston, 1853, p.127.
His Life as he Wrote it, Cambridge, 1990, pp.162-163. 251. T. Jefferson, Papers, Princeton, 1954, p.274.
356 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 357

A mudança ocorreu a partir de finais do século XVIII e inícios do seguinte como sivamente ácidos e, para além disso, se revelarem mais pobres e de qualidade infe-
se pode constatar nos dados estatísticos recolhidos em documentos e estudos.252 rior. No entanto, os proprietários não conseguiram resistir à tentação de se
Uma rápida visão do gráfico evidencia que o período de apogeu se estendeu entre aproveitar da oportunidade que lhes foi dada atender aqueles que encomendavam
1794 e 1818. O declínio, que começou a notar-se em 1814, só se tornou claro em vinho a 70 l. ou 80 l. por pipa, não obstante ser vinho de 20 l. por pipa todo o que
1830. Desde 1640 a tendência era de subida vertiginosa pelo que já em 1700 o lhes restava. Tal era, na realidade, o valor real. Eles recorreram a meios artificiais
número de pipas exportadas se elevava a 10.000, ou seja cinco vezes mais do que para ultrapassar a aspereza de sabor e a acidez destes vinhos. Para este fim, foram
em 1646. Entre 1730 e 1734 notou-se uma quebra a que se seguiu uma subida como introduzidos os fornos (estufas) de modo que, mantendo o vinho num lugar fecha-
elucidam os dados de 1777 e 1778, mantendo-se a tendência ascendente até inícios do e restrito - talvez a uma temperatura de cem graus - ele poderia adquirir uma
do século XIX, cortada apenas por momentos de baixa bastante acentuada como maturação prematura e falsa e adquirir uma enganadora aparência de idade.
sucedeu em 1785, 1792 e 1811. O período de 1794 a 1801, excluído o ano de 1798, Geralmente pensa-se que este processo forçado tem como efeito deteriorar o ver-
pautou-se por uma alta das exportações do vinho. A evolução estabilizou, eviden- dadeiro sabor natural de todos os vinhos. E é mais do que suspeito que, desde a
ciando que a conjuntura de finais do século, com as guerras europeias, foi favorável altura em que foi experimentado pela primeira vez, tem sido aplicado alternada-
ao comércio do vinho Madeira. O período de 1802 a 1818 foi marcado pela con- mente a vinhos de todas as classes. Nenhum cuidado ou conduta posterior restitui
tracção do volume de exportações motivado pelas mudanças ocorridas no conti- ao vinho o sabor genuíno quando ele foi assim prejudicado e afectado. Pessoas que
nente europeu, tornando-se mais evidente nos anos de 1804, 1808, 1811 e 1816. percebem do assunto consideram a temperatura do forno ou “estufa” se mais gradu-
O quadro das exportações revela que o mercado do vinho da Madeira não era almente aplicada, se continuasse por mais tempo e com uma moderação mais sen-
constante, sendo pautado por oscilações resultantes das condições dos mercados sata, podia resultar de modo benéfico e produzir resultados como os que uma
consumidores e dos europeus, concorrentes com a Madeira. Apenas o período de viagem às Índias Orientais e Ocidentais se julga geralmente produzir, o que é nor-
1794/1802 foi pautado por alguma estabilidade. As alterações do mercado colonial, malmente considerado um método excelente de melhorar o vinho, conduzindo-o a
a partir da independência dos Estados Unidos da América do Norte, reflectiram-se um estado de alta perfeição. Alguns escritores afirmam que, em consequência do
no mercado do vinho. Raras vezes as dificuldades tinham origem na produção, situ- modo pelo qual vinhos inferiores são alterados em estufas, estes adquirem um sabor
ação que só se torna evidente na segunda metade do século XIX. seco a fumo o que nunca consegue ser posteriormente erradicado. Destas quali-
As guerras europeias conduziram ao encerramento das rotas que ligavam o dades de vinhos exportam-se anualmente grandes quantidades para Hamburgo
mundo colonial aos mercados europeus. As ilhas ficaram de fora e aproveitaram a onde, depois de submetidas a um processo que as faz parecer muito a “Hock”, são
oportunidade para a venda dos vinhos. Na Madeira esgotaram-se os stocks de vinho vendidas como tal. É presume-se que uma parte considerável desta imitação de
de exportação, socorrendo-se dos vinhos de inferior qualidade do norte, quase sem- “Hock” é enviada para o mercado Britânico. Quanto aos vinhos produzidos ao
pre consumidos localmente ou queimados para aguardente. Para corresponder a tão longo da costa sul da Madeira, considera-se que são raramente e se possível
desusada procura apostou-se na expansão da viticultura e descuidou-se o tratamen- equiparados em delicadeza e sabor, aroma e pureza e suavidade a qualquer outro
to e envelhecimento dos vinhos. As estufas resultam da conjuntura e firmaram-se vinho. Quanto às uvas e vinhos principais da ilha, as uvas nunca são exportadas e
como solução para corresponder à incessante procura. Procedeu-se à aceleração de uma grande parte dos vinhos é, na realidade, muito pouco conhecida fora do país.253
envelhecimento do vinho com o recurso ao calor artificial de forma a não impa- Em 1814, tendo em conta o ano próspero de 1813, as autoridades e homens de
cientar os exportadores e bebedores. negócio reclamavam por medidas proibitivas da entrada de aguardente como
Há alguns anos, os vinhos da Madeira caíram em descrédito e circunstâncias solução para salvar a saída de vinho que sofreu uma quebra acentuada em relação a
especiais foram motivo suficiente para a mudança de opinião e gosto entre aqueles 1813254. Idêntica preocupação ocorreu em 1815255. Além disso a aluvião e a má co-
que em tempos tinham defendido a produção na ilha. Isto porque durante o longo lheita do ano corrente (entre 4 a 5.000 pipas) repercutiram-se nas saídas de 1816. As
período da guerra que terminou em 1814, a procura do vinho por navios que por dificuldades dos anos de 1819 a 1823 resultaram dos problemas de escoamento da
cá passavam era enorme. Assim, as quantidades que restavam nas adegas eram ape- produção desde 1818, permanecendo em armazém mais de 20.000 pipas de
nas de vinhos inferiores do Norte que têm a reputação ou má fama de serem exces- vinho256. O comércio decaiu mais de vinte mil pipas de vinho se acham em suas

252. Nomeadamente em AHU, Madeira e Porto Santo, nº 293, 11275, 972, 1432; ANTT, AF, nº 80/4; BNL-SR-MS 219, nº 29.
D. João da Câmara Leme, Apontamentos para o Estudo da Crise Agrícola, Os Vinhos da Madeira e o seu Descrédito 253. E.S.Wortley, A Visit to Portugal and Madeira, Londres, 1854, pp.308-317.
pelas Estugas...; A.R. de Azevedo, ibidem, p. 718; Elucidário Madeirense, vol. II, pp. 148/54; F.T. Valdez, Africa Ocidental, 254. ARM, RGCMF, t. 14, fols. 78/82, 87/89.
Lisboa, 1864; Correio da Madeira, nº 116, p. 1; Diário de Notícias, nº 6, pp. 1-2; Alain Huetz de Lemps, Le Vin de 255. Idem, t. 14, fols. 126/134.
Madere, Grenoble, 1989; Benedita Câmara, A Economia da Madeira (1850-1914), Lisboa, 2002. 256. Idem, t. 14, fols. 224-225vº.
358 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 359

mãos, dos proprietários e negociantes...257. Mais uma vez reclamou-se a proibição de A crise, pela qual acaba de passar este Districto, não foi exclusivamente devida à
entrada das aguardentes. moléstia que tão violentamente attacou os seus vinhedos.
Segundo A. Silbert258 o período de declínio do “ciclo do vinho” começou em De há muito que ella se preparava, pelo descredito que os vinhos desta ilha
1821 embora os primeiros sintomas já se fizessem sentir entre 1814 e 1817. A relação foram pouco a pouco grangeando no estrangeiro, com o abuso inconsiderado das
entre a produção, consumo interno e exportação é-nos referida em 1821259: A estufas.
Madeira já em anos de extraordinária colheita produziu mais de 40.000 pipas de Com o fim de communicar, artificialmente, aos vinhos qualidades que só o
vinho e também 20.000 em outros anos, e por isso pode a sua produção média tempo lhes pôde dar, introduzio-se na ilha, no principio deste século, o processo de
reputar-se de 30.000 pipas, das gerais se embarcavam 12 a 18 mil pipas e o resto se sujeitar os vinhos de producção recente a altas temperaturas (60º ao mais) por
consumia nas tabernas e uso dos seus habitantes. espaço de alguns mezes, em casas ou estufas preparadas para esse fim.
A presença e dominância inglesa no comércio da ilha ficaram reforçadas nos iní- Por esta practica lançou-se imprudentemente nos mercados estrangeiros uma
cios do século XIX com a ocupação da ilha e os tratados que entretanto foram esta- grande porção de vinhos, muitos dos quaes mal preparados, e estas duas circuns-
belecidos. Assim de acordo com o tratado de 1810 os ingleses ficaram autorizados tancias provocaram as desconfianças dos consumidores, diminuíram a procura e
a adquirirem o vinho em mosto, o que até então estava vedado, favorecendo a sua accarretaram uma baixa sensível no preço deste género.
posição. Os comerciantes Britânicos controlam, para seu interesse, os cultivadores Como os vinhos fossem a fonte exclusiva de receita para este Districto faltaram
de vinha, fornecendo-lhes de antemão tudo o que eles necessitam, nos intervalos da quasi repentinamente os meios de dar à cultura da videira a assiduidade e perfeição
vindima e nas estações mais baixas. Os seus negócios com os habitantes portugue- de amanhos que ella requeria, e a producção baixou numa progressão assustadora.262
ses do Funchal também devem ser intensos; exceptuando este facto, parecem não O retrato da crise foi traçado em 1873 por Álvaro Rodrigues de Azevedo: e então
existir muitas relações sociais entre eles.260 o predomínio dos negociantes ingleses de mais a mais fortalecido pela invasão e ocu-
A conjuntura favoreceu a expansão da cultura, mas quando os mercados pação desta ilha por tropas britânicas se enraizou, forte e decisivamente na Madeira.
europeus voltaram à normalidade a Madeira entrou em colapso. O período de 1819 - Os extraordinários preços a que os vinhos desta ilha foram subindo desde o fim
a 1823 foi crítico para a economia da ilha. Os anos de 1824 e 1825 evidenciam uma do século passado e o que sustentaram no primeiro quartel do presente, não dei-
passageira melhoria do volume das exportações, uma vez que 1826 se iniciou a xavam sentir essa fuga; davam para tudo; a Madeira nadava em oiro; mas, logo que
queda que se acentuou em 1830 e 1831, recuperando-se entre 1832 e 1846. As os vinhos decaíram, os proprietários territoriais habituados a largas despesas, que os
oscilações são fruto das mudanças ocorridas no mercado consumidor com a substi- meios de que dispunham já não comportavam, recorreram ao expediente das ante-
tuição do mercado colonial pelo do Norte da Europa. cipações, havendo desses negociantes à contas das futuras colheitas, quanto pre-
A partir de 1847 tivemos nova quebra que se acentuou em 1852 com a crise cisavam géneros alimentícios, fato, calçado, mobílias, dinheiro, tudo; e aqueles
provocada pelo oídio. Os reflexos mais evidentes da crise só se fizeram sentir em poucos que não estavam nestas circunstâncias e os colonos agricultores vendiam aos
pleno nos anos sucedâneos de 1853 a 1865, atingindo-se no último o valor mais mesmos negociantes seus vinhos, a prestações mensais, de sorte que uns e outros
baixo das exportações com 536 pipas. A tendência de descida manteve-se. A crise porque uns e outros, porque essas casas comerciais britânicas os quasi ricos com-
provocada pela filoxera desde 1872 não se reflectiu de forma tão clara no comércio pradores dos vinhos, e árbitros supremos do preço deles, todos lhes ficaram na mais
de vinho, uma vez que a tendência ascendente apenas se ressentiu entre 1878 e completa sujeição; o vinho reduzido ao ínfimo valor; os proprietários e agricultores
1883. A situação deve ser fruto da disponibilidade de vinhos em armazém261. A afrontados de penúria; e o negociante inglês auferindo no estrangeiro todos os
denúncia disto encontra-se numa representação às cartas de 1823. O comércio lucros, ainda vantajosos do negócio de vinhos da Madeira. A deplorável tirania deste
decaiu, mais de vinte mil pipas de vinho se acham em suas mãos, dos proprietários humilhante monopólio se eximiam somente duas ou três casas portuguesas que de
e negociantes…. Enquanto tardavam as soluções os campos permaneceram aban- própria conta exportavam os vinhos de suas terras e outros comprados, tendo estas
donados devido à emigração dos agricultores. A cultura da vinha entrou em franco casas, por vezes, patriótica e generosamente mantido os preços, para que não
declínio, acelerado com as pragas do oídio em 1852 e da filoxera em 1872. descessem ao ínfimo, o que o mercador britânico pretendia impor. Assim mesmo a
Madeira chegou a miseranda decadência; o vinho único produto a que se dedicava,
257. Idem, t. 15, fols. 263/4; Arquivo da Assembleia da República, Cortes, maço 92, nº 32. era ao mesmo tempo o recurso e a sua desgraça, o seu tesouro e a sua pobreza.
258. Op. cit.
259. ARM, RGCMF, t. 15, fols. 100vº-104. As transformações ocorridas no decurso da segunda metade do século XIX alte-
260. George-Thomas Staunton, An Authentic Account of an Embassy from the King of Great Britain to the Emperor of China
(...), Londres, vol.I, 1797, pp.69-71. 262.. Relatório Sociedade Agrícola do Funchal. Por Eduardo Grande, Agrónomo addido ao Governo Civil do Distrito do
261. O vinho em depósito nos anos de 1852 e 1853 era, respectivamente, 5628 pipas e 3284 [Semanário Oficial, nº.8] Funchal, Funchal, 1865
360 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 361

alguns teve a arte de complicar o problema que naquelas condições nem chegava a
ser problema. Agora é preciso intervir e fixar o critério das quantidades a exportar
por cada exportador. Para a falta de juízo e de seriedade é que é muito difícil o
Governo arranjar remédio.
A Segunda Guerra Mundial (1939-45) marcou novo momento de dificuldades
para as exportações, por falta de navios no porto do Funchal264. O Governador Civil,
José Nosolini, em carta de 27 de Novembro ao Ministro do Interior, considerava a
crise do vinho como algo intransponível: Mas cana de assucar, vinhos, bordados,
serão por muito tempo intransponíveis montanhas de dificuldade para a acção go-
vernativa. A recuperação foi lenta, uma vez que só na década de sessenta se atingiu
os valores de 1939. A tendência ascendente manteve-se até ao final dos anos seten-
ta, altura em que entrou de novo em queda. A situação da última década do século
foi de crescimento, continuando na nova centúria. Tal como afirmava Antonino
Pestana265 os vinhos de grande qualidade como os da Madeira tinham sempre lugar
à mesa dos tradicionais apreciadores: Finda a guerra, esvaziados todos os stocks, os
vinhos licorosos da Madeira, recomendados sempre pela sua inexcedida qualidade,
têm a sua hora no comércio do mundo.
O processo autonómico a partir de 1976 contribui para uma mudança radical no
panorama sócio-económico madeirense em que o vinho e a banana concorrem na
produção e exportações. A perda da posição favorável da banana no mercado conti-
nental levou à desvalorização em favor do vinho, que assumiu uma posição domi-
Alfândega do Funchal. 19820.
raram o panorama do vinho Madeira. A cultura perdeu importância no mundo nante nas exportações, tornando-se num dos principais factores de animação da
Colecção Perestrellos. Museu
de Photographia Vicentes. rural em favor da cana sacarina. Apenas a permanente demanda do vinho nos mer- economia da Madeira. A perda de antigos mercados foi compensada com o ressurg-
cados europeus obrigou o madeirense a retornar à cultura da vinha. A Inglaterra e imento de novos ou a afirmação de outros como foi o caso do Japão. A proibição
Alemanha disputavam a posição cimeira nas exportações. As guerras mundiais do vinho a granel a partir de 2000 condicionou a evolução dos mercados de desti-
alteraram a situação e criaram sérias dificuldades, provocadas pela paragem da nave- no desta forma de exportação, não se reflectiu de forma significativa nas expor-
gação oceânica e perda do mercado alemão, um dos mais importantes desde finais tações.
do século XIX263.
Durante a Primeira Grande Guerra os efeitos da guerra submarina fizeram-se
sentir nas exportações de vinho para os anos de 1917 e 1918. Em 1919, consumadas
as pazes, o vinho retomou o ritmo de exportações em crescimento exponencial até
1939. Na década de trinta o vinho foi uma das culturas mais afectadas pela crise. Em
1935 Salazar, em carta ao Dr. João Abel de Freitas, de 23 de Maio e 1935, eviden-
cia um correcto conhecimento da situação e ideias claras sobre a forma de reabili-
tar o comércio do vinho: Para já tem pelo menos que regularizar-se a exportação
que tem sido uma vergonha. Conseguimos a muito custo reservar para a Madeira
no acordo com a França um contingente muito superior à sua exportação e esse
facto permitia o negócio normal em óptimas condições. Pois a falta de seriedade de
263. Os dados mais importantes sobre o vinho no século XX podem ser encontrados em: José Tavares, Subsídios para o
Estudo da Vinha e do Vinho na Região da Madeira, Funchal, 1953, pp.33-36; PESTANA, Eduardo Antonino, Ilha da
Madeira. II. Estudos Madeirenses, Funchal, 1970, As riquezas dos vinhos licorosos da Madeira, pp.233-236; Ramon 264. Eco do Funchal, nº.7, 13 de Abril de 1941; Diário de Noticias, 21 de Julho de 1940, 28 de Fevereiro de 1943
Rodrigues, Questões Económicas, vol. II, Funchal, 1955, pp.87-89, 118-121; Benedita Câmara, A Economia da Madeira 265. PESTANA, Eduardo Antonino, Ilha da Madeira. II. Estudos Madeirenses, Funchal, 1970: As riquezas dos vinhos
(1850-1914), Funchal, 2002. licorosos da Madeira, p.235.
362 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 363

As instituições fiscais

A O senhorio, entre 1433 e 1497, e a coroa empenharam-se no estabelecimento da


estrutura fiscal. O primeiro interveio por meio do almoxarife, que tinha por missão
fazia cumprir o estatuído no foral henriquino e regimentos senhoriais. O capitão foi
um dos usufrutuários, recebendo a décima parte das rendas senhoriais. Com o
governo do infante D. Fernando a estrutura fiscal mostrou-se inadequada ao pro-
gresso atingido pela economia e sociedade madeirenses, tornando-se necessário
criar uma nova capaz de superintender a Fazenda Real na ilha. Foi assim que surgiu
a Contadoria. Em 1477 o surto das trocas com o exterior, motivado pelo progresso
da cultura açucareira, conduziu a novo reajustamento com o aparecimento das alfân-
degas, uma para cada capitania, ampliada em 1483, com dois postos alfandegários
na costa além de Câmara de Lobos.
A coroa lançou a partir de 1499 um adequado sistema fiscal assente em duas
instituições: os almoxarifados da alfândega e dos quartos. A primeira intervinha no
movimento de entradas e saídas e na cobrança dos respectivos direitos, enquanto a
segunda estava vocacionada para a arrecadação dos direitos que oneravam a colhei-
ta de açúcar. Finalmente em 1508 deu-se nova reforma do sistema fiscal na Madeira
com o estabelecimento da Provedoria da Fazenda. Foi também com D. Manuel que
se construiu a chamada Alfândega Nova do Funchal que substituiu a velha que fun-
cionava em condições precárias no Largo do Pelourinho. A Alfândega manteve-se
aí até 1961, passando no ano imediato a funcionar em novas instalações.
De entre os direitos arrecadados temos o dízimo sobre os rendimentos fixos ou
qualquer valia, sendo na época de senhorio de usufruto do donatário e da Ordem
de Cristo. À fiscalidade senhorial sobrepõe-se outra assente nas principais pro-
duções com valor comercial. Dos cereais retirava-se o dízimo das colheitas, enquan-
to que no vinho se pagava uma determinada quantidade do que fosse posto à venda
nas tabernas, conhecido como a imposição do vinho (1485), cujo valor ia na totali-
dade para as obras de enobrecimento da vila do Funchal.
A Alfândega do Funchal, dependência da Junta da Fazenda da ilha até 1834, con-
trolava o movimento do porto do Funchal e a arrecadação dos direitos de entrada e
saída. O Juiz mais velho controlava toda a acção e superintendia a Mesa Grande da
Alfândega, onde se concediam as fianças para o embarque de entrada ou saída das
mercadorias266. Os guardas do número da alfândega267 zelavam pela regularidade do
serviço, impedindo os roubos, contrabando268 e actos fraudulentos269. O feitor da

266. ANTT, PJRFF, nº 100/114.


Alfandega do Funchal. 2002. 267. Idem, nº 12/17 (distribuição dos guardas de número).
Edifício inaugurado em 17 de Julho de 1962. 268. Idem, nº 237, fols. 201-202vº.
Colecção do autor 269. Idem, nº 237, fols. 187-191vº (1782.Out.5 - regimento dos guardas de número).
364 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 365

descarga assinalava a entrada270 das mercadorias apondo em cada a respectiva PREÇO E DIREITOS DA PIPA DE EXPORTAÇÃO.1650.1699
marca271, o selador o selo272 e o fiel dos armazéns manifestava a carga em armazém, Tipo vinho 1650 1682 1687 1699
das bebidas alcoólicas, por exemplo273. O feitor do embarque ordenava a saída das Preço Direitos Preço Direitos Preço Direitos Preço Direitos
mercadorias após a escrituração e lançamento do respectivo direito274. Todas as Superior 6.000 $666
Beberagem
Inferior 8.000 $888
actividades275 e a arrecadação dos direitos de entrada e de saída estavam regulamen-
Todos tipos 12.000 1.333 8.000 888 18.000 2.000
tadas por regimentos, alvarás e as pautas gerais da Alfândega276. Malvasia 9.000 1$000 14.000 1.444 10.000 1.111 24.000 2.666
No século XIX a cobrança dos direitos de exportação estava regulamentada por Aguardente 20.000 2$220 34.000 2.666 20.000 2.222 40.000 4.444
duas pautas: a geral e a inglesa. A última, feita de acordo com os tratados de comér- Vinagre 3.600 $400 6.000 666 4.000 444 6.000 666
Fonte: T. B. Duncan, Atlantic Islands, Chicago, 1972, p.44
cio com a Inglaterra (1810), determinava privilégios especiais aos ingleses. Em 1837
a nova pauta mereceu a contestação dos madeirenses, por permitir a entrada livre No último quartel do século XVII voltámos a ter informação sobre o valor pago nas
de vinhos e aguardentes do continente. A pertinácia dos madeirenses levou a uma exportações do vinho. Na década de setenta a tendência era para a subida, contrariada
nova em 1841, que não alterava a legislação especial para a Madeira quanto ao vinho em 1779 por dificuldade de escoamento do vinho. A situação manteve-se na década
e aguardentes. Seguiram-se outras pautas em 1856, 1860, 1885 e 1887277, que mere- seguinte, motivada pela grande demanda e consolidação do mercado norte-americano.
ceram igual contestação.
DIREITOS DE SAÍDA NA ALFÂNDEGA DO FUNCHAL.1775-1820
Anos Vinho Seco Malvasia Aguardente Vinagre
Direitos de saida e entrada 1775-1776 4000 8000 4400 1200
1777 4400 8800 5000 1200
1778 4000 8000 4400 1200
A primeira referência sobre o lançamento dos direitos no vinho por saída data de 1779 3800 7600 5000 1200
1567, altura em que foi lançado um direito de 1% sobre o vinho que se carregasse 1780-1783 4000 8000 5000 1200
para fora, ou, como se referia, certa cousa por almude no que se vender278. Em 1784 4800 11200 5000 1200
1785 5600 11200 5000 1200
1647279 o direito passou para 400 réis a pipa e em 1669280 adicionou-se mais um 1786-1787 5600 11200 5830 1400
cruzado, como tributo para as despesas da guerra. Depois só em 1777 voltamos a 1788 11200 5430 1200
ter referência ao imposto, quando em Janeiro se fez o tabelamento dos direitos para 1789 4800 11200 5430 1200
1790-1791 4400 9600 5820 1400
o ano corrente. A partir de então são assíduas as informações sobre o modo como 1792 5800 11600 7000 1600
se deduziam os direitos. 1793 6000 11700 7000 1600
A partir do século XVII os direitos cobrados à saída da alfândega deixaram de ser 1794 6000 12000
1795 5500
fixos, passando a ser determinados de acordo com a qualidade, distinguindo-se os vi- 1796 5800 11600 7000 1600
nhos para abastecimento das tripulações, de menor qualidade, o vinho seco, a 1797 6000 11200 7000 2000
Malvasia, aguardente e o vinagre. Os direitos eram estabelecidos de acordo com o 1798-1800 6000 12000 7000 2000
1801-1802 6500 13200 7000 2000
valor da pipa de exportação. Para a segunda metade do século XVII dispomos de 1803 5000 13200 7000 2000
alguns dados. 1808 5000 11000
1809 6000 12000 6000 2000
1810 7000 14000 6000 2000
270. Idem, nº 39/72.
271. Idem, nº 117/145.
1811 7000 14000 6000 2000
272. Idem, nº 85/90. 1813 7600 15200 6000 2000
273. Idem, nº 80/84, 1816 7600 15200 6000 2000
274. Idem, nº 245/255.
275. Idem, nº 240, fols. 129vº-130. 1820 7500 15000 6000 2000
276. Destas últimas temos conhecimento das de 1782 [Idem, nº 242B.], de 12 de Outubro de 1831 [Vide Correio da Madeira,
nº 115, pp. 1/5.], de 1836 [ANTT, AF, nº 242B], de 10 de Janeiro de 1837 [Vide Gazeta da Madeira, nº 60, p. 1.], de 11 de
Março de 1840 [Idem.], de 23 de Maio de 1843 [Correio da Madeira, nº 115, p. 1/5.], de 5 de Agosto de 1850. [Idem, nº A Junta procedia todos os anos entre Novembro/Janeiro à dedução dos preços
103/7, 109/110] e a carta de lei de 12 de Dezembro de 1844 e 20 de Abril de 1845 [Vide Gazeta da Madeira, nº 60, p. 1;
J. Silvestre Ribeiro, Apontamentos sobre a cultura do vinho na Madeira, in Correio da Madeira, nº 113, pp. 2/4.]. correntes da pipa de vinho281 estipulando o valor dos direitos de saída, depois deve-
277. Cf. o debate havido na Associação Comercial em Rui Carita, Associação Comercial e Industrial do Funchal, pp.48-57.
278. ARM, RGCMF, t. velho, fols. 123-123vº.
279. Idem, t. 6, fols. 80vº-81.
280. Idem, t. 4, fols. 44-45. 281. ANTT, PJRFF, nº 237, fol. 41vº.
366 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 367

os nomes de cada navio, de seu capitão, seu destino, e o número de pipas que leva.
Em 1824291 algo corria mal na escrituração pois perante uma demanda entre o Juiz
da Alfândega e o Comandante da galera inglesa Larkins, acerca da existência a
bordo de mais de 5 pipas de vinho baldeados da galera Isabel Sompson, se desco-
briu uma fraude na escrituração do vinho embarcado. O Juiz clamou por uma refor-
mulação dos métodos de escrituração dos livros de registo de exportação de modo
a evitar danos à Fazenda Real.
Os estrangeiros e, de modo especial, os ingleses serviam-se de vários subterfúgios
para se subtraírem ao pagamento dos direitos. A um deles se refere em 1779292 num
informe sobre os direitos do vinho, onde se dizia que o vinho era comprado sem
preço, solicitando ao Juiz da Alfândega a autorização ou franquia para a saída, ou,
então, abriam a exportação sobre a fiança de 4.000 réis por pipa, valor que ficava
depois da avaliação. A intenção era não tanto somente para fraudar a Real Fazenda,
mas para com o baixo preço o fazerem toda a venda dos portugueses, quando na
verdade nenhum dano têm os ingleses porque como os vinhos dão de comissão, e
os carregão pelo duplicado preço, porque os comprão posto a bordo, nem lhes é
irregular para os assentos que pateticamente querem introduzir, nem para prejuízo,
Sala do Despacho da antiga pois só os pobres e ignorantes comitentes o tem, e estes da ilha o grande lucro.
alfândega do Funchal. O suborno poderia ocorrer, como sucedeu ao ex-provedor, então Juiz da
Foto Duarte Gomes
Alfândega: Estes estrangeiros estão muito mal acostumados do tempo da provedo-
ria, cujo provedor, agora juiz da alfândega sendo ainda seu conservador lhes fazia
riam ser remetidos ao Erário Régio para aprovação. No aviso referia-se, nomeada- tudo quanto querião... chamava-os à Mesa para eles mesmos dizerem os preços dos
mente, os preços correntes da pipa de vinho282, o aumento ou diminuição da co- vinhos que havião de despachar, quando e só deverião ser chamados as pessoas jus-
lheita283 e o estado do comércio do produto284. A aprovação do Erário Régio tarda- tas e desconhecidas.
va, obrigando a Junta a aplicar a nova tabela dos direitos com carácter provisório, Perante as desordens que se repetiam de ano para ano, só uma solução seria pos-
enquanto não houver resolução em contrário, dizia-se. Em 15 de Setembro de sível com o estabelecimento do preço de custo invariável, como da pauta, ou seja a
1798285 a nova tabela de direitos, foi enviada para aprovação e só a 2 de Junho de fixação de um direito de saída293. A medida de preço fixo havia sido solicitado em
1799 mereceu o acordo do Erário. O pedido de 24 de Outubro de 1801286 teve a 30 Outubro de 1799 pelos comerciantes numa representação em que reclamavam nova
de Dezembro a requerida aprovação. Se a Junta tardasse em enviar o mapa e fizesse regulamentação segundo o processo de 1776 em que o preço foi fixado em 4.200
assento do novo direito estipulado sem dar conta ao Erário era repreendida, tal réis294. A Junta decidiu taxar os direitos por um período de quatro anos com a finali-
como sucedeu em 1792287. dade de ao fim do período apresentar conta da necessidade de os aumentar ou
Na Alfândega do Funchal estava montado um complicado sistema administrati- diminuir. Os direitos ficaram assim distribuídos:
vo para arrecadação dos direitos. A Junta erxercia vigilância e controlo directo dos
livros de escrituração adoptados288, através da solicitação permanente dos mapas de 4.000 réis para o vinho de embarque,
saída do vinho289. Em ordem ao administrador da Alfândega de 1790290 referia-se que 8.000 réis para a Malvasia,
no fim de cada mês uma exacta do vinho que tiver embarcado no mês, declarando 5.000 réis para a aguardente
282. ANTT, PJRFF, nº 942, p. 139, p. 139, 171, 228.
1.200 réis para o vinagre295.
283. Idem, nº 942, p. 143; nº 411, pp. 238/9, 215.
284. Idem, nº 411, pp. 256/7.
285. Idem, nº 942, p. 191.
286. Idem, nº 942, p. 212. 291. ANTT, AF, nº 240, fols. 129vº-130.
287. Idem, nº 761, p. 171. 292. ANTT, PJRFF, nº 411, pp. 120/3.
288. ANTT, AF, nº , fol. 29-60. 293. Idem, nº 414, pp. 130/133.
289. ANTT, PJRFF, nº 406, fols. 31vº-32; idem, AF, nº 241, fols. 166, 217-218; nº 238, fol. 35vº. 294. Idem, nº 941, fol. 10.
290. Idem, nº 403, p. 65. 295. Idem, nº 770, pp. 79/80.
368 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 369

Por alvará de 31 de Maio de 1800 foi criado um novo imposto que, por decreto pois sendo este mais, lucra sem o que baixa a indústria e cultura do paíz. Perante a
de 6 de Setembro de 1800, teve aplicação na Madeira. Os madeirenses, habituados crise estabeleceu-se em 1825 uma redução nos direitos para metade305.
ao antigo sistema, protestaram junto da Junta em 14 de Outubro de 1801. A Junta Em 1832 o escrivão da Fazenda, J. Eustáquio de Sousa, face à proibição da entra-
em conta de 20 de Novembro alude ao protesto anuindo com as pretensões porque da da aguardente, decidiu onerar os vinhos com os direitos pagos pela aguardente
para além das muitas e pesadas penções que sofre o comércio é excessivo o preço entrada, beneficiando o sogro que era cobrador da dízima, e negando-se a cumprir
dos vinhos, o que é muito bastante para retardar as suas operações e redefinir (sic) a lei de 28 de Novembro de 1821306. Contra isso manifestou-se O Sentinela do Erário
(reflectir?) no rendimento n’alfândega que depende de uma pronta e excessiva no Patriota Funchalense307, tendo recebido o apoio do redactor do jornal, N. C.
exportação296. Pitta308, em comentário: Quando todas as nações isentão de direitos os géneros, que
Por provisão de 4 de Maio de 1802297 mandou-se aplicar o valor dos direitos do são o objecto do seu comércio e cuja exportação é necessária para promover a
vinho em outros géneros manufacturados estrangeiros, diminuindo em uns e acres- riqueza dos povos, nesta nossa província vemos que dependendo o giro mercantil
centando em outros298. A Junta, em conta de 22 de Junho299, refere a provisão com- não só a sua prosperidade, mas sua subsistência, de que se exportem nossos vinhos,
prometendo-se a averiguar os géneros onde deveria incidir o aumento300. A Junta, único objecto de nosso comércio, a ambição, ou pouca inteligência do governo, não
antes de conhecida a provisão, enviara outra aludindo que a diminuição muito facili- tem cessado de dificultar indirectamente aquela exportação, exigindo direitos exor-
ta o comércio e anima em consequência a agricultura do paíz 301. bitantes, que parecem destinados a definhá-la, e que na verdade a tem nestes últi-
De acordo com representação da Junta de 1815302 os direitos de exportação mos anos entorpecido309.
aumentaram desde 9 de Outubro de 1803 em 1.200 réis por pipa sendo a soma Em reunião dos comerciantes foi decidido manter os direitos sendo o excedente
usada na construção das muralhas das ribeiras. Aqui refere-se o modo como se regu- usado na obra de construção do molhe do porto do Funchal. Tal procedimento
lavam os direitos: Além d’aqueles impostos estabelecidos pelas sabias leis de 27 de mereceu o desacordo de Hum Observador Imparcial que considerava de pouca util-
Junho de 1808, 3 de Junho de 1809, foi maior aumento dos direitos por saída, resul- idade para o comércio a construção do molhe, sendo mais útil a diminuição dos
tado acontecido de régia provisão de 28 de Setembro de 1808, que tornando arbi- direitos310. Para O Mercator o projecto de molhe era uma gaiola para apanhar mel-
trário os preços de 50 rs por cada pipa de vinho seco, 100 rs por cada dita de mal- ros, pois a ilha necessitava mais de protecção do comércio, através da diminuição
vasia, 600 rs por cada dita de aguardente da terra e de 2.000 rs por pipa de vinagre, dos direitos e os encargos na Alfândega311. Para Hum Vilão do Campo o projecto do
antes fixo por decreto de 11 de Agosto de 1802, até a quantidade 3.700 rs sobre molhe era útil mas podia ser feito sem a oneração dos vinhos312. Finalmente Hum
cada uma de vinagre, que se tem cobrado na Alfândega, cuja diferença por si só é Cidadão não via qualquer utilidade na diminuição dos direitos do vinho, pela sim-
muito maior que o produto calculado dos dois impostos consultados. ples razão de que daí não vinha benefício algum com a baixa de 8.700 réis para
Em 1817 os comerciantes estavam em desacordo com a provisão de 28 de 5.000313.
Setembro de 1808303 pretendendo um direito fixo de 5.000 réis por pipa, de acordo De acordo com a Pauta Geral de 1837 o direito de exportação passou para 4.800
com o estipulado em 11 de Agosto de 1802. A Junta deu em 20 de Junho304 conta réis, juntando-se, por lei de 25 de Abril de 1845, mais 7% e, por lei de 12 de
do requerimento dos comerciantes em ofício ao Governador, informando, que no Dezembro de 1844, os 5% adicionais e 3% para a caixa dos emolumentos, per-
prosseguimento das medidas de diminuição dos direitos do vinho, havia sido com- fazendo um total de 5.536 réis314 no vinho exportado para os portos estrangeiros,
pensada a redução com o aumento em 10% da importação de fazendas de luxo. A enquanto que para o continente e colónias ficava por apenas 2.076 réis. Uma repre-
medida guiou-se por certos princípios: O país que consome o género, é quem paga sentação dos deputados da Madeira sobre a extinção dos direitos do vinho apre-
os direitos, que se lhe carregão, mas sendo certo que quanto menos for o custo, mais sentada em Cortes em 1867 levou à aprovação de uma medida favorável, votada em
será o consumo, é política de acção que exporta, anima com baixa direitos a saída, sessão das Cortes315.

296. Ibidem, nº 762, pp. 10/11. 305. Rui Carita, Paulo Dias de Almeida e a Descrição da Ilha da Madeira, Funchal, 1982, p.99
297. Idem, nº 762, pp. 36/7, em nota à margem refere tal provisão registada no Lº 3 de Ordens do Erário Régio, fol. 131. 306. Patriota Funchalense, nº 163, pp. 1/3.
298. Idem, nº 762, pp. 36/7. 307. Ibidem, nº 158, pp. 1/3.
299. Idem, nº 762, pp. 36/7. 308. Idem, nº 161, pp. 1/2.
300. Ibidem, nº 762, pp. 36/7, em nota à margem refere que foi decidido por provisão de 13 de Setembro de 1802 que acom- 309. Idem, nº 161, p. 1.
panha o decreto de 11 de Agosto que fixa os direitos - Lº 3 das Ordens Expedidas pelo Erário Régio, fol. 131. 310. Idem, nº 163, pp. 1/3.
301. Ibidem, nº 762, p. 52, refere provisão de 13 de Setembro de 1802. 311. Idem, nº 165, pp. 3/4.
302. AHU, Madeira e Porto Santo, nº 3714. 312. Idem, nº 165, p. 2.
303. ANTT, PJRFF, nº 763, fols. 65-65vº, refere à margem que está no livro 3 de ordens expedidas pelo Erário Régio, fols. 313. Idem, nº 167, pp. 2/3.
175/6. 314. Vide Gazeta da Madeira, nº 68, p. 1; Correio da Madeira, nº 113, pp. 2/4.
304. Ibidem, nº 763, fols. 65/65vº. 315. Gazeta da Madeira, nº 60, p. 1.
370 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 371

Portão dos Varadouros por


onde entravam as mercadorias
para a alfândega.
Foi demolido em 1911.
Museu de Photographia Porto do Funchal.
Vicentes Postal antigo

A pauta regulamentadora de 1850316 movimentou os interesses dos madeirenses. cometida na mudança do destino era punida com multa de 60 dias de cadeia e
Os deputados em representação às Cortes pediram a redução dos direitos317, sendo 50.000 réis para a fortificação322. Em 1821 os direitos de exportação eram de 2.400
secundados pela imprensa. Para Um Vinhateiro Madeirense a causa da desgraça da réis por pipa, quando embarcados para portos nacionais, mediante a apresentação
ilha estava na pauta e por este modo as nossas finanças piorão progressivamente e de uma certidão e guia da respectiva Alfândega onde desembarcassem323.
levar-se-á ao cabo a nossa desgraça neste vale de lágrimas318. Outra voz expressava-se Em 1822324 o negociante Pedro Santana havia afiançado na Alfândega a descarga
do seguinte modo: A pauta dificulta a venda e troca dos nossos vinhos; a pauta não do vinho para o Rio de Janeiro e Lisboa. Terminado o prazo de entrega da prova
deixa procurar novos mercados; a pauta é um obstáculo ao comércio; a pauta foi obrigado a pagar a outra metade dos direitos. O mesmo reclamou da decisão de
favorece o contrabando; a pauta nada aproveita à indústria; a pauta é incompatível cobrança, solicitando em requerimento a prorrogação do prazo para mais 8 meses.
com o estado da Madeira porque é contrária e danosa à agricultura que é o primeiro Em 1825325 os direitos cifravam-se em metade, abrangendo o Brasil, reino e ilhas,
dos interesses materiais, logo é urgente a redução da pauta e direitos moderados “ad mas limitando-se apenas às embarcações nacionais ou brasileiras326.
valorem”, a exemplo de Espanha, que tem nestes últimos tempos dados grandes O vinho que ia de roda a envelhecer à passagem na região tropical, no porão das
passos em Economia Política319. Para N. C. Pitta, em The Ocean Fower (1845), a embarcações e voltavam para ser reexportado estava igualmente isento de direitos.
felicidade e prosperidade da Madeira dependia da redução da pauta: Quando tiver O consignatário apenas solicitava à Mesa Grande da Alfândega crédito ou fiança
lugar a inevitável redução da pauta, a Madeira será uma pequena Inglaterra320. para embarque. A situação colocou entraves à arrecadação dos direitos reais, pois
Os vinhos embarcados na ilha com destino aos portos do reino e colónias não como refere a Junta em portaria ao Juiz da Alfândega, os vinhos de roda são uma
pagavam direitos321 e quando sucedia era apenas de metade. Os comandantes dos ilusão manifesta e prejudicial aos reais interesses na cobrança dos direitos em Mesa
navios para usufruírem da regalia deviam declarar o destino, apresentando depois a e mesmo dos créditos, ou fiança, legalmente concedidos327. Mais salientava que a
certidão do desembarque num prazo de seis meses. Toda e qualquer infracção
322. ANTT, AF, nº 237, fols. 178vº/9.
323. Idem, nº 241, fols. 24-24vº, 42vº.
316. Correio da Madeira, nº 103/107, 109/110. 324. Idem, nº 240, fol. 46.
317. Idem, nº 97, pp. 2/3. 325. Idem, nº 241, fols. 24-24vº, 42vº.
318. Idem, nº 107, pp. 3/4. 326. Em 1832 António Faustino da Costa que tinha uma remessa de vinho para enviar a Macau no bergantim Delfim, viu-se obri-
319. Correio da Madeira, nº 116, p. 1. gado a conduzir apenas parte da quantia referida, ficando por embarcar 70 pipas, a que pediu o reembolso da soma gasta
320. Idem, nº 97, p. 3. nos seus direitos, por não estar autorizado a transportar em navios estrangeiros; vide ANTT, AF, nº 241, fols. 204/204vº.
321. Prática que vinha de 1679, vide ANTT, PJRFF, nº 396, fols. 70vº/71. 327. ANTT, PJRFF, nº 406, fol. 98.
372 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 373

saída de vinho de roda que espaçadamente se exporta para consumo externo. temos uma ordem de 1819335 da Junta à Alfândega autorizando os comerciantes a
Perante isto a Junta ordenou a proibição do despacho de qualquer vinho nestas embarcarem vinho em diferentes vasilhas com tanto que declarem a totalidade dos
condições. No entanto em 1832328 tal medida proibitiva havia já sido levantada, pois almudes. Os guardas da casa do embarque deveriam seguir as recomendações pois,
Leal Araújo e outros comerciantes solicitaram à Mesa Grande crédito para 200 caso contrário, seriam punidos com a suspensão do ofício. A medida foi um incen-
pipas de vinho embarcadas para a Rússia e 100 para os Estados Unidos da América tivo ao dolo da classe mercantil, que procurava todos os meios para escapar aos
do Norte por roda da Índia. direitos. Assim, o entendeu em 1824336 o Juiz da Alfândega ao notar uma diferença
Outro subterfúgio usado pelos comerciantes, para se furtarem aos direitos, era a de 2 almudes de vinho em 18 vasilhas de embarque. Mas, a Junta viu nisso um aba-
baldeação à vela junto ao porto, ou mesmo dos barcos ancorados. Baldeavam-se vi- timento ocasional provocado pela viagem para o embarque, ordenando o despacho
nhos das Canárias, dos Açores e mais fazendas. Em 1775329 gerou-se um conflito imediato.
entre os guardas da Alfândega e o comandante da fragata dinamarquesa, quando na Os vinhos e mais bebidas alcoólicas, quando permitida a entrada, madeiras para
fiscalização a bordo se encontraram algumas mercadorias (vinho, latas de chá, bar- a tanoaria pagavam direitos. Para o lançamento dos direitos procedia-se à avaliação
ricas de aguardente) baldeadas da fragata de guerra Coventry sem que se tivesse dos produtos de acordo com o estipulado em pauta. A primeira referência surge em
pago qualquer direito. Em 1777330 estipulou-se que o direito de baldeação das mer- 1803, ordenando-se a cobrança de 10% em madeira, pacas, pregos de ferrar pipa,
cadorias proibidas na ilha era de 111/9 %. Em 1819331 o acto estava, de novo, isento quarto e quartola337. A medida foi confirmada em 1826338 com o cumprimento do
de direitos. Sucedeu que o capitão Roberto Bullon, da escuna inglesa Funny, em parágrafo quinto do alvará de 4 de Junho de 1825. Os artigos ingleses, mercê das
viagem de Gibraltar para a Terra Nova, trazia a bordo doze quartolas de vinho de medidas de privilégio emanadas nos tratados, tinham avaliação separada, sendo em
Espanha, que por não poder vender na ilha o fez ao capitão do bergantim inglês 1811339 de apenas 15%. Numa certidão de 1814340 temos referência aos direitos
Exmanth, Edward B. Oldaham, que seguia para a Jamaica. A Junta, em resposta ao deduzidos às mercadorias molháveis entradas na Alfândega no ano anterior:
requerimento do visado, declara que o acto foi uma baldeação e por isso estava isen- aguardente de cana 4019.945 réis
to de direitos. genebre 60.000 réis
A não uniformização do vasilhame de embarque do vinho causava graves incon- vinhos estrangeiros 182.472
venientes na Alfândega aquando da estimação do vinho para serem lançados os di- cerveja 910.000 réis
reitos. Daqui resultou a necessidade de estabelecer medidas no sentido de por cobro licores a 24% 4.320
aos inconvenientes. A Junta por edital de 1687332 ordenou que todos os barris e whisky 242.550 réis
caixões que fossem para bordo dos navios deveriam ser marcados e assinalados. Em aguardente a 24%, 27.896.160 réis
1762333 o holandês Miguel Noulan carregou 10 pipas de vinho de 30 almudes, sendo
considerado pela Junta com a medida corrente de 23 almudes. O cônsul inglês e O vinho era ainda onerado com diversos emolumentos. Desde 1816341 temos o
homens de negócios apresentaram um protesto, notando o engano que experimen- encargo de 200 réis por cada casco de vinho para o feitor das provas do vinho expor-
tavão nos vinhos que compravão por pipa pela incerteza da medida delas. tado e importado. Segundo informação de 1817 estamos perante um donativo vol-
Por provisão régia ordenou-se ao Juiz da Alfândega que levantasse o embargo e untário, visto terem-se prestado a isso os negociantes sem que fique este emolu-
mantivesse a medida de 23 almudes de modo a não afugentar os comerciantes, mento com a natureza daqueles estabelecidos pelo foral, mas sim como voluntário
embaraçar a saída dos vinhos de que resultaria grave prejuízo à Fazenda Real. Em enquanto os mesmos negociantes o quiserem prestar342. Podemos ainda adicionar os
1818334 retomou-se a ordem de 1687 ordenando-se que todas as pipas que se embar- emolumentos do patrão-mor da ribeira [1784/1798]343 e outros mais como nos elu-
cassem desde 1 de Janeiro de 1819 levarão a marca dos galões inteiros, ficando os cidam os livros da alfândega [1806/1818]344.
mesmos despachantes sujeitos a todas as penas de extravio dos reais direitos, além O peso das imposições que oneravam as exportações de vinho foi, por diversas
de se lançarem os créditos àqueles que o tiverem, no caso que por algum modo se
verifique algum dolo ou malícia. Em abono da medida e da questão surgida em 1761 335.
336.
Idem, nº 239, fol. 133vº.
Idem, nº 240, fol. 111vº.
337. Idem, nº 238, fols. 52vº-53.
328. ANTT, AF, nº 241, fol. 225vº. 338. Idem, nº 241, fols. 60vº, 74; vide ANTT, PJRFF, nº 764, fols. 123-124.
329. AHU, Madeira e Porto Santo, nº 447/8. 339. Idem, nº 239, fols. 36/46, nº 242.
330. ANTT, AF, nº 237, fol. 168. 340. AHU, Madeira e Porto Santo, nº 3376.
331. Iem, nº 239, fol. 137vº. 341. Idem, nº 239, fol. 58vº.
332. ANTT, PJRFF, nº 970, fols. 22vº-23. 342. Idem, nº 239, fol. 69vº.
333. Idem, nº 970, fols. 18-18vº. 343. Idem, nº 237, fols. 228-229vº; nº 238, fols. 18-19vº.
334. ANTT, AF, nº 239, fol. 114. 344. Idem, nº 238, fols. 91vº-92; nº 239, fols. 98vº-99.
374 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 375

Áreas e circuitos
O mercado do vinho da Madeira estava nas colónias inglesas da América e Índia.
A Madeira situava-se no traçado da rota dos grandes comboios da Índia e Antilhas.
Em 1788 um comboio de 70 navios carregou 2.000 pipas, e outro, que saiu em 1799
de Portsmouth com destino às Índias Ocidentais, comandado por Roger Curtis,
com 96 navios carregou 3.0411/2 pipas. Nas duas últimas décadas do século XVIII
dispomos de informação elucidativa sobre os principais mercados do vinho
Madeira. O mercado colonial no Atlântico e Índico domina.

EXPORTAÇÃO DE VINHO. 1780-1799


Destino VINHO
Pipas %
América do Norte 44484 18
América do Sul 45924 18
Índias ocidentais 103703 41
Sistema de engarrafamento Ásia 48673 19
de vinhos da União
Vinícola da Madeira
África 1757 1
[século XIX]. Europa 8127 3
Museu de Photographia
Vicentes TOTAL 252668
FONTE: FERRAZ, Maria de Lourdes de Freitas, O Vinho da Madeira no Século XVII. Produção e Mercados
Internacionais, in Actas do I Colóquio Internacional de História da Madeira, 1986, Funchal, 1989, vol. II, pp.935-965
vezes, apontado como a origem da crise e falta de capacidade concorrencial no mer-
cado externo. Aconteceu assim no princípio da década de vinte e na de cinquenta A primeira metade do século XIX foi marcada por mudanças no mercado con-
do século XIX345. O peso negativo dos impostos voltou a sentir-se a partir de 1868 sumidor. Foi o período de ruptura do Velho com o Novo Mundo. O mercado colo-
com o tributo lançado para amortizar o empréstimo da construção do porto do nial cede lugar ao europeu. As colónias, agora em processo rápido de quebra dos
Funchal. A concorrência dos portos das Canárias fazia-se sentir, provocando o vínculos europeus, afastavam-se dos circuitos de distribuição do vinho Madeira. A
desvio das embarcações em trânsito. A guerra às pautas estava na primeira linha de ilha acompanhou o processo indo ao encontro dos apreciadores de regresso ao
combate de animação do movimento do porto do Funchal. velho continente.
Os réditos arrecadados com a exportação do vinho eram elevados e durante Os portos da Índia, Antilhas e EUA deram lugar aos europeus: Londres,
muito tempo dominaram as exportações. Em 1813, com um embarque de menos Hamburgo, S. Petersburgo, Amsterdão, como testemunha Álvaro Rodrigues de
de vinte mil pipas de vinho, os lucros da alfândega foram elevados, representando Azevedo em 1873 ao afirmar que estes vinhos, entre 1830 e 1840, foram ganhando
89,6% da receita346. Passado mais de um século o vinho perdeu importância mas importância nos mercados das cidades hanseáticas, Rússia, Holanda e outros portos
continuou a pesar na balança das exportações com 43,2%, sendo superado na da Europa, nos Estados Unidos da América. Os dados de exportação confirmam a
economia interna para a manteiga347. viragem do mercado a partir de 1831.
O mercador tinha uma função importante na economia vitivinícola, dele depen-
dia a definição dos circuitos comerciais do vinho e a preparação do vinho a ser
exportado. A intervenção do inglês a partir do século XVII provocou alterações,
mercê da actuação no processo de vinificação. Deste modo adquiria o vinho em
mosto para depois proceder aos tratamentos adequados de acorco com o gosto dos
345. Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, pp.90, 93, 110, 119, 137-142, 166,
225, 247. mercados de exportação.
346. Rui Carita, Paulo Dias de Almeida e a Descrição da Ilha da Madeira, Funchal, 1982, p.97
347. Peres Trancoso, O Trabalho Português I- Madeira, Lisboa, 1928, pp.38, 40.
Os tratados luso-britânicos asseguraram a hegemonia da feitoria britânica no
376 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 377

Antilhas continuaram ainda a fazer escala pela Madeira onde tomavam grandes
quantidades de vinho. Quasi todas as pensões militares (messes) nas Índias, tanto
para os oficiais indígenas como para os ingleses se forneciam de vinho da Madeira;
além d’isso durante a primeira metade d’este século, se faziam embarques para a
América, a Rússia, a Alemanha348.
As vias de escoamento articulavam-se de acordo com as rotas atlânticas. O mer-
cado europeu, definido pela Inglaterra, Lisboa e Norte da Europa, ficavam no pro-
longamento das rotas americanas ou inglesas. As Índias Ocidentais e América ingle-
sa enquadravam-se nas rotas do tráfico atlântico, enquanto as Índias Orientais ali-
nhavam-se de acordo com o rumo dos comboios asiáticos.

Sistema de engarrafa-
mento de vinhos da
União Vinícola da
Madeira [século XIX].
Museu de Photographia
Vicentes

comércio do vinho da Madeira. A ocupação inglesa da ilha nos primeiros anos do


século XIX não foi ocasional. Da defesa dos interesses da feitoria passou-se ao
reforço da acção, consignada no tratado de 1810, por isso os ingleses surgem nos
anos imediatos com uma posição cimeira nas exportações, controlando mais de
50% do vinho exportado.
A crise oitocentista provocou a debandada geral do mercado inglês ou americano
e só ficaram aqueles com interesses noutros sectores. Como corolário disso tivemos
o desaparecimento das sociedades familiares e o aparecimento de associações,
como a Madeira Wine Association (1925) que absorveu, nos anos imediatos, mais
de trinta casas. Na actualidade o comércio do vinho é assegurado por novas empre-
sas, criadas no rescaldo da crise do comércio do vinho, sendo três (Henriques &
Henriques Lda., H. M. Borges Sucessores Lda., Vinhos Justino Henriques Lda.) o Entre 1777 e 1782 evidencia-se o predomínio do mercado colonial inglês na
elo de continuidade com o passado. As demais (Madeira Wine Company, Vinhos América com cerca de 2/3 do vinho exportado, atingindo 9.297 pipas em 1780,
Barbeito Madeira Lda., Pereira d’Oliveira Vinhos Lda., Artur Barros & Sousa Lda. cerca de 85% do volume de exportação do ano. Em segundo lugar mantém-se o
foram criadas a partir dos escombros de vetustas casas ou adegas particulares mercado asiático, logo seguido do europeu e africano, com números reduzidos. Em
O Madeira embora conhecido desde muito cedo no mercado europeu, 1787 aumentou o desnível dos mercados americano e asiático em relação ao
nomeadamente em França, Inglaterra, o certo é que foi nas colonias que adquiriu europeu e africano. A América era o principal consumidor do vinho da ilha, desta-
maior volume de consumo tornando-se no vinho para o colonialista europeu. O pre- cando-se as colónias inglesas com 3.700 pipas em 1785, 2.800 em 1786, 4.184 em
domínio do mercado colonial manteve-se ao longo do século XVIII, alterando-se 1787, ou seja metade do vinho saído para aí349. O centro de consumo estava nas
em finais do século e princípios do seguinte com as alterações da conjuntura. O Antilhas: o Madeira era a bebida alcoolizada mais difundida. Bebia-se geralmente
Wine and Spirit News dá conta disso: Depois da guerra cessaram os grandes com-
348. D. João da Câmara Leme, Os Vinhos da Madeira e o seu Descrédito pelas Estufas..., p. 27.
boios da Índia e das Antilhas; mas os navios que faziam a viagem da Índia e das 349. A. Silbert, ibidem, pp. 427/428.
378 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 379

Sistema de engarrafamento
de vinhos da União Vinícola
da Madeira [século XIX]
Museu de Photographia
Vicentes

Transporte e caixas.
no “sangaree”, mistura de vinho, água e sumo de limão.350 Os Estados Unidos apre- esteve sempre comercialmente sob a influência inglesa355. Colecção Perestrellos. Museu
sentaram-se em 1784 com 739 pipas, 921 em 1785, 289 pipas em 1786 e 1.791 em Para o período compreendido entre 1789 e 1801 os mapas de exportação eluci- de Photographia Vicentes.
1878. A preferência pelo vinho da Madeira nas plantações do Sul e área vizinha de dam sobre as áreas de consumo do vinho da ilha356. Mantém-se o predomínio da
Nova York era uma realidade351. América, nomeadamente a região central, as chamadas Índias Ocidentais, com
As Índias Orientais podem ser consideradas um mercado de grande importân- destaque para alguns mercados, que assinalámos por ordem decrescente de valor:
cia. Para aí saíram em 1785 3.000 pipas, 2.730 em 1786 e 3.899 (36%) em 1787. A Jamaica, Barbadas, Martinica, Santa Cruz, St. Eustachio, St. Vicent, a América do
este propósito comentava A. Silbert Para os ingleses, se o Porto é o vinho da metró- Norte com Boston, Filadélfia, Virgínia, Terra Nova, New York, Charlston, Baltimor.
pole, o Madeira é o vinho das Antilhas, mas também o das Índias. Um dos privilé- No Oriente o maior volume exportado surge sob o designativo de Ásia ou com
gios dos capitães de navios das Índias era o direito de importar 2 pipas de Madeira, referência mais restrita a Bengala, Bombaim, Índia, China. A Europa aparece com
e o Madeira corria em abundância, com o champanhe, à mesa dos seus pas- valores bastante inferiores, destacando-se os portos portugueses de Lisboa, Porto,
sageiros352. O movimento de exportação de vinho para o Oriente assumiu esta Setúbal, e outros, como Gibraltar, Granada, Marselha, Londres. Mais reduzido é o
importância na década de setenta do século XVIIII353. Em 1770 o número de pipas valor dos portos africanos, com Cabo Verde, Garnizé, Mogador. O mercado do
exportadas não ultrapassava as 700 pipas. Segundo o cônsul francês354 a partir de vinho estava, assim, Índias Ocidentais [com Jamaica, Barbados, Grenade],
1773 os ingleses aumentaram as exportações, tendo saído em 6 navios 1.500 Filadélfia, N. York, Ásia.
toneladas de vinho seco para Bombay, Madras, Bengala. Mais uma vez A. Silbert A primeira referência à exportação de vinho para a Rússia data de 1793, mas a
comenta: … a parte preponderante dos territórios britânicos no consumo do vinho presença na corte russa era de há muito tempo. Em 1787357 havia-se firmado um
da Madeira exprime-se por uma proporção impressionante: representa, cerca de tratado comercial entre as duas potências. Em 1811358 temos notícia da saída do
1786, os 2/3 do consumo total na quantidade e no valor. A Madeira ilha Atlântica bergantim português Ana e José com 190 pipas de vinho, 20 quartolas e 1 quarto,

350. Idem, p. 109


351. Idem, p. 108 355. Idem, p. 112.
352. A. Silbert, ibidem, p. 109 356. Confronte-se em anexo desta parte, quadros.nº.2, 3.
353. AHU, Madeira e Porto Santo, nº 231. 357. ANTT, PJRFF, nº 237, fols. 253vº-270; idem, AF, nº 239, fols. 1-2vº, 146vº-147vº.
354. A. Silbert, ibidem, pp. 109-110. 358. ANTT, AF, nº 238, fols. 170-170vº.
380 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 381

mais 2 pipas de vinho seco, 2 pipas de malvasia para S. Petersburgo. A intensificação


do movimento a partir da Madeira só se processou a partir de 1813359, coincidindo
com a prorrogação do tratado360.
O movimento do vinho para o mercado colonial europeu manteve-se na posse
dos ingleses, que dispunham de uma frota naval poderosa361. Entre 1784 e 1786
dominavam os circuitos de transporte com 61 embarcações em 1784, transportan-
do 3.365 pipas de vinho, 74 navios em 1785 com 4634 pipas, e 86 em 1786 com
4.619 pipas. Em 1787 o domínio inglês foi secundado pelos portugueses e ameri-
canos, a que se seguiram as francesas, dinamarquesas, holandesas, espanholas e sue-
cas. Em meados da centúria verificou-se uma valorização das embarcações nacionais
no movimento de exportação para as Índias Orientais, com a intervenção de Inácia
Quintela362 e de D. Guiomar de Sá Vilhena. A última embarcou em 1784 no bergan-
tim Nª Sr.ª de Penha de França, com destino à Ásia, 587 pipas e no bergantim Nª
Sr.ª das Neves e Stº António 230 pipas para os portos de Bengala e Calcutá363. Transporte de pipa em
corsa. Colecção
O predomínio das embarcações inglesas acentuou-se entre 1822 e 1824 sendo Perestrellos. Museu de
secundados pelos americanos. As francesas, holandesas, portuguesas, sardas, dina- Photographia Vicentes.
Colecção Perestrellos.
marquesas, suecas carregaram pequenas quantidades. O facto confirma o pre- Museu de Photographia
domínio mercantil inglês após os acordos vantajosos de 1808 e 1810 estabelecidos Vicentes.

com Portugal por força das invasões francesas. Ao mesmo tempo denota uma que- cado nórdico com Londres, S. Petersburgo, Hamburgo. Ao mesmo tempo denota-
bra na esfera mercantil portuguesa. se o alargamento da exportação a novas áreas da América do Sul para além do
A primeira metade do século XIX foi pautada pela alteração na geografia do Brasil, como Buenos Aires e Montevideu. Segundo A. R. Azevedo estes vinhos, na
mercado consumidor do vinho da Madeira. Foi o período de ruptura entre o velho década de 1830 a 1840, se foram de mais em mais acreditando nos mercados das
e o novo mundo, em que o mercado colonial cedeu lugar ao europeu do Norte. As cidades hanseáticas, Rússia, Holanda e outros portos da Europa, e nos Estados
colónias foram suplantadas pela mãe-pátria e abandonaram o consumo do vinho da Unidos da América. Estes importavam umas 4.200 pipas anualmente, e o império
Madeira em favor de outros produzidos nas novas áreas vitícolas além Atlântico, moscovita 2.000; os outros países, cerca de 3.000365. Os dados colhidos a partir de
como era o caso do Cabo da Boa Esperança. O colonialista inglês “regressado” ao 1831 assim o confirmam. Acontece que o predomínio do mercado nórdico, com a
velho continente não abandonou o Madeira: A maravilhosa qualidade do vinho pro- Rússia e Londres à frente, não acarretou quebra no total das exportações para os ve-
duzido sob estas novas condições logo atraiu a atenção dos oficiais Ingleses na sua lhos mercados coloniais, como a Índia, Jamaica e W. Índias, N. York.
viagem para ou de regresso das Índias Orientais ou Ocidentais, os quais presente- Londres surge entre 1831/1834 com um número significativo de pipas impor-
mente levaram a moda de beber Madeira para Inglaterra e depois para toda a comu- tadas. Idêntica foi a situação de S. Petersburgo em 1832, que entre 1833 e 1839
nidade de língua Inglesa. O resultado foi um longo período de prosperidade para a suplantou o mercado londrino. O mercado de Hamburgo apresenta-se igualmente
Madeira364. com valor significativo. O facto mais saliente resulta da quebra momentânea das
O período de 1823/1825 pode ser definido como a fase de transição, uma vez exportações para o mercado colonial das Índias Orientais e da América do Norte.
que se mantém o domínio do mercado colonial, como Jamaica, Índia, W. Índias, St. Em meados do século XIX era ponto assente o domínio do mercado europeu no
Vicent, N. York, notando-se um impulso para a saída do vinho rumo à Europa consumo do vinho Madeira. O norte-americano, que desde 1830 se afirmara como
como do vinho de roda ou de exportação directa para Londres, S. Petersburgo, um cliente destacado, volta a evidenciar-se em 1849 e 1850. A situação deverá resul-
Hamburgo, Amesterdão, Lisboa. A partir de 1826 consolida-se o domínio do mer- tar do aumento do tráfico entre os Estados Unidos e a Inglaterra, em que a Madeira
assumia uma posição privilegiada366. O consumo do vinho aumentou de modo
359. AHU, Madeira e Porto Santo, nº 3250.
360. Idem, nº 12647; ANTT, AF, nº 239, fols. 23-23vº.
espectacular até 1833 declinando entre 1834/1842 para subir em 1843, 1847, com
361. cf. em anexo quadros nº.3.
362. A. Silbert, ibidem, p. 110
363. AHU, Madeira e Porto Santo, nº 702/7.
364. A. Samler Brown, Madeira and the Canary Islands, London, 1890, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. 365. Op. cit., p. 719.
Documentos e Textos, Funchal, 1993, p.415 366. A. Silbert, ibidem, p. 108.
382 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 383

uma ligeira quebra em 1846 e 1848, voltando a subir de novo entre 1840 e 1850367.
Para o período entre 1882 a 1885 nota-se o predomínio do mercado de
Inglaterra no volume das exportações, seguido da Rússia. Em 1882 mais de 2/3 da
exportação de vinho teve como destino a Inglaterra com 2491 pipas sendo as
restantes 869 distribuídas pela Rússia com 353, Brasil com 108 e outros países com
207. A nota mais saliente prende-se com a quebra do mercado dos Estados Unidos,
que se apresenta só com 48 litros quando na época de apogeu (1830/1834) havia
atingido as 2.000/4.000 pipas. O Brasil vinha assumindo desde meados do século
uma posição no mercado consumidor do vinho Madeira, evidenciando-se entre
1882/1888 com valores que oscilam entre as 100 e 200 pipas. Nota-se igualmente
uma exportação crescente para a Alemanha. Em 1882 era de apenas 39 pipas em
1882, atingindo-se em 1887 as 1.487 pipas. Idêntica situação sucede com a França
que de 32 pipas em 1882 atinge 239 em 1887 e 704 em 1888. A exportação do vinho
atingiu entre 1895/1903 e 1905/1933 valores significativos, quando comparados aos
períodos anteriores368.
A época de exportação do vinho, de acordo com a informação documental de
1786369, decorria nos primeiros cinco meses do ano, articulando-se de forma direc-
ta com os momentos do grande tráfico atlântico. Albert Silbert define duas rotas
para a navegação oceânica: dos alísios de Abril a Maio e o itinerário Norte/Sul de
Setembro a Outubro para o continente americano370. Para o período de 1789 a 1792
a maior incidência ocorre nos meses de Março a Junho, enquanto entre 1793/1796
e 1813/1814 mantém-se os meses de Março a Maio e surge outra época de Outubro
a Dezembro.
O período de saída do vinho diferencia-se de acordo com o mercado de destino,
tendo em conta a sazonalidade das rotas oceânicas. Para a América do Norte e
Central dominam os meses de Fevereiro, Abril e Outubro/Dezembro, enquanto no
mercado asiático temos Fevereiro/Abril. Em conclusão podemos afirmar que o
período de maior saída do vinho decorre de Março a Junho e depois de
Setembro/Dezembro, mas aqui com pouca influência.

Rotas do Vinho Madeira nos Sèculos XVCII E XIX

367. Cf. em anexo quadros, nº.26 a 30


368. Sobre a acção dos franceses no comércio do vinho da ilha, vide A. Silbert, ob.cit. Cf. em anexo quadro nº.34
369. ARM, GC, nº 70, fols. 35vº-43vº.
370. Op. Cit.
384 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 385

No século XX ocorreram profundas alterações no mercado do vinho Madeira.


A Inglaterra e as regiões da Europa do Norte consolidaram posições. Entretanto
aconteceram perdas irreparáveis, como foi o caso da Rússia, a partir de 1916. Já nos
Estados Unidos, um dos potenciais mercados, tivemos os efeitos da lei seca que se
fizeram sentir desde 1919 e que levou à proibição de entrada do vinho e demais
bebidas alcoólicas nos anos de 1924-1925. A situação reflectiu-se nas exportações
entre 1924 e 1931. Apenas no período da Segunda Guerra Mundial com o fecho
dos mercados europeus voltou a assumir uma posição de relevo, nomeadamente
nos anos de 1943 e 1944. Durante a guerra a rota do Brasil, Estados Unidos e
demais países americanos manteve-se aberta.
A década de vinte foi difícil para o comércio do vinho Madeira. As sequelas da
revolução russa, mercado que consumia mais de 2000 pipas anuais, as dificuldades
que se sucederam ao fim da guerra e o aparecimento de vinhos finos em diversas
regiões do globo, como foi o caso do Cabo, Austrália e norte do Mediterrâneo,
provocaram transformações mo mercado mundial do vinho. A par da oferta e varie-
dade de vinhos o mercado teve que se bater com leis anti-alcoólicas e o protec-
cionismo de alguns países371. A Alemanha, que havia adquirido importância na
economia da ilha a partir da década de oitenta do século XIX, saiu reforçada nas
décadas seguintes, concorrendo em pé de igualdade com a Inglaterra, França e EXPORTAÇÃO DE VINHO EM %.1939.1988 Oficina de Tanoaria.
Cossart Gordon & Co.
Rússia. As duas guerras mundiais acarretaram a inversão do rumo, que só voltou a 1939 1947 1988
animar-se a partir da década de sessenta. Dinamarca 30% 5,0 3
A primeira metade do século XX diz-nos que a Madeira continuou a apostou Suécia 25,6 5
em novos mercados a Norte, com a Dinamarca, Suécia e Noruega. A Dinamarca, França 13,5 40
que em 1913 importara apenas 35 pipas, situa-se em 1939 numa posição destacada Noruega 10,5 4,8
Grã Bretanha 5,6 7,5 11
importando 30%, desaparecendo de forma misteriosa em 1959372. A Suécia assumiu Alemanha 4,6 12
destaque entre 1901 e 1961. A Noruega afirmou-se a partir de 1910 mantendo-se até Finlândia 2,0 1
1968. As vendas para o mercado escandinavo mantiveram-se em fase ascendente até Suiça 1,4 1,0 4
à década de sessenta, perdendo paulatinamente importância nas últimas três Holanda 1,4 1,3 4
décadas do século XX Bélgica 1,3 3,7 9
Brasil 1,1 14,0
USA 0,8 1,0 5
EXPORTAÇÃO DE VINHO EM HL.1913-1926 Outros 2,2 4,8 10
1913 1917 1922 1926 Japão - - 3
Suécia 2724 1962 3714 13860
Dinamarca 18655 470 339 7273 As duas guerras mundiais afastaram definitivamente a Alemanha dos destinos de
França 8205 9199 1954 6369 exportação do vinho Madeira. As cidades alemãs, nomeadamente Hamburgo, vin-
Alemanha 5089 3484 6785 ham adquirindo importância desde a década de oitenta do século XIX. O alemão
Inglaterra 2935 2103 2178 3245 tornou-se rapidamente em apreciador do vinho Madeira e só a guerra o demoveu.
Brasil 1221 339 617 616 Todavia, durante a Segunda Guerra Mundial temos notícia da importação por con-
trabando, via Lisboa e Pirinéus373. Ao mesmo tempo o mercado inglês perdeu

373. Veja-se Ramón J. Campo, Aragão, 2001; Cf. reportagem de Ignacio Martinez de Pisón, Canfranc y el Oro Nazi, in EP[S]-
371. Cf. Peres Trancoso, Trabalho Industrial, I Madeira, Lisboa, 1928, pp.12-13. El Pais Semanal, nº.1351, domingo de 18 de Agosto de 2002, pp.16-19; Miguel Carvalho, Os Segredos Portugueses dos
372. Cf. Rupert Crooft-Cooke, ob. cit, pp.122-125 Pirinéus. Ouro Nazi, in Visão, nº. 494, 22 a 28 de Agosto de 2002, pp. 34-43.
386 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 387

Bomba e máquina
de rotular garrafas. Máquinas de rolhar
Museu do IVV. garrafas. Museu do IVV.

importância em favor do francês, que passou a controlar mais de 50% das expor- O período posterior à Segunda Guerra Mundial foi marcado pela lenta agonia
tações do vinho madeirense. do comércio do vinho, apenas na década de setenta começou a recuperar e a
assumir uma posição importante das exportações da ilha. A evolução foi marcada
EXPORTAÇÃO EM HECTOLITROS.1861-1988 pela reposição dos tradicionais mercados e à consolidação de novos como foi o caso
ANOS FRANÇA ALEMANHA RÚSSIA INGLATERRA do Japão. A proibição das exportações a granel desde 2001 reflectiu-se nas expor-
1861-70 2265 4221 7018 tações para os mercados francês e alemão.
1871-80 564 538 1233 5498 É no seio do mercado comunitário que a Madeira encontra o principal mercado
1881-90 3317 1216 2244 9414
do vinho. Fora dele merece destaque a posição privilegiada do Japão logo seguido
1891-00 4781 4314 4846 7438
1901-10 5529 7384 4670 4158 do mercado norte-americano. O Japão é um dos novos mercados conquistados para
1911-20 7066 10626 2880 4721 o vinho Madeira e desde 1989 conseguiu suplantar o tradicional mercado ameri-
1923-27 6334 2719 2766 cano.
1930-32 11155 1364 1345
1950-52 3919 1906 1052
MERCADOS DO VINHO MADEIRA (em hectolitros)1984-2000
1988 12.912 4165 3684
DESTINOS 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000
Obs. período de 1871-1952 valores médios ano. União europeia 26.037 25254 29035 25178 26737 25835 27467 25619 25073 24796 23821 25301 26158 27412 27097 26444 29781
FONTE: R. Honorato Correa Rodrigues, Questões Económicas, vol. II, Funchal, 1955, p.119
EFTA 3172 3067 4714 3834 4079 4174 2796 3381 3638 3609 2587 3075 903 612 1398 34 192
Outros países 2921 2860 2553 3389 3640 3592 3154 3935 3036 3450 3620 3692 3927 113 246 3853 3877
Consumo nacional 3296 2296 2382 2760 5825 4767 3403 5013 3954 3581 4693 5459 5486 5279 5800 3939 6325
1855 1856 1857 1858 1859 Total 35382 33479 38695 35162 40483 38369 36820 37950 35704 35437 34722 37528 36476 37099 38752 36272 40176
INGLATERRA 1603 1695 1746 2220 2414hl
USA 749 898 787 1008 1255
CANADÁ 275 320 426 477 773
388 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 389

América do Norte

De acordo com Fitch W. Taylor A ilha da Madeira é conhecida pelos


Americanos principalmente devido aos seus vinhos; e em anos anteriores, pelas
quantidades de cereais que eram importados dos Estados Unidos para a ilha. Nos
últimos anos, o número de embarcações aqui chegadas, vindas dos Estados Unidos,
diminuiu, embora ainda seja matéria de algum interesse para o nosso comércio.
A parte principal do comércio está nas mãos dos comerciantes Ingleses que têm
residência permanente na ilha, com as suas famílias375.
O vinho da Madeira surge na América do Norte desde os primórdios da colo-
nização inglesa na primeira metade do século XVII. As referências mais recuadas
apontam para a presença na Nova Inglaterra em 1640, New Haven em 1642 e
Boston em 1645, mas só em meados da centúria seguinte se tornou uma moda para
os norte-americanos, de forma que o acto de o beber era uma forma de prestígio
social. Desde então o vinho das ilhas foi uma presença assídua nos portos atlânticos
[Boston, Charleston, N. York e Filadélfia, Baltimore, Virgínia] onde era trocado por
farinhas376. Esta contrapartida reforçou o relacionamento comercial e favoreceu o
progresso da economia vitivinícola. Nos séculos XV e XVI a afirmação da cultura
dos canaviais foi conseguida com o suprimento cerealífero dos Açores e Canárias.
Já a partir de finais do século XVII o celeiro madeirense transferiu-se para a
América do Norte. Cedo, a Madeira entrou na esfera dos interesses norte-ameri-
canos, sendo o vinho o cartão de visita. As ilhas atlânticas são conhecidas na docu-
mentação oficial norte-americana como as ilhas do vinho377.
Exportação de vinho O vinho Madeira está inexoravelmente ligado à História dos Estados Unidos da
para a Suécia. Mercados com história América. Desde o século XVII que os colonos ingleses se haviam afeiçoado. Por
Colecção Perestrellos.
Museu de Photographia isso, em momentos de dificuldade lutaram pela presença do vinho no dia-a-dia.
Vicentes. Os mercados do vinho Madeira diversificaram-se ao longo dos tempos. De entre Acontece ainda que alguns portos norte-americanos, como os de New York,
todos apenas o britânico foi o único que manteve fidelidade ao vinho. Os ingleses Philadelphia e Virgínia actuavam como áreas de redistribuição para as Antilhas
foram os primeiros a apreciar o vinho da ilha, documentando-se a presença desde inglesas378.
o século XV. No quadro da evolução dos mercados do vinho Madeira podemos O Madeira está também na origem do movimento independentista, que se ini-
definir três momentos374: ciou com a recusa aos elevados encargos fiscais impostos pela coroa inglesa.
Sucedeu assim em 1768, quando J. Hancock se recusou a pagar os novos direitos
• Séculos XV e XVI: domínio da Europa, nomeadamente França e Inglaterra; sobre as 127 pipas de vinho do navio Liberty, que fazia entrar em Boston. Idêntica
• Séculos XVII-XIX: momento de afirmação das colónias europeias na atitude repetiu-se em 1773 com um carregamento de chá da Índia, situação co-
América e Índia, sendo o vinho Madeira companheiro inseparável dos colonos; nhecida como o Tea Party, por ser o despertar do movimento pró independência
• Século XIX a partir de 1830: retorno do vinho à Europa com a plena afir-
mação dos mercados londrino e russo. 375. The Flag Ship: Or a Voyage Around the World, NY, 1840, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e
Textos, Funchal, 1993, p.356
• Século XX: diversificação dos mercados e afirmação do britânico, norte- 376. Cf. Jorge Martins RIBEIRO, Alguns Aspectos do Comércio da Madeira com a América na Segunda Metade XVIII, in
americano e o aparecimento de novos no Norte da Europa e Japão. Actas III Colóquio Internacional de História da Madeira, Funchal, 1993, pp.389-401.
377. Veja-se A. GUIMERA RAVINA, Las Islas del Vino (Madeira, Açores e Canarias) y la América Inglesa Durante el Siglo
XVIII. Una Aproximacón a su Estudio, in II C.I.H.M. Actas, Funchal, 1990, pp. 900-934, confronte-se Albert SILBERT, art.
cit., pp. 420-428.
378. Letters to Washington and Accompanying Papers. Published by the Society of the Colonial Dames of America. Edited by
374. Os dados que conseguimos reunir estão em anexo. Quadros nº.30, 33, 34 Stanislaus Murray Hamilton
390 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 391

da América do Norte. Antilhas


O apreço de alguns presidentes norte-americanos foi suficiente para assegurar no
novo país um mercado preferencial para o vinho Madeira. A década de sessenta foi o
momento de afirmação, surgindo o Madeira com 29% do mercado. New York era o O grupo de ilhas da América Central, nomeadamente aquelas onde havia, desde
destino preferencial. Metade do total das exportações de vinho no período de o século XVII, assentamentos ingleses e franceses, foram um importante consumi-
1785-1787 seguia para lá. A guerra de secessão a partir de 1770 condicionou o merca- dor do vinho da Madeira. No século XVIII os inúmeros comboios de embarcações
do, marcado pela quebra nas duas décadas seguintes, atingindo em 1794 o máximo. que faziam escala na Madeira permitiam o fácil escoamento do vinho. O Madeira
O movimento de independência provocou o bloqueio aos tradicionais circuitos corria nos serões de quase todas as ilhas, mas em especial Jamaica, Barbados,
comerciais sob domínio de ingleses. A conjuntura foi catastrófica para a Madeira. O Martinica, Santa Cruz, St. Eustachio, St. Vicente.
madeirense habituado a receber o sustento de trigo, milho e farinhas dos portos
americanos a troco de vinhos, viu-se momentaneamente privado. A fome foi o resul- Índia
tado inevitável, sendo os anos de 1795-96 e 1799 de autêntico flagelo. Em 1774 John
Leacock estava preocupado com a notícia de que o Congresso Americano se
preparava para proibir a introdução do vinho Madeira. Os navios das companhias inglesa e holandesa das Índias Ocidentais, desde o
O século dezanove definiu novo rumo para o vinho madeirense. Os portos ame- século XVII faziam escala na Madeira, onde se abasteciam de vinho, especialmente
ricanos continuaram a recebê-lo mas não com a assiduidade que os caracterizou na Boal. O Madeira, pela adaptação às dificuldades do clima oriental e da viagem, rapi-
centúria anterior. O vinho estava de regresso ao velho continente e avançava à con- damente adquiriu um estatuto especial: E no que diz respeito à Índia, pode salien-
quista do mercado nórdico. Num ápice passou do calor tórrido para o frio da tar-se que embora aí seja reduzida a população de Ingleses e poucas pessoas de ou-
Sibéria sem se deteriorar. A conturbada situação provocada pela guerra civil terá tras nacionalidades bebam vinho Madeira, este e o vinho tinto são, no entanto, os
provocado o desvio. Em 1863 Charles Blandy em carta a Jefferson Davies, únicos vinhos de consumo generalizado tanto pelas autoridades como pelo exérci-
Presidente dos Estados confederados, reclamava o pagamento dos danos causados to, verificando-se que o primeiro é abundantemente usado durante o jantar382.
com a perda de mercadoria provocada pelo afundamento pelo Alabama do barco Os mercadores ingleses residentes no Funchal dominavam o comércio, desta-
Lauraetta379. cando-se as firmas de John Leacock, Francis Newton e Leacock, que mantinham
Em pleno século XX surgiram novas privações à expansão do vinho Madeira nos uma relação privilegiada com as autoridades coloniais das Índias inglesas. Apenas a
Estados unidos da América. O fundamentalismo chegou ao consumo das bebidas empresa de Francis Newton exportou, entre Dezembro de 1799 e Agosto de 1800,
alcoólicas determinando desde 1920 a proibição de consumo, situação que per- 1050 pipas de vinho para Bombay383. À morte em 1799 deixou o campo aberto à
durou até 1933, altura em que foi revogada por Roosevelt. Os poucos que se man- firma de Newton Gordon e Murdoch. A casa, sob a designação de Cossart Gordon
tiveram fiéis criaram os Madeira Party, isto é, clubes onde se reuniam, em segredo, & Ca. manteve no decurso do século XIX e primeira metade da presente centúria,
para beber o vinho Madeira. Ficou célebre em Savanah o Madeira Club que, ainda um activo negócio de vinhos com o indico tendo para abastecer as messes e clubes
hoje, levantada a lei seca, se reúne ritualmente no onze de Novembro para saudar a dos oficiais ingleses. No total foram 60 distribuídos por diversas regiões, de modo
ilha com um cálice de Madeira380. Os mercados produtores europeus temeram a especial na Índia.
possibilidade de semelhantes medidas se estenderem a outros países, pelo que se A perda do mercado oriental liga-se de forma directa com a evolução das rotas
fundou em Paris a Liga Internacional dos Adversários das Proibições. A Associação oceânicas: Também o mercado da Índia Oriental foi afectado primeiro pela dis-
Comercial do Funchal, através do sector de vinhos entrou na campanha em favor do solução da Companhia das Índias Orientais que importava muito vinho para as suas
consumo do vinho, entregando verbas para o efeito à liga de Paris381 colónias, e ulteriormente pela construção do Canal do Suez, que abriu uma rota
mais favorável para o oriente de modo que os barcos já não passavam pela Madeira,
na sua viagem para lá, onde carregavam meia dúzia ou uma dezena de pipas de
vinho384.

382. J. Barrow, A Voyage to Conchinchina in the Years 1792 and 1793, London, 1806, in Alberto Vieira, História do Vinho da
379. Rupert Croft-Cooke, Madeira, pp.93.94. Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, p.339
380. Noel Cossart, Madeira the Island Vineyard, London, 1984, pp.64-65 383. Rupert Croft-Cooke, ob.cit., p.63
381. Luís de Sousa Mello e Rui Carita, Associação Comercial e Industrial do Funchal, Esboço Histórico (1836-1933), 384. H. Vizetelly, Facts About Port and Madeira, London, 1880, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e
Funchal, 2001, pp.137-140 Textos, Funchal, 1993, p.398.
392 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 393

Anos Total Madeira %


Inglaterra 1750-1759 358709 13573 3,8
1760-1769 410230 19089 4,7
A Inglaterra terá sido um dos primeiros destinos do vinho Madeira, estando 1770-1779 407589 17309 4,2
documentada a presença desde o século XV, mas foi só no século XVII, com os 1780-1789 417752 13122 3,1
1790-1799 657153 18402 3,9
tratados estabelecidos entre as duas coroas, que os ingleses assumiram uma posição 1800-1809 832759 32217 3,9
na sociedade e comércio do vinho da ilha, controlando as saídas para Inglaterra e 1817-1825 20.596 1300 6,3
colónias inglesas na América e Índico. 1827-1836 25691 783 3,0
William Shakespeare transmite-nos o quotidiano da vivência privada e tabernas 1837-1846 25704 408 1,6
da época. As referências ao vinho, em especial ao Malvasia, são frequentes. Surgem 1847-1852 24471 291 1,2
Fonte: W. Minchinton, Britain and Madeira to 1914,
também indicações explícitas ao vinho Madeira e de Canárias. No porto de Bristol in Actas do I Colóquio Internacional de História da Madeira,
a informação mais recuada sobre o comércio com a Madeira datam de 1583 e em vol I, Funchal, 1989, pp.500 e 507
1598-1590 temos a entrada de uma embarcação com vinho, seguindo-se outra entre
1601-1602385. São poucas as provas documentais e materiais do comércio de vinho Portugal assume uma posição dominante como fornecedor do mercado britâni-
com o mercado londrino, mas é evidente o protagonismo britânico na definição e co seguido de perto pela Espanha, como o evidenciam os seguintes dados:
consumo do vinho. Em 1999 escavações arqueológicas nas proximidades da Torre
de Londres desenterraram uma garrafa datada de 1679386. Origem Vinhos importados entre 1825-1831
A guerra da independência dos Estados Unidos da América levou a que alguns Hl %
mercadores fossem forçados a apostar no mercado britânico. John Leacock foi um Portugal 138.633 43,81
Espanha 119.232 37,68
dos que sentiu necessidade de reforçar os laços com Londres, passando a manter
Madeira 13.841 4,37
uma relação regular. Desde 1772 foi o fornecedor oficial de vinho, por intermédio Canárias 9.931 3,14
de John Carbonell, ao rei Jorge III. Ao mesmo tempo apostou no mercado das Reno 3.358 1,06
Antilhas, onde mantinha com Francis Newton uma posição privilegiada. Sicília 13.437 4,25
A plena afirmação da Grã-Bretanha como mercado preferencial do vinho França 17.975 5,68
Total 316.407
Madeira surge no século XIX, altura em que a perda de algumas das colónias levou
FONTE: O Defensor, 125, p.4
a que toda a atenção do mercador inglês retornasse à terra natal. Para o período de
1831 a 1885, a disputa pelo primeiro lugar nas exportações de vinho Madeira estava
entre Londres e S. Petersburgo. No mercado britânico a oferta de vinho europeu era Nem todo o vinho Madeira importado pelo mercado londrino era para consumo
variada e o Madeira representava uma ínfima parcela das importações. No decurso local sendo a maioria reexportado. Para a década de quarenta do século XIX temos
do século XVIII foi, paulatinamente, conquistando uma posição de relevo387. uma imagem do movimento rumo a esse destino.

SITUAÇÃO DO VINHO MADEIRA NO MERCADO LONDRINO EM GALÕES


IMPORTAÇÃO DE VINHO NA INGLATERRA
Ano Import Export Consumo local
TONÉIS DE 252 GALÕES
1840 279157 143829 112555
Anos Total Madeira %
1841 215253 146283 107701
1700-1709 392283 1510 0,4 1842 200443 107662 65209
1710-1719 483688 4848 1,0 1843 245498 101412 93589
1720-1729 572812 3958 0,7 1844 226660 149037 111577
1730-1739 528042 11008 2,1 1845 213229 137641 102745
1740-1739 378631 10280 2,7 1846 205406 138491 94580
1847 201096 100506 81349
385. Jean Vanes (ed.), Documents Illustrating the Overseas Trade of Bristol in the Sixteenth Century, Bristol, 1979, pp. 144, 1848 154701 86430 76938
148, 170. 1849 165463 129896 71097
386. Público, 10 de Dezembro de 1999, p.33, Visão, 16 de Dezembro de 1999.
387. A. D. Francis, the Wine Trade, Edimburgh, 1973, pp.316-325; W. Minchinton, Britain and Madeira to 1914, in Actas do I FONTE: Robert White, Madeira its climate and Scenery, London, 1851, p.176
Colóquio Internacional de História da Madeira, vol I, Funchal, 1989, pp.500 e 507
394 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 395

O século dezanove foi um momento de concorrência do vinho de diversas dam que em 1812, mercê da presença na ilha de José Agostinho Borel como o
proveniências no mercado londrino, o que prejudicou a posição do Madeira: Uns primeiro cônsul, os contactos comerciais passaram a ser assíduos.
25 annos haverão que ainda a Inglaterra, importava para seu domestico consumo O primeiro navio russo a demandar a ilha foi o bergantim Helena do capitão Deach
perto de 6:000 pipas de vinho da Madeira, porem hoje nem 800 pipas gasta annual- Mandels em 1813. Mas já em 1811 um outro bergantim português havia conduzido a
mente, em consequencia de ter entrado em moda o Xerez, o Porto e os Vinhos S. Petersburgo 194 pipas de vinho Madeira. Por aqui se pode concluir que os primeiros
Francezes, e para as Indias não vai ja ametade do que ia, por se fornecerem em anos da centúria foram propícios ao comércio de vinho para o novo destino.
grande quantidade de vinho do Cabo da Boa Esperança, colonia Ingleza.388 Certamente que as dificuldades de abastecimento em França terão conduzido à prefe-
Para a década de cinquenta do século XX é possível estabelecer uma relação rência pelo vinho madeirense. Lembremo-nos que os czares aderiram a todas as coli-
entre os vinhos da Madeira e do Porto no mercado londrino. gações contra a França de Napoleão o que lhes valeu uma sangrenta invasão em 1812,
descrita por Tolstoi no célebre romance Guerra e Paz.
DATA PORTO MADEIRA TOTAL A presença de José Agostinho Borel na ilha, desde 1812, como primeiro cônsul,
1951 273.625 34.471 1.705.527 marcou o início de contactos comerciais assíduos. Entre 1832 a 1839 a Rússia adquiriu
1952 209.995 29.223 1.527.344
1953 251.735 34.246 1.412.215
uma posição cimeira nas exportações. As pipas que saíram para S. Petersburgo repre-
1954 227.196 34.167 1.651.189 sentavam 23% do total, baixando entre 1882-1885 para 11% do vinho transaccionado
1955 228.996 29.991 2.001.240 no porto do Funchal. Tal como referia em 1815 o Bispo do Funchal, a presença e ini-
1956 246.125 31.453 2.227.272 ciativa do cônsul russo na ilha foram importantes para a afirmação das trocas comerci-
ais com a Rússia. O vinho madeirense debatia-se com dificuldades no mercado ameri-
Rússia cano e indico pelo que a abertura de um novo mercado era bem vinda. O vinho regres-
sou aos salões requintados de Londres e daí irradiou para os palácios da aristocracia
nórdica. Alemanha, Dinamarca, Rússia e cidades de Londres, Hamburgo, S.
A Rússia foi um importante mercado consumidor do vinho madeirense no século Petersburgo foram os principais destinos a partir de 1820. O elevado teor de álcool do
XIX. S. Petersburgo, a capital do império e do fausto russo, terá descoberto o vinho vinho Madeira possibilitou a resistência às baixas temperaturas nórdicas, fazendo com
Madeira no último quartel do século XVIII, mas só na primeira metade do seguinte aí que se afirmasse como um parceiro nobre para o whisky, cerveja e vodka.
ancoraram com assiduidade barcos com vinho. A primeira referência ao envio para a O vinho madeirense conquistou em definitivo o paladar da aristocracia russa
Rússia é de 1756389. Os vinhos fortemente alcoolizados, nomeadamente o Boal, pas- adquirindo uma posição cimeira nas exportações no período de 1832 a 1839. Um dos
saram a ter aqui um consumidor preferencial. principais obreiros da rota russa foi William John Krohn, que passou à Madeira em
Sabe-se que, desde 1766, a czarina, Catarina, a grande, estabeleceu medidas que 1849 e fundou em 1858 uma casa de vinhos, a Krohn Brothers & Co., com o irmão
favoreceram a importação de vinho de Portugal saindo reforçada em 1772 e 1787. Na Nicholas, ambos naturais de S. Petersburgo, embora com ascendência dinamarquesa.
última data foi celebrado um tratado de amizade, navegação e comércio entre D. Maria O avô era privado da corte imperial russa, o que poderá estar na origem da grande
I e D. Catarina II. Não obstante todas as facilidades a presença do vinho da Madeira predilecção da casa imperial pelo nosso vinho. W. J. Krohn foi vice-cônsul da Rússia
só foi notada nos primeiros anos da centúria seguinte. no Funchal, no período de 1866 a 1880. A casa especializou-se no comércio com a
As balanças de comércio de 1776 e 1777 referem apenas os vinhos de Setúbal, Rússia, sendo a que mais sofreu com o corte do comércio a partir de Outubro de 1916
Lisboa, Porto, mas se atendermos a que a partir de Lisboa se reexportava vinho de com a Revolução russa. A firma, que se situava em segundo lugar no volume de expor-
múltiplas proveniências, inclusive da Madeira, é muito possível que o vinho madeirense tações de vinho, viu-se relegada para um plano secundário, sendo forçada a aderir à
estivesse incluído. Noutros documentos colhemos a informação de que em 1790 se Madeira Wine Association Lda., de quem havia sido um dos mais sérios opositores.
estudava a viabilidade de estabelecer relações comerciais com a Rússia, a exemplo do Terminou assim a época de esplendor para a firma Krohn Brothers & Co. Em 1916,
que sucedia a alguns anos na ilha de S. Miguel com a laranja. Abre-se um parêntesis quando os revolucionários se serviram do vinho para matar, por envenenamento, o mís-
para dizer que também os vinhos açorianos, no caso o verdelho do Pico, são aponta- tico Gregori Rapustine, privado da corte de Nicolau II, ditaram o golpe de finados para
dos como da preferência do czares. Sendo assim os contactos deverão ser posteriores a presença do Madeira nas terras russas. A revolução não admitia tal luxo e depois o
a esta data, pelos menos assim o provam os poucos dados de exportação de vinho Estado Novo, por opção política, vedou à ilha tal mercado. Os apreciadores russos do
disponíveis na documentação. De 1789 a 1801 não há qualquer rastro nos livros de vinho Madeira tiveram que se contentar com as falsificações feitas por algum vinhateiro
saída da alfândega do Funchal, o que só sucede a partir de 1825. Outros dados eluci- de ocasião. A fama do Madeira perdurou de modo que em 1949 na exposição de
Bruxelas foi possível ver o Madeira made in Rússia. Em 1991 descobriu-se nas caves do
388. P. P. Câmara, Breve Notícia Sobre a Ilha da Madeira, Lisboa, 1841, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira.
Documentos e Textos, Funchal, 1993, p. 378.
Kremlin algumas garrafas de vinho Madeira, certamente esquecidas na confusão da
389. Rómulo de Carvalho, Relações entre Portugal e a Rússia no Século XVIII, Lisboa, 1979, p.188 Revolução de 1916.
396 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 397

Os preços e os mercados
O preço de venda do vinho limpo para exportação era distinto do atribuído ao
mosto. O vinho depois de passar pelo processo de fermentação, limpeza e fortifi-
cação com a aguardente surgia com outro valor no mercado, onde se repercutia o
trabalho e as mais valias. Em 1865 uma pipa de vinho de Câmara de Lobos, onde
se produzia o melhor vinho da ilha, que havia custado 100$000 réis em mosto,
depois de limpo e lotado valia já o dobro390. O preço da pipa de embarque podia
duplicar ou triplicar, consoante as solicitações do mercado. Segundo Alvaor
Rodrigues Azevedo391, entre 1792/1821 com uma média de exportação de 20.000
pipas, o preço oscilava entre as 250.000 a 400.000 reis. Enquanto Ruppert Crooft-
Cook392 refere que em 1808 a pipa de embarque rondava os 800.000 reis.
O preço de venda, à chegada ao mercado de destino, tem a ver com os custos
fixos para o transporte, os tributos que oneravam a saída da Madeira e a entrada no
mercado consumidor, a que se deveriam adicionar as inevitáveis perdas estimadas
em cerca de 10%. Mesmo assim o lucro era elevado. Em 1650, uma pipa de vinho,
que à saída do Funchal era 10$000 e à chegada à Baia de 40$000, o lucro repre-
sentava 60% do capital investido393. No caso das Índias Ocidentais inglesas em 1696
o lucro podia alcançar os 155% do capital investido, uma vez que uma pipa de vinho
saia do Funchal por £5 5s. (15.000 réis) e era vendida em Barbados por £17394.
A venda no mercado consumidor dependia de diversos factores, a que se associ-
am os custos fixos à chegada ao destino. Em 1778 os preços no mercado londrino
do vinho Madeira oscilavam entre as 12 libras esterlinas por pipa do comum para
37 do London Particular395. Aqui podemos acompanhar a evolução até 1930. O
movimento é ascendente desde 1778, acentuando-se entre 1815/1816. A situação
não deve ser alheia à conjuntura europeia pautada pelas guerras napoleónicas em
que o vinho Madeira se apresentava como um raro néctar no mercado londrino. A
partir de 1817 entrou em queda até 1852 alcançando então 26 libras. A quebra pode
ser explicada pela concorrência dos vinhos franceses e espanhóis que com a paz
geral invadiram o mercado. Quanto ao aumento notado a partir de 1852 explica-se
pela quebra da produção provocada pelo oídio, de modo que em 1852 e 1865 se
atingiu o valor de 75 libras. Mas, regressando a normalidade às colheitas, o preço
voltou a descer atingindo 46 libras.

390. Informações para a Estatística Industrial Publicadas pela Repartição de Pesos e Medidas-Distrito de Leiria e Funchal,
Lisboa, 1863, p.89
391. Ob.cit., p.718
392. Ob.cit., p.75
393. T. Bentley Duncan, Atlantic Islands, London, 1972, p.49; F. Mauro, Portugal, o Brasil e o Atlântico, vol. II, pp.119-120.
394. Ibidem, p.50
Diversas Garrafas de vinho. Justino Henriques Lda. 395. Wine and Spirit News, cit. por D. João da Câmara Leme, Os Vinhos da Madeira e o seu Descrédito pelas Estufas..., p. 43.
398 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 399

PREÇOS DA PIPA DE VINHO DO LONDON PARTICULAR EM LIBRAS

ANO Preços ANO Preços


1783 83 1815 75
1791 10 1816 77
1795 36 1817 67
1797 37 1818 65
1798 40 1819 60
1804 45 1820 50
1808 50 1826 46
1810 54 1827 12
1811 57 1857 40
1812 60 1865 75
1813 63 1913 75
1814 70
Fonte: R. Croft-Cooke, ob. cit.

O Madeira era o vinho que tinha um preço mais elevado no mercado britânico.
Assim, em 1827 uma pipa de Madeira valia 12 libras ou 26 caso fosse da roda,
enquanto o do Faial e do Cabo era vendido por 10 libras. A situação foi um entrave
para à afirmação junto do público consumidor396.

Rótulo antigo. Colecção da


Exclusivismo do vinho Madeira Wine Company.
A ilha da Madeira é conhecida pelos Americanos principal mente devido aos seus vi-
O vinho é o único género abundante que produz esta ilha e faz toda a sua riqueza é nhos; e em anos anteriores, pelas quantidades de cereais que eram importados dos
a moeda que mais gira como equivalente do mais que importa para sustento de seus Estados Unidos para a ilha. Nos últimos anos, o número de embarcações aqui chegadas,
habitantes alimentados unicamente do seu produto sem recurso de nenhuma outra pro- vindas dos Estados Unidos, diminuiu, embora ainda seja matéria de algum interesse para
dução de outras bebidas capazes de adulterar os vinhos bons de embarque ou paralisar o nosso comércio.
a venda dos baixos nas tabernas, que desta forma não vendidas se exportam com
descrédito dos legais de embarque. Fitch W. Taylor.1840

A Madeira é uma província de precária subsistência e não produz grão que chegue Os comerciantes Britânicos controlam, para seu interesse, os cultivadores de vinha,
para consumo de dois meses e outros vegetais frutuosos apenas darão subsistência para fornecendo-lhes de antemão tudo o que eles necessitam, nos intervalos da vindima e nas
mais um mês, de maneira, que o sustento de 8 para 9 meses lhe é importado. Ela não estações mais baixas. Os seus negócios com os habitantes portugueses do Funchal tam-
tem fábrica, nem produção alguma outra filha da natureza, ou de arte que socorra a esta bém devem ser intensos; exceptuando este facto, parecem não existir muitas relações
e as outras precisões, além dos seus vinhos generosos. sociais entre eles.

(Documentos de 1819 e 1821, in Arquivo Histórico-Ultramarino, Madeira e Porto Santo, N.º 4 625; Arquivo George Thomas Staunton.1797
Nacional da Torre do Tombo, Provedoria e Junta da Real Fazenda do Funchal, N.º 963, fol. 85Vª/6; Arquivo
Regional da Madeira, Registo Geral da Câmara do Funchal. T. 15. fols. 100Vº/104)

396. Defensor da Liberdade, nº.17.


400 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 401

fazer do Funchal uma base para as incursões além Atlântico. A ilha foi refresco de
veleiros e vapores, sedentos de carvão. A estas condicionantes associa-se o vinho. A
necessidade e presença na dieta alimentar de marinheiros, soldados e colonizadores
é inquestionável.
O cosmopolitismo britânico, evidente na sociedade local, coroava o impacto da
comunidade, escrevendo algumas das páginas mais significativas da História da ilha.
Os ingleses foram os últimos [há quem diga que teriam sido os primeiros, basean-
do-se na fatídica aventura de Machim] a se envolverem no fascínio da ilha. Os por-
tugueses desbravaram o terreno e abriram caminho para a presença europeia.
Depois chegaram os italianos, franceses e flamengos para fruir das riquezas. Só
muito mais tarde vieram os ingleses, atraídos pelo aroma da célebre malvasia. A
fama, proclamada na obra de Shakespeare, foi o mote para a imposição ao paladar
da aristocracia britânica, que se deliciava até ao afogamento nos tonéis cheios de
vinho. O Malvasia madeirense encantou a aristocracia e coroa inglesas, animando
os serões dos súbditos de Sua Majestade, dentro e fora da grande ilha.
Múltiplas e variadas razões fizeram com que o Funchal se afirmasse a partir do
século XVIII como centro chave das transformações sócio-políticas operadas de
ambos os lados do oceano. Aqui deverá sinalizar-se a presença da comunidade ingle-
Rótulo antigo. sa e o facto de ter transformado a ilha num importante centro para a afirmação
Colecção da
Madeira Wine colonial e marítima. A vinculação ao império britânico foi notória no quotidiano e
Company. devir histórico madeirenses dos séculos XVIII e XIX.
O vinho, não só alegrava o coração, como também supria as deficiências calóri-
O negociante de vinhos cas. Era assim que o encaravam os homens da época. Os portugueses haviam prova-
do que era o único a resistir ao calor dos trópicos e que se adaptara muito bem às
O comércio e mercado do vinho Madeira foram, desde meados do século XVII, constantes mudanças de temperatura. Tudo isto junto gerou a aliança da Madeira
definidos e dominados pelos ingleses. A partir daqui podemos dizer que o inglês é com o império britânico. O vinho e a posição geográfica da ilha foram os protago-
sinónimo de comerciante de vinhos e que a ilha se transformou numa área sob o nistas. A aliança fez prosperar a ilha, encheu-a de latadas, de quintas e ingleses,
seu controlo. sedentos do vinho.
A afirmação na vida local, controlo económico e das relações externas levaram à
conquista de uma desusada posição e à afirmação no plano político, por meio de
Os ingleses, a ilha e o vinho madeira
tratados ou de uma interessada ligação às autoridades da ilha e país. A feitoria, ao
nível local, as autoridades consulares, no reino e ilha, conjugavam-se para o mesmo
A relação da ilha com o mundo inglês deve ser encarada num âmbito mais vasto. objectivo. A situação dos ingleses era especial. Desde o século XVII que a feitoria
Não foi um jogo de interesses de um punhado de britânicos [náufragos na ilha, a inglesa definiu um estatuto à parte para a comunidade, que permitia ter conser-
exemplo de Machim] versus os madeirenses, martirizados pela opressão. Tudo isto vatória e juiz privativo. O espírito de união da feitoria, que persistiu até 1842, favore-
faz parte de um processo mais vasto. As origens devem ser encontradas nos ten- ceu a posição na sociedade madeirense e demarcou o fosso com os naturais. A
táculos do império colonial. O polvo surgiu com Cromwell e manteve-se até que o influência inglesa foi ganha nos bastidores do poder político e, por vezes, sob o
ideário independentista, revelado pelos náufragos do Mayflower, fez esboroar todo olhar complacente daqueles [os republicanos] que, à primeira vista, pareciam ser
o vasto império. inimigos. O caso da família Hinton e o célebre engenho é exemplo disso.
Na estratégia imperial a Madeira foi uma pedra chave. Não era o clima ameno, Os relatórios dos cônsules, que surgem na ilha a partir de 1658, incidem a
nem tão pouco a necessidade de uma antecâmara de adaptação ao calor tórrido dos atenção no plano económico. O ponto da situação, feito em Julho, era elaborado de
trópicos ou frio que a valorizavam. Tudo isso foi o bónus para o real empenho de
402 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 403

acordo com as orientações do Foreign Office. A incidência sobre os súbditos de Sua foram atribuídas condições especiais à presença britânica na ilha, com a isenção de
Majestade era, acima de tudo, uma forma de controlo do trafico comercial de e para metade dos direitos de exportação do vinho e a décima e o donativo.401
as colónias. A ilha era um dos eixos da estratégia. Foi por isso que em princípios do O Malvasia foi o mote para que o inglês viesse à descoberta das infindáveis quali-
século XIX foi ocupada por duas vezes pelas tropas britânicas. Mais do que preser- dades terapêuticas da ilha, da raridade das espécies botânicas e, por fim, o deleite
var os interesses britânicos na ilha estava a necessidade de impedir o avanço francês das infindáveis belezas do interior da ilha devassado a pé, a cavalo ou de rede. São
no Atlântico, o que poderia molestar os ainda importantes domínios coloniais. Os inúmeros os testemunhos captados pela pena ou no traço de aguarelistas e
tratados sedimentaram a posição confortável dos ingleses, enquanto que as leis de gravadores. Os ingleses tiveram o mérito de descobrir duas inigualáveis marcas que
navegação do século dezassete mais não fizeram que reforçar os laços definidos pelo definem o rincão: o vinho e as belezas paisagísticas. E, como tal, foram dos
mercantilismo inglês. primeiros e principais fruidores. Durante muito tempo a ilha foi para eles sinónimo
O turismo e o vinho estão indissociavelmente ligados aos ingleses. Foram eles os disso. Depois, com a plena afirmação da hegemonia britânica no Atlântico e Indico,
principais mentores, intervenientes e usufrutuários, que traçaram os rumos do mer- a Madeira transformou-se num pilar importante do vasto império: a base impre-
cado colonial e definiram o processo de vinificação adequado ao paladar e às con- scindível para o corso marítimo [a forma usual de represália nos mares] e porto obri-
tingências da rota e destino. Para o turismo a presença é por demais evidente. gatório para o abastecimento dos porões das embarcações, tão procurada nas taber-
Foram os primeiros turistas e os promotores dos hotéis, desde finais do século XIX. nas londrinas como nas messes das hostes britânicas além Atlântico.
O Reid’s hotel é o emblema de ouro. A feitoria britânica surgiu na segunda metade do século XVII como forma de
A presença inglesa foi uma constante no quotidiano397. Muitos visitantes teste- organização e defesa dos interesses da comunidade na ilha, usufruindo de um
munham-no, destacando a extrema dependência398. Em 1873 Álvaro Rodrigues de estatuto diferenciado que lhe dava a possibilidade de possuir desde 1761 cemitério
Azevedo399 afirmava que a Madeira está em grande parte anglicizada, na raça, nos próprio, para além do direito a igreja, enfermaria, conservatória402 e juiz privativo.
costumes, a propriedade, no comércio, na moeda; e a língua inglesa é aqui a mais Sabemos, ainda, que estavam isentos do pagamento de qualquer direito na alfânde-
falada depois da nacional. Se nós somos imprudentes em dizer isto, o que são os ga, cobrando, por iniciativa própria, um tributo sobre os barcos ingleses para as
governos se o ignoram? E pior, se não o ignoram, pois que o não evitam, o que despesas da feitoria. A situação, segundo o Governador João António de Sá
serão? Só o brio português nos mantém portugueses. Ainda, em 1924, a mesma Pereira403, era antiga e contava com o hábito de obsequiar os governadores para os
ideia persistia no testemunho presencial de Raul Brandão: Esta ilha é um cenário e ter sempre propícios afim de melhor continuar nos grandes interesses que tira d’es-
pouco mais-cenário deslumbrante com pretensões a vida sem realidade e desprezo ta ilha....
absoluto por tudo o que lhe não cheira a inglês. Letreiros em inglês, tabuletas em A feitoria arrecadava o chamado tributo de nação, isto é, uma quantia sobre os
inglês e tudo preparado e maquinado para inglês ver e abrir a bolsa400. produtos exportados pelos ingleses, que no caso do vinho era de 240 réis por cada
Embora os ingleses estivessem presentes na Madeira desde o início, até associa- pipa, usado depois para auxílio mútuo, apoio aos serviços médicos e religiosos da
dos à questão da descoberta da ilha no século XIV, nunca dominaram os circuitos comunidade404. A comunidade todos os anos no dia de Reis retribuíam os favores
comerciais locais, que estavam nas mãos dos flamengos e genoveses. Somente a par- do governo da ilha, na figura do Governador, com uma oferta de 600$000, que re-
tir do século XVII começaram a fazer sentir a influência. Em 1651, com o novo
tratado firmado para o casamento de D. Catarina de Bragança com Carlos II de 401. ANTT, PJRFF, nº.396, fl.71vº, ordem régia de 16 de Outubro; ARM, RGCMF, tomo IV, fl.44, provisão de 27 de Fevereiro
de 1669; idem, ibidem, fl. 44vº, 27 de Novembro de 1670; idem, ibidem, fl. 45, 26 de Janeiro de 1662.
Inglaterra, dizia-se que a Madeira estava contemplada no dote da princesa. O facto, 402. Public Record Office, FO , 811/1, fls.278, 31 de Janeiro de 1724.
verdadeiro ou não, evidencia o interesse pelo domínio da Madeira que, embora não 403. Veja-se AHU, Madeira e Porto Santo, nº 317, 30 de Abril de 1768. Sobre os ingleses na ilha veja-se Fernando Augusto da
SILVA, Elucidário Madeirense, 3 vols., Funchal 1984, entradas “ingleses”, Estrangeiros, conservados dos ingleses,
tivesse sido consumado na realidade, veio a existir de facto. Com base no tratado Cemitério Britânico, igrejas inglesas; A.A. SARMENTO, “A Feitoria Inglesa”, in Fasquias da Madeira, Funchal, 1951, pp. 99-
103; Walter MINCHINTON, “British Residents and their Problems in Madeira Before 1815”, in Actas do II C.I.H.M., Funchal,
1990, pp. 477-492; Desmond GREGORY, ob. cit.; Graham BLANDY (ed.) Copy of Record of the Establishement of the
Chaplaincy and Notes on the Old Factory at Madeira, Funchal, 1959.
397. Faltam um estudo sobre a presença britânica na Madeira. A maioria dos textos existentes é de origem inglesa, como é o 404. Esta situação é descrita do seguinte modo por H. Vizetelly [Facts about Port and Madeira, London, 1880, in Alberto Vieira,
caso de Desmond Gregory, the Beneficient Usurpers, London, 1988; Walter Minchinton, British Residents and their História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, pp.394-395]: feitoria Britânica, a qual tinha quase um
Problems in Madeira Before 1815, in Actas do II Colóquio Internacional de História da Madeira, Funchal, 1990, pp.477- monopólio do comércio de vinho da ilha, fixando anualmente o preço do mosto adquirido aos produtores, bem como tam-
492. De entre os portugueses temos A. Sarmento, Os Ingleses na Madeira, in Diário de Notícias, Março/Abril, 1930; Paulo bém os preços a que os vinhos deviam ser exportados. Ao lançar um imposto sobre cada pipa de vinho exportada por eles
Miguel Rodrigues, A Política e as Questões Militares na Madeira. O período das Guerras Napoleónicas, Funchal, 1999. próprios, criaram os fundos necessários para fazer um cemitério onde os súbditos britânicos podiam ser decentemente
398. An Historical Sketch of the Island of Madeira, London, 1819, p.58; Francis L. Hawks, Narrative of the Expedition of an enterrados, pois nessa altura, os corpos dos que näo eram de fé católica Romana eram insolentemente atirados ao mar.
American Squadron to the China Seas and Japan…, N. Y., 1856, p.104; J. Edith Hutcheon, Things Seen in Madeira, Antes de haver este cemitério, um membro da feitoria que näo gostava nada da ideia do seu cadáver servir de comida aos
London, 1928, p.140. F. b. Spilsbury, Account of a Voyage to the Western Coast of Africa, London, 1807, p.7 peixes, implorou aos seus sócios que o enterrassem, quando morresse, debaixo da sua secretária na casa da contabili-
399. Anotações, in Saudades da Terra, livro segundo, Funchal, 1873, p.720 dade. Secretamente, fizeram isso e o caixäo que tinha sido preparado para o seu cadáver foi enchido de pedras e entregue
400. As Ilhas Desconhecidas, Lisboa, 1926, p.264. às autoridades para ser lançado ao mar. Cf. ainda J. Jonhson, Madeira…, London, 1885, in Alberto Vieira, História do Vinho
da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, p.407
404 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 405

1684, ao mesmo tempo que se firmou a dependência do mercado local ao inglês.


Os portugueses tornaram-se consumidores dos panos ingleses e fornecedores de
vinho ao mercado inglês. Segundo Alavro Rodrigues de Azevedo o tratado trouxe
para a Madeira a mais apertada vassalagem ao mercantilismo britânico406. E isto foi
de modo que em 1722407 aos vinhos produzidos na ilha só existia duas alternativas:
ou embarcá-los para o Brasil, ou vendê-los aos ingleses e por qualquer destes princí-
pios lhes tinha pouca conveniência, porque os ingleses os queriam extrair, como o
extraiam, por muito inferiores, por vezes a troco de alguns géneros comestíveis que
lhes tinha pouca conta os moradores dessa ilha....
Desde 1658 que os ingleses tinham um cônsul na ilha e vinham adquirindo
importância na sociedade local. Em 1725408, aquando da nomeação do cônsul
Guilherme Rider, dava-se conta dos princípios porque se regiam as relações entre
os dois reinos e dos privilégios dos súbditos ingleses na ilha: E que as pessoas desta
república possam livremente levar aos reinos, portos e territórios de el-rei de
Portugal, assim armas, pão, peixes com todos os outros géneros e mercadorias e
Francis Newton. vendê-las a seu arbítrio ou pelo meudo ou por junto a quaisquer homens ou por
Thomas Murdoch
qualquer preço que poderem. As regalias foram confirmadas todas as vezes que um
novo cônsul tomava o lugar. Assim o sucedendo em 1751409 com Guilherme Nayche
presentava metade do que auferia a autoridade de vencimento durante um ano. e em 1779410 com David Bell, com a carta de privilégio concedida ao comerciante
Através das contas da feitoria podemos acompanhar o movimento de exportação de estabelecido no Funchal.
vinho até 1811. No porto do Funchal a presença de armadas inglesas era constante. O relaciona-
mento com as autoridades locais amistoso, sendo recebidos pelo governador com toda
RECEITA DA FEITORIA BRITÂNICA.1774-1811
a hospitalidade. Destas relevam-se as de 1799 e 1805, compostas, respectivamente de
Ano Receita Barcos Pipas de vinho
108 e 112 embarcações. Para além disto era assídua a presença de uma esquadra ingle-
1774 1.200$000 183 11661 sa a patrulhar o mar madeirense, sendo a de 1780 comandada por Jonhstone.
1803 4.200$000 110 8088
1804 11.041$000 117 11041 As expedições científicas do século XVIII conduziram a que instituições científi-
1805 2.600$000 171 13223 cas europeias ficassem depositários de algumas das Colecções: o Museu Britânico,
1807 7.159$000 7414 a Universidade de Kiel, Universidade de Cambridge, Museu de História Natural de
1808 20.310$350 290 14832 Paris. Por cá passaram destacados especialistas da época, sendo de realçar John
1809 230 15363 Byron, James Cook, Humbolt, John Forster. A lista é infindável, contando-se, entre
1810 11273
1751 e 1900, quase uma centena de cientista.James Cook escalou a Madeira por
1811 9535
duas vezes (1768 e 1772), numa réplica da viagem de circum-navegação com inter-
Fonte: Copy of Record of the Establishment of the Chaplaincy and Notes on the Old Factory at Madeira, Funchal,
recopied, 1980
esse científico. Os cientistas, Joseph Banks, J. Reinold Forster, que o acompan-
haram intrometeram-se no interior da ilha à busca das raridades botânicas para a
Com o tratado de 1661 abriram-se de novo as portas para o domínio inglês do classificação e depois revelação à comunidade científica. Na primeira viagem apor-
mercado insular, mercê de medidas de privilégio e a isenção dos direitos de expor- tou ao Funchal a 12 de Setembro, sendo muito bem recebido e homenageado com
tação do vinho. Em 1689 foi-lhes concedida a faculdade de se fixarem com casas uma festa na casa do cônsul, Thomas Cheap.
comerciais de vinho, comestíveis e manufacturas, fazendo entrar na ilha os artigos Se o consulado pombalino foi pautado por um esfriamento na influência britânica
de luxo405. Com o tratado de Methuen (1703) pôs-se cobro à situação criada em 406. Op. cit., p. 720.
407. ARM, RGCMF, t. 8, fol. 14.
408. Idem, t. 8, fol. 37-52vº.
405. Todavia, passados quatro anos depois D. Pedro II deu um golpe nesse comércio especulativo de artigos de luxo ao 409. Idem, t. 9, fols. 196vº-199.
interditar a entrada de panos estrangeiros. 410. Idem, t. 12, fols. 108-109.
406 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 407

as invasões francesas, mais tarde, com os tratados de 1808, 1810 vieram repor a velha
ordem. As ocupações da ilha em 1801/2 e 1807/8411 que confirmaram o domínio
britânico. A primeira pelo coronel Clinton quase não se fez sentir mas não evitou o
nervosismo do governador que, em carta de 26 de Julho de 1801, dizia que em tudo
tem sido necessário disfarçar412 e o desagrado dos estudantes413. Com a segunda o
Major-general W. C. Beresford conseguiu que o domínio efectivo da ilha passasse para
a administração inglesa. A curta permanência na ilha foi suficiente para confirmar e
reforçar o domínio britânico, através de medidas administrativas que conduziram à
diminuição das tarifas aduaneiras em certos produtos414 ou através dos salvo-condutos
aos navios415. As medidas confirmação pelo tratado de 1810416 que perdurou até 1836.
Os súbditos britânicos concretizaram a velha ambição de fazer da ilha um recanto
de Sua Majestade. O primeiro indício da apetência surgiu em 1661, quando nas nego-
ciações para o dote do casamento da infanta D. Catarina com o rei Carlos II a parte
inglesa reivindicou a inclusão da ilha da Madeira. A tradição, que surge sempre quan-
do os documentos se calam, afirma que os madeirenses teriam recusado tal opção
levando a coroa portuguesa a substitui-la pela ilha de Bombaim e a fortaleza de
Tanger, para além de uma elevada quantia em dinheiro foi o resgate pago pelos
madeirenses para manterem a fidelidade à coroa portuguesa. Todavia a realidade
parece ser outra. A doação feita em 1 de Novembro de 1656 por D. João IV à Infante
Rótulos antigos.
D. Catarina contraria o princípio que levou D. Manuel em 1498 ao fazer reverter para A conjuntura política envolvente ao governo imperial de Napoleão Bonaparte Colecção
a coroa a posse, ficando realenga para sempre, pelo que não poderia ser alienada. repercutiu-se de forma evidente no espaço atlântico, provocando uma alteração no da Madeira Wine
Company.
À figura de Napoleão associa-se a um período fulgurante da História da Madeira movimento comercial. O mútuo bloqueio continental entre a França e a Inglaterra
definido pela dominância do vinho e pela cada vez mais omnipresente posição do lançaram as bases para uma nova era da economia atlântica. Os circuitos comerci-
inglês. Também a ilha e o vinho desfrutaram de uma posição inigualável. Talvez por ais que se iniciavam e finalizavam nos portos europeus, desapareceram, por algum
tudo isso, quando o fatídico imperador passou pela ilha em Agosto de 1815 a ca- tempo, pois o cordão umbilical que os mantinha foi cortado. Neste contexto é evi-
minho do exílio, o cônsul inglês, Henry Veitch, não encontro melhor lembrança dente a valorização das ilhas que passaram a dispor de um mercado aberto para os
para lhe ofertar que tonel de vinho417. A conjuntura europeia protagonizada por produtos como o vinho até aqui alvo da concorrência do europeu. Os dados
Napoleão fizera com que o vinho madeirense adquirisse uma posição dominante no disponíveis em alguns estudos sobre a época revelam que o bloqueio não foi assumi-
mercado atlântico, fazendo aumentar a riqueza dos ingleses, os principais comer- do e fiscalizado na totalidade. Para a ilha significou alterações nas rotas comerciais.
ciantes e consumidores. Diz a tradição que o tonel com o precioso rubinéctar regres- A Madeira perdeu os portos do reino e do norte da Europa, mas em contrapartida
sou à ilha, reclamado pelo doador. O vinho regressado à ilha multiplicou-se, em ganhou nos contactos com os Açores e as colónias inglesas do indico. A ilha que em
1840, em centenas de garrafas, que fizeram as delícias de inúmeros ingleses. finais do século dezanove ficara seriamente abalada com a concorrência dos vinhos
Churchill, de visita à ilha em 1950, foi um dos felizes contemplados. europeus via-se agora numa posição sem limites e livre do obstáculo.
Os ingleses, fiéis às ordens de Sua Majestade, acataram as determinações régias
411. A. Sarmento, Ensaios..., vol. III, pp. 147/163, 175/206.
de 16 de Maio de 1806, favorecendo, inevitavelmente, a Madeira. A partir daqui
412. Idem, pp. 152/3. todas, ou quase todas, as embarcações que se dirigiam aos portos franceses e caste-
413. Idem, pp. 160/1.
414. ARM, RGCMF, t. 19, fol. 189vº. lhanos foram desviados para a Madeira. Ademais os ingleses desfrutavam de uma
415. A. Sarmento, ibidem, p. 206.
416. Vide texto do tratado in M. H. Pereira, Portugal no Século XIX. Revolução, Finanças, Dependência Externa, Lisboa, 1979, posição preferencial, adquirida pela argúcia das operações comerciais e amplos
pp. 228/241. privilégios e garantias ditados pelas forças britânicas que ocuparam a ilha. O empen-
417. Quando nos referimos ao fim que teve Napoleão, todos, ou quase todos, reclamam a inevitável referência à passagem do
mesmo pela ilha ao caminho do cativeiro em Santa Helena e o retorno dos seus restos mortais em 1840. Alguns, mais ho britânico era por demais evidente sendo a única explicação plausível para a ocu-
afoitos, recordam a importante peça literária que a esse propósito leu J. Reis Gomes na sessão da classe de letras da aca-
demia de Ciências em 18 de Janeiro de 1934 e publicado, em separado, com o título O Anel do Imperador, Funchal, 1936. pação pelas tropas inglesas. O facto mais evidente da conjuntura não foi a subordi-
Na nossa mente estão outras questões mais importantes, que definem o perfil do devir económico madeirense em tal
momento.
nação do madeirense à soberania britânica mas o que isso implicou em termos da
408 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 409

consolidação da comunidade. As principais casas comerciais viram a posição


reforçada dominando o mercado de exportação de vinho e importação de artefac-
tos e alimentos. O período que decorre a partir da década de noventa do século
dezoito foi marcado por uma acentuada subida da produção do vinho resultante da
cada vez maior procura nos mercados americano e indico. O momento de 1794 a
1813 ficou para a História do vinho madeirense como o de maior solicitação do
mercado, atingindo-se no último ano o maior número de pipas exportadas, isto é,
cerca de 22.000.
A elevada procura de vinho fez esgotar os stocks, prejudicando o processo de
envelhecimento mas promovendo a expansão da cultura. O preço de venda era ele-
vado e a aposta na vinha compensadora. A conjuntura revolucionou as técnicas de
vinificação, adaptando-se a esta cada vez maior procura. Generalizou-se o uso das
estufas e aguardentes. As primeiras permitiram o rápido e prematuro envelheci-
mento dos vinhos, enquanto as segundas possibilitaram o recurso a vinhos de baixa
qualidade para o embarque. A adulteração foi fatal para a boa reputação do vinho
Madeira, repercutindo-se, mais tarde, com a abertura dos mercados europeus. A
conjuntura emergente das guerras napoleónicas propiciou um momento alto da Rótulos antigos.
nas palavras do Juiz do povo, que em 1770 os responsabilizava pela crise do comér- Colecção da Madeira
economia vitivinícola, enquanto que a derrota de Waterloo (1815) foi o prelúdio de cio do vinho resultado da impunidade com que actuavam na ilha. Wine Company.
próxima fatalidade para o vinho e a ilha. P. P. da Câmara destaca a mudança operada no comércio de vinho, fruto do
Não conhecemos qualquer manifestação de agravo por parte da coroa inglesa à tratado de 1810: Antes do nefando tratado de 1810, era inibido aos ingleses com-
inesperada mudança, mas de uma coisa temos a certeza, os ingleses nunca voltaram prar vinhos em mosto, porém sendo-lhes isto facultado, tornaram-se os árbitros
as costas à ambição hegemónica, pelo que quando o momento o propiciasse a espe- deste género, e os verdadeiros senhorios da terra420. O mesmo é reafirmado A. R.
rança acabava por se tornar uma realidade. Sucedeu assim com a situação contur- de Azevedo, um britanófobo ferrenho: E então o predomínio dos negociantes ingle-
bada de princípios do século dezanove e, mais perto de nós, com a célebre revolta ses de mais a mais fortalecido pela invasão e ocupação desta ilha por tropas britâni-
da Madeira de Abril de 1931418. Por algum tempo os ingleses não se coibiram de cas se enraizou, forte e decisivamente, na Madeira. - Os extraordinários preços a que
fazer jus à pretensão ao proclamarem em Dezembro de 1807 a soberania britânica os vinhos desta ilha foram subindo desde o fim do século passado e o que susten-
na ilha419. taram no primeiro quartel do presente, não deixavam sentir essa fuga; davam para
Subjacente ao fascínio britânico, dizem alguns, está a polémica questão da lenda tudo; a Madeira nadava em oiro; mas, logo que os vinhos decaíram, os proprietários
de Machim. Diz-se até que ela era reabilitada a cada momento que semelhante con- territoriais, habituados a largas despesas, que os meios de que dispunham já não
juntura fosse realidade. Teria sucedido assim na década de sessenta do século dezas- comportavam, recorreram, ao expediente das antecipações, havendo desses nego-
sete com a promoção feita pela Epanáfora Amorosa de D. Francisco Manuel de ciantes à conta das futuras colheitas, quando precisavam, géneros alimentícios, fato,
Melo, repetindo-se em 1814 com o benemérito Robert Page, que dizia ter encon- calçado, mobílias, dinheiro, tudo; e aqueles poucos que não estavam nestas circuns-
trado o madeiro da vera cruz que encimou a cova do par amoroso. Mas tudo isto tâncias e os colonos agricultores vendiam aos mesmos negociantes seus vinhos, a
não passará de mera coincidência, considerada por alguns, como Álvaro Rodrigues prestações mensais, de sorte que, uns e outros, porque essas casas comerciais
de Azevedo e o Pe Eduardo Pereira, de origem duvidosa. Todavia nunca vingaram britânicas os quasi únicos compradores dos vinhos, e árbitros supremos do preço
os argumentos históricos na reivindicação inglesa para a posse do arquipélago. Ela deles, todos lhes ficaram na mais completa sujeição; o vinho reduzido ao ínfimo
aconteceu de facto, servindo-se de favores estabelecidos em tratados, de uma pau- valor; os proprietários e agricultores afrontados de penúria; e o negociante inglês
latina conquista do comércio da maior riqueza que era o vinho. Existiu, na verdade, auferindo no estrangeiro todos os lucros, ainda avantajados, do negócio de vinhos
uma forte contestação à presença britânica na ilha no século XIX. Uma está patente da Madeira. A deplorável tirania deste humilhante monopólio se eximiam somente
duas ou três casas portuguesas, que de própria conta exportavam os vinhos de suas
418 . Veja-se Maria Elisa F. Brazão, A Revolta da Madeira, Funchal, 1994.
419 . Cf. Paulo Miguel Rodrigues, A Política e as Questões Militares na Madeira. O Período das Guerras Napoleónicas,
Funchal, 1999. 420. Op. cit., p. 91.
410 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 411

terras e outros comprados, tendo estas casas, por vezes, patriótica e generosamente
mantido os preços, para que não descessem ao ínfimo, que o mercado britânico pre-
tendia impor. Assim mesmo a Madeira chegou a miseranda decadência; o vinho,
único produto a que se dedicava, era ao mesmo tempo o seu recurso e a sua des-
graça, o seu tesouro e a sua pobreza421.
As reflexões supracitadas parecem ter sido o pensamento dominante dos
madeirenses no século XIX. As próprias instituições sentiram o mesmo problema
e não se fizeram rogadas. A Câmara do Funchal em 1814 ao abordar a questão das
aguardentes referia o predomínio inglês nas actividades especulativas: O nosso
comércio é absolutamente passivo, os ingleses põem o preço aos nossos vinhos e
aos seus efeitos. O cabedal da gente da terra está todo em poder deles pelos longuís-
simos prazos a que se tem taxados os pagamentos e para aumentar ainda a sua pre-
ponderância e ascendência comercial trabalham por fazer parar as nossas mãos,
para passar às suas pelo preço que quiserem um grande excedente de vinhos e não
há decerto meio mais adequado por obstar este danado fim do que arruinar e
obstruir o nosso consumo interior, que sendo só dos nossos vinhos em parelha com Raleigh Blandy, C. J.
a exportação422. Os ingleses para fazerem parar nas nossas mãos um grande exce- Cossart, Leland Cossart,
Harry e Charles Hinton
dente de vinhos, compra-los por preços baixos querem obstruir a extracção deles no na Quinta do
interior com as suas bebidas espirituosas423. Monte[1842]

A acção dos ingleses foi dominadora nos séculos XVIII e XIX controlando, não
só as vias de escoamento do vinho, como também o comércio e abastecimento do por vezes, formas de proteccionismo. Isto aconteceu com as firmas de Jorge
mercado local. Desde os começos do século XVIII que as relações comerciais entre Monteiro e Dona Guiomar, sendo encarado como meio de romper o domínio
a Madeira e a Inglaterra nunca mais deixam de crescer. Comerciantes ingleses desde inglês. O monopólio do comércio do vinho por uma companhia consignada a Pedro
há muito que substituíam os flamengos ou italianos no conjunto da praça fun- Jorge Monteiro é fruto disto. A questão surgiu em Abril de 1784427 com o lança-
chalense. Muitos activos arrematam o vinho aos produtores e colocam-no nos mer- mento do finto, criado para suprir as despesas da guerra. A arrecadação foi
cados por eles controlados. Os produtos manufacturados e os víveres que vêm da consignada a Pedro Jorge Monteiro, preparando-se a Junta para formar uma com-
Inglaterra e colónias americanas em troca do vinho para as suas mãos. Armadores panhia de vinhos. Mas mereceu a desaprovação da classe mercantil da praça, pres-
ingleses garantem o grosso desse tráfego, assim mesmo quando a balança comercial sionada pelos ingleses428. O Governador viu-se forçado a tomar providências excep-
se equilibrava ou apresentava ligeiro favorecimento à Madeira os lucros da própria cionais de modo a desfazer o boato: Seria inútil qualquer diligência que se fizesse
exportação vinham acumular-se nas mãos dos mercadores e armadores ingleses424. para conhecer o autor dela e só posso atribuir esta malevolência à inveja do aumen-
Uma das estratégias usadas pelos negociantes ingleses era a troca antecipada do to e estabelecimento desta casa de negócio, a melhor e mais sólida que tem esta ilha
mosto por manufacturas.425 e a primeira que principiou a manejar uma grande parte do negócio, que antes só
João José de Sousa426 a partir da análise dos consignatários dos navios entrados corria pela dos estrangeiros429.
no porto do Funchal dá conta da predominância dos ingleses ao nível geral e dos Pensamos, tal como João José de Sousa, que o espírito anti monopolista dos mer-
locais ao nível nacional. A concorrência entre a burguesia local e estrangeira assume, cadores era por um lado a reacção natural da média burguesia, muito fragmentada,
notando-se da autóctone, por outro lado a natural defesa dos interesses ingleses,
421. Op. cit., p. 720. pelos comerciantes que a representavam a ‘nação inglesa’. A burguesia madeirense
422. ARM, RGCMF, t. 14, fols. 79vº-81.
423. Idem, t. 14, fol. 87vº. mantém-se a um nível inferior, quanto à base económica, com poucas excepções,
424. J. J. de Sousa, O Movimento do Porto do Funchal, p.99.
425. J. Barrow, A Voyage to Conchinchina in the Years 1792 and 1793, London, 1806, in Alberto Vieira, História do Vinho da
incapaz de elevar-se à grande concentração capitalista que vê com pavor como uma
Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, p.339; F. R. G. S., Wanderinghs in West Africa…, London, 1863, in Alberto
Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, p.369; F. W. Taylor, The Flag Ship: Or a Voyage 427. AHU, Madeira e Porto Santo, nº 709/711, 715/716.
Around the World, NY, 1840, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, p.356. 428. Idem, nº 715.
426. J. J. de Sousa, O Movimento do Porto do Funchal, pp.40-66 429. Idem, nº 709.
412 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 413

A eles pertencia suprir as faltas da província, em quanto os ociosos fidalgos (pois


que aqui não há nobres) vivendo do produto das suas terras, só cuidaram em sus-
tentar a soberba e ostentação de suas casas, pouco considerando, que vindo a faltar-
lhes aqueles frutos, ficariam também reduzidos à pobreza que nos mais tanto
desprezavam431.
Uma rápida análise da lista de comerciantes acreditados na Alfândega entre
1820/1825432 evidencia que os ingleses apresentam capital superior aos portugueses
exercendo um forte peso na balança comercial. Em 1823 o comércio sofreu uma
ligeira quebra resultado certamente dos acontecimentos políticos no reino com a Vila-
francada. De acordo com os livros de registo de saída433 os ingleses eram detentores
do transporte e comércio do vinho com um volume superior a 50% entre 1822/1830.
Os ingleses foram os únicos estrangeiros que conseguiram assumir uma posição
privilegiada na sociedade madeirense criando um mundo à parte e funcionando com
instituições próprias, privilégios exorbitantes, o controlo quase total da economia da
ilha e fruidores da riqueza: Os lucros provenientes desta ilha são, indubitavelmente,
mais consideráveis para a Grã-bretanha do que para a sua Terra mãe (Portugal),
como consequência do comércio realizado entre elas e da feitoria britânica aí estabe-
Peter Cossart[1831-1870] Henry Veitch[-1857] lecida e que consiste, presentemente, em mais de vinte casas comerciais e cujas for-
tunas adquiridas se centram na Grã-bretanha. As outras nações pouco disputam aos
Ingleses neste seu comércio com a Madeira. Mesmo os Portugueses que tentaram
ameaça, que não deixa de ser real, à sua independência. Simplesmente tal concen- competir com eles, raramente prosperaram por terem, como se supõe, menos co-
tração inglesa que era maneira de lutar eficazmente contra a influência inglesa que nhecimento comercial assim como também, provavelmente, um capital e crédito
era pesadamente sentida, e tal maneira de encarar os processos de luta contra os mais pequenos e menos ligações com estrangeiros. Os comerciantes Britânicos con-
mercadores ingleses era aceite pelas autoridades. De qualquer modo, é em concor- trolam, para seu interesse, os cultivadores de vinha, fornecendo-lhes de antemão tudo
rência com os ingleses e com o apoio tácito dos órgãos de estado que a partir da o que eles necessitam, nos intervalos da vindima e nas estações mais baixas. Os seus
segunda metade do século XVIII, adentro de circunstâncias já apresentadas, surgem negócios com os habitantes portugueses do Funchal também devem ser intensos;
algumas ‘grandes’ casas de mercadores madeirenses. Tal facto vem compensar as exceptuando este facto, parecem não existir muitas relações sociais entre eles434.
deficiências que a micro burguesia apresentava de que, de resto, o governo da ilha A britanofobia madeirense, evidente em princípios dos séculos XIX e XX, con-
tinha consciência, não lhe reconhecendo suficientes cabedais para comerciarem no funde-se, por vezes, com a afirmação do liberalismo e republicanismo, quando a
ramo vinícola, sendo até olhada como factor importante das adulterações do pro- origem parece ser outra. A crise económica, com especial incidência no sector co-
duto430. mercial, resultado do desaparecimento do império britânico com a perda das coló-
O predomínio inglês no mercado interno e externo madeirense era justificado nias, a partir da independência dos EUA, fez catalisar as vozes da revolta. O inglês
em 1821 pela letargia e desprezo das classes abastadas locais: Os governos antigos era o principal culpado porque cortara o cordão umbilical que ligava a Madeira ao
quasi sempre erão compostos de nobres e plebeus. Os primeiros vaidosos das suas Novo e Velho Mundo. O mal ia mais fundo e filiava-se na secular ausência de uma
honras e dos seus talentos, olhavam para o negócio com um baixo e desprezível burguesia comercial madeirense capaz de protagonizar e apontar o papel dos súbdi-
emprego e só nos segundos competia as honrosas ocupações da agricultura, comér- tos de Sua Majestade. Foi por isso que na Madeira se fez sentir o impacto negativo
cio e indústria. Nesta ilha portanto o mesmo sistema prevaleceu e como os da segun- da crise do império.
da classe, conforme as populações do país eram de poucos teres para se entregarem Também a perseguição religiosa, embora no caso inglês existisse uma perfeita
neste tráfico, deixaram inteiramente apossar-se dele os estrangeiros, que aqui con-
corriam. 431. Patriota Funchalense, nº 41, p. 2.
432. ANTT, AF, nº 99, fols. 3-13.
433. Idem, nº 247, fols. 248-252.
434. G. T. Staunton, An Authentic Account of an Embassy from the King of Great Britain to the Emperor of China, London,
430. J. J. de Sousa, O Movimento do Porto do Funchal,p.46 1797, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, pp.340-340
414 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 415

harmonia com o estado, não deve ser entendida como mais uma forma de cos coloniais das Índias Orientais e Ocidentais. A Madeira era a base das operações
expressão da britanofobia dos madeirenses, antes como uma luta secular entre a comerciais e bancárias e o vinho a contrapartida favorável ao negócio colonial.
igreja apostólica romana e as novas igrejas protestantes. Outros casos, como o da Segundo afirma carta de 6 de Setembro de 1695437 os géneros que comerciava na ilha
irmã Wilson, revelam precisamente isso. Isto é corroborado nalguma da documen- eram trocados por vinho. A correspondência comercial é dos poucos dados reve-
tação disponível e, de modo especial, nos jornais. A perseguição religiosa sobrepõe- ladores da importância do vinho da Madeira em finais do século XVII nos merca-
se à individual. No caso de Robert Kalley não estava em causa a pessoa e naturali- dos das Índias Ocidentais, América do Norte e Inglaterra.
dade mas as ideias que veiculava. O cirurgião de Glasgow chegou à ilha em 1838 Terminada a acção de W. Bolton surgiram em 1740 novos comerciantes ingleses,
atraído pelas vantagens do clima para a cura da tísica da esposa. Cá permaneceu, como John Leacock (1741), Francis Newton (1745). O primeiro tomou contacto
entremeando o exercício da medicina com a pregação religiosa, como pastor da igre- com o negócio de vinho da Madeira na firma de Catanach e Murdoch, fundando
ja presbiteriana. A reacção sucedeu em cadeia e mobilizou a igreja e o governo, depois a companhia [Leacock & Ca. Lda., a que em 1759 se junta a Michael
levando à fuga dos adeptos em 1846. Foi o início de um périplo de algumas famílias Nowland e em 1762 John Russel Spence]. O segundo, com o apoio do irmão nos
madeirenses que, passando pelas Antilhas, terminou em Illinois. Estados Unidos manteve um comércio activo, especializando-se no comércio para
Do outro lado, o lamento expresso nos documentos consulares do Foreign onde, segundo recomendação do Congresso americano de 1774 a deter o
Office435, está a voz dos aflitos que permaneceram na ilha agarrados aos interesses e monopólio da exportação de vinho para a América. Com a morte em 1799 a firma
seduzidos pela beleza e clima. O processo era irreversível e com a Segunda Guerra passou para as mãos do filho William. Temos notícia em 1797 da exportação de 300
Mundial tudo mudou. Não mais a Inglaterra imperial. Não mais a ilha, o vinho e o pipas para a Índia, em 1799 de 3.041 para W. Indias e em 1780 de 200 para Savanah
porto para os vapores. Os grandes transatlânticos foram ultrapassados pela aviação e Charleston438. R. Croft-Cooke, referindo-se à acção dos dois negociantes de vinho,
civil. Mudou-se o protagonismo da ilha, dos ingleses e novos impérios definiram salienta: They came to the island with nothing, they showed great entreprise, they
novos rumos, outros desafios ao paladar, novos líquidos para dessedentar os aven- work hard, took riskes and gained their reward. They left two firms behind their
tureiros em busca de emoções ou noctívagos. wich while others came and went, remained rivals for a hundred and twenty years439.
O século XX contribuiu para o quase total apagamento da comunidade britâni- Na Filadélfia destacou-se Henry Hill (1732-1798), irmão do mayor da cidade,
ca na Madeira. Paulatinamente os ingleses foram perdendo a hegemonia no comér- afirmando-se como um dos mais importantes mercadores do vinho Madeira, que
cio dos vinhos e bordados. O processo de autonomia política, a partir de 1976, con- fazia parte do Pensylvania Constitucional Convention (1776). O nome está associa-
duziu à completa transformação da conjuntura económica, atribuindo aos nacionais do, juntamente com a firma Hill Lamar & Hill no Funchal, ao fornecimento de
o necessário protagonismo. Apenas em duas empresas do sector vitivinícola a inter- vinho à casa de George Washington440.
venção se torna notória, é o caso de Madeira Wine Association e Justino Henriques. A partir de 1789 temos notícia da acção dos negociantes de vinho no porto do
Funchal onde constatamos a presença dos ingleses com as firmas acima referidas.
O negociante de vinhos Aqui destacam-se Murdoch Tearns & Cª, Carlos Adler, Scott Pringle & Cª, Banger
& Cª, Amuty & Mateston, João Searle & Cª. Da parte dos nacionais podemos referir
D. Guiomar Magdalena de Sá, Pedro Jorge Monteiro, Bertoldo Francisco Gomes,
No grupo de comerciantes ingleses instalados na praça do Funchal salientamos a António Vieira, António Joaquim de Sousa441.
acção de William Bolton que se fixou em 1695 e permaneceu até 1740 tornando-se Na segunda metade do século XVIII evidencia-se a figura de Dona Guiomar de
no principal negociante de vinhos que monopolizava o comércio para à América do Sá Vilhena442. No período de 1777 a 1790 foi consignatária de 227 navios e ao nível da
Norte 436. William Bolton foi um destacado comerciante de vinhos detentor da rede exportação de vinho assumiu uma posição de destaque. Em 1782 surge com 602 pipas
de reabastecimento da ilha em manufacturas e comestíveis. Foi entre todos os co- para o Oriente, o que corresponde a 60% das saídas de vinho do porto do Funchal.
merciantes ingleses o que maior influência exerceu nos circuitos comerciais britâni- Em 1784 tinha 700 pipas disponíveis para embarque com destino aos portos asiáticos.

435. Public Record Office, Foreign Office, 63: 7, 79, 441, 570, 591, 608, 795, 919, 1221, 1443, 1002, 1009; nº.811: 1, 2, 3,12,
29 437. Idem, pp. 21/3.
436. Segundo A. L. Simon William Bolton shiped wine from Madeira to the West Indies, to New York and Boston, to England, 438. R. C. Cooke, ibidem, pp. 61/2.
and Ireland, and he supplied with ships calling at Madeira on their way to South America, St. Helena, Madagascar, India, 439. Ibidem, p. 64.
Java and other places wine. 440. Letters to Washington and Accompanying Papers. Published by the Society of the Colonial Dames of America. Edited by
Was the staple export commodity Bolton dealt in, but he imported a very large variety of good stuffs, raw material and Stanislaus Murray Hamilton
manufactured articles for consumption in Madeira or to be shipped from that island most parts of the World [The Bolton 441. ANTT, AF, nº 245.
Letters, vol. I, p. 8.] 442. Bernardete Barros, Dona Guiomar de Sá Vilhena. Uma Mulher do Século XVIII, Funchal, 2001.
416 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 417

1788 Murdoch Tearns & Cª, Newton Gordon & Johnston, Pedro Jorge Monteiro, Carvalhal
Noulan & Leacock, Caudell Innes & Cª, Lamar Hill Allen & Araújo, Pedro Mendonça
Disset & Cª, Scott Pringle & Cª, Gordon Duff, Smith & Drumond, Paulo Malheiro de
Duff, Cristóväo e Guilherme Lynch, Arthur Almuty & Cª, Melo,
Phelps & Morrisey, Eduardo Moore, viúva de Foster &
Filhos, Ricardo Brushel, Duarte Clark
1789 Murdoch Tearns & Cª, Carlos Adler, Scott Pringle & Cª, D. Guiomar Magdalena de Sá,
Banger & Cª, Amuty & Mateston, João Searle & Cª. Pedro Jorge Monteiro, Bertoldo
Francisco Gomes, António Vieira,
António Joaquim de Sousa
1790 W. Foster & Sons, Banger & Co, S. Weston & Co, I. M.
Pintard, Scott & Co, Gordon Duff & Co, J. c. Smith,
Magrath & Higgins, C. & W. Lynch & Co, James Ayres
Dunn, James Moore,Condell Innes & Co, Ahmuty
Masterton & Co, J. & W. Phelps & Co, Linton & Co, J. J.
& W. Leacock, Charles Alder, Allen & Co, Sheffield &
Co, Murdoch Fearns & Co, Newton Gordon & Murdoch,
Rótulos antigos. MERCADORES DE VINHO.1722-1880 Newton Gordon & Co, Silas Twiner, Hills Bissett & Co,
Colecção da
Madeira Wine
Data Estrangeiros Nacionais Linton & Bell, c. Alder & Co, James Shefield, Lynch &
Company. Co, M. Masterston & Co, Phelps & Co, Forbes White &
1722 William Rider, Josep Hayward, John Miller, Daniel Co, T. Hayward.
Noyer, Richard Miles, James Pope, Alexander French, 1800 J. C. Smith, Newton Gordon & Murdoch, C. & Wm.
Augustus Lybch, John Bissett, William Godard, Lynch & Co., C. Alder & Co, Condell Innes & Co, M.
Benjamin Bartlett, George Lawrence, P. Valette Materton & Co, Gordon Duff & co, J. & W. Phelps &
1754 John Catanach, William Murdoch, Richard Hill, Thomas Co., Scott & Co, Forster & Sons, Joseph Selby, J.
Lamar, Richard Hill jnr, John Scott, Mathew Hiscox, Blackburn & Son, I. F. Smith, J. Horne, Henry Young,
James Gordon, John Serale, Francis Newton, William Allen & Co, Young & Lamar, Hill Bissett & Co, Magrath
Nash, Sam Sills, John Pringle, Charles Cambers. & co, Bissett & Co, Forbes & Co, James Sheffield & Co,
W. Leacock, J. Banger, Selby & Ayres, Wardrop & Co, J.
1758 Murdoch, Tern & Cª. Newton, Gordon & Johnston, D. Guiomar Magdalena de Sá R. Setuval, Magrath & Higgins, James Ayres & Co, J.
Phelps & Cª., João Searly & Cª, Scott Pringle & Cª, Vilhena, Pedro Jorge Monteiro, White & Co, Banger & Co, Phelps & Co, Lybch & Co, J.
Almuty Masterson & Cª, Cristóvão e Guilherme Linch, Paulo Malheiro de Melo, Horne & Co, James Gordon, J. & W. Leacock, Bissett $
Lamar Hill Bisset & Cª, Condell Innes & Cª, Diogo Carvalhal Allen e Araújo, Pedro Phelps, Murdoch Yuille Wardrop & Co, W. Phelps & Co,
Fleming, Diogo Dinver Júnior, viúva de Foster & Filhos, de Mendonça, Diogo Ayres & Condell & Co, Charles Alder & Co, Leacock & Co,
José Selby, Gordon Duff, Smith Duff Filhos Robert Linton, John Anglin.
1786 Scott & co, Charles Alder, Allen Aravio & co, Lar & 1803 João Pringle, Newton Gordon Murdoch & Cª, Gordon Correia de França & Cª, Nuno &
Lynch, Lamar H. B. & co, Allen & co, Scott Pringle & Duff & Cª, Hill Bissets & Cª, João e Guilherme Leacock António de Freitas, Perestrelo de
Co, Nowlan & Leacock, L. h. Bissett & co, A. Ahmuty, J. & Cª, Roberto Linton, Murdoch Masteston & Cª, John Castro & Cª, Paulo Malheiro de
D. S. Duff, Johnston & Co, George Sealy, Leacock & co, Bellringer, Phelps Page & Cª, Magrath & Higgins, George Melo, Valentim & João Cunha,
Duff & co, Lynch & co, Brush Selby & co, William Alder Colson Smith,, Gordon Duff & Cª, Roberto Linton, viúva Monteiros & Cª, Francisco José de
& co, Selby Towns, Newton Gordon Johnston, Murdoch de Foster & Filhos, Christóvão e Guilherme Lynch & Cª, Oliveira, Correia de França & Cª,
& co, Linton & Sealy, Foster & co, S. Towns & co, S. Phelps Page & Cª, George & Robert Blackburn, João e Nuno António de Freitas,
Banger & co, Cenier B. & co, E. More, J. & W. Phelps, Guilherme Leacock & Cª, Fleming Gordull & Cª, Domingos de Oliveira Júnior,
Condell Innes & co, Robert Cock, Lamar H. B. & Lynch, Magrath & Higgins, João Jacinto Pestana, Robert Innes, J. Domingos de Oliveira Alves,
Widow Foster & Son, C. & Wm. Lynch, wm. Foster & Anglin, Diogo Sheffield & Young, João Bellringer, Monteiros & Cª, Paulo Malheiro
Sons, Denyer & Blackburn, Robert Linton, Condell & co, Murdoch Mateston & Cª, de Mello, António Ferreira de Sá,
Phelps & co, J. Searle & co, Allen A. & co, Newton Francisco José de Oliveira, Pedro
Gordon & Johnston, Murdoch Fearns & co, Phelps & de Sant’anna, Henrique José do
Morrissey, J. L. Banger. Couto, Domingos João Affonseca.
418 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 419

1805 Gordon Duff & Co, Newton Gordon & Murdoch, smith Henriques Lawton, John Hutchins, T. S. & J. W. Selby,
& Robinson, Leacock & Co, Murdoch M. & Co, Phelps G. & R. Blackburn, T. Edwards & co, Gordon Duff & co,
Page & Co, G. & R. Blacburn, Sheffield & Young, Shortridge Lawton & co, Henry Dru Drury, R,
Haywards & Co, Joseph Selby, C. & W. Lybch & Co, Donaldson, Welsh Brothers,
Scott & Co, Lynch & Co, Murdoch Yuille Wardrop & Co,
1841 Blackburns & Cª, Blandy Bernett & Houghton, Gordon J. A. Rego, Barbo do Tojal, Araújo
Francis K. smith, W. S. Shaw, J. Anglin & Co, Colson
Duff & Cª, Heirs & Cª, Leacock Harris & Cª, Lervis & Cª, & Irmãos, J. M. Bernes, Roberto
Smith & Co, J. Welsh, James Ayres, Hicklin & Angling,
J. M. March & Cª, Murdoch Shortridge & Cª, Newton Leal, Monteiros & Cª, F. A.
Charles Alder, Foster & co, Colson Smith & Robinson,
Murdoch & Cª, Phelps Page & Cª, Rutherfort & Grant Ornellas, António Pestana
Sheffield & Yuille, Martin Bicker, W. Foster & Sons, R.
Linton, Hayward & Co, J. Leacock, Condell & Co, 1870 Cossart Gordon & Co, Blandy Brothers & Co, Leacock & A. P. Cunha, Luís Soares de S.
Henry Crawford, Maitland & Co, Manly & Heart, Keir & Co, Rutherford Browne & Miles, Welsh Brothers, Krohn Henriques, Câmara & Freitas.
co, H. Crawford & Co, J. M. Douglap, Magrath & Co, J. Brothers, Henry Dru Drury, Shortridge Lawton & co, T. Tarquinio T. da Câmara
Cameron, I. Ray, G. D. Welch, John Bennet, Linton & S. & J. W. Selby, T. Edwards & co, Viúva de Abudarham Lomelino, Barão da Conceição,
Gough, W. Hunter, J. Haughton, J. Could, c. McCabe, & Filhos. Meyrelles sobrinho & Co., F. f.
Cathcart Foster & Co, Houghton & Co, John Bellringer, Ferraz & Cia, Luis Gomes da
Newton Gordon Murdoch & Scott, James Reilly, Cathcart Conceição & Cia, A. P. Cunha,
& Co, Wardrop & Co, James Carey, J. & W. Leacock & Câmara & Freitas, H. M. Borges,
Co, J. Morris, S. Clement, J. Herald, Linton & Co, W. S. Roberto Leal.
Shaw, J. Beasly, W. Harwood, J. Karrick, J. Philips, M. 1880 Cossart Gordon & co, Krohn Bros & co, Henriques & A. P. Cunha, Luís Soares de S.
Dougall, Blacburn & Co, Widow Foster & Co, J. & W. Lawton, Blandy Brothers & Co, H. Dru Drury, viúva de Henriques, Câmara & Freitas.
Leacock, W. s. Shaw, C. Alder & Co, R. Foster, R. & P. Abudarham & Filhos, John Hutchinson. Wels Brothers, Tarquinio T. da Câmara
Symonds, Magrath & Higgins, Codell Innes & Co, Robert Wilkinson, Robert Donaldson, T. s. & J. W. Lomelino, Barão da Conceição,
Leacock & Co. Selby, Frank Wilkinson Meyrelles sobrinho & Co.
1810 Gordon Duff & Co, Wardrop & Co, Newton Gordon Madeira Wine Association Lda, A. B. Vin Pritcentralen, Henriques & Henriques, Luis
Murdoch & Scott, D. Maitland, J. Robinson & Co, Manly Cossart Gordon & Co, H. P. Miles & Cª Lª Gomes da Conceição Lda.,
& Co, J. Anglin, S. & C. Smith, Phelps & Page & Co,
António Edurado Henriques,
Lynch & Co, G. Gould & Co, John Searle, R. & R.
Companhia Vinícola da Madeira
Symonds, S. Youngs, Scott & Co, M. Stocks, G. Gould,
Lda., H. M. Borges Sucessores
H. Crawford & Co, Blackburn & Co, S. T. Alder & Co,
Lda., Justino Henriques Filhos
Keirs & Co, James Carey, S. Houghton, M. Stokes,
Lda., Freitas Martins caldeira & Cº
Sheffield & Young, J. Cathcart, M. Beiker & Co,
lda, Silva Azevedo & Cº, Luís
Crawford & Co, J. & R. Blackburn & Co, Leacock &
Policarpo Rodrigues, Artur de
Harris, J. Robinson & Oliveira, J. Bellringer, M. Wallace,
Barros e Sousa, Luís Filipe Costa.
A. Doran, T. Edwards, Smith & Co, J. D. Lewis & co, S.
Bennet, J. Stanley, C. W. Lynch & Co, Innes & Co. FONTE: ANTT, AF, nº 245; AHU, Madeira e Porto Santo, nº 35, 883, 824, 1431,1564; P. P. Câmara, ob. cit., pp.90-91; N.
Cossart, Madeira. The Island Vineyard, London, 1984.
1823 Gould Roupe & co, Scott Lougham & Co., J. Blandy & J. B. Bocage, J. C. T. Uzel,
co, Murdoch Yuille Wardrop, Symonds Ruffy & Co,
James Selby, John Searle & co, W. Findley, Keirs & co, J.
H. March & Co, John Anglin, J. R. Blackburn & Co,
Minett & co, James Houghom, Neston Gordon Murdoch
& Scott, Gordon Duff & Co, J. E. Reilly, Phelps & Page &
Co, Alex Hally, R. Bousce, P. Wallace.
1828 Gordon Duff & co, Symonds & co, T. Edwards & co,
March & co, Thomas Dunn & co, Lewis & co, Newton
Gordon Murdoch & co, Keirs & co, John Blandy,
Murdoch Yuille & Co, G. & R. Blackburn, Blandy & Co,
Gordon Duff, Leacock Harris & co, Scott Loughan &
co,Rutherford Browne & Miles, Krohn Rothers & Co,
420 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 421

Máquina de lavagem de cascaria nos armazéns Armazém de vinhos de Cossart Gordon & co.
de Cossart Gordon & co.

Os comerciantes americanos Francisco March e John H. March afirmaram-se


nas exportações para o mercado dos Estados Unidos, New York, Filadélfia,
Charlston, Boston, Virgínia, a que se juntavam os ingleses Guilherme Tindlay,
Leacock Harris, Richard Dover, Newton Gordon Murdoch & Scott.
O negociante inglês controlava os circuitos das Índias Ocidentais e Orientais e
com a Inglaterra, existindo uma rede comercial montada desde o século XVII. Aqui
podemos relevar a acção de Philip N. Searle, Gough Holloway, H. Temple,
Rutherfort & Grant, Diogo Bean, Richard Dover, George Stoddarte, Newton
Gordon Murdoch & Scott, Phelps Page. Para a India temos George Blackburn & Cª,
Portão de entrada da firma Escritório e Arquivo
Cossart Gordon à Rua dos
N. Gordon M. & Scott, Richard Dover, H. Temple, Rutherfort & Grant, George
Netos. Stoddarte. Para a Jamaica e W. Indias N. Gordon M. & Scott, Richard Dover,
Em 1762 John Russel Spence instalou-se na ilha443 e com o apoio do irmão na George Stoddarte, Diogo Bean, H. Temple, Cough Hollway, G. Tindlay, Philip N.
América dedicou-se ao comércio de exportação de vinho. À firma de Francis Searle. Para Hamburgo - Joaquim António Dias, João Cairns, Cough & Hollway,
Newton (1745/8) juntou-se em 1748 a Spence, Newton & Spence (1748/58), em 1758 Cª., João Oliveira, Quintino Pestana. Para S. Petersburgo (e Rússia) - Manuel de
Gordon-Newton & Gordon (1758/81), em 1791 Johnston-Newton Gordon & Santana Vasconcellos, Monteiros & Cª, João Oliveira & Cª, Diogo Bean, H. Temple,
Johnston (1791/1802), em 1802 Murdoch-Newton, Gordon & Murdoch (1802/5); Leacock Harris & Cª, Richard Dover, Francisco March, Philip N. Searle.
em 1805 morre Francis Newton mas manteve-se a firma a que em 1805 se juntou Os ingleses controlavam os circuitos comerciais de maior volume de exportação
Scott-Newton, Gordon & Scott Cª. (1805/34) e em 1831 Cossart, de origem com forte incidência no mercado colonial britânico, enquanto os nacionais, com
huguenote, passando a firma a chamar-se, a partir de 1839 - Newton, Gordon, estas rotas vedadas, restringiam-se à Europa do Norte, como a Rússia e Hamburgo,
Cossart & Cª, sendo em 1861 retirado o nome do fundador, ficando só Cossart, ou distribuíam-se de modo diferenciado por todas as áreas, mas sem assumir qual-
Gordon & Cª444. quer peso de nota. A dominância dos nacionais no mercado nórdico revela o aban-
dono progressivo do negociante inglês do comércio do vinho da Madeira. João
443. Vide E. Nicholas, Madeira and the Canarias, p. 105. Oliveira, por exemplo, destaca-se 1823/1830 pelo volume de exportação e a con-
444. Idem, ibidem, pp. 105/8; R. C. Cooke, ibidem, pp. 43/64; Elucidário Madeirense, vol. I, p. 309; A. L. Simon, Madeira and
its Wine, pp. 15/23. Em 1827 temos em O Defensor da Liberdade, nº 17, p. 4, se dá conta da dissolução da firma com- stância no abastecimento aos mercados de Londres, Demerara, Jamaica, W. Índias,
posta por Thomas Murdoch, James David, Wesbston Gordon, Robert Scott, Edward William Ruilly, Henry Sterne mas sem nunca atingir a posição dos ingleses.
Wilhrakein.
422 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 423

Rótulos antigos.
Colecção da Madeira
Wine Company.

Empresa F. F. Ferraz &


No início do século XIX, em face da ocupação inglesa, deu-se um novo surto das Co. à Rua dos Netos
firmas inglesas com a instalação de John Blandy (1802), Rutherford & Grant (1814).
O último associou-se a P. Drury, mas em 1878 dissolveu-se a companhia ficando
Rutherford, Browne, Drury & Cª. A partir das listas dos documentos oficiais
podemos saber da forma de representação das comunidades de comerciantes na
praça do Funchal. Em 1841, Paulo Perestrelo da Câmara445, referindo-se ao número
de negociantes da praça do Funchal, dava conta de 30 casas quasi todas inglesas.
A crise provocada pelo oídio conduziu, segundo Álvaro Rodrigues de Azevedo,
à debandada geral das casas britânicas e os poucos que ficaram deslocaram as activi-
dades para o rendoso negócio de carvão, que servia de suporte à navegação a vapor:
Esta crise medonha regenerou a ilha da Madeira - o mercador inglês, extinto o
vinho, liquidou como poude e retirou-se; das antigas casas britânicas só ficaram as
de Newton Gordon & Cª, J. W. & T. Selby, Blandy e Rutherford & Grant, sendo as
duas últimas mantidas principalmente pelo valioso negócio do carvão de pedra.
Assim a Madeira ficou libertada desses dominadores capitalistas...
A ilha da Madeira, em bem o digamos, está, ao presente, livre, abundante, rica e
feliz446.
Teria realmente sucedido assim? É certo que escasseiam dados mas lícito será de
admitir que não ocorreu uma debandada geral do negociante de vinhos inglês.
Devemos esclarecer que o inglês não se entretinha apenas com o comércio de vi-
nhos estando também empenhado na importação de víveres e manufacturas. A con-
firmação de que nem todos saíram, é-nos dada em 1876 quando se referem alguns
residentes há muito tempo na ilha: Leeland Cossart, Charles R. Blandy, Krohn
Brothers, João José Roiz Leitão & Filhos, Leais Irmãos & Cª, Alexandre P. da

445. Op. cit., pp. 90/91.


446. Op. cit., pp. 722/3.
424 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 425

Rótulos antigos.
Colecção da Madeira
Wine Company.

Armazéns da União
Cunha, Rutherford & Gibbs, John Loaring, Carlos Bianchi, Augusto C. Bianchi, de 1905 um grupo de personalidades ligadas à produção e comércio do vinho decid- Vinícola. Colecção
Meyrelles Sobrinho & Cª, Roberto Donaldson447. iu criar a Madeira Wine Company Lda., que prontamente ganhou importância com Perestrellos. Museu de
Photographia Vicentes.
O comerciante nacional ou estrangeiro não se dedicava apenas ao comércio de a adesão de destacadas empresas que haviam dominado o comércio de vinhos.
vinho. Para se manter ocupado o ano inteiro juntava o comércio do vinho outras Ficou conhecida como o cemitério dos exportadores de vinho450.
actividades de importação de manufacturas e produtos alimentares. A situação tor- Através das exportações de princípios do século XX é possível saber-se a dimen-
nava-se mais evidente com os ingleses, não estando alheios os nacionais. Em 1807 são assumida pelas diversas sociedades comerciais. A predominância inglesa revela
refere-se Roque Caetano de Araújo, Manuel Martins Malheiro, António Valério e que não haviam abandonado a ilha com a crise da segunda metade do século XIX.
Manuel Joaquim Leandro como homens de negócio de vinhos e fazendas448. A saída terá sido atrasada, ocorrendo apenas a partir da Primeira Grande Guerra.
A partir dos registos de exportação do vinho para o período de 1823/1830 EXPORTAÇÃO DE VINHO 1900-1905 EM PIPAS.1900-1905
podemos aferir da dimensão assumida pelos negociantes nacionais e estrangeiros449. Exportador 1900 1901 1902 1903 1904 1905
A primeira conclusão que se pode tirar é do fraco peso dos nacionais. Embora Cossart Gordon & Co. 2274 1993 2445 2420 2446 2589
sejam 24 não apresentam um volume de exportação vantajoso, destacando-se a casa Blandy Brothers & Co. 853 920 784 834 986 997
de João Oliveira com cerca de 60% das exportações feitas por nacionais seguindo- Krohn Brothers & Co. 748 755 609 684 521 686
Leacock & Co. 503 454 434 419 352 358
se, por ordem decrescente, José Caetano Jardim, António Pinto Correia, Manuel H. P. Miles 484 440 404 539 396 428
Tavares, Manuel Santana Vasconcellos, Roque Caetano Araújo, Diogo José de Power Drury & Co. 477 496 481 507 342 367
Lemos. Aos estrangeiros, e de modo especial aos ingleses, estava reservado o maior Viúva Abudarham & filhos 269 247 294 286 127 186
T. T. da Câmara Lomelino 128 97 102 121 139 155
volume das exportações e o controlo das colónias britânicas. Os mais importantes A. P. Cunha 93 60 59 51 33 48
são: Newton Murdoch & Scott, Gough & Holway, Henry H. Temple, Diogo Bean, A. I. Gonçalves 89 22 35 46 39 51
Francisco March, George Stodarte, Henry Lundie, Diogo Taylor. O primeiro em Pries Cholz & Co. 73 78 23 35 14
Welsh Brothers 43 114 100 62 90
1823 exportou 10% do vinho enquanto Diogo Bean em 1826 surge com 1/4. Outros 278 320 375 269 229 318
Na segunda metade do século XIX o comércio do vinho encontrava-se em esta- TOTAL 62006 5920 6214 6290 5766 6287
do de prostração, obrigando muitas casas a fecharem as portas. Em 1877 Henry Fonte: António Homem de Gouveia, A Situação da Madeira, Funchal, 1907, p.21.

Vizetelly refere apenas 12 exportadores em que se incluíam apenas duas casas O governo do Estado Novo estabeleceu-se em 1939 a obrigatoriedade de todos
nacionais. A continuidade da crise levou muitas a buscar soluções alternativas através os exportadores estarem registados na alfândega. Como forma de garantir a quali-
do associativismo empresarial ou do encerramento. Facto significativo foi o aumen- dade do produto ficou determinado que as casas deveriam apresentar anualmente
to das empresas nacionais nos alvores do século XX. Em 1904 eram já quatro num até 15 de Novembro a quantia de mosto ou vinho claro disponível em armazém, que
total de onze, aumentando para oito em 1911, num total de 15. A 18 de Setembro deveria ser superior ou igual a 2/3 do vinho exportado durante os doze meses ante-
riores. Estamos perante uma medida salutar no sentido da reposição dos stocks.
447. ANTT, PJRFF, nº 461, pp. 37, 43, 48, 54.
448. In O Popular, nº 73, p. 3.
449. Cf em anexo quadros nº.4 a 25 450. vCf. Benedita Câmara, A Economia da Madeira (1850-1914), Lisboa, 2002, p.142
426 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 427

o mais que pode acontecer é conduzirem à estagnação temporária da produção viní-


cola, mas se todos os efeitos se avolumam, com destruições em massa, podem levar
a uma crise prolongada. O mesmo se poderá dizer da influência dos factores
patológicos e botânicos, que assumem idêntica dimensão quando se tornam numa
praga e tardam medidas de combate.
Uma crise, como a que aconteceu com o vinho Madeira, não é um fenómeno
isolado, uma vez que abala as estruturas económicas e sociais, mas sim fruto de um
processo cumulativo. A crise que atingiu o vinho Madeira expressa-se em dois
momentos. Na primeira metade da centúria a contracção do mercado arrastou a
economia vitivinícola para uma situação de abandono, que se viu agravada na segun-
da metade pelo efeito devastador das doenças que atacaram os vinhedos.

Rótulo antigo. Os factores económicos


Colecção da Madeira
Wine Company.
A crise vitícola da ilha da Madeira não foi apenas uma realidade no século XIX.
Ao longo do percurso histórico de mais de cinco séculos ocorreram várias crises
Uma nova teoria sobre a crise conjunturais originadas pelas razões atrás enunciadas ou devido às dificuldades de
fazer chegar o vinho ao mercado consumidor.
A compreensão da crise vitivinícola do século XIX só se torna possível com o Com o surto da viticultura em meados do século XVII a Madeira acelerou o
processo de dependência ao mercado externo e consequente subjugação à órbita

C
conhecimento dos factores que a determinaram ou que estiveram na origem. O
primeiro momento, que aconteceu em princípios do século XIX após um período dos circuitos comerciais britânicos. A dependência apresentava-se sob diversas for-
de apogeu de finais do século XVIII, foi motivado pela contracção do mercado após mas. A tendência para a monocultura da vinha conduziu o mercado local a uma
as guerras europeias e a consequente concorrência dos vinhos franceses e espanhóis situação de dependência externa aos bens alimentares e manufacturas, que pas-
no mercado colonial britânico. A fase mais crítica ocorreu em meados da centúria saram a ser importados do reino, Açores, América ou Inglaterra. O trigo, centeio e
oitocentista, devido aos efeitos do oídio e a filoxera. milho tinham produção diminuta que só dava para preencher um quarto das neces-
Para nós não se afiguram correctas as afirmações dos que pretendem ver na crise sidades, conduzindo a uma forte dependência do mercado externo e à permanente
da primeira metade do século um fenómeno isolado motivado quase só pelo instabilidade dos abastecimentos. Depois, por força da dominação da cultura da
descrédito do vinho, provocado pela baldeação do vinho dos Açores e Canárias, ou vinha, definiu-se o vinho como o único produto de troca às volumosas importações.
pelo mau trato das estufas e aguardentes de França. Também não podemos ficar O movimento comercial não estava seguro nem alheio a qualquer alteração da con-
apenas pela hipótese, ainda que mais acertada, da origem da situação na contracção juntura europeia ou colonial.
do mercado provocada pelo fim das guerras europeias e a concorrência do vinho da Outro factor importante da conjuntura económica foi a falta de moeda e a pouca
Europa, nomeadamente de França e Espanha. que circulava era espanhola451. Entre finais do século XVII e princípios do século
Os factos eventuais e ocasionais, como as tempestades, estiagens prolongadas, XX a falta de numerário levou à substituição por fichas, emitidas por diversas casas
abandono do campo pelos colonos que alimentavam a emigração, a manutenção comerciais e comerciantes de vinho452.
das técnicas agrícolas rotineiras, os pesados tributos sobre os proprietários e, final- O século XVIII foi marcado por um incentivo do comércio do vinho que esteve
mente, o ciclo de vida das cepas, que, como vimos é curto no período de maior pro- alheio a momentos de crise. Em 1722453 refere-se o pouco comércio do vinho em
dução, devem ser associados. Alguns factores apresentam-se perdulários pelo carác- razão do saque estar sob controlo dos ingleses que o compravam por baixo preço,
ter permanente dos efeitos ou porque não havia soluções, enquanto outros apa-
gavam-se facilmente mas surgiam de forma cíclica ou ocasional. 451. Vide Patriota Funchalense, nº 9 (aditamento), p. 1/3.
452. Carlos Pascoal, Fichas da Madeira. 1793-1920, Lisboa, 1988.
Uma seca, uma tempestade ou aluvião se surgem isoladas não provocam a crise, 453. ANTT, PJRFF, nº 770, fols. 48/8vº; ARM, RGCMF, T. 8, fol. 14.
428 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 429

e o pouco que era embarcado para o Brasil estava sujeito a uma forte concorrência.
Não temos dados sobre a exportação de vinho, mas se tomarmos como baliza o ano
de 1730, constatamos uma quebra acentuada em relação a 1700, confirmada já com
a descida do preço em 1712. Em 1776454 a mudança da conjuntura colonial britâni-
ca com a guerra da independência dos Estados Unidos, um importante mercado
consumidor do vinho da Madeira, reflectiu-se na ilha nos anos de 1785/1786. A
Junta notava em Fevereiro de 1776 que a conjuntura não era favorável: Havendo-se
já em premeditadas considerações da Junta praticado a instante e temível situação,
a que estava reduzida a exportação, extracção dos vinhos desta ilha na falta do qual,
por contribuir de a base de todo o viver dela, lhe ficam inferiores e frustradas todas
as especulativas e práticas advertidas no aumento da cultura, manufacturas e giro
mercantil, e consequentemente inactivo o comércio, no qual se presente se conhece
a gravíssima decadência, nenhum giro e a abundante colheita de vinhos, que nem se
pode navegar, por estar as impedindo nas terras de seu consumo maior, quais são
nos domínios britânicos, pela civil comussão, ou rebelião deles, nem se mover o
comércio interior na ilha, e chegando seus habitadores, que os tem em seus nos armazéns. As causas, segundo a nobreza do Funchal, deveriam ser encontradas Rótulos antigos.
armazéns e adegas ao ponto mais pungente de se reputarem de pobres; porque na guerra de França (1793/1815) e a constante acção dos piratas e corsários que
Colecção da Madeira
Wine Company.
procedendo com géneros de primeira necessidade e sustento e não lhes continuan- impediam o acesso à ilha dos navios americanos. A Junta, em balanço do ano de
do com este socorro por lhe não aceitarem o pagamento em vinho pela falta de 1778458, dava conta da falta de extracção do comércio do vinho, de modo que
ordem que tinham para a sua extracção e não havendo na terra géneros de permu- estavam cheias de adegas dos portugueses, e como precisam de mantimento e vesti-
tação interior, nem dos estrangeiros pela falta de retorno, ... não tendo a ilha para dos de cujas duas necessidades reais dependem e já estes lhes não vem dos portos
seu sustento frutos mais para três meses que a tanto chega a inércia dele. Fornecem para onde levam os vinhos. Tudo isto derivava da falta de moeda girante para as tro-
pelo único e assaz avultado, que tem em vinho para troca cuja extracção se acha cas e do monopólio mantido pelos ingleses no comércio dos vinhos.
abatida e aniquilada, sem outro recurso, que não seja a de espera sem vindas, que Os factos apontados evidenciam que o comércio de vinho no século XVIII não
não, nem pode haver sem aquele... qual o de uma necessidade nunca vista na ilha, usufruiu sempre da situação vantajosa e que a ilha esteve por várias vezes embren-
que tendo por princípio a falta de introdução de víveres tinha por fim a conster- hada em crises de sub consumo, cujas origens se prendem com as modificações do
nação e falta pública455. Em Dezembro a situação da exportação do vinho era de ver- mercado consumidor, a tendência para a monocultura e a insistente falta de moeda.
dadeira catástrofe: Senhor a consternação em que se achava esta ilha sem ter para As crises foram atacadas com medidas pontuais. Em 1783 proibiu-se a baldeação de
exportar os seus vinhos, que não tendo consumo senão nas terras anglicas, e achan- outros vinhos no porto do Funchal, enquanto em 1799 surgiram medidas protec-
do-se substado pela revolução da América, e tem chegado ao ponto deplorável de cionistas para favorecer a saída do vinho Madeira.
não terem os habitantes de que vivam, nem que vendam, ou troquem no comércio Os anos de 1786 a 1805 foram de forte impulso das exportações, em razão das
interno, vista a inacção exterior. Porquanto a lavoura, os frutos de pão, legumes, e alterações ocorridas no continente europeu que conduziram ao encerramento dos
carnes de forma alguma chegam a sustentação dos três meses, todo o mais forneci- portos exportadores de vinho da França e Espanha. O facto repercutiu-se de modo
mento é introduzido pelos estrangeiros a troco de vinhos, e não tendo este saída, favorável nas exportações do vinho, mas a paz a partir de 1815 teve efeitos catastró-
também a entrada daquele é nenhuma, e por consequência nem letras para se ficos. A primeira conjuntura está testemunhada em 1817459, balizando-se os primór-
suprirem de Lisboa onde não há géneros permutáveis... Estão as casas ricas de dios da decadência: A paz geral levando ao mercado estrangeiro muitos vinhos de
vinho, pobres de sustento e de alimento456. outras nações, diminuiu a exportação dos da Madeira e por consequência os frutos
Em 1779457 ocorreu o terceiro momento de crise com a estagnação da colheita desta ilha nas praças do seu consumo.... A mesma ideia surge em 1821460 num ofí-
cio do Governador Sebastião Xavier Botelho: Enquanto durou a guerra e os portos
454. ANTT, PJRFF, nº 942, pp. 13/5, nº 411, pp. 22/4.
455. Idem, nº 942, pp. 13/15. 458. ANTT, PJRFF, nº 761, pp. 52/59, idem, nº 942, fols. 45, 160; AHU, Madeira e Porto Santo, nº 520.
456. Idem, nº 411, pp. 22/23. 459. ANTT, PJRFF, nº 763, fols. 66/66vº.
457. AHU, nº 1109. 460. AHU, Madeira e Porto Santo, nº 6265.
430 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 431

habitantes destas ilhas em todas as suas dilecções.


Tal era o estado da província em 1815, quando pela queda de Napoleão
Bonaparte teve lugar a paz continental, é pois essa época que principiam as misérias
desta ilha, ainda que desde esse instante se não manifestassem, porém foi desde
então que as nações do continente ficaram habilitadas a concorrerem ao mercado
inglês e do mundo com os vinhos da Madeira e ainda mais a suprir esta província
dos géneros de primeira necessidade que possuindo-os como é da natureza d’esta
operam infinitamente mais baratos e regulando estes toda a espécie de valores,
lançaram estas causas e esses efeitos a esta capitania em embaraços extraordinários
porém consequentes.
A imensa circulação de capitais, a carestia consequente dos jornais, a exclusão
que tinham seus vinhos no mercado inglês, formou a base natural da carestia deste
produto. A paz continental rompeu toda a espécie de equilíbrio nas relações e
interesses desta ilha.
As nações da Europa que pela guerra tinham sido distraídas dos exercícios pací-
Rótulos antigos.
Colecção da Madeira
ficos e pelo bloqueio continental privadas de concorrem com seus vinhos no mer-
Wine Company. cado a par dos da Madeira, se apressaram ansiosas a aparecer com este produto não
só no mercado inglês, mas também no do Mundo. Em tempo deste bloqueio as
de França e de Espanha fechados, o bom e o mau vinho tinham igual saída e era flo- nações que o sofreram se aplicaram a criar entre si recursos de toda a espécie e que
rescente a ilha da Madeira, porque só ela e Portugal exportavam os seus vinhos conforme as visitas do seu autor criaram em último resultado a base da inde-
generosos e os exércitos e armadas lhes davam consumo, mas feita a paz abriram-se pendência desses povos.
os portos e com ela aumentou-se a exportação com os vinhos espanhóis, franceses A Madeira nesse tempo mais feliz, excluiu pela mesma razão toda a espécie de
e diminuiu enormemente o número de consumidores. Então estagnou-se a felici- agricultura e indústria que não fosse a criação dos vinhos, é por isto que agora se vê
dade da ilha da Madeira e todas as classes se ressentiram. nas tristíssimas circunstancias de comprar todo o artigo de necessidade e luxo a essas
Em 1827 o Governador José Lúcio Travassos Valdez dava conta das alterações nações que habilitadas agora com a paz, com esta província igualmente concorrer
produzidas no mercado do vinho da Madeira a partir de 1815. As aturadas guerras com vinhos infinitamente mais baratos. Se a isto se acrescenta a natureza custosíssi-
continentais e o recíproco bloqueio que se impuseram o governo inglês e o de ma da agricultura da Madeira comparada com a dessas nações que além de a
Napoleão Bonaparte, fizeram com que a ilha da Madeira se encontrasse na feliz e fornecerem de trigo e milho e enfim de tudo, rivalizam com ela com seus vinhos por
acidental posição de não ter quem com ela concorresse com vinhos no mercado preços inferiores, se achará a primeira vista a razão da posição desesperada e difícil
inglês e ser por isto ela só quem fornecia a Grã-bretanha e suas imensas colónias em que estes povos se encontram agravados cada vez mais por outras causas imedi-
deste artigo. Foi por esta simples causa que este produto do seu solo obteve uma atas, acidentais e secundárias que por sua enorme gravidade e transcendência passo
demanda prodigiosa a par de um preço excessivo e por esta só também simples a expor.
razão os habitantes destas ilhas abandonaram toda a espécie d’agricultura e indústria No tempo da prosperidade, os ingleses aqui estabelecidos com o fim de
que não fosse a cultura dos vinhos, fazendo-se indiscretamente dependentes da amadurecer os vinhos e de dar maior quantidade possível ao mercado, estabelece-
sorte, boa ou má deste só único artigo. Com o produto das vinhas pagavam toda a ram as estufas, nas quais fazendo ferver os vinhos lhe davam uma naturalidade ou
classe de artigos necessários à vida e de luxo e apesar de tudo a circulação de então velhice forçada e prematura e como tais os vendiam. Então pela escassez deste arti-
em metais preciosos foi prodigiosa, a propriedade civil e rural se elevou a um valor go no mercado inglês, e do mundo, livre do bloqueio continental, foi dissimulada
difícil de se acreditar e a principal de todas; o jornal seguiu a mesma proporção regu- ou não advertida esta falsificação, sempre em descrédito da real e superior quali-
lando e sendo regulado pelo valor dos vinhos e de toda a espécie de propriedades. dade dos vinhos, como também da pública fé, por uma fatalidade e ao mesmo
Após dos ingleses que se apoderaram do comércio e das riquezas acidentais que tempo justiça os médicos ingleses decidiram que os vinhos da Madeira em razão da
promoviam, veio o luxo e este fatal companheiro da riqueza também seguiu aos sua velhice forçada pelo uso das estufas eram perniciosos à saúde. Esta decisão fa-
432 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 433

cultativa deu o último golpe nos vinhos da Madeira e não havendo uma corporação
poderosa, que revestida de certos privilégios reparasse os bons vinhos dos maus,
todos caíram em descrédito.
Por estas causas, os vinhos destas ilhas têm há seis anos ficado estancados nos
seus armazéns ou nos do mercado em Londres e outras partes, pois o que se tem
embarcado de então para cá tem sido mais objecto de uma operação forçada e
prejudicial, do que efeito de ordens encomendadas para esses mercados. Desde que
esses transtornos tiveram lugar foi preciso comprar tudo, absolutamente tudo com
o dinheiro que se tinha acumulado no tempo dessa efémera prosperidade, porém
como o comércio inglês era o comércio por excelência destas ilhas e o que portan-
to se tinha apoderado do seu giro grosso e meudo, este apenas viu o transtorno a
que estas ilhas eram condenadas, passaram seus principais agentes com seus capitais
para Inglaterra e outras partes, deixando apenas seus caixeiros recompensados com
a firma da casa, estes sem fundos não poderam derramar espécie alguma de recur-
sos no país e só se destinaram a exercer a perniciosa operação das liquidações que
não tiveram lugar nos tempos de prosperidade. O comércio nacional foi cousa que
não existiu desde 1810 e por isso sobre seus recursos nada se pode ventilar nem
esperar. O dinheiro que n’esse tempo se acumulou nas mãos dos habitantes teria
sido suficiente a amparar este golpe se instantaneamente o luxo não lhes houvesse
arrancado461 do consumidor do vinho e concorrência dos vinhos franceses e espanhóis que, por
Pecunia Insulana,
moeda cunhada
Em 1843462 Daniel d’Ornelas, na conta apresentada à Câmara dos Deputados, serem mais baratos, conduziram à estagnação das colheitas de 1817 a 1820463. A situ- exclusivamente para
aludia da mudança ocorrida no comércio de vinho: O comércio da ilha da Madeira, as ilhas em 1750 e
ação evoluiu, de tal forma, que em 1821 estavam retidas em mãos dos proprietários 1751.
outrora florescente, rico, e proveitoso para a mãe-pátria, acha-se hoje prostrado e e negociantes mais de 20.000 pipas464. A Junta, no sentido de encontrar uma
agonizante. Em o século passado, e muito antes das guerras com a França, no tempo solução, deliberou comprar vinhos e envia-los a alguns mercados465. Com as medi-
da república, era o comércio daquela ilha regular e proveitoso, pois que os seus das proibitivas da entrada das aguardentes de França procurava-se promover o con-
habitantes nele achavam meios suficientes de subsistência e o estado nele encontra- sumo de um número razoável de pipas de vinho baixo no fabrico de aguardente466.
va não só recursos necessários para a satisfação dos avultados encargos locais, com A conjuntura difícil manteve-se até 1823467 altura em que ocorreu um curto incen-
recursos valiosos, que muito o ajudavam no preenchimento dos encargos da metró- tivo de comércio do vinho, prontamente secundado por nova quebra entre 1827 a
pole. Durante a guerra peninsular chamada da independência, não teve limites a 1831468. Em 1828 a situação era de verdadeira calamidade: A ilha da Madeira é
prosperidade daquela ilha: foi ela talvez, falando em proporção do seu tamanho, o pouco florescente, pelo importante comércio de seus vinhos, acha-se hoje reduzida
ponto mais rico do Universo. Os seus vinhos não bastavam para satisfazerem as ao estado mais triste de fortuna, pois sendo este género a única produção abundante
ordens dos consumidores. Tudo quanto se encontra hoje no Funchal de gosto, de dela, seu baixo preço e dificilmente não produz o equivalente de que para a impor-
luxo e de recreio deve-se a esse tempo feliz. Uma tal prosperidade não podia ser tação precisa e então seus habitantes abandonando a cultura, faltando-lhes os meios
permanente: morreu com a queda do grande homem. Com a paz geral foi dimi- de sustentá-la, perdem os lavradores as benfeitorias, único capital de sua fortuna, o
nuindo o comércio, porém a grande decadência não se sentiu ao vivo senão, quatro senhorio a subsistência da metade dos frutos que recebia, e a Real Fazenda encon-
anos depois, em 1819. A legislação que, durante a guerra peninsular, tanto havia tre de caixa dos rendimentos uma receita incapaz de fazer face à sua indispensável
contribuído para concentrar naquela ilha tamanhas riquezas, tornou-se evidente- despeza... destruiu a política e boa ordem que existiam. transtornou a boa-fé e segu-
mente perniciosa e ruidosa, depois
da paz.A crise da primeira metade da centúria resultou da contracção do merca- 463. Vide ARM, RGCMF, T. 14, fols. 198vº, 224/225vº.
464. Idem, t. 15, fols. 263/4, 100vº/104.
465. ANTT, PJRFF, nº 763, fol. 135.
466. ARM, RGCMF, t. 15, fol. 264/264; Patriota Funchalense, nº 12, pp. 3/4; nº 40, pp. 1/2.
461. Idem, nº 10256, nº 10188. 467. AHU, Madeira e Porto Santo, nº 6879/6880.
462. In O Defensor, nº 181, pp. 1/3. 468. Idem, nº 10255/10256.
434 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 435

rança dos contratos, abalou o crédito das transacções, e paralizou a indústria, pois nem desenvolvia: as vinhas em muitas localidades não reproduziam as despesas da
os lavradores obrigados ao trabalho bélico, faltando à cultura das terras, apenas cultura, e pode-se dizer que os lavradores as cultivavam, não já por interesse, mas
achariam nos frutos recolhidos a despeza de costeamento, de forma que as rendas por amor, ou por uma espécie de gratidão aos interesses passados. Já antes da
não tiveram lançadas. A moeda desapareceu e a arrecadação fiscal, parou no moléstia das vinhas, mais dum proprietário rico e abastado lamentava a escassez de
envolvimento dos mais ricos habitantes, e melhores devedores de Fazenda469. seus rendimentos. Já antes da moléstia das vinhas, milhares de colonos abandona-
Os madeirenses tinham consciência da situação do comércio do vinho. Em 1842 vam esta terra desgraçada e emigravam para os países pestíferos da América, alguns
os mercadores da cidade davam conta à Câmara dos efeitos perniciosos da pauta da levados, é verdade, pela ambição e fascinados por promessas sedutoras de vis alicia-
Alfândega de 1837, aludindo: ... pela complicação das relações económicas, a falta dores, mas a maior parte fugidos da fome e miséria. Já antes da moléstia das vinhas
de extracção de vinhos produz em resultado: cessação de lucros para o comerciante éramos um poco desgraçado que marchávamos descuidados e a passos surdos no
falta de meios no proprietário, e pobreza e miséria na classe dos operários e traba- caminho que nos havia de conduzir a uma ruína inevitável. Já nessas épocas pas-
lhadores, que vivem da locação do seu trabalho, já na agricultura, já no comércio470. sadas, aquele que despertasse da espécie de torpor em que todos jazíamos e reflec-
Durante o consulado do Governador José Silvestre Ribeiro tivemos momentos tisse um pouco, havia por certo de antever um futuro ainda mais horrendo e assus-
aflitivos de crise de fome de 1847471, cujas origens mergulham na dependência ao tador, do que o presente que tanto nos assombra.
mercado externo. A impotência do poder político está manifesta no apelo deses- Então será por ventura a causa única de nossos males, ou a que devamos prestar
perado do Governador: Cultivem-se com todo o esmero as vinhas deste precioso maior atenção, a moléstia das vinhas, quando a despeito desta, havíamos de sentir
torrão - facilite-se pelos meios competentes a exportação do vinho - procure-se aqueles? Ou será que a moléstia das vinhas não faz mais do que apressar uma crise,
aumentar a venda e subir-lhe o preço em todos os mercados do mundo, mas lem- porque mais cedo ou mais tarde havíamos de passar, devida a outras causas475.
brem-se os madeirenses que eles estarão à mercê de estranhos e será sempre O século XIX foi marcado por crises conjunturais que afectaram a estrutura do
precária a sua sorte, enquanto a ilha não produzir os géneros indispensáveis para a comércio e a exportação do vinho. A contracção do mercado externo no post guer-
vida. O povo que dentro em si tiver estes elementos, poderá não ser rico, mas ne- ra e a eventualidade das condições atmosféricas ou doenças que atacavam os vinhe-
cessariamente está ao abrigo da crise medonha que temos atravessado472. No que dos (oídio, filoxera). A situação gerou no seio da opinião pública madeirense acesa
concerne ao comércio do vinho o panorama não era menos doloroso: O comércio discussão no sentido de se encontrar uma explicação e o culpado para a baixa
jaz amortecido, e o dos vinhos, fonte principal da riqueza madeirense, há longos momentânea de prosperidade. O debate está testemunhado na imprensa a partir de
anos decadente, definha de dia em dia - e em geral, uma apática indiferença, uma 1821. As soluções não ultrapassaram o papel em que foram escritas. Foram medi-
indolência sem igual, parece ser o característico desta Época desgraçada473. A grande das desesperadas, pautadas pela violência da crise. Cada um apresentava a inter-
diminuição do consumo dos vinhos da Madeira nos países estrangeiros, causada pretação de acordo com os interesses em vista, ou posição política e ideológico. O
pela afluência de muitos vinhos de outras terras tem paralisado o comércio deste dis- madeirense viu-se a braços com uma grave crise e incapaz de encontrar saída.
trito, cuja base principal é aquela produção, e decrescendo de um modo assustador Nas autoridades locais, mercadores e proprietários vimos uma procura angus-
o preço d’ela - cresce na razão inversa o desalento dos lavradores e a agricultura tiante de soluções. Por vezes apegava-se aos aspectos mais familiares e explícitos
definha-se no mesmo sentido474. ignorando as correlações que o fenómeno implicava. Uns entendiam que a situação
De todas as opiniões que conhecemos sobre a crise a que nos parece mais era resultado da má colheita e a deficiente escolha que os colonos faziam das uvas,
esclarecedora é a de A. Gonçalves: Apareceu entre nós a moléstia das vinhas em baldeação dos vinhos baixos do Norte com os do Sul. Para outros o mal advinha das
1852; com ela a aniquilação completa da produção quasi exclusiva do nosso país, da técnicas de vinificação com o recurso às estufas, às aguardentes de França, que
única produção agrícola que ainda dava vida às nossas relações comerciais com os depauperavam a qualidade do vinho e contribuíam para o retraimento do mercado
povos estrangeiros e de que vivíamos bem ou mal... externo. Outros, ainda, viam o mal nos direitos proibitivos de saída, nas pautas alfan-
Já antes da moléstia das vinhas, não éramos ricos, nem felizes: a nossa indústria degárias que encareciam e impediam as trocas comerciais. E, finalmente, um grupo
agrícola a tropeçar todos os dias em graves erros económicos não se aperfeiçoara, restrito, mas com forte implantação política, encarava a crise como um momento de
luta anti-senhorial, clamando por reformas que conduzissem à abolição do sistema
469. ANTT, PJRFF, nº 764, pp. 187/188. tributário e laços de servidão estabelecidos no campo com o contrato de colónia.
470. O Defensor, nº 124, p. 2. A discussão em torno do vinho orientava-se de acordo com dois princípios: a
471. Vide Sérvulo Drumond Menezes, Colecção de Documentos Relativos à Crise de Fome..., Funchal, 1948.
472. Uma Época administrativa..., vol. I, p. 269.
473. Idem, vol. I, p. 325.
474. Idem, vol. II, pp. 133/134. 475. O Clamor Público, nº 8, pp. 2/3.
436 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 437

defesa da qualidade do vinho e a definição de uma política proteccionista. As


soluções apresentadas foram: a regulamentação da cultura e vindima, a interdição
da baldeação (interna e externa), do trato com as estufas e aguardentes. Por diversas
formas pugnou-se pela reposição da fama e qualidade do vinho, o controlo do mer-
cado exportador impedindo a competição dos vinhos e mais bebidas estrangeiras.

A política proteccionista
A mais antiga referência à proibição de entrada de bebidas estrangeiras,
nomeadamente o vinho e aguardente, surge na primeira metade do século XVIII,
sendo demonstrativo que desde o início havia uma intenção proteccionista. A lei,
dada por D. João V em 20 de Setembro de 1710476, proibia a importação, ou
baldeação de bebidas fabricadas fora do reino, tais como, vinho, azeite, cerveja e
outras de modo a evitar fraudes e prejuízos que tal importação dava lugar. Os infrac-
tores estariam sujeitos a severas penas como o lançamento ao mar do molhado, ao
traficante a pena dobrada, estando a embarcação sujeita ao confisco juntamente
com toda a mercadoria não molhada. A medida foi a base de todas quantas se
Rótulos antigos.
seguiram, sendo quase sempre reclamada em momentos de desespero. Em 1779477 tores pela primeira e segunda, um mês de cadeia da terceira. A Junta ordenou em Colecção da
a Câmara do Funchal determinou a proibição ao vinho nacional, impedindo a venda 30 de Julho482: O Juiz da Alfândega deve ficar na inteligência de que os vinhos de Madeira Wine
Company.
por meudo de todas as bebidas que não fossem produzidas localmente, como forma qualquer parte que sejas chegando a este ponto não devem ter admissão alguma
de controlar o consumo de bebidas. nesta ilha, nem mesmo admitir-lhe baldeação ou franquia.
Em 1801, face a uma polémica sobre a importação do vinho dos Açores478, surgiu Algumas das medidas, porque lesivas dos interesses dos comerciantes ingleses
o alvará de 22 de Julho479 alargando a interdição de entrada aos vinhos dos Açores e protegidos pelos assíduos tratados, provocaram imediata reacção. Em carta de 30 de
nacionais. Dez anos mais tarde480, a mesma câmara, perante as ambiguidades das leis Agosto de 1814483 o cônsul inglês ao Governo da ilha refere que o mercado local,
vigentes, confessava não saber quais os líquidos proibidos e, por isso, solicitou à pelo tratado de 1810, estava aberto a todos os géneros admissíveis com faculdade de
Junta uma relação para fazer as necessárias posturas. De entre as determinações os poder vender e contratar por grosso e meudo, bem como genebra, e as
estabelecidas temos um edital de 21 de Março de 1814481 que proíbe a venda de aguardentes admitidas nesta alfandega pelo direito de vinte e quatro por cento.
aguardente e mais bebidas espirituosas importadas nas tabernas do Funchal e Sucede que o edital da câmara desta cidade proíbe o consumo destes géneros com
termo. A medida foi justificada pelo uso imoderado que se fazia pondo em causa a manifesta violação do real tratado entre as duas coroas... pelo que a V. Exa. haja por
saúde pública e o comércio dominante do país, que é o vinho, obstando por uma bem recorrer a um procedimento extravagante com o pretexto de representar à sua
parte à saída dos bons e ao consumo dos inferiores que sobre não serem nocivos corte a violação do referido tratado. A câmara contestou as afirmações do cônsul
estão mais ao alcance dos teres da classe pobre e servem de apurar e reputar os vi- dando como base a lei de 1779 que se limitava executar: ... vendo o escandaloso
nhos de embarque, e por outra parte implicando o progresso da cultura deste abuso de introdução de bebidas de fora da terra, e seu consumo por meudo no inte-
género que sempre está na razão directa de sua extracção e consumo.... A partir de rior, em prejuízo, tanto da exportação dos nossos vinhos bons, como do consumo
1 de Julho proibiu-se o consumo local sendo aplicada a pena de 6.000 réis aos infrac- dos inferiores, fizemos por em rigorosa execução a postura de 27 de Janeiro de
1779, que proíbe a venda por meudo de toda a bebida que não seja produzida nesta
ilha. Os fundamentos desta nossa medida são os seguintes: primeiro alvará de 20 de
476. ANTT, PJRFF, nº 970, fols. 119/120vº; AHU, Madeira e Porto Santo, nº 1261 (pública-forma), ANTT, AF, nº 240, fols. Setembro de 1710, em cujo espírito se fundou a postura e outro de 22 de Julho de
70/72vº; ARM, RGCMF, t. 7, fols. 308/309.
477. ARM, RGCMF, t. 14, fols. 79vº/81. 1801, que ampliou aquele em termos bem claros e decisivos; o terceiro o prejuízo
478. AHU, Madeira e Porto Santo, nº 1221, 1203/4, 1218, 1255, 1263/72: ARM, RGCMF, t. 13, fols. 70/2vº.
479. Referindo in ANTT, PJRFF, nº 963, fols. 85vº/86, idem, AF, nº, fols. 70/2vº; ARM, RGCMF, t. 14, fols. 22/22vº, 79vº/81.
480. ARM, RGCMF, t. 14, fols. 22/22vº. 482. ANTT, PJRFF. nº 404, p. 463.
481. Idem, t. 14, fols. 81vº/82. 483. ARM, RGCMF, t. 14, fols. 79/79vº.
438 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 439

A câmara manteve-se firme nas pretensões não se deixando demover pelas críti-
cas do cônsul inglês. Assim, em ofício486 às demais câmaras da ilha ordenou o
cumprimento da medida uma vez que a nossa prosperidade depende do consumo
dos nossos vinhos e da sua exportação. Os ingleses para fazerem parar nas nossas
mãos um grande excedente de vinhos, comprá-los por preços baixos, querem
obstruir a extracção no interior com as suas bebidas espirituosas.
Noutras representações ao monarca dá-se conhecimento das medidas tomadas,
acusando-se o cônsul inglês de pretender introduzir vinhos dos Açores. Não estáva-
mos perante um acto isolado mas de uma prática geral comum aos ingleses e lesiva
dos interesses dos madeirenses: Os estrangeiros não contentes com fazerem aqui
exclusivamente o comércio altivo dos nossos vinhos, pondo o preço a estes a aos
efeitos, pretendem atravessar o consumo interior dos mesmos vinhos com suas
Rótulo antigo. bebidas espirituosas a fim de lhes cair na mão um grande excedente deles por
Colecção da Madeira preços Ínfimos e muitas vezes depois de uma estagnação de dois a três anos...487. Por
Wine Company.
outro lado congratula-se pela proibição régia e esclarece-se que as bebidas alcoólicas
eram uma praga pública: O Povo habituou-se ao uso das bebidas espirituosas, que
impassível que este consumo causa à saúde, à agricultura e ao comércio do país.
é o maior prazer e ao mesmo tempo o seu mortífero veneno, tem abandonado a
A experiência nos tem demonstrado a inclinação geral do povo para o uso de
profícua produção do país para comprar outros líquidos que o animam e aquele di-
bebidas espirituosas e também nos mostra o estrago diário que elas causam, pois
nheiro, que devia girar nas mãos dos proprietários e dos lavradores para os ani-
muitos dados a esta sorte de bebidas tam acabado com elas. Todos os médicos
marem a fazer continuadas despesas na cultura do mesmo país, vai amontoar-se nas
nacionais e estrangeiros atribuem ao uso das bebidas espirituosas o estrago da popu-
mãos de uns estrangeiros que só procuram a nossa ruína e a sua felicidade. Adiante
lação, os danos à agricultura e comércio saltam aos olhos de todos...484.
esclarece-se que o vício foi transmitido pelos soldados ingleses que ocuparam a ilha:
A Câmara aludia, ainda, em defesa idênticas decisões tomadas na cidade do
Este vício foi terrivelmente adoptado pelo péssimo exemplo que receberam no
Porto que não mereceram qualquer reclamação. Mais afirmava que tratado de 1810
excesso com que bebiam os soldados britânicos nesta colónia, o que deu causa a
não contemplava este género de mercadorias, nem depois se fez, e na hipótese
grassar neles mortíferas epidemias que em geral se propagaram, por não ser próprio
mesmo de que se verificasse esta licença de importação por sua Alteza Real, ela só
este clima para o uso de semelhantes bebidas que de necessidade devem ser
tinha lugar, não para consumo interior, porque seria um absurdo nunca visto
vedadas a estes mesmos povos, pois só assim ficará extinta esta tão poderosa causa
demimuir qualquer país o consumo dos seus efeitos para dar aos estrangeiros, mas
das desgraças públicas488.
só para reexportação como se estipulava a favor dos ingleses sobre nossos efeitos
A Câmara baseava a argumentação numa ordem da Junta de 19 de Janeiro489 e
coloniais nas alfândegas de Inglaterra. Esta reciprocidade de interesses há-de fazer
outra de 11 de Maio490, em que se proibia a entrada de qualquer bebida nacional e
sempre base dos contratos das nações livres e o foi nomeadamente do tratado novís-
estrangeira, segundo a forma do alvará de 1801. Com o aviso de 17 de Agosto491 ficou
simo. E conclui: Em tais termos, pois esperamos que V. Exa. desatenda a injusta e
proibida a partir de 1 de Janeiro de 1817 a entrada de romes ou água ardente, açú-
discomedida requisição do cônsul suplicante. O Senado subscreve a posição da
car, outros quaisquer géneros, ou produções de economias estrangeiras, semelhantes
Câmara e em exposição ao monarca afirmava: Senhor obrigado pelo vosso regi-
ao da produção do reino do Brasil a que se juntou em 17 de Setembro492 o açúcar,
mento a promover o bem público que certamente perigando, minando nos seus
mele toda a bebida espirituosa extraída destes produtos, café, algodão e coiros.
principais fundamentos a saúde pública, o comércio, a agricultura pelo escandaloso
A vereação não estava satisfeita e 7 de Novembro493 reclamava a necessidade de
abuso do consumo de bebidas espirituosas de fora da terra, tomamos as medidas de
as proibir totalmente. Mais referem que o reino de Portugal não sofreu mais pelo
486. Idem, t. 14. fol. 87vº.
flagelo da guerra passada, do que há-de sofrer esta ilha pela perda de sua agricultura, 487. Idem, t. 14, fols. 88/89.
488. Idem, t. 14, fols. 136/137vº.
comércio, e população causada pela introdução de bebidas estrangeiras485. 489. ANTT, AF, nº 239, fol. 34.
490. ANTT, PJRFF, nº 241, fol. 166; nº 407, fol. 148vº; idem, AF, nº 240, fols. 69vº/70.
491. ANTT, AF, nº 239, fol. 58vº.
484. Idem, t. 14, fols. 79vº/81. 492. Idem, nº 239, fol. 59.
485. Idem, t. 14, fols. 81/81vº. 493. ARM, RGCMF, t. 14, fols. 40/41vº.
440 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 441

alargar a limitação às demais bebidas: É certo que estes negociantes não podem de que o capricho e a delicadeza faz aparecer nas mesas faustosas pela sua eminente e
Janeiro em diante fazer importação de rom como ate agora lhes foi concedido, mas inimitável qualidade: é preciso por isso toda a energia e vigor para lhe conservar.
ficaram-lhes recursos bastantemente a vantajosos e eles tem lançado mãos de tudo A Câmara497 reafirma a posição assumida e acusa os comerciantes de se terem
aquilo que os pode favorecer para continuarem nas suas mesmas especulações. A deixado levar pelo comércio fácil e especulativo das bebidas, deixando de parte o
genebra é um líquido tão vendível como o próprio rom e por isso aqui o veremos necessário abastecimento de milho e farinhas: Por esta ruinosa importação ate os
em tanta abundância, que nenhuma diferença venha a fazer a proibição dele. Além suplicantes se ião esquecendo de mandar vir os géneros de primeira necessidade,
disso tem os mesmos negociantes aguardentes dos brazis donde podem mandar vir porque só víamos chegar continuamente a esta ilha a carregações d’aguardente e
continuadas carregações, tem a de Lisboa, a das ilhas dos Açores e Canárias e final- genebra e poucas vezes de farinha, trigo e milho ou de outros diferentes comestíveis,
mente podem aqui introduzir em tantas ou mais quantidades as bebidas espiritu- pois além de tirarem delas estes vantajosos resultados tinham de mais a mais uma
osas, como as que actualmente se acham em poder deles, que talvez já possa dar pronta liquidação nas mesmas bebidas em que sempre são certos e nunca duvi-
para mais de 4 ou 5 anos. A introdução era funesta ao mesmo povo, e só úteis a dosos. O Governador e Capitão General responde de forma lacónica: Vista a infor-
alguns negociantes que impiamente procuram fazer a sua facilidade à custa da des- mação da câmara não tem lugar a pretensão dos suplicantes, os quais se tivessem
graça pública, pois sem o menor temos das penas designadas nos nossos editais tem mais patriotismo deveriam ser os primeiros a abster-se de um tráfico, que se mostra
o arrojo de se não comunarem com os taberneiros para escondidamente lhes darem prejudicial à saúde pública e ao consumo dos vinhos desta colónia498.
uma pronta extracção às mesmas bebidas. A proibição de entrada de bebidas alcoólicas nacionais e estrangeiras motivou
Em 24 de Janeiro de 1817494 a Junta solicitou ao monarca a confirmação das acesa polémica entre as partes, nomeadamente dos comerciantes que se dedicavam
medidas de proibição dos vinhos e mais bebidas estrangeiras, salientando-se que a ao tráfico [e entre eles temos em primeiro lugar os ingleses] que teimaram em furar
introdução de rons, genebra e cerveja que impedindo o consumo do vinho nas o embargo fazendo constantes requerimentos à Junta a pedir o despacho dos referi-
tabernas paralisou na mão dos lavradores e partidistas boa parte da pequena novi- dos géneros ou introduzindo-os por meio de contrabando, prática corrente na
dade que houve o ano próximo passado, encurtou a importação de comestíveis e época. Por vezes os comerciantes solicitavam autorização ao monarca ou represen-
provocou males físicos e morais. Assim se procurava dar solução a uma grave crise tantes conseguindo, contra a ordem das autoridades locais, a permissão de entrada.
de sub consumo e de estagnação do comércio do vinho o que provocou de imedia- Isto motivava conflitos no funcionamento da administração quanto às alçadas. Às
to reacções dos sectores comerciais que apostavam na importação de bebidas. Em vezes a Junta dava uma interpretação distinta às ordens régias, de acordo com as con-
Maio, um grupo de comerciantes fez ver ao Governador e Câmara os inconve- veniências da região. Em 1818, por alvará de 25 de Abril499, proibiu-se a entrada de
nientes das medidas propostas495, ripostando o Procurador do concelho496 com as vinhos e aguardentes estrangeiras no Brasil, dando-se preferência aos nacionais (do
razões que haviam motivado a decisão, invocando que o uso das bebidas espiritu- Porto, Algarve, Açores e Madeira), explicitando-se que o vinho do Porto tinha entra-
osas, uma das causas principais das diarreias inflamatórias que tem levado à sepul- da no reino. Os escrivães da Mesa Grande da Alfândega, perante a lacónica afir-
tura uma grande parte dos habitantes desta ilha. Quanto aos ingleses, principais mação do exclusivo do vinho do Porto nos portos portugueses, duvidaram da aplica-
mentores do protesto, afirmava-se: O tratado de comércio (1810) tem a sua base bilidade na ilha500. Mas, em 18 de Janeiro de 1819501 afirmava-se que a nova lei não
principal na igualdade de vantagens e de estipulações, os ingleses não admitem o era extensiva à ilha mas apenas ao Brasil, pelo que localmente só se aplicariam os
nosso açúcar, porque tem este género, não admitem certas franquezas aos por- artigos que não entrassem em contradição com a regulamentação anterior.
tugueses, porque são opostas às leis da cidade; usemos de igual retorção de direito, A Junta e a Câmara exerciam um controlo rigoroso sobre a entrada de bebidas
temos bebidas da terra, temos as nossas leis municipais, não podemos dar consumo estrangeiras mas os comerciantes serviam-se de todos os subterfúgios possíveis. O
aos efeitos semelhantes. As nossas relações com todo o mundo estão desligadas por contrabando acontecia às vezes debaixo do olhar dos guardas de número ou das
meio das ondas, não temos com que acenar aos navios estrangeiros que passam forças militares destacadas para os vários portos e desembarcadouros. Além disso
pelas nossas costas senão com bom copo de vinho nas mãos, se lhes conservamos a continuava a insistir-se em requerimentos e petições da câmara sobre a situação difí-
sua integridade primitiva morreremos de fome neste esqueleto de rochedo. Toda a cil que as medidas traziam à ilha, como sucedeu com o alvará com força de lei de
Europa abunda em vinho que fornece aos mercados do norte e sul, o nosso que é
a nossa única moeda corrente para todas as necessidades da vida é um artigo de luxo
497. Idem T. 14, fols. 152vº/154.
498. Idem, T. 14, fol. 155.
494. ANTT, PJRFF, nº 763, fols. 60/61. 499. ANTT, AF, nº 239, fol. 100vº/106.
495. ARM, RGCMF, t. 14, fols. 152vº/155, os comerciantes deveriam referir-se à portaria de 22 de Março. 500. Idem, nº 239, fols. 118vº/119.
496. Idem, t. 14, fols. 154/155. 501. Idem, nº 239, fols. 119, 138vº/140vº.
442 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 443

25 de Abril de 1818502. Em 29 de Maio de 1819503 lamentava-se a inépcia das medi- as relações com o Brasil e, por consequência, as exportações do vinho. Em 1823 a
das proibitivas, pois as bebidas estrangeiras tem sido baldadas pela entrada que na Câmara do Funchal solicitou a alteração da lei de 17 de Agosto de 1816 e o aviso de
Alfândega se tem dada às bebidas espirituosas de fora da terra, nascendo daqui um 24 de Setembro nos quais positivamente se proíbe a importação dos rons,
choque indecente e de ruinoso para o público de se estar condenando a venda a aguardentes, açúcares, cafés, algodão, mel, couros, e quaisquer géneros de colónias
retalho um efeito que tem pago direitos. Da representação transparece a desarticu- estrangeiras semelhantes às do reino do Brasil, porquanto uma tal proibição é em
lação entre a prática municipal das posturas proibitivas de venda das bebidas tudo diametralmente oposta à prosperidade do mesmo comércio, por isso mesmo
estrangeiras a retalho nas tabernas da cidade e a atitude contrária por parte Juiz da que dificulta a exportação do nosso vinho. E que em troca de tais rons e aguardentes
alfândega e Junta. Daqui resultaram alguns inconvenientes para os comerciantes bem providentemente proibidas, que antes daquela portaria e aviso livremente se
impedidos de comerciar localmente os géneros que pagaram direitos504. permutam por nossos vinhos e se facilitava aos negociantes trazer aqueles géneros a
De acordo com a Câmara a eficácia das medidas só se tornava eficaz na conju- esta praça sem ser obrigado, como para ir vendê-los a Gibraltar e outros pontos com
gação de esforços por parte de todos. O que não sucedeu, pois em 1819 ordenou- notável prejuízo do comércio (...).
se a aplicação integral do alvará de 25 de Abril de 1818. O Procurador do concelho Portanto Senhor, aquela portaria e aviso merecem nas actuais circunstâncias a
em 20 de Novembro505, não se dando por satisfeito apresentou, baseado nas leis de devida suspensão naquela parte que respeita aos artigos que podemos livremente
1710 e 1801, as razões da interdição. A Junta ripostou ordenando ao juiz da alfân- obter por permutação com as West Índias não entrando nelas os rons e
dega que, em face da lei de 1818, admitisse as bebidas506. Em 11 de Dezembro507 a aguardentes, géneros de que nunca se deve permitir a entrada nesta província510.
Junta, de acordo com a portaria de 11 de Julho, dava conta dos inconvenientes da Em 1833511 renovou-se o pedido de proibição de entrada das aguardentes do
entrada: O vinho é o único género abundante que produz esta ilha e traz toda a sua Brasil, manifestando, mais uma vez, a concordância com a lei de 1816 e a regula-
riqueza é a moeda que mais gira como equivalente e do mais que importa para sus- mentação de 7 de Dezembro de 1825. As medidas tomadas com a carta de lei de
tento de seus habitantes alimentados unicamente do seu produto sem recurso de 29 de Setembro de 1810, alvará de 22 de Junho de 1810, regulamentação régia de 27
nenhuma outra produção que possa contrapesar os males da introdução de outras de Abril de 1829, carta de lei de 22 de Agosto de 1822, carta régia de 14 de Fevereiro
bebidas capazes de adulterar os vinhos bons de embarque ou paralisar a venda dos de 1824 e decreto de 9 de Junho de 1824 tinham como objectivo a proibição todas
baixos nas tabernas que desta forma não vendidos, se exportam com descrédito dos nesta ilha a entrada de vinhos e bebidas espirituosas não só para consumo, mas
legais de embarque. A Alfândega do Funchal508 ordenou ao juiz que suspendesse ainda por franquia e baldeação.
interinamente a aplicação da lei de 1818 enquanto se aguardava ordem régia. A mer- Em 1836512 a Câmara revalidou a antiga postura que proibia a venda a retalho das
cadoria deveria ser admitida ficando nos armazéns da alfândega sob franquia, caso aguardentes de cana do Brasil, vulgarmente chamada cachaça. Isto aconteceu depois
quisessem exportar deveriam pagar os respectivos direitos. Aqui refere-se nova- de em 8 de Abril de 1834 ter representado contra a reabertura do mercado local ao
mente aos inconvenientes da medida dizendo-se que são mero capricho, especu- produto513. Ligado à questão está a entrada do vinho de roda, apontado como bené-
lação particular, exceptuada desta generalidade só aquela aguardente estrangeira que fica ao comércio local mas entendido pela Junta e Alfândega como prática lesiva e
é despachada para concertos dos vinhos do país e que por isso mesmo que depois contrária à arrecadação e administração dos direitos. A Junta, por provisão de 12 de
de misturadas com eles pagam segundo direito, o que parece ser uma espécie par- Julho de 1830514, comunicou ao Juiz da alfândega que não permita a entrada nem a
ticular digna de contemplação do soberano e que a respeito dos vinhos estrangeiros, saída de vinho da roda. No entanto em 1831 autorizou a entrada515, demonstrando
pela certeza de que a sua introdução danaria os de produção territoriais, perdendo- a ambiguidade das decisões.
lhes o crédito externamente e dificultando o consumo interior dos que se não expor- A discussão em torno da questão de entrada das bebidas estrangeiras e nacionais
tassem, era de toda a prudência dar-lhes entrada por franquia. A Junta contava com manteve-se desde 1710. A documentação testemunha a disparidade de soluções e
a aprovação da câmara e um grupo de proprietários locais509. opções. A primeira conclusão é de que as medidas proibitivas acontecem em
A proclamação da independência do Brasil a 7 de Setembro de 1822 prejudicou momentos de crise vitivinícola. É uma medida que favorece a posição do produto
local nos mercados interno e externo. Também deve ser entendida como solução
502. Vide comentário ao mesmo no documento de 14 de Junho de 1819, in ARM, RGCMF, T. 14, fol. 199/199vº.
503. ARM, RGCMF, T. 14, fols. 198/198vº. 510. Idem, T. 15, fols. 73vº/74.
504. Idem, T. 14, fol. 152vº/154. 511. Idem, T. 17, fols. 60vº/62.
505. Idem, T. 14 fol. 207. 512. Idem, T. 17, fols. 395vº/396, 453vº/454vº.
506. Idem. 513. Idem, T. 17, fols. 275vº/277.
507. ANTT, PJRFF, nº 963, fols. 85vº/86. 514. ANTT, AF, nº 241, fols. 156vº/157.
508. Idem, AF, nº 239, fols. 139vº/140vº. 515. ANTT, PJRFF, nº 764, pp. 229/231; idem, AF, nº 241, fols. 156vº/157, 165vº/166, 407, 184vº, 186vº (demanda acerca do
509. ARM, RGCMF, T. 14, fols. 226/226vº. mesmo); nº 409, fols. 190/190vº (proibição).
444 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 445

momentânea para a crise de sub consumo, de contracção do mercado interno e


externo. A Câmara e Junta zelavam pelos interesses da região, acudindo ao único
produto de comércio com medidas proteccionistas e de salvaguarda face à concor-
rência de fora. Para alguns comerciantes, empenhados no tráfego, interessava a
manutenção por ser uma das mais chorudas fontes de receita. Ao grupo aliavam-se
os ingleses que faziam disto prática corrente. Da parte do reino as orientações eram
outras. A administração central pautava-se de acordo com as normas de orientação
e pressão de grupos interessados, ou limitava-se a respeitar os compromissos estabe-
lecidos nos tratados de amizade com Inglaterra.
À Madeira valeu-lhe a distância que se encontrava do Paço e a pertinácia da Junta
e Câmara na defesa do produto local. Caso contrário o vinho da Madeira teria caído
pela concorrência no mercado local de molhados de importação. Perante a política Rótulos antigos.
Colecção da Madeira
firme das autoridades locais restava o recurso a todas as artimanhas disponíveis ou Wine Company.
aguardar a ponderação das entidades face às circunstâncias de cada momento. É o
caso da autorização dada em 1777516 ao cônsul inglês para importar anualmente 2 vinho Madeira. Era comum a importação de vinhos dos Açores e Canárias com o
pipas de vinho de França e 2 barris de cerveja para consumo do próprio. O mesmo intuito de misturar com os da Madeira de superior qualidade. Mas foi a discussão
sucedeu em 1812517 com a autorização da entrada, livre de direitos, de 4 vasilhas de em torno do trato do vinho com as aguardentes de França que ateou forte discussão.
vinho estrangeiro para o Major General Gordon, Comandante da tropa inglesa, com Tendo em conta a melhoria da qualidade do vinho que acontecia com a adição de
a seguinte recomendação. Sem que este exemplo possa ser alegado para outras pes- aguardente as autoridades aceitaram a entrada das de França. Esta opção não foi
soas que não se acham nas mesmas circunstâncias. Em 1816518 deu-se entrada a 2 pacífica pois que alguns argumentavam que o processo de vinificação retirava quali-
vasilhas com 92 garrafas de vinho do Porto, pedidas por J. Blandy para curar uma dades ao vinho. Só aguardentes da terra o poderiam manter. Além disso a intro-
moléstia da mulher. O mesmo foi feito a Pedro Jubit, que solicitara autorização para dução impedia o consumo do vinho de baixa qualidade usado para fabrico de
importar anualmente 11/5 de pipas do mesmo para consumo próprio, uma vez que aguardente.
o da ilha não era favorável ao seu estado de saúde519. Em 1821520 o negociante O proteccionismo foi um dos aspectos mais salientes da política socio-económi-
António Januário Modeno solicitara autorização de entrada de genebra que fora ca local dos séculos XVIII e XIX. Está patente uma oposição de afrontamento entre
forçado a trocar em Amesterdão por vinho. O edital de 25 de Setembro interditava dois grupos antagónicos. O grupo possidente/agrícola/fundiário, com expressão no
a entrada, mas a Junta, ponderando o facto, decidiu condescender. Caso a autori- Senado da Câmara e na Junta, era favorável a um programa proteccionista, que con-
zação não chegasse ao requerente restava a hipótese de reexportar sendo arrecada- sideravam o único meio de salvaguardar os interesses vitícolas. Do outro lado da bar-
dos os respectivos direitos, tal como sucedeu em 1822521 com 900 frasqueiros de ricada estavam os agentes do import-export, alguns comerciantes estrangeiros,
genebre importadas pelo inglês Heirs & Ca. nomeadamente os ingleses, contrariando as medidas proibitivas e lesivas da política
É evidente a sobrevalorização, por parte das autoridades locais, dos efeitos bené- livre-cambista. Do reino vinha o apoio legislativo necessário, justificado pela fideli-
ficos para economia local da proibição de entrada de aguardentes e mais bebidas dade às leis vigentes e aos tratados celebrados. No afrontamento assumiu papel
espirituosas. O principal concorrente estava nas bebidas espirituosas estrangeiras. destacado o Cônsul inglês, porta-voz dos interesses comerciais britânicos na ilha.
Excluída a questão dos vinhos dos Açores e Canárias só dispomos de algumas infor- Será que a reivindicação proteccionista dos anos vinte do século XIX se apresenta
mações sobre a entrada dos vinhos de Clarete522 e do Porto523. A discussão ultrapas- como o programa de luta da fracção produtiva da burguesia agrícola local em con-
sa a ideia do mero proteccionismo, prendendo-se com a defesa da qualidade do fronto com os interesses do import-export524? Deverá manter-se o afrontamento em
1837 com a pauta proteccionista dos setembristas525?
516. ANNT, AF, nº 237, p. 70.
517. ANTT, PJRFF, nº 404, p. 386.
518. ANTT, AF, nº 238, fol. 67.
519. AHU, Madeira e Porto Santo, nº 4032/4033.
520. ANTT, AF, nº 240, fol. 40.
521. Idem, nº 240, fols. 33vº/40.
522. ANTT, PJRFF, nº 763, fols. 158, 156, nº 405, pp. 283/284, nº 238, p. 136.
523. ARM, RGCMF, T. 15, fols. 57, 60/60vº, 83vº/84vº.
446 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 447

Assada, Trindade529. O vinho dos Açores surge em 1800530 num pedido de


Domingos Oliveira Júnior em que era solicitado o desembarque de 80 pipas de
vinho do Faial, transportadas no bergantim Bom Nome, apresentando como justi-
ficação as descargas permitidas em 1796 aos vinhos das Canárias e de Clarete. O
Senado531, nobreza, povo e comerciantes nacionais e estrangeiros532, a Junta da
Fazenda e o Governador533, levantaram-se em uníssono argumentando que a impor-
tação dos vinhos de inferior qualidade para depois serem reexportados como
procedentes da Madeira, arruinaria o comércio dos vinhos da ilha534. A documen-
tação diz-nos que os vinhos, quer das Canárias e Açores, quer de Málaga e
Catalunha, foram admitidos, atingindo-se as 200 pipas535.
Para obviar a situação decidiu-se em 22 de Dezembro de 1800536 colocar marcas
Rótulos antigos.
nas pipas e mais vasilhas em que se exportavam os vinhos da Madeira e dos Açores
Colecção da ao mesmo tempo que em 1817 se proibia a saída de vasilhas vazias para fora da
Madeira Wine
Company.
ilha537. Segundo o cônsul e homens de negócios as providências sobre as marcas do
vasilhame para exportação do vinho não evitavam as fraudes, antes as facilitavam,
pelo que clamavam por uma melhor regulamentação538. Marcelino Gomes, Guarda
Proibição da baldeação externa de número da Alfândega539, apresentara um plano para melhorar a arrecadação dos
direitos reais540 e medidas conducentes a impedir a entrada de todo e qualquer
A baldeação externa com o vinho dos Açores e Canárias adquiriu importância no vinho, a baldeação interna e externa. O plano consistia num regimento do ofício de
debate entre 1783 e 1810. A situação parece que foi prática corrente nos momentos de tanoeiros da cidade do Funchal541 e no regimento dos oficiais da Mesa da Inspecção
maior procura de vinho. A Junta havia permitido a entrada de vinho do reino e ilhas dos vinhos da ilha da Madeira542. Não houve consenso manifestando-se contra o Juiz
para o consumo das tabernas, o que foi aproveitado pelas praças estrangeiras para a da Alfândega, Manuel Caetano César de Freitas543 e a favor do Corregedor, Manuel
falsificação do vinho. Como a situação gerava desconfiança sobre a qualidade do vinho Caetano d’Almeida e Albuquerque, que as achavam razoáveis e úteis544. Outra medi-
exportado os negociantes decidiram tirar certidões autênticas para desvanecer boatos. da mais eficaz foi a de tornar obrigatório o uso de manifestos singulares e outros
Em 1783526 o vinho recuperava o mercado americano e por isso a introdução, documentos autênticos para serem depois examinados nos países de destino545.
baldeação e franquia deste género (vinho das Canárias), não só seria temível exemplo Em 1810546 desembarcaram no calhau por contrabando algumas pipas de vinho da
para o futuro, mas ainda poderia atrair uma bem fundada suspeita de que este vinho ilha Terceira. O Senado da Câmara, colocado perante a situação, insiste no compri-
seria d’aqui exportado a título de vinho da Madeira, mas que resultaria um conside- mento da lei para que se fique entendendo que de nenhuma maneira se tolera a intro-
rável prejuízo há estabelecida reputação do comércio exportativo que faz florescer este dução de vinhos estrangeiros para que se não animem os contrabandistas a repetir a
estado”. Daí a interdição da entrada de 100 pipas de vinho, que então se pretendia, especulação na certeza do castigo que os espera e se evitem a equivocação na quali-
não sendo permitido o despacho nem por baldeação, nem por franquia527.
Em 1791528 Carlos Murray, Cônsul geral inglês, em representação dirigida a Luís 529. Idem, nº 1254.
Pinto de Sousa, Ministro e Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, mani- 530. Idem, nº 1221 e 1255.
531. Idem, nº 1204, 1219, 1220, 1259.
festou-se contra a fraude praticada por alguns comerciantes que exportavam vinhos 532. Idem, nº 1203; ARM, RGCMF, T. 13, fols. 107vº/111.
533. Idem, nº 1218.
da Madeira para as Canárias, onde os lotavam com os aí produzidos, mais baratos 534. Idem, nº 1260.
e de inferior qualidade. Dos navios que desviaram a rota para às Canárias entre 535. Idem, nº 1263/1272.
536. Idem, nº 1252, 1222; em 1817 proibiu-se a saída de vasilhame vazio, ARM, RGCMF, T. 1, fols. 147vº/148.
1784/7, temos o Duque de Bragança, Invencível, Santíssimo Sacramento, Cara 537. Idem, nº 4531/4532; ARM, RGCMF, T. 14, fols. 147vº/148.
538. Idem, nº 1251; ARM, RGCMF, T. 13, fols. 107vº/111.
539. Idem, nº 4511.
540. Idem, nº 4527.
524. A. Silbert, Le Problème Agraire Portugais au Temps des Premières Cortes Libérales-1821/3, Paris, 1968, pp. 25/9; 541. Idem, nº 4524.
Vilaverde Cabral, O Desenvolvimento do Capitalismo em Portugal no Século XIX, Lisboa, 1981, pp. 101/109. 542. Idem, nº 4526.
525. M. V. Cabral, Portugal na Alvorada do Século XX, Lisboa, 1979, p. 19. 543. Idem, nº 4530.
526. ANTT, PJRFF, nº 942, p. 120. 544. Idem, nº 4529.
527. ANTT, AF, nº 237, fol. 210vº. 545. ARM, RGCMF, T. 13, fols. 107vº/111.
528. AHU, Madeira e Porto Santo, nº 1253. 546. Idem, T. 13, fols. 204/205.
448 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 449

dade e quebra no preço dos vinhos da Madeira, único ramo de comércio deste e se Madeira553. Apenas entre 1920-22 deram entrada no porto do Funchal 748 cascos
evite em uma palavra a ruína total de todas as classes de seus habitantes e dos direitos com vinho do continente. A protecção do mercado madeirense quanto à entrada
de sua Alteza Real. Por tudo isto, segundo informação à margem do citado docu- dos vinhos foi reatada a partir de 1945. A política proteccionista do Estado novo teve
mento, se derramou o referido vinho em 9 de Março de 1810 na praça do Pelourinho. expressão na regulação do fabrico e comércio do vinho. Por decreto de 1949 o vinho
As dificuldades do mercado na segunda década do século XIX levaram a recla- importado para consumo local estava a cargo da delegação da Junta Nacional do
mações contra a introdução de vinho de fora em que se incluía o proveniente do Vinho no Funchal, que se encarregava de distribuir aos comerciantes em garrafões
reino. A situação repetiu-se na década de trinta e nos anos sessenta547. Por ordens de de 5 litros. Em 1975 os vinhos nacionais ou estrangeiros importados poderiam
1812548 e de 1814549 proibiu-se a entrada de qualquer vinho e à baldeação ou franquia, chegar até 75.000 litros mensais.
de modo a evitar qualquer subterfúgio que venha a diminuir a estima dos vinhos da
Madeira550. Em 1819 aludia-se à baldeação externa como prática que estava na O falso madeira
origem do estado em que a ilha se encontrava: Outras muitas providências são pre-
cisas para derevidar (sic) nas praças estrangeiras o crédito do nosso vinho também O vinho Madeira era inimitável, mas ninguém podia impedir as falsificações. As
manchado pela mistura que alguns negociantes dele fazem em vinho estufado de dificuldades ocorridas na segunda metade do século XIX com a quebra de pro-
Canárias e Faial, ganhando com prejuízo mais de cento por cento. Selando-se os dução levaram a proliferação do falso Madeira. Cádis foi um dos muitos casos ao
vasos de embarque com marca distintiva, fazendo-se manifestos para aparecer em longo dos séculos XIX e XX554. Daqui exportava-se o falso Madeira para Inglaterra,
todos, também com fiscalização por via dos cônsules portugueses para verificar a Itália. Algumas empresas de renome de Jerez estiveram envolvidas na falsificação.
identidade do vinho Madeira, assim como pratica a companhia do Porto, que faz os Em 1902 a empresa Diaz Hermanos comercializava um Jerez estilo Madeira. Ao
seus embarques debaixo de chancela do seu conservador com manifestos volantes mesmo tempo publicaram-se textos com a receita de fabrico do vinho Madeira555.
por todas as praças a anunciar que só é vinho de feitoria, o que leva aquele selo de No século XIX vendia-se nos Estados Unidos da América vinho das Canárias e
autenticidade, mas é melhor corrigir, primeiro os males do interior reintegrando o Açores como sendo oriundo da Madeira.
vinho à sua generosidade natural e imediatamente quando já nos não poderem Os primeiros anos do século XX foram marcados pela falsificação do vinho
encrepar com retracção de inferior infâmia, fazer-se uso desta medida...551. Madeira. Em muitos locais onde o vinho tinha procura ou por qualquer motivo
Para o período de 1817 a 1822 temos a decisão da Junta de comprar os melhores desapareceu do mercado, surgiram sempre oportunistas a imita-lo. Da Rússia,
vinhos da ilha, como forma de restaurar a fama e qualidade no mercado externo, França, passando pelos Estados Unidos e Brasil, não é difícil encontrar o falso
relegando para segundo plano o comércio dos vinhos ordinários ou baldeados. Madeira. Na Europa, o Madeira porque muito conhecido era também falsificado.
Com isto pretendia-se escoar grandes quantidades em stock. A Junta considerava Assim tivemos Madeira de Andaluzia, Alemanha, França, Itália, Anatólia, Grécia,
ainda a necessidade de impedir os efeitos perniciosos do monopólio inglês do Palestina, Turquestão, Crimeia, Romania. Perante a situação as autoridades procu-
comércio: Esta medida produziu logo o melhor efeito, baixando o cambio das letras raram tomar medidas que tivesse algum impacto556.
a 20 por cento, como ela possa ainda produzir maiores utilidades, não só no aumen- A comunidade internacional reuniu esforços para a defesa da indicação de pro-
to da cultura e crédito dos vinhos, diminuindo pelo embarque deles o adulterado, cedência, a denominação genérica e de origem. A luta contra as falsificações inicia-
mas também evitará o monopólio do comércio dos vinhos desta ilha, comprados e se em 1878 com a exposição internacional de Paris557. Entre nós as falsificações estão
exportados por um pequeno número de casas estrangeiras, que unidas podem esta- na origem da crise do comércio do vinho, mas somente nos anos oitenta, com a
belecer a seu modo o preço de compra deles e mesmo os da venda nas praças onde intervenção do Instituto do Vinho da Madeira, se avançou com um combate inter-
o conduzem como se vê da mesma resposta552. nacional de defesa do vinho Madeira e da denominação de origem, conseguindo-se
A prática não parou e na década de vinte do século XIX temos referência à intro- demover as reais intenções dos norte-americanos558.
dução de vinho licoroso do continente para depois ser reexportado como da 553. Juvenal de Araújo, Trabalhos Parlamentares, 1928, p.100
554. Javier Maldonado Rosso, Producción y Comercialización de ‘Maderas’ En la Provincia de Cádiz (siglos XIX y XX), in Os
547. Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, pp. 49-52, 49-61, 63-64, 67, 73-79, Vinhos Licorosos e a História, Funchal, 1998, pp.141-162.
182, 185, 189, 212. 555. Idem, ibidem, pp.156-160
548. ANTT, AF, nº 238, fol. 196. 556. Cónego Antonio Homem de Gouveia, A Situação da Madeira, Funchal, 1907, pp.15-16
549. ANTT, PJRFF, nº 404, p. 463. Veja-se ainda Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 557. Cf. Charles Coronado, Falsifications du Vin et Alcoolisme, Paris, 1920; Carlos E. Mascarenhas, Las Denominaciones de
1993, pp. 59-67 Origen en el Derecho Portugués, in Información Jurídica, 146,1955, pp.415-421; Jaime Lopes Amorim, Aspectos do
550. ANTT, AF, nº 238, fol. 196 Problema da Protecção das Marcas de Origen Vinícolas em sua Evolução, porto, 1947; Carlos Fernández Novoa, La
551. ARM, RGCMF, T. 14, fol. 202/203vº. in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, Protección Internacional de las Denominaciones Geográficas de los Productos, Madrid, 1970;
1993, pp. 86-87 558. Constantino Palma, A Defesa da Denominação de Origem, in Os Vinhos Licorosos e a História, Funchal, 1998, pp.179-
552. ANTT, PJRFF, nº 763, fols. 66/66vº, vide nº 405/407. 184.
450 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 451

século XVIII projectaram o vinho da Madeira para o primeiro plano, uma vez
fechados os portos de importantes regiões fornecedoras, como a França e Espanha.
A conjuntura foi favorável ao comércio da ilha e conduziu a que, entre os finais do
século XVIII e princípios do XIX, se atingisse o maior volume de exportação de
vinho. Foi a época de apogeu do “ciclo” do vinho a que se seguiu o declínio, que
começou a sentir-se em 1815.
Desde 1760 que a procura cada vez maior do vinho da Madeira obrigou a
avanços nas técnicas de trato do vinho, substituindo-se o sistema de canteiro pelas
estufas. Ao mesmo tempo generalizou-se a prática de adicionar aguardentes de
França. A preocupação com a fama e qualidade dos vinhos genuínos ficou esqueci-
da por momentos559. Para quem importava o empenho estava em dispô-lo em quan-
tidade para poder atender à procura e pouco ou nada lhe interessava se fosse vinho
do Norte ou do Sul, Canárias e Açores. Aqui o o importante era que fosse vinho
com o rótulo de Madeira. Mudaram-se os tempos apurou-se o gosto do consumidor
e a faculdade de escolha. O vinho da ilha não interessava mais a qualquer preço,
pois em França e Espanha encontrava-se em condições mais vantajosas. Os vinhos
de Xerez, Porto, França, Espanha, Cabo da Boa Esperança substituíram o Madeira.
O vinho, que anos antes não davam para metade da procura, está agora retido nas
adegas. As colheitas de 1819 e 1821 não encontraram comprador e desde 1815
começaram a sentir-se dificuldades no escoamento, provocadas pela perda dos mer-
cados coloniais. Entrava-se na fase de declínio do ciclo do vinho que conduziu a
economia da ilha a uma situação de prostração. O madeirense não estava prepara-
do para a mudança e tardaram as soluções.
O declínio do vinho teve origem no domínio da circulação provocado pela con-
corrência doutros europeus e da contracção do mercado com as alterações ocorri-
Vinhos novos. das no espaço colonial britânico. A partir das décadas de 30/40 do século XIX o
Armazém da firma
Cossart Gordon & co.
Para uma visão dinamica da crise mercado colonial perdeu importância em favor do mercado nórdico, dominado por
Inglaterra, Rússia, Países Hanseáticos. A estagnação das colheitas conduziu ao aban-
A crise vitivinícola permitiu a diversidade de interpretações e soluções. Na maior dono da cultura da vinha e do campo pelos os agricultores. O facto repercutiu-se na
parte dos casos estamos perante visões parcelares. Deste modo podemos afirmar produção, como se pode constatar em 1837. A crise, que começara nas exportações,
que estão errados os que atribuem as crises, que atingiram o vinho Madeira, ao uso alargou-se à produção com o oídio [1852] e a filoxera [1872].
e abuso das estufas, trato do vinho com aguardente de França, baldeação interna e Quando as crises se situam na esfera comercial a causa é quase sempre a tendên-
externa. As crises que se sucederam de modo cíclico no século XVIII são conjun- cia monopolista inglesa, mas quando passava para a produção olhava-se à forma
turais e situam-se na esfera comercial, radicando a origem nas eventualidades do como se correlacionavam as forças sociais e insinuava-se o contrato de colónia e os
mercado resultantes da guerra, campanhas de pirataria e corso, crónica falta de morgados como os culpados. A conjuntura vintista, dominada pela crise de sub con-
moeda e dependência em relação ao inglês. sumo, foi muito fértil em análises e no lançamento de soluções nas páginas do
A tendência monopolista dos ingleses e as prementes questões financeiras domi- Patriota Funchalense, destacando-se as discussões em torno da importação das
naram a vida económica da ilha. O escoamento do único produto de troca dos aguardentes de França560 e do porto franco561.
géneros comestíveis e manufacturas manteve-se como a questão de fundo. O merca-
do madeirense passou para a órbita inglesa que oferecia o mercado das colónias para 559. Cf. John Driver, Letters from Madeira, London, 1850, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e
Textos, Funchal, 1993, p.354; F. R. G. S., Wanderings in West Africa, London, 1863, in Alberto Vieira, História do Vinho
o vinho e encontrava na ilha uma saída favorável aos comestíveis e manufacturas. da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, p. 369.
560. Vide nº 9, p. 11/14, 30/1, 40, 48.
As alterações produzidas no mercado do vinho a partir da década de sessenta do 561. Vide nº 70, 161.
452 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 453

Francisco Paula Medina de Vasconcelos562, que viu a crise como consequência do


tratado de 1810 (considerado um cometa político), dos gravíssimos tributos surgidos
em 1821, a estagnação do comércio e a aluvião de 1803. Como solução apontava a
substituição da colonia pela enfiteuse (por ser mais humana), a reforma do sistema
tributário e monetário e no campo comercial a necessidade de proibição das
aguardentes de França e a legítima pretensão do porto franco563.
Em meados do século, a crise provocada pelo oídio provocou nova discussão
retomando-se a linha seguida em 1820-1823. Algumas das pretensões foram
aprovadas em Cortes, como o projecto de lei de 23 de Dezembro de 1853, que
aboliu as capelas e vínculos (art. 1), reduziu o dízimo a metade (art. 7), determinou
o fim da monocultura da vinha (art. 3) e declarou o porto franco (art. 2)564.
António Correia Heredia foi um, entre muitos, a manifestar a sua opinião: Há
quatrocentos anos que este país é vítima de grandes absurdos, ninguém deu por eles
senão quando se acabou o vinho e o oídium tuckeri é que ficou responsável por
todos esses erros, que o pobre coitado, para ter alguma coisa de bom apenas fez
conhecer a quem ate agora os deixara passar sem reparar! Assim, por exemplo, -
“acabou-se o vinho? -reforme-se o contrato de colonia! -acabou-se o vinho? -liberte-
se a terra! -acabou-se o vinho? -reforme-se a Alfândega!”. Não é lógico chega a pare- vasto do período de declínio do ciclo do vinho, iniciado em 1815 como uma crise Rótulos antigos

cer absurdo. comercial e que a partir de 1873 tem expressão na produção. As crises do vinho
A falta de vinho pode ser uma razão mais para que se tome alguma dessas medi- estão por esclarecer uma vez que poucas ou nenhumas das explicações existentes
das, mas de per si só, não é, não pode ser fundamento bastante para que um gover- não satisfazem, porque parcelares e atraídas pelos aspectos mais visíveis do momen-
no, que deve subordinar aos princípios económicos todas as providências desta to de crise, como é o caso do oídio e filoxera. Para nós estamos perante dois tipos
ordem, adopte sem repugnância nem reflexão tudo quanto por esta forma se lhe de crise. No decurso do século XVIII ocorrem diversas crises no domínio da cir-
reclama.565 culação, que por serem de curta duração e se encontrarem num momento de forte
A crise da primeira metade do século XIX insere-se na fase de declínio do vinho, impulso são ignoradas. O período de declínio do ciclo do vinho começou entre
mas tem sido interpretada como um fenómeno isolado. Para Álvaro Rodrigues de 1815/1819 como uma crise no domínio da circulação que se alargou à produção,
Azevedo (1873) a situação resultou da contracção do mercado e das falsificações como se pode verificar a partir de 1837. A crise do oídio em 1852 não pode ser con-
ocorridas no período de grande demanda. O mesmo pensamento encontrámos em siderada a única causa na segunda metade do século XIX, pois que desde 1837
D. João da Câmara Leme, Fernando A. da Silva, Nuno Simões, Eduardo Pereira.566. avançava a passos largos na produção. O oídio apenas poderá ter sido a causa ace-
Quanto ao que ocorreu na segunda metade fez-se fé nas análises de Andrade Corvo, leradora.
Eduardo Grande e D. João da Câmara Leme567, que a encaravam como um fenó- O arrastamento da situação ao longo do século XX tem a ver com a realidade
meno isolado. Segundo Miriam. H. Pereira o mesmo tipo de análise sucedeu em rotineira que sempre pautou o comércio. No entender de Peres Trancoso569 o
relação à região duriense, onde se atribui ao oídio e filoxera a origem quase exclu- retorno ao momento de esplendor só seria possível com uma remodelação geral nos
siva568. seus processos comerciais internos e de exportação.
A crise vitícola da segunda metade do século XIX insere-se num âmbito mais

562. Vide nº 83, pp. 1/4; nº 84, pp. 1/4; nº 85, pp. 2/4; nº 90, pp. 3/4; nº 96, pp. 1/3; nº 97, pp. 2/4; nº 98, pp. 4; nº 99, pp. 3/4.
563. Estas reivindicações não fogem à regra das apresentadas entre 1821/3 em petições às cortes liberais, vide A. Silbert, Le
Problème Agraire Portugais au Temps du Première Cortes Liberales, Paris 1968.
564. Amigo do Povo, nº 165, p. 1.
565. O Clamor Público, nº 22, p. 1. in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, pp.
177-180.
566. Estudos citados ao longo do trabalho e a bibliografia.
567. Idem.
568. Livre Câmbio e Desenvolvimento Económico em Portugal na Segunda Metade do Século XIX, Lisboa, 1971, pp. 149/179. 569. Peres Trancoso, O Trabalho Português, I Madeira, Lisboa, 1928, p.13.
454 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 455

Aspecto dos
armazéns.
Rótulos antigos
Artur barros & sousa lda.
Actualidade e consumo do vinho madeira
Na Madeira, para além das empresas nacionais e estrangeiras, sempre existiram
Hoje o mercado do vinho Madeira é diversificado. O vinho tem no consumo particulares a fabricar o vinho, para consumo familiar e, por vezes venda ao público
interno uma das principais apostas, em certa medida favorecida pelo turismo. As ou às grandes casas. A firma em questão é resultado do empenho pessoal do Dr.
visitas às adegas [servidas de roteiros adequados e de uma prova de vinhos] assegu- Pedro José Lomelino (1864-1930). Em 1923 decidiu desfazer-se da adega entregan-
ram a realidade. No mercado externo, o consumo diversificou-se. O Japão afirmou- do ao sobrinho, Artur de Barros e Sousa, regressado do Brasil, que em 1929 deu
se desde a década de sessenta como um novo e potencial mercado. Os Japoneses sociedade a Eduardo Menezes Olim. A empresa é actualmente administrada pelos
preferem os secos e meio secos. A Casa de Vinhos Barbeito foi pioneira na rota, netos, Artur de Barros e Sousa e Edmundo Menezes Olim.
mas hoje o mercado interessa a todos os intervenientes. A firma, graças ao empenho de dois irmãos, mantém o aspecto rústico e famili-
Actualmente o panorama comercial do vinho está estabilizado. A crise do sécu- ar, que foi e ainda continua a ser uma marca do mundo empresarial ligado ao vinho.
lo dezanove e as dificuldades sentidas com as duas Guerras Mundiais implicaram No fabrico do vinho continuam a manter a tradição primitiva, apenas usando o
mudanças no xadrez empresarial. A situação é definida pelas empresas que se chamado sistema de sistema de canteiro. Do lote de vinhos fazem parte algumas
seguem. raridades como Terrantez da Madeira e Bastardo e Listrão do Porto Santo.
456 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 457

H. M. Borges Sucrs. Lda


A casa, fundada em 1877 por Henrique de Menezes Borges, mantém, na actuali- Henrique Menezes Borges começou como partidista, fornecendo vinho a diver-
dade, o mesmo estatuto familiar. A partir dos anos trinta ganhou importância com sas firmas, mas de forma especial a Krohn Brothers. À morte em 1916 a firma ficou
a junção de outras firmas. Em 1932 Araújo Henriques & Co. e depois em 1935 entregue aos três filhos, passando a partir de 1922 à condição de exportador. Foi
Adega Exportadora de Vinhos da Madeira Lda., J. H. Gonçalves & Cª, Borges também nesta data que mudaram as instalações da Rua do Seminário para as actu-
Madeira Lda., continuando ainda hoje a utilizar os rótulos. ais na Rua 31 de Janeiro.
458 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 459

de Vinhos da Madeira Lda., Belém’s Madeira Lda., Carmo Vinhos Lda., António
Henrique & Henriques Vinhos Sa Eduardo Henriques Sucrs. Lda. e António Filipe Vinhos Lda. Em 1960, foi a vez
de Freitas Martins Caldeira & Cia juntar-se ao grupo.
A família Henriques está ligada aos primórdios da ocupação e ao cultivo da vinha A firma está hoje em mãos dos sócios A. N. Jardim, Peter Cossart e Nunes
no arquipélago. Até à década de setenta do século XX foi detentora de importantes Pereira. Em 1992 iniciou um processo de modernização, transferindo-se do Funchal
terras de colónia, ocupadas com vinha, nos sítios da Torre e Quinta Grande. Desde para o concelho de Câmara de Lobos. Na vila., junto à ribeira do Vigário ficaram
1850 João Joaquim Gonçalves Henriques, com base nas propriedades de família em as instalações de vinhos velhas, lojas de vendas e escritório, enquanto na Quinta
Belém (Câmara de Lobos), instalou-se como partidista do vinho Madeira, fornecen- Grande ficavam 10 hectares de vinha das diversas castas nobres e as instalações de
do as principais casas. Em 1913 surgiu a actual empresa resultado da fusão à Casa recepção da uva, vinificação e estufa.
460 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 461

nova dimensão passando a ocupar as instalações


da firma Blandy no centro do Funchal, as adegas
de S. Francisco, e a contar com a adesão de out-
ras casas comerciais a associarem-se a esta
sociedade: Abudarham & Filhos, Luís Gomes da
Conceição & Filhos (1863), Miles Madeira
Lda.», F. F. Ferraz & Cia, T. T. da Câmara
Lomelino (1820). Cossart Gordon & Co. Ltda
(1745) foi o último a juntar-se ao grupo em 1953.
A partir de 31 de Dezembro de 1981 a firma
alterou a designação para Madeira Wine
Compan S. A.. Iniciou-se aqui uma nova fase que
levou a que a família Blandy assumisse em 1979
uma posição maioritária. A partir de 1989 partil-
hou o património com a família Symington, que
adquiriu o controlo da empresa. Foi o começo
de um novo processo de valorização e modern-
ização. Em Setembro de 2000 foi atribuída à
MWC a certificação de qualidade na produção
pela norma ISO 9001. À Rua de S. Francisco
Madeira Wine Company S. A. permanecem os antigos armazéns que foram da
firma Blandy, como espaço museológico e de
A 9 de Agosto de 1913 foi constituída por escritura notarial a firma Madeira provas, enquanto ao Largo Severiano Ferraz se
Wine Association, reunindo algumas empresas ligadas ao comércio de vinhos: instalou todo o espaço de vinificação e engar-
Harry Hinton, Blandy Madeira Ltda (1811), John Frothingham Welsh, Cunha e Co. rafamento, com o recurso às mais modernas tec-
Lda. e Henriques & Câmara, a que aderiram depois Donaldson e Krohn Brothers. nologias. É aqui que podemos ainda encontrar
É a consequência inevitável da crise do mercado do vinho nos princípios do século, em funcionamento as estufas de madeira e
agravada nos anos imediatos com as guerras mundiais. Passados doze anos ganhou cimento.
462 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 463

Aspecto dos Armazéns


da Madeira Wine à Rua
de S. Francisco.
Princípios do século XX

A empresa ainda hoje utiliza ainda as seguintes designações das associadas: A.


Nóbrega (Vinhos da Madeira), Lda., Aguiar, Freitas & Cª. Sucrs., Lda., Barros,
Almeida & Cª. (Madeira) Lda., Bianchi’s Madeira, Lda., Blandy’s Madeira, Lda., Pereira D’Oliveira (vinhos) Lda
Casa dos Vinhos Vasconcelos, Lda., Cossart, Gordon & Cª Lda., F. F. Ferraz & Ca
Lda., Freitas Martins, Caldeira & Ca. Ldª, Funchal Wine Company, Lda, J. B. A firma começou em 1850 por iniciativa de João Pereira d’Oliveira. Em 1975
Spínola, Ldª, Krown Brothers & Cª. Ldª, Leacock & Cª.(Wine) Ldª, Luís Gomes juntaram-se outras duas, Joaquim Camacho e Júlio Augusto Cunha Sucrs., e, depois,
(Vinhos) Ldª, Madeira Vitória & Cª Ldª, Miles Madeira, Lda., Power Drury (Wine) a de Vasco Luís Pereira Sucr., todos produtores e exportadores. Dispõe de área de
Ldª., Royal Madeira & Cª Ld, Rutherford & Miles, Ldª, Sociedade Agrícola da produção de vinho em S. Martinho.
Madeira, Ldª, .Sociedade dos Vinhos da Madeira Meneres, Ldª, Tarquino T. A sede e sala de provas estão instaladas à Rua dos Ferreiros, num edifício do
Camara Lomelino Ldª, Vinhos Donaldson & Cª 3 Ldª, Vinhos Shortridge Lawton século XVII, ostentando no frontal a data de 1619. As primitivas adegas situavam-se
& Cª Ldª, Vinhos Viúva Abudarham & Fºs. Lda., Welsh Brothers (Vinhos) Lda. na Rua de Santa Maria, donde foram transferidas em princípios do século XX.
464 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 465

Vinhos Barbeito (madeira) Lda. nipónico, sendo facilmente identificado pelas garrafas de formato cantil forradas a
vime. Na Loja de vendas no Funchal associa-se um museu e biblioteca evocativos do
Mário Barbeito de Vasconcelos começou a exportar vinhos em 1946 mas só pas- navegador Cristóvão Colombo.
sados dois anos estabeleceu a firma nas instalações de um antigo engenho de Tal como não se cansam de referir os promotores, o vinho da Madeira não é só
aguardente. Uma das apostas da casa está no mercado japonês para onde exporta um negócio - é uma tradição de família e um modo de vida. Por isso, são os netos
vinho desde 1965, aliado a Kinoshita Shoji. O vinho é uma referência no mercado de Mário B. de Vasconcelos, falecido em 1985 que persistem na teimosia.
466 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 467

Vinhos Justino Henriques


Filhos Lda

A firma foi fundada em 1870, nas


vésperas da chegada da filoxera, por
Justino Henriques Freitas tendo resistido
às diversas crises. Depois da Primeira
Guerra Mundial especializou-se no
comércio de vinhos para o Brasil, mas
hoje o mercado preferencial é a França.
A actual firma surgiu em 1926 como
resultado da fusão com as casas A. de
Freitas (vinhos) Lda., C. R. Gonçalves
(vinhos) Lda., Companhia Regional de
Esport. de Vinhos da Madeira Lda., H.
R. Gonçalves, J. Monteiro (vinhos) Lda.,
União Vinícola (Funchal) Lda.
Na actualidade é uma sociedade cons-
tituída por Sigfredo Costa Campos, que
adquiriu a posição em 1981 e a empresa
francesa La Martiniquaise. A partir de
1993 passou por um processo de mo-
dernização, saindo da Rua do Carmo
para se instalar no Parque Industrial da
Cancela em novas instalações pautadas
pela actual tecnologia de vinificação e
engarrafamento.
468 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 469

Rótulo antigo. Sistema de


Colecção da
De acordo com as características de cada casta, nomeadamente das percentagens esmagamento da uva.
Madeira Wine O vinho hoje de açúcar, estipulou-se para cada uma um tipo de vinho. Assim, o vinho seco iden- Justino e Henriques, Ldª
Company.
tifica-se com o Terrantez, Sercial e Bastardo, o meio-seco com o Verdelho, o meio-
doce com o Boal e o doce com a Malvasia. A classificação é feita de acordo com o
São quatro as castas que deram nome ao vinho Madeira, isto é, o Sercial, grau de doçura, a data da colheita e a indicação das castas.
Malvasia, Boal e Verdelho. O Terrantez e o Bastardo, que poucas casas apresentam, Consoante as características alcoólicas de cada um dos vinhos, podemos
são raridades, surgindo em quantidades reduzidas. A produção corresponde apenas recomendar o momento ideal para o beber, podendo resultar uma combinação per-
a dez por cento da vindima. Estamos perante castas habitualmente reservadas para feita com a culinária regional. Para aperitivo serve-se Verdelho, Sercial ou então um
os vinhos de frasqueira, isto é, vinhos com mais de vinte anos. De acordo com a leg- meio-seco e seco. O Malvasia ou doce segue o ritual britânico, sendo um bom diges-
islação em vigor a utilização do nome da casta na rotulagem obriga a que o conteú- tivo acompanhado de bolo de mel. O Boal ou meio-doce usa-se em diversos “cock-
do tenha pelo menos oitenta e cinco por cento de vinho da casta referida. tails” e a acompanhar bolos e fruta.
A Tinta negra-mole é uma das castas recomendadas para o fabrico do vinho O Mercado do vinho da Madeira é assegurado actualmente apenas por nove
Madeira, sendo a base para os vinhos mais jovens disponíveis no mercado. É a mais empresas. Apenas três surgiram no século XX, sendo as demais herdeiras de
pródutiva e que contribui em maior volume para o comércio do vinho Madeira. Os tradição familiar ou empresarial. Nos últimos anos do século XX foi manifesto o afã
vinhos comercializados que se identificam no rótulo pela idade, de três a quinze modernizador de algumas, fazendo com que os espaços e as técnicas correspondam
anos, são desta casta, que tem boas condições para o fabrico de óptimos vinhos às exigências dos tradicionais e novos apreciadores.
470 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 471

Anos Total Madeira Porto Anos Total Madeira Porto


ANEXO Nacional Nacional
1843 30848 132000 1897 782.260 24173 255445
Quadro nº.1: Movimento de exportação de vinho (em hectolitros) 1844 29485 171860 1898 864.095 24301 284805
1845 30008 158120 1899 830.368 25105 253790
Anos Total Madeira Porto Anos Total Madeira Porto 1846 34234 155550 1900 828.660 26202 250285
Nacional Nacional 1847 23311 153725 1901 790.713 23928 244000
1560 10921 1795 61517 279555 1848 24365 192360 1902 839.493 25542 249750
1620 1488 1796 64066 201920 1849 30844 215215 1903 779.621 26404 233050
1638 3344 1797 61328 192955 1850-51 30518 195110 1904 729.350 34980 196235
1645 18559 1798 51953 364735 1851-52 27964 159735 1905 900.271 27487 213830
1646 77702 1799 61303 493710 1852-53 17572 157490 1906 908.492 21158 239650
1650 10947 1800 69003 280350 1853-54 9308 279055 1907 910.575 24253 222830
1659 28465 1801 68409 393030 1854-55 7423 196260 1908 841.646 23242 209555
1660 26467 1802 67507 223040 1855-56 7904 171930 1909 863.036 23852 213250
1661 26752 1803 55117 277880 1856-57 7515 208105 1910 1.155.537 29623 283055
1662 26125 1804 46151 185225 1857-58 5354 143680 1911 1.146.917 31897 232955
1663 25080 1805 58494 218095 1858-59 5551 83450 1912 1.079.433 26723 257365
1664 26334 1806 58582 226300 1859-60 4234 97735 1913 858.461 34290 262635
1665 21190 1807 69810 273590 1860-61 5388 139300 1914 971.194 32548 240075
1666 24035 1808 46623 201035 1861-62 4100 163460 1915 2.309.682 26303 247910
1667 23617 1809 64.217 222.745 1862-63 3022 148550 1916 1.871.929 47547 360755
1668 5395 1810 47.121 210.745 1863-64 3511 169525 1917 12687 190230
1676 104500 1811 40.023 120.945 1864-65 365.049 2240 128095 1918 12862 414707
1682 19.010 3.500 1812 1865-66 296.924 3440 195715 1919 83612 491710
1687 21.210 1.575 1813 91.960 125.805 1866-67 254.040 3548 195615 1920 24270 283245
1689 33.440 8.650 1814 58.520 143.340 1867-68 270.916 3653 164485 1921 16094 229780
1698 41.800 40.015 1815 62.700 188.700 1869 325.392 4125 199685 1922 2.535.921 36545 385620
1699 31.350 31.270 1816 50.160 125.860 1870 340.500 4639 218150 1923 1.527.105 46952 401035
1700 41.800 36.435 1817 33.440 158.720 1871 351.877 6315 210755 1924 1.368.565 42547 512340
1721 104.500 97.700 1818 75240 187755 1872 429.651 6913 246160 1925 1.024.190 41313 540155
1730 29.494 68.550 1819 24089 131.935 1873 402.020 9003 248745 1926 926.173 35274 476190
1745 29.260 59.970 1820 56655 158.555 1874 532.151 8610 260445 1927 770.777 29667 376670
1750 29.190 72.935 1821 41699 172.310 1875 507.556 9705 294790 1928 1.510.792 40040 374535
1765 33.200 97.670 1822 44132 189.575 1876 528,516 10734 286080 1929 945.566 43382 423425
1768 146.300 112.355 1823 33786 150.350 1877 571.116 10349 299085 1930 817.658 44180 401675
1772 117.040 101.790 1824 45890 144.460 1878 414890 8882 238245 1931 756.371 42575 410390
1774 29.565 116.070 1825 60.320 259..695 1879 419.509 12218 236795 1932 755.917 29864 378510
1777 34.256 89.730 1826 39250 135.150 1880 593.271 15428 303895 1933 767.617 29052 326715
1778 39.960 119.450 1827 35212 174410 1881 701.545 14408 270175 1934 743.193 35063 346535
1779 38.807 182.815 1828 40224 208100 1882 777.813 14048 288745 1935 854.900 33917 371890
1780 46.260 175.305 1829 33874 128285 1883 871.169 11532 319975 1936 879.493 36618 415555
1781 33.799 149.695 1830 22985 120945 1884 847.877 13417 302455 1937 798.723 39662 405875
1782 46.172 166.870 1831 23127 114100 1885 1.500.771 15470 316245 1938 838.137 44747 348375
1784 34.948 141.315 1832 29941 83695 1886 1.963.114 21848 364935 1939 990.962 42798 366880
1785 27.328 157.280 1833 36294 104045 1887 1.467.344 17752 255770 1940 699.839 9776 290600
1786 50.160 152.020 1834 37097 156790 1888 1.730.886 22634 243660 1941 600.652 4489 77840
1787 45.273 219.480 1835 32311 192340 1889 1.474288 21715 272605 1942 790.766 9257 59870
1788 45223 212040 1836 33076 166290 1890 913.841 23374 277545 1943 625.315 22016 149875
1789 49165 229510 1837 33954 128910 1891 825.774 26526 281790 1944 483.785 22894 142355
1790 57734 250380 1838 41097 189875 1892 1.001.747 21221 329935 1945 564.121 20859 82360
1791 56471 237470 1839 37803 166025 1893 769.558 21602 235715 1946 1.303.442 30946 258260
1792 62700 291710 1840 33339 165950 1894 611.425 22108 219170 1947 824.555 31871 211020
1793 44713 163975 1841 29916 131775 1895 682.441 25067 247735 1948 998.701 23165 171595
1794 64727 281035 1842 26208 137155 1896 761.047 24733 258690 1949 1.170.332 27393 226585
472 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 473

Anos Total Madeira Porto Anos Total Madeira Porto


Nacional Nacional
1950 1.008.602 24553 208300 1977 45669 441770
1951 1.211.976 34471 243425 1978 43740 473685
1952 1.136.408 29229 188690 1979 50605 571535
1953 1.067.225 31246 194350 1980 32205 558640
1954 1.294.556 34167 204975 1981 37968 496575
1955 1.626.442 29991 206760 1982 31396 520785
1956 1.855.826 31452 222265 1983 33422 529495
1957 1.808.480 28760 213960 1984 32418 538630
1958 2.285.750 32508 192595 1985 31517 576905
1959 1.581.580 31017 208515 1986 36636 620835
1960 1.605.360 35448 209415 1987 32855 622035
1961 1.632.477 44144 244505 1988 35.317 653045
1962 1.501.705 41120 244175 1989 34138
1963 1.748.107 41297 238010 1990 34488
1964 2.270.469 44197 249720 1991 33535
1965 2.455.494 46833 298375 1992 32008
1966 2.768.297 46603 285600 1993 31925
1967 2.518.406 45783 273440 1994 30829
1968 2.407.900 47.430 301355 1995 32734
1969 46384 292320 1996 31599
1970 45920 318665 1997 32146
1971 48565 334700 1998 33408
1972 52128 395405 1999 31033
1973 46640 432645 2000 34052
1974 40850 397305 2001
1975 44430 344995 2002
1976 42040 373605

FONTE: INE- Anuário Estatístico; INE- Comércio Externo(1938-1966); INE- Estatísticas de Comércio Externo (desde
1967) Conceição Andrade Martins, Memória do Vinho do Porto, Lisboa, 1990

Sistema
de engarrafamento.
Justino Henriques Ldª
474 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 475

Quadro nº..2: Movimento de exportação de vinho por meses

1789 JUNHO JULHO AGOSTO SETEMBRO OUTUBRO NOVEMBRO DEZEMBRO

1/2 quartolas

1/2 quartolas

1/2 quartolas

1/2 quartolas
1/2 quartolas

1/2 quartolas

1/2 quartolas

Quartolas

Quartolas

Quartolas

Quartolas
Quartolas

Quartolas

Quartolas

Quartos

Quartos

Quartos

Quartos
Quartos

Quartos

Quartos

Pipas

Pipas

Pipas

Pipas
Pipas

Pipas

Pipas
Ásia 41 2 3 1/2 2 2 1
Antígua 2 2
América 1 1 21 1 38 3 5
Barbadas 17 40 44 1 25 4
Bastão 19 2 2 1/2
Baltimor 24 1 87 1 80 1 2
Bengala 17
Bombaim 1
Boston 13 1 11/2
Cabo Verde 1 1 2 1 1 3
Canárias 1
Coibeque 87 1 63 3 24 2 1
Jamaica 486 26 26 13 13 1 150 11 6 641 19 18 135 6 5 1/2 348 10 8 1/2
Filadelfia 60 1 1/2 164 1 6 1/2
24 2 107 2 2 111 1 1 207 6 5 1/2
Martinica 8 2 5 12 1 2
New York 146 2 2 20 1 213 7 7 55 2 5 36 1 1
W. Índias 423 19 10 1/2 7 81 5 4
Virginia 15 1 35 1 47 4 3
Santa Cruz 169 8 10 21 2 2 27
Carolina 40 3
India 1 2 1
Portland 15 2 2
Marselha 1 1 1 1/2
Porto 1
Charlston 7 1 8 3 42 1 1 21 3 1
Lisboa 44 1 2 1 1 3 2
Terra Nova 2 2
Londres 9 2 4 10 5 5
Noruega 58 1 3
St. Eustachio 30 1
Granada 5 1 4 63 5 7
Costa da Guiné 105 4 3
Sidney 32 2 1
Stª Cruz (Dinamarca) 16 3
Dominica 44 2 7 2 3
S. Vicente 90 3 3
476 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 477

1790 1791
Destino Jan Fev Mar Abr Mai Jun Julho Ago Set Out Nov Dez
Destino Jan Fev Mar Abr Mai Jun Julho Ago Set Out Nov Dez
Ásia 538 835 61 470 403 51
Alifaz 8 América 24 52 12 5
Ásia 165 811 183 666 77 71 150 379 805 5 Barbadas 15 101 1 15 8 5 43
Alicante 1 84 Bastão 9 24 4 1 11
Antigua 3 133 _ Bengala 23 33
América 31 6 39 9 Canárias 30 24
Barbadas 9 265 83 420 Coibeque 12 65 2
Bastão 71 22 30 Jamaica112 112 501 947 287 77 196 40 14 248 147 139
Baltimor 78 36 1 22 6 5 Filadélfia 50 6 30 78 88 72 18 57 11
Coibeque 50 New York 85 70 59 9 60 97 34 30
Jamaica 473 489 775 68 10 61 6 57 94 769 153 W.Indias 148 96 438 63 82 32 5 2
Filadélfia 53 71 111 222 189 74 60 Carolina 3 4 26 15
New York 1 172 68 24 30 133 53 60 4 93 Charlston 27 53 10 7
W. Indias 160 86 16 131 24 Lisboa 12 21
Virginia 3 49 45 153 St. Eustachio 99 85 60 18
Santa Cruz 7 95 26 20 Granada 120 133 111 243 105
Carolina 8 Dominica 95 123 35 23
India 27 Stª Cruz (Din) 28
Charlston 129 73 S. Cristovão 43
Londres 1 167 Belmuda 148
Lisboa 3 Nerues 65
St.Rustachio 40 134 38 37 Gotemburgo 11
Granada 211 24 St. Kitts 66
Stª Cruz(Dinamarca 252 Tobago 11 10 20
Berbice 4 26
Dominica 126 120 87
Tortola 1 61
S. Cristovão 69 48
Gibraltar 6
Cabo Verde 2 1
Setúbal 27 6
Dartmout 13
Santa Cruz 58 5 47 133 32
China 2
Ostende 48 41
Honduras 26 Porto 90 1
Cork 10 48 Londres 28
Salem 13 Baltimor 54 11 33
Copenhaga 70 16 60 Gasto 4
Surinam 4 Virginia 21 7 38 17 39 15
África 2 Norfolk 60
S. João 11 Nova Providencia 80 1 1
S. Martinho 14 Demerara 168
Alexandria 12 12 Antigua 157 1
Nova Inglaterra 2 Martinica 1
Nassbery 25 Meriland 14
Garnizé 68 Santa Helena 6
Belmoda 30 50 Garnizé 106
Mogador 20 20 Bristol 10
Canárias 10 10 65 S. Miguel 10 12
Cabo Verde 19
S. Vicente 46
Cork 38
Malaga 6
St. Thomas 15
Africa 34 133
Brunswit 20
Curaçau 33 2
Monserrate 175
Alexandria 84
478 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 479

1792 1793

Destino Jan Fev Mar Abr Mai Jun Julho Ago Set Out Nov Dez Destino Jan Fev Mar Abr Mai Jun Julho Ago Set Out Nov Dez
Jamaica 139 233 770 326 25 62 157 263 199 242 351 W. Indias 61 150 93 62 41 145 522
Granada 15 185 48 133 163 169 Asia 800 70 232 6 337 100
Barbadas 69 15 171 11 38 47 S. Vicente 73
W. Indias 34 24 21 10 27 45 45 78 Dominica 33 51
Tenerife 15 Bobaim 16
N. York 59 25 127 22 48 10 Granada 148 8 189 64 16 52
Virginia 2 16 4 31 13 59 33 Island 106 7
Cloid 104 Jamaica 691 490 66 182 179 147 188
Filadelfia 20 19 65 5 15 107 66 54 16 Virginia 103 1 143 16 53
Stª Helena 73 N. York 99 136 16 86
Asia 459 77 83 Russia 12
Bastão 69 15 S. Cristovão 87 165 85
S. Vicente 77 59 Barbadas 78 259 151 65 98 134 129
Luiviana 3 Filadelfia 58 17 266 236 1
Mar do Pacifico 2 Carolina 190 41
Nova Providencia 29 103 Cabo Verde 3
América 13 62 28 Charlston 214 12
Quebec 63 38 81 Acorso 11
Baltimor 137 83 Bordéus 13
Charlston 25 5 N. Providencia 58 18
Antigua 75 268 Quebec 158 48
Gibraltar 10 Gibraltar 5
Norway 24 19 Baltimor 30 14
St. Kitts 53 Santa Cruz 1 148
Bergamo 7 New Port 1
Cadiz 4 Bastão 3 51
Carolina 14 73 7 Canarias 2
St. Eustachio 9 24 38 St. Eustachio 12
Compenhagua 63 Garnizé 165
Salem 89 Boston 23
Ganizé 7 182 Antigua 81
Serra Leoa 44 Honduras 6
Hamburgo 3 12 Providencia 11
S. Miguel 4 St. Kitts 99
China 25 Bourdeaux 1
Santa Cruz 89 198 Ostende 240 40
Boston 26 Inglaterra 9
Costa África 21 Cork 11
Lecth 51
C. Boa Esperança 6
480 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 481

1794 1795

Destino Jan Fev Mar Abr Mai Jun Julho Ago Set Out Nov Dez Destino Jan Fev Mar Abr Mai Jun Julho Ago Set Out Nov Dez
Carolina 12 Jamaica 47 270 161 241 438 10 80 186 57
Ásia 11 82 633 500 866 155 Granada 7
Santa Cruz 292 54 147 32 34 115 Santa Cruz 1 110 77 144
Bastão 39 15 65 Cabo Verde 40
Gasto 1 2 Índia 50
W. Indias 54 15 36 149 640 70 95 69 30 39 Filadélfia 49 63 183 138 146 3
Granada 150 33 21 120 2 2 12 335 Ásia 238 774 771 1493 326 1705 881 171 25 188 337
Barbadas 6 7 307 131 85 72 Demerara 16
Jamaica 760 58 967 141 37 33 1 1 511 W. Indias 27 34 233 82 13 144 97 107 49 14 1
Santa Helena 43 Terra Nova 21
Cabo Verde 24 1 7 Virginia 5 70 25 126
Virginia 87 17 83 47 12 Tanarife 56 60 46 7 65
Garnize 79 81 86 30 Boston 1 84 34
Bengala 100 Monserate 173
N. York 28 90 28 109 79 47 95 340 248 Barbadas 235 65 459 79
Costa Guiné 18 Irlanda 20
Tenerife 100 103 50 12 20 S. Vicente 74
Dominica 119 61 46 221 Charlston 16 57 48
Halifax 75 N. York 198 88 158 350 232 6
Tobago 358 Alexandria 35
Filadelfia 156 444 230 32 Bastão 72 72 87
Costa de África 1 7 Baltimor 5 153 1 87
Baltimor 105 80 53 Norfolk 7 135
Nova Providencia 52 78 Antigua 126
Antigua 67 4 Bergem 33
S. Cristovão 120 17 Liverpool 193
S. Domingos 100 295 N. Providencia 54 45
Ostende 20 39 S. Bartolomeu 38
S. Vicente 19 Setúbal 2
Monserrat 16 Quebec 152
Martinica 100 70 88 90 Barb’s 22
Londres 135 Não Especificado 67
Charlston 50 45 100 Tortola 1
Mablet 31 4 S. Quitts 25
Quebec 52 106 Berbice 10
Baltimor 76 Lisboa 30
Salem 63
Bostom 3 47 39
Alexandria 86 35
Demerara 31
Belmuda 32
Post Moth 3
St. Eustachio 32
Falmout 26 31
Watergon 18
482 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 483

1796 1801

Destino Jan Fev Mar Abr Mai Jun Julho Ago Set Out Nov Dez Destino Jan Fev Mar Abr Mai Jun Julho Ago Set Out Nov Dez
Virginia 4 30 20 86 9 Jamaica 294 341 196 28 122
Martinica 97 51 125 148 127 83 Brington 10
W. Indias 64 1372 176 6 63 249 59 13 68 Demerara 19 61 191 71 123 42 5
Africa 31 W.Indias 148 406 4 33 40 16 12
Bastão 50 35 3 4 12 211 India 1015 280 119 117 11 29 28
China 12 Cabo Verde 40 1 5
Baltimor 30 119 129 Bombaim 6
Lisboa 3 Charlston 148 8 12 17 1
Cabo Verde 60 44 16 2 Carolina 3 2
Filadélfia 274 284 168 269 Ásia 95 541 581 200 618 50
Mogador 2 1 1 11 Surinam 20 13 1 26
New Burnswick 19 Lisboa 17 1 17 41
Ásia 297 907 441 170 202 17 113 78 203 Não Especificado 277 526 496 4 995 33 38 86
Carolina 130 Martinica 134 200 78
S. Domingos 51 Dominica 28
Santa Cruz 47 249 226 79 85 97 Boston 56 4
Dublin 54 87 N. York 243 124 53 1
Halifax 127 Baltimor 323 38
Charlston 137 105 16 Quebec 173 20 201
Cabo Boa Esperança 13 4 1 Granada 40
Não Especificado 6 Hartford 33
Barbadas 12 371 272 194 Bengala 50
N. York 34 153 155 362 Filadelfia 88 7 100
Gibraltar 7 Londres 31
Cádiz 14 75 2 Providencia 7
Costa de África 7 1 Nova Providencia 26
Tanarife 64 Norfolk 30
N. Providencia 51 12 Santa Cruz 232
Hamburgo 15 St. Kitts 25
Quebec 188 Bermuda 8
Jamaica 1385 575 312 163 478 1 176 63 71 Virginia 39 40
S. Bartolomeu 43 Nortola 25
Merilanda 22 Trinidad 20
Garnizé 172 S. Miguel 7
Demerara 24 Curaçau 32
Portmout 3 Tobago 45 50
S. Vicente 60 102 Barbadas 1
Belmudas 60 Baía 5
Canárias 2
Tortola 4
Santa Cruz(Din.) 60
484 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 485

Quadro nº..3: O VINHO EXPORTADO E A NACIONALIDADE DOS NAVIOS Toneis 1/2


toneis Pipas Quartos Quartolas 1/2
quartolas dúzias
Three Sisters 24 25 21
Movimento de exportação: nacionalidade dos navios Rosechild 2 38 30 15
Backer W. Indias 1 15 8 7
BANDEIRA 1784 1785 1786 1787 1822 1823 1824 Galera Barton 2 36 86 20
Portuguesa 2 966 234 1 306 2 021 430 50 493 John Rochards 13 28 30
Inglesa 3 365 4 634 4 619 6 184 5 977 5 228 6 771 Baldsfose 6 236 31 3
Francesa 32 36 26 259 411 Standart 1 3 268 185 96 3
Holandesa 47 161 71 45 352 229 186 John 443 1 2
Sarda 23 5 5 Denmarck Hiu 13 12 29
Dinamarquesa 821 532 243 529 35 19 174 Folconde 3 1
Molkemburguesa 58 Pinly Hall 1 1 21 57 6 5
Sueca 26 19 2 1 134 Eliza 5 10
Americana 739 921 289 1 791 1 206 2 552 1 650 Coyol Briton 1 1
Imperial 362 Higiand Lad 14
Espanhola 1 Marquês Welleley 2 13 16 23 2
Galera Tropic 54 51 35 8
Faith 1 5 19 3 3
navios ingleses-1822 Clyde 112 17 6
Agencourt 4 175 31 10
Toneis 1/2
toneis Pipas Quartos Quartolas 1/2
quartolas dúzias Repart 9 6
Bergantim Mercury 2 212 156 14 2 Alexandre 62 44 47 16
Boulton 10 55 H.Stwarter Forber 56 18 9
América 2 55 56 26 1 Carkins 223 44 20
Bersoy 7 21 24 1 Underwood 8 15 13 18
Windie Packet 23 23 22 8 Lune 108 100 58 17
Lavinia 142 144 10 2 Lady Roffler 49 3 2 2
Deveron 4 4 Posthemars 6 17 11
Jane 33 39 17 Providencia 4 102 36 23
Waterloo 30 52 81 6 David Scott 1 217 34 20 1
Humber 53 35 9 Izabelle 3 10 20 9
Whim 3 6 11 Waterloo 5 13
France 3 12 49 40 Prince of Brasil P. 3 5
Alexandre 29 33 49 16 Phienix 168 24 7
Elizabeth 1 2 24 29 36 Jane 1 2 1 2
Joseph 4 46 61 60 88 Marthe 50 73 26
Anna 28 21 19 2 Albia 33 36 7
Malta 52 2 Regalia 1 33
Secilian 4 2 72 41 17 Mary 38 18 1
Rosalle 34 26 3 Yorky 55 41 14
Frial 44 23 22 2 Cerpheus 73 17 19
Comet 92 145 8 Princeps Charlotie 30 19 26 1
Augustreu 19 28 68 Triumph 47 11 25
Mars 14 4 5 1 Preseverance 1 267 77 63
Samuel 3 27 43 51 8 Garlandgrove 9 19 31
John & Nancy 21 14 2 George The III 3 2 44 60 52 17
Victory 9 18 72 Piggot 47 3 4 1
Active 1 18 32 6 Planet 6 5 111 23 15
Hastineque 31 12 12 Britannia 119 27 6
Alliance 28 14 1 Apollo 16 16 10
Alpha 9 8 22 Borned 27 57 41 12
Thomas Bouch 13 9 3 2 Kelling Back 65 25 17
Cornelius 12 31 25 Valiant 26 57 41 12
Sénega 5 1 Echo 3 6
Pandora 8 28 36 13 Melpousone 101 30 15
486 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 487

1/2 1/2 1/2 1/2


Toneis toneis Pipas Quartos Quartolas quartolas dúzias Toneis toneis Pipas Quartos Quartolas quartolas dúzias
Escuna Lisbon Packet 1 3 3 3 Valiant 1 100 69 21 10
Margaret 5 1 Providence 92 27 1
John Echlin 18 41 45 Sir Edvard Paph 1 86 33 7
Sexlobourg 13 57 150 12 Scanete 13 19 21
Myrthe 42 6 3 George III 42 80 52
Walby Ann 8 59 25 2 Bergantim Phatacia 14 24 26
Barca Betsey 50 29 14 Membod 1 109 114 10
Balandra Eumerge 83 74 12 1 Lepur 10 23 25 1
George The IV 30 66 Não especificado 40 61 8
Brig-Escuna Ruby 1 66 132 11 3 Bergantim Resinglun 25 62 83 99
Mary 99 26 14 12
Lady Campbell 44 20 17
navios ingleses 1823 Ezabelle Euphemie 2 200
Young Husband 18 25 10 2
1/2 1/2
Tonéis toneis Pipas Quartos Quartolas quartolas dúzias Alexandre 40 24 48 1 16
Galera Stuntor 1 216 60 48 Victoria 1 31 65 24
Bormus 57 75 65 110 Anna 2 2
John Campbell 1 2 24 21 3 3 Boulton 19 18 78
Lune 16 10 15 Comet 191 113 17
Jane 8 5 5 Prichard 51 52 41 2
John 5 256 254 261 90 Doris 12 23 10
Melrose 5 20 25 14 Alorn 21
George & Thomas 4 32 41 8 Elianor 2 30 26 35 1
Britannia 1 151 13 29 8 Montroze 8 20 2
Kains 89 25 20 Medway 6 4 11
St. Maria 1 66 21 5 Freeland 10 16 1
Severn 1 35 20 7 Fanny 220 19 2
Mary 1 38 47 14 Ackoromach 54 10 18 9
Lord Serfield 157 35 6 Resing Sun 96 56 3 1
London 4 1 92 52 29 1 Liverly 32 32 2
Ladmus 3 98 22 5 Asia 17 36 55 8
Brailsford 128 29 22 Victory 8 27 40 20
Fortitude 5 26 32 27 16 Sisters 86 107 22
Vansittars 10 33 30 52 Jane 17 21 9
Panima 106 113 66 Seppings 1 10 7 1
Palmira 16 18 36 8 Hobe 8 10 2
Porthmous 3 39 47 19 Aimwell 28 5 13
Layton 28 7 1 Elizabeth P. Mary 75 175 5 1
Kingston 85 6 Frial 1 2 68 103 140 43
England 53 58 19 Navegator 87 26 11
C. Stewart Forbes 62 10 Saint James 1 36 21 42 _
Mexborggh 73 33 20 1 Everton 49 87 8 2
Royne 218 19 2 Britania 6 10 17
Marthe 19 20 2 Rosella 1 166 165 127 17
Susane 82 6 8 Resource 51 24 2
Hercules 15 5 5 Young 3 4 4
Seppings 1 7 1 Barca Percy 57 70 96 16
Lady Thermaway 255 45 11 1 John & Richard 48 31 5
Benson 1 28 26 5 1 Escuna Lenity 57 35 6
Hope 1 177 52 26 Walby Ann 2 118 114 6 2
Bingel Mernchant 2 192 30 14 Ebenezer 1 8 3 20
St. Vicente de Glasgo 1 6 37 26 7 Chalupa George IV 49 82 3
Montreal 13 50 45 1 Leverpool 6 14 9
Standart 69 104 78 Desparch 4 6
488 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 489

1/2 1/2 1/2 1/2


Tonéis toneis Pipas Quartos Quartolas quartolas dúzias Tonéis toneis Pipas Quartos Quartolas quartolas dúzias
Balandra George IV 59 98 5 Baston 1 1
Catherine 3 7 22 Mary 1 34 15 6
Brig-Escuna George IV 38 132 2 W. Mobey 179 9
Galera Sarkins 10 221 72 14 2
Claredon 43 19 1
navios ingleses 18234 Eliza 51 6 1
Helroze 10 29 32 23 1
1/2 1/2
Tonéis toneis Pipas Quartos Quartolas quartolas dúzias Izabelle 29 29 21
Bergantim Comet 1 150 133 14 1 Marcy 44 2 39 24
Admiral Rowlay 50 62 9 3 Princeps Carlotte 42 59 27 8
Lady Tors 14 13 1 Capton Cartle 39 9 4
Bickertons 9 11 4 8 Raikes 59 62 11
Dart 2 20 37 112 48 7 Marques of Hunllen 7 6 5 1
Manley 28 67 4 Millich 40 1 1
Mercy 1 75 47 31 32 Lord Ambus 3 1 132 42 2
Mary 1 34 15 6 George & Thomas 6 19 33 51
Alexandre 25 22 81 1 Gollonde 6 153 49 29 1
Belt 2 12 Exmouth 92 17 7
Britannia 24 37 24 7 Cormwall 69 23 1
Atalante 24 62 26 5 Triumph 3 2 1
Granger 29 16 3 2 Salmon River 7 8 8
Fraie 3 7 6 3 2 Marques of Hastings 1 63 26 5
Alacrity 37 George 97 25 13 5
Ann 7 17 18 9 London 3 3 77 77 17 3
Alkomack 61 98 19 Timandea 10 7 24
Não especificado’ 9 18 28 Timanes 4 32 40 49 12
Young Husband 2 1 2 Ciscassiam 97 22 12
Junot Dunlop 1 1 28 20 Mediterranian 16 18 16
Bedford 1 5 15 14 2 Euphrates 187 51 6 1
Ardent 25 27 19 2 Relagia 2 44 12 2 1
Eunna 19 2 43 Underwood 16 11 21
Shepherd 15 17 32 Halton 10 11 15
Jane 152 94 2 Albin 1
Everton 1 1 57 61 6 Portsea 45 1 6
Frial 2 78 29 37 2 Thales 1 1 166 145 152 1
St. James 9 13 11 23 Phalie 1 138 112 147 1
William 14 12 8 Jane 152 94 2
Rolla 12 15 12 Hallyards 3 2 8 7 2 1
Assoar 2 1 Claredon 10 221 72 14 2
Friends 7 184 142 6 Escuna Anna 83 161 7
Cartona 1 2 5 Luiza 88 56 3
Thomas 26 7 St. Gloria 16 18 124
Woodpark 6 16 12 2 Perseverance 11 20 16
Manley 1 8 8 Barca Martha 17 10 8
Galera Active 7 21 14 Pulaca Estrella do Norte 3
Cladonia 1 63 29 20 Proze 3 1 1
Tuscan 1 Brig-Escuna Asia 2 5 8
Rosanna 21 30 Chalupa Agnes 3 5 1
Orpheus 14 21 32 Tham of Tripe 1 72 86 8 1
Barton 2 19 37 81 48 6 Balandra Sarah 14 4 22 16
Cecilie 1 11 23 20 43 3 Pembocke 4 22 44 8
John 1 1 174 199 226 127
Domenica 1 4 12 42
St. Mary 56 31 3
490 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 491

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navios americanos 1822 Tonéis toneis Pipas Quartos Quartolas quartolas dúzias
Panther 13 31 104 2
1/2 1/2
Tonéis toneis Pipas Quartos Quartolas quartolas dúzias Four Sons 20 21 68
Berga Frances 27 14 37 Howard 4 8 34 4
Pamone 10 44 73 144 10 Escuna Lucy 26 36 34
Consiano 11 35 110 4 Them Kgell Winston 29 35 54 1/2
Hojé 1 2 16 Picot 121 89 70 55
Eliza 20 28 32 D’Edward Francês 14 80
Elizabeth 7 5 5 Elmira 8 8 12
Visitor 4 2 110 75 49 1 Apollo 16 32 138 1
Tromsider 3 14 Buce 8 19 28 10
Caroline 30 32 Panope 8 8 12
Webe 14 16 78 8 Alabama 21 35 106
Perseverance 6 1 1 Three Sisters 11 10 22
Gºr. Hooks 3 27 17 Henry Medleton 1 22 26 167 10
Barescuna Shaumot 32 34 112 Catharine 1 5
Luizelecile 24 61 144 59 Pamana 20 36 57 11
Escuna Spartan 4 8 6 52 119 16 Trial 8 22 67 20
Não especificado 12 20 59 Janelbetsey 4
Shuit 1 1 13 52 35 Leader 1 2
Rover 10 23 25 3 Galera Carolina 1
Numas 5 24 23 Orleans 6 25
Almiré 13 4 7 Mary Ann 1 1 10
Barca Sarah Luiza 2 93 110 115 20 General Jackson 65 28 27
Chalupa Deborah 8 Brig-Escuna Ranger 63 67 13
Argo 25 10 31 2
navios americanos 1823 Azores 7 16 2
1/2 1/2
Tonéis toneis Pipas Quartos Quartolas quartolas dúzias
Escuna Thawmut 4 19 1 1 Vinho exportado – em navios… - 1822
Sylvia 75 47 151 6
1/2 1/2
Edwards Francis 32 21 37 2 Tonéis toneis Pipas Quartos Quartolas quartolas dúzias
Excharge 45 41 64 54 Franceses
Decatur 6 8 16 4 Bergantin Luis 113 71 9
Bergantim Pomona 16 18 36 8 Ametié 14 21
Lovely Kezich 16 26 96 3 Euphrozine 3 28 76 3
Hopes Deligth 1 26 35 57 20 L’Huireuser Reinhe 26 35
Napoleão 2 8 19 33 L’Actif 137 60
Constituição 1 1 1
Clid 18 27 9 Holandeses
Brigescuna Herd 14 16 Galera Leuderneimses 42 72 102
Galera New Orbene 3 8 11 Bergantim Courier 23
W. Rell 5 20 Nordoch 40 20
Brigescuna G. Riuk 21 109 82 14
navios americanos 1824 Galiota Elizabeth 69 22
Amesterdam 8 19 8
1/2 1/2
Tonéis toneis Pipas Quartos Quartolas quartolas dúzias
Bergantin Pamone 2 35 31 56 2 Sardos
Neptuno 15 36 6 Bergantim Mariano 8 4 4 1
Richmond 2 2 Allemand 2 3 8 48
Clerion 32 16 42 9
Elizabeth 8 13 42 16 Dinamarquês
Roberto Cochiane 32 25 94 9 Chalupa Reichel 13 28 30
Branim 122 63 85 5
Volant 2 3 15 21 52
492 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 493

1/2 1/2
Tonéis toneis Pipas Quartos Quartolas quartolas dúzias Quadro nº.4:
Português MOVIMENTO DE EXPORTAÇÃO DE VINHO POR MERCADORES (1823-1830) em pipas
Escuna Carolina 2 600
Esperança 19 41 5 10 3 MERCADORES 1823 1824 1825 1826 1827 1828 1829 1830
Bergantim Especulador 122 253 168 160 Rutherford & Grant 323 80 76 68 47 45 33
Scott l. Penfold & Cª Ldª 116
Brig-Escuna Lebre 2 4 13 8 Leacock Harris & Cª Ldª 439 188 109 215 72
Diogo Houghton 88
Murdoch Guille W. & Cª Ldª 336 177
Heruis & Cª 62 45
Vinho Exportado – Em navios... - 1823 Robert Lervig 251
Henry H. Temple 88 1227 225 268 89 538 86
Tonéis 1/2
toneis Pipas Quartos Quartolas 1/2
quartolas dúzias Richard Dover 68 506 203 338 15
Gough & Hollway 229 250 28 71 124 494 177
Português Newton Gordon M. & Scott 1352 541 650 540 487 358 434
Hiate Conceição 79 42 2 Scott Pringle Weith & Cª 179 66 103
João Winterbotton 134 103 35
Sardos Philip N. Searle 316 606 335 40
Charrua Laruza 4 4 Guilherme Tindlay 221 18 89 150
Palaca Alemand 2 1 7 Phelps Page & Cª 288 108 234 171 46 80
Gordon Duff Inglis & Cª 423 200 136
George Blackburn & Cª 358 306
Dinamarquês Thomas H. Edwards & Cª 49 52
Escuna Africane Pachet 3 29 6 João Oliveira & Cª 563 646 1016 475 73 117 513 502
Gould & Cª 15 6
Monteiros & Cª 78 86 10 106 8
Holandeses J. H. March & Cª 150 420 41 12
Galera Maribá 3 3 16 20 André Duan 20 5
Pedro Santana 35 41
Atalante 1 123 133 99 17 Paulo Malheiros de Mellos Fºs 3 2
Guilherme Telles 48 33 65 184 148
R. Seymonds & Cª 154 268 165
R. Donaldson 64 40
Vinho exportado – Em navios... - 1824 Roque Caetano Araújo 64 165 3 72
Roque Caetano Araújo Júnior 85 5
Tonéis 1/2
toneis Pipas Quartos Quartolas 1/2
quartolas dúzias Diogo José de Lemos 13 441 59 138
Minett Honotton & Cª 80 22
Dinamarqueses Heirs & Cª 35 55
Galera Ladwig 1 33 50 50 4 Minett Filhos & Cª 60 184 756 411 291 652 35
Diogo Bean 182
Gradt 7 64 72 Francisco March 606 107 609 20
Frandechart 1 2 Da Câmara Rego & Cª 133 35
Bergantim 8 33 77 5 A Joaquim Oliveira 5
Quintino Pestana 113 130
Gregório Joaquim Freitas 18 3
Portugueses João Brício Acciauoli 74 57
Bergantim Especulador 178 161 137 73 João Blandy 10 152
Diogo Taylor 192 520 96
Hiate Boa esperança 99 70 84 4 George Stoddarte 713 512 333 99 364 14
Escuna Stª Cruz Estrella 16 5 34 69 José F. Santana Vascocnelos 65
Luís A Vasconcelos 15 11
Henry Lundie 10 117 678 419 270 239
Suecos João C. S. Romão 84 195
Bergantim Pioner 16 21 18 João Cairns 322 355 58 26
Anne Dorotheia 1 26 33 4 Robert Wallas 1
Alexander Hally 57 60
Waudringsmauder 21 23 16 33 D. Shefield & Young 23 2
Spalding 10 10 2 José Caetano Jardim 228 497
Galera Calcutá 13 24 Manuel Santana Vasconcelos 635
José Monteiro Teixeira 35 12
H. B. Staner 2 79
Holandeses José de Gouveia Rego 20 46
Escuna Providence 16 36 27 Manuel Tavares 73 149
António Pinto Correia 339 283
Galiota Driege Broedus 75 86 89 44 Joaquim A Dias 510
João Montrie Age 60
Sardos André Duran & Cª 2 22
Alexander ª Cairns 338 304
Brig-Escuna Cézar 10 1 João Mair 47
Pulaca L’Asseinte 1 1 1 Symonds Ruffly & Cª 56 48
Luiz Ornelas Vasconcelos 49 48
L’Alcan 2 Francisco Vieira Jardim 6
Mockembursueza Diversos 3 421 3 456 3 274 622 1732 987 1 311 2 937
Galiota Augusta Tadencia 33 28 40 4
494 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 495

Quadro nº.5: Mercadores: Gouch & Hollway Cª Vinho exportado – 1823/30

1823 1824 1825 1827 1828 1829 1830

1/2 quartolas

1/2 quartolas

1/2 quartolas

1/2 quartolas
1/2 quartolas

1/2 quartolas

1/2 quartolas

Quartolas

Quartolas

Quartolas

Quartolas
Quartolas

Quartolas

Quartolas

Quartos

Quartos

Quartos

Quartos
Quartos

Quartos

Quartos

Pipas

Pipas

Pipas

Pipas
Pipas

Pipas

Pipas
W. Indias 26 1 5 1 2 2 2 10 97
Londres 40 25 8 1 4 4 37 37 17 65 47 5
Lisboa 1 2
Calcutá 17 1
India 58 14 31 20 9 41 20 43 13 1
Demerara 5 5 1 1 4 21 11 14 14 16 7 9 12 25 12
Jamaica 7 12 22 48 12 12 14 14 2 32 15 9 22 36 17 1 12 16 23 42 48
Antigua 4 1 6 6 2 2 2
Nova Orleans 10
Roda 27 54 12 34 20
Ann 6
América 3 8
Granada 6 10 2 12
Honduras 3 1
Cabo Boa Esperança 37
Barbadas 4 16 25 40 20 115 26 12
Trinidad 6 5 13
Amesterdam 1
Boston 1
Charleston 2 1 1 4 10
Vandinaus Land 1
Filadélfia 2
Costa África 4 11 11
New Burnswick 13
Ceylon 1 4 21
St. Vicents 1 4 6 12
Hamburgo 12 3 33 4
New York 120
Kingston 1
Halifax 5 30 35
St. Thomas 2 1
Alexandria 4 14 41 19
St. Lucie 2
Bristol 4
496 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 497

Quadro nº.6: Mercadores: Guilherme Tindlay – Vinho exportado – 1823/9

1823 1824 1825 1827 1828 1829

1/2 quartolas

1/2 quartolas

1/2 quartolas
1/2 quartolas

1/2 quartolas

1/2 quartolas

Quartolas

Quartolas

Quartolas
Quartolas

Quartolas

Quartolas

Quartos

Quartos

Quartos
Quartos

Quartos

Quartos

Dúzias

Dúzias

Dúzias
Dúzias

Dúzias

Dúzias

Pipas

Pipas

Pipas
Pipas

Pipas

Pipas
Jamaica 1 33 1 6 3 6 6 21 23 1 3 7 21 45 12 1
India 1 1 1 2 3 4 15 5 5 16
St. Vicents 5 1 4 4 11 13
W. Indias 29 37 18 2 2 20 8 1 50 20 5 17 21 8 1
Tobago 1 5 1/2 2 3
Lisboa 1 1
Gibraltar 2 10
1/2
Londres 27 33 1 2 12 17 2 2 2 2
N. York 37 25 39 1 4 14 23
Serra Leoa/Londres 4 4
Filadelfia 3 6 3 1 5 10 4 19 38 6
Canárias 2 1 2
St. Croix 30
Demerara 12 1 13 9
Barbadas 15 41 36 32
1/2
Nervis 24 1 2 2
Roda 55 38 18 1 9
Liverpol 1
Não especificado 10 21 1
Charleston 1 2
Calcuta 36
Trinidad 2 10 3
Brasil 1
1/2
Madrasta 2
Antigua 2 4 4
Serra Leoa 8 4 6 12
Jamaica/Granada/India 14 9 9 10
Terra Nova 4 16 14 16
Bombay 64 1
Granada 7 12 22 8
Alexandria 24 39 12
Baltimor 12
498 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 499

Quadro nº.7: Mercadores: Rutherforth & Grani – Vinho Exportado – 1823/9

1823 1824 1825 1826 1827 1828 1829

1/2 quartolas

1/2 quartolas

1/2 quartolas

1/2 quartolas
1/2 quartolas

1/2 quartolas

1/2 quartolas

Quartolas

Quartolas

Quartolas

Quartolas
Quartolas

Quartolas

Quartolas

Quartos

Quartos

Quartos

Quartos
Quartos

Quartos

Quartos

Pipas

Pipas

Pipas

Pipas
Pipas

Pipas

Pipas
Índia 28 16 1 29 12 7 5 21 1 1 1
Londres 66 22 16 3 61 17 1 2 16 14 12 41 42 7 13 8 1
Tobago 1 1
Roda 1 9 14 12
Barbadas 6 3
Trinidad 4 2 16
Inglaterra 2 1
Jamaica 11 12 1 7 8 7 3
Madras 1
Demerara 5 2 1 7 3 1
Bombay 2 4
Bergen 1 2 4
Cayenne 5 5
Escossia 1 1
Liverpol 3 8
Cabo Verde 2 4 2
América 11 5 10
Tenerife 6 14
Costa de África 15
Calcutá 1 3 5 3 2
New Orleans 6 12 12
Madrasta 2
Rio de Janeiro 2
W. Indias 56 58 21 1 2 4 1 5 24 8 3 4 1 16 21 2 1 2 1 1
500 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 501

Quadro nº.8: Mercadores: Newton Gordon Murdoch & Scott – Vinho exportado – 1823/9

1823 1824 1825 1826 1827 1828 1829

1/2 quartolas

1/2 quartolas

1/2 quartolas

1/2 quartolas
1/2 quartolas

1/2 quartolas

1/2 quartolas

Quartolas

Quartolas

Quartolas

Quartolas
Quartolas

Quartolas

Quartolas

Quartos

Quartos

Quartos

Quartos
Quartos

Quartos

Quartos

Pipas

Pipas

Pipas

Pipas
Pipas

Pipas

Pipas
Índia 672 160 142 228 40 20 4 99 21 6 171 54 28 1 73 52 53 8 27 20 152 47 43 2
Jamaica 86 35 54 2 52 27 26 107 66 89 78 60 88 78 91 183 4 143 113 136 1
W. Índias 28 9 7 57 17 37 112 17 37 2 1
Londres 10 5 1 1 5 3 20 13 2 7 17 7 9 9 2 87 75 272 8
Charleston 35 17 25 1 27 39 122 1 8 10 6 8 13 14 152 8 5 1 5 61 14 8 102 2
Brasil 1 6 1 2 1 5
Dublin 27 198
Quebec 4 1 2 1 2 2 2 2 1
Gibraltar 2 2
Cabo Boa Esperança 4 2
New York 2 7 71 15 8 48 6 8 10
Barbadas 1 22 8 1 12 9 11 8 19 4 5 16 4
África 1
Boston 3 1
Honduras 15 1
Demerara 3 20 22 2 15 17 30 29 36 54 1 12 12 10
Filadélfia 2 16 8 1 2 19 29 42
S. Cristovão 1
Lisboa 2
França 1 1 1 63 4 6
Antigua 3 1
S. Vicente 39 14 4 17 19 6 11 10 5
Santa Cruz 2 5 10 52 1 2 5 6
Calcutá 92 14 6 2 1
Berbice 4 2 2 1 3 2 9
Dominica 16 8
América 6 2
Bermudas 1
Ceylon 1 20 40
St. Thomas 11 2 2 6 1 26 10 31 5 1
Bristol 3
Halifax 2 2
Nervit 1
Cartagena 11 2 2
Granada 2 4
Serra Leoa 1
Bombay 4
Tobago 2 3 3
Nova Holanda 7 4 8 1
Rio de Janeiro 4
Mar do Sul 4
502 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 503

Quadro nº.9: Mercadores: George Stoddarte – Vinho exportado – 1825/1830

1825 1826 1827 1828 1829 1830

1/2 quartolas

1/2 quartolas

1/2 quartolas
1/2 quartolas

1/2 quartolas

1/2 quartolas

Quartolas

Quartolas

Quartolas
Quartolas

Quartolas

Quartolas

Quartos

Quartos

Quartos
Quartos

Quartos

Quartos

Pipas

Pipas

Pipas
Pipas

Pipas

Pipas
Londres 52 26 42 13 4 15 6 19 2 2 13 10 10 23 26 25
W. Índias 7 7 2 3 11 4 1 1 4 1 5 12 11 1 20 15 34
Jamaica 33 25 31 7 46 58 39 31 20 15 3 24 55 2 15 16 14 1 8 24
Brasil 6 4 7 1
Bristol 10 3 4 5 4 9
Batavia 7 41 30 8 8
Demerara 10 15 4 34 52 51 22 33 36 3 2 12 21 14 27 1
S. Vicente 3 6 4 5 9 15 11 2 1
Filadélfia 3 1
Lisboa 3 3
Surimane 4 8 8 3 1 1
Ceilão 6 2 1
Índia 100 26 29 184 29 14 2 6 7 2 11 8 10
Índia/Londres 24 17 10 12 2 1 121 37 7 2
Índia/Filadélfia 74 32 40
W. Índias/Londres 1 4 4 1 1 1 2 6 14
Bengala 1
Hamburgo 3
New York 5 13 2 4 1 6 10 2
Betany Bay 4 5 8
Liverpol 78 12 5
Bombay 5 1 1 8 2
St. Croix 1 1
Calcutá 2 2
Jamaica/Londres 27 18 32 2 12 14 9 1 22 9 9
Jamaica/Liverpol 48 13 9 23 14 6 4 2 1
Granada 9 20 7 10 23 4
Rio de Janeiro 2 1 2 5 10 3
Berbice 6 6 12 3
Alexandria 1 2
Gibraltar 1
Calcutá/Londres 15 3 4 17 3 2
Antigua 5 7 13 10 1 1
Baltimor 1 2 4 1 2 4
Barbadas/Londres 1 5 10
Demerara/Mar do Sul 1
Mar do Sul 1 7
Barbadas 1 4 3 12 2
S. Vicente/Jamaica/Londres 8 5 1
Barbadas/Jamaica 41 46 12
Jamaica/Índia 55 32 40
Londres/R.Janeiro/Jamaica 5 2
Serra Leoa 2
St. Thomas 12
Dominica 2
Trinidad 3 4 1
Nova Holanda 15 5 2 4
Demerara 5 19 10 2
Vera Cruz 1
W.Índias/Liverpol 8 8
Índia/Liverpol 4
China/Londres 4 6
Jamaica/S. Vicente 3 5 14 12
América do Sul 3 8
Roterdão 7 7 2
Londres/Tenerife 4 3 4 1
504 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 505

Quadro nº.10: Mercadores: João Cairns – Vinho exportado – 1825/29

1825 1826 1827 1828 1829

1/2 quartolas

1/2 quartolas

1/2 quartolas

1/2 quartolas

1/2 quartolas
Quartolas

Quartolas

Quartolas

Quartolas

Quartolas
Quartos

Quartos

Quartos

Quartos

Quartos
Pipas

Pipas

Pipas

Pipas

Pipas
ndia 52 8 1 15 2
Tobago 5 29
Londres 85 1 13 7 14 16 10 89 42 41 2
Canárias 1 2 2
Barbadas 7 10 5 1 20
Russia 10
Calcutá 7 6 1 1
Filadélfia 3 12
Demerara 10 5 8 13 16 16
S. Vicente 4 19 6 3 3 1
Set Pierde 14 20
Hamburgo 39 20 105 30 44 32
Trinidade 3 3 3
Jamaica 13 43 2 13 25 5 18 9 4 20 16 2 25 5 15
St. Thomas 8 22 8
W. Índias 2 2 9 6 1 2 5
Nassau 18
Charleston 8 13 22
Ceilão/Jamaica/Barbadas 39 9 4
Calcutá/Jamaica 20
Costa de África 13
Rio de Janeiro 1
Set Bath 1 12 15 38
New York 7 14 20 24
Bordeus 7
New Orleans 1 10 20
Bermuda 1 6 21
Bath 3 4 2
Cabo Boa Esperança 4 2 2
Brasil 1
Buenos 1
St. Lucie 3 4
506 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 507

Quadro nº.11: Mercadores: Diogo Bean – Vinho exportado – 1825/30

1825 1826 1827 1828 1829 1830

1/2 quartolas

1/2 quartolas

1/2 quartolas
1/2 quartolas

1/2 quartolas

1/2 quartolas

Quartolas

Quartolas

Quartolas
Quartolas

Quartolas

Quartolas

Quartos

Quartos

Quartos
Quartos

Quartos

Quartos

Pipas

Pipas

Pipas
Pipas

Pipas

Pipas
Glasgow 2 4
New York 10 4 2 4 10 1 1 83 33 69 11
Barbadas 54 17 11 79 43 42 8 20 30 18 2 21 10 15 1 38 9 17 2 19 3 4
Trenidade 24
St. Croix 7 2 4
Antigua 5 1
Ronpton 10 7 8
Jamaica 15 34 13 33 21 14 27 13 1 47 31 29 5 65 51 106 20 6
Bristol 32 4 4
W. Indias 21 2 4 3 27 9 12 9 23 21 1
Brasil 2 4 1 3
India 307 15 7 2 2 4 4 1 93 13 7 1
Londres 61 2 4 2 23 33 39 4 2 30 19 29 8 3 2
Demerara 40 13 10 26 17 12 14 12 2 46 20 7 2 1 3
Gibraltar 11 4 4 3 8 12
Berbice 9 6 12 3 5 8
Batavia 10 8
S. Vicente 12 11 8 5 6 20 45 19 7 4 7 2 2 2
Tobago 3 2 4
Rio de Janeiro 1 1 1 2 1 1
Bombay 4 6 7 2 1 1 6 4
S. Petersburgo 60 2 55 46 5 3
Quebec 5
Russia 10 70
Dominica 8 1 1 1
Granada/Londres 6 3 22
Antigua/Jamaica 7 1 5 2
Lisboa 2
Barbadas/Jamaica 4
Madras 1 1 4 2
Mar do Sul 2 2 1
C.África/Londres/Demerara 11 2 3
Calcutá/Demerara/Londres 4 4 3
Glasdstaus/Fopai/Barbadas 5 8 13 7
Granada/Antigua/Barbadas 5 3 1
Ceylão 10 6 14 7 11
S. Domingos 3 14
Terra Nova 6 3 2 4
Baltimor 6 20 60 16 4 5 14
C. Boa Esperança 1 4 2 2 8
Maranhão 4 4 4
Savanah 12 18 14 16
Ordenaus/New York 2 4 1
Gibraltar/Índia 6 8 4
Dominica/Jamaica 12 2 6 7
New York/Londres 7 3
Granada 6 4
508 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 509

Quadro nº.12: Mercadores: Phelps Page & Cª - Vinho exportado – 1823/8

1823 1824 1825 1826 1827 1828

1/2 quartolas

1/2 quartolas

1/2 quartolas
1/2 quartolas

1/2 quartolas

1/2 quartolas

Quartolas

Quartolas

Quartolas
Quartolas

Quartolas

Quartolas

Quartos

Quartos

Quartos
Quartos

Quartos

Quartos

Pipas

Pipas

Pipas
Pipas

Pipas

Pipas
Jamaica 39 145 111 28 3 4 37 77 74 46 42 77 88 6 7 13 45 30
Lisboa 1 1 21 2 12 1
Tobago 2
Londres 7 1 2 8 3 6 1 2 3 2
Granada 4 13 1 4 6 1 4 1 2
Rio de Janeiro 2 1 2 1 2 11 3 16 2 4
Barbadas 2 7 57 8 1
Charleston 2 12 8 2 5 16
Índia 12 1 1 23 1 34 26 5 8 7 1
S. Vicente 2 2 2 2 1 1
Quebec 7 4 8 1
Gibraltar 1 2
Calcutá 67 4 6 5 5 2
Demerara 2 1 1 2 10 8 10
Brasil 2 1 1 4 1 2
Trinidade 4 18 1
Boston 10 10 18 19 1 10 10
Ceylon 5 10 1
S. Cristovão 1 12 8 13 2
Londres 20 20 2
New York 2 5 1 10 9 2 2 7 2
Singapore 4 18 16
St. Croix 6 10 2
Lima 1
St. Kitts 1 1
New South Wodes 6 1
Hamburgo 8
S. Romais 6 12
Bombay 2 5
Ilha S. Vicente 2
Nova Holanda 18 1
Nova Terra 2
Não Especificado 18 4 4
Antigua 1
W. Indias 4
Canárias 1
510 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 511

Quadro nº13: Mercadores: Murdoch Guille Wardrop & Cª - Vinho exportado - 182374 Madras 9 2
N. York 1 2 4
1823 1824 Dominica 34 9 8 10

1/2 quartolas

1/2 quartolas
St. Croix 18

Quartolas

Quartolas
Quebec 7

Quartos

Quartos
Dúzias

Dúzias
Pipas

Pipas
Antigua 4 2
Lioverpol 2 5
Jamaica 12 22 17 3 5 2 6 Honduras 4 3 4
S. Vicente 12 9 2 6 Baltimore 3
New York 6 12 Gibraltar 1 1
Índia 94 58 21 17 27 6 4 Glasgouw 5
Lisboa 3 2 2 6 5 5 Terra Nova 6 10
Brasil 4 8 11 1 1 Brasil 2 7 5
Trenidade 1 Génova 1 1 1
W. Indias 40 20 8 20 13 2 S. Petersburgo 18
Quebec 2 4
Londres 27 17 1 8 4
Filadélfia 32 21 20 20 36 Quadro nº.15: Mercadores: Manuel de Santa Anna Vasconcelos – Vinho exportado - 1825
Calcutá 30 3
Gibraltar 1 1 1825
Demerara 1 23 7 15 Pipas Quartos Quartolas 1/2Quartolas Dúzias
Havana 1 19 12 80 Jamaica 20 10
Leyde 35 29 3 Calcutá 4
Ascenção 2 2 6 Londres 64 76 1
Virginia 12 16 91 18 Índia 56 7 8
Granada 4 Demerara 14 8 35
Bombay 3 Barbadas 14 12 20
África 5 6 4 2 W. Índias 6 3
América 5 1 N. York 54
Washington 4 5 10 4 St. Croix 23 37 40 12
Barbadas 1 S. Petersburgo 47 101 104 4
Amesterdam 3 América 8 50 20
Lima 8 2 11 20
Quadro nº.14: Mercadores: José Caetano Jardim – Vinho exportado – 1824/5 Bermuda 18 9
New Brunswick 5 10 16
1824 1825 Suriman 3 1
1/2 1/2
Pipas Quartos Quartolas quartolas Pipas Quartos Quartolas quartolas Boston 5
Jamaica 30 27 34 8 151 19 32 Halifax 22 24 62
Calcutá 5 3 2 Serra Leoa 20 10
Londres 21 17 1 39 25 3 Cabo Verde 43 14
Cabo Boa Eperança 1 Tobago 10 2
Índia 5 8 25 3 Alvarado 196
Berbice 15 1 Lisboa 22 1
Demerara 1 24 38 20 Dominica 4 8
S. Vicente 3 Setúbal 2 5 1
Barbadas 20 2 5 15 1 New South Walas 29 4
África 8 5
Costa de África 2 1 1
W.Índias 19 4
512 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 513

Quadro nº.16: Mercadores: Diogo Taylor – Vinho exportado – 1824/6 Quadro nº.18: Mercadores: João Winter Botton – Vinho exportado – 1823/25

1824 1825 1826 1823 1824 1825

1/2 quartolas

1/2 quartolas

1/2 quartolas

1/2 quartolas

1/2 quartolas

1/2 quartolas
Quartolas

Quartolas

Quartolas

Quartolas

Quartolas

Quartolas
Quartos

Quartos

Quartos

Quartos

Quartos

Quartos
Pipas

Pipas

Pipas

Pipas

Pipas

Pipas
W. Índias 4 6 4 2 9 5 1 Índia
8 5
Cape Coast 2 5 8 Londres 1 30 31
Roda 13 16 Jamaica 2 2 3 3 4 6 11 4
Londres 24 4 1 2 95 162 5 1 27 40 20 S. Vicente 2 9
Índia 38 11 78 43 5 2 2 2 8 W. Índias 4 3 7
St. Kitts 2 5 10 Roda 54 33 16 4
Barbadas 3 Demerara 6 9 7 1 1 5 4
Não Especificado 19 56 3
Demerara 5 7 8 10 8 Liverpol 1 6 3
New York 5 Bordéus 2
Bergen 20 21 22 33 4 27 2 Bombay 2
Antigua 6 7 9 10 Lisboa 6 4
Jamaica 4 20 64 47 39 Granada 1
África 55 11
S. Vicente 16 11 12 Quadro nº.19: Mercadores: Francisco March – Vinho exportado – 1825/8
St. Croix 8 5 14
Granada 5 7 8 1825 1826 1827 1828
Ceylon 2 1

1/2 quartolas

1/2 quartolas

1/2 quartolas

1/2 quartolas
Quartolas

Quartolas

Quartolas

Quartolas
Tobago 1

Quartos

Quartos

Quartos

Quartos
Dominica 4 8 8

Pipas

Pipas

Pipas

Pipas
Terra Nova 1 4 1
Quebec 6 1 Índia 207 39 3 207 2 1 1 6
Rio de Janeiro 2 Londres 5 12 5 12
W. Indias 7 1 2
Calcutá 7 5 12
New Orleans 5 10 20
Bombay 2 New York 135 31 130 19 20 7 15 2 12 1 9 5
Batavia 2 Jamaica 16 1 15 14
St. Croix 5 10 2 5 6 8
Quadro nº.17: Mercadores: João Blandy – Vinho exportado – 1823/4 Quebec 10 10 16 1 9 12 45 5
Demerara 6 10 2 1
Brasil 1
1823 1824 Lisboa 1 31
Pipas Quartos Quartolas 1/2
quartolas Pipas Quartos Quartolas 1/2
quartolas Filadélfia 43 41 53 5 14 37 1 12 2
W. Índias 2 8 Gibraltar 4 2 1
Barbadas 8 13 1 1 1 1 7
Londres 36 74 1 Charleston 1 13 4 25 13 2 3 5
Índia 12 1 Riga 1
Demerara 7 Alexandria 5
New York 9 16 12 Rio de Janeiro 4
Portland 1 1 1
Jamaica 2 12 8 53 10 19 2 Calcutá 14 5
S. Vicente 10 52 Baltimor 1 4 8
Quebec 80 Índia/Filadélfia 41
Baltimor 13 6 21 Londres/Demerara 12 1
América 4 1
Land Vadiennais 1 1 Demerara/Jamaica 2 15 16
Filadélfia 10 4 St. Petersburgo 85
Estados Unidos 2 Ilha de França 3
Trinidad 4 1 New Bem 60 92 40
Londres/Índia 2 1 1
Gibraltar 1
514 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 515

Quadro nº.20: Mercadores: Philip Noailles Searle – Vinho exportado – 1823/6 Quadro nº.21: Mercadores: Leacock Harris & Cª. – Vinho exportado – 1823/30

1823 1824 1825 1826 1823 1824 1828 1829 1830

1/2 quartolas

1/2 quartolas

1/2 quartolas

1/2 quartolas

1/2 quartolas

1/2 quartolas

1/2 quartolas

1/2 quartolas

1/2 quartolas
Quartolas

Quartolas

Quartolas

Quartolas

Quartolas

Quartolas

Quartolas

Quartolas

Quartolas
Quartos

Quartos

Quartos

Quartos

Quartos

Quartos

Quartos

Quartos

Quartos
Pipas

Pipas

Pipas

Pipas

Pipas

Pipas

Pipas

Pipas

Pipas
Londres 23 36 5 142 130 17 116 136 37 10 16 9 W. Índias 16 11 13 4 4 1 8 22 45 29 27 59 40 6 6 6
Roda 94 78 47 20 161 34 21 5 Madras 93 15 9 1 1 10 2 1
Jamaica 42 7 5 4 21 10 1 66 43 96 52
Charleston 35 12 117 8 16 6 20 1 3 5 31 7 6 77 8 8 7 56 4
Demerara 16 19 2 1 4 4 1 1 3 5
W. Indias 10 2 2 20 37 30 10 3 5 8 6 Bombay 43 2 1
Tobago 6 8 8 Londres 12 1 16 4 4 11 6 1 2 2 4 1
New Orleans 7 1 19 10 New York 40 17 33 2 22 20 29 14 16 28 8 6 6 8 8 6
Grade 18 2 Quebec 2 2 8 6 6 12
Charleston 20 1 Calcutá 20 6
Dublin 19 10
Índia 8 3 55 1 31 9 1 9
India 10 4 10 4 1 21 1 2 2 2
Bombay 9 4 Barbadas 1 3 4 1 2 4 1 1
Calcutá 5 24 2 6 7 4 1 Demerara 1 1 1
New York 2 6 40 55 18 6 10 40 Batavia 37 5 3
Land 10 8 4 Antigua 8 20 2
S. Miguel 1 Trinidade 7 1 2
Lisboa 5 1 1
Jamaica 4 3 1 2 8 14 21 9 17 3 4
St. Vicents 7 11 3 1 3 1
Gibraltar 11 Não especificado 1 2 4
St. Petersburgo 18 11 16 S. Petersburgo 439 1 8
S. Bartolomeu 1 4 20 1 Boston 2 4 8
Bordeus 2 1 St. Kitts 3 2 4
Richmond 1 5 Savanah 1
Honduras 2
S. Vicente 1
Antigua 1
Tenerife 1 2 Brazil/Bombaim 1
Barbadas 4 9 1 61 13 1 Lisboa/Savanah 1
Serra Leone 20 Berbice 4
St. Croix 6 12 3 3
Hamburgo 68 1 3 1
Granada 3 2
New South Wallas 6
Boston 1 1 6
Berbice 3
América 85 116
St. Thomas 8 8 3
Costa de África 47 1
Trinidad 2 4 1
Ilha de França 1 1 1 2
Canárias 1
516 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 517

Quadro nº.22: Mercadores: João Oliveira & Cª. – Vinho exportado – 1823/30

1823 1824 1825 1826 1827 1828 1829 1830

1/2 quartolas

1/2 quartolas

1/2 quartolas

1/2 quartolas

1/2 quartolas

1/2 quartolas

1/2 quartolas

1/2 quartolas
Quartolas

Quartolas

Quartolas

Quartolas

Quartolas

Quartolas

Quartolas

Quartolas
Quartos

Quartos

Quartos

Quartos

Quartos

Quartos

Quartos

Quartos
Pipas

Pipas

Pipas

Pipas

Pipas

Pipas

Pipas

Pipas
Roda 13 34 24 1
Londres 12 10 210 158 1 175 35 3 1 151 194 162 2 1 24 32 45 30 130 220 183
S. Vicente 19 25 45 77 92 38 11 7 5 6 3 6
Lisboa 8 12 31 7 2 2 3 4 5 5 2 4 21 27 1
Tobago 25 66 48 1 5 1 16 2
Demerara 55 95 15 84 1 57 57 16 33 73 56 4 1 2 9 5 17 41 64 44 7
Granada 7 11 13 12 13 22 1 18 13 20 1
Trinidad 2 8 1 5 12 2 4 1 2 5 13 22 6
Hamburgo 25 62 82 99 2 5 16 13
St. Kitts 6 12
W. Índias 5 2 54 36 19 21 34 29 61 38 4 8 13 28 1
Antigua 4 8 8 3 11 18 4 3 8 2 34 32
32
Quebec 2 8 16 6 16 8 1
Filadélfia 1 2 14 28 100 3 15 42 4 1 8 39 34
Charleston 1 20 42 3 8 31 10 17 16 49 4 6 19 18
Calcutá 21 4
Berbice 2 1 28 60 24 2 3
Bourdeaux 1
Savannah 8 18 32
Índia 6 12 8 10 2 5 121 2 12 4
Jamaica 28 71 56 16 33 69 36 8 45 49 24 11 29 51 19 27 6
Cabo Verde 5 202
Bermuda 3 21 39 38 8 8 48 24
Mar do Sul 7
St. Petersbourg 1 2 2
Gibraltar 8 12 21 2
New York 16 21 6 16 25 2 6 20 35 22 43 31 3 10 23 18
Terra Nova 30 41 19 2 4
Alvarado 64
Dominica 29 16 18 8
Ceylão 14 6
Rússia 10 10 1 8 2 2
América 2
Boston 11 27
S. Miguel 9 1 1
Barbadas 19 11 5 2 1 5
Liverpol 9 22 14 8 16
Montevideo 3
Setúbal 2 1
Baía 2
Rio de Janeiro 4 1
New Orleans 8 6
Baltimor 1 151 70 36
Noruega 10 20 11
Bergen 14 6 10 8
North Carolina 12
Roterdão 89
Costa de África
Ilha de França
Pernambuco/ST. Thomas 4
Madras/Odessa 11 2
Bristol/Escócia 8 12
Montego Bay/Irlanda 1 4
518 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 519

Quadro nº.23: Mercadores: Scott Pringle Weith & CA. – Vinho exportado – 1823/5 Quadro nº.24: Mercadores: Richard Dover – Vinho exportado – 1824/8

1823 1824 1825 1824 1825 1826 1827 1828

1/2 quartolas

1/2 quartolas

1/2 quartolas

1/2 quartolas

1/2 quartolas

1/2 quartolas

1/2 quartolas

1/2 quartolas
Quartolas

Quartolas

Quartolas

Quartolas

Quartolas

Quartolas

Quartolas

Quartolas
Quartos

Quartos

Quartos

Quartos

Quartos

Quartos

Quartos

Quartos
Dúzias

Dúzias

Dúzias
Pipas

Pipas

Pipas

Pipas

Pipas

Pipas

Pipas

Pipas
Índia 15 8 1 21/2 2 2 4 205
Londres 10 1 1 3 3 5 Índia 40 10 144 32 70 15 4 5 1 4
Gibraltar 6 1 1 New York 5 3 4 20 35 31 13 14 25 1
Génova 6 Londres 2 20 12 2 17 12 14 1 4 9 16
Leith 2 S. Kitts 2 4 4 6 4 2
Rio de Janeiro 10 3 25 2 3 9 4 Jamaica 5 11 1 8 2 23 6
Barbadas 30 16 30 58 1 2
Gibraltar 1
Charleston 1 2
Jamaica 3 15 26 5 5 1 6 2 Brasil 2
S. Vicente 2 2 1 S. Vicente 4 5 6
Cabo Boa Esperança 4 2 1 W. Índias 87 31 22 44 19 18 24 18 15 16
St. Petersbourg 3 2 1 Boston 9 8 8
Ascenção 3 31 9 Barbadas 3 3 11 1 2 9 14
W. Índias 2
St. Thomas 14 2 12 12 5 8
New York 75 28 55
Kingston 14 35 23 452 Filadélfia 2
Sandwich 2 1 15 5 20 Quebec 7 6 7 6
Brasil 2 4 11 1 Demerara 3 1 3 2 2
Bermudas 9 Ceylon 74 7 1
Halifax 1 Charleston 21 11 84 2 29 16 28 17 3 53 1 19
St. Thomas 2 1 1
Bristol 1 1 2
Russian 5
Tampico 4 8 8
Rio de Janeiro 1 6 2 4 1
Lisboa 1 2
St. Petersburgo 6 50
India/Quebec/N.York 38 26 16
Bombay 7 2 1
Madras 2 1
Berbice 3 5 8
C.África/Londres/Demerara 4 4 3
Mar do Sul 2 2 1
Gladstaus/Barbadas 5 8 13 7
Barbadas/Jamaica 4
Londres/W.Índias 3 2 18
Londres/New York 1 4
St. Croix 2
Demerara/St. Thomas 4 12 24 1
Cabo Boa esperança 1 2
Trinidade 2 2
Tobago 1
520 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 521

Quadro nº.25: Mercadores: Henry H. Temple – Vino exportado – 1824/30

1824 1825 1826 1827 1828 1829 1830

1/2 quartolas

1/2 quartolas

1/2 quartolas

1/2 quartolas
1/2 quartolas

1/2 quartolas

1/2 quartolas

Quartolas

Quartolas

Quartolas

Quartolas
Quartolas

Quartolas

Quartolas

Quartos

Quartos

Quartos

Quartos
Quartos

Quartos

Quartos

Pipas

Pipas

Pipas

Pipas
Pipas

Pipas

Pipas
Jamaica 13 23 1 136 85 58 48 18 9 33 44 21 23 12 20 5 5 2 1
México 9 2 4
New York 1
W. Índias 31 19 7 229 106 1 41 11 20 18 7 1/2 10 22 18 34 28 47 7 34 11 4
Índia 128 26 1 246 62 15 19 21 13 101 57 29 29 14 4
Londres 44 28 6 10 6 1
Bristol 14 1 6
Barbadas 30 18 6 2 1/2 2
Demerara 18 8 2 4 4 10 2
Quebec 7 1 10
S. Vicente 6 1
América 40 1 3 1 4
S. Petersburgo 12 10 32 15
Glasgow 1
Calcutá 13 3 1/2 38 8 2
Nova Holanda 2
Filadélfia 3 4 20
Charleston 1
Nervis 8 12 10
Antigua 11 1 4 8 10 16
Rio de Janeiro 2 1 3 1
Brasil 8 1 3 1 2 2
Baltimor 5 12 30 13
Caylon 13
Hamburgo 65 42 38 26
Settin 30 15 10
New Orleans 2 12
St. Lucie 2 13 30
Brunswick 4 10 18
Fairlie 9 1
Rotienes Rayf 2 40
522 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 523

Quadro nº.26: EXPORTAÇÃO DO VINHO- 1831 Quadro nº..27: EXPORTAÇÃO DO VINHO- 1832

quartilhos
quartilhos

Dúzias garrafas
Dúzias garrafas

Quartilhos
Quartilhos

Almudes
Almudes

Quartos
Quartos

tonéis
tonéis

Galões
Tonéis
Galões
Tonéis

Pipas
Pipas
Destino Destino

1/2

1/2
1/2

1/2
Charlston 52 98 321 14 171 Berbice 7 10 9
S. Vicente 1 3 2 1 S. Vicente 1 2 49 49 61 30 62 6
W.Indias 1 3 210 216 287 49 31
Nantes 29 36 12 W. Índias 2 5 182 248 244 30 32
Lisboa 2 37 66 22 24 30 New Orleans 5 23 28 20
Londres 11 2 789 741 690 68 251 _ Trenidad 17 44 66 3 4
Tanarife 16 2 1 2 43 2
Rio de Janeiro 17 36 32 3 5_
Barbadas 4 14 62 40 1
India 7 417 158 123 2 22 16 Granada 6 1 36 23 8 12 2
Kingston 2 1 Rio de Janeiro 110 22 8 62
Calcutá 53 25 4
Jamaica 4 5 225 282 408 108 164 59
Jamaica 9 4 205 337 461 103 4
New York 200 217 527 281 2 345 Liverpol 15 7 18
Filadélfia 11 15 34 8 6 Londres 907 1017 765 203 5 174 137
S. Miguel 1 2 5 Gibraltar 4 13 79 36 12 40 2
Génova 2 2 7 11
Cabo Verde 1 1 7 10 Suecia 45 8 9 3 10
Gibraltar 5 27 40 3 Lisboa 1 8 22 27 22 6 8
Jamaica/Liverpol 51 43 17 3 Bombay 26 3 8
Barbadas 1 21 43 89 108 39 24
Antigua 1 2 Setúbal 1
Ceylon 69 24 33 6 Granada/Londres 1 3 4
Ilha de França 1 3 7 8 S. Vicente/Londres 2 6
Granada 2 12 12 19 3
Berbice 11 17 34 9
Jamaica/Liverpol 14 8
Demerara 2 100 96 102 8 24 Bombay/Londres 1 39 20 3 4 34
Bombaim 1 119 178 101 1 Gasto 3 50 56 44 11 49 106
Bermuda 2 2 4
Índia 1 11 266 163 70 2 120 10
Ilha Brava 1
Jorze 11 1 Santa Cruz 2 55 111 9
Maranhão 4 8 Cadis 1 4
Rússia 305 57 119 18 51
Senegal 9 5 4 4
St. Petersbourg 91 36 20
Hamburgo 38 8 29 32 3 Macori 130
Calcutá/Londres 2 37 11 10 10 6 Ceylon 45 59 98 24 12
Alexandria 34 74 121 45 3 Bristol 11 17 18
Maurícias 1 11 11 5 2
Bombaim/Liverpol 1 30 14 Jamaica/Londres 5 9 24
Setúbal 1 Jamaica/Bristol 1
Madrasta 1 1 W.Índias/Bristol 2
Cadis 3 11 8
Norfolk 47 26 31 5 Mar do Sul 1 3
Suécia 3 12 8 12 Calcutá 1 52 19 5 3
Virgínia 5 6 8 Madras/Calcutá 32 23 1
Bbbbatavia 16 78 31 24 72
Cabo Verde 4 8 11 5
Baltimor 1 21 24 81 43
Canárias 1 Kingston/Jamaica 12
Canárias/Londres 4 Filadelfia 57 90 120 70 8
Gastos 3 16 2 2
Rússia 220 38 108 1 30
América do Sul 10 1
Singapore 15 10 St.Petersbourg 464 129 139 101
Bergen 10 6 8 1 Estados Unidos 7 3 15
Índia/Liverpol 4 ST. Kitts 1 7 35 20
Bengala 6
Madras/Londres 19 10 1 Baltimor 6 47 80 187 122 130 60
Brasil 1 1 3 Brasil 6 17 1 8
Bombay/NewYork 9 9 18 29 Antigua 19 18 25 16 6
Honduras 12 8 6 20
Jamaica/Londres 2 1 Antigua/Liverpol 2 1
Suremane 7 9 19 4 América 3 25 12
Liverpol 12 8 10 Alexandria 5 14 125 83 100
Terra Nova 1 4 13 15 3
Estados Unidos 6
Calcutá/Londres 21 2 2
China 2 2 1 Índia/Londres 8 8
Bombaim/Londres 10 8 6 13
524 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 525

América do Sul 1 Índia 31 8 489 267 293 15 16


Buenos Aires 2 Jamaica/Liverpol 14 34 4 1
ST. Thomas 1 9 43 82 20 Gasto 5 37 15 127 47
Setúbal/Suécia 7 3 4 Maurícias/Londres 1
New York 16 2 141 245 397 189 381/2 Trenidad/Londres 7 10
Norfolk 12 39 129 81 Setúbal 1
Ilha de França 8 8 2 8 N. York 5 1 535 406 504 242 110 16571/2
Hazard 10 Canárias 2 3 10 1 6 220 1
Maurícias 3 1 2 Pará 2
Índia/Liverpol 10 720 Bombay 15 2 1
Rio de Janeiro 5 24 24 37 5 2
Índia/Filadelfia 48 20 8
St. Vicente 2 30 34 52 11
Bergen 25 18
Kingston 11 24 30
Terra Nova 8 51 82
Lisboa 1 21 61 71 13 30 2
Demerara 1 82 95 127 2
Jamaica/Londres 29 17 4
Batavia 7 16
Índia/Liverpool 2
Batavia/Londres 18 18
Norfolk 2 27 165 162 120 26
Madras 1 69 85
Demerara 2 10 58 190 110 3
Savannah 1 5 7 8 Tobago 12 21
Génova 4 8 47 Grant 1 1 3
Marseille 1 1 30 Madras 5 65 7 10
Gibraltar/Liverpol 2 6 10 Madras/Londres 2 25 6 1
Canárias 3 12 S.Petersburgo 1153 170 200 17
Bermuda 6 7 8 2 Genova 20 23 48 20
Maranhão 9 6 Russia 47 10 7 4
Macau 8 15 Compenhage 6 2 8 4
México 4 10 3 Bermuda 7 1
Montego Bay 5 7 14 1 Ceylon 39 65 106 14
Jamaica/Glasgow 1 Canton 5 107 10 53
Trenidad/Liverpool 1 1 China 10 8 11
Cabo da Boa Esperança 5 Malta 14 16 2
Madras/Londres 1 9 8 2 SETÚBAL/Beyen 16 18 11
Charleston 2 56 79 457 93 720 189 África 2 2 2
W.Índia/Liverpool 8 2
Brasil/Inglaterra 1
Quadro nº..28: EXPORTAÇÃO DO VINHO- 1833 México 18 2
quartilhos

Dúzias garrafas
Terra Nova 6 12 73 4 4
Quartilhos

Almudes
Quartos
tonéis

Índia/Londres 1
Galões
Tonéis

Pipas

Destino Maranhão 12 11 17 8
1/2

1/2

Cabo Verde 2
ST. Croix 10 63 111 6 Flansbourg 38 44 33 2
Filadélfia 2 103 138 133 56 89 Santos 20 1 2 2
Baltimor 3 15 21 36 New Brunswick 13 12 12 91/2
W.Índias 5 14 321 407 483 75 491/2 Rullardane 105 20 32
Trenidad 37 56 126 Alarcfille 5 6 53
ST. Thomas 4 30 107 1 2 172 Hull 8 4
Glasgow 1 Charlston 3 30 107 71 138
Granada 2 17 Berbice 13 19 6 2
Gibraltar 4 54 58 68 56 Estados Unidos 6 7 2
Brasil 3 24 1 21 33 Charlston/Norfolk 371/2
Londres 2 6 1066 1042 1088 215 13 1131/2 América 22 16
Barbadas 10 13 6 16 2 ST. Kitts 41 56
Jamaica 8 5 200 296 361 56 30 Dominica 3 4 8
Ilha de França 45 5 4 1 W.Índias/Londres 5 2
Maurícia 15 37 23 Canárias/Garnizé 23 6
Antigua 9 21 19 11 3 Brothers 5
Calcutá 2 30 16 6
526 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 527

Quadro nº.29: EXPORTAÇÃO DO VINHO- 1834 Quadro nº.30: Movimento de Exportação - Áreas

quartilhos

Dúzias garrafas
Quartilhos

Almudes
1831 1832 1833 1834 1843 1846 1847 1848 1849 1850

Quartos
tonéis

Galões
Tonéis

Barris
Pipas
Açores 14 12 3 2 9 7 17 51
Destino

1/2

1/2
Alexandria 107 54
Antigua 2 38 25 18 41 25 49 143
Londres 5 6 752 1065 1078 209 85 80 13 1601/2
Barbadas 165 63 40 83 70 44 44 23 78 3
Baltimore 4 11 157 17 162
New York 19 5 746 754 1058 351 391/2 1707 Batavia 66 142 23 2
Rio de Janeiro 9 8 41 97 40 4 60 1/2 Baltimor 61 169 15 51
Demerara 1 139 233 303 12 5 Bremen 40 159 156
Bristol 1 Bombaim 269 73 16 13 36 34 50 32 14
Jamaica 3 2 147 373 417 22 651/2 17 Charlston 181 229 54 239 91 10
W.Índias 2 1 111 271 344 161 61/2
Calcutá 2 1 172 90 43 4 2
Calcutá 120 97 47 238 60 40 86 82 82 41
Índia 4 1 262 148 138 15 17 12 Ceulon 90 72 100 57 21 61 25
Madras 2 2 Canton 145
Gibraltar 13 17 66 78 21 19 55 Demerara 178 163 208 337 35 105 187 284 240 170
Brasil 10 Filadélfia 27 141 220 225 77
China 10 16 18 Granada 36 80 5 29 25 12 12 5
Batavia 6 27 15 3
Trenidad 27 73 111 33 4
Gibraltar 28 33 54 48 5 5 9 4 12 3
Charlston 65 116 452 28 2 Hamburgo 53 609 706 442 601 646 541
Granada 8 30 23 9 India 558 443 840 428
Porto Príncipe 13 18 19 13 Ilha de França 5 12 48 24
1/2
Gasto 17 10 42 28 63 48 41 69 Kingston 2 3 30 8
Barbadas/Jamaica 2 8 18 Jamaica 622 507 518 456 278 102 297 72 181 381
Bombay 9 4 6
Canárias 1 4 7 12 4 7
Liverpol 18 23 5 116 62 76 71 4 30
Lisboa 37 67 78 101 44 1/2 58 Lisboa 37 14 36 103 174 110 394 607 477 549
Vigo 25 39 10 Londres 1 380 1 632 1 906 1 612 1 138 1 000 1 336 1 219 1 628 1 678
Sidney 1 Madrasta 1 10 167 106 130 141 49 143
St.Thomas 24 20 12 New Orleans 26 137 40
Barbadas 7 59 57 99 13 Norfolk 68 74 173 117
S. Vicente 12 28 34 10
Cadis 1 Madras 24 158 127 3
S. Vicente/Liverpool 2 8 8 Mauricias 21 2 39 12 69
St. Petersbourg 996 369 106 28 39 R. Janeiro 43 116 28 35 77 6 8 2 14
Rússia 70 Roterdão 275
Antígua 3 16 27 1 Russia 365 266 54 70
Ceilão 34 33 28
New York 511 474 916 1 518 1 050 76 413 1546 1707
Índia/Londres 1 31 5 5
Santa Cruz 20 25 20 22 S. Petersburg 114 576 1 376 1 210 2 185 1 268 1982 1 755 1 588 1 010
Boston 1 134 78 39 4 St. Vicent 8 105 69 44 31 10 35 42 56 65
New Jurgeisen 10 27 19 16 11/2 St. Cruz 58 70 40 24 17 12 16
Berbice/Londres 2 2 St. Kitts 32 55 7 22 17 33 30
Filadélfia 101 148 160 80 68 St. Thomas 53 46 37 19 17 81 51 8 42
Ilha de França 22 1 1 18
Trinidade 56 108 95 23 26
Bergen 19 1 1 251/2
Galiza 4 Singapura 20
Génova 13 60 49 15 101/2 W. Índias 375 385 718 393
Norfolk 31 85 139 67
Nápoles 12
Campenhagen 23 11 4 4
Estados Unidos 23 64 81 69
S.Miguel 2 4 5 3
Port Mahon 1
Terra Nova 2 31 20 4
Marselha 9 19 39 40
Madrasta 9 6
Costa se África 8
Guadalupe 10 1
New Orleans 65 72 95 95
Savannah 7 7 7
Setúbal 1
Blackburn 1 1 1
Faro 2
Fatmouth 1
Liverpool 9 4
Montego Bay 1 6 4
ST. Kitts 7
Açores 3 30 24 1
528 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 529

Quadro nº.31: Movimento de exportação do vinho. 1843-49 New York 76 9 3 413 16 7 2 1546 20 7 2
St. John 8 9 1 2 3 17 3
DESTINO 1843 1847 1848 1849 Tobago 18
Warn 11 6

quartilhos

quartilhos

quartilhos

quartilhos
Canadas

Canadas

Canadas

Canadas
almudes

almudes

almudes

almudes
V. Nova de Portimão 2 1 2

Pipas

Pipas

Pipas

Pipas
Bermuda 1 2 3 6
Bremen 40 17 9 159 11
Gastos-Estrangeiros Bristol 2
Portugueses 43 21 7 2 3 83 6 2 1 92 14 4 Curaçau 18
Altona 14 8 Canárias 5 9
Angola 12 Havana 5
Barbadas 70 14 7 2 44 14 3 23 21 7 2 78 3 6 Nova Orlians 40 19 3
Baía 4 18 4 2 9 7 2 Porto 17 3
Cayenne 15 5 9 Southampton 1 14 4 2 5 6 3
Cabo Corso 2 Terceira 17 3 2 14 5 2
Cabo Boa Esperança 3 14 7 2 1 Boa Vista 7
Calcutta 60 13 1 2 86 12 9 82 19 4 2 82 9 3 Califórnia 8
Charlston 11 6 91 5 9 Filadélfia 77 4
Constantinopla 4 17 3 Riga 103 10
Demerara 35 11 6 187 18 9 284 5 3 240 20 4 2 S. Tiago (Cuba) 7 8 7 2
Dublin 7 5 9 Suriman 70
Faial 6 Tunis 11 6
Genova 35 14 6 1 17 8 18
Gibraltar 5 7 6 9 13 6 4 12 10 1 12 20 1 2
Glasgow 1 11 6 5 9
Granada 25 5 9 12 11 6 5 11 6
Hamburgo 609 18 5 2 442 17 8 1 601 21 3 646 16 4 2
rJamaica 278 17 10 297 3 4 2 72 20 3 181 16 4 2
Kingston 8 7 3
Livepool 116 7 7 2 76 3 3 71 7 2 4
Lisboa 174 22 3 394 16 3 1 607 15 1 477 10 7 1
Londres 1138 2 2 1336 16 11 3 1219 3 6 1628 12 6
Macau 2 1
Madrasta 167 5 10 2 130 22 7 2 141 8 1 2 49 13
Nasau 15 20 1 2 19 2 11 20 1 2
Nervis 2 5 9
Rio de Janeiro 77 15 9 18 9 7 2 2 11 6 14 8 9
Roterdão 275 2 10 2
Setúbal 8 7 2 20 10 2
Santa Cruz 24 8 7 2 17 12 1 2 12 4 6
S. Miguel 3 1 1 2 7 5 4 3 15 8 3
Sidney 7 11 6
St. Kitts 22 6 6 33 14 11 2 30 8 3
S. Petersburgo 2 185 12 1982 14 11 2 1755 10 6 1588 22 6
S. Tiago 2 10 2 6 1 2
St.Thomas 19 22 6 81 1 2 1 51 9 8 7 3
S. Vicente 31 4 1 2 35 42 13 7 2 56 11 9
Trinidade 23 21 3 26 9 9
Trieste 1 6
Cantão 7 11 6
Açores 9 4 8 5
Antigua 41 14 8 4 25 14 4 2 49 13 7 2
Bombaim 34 50 3 6 32 16 6
Batavia 2 4 6
Berbice 21 9 5 2
Bourbon 11 6
Cabo Verde 3 22 8 4
Ceylão 25 8 7 2 61 17 8
Elsineur 3 11 6 40 18 9 41 12 6
Figueira 3 6 2 12
Mauricias 12 5 9
Montevideo 9 11 3
530 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 531

Quadro nº.32: Movimento exportação 1850 Quadro nº.33: Movimento de Exportação - Áreas

Destino Janeiro/Junho Julho/Dezembro TOTAL 1882 1883 1884 1885 1886 1887 1888

quartilhos

quartilhos

quartilhos
Canadas

Canadas

Canadas
almudes

almudes

almudes
África Portuguesa 27 26 41 52 27 21 25

Pipas

Pipas

Pipas
Alemanha 39 102 307 116 325 417 343
Açores 11 13 12
Gasto-Est. 44 9 9 1 57 14 4 2 101 25 13 3 Bélgica 4 1 6 3
Antigua 23 11 6 120 11 7 2 143 22 13 2 Brasil 108 57 103 214 172 151
Barbadas 18 3 17 6 3 35 6 Buenos Aires 6
Bremen 156 1 156 1
Dinamarca 13
Calcutá 41 13 41 13
Califórnia 6 10 2 6 10 2 Est.U.América 11 48 31 26 9 2
Constantinopla 125 125 França 38 41 71 43 76 239 704
Cuba 1 14 4 2 1 14 4 2 Gasto 88 40 42 36 77 47 23
Demerara 108 15 10 2 62 11 5 2 170 26 15 4 Espanha 7 2 10 8 4 15 3
Elsineur 29 7 29 7 Holanda 2 3
Gibraltar 3 17 3 3 17 3 Inglaterra 2 491 1 924 2 057 2 932 2 991 1 748 3 011
Hamburgo 541 21 10 2 11 9 541 32 19 2 Lisboa 955 873 342
Lisboa 233 12 8 2 316 18 3 549 30 11 2
Marrocos 1 1 1 3 1
Liverpool 30 18 4 2 30 18 4 2
Londres 1082 14 6 596 8 9 1678 22 15 Montevideo 6
Madrasta 143 8 6 143 8 6 Noruega 7
Nassau 8 11 6 8 11 6 Outros 7 3 1 4 4 2 5
Nova Iorque 1131 12 11 1 576 3 9 1707 15 20 Russia 553 509 571 373 504 682 500
Rio de Janeiro 5 9 5 9
(D. João da Câmara leme, Os Vinhos e o seu Descrédito pelas Estufas..., pp. 32/40)
Santa Cruz 16 3 4 2 16 3 4 2
S. Petersburgo 1010 8 6 1010 8 6
Laguna 1 8 7 2 1 8 7 2
St. Thomas 36 7 6 6 42 7 6
S. Vicente 22 7 9 43 10 3 65 17 12
Southampton 8 17 9 3 17 3 11 34 12
Ilha de S. Jorge 1 8 1 8
S. Miguel 1 5 9 42 8 2 43 13 11
Terceira 1 11 2 2 5 8 2 6 19 4 2
Faial 2 10 2 5 2 10 2
Jamaica 18 11 6 193 6 6 381 17 12
Viana 9 7 2 9 7 2
Stª Cruz-Dinamarca 23 15 1 2 23 15 1 2
Maurícias 69 8 6 69 8 6
Marselha 3 4 3 3 3 4 3 3
Guadalupe 11 9 11 9
Ilha Brava 3 1 3 1
Figueira 8 9 2 14 10 2 2 22 19 2
Bergen 3 5 7 2 3 5 7 2
Charlston 10 6 3 10 6 3
Cayenne 3 5 7 2 3 5 7 2
Bombaim 14 14
532 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 533

Quadro nº.34: Exportação de vinho: destinos(1865-1970)

América do Sul
Dinamarca
América do Sul

Alemanha

Inglaterra

Colónias
Holanda

Diversos
Noruega
Espanha
Bélgica

França

Suécia
Rússia
Dinamarca

Brasil

Japão
Alemanha

Inglaterra

Colónias
Holanda

Usa
Diversos
Noruega
Espanha
Bélgica

França

Suécia
Anos

Rússia
Brasil

Japão
Usa
1919 562 15910 40,9 79,3 877,7 10602 2368 17649 183,2 22432,5 234
1920 1,1 40,6 3535 39,2 92,3 4596,9 3094,9 326 4695,7 13,5 1179,9
1865 265 19 42 1690 29 1
1921 1251,3 228,5 3779,6 32,8 321 426,8 1091,5 547 5490 3779,6 120,4 2400 364,6
1866 452 2 117 2240 65 13
1922 3139 14827 9637 107,4 4,5 567,3 15997,2 201 2408 9637 14,2 3495,8 251 7707
1867 6 276 8 18 39 2618 116 13
1923 246 17414 6761 96 5 617 9704 247 1838 6761 23 4770 763 155
1868 562 45 44 45 2328 6 624 84 12
1924 4934 19875 7683 35 950 489 775 4165 7683 9 6720 775 120
1869 4 123 259 89 20 2655 585 89 25
1925 3912 13617 6224 32 708 11561 795 2631 6224 13 9806 354 65
1870 16 37 4 68 152 75 2 3128 12 693 76 42
1926 1521 10963 5636 62 513 7309 345 2772 5636 3 10916 6 23
1871 20 5 15 3665 2005 143 39
1927 2986 8011 7879 22 446 2609 372 2408 7879 6 8884 217 8
1872 383 7 40 50 10 31 4971 855 59 43
1928 3695 12269 5617 15 709 6291 370 2277 5617 8 15577 271 25
1873 95 17 56 138 30 16 5318 30 1556 113 39
1929 2887 13393 7435 21 601 6375 617 2472 7435 12 17585 54 36
1874 879 1 100 682 11 4409 34 1294 94 74
1930 2004 15586 8186 3 188 10238 506 1828 8186 4 19085 186 22
1875 34 675 21 4 6260 17 811 215 363
1931 1281 12724 8451 9 149 15800 323 1585 8451 2 15576 415 16
1876 774 22 17 136 6 6308 1282 157 62
1932 1240 12785 4557 15 223 12777 151 1449 4557 6779 1831 75
1877 678 7 4 2582 4898 5321 1668 71 58
1933 1410 443 7286 220 361 11276 130 1504 7286 5693 889 81
1878 124 15 266 16 4581 2 957 123 91
1934 1741 295 6374 2 706 279 12989 182 1947 6374 8 9739 1169 32
1879 831 18 1278 355 534 241 84 6634 2 157 140
1935 2052 381 7520 202 337 12150 271 1718 7520 1 11264 1826 28
1880 1600 12 24 128 1458 434 7513 1905 163 159
1936 2247 550 9267 194 233 13100 342 2192 9267 5 10031 1516 43
1881 218 42 29 83 890 1662 5 8012 1751 131 114
1937 1928 477 8278 167 530 9646 285 1930 8278 7 12371 2140 40
1882 199 26 31 45 644 1912 13 9808 2160 433 115
1938 2506 641 7230 152 401 7610 625 1807 7230 38 15321 2636 131
1883 433 8 15 122 474 2954 4 7703 2182 200 110
1939 1943 574 12739 367 482 5630 202 2327 12739 2 10929 1627 37
1884 1278 235 38 191 233 2201 1 8015 2444 174 161
1940 168 1268 555 486 1957 3086 1268 143 131 38
1885 571 12 96 36 154 453 3817 11479 1546 1 4646 276
1941 464 619 1 2058 39 2494 88
1886 1331 18 46 19 122 912 3464 1 11698 35 2055 4104 131
1942 304 917 39 6309 11 147
1887 1834 32 61 35 1682 4112 24 6918 17 2685 3644 97
1943 8507 1721 422 38 10522 840 144
1888 1589 43 51 21 8 762 4847 47 12729 25 1952 37 1891 161
1944 12696 943 898 407 7621 122 157
1889 2157 19 98 22 28 696 4062 3 8635 74 2592 138 376 139
1945 345 165 3706 1 859 345 89 10522 1646 154
1890 2550 5 68 33 84 630 4139 56 9347 10 3074 94 189 169
1946 180 3187 3187 783 5184 1 483 2401 3512 84 11349 2993 211
1891 4152 6 129 44 10 722 9397 3 7866 3 976 89 151 236
1947 1174 1174 213 4532 402 2416 1625 47 18514 1337 194
1892 5692 2 37 33 830 3631 1 7766 16 738 4 309 233
1948 847 847 401 3939 160 363 1719 174 33 10672 2314 527
1893 3021 34 268 62 63 958 2862 7681 10 3975 21 466 199
1949 136 1030 1030 559 58 3533 250 620 8495 8631 1010 69
1894 2725 230 50 21 935 3861 7387 9 4447 17 228 155
1950 671 1318 1318 667 635 3574 310 848 3302 78 11168 901 65
1895 3624 34 74 20 844 4504 7300 31 6005 232 159
1951 2773 891 891 540 3421 4304 10 1377 5672 101 8408 4122 129
1896 3903 144 80 72 632 4253 5 7416 22 5631 5 157 222
1952 2281 1199 1199 757 1000 4259 223 1148 7110 86 7526 1135 70
1897 4603 66 67 12 530 4854 8128 39 5545 23 144 157
1953 1902 1097 1097 896 409 4118 298 1338 5731 98 12908 1302 113
1898 5047 5 184 57 17 1126 4599 6 6311 15 6690 7 81 162
1954 1753 1190 1190 711 799 4834 239 1499 8186 80 8968 3605 90
1899 6153 19 101 39 1 540 4554 31 5699 29 7708 166 90
1955 2177 1244 1244 3 789 747 5269 471 1603 7362 108 7098 1936 51
1900 4234 74 43 21 495 5298 200 8835 22 6746 95 173 135
1956 3285 1559 6744 897 588 6046 556 1702 6744 167 4970 2752 71
1901 4499 150 126 44 44 557 4839 319 6723 5 59 4914 1413 126 226
1957 2937 1399 5370 789 307 5689 525 1752 5370 73 5421 2695 74
1902 6027 231 2508 72 77 579 5903 498 6366 497 2398 297 166 99
1958 2932 1415 6906 1010 55 5331 423 2223 6906 47 6128 2752 40
1903 7738 796 24 105 169 550 4958 233 4796 11 8 6118 287 227 115
1959 3412 1451 5752 1255 58 4945 516 2414 5752 76 5886 3551 61
1904 6426 1254 2 30 84 849 4930 365 3651 147 24 6814 388 37 111
1960 3640 1690 6460 1390 20 5140 620 3530 6460 10 6810 3580 20
1905 7743 1440 489 92 63 888 5242 87 3721 3 111 6927 219 16 168
1961 4009 7168 886 4031 7599 13 11191 4604 58
1906 8156 1372 503 36 37 854 7033 294 3156 99 27 3329 250 97 122
1962 5410 1792 6757 1449 1 8394 746 2820 6757 6520 4814 45
1907 7943 869 305 42 50 1225 5089 250 3714 48 50 3962 502 36 124
1963 4881 1888 5379 1728 8504 748 3726 5379 1 7625 5455 69
1908 8067 742 261 56 8 736 5767 71 3749 238 21 3427 658 25 237
1964 4846 1898 5905 1736 9638 1026 4672 5905 7558 4712 74
1909 7909 205 393 52 42 789 5714 264 3236 10 18 4247 805 120 241
1965 6343 2275 5665 1727 9304 1127 2733 5665 9690 5189 48
1910 9331 789 257 108 77 1136 5817 186 3469 1376 37 4561 934 24 77
1966 6755 2251 5744 2094 10427 1386 3273 5744 15 5300 7317 74
1911 10367 06 1276 57 76 966 7699 228 3984 536 20 3922 1206 8 260
1967 4209 2403 5117 2158 10072 1707 3471 5117 5 9695 7072 140
1912 10217 178 255 43 23 1414 6848 492 3367 1668 6 2520 1178 68 242
1968 6359 2139 3962 2014 16 12186 1178 2815 3962
1913 11981 151 1615 40 43 911 7383 340 3825 442 31 4147 2856 127 398
1969
1914 9944 71 3902 15 226 1151 8328 228 5163 256 9 1127 2004 24 100
1970
1915 1,6 2 8377 46 228 390 5530 1107 2096 462 8 1519 3876 3 159
1916 2 12601 370 788 1039 9667 69 2949 498 4045 8649 6 239
1917 469 3,6 1142,3 247,4 4551,4 1487 1951,7 3,4 1450,7 195,8
1918 403 23,6 164,8 334,3 7053,8 2996,8 144,1
534 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX

Quadro 35: Exportação de vinho. 1984-2002 (hl)

Dinamarca
Alemanha

Inglaterra
Holanda

Diversos
Noruega
Espanha
Bélgica

França

Suécia
Brasil

Japão
Usa
1984 3513 2577,6 1639,8 1741 139314,8 957 3384 533 162,8 1618 2987
1985 3558,5 3244 1360 1471,5 13298,8 2857,9 836 65 1831 2658
1986 3705,9 1801 1886,6 5 1058 27 17411 1181 2948,7 774 324 2603 2585
1987 4207,5 2858 1302,5 20,7 1710 12720 1055 2979 897 159 1999,6 1456
1988 4614,8 3154,7 1151 18,8 1810,5 18 12911,7 1301,8 3683,5 1169 128 569 4126
1989 3848,5 2046 1003,9 31,9 1296,9 9 14127,7 1619,8 2824,5 1556,8 224,7 1895,5 3125
1990 4335,5 2694,9 1128 1226 959,6 30 14179,9 849 2825 1587 76 1611,6 1909,5
1991 3870 1671 1336,5 23 703 14254 1646,6 2649 2194 367 1608,9 2611,9
1992 4545,7 2219,6 765,5 28 1055 13069,9 1151,8 3209 1426 4 1573,7 2699
1993 3248,5 2016,5 845 14,9 1235 14429 932 3246 1450,6 1574 2637
1994 4665 2802 816 9 1086,7 11543,7 960,5 2919 2019 100 1451 1655,8
1995 4803 2220 1003,9 9 1193 12530,6 1158 3485 146 2044 1599 1876
1996 3388 2524,8 1124 26,7 1528,8 13067 851,5 2963 1924 163 1640 3460,5
1997 250 148,5 323,9 35 1029 946 365 3426 2206 9 294,9 1105
1998 332 98 366 77 1505,9 749 489,7 3200,9 2339,5 20 326 914,6
1999 278 97 384,5 15,9 1414,9 542,7 353 2565,9 1925 14 251 1178
2000 398 111 497 48,7 1328,5 565 297 2496 2084 180,9 516 1112,5
2001 1563 232 388 117 1737 9521 452 3292 1803 114 1452 1550,7

Fonte: INE, Estatístiscas de Comércio Externo (desde 1967)


A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 535

Barril servindo
de garrafeira.
Museu do IVM
536 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 537

Pormenor de painel
de azulejo no Largo
António Nobre no
Funchal. C. A.
Moutinho. Fábrica de
Sacavém. 1930.

A Expressão Literária do Vinho

OO Vinho sempre atraiu a atenção de todos. Ao mesmo tempo que alimenta os


prazeres dos enófilos, é forte motivo da escrita de poetas e literatos. O Madeira é,
como todos licorosos, um caso singular na História e Literatura. Os epítetos pro-
feridos por poetas, escritores, políticos e viajantes, que tiveram a possibilidade de o
provar e apreciar, são também testemunho da importância social e económica que
adquiriu. As referências literárias e artísticas ao vinho Madeira estão quase só cir-
cunscritas a alguns espaços consumidores, com especial relevo para os Estados
Unidos da América e o Reino Unido. O vinho surge aqui com frequência nos tex-
tos que descrevem ambientes de época ou, desde o século XIX, no testemunho de
viajantes e guias turísticos, criando junto do público a curiosidade e interesse.
Uma breve digressão pela literatura portuguesa das principais regiões de destino
do vinho Madeira revela a cuidada atenção de poetas e prosadores. De todas a refe-
rência mais frequente e valorizada acontece na obra de Shakespeare. A partir daqui
podemos avaliar a importância que assumiu no quotidiano do meio da aristocracia
e dos pubs londrinos. As referências estendem-se a outros domínios. Não raras
vezes o vinho aparece na Sétima Arte, nomeadamente nos filmes de época norte-
americanos. Apenas na representação como motivo artístico para pintores,
nacionais ou estrangeiros, parece que ficou esquecido, atestar pelos testemunhos
que hoje dispomos.
No panorama literário madeirense, as referências são escassas. Apenas na litera-
tura popular encontramos com maior assiduidade testemunhos. O vinho Madeira
durante muito tempo foi algo que apenas interessou ao estrangeiro, de modo que o
homem rural madeirense encarava-o apenas como fonte de subsistência. A par disso
a gente letrada e da cidade durante muito tempo alheou-se do produto, preferindo
as bebidas impostas pelos britânicos. O mesmo se poderá pensar ao nível nacional
onde as referências são também escassas.
538 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 539

de aflição. O Madeira saiu dos salões e palácios da cidade de Londres, sulcou os


oceanos e firmou-se nas imponentes vivendas das colónias britânicas quer a
Ocidente, quer a Oriente. Em finais do século dezasseis o pároco da Ribeira
Grande, Gaspar Frutuoso, que certamente não dispensava o uso do Madeira nos
Pormenor de painel de
azulejo no Largo António actos litúrgicos4, apresentou um dos maiores elogios que alguém ousou fazer ao
Nobre no Funchal. Madeira: o vinho malvasia é o melhor que se acha no Universo. O cura é taxativo
C. A. Moutinho.
Fábrica de Sacavém. na observação, não dando margem para dúvidas. Será que os vinhos odoríferos que
1930. Camões encontrou na ilha dos amores podem ser identificados com o malvasia da
Madeira?5
A partir do século XVIII o Madeira ganhou tanto em mercado como em fama.
O vinho da madeira Em 1795 o Dr. Wright exclamava: Se Homero o tivesse bebido, afirmaria que o
na voz dos apreciadores e literatos Olimpo renascia apesar de os deuses estarem já fora de moda e recomendava o con-
sumo pelos pacientes idosos, pois era uma das bebidas mais úteis e eficazes para as
O vinho é uma constante da História da Madeira, afirmando-se com pessoas de idade a quem as funções físicas começavam a falhar6. Daí terá resultado
um dos principais meios do progresso e riqueza. Amado e, por vezes, odi- o epíteto de leite dos velhos. Diz-se até que a longevidade do Conde de Canavial foi
ado, persiste no quotidiano através do simples gesto e ritual dos apreci- resultado do cálice de Madeira que bebia todos os dias em jejum.
adores. Os mercadores madeirenses ligados ao comércio do vinho, em representação de
O vinho Madeira é considerado, desde tempos muito recuados, como 29 de Setembro de 18017, definiram-no como fruto da combinação perfeita das
indispensável na garrafeira dos enófilos. Mas, não é preciso ser escanção condições mesológicas com as castas e não como resultado de quaisquer artimanhas
para apreciar as qualidades aromáticas e gustativas, por tão evidentes que laboratoriais ou fruto do mais sofisticado processo de vinificação: A superioridade
elas se apresentam. De alguns apreciadores, como é o caso de poetas, que distingue de todos os outros, o vinho da Madeira é o resultado de uma feliz
escritores, políticos e viajantes, ficaram os epítetos a atestar deslumbra- combinação de circunstâncias favoráveis, as quais, por dependerem do local, sem-
mento com os aromas e sabor. E ninguém se escusou a tecer-lhe elogios. pre foram e continuarão a ser privativas desta ilha. O clima, a configuração da terra,
A referência elogiosa mais antiga ao vinho Madeira não surge em e a natureza do torrão, não dependem de contingências, nem admitem imitação
Shakespeare mas sim pela voz dos literatos da bacia mediterrânica, fami- pela industria humana, e essas vantagens, adjuvadas de uma muito particular agri-
liarizados com a bebida, o que torna mais importante a valorização. Alvise cultura, e de muito custo, e de um trato simples, mas laborioso, conspiram pro-
de Ca da Mosto1, nome sugestivo em questão de vinhos, foi o primeiro a duzirem o vinho da Madeira, licor singular e inimitável, que, nem o tempo, nem o
fazê-lo nas Navegações, escritas em 1455 e que depois correram mundo ar, nem o gelo do pólo, nem a fervura do trópico, podem prejudicar, antes sendo a
em várias edições impressas. O veneziano, habituado aos vinhos nobres do sua essência simples e imutável, as provas as mais rigorosas, e o lapso de longos
Mediterrâneo, não hesita em afirmar que os da ilha eram “bons” e para anos, só servem a demonstrarem, a semelhança da verdade e sua nativa pureza.
que não restassem dúvidas reforça a ideia conclui que eram muitíssimo As qualidades profilácticas do vinho Madeira foram mais tarde reforçadas pelo
bons. Giulio Landi 2celebra o rubinéctar madeirense comparando-o ao Dr. Vicente Henriques Gouveia8 que chamou a atenção para a acção bacteriológica
grego de Roma, sendo o malvasia melhor que o de Cândida. Em 1567 sobre o bacilo do Erbert. Samuel Maia recomendava o uso na cura da gota. Perante
Pompeo Arditi3 manteve, na mesma observação comparativa, a preferência taiss inestimáveis e inimitáveis qualidades organolépticas e profilácticas Warn Allen
pelo da ilha. conclui que estamos perante um vinho imortal que não deve ser ignorado9.
A partir daqui a Europa ficou a saber que os vinhos da Madeira pode- Em Portugal e na ilha são poucos e raros os elogios. Parece que literatos e poe-
riam rivalizar com os demais, abrindo-se as portas para um lugar privile-
4. Vimos com assiduidade recomendações no sentido de que este vinho fosse usado na missa. Cf. Doutor Gaspar Frutuoso,
giado à mesa da aristocracia e casa real. O Madeira foi brinde em momen- Livro Quarto das Saudades da Terra, Ponta Delgada,1981, vol. II, p198; Alberto Vieira, O Comércio Inter- Insular nos
tos de alegria e de grande solenidade, como companheiro em momentos 5 .
Séculos XV- XVII, Funchal, 1987,p.143.
Lusíadas, canto X, estância 4.
6 . Eduardo Pereira, Ilhas de Zargo, vol. I, Funchal, 1989, p.602.
1. António Aragão, A Madeira Vista por Estrangeiros, Funchal, 1981, p.37 7 . Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993. pp.50-51
2. António Aragão, A Madeira Vista por Estrangeiros, Funchal, 1981, p.83 8 . Acção Bactericida do Vinho Madeira, (Verdelho) sobre o Bacilo de Erberth (Estudo Experimental), Funchal, 1938.
3. António Aragão, A Madeira Vista por Estrangeiros, Funchal, 1981, p.130 9 . Ibidem, p.603
540 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 541

tas o ignoraram, talvez porque nunca tiveram o atrevimento de o provar. Dispomos família e todos os anos se renova no barril ou quartola para o aquecer no Inverno,
apenas de três testemunhos que corroboram aquilo que já haviam escrito os estugar-lhe o passo nas romarias do Verão, firmar promessas, selar contratos, fechar
estrangeiros. As mais antigas e elogiosas referências surgem na poesia. Nicolau negócios e ser providência económica no seu lar.
Tolentino de Almeida (1741-1811)10 e Mário de Sá Carneiro (1890-1916) em o A mais completa expressão da vivência e quotidiano do madeirense em torno do
poema a Caranguejola11, fazem referência ao vinho e as suas qualidades. Guilherme vinho encontra-se em Horácio Bento de Gouveia [1901/1983] nos romances,
Avelino Chave de Azevedo (1839-1882) num soneto refere um cálix de Madeira.12. ensaios e artigos de jornal19.
Gomes Leal considera a Madeira como A pátria excelsa e célebre do vinho. O quadro literário poético do vinho Madeira conclui-se com a mais recente refe-
Entretanto Eugénio de Castro faz depender a inspiração poética da disponibilidade rência por via de um conto de Maria Aurora que leva o título significativo de um
do Madeira: cheiro a Malvasia20. A poesia madeirense contemporânea parece ignorar a vinha e o
vinho, uma vez que a referência mais destacada surge em Dalila Teles Veras21, uma
Se não tenho feito versos madeirense que desde o Brasil fez um canto à vinha e ao vinho da Madeira.
É que acabou o Madeira. É na poesia popular que a imaginação do anónimo poeta popular melhor se
expressa quanto ao vinho22. Aqui, o fulcro das atenções foi o vinho americano, que
A literatura madeirense parece ter sido mais larga em elogios, na voz dos poetas. se tornou, desde o século XIX, na bebida comum do lavrador madeirense. O outro,
Francisco Álvares de Nóbrega [1772-1806]13 dedica-lhe um soneto sob o título à ilha de castas europeias, não tinha assento à mesa, sendo levado para longínquas para-
da Madeira, em que dá conta da vinha como uma esperança, ideia que já Francisco gens, e por isso não merece referência ou elogio.
Paula de Medina e Vasconcelos augurava em 180614. O remate acontece com o
poeta popular Manuel Gonçalves [1858-1927]15 que soube captar, através das o vinho americano
quadras, as vivências e aspirações populares em torno da cultura e produto. é um vinho afamado
Em 1891 um forasteiro continental, J. A. Martins16 declarava que as mulheres quem não bebe deste vinho
como os vinhos sabem enlevar o espírito fazendo palpitar os corações, para depois anda sempre adoentado
concluir que o vinho não é uma simples combinação química; é um problema de
gosto, é um alimento e um agente terapêutico de primeira ordem. Em tempos houve verdelho Contando a bela pinga
Para o madeirense a exaltação assenta na presença nas mesas da nobreza e per- parreiras de terrantez, desta nossa terra inteira
sonalidades importantes e, por isso, é o embaixador capitoso da ilha. Eduardo moscatel, alicante em todo o mundo não há
Nunes17 recorda que correu mundo— singrou por todos os mares e rompeu todas as e cachos de malvasia vinho como o da Madeira
fronteiras, por isso é oferecido a reis e a príncipes regentes, a chefes de estado e a
ministros, a senhores feudais e a burguesia opulenta. O maior elogio que alguém Em síntese podemos afirmar que estamos perante duas opções dos literatos pe-
ousou fazer ao vinho Madeira encontra-se no Pe. Eduardo Pereira18, natural de C. rante o vinho Madeira. O ilhéu exalta-o através dos consumidores, recrutados entre
de Lobos, uma das áreas de produção de vinho. A referência às múltiplas qualidades as personalidades mais ilustres. Não é o facto de ser bebida de consumo corrente
do vinho Madeira aparece em tom epopeico: Perfuma e alegra o solo um vinho que justifica o elogio, mas sim o de ser meio de subsistência e riqueza. Já os
histórico, produto de castas primitivas, sangue de raça a perpetuar na ilha o nome forasteiros e bebedores usuais emitiram uma opinião de acordo com a sensação gus-
de Portugal. Foi este vinho companheiro dos colonos na rota da descoberta; postou- tativa e olfactiva resultante da primeira prova. É isso que distingue o vinho Madeira
se de guarda à porta de suas casa, de braços abertos, numa remada acolhedora a pa- dos demais.
rentes, amigos e vizinhos; dá-lhe vida no trabalho; vibra-lhe na alma em festas de

10 . Diz o poeta: Das escumas da Madeira/vejo nascer a alegria; /com as asas afugenta/a minha melancolia//O tal Horácio
enganou-se/não conheceu a parreira; /não se chamava Falerno; /se era bom era Madeira.
11 Últimos Poemas, Paris, Novembro 1915 19 . Veja-se Canhenhos da Ilha, Funchal, s.d., A Canga, Funchal, 1975. Cf. Islenha, nº.30, 2002, número dedicado a Horácio
12 . A Alma Nova (1874). Bento de Gouveia.
13 . Vida e Obra de Francisco Álvares de Nóbrega, Funchal, 1958. 20 . O conto foi vencedor do Prémio Contos organizado pelo Instituto do Vinho da Madeira por ocasião do décimo aniver-
14 . Zargueida, Lisboa, 1806, canto IX, estrofes XXIII e XXIV sário. Foi publicado no Diário de Notícias a 21 de Janeiro de 1990.
15 . Versos de Manuel Gonçalves (Feiticeiro do Norte), Funchal, 1956 21 . Madeira do Vinho à Saudade, Funchal, 1989.
16 . Madeira, Cabo Verde e Guiné, Lisboa, 1951, pp.39-41 22 . PESTANA, E. A, Ilha da Madeira. I. Folclore Madeirense, Funchal, 1965, SANTOS, Carlos M, Trovas e Bailados da Ilha.
17 . Porque me Orgulho de Ser Madeirense, Lisboa, 1951, pp.27-29 Estudo do Folclore Musical da Madeira, Funchal, 1942, TAVARES, José, Subsídios para o Estudo da Vinha e do Vinho
18 . Ilhas de Zargo, Funchal, 1967, vol. I, p.558-559 na Região da Madeira, Funchal, 1953,
542 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 543

Borracheiros. Festa Borracheiros. Festa das


das Vindimas
A desgraça ao desejado O Pai-nosso DO BEBERRÃO Vindimas 2002.no Estreito
de Câmara de Lobos.
2002.no Estreito de
Câmara de Lobos. Colecção do autor
Colecção do autor Oh! Santa Uva,
Do vasto Oceano flor, gentil Madeira,
Que estás na videira.
Que de murta viçosa o cimo enlaças,
Sóbria a teu seio amamentando as Graças sejas purificada, sem enxofre.
Co’ vítreo suco da imortal Parreira.
Venha a nós o vosso líquido,
Daquele, que em ti viu a luz primeira, Que bebemos na Terra,
Se acaso é crível que inda apreço faças,
A nossa vontade,
Entre o prazer das brincadoras taças,
Recolhe a minha produção rasteira. Tanto na taberna, como em casa...
Três litros por hora, pelo menos...
É donativo escasso, eu bem conheço;
Mas o desejo, que acompanha a of’renda, Perdoai-nos, quando bebemos demais,
Lhe avulta a estima, lhe engrandece o preço.
Não nos deixeis cair atordoados
Deixa que a roda o meu Destino prenda; E livrai-nos da polícia,
Em cessando estes males, que padeço,
Nas horas mortas. Ámen
Talvez então mais altos dons te renda.
(Câmara de Lobos e S. Martinho, Recolha de Padre
(soneto de Francisco Álvares de Nóbrega, Luís Marino, Alfredo vieira de Freitas, Trovas Populares. Da vinha e
Musa Insular, Funchal, S/D, p. 54) do Vinho da Madeira e Porto Santo, Santa Cruz, sd.)
544 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 545

Pormenor de painel de
azulejo no Largo António
Nobre no Funchal.
C. A. Moutinho.
Fábrica de Sacavém.
1930.

O Vinho Madeira
na Literatura Europeia e Norte-americana

O vinho da Madeira encontra-se citado por todo o lado na literatura das regiões
Viloa. Gravura de A. Vizetelly.1880 consumidoras na Europa, América e Ásia. A literatura de expressão inglesa é a que
apresenta as mais assíduas e destacadas referências. Na Europa, excepção feita ao
Reino Unido, é na Rússia e na França que surgem com maior frequência, dando-nos
conta que estava presente nos mais requintados ambientes. No caso russo F.
Dostoevsky (1821-1881)23 ou Leon Tolstoi (1828-1910) são exemplo disso. Mais
Vindima. Pormenor de painel de Max Romer. abundantes são as incidências da literatura francesa do século XIX, podendo-se
Sala de Provas. Madeira Wine Company
associar escritores famosos como Honoré Balzac [1799-1850]24, Anatole France,
Jules Verne25, Sade26, Alexandre Dumas [1802-1870]27, Guy Maupassant [1850-
Há três cousas por excelência O vinho da Madeira correu mundo-singrou por 1893]28, G. Flaubert29, F. Chateaubriand30.
boas e deliciosas na Madeira: é o todos os mares e rompeu todas as fronteiras. Está Anatole France [1844-1924] refere em Le Petit Pierre que o vinho Madeira acom-
clima, são as mulheres e são os permanentemente nos festins de Francisco I de panha bolos secos e apenas un doigt de vin de Madere anima les regards, fit sourire
vinhos; umas como outras, como França e de Carlos II da Inglaterra; faz parte das
que nos embriagam; umas como refeições de Fernando da Bulgária e é colocado
les levres. Já para Alfred Musset o Madeira caia bem com uma asa de perdiz31. Mas
outras são dignas de elogio e nos porões da nau-cárcere que conduz Napoleão Proudhon queixa-se do facto de não estar acessível ao povo32. A literatura francesa
pedem apreciações moderadas. ao cativeiro de Santa Helena. Anda por congressos do século XIX e princípios do século XX revela-nos um vinho distinto que tinha
É que o clima excita-nos a internacionais, conquistando fama e enriquecendo- lugar à mesa, sendo apreciado pelas classes altas e cobiçado pelos pobres.
vida, e que tanto as mulheres se de prémios, desde a medalha de ouro à legião Faltava-nos idêntica informação para o mundo colonial e de forma especial a
como os vinhos sabem enlevar o de Honra. (:...)
espírito fazendo palpitar corações. É oferecido a reis e a príncipes regentes, a
América do Norte, onde o vinho Madeira aportou em meados do século XVII e rapi-
(...) chefes de estado e a ministros, a senhores feudais 23 . Em “crime e Castigo” (1917) lamenta-se a pouca variedade de vinhos e a falta imperdoável do “Madeira”.
O vinho não é uma simples e a burgueses opulentos... 24 . Scènes de la Vie de Campagne. Les Paysans, Paris, 1853-55, Etudes Philosophiques. T. 1, La Peau de Chagrin, Paris, La
combinação; é um problema de O vinho de Anacreonte, que o levava a coroar- Muse du Département, Paris : Garnier, 1970, [La] Peau de Chagrin, Paris : Garnier, 1967.
25 . Verne, Jules, [Les] Enfants du Capitaine Grant, Paris, Hachette, 1930
gosto, é um alimento e um grande se de rosas quando esvaziava a última taça, não 26 . Justine, ou Les Malheurs de la Vertu, Paris,
agente terapêutico de primeira seria um malvasia de cuja casta vieram para a 27 . Vingt ans Après, Paris,
28 . Bel-Ami, Paris, La Parure et autres Contes Parisiens, Paris,
ordem. Madeira algumas cepas ?... 29 . Correspondance, nouvelle éd. augmentée. 8e série, 1877-1880
30 . Mémoires d’Outre-tombe, Paris,
João Augusto Martins, Madeira, Cabo (E. Nunes, Porque me orgulho de ser madeirense, Lisboa, 31 . Titre Lettres de Dupuy et Cotonet / Alfred de Musset, in Revue des Deux Mondes, 1836
Verde e Guiné, Lisboa, 1981, pp.39/41 1951, pp. 27/29) 32 . Proudhon, Pierre Joseph, Système des Contradictions Économiques ou Philosophie de la Misère, Paris: Librairie interna-
tionale, 1872
546 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 547

damente conquistou o paladar dos colonizadores. O movimento de independência da East India Madeira, conhecido na ilha como vinho de roda. A designação inglesa
colónia, na segunda metade do século XVIII, revelou o interesse e valor do vinho, que resulta do facto de o vinho fazer a viagem desde o Funchal às Índias Orientais e o
permaneceu até hoje como brinde à celebração da independência, e de apreciação de retorno a Londres. A dupla passagem pelos trópicos atribuía-lhe um envelhecimen-
muitos dos presidentes. Para os norte-americanos a Madeira foi sempre a ilha do to prematuro do agrado dos ingleses. Já em The Ways of the Hour (1850) o vinho
vinho. O Vinho Madeira está presente aí desde meados do século XVII e cedo se Madeira, certamente o seco, era bebido frio ou com pedra de gelo. Existe uma
impôs o consumo nos meios aristocráticos. No século seguinte o processo de inde- tradição britânica e beber o sercial frio.
pendência e o interesse manifesto de muitos dos presidentes fizeram com que o John dos Passos (1896-1970) é um dos escritores norte-americanos que merece
Madeira se transformasse numa realidade indelével da sociedade e política americana. referência especial merece por ser descendente de madeirenses. Na vasta obra que
Será que os poetas e romancistas foram cativados por esta ambiência em torno nos legou não esqueceu a ilha e o vinho que lhes deu fama.
do vinho Madeira? Será possível encontrar nos retratos do quotidiano referências e Na poesia, os versos constroem-se com o aroma, cor e sabor do vinho Madeira,
a valorização do vinho Madeira? O vinho Madeira é conhecido de todos os letra- sendo assíduas e inúmeras as referências. Apenas nos detemos nos poetas William
dos sejam poetas, romancistas ou ensaístas que fazem fé no dom da pena para exal- Wordsworths (1770-1850)42, Philip James Bailey (1816-1902)43, Percy Byshe Abrelley
tar o valor gustativo. A constância e valorização na literatura testemunham que era (1792-1822). Junta-se, ainda, o escritor, filósofo e naturalista norte-americano Henry
um dado adquirido na sociedade e economia norte-americana. David Thoreau (1817-1862), um dos mais conhecidos ecologistas norte-americanos,
É, aliás, na voz dos romancistas e poetas que se encontram as maiores e mais elo- nos versos não ignora o rubinéctar madeirense44. Silas Weir Mitchell dedicou-lhe
giosas referências ao Vinho Madeira. O Madeira não era um vinho comum ou para dois poemas: A decanter of Madeira, An old man to an old Madeira45.
todos os momentos, pois segundo Gabriel Furman33 usava-se apenas em ocasiões Na dramaturgia dos séculos XVIII e XIX, a exemplo do que havia sucedido com
especiais, como o nascimento de uma criança, casamento ou funeral. Segundo Shakespeare no século XVI, o vinho Madeira é um dos adereços de referência per-
Nathaniel Parker Willis [1806-1867] em Dashes at Life (1845) era conhecido como manentes. Na comédia The Fox Chase (1808) de Charles Breck [1782-1822] a
vinho de casamento, situação que conquistou hoje no Japão. Philip Hone34 nunca paixão de uma personagem pelo vinho Madeira era tanta que tomou 20 cálices. O
havia tomado qualquer outra bebida espirituosa na vida a não ser um ou dois cálices vinho Madeira aparece próximo do Champanhe ou do Burgundy, sempre com
diários de vinho Madeira. epítetos valorativos da apreciação, como bom, excelente ou raridade. Mathews
Alguns dos textos e autores, porque clássicos, são-nos familiares mas raramente Cornelius [1817-1889] em False Pretences refere uma garrafa de Madeira de 1811
dedicamos atenção ao particular da presença do vinho. Todos nos recordamos e (1858). Já John O`Keefle [1747-1833]46 em Wild Oats (1792) prefere decantado. Por
fazem parte das nossas leituras os livros de Alexander POPE (1688-1744)35, Jane fim Benjamin Thompson [1760?-1816] em The Indian Exiles (1801) diz que o médi-
Austen (1775-1817)36, Charles Dickens (1812-1870)37. Herman Melville (1809-1849)38, co lhe prescreveu uma garrafa de Madeira, ficando apreciador para toda a vida.
Walter Scott (1771-1832)39, Edgar Allan Po (1809-1849)40, mas quem terá notado o Algumas das publicações periódicas de prestígio do século XIX e princípios do
interesse que lhes despertou o Vinho Madeira. Richard Penn Smith (1799-1854) em século XX insistem na referência frequente ao vinho Madeira. Isto deverá ser demon-
the Forsaken: A tale (1831) refere a disponibilidade de muitas pipas de bom vinho strativo de que o Madeira era um dado do quotidiano e não podia ser ignorado47. As
velho da Madeira, enquanto que para Roberta Sumiu Surtees (1805-1864) em indicações alargam-se a todo o tipo de publicações, abarcando os livros de culinária48,
Hades Cross (1854) bastava uma garrafa de malvasia da Madeira. Já agora, da próxi- os manuais de bons costumes e etiqueta49 e os tratados de medicina50. No último caso
ma vez que ler Black House (1853) de Charles Dickens não se esqueça que é dava-se razão à tradição que apontava as qualidades profiláticas do vinho.
agradável beber o Madeira com pão doce e pudim.
James Fenimore Cooper (1789-1851)41 em A float and Ashore (1844) refere o
42 Complete Poetical Works (1888)
43 . Em Festus (1877)
33 .
Antiquities of Long Island, N. York, 1874, p.160 44 Collected Poems(1964)
34 .
Philip Hone, The Diary of Philip Hone 1828-1851, vol. I, N. York, 1889. 45 . Publ. por Edmund Clarence Stedman (ed.), An American Anthology, 1787-1900 (1900).
35 .
The Works of Alexander Pope, Philadelphia, 1864, p.490 46 . Mais referências em: The Dead Alive (1783), The Son-in-law (1783), The World in a Village (1793).
36 .
Emma (1816), Mansfield Park (1814). 47. Magazine of Domestic Economy (1927-39), The New England Magazine(1892), Pitman’s Monthly Magazine (1854), The
37 .
O vinho da Madeira surge em: Bleak House (1853), Dombey and Son (1848), The Life and Adventures (1844), Little Bay State Montly (1885), Harpers New Montly Magazine (1852, 1854, 1878), New England Angale Review (1860), The
Dorrit (1857), Our Mutual Friend (1865), The Postumous Papers (1837). Century Popular Quartely (1885), The Living Age (1857), The Atlantic Montly (1884, 1872), Harpers New Magazine (1856),
38 . Em: White-Jacket(1850) The New England Magazine (1900), The North American Review (1824).
39 . Em: The Antiquary(1815) 48 . Grace Clergue Harrison: Allied Cookery (1916),
40 Em: The Narrative of Arthur Gordon Pym of Nantucket (1838). 49 . A Manual of Politeness (1837), Sophie Orne Johnson: A Manual of Etiquette (1873), Clara S. J. Bloomfield-Moore, Sensible
41 . As referências ao vinho Madeira surgem ainda em: The Chainbearer (1845), The Deerslayer (1841), Homeward Etiquette (1878), William A. Alcott: The Young Housekeeper (1846)
Bound(1838), Lionel Lincoln (1824), The Pioneers(1823), Precaution (1820), The Redskins (1846), Satanstoe (1845), 50 . Edward Parrish, A Treatise on Pharmacy, Philadelphia, 1865, p.819; H. Beasley, The Druggist General Receipt Book,
The Spy (1821) The Ways of the Hour (1850), Elinor Wyllys (1846) Philadelphia, 1857, p.193; Joseph H. Pulte, Homeopatic domestic Physician, N. York, 1856, p.52.
548 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 549

Representação do
afogamento do Duque
de Clarence na Torre
FALSTAFF de Londres.

Shakespeare Por outro lado nas Canárias existe outra opinião defensora da origem canária do
Malvasia em que se afogou o duque de Clarence. A ideia parte da referência
A vida politica inglesa, no século XV, foi marcada por várias disputas entre os anacrónica lavrada na obra de Shakespeare, nomeadamente nas peças As Alegres
Lencastre, Yorks, Tudors e Angevins pela posse do ceptro real. Shakespeare ficou comadres de Windsor e Henrique IV. Em ambas relatam-se acontecimentos data-
fascinado por esta ambiência sanguinolenta apresentando nas peças teatrais uma dos de épocas anteriores à afirmação da hegemonia castelhana em Canárias. Note-
visão impressionista da época. Foi neste contexto que surgiram as primeiras refe- se que só em finais do século ficou assegurada a posse do arquipélago pela coroa de
rências ao vinho da Madeira. Em 1478 Eduardo IV, rei de Inglaterra, ordenou a exe- Castela e apenas a partir de então se iniciou o aproveitamento económico, com
cução de Jorge Plantageneta, Duque de Clarence, irmão do futuro rei Ricardo III socas de cana e videiras da levadas da Madeira em 1480. A anacrónica presença do
(1483-85) por atentar contra a soberania. De acordo com a lenda preferiu morrer vinho de Canárias em situações anteriores ao cultivo resulta do facto de Shakespeare
afogado numa pipa de Malvasia. Um século mais tarde Shakespeare ao dramatizar ter misturado na obra ambiências da época em que viveu [1564-1616] com situações
a vida de Ricardo III, irmão do malogrado duque, retomou o acontecimento, anteriores. A dúvida subsiste quanto à origem do vinho predilecto do duque de
retratando-o no cenário da Torre de Londres. A par disso coloca noutra peça, Clarence: será da Madeira, das Canárias, ou mesmo do Mediterrâneo? A questão
Henrique IV, o herói, John Falstaff, a vender a alma por um copo de Madeira e uma não é de fácil resposta, pois a Inglaterra, como sempre carente de vinho, foi busca-
perna fria de capão. Os textos ingleses insistem na referência à obra do dramaturgo lo ao Mediterrâneo, onde o Malvasia era o mais solicitado. A partir de meados do
como forma de valorizar o vinho Madeira. Ambos os episódios são referidos por século XV a Madeira entrou em concorrência com estas áreas.
diversos autores, sendo associados ao vinho da Madeira51. Aqui fica demonstrada o grande valor apreciativo atribuído ao vinho malvasia da
Madeira, sendo opinião insuspeita, uma vez que é transmitida, de viva voz, pelos vi-
51. S. G. w. Benjamin, the Atlantic Islands as Resort of Health and Pleasure, NY, 1978, in Alberto Vieira, História do Vinho da sitantes do Mediterrâneo. A malvasia da Madeira ganhou fama no mercado europeu
Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, p. 374; H. Vizetelly, Facts About port and Madeira, London, 1880, in Alberto
Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, pp.376, 397; D. Embleton, A Visit to Madeira…, e, desde muito cedo, começou a ser exportada para a Europa, nomeadamente para
London, 1882, in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, p.401
550 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 551

Inglaterra. A abertura do mercado inglês deve ter resultado das dificuldades de


abastecimento no Mediterrâneo Já no século XV o vinho da Madeira surge à mesa
da casa real e principais famílias inglesas, o que justifica a presença na obra de
Shakespeare. Daqui resulta que o malvasia em que se afogou o Duque de Clarence
era madeirense, embora não esteja referenciada a origem. As condições aludidas
assim o indicam.
A referência da obra de Shakespeare ao vinho da Madeira testemunha a
importância que o vinho da Madeira assumiu no mercado londrino como a bebida
preferida da aristocracia e casas reais europeias. O Madeira, brindado nos momen-
tos de alegria foi também companheiro dos momentos de aflição. Assim da con-
quista dos salões e palácios de Londres sulcou os oceanos e firmou-se nas impo-
nentes vivendas das colónias britânicas a Ocidente e Oriente.

Personalidades históricas e o Vinho Madeira


Os mais assíduos elogios ao vinho Madeira foram ditados no século dezoito, a
época dourada. Foi a partir daqui que ganhou inúmeros apreciadores que teimavam
em exaltar as propriedades e a preferi-lo a todos os outros ou demais bebidas
alcoólicas. A adoração pelo Madeira foi grande nos Estados Unidos da América do
Norte. Na boda de George Washington em Maio de 1759 os convivas regalaram-se
com o Madeira. John Adams afirmava no diário que sempre bebeu grande porção
de Madeira, não vendo nenhum inconveniente nisso, sendo diferente de todos os
outros mantendo-se salutar e agradável no calor de Verão ou no frio do Inverno. sença é sempre no sentido da exaltação, por força da experiência pessoal ou do Vista do Funchal com latada.
Gravura do séc. XIX.
Thomas Jefferson não atraiçoou a preferência dos predecessores e mesmo em Paris testemunho de outros, nomeadamente de destacadas personalidades. A partir daqui The ilustrated London News,
não prescindia do Madeira, por ser de superior qualidade e o melhor. Com ele se torna-se evidente o papel que jogou no quotidiano. O Madeira é referido como um 22 de Janeiro de 1859

celebrou a independência, acto que é anualmente recordado da mesma forma. vinho de superior qualidade ao lado do Jerez, Porto ou Marsala, encontrando-se no
Os europeus, levados pela exaltação dos políticos americanos, despertaram de grupo de vinhos solicitados pela alta sociedade.
novo para o vinho Madeira, chovendo elogios em catadupa. O Madeira não foi ape- Uma breve incursão pelas fontes literárias revela que a História não se pode
nas companheiro dos grandes momentos festivos e de euforia, pois postou-se de resumir apenas às fontes oficiais disponíveis nos arquivos. Caso haja interesse em
guarda aos possíveis apreciadores em momentos de dificuldades e solidão, como reconstituir o quotidiano de uma época ou região é necessário ir ao encontro de
sucedeu com Napoleão Bonaparte. O deposto imperador recebeu das mãos do côn- outro tipo de registos, como é o caso da Literatura, que permite reforçar e esclare-
sul britânico uma pipa de Madeira, que foi companheira de exílio em Santa Helena, cer o ambiente que rodeia os eventos e épocas históricas em que o vinho Madeira
até à morte. O General, talvez receoso de segundas intenções da oferta, nunca esteve presente.
provou o vinho e após a morte em 1820, o cônsul pediu a devolução, o que ocor- A maior evidência da presença e importância do vinho na economia da ilha são
reu passados dois anos. Com o vinho da volta fez-se uma importante garrafeira para as manifestações artísticas a partir do século XVIII. Os motivos relacionados com o
gáudio dos coleccionadores, sob o título de Battle of Waterloo. W. Churchill, quan- vinho, em pinturas murais e gravuras dão-nos o retrato do processo vitivinícola e evi-
do em 1950 fez férias na Madeira, teve oportunidade de apreciar o vinho que denciam o trabalho hercúleo do madeirense. Os maiores reflexos encontram-se na
Napoleão nunca bebeu. arquitectura do Funchal, onde o vinho foi o principal financiador do processo de
O quadro das referências ao vinho Madeira na literatura reforça a ideia da transformação da urbe a partir do século XVIII. Daqui resultou a ideia o Funchal
importância que assumiu na economia e sociedade dos mercados em causa. A pre- se transformou na cidade do vinho.
552 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 553

Pormenor de Pintura de MAx Römer. Sala de Provas de H. M. Borges

Garrafas de vinho velho. Madeira Wine Company

O vinho da Madeira é um vinho de dessert. Ainda que o Duque de Clarence, conde-


nado à morte, preferisse afogar-se num tonel de Malvasia da Madeira, como suplício final,
este trágico pormenor histórico ainda mais avoluma a reputação do produto - e a sua
fama e o seu nome mais se propalarem no mundo. Jorge IV da Inglaterra tornou-o o mais
chic e de maior renome. O Rei Eduardo, ao tomar conta da coroa britânica, verificou com
satisfação que estavam cheias de preciosos vinhos da Madeira as caves do Palácio de Pormenor de painel de
Buckingham. Era, a tal ponto, precioso e singularmente aromático, que a moda do tempo azulejo no Largo António
em toda a Grã-bretanha, nas festas da coroa e da aristocracia, fê-lo perfume mundano, Nobre no Funchal. C. A.
Moutinho. Fábrica de
deitado nos lenços, às gotas, e, com ele, aromatizando-se as mãos, como se fora um raro
Sacavém. 1930.
e inebriante perfume.
Para que fosse único em todo o orbe, para que se distanciasse sempre de qualquer
O vinho na história e património
assimilação, era, então, colocado nos navios que demandavam o porto do Funchal e
neles davam a volta ao mundo, para que, nas zonas do Equador, ganhassem a estufagem
que, mais tarde, a indústria superou. E talvez porque Shakespeare quisesse que uma das O vinho é motivo de expressão plástica como ilustração científica ou memória
suas personagens trocasse a alma por um cálice de Madeira, entra na cura de diversís- fotográfica do primeiro contacto, mas foi na arquitectura urbana onde mais se sen-
simas doenças e restitui energias morais e físicas. Aromático, doce, encorpado, cor de
topázio-claro, verdadeiro oiro líquido, velho como a colonização portuguesa da ilha, é tiu a influência. A riqueza que o comércio gerou permitiu a todos os intervenientes
capaz de congraçar no mesmo gosto homens e mulheres - escreve António Batalha Reis. os meios necessários para construir majestosos palácios, quintas e recheá-los de
É oferecido a Reis e a Príncipes Regentes, a Chefes de Estado e a ministros, a senhores mobília de influência britânica.
feudais e a burgueses opulentos...e - forte paradoxo! - a uma Miss Portugal oriunda das A primeira evidência artística relacionada com o vinho aparece na Sé do Funchal,
regiões congéneres do Douro... uma construção de princípios do século XVI. O medalhão de fecho da abóbada
O vinho de Anacreonte, que o levava a coroar-se de rosas quando esvaziava a última
taça, não seria um Malvasia de cuja casta vieram para a Madeira algumas cepas?... apresenta um cacho de uvas com duas parras. Já no cadeirado do Altar-mor as cenas
bíblicas misturam-se com as do quotidiano, em que o vinho assume uma posição
Eduardo Nunes ( 1951 ) dominante através das figuras do fabricante de odres e o bêbado.
554 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 555

Bebendo vinho. Cadeirado da Sé do Funchal. Enchendo o barril.


Colecção do autor. Cadeirado da Sé
do Funchal.
Colecção do autor
coberta do paraíso. Os tratados científicos apostavam na divulgação nos meios eru-
ditos europeus. As técnicas de classificação das espécies da fauna e flora tiveram
aqui um espaço ideal de trabalho. Hoje a riqueza do acervo pictórico da ilha é-lhes
devedora, existindo valiosas colecções: Andrew Picken (1840), Rev. James Bulwer
(1927), P. H. Springett (1843), J. Selleny, Susan V. Harcourt (1851), Frank Dillon
Vista do Funchal.
Colecção do autor. (1856), R. Innes, Johan F. Eckersberg. Os temas são comuns a todos os interve-
2002
Aguarelas, estampas e desenhos nientes. O Funchal apresenta-se através da baía e do deslumbramento do casario em
várias perspectivas ou nos pormenores mais característicos da arquitectura - A Sé,
A maior parte das gravuras madeirenses conhecidas são do século XIX e de mão Os Conventos de Santa Clara e S. Francisco. Quanto ao interior da ilha manteve-se
inglesa. De centúrias anteriores estão documentadas apenas seis. A maioria situa-se constante através de imagens: Cabo Girão, Curral das Freiras, Encumeada,
no curto período de pouco mais de trinta anos (1821-1858). As gravuras fazem parte Boaventura, Rabaçal.
de registos de viagem ou de tratados científicos. A visão é atenta e em alguns casos parece-se com um registo fotográfico. As ima-
A Madeira foi um eixo fundamental da navegação e contactos entre a Inglaterra gens aproximam-se da realidade e o quadro enche-se, por vezes, com dados de
e as colónias na América e Índico. A ilha transformou-se numa estância de turismo observação directa. A vegetação é rainha logo seguida das quedas de água. Em quase
terapêutico que acolheu doentes da tísica de diversas proveniências. Aristocratas, todos o homem é uma presença obrigatória. A pose é de contemplação e êxtase face
cientistas e aventureiros acudiram à procura do clima ameno para alívio e cura das as belezas que o rodeiam e raramente de integração no conjunto, anichando-se
doenças, aproveitando a estância para descobrir as paisagens, riqueza e variedade da quase sempre no canto esquecido. Em algumas estampas e gravuras é possível
flora. descortinar com pormenor algumas espécies arbóreas, como é o caso das que
A Madeira entrou rapidamente no universo da ciência europeia dos séculos assumem valor alimentar, como a vinha e a bananeira, seguindo-se o dragoeiro.
XVIII e XIX, sendo ambas as centúrias momentos assinaláveis de descoberta do Toda a tenção estava desviada para a natureza selvagem.
mundo através do estudo sistemático da fauna e flora. Podemos assinalar dois tipos Os retratos do quadro natural madeirense são variados nos motivos e por-
de produção literária com públicos e incidências temáticas distintas. Os textos turísti- menores que enquadram e dão harmonia ao conjunto. A atenção estava voltada
cos, guias e memórias de viagem apelavam o leitor para a viagem de sonho e redes- para as encostas onde o casario se entrelaçava ou não com o arvoredo. O céu, a luz,
556 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 557

sos pintores e desenhadores


europeus, nomeadamente ingleses,
que tiveram oportunidade de visitar
a ilha. Os principais motivos pren-
dem-se com aspectos particulares da
faina vitivinícola: lagar, borracheiros
e balseiras. Os dois últimos elemen-
tos são os mais abundantes em toda
a iconografia como se pode compro-
var do acervo disponível nos Museus
da Quinta das Cruzes e Frederico de
Freitas no Funchal52.
A mais completa colecção de
gravuras sobre o vinho encontra-se
no livro de Henry Vizetelly53, sendo
da pena de Enst Vizetelly. Henry
Vizetelly (1820-1892) foi correspon-
dente do Ilustrated London News,
dedicando-se parte da vida à publi-
cação de livros sobre o vinho. Em
1887 uma casa editora para a edição
de traduções de clássicos franceses e
russos. O livro que publicou em
1880 não é mais do que uma
reportagem sobre os vinhos do
Porto Madeira e Canárias enquadra-
Altar-mor da Sé do Funchal.
Colecção do autor.
não pertenciam ao universo dos artistas, pois aquilo que chamava à atenção são as se no plano de publicações sobre o
encostas e o litoral abruptos onde se anicham as quedas de água, o homem, o tema em que se incluem o Sherry.
casario e o arvoredo. O último está ausente das encostas e vistas próximas à cidade Foi em pleno século XX que se
do Funchal, escalvadas para mostrar os efeitos da acção do homem. Só quando se conseguiu o mais imponente registo
entra no interior, na Encumeada, Curral das Freiras, Boaventura e S. Vicente a flo- da faina vitivinícola pela mão de
resta domina o pincel do artista. O Sul encontrava-se cheio de motivos e dominado Max Romer. Max Romer (1878-
pela presença do homem em conjugação com o casario e pontes. 1960), um alemão refugiado na
O vinho tem expressão plástica particular no cadeirado da Sé do Funchal onde Madeira em 1922, nas encomendas
são visíveis os borracheiros e bebedores de vinho, o que prova a importância que realizadas para a Madeira Wine Cº e Aspecto da Sé do Funchal.
assumia já em princípios do século XVI. Os cachos e parras fazem parte da gramáti- H. M. Borges & Cº deixou o retrato Colecção do autor
ca decorativa do barroco. Os motivos de talha dourada estão presentes na Igreja do impressionista do quotidiano da
Colégio, obra de Brás Fernandes, construída pelos Jesuítas no decurso do século vinha e do vinho54.
XVII. A talha com motivos alusivos ao vinho só marcará presença num conjunto de
mobília de sala existente nos escritórios da Madeira Wine Company à Rua dos
Ferreiros e no Museu da Quinta das Cruzes. 52 . Estampas, Aguarelas e Desenhos da Madeira Romântica, Funchal, Casa Museu Frederico de Freitas, 1988.
53 . Facts About Port and Madeira, London, 1880
O quotidiano do vinho, nos séculos XVIII e XIX, é retratado pela pena de diver- 54. Eberhard Axel Wilhelm, Max Romer(Postais Madeirenses Percorrem o Mundo), in Atlântico, 14, 1988, pp.113-122.
558 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 559

A
A arte e o vinho
Os séculos XVIII e XIX foram momentos de valorização da arquitectura e arte
madeirenses. A ilha, após as dificuldades da crise açucareira, esteve de novo envol-
ta num momento de fulgor gerado pelo vinho. A aposta na cultura da vinha e a
valorização do vinho no mercado consumidor colonial conduziram inevitavelmente
à riqueza, usada em benefício próprio pelos intervenientes. Os proprietários de vi-
nhas aformosearam as casas de residência. Os mercadores, nomeadamente ingleses,
transformaram as vivendas de sobrado em lojas e escritórios onde os negócios se
entrecruzavam com o convívio e lazer.
Os artefactos ingleses invadiram o mercado madeirense dando-nos os meios de
conforto diário. O gosto pelo clássico está presente nas construções e decoração de
interiores. A tosca e utilitária mobília, muitas vezes feita de madeira que do Brasil
transportava o açúcar para a ilha, deu lugar a outra estilizada. A mobília
Chippendale e Hepplewhite - sofás e cadeiras - dá o toque de classe e compõe o
ambiente para os saraus dançantes ou do chá das cinco. Os museus da Quinta das
Cruzes e Frederico de Freitas são hoje depositários de alguns dos exemplares que
resistiram ao uso secular.
O espaço interior é valorizado e transformado, uma vez que a casa é o principal
centro de convívio. Surgiram salas amplas ou salões de música que foram palco de
festas e saraus dançantes. Os tectos são cobertos de estuques profusamente traba-
lhados e muitas vezes pintados. As decorações alusivas às cenas da Grécia e
Pompeia, criadas por Roberto e James Adam, são a principal evidência e tiveram na
casa de capitão Eusébio Gerardo de Freitas Barreto, hoje sede do Tribunal de
Contas no Funchal, a mais perfeita expressão55. Isabella de França56 testemunha em
meados do século XIX o quotidiano interior na descrição que faz de um dos bailes
em que participou na casa do cônsul inglês.

55. Alberto Vieira, Marconi Comunicações Globais. Madeira, Funchal, 1995, pp.131-171.
Praça de Colombo. Colecção do autor. 2002 56. Jornal de uma Visita à Madeira e a Portugal. 1853-1854, Funchal, 1970
560 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 561

Torre avista navios.


Colecção do autor. 2002 Como notava John Ovington em 168957 as casas são feitas sem grande dispêndio O século XIX foi o momento em que o madeirense dedicou toda a atenção à
ou esplendor; nem por fora se distinguem pelo embelezamento artístico nem casa como o corroboram alguns testemunhos de estrangeiros. Em 181961 o autor de
interiormente se apresentam ricas de ornamentos e mobiliários; algumas atingem An Historical Sketch dá conta de que ultimamente tem melhorado a arquitectura
uma razoável altura mas sem outra característica de grandeza. O mesmo releva a das casas pois os edifícios modernos são geralmente belos, quase sempre cons-
simplicidade das portas e janelas e a ausência de vidros, situação que foi colmatada truídos de pedra, rebocados e caiados; a maioria das casas das pessoas nobres são Torre avista navios. Colecção do
estucadas no interior e muitas são elegantes e na maior parte dos casos belamente autor. 2002
no século XVIII, altura em que surgiram as janelas de guilhotina. A influência da
classe mercantil ligada ao comércio do vinho foi evidente. Em 1772 J. Forster58 dis- mobiladas à inglesa.
tinguia as casas dos mercadores ingleses pela presença das janelas de vidro. Já Maria Ainda no século dezanove um outro pormenor da arquitectura da cidade chama
Riddel59 notava que a maioria dos negociantes tem pequenas casas de campo nas à atenção dos estrangeiros. São as torres avista navios que se erguem altaneiras por
encostas, rodeadas de jardins e vinhedos o que confere um efeito muito aprazível à cima dos telhados. Estas, a exemplo da casa de prazeres e dos balcões, são espaços
paisagem. de lazer, de namoro, intriga e observação do porto. A fachada dos edifícios apre-
Na cidade a evolução da arquitectura foi rápida, procurando corresponder às senta-se ornada de cantarias trabalhadas, tendo a porta principal quase sempre enci-
exigências dos novos ocupantes. Ao lado das casas térreas surgiram as de sobrado, mada pelo brasão de armas da família. No século XVII apareceram os óculos para
de um ou mais pisos. Nos arruamentos dos ofícios o rés-do-chão era reservado para entrada de luz no rés-do-chão enquanto na centúria seguinte as janelas foram prote-
loja, tenda e oficina, sendo o piso habitado pelo mestre e o sótão pelos oficiais e gidas de persianas ou tapa sóis. Os assaltos de ladrões e corsários faziam levaram a
aprendizes. O mesmo sucedia com os mercadores que tinham no piso térreo a loja que as portas fossem reforçadas com ferro e as janelas do rés-do-chão gradeadas.
ou armazém e o sobrado para habitação. Gaspar Frutuoso60 no retrato que fez do O pormenor mais evidente da arquitectura urbana estava nas torres de ver-o-mar
burgo em finais do século XVI destaca as casas dos principais, como a de João ou avista navios, que para alguns é de origem árabe e outros afirmam ser de origem
Esmeraldo com seu aposento, antigo, muito rico, com casas de dois sobrados e italiana. Chama-se a atenção para a incidência em cidades portuárias sendo de
pilares de mármores nas janelas, e em cima seus eirados com muitas frescuras. referir a propósito Cádis e São Luís do Maranhão. No Funchal a maioria das casas
que ostenta a referida torre é do século XVIII e ainda hoje persistem algumas a
57 . António Aragão, A Madeira Vista por Estrangeiros, Funchal, 1981, pp.158, 197-198 testemunhar a função de espaços de observação do mar, ou de cumplicidade entre
58 . Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, p336
59 . Voyage to the Madeira… Edimburgo, 1792
os frequentadores. Papel semelhante teve a chamada casa de prazeres, situada nas
60 . Livro Segundo das Saudades da Terra, Ponta delgada, 1979, p.112
562 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 563

quintas em locais estratégicos virados para o mar ou à rua próxima. O balcão e as


varandas cobertos de latadas com as folhas e cachos de uvas são outro elemento
característico que torna o espaço aprazível ao convívio da casa.
Muitos dos prédios que se anicham nas ruas vizinhas do cabrestante e da alfân-
dega, foram o alvo preferencial dos mercadores estrangeiros que chegaram ao
Funchal, no século XVIII atraídos pelo comércio do vinho. As pequenas casas tér-
reas foram demolidas para dar lugar às de sobrado servidas de amplas caves para as
pipas, sobrados de habitação e escritórios. Uma imponente fachada ornada de
cantarias e ferragens, uma torre avista-navios davam o toque característico da arqui-
tectura do vinho na ilha.
As actuais instalações do Tribunal de Contas são um exemplo disso. Sabemos
que João Esmeraldo, mercador flamengo, construiu em finais do século XV
defronte do imponente palácio umas casas térreas para os serviços de apoio. Foi
aqui que Eusébio da Silva Barreto fez construir outras de sobrado, onde se instalou
após o casamento a 27 de Maio de 1686. A 23 de Março de 1718 o proprietário ver-
gava sobre os efeitos da doença e velhice. Morreu, deixando um vasto património
que foi dividido pelos herdeiros. Nicolau Geraldo de Freitas Barreto deverá ter her-
dado o imóvel da Rua do Esmeraldo onde fez pintar na capela o brasão de armas, Tecto de estuque pintado da
que recebeu em 173162. sala de dança de edifício da
Rua de João Esmeraldo.
Em 1794 as casas passaram para as mãos de Lamar Hill Bisset & Co. A
transacção marca o início de uma nova fase da rua. O comércio do vinho estava no tados. Mas, de novo começaram a surgir dificuldades aos inquilinos. A contracção
auge e quase todos os edifícios reservados a armazém de vinhos e algumas das prin- do mercado do vinho desde os inícios do século dezoito e as crises de produção
cipais casas comerciais pertencentes a súbditos ingleses tinham aí ou nas proximida- motivadas pelo oídio (1852) e filoxera (1872) deram o golpe de finados e à deban-
des as instalações. A atracção estrangeira surgiu em 1704 com Benjamim Hemingl dada dos ingleses. Elisa Jennet Duff, viúva de James Adam Gordon Duff, optou em
que alugou os velhos aposentos de João Esmeraldo a Agostinho Dornelas e 1875 pela venda dos aposentos à Sociedade Cooperativa de Consumo e Credito do
Vasconcelos. Em 1727 foi a vez de John Bissett, seguido do Dr. Richard Hill, que Funchal SARL, representada por personalidades ilustres da cidade: José Leite
em 1739 montou o escritório no número 39. Em1802 juntou-se a firma Newton Monteiro, Manuel José Vieira e Augusto Mourão Pitta. O imóvel foi em 1916 ven-
Gordon, Murdoch & Co que arrematou em praça pública um prédio da Miseri- dido a José Figueira Júnior por quarenta contos. Termina aqui a fase de ampliação
córdia por 1150$000rs. Depois tivemos Gordon Duff & Co, que comprou o imóvel e engrandecimento iniciando-se a de prolongada decadência.
de José do Egipto da Costa, foreiro da Santa Clara, por 3626$700rs. Em data que O transeunte que percorre as Ruas da Carreira, Netos, Pretas, Mouraria, Mercês,
desconhecemos Gordon Duff & Co adquiriu o prédio que fora de Nicolau Geraldo Nova de S. Pedro, Conceição, Aranhas, Ferreiros, João Gago depara-se com prédios
à firma americana, Hil Bisset & Co e ampliou com os granéis fronteiriços do lado de fachadas rendilhadas em cantaria negra, rasgados por inúmeras janelas servidas
do Beco do Assucar de Nuno de Freitas Lomelino. Ambos foram vendidos em de varandas em ferro forjado. Apenas aos que encontram as portas franqueadas é
1859, por 3800$000rs a James Adam Gordon Duff, ficando o edifício que o con- possível redescobrir os tectos de estuque pintado.
frontava a norte na posse da viúva. O acto de venda teve lugar no número doze, per- Dos diversos imóveis que a riqueza do vinho fez erguer merecem a nossa aten-
tencente à propriedade da viúva do proprietário do imóvel transaccionado onde ção: O Palácio de S. Pedro, hoje Museu Municipal, que se ergueu para residência
vivia Diogo Bean. Pelo menos em 1855 usufruía de todos os aposentos para residên- do Conde de Carvalhal; os paços do Concelho do Funchal, conhecido também
cia e escritório. como Palácio Torre Bela. Em todos é evidente a mesma estrutura volumétrica. Uma
Na posse de James Adam Gordon Duff o edifício foi alvo de algumas alterações fachada imponente dá entrada para um grande pátio coberto de latada que serve de
no espaço interior, sendo da época a construção da sala de música e os estuques pin- logradouro comum às diversas arrecadações: lojas de fermentação e envelhecimen-
to do vinho, a oficina de tanoaria, a estufa. O bom gosto e o cuidado com que alguns
62 Alberto Vieira, Marconi Comunicações Globais. Madeira, Funchal, 1995, pp.131-171.
564 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 565

Edifício da Câmara do Funchal. 2002 Quinta Vigia. Actual sede da Presidência do Governo Regional.2002

Palácio de S. Pedro. Casa de H. Veitch no


souberam combinar todos os elementos não passaram despercebidos ao olhar aten- As quintas são uma criação madeirense, mas foram os ingleses que, a partir do Jardim da Serra.
2002
to de Henry Vizetelly, afirmando na casa de Blandy Brothers que estava perante um século XVII, as transformaram em locais de aprazível convívio. Os espaços que con-
verdadeiro museu de vinho tornam a habitação foram revestidos de jardins coloniais, transformados em viveiros
A anglicização do Funchal só foi possível pela importância que assumiu para os de plantas e flores exóticas. Ao longo do tempo evocam-se diversas funções: casas
súbditos de Sua Majestade o comércio do vinho. A presença da comunidade de habitação, hotéis e pousadas que acolhem os estrangeiros em busca de cura para
britânica foi e ainda é importante. Aos ingleses se deve a definição do rumo para o a tísica pulmonar ou de passagem para as colónias. No Funchal encontrava-se o
vinho, de que foram os princípios apreciadores e beneficiários. A arquitectura maior número de quintas alinhadas de modo perfeito ao longo da encosta ou numa
urbana é testemunho disso através da Igreja Anglicana, do Cemitério, do edifício do linha circular a meia-encosta, alternando entre espaço de habitação e de veraneio.
Instituto do Vinho da Madeira e algumas quintas. O Monte e a Camacha são merecedores da nossa atenção pelo número de residên-
Na cidade as casas térreas deram lugar a imponentes palácios, casas de habitação, cias de Verão, tendo alguém dito, a propósito disso, que o Monte era a Sintra
escritórios e lojas de comércio. Os arrabaldes ganharam vida com a proliferação das madeirense. As quintas Vigia e do Palheiro sobressaem entre todas. A primeira, que
quintas, uma criação madeirense e a expressão volumétrica da importância de algu- se enquadrava num conjunto de quintas geminadas sobranceiras ao mar (Angústias,
mas das famílias madeirenses. Aqui, o espaço de lazer conjuga-se com o sector pro- Vigia, Pavão e Bianchi) foi a principal morada de acolhimento da aristocracia euro-
dutivo, ligados por um jardim e a mata. Com os ingleses perderam o carácter rústi- peia (Rainha Adelaide de Inglaterra (1847-1848), Duque Leuchtenberg (1849-1850),
co e transformaram-se em espaços aprazíveis servidos de amplas ruas e jardins de Imperatriz do Brasil, D. Amélia (1852). A última, já fora do Funchal, foi construída
inspiração oriental. pelo primeiro Conde de Carvalhal que também planeou os extensos e variados
A casa de Prazeres é um pequeno pavilhão no canto do jardim que serve para ver arvoredos, sendo considerada a mais extensa da Península Ibérica com 324ha. O
a vista, sendo espaço de convívio das senhoras nas tardes solarengas. A Casa da recinto serviu de palco a grandes recepções as ilustres visitantes que demandavam a
Calçada, hoje Museu Frederico de Freitas, ostenta ainda a Casa de Prazeres. ilha na centúria oitocentista, destacando-se: em 1817 da Imperatriz Leopoldina do
Estamos perante mais um contributo inglês que vai buscar as origens à house of Brasil, em 1858 do infante D. Luís e em 1901 do rei D. Carlos e Rainha D. Amélia.
pleasure, isto é, os sumptuosos pavilhões orientais que na Madeira se adaptam à Muitas quintas mudaram de mãos no século XVIII. Os ingleses, enriquecidos
condição especial de mirante. com o comércio do vinho, fizeram diversos investimentos fundiários, com especial
566 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 567

Casa de Prazeres. Casa-Museu Frederico de Freitas. 2002 Quinta do Palheiro


Ferreiro. 2002

Quinta da
Palmeira. 2002 destaque para as quintas e serrados de vinhas. Alguns transformaram as habitações Os resultados da transfiguração foram evidentes na cidade e meio rural. Nas casas
adquiridas em amplas quintas ajardinadas, enquanto outros, do espaço arável ou de de habitação o novo ergueu-se dos escombros do velho, mas nas igrejas alipu-se de
pascilgo, ergueram imponentes casas. Estão no último caso a Quinta do Vale Paraíso modo perfeito, ficando a testemunhar a evolução e adequação aos padrões de cada
na Camacha de John Halloway, a Quinta do Jardim da Serra, Calaça e do Santo da época. Os elementos arquitectónicos e decorativos que marcaram a opulência açu-
Serra de Henry Veitch, a Quinta do Monte de James David Gordon. Das demais careira convivem com os novos gerados pelos excedentes e riqueza do vinho. O que
adquiridas por ingleses podemos salientar: a Quinta do Til propriedade de James terá levado alguns a definirem impropriamente como a arquitectura do vinho. Esta,
Gordon desde 1745 e que em 1933 passou para família Miles; a Quinta da Achada a existir, estará presente apenas nas grandes casas servidas de amplos terreiros onde
desde inícios do século XIX pertença da família Penfeld e que em 1881 passou para repousam as pipas e armazéns e oficinas de tanoaria, como foi o caso de Cossart
a posse da família Hinton; a Quinta do Palheiro do 1º Conde de Carvalhal adquiri- Gordon & Cº na Rua dos Netos, ornadas de latadas e de serrados de vinhedos nos
da em 1885 por J. B. Blandy. arredores da cidade. Henry Vizetelly em 1880 dá como exemplo o serrado de S.
Alguns dos britânicos que tiveram oportunidade de privar nas quintas não se João de W. Leacock.
cansam de exaltar o ambiente encontrado. Em 1778 Maria Riddel não hesita em A arte religiosa dos séculos XVIII e XIX é testemunha e consequência da
afirmar que a maioria dos negociantes tem pequenas casas de campo nas encostas, riqueza gerada pela economia vitivinícola. Os templos ganharam nova vida e
rodeadas de jardins e vinhedos o que confere um efeito muito aprazível à paisagem. riqueza. Em 1714 a Alfândega do Funchal ficou servida com uma capela do orago
Os séculos XVIII e XIX foram marcados por mudanças significativas na arqui- de Santo António. O estado de ruína do edifício de alfândega e a necessidade de o
tectura civil e religiosa. Os templos, porque degradados, eram incapazes de dar aco- ajustar ao movimento marítimo de então levaram a diversas transformações no
lhimento aos cada vez mais numerosos crentes. As habitações de salas acanhadas decurso dos séculos XVIII e XIX.
não servem às exigências de conforto e à vida de portas adentro. Foi assim que
avançou o camartelo sobre a cidade para se erguerem amplas casas sobradas, servi-
das de torres avista navios, e novas igrejas. Algumas contingências tornaram inadiáv-
el a euforia de remodelação arquitectónica. O terramoto de 1746 e as aluviões de
1803 e 1842, com elevados prejuízos nos imóveis, tornaram urgente a intervenção.
568 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 569

Rótulos antigos. Rótulos antigos.


Porto. É o caso da figura feminina, que na Madeira se identifica pelo traje carac-
Colecção da Madeira
Wine Company.
A expressão plástica e temática dos rótulos terístico da viloa, ou é referenciada de uma forma aproximada da imagem da
Colecção da Madeira
Wine Company.
República. O recurso às personagens históricas, ou com grande impacto no momen-
to pelos feitos, é um dado a merecer a atenção. As imagens de D. Dinis e do Infante
Os rótulos são o bilhete de identidade do vinho engarrafado. É a partir deles que D. Henrique convivem com as de Zarco, Colombo, Machim ou Sacadura Cabral.
se identifica o tipo, a idade do vinho, o proprietário e as referências do importador. A figura de Colombo, navegador italiano e descobridor da América, foi recuperada
Os rótulos para além do intuito informativo podem ser vistos como uma forma de pela casa de Vinhos Barbeito Lda, sendo hoje uma das imagens de marca.
publicidade, que ganha uma forma de expressão plástica em cada época63. A mais As figurações e ambientes ligados à faina vitivinícola são também uma realidade.
antiga informação que dispomos ao uso do rótulo de papel é do século XVIII, mas Aqui os serrados de latadas, o borracho, o lagar, o carro de bois são assíduos. Na
foi apenas em meados do século XIX que se generalizaram. Antes disso a identifi- actualidade persiste apenas o lagar como imagem de marca de alguns vinhos da casa
cação do conteúdo era feita por pintura ou através de sinais inscritos nas pipas ou de Artur Barros e Sousa Lda.
nas caixas com garrafas. Os rótulos são no presente mais apelativos, chamando à atenção pelo dourado
São diversos os motivos figurativos usados para ilustrar o rótulo. Às figuras das letras em contraste com o negro ou pelo insistente recurso às cores vivas. A
históricas, como Zarco, D. Dinis e Colombo, associam-se motivos regionais (lagar, imagem dá lugar à palavra e ao impacto provocado pelo contraste das cores, tor-
corsa e paisagens). As medalhas de ouro que premiaram o vinho e o brasão das nando o produto cada vez mais atraente. A arte do rótulo perdeu em motivos dec-
famílias ou da cidade misturam-se com parras e uvas. A imagem da família que o orativos mas ganhou nova imagem com a vivacidade da cor.
comercializava, ou da ilha foram, nos princípios do século XX, os dados mais Nos arquivos das empresas é possível encontrar colecções de rótulos. É de salien-
emblemáticos. Assim sucedeu com a presença dos brasões da família Blandy, tar o acervo da Madeira Wine Company, que reúne os rótulos de todas as empre-
Cossart, Leacock e Krohn64. Nos motivos alusivos à paisagem insiste-se nas sas associadas e a do Instituto do Vinho da Madeira, resultante da entrega de origi-
panorâmicas da cidade do Funchal e da baía de Câmara de Lobos. nais para aprovação pela entidade reguladora.
É evidente a similitude nos motivos usados quer pelo vinho Madeira, quer pelo

63 . Cf. GUICHARD, François, A Linguagem do Rótulo. O Vinho entre o Dito e o não Dito, in Os vinhos Licorosos e a
História, Funchal, 1998, pp.71-80.
64 . Sainz-Trueva, José de, Heráldica de Prestígio em Rótulos de Vinho Madeira, in Islenha, nº.9, 1991, pp.62-69.
570 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 571

P
O vinho
Uma rota com história

Para o forasteiro a descoberta da ilha faz-se por percursos à volta da ilha. O per-
curso entre a Cidade e o Porto Moniz, com passagem obrigatória pelo Cabo Girão,
conduz à revelação do interior e das principais áreas vitivinícolas. Todos ficam
impressionados com a altura e violência das escarpas, esquecendo o esforço e suor
dos primeiros cabouqueiros que cavaram, escarpas acima, os poios e traçaram as
estradas e túneis. Aquilo que mais nos comove é a imagem da força hercúlea do
madeirense, capaz de transformar o rochedo em campos de searas, vinhas e canavi-
ais. A trilogia agrária marcou o devir madeirense e surge como resultado do facto da
ilha ter sido a herança da tradição agro-alimentar do mundo cristão.
Hoje a paisagem perdeu o verde dos canaviais e o dourado dos trigais mas, em
contrapartida, ganhou novo colorido com as latadas que cobrem os socalcos e enga-
lanam os terreiros e frontais das habitações. O percurso até ao alto do Cabo Girão
e depois um breve relance pela encosta que se perde no horizonte até ao Funchal
impressiona. A imagem persiste em quase todo o roteiro entre o Funchal e o Porto
Moniz, sendo apenas esquecida com a violência da encosta a partir de S Vicente.
Perante nós estão cerca de 1900 ha de vinha, correspondendo a 25% do espaço agrí-
cola. Na Primavera os rebentos que brotam das videiras fazem reverdejar os bace-
los. No Verão os cachos pendentes atribuem outro visual. O Outono anuncia-se
com as vindimas, que para além do colorido da apanha da uva, marcam uma nova
mudança na paisagem outonal. As diversas colorações de castanho, que anunciam a
queda da folha, impõem-se por entre as videiras e o escuro do basalto. No arco-íris,
propiciado pelos vinhedos que cobrem as encosta Sul e Norte da ilha, propomos a
Cabrestante. Gravura do século XIX. Colecção da Casa Museu Frederico de Freitas primeira escala da rota do vinho.
572 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 573

O Funchal
A primeira descoberta da ilha acontece no Funchal, a capital da região autóno-
ma e a porta de entrada de e para o mundo. A baía espraia-se num anfiteatro domi-
nado pelo branco do casario e azul do mar. Muitos motivos aguardam o forasteiro
por uma visita. A Sé, e demais igrejas e capelas, os museus, as quintas e jardins, que
preenchem a paisagem de cor e vida, aguardam por uma visita.
Todas as casas de exportadores com sede no Funchal encontram-se em edifícios
seculares com inegável valor arquitectónico. As portas estão franqueadas para uma
visita. O ponto de partida poderá ser o Instituto do Vinho da Madeira à rua Cinco
de Outubro. Perante nós está um edifício imponente que pelas formas arquitectóni-
cas de matriz inglesa que chama de imediato à atenção. Na cave um museu alusivo
ao vinho da Madeira assegura a primeira descoberta da realidade vitivinícola.
Na Rua dos Ferreiros, entre as imponentes fachadas de edifícios de antigas casas
de vinhos, encontramos duas empresas em funcionamento, que mais nos parecem
um museu vivo: Artur Barros e Sousa Lda. e Pereira D’Oliveiras. Continuando o
percurso chegámos às afamadas adegas de S. Francisco, da Madeira Wine
Company, que também merecem com propriedade o mesmo epíteto. Adiante, na Vinhedos no Estreito
Avenida Arriaga, está a Biblioteca Barbeito de Vasconcelos, onde o vinho se con- de Câmara de Lobos.
Colecção do autor.
funde com a tradição histórica madeirense e de Colombo. 2002
O percurso à volta da ilha inicia-se na costa Sul e tem na cidade de Câmara de
Lobos. A visão do miradouro do Pico das Torres é uma magnífica janela aberta vasia da ilha. Ainda hoje os proprietários procuram resgatar a tradição do tão afama-
sobre o mar e para a encosta de vinhedos do Estreito. No sítio das Preces, está o do vinho.
primeiro campo experimental de castas tradicionais do percurso. Aqui procura-se Chegados à Ribeira Brava o espectáculo é outro. Os vales dão lugar às escarpas.
conjugar a tradição com a experiência e inovação. Na subida da encosta até o Perante nós apresenta-se um vale profundo, dividido por uma ribeira que no leito
Estreito de Câmara de Lobos a paisagem transforma-se dando lugar a escarpas mon- aloja a vila. O património artístico da vila é valioso e encontra-se bem conservado.
tanhosas rasgadas por socalcos de vinhedos e cerejeiras. Estamos na terra do vinho A igreja matriz, do século XV, possui um espólio rico em painéis flamengos dos
e no palco das festividades da Vindima, que aí decorrem no mês de Setembro. A sécs. XV e XVI, peças de prata e talha dourada do século XVIII. O Museu
freguesia é a área, por excelência, do vinho Madeira. Aqui existe o maior número Etnográfico divulga e conserva os costumes e tradições do povo madeirense de que
de produtores de castas nobres (Sercial, Verdelho, Boal) e de outras consideradas merecem a atenção as ligadas ao vinho.
boas. No Arco da Calheta e a Calheta as principais culturas são a cana-de-açúcar e a
Após uma paragem obrigatória pelo Cabo Girão, segue-se o percurso numa estra- vinha. A Fajã da Ovelha é terra de Verdelho. O campo experimental de castas tradi-
da que contorna de forma pachorrenta os vales da encosta Sul. Na Quinta Grande, cionais do vinho Madeira na Casa das Vinhas (Estreito da Calheta) reforça a ideia
assim chamada por ter sido uma das quintas dos Jesuítas, somos surpreendidos por da aposta da cultura.
um vasto vinhedo mecanizado que acompanha o declive da montanha sobranceiro A vertente Sul termina na Ponta do Pargo, a ponta mais a oeste da ilha. As gentes,
à Ribeira do Vigário, propriedade da firma Henriques & Henriques. Segue-se de de hábitos enraizados na labuta agrícola, plantam cereais e vinha. A paisagem que
pois o Campanário, que da serra ao mar se cobre de verde. Estamos perante uma se vislumbra é fascinante. No sítio dos Salões surge outro campo experimental onde
terra rica em vinhas, onde se encontra uma das mais importantes produções de boal se ensaiam os sistemas culturais e as técnicas de condução da vinha.
do arquipélago. A costa Norte começa no Porto do Moniz onde tudo parece ser diferente. As ver-
Na descida para a Ribeira Brava avista-se à esquerda o ilhéu do Campanário e, tentes áridas e as montanhas verdejantes são servidas de socalcos com vinhas prote-
por detrás, a Fajã dos Padres, onde se produziu pela mão dos jesuítas o melhor Mal-
574 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 575

Vinhedos no Estreito
de Câmara de Lobos.
Colecção do autor.
2002

gidas da brisa marítima por bardos de urze. As freguesias do concelho (Porto


Moniz, Ribeira da Janela e Seixal) são a terra, por excelência, do Sercial e Verdelho.
Em São Vicente temos de novo as montanhas abruptas e o mar. A vinha tem aqui
importância excepcional. Os vinhedos de castas tradicionais para o Madeira con-
quistam cada vez mais os poios, tornando o concelho num dos principais pro-
dutores da ilha. Em S. Vicente o verdelho conquista terreno à Negra-mole a ao
Jaquet. No sítio dos Cardais existe um campo experimental de casta verdelho dedi-
cado ao fabrico de vinho de mesa.
Segue-se Ponta Delgada, uma ponta de terra que se estende pelo mar, também
conhecida por “corte do norte”, que ficou celebrizada pelo romance de Agustina Aspecto do Museu da
Madeira Wine Company
Bessa Luís, com o mesmo nome. A igreja serve de palco a uma das mais destacadas OS MUSEUS
devoções dos madeirenses. Os agricultores dedicam-se de corpo e alma à terra tiran-
do o máximo proveito de tudo aquilo que produzem. Nos Enxurros destacam-se O museu é sempre uma ponte que se estabelece entre o presente e o passado. A
algumas experiências bem sucedidas do fabrico de vinhos de mesa branco e tinto. criação do espaço museológico, anexo ao Instituto do Vinho da Madeira, inaugura-
São Jorge e o Arco de São Jorge, constituem um lugar único. A paisagem verde do em 18 de Setembro de 1984, não ficou alheio a isso. O projecto surgiu em 1982
salpicada de palheiros cobertos de colmo convida ao descanso. Estamos numa com a primeira exposição do Vinho da Madeira que teve lugar no Teatro Municipal
região de agricultores que produzem vinho e vivem daquilo que a terra dá. Toda a do Funchal, sob a nossa coordenação.
atenção é dada a um sub-tipo da casta Malvasiam, que tem nas freguesias do Arco e O vinho Madeira dispõe hoje de dois museus pois ao do Instituto de Vinho da
de S. Jorge grande produção. Madeira juntou-se o da Madeira Wine Company. Os espaços museológicos são uma
No Faial encontramos de novo numa região de vales e montanhas. As casas forma de trazer ao visitante o passado vitivinícola através de fotografias e objectos.
tradicionais e palheiros coabitam nas encostas sobranceiras à ribeira. A agricultura Algumas empresas, pelo carácter secular e empenho na preservação das tradições,
intensiva é dominada pelo vinho e árvores de fruto como a anoneira. podem ser consideradas museus-vivos. O passado convive com o presente, per-
Nas demais localidades não se registam testemunhos evidentes da faina vitiviní- mitindo ao visitante a necessária envolvência com a realidade vitivinícola.
cola. Apenas no Porto Santo temos terras de vinha rasteira e o campo experimental O Vinho da Madeira, quer queiramos ou não, está envolvido pela tradição histó-
para as castas de uva de mesa. rica que lhe granjeou fama e importância no sistema atlântico de relações comerci-
576 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 577

cola entre Janeiro e Julho. Os cestos, o lagar, a pren-


sa, as medidas, o barril recriam a ambiência carac-
terística da faina das vindimas. O borracho ou odre
aviva a memória para os tempos idos da presença
usual do borracheiro nos caminhos para o Funchal,
sendo destronado pelo barril e o automóvel que
acabaram por aliviar o esforço humano.
A passagem para o processo de vinificação revela-
nos outro universo do mundo urbano. As empresas
anicham-se na cidade tendo na retaguarda uma vasto
complexo. A oficina de tanoaria com as ferramentas
características que permitem que o tanoeiro trabalhe
a madeira com engenho e arte. Próximo, temos o
laboratório, devidamente apetrechado de pipetas,
alcoómetros, calorímetros, areómetros, ferrómetros,
para poder-se apurar a qualidade do vinho.
A partir do repouso, tratamento e envelhecimento
no armazém o vinho é encaminhado para os merca-
dos de consumo. São vários os meios usados na con-
dução do produto ao destinatário. A exportação a
granel facilitou o escoamento, enquanto a garrafa
ais. As seculares técnicas de fabrico e as castas, apelidadas de nobres, deram-lhe os obrigou a mais um esforço e à presença de novos
Museu Etnográfico da
Ribeira Brava. atributos tão apreciados. Qualquer olhar sobre o passado pode acontecer na con- instrumentos. Ontem tivemos a maquinaria arte-
Fotografia de Duarte sanal, separada por tarefas: máquinas de encher, cap-
Gomes. 2001
vivência dos espaços museológicos, pátios e canteiros perfumados pelo aroma tão
característico do vinho. sular e rotular. Hoje são as modernas e automati-
O Museu do Vinho da Madeira é um dos retratos vivos da história e tradição. A zadas linhas de enchimento.
História afirma-se através da tradição oral ou escrita, dos materiais que ao longo dos As instalações do Instituto do Vinho da Madeira
tempos a corporizaram. Para recriar a ambiência é necessário agarrar os restos evocam a História do vinho da Madeira. O imóvel foi
materiais e fazê-los reviver a labuta diária. O que para muitos é sinónimo de velharia construído pelo mercador de vinhos cônsul inglês,
assume papel relevante, como o único elo de ligação aos momentos de esplendor. Henry Veitch, na primeira metade do século XIX
Tudo isto pode também ser entendido como forma de preito e homenagem a todos para servir de morada. Antes de chegar aos actuais
aqueles que lutaram pela afirmação da cultura e produto. inquilinos foi a casa de vinhos de Izidro Gonçalves.
O percurso de retorno ao passado é fácil de conseguir perante tanta envolvência. Perante nós está um espaço fundamental da História
O princípio foi dominado pela da madeira que deu corpo às latadas, ao lagar, às do vinho da Madeira que não pode ser apagado.
medidas e vasilhame de transporte e envelhecimento. Depois, foi a afirmação dos As adegas de S. Francisco, onde se encontra insta-
metais, materializada nas prensas e lagares, medidas de cobre e folha, filtros, cubas. lada Madeira Wine Company e o museu, são um dos
Finalmente chegou a tecnologia sofisticada em que todos os utensílios perderam raros imóveis que irradia a tradição histórica do
importância e foram devorados por outros mais universais e padronizados. vinho. A ligação ao convento de S. Francisco do
Todos os materiais que antes se usavam são hoje peças de museu e só podem ser Funchal continua presente nas arcarias das caves. Do
encontrados como tal. São eles que traçam a História e ciclo de vida do vinho da conjunto de peças disponíveis no museu merece
Madeira. A enxada, o podão, a máquina de sulfatar, o fole, documentam a faina vití- referência especial o lagar dos jesuítas do século Lagares nos Museus da Ribeira Brava,
Madeira Wine Company e IVM. Foto Duarte Gomes. 2001
578 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 579

Edifício do actual IVM quando era sede de uma empresa de Vinhos.


Fotographia Perestrellos. Museu de Photographia Vicentes.

Aspectos do IVM. Foto de


Cuarte Gomes. 2001

XVIII, o único testemunho do fulgor económico da companhia de Jesus


na ilha. Os jesuítas foram detentores de extensas áreas de vinha no
Funchal e Quinta Grande. A imagem da Companhia de Jesus está liga-
da à Fajã dos Padres e ao Malvasia aí produzido. Os painéis pintados da
sala de provas por Max Romer e o arquivo de documentação das empre-
sas familiares que se integraram na nova companhia criada no século XX
Sede do IVM e do Museu do Vinho da Madeira. Foto Duarte Gomes. 2001 são uma das mais destacadas mais-valias.
580 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 581

Aspecto do
armazém de
Cossart Gordon &
Co. Gravura de A.
Vizetelly. 1880

Serrado de Cossart
Gordon e Co. vezes não está mais adequado e é destilado em aguardente….
Gravura de A. Vizetelly.
1880
Messers. Cossart, Gordon and Co. Todo o terreno não ocupado destes armazéns do Serrado está cultivado com vinhas colo-
cadas em corredores, entremeadas aqui e ali com um mangueiro, uma figueira ou anoneira.
Os seus armazéns compreendem três conjuntos diferentes de prédios, conhecidos Além disso, vinhas em latadas cobrem todos os caminhos em frente aos vários armazéns,
respectivamente como os armazéns do Serrado, da Estufa e os armazéns «Pateo», todos permitindo que os homens aí empregados estejam sempre debaixo de sombra. O primeiro
situados a uma distância de cinco minutos uns dos outros. armazém que visitámos - um prédio comprido e estreito com cerca de trezentos pés de com-
O terreno onde fica os armazéns do Serrado possui quatro ou cinco acres, com armazéns primento, com aberturas com grades quadradas ao longo da sua parte da frente para per-
de um único andar ocupando três dos seus lados, ficando a tanoaria no quarto lado. Aqui mitir a entrada livre de ar - pode conter seiscentas pipas, em filas triplas com duas camadas
observámos pipas a serem feitas precisamente do mesmo modo que o utilizado no Jerez, cada. É usado para receber vinho em mosto, ou vinho acabado de fazer. Gerânios escarlates
talvez com a excepção do cutelo que os homens manejam tão destramente ser um pouco com cerca de altura de um homem, estão colocados por cima de toda a sua parte da frente,
mais pesado e desajeitado do que o que é usado pelos seus irmãos da mesma confraria do e por baixo da larga cobertura das vinhas em latada - estendendo-se do telhado do armazém
Jerez. Os tanoeiros do Funchal trabalham à peça e cada pipa, que certamente um artigo bem até ao do barracão em frente - são guardadas pipas vazias à espera de serem enchidas com
executado custa qualquer coisa como algumas libras. à volta da tanoaria havia pilhas de adu- vinho.
elas de carvalho Americano, já preparadas ou em bruto, enquanto no centro do terreno havia Os armazéns Estufa da Messrs. Cossart, Gordon and Co. compreendem um bloco de pré-
barracões onde as pipas são medidas, marcadas com ferro quente, escaldadas e submeti- dios com dois andares, divididos em quatro compartimentos diferentes. No primeiro destes,
das à acção do vapor de água, bem como alguns grandes reservatórios. O espaço vago entre vinhos comuns são sujeitos a uma temperatura de 140 graus Fahrenheit - derivada de ser-
os barracões e os armazéns está ocupado com filas de pipas de vários tamanhos, acabadas pentinas aquecidas com carvão antracite - durante três meses.No compartimento seguinte,
de vir da tanoaria, passando aqui por um período de habituação com água. Quando sito está vinhos de uma qualidade intermédia são aquecidos até 130 graus por um período de quatro
terminado, as pipas são transferidas para o armazém de Avinhar, sendo enchidas com vinho meses e meio; enquanto que o terceiro é deixado de parte para vinhos superiores, aqueci-
comum, que permanece dentro delas durante dois ou três meses. Nestes armazéns há sem- dos de modo variado dos 110 aos 120 graus durante um período de seis meses. O quarto
pre em uso para este fim entre oitenta e cem pipas de vinho, o qual depois de usado muitas compartimento, conhecido como o Calor, não possui serpentinas, mas deriva o seu aqueci-
582 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 583

portas interiores são revestidas com cal, de modo a fechar qualquer abertura que possa
haver. Quando é necessário entrar na estufa, apenas as portas exteriores são abertas, e um
pequeno alçapão nas portas interiores é empurrado para permitir a entrada do homem
encarregado que passa por entre as diferentes pilhas de pipas batendo levemente numa a
seguir à outra, para se assegurar de que não há derrame. Ao sair da estufa, depois de ter
ficado uma hora, embrulha-se automaticamente num cobertor, bebe um copo cheio de vinho,
e depois fecha-se num pequeno compartimento, no qual não entra ar frio, preparado para
esse fim. A Messrs. Cossart, Gordon and Co. normalmente coloca os seus vinhos na estufa
durante os meses de Janeiro e Fevereiro, o que permite a remoção para outros armazéns
antes de começar a próxima vindima. Durante o tempo em que estão na estufa, diminuem
uns 10 a 15 por cento pela evaporação das suas partes aquosas.
Falta ainda falar dos armazéns Pateo. Estes ficam situados nas traseiras da casa da con-
tabilidade da firma, onde todos os livros e documentos relacionados com as suas tran-
sacções, desde o início do seu estabelecimento, são cuidadosamente preservados. Pas-
sando por baixo de uma arcada e através de um campo estreito plantado com flores, entre
as quais estão gerânios colocados ao nível das janelas do primeiro andar, entramos num
Arquivo da empresa Cossart Gordon & Co. pequeno armazém que forma uma espécie de antessala para os armazéns que se seguem.
O primeiro destes possui vinho em barricas que contêm quatro pipas cada, em perfeita
condição para exportação, só precisando de ser trasfegado. Aqui provámos algumas espe-
cialidades, incluindo um Branco seco, feito exclusivamente de uva verdelho, o qual, tendo fer-
mentado perfeitamente, possui todas as qualidades de um Madeira seco; excepcionalmente
Pateo do armazém bom; também um Sercial da Ponta do Pargo, da vindima de 1865, excessivamente seco e de
sabor perfeito, e ligeiramente pálido. No armazém por cima havia vinhos de diferentes quali-
dades e idades, incluindo um Palhetinho, ou vinho amarelo claro, de sabor delicado e com
um excelente aroma; também alguns vinhos ainda mais pálidos, com o cognome Yankee de
mento exclusivamente dos compartimentos adjacentes, variando entre 90 e 100 graus; e aqui água da Chuva da Madeira devido à sua suavidade e delicadeza excepcionais. Aqui estava
são colocados apenas vinhos de alta qualidade. O objectivo deste aquecimento do vinho também armazenado um vinho de 1863 - um Vinho do Sol, como era chamado, por ter
destruir quaisquer germes de fermentação que permaneçam nele, e amadurecê-lo mais rapi- amadurecido pela exposição ao sol e nunca ter passado pela estufa - e finalmente um páli-
damente de modo a que possa ser exportado no seu segundo ou terceiro ano sem outra do e delicado Malvasia da vindima do ano anterior, com um aroma muito intenso, que prome-
adição de álcool. O uso destas estufas na Madeira data do início do presente século e a tia tornar-se um vinho de qualidade singularmente especial.
maior parte do vinho passa por este ou por um modo semelhante de tratamento antes de ser No armazém de «Vinhos Velhíssimos» - o rés-do-chão do prédio no lado sul do pátio -
exportado. Estas estufas artificialmente aquecidas são apenas usadas pelas maiores casas havia algumas grandes pipas, contendo vinho de reserva de muita idade e numerosas «sole-
de exportação, que, no entanto, aquecem aí vinho para outros exportadores a uma taxa ras», incluindo um Câmara de Lobos, cuja origem data de 1844 - um poderoso vinho de cor
estipulada. Outros conseguem o objectivo desejado, colocando os seus vinhos numa espé- profunda e de sabor muito delicado - sendo novamente enchidas de tempos em tempos com
cie de estufa, onde permanecem expostos ao calor total do sol. Durante o dia, é assegurada vinho da qualidade de uva bastardo. Uma «solera» de são Martinho, datado de 1843, apre-
uma temperatura de 120 a 130 graus, que, no entanto, se torna consideravelmente mais sentava um vinho suave, de qualidade especial, com um excelente aroma, enquanto que
baixa durante a noite - uma circunstância que é observada por muitos como prejudicial para uma «solera» Boal do ano de 1832 mostrou ser de sabor excepcionalmente delicado. Havia
o desenvolvimento to do vinho. Nas freguesias do campo, onde não existe qualquer forma de também algumas soleras Malvasia, respectivamente dos anos de 1835 e 1850, a primeira
estufas, os proprietários de vinho colocam as barricas ao ar livre em posições favoráveis para das quais tinha todas as qualidades de um licor de selecção; juntamente com uma pipa de
assegurar uma acção completa dos raios de sol. … vinho Verdelho do ano de 1851, que nunca tinha sido exposto ao calor artificial: um perfeito
Nas estufas que estou agora a descrever - que, se cheias, são capazes de aquecer 1.600 vinho maduro, da qualidade mais elevada. No fim deste armazém «solera» há um armazém
pipas de vinho de uma vez - as pipas são colocadas de pé, em pilhas de quatro, com pipas que contém Surdo ou vinho doce e Vinho Concertado ou mosto fervido, tornado mais fino
mais pequenas por cima, deixando-se uma estreita passagem entre as diferentes pilhas para pela adição de qualquer vinho vulgar, e que, como o «Jerez vino dulce» e «vino de color»
permitir a passagem de um homem para se assegurar de que as pipas não vertem, pois são usados para dar sabor e cor a vinhos de qualidade inferior. Continuando pela passagem
quando sujeitas a elevada temperatura têm tendência natural para o fazer. Um buraco com em arco que conduz ao pequeno jardim cultivado com bananeiras, roseiras e gerânios e com
cerca de um sexto de polegada de diâmetro foi previamente feito no batoque de cada pipa vinhas colocadas em corredores por cima dos caminhos, chegámos a outro armazém con-
para permitir que o vapor quente saia, caso contrário a pipa tendo vinho dos anos de 1874 e 1875, do lado norte da ilha, os quais, sem a alta qualidade
rebentaria. Na realidade, as pipas, não pouco frequentemente, vertem, como depreen- do verdadeiro Madeira, são suaves e agradáveis como bebidas, e são exportados ao que
demos das numerosas manchas escuras em várias partes do chão, tornando necessário que parece ser um preço muito moderado. Só nos seus armazéns Pateo, a Messers. Cossart,
os diferentes compartimentos da estufa sejam inspeccionados uma vez durante o dia e uma Gordon and Co. tinha para cima de duas mil pipas de vinho, das quais treze centenas
vez durante a noite, de modo que qualquer acidente deste tipo seja imediatamente rectifica- estavam em condições de serem exportadas.
do. Cada compartimento possui alçapões duplos, e depois de serem enchidos com vinho as Henry Vizetelly.1880
584 A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX A VINHA E O VINHO NA HISTÓRIA DA MADEIRA • Séculos XV - XX 585

• PREÇOS DA PIPA DE VINHO DO LONDON PARTICULAR EM LIBRAS.....................................398


Índice de quadros • RECEITA DA FEITORIA BRITÂNICA.1774-1811 ...................................................................................404
• MERCADORES DE VINHO.1722-1880 .....................................................................................................416
• EXPORTAÇÃO DE VINHO 1900-1905 EM PIPAS.1900-1905................................................................425
1. NO TEXTO
2. EM ANEXO
1.1. DA VINHA AO VINHO
• Movimento de produção de vinho(em hectolitros) .......................................................................................290
• AS TERRAS DE COLONIA DA FAMÍLIA
1 – Movimento de Exportação de Vinho (1560-2002)......................................................................................470
DE AGOSTINHO ORNELLAS E VASCONCELLOS............................................................................76
2 – Movimento de Exportação de Vinho por Meses 1789-1801.......................................................................474
• TERRAS DE VINHA FOREIRAS DO CONVENTO DE SANTA CLARA - 1644 ................................89
3 – Vinho Exportado e a Nacionalidade dos Navios 1784-1824 ......................................................................484
• ADEGAS DO CONVENTO DE SANTA CLARA AO LONGO DA COSTA........................................90
4 – Movimento de Exportação de Vinho por Mercadores (1823-1830) ..........................................................493
• CUSTO DAS VIDEIRAS.1692-1782..............................................................................................................92
5 - Mercadores – Vinho Exportado (1823-30) Gouph & Hollway Cª .............................................................494
• INVESTIMENTOS DOS COLONOS NAS VINHAS.1692-1782 ..............................................................93
6 – Mercadores – Vinho Exportado – Guilherme Tindlay ..............................................................................496
• CASTAS DO VINHO MADEIRA AO LONGO DA HISTÓRIA...........................................................103
7 – Mercadores – Vinho Exportado – Rutherport & Grani .............................................................................498
• PRODUÇÃO SEGUNDO AS CASTAS. 1849-1850...................................................................................109
8 – Mercadores – Vinho Exportado – Newton Gordon Murdoch & Scott .....................................................500
• EVOLUÇÃO DAS CASTAS EUROPEIAS E AMERICANAS.1935-39 ...................................................109
9 – Mercadores – Vinho Exportado – George Stoddarte.................................................................................502
• EVOLUÇÃO DAS CASTAS EUROPEIAS E AMERICANAS.1951-2002................................................110
1o – Mercadores – Vinho Exportado – João Cairns ........................................................................................504
• QUADRO EVOLUTIVO DAS DIVERSAS CASTAS. 1925-2001 ............................................................111
11 – Mercadores - Vinho Exportado – Diogo Bran ........................................................................................506
• VALOR DAS PERDAS .................................................................................................................................129
12 – Mercadores – Vinho Exportado – Phelps Page & Cº...............................................................................508
• SITUAÇÃO DAS VINDIMAS. 1695-1983 ..................................................................................................145
13 – Mercadores – Vinho Exportado – Murdoch Guille Wardrop & Cª.........................................................510
• LAGAR E CASA-CUSTOS(1650-1782) .......................................................................................................150
14 – Mercadores – Vinho Exportado – José Caetano Jardim...........................................................................510
• PRODUÇÃO DE MOSTO POR CONCELHO 1787-1887(EM HECTOLITROS) ...............................169
15 – Mercadores – Vinho Exportado – Manuel de Santa Anna Vasconcelos..................................................511
• PRODUÇÃO DE VINHO EM HECTOLITROS......................................................................................171
16 – Mercadores – Vinho Exportado – Diogo Taylor ....................................................................................512
• PRODUÇÃO POR CONCELHOS-1851-1852 ............................................................................................174
17 – Mercadores – Vinho Exportado – João Blandy ........................................................................................513
• PRODUÇÃO DE MOSTO POR CASTAS. 1935-39..................................................................................175
18 – Mercadores – Vinho Exportado – João Winter Bolton ..........................................................................513
• PRODUÇÃO.1935-2002................................................................................................................................176
19 – Mercadores – Vinho Exportado – Francisco March.................................................................................513
• SUBSÍDIO LITERÁRIO.1793-1834 ............................................................................................................184
20 – Mercadores – Vinho Exportado – Philip Noailles Searle .........................................................................514
• PREÇO DO MOSTO.1620-1667..................................................................................................................189
21 – Mercadores – Vinho Exportado – Leacock Harris & Cª..........................................................................515
• PREÇO DO MOSTO POR LOCALIDADE DE ACORDO COM A CASTA.1839-1848 .....................189
22 – Mercadores – Vinho Exportado – João Oliveira & Cª .............................................................................516
• PREÇO DO MOSTO POR FREGUESIA.1821-1852 ................................................................................190
23 – Mercadores – Vinho Exportado – Scott Pringle Weith & Cª ...................................................................518
• PREÇO DO MOSTO EM MACHICO. 1699-1863....................................................................................192
24 – Mercadores – Vinho Exportado – Richard Dovber..................................................................................519
• IMPORTAÇÃO DE MATERAIS DE TANOARIA- 1819-28 ....................................................................200
25 – Mercadores – Vinho Exportado – Henry H. Temple..............................................................................520
• PREÇO DE VENDA AO PUBLICO DOS MATERIAIS DE TANOARIA.1836-1838 ..........................201
26 – Exportação do Vinho – 1831.....................................................................................................................522
• PREÇO DO VASILHAME. 1884-1740........................................................................................................203
27 – Exportação do Vinho – 1832 ....................................................................................................................523
• REGISTO DE SAÍDA DE VINHO DA RODA. 1823-1830......................................................................232
28 – Exportação do Vinho – 1833 ....................................................................................................................524
• ESTUFAS EM FUNCIONAMENTO1805-2002 ........................................................................................240
29 - Exportação do Vinho - 1834 .....................................................................................................................526
• LOCALIZAÇÃO DAS ESTUFAS 1805-1872 ..............................................................................................241
30 – Movimento de Exportação – Áreas (1831-50)...........................................................................................527
• RELAÇÃO DO VINHO ESTUFADO COM A PRODUÇÃO E EXPORTAÇÃO.1805-1872 ..............244
31 – Movimento de Exportação de Vinho – 1843-1888 ...................................................................................528
• RENDIMENTO DAS ESTUFAS (VALOR EM RÉIS)..............................................................................247
32 – Movimento de Exportação – 1850 ............................................................................................................530
• COMÉRCIO DA MADEIRA COM A INGLATERRA.1699-1783 ...........................................................297
33 – Movimento de Exportação – Áreas (1831-50)...........................................................................................531
• RECEITA DA RENDA DA IMPOSIÇÃO DO VINHO. 1775-1834.........................................................313
34 – Exportação de Vinho – Alguns Destinos (1865-1970)..............................................................................532
• RENDIMENTOS REAIS EM PIPAS.1780-1799 ........................................................................................320
35 – Exportação de Vinho - 1984-2002.............................................................................................................534
• EXPORTAÇÃO DE VINHO PARA AS COLÓNIAS.1572-169565 .........................................................342
• EMBARQUE DE VINHO PARA GASTOS.1843.1888.............................................................................341
• EXPORTAÇÃO DE VINHO NO PORTO DO FUNCHAL.1699 ..........................................................347
• EXPORTAÇÃO DE VINHO.1696-1714......................................................................................................349
• PREÇO E DIREITOS DA PIPA DE EXPORTAÇÃO.1650.1699 ............................................................365
• DIREITOS DE SAÍDA NA ALFÂNDEGA DO FUNCHAL.1775-1820 ..................................................365
• EXPORTAÇÃO DE VINHO. 1780-1799 ....................................................................................................375
• EXPORTAÇÃO DE VINHO EM HL.1913-1926 .......................................................................................384
• EXPORTAÇÃO DE VINHO EM %.1939.1988..........................................................................................385
• EXPORTAÇÃO EM HECTOLITROS.1861-1988 .....................................................................................386
• MERCADOS DO VINHO MADEIRA (em hectolitros)1984-2000 ...........................................................387
• IMPORTAÇÃO DE VINHO NA INGLATERRA EM TONÉIS DE 252 GALÕES .............................392
• SITUAÇÃO DO VINHO MADEIRA NO MERCADO LONDRINO EM GALÕES...........................393

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