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ALEXANDRE DE ÁVILA GOMIDE

REGULAÇÃO ECONÔMICA NOS SERVIÇOS PÚBLICOS DE TRANSPORTE URBANO


POR ÔNIBUS NO BRASIL

PORTO ALEGRE, 1998


2

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL


FACULDADE DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA

REGULAÇÃO ECONÔMICA NOS SERVIÇOS PÚBLICOS DE TRANSPORTE URBANO


POR ÔNIBUS NO BRASIL

ALEXANDRE DE ÁVILA GOMIDE


ORIENTADOR: ACHYLES BARCELOS DA COSTA
CO-ORIENTADOR: ROMULO DANTE ORRICO FILHO
Dissertação de mestrado apresentada ao Curso
de Pós-Graduação em Economia da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
como parte dos requisitos para obtenção do título
de Mestre em Economia.

PORTO ALEGRE, 1998


3

Para Helena e
Gilson (in memorian),
meus pais.
4

BANCA EXAMINADORA

Prof. ACHYLES BARCELOS DA COSTA


Curso de Pós-Graduação em Economia/UFRGS
(Presidente)

Prof. ARTHUR BARRIONUEVO FILHO


Fundação Getúlio Vargas/SP

Prof. PAULO BASTOS TIGRE


Instituto de Economia Industrial/UFRJ

Prof. ANÍSIO BRASILEIRO DE FREITAS DOURADO


Associação Nacional de Pesquisa e Ensino em Transportes/UFPE
5

AGRADECIMENTOS

Ao professor Achyles Barcelos da Costa, do Curso de Pós-Graduação em


Economia da UFRGS, pela orientação dessa dissertação;

Ao professor Romulo Dante Orrico Filho, do Programa de Engenharia de


Transportes da COPPE/UFRJ, pelo acompanhamento e o apoio dado como co-orientador
desse trabalho;

Ao Nazareno Stanislau Affonso, ex-Secretário Municipal de Transportes de Porto


Alegre, ex-Secretário de Transportes do Distrito Federal e Vice-Presidente da Associação
Nacional de Transportes Públicos (ANTP), pelo apoio durante a realização do meu curso de
mestrado;

Ao professor Rubens E. Barreto Ramos, do Departamento de Engenharia de


Produção da UFRN, pelas críticas e sugestões de grande valor;

Ao Carlos Antonio Morales, Diretor de Administração e Finanças da Escola


Nacional de Administração Pública (ENAP), pelo apoio nos momentos da finalização desse
trabalho;

A todos aqueles que, de diferentes maneiras, me incentivaram e apoiaram durante


a realização dessa dissertação de mestrado.
SUMÁRIO
LISTA DE TABELAS ................................................................................................................................................... ii
RESUMO .................................................................................................................................................................. iii
ABSTRACT ................................................................................................................................................................ iv
CAPÍTULO I - INTRODUÇÃO ................................................................................................................................... 1
1.1. Objetivos da pesquisa ................................................................................................................ 1
1.2. Problema e justificativa.............................................................................................................. 1
1.3. Escopo do trabalho .................................................................................................................. 10
1.4. Metodologia ............................................................................................................................. 11
1.5. Organização do texto ............................................................................................................... 13
CAPÍTULO II - REGULAÇÃO ECONÔMICA: FUNDAMENTOS TEÓRICOS, CRÍTICAS E NOVOS PARADIGMAS ..... 14
2.1. A Intervenção do Estado na Atividade Econômica ................................................................. 14
2.2. Mecanismos de regulação ........................................................................................................ 21
2.3. As teorias da captura e da regulação econômica...................................................................... 26
2.4. A teoria dos mercados contestáveis ......................................................................................... 29
2.5. Comentários sobre o capítulo................................................................................................... 37
CAPÍTULO II - REGULAÇÃO DO TRANSPORTE URBANO POR ÔNIBUS: O DEBATE TEÓRICO E AS
EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE (DES)REGULAÇÃO .............................................................. 39
3.1. Transportes e Intervenção Governamental .............................................................................. 39
3.2. Regulação do transporte urbano por ônibus: o debate teórico ................................................. 42
3.3. Experiências internacionais de (des)regulação ........................................................................ 50
3.3.1. Grã-Bretanha e Chile: os resultados da desregulação .................................................... 50
3.3.2. O competitive tendering: a regulação através de licitações competitivas........................ 60
3.4. Comentários sobre o capítulo................................................................................................... 65
CAPÍTULO IV - O MODELO BRASILEIRO DE REGULAÇÃO ................................................................................. 67
4.1. Origem e evolução dos contratos de delegação dos serviços no Brasil ................................... 67
4.2. O quadro jurídico e institucional atual..................................................................................... 71
4.2.1 O papel do Poder Público frente aos serviços de transporte urbano por ônibus ............. 71
4.2.2 As leis federais de licitações e concessões de serviços públicos ....................................... 74
4.3. A experiência brasileira de regulação ...................................................................................... 78
4.3.1. Remuneração empresarial e o mecanismo de cálculo tarifário ....................................... 78
4.3.2. Aspectos da regulação econômica em cidades brasileiras............................................... 84
4.4. Comentários sobre o capítulo................................................................................................... 92
CAPÍTULO V - AS PRIMEIRAS LICITAÇÕES E REPERCUSSÕES SOBRE O QUADRO DE REGULAÇÃO ECONÔMICA
DOS SERVIÇOS ................................................................................................................................ 94
5.1. O modelo GEIPOT/COPPETEC: a licitação como mecanismo de regulação ......................... 94
5.2. As primeiras licitações de serviços de transporte urbano por ônibus em cidades brasileiras 101
5.2.1. Mecanismos de incentivo à competição e existência de barreiras à entrada de novos
operadores ...................................................................................................................... 104
5.2.2. Critérios de seleção ........................................................................................................ 106
5.2.3. Modelo de remuneração ................................................................................................. 107
5.2.4. Prazo dos contratos ........................................................................................................ 107
5.2.5. Mecanismos de incentivo ao aumento da qualidade dos serviços.................................. 109
5.3. Considerações gerais sobre os editais .................................................................................... 109
5.4. Comentários sobre o capítulo................................................................................................. 113
CAPÍTULO VI - CONCLUSÕES ............................................................................................................................ 115
6.1. Síntese dos resultados da pesquisa......................................................................................... 115
6.2. Limitações do trabalho e direções de pesquisa ...................................................................... 121
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................................................................ 123
ii

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Tarifas de ônibus urbano em cidades brasileiras: reajustes acumulados (julho/94 a junho/97)...........4
Tabela 2 - Capitais Brasileiras: Quantidade de veículos utilizados no transporte informal (maio/1997).............6
Tabela 3 - Índice de Passageiros por Quilômetro - IPK (em abril e outubro de 1994 a 1996).............................7
Tabela 4 - Transporte por ônibus: Subsídio como Percentagem do Custo Operacional em Diferentes Países
(1965-1975)....................................................................................................................................................42
Tabela 5 - Mudanças na Indústria de Ônibus Urbano - Grã-Bretanha, 1985/6 a 1991/2 (em %)......................51
Tabela 6 - Santiago do Chile: Resultados da desregulação do transporte urbano por ônibus (1978-89)............56
Tabela 7 - Comparação da performance dos sistemas de transporte público por ônibus na Grã-Bretanha:
Londres (competitive tendering) e fora de Londres (desregulação) - 1986-
95....................................................................................................................................................................61
Tabela 8 - Resultados do competitive tendering em cidades americanas......................................................... 63
Tabela 9 - Formas de delegação dos serviços de transporte urbano por ônibus em cidades brasileiras
selecionadas ...................................................................................................................................................87
Tabela 10 - Dados operacionais dos sistemas de transporte por ônibus urbanos: cidades brasileiras selecionadas
(1997)................................................................................................ ..........................................................100
Tabela 11 - Editais de licitação de serviços de transporte urbano por ônibus em localidades escolhidas
(1997)...........................................................................................................................................................109
iii

RESUMO

Esta Dissertação analisa o atual modelo de regulação econômica do transporte


coletivo urbano por ônibus adotado nas cidades brasileiras, mostrando os principais
problemas e limites deste em promover a qualidade e a eficiência na operação dos serviços.
Argumenta-se que a introdução da competição empresarial no quadro de regulação pode ser
uma das estratégias para promover a qualidade e a eficiência operacional, com apropriação
social dos ganhos de produtividade decorrentes. Esta competição, entretanto, não se deve dar
na disputa direta pelo usuário, por meio da desregulação dos serviços, mas sim pelo direito de
entrar no mercado, através do instrumento da licitação pública. Nesse enfoque, são avaliados,
sob o marco de um modelo de “licitação competitiva”, os primeiros editais de licitação em
cidades selecionadas, elaborados sob o contexto da nova legislação de concessões de serviços
públicos. A análise dos editais verifica que os principais problemas e limites do atual modelo
de regulação, apontados no decorrer do texto, tendem a continuar. A despeito da realização
das primeiras licitações em importantes cidades brasileiras constituir em um avanço para o
setor, permanecem distorções no quadro de contratação dos serviços que podem abrir espaço
para a ineficiência operacional. A forma como foram definidas as novas licitações não garante
a efetiva introdução de elementos de competitividade e da busca da qualidade e produtividade
nos serviços. Promover uma reforma regulatória no transporte urbano por ônibus no país,
visando a eficiência na operação e a melhoria na qualidade dos serviços, é o desafio que se
pretende colocar, com os resultados desta pesquisa, à sociedade e aos técnicos e acadêmicos
do setor.
iv

ABSTRACT

This Dissertation analyses the current economic regulation model of public bus
services adopted in Brazilian cities, and presents the main problems and limitations of such
model to promote quality and efficiency in operating these services. The dissertation
advocates that the introduction of competition among bus companies, in the regulation scene,
could be one of the strategies to promote operational quality and efficiency with social
appropriation of the resulting productivity. This competition, however, should not occur as a
direct dispute for the service users through the deregulation of transport services, but through
the right of entering the market by means of public bidding. In this view, based on the
landmarks of a "competitive tendering" model, the first bidding edicts in selected cities, made
in the context of the new public service concession legislation, are here evaluated. The
analysis of the edicts notes that the main problems and limitations of the current regulation
model, pointed out throughout the text, tend to prevail. In spite of the first bidding in
important Brazilian cities having meant an important advancement for the sector, the service
hiring distortions remain, and this could consequently affect operational efficiency. The forms
in which the new biddings have been defined do not insure the effective introduction of the
competitive elements and the search for quality and productivity in the services. The objective
of this research results is to challenge society, technicians and scholars in the field, to
promote regulatory reform in the country's public transportation, aiming towards operational
efficiency and improvement in the quality of services.
CAPÍTULO I
INTRODUÇÃO

1.1. Objetivos da pesquisa


Os objetivos principais deste trabalho são analisar o atual modelo de regulação
econômica dos serviços públicos de transporte urbano por ônibus adotado nas cidades
brasileiras, mostrando os principais problemas e limites deste em promover a qualidade e a
eficiência operacional, e avaliar, sob o marco de um modelo de “licitação competitiva”, os
primeiros editais de licitação em cidades selecionadas, elaborados sob o contexto da nova
legislação de concessões de serviços públicos.

1.2. Problema e justificativa

Em anos recentes, privatização de empresas públicas, abertura de mercados à


concorrência externa e a revisão das formas de intervenção do Estado nos serviços públicos
têm se constituído em algumas das principais preocupações de governantes. A partir da
década de 70, a mudança do padrão produtivo tecnológico, com a respectiva aceleração do
processo de inovações, e a instabilidade das taxas de câmbio e de juros, que desequilibraram
as condições de financiamento da economia mundial (principalmente dos países da América
Latina), tiveram efeitos diretos na questão fiscal e na crise das políticas do Estado do Bem-
estar (sobretudo nos países europeus). A nova base produtiva, a crise fiscal e a globalização
da economia impuseram, de maneira generalizada, a redefinição do papel do Estado e de sua
forma de atuação (Baumann, 1996; Lima & Gonçalves, 1996).

Tais processos impulsionaram, no âmbito da teoria econômica, a formulação de


novas teorias e modelos na tentativa de incorporar essas mudanças. Mais especificamente, na
teoria microeconômica a regulação dos serviços públicos, justificada pelos casos em que as
“falhas de mercado” impedem a realização de resultados competitivos, passou a ser
severamente questionada, sobretudo com relação aos custos e resultados da regulação. O
desenvolvimento das teorias da “captura” e da “regulação econômica”, da escola de Chicago
(Stigler, 1975; Viscusi et alii, 1995), representou um esforço importante nessa área. Estas
2

teorias apresentavam a conclusão que a regulação serviria aos interesses das indústrias, e não
os do público em geral, sendo fadada a ser capturada pelos setores regulados.

Outro desenvolvimento teórico refere-se à “teoria dos mercados contestáveis”


(Baumol et alii, 1982; Costa, 1995). Elaborada no início dos anos oitenta, a teoria argumenta
que a existência de competição potencial e de garantia de livre entrada e saída das firmas no
mercado seriam suficientes para a atuação eficiente das firmas, com preços iguais aos custos
médios e sem perdas de bem-estar social.

Essas novas teorias e interpretações fundamentaram uma intensa onda de


desregulação e privatização em diversos setores (telecomunicações, energia elétrica,
transportes, gás), liderada pelos EUA e Grã-Bretanha, desde o início da década de 80.

As mudanças ocorridas se fizeram sentir principalmente nos transportes, por ser


este um setor que, historicamente, tem registrado expressiva participação estatal, tanto no que
diz respeito à operação quanto à regulação. Particularmente no transporte urbano por ônibus,
reformas regulatórias foram promovidas em diversos países (os casos do Chile e Grã-
Bretanha são os mais analisados pela literatura especializada), devido aos volumes crescentes
de subsídios concedidos e pela própria análise do desempenho do setor: baixa produtividade,
elevação permanente dos custos operacionais, progressiva redução da demanda, entre outros.
Assim, o desengajamento do Estado foi adotado com o objetivo de se conseguir melhor
alocação de recursos  com a redução dos custos de operação  e a melhoria dos níveis de
serviços.

No Brasil, os serviços de transporte coletivo urbano atravessam um período de


transição e crise. O período de transição pode ser caracterizado pelo atual quadro jurídico e
institucional, que redefiniu as relações entre os poderes públicos (que regulam a prestação dos
serviços) e o setor privado (responsável pela operação, mediante delegação). Tal redefinição
se encontra na nova legislação referente às licitações e concessões de serviços públicos, dada
pelas leis federais 8.666/93 (lei das licitações) e 8.987/95 (lei das concessões). Estas leis
revigoraram o instrumento da concessão e da permissão, modificando a forma usual de
contratação e delegação dos serviços. Elas introduziram uma série de princípios visando a
alcançar a eficiência na prestação dos serviços, dentre eles, a concorrência ou
competitividade, ao atribuir a concessão e a permissão somente mediante licitação  a
licitação é o momento em que ocorre a competição para a entrada no mercado. Por outro
lado, predomina no cenário atual um novo contexto caracterizado pela absorção dos novos
3

paradigmas da qualidade, produtividade e competitividade (que estão incorporados na nova


legislação), implicando na necessidade de modernização da gestão das empresas operadoras e
da relação entre elas e os órgãos públicos que regulam e gerenciam os serviços.

O setor de transporte coletivo urbano no Brasil também enfrenta uma crise que
pode colocar em xeque o atual arcabouço institucional que regula os serviços (Brasileiro et
alii, 1997). Os elementos que podem caracterizar esta crise estão, dentre outros fatores:
a) no crescimento dos índices de utilização de automóveis privados que atua, por um lado,
como redutor da demanda e, por outro, como limitador da fluidez circulatória e do
desempenho operacional dos veículos dos serviços de transporte público;
b) na queda generalizada de demanda pelos serviços de transporte público regular, que vem
registrando de forma continuada, elevações de tarifas, queda da capacidade operacional e
diminuição da qualidade e produtividade dos serviços; e
c) no aparecimento e crescimento do “transporte informal” ou “alternativo” na maioria das
cidades brasileiras.

Documento da Secretaria de Desenvolvimento do Ministério dos Transportes


(MT/SEDES, 1997) aponta que no período de julho de 1994, quando da implantação do Plano
Real, a junho de 1997, três anos depois, houve um aumento médio das tarifas nas principais
capitais brasileiras de cerca de 76%. Em algumas capitais, os reajustes foram superiores a
100%, com casos de 150% de aumento (verificado em Porto Velho). No mesmo período, os
principais índices de preços tiveram variação de 45,9% (IGP-DI/FGV), 52,5% (INPC/IBGE)
e 56,1% (IPC/FIPE). A tabela 1 apresenta os reajustes acumulados das tarifas nas capitais
brasileiras para o período de julho de 1994 a junho de 1997.

De acordo com o documento do Ministério dos Transportes, os componentes de


custo dos serviços, base para o cálculo tarifário, sofreram significativa variação nos três
primeiros anos de vigência do Plano Real, sendo que o item “mão-de-obra” aumentou
sensivelmente o seu peso relativo no custo do transporte, passando de 38%, em julho de 1994,
para 53%, em junho de 1997, considerando a média dos custos nas capitais. A razão disso
talvez esteja no atual modelo de remuneração dos serviços, que permite que os empregadores
repassem os reajustes de salário obtidos pelos rodoviários diretamente para as tarifas.
4

Tabela 1
Tarifas de ônibus urbano em cidades brasileiras: reajustes acumulados
(julho/94 a junho/97)
Cidade Tarifa jul/94 Tarifa jun/97 Reajuste acumulado Variação real
(R$) (R$) * (%) (%) **
Aracaju 0,36 0,70 94,4 27,48
Belém 0,26 0,50 92,3 26,11
Belo Horizonte 0,35 0,65 85,7 21,78
Boa Vista 0,36 0,70 94,4 27,48
Brasília 0,54 1,00 85,2 21,45
Campo Grande 0,39 0,63 61,5 5,91
Cuiabá 0,35 0,60 71,4 12,40
Curitiba 0,40 0,65 62,5 6,56
Fortaleza 0,40 0,70 75,0 14,76
Goiânia 0,38 0,60 57,9 3,55
João Pessoa 0,29 0,50 72,4 13,06
Macapá 0,31 0,70 125,8 48,08
Maceió 0,33 0,65 97,0 29,19
Manaus 0,40 0,70 75,0 14,76
Natal NI NI NI NI
Porto Alegre 0,37 0,60 62,2 6,37
Porto Velho 0,30 0,75 150,0 63,95
Recife 0,35 0,55 57,1 3,02
Rio Branco 0,30 0,60 100,0 31,16
Rio de Janeiro 0,35 0,60 71,4 12,40
Salvador 0,35 0,70 100,0 31,16
São Luís 0,40 0,65 62,5 6,56
São Paulo 0,50 0,90 80,0 18,04
Teresina 0,29 0,50 72,4 13,06
Vitória 0,30 0,55 83,3 20,20
Fonte: Ministério dos Transportes - SEDES/DDIT (1997)
Notas: NI (não informado)
* As tarifas do ano de 1997 se referem aos valores vigentes no mês de junho;
** De acordo com o INPC/IBGE (jul/94 a jun/97) = 52,49%

Para a Secretaria de Desenvolvimento do Ministério dos Transportes, os aumentos


tarifários vêm, por certo, contribuindo para a fuga de passageiros dos sistemas convencionais.
Como conseqüência, diz o documento, “[...] aumentam-se os custos pelas deseconomias
decorrentes do crescimento do número dos veículos em circulação nos centros urbanos, e
reduzem-se as receitas pela diminuição do número de passageiros pagantes, contribuindo para
a necessidade de mais aumentos de tarifa, em um perigoso círculo vicioso que pode vir a
inviabilizar o transporte público urbano e comprometer seriamente a qualidade de vida das
nossas cidades”. Dessa maneira, conclui o documento: “[...] é de fundamental importância a
mobilização dos diversos segmentos da comunidade dos transportes públicos com vistas a
buscar novos mecanismos para o aumento da eficiência no setor e a definir um novo modelo
de remuneração dos serviços, compatível com uma economia estável”.
5

Para Cadaval (1992), o vale-transporte vem, desde a sua criação, amortecendo o


efeito do crescimento das tarifas sobre o orçamento das famílias dos trabalhadores do
mercado formal de trabalho, funcionando como um verdadeiro subsídio concedido pelas
empresas empregadoras (em conseqüência, os segmentos de usuários excluídos do mercado
formal de trabalho são penalizados, pois não têm acesso a esse benefício). O autor coloca,
então, a pergunta sobre até quando as empresas empregadoras concordarão com esta situação.
Não é por menos que várias propostas formuladas pelas associações, federações e sindicatos
das empresas empregadoras têm chegado no âmbito dos poderes executivo e legislativo
federal de extinção do benefício, através do seu pagamento em dinheiro.

O surgimento e o rápido crescimento do “transporte informal” ou “alternativo”


nas grandes cidades brasileiras nos últimos anos, trouxe à tona a discussão, no meio técnico e
na sociedade, dos temas voltados à regulação e competição dos serviços de transporte público.

O transporte informal é definido como os serviços de transporte coletivo de


passageiros em áreas urbanas realizadas sem autorização, permissão ou concessão dos
poderes concedentes locais. Já o transporte alternativo é caracterizado pelos serviços,
originalmente operados na clandestinidade, que, por algum ato legal, passaram a ser aceitos
pela municipalidades. Suas formas predominantes são os serviços de kombis, vans e/ou moto-
táxis (NTU, 1997). A tabela 2 mostra a quantidade de veículos utilizados no transporte
informal ou alternativo em algumas capitais brasileiras.

Dentre as causas do aparecimento do transporte informal ou alternativo, são


apontadas (NTU, 1997): as deficiências do sistema regular de ônibus no atendimento das
necessidades da demanda (baixa qualidade dos serviços); os atuais modelos de contratação e
delegação dos serviços (que impedem os operadores formais de reagirem aos estímulos de
mercado); e a alta rentabilidade do negócio do transporte por kombis e vans (esta condição
tende a se alterar quando cresce o número de operadores informais ou alternativos). Como os
preços cobrados pelos informais estão indexados às tarifas de ônibus e seus custos não variam
na mesma proporção, a cada reajuste das tarifas de ônibus correspondem aumentos mais que
proporcionais na rentabilidade das kombis e vans. Para Ramos (1997), o surgimento do
transporte informal ou alternativo demonstra que os valores das tarifas fixados para as
empresas do transporte regular estão em níveis lucrativos para os novos entrantes, ou seja, os
atuais níveis tarifários constituem-se em um forte elemento de estímulo a novas entradas no
mercado.
6

Tabela 2
Capitais Brasileiras: Quantidade de veículos utilizados no transporte informal
(maio/1997)
Município ônibus kombi/van taxi-lotação microônibus moto-táxi n° de ônibus
na frota
regular
Aracaju 183 273
Belém 10 1.593
Boa Vista 439 58
Campo Grande 40 416
Cuiabá 73 NI
Distrito Federal 270 700 2.153
Fortaleza 100 900 2.000 1.565
João Pessoa 18 11 10 426
Macapá 100 NI
Maceió 400 573
Manaus 70 80 1.055
Natal 30 80 10 5 567
Palmas 10 20 80
Recife 2.376 2.467
Rio de Janeiro 2.000 1.600 6.775
Salvador 135 1.320 2.493
São Luiz 350 751
São Paulo 1.000 3.000 500 11.980
Teresina 30 300 453
Total 3.535 10.504 1.223 78 2.830 33.678
Fonte: Pesquisa sobre transporte informal nas cidades brasileiras - NTU, 1997, p. 26.
Notas: NI (não informado)
Estimativas dos órgãos de gerência ou dos sindicatos/federações. Constam apenas as capitais que
forneceram dados.
O principal impacto do aparecimento e crescimento do transporte informal ou
alternativo é a redução na demanda atendida pelos sistemas regulares de ônibus. Isso acaba
por gerar um “processo circular”, com repercussões no sistema regulamentado de transporte
urbano de passageiros: a redução da demanda do sistema regular de transporte acarreta a
queda do índice de passageiros por quilômetro - IPK (o denominador da relação entre o custo
operacional e passageiros transportados, que determina o cálculo tarifário), o que provoca o
aumento nas tarifas e estimula a entrada de novos operadores, realimentando a variável inicial
(queda do volume de passageiros transportados). A tabela 3 mostra a queda do índice de
passageiros por quilômetro em algumas capitais brasileiras para o período 1994-96.

A emergência do transporte urbano informal ou alternativo colocou a importância


da necessidade da mudança do quadro de regulação dos serviços de transporte urbano no
Brasil (Ramos, 1997).
7

Tabela 3
Índice de Passageiros por Quilômetro - IPK (em abril e outubro de 1994 a 1996)*
Ano/Mês Abril Índice Outubro Índice
1994 2,72 100,00 2,76 100,00
1995 2,82 103,68 2,67 96,74
1996 2,58 94,85 2,31 83,69
Fonte: Gazeta Mercantil, 15/09/97, p. A-6
Nota: * Valores médios nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador,
Curitiba, Fortaleza e Brasília.

No relatório da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos sobre


o tema (NTU, 1997), no capítulo referente às propostas apresentadas pelos dirigentes do setor
de transportes urbanos, aparece a proposta da “formulação de políticas voltadas a aumentar a
capacidade das empresas operadoras de ônibus para atuarem em mercados competitivos,
através da revisão dos sistemas de concessão e controle”. Documento para discussão
preparado pela Confederação Nacional do Transporte (CNT, 1997), na parte de proposições
de soluções, também aponta no mesmo sentido, onde se lê:

“Relativamente à necessidade de se romper com os mecanismos que impedem a


criação de um ambiente competitivo nos sistemas de transportes urbanos e que
isso venha a ser o catalisador dos saltos de qualidade e produtividade, os
regulamentos da prestação desses serviços devem ser readequados, de forma a
induzirem à disputa do mercado [grifo nosso]. Esses saltos de qualidade e
produtividade, obtidos a partir da readequação dos regulamentos levará a uma
solução de ‘mercado’ para o problema do transporte informal. Quer dizer, um
transporte regulamentado eficiente e de qualidade será um instrumento inibidor
da atuação do transporte informal.” (CNT, 1997, p. 39)

Em 1994, a Empresa Brasileira de Planejamento de Transportes - GEIPOT solicitou


à Fundação COPPETEC da Universidade Federal do Rio de Janeiro um estudo para a
apresentação de um modelo de remuneração dos serviços de ônibus para as cidades
brasileiras. Este estudo, aqui denominado por simplicidade como GEIPOT/COPPETEC (Orrico
Filho et alii, 1995), evoluiu para uma discussão e proposição de um novo modelo de
regulação dos serviços de transporte coletivo urbano por ônibus. Este novo modelo de
regulação, desenvolvido por uma equipe de pesquisadores de várias universidades brasileiras,
propôs, grosso modo, a introdução da competição no setor no momento da entrada no
mercado, através da utilização do mecanismo de “licitações competitivas”.

A preocupação desta Dissertação, dessa maneira, são os aspectos relacionados à


regulação econômica do setor de transporte coletivo urbano. Por regulação no transporte
coletivo urbano entende-se a imposição, por parte do Poder Público, dos controles referentes à
8

administração tarifária, à quantidade e qualidade dos serviços e condições de entrada e saída


no mercado.

Para a teoria microeconômica tradicional, a racionalidade da intervenção


governamental nos serviços públicos reside na busca da máxima eficiência na obtenção do
produto final, garantindo o bem-estar social. Nesse sentido, os efeitos negativos sobre o
interesse público advindos do poder de monopólio são os fundamentos da regulação
econômica (vide Viscusi et alii, 1995). Como se sabe, o comportamento de maximização de
lucros do monopolista, na ausência da regulação, resultaria na fixação do preço acima do
custo marginal, com a conseqüente restrição da oferta, produzindo uma perda de bem-estar
para a sociedade. A regulação econômica, deste modo, imporia regras de preços e
quantidades, forçando os ofertantes a se comportarem de modo eficiente (eficiência
alocativa). Por outro lado, as restrições à entrada e saída do mercado, na presença das
significativas economias de escala, garantiriam o monopólio como estrutura a ser preservada
(eficiência produtiva).

Entretanto, o mercado de transporte urbano por ônibus não se caracteriza como


um “monopólio natural”. Müller (1996) argumenta que o setor não apresenta significativas
economias de escala, já que a maior parte dos custos do serviço é função da quilometragem
desenvolvida e do tamanho da frota (isto é, os custos são proporcionais aos veículos-
quilômetros operados), sendo desprezíveis as economias que poderiam surgir de oficinas e
garagens de maior porte. Ao mesmo tempo, o número de veículos por empresa pode variar de
um a dezenas ou centenas, sendo o tamanho da escala mínima de eficiência pequeno em
relação ao mercado.

Segundo Button & Keeler (1993), a regulação econômica do transporte urbano


por ônibus sempre esteve apoiada na idéia da preservação do interesse público. De acordo
com esta idéia, os serviços são considerados de natureza social, sendo necessário proteger o
interesse do usuário, especialmente na garantia da oferta e na fixação das tarifas. Com o
controle da entrada, da quantidade e dos preços dos serviços, evitar-se-iam, dessa maneira, a
fixação de preços excessivos (com a apropriação de rendas monopolistas), a instabilidade na
oferta e a queda da confiabilidade da operação, protegendo os serviços mínimos que o livre
mercado não garantiria. De acordo com Müller (1996), os principais argumentos que
justificam a regulação econômica do setor estão nas especificidades que caracterizam a
produção dos serviços. Santos & Orrico Filho (1996), nesse sentido, colocam como necessária
9

a coordenação (e integração) tarifária e temporal da operação dos serviços, com o objetivo de


extrair a racionalidade no uso de recursos e fomentar a articulação entre os diversos
operadores, buscando a eficiência na operação. A noção de rede integrada de serviços, desse
modo, é fundamental para a organização do mercado. Daí a importância da função reguladora
do Estado.

Por outro lado, as experiências de desregulação dos serviços ocorridas na Grã-


Bretanha e no Chile mostraram que os serviços operando no livre mercado tendem a
apresentar como resultado o aumento expressivo da oferta (em termos de veículo-quilômetro)
sem que esta seja acompanhada pela demanda. Esta situação, constatada nos dois casos
citados, provocou o aumento dos custos médios por passageiro, levando à majoração das
tarifas. Isto se traduz em ineficiência operacional. A livre entrada também conduziu à
instabilidade dos serviços, desestruturando a organização da operação em rede. Ou seja: a
desregulação dos serviços não atingiu os resultados esperados, de maior eficiência na
operação, com reduções de tarifas (Evans, 1991a; Aragão, 1996a; Thompson, 1992; Figueroa,
1996).

De acordo com a Constituição brasileira, o transporte coletivo urbano é definido


como um serviço público essencial, onde a responsabilidade pela sua prestação é do poder
local, que poderá fazê-lo por concessão ou permissão às empresas privadas (quando aquele
não prestar diretamente o serviço). O serviço é operado, dessa maneira, dentro de um contexto
de regulação econômica, onde há imposições, por parte da autoridade pública, de controles
referentes à administração tarifária, ao estabelecimento de freqüências e itinerários, e
restrições à entrada no mercado.

O mecanismo básico de remuneração e tarifação dos serviços, adotado na maioria


das cidades brasileiras, é o do modelo de “custo médio”, ou seja, pelo custo médio unitário de
produção dos serviços. Na prática, esse modelo consiste na cobertura dos custos totais de
operação mais a adoção de uma taxa de retorno sobre o capital investido, de 12% ao ano,
considerada como custo de oportunidade. A receita total deve, então, cobrir todos os custos
operacionais, incluindo um “lucro normal”. Assim, as empresas operadoras operariam com
lucro econômico zero, numa situação de break even.

Tomando como base o que foi apresentado, poder-se-ia concluir que a regulação
econômica dos serviços de transporte coletivo urbano por ônibus tem por objetivo obter a
máxima eficiência na prestação do serviço, garantindo o bem-estar do usuário. Entretanto,
10

através da análise da literatura existente sobre o tema (Lima, 1994; Brasileiro et alii, 1996;
Ramos, 1997), e também da observação pessoal do pesquisador, observa-se que o setor se
caracteriza como um mercado “fechado”, com diversas barreiras legais à entrada de novos
operadores, e pela inexistência do risco na operação dos serviços. A atual sistemática de
remuneração (de repasse direto dos custos da operação para as tarifas) não incentiva a
racionalização de custos e estimula a ineficiência (Lindau & Rosado, 1992; Gomide, 1992).
Aparece, então, o questionamento se o atual modelo de regulação adotado nas cidades
brasileiras realmente direcionam no sentido da obtenção da máxima eficiência e da busca da
qualidade, garantindo o bem-estar social que a teoria almeja.

Como comentado, o novo cenário jurídico e institucional dado pelas Leis Federais
8.666/93 e 8.987/95, revigorou o instrumento da concessão e da permissão, introduzindo uma
série de princípios visando a alcançar a eficiência na prestação dos serviços públicos. Um
destes princípios foi a exigência da licitação para a delegação dos serviços sob critérios
exclusivamente econômicos (menor tarifa, maior oferta em dinheiro ou combinação de
ambos). Esta exigência abriu espaço para a extinção das atuais permissões e autorizações dos
serviços, na medida que estabeleceu a necessidade da realização de licitações para o
transporte coletivo urbano na maioria das cidades brasileiras.

Nesse sentido, formulam-se as seguintes perguntas, que irão orientar a pesquisa.


Os atuais modelos de regulação adotados nas cidades brasileiras, expressos pelos mecanismos
de remuneração empresarial e pelos regulamentos dos serviços, contêm mecanismos eficazes
para promover a eficiência e a qualidade na operação, garantindo o bem-estar social que a
teoria almeja? Em que medida as novas licitações, sob os critérios da atual legislação de
licitação e concessão de serviços públicos, impõem mudanças no atual quadro de regulação
para promover tais objetivos?

1.3. Escopo do trabalho


Tendo em vista os objetivos mencionados, na primeira parte do trabalho será
realizada a revisão da literatura econômica no que diz respeito à regulação, onde serão
debatidos os conceitos e teorias que irão embasar a discussão no decorrer do trabalho. Serão
analisados os mecanismos de regulação sugeridos pela literatura econômica para promover a
eficiência na operação dos serviços públicos e discutidas as teorias, surgidas no final dos anos
70 e início dos 80, que deram o embasamento técnico e científico para a revisão do arcabouço
regulatório do setor de transporte urbano por ônibus em várias partes do mundo.
11

Na segunda parte do trabalho, apresentar-se-á o debate acerca da regulação


econômica dos serviços de transporte urbano e o estudo das experiências internacionais de
regulação desta modalidade de transporte. Serão analisadas as características teóricas da
produção dos serviços e justificada a necessidade da intervenção governamental no setor.
Apresentar-se-ão os resultados das experiências de desregulação ocorridas na Grã-Bretanha e
no Chile, por serem as mais conhecidas pela literatura especializada. Por último será
apresentado e descrito o modelo de regulação baseada nas “licitações competitivas”
(competitive tendering)  adotado em Londres, nos Estados Unidos, e outros países europeus
(Suécia, Finlândia, Dinamarca).

Na terceira parte, será analisado o atual modelo de regulação econômica do


transporte coletivo urbano por ônibus adotado nas cidades brasileiras O estudo se iniciará
indicando as origens das relações contratuais das delegações dos serviços nas cidades
brasileiras para, depois, proceder a análise do quadro jurídico e institucional no qual se
inserem as relações de regulação do setor. Serão analisados os modelos de remuneração
existentes e as características gerais dos regulamentos dos serviços, em cidades selecionadas,
mostrando os principais problemas e limites destes em promover a qualidade e a eficiência
operacional.

Por fim, na quarta parte, serão analisados, sob o marco de um modelo de


“licitação competitiva” (modelo do estudo GEIPOT/COPPETEC), os critérios de seleção e
contratação utilizados pelos primeiros editais de licitações, após as mudanças na legislação
federal sobre o assunto, e avaliados as possíveis repercussões destes sobre o quadro de
regulação dos serviços.

1.4. Metodologia
A pesquisa foi embasada no levantamento e revisão da bibliografia nacional e
internacional existente sobre o tema e em observações diretas feitas pelo autor.

O estudo dos modelos de remuneração empresarial e das características gerais dos


instrumentos de regulação no setor foi feito por meio da análise dos regulamentos em cidades
selecionadas e da leitura dos estudos já existentes sobre o tema. Neste sentido, destacam-se os
resultados dos trabalhos de Brasileiro et alii (1996) e EBTU (1990). Foram escolhidas as
seguintes capitais brasileiras para análise: Belém, Belo Horizonte, Curitiba, Distrito Federal,
Fortaleza, Natal, Porto Alegre, Recife e Rio de Janeiro. O motivo da escolha destas cidades se
deve ao fato de as mesmas apresentar diversos tamanhos, estarem situadas em diferentes
12

regiões do país e totalizarem expressiva parcela da população urbana brasileira. Foi feita a
análise dos regulamentos e dos modelos de remuneração, discutindo-se as principais
repercussões destes sobre a eficiência, qualidade e competitividade dos serviços.

De acordo com Gil (1995), embora a técnica de estudo de caso permita um estudo
aprofundado de determinado tema, ela apresenta como inconveniente a dificuldade de
generalização, por não haver uma garantia plena de que os casos escolhidos sejam
representativos do universo. Entretanto, segundo o autor, a escolha de uma certa variedade de
casos, selecionados cautelosamente e sob critérios determinados, permitem obter conclusões
de valor alto e que podem ser generalizadas para todo o universo de estudo, com razoável
grau de confiança.

Para a análise das possíveis repercussões das primeiras licitações de transporte


urbano por ônibus, realizadas sob o novo contexto dado pelas leis de licitações e concessões
de serviços públicos, sobre o quadro de regulação do setor, a pesquisa utilizou-se basicamente
de fontes primárias, sendo adotados os seguintes procedimentos. Dentre as cidades
selecionadas para análise dos regulamentos e das formas de remuneração mencionadas acima,
levantaram-se as que procederam a licitações até dezembro de 1997. Foram obtidos, dessa
maneira, três editais de licitação: de Belo Horizonte, do Distrito Federal e do Rio de Janeiro.

Analisaram-se os editais e as minutas dos contratos, tendo como referencial as


proposições e recomendações para licitações dos serviços do modelo de licitação competitiva
desenvolvido pelo estudo GEIPOT/COPPETEC (Orrico Filho et alii, 1995). Desse modo, a
investigação não teve como objetivo expor as etapas dos processos de licitação, ou seus
desdobramentos e resultados  nem descrever os sistemas de transporte ou o histórico da
regulamentação dos serviços em cada cidade , mas tão somente analisar os editais como
instrumento de política pública para o setor de transporte urbano por ônibus. Deve-se
mencionar que a pesquisa teve como referência o mês de dezembro de 1997, sendo que
muitos dos processos de licitação ainda não haviam sido concluídos.

A análise dos editais foi feita de forma comparativa, centrada nos itens: a)
mecanismos de incentivo à competição e existência de barreiras à entrada de novos
operadores; b) critérios de seleção utilizados; c) modelos de remuneração; d) prazo dos
contratos; e e) existência de mecanismos de incentivo ao aumento da qualidade dos serviços.
13

1.5. Organização do texto


O trabalho está estruturado em mais cinco capítulos, além desta Introdução. No
Capítulo 2 é realizada a revisão da literatura econômica no que diz respeito à regulação
governamental, seus fundamentos, críticas e novos paradigmas. Nesse capítulo são abordados
os aspectos teóricos e os conceitos que irão embasar a discussão no decorrer do trabalho. São
discutidos os modelos de regulação sugeridos pela teoria visando alcançar a eficiência e
analisadas as teorias que deram o embasamento para os processos de reforma regulatória no
setor de transporte urbano de passageiros em diversos países.

No Capítulo 3, é apresentado o debate sobre a regulação dos serviços de


transporte urbano por ônibus e o estudo das experiências internacionais de regulação. São
analisadas as características da produção dos serviços e discutidos os argumentos contrários e
favoráveis à regulação do setor. São apresentados os resultados das reformas regulatórias
ocorridas na Grã-Bretanha e em Santiago do Chile e descrita a tipologia de regulação baseada
nas “licitações competitivas” (competitive tendering), adotada em Londres, em algumas
cidades americanas, como forma de obter a eficiência operacional, mantendo a função
reguladora da autoridade pública.

No capítulo 4, é feita a análise do modelo brasileiro de remuneração e regulação


do transporte urbano por ônibus. São apontadas as origens das atuais delegações dos serviços
de transporte nas cidades brasileiras, e analisado o quadro jurídico e institucional no qual se
inserem as relações de regulação no setor. Discute-se também o novo contexto dado pela nova
legislação de serviços públicos e seu impacto sobre os serviços. São analisados os modelos de
remuneração empresarial e as características gerais dos mecanismos de regulação nas cidades
brasileiras, mostrando os principais problemas e limites destes em promover a qualidade e a
eficiência.

No Capítulo 5, analisa-se, sob o marco do modelo de licitações competitivas do


estudo GEIPOT/COPPETEC (Orrico Filho et alii, 1995), os primeiros editais de licitações de
transporte coletivo urbano por ônibus em cidades brasileiras, após as mudanças na legislação
federal sobre o assunto, avaliando-se as possíveis repercussões sobre o quadro de regulação
dos serviços.

Por fim, no Capítulo 6, são sintetizados os principais resultados do trabalho,


apresentadas as limitações do estudo e algumas direções de pesquisa nos temas relacionados a
esta Dissertação.
14

CAPÍTULO II
REGULAÇÃO ECONÔMICA: FUNDAMENTOS TEÓRICOS, CRÍTICAS E NOVOS
PARADIGMAS

INTRODUÇÃO
Este capítulo tem por objetivo realizar uma revisão da literatura econômica no que
diz respeito à regulação governamental, seus fundamentos, críticas e novos paradigmas. Serão
abordados os aspectos teóricos que irão embasar a discussão no decorrer do trabalho, a
respeito da regulação dos serviços de transporte urbano por ônibus.

O capítulo é composto por cinco partes, além dessa Introdução. A análise se inicia
na seção 1, com a investigação da racionalidade teórica para a intervenção estatal na atividade
econômica. O enfoque é basicamente neoclássico, calcado na visão do que, no jargão
tradicional, se denominou “falhas de mercado”. Em seguida, na seção 2, analisam-se alguns
mecanismos de regulação sugeridos pela teoria visando alcançar a eficiência na prestação dos
serviços públicos. Na seção 3, é apresentada a visão crítica da regulação governamental,
através das teorias da “captura” e da “regulação econômica”, da escola de Chicago. A “teoria
dos mercados contestáveis” é analisada na seção 4, suas implicações de políticas públicas,
como também as críticas à teoria. Por fim, na seção 5, os comentários finais encerram o
capítulo.

2.1. A INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ATIVIDADE ECONÔMICA

2.1.1. Falhas de mercado e intervenção governamental


Na análise ortodoxa, o conceito de concorrência perfeita é o referencial no qual os
mercados ou as estruturas industriais são avaliados em termos de eficiência. Como se sabe, o
mercado perfeitamente competitivo é a estrutura onde há um grande número de empresas,
geralmente de dimensões pequenas, produzindo um único produto homogêneo e onde não
existem barreiras à entrada. A firma é tomadora de preços, sendo que nenhuma empresa
individualmente consegue alterar o preço de mercado mediante o aumento ou redução de sua
15

produção: a concorrência é, então, uma questão diretamente relacionada ao número de


empresas.

Só o mercado perfeitamente competitivo apresenta as propriedades adequadas em


termos de bem-estar, pois neste o sistema de preços garante a operação das firmas em nível de
custo médio mínimo e o preço se iguala ao custo marginal (com lucros econômicos nulos),
condição para a existência de uma situação econômica eficiente de Pareto.1 As estruturas de
mercado que se afastarem desse padrão  os monopólios, por exemplo  são consideradas
como produtoras de distorções na alocação de recursos e, por isso, fonte de ineficiências.
Estabelece-se, dessa maneira, a racionalidade para a adoção de políticas governamentais,
visando levá-las a se aproximarem daquele padrão: “o Estado deve intervir quando o sistema
de transações impessoais de mercado, mediado somente pelos preços, falha em oferecer uma
sinalização adequada para os consumidores ou produtores, proporcionando uma alocação
ineficiente de recursos”. (Farina et alii, 1997)

O conceito de eficiência, na abordagem neoclássica, assume duas dimensões:


produtiva e alocativa. A primeira consiste na utilização, com máximo rendimento e mínimo
custo, da planta produtiva instalada e respectiva tecnologia, isto é, quando as empresas de um
determinado setor são levadas a escolherem o processo produtivo de menor custo disponível.
A eficiência alocativa, de origem paretiana, se traduz em igualar o preço de mercado do bem
ou serviço ao custo marginal de produção  condição de equilíbrio das firmas sob
concorrência perfeita  e qualquer desvio em relação a esta situação significa uma perda do
excedente do consumidor, acarretando a perda do bem-estar social.

Na análise microeconômica tradicional, a justificativa para a intervenção


governamental reside na existência de “falhas de mercado” para se alcançar o bem-estar
social, isto é, para os casos de desvio da eficiência de mercado, onde os requisitos da
competição não conseguirão vigorar.

Byrns & Stone Jr. (1996) relacionam os seguintes instrumentos pelos quais o
Governo pode corrigir as falhas de mercado: a) promovendo a concorrência; b) fornecendo
diretamente determinados bens; e c) modificando a composição da produção privada por meio
de impostos, subsídios ou regulações.

1
Uma situação econômica é dita eficiente de Pareto se não existir nenhuma forma de melhorar a situação de
alguma pessoa sem piorar a de outra. De acordo com a teoria microeconômica só o mercado competitivo produz
uma quantidade de produto eficiente de Pareto (ver Varian, 1994).
16

A existência de “externalidades”, “informação assimétrica (ou imperfeita)”, “bens


públicos” e “poder de monopólio” estão entre as principais causas das falhas de mercado.2

As externalidades são os benefícios conferidos ou os custos impostos sobre uma


terceira parte não diretamente envolvida em uma atividade. Esse tipo de ineficiência é comum
quando os preços e a produção de mercado falham ao não refletirem as preferências dessa
terceira parte. Conseqüentemente, as firmas poderão vir a produzir quantidades excessivas ou
insuficientes, de tal forma que o resultado seja a ineficiência de mercado. Alguns dos
exemplos clássicos de externalidades negativas e positivas são, no primeiro caso, a poluição
de uma fábrica no processo de produção de sua mercadoria, causando custos a terceiros, e, no
segundo, a educação ou a exigência de vacinação contra doenças transmissíveis. Possíveis
formas de intervenção governamental para corrigir as externalidades são a adoção de
impostos (externalidades negativas), subsídios (externalidades positivas), a regulação
governamental ou a propriedade direta do Governo da produção do bem ou serviço em
questão.

Informação assimétrica ou imperfeita são os casos onde os consumidores não têm


informações exatas a respeito dos preços de mercado ou da qualidade do produto, assim o
sistema de preços não pode operar eficientemente. A falta de informação poderá estimular os
produtores a ofertarem quantidades excessivas ou insuficientes de determinados produtos. É
pela existência de informação imperfeita que se justificam a legislação de proteção ao
consumidor (exigindo etiquetas discriminando o conteúdo de embalagens de alimentos e
remédios, entre outras) e dos mercados de trabalho.3

Os bens públicos são casos aonde os mercados competitivos vão subproduzir


relativamente à quantidade eficiente. Um bem público é aquele cujas unidades de produção
são consumidas coletivamente por todas as pessoas, independentemente se elas pagam ou não
por ele. Esses bens possuem duas características: não rivalidade  quando para qualquer
nível de produção, o custo marginal de fornecê-la para um consumidor adicional é zero (a
utilização de uma rodovia, por exemplo)  ou não exclusividade  onde é impossível ou
dispendioso excluir pessoas do seu consumo (a segurança nacional, por exemplo). O Governo

2
Para uma análise pormenorizada a respeito das falhas de mercado ver Hyman (1989).
3
Os problemas do Risco Moral (Moral Hazard) e da Seleção Adversa podem também justificar a proteção do
consumidor (ver Byrns & Stone Jr., 1996)
17

poderá resolver esse problema por meio do fornecimento direto de tais mercadorias ou
serviços ou por meio de estímulos para que empresas privadas se disponham a produzi-las.4

O monopólio, ao contrário de uma indústria competitiva, é a situação no qual


apenas uma firma, ou pequeno grupo de firmas, tem o controle exclusivo de um produto em
um dado mercado (Varian, 1992). É uma estrutura marcada pela existência de barreiras à
entrada devido, principalmente, às economias de escala. Nesse caso, as dimensões do
mercado e as características da tecnologia, isto é, a relação entre a curva de custo médio e a
curva de demanda são tais que apenas uma firma (ou pequeno grupo de firmas) pode(m)
operar e produzir lucros positivos. Casos extremos seriam os “monopólios naturais”, onde a
presença de economias de escala é a tal ponto significativa em relação ao tamanho de
mercado, que este comporta apenas uma firma de escala mínima eficiente.

No monopólio, a ineficiência surge pelo fato de um fabricante ou fornecedor


possuir poder de mercado; assim, ele determinará a quantidade produzida para a qual a receita
marginal (em vez do preço) seja igual ao custo marginal, produzindo uma quantidade menor
por um preço mais elevado do que um mercado competitivo (Varian, 1994).5 Por essa razão,
os consumidores estarão em pior situação numa indústria organizada como um monopólio do
que numa indústria organizada competitivamente.6 É do poder de monopólio que surge a
necessidade da regulação econômica e das “políticas antitruste”.

As políticas antitruste (ou de defesa da concorrência) teriam a função de controlar


o poder de monopólio decorrentes de estruturas oligopólicas de mercado. Estas são voltadas,
basicamente, à prevenção e repressão de condutas anticompetitivas, incluindo o controle
prévio de fusões ou incorporações que possam induzir a estruturas de mercado concentradas.

4
É importante não confundir bens públicos com bens produzidos pelo governo. Muitas mercadorias
publicamente ofertadas podem ser rivais e/ou exclusivas. Por exemplo, a educação é uma mercadoria rival em
termos de consumo (existe um custo marginal positivo para o seu fornecimento a um aluno adicional) e também
exclusiva (a cobrança pode excluir uma pessoa de estudar). “A educação pública é fornecida pelos governos
locais pelo fato de acarretar externalidades positivas, e não porque seja um bem público”. (Pindyck &
Rubenfeld, 1994)
5
Deve-se ressaltar que isso é verdadeiro se a função de custo for a mesma para ambos: concorrência perfeita e
monopólio.
6
Schumpeter (1984) já sugeria que o tipo de concorrência incorporada na análise microeconômica  estática 
não é a que realmente importa. Na verdade, é a competição dinâmica propiciada pela introdução de novos
produtos e novos processos que realmente conta: concorrência como processo de mudança, que se traduz nas
estratégias competitivas das firmas que, em disputa por mercados, empreendem esforços inovativos, produzindo
bens de maior qualidade, em maior variedade e a baixo preço. As empresas oligopólicas concorrem
acirradamente entre si, mas com outras armas, que não a guerra de preços: ampliando a capacidade produtiva à
frente do crescimento da demanda, aperfeiçoando processos produtivos e ampliando escala para reduzir custos
de produção, realizando gastos em P & D para a geração e incorporação de inovações tecnológicas, entre outras.
O beneficiário último desse processo é, sem dúvida, o consumidor.
18

Já as políticas de regulação objetivam fixar normas de operação, tarifação e critérios de


desempenho, favorecendo a eficiência econômica e o bem-estar social (vide Possas et
alii,1997).

2.1.2. A Regulação Econômica e o Monopólio Natural


De acordo com a teoria microeconômica tradicional, os problemas do monopólio
natural são os fundamentos para a regulação econômica. A regulação econômica se refere ao
controle, imposições e restrições às decisões da firma sobre preço, quantidade, e entrada e
saída do mercado. Em alguns casos existe o controle sobre outras variáveis, como a qualidade
do produto, o desempenho e o investimento realizado (Viscusi et alii, 1995).

Um monopólio é denominado “natural” quando uma única firma minimiza o custo


total da indústria. São situações onde o tamanho do mercado é pequeno relativamente ao
tamanho ótimo da planta. A tecnologia é tal que se exibem substanciais economias de escala,
onde o mercado não poderia suportar mais que uma firma com escala mínima eficiente.
Assim, qualquer tentativa de ampliar o número de produtores na indústria, de modo a
estimular a concorrência, pode levar à presença de uma ou mais plantas de escala subótima.

Nesse caso, o sistema de mercado competitivo não pode funcionar adequadamente


porque  devido à presença de significativas economias de escala, com grandes custos fixos
e pequenos custos marginais  as firmas de maior tamanho têm a possibilidade de operar a
um custo menor. “A economia de escala é tão grande que a curva de custo total médio de
longo prazo tem inclinação descendente na faixa relevante de produção (ou rendimentos
crescentes de escala) e apenas uma firma poderá sobreviver: a que expande ao máximo a
produção e goza da maior diminuição do custo total médio” (Miller, 1981, p. 314). Casos
típicos de monopólio natural encontram-se nos serviços de utilidade pública, tais como o
fornecimento de água, eletricidade, as ferrovias, entre outros. No caso das ferrovias, por
exemplo, cada passageiro transportado a mais contribui para reduzir os custos de instalação,
mas se outra ferrovia disputasse o mesmo mercado, passageiros e cargas seriam
necessariamente divididos. Entretanto, a infra-estrutura de funcionamento seria duplicada,
com prejuízos para ambas.

Na ausência de regulação, o comportamento de maximização de lucros por parte


da firma monopolista, de igualar a receita marginal ao custo marginal, geraria um nível de
produção baixo e um preço elevado, comparado a uma situação competitiva, onde o preço
seria igual ao custo marginal. Essa situação provocaria uma perda de bem-estar de “peso
19

morto” (deadweight welfare loss), existindo perda líquida dos excedentes dos consumidores e
produtores. Esta perda mede o custo social da ineficiência do monopólio, já que o nível de
produção é inferior ao que poderia ser, caso o preço fosse estabelecido em uma situação
competitiva.

Como se sabe, para a teoria econômica neoclássica, a regra básica para um


processo eficiente de formação de preços é que o preço deve se igualar ao custo marginal
(CMg). Na figura 1, a adoção desse procedimento produziria uma quantidade ofertada Qp a
um preço Pp. Na ausência de regulação, a firma monopolista, buscando a maximização de
lucros, igualaria a sua receita marginal (RMg) com o seu custo marginal, gerando um produto
Qm (abaixo de Qp), a um preço Pm (acima do preço Pp), provocando uma perda de “peso
morto” (perda de eficiência alocativa estática) medida pela área abc, no gráfico.

Preço D
Perda de bem- CMg CMe
estar de
“peso morto”
Pm a

Pc
Pp
b

RMg D
c

Qm Qc Qp Quantidade

Figura 1
A situação do monopólio natural

Entretanto, a firma produz no segmento descendente da curva de custo médio


(dado o tamanho do mercado e as características da tecnologia) e, portanto, não pode cobrar
um preço igual ao custo marginal (Pp), pois incorreria em prejuízos: o ponto mínimo da curva
20

de custo médio (CMe) está à direita da curva de demanda (D), e a interseção da demanda e do
custo marginal se localiza abaixo do custo médio.

Não é desejável que se permita a um monopolista natural que este estabeleça o


seu próprio preço (Pm), devido à ineficiência de Pareto e a conseqüente perda de bem-estar.
Por outro lado, regular o preço ao nível dos custos marginais (Pm) não é factível, pois geraria
prejuízos.

Se a firma regulada não receber subsídio, ela tem que operar num ponto onde não
incorra em perdas, tendo que cobrar um preço que seja igual ou maior do que os seus custos
médios. Para oferecer o serviço para todos que estejam dispostos a pagar por ele, a firma tem
também que operar na curva de demanda. Portanto, a posição de operação para uma firma
regulada é o ponto (Qc, Pc), na figura 1. Nesse ponto, a firma está vendendo o seu produto ao
custo médio de produção, de forma que os custos estão sendo cobertos, porém produzindo um
produto aquém do nível eficiente de produção (Pc). Essa solução é denominada como
“segundo ótimo” (second best) para um monopolista natural (Varian, 1994).

Supõe-se que esse preço apenas permita à empresa produzir num nível onde a
receita cubra todos os custos, incluindo uma taxa de retorno normal ou o custo de
oportunidade sobre o capital.7 Desse modo, a empresa opera com lucro econômico zero,8
numa situação de break even. De acordo com Possas et alii (1997), nas aplicações normativas
ao mundo real, em que não se verificam situações de concorrência perfeita, a condição
paretiana é buscada, nas ações regulatórias, por aproximação. Freqüentemente toma-se a
redução dos preços aos custos médios como um second best adequado: no caso, por meio de
preços ou tarifas administrados.

A teoria ortodoxa aceita a regulação como forma de impedir a prática de preços


monopolísticos, substituindo a concorrência nas atividades em que se verificam as falhas de
mercado. A regulação visa, dessa maneira, a eficiência alocativa e produtiva: a restrição da
entrada permite que apenas uma firma produza (eficiência produtiva) e o controle do preço no
nível do custo médio impõe a busca do preço ótimo social (eficiência alocativa).

7
O custo de oportunidade é definido como o valor de um recurso em seu melhor uso alternativo (Miller, 1981).
O custo de oportunidade, p. ex., de se possuir uma máquina é o valor de seu uso alternativo mais alto, que pode
ser tanto o valor obtido pelo aluguel dessa máquina ou pela sua venda e aplicação no mercado financeiro: a
consideração do custo médio envolve a incorporação desse custo de oportunidade do capital.
8
O lucro econômico difere do lucro contábil, pois aquele incorpora o custo de oportunidade. Isso explica a
situação de um possível lucro econômico zero com lucro contábil positivo.
21

2.2. MECANISMOS DE REGULAÇÃO


O primeiro objeto da regulação é o preço (Viscusi et alii, 1995). Via de regra, a
qualidade do serviço é colocada como dada e comum às firmas atuantes. Dessa maneira, o
foco quase exclusivo dos mecanismos de regulação é colocado sobre as regras de tarifação.
Nesta seção, com o objetivo de embasar teoricamente a discussão que será realizada nos
próximos capítulos, quanto às formas de regulação e remuneração utilizadas nos serviços de
transporte urbano por ônibus, será estabelecido um conjunto de referências, de forma
sintética, a alguns tipos de regulação sugeridos pela teoria. Serão ressaltados os problemas
práticos que são apontados para cada modelo, como também algumas propostas que têm
surgido para superá-los.

2.2.1. Regulação pelo custo médio


Foi visto que a forma de administração dos preços para os monopólios regulados
se dá através da adoção de um “segundo ótimo” (second best), isto é, da fixação do preço pelo
custo médio. Na prática, esse modelo consiste na cobertura dos custos totais de operação
(custos contábeis) mais a adoção de uma taxa de retorno sobre o capital investido (ou alguma
outra definição de custo de capital para o empreendimento), considerada como o custo de
oportunidade  ou seja, uma percentagem fixa sobre o valor de estoque de capital. A receita
total deve, então, cobrir todos os custos operacionais, incluindo o lucro normal.

O preço é baseado na seguinte fórmula (Pindyck & Rubenfeld, 1994):

P = CVMe + (D + T + sK)
Q

onde: P = preço (ou tarifa)

CVMe = custo variável médio

Q = quantidade produzida

s = a taxa de retorno permitida

K = estoque de capital

T = tributos

D = depreciação
22

Esse modelo é o mais tradicional e foi adotado por longo tempo nos Estados
Unidos. Entretanto, ele apresenta como principais problemas: a) a dificuldade de avaliação e
determinação dos verdadeiros custos das firmas, inclusive os de capital, devido à assimetria
de informações entre empresas e órgão regulador; e b) a definição da taxa base de retorno
sobre o capital (rate base).9

O método é criticado por não estimular o aumento da eficiência, com pouco


incentivo à racionalização de custos. Pelo modelo, a firma não se apropria das reduções de
custos, pois estas significam redução de preço. Na fixação da tarifa todos os custos
operacionais da firma são cobertos, o que também pode encorajar a firma a incorrer em custos
desnecessários.

Miller (1981) também levanta a questão do controle da qualidade do serviço, pois


se é administrado apenas o preço nominal, uma alteração na qualidade do bem ou serviço em
questão irá alterar o preço real. Então, se a agência reguladora se recusar a permitir um
aumento do preço nominal, a firma poderá cortar a qualidade do serviço como forma de
aumentar sua margem de lucro.

Outra conseqüência é o estímulo à empresa regulada a superinvestir em capital em


relação aos outros insumos. Este efeito é denominado Averc-Johnson, pois foi primeiramente
notado por estes dois economistas (Averc & Johnson, 1962). O incentivo ao
superinvestimento ocorre pelo fato do lucro permitido (taxa de retorno) variar diretamente
com o estoque de capital.

Num modelo simples, a firma regulada maximiza o lucro sujeita a restrição:


Max ∏ = Pq - wL - rK

sujeito a Pq - wL ≤ Z
K
onde: Z = r + v = taxa de retorno permitida pela regulação, acima do custo unitário do capital
com v ≥ 0 (a firma terá uma taxa de retorno pelo menos igual a r)
∏ = lucro

P = preço do produto

q = produto

L = quantidade de mão de obra

9
De acordo com Byrns & Stone Jr. (1996, p. 427), é prática das comissões de regulações de serviços públicos
23

w = taxa de salários

K = quantidade de capital

r = custo da unidade de capital

Pode-se mostrar que o superinvestimento em capital ocorre porque quando a


percentagem da taxa de retorno sobre o investimento é fixa e menor do que a taxa
maximizadora de lucros, as firmas terão uma tendência a aumentar o seu estoque de capital.10
O objetivo é a maximização de lucros; já que a taxa de retorno que pode ser obtida sobre o
investimento é fixa, as firmas irão aumentar o investimento de capital como forma de obter
lucros maiores. Analisam-se, a seguir, outros mecanismos de regulação de preços, sugeridos
pela teoria, como forma de minorar as deficiências e os limites do modelo do custo médio.

2.2.2. Regulação pelo “Preço Limite” (Price Cap)


Esse modelo foi introduzido inicialmente na Inglaterra, no contexto da
privatização do setor elétrico e telefônico, e tem o objetivo de estimular a busca do aumento
da eficiência. O mecanismo compreende uma regra de reajuste por índice público de preços,
acompanhada de previsão da redução de custos por aumento de produtividade. Por exemplo,
se a produtividade for prevista em 3% e a inflação for 5%, a firma terá uma aumento de
preços de 2% no período. Argumenta-se que este modelo não só incentiva a redução de
custos, como também possibilita que os consumidores se apropriem de parte dos ganhos de
produtividade.

O modelo pode ser descrito pela seguinte fórmula:

Rt = πt-1 - Xt + Y

onde: Rt = o reajuste permitido das tarifas no período t

πt-1 = a taxa de inflação acumulada desde o último reajuste

Xt = o crescimento de produtividade esperado até o próximo reajuste

Y = componente de “choque de custos”, para absorver aumentos abruptos ou reduções


imprevistas de custos

Esse modelo tenta superar as falhas da tarifação pelo custo médio, ao induzir e
incluir os ganhos de produtividade. Entretanto, apresenta como desvantagens, entre outras, a

estabelecer a taxa base de retorno entre 8% a 12% ao ano.


24

dificuldade em determinar Xt e a definição inicial do preço básico, do qual se parte para


reajustes periódicos a partir da fórmula.

2.2.3. Regulação pelo mecanismo V-F (Vogelsang-Finsinger)


Este modelo visa atingir o “segundo ótimo” (tarifa igual ao custo médio) sem ser
necessário que se conheça a demanda e a função de custos da firma regulada. No modelo,
basta que o regulador conheça a quantidade vendida e os custos totais em um período (Lima
& Gonçalves, 1996).

O funcionamento do mecanismo é o seguinte: a tarifa do período t2 será, no


máximo, a tarifa que multiplicada pela quantidade vendida em t1 não exceda os custos totais
incorridos em t1. Argumenta-se que a aplicação dessa restrição ao longo do tempo levará ao
“segundo ótimo”.

Fazendo os índices representarem os períodos, e seja:

P = o preço (ou tarifa)

Q = a quantidade

CMe = o custo médio

Temos:

P2Q1 ≤ CMe1Q1

e dividindo os dois lados por Q1, temos:

P2 ≤ CMe1

A firma pode tarifar em t2 desde que a tarifa não exceda o custo médio de t1. Com
isto, a tarifa convergirá ao longo do tempo para o custo médio. Para a melhor compreensão do
modelo ver também Train (1991).

Esse modelo também apresenta uma série de problemas. Um deles é que fica
ainda o incentivo à firma informar custos maiores do que os custos efetivos e também a
incorrer em custos desnecessários. Há a dificuldade de se estabelecer o preço inicial que se
parte para os reajustes seguintes, como também a incorporação dos aumentos não previstos de
custos, entre outras.

10
Para o desenvolvimento formal ver Viscusi et alii (1995, pp. 387-91)
25

2.2.4. Regulação pelo mecanismo de licitação pelo menor preço (ou concorrência de
Demsetz)
Esse é um modelo alternativo que foi pensado a partir do final dos anos 60 como
forma de minorar os custos da regulação, fazendo com que a disputa pelo direito de operar em
determinado mercado via licitações pelo menor preço ou tarifa  obedecendo a critérios de
qualidade de serviço predeterminados  aproximasse os preços aos níveis dos custos médios
(Viscusi et alii,1995).

O modelo parte da hipótese de que a ausência de competição dentro do mercado


não significa, necessariamente, a ausência de concorrência, pois esta pode existir no momento
da entrada no mercado. Demsetz (1988) sugere que o processo pelo qual um produtor
assegura sua entrada no mercado pode ser comparado ao de um “leilão” (uma licitação, por
exemplo). Os “candidatos” a um determinado mercado se apresentam com suas propostas de
preços, todas elas baseadas na tecnologia adequada a esse mercado. É claro, no entanto, que
os concorrentes não podem fixar, nesse momento, preços de monopólio sob pena de serem
derrotados no “leilão” para a “conquista” do mercado. O preço vencedor, portanto, deverá
refletir o custo médio da produção para a dimensão do mercado em pauta. Dessa forma, a
competição pelo mercado, entre os potenciais entrantes, substituiria a concorrência no
mercado  a concorrência de Demsetz. A firma que oferecer o menor preço ganha o direito
da operação do serviço. Assim, se existir suficiente competição no momento da licitação
acredita-se que o preço possa se aproximar dos custos médios.

A principal vantagem desse mecanismo é que não é necessário ao governo obter


as informações de custos da firma para a determinação do preço. Outra vantagem é que
também não há mais o incentivo para a firma superinvestir em capital (efeito Averc-Jonhson).
O franqueado (ou concessionário) utilizará de forma eficiente os recursos, já que ele reterá
todos os lucros proporcionado pelo aumento de produtividade. Uma vez realizadas as
licitações, os contratos deverão especificar como as mudanças nos custos e demandas serão
manipuladas durante o período de concessão.

Entretanto, existem algumas dificuldades práticas da adoção desse modelo, sendo


a mais importante a possibilidade de conluio entre os pretendentes por ocasião da disputa em
cada “leilão” (ou licitação)  uma prática comum no comportamento estratégico das firmas
(Lima & Gonçalves, 1996).
26

Ressalta-se que para dar a esse mecanismo um mínimo de eficiência na redução


dos custos ao longo do tempo, as licitações têm que ser repetidas com certa freqüência (short-
term contracts). Novas concorrências teriam de ser realizadas, como forma de efetivar a
concorrência potencial e também incorporar alterações de demanda, custos e produtividade.

Para Viscusi et alii (1995), o problema aparece nesse modelo quando a atividade
envolve ativos de longa durabilidade e específicos, como em alguns serviços de utilidade
pública (energia elétrica, ferrovias, saneamento básico, etc.), pois a mera avaliação para a
transferência dos ativos da antiga para a nova firma, que poderia se dar de forma compulsória
pelo Governo, envolveria uma série de providências que não são triviais. Mas se a maior
parcela dos ativos for reversível, ou seja, puder ser redirecionada para outras atividades
(como uma aeronave, um ônibus ou uma frota de caminhões), em cada leilão ou licitação
haveria a possibilidade de mudar o franqueado (ou o concessionário).11

2.3. AS TEORIAS DA CAPTURA E DA REGULAÇÃO ECONÔMICA


Nessa seção é apresentada a abordagem stigleriana, onde é criticada a regulação
governamental. Tal abordagem, proveniente da escola econômica de Chicago, deu suporte
teórico aos vários processos de desregulação verificados, em diversos setores, nas décadas de
70 e 80, principalmente na Europa e Estados Unidos.

Como foi visto, a teoria microeconômica tradicional se baseia na existência de


falhas de mercado como a racionalidade para a intervenção governamental. Esta abordagem
foi originalmente chamada de “teoria do interesse público” (public interest theory). De acordo
com Byrns & Stone Jr. (1996), esse enfoque é fundamentado na idéia de que a regulação
satisfaz o interesse público, ao restringir as atividades econômicas nocivas: é ofertada em
resposta a uma demanda pública para a correção de uma falha de mercado. Assim, os serviços
fornecidos em regime de monopólio exigiriam a regulação, a fim de evitar a exploração dos
usuários destes serviços.

Entretanto, a partir do início dos anos 70, a teoria do interesse público da


regulação começou a ser severamente questionada frente à evidência de que vários setores
regulados não eram nem monopólios naturais e nem apresentavam externalidades
significativas. De acordo com Farina et alii (1997): “[...] no início dos anos 60 a razão mais

11
Existem também outras questões levantadas, quais sejam: o problema da assimetria de informações entre o
operador estabelecido e um novo entrante no momento da licitação e o custo de barganha na transferência de
ativos ligados à concessão. Neste sentido, ver Vickers & Yarrow (1998).
27

popular para a regulação era o monopólio natural, seguido à distância pelas externalidades.
Entretanto, qualquer incursão nos numerosos setores regulados nos EUA mostra que o
argumento do monopólio natural não se aplica[va] à maioria dos casos, tais como o transporte
aéreo e o rodoviário”.

Stigler (1975) questionou a validade dos argumentos da teoria do interesse


público. Se a abordagem do interesse público fosse correta, argumentava o autor, esperava-se
que a regulação atuasse basicamente em indústrias altamente concentradas, com economias de
escala significativas, ou exibindo externalidades substanciais. Entretanto, regulações em
setores como táxis, transporte aéreo, transporte rodoviário de passageiros por ônibus, entre
outros, tinham pouco ou nenhum apoio do fundamento da teoria do interesse público.

Na interpretação de Stigler, a regulação seria estimulada para servir aos interesses


das indústrias e não do público em geral. Ela atuaria no sentido de elevar o lucro da indústria
servindo, então, aos interesses dos produtores (pro-producer). Em mercados potencialmente
competitivos, como o transporte rodoviário de carga e táxis, por exemplo, a regulação
manteria os preços acima dos custos médios, prevenindo a entrada de outros concorrentes. As
firmas procurariam a regulação para atender os seus próprios interesses.

Byrns & Stone Jr. (1996) citam, como exemplo, o caso das restrições à entrada na
indústria de transporte aéreo americano, onde o Civil Aeronautics Board (CAB) não autorizou
nenhuma linha principal durante os 40 anos após a sua criação em 1938. Na regulação do
transporte rodoviário de carga pela Interstate Commerce Comission (ICC), entre os anos 60 e
70, os pedidos para novas rotas foram mais de 5.000 anualmente, enquanto o número de
firmas em operação se reduziu continuamente. As restrições sobre o número de táxis em Nova
Iorque resultaram em um valor de US$ 100.000 para os “medalhões” (medallions)  licenças
para o direito de operar o serviço.

Essas observações resultaram na “teoria da captura” (capture theory). Em


contraste com a teoria do interesse público, a teoria da captura estabelece que a regulação é
oferecida em resposta à demanda da indústria por regulação (ou seja, os legisladores são
“capturados” pela indústria) ou as agências regulatórias acabam sendo controladas pela
indústria no decorrer do tempo (isto é, os reguladores são “capturados” pela indústria). A
implicação é que a regulação acaba por promover o lucro da indústria regulada, ao invés do
bem-estar social.
28

Entretanto, a teoria da captura não explica como a regulação acaba sendo


controlada pela indústria, constituindo-se apenas em um corpo de hipóteses ou demonstrações
sobre regularidades verificadas empiricamente (Viscusi et alii, 1995).12

A “teoria da regulação econômica” (the theory of economic regulation) de Stigler


(1975) deu maior robustez e consistência formal às conclusões da teoria da captura, gerando
hipóteses e predições sobre o tipo de indústria a ser regulada e qual a forma que essa
regulação assumiria. Ela tem como premissa inicial que o recurso básico do Estado é o seu
poder de coerção. Um grupo de interesse pode convencer o Estado a usar o seu poder de
coerção para que possa aumentar o seu bem-estar. Uma outra premissa é que os agentes são
racionais no sentido de escolherem suas ações para maximizar seus lucros. Essas duas
premissas resultam na hipótese de que a regulação é ofertada em resposta às demandas de
determinados grupos de interesse agindo para maximizar a sua renda. A regulação, então,
seria o caminho pelo qual um grupo de interesse pode incrementar a sua renda por meio do
Estado, que redistribui riqueza de algumas partes da sociedade para o grupo em questão.13

A teoria da regulação econômica vê o governo como fornecedor de serviços de


regulação para uma indústria. Estes podem ser pagos pelos próprios interessados na forma de
contribuições de campanha a policy makers que favoreçam a regulação desejada pelas firmas
estabelecidas, por exemplo. O principal benefício da regulação da indústria é a restrição à
entrada.14

Byrns & Stone Jr. (1996) acrescentam que também os reguladores têm interesses
pessoais, ganhando poder, apoio político, prestígio e maiores orçamentos nas atividades de
regulação. Para estes autores, uma outra abordagem, a “teoria da escolha pública” (Public
Choice) combina-se com a teoria da regulação econômica, expandindo o modelo de Stigler,
para explicar a regulação. A “teoria da escolha pública” examina o comportamento político
desde uma perspectiva econômica.15

12
Além disso, existem alguns argumentos empíricos que são inconsistentes com a “teoria”. Duas propriedades
comuns da regulação são a existência de subsídios cruzados (o uso da renda da venda de um produto ou serviço
para subsidiar a venda de outro) e a tendência a favor dos pequenos produtores. A primeira é inconsistente com
a maximização de lucros e não pode ser considerada pró-produtor. Quanto a segunda, a regulação permite a
sobrevivência de pequenas firmas do que poderia ser se o mercado não fosse regulado.
13
Para a descrição formal dos modelos da Teoria da Regulação Econômica ver Viscusi et alii (1995, pp. 329-
41).
14
Para Byrns & Stone Jr. (1996), as indústrias preparam grandes ofensivas políticas contra propostas de
desregulação. Entretanto, ressaltam que o apoio e o lobbie dos dirigentes do sindicato de motoristas de
caminhões em 1982 no Congresso contra a desregulação do transporte de carga nos EUA é uma evidência de
que as firmas não são as únicas beneficiárias da regulação.
15
Para o entendimento da Teoria da Escolha Pública, ver Müeller (1989).
29

Críticas como essas, e a própria avaliação de desempenho dos setores regulados,


levaram a um fundado ceticismo com relação à intervenção governamental e a uma revisão de
sua abrangência, dando suporte teórico a uma série de desregulações e privatizações 
principalmente nos EUA e Inglaterra  nas décadas de 70 e 80. No setor transportes nos EUA,
por exemplo, muitas desregulações aconteceram nesse período, como a das linhas aéreas
(Airline Deregulation Act, de 1978), ferrovias (Staggers Act, de 1980), transporte rodoviário
de carga (Motor Carrier Act, de 1980), e transporte rodoviário por ônibus de passageiros (Bus
Regulatory Reform Act, de 1982).

Entretanto, como ressalta Farina et alii (1997), “embora a regulação das


atividades econômicas esteja sujeita a imperfeições e críticas, não se pode concluir que esta
deva ser rejeitada como forma de organização econômica”. Há que se comparar diferentes
alternativas institucionais para cada caso específico, como também as características de cada
setor. Nesse sentido, Viscusi et alii (1995) também afirmam que apesar de várias teorias
terem sido desenvolvidas com o intuito de fornecer uma explicação sobre o processo e o
desempenho da regulação, ainda existem muitas regulações (em diversos setores) que estas
teorias não explicam, sendo “ainda necessária muita pesquisa antes de construirmos uma
teoria completa da regulação”.

2.4. A TEORIA DOS MERCADOS CONTESTÁVEIS


A teoria dos mercados contestáveis serviu de base para vários processos de
desregulação, em diferentes setores, na década de 80. Particularmente, no transporte urbano
por ônibus, a teoria da contestabilidade foi um dos principais argumentos teóricos que
justificaram a desregulação em diversos países, entre eles, o mais consagrado pela literatura
especializada, o caso britânico. A aplicação da teoria dos mercados contestáveis ao transporte
urbano por ônibus e os resultados empíricos dos processos de desregulação serão analisados
no próximo capítulo.

Com o objetivo de dar embasamento teórico à discussão que seguirá, referente ao


transporte urbano por ônibus e os processos de desregulação, desenvolvem-se, nesta seção, a
análise da teoria e suas implicações de política pública, como também as críticas que esta tem
sofrido desde o seu surgimento.
30

2.4.1 Teoria dos mercados contestáveis e políticas públicas


A teoria dos mercados contestáveis foi apresentada no início dos anos 80 por
Baumol, Panzar & Willig (1982). Ela, grosso modo, afirma que é possível haver elevada
concentração econômica sem perda do bem-estar social, em termos de preços elevados e
menor quantidade disponível. Para isso basta que haja uma forte concorrência potencial e que
não existam barreiras à entrada e à saída das firmas na indústria.

De acordo com Costa (1995), um mercado perfeitamente contestável é aquele em


que tanto os concorrentes efetivos como os potenciais têm acesso às mesmas tecnologias e
consumidores, e onde não existem barreiras à entrada e nem custos de saída. Um entrante
potencial tem acesso à demanda de mercado, a partir da tecnologia que está sendo utilizada,
em igualdade de condições com as firmas já estabelecidas. Se existe um vetor lucrativo,
portanto, os entrantes potenciais podem ingressar e sair do mercado antes que as empresas
estabelecidas possam reagir à entrada, que é reversível e sem ônus.16 Face à perspectiva de
obter lucros econômicos, firmas potencialmente concorrentes poderão ser atraídas para o
mercado em questão e beneficiar-se do lucro antes que as empresas estabelecidas possam
alterar os seus preços e, se necessário, sair do negócio. Esse é o tipo de entrada denominado
hit-and-run.

A possibilidade da entrada hit-and-run é a principal condição para a existência de


um mercado contestável. Mas para que esse tipo de entrada seja possível, é necessário que
não haja barreiras à entrada de qualquer espécie nem custos para a saída, ou seja, deve ser
garantida a reversibilidade da entrada sem que ocorra qualquer custo. Elabora-se, a partir
disso, o conceito de “custos irreversíveis ou irrecuperáveis” (sunk costs).

O conceito de custos irrecuperáveis (sunk costs) se distingue do de custos fixos,


justamente pela impossibilidade de seu ressarcimento ou reversibilidade. Os custos fixos
refletem a indivisibilidade de um equipamento, cujo investimento pode ser recuperado, caso a
firma encerre suas atividades (uma aeronave ou um ônibus, por exemplo, que podem ser
vendidos ou transferidos para outro mercado). Já os sunk costs, são custos específicos, que
não podem ser totalmente revertidos depois de iniciado o investimento (o aeroporto ou a
rodovia, no caso). Mesmo que existam grandes custos fixos, o que se exige para a

16
Conforme Baumol (1982), no mundo real os mercados perfeitamente contestáveis são tão raros quanto os
mercados perfeitamente competitivos. Entretanto, um mercado perfeitamente competitivo é necessariamente
perfeitamente contestável, mas não vice-versa.
31

contestabilidade do mercado é que as firmas possam rever os recursos comprometidos com os


ativos, reutilizando-os em outras atividades ou vendendo-os.

Para a teoria dos mercados contestáveis, são os sunk costs que se constituem em
verdadeiras barreiras à entrada (e saída), conferindo poder de monopólio a uma determinada
indústria, e não mais a existência de economias de escala. Assim, como ressalta Farina
(1990), um monopólio natural pode, em princípio, ser contestável: mesmo na presença de
significativas economias de escala, suficientes para justificar o monopólio como a estrutura
que minimiza custos, a concorrência potencial poderá impedir que as firmas estabelecidas
realizem lucros monopolísticos, sob pena de serem vítimas de uma entrada do tipo hit-and-
run.

Para Baumol et alii (1982), a existência de economias de escala globais (em todos
os volumes de produção relevantes) é condição suficiente para uma empresa de produto único
ser um monopólio natural, o que não se verifica para uma empresa multiproduto. Nesse
enfoque, o conceito utilizado para definir o monopólio natural é o de subaditividade de
custos, o qual significa que o custo de produção do todo é menor que o custo de produção das
partes. Uma indústria é dita ser um monopólio natural se a função de custo da firma é
subaditiva em toda a extensão relevante dos volumes de produção. É o critério da
subaditividade de custos, portanto, que vai dizer quando uma determinada atividade deve ser
realizada por uma única empresa, e não mais as economias de escala (ver também Farina,
1990).

Ao contrário da abordagem da teoria da concorrência perfeita, pela teoria dos


mercados contestáveis, o critério de eficiência econômica independe do número e do tamanho
das firmas: ela se dá pela força da concorrência potencial. Desse modo, “[...] a teoria dos
mercados contestáveis não apenas sugere que os oligopólios e monopólios sejam as
configurações mais freqüentes do capitalismo contemporâneo, como também que, na maioria
dos casos, estas estruturas sejam desejáveis do ponto de vista dos critérios de bem-estar”
(Araújo Jr., 1985).

Para a teoria dos mercados contestáveis uma estrutura industrial eficiente é aquela
que apresenta uma configuração “factível” e “sustentável”. Uma configuração é factível se
existem técnicas de produção com as quais é possível atender a demanda aos preços vigentes,
de forma que nenhuma indústria tenha prejuízo, ou seja, a oferta atende a demanda e cada
32

empresa tem seus custos cobertos. Considere uma indústria cuja configuração seja descrita
pelo vetor (n, y1,..., yn, p), onde:

n = número de firmas
yi = vetor de produção da firma i
p = vetor de preços
Q(p) = a demanda pelos produtos da indústria
c(yi) = a função de custos da firma i
uma configuração é factível se:
∑ yi = Q(p) e
pyi - c(yi) ≥ 0 ; i = 1,...,n
yi ≥ 0

Uma configuração é sustentável se, além de factível, ela não oferecer qualquer
oportunidade de entrada lucrativa, isto é, os preços vigentes devem ser tais que, se mantidos,
nenhum competidor potencial poderá entrar no mercado e auferir lucros, mesmo que
transitórios.

Desse modo, a configuração será sustentável se os preços forem tais que:

peye - c(ye) ≤ 0

para qualquer pe ≤ p e ye ≤ Q(pe)

onde: pe = preço do entrante e

ye = quantidade do entrante

Dessa maneira, um mercado contestável somente estará em equilíbrio se sua


configuração for sustentável. Costa (1995), ressalta 3 outras propriedades das configurações
industriais sustentáveis:

a) o custo total da indústria na produção de uma determinada quantidade de bens deve ser
minimizado, isto é, nenhum número e distribuição de tamanho de empresas e técnicas
produtivas das firmas pode produzir a mesma quantidade de bens a um custo menor do que
o incorrido em uma configuração sustentável;

b) a sustentabilidade leva à igualdade dos custos marginais, pois se cada uma das firmas
produz uma quantidade positiva de um mesmo bem em uma configuração industrial
sustentável, então suas produções devem ser tais que igualem os seus custos marginais.
33

Exemplo: se o custo marginal da firma 1 for maior que a firma 2 a configuração não seria
sustentável, já que o custo total da indústria poderia ser reduzido com a transferência de
uma pequena quantidade da firma 1 para a firma 2;

c) a inexistência de subsídio cruzado na linha de produtos da firma; para que ocorra o


equilíbrio de longo prazo em um mercado contestável, uma das condições necessárias é
que o preço seja igual ao custo marginal: caso o custo marginal seja maior do que o preço
de um determinado produto, e mesmo assim a firma tenha lucro no final proveniente de
outras linhas de produtos, então um concorrente poderá entrar no mercado produzindo
apenas os bens rentáveis e vendê-los a um preço inferior ao das firmas estabelecidas.

Desse modo, uma configuração sustentável requer que o preço seja igual ao custo
marginal, que por sua vez será igual ao custo médio mínimo, com lucros econômicos nulos:
condição necessária para uma situação de ótimo de Pareto. Portanto, um monopólio ou
oligopólio pode ser tão eficiente quanto um mercado perfeitamente competitivo, e as
economias de escala não se constituem em problemas para a contestabilidade dos mercados.
A condição que mantém esse resultado é a ameaça de entrada hit-and-run, representada pelos
potenciais entrantes na busca de qualquer situação que seja lucrativa. Se a firma cobrar um
preço maior do que o custo médio haverá um plano lucrativo de entrada.

Suponha um mercado servido por apenas 5 firmas de igual tamanho, cada qual
com 20% do mercado, conforme figura 2 (de acordo com Hyman, 1989). Se o mercado é
contestável, o produto será eficiente apesar da alta concentração.
34

Preço

CMg S = CMg

CMe

P*

Q*/5 Q* Quantidade
Figura 2
Preço e quantidade no mercado contestável

A figura 2 mostra o custo médio e o custo marginal de uma firma típica em


mercado contestável. O preço de mercado é P* e a quantidade Q*. A curva de oferta de
mercado (S = CMg) é obtida pela somatória da quantidade ofertada de cada uma das 5 firmas
em cada preço possível. Por causa da ameaça de entrada de novas firmas, cada firma fixa seu
preço igual ao custo marginal no ponto onde o produto é igual ao custo médio. Ao preço P*
da firma produz Q*/5 e a quantidade ofertada é igual à quantidade demandada. Cada firma
obtém lucro econômico zero porque o preço é igual ao custo marginal que é igual ao custo
médio mínimo. O produto é eficiente porque D = CMg. Se as firmas fixassem o preço maior
que P* e vendessem menos que Q*, novos entrantes poderiam servir o mercado e a
quantidade ofertada cresceria até o ponto eficiente Q*.

Um mercado perfeitamente contestável irá, assim, exibir as seguintes


propriedades (Vickers & Yarrow, 1988):

a) todas as firmas só poderão obter lucros normais; se o preço é maior do que o custo médio
haverá incentivo para a entrada de um concorrente potencial que poderá deslocar uma
firma já estabelecida fixando um preço ligeiramente menor; se o preço é menor do que o
custo médio é melhor abandonar a indústria, já que não existem sunk costs;
35

b) não existirá qualquer ineficiência na produção, sob pena de atrair a entrada de uma firma
com custo menor;

c) o preço será igual ou maior do que o custo marginal. Se o equilíbrio de mercado abrigar
duas ou mais firmas o preço será igual ao custo marginal. Se a configuração sustentável for
um monopólio, o preço será pelo menos igual ao custo marginal;

d) a estrutura de equilíbrio da indústria corresponde à de mínimo custo e haverá, portanto,


eficiência produtiva tanto ao nível de indústria quanto ao nível de firma.

De modo diferente da abordagem tradicional, para a teoria dos mercados


contestáveis a presença de grandes empresas numa indústria concentrada não constitui
evidência suficiente de que o interesse público esteja sendo lesado. Ao contrário, a tentativa
de desconcentrar a indústria a fim de estimular a competição pode resultar em incentivos à
entrada de produtores ineficientes. Dessa forma, a teoria estabelece uma outra agenda de
políticas públicas, justificando casos onde não é necessária a intervenção governamental. Esta
não se apóia mais na existência de falhas de mercado, já que pode admitir o monopólio como
uma estrutura eficiente.

Assim, a ação do governo deve ser dirigida à eliminação dos obstáculos


“artificiais” a contestabilidade dos mercados, fundamentalmente aqueles relativos a restrições
legais (a regulação, por exemplo), como também dos sunk costs. No caso dos setores como o
transporte aéreo e rodoviário, por exemplo, os aeroportos e rodovias seriam fornecidos pelo
Estado. Os mercados relevantes são as linhas entre as cidades. Os concorrentes potenciais são
aqueles que já dispõem das aeronaves e caminhões  custos fixos, mas não irreversíveis  e
estes poderiam ser facilmente transferidos, caso necessário, para cobrir rotas alternativas
lucrativas e contestar o mercado. Nesses casos, a recomendação de política pública é que o
setor seja desregulado.

2.4.2 Críticas à teoria dos mercados contestáveis


Desde o seu aparecimento, a teoria dos mercados contestáveis começou a sofrer
uma série de críticas. As críticas concentraram-se nas hipóteses “heróicas” e não robustas
adotadas,17 principalmente: a inexistência de sunk costs; que todos os produtores devem ter

17
Segundo Farina (1990), mesmo admitindo que qualquer teoria, por definição, não se ajusta plenamente à
realidade, não ser robusta significa não ser sequer uma boa aproximação. O modelo de concorrência perfeita, por
exemplo, seria robusto no sentido de que as soluções convergem para a concorrência perfeita à medida que
aumenta o número de firmas. Já para a teoria dos mercados contestáveis, o grau de desvio do desemprego
36

acesso à mesma tecnologia; e que a entrada pode ocorrer mais rápida do que as alterações de
preços realizadas pela firmas estabelecidas (ver também Shepherd, 1984).

A hipótese de que a entrada pode ocorrer mais rápida do que as alterações de


preços realizadas pela firmas estabelecidas eliminam qualquer possibilidade de incorporar o
tempo entre a percepção de um plano lucrativo de entrada pelo concorrente potencial e a
realização dos investimentos necessários para colocar o produto no mercado. Se os preços das
firmas estabelecidas se ajustam mais rápido do que a instalação da capacidade industrial da
entrante, a ocorrência da entrada induzirá a firma estabelecida a reduzir seu preço em tempo
hábil para se ajustar à pressão competitiva. Se essa reação ocorrer a entrada hit-and-run não
irá se estabelecer, comprometendo a contestabilidade do mercado.

Os adeptos da Teoria da Organização Industrial  que se interessam na dinâmica


da estrutura industrial (no caso, os neo-schumpeterianos)  baseiam suas críticas no fato da
teoria dos mercados contestáveis ser estática, ou seja, não considerar o tempo. Todos os seus
resultados dependem de uma dada tecnologia: ela não dá conta das estratégias de
concorrência e crescimento das modernas corporações, que se apóiam na pesquisa e na rápida
incorporação do progresso técnico aos produtos. Não há espaço para as decisões estratégicas
das firmas. De acordo com Costa (1995), é também totalmente irrealístico supor que as firmas
já estabelecidas no mercado não tenham vantagens sobre os entrantes potenciais. Como a
teoria neo-schumpeteriana tem salientado, o conhecimento tecnológico é cumulativo,
requerendo tempo de aprendizado e investimento em pesquisa e desenvolvimento (P & D).

Citando Sassower (1988), a teoria também apresenta um viés ideológico, pois


para ela os benefícios da livre atuação das forças de mercado ocorrem tanto nos mercados
competitivos quanto nas estruturas concentradas. Isso significa que as desvantagens
associadas ao tamanho existem apenas quando se referem à presença do Estado, mas não à
grande empresa.

Entretanto, mantendo as críticas levantadas, há de se considerar os avanços da


teoria quanto à abordagem neoclássica, principalmente por tentar se aproximar da realidade
ao incorporar à análise as empresas de grande porte e reconhecer que o monopólio e o
oligopólio podem ser estruturas industriais eficientes.18 Reconhece-se o mérito da teoria ao

efetivo em relação à contestabilidade perfeita não é uma função contínua da magnitude do desvio das
características estruturais de um mercado em relação às exigências da contestabilidade perfeita.
18
Schumpeter (1984), em sua crítica à análise da concorrência perfeita, já havia reconhecido o monopólio e o
oligopólio como estrutura industrial eficiente e capaz de produzir o progresso.
37

tratar da importância da concorrência potencial para a eficiência dos mercados. Entretanto, ela
não é a única (vide a concorrência de Demsetz). Pela utilização de hipóteses “heróicas” e das
críticas que recebeu, a teoria foi perdendo a sua força no decorrer dos anos 80.19 Hoje, ela se
constitui em apenas mais um capítulo  por sinal, muito interessante  da moderna Teoria
da Organização Industrial.

2.5. COMENTÁRIOS SOBRE O CAPÍTULO


Este capítulo teve como objetivo a revisão da literatura no que diz respeito à
regulação econômica. Tentou-se abordar os conceitos teóricos que irão embasar a discussão
que se seguirá, a respeito da regulação dos serviços públicos de transporte urbano por ônibus.

Foram discutidos os mecanismos de regulação sugeridos pela teoria visando


alcançar a eficiência na prestação dos serviços. Destacou-se a impropriedade e os limites do
modelo de fixação de preços pelo custo médio, apresentando-se mecanismos alternativos.
Nesse sentido, chamou a atenção o modelo desenvolvido por Demsetz (1988), onde a
concorrência pelo mercado (ao invés da concorrência no mercado), através da utilização de
licitações freqüentes pelo critério de menor preço, conduziria a resultados eficientes, com
reduções de custos ao longo do tempo.

As críticas teóricas à regulação também foram apresentadas, através da


abordagem stigleriana, que alerta para o perigo da captura das estruturas regulatórias. De
acordo com esta abordagem, as firmas procurariam a regulação para atender os seus próprios
interesses, já que a regulação agiria no sentido de restringir a entrada de novos concorrentes
no mercado, sustentando os preços acima dos custos médios.

Por fim, foi analisada a teoria dos mercados contestáveis  base teórica para os
processos de desregulação do transporte urbano por ônibus em diversos países , suas
implicações de políticas públicas, como também as críticas à teoria. Observou-se que a teoria
da contestabilidade coloca fortes argumentos para a desregulação dos serviços de transporte
urbano por ônibus, já que os custos do principal item de capital neste setor, o veículo, não é
sunk, podendo ser revertido, caso necessário (transferido para uma outra linha, alugado ou
revendido).

Para a teoria microeconômica tradicional, o objetivo principal da regulação é


atingir a eficiência na produção dos serviços. Dessa maneira, a imposição de restrições à

19
A partir da análise dos casos empíricos de desregulação, entre eles o do setor aéreo nos EUA, verificou-se que
38

entrada, preservando a estrutura industrial, visaria à eficiência produtiva, enquanto o controle


de preços e quantidades buscaria a eficiência alocativa. As políticas de regulação também
podem fixar normas de desempenho, controlando outras variáveis, como a qualidade dos
produtos.

A abordagem neoclássica coloca uma série de argumentos que conduzem a


desregulação do setor de transporte urbano por ônibus  já que este não é, como será
discutido no próximo capítulo, um monopólio natural. Assim, surge a necessidade da
caracterização teórica da produção dos serviços de transporte urbano por ônibus, que
justifique a regulação desta modalidade de transporte, como também, da verificação dos
resultados dos processos empíricos de desregulação ocorridas em alguns países. Estes são um
dos objetivos do próximo capítulo.

os pressupostos da teoria não se concretizaram (nesse sentido ver Farina & Schembi, 1990).
39

CAPÍTULO III

REGULAÇÃO DO TRANSPORTE URBANO POR ÔNIBUS: O DEBATE TEÓRICO


E AS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE (DES)REGULAÇÃO

INTRODUÇÃO
Este capítulo tem por objetivo apresentar o debate sobre a regulação dos serviços
de transporte urbano por ônibus e o estudo das experiências internacionais de regulação.
Nesse sentido, serão analisadas as características da produção dos serviços e discutidos os
argumentos contrários e favoráveis à intervenção governamental neste setor. Apresentar-se-ão
os resultados das reformas regulatórias ocorridas na Grã-Bretanha e em Santiago do Chile,
por apresentarem especificidades quanto ao modelo adotado como também características
comuns acerca dos resultados, e descrita a tipologia de regulação baseada nas “licitações
competitivas” (competitive tendering), adotada em Londres, Estados Unidos (EUA), Nova
Zelândia, Austrália, e vários países europeus (Suécia, Finlândia, Dinamarca), como forma de
obter a eficiência operacional mantendo a função coordenadora e planejadora da autoridade
pública.

O capítulo está estruturado em quatro seções, além desta Introdução. Na primeira


seção são introduzidas as argumentações teóricas para a intervenção governamental no setor
de transportes. Na seção 2, é apresentado o debate acerca da regulação dos serviços de
transporte urbano por ônibus, onde são discutidos os argumentos contrários à intervenção
governamental, para depois ser apresentada a justificativa teórica para a regulação econômica
desta modalidade de transporte. A discussão acerca da contestabilidade nesse mercado é
abordada em seguida. Na seção 3, são apresentados os resultados das experiências de
desregulação britânica e chilena, e discutido o modelo de regulação e contratação dos serviços
pelo competitive tendering. Por fim, na seção 4, os comentários finais encerram o capítulo.

3.1. TRANSPORTES E INTERVENÇÃO GOVERNAMENTAL


Não existe um único e simples argumento teórico que justifique a regulação do
setor de transportes. Encontra-se, na verdade, uma série de argumentações e razões,
40

obedecendo às especificidades de cada modalidade de transporte estudada, para a intervenção


pública no setor. De maneira geral, a explicação encontrada nos textos especializados aponta
que a regulação dos transportes sempre esteve apoiada na idéia do “interesse público” e
justificada pela existência de “falhas de mercado”. Nesse sentido, Button (1991) aponta uma
variedade de razões através das quais o mercado falha na provisão dos serviços de transportes.

Como foi visto no Capítulo 2, a teoria econômica tradicional atribui ao poder de


monopólio a impossibilidade de se alcançar uma situação de ótimo de Pareto. O
comportamento de maximização de lucros do monopolista resultaria na fixação do preço
acima do custo marginal  com a conseqüente restrição da oferta , não alcançando a
eficiência econômica e produzindo uma perda de bem-estar para a sociedade. Problemas
similares também podem ser provocados pela formação de cartéis, pela colusão entre os
ofertantes, ou pela existência de oligopólios. A regulação, nessas circunstâncias, imporia
regras de preços e quantidades, tentando forçar os ofertantes a se comportarem de modo
eficiente: a busca da eficiência (produtiva e alocativa) é o objetivo da regulação econômica.

A existência de externalidades negativas produzidas pela atividade de transporte é


outra justificativa para a intervenção do Estado na atividade como, por exemplo, a poluição e
os efeitos produzidos sobre o meio ambiente, os congestionamentos, acidentes e outros, que
impõem a necessidade de serem estabelecidos determinados tipos de controles, exigências e
restrições aos serviços.

Glaister (1981) aponta a necessidade da coordenação entre os diversos operadores


dos serviços como um dos argumentos para a regulação, o que envolveria, entre outras coisas,
o planejamento de horários e a imposição de escalas tarifárias comuns aos operadores das
mesmas rotas. A necessidade do estabelecimento de subsídios cruzados para viabilizar os
serviços não rentáveis, mas considerados de interesse social seria uma outra justificativa.
Assim, a regulação teria o papel de viabilizar a prestação de serviços em áreas distantes e/ou
de baixa demanda, por exemplo, compensando o operador daquela região através da
concessão da operação em conjunto com as áreas mais rentáveis. Nessas circunstâncias, as
tarifas fixadas para os serviços nas áreas rentáveis conteriam um mark-up que forneceria
renda suficiente para cobrir as perdas incorridas nas outras regiões.

Higginson (1990), por outro lado, ressalta que a origem da regulação nos
transportes está no desejo dos governos em facilitar a provisão de redes articuladas e
integradas de serviços, com tarifas acessíveis. Segundo Gwillian (1989) a regulação do setor
41

tem seu início na década de 30, onde se acreditava que a liberdade de mercado poderia
produzir uma oferta excessiva, resultando no aumento do custo médio por passageiro. Este
aumento de custo está na base para a regulação da entrada. A regulação de preços veio da
necessidade de se impedir abusos por parte do(s) empresário(s) que operaria(m) os serviços
em situação de exclusividade.

Existem outros motivos pelos quais os governos têm interesse em intervir no


mercado de transporte. Os transportes são vistos como tendo importante papel de insumo no
processo produtivo, atuando como suporte ao desenvolvimento econômico e à integração
nacional, além de contribuir diretamente para o bem-estar social, já que possibilita o acesso
aos diversos bens e serviços e a mobilidade dos indivíduos em determinada sociedade. Por
todas essas razões, os transportes encontram-se, historicamente, entre os setores que tem
registrado expressiva participação estatal, tanto no que diz respeito à operação quanto à
regulação.

No entanto, a partir do final dos anos 60 e início dos anos 70 com a crise do
Estado do Bem-estar, a ótica do interesse público começou a ser severamente questionada. A
combinação de novas teorias críticas à intervenção governamental, com a própria análise do
desempenho dos setores regulados (baixa produtividade, elevação permanente dos custos
operacionais, entre outros), iniciou um período de revisão da regulação de várias modalidades
de transportes.

Mas existem também outras razões, mais pragmáticas, para a desregulação (e


também a privatização) das atividades de transporte: o crescente volume de subsídios diretos
concedidos e a necessidade de injeção de novos recursos nos setores de infra-estrutura. A
partir da mudança do cenário macroeconômico na década de 70, os subsídios concedidos
começaram a ser questionados devido aos altos níveis de gasto público. Os críticos da
presença governamental na prestação de serviços públicos argumentavam que a remoção das
regulações não apenas produziria menores custos, minorando o déficit público, como também
poderiam incrementar a produtividade total da economia. Pela falta de capacidade de
financiamento do Estado, foi também percebida a necessidade de novos investimentos no
setor de transportes, e os fundos privados foram vistos como uma fonte de recursos para isso,
daí a privatização de alguns setores.

A partir do final da década de 70 e início dos anos 80, principalmente na Grã-


Bretanha e nos EUA, ocorreram significativas mudanças nas políticas regulatórias no setor de
42

transportes, entre elas: a desregulação do transporte por ônibus de longa distância (coaches),
em 1980, na Grã-Bretanha e, em 1982, nos EUA; a desregulação do transporte urbano por
ônibus (com exceção de Londres), com a privatização da empresa pública, na Grã-Bretanha,
em 1986; e a desregulação do transporte aéreo, nos EUA, a partir de 1978, entre outros.20 Em
diversos países verificou-se a implementação de políticas similares. Assistiu-se também à
privatização de empresas acompanhada por reformas regulatórias. Onde permaneceram as
empresas públicas, reduziu-se o montante de subsídios.

No transporte urbano por ônibus, como veremos, estas questões pautaram a


agenda das políticas públicas para os serviços em diversos locais. No entanto, antes de
investigarmos os resultados das reformas regulatórias ocorridas na Grã-Bretanha e no Chile,
proceder-se-á a análise das características da produção desta modalidade de transporte, no
decorrer da discussão acerca do debate sobre a necessidade da regulação dos serviços.

3.2. REGULAÇÃO DO TRANSPORTE URBANO POR ÔNIBUS: O DEBATE TEÓRICO


Como já comentado, durante as últimas décadas os transportes foram objeto do
questionamento a respeito da justificativa da intervenção governamental, dada a marcante
presença estatal que, historicamente, tem-se registrado tanto no que diz respeito à operação
quanto à regulação. Particularmente, no transporte urbano por ônibus essa preocupação
começou a ser manifesta, de forma incisiva, no início dos anos 80 provocada, principalmente,
pelo volume crescente de subsídios diretos concedidos, aliado ao fato da oferta do serviço, em
alguns países, ter no Estado o seu único provedor (Higginson, 1990).

De acordo com a CEPAL (1988), o montante dos subsídios (como proporção dos
custos de operação) ao transporte urbano por ônibus aumentou fortemente nos países
industrializados entre 1965 e 1975 (vide tabela 4).21 Estudos estatísticos começaram a
associar a presença de subsídios à ineficiência operacional das empresas. A desregulação
apareceu, então, como uma alternativa para a redução dos custos operacionais e,
conseqüentemente, para a diminuição das necessidades de subvenção, reduzindo as pressões
sobre o déficit público.

20
Para uma relação completa da medidas de reforma regulatória no setor de transporte adotada nos dois países
ver Button (1990) e Button (1991).
21
Nos países latino-americanos não existem dados confiáveis que permitam conhecer as tendências com relação
aos subsídios. São raros os casos de subvenções diretas. Normalmente as tarifas são estabelecidas por uma
autoridade competente que as fixa assegurando-se de que cubram os custos correspondentes (CEPAL, 1988).
43

Tabela 4
Transporte por ônibus: Subsídio como Percentagem do Custo Operacional em Diferentes Países
1965-1975
País 1965 1970 1975
Austrália + + 45
Bélgica 12 32 69
Espanha + + 20
EUA + 15 46
Finlândia 3 5 11
França nd 44 56
Irlanda + + 15
Nova Zelândia 16 20 34
Reino Unido + 9 29
Suécia 10 21 45
Fonte: Bus and Coach Concil, The Future of the bus, Londres, 1982 apud CEPAL (1988, p. 56)
Nota: + indica que havia superávit; nd significa que não há informação disponível.
Os defensores do livre mercado argumentam que a regulação provoca a
ineficiência econômica, com a elevação permanente dos custos operacionais, redução da
demanda e baixa produtividade dos serviços. De acordo com essa abordagem, as estratégias
dos reguladores seria direcionada para a captura da regulação, impedindo a entrada de
operadores mais eficientes, fraudando o princípio do interesse público. Com a desregulação,
buscar-se-ia o aumento da competitividade, maior produtividade e eficiência na prestação dos
serviços, eliminando as necessidades de subvenção.

Frente aos argumentos colocados e às reformas regulatórias promovidas, surgem


as perguntas: por que regular o transporte urbano por ônibus? Quais são as características da
produção deste mercado que justificam a intervenção governamental?

No plano teórico, observa-se que estas questões são poucos tratadas. De acordo
com Müller (1996), não existe um referencial regulatório desenvolvido acerca do transporte
urbano por ônibus. Para o autor, nas décadas de 60 e 70 a “economia do bem-estar” tinha uma
abordagem pragmática quanto à justificativa para a regulação de determinados setores: não
existia uma formulação de princípios gerais que as justificassem, e sim uma abordagem “caso
a caso”.

De maneira geral, o transporte por ônibus aparece como tecnologia competitiva na


década de 30, ameaçando gradualmente o transporte ferroviário de passageiros por bondes
(como se sabe, uma modalidade regulada). O desenvolvimento do transporte por ônibus
motivou a adoção de um marco regulatório similar, ou por analogia ao transporte ferroviário.
44

Acreditava-se que caso o setor fosse operado livremente este poderia produzir uma oferta
excessiva, tendo como resultado o aumento do custo médio por passageiro e também
externalidades negativas (acidentes de trânsito, por exemplo). Entretanto, para Müller (1996),
o marco regulatório desenhado se aplicou a um modo de transporte com características quase
opostas às do setor ferroviário, e este desajuste entre marco regulatório e características
setoriais não foi tratado adequadamente, tanto no nível teórico quanto prático.

Com o objetivo de compreender as características da produção dos serviços de


transporte urbano por ônibus e a necessidade da intervenção estatal nestes, é importante
apresentar o debate acerca da regulação econômica no setor. Nesse sentido, serão discutidos
os principais argumentos contrários à intervenção governamental para, em seguida, analisar o
porquê da necessidade da regulação. A questão da contestabilidade do mercado de transporte
por ônibus, base de sustentação teórica para a desregulação dos serviços em diversos países,
será discutida na seção 2.3.

3.2.1 Argumentos contrários à regulação


De maneira geral, o argumento favorável à desregulação reside na idéia da
superioridade da competição sobre o monopólio: o livre mercado levaria à redução das tarifas
e ao incremento da oferta, com mais e melhores serviços. Por outro lado, a exclusividade na
operação dos serviços, proporcionada pela regulação da atividade, impediria a entrada de
operadores mais eficientes, sustentando as tarifas acima dos custos, promovendo a
ineficiência operacional.

De acordo com Müller (1996), os principais argumentos teóricos que justificariam


a desregulação econômica no transporte urbano por ônibus são:
a) o setor não apresenta significativas economias de escala (que justifique o monopólio como
estrutura a ser preservada, através da instituição de barreiras legais à entrada);
b) não se registram fortes externalidades negativas (exceto nos casos dos congestionamentos,
acidentes ou poluição ambiental, situações que por si só não justificam a regulação
econômica, já que podem ser tratadas mediante outras medidas);
c) o mercado é contestável (ou seja, a ameaça da entrada é suficiente para pautar
competitivamente o comportamento dos operadores).

Seguindo a abordagem “stigleriana”, Wright (1981) argumenta que as empresas


demandam a regulação para impor uma estrutura anticompetitiva de mercado, através da
instituição de barreiras legais à entrada e tornando a tarifa obrigatória, ou seja, como
45

estratégia tipo cartel para entrada e preço. As linhas, de acordo com ele, seriam fixadas para
garantir o monopólio de um território específico a cada empresa regulada, por meio da divisão
arbitrária do mercado.

Como se pode observar, são apresentados fortes argumentos que conduzem a


desregulação no setor, principalmente se for levado em conta o fato da ausência de
significativas economias de escala. Estudos realizados em diversos países concluíram que não
há evidências que existam economias de escala no setor que justifiquem o monopólio como
estrutura a ser preservada (Koshal, 1970; Lee & Steedman, 1970). Müller (1996) reforça o
argumento, ressaltando que a maior parte do custo do serviço é função da quilometragem
desenvolvida e do tamanho da frota de veículos, isto é, os custos são proporcionais aos
veículos-quilômetro operados, sendo desprezíveis as economias que poderiam surgir de
oficinas ou garagens de maior porte. Também não há evidências de que os custos unitários de
produção dos serviços sejam relacionados com o tamanho da firma (ou seja, os custos globais
de operação não são mais altos se os serviços são operados por uma ou diversas firmas). Já
Wright (1981) chama a atenção para o fato de o número de veículos por empresa poder variar
de um a dezenas ou centenas, sendo pequeno o tamanho da escala mínima de eficiência em
relação ao tamanho do mercado.

Entretanto, entende-se que a postura a favor da desregulação omite o tratamento


de questões específicas, que envolvem as características e peculiaridades da produção dos
serviços, que fogem à aplicabilidade da análise microeconômica tradicional. Estas
características serão tratadas a seguir.

3.2.2 Por que regular o transporte urbano por ônibus


Tradicionalmente, a regulação econômica no transporte por ônibus esteve apoiada
na idéia do interesse público. Os serviços sempre foram considerados de natureza social,
sendo necessário proteger o interesse do usuário, especialmente na garantia da oferta e na
fixação das tarifas. Evitar-se-ia, dessa maneira, a fixação de preços excessivos (com a
apropriação de rendas monopolistas), a instabilidade dos serviços e a queda da confiabilidade
da oferta, permitindo o fornecimento de um mínimo desses serviços que o livre mercado por
si só não garantiria (Button & Keeler, 1993; Vasconcelos, 1996).

A necessidade da regulação envolve também questões sociais e distributivas. Na


ausência de regulação, os operadores concentrariam suas atividades nos segmentos de
mercado que ofereçam melhor rentabilidade (por exemplo, nas horas de maior demanda e nos
46

trajetos de grande movimento). As áreas comercialmente menos atrativas receberiam serviços


deficientes ou até mesmo com a inexistência de sua oferta, excluindo do acesso ao transporte
a parcela da população (geralmente de baixa renda) que reside nas periferias dos centros
urbanos. Como exemplo, os serviços noturnos e em zonas urbanas afastadas poderiam ser
inadequados. Desse modo, a regulação asseguraria tais serviços mediante subsídios cruzados,
garantindo que a oferta e qualidade do serviço estejam equilibradas no espaço e no tempo.

Existem, além disso, a questão das externalidades. As externalidades negativas


produzidas pela atividade de transporte para outros segmentos da sociedade como, por
exemplo, a contaminação atmosférica, ruídos, congestionamentos e acidentes de trânsito
impõem a necessidade de serem estabelecidos controles, exigências e restrições à entrada nos
serviços. Reconhece-se, desse modo, como indispensável algum tipo de regulação, por
exemplo para a segurança da atividade (por meio do estabelecimento de normas e padrões
para as características dos veículos), regime máximo de trabalho para os operadores, ou
restrições para determinados tipos de veículos circularem em certas regiões ou horários.

Entretanto, os principais argumentos que justificam a regulação econômica do


setor estão nas especificidades que caracterizam a produção dos serviços. Santos & Orrico
Filho (1996a) apresentam algumas delas. A premissa da livre escolha do consumidor não se
verifica no mercado de ônibus urbano, pois ainda que se possa admitir que, para boa parte dos
consumidores do serviço, é possível optar entre viajar ou não, ou mesmo entre viajar de
ônibus, automóvel ou a pé, para outra parte dos usuários esta opção não se coloca. Aos
usuários cativos, a viagem de ônibus é um meio insubstituível, diante da indisponibilidade de
outros meios (públicos ou privados) de transporte. Do mesmo modo, a hipótese da perfeita
informação  outro pressuposto para o perfeito funcionamento do livre mercado  é
também de difícil realização: o consumidor não tem conhecimento de todas as conseqüências
que lhe advirão de consumir o serviço e não tem a certeza de que possa contar com a
possibilidade de que haverá uma oferta seguinte do produto, caso não aceite a que lhe é
ofertada no momento. São imprevisíveis os níveis de congestionamento, ocupação veicular,
ou mesmo o comportamento do condutor e as condições de segurança do veículo.

Müller (1996), nesse sentido, argumenta que a produção dos serviços de


transporte coletivo apresenta certas características e peculiaridades que fogem à análise
microeconômica neoclássica, baseada no conceito de falhas de mercado. Para o autor, a
análise econômica neoclássica tradicional assume que os processos de produção e consumo
47

ocorrem em um mesmo instante no tempo e em um único lugar. Para o caso dos serviços de
transporte urbano por ônibus esta caracterização torna-se importante, pois se pode obscurecer
a diferença existente entre bens e serviços. Os serviços não são agregáveis temporalmente,
não sendo possível assumir homogeneidade para produções temporalmente próximas (como
se pode fazer com os bens); os serviços também se esgotam no momento da sua produção,
além de apresentar a característica da não durabilidade e não armazenabilidade, que faz com
que a produção não seja agregada espacialmente (ao contrário da produção de bens). Ao
assumir que a produção e consumo ocorrem em um único instante e em um único lugar, estas
diferenças se perdem: produzir e consumir bens não apresentará diferenças significativas do
que fazê-los com os serviços.

Os serviços de transporte urbano também apresentam características e


peculiaridades que os diferenciam de outros setores tradicionais: indivisibilidades relevantes,
não armazenabilidade e produção sem contrato de venda prévio. As indivisibilidades se
referem ao fato que uma mesma prestação atende simultaneamente demandas diferentes, em
termos de origem e destinos, com a produção conjunta da oferta de serviços distintos. A não
armazenabilidade, associada à prestação do serviço sem contrato prévio, significa que toda a
oferta não utilizada representa um custo inevitável aos operadores, que não podem ajustar sua
produção com o objetivo de liquidar existências acumuladas, como ocorre com a produção de
bens. A não contratação prévia também impede a planificação da produção em nível
adequado. São estas particularidades que incrementam os riscos do empreendimento em
mercados não regulados, em função da instabilidade que podem gerar. A livre entrada, dessa
maneira, representaria fator de instabilidade permanente. Este problema é marcante no caso
de redes complexas de operação dos serviços, como é o caso do transporte urbano por ônibus.
Os serviços operados livremente tenderiam, dessa maneira, a produzir um excesso de oferta,
uma vez que cada produtor teria o incentivo a aumentar a sua oferta ao máximo possível, no
intuito de aumentar a sua fatia no mercado. Com a demanda, considerada inelástica,
distribuindo-se num número excessivo de freqüências ter-se-ia como resultado a elevação dos
custos por passageiro transportado, em relação ao que aconteceria com o controle da entrada
no setor. Isso resultaria na elevação das tarifas e na irracionalidade da operação, produzindo
capacidade ociosa em excesso, em termos de taxa de ocupação por veículo, sendo, portanto,
ineficiente do ponto de vista econômico.22 Daí a necessidade de se estabelecerem barreiras à

22
Como será visto adiante, esses resultados foram verificados nas experiências britânica e chilena de
desregulação dos serviços.
48

entrada, onde se controlariam a quantidade e o preço dos serviços, evitando-se a instabilidade


na oferta.

Coloca-se, dessa maneira, como necessária a coordenação tarifária e temporal da


operação dos serviços com o objetivo de obter a racionalidade no uso dos recursos e fomentar
a articulação entre os diversos operadores, objetivos que dificilmente seriam atingidos pelos
mecanismos de mercado. A noção de rede de serviços torna-se elemento básico de oferta. A
produção integrada seria benéfica tanto para o usuário  para o qual o serviço se traduz em
incremento de qualidade  quanto para o produtor  que obtém rendimentos de escala e
escopo (vide Santos & Orrico Filho, 1996a). A noção de rede é, então, fundamental para a
organização do mercado, pois enquanto produto coloca à disposição do usuário um serviço de
maior amplitude, e enquanto organização tem-se a formação de monopólios locais como
estrutura necessária para a otimização dos recursos. Daí a importância da função planejadora
e reguladora do Estado.

3.2.3 Transporte urbano por ônibus e a teoria dos mercados contestáveis


“The bus market is therefore a highly contestable one.”
(Department of Transport, 1984, p. 52 apud Dodgson & Katsoulacos, 1991, p. 263)

A teoria dos mercados contestáveis desenvolveu os argumentos teóricos para


justificar desregulação do transporte urbano por ônibus em diversos países, entre eles, o mais
consagrado pela literatura especializada, o caso britânico.

Como foi visto no Capítulo 2, a teoria dos mercados contestáveis, de modo geral,
defende que a concorrência potencial e a inexistência da barreiras à entrada e saída de firmas
no mercado garantiriam a atuação das firmas de modo eficiente, sem perdas do bem-estar
social e com preços iguais aos custos médios. Alguns autores têm levantado a hipótese de que
o mercado de ônibus é contestável, a qual sustentam-se nos seguintes argumentos (vide
Banister et alii, 1993; Evans, 1991b; Santos & Orrico Filho, 1996b):

a) são baixos os sunk costs, já que o principal item de capital, o ônibus, é um custo reversível,
podendo ser alugado, revendido ou removido para outra linha, no caso de uma entrada mal
sucedida;

b) as vias e os terminais, que também poderiam se constituir em sunk costs, são financiados e
fornecidos pelo poder público;
49

c) a tecnologia de produção, especialmente com relação ao uso de veículos, é simples e ao


alcance de todos; além disso, os entrantes não precisam de uma frota de tamanho mínimo
eficiente para competir com os atuais operadores.

Analisando estes argumentos à luz das características dos mercados de ônibus


urbanos, Dodgson & Katsoulacos (1991) ressaltam que apesar dos sunk costs no setor serem
baixos, eles não são desprezíveis. No caso de uma nova entrada, os serviços precisam ser
anunciados (itinerários, horários, tarifas dos novos serviços, entre outros) e o pessoal de
operação precisa ser treinado. No caso de uma entrada mal sucedida, estes custos não são
reversíveis, além de existirem outros custos a serem considerados, como os de administração
e os de planejamento.

Quanto à inexistência de monopólios tecnológicos no setor, Santos & Orrico Filho


(1996a) ressaltam que se isso é verdadeiro no caso dos veículos, não se pode dizer o mesmo a
respeito da tecnologia de operação e controle dos serviços, importantes para a diferenciação
de resultados entre diferentes operadoras. Alocação de frota, scheduling e manutenção
preventiva são elementos decisivos para a produtividade no setor. Do mesmo modo, o acesso
a informações sobre o mercado, custos e distribuição da demanda não são facilmente
disponíveis para os novos entrantes, sendo que estes teriam dificuldade em efetuar o cálculo
da estratégia lucrativa antes da entrada. As empresas estabelecidas também podem lançar mão
de suas vantagens quanto ao conhecimento do mercado em relação às desafiantes, inclusive
utilizando-se do subsídio cruzado, possibilitado pela operação de uma rede de serviços
vasta.23 Estes fatores podem se constituir em efetivas barreiras à entrada, reduzindo a
contestabilidade do setor.

Banister et alii (1993), nesse sentido, colocam a organização dos serviços em rede
como a mais importante barreira à entrada e à perfeita contestabilidade do mercado. As firmas
estabelecidas também possuem o conhecimento das condições de mercado e a “lealdade” dos
usuários. Assim, elas têm condição de redesenhar suas estratégias de serviços de uma maneira
que as capacitem a explorar as “economias de rede” (network economies), fazendo com que a
possibilidade de entrada não seja lucrativa. Isto se deve a que a contestabilidade pode ser
anulada quando as estratégias empresariais são delineadas de forma ampla, levando em conta
uma estrutura produtiva em redes complexas de serviços, onde cada rota determinada é um

23
Evans (1991a) ressalta a dificuldade de definir quando uma empresa está lançando mão de subsídios cruzados,
onde múltiplos produtos compartilham de custos fixos comuns, como o planejamento e a gestão, os terminais,
etc.
50

mercado que se articula em conjunto aos demais. Ao considerar cada linha um mercado (isto
é, cada ligação origem-destino), uma região metropolitana, por exemplo, teria uma ampla
gama de mercados (Santos & Orrico Filho, 1996b). A conexão entre estes distintos mercados
leva a que as estratégias empresariais sejam definidas para o conjunto dos serviços. Desse
modo, a desestabilização dos operadores estabelecidos, que operam serviços interconectados
e planejados em rede torna-se mais difícil, face às citadas economias de rede, que são
apropriadas pelas empresas estabelecidas de um determinado local e com isso detendo
possíveis entrantes. A estruturação dos serviços em rede torna-se, portanto, uma barreira à
entrada, diminuindo a contestabilidade do mercado.

Por outro lado, quando são analisadas as experiências de desregulação,


principalmente as acorridas na Grã-Bretanha e no Chile (objeto da próxima seção), nota-se
que se o mercado de ônibus urbano fosse perfeitamente contestável, era de se esperar que a
competição potencial trouxesse os preços aos níveis dos custos médios, reduzindo as tarifas.
Como se verá, isso não ocorreu, sendo, ao contrário, percebido um aumento das tarifas (tanto
no caso chileno quanto no britânico). De acordo com a teoria, esperava-se verificar a baixa
relação entre tarifas e concentração industrial. Estudos econométricos realizados na Grã-
Bretanha, após a desregulação, verificaram que as tarifas eram positivamente correlacionadas
com a concentração no mercado, ou seja, menor o número de operadores na linha, maiores
eram as tarifas, sendo que a concorrência potencial não foi suficiente para eliminar a tentativa
de aumentar os preços nos mercados concentrados, indo de encontro com as hipóteses da
teoria (Dodgson & Katsoulacos, 1991). Enfim, as previsões da teoria dos mercados
contestáveis não se concretizaram empiricamente com a desregulação. Percebeu-se que as
empresas estabelecidas dispõem de instrumentos para fazer valer sua posição frente às
competidoras potenciais, pois os resultados observados também apontam para a
reconcentração empresarial, mesmo com o surgimento de um grande número de pequenas
empresas após a desregulação (Aragão, 1996a).

3.3. EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE (DES)REGULAÇÃO

3.3.1. Grã-Bretanha e Chile: os resultados da desregulação


As experiências de desregulação dos serviços de transporte urbano por ônibus
britânicas e chilenas são as mais conhecidas pela literatura especializada. Elas apresentam
especificidades próprias quanto ao modelo adotado como também características comuns
51

acerca dos resultados do processo de desregulação, transformando-se num processo rico para
melhor entender as características da produção de tal modalidade de transporte.

a) Resultados da desregulação na Grã-Bretanha


A regulação dos serviços de transporte urbano por ônibus na Grã-Bretanha iniciou
na década de trinta, a partir do 1930 Road Traffic Act. Ela se manteve praticamente inalterada
por mais de 50 anos, até o início dos anos 80, quando o partido conservador inicia a
implantação de uma série de reformas, de cunho liberalizante, em diversos setores da
economia. Até então, o transporte era nacionalizado, com a presença da empresa estatal
National Bus Company, criada em 1968, e os sistemas operados por meio de monopólios
locais licenciados, onde um único operador tinha o direito de operar uma linha. As tarifas,
eram aprovadas pelo poder público e relacionadas com a distância, com larga utilização de
subsídios cruzados e subvenções externas (Nash, 1993).

A desregulação dos serviços na Grã-Bretanha, como mencionado, foi baseada nos


argumentos do crescimento constante dos subsídios diretos, na falta de eficiência dos serviços
e nas altas tarifas, sem que a qualidade melhorasse e fosse detida a tendência histórica de
queda no número dos usuários. Baseado em dados de 1983, os subsídios ao transporte urbano
por ônibus cresceram de 10 milhões de libras, em 1972, para 520 milhões, em 1982 (Glaister,
1993). A demanda, no início da década de 80, caiu a menos da metade dos níveis atingidos no
início dos anos 50 (Balassiano, 1993).

O processo de desregulação dos serviços nas áreas metropolitanas e municipais na


Grã-Bretanha se iniciou, efetivamente, em 1986, completando-se em 1987. No caso de
Londres, que precedeu a desregulação dos serviços naquelas áreas, optou-se por colocar as
linhas em “licitações competitivas” (competitive tendering), a partir de 1984.24

Com a desregulação nas áreas metropolitanas e municipais, aboliu-se a restrição à


entrada e o controle tarifário, permitindo aos operadores prestarem qualquer serviço a
qualquer tarifa, desde que a sua inauguração (ou supressão) fosse comunicada à autoridade
local com 42 dias de antecedência, no sentido de evitar instabilidade na prestação do serviço.
Foram proibidos os subsídios públicos aos serviços comercialmente viáveis, sendo que para
os serviços “não comerciais” (ou não rentáveis) abrir-se-iam licitações competitivas
(competitive tendering) para a concessão das linhas, tendo como critério o valor do menor

24
A análise da experiência de regulação pelo competitve tendering será objeto da próxima seção.
52

subsídio requerido. Os subsídios cruzados foram abolidos e a National Bus Company foi
dividida em várias empresas a serem privatizadas.

Para Evans (1991a) o mais importante efeito da desregulação na Grã-Bretanha foi


a redução nos custos de operação por veículo-quilômetro. Entre 1985/86 e 1991/92, a
variação percentual nos custos operacionais foi de -36% para as áreas fora de Londres (vide
Tabela 5). Parte dessa redução foi devida ao incremento da operação de microônibus, que
apresentam custos de operação menores que os ônibus comuns. O incremento proporcional da
operação de microônibus foi considerado como a maior inovação na competição nos serviços.
Acrescentam-se, nesse sentido, a redução dos preços dos combustíveis e os menores salários
pagos ao pessoal de operação.25

Tabela 5
Mudanças na Indústria de Ônibus Urbano - Grã-Bretanha, 1985/6 a 1991/2
(em %)
Custos
Demanda operacionais reais Veículos-
(passageiros por por veículo- quilômetros
viagem) quilômetro1 ofertados Tarifas reais
Áreas metropolitanas -28,4 -40,0 +15,2 +39,3
Demais localidades -16,0 -31,0 +22,1 + 6,2
GB (exceto Londres) -21,6 -36,0 +20,4 +12,6
Londres - 0,3 -24,0 +15,4 +16,6
Total (todas as áreas) -17,2 -34,0 +19,7 +13,2
1
Excluindo a depreciação.
Fonte: Department of Transport, ‘Transport Statistics Report 1991/92, London apud Nash (1993, p. 1046)

No entanto, a despeito da queda dos custos de operação, as tarifas não caíram. Nas
cidades do interior (demais localidades), as tarifas acompanharam a inflação sem mudanças
significativas no valor real, enquanto nas regiões metropolitanas verificou-se um rápido
aumento, proporcionado pelo realinhamento tarifário provocado pela eliminação dos
subsídios. Pela tabela 5, pode-se observar que no período 1985/86 e 1991/92, as tarifas
aumentaram cerca de 39% em valor real nas regiões metropolitanas, 6% nas cidades do
interior (regiões não-metropolitanas) e 13% em toda a Grã-Bretanha.

Quanto ao nível de serviço, é consenso na literatura especializada o aumento da


quantidade de veículos-quilômetro ofertados, proporcionado pelo rápido crescimento da frota
de microônibus. A oferta aumentou 15% nas regiões metropolitanas, 22% nas cidades do

25
Mudanças nas práticas trabalhistas são apontadas como o principal fator responsável pela queda nos custos
operacionais. A mão-de-obra representa mais de 2/3 dos custos de operação. Houve uma redução do salário
semanal pago e a rápida expansão da frota de microônibus também implicou em menores salários para os
motoristas, pois esses veículos podem ser dirigidos por portadores de licença que não exige a habilidade
requerida para os veículos convencionais. Reduziu-se também o número de empregados de manutenção e
gerenciamento (Balassiano, 1993; Aragão, 1996a).
53

interior e 19% no país como um todo, no período1985/86-91/92 (vide tabela 5). Ressalte-se,
entretanto, que este aumento de veículos-quilômetro oferecidos não significa diretamente um
aumento na capacidade oferecida, dada à utilização de veículos de menor capacidade. De
acordo com Aragão (1996a), apesar da maior freqüência proporcionada ter diminuído os
tempos de espera, deteriorou-se a coordenação entre os serviços, tanto no que se refere aos
horários quanto às paradas, que contribuiu para o aumento do tempo despendido na mudança
de condução. A quantidade de registros e cancelamento de registros constatada, devido à
entrada e saída de operadores, contribuiu para que os serviços se tornassem instáveis.

Com relação à demanda, verificou-se a manutenção da tendência histórica da


diminuição do número de passageiros em todo o país (Aragão, 1996a). Para o período em
análise, a queda total foi de 17,2%, sendo 28,4% para as áreas metropolitanas e 16,0% nas
demais localidades (conforme tabela 5). Entre as razões para esta redução, podem ser
apontadas: a incerteza que acompanhou o processo de desregulação, o aumento de tarifas, a
instabilidade do padrão dos serviços, a falta de informação em relação aos novos serviços e
integração da rede, a retirada de subsídios, entre outros (Aragão, 1996a; Evans, 1991a). Com
isso, a desregulação não atingiu um de seus maiores objetivos, que era o de estancar a queda
do número de passageiros.

O aumento da oferta, em termos de veículos-quilômetro, e a queda da demanda,


ocasionaram a diminuição do número de passageiros por ônibus. Isso se refletiu no custo
médio por passageiro, que caiu menos que o custo médio de operação por ônibus, anulando,
de certa forma, os benefícios gerados pela redução dos custos de operação por veículo-
quilômetro. Em outras palavras: embora a operação tivesse seu custo reduzido, os veículos
também passaram a transportar um número menor de passageiros. Isso explica o porquê da
manutenção das tarifas nos níveis pré-desregulação nas áreas não-metropolitanas (demais
localidades). Esse foi um resultado surpreendente da desregulação, já que, de acordo com a
teoria econômica tradicional, um aumento na oferta deveria ser acompanhada por uma
redução nos preços. Nas regiões metropolitanas, o aumento das tarifas foi, em grande parte,
explicado pela retirada dos subsídios.

Evans (1991a), nesse sentido, argumenta que para qualquer tarifa, num serviço
desregulado, os competidores têm o incentivo a aumentar a oferta ao máximo possível, no
intuito de aumentar sua fatia no mercado: se ele não o fizer, o seu competidor o fará. Isso
ajuda a explicar o crescimento da quantidade de veículos-quilômetro ofertados. Não há
54

incentivo para reduzir as tarifas, pois uma redução pode ser acompanhada pelo competidor.
Além disso, por causa da elasticidade-preço da demanda ser baixa para os serviços, uma
redução tarifária simplesmente poderia reduzir a receita, sendo que os operadores não
esperam ganhar passageiros com reduções de preço.26 Por outro lado, um aumento unilateral
poderia não ser seguido pelos competidores, e o operador perderia passageiros. Assim,
mantém-se a estrutura tarifária inicial, sendo que os operadores estabelecidos são conduzidos
a realizar seus aumentos de forma tacitamente coordenada. Esse fenômeno foi verificado nas
regiões não-metropolitanas, após a desregulação, com as tarifas acompanhando a inflação,
sem aumentos reais significativos (cerca de 6% acima da inflação, para o período 1986-92,
conforme tabela 5).

Quanto à competição e à estruturação do mercado, nas áreas metropolitanas, após


a desregulação observou-se a entrada expressiva de grande número de pequenas empresas
num primeiro momento. Entretanto, passado algum tempo, verificou-se o fenômeno da
concentração de empresas. Na competição direta (nas ruas) observou-se um respeito geral aos
operadores estabelecidos, por parte dos novos entrantes. Os desafios realizaram-se mais na
oferta de novos serviços do que nos já estabelecidos (Aragão, 1996a).

Nas áreas urbanas não metropolitanas, os serviços locais, contrariando o esperado,


não apresentaram qualquer mudança. Alterou-se a propriedade das companhias, mas a
maioria dos serviços comerciais continuou a ser operada como monopólio local, como no
período pré-desregulação. As empresas públicas recém privatizadas foram as que
apresentaram melhores condições de competitividade, pois já dispunham de uma rede
montada de serviços e infra-estrutura. Inicialmente verificou-se um grande número de
registros de serviços a serem prestados em bases comerciais. No entanto, iniciou-se uma
seleção “darwiniana”, com a posterior onda de cancelamento de registros e fusões entre
empresas. Às pequenas empresas restou a disputa pela operação dos serviços subsidiados, via
“licitação competitiva” (Aragão, 1996a).

A contestabilidade do mercado não ocorreu. Evans (1991a) lembra que é


fundamental a existência de dois pré-requisitos para que um mercado seja perfeitamente
contestável: a) a entrada e saída livres, com a não existência de sunk costs; e b) a
possibilidade da entrada hit-and-run. Como foi comentado, os sunk costs no setor são baixos

26
Na Europa e nos EUA, os estudos para a determinação da elasticidade-preço da demanda de transporte por
ônibus urbano concluíram que essa se aproxima de -0,3 (ver CEPAL, 1988), significando, por exemplo, que uma
55

(mas não desprezíveis). Entretanto, quanto ao outro pré-requisito, devido ao aviso prévio de
42 dias, a possibilidade da entrada hit-and-run foi anulada: as empresas estabelecidas
puderam reagir à entrada, alterando suas tarifas e adaptando suas redes de serviço (pelo aviso
prévio, qualquer entrada ou mudança no serviço deve ser avisado com 6 semanas de
antecedência; no entanto, aos operadores estabelecidos é permitido mudar as tarifas a
qualquer tempo). De acordo com a teoria dos mercados contestáveis, se existe um vetor
lucrativo, os entrantes potenciais podem ingressar e sair do mercado antes que as empresas
estabelecidas possam reagir à entrada, que é reversível e sem ônus. Em face de perspectiva de
obter lucros econômicos, firmas potencialmente concorrentes poderão ser atraídas para o
mercado em questão e beneficiar-se do lucro antes que as empresas estabelecidas possam
alterar os seus preços e, se necessário, sair do negócio. Esse é o tipo de entrada denominado
hit-nad-run (Costa, 1995). No caso da Grã-Bretanha, a impossibilidade da entrada hit-and-
run, devido ao aviso prévio de 42 dias, possibilita que as tarifas possam ser mantidas acima
dos custos médios, resultando na não contestabilidade do mercado.

Note-se que, embora o receio da entrada não impeça os operadores estabelecidos


de manterem as mesmas estruturas tarifárias verificadas antes da desregulação, ela força o
operador a reduzir os seus custos operacionais, já que as tarifas podem ser rebaixadas a
qualquer tempo, se necessário, mas os custos não. Os monopolistas temem a entrada de
operadores com custos menores. O temor da entrada de operadores de menores custos levou a
que a estratégia de competição dos monopolistas se restringisse ao rebaixamento dos custos
de operação (daí o uso intensificado dos microônibus) (Evans, 1991b).

Do mesmo modo, verificaram-se diversas barreiras à entrada pelas quais os


entrantes potenciais não tiveram sucesso em suas estratégias (como já abordado neste
capítulo), são elas (Aragão, 1996a; Evans, 1991a): a) os operadores estabelecidos têm melhor
conhecimento sobre todos os aspectos da provisão do serviço, permitindo-lhes tomar melhor a
decisão tática e estratégica; b) são mais fortes financeiramente e capazes de sobreviver à
“batalha” competitiva, com eventuais perdas de lucros, pois eles são maiores, com diversas
linhas, e pode utilizar-se de subsídios cruzados para perdas temporárias; c) têm uma maior
rede de serviços que o entrante, podendo oferecer vantagens atrativas de viagem ao usuário,
como a venda de passes integrados; d) são mais conhecidos e podem fornecer melhor

redução de 10% no valor da tarifa acarretaria um aumento de apenas 3% no número de passageiros


transportados.
56

informação sobre os serviços; e e) e têm melhor posicionamento quanto a garagens e


terminais.

Como foi visto no Capítulo 2, o principal objetivo da regulação econômica é o de


aumentar a eficiência. No caso britânico (com exceção de Londres, como será visto adiante),
a desregulação trouxe, além de outros resultados, um aumento do custo médio por passageiro,
apesar da queda dos custos de operação por veículo-quilômetro. Isso se traduz em
ineficiência, já que houve um aumento da oferta sem que esta fosse acompanhada pelo
crescimento na demanda. Foi também observado o fenômeno da concentração empresarial e a
dificuldade na coordenação da operação. Desse modo, questiona-se a validade da
argumentação que o livre mercado traria eficiência ao setor, com as tarifas aproximando-se
aos custos médios.

b) Resultados da desregulação em Santiago do Chile


A desregulação do transporte urbano no Chile aconteceu por estágios, a partir do
final dos anos 70, envolvendo também a privatização da empresa de ônibus estatal, a Empresa
de Transportes Colectivos del Estado. Os serviços eram, assim como na Grã-Bretanha, de
responsabilidade do governo central. A desregulação teve como objetivo, dentro do contexto
das medidas liberalizantes adotadas pelo governo Pinochet, atingir a melhor alocação dos
recursos e o aumento da eficiência, além da redução do volume de subsídios concedidos às
empresas públicas. Analisar-se-ão os resultados da desregulação na cidade de Santiago, por
ser o principal centro urbano e econômico do país.

Ao contrário da Grã-Bretanha, o Chile partiu de uma situação de regulação


governamental dos serviços, com parte da oferta já operada pela iniciativa privada. Os
serviços de transportes urbanos em Santiago eram realizados por diversos proprietários de
veículos, na maioria individuais, que se agrupavam em “associações”, responsáveis pela
operação das diversas rotas. Para cada associação era outorgada, pelo Estado, uma permissão
para a operação. Os serviços eram, então, regulados pelo governo, que estabelecia as normas
de entrada, as tarifas e as freqüências das viagens. A empresa pública de transporte era
responsável por cerca de 10% da demanda, com rotas em quase todas as cidades, e suas tarifas
subsidiadas (Thompson, 1992; Balassiano, 1993).

Em 1979 inicia-se o processo de desregulação em todo o país. As restrições à


entrada no mercado foram progressivamente relaxadas, e em 1983 as tarifas foram liberadas.
A empresa pública encerra suas atividades em 1981, com a sua frota vendida para os
57

operadores privados de Santiago. A total desregulação acontece, no entanto, em 1988, com a


retirada dos controles sobre a entrada e saída no mercado, da definição de itinerários e frota,
como também dos tipos de veículos para a operação.

O impacto imediato da desregulação em Santiago do Chile foi a expansão da


oferta. Entre 1979 e 1989 a frota de veículos em operação mais que duplicou, passando de
5.100 veículos para cerca de 10.600 (vide tabela 6). Nesse sentido, cresceu mais que
proporcionalmente o número dos taxibuses,27 veículos com capacidade para cerca de 35
passageiros, em relação aos ônibus convencionais, com capacidade para 90, e aos
microônibus, de 75 lugares, que também operam na cidade de Santiago. Para Thompson
(1992), a explicação para esse fenômeno é que os taxibuses são mais modernos, com maior
velocidade operacional e menor capacidade unitária, apresentando custos operacionais mais
baixos que os ônibus comuns. Verificou-se também o aumento da idade média da frota (tabela
6).

Tabela 6
Santiago do Chile: Resultados da desregulação do transporte urbano por ônibus
1978-89
1979 1989
Frota total de veículos 5.100 10.600
1980 1988
Idade média da frota
ônibus 6,95 anos 12,10 anos
taxibuses 4,95 anos 9,54 anos
1978 1989
Tarifas reais (em pesos de 1987)
ônibus $21,71 $59,60
taxibuses $29,92 $59,60
1978 1988
Passageiros por ônibus/ano
ônibus 211.622 94.456
taxibuses 162.069 110.201
Fonte: Oscar Figueroa, transparências da palestra proferida na Secretaria de Transportes do Governo do Distrito
Federal, Brasil, em 22/11/1996.

Como conseqüência do crescimento da oferta, foi observada a diminuição da taxa


de ocupação dos veículos, já que a demanda por viagens cresceu a taxas menores que o
aumento da frota. No período de 1978 a 1988, o número de passageiros por ônibus/ano caiu,
em média, de cerca de 211 mil para 94 mil, para os ônibus convencionais, enquanto para os
taxibuses esse número caiu de 162 mil para 110 mil (vide tabela 6).

27
Para Balassiano (1993), enquanto a população de Santiago, entre 1979 e 1989, cresceu cerca de 34%, a frota
de ônibus regulares cresceu 93% e a da taxibus 135%.
58

As menores taxas de ocupação dos veículos resultaram no maior custo médio por
passageiro, provocando a elevação das tarifas. Thompson (1992) observa que as tarifas
subiram continuamente durante o processo de desregulação e continuaram subindo, uma vez
que o processo se completou. Ônibus de todos os tipos, de todas as rotas e de todos os
horários vieram a fixar a mesma tarifa, sendo que a tarifa dos taxibuses “puxou” a tarifa dos
outros modos, até se equipararem. No período de 1978 a 1989, o aumento das tarifas médias,
em termos reais, foi de cerca de 11% ao ano. Em pesos de 1987, as tarifas reais dos ônibus
passaram de $21,71, em 1978, para $59,60, em 1989, enquanto as dos taxibuses subiram de
$29,92 para $59,60, no mesmo período (vide tabela 6). Balassiano (1993) ressalta que a
desregulação não foi o único motivo por estes aumentos, uma vez que os preços de alguns
insumos também cresceram no período, sendo que o maior deles foi o óleo diesel. Devido ao
aumento das tarifas e da freqüência dos serviços, os usuários passaram a receber um serviço
superior, em relação ao que tinham anteriormente. Entretanto, deve-se ressaltar, a razão entre
o custo e o nível do serviço, sem dúvida, subiu para a maioria dos usuários (Thompson,
1992).

A desregulação no caso chileno não trouxe a concentração empresarial,


permanecendo a propriedade dos ônibus em Santiago fragmentada, com cada operador
possuindo, em média, entre 1,5 a 2 veículos. Por outro lado, a união dos operadores através
das “associações” permitiu a cartelização do setor, o que contribuiu para que as tarifas reais
subissem e se unificassem. As tarifas começaram a ser determinadas pelas associações, de tal
modo que ao operador menos eficiente fosse permitido cobrir os seus custos  implicando
que os operadores eficientes, ou que operassem as linhas mais rentáveis, auferissem lucros
maiores. Ao mesmo tempo, as associações começaram a impor regras para a entrada nos
serviços, submetendo todo novo operador a diversas exigências, “regulando” a operação e as
relações entre os diversos grupos de empresários (Müller, 1996; Balassiano, 1993; Thompson,
1992).

Outra conseqüência da desregulação foi o aumento dos congestionamentos de


trânsito, provocados pelo aumento da oferta, com a concentração da operação do serviço na
área central de Santiago, pólo das atividades da população. Com os engarrafamentos
verificados, a elevada poluição ambiental e os acidentes provocados, o governo começa a
adotar, a partir de 1989 (um ano após a desregulação completa), várias medidas de restrição
da frota  por exemplo, a retirada de veículos com base na idade de fabricação e a proibição
59

da circulação em determinados dias da semana, de acordo com o número final da placa de


licenciamento. A lucratividade da operação cresceu como resultado das medidas de restrição
impostas, dada à relação inelástica verificada entre a freqüência e número de usuários (cai a
oferta, com o número de passageiros permanecendo constantes), reduzindo os custos por
passageiro. Entretanto, as tarifas não caíram. Thompson (1992) argumenta que as tarifas são
flexíveis para cima, mas não caem quando os custos médios por passageiro diminuem. O
aumento da lucratividade encorajou, desta maneira, o aumento a frota, revertendo os efeitos
esperados.

A desregulação no Chile trouxe o aumento da oferta, de forma caótica e sem


controle, expandindo a participação de veículos menores no mercado. A demanda não
acompanhou o crescimento da frota operante, e a conseqüência foi o aumento das tarifas para
manter a lucratividade dos serviços. Verificou-se o fenômeno da cartelização do setor, com as
associações de operadores “regulando” o serviço, além das externalidades negativas
produzidas, como o aumento da congestão de tráfego e da poluição atmosférica. A
estruturação dos serviços em rede foi soterrada pelos interesses das associações, a quem só
interessava operar na área central.

Tendo em vista a necessidade do combate às externalidades negativas, as


distorções tarifárias e ao crescimento da frota de veículos operante, geradas pela desregulação
dos serviços, inicia-se, em 1991, o processo de “licitação de rotas” para a área central de
Santiago. De acordo com Müller (1996), a iniciativa teve como objetivo otimizar a
capacidade das vias, a frota e os itinerários.

As primeiras licitações aconteceram onde foram percebidas fortes externalidades


negativas, como os congestionamentos, a contaminação ambiental e os acidentes, visando a
redução dos fluxos nas vias dentro de um perímetro central preestabelecido. Definiram-se as
rotas a serem licitadas dentro desta área, como também as freqüências e a frota necessária
para a operação. No modelo de licitação adotado, as propostas para obtenção do direito da
operação dos serviços foram avaliadas sob os seguintes critérios e respectivos pesos: a) tarifa
a cobrar pelo serviço, 20%; b) capacidade média do veículo, 20%; c) relação entre
características do serviço e tamanho da frota, 20%; d) idade da frota, 20%; e) sistema de
cobrança de passagens, 10%; e d) forma de apresentação da frota, 10%. Os contratos de
operação foram estabelecidos por 18 meses, entre as empresas vencedoras e o ministério
60

setorial responsável pelos serviços. Na segunda licitação, em 1994, os contratos de concessão


foram estabelecidos entre 3 a 5 anos (Figueroa, 1996).

Os resultados das primeiras licitações, realizadas a partir de 1992, indicam: a


diminuição das tarifas reais em cerca de 8%; a redução da idade média dos veículos para 3,5
anos (sendo que esta era de 12 anos, em 1988); e a contenção da expansão da frota na área
licitada (Ibid., 1996).

O sistema de licitação de rotas, centrado na restrição da oferta na área central,


aparece, dessa maneira, como alternativa para os problemas da livre entrada nos serviços. Ele
pode ser visto como prova da necessidade do planejamento, da coordenação da rede e da
necessidade da regulação, como instrumento para obtenção da eficiência nessa atividade
econômica.

3.3.2. O competitive tendering: a regulação através de licitações competitivas


Apesar dos crescentes custos operacionais e dos volumes de subsídios requeridos
nos EUA, em Londres e em outros países (Austrália, Nova Zelândia, Suécia, Dinamarca,
Finlândia), a política adotada continuou no sentido dos serviços de transporte urbano por
ônibus serem operados numa base planejada, com a eficiência e o aumento da produtividade
sendo estimuladas pelo uso de “licitações competitivas” (competitive tendering), ao invés da
desregulação dos serviços.

O competitive tendering é o modelo de contratação de serviços baseado no


sistema de licitações por menor custo. Sob o competitive tendering a autoridade pública retém
o controle e a responsabilidade pela política de transporte, especificando os horários, as
freqüências, os itinerários, as tarifas, as características técnicas dos veículos, enfim, todo o
planejamento da operação. O mecanismo de escolha dos operadores ocorre através das
“licitações competitivas”, onde as empresas privadas respondem às chamadas dos poderes
públicos para apresentação de propostas do fornecimento dos serviços preespecificados por
determinado período de tempo (de acordo com Cox & Love, 1991, não mais que 5 anos).
Ganha o direito de operar o serviço quem apresentar a proposta do menor custo de operação.
O objeto do contrato pode ser linhas, áreas de operação ou serviços especializados (por
exemplo, para portadores de necessidades especiais).

Neste mecanismo, argumenta-se que o operador privado tem o incentivo a operar


eficientemente, pois o objetivo da maximização de lucro faz com que a firma procure reduzir
61

seus custos dentro das restrições de preço estabelecidas no contrato. Adicionalmente, o


contrato prevê diversas penalidades e multas, ou até mesmo o seu cancelamento, por
performance insatisfatória. A empresa é incentivada a buscar continuamente reduções de
custos, porque ela tem em vista a próxima licitação, quando serão analisadas, novamente,
entre os diversos competidores, as melhores propostas. Daí a necessidade do estabelecimento
de contratos de curta duração: o receio de perder o direito da operação, na próxima licitação
competitiva, para uma possível empresa mais eficiente, força o operador a operar bem. Note-
se a similaridade conceitual deste modelo com o mecanismo de regulação desenvolvido por
Demsetz (1988), analisado no Capítulo 2.

No modelo, a autoridade pública exige que os proponentes apresentem uma


proposta de custos dos serviços, usualmente expresso em termos de unidade de produção
(geralmente, o custo por quilômetro), que seja inalterável durante o tempo do contrato. A
fixação das tarifas dos serviços continua como responsabilidade da autoridade pública. O
contrato prevê formas de indexação deste preço, com base em índices preestabelecidos. Cox
& Love (1991) ressaltam que a contratação com negociações de preços periódicas para o
preço dos serviços durante a vigência do contrato não deve ser utilizada  como a
remuneração pelo mecanismo de custo médio  pois ela nega o propósito do competitive
tendering de se obter um serviço por preço competitivo (além de consumir tempo
administrativo nas negociações dos novos preços e das dificuldades de verificação da real
mudança nos custos). O prazo máximo do contrato, dessa maneira, não deve ultrapassar 5
anos, pois se isso acontecer aumenta a probabilidade de ocorrer pressões para vários
ajustamentos de preço durante o período do contrato o que, num ambiente não competitivo,
pode resultar em ineficiência.

Contudo, a alternativa da licitação competitiva exige do Poder Público alguns


compromissos, como premissas para o seu sucesso, quais sejam: seriedade e competência na
administração dos contratos; estabelecimento e manutenção do modelo, mediante desenho
apropriado do tamanho dos contratos, com a repetição periódica das licitações; renegociação
do contrato conforme regras estabelecidas na licitação; e a definição clara dos objetivos das
licitações e da política de transporte (Aragão, 1997b).

Segundo Aragão (1997b), distinguem-se dois regimes básicos de licitação


competitiva. Num primeiro, a definição dos serviços é realizada exclusivamente pelo Poder
Público, cabendo ao operador privado tão somente a execução dos serviços pré-determinados
62

(este seria o caso de Londres, por exemplo). O segundo regime é aquele onde existe a parceria
público-privada na definição dos serviços, sendo que o operador participa do desenho da rede,
permanecendo com o Poder Público a definição das diretrizes da política de transportes (caso
australiano). Já foram registradas evidências do impacto do competitive tendering nos custos
operacionais e na oferta dos serviços de transporte urbano por ônibus  sem comprometer a
qualidade e a segurança na operação.

No caso de Londres, que precedeu a desregulação dos serviços nas outras


localidades da Grã-Bretanha, optou-se por colocar as linhas da empresa estatal local (London
Buses Ltd.) em competitive tendering, no sentido de evitar os prováveis riscos da
desregulação (já que o modelo permite o controle das tarifas por parte do Poder Público e o
planejamento integrado da operação). A experiência apresentou pleno êxito frente às demais
áreas do país, que foram desreguladas (Glaister, 1993).

A alternativa ficou conhecida como “competição pela rota” (competition for the
route), ao invés da “competição na rota” (competition on the route), na medida que a disputa
ocorre pelo direito de operar determinada linha, e não diretamente na rua, atrás dos
passageiros. A London Buses Ltd. foi dividida em diversas subsidiárias públicas, que
fornecem seus serviços em conjunto com as outras operadoras privadas, entrando nas
licitações competitivas. Cabe à autoridade pública, London Regional Transport, especificar e
planejar o serviço a ser fornecido. Os contratos firmados para a operação dos serviços
licitados são de curta duração (geralmente por três anos) e as tarifas fixadas pela autoridade
pública.

Segundo Glaister (1993), em geral a qualidade dos serviços melhorou com esse
novo sistema, além de ser verificada a queda dos custos operacionais e das necessidades de
subvenção. Foram mantidas as vantagens da unificação e integração das tarifas, a informação
global aos usuários e o planejamento do sistema. Ao contrário das outras regiões do país,
conseguiu-se deter a queda do número de passageiros transportados. A tabela 7 compara os
resultados do competitive tendering, para o período de 1986-95, frente às demais áreas da
Grã-Bretanha, que desregularam os serviços Observa-se que sob as licitações competitivas,
em Londres, os serviços foram expandidos em cerca de 30%, enquanto os custos operacionais
caíram 23%, dentre outros resultados. Atualmente, está sendo convertido todo o sistema de
transporte por ônibus de Londres para o novo modelo. Em 1996, cerca de 57% dos serviços já
63

estavam sob competitive tendering e, de acordo com Cox, Love e Newton (1997), a meta é
chegar a 100% em 1999.
Tabela 7
Comparação da performance dos sistemas de transporte público por ônibus na Grã-Bretanha: Londres
(competitive tendering) e fora de Londres (desregulação)
1986-95
Item Londres Fora de Londres
Variação (1986-95) Variação (1986-95)
Veículos-quilômetro ofertados 30,4% 28,6%
Custos por veículo-quilômetro -41,4% -44,7%
Demanda 1,3% -27,5%
Custo operacional total -23,5% -28,9%
Subsídios totais -48,3% -28,8%
Tarifa -1,0% -1,9%
Fonte: Wendel Cox Consultancy, 1997 (http://www.publicpurpose.com)

Nos EUA, o competitive tendering surgiu como forma de buscar a redução de


custos, com a conseqüente redução do volume de subsídios concedidos, e o envolvimento do
setor privado na operação dos serviços (já que desde os anos 60, a política adotada pelo
governo americano foi de fornecer os serviços de transporte urbano por meio de empresas
públicas),28 descartando a alternativa da desregulação nessa modalidade de transporte.29

Apesar da vasta experiência dos EUA na desregulação do setor de transportes


(vide o setor aéreo, o transporte rodoviário de carga, entre outros), o transporte urbano por
ônibus continuou regulado: os serviços continuaram sendo planejados sendo que a diminuição
de custos foi buscada pela adoção da estratégia das licitações competitivas, com a
privatização dos serviços. Cox & Love (1991) argumentam que o baixo número de
deslocamentos urbanos por ônibus, o alto índice de carros per capita,30 junto com a propensão
a abandonar o transporte público quando as tarifas sobem poderiam, caso o sistema fosse
desregulado, resultar em instabilidade no setor com tarifas altas para os usuários dependentes
do transporte coletivo. Por isto, a opção de não desregular este modo de transporte.

A adoção da política da desregulação traz incertezas sobre quais serão os


resultados sobre o nível dos serviços e as tarifas, constituindo numa estratégia de alto risco.
Talley (1991) argumenta que tanto os governos dos EUA e da Grã-Bretanha adotaram

28
De acordo com Lave (1991), no começo dos anos 80 mais de 90% da oferta era provida por empresas
públicas e financiada por diversas fontes de subsídios (locais, estaduais e federais).
29
Os serviços de transporte por ônibus rodoviário de longa distância foram desregulados nos EUA no início da
década de 80.
30
Ressalta-se que nos EUA, devido as altas taxas de propriedade de carros particulares e das baixas densidades
das áreas urbanas, o transporte público por ônibus é um modo residual de transporte, com a demanda
basicamente composta pela população de baixa renda. Na década de 80, apenas 3% das viagens urbanas eram
feitas por transporte público, comparado com 19% na Grã-Bretanha e cerca de 85% no Chile (Dodgson, 1991).
64

políticas visando a reduções de subvenções. Entretanto, enquanto o governo britânico


enfatizou a desregulação, os EUA deram preferência à privatização da operação através do
estabelecimento do contracting-out. Diferentemente do caso britânico, onde a empresa
pública é vendida para o setor privado e opera num ambiente desregulado, ao lado de outras
empresas, nos EUA o contracting-out de serviços de transportes públicos é o processo no qual
se estabelece um contrato entre a autoridade pública e o provedor privado, dando ao último o
direito exclusivo de fornecer os serviços. O contrato pode prever a transferência de subsídios
para o serviço contratado e requer a regulação da tarifa e a estruturação dos serviços pela
autoridade pública. O mecanismo de escolha do prestador do serviço se dá através do
competitive tendering.

Em cidades como Austin, Dallas e San Diego, mais de 30% dos serviços já estão
sob o competitive tendering. A cidade de Nova Iorque estima que pôde poupar cerca de US$
160 milhões anualmente com o novo sistema, e em Las Vegas os custos por serviço são os
mais baixos em todo o país (cerca de 30% abaixo dos custos médios dos sistemas de tamanho
similar) (Cox, Love & Newton, 1997). A Tabela 8 apresenta alguns resultados da experiência
do modelo em algumas cidades americanas.
Tabela 8
Resultados do competitive tendering em cidades americanas
Cidade Período % convertida Custo Total Custos
operacional unitários
Denver 1988-95 25% 3,0% -18,0%
Indianapolis 1994-96 70% 8,5% -25,9%
Las Vegas 1993-94 100% 135% -33,3%
San Diego 1970-96 37% 2,7% -2,1%
Fonte: Wendel Cox Consultancy, 1997 (http://www.publicpurpose.com)

Prevalece, entretanto, nos EUA a operação por empresas públicas, embora tenha
crescido os esforços do governo federal e dos governos estaduais em promover a contratação
competitiva como uma alternativa à oferta pública monopolista. O maior obstáculo para a
implantação total do sistema é o caráter marginal da atividade (o setor de transporte urbano
por ônibus não é um big business) (Aragão, 1997b). Existe ainda a relutância por parte de
alguns governos locais nesse tipo de contratação (o peso do federalismo contém as investidas
do governo central no sentido de privatizar em maior escala), como também dos sindicatos de
trabalhadores (devido ao fato de que parte das reduções de custos é devida à compressão dos
salários pagos). Entretanto a utilização desse mecanismo tem sido crescente e continuada nos
EUA.
65

A experiência do competitive tendering aparece como uma alternativa para


promover a eficiência (e a conseqüente redução dos custos operacionais) com a operação
privada dos serviços, sem a adoção da política da desregulação. O modelo de competitive
tendering pode ser visto como um mecanismo de regulação que incentiva as empresas à
eficiência ao mesmo tempo em que não requer procedimentos de monitoramento complexos
(Ramos, 1997). O transporte público é elemento de planejamento com importantes funções
sociais, principalmente em relação à parcela da população que não dispõe de alternativas de
transporte. A adoção do modelo de licitações competitivas conseguiu reduções de custos,
mantendo a função planejadora e reguladora do Estado. A distinção crucial parece ser a
existência ou não da competição e não a operação pública ou privada dos serviços. Antes dos
EUA estatizarem os seus serviços de transporte na década de 60, a operação era prestada por
operadores privados, também de forma ineficiente, numa estrutura de monopólios privados
regulados (Cox & Love, 1991). A experiência do competitive tendering mostra que a
introdução de elementos de competitividade nos serviços de transporte urbano por ônibus
pode reduzir os custos de operação, mantendo a qualidade dos serviços. Mas não a
competição direta nas ruas, e sim pelo direito de entrar no mercado.

3.4. COMENTÁRIOS SOBRE O CAPÍTULO


No decorrer do capítulo foram analisadas as principais características da produção
dos serviços de transporte urbano por ônibus. Mostrou-se que os principais argumentos que
justificam a regulação econômica do setor residem nas especificidades que caracterizam a
produção dos serviços. Está na importância da coordenação (integração) tarifária e temporal
da operação (com o objetivo de obter a racionalidade no uso dos recursos e fomentar a
articulação entre os operadores) a necessidade da função reguladora do Estado. A noção da
estruturação dos serviços em redes integradas torna-se, dessa maneira, condição para a
organização do mercado de forma eficiente. O controle da entrada, da quantidade e dos preços
dos serviços evitaria a instabilidade da oferta, a queda da confiabilidade da operação e a
fixação de preços excessivos, protegendo os serviços mínimos que o livre mercado não
garantiria. Daí a necessidade da regulação, apesar de o setor não apresentar significativas
economias de escala.

O principal argumento para a desregulação do transporte urbano por ônibus é que


esta poderia trazer a melhor alocação de recursos, atingindo a eficiência na prestação dos
serviços: sob o livre mercado, a oferta se adequaria ao nível de equilíbrio, acompanhada pela
66

redução das tarifas. A análise das experiências internacionais de desregulação mostrou, no


entanto, que a desregulação teve como resultado o aumento expressivo da oferta (em termos
de veículos-quilômetro) sem que esta fosse acompanhada pela demanda. Isso se traduziu em
ineficiência operacional. Esta situação, em ambos os casos analisados (Grã-Bretanha e Chile),
provocou o aumento dos custos médios por passageiro, levando à majoração das tarifas. A
livre entrada também conduziu à instabilidade dos serviços, desestruturando a organização da
operação em rede. Ou seja: a desregulação (a competição no mercado, na disputa direta pelo
usuário) não atingiu os resultados esperados.

Por outro lado, a experiência das licitações competitivas (competitive tendering),


utilizada em Londres, EUA e outros países (Austrália, Dinamarca, Finlândia), aparece como
uma alternativa para a promoção da eficiência (e a conseqüente redução dos custos
operacionais), sem a adoção da política da desregulação. O modelo de competitive tendering
pode ser visto como um mecanismo de regulação que incentiva as empresas à eficiência ao
mesmo tempo em que não requer procedimentos de monitoramento complexos. Note-se a
similaridade conceitual deste mecanismo com o modelo de regulação desenvolvido por
Demsetz (1988), analisado no Capítulo 2. O uso de licitações competitivas conseguiu
reduções de custos e melhoria da qualidade dos serviços, nos casos analisados, mantendo a
função reguladora da autoridade pública. A introdução da competição no quadro de regulação
econômica do setor de transporte urbano de passageiros, na disputa pela entrada no mercado,
aparece, dessa maneira, como uma alternativa para se tratar a questão da ineficiência
operacional, mantendo a qualidade dos serviços.
67

CAPÍTULO IV
O MODELO BRASILEIRO DE REGULAÇÃO

INTRODUÇÃO
O objetivo deste capítulo é o de analisar os atuais modelos de regulação
econômica do transporte coletivo urbano por ônibus adotado nas cidades brasileiras  ou
seja, os mecanismos de remuneração empresarial e os regulamentos dos serviços. Tal análise
visa verificar se os atuais modelos contêm instrumentos ou mecanismos que direcionem no
sentido da obtenção da máxima eficiência e da busca da qualidade, garantindo o bem-estar
social que a atuação regulatória, pautada pela preservação do interesse público, almeja.

O capítulo se divide em quatro seções, além desta Introdução. Na primeira seção,


identificam-se as origens das relações contratuais das delegações dos serviços nas cidades
brasileiras, ou seja, como o serviço surgiu, evoluiu e veio a ser delegado e regulamentado
pelo poder público nas formas que se conhecem atualmente. Na segunda seção, analisa-se o
quadro jurídico e institucional no qual se inserem as relações de regulação: como é definido o
serviço constitucionalmente, as formas de delegação existentes e o novo contexto jurídico e
institucional dado pelas novas leis de licitações e concessões de serviços públicos. Na seção
seguinte analisam-se os modelos de remuneração empresarial e de delegação dos serviços, o
papel da planilha tarifária e as características gerais dos mecanismos de regulação nas cidades
brasileiras, mostrando os principais problemas e limites destes em promover a qualidade e a
eficiência operacional. Por fim, na seção quatro, os comentários finais encerram o capítulo.

4.1. ORIGEM E EVOLUÇÃO DOS CONTRATOS DE DELEGAÇÃO DOS SERVIÇOS NO BRASIL


As origens dos serviços de transporte urbano por ônibus no Brasil, no que se
refere aos aspectos institucionais e de regulação econômica, é tema pouco abordado na
literatura especializada. Entre os estudos relacionados ao tema, encontram-se trabalhos como
os de Barat (1986), Figueroa et alii (1991) e Brasileiro (1991). A análise feita a seguir baseia-
se nos estudos supracitados e, principalmente, em Brasileiro (1996), por este enfocar, sob uma
68

perspectiva histórica, o desenvolvimento das relações público-privado no setor de transportes


urbanos à luz das políticas de transporte dos poderes municipais, estaduais e federais.

No início deste século a provisão e operação dos serviços urbanos, principalmente


do transporte de passageiros, estavam a cargo de empresas de capital estrangeiro. Estas
empresas obtinham a concessão do Estado para construir e operar os serviços de água,
eletricidade, telefones, bondes elétricos, e outros, sob regime de monopólio. Os bondes
elétricos eram a forma predominante de transporte público. O Poder Público, nesse período,
não tinha nenhuma responsabilidade quanto ao financiamento de sua infra-estrutura e à
operação dos serviços: estas eram decisões privadas. As tarifas eram propostas pelas
companhias, sendo aprovadas ou não pelos Poderes Públicos locais, não existindo nenhum
tipo de controle ou monitoramento sobre os custos dos serviços.

A partir da década de 30 assiste-se o crescimento urbano acelerado, provocado


pelo processo de industrialização brasileiro e a conseqüente migração da população do campo
para os grandes centros no âmbito urbano. O crescimento das cidades em direção à periferia
ocorre de forma desordenada. Aparecem novas demandas de transporte, necessitando de um
serviço capaz de atender às novas exigências, de modo rápido e eficaz. Nesse sentido, os
veículos a motor, devido à sua maior flexibilidade e rapidez, adaptam-se melhor ao processo,
e passam a substituir gradativamente os bondes, os quais não eram capazes de atender à nova
demanda por transporte público. Acrescente-se o fato de que nos anos subseqüentes à segunda
guerra mundial registrou-se o impulso da indústria automobilística, que influenciou na
utilização do automóvel como meio de transporte nas áreas urbanas. Esta influência se
consolidou no período da industrialização marcada pelo “plano de metas”, do período do
governo de Juscelino Kubitschek, com o desenvolvimento da indústria automobilística
nacional nos anos 50. Com a introdução do automóvel, as cidades passam a se organizar em
torno desse meio de transporte e os antigos bondes vão perdendo importância, desaparecendo
definitivamente no início dos anos 60. Os veículos que aparecem, inicialmente, para atender à
demanda por transporte, apresentam os mais variados tamanhos (variando de ônibus de 40
lugares aos jipes de 6), onde cada proprietário conduz o seu veículo.

A Constituição de 1946 definiu o transporte coletivo como um “serviço de


interesse comum”, sob a responsabilidade dos municípios. Os prefeitos passam, então, a
assumir seus sistemas de transporte, com vistas a organizar a oferta, até então dispersa e sem
controles  embora em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro isto já ocorresse desde o
69

início do século.31 Em várias cidades são postos em prática os primeiros regulamentos. Os


prefeitos dão aos proprietários de ônibus permissões, a título precário, para que operem
determinadas linhas. Essas permissões se baseavam, na maioria das vezes, em “critérios de
natureza política, em função de amizades, parentesco ou de favores eleitorais” (Brasileiro,
1996). Por outro lado, o caráter flexível deste tipo de contrato também possibilitava adequar a
oferta de transporte coletivo às variações da demanda, que crescia rapidamente.

A responsabilidade sobre os sistemas de transportes coletivos continua sob a


tutela municipal, até que na segunda metade dos anos 70, em um contexto marcado pela crise
do petróleo, pela rápida urbanização do país e pela centralização política, decisória e de
recursos públicos do regime autoritário, o Governo Federal começa a colocar em prática
instrumentos institucionais e financeiros com o objetivo de reorganizar e adequar os sistemas
de transportes coletivos às necessidades do crescimento urbano e às restrições colocadas pela
crise energética. O transporte urbano de superfície passa a ser um dos objetivos do Estado.
Deficiências no sistema viário e na operação, altas tarifas e precariedade na gestão dos
serviços, caracterizavam o quadro geral do transporte coletivo até então. São criadas, dessa
maneira, a Empresa Brasileira de Transportes Urbanos (EBTU), em 1976, para exercer a
função de coordenação nacional dos sistemas de transportes urbanos, e o Fundo de
Desenvolvimento dos Transportes Urbanos (FDTU), para financiamento do setor.

De acordo com Lima (1989), a política do Governo Federal, nesse período, tinha
como objetivos principais: a) a elevação da eficiência operacional e redução de tarifas, b) a
montagem dos órgãos de gerência locais, mediante treinamento e capacitação de técnicos, e c)
a expansão e melhoria dos sistemas de transportes nas principais cidades e regiões
metropolitanas, através do repasse de recursos do FDTU.

A política do Governo Federal estimulou a organização das empresas privadas 


exigindo por meio do órgão gestor municipal que estas se estruturassem e treinassem o seu
pessoal , com a racionalização dos itinerários, e a concessão de subsídios e financiamentos
para a renovação da frota de veículos. As medidas tomadas exigiram a redefinição dos
contratos entre as empresas e os poderes públicos locais, substituindo o modelo baseado em
linhas individuais por outro, calcado em setores de operação. Institui-se, dessa maneira, a
figura da “permissão condicional”. De acordo com a ANTP (1997), permissão condicional é

31
De acordo com Johnson et alii (1996), a doutrina dos serviços de utilidade pública e a necessidade de impor
controles em defesa do consumidor foram introduzidas no Brasil nos anos 30, sendo intensamente utilizadas na
cidade de São Paulo, nas concessões de transporte urbano e de serviços de gás.
70

uma espécie de delegação que não se classifica perfeitamente dentro dos conceitos básicos da
concessão ou permissão, pois não são discricionárias, porque se sujeitam a mecanismos
formais preestabelecidos, e não são precárias, porque vigoram por prazo determinado.

Definem-se critérios para a operação das empresas, que deveriam obedecer às


normas de operação do Poder Público (freqüências, itinerários, características da frota, etc.).
As tarifas passam a ser definidas pelo Governo Federal, através do Conselho Interministerial
de Preços (CIP).

A crise provocada pelo segundo choque do petróleo, o esgotamento do processo


de industrialização por substituição de importações, os desequilíbrios externos e o
conseqüente aumento do processo inflacionário, fizeram com que na segunda metade dos
anos 80 depauperasse o padrão de financiamento da política de transporte adotada pelo
Governo Federal. A desestruturação progressiva do FDTU, provocada pela escassez de
recursos, o movimento de descentralização político-administrativo e a reforma tributária
decorrentes da Constituição de 1988, enfraqueceram a EBTU, culminando com a extinção
desta empresa em 1990. O Governo Federal, então, se afasta da organização e financiamento
dos transportes urbanos. Ainda no início da década de 80, a definição das tarifas deixa de ser
uma responsabilidade do Governo Federal (através do CIP) e passa a ser uma atribuição dos
governos locais.32

Com a Constituição de 1988  e o processo de descentralização política,


decisória e de recursos financeiros dela decorrente  são fortalecidas as bases institucionais e
financeiras dos municípios para a gerência do transporte urbano. O transporte coletivo passa a
ser definido como serviço essencial e de interesse local (Constituição Federal, Artigo 30,
inciso V).33 À União foi reservada apenas a competência de instituir diretrizes gerais para o
setor (como também legislar sobre trânsito e transportes).

A partir desse quadro, várias cidades começam a adotar modelos próprios de


contratação e remuneração de serviços. Destacam-se os casos de São Paulo, que implanta um
modelo de contratação por lotes de veículos onde a receita é controlada pelo Poder Público
(“receita pública”) e as empresas são remuneradas pelo número de quilômetros percorridos;

32
Sobre esse aspecto, ver Ferreira Netto (1983)
33
A estratégia da descentralização da provisão de serviços públicos foi a resposta à crise fiscal do Estado
Brasileiro na década de 80.
71

de Recife, que institui uma “câmara de compensação tarifária” administrada pelo órgão
gestor, dentre outras experiências.34

Do que foi exposto, a partir das conclusões dos estudos de Brasileiro (1996),
percebe-se que, de modo geral, nas cidades brasileiras, as origens das relações contratuais e
regulamentares entre as empresas operadoras privadas e os poderes públicos encontram-se, na
maioria dos casos, na década de 50 (e até antes desse período). No decorrer deste processo, as
empresas foram submetidas aos mais variados processos de fusão, associação ou
reagrupamento. Não houve um processo de licitação ou concorrência pública para a escolha
das atuais empresas operadoras, com a adoção de critérios técnicos e/ou econômicos de
seleção, ou mesmo para a continuidade (ou prorrogação) da delegação dos serviços às
mesmas. Este aspecto torna-se um ponto básico para a análise a ser desenvolvida pois, como
será visto, pode ter impacto direto sobre a eficiência e qualidade deste serviço público
essencial.

4.2. O QUADRO JURÍDICO E INSTITUCIONAL ATUAL


Os modelos de regulação e remuneração dos serviços de transporte coletivo
urbano por ônibus constituem objeto direto da ação estatal. Dessa maneira, faz-se necessário
analisar o quadro institucional e jurídico vigente no qual as relações de regulação dos serviços
estão inseridas. Esta seção tem por objetivo fornecer uma visão geral do atual quadro legal do
setor, decorrente, principalmente, da Constituição Federal de 1988 e das leis federais de
licitações (Lei 8.666/93) e de concessões de serviços públicos (Lei 8.987/95), avaliando seu
impacto sobre os mecanismos de regulação e remuneração dos serviços.

4.2.1 O papel do Poder Público frente aos serviços de transporte urbano por ônibus
Dentro do atual quadro jurídico e institucional, as referências aos serviços de
transporte urbano por ônibus podem ser identificadas em vários níveis, sendo a mais geral a
constitucional.35 A Constituição Federal de 1988 definiu o transporte coletivo como um
serviço público, de caráter essencial, onde a responsabilidade pela sua prestação é do Poder
Público local, que poderá fazê-lo por delegação (concessão ou permissão) a terceiros, quando

34
Os modelos de remuneração dos serviços serão discutidos na seção 3 deste capítulo.
35
É de se destacar que, ao estarmos tratando de assunto de interesse local, as constituições estaduais e leis
orgânicas municipais irão exercer importante papel para precisar (e até mesmo reforçar) tais definições. Como
ressalta Aragão (1996b), de fato, é na legislação estadual e municipal que iremos encontrar o vasto manancial de
normas e princípios que regem [e regulamentam] o transporte urbano.
72

não prestar diretamente os serviços (Artigo 30, inciso V). Ressalta-se que o Poder Público, no
Brasil, compreende a União, Estados, o Distrito Federal e os municípios, todos autônomos.

Dada a natureza específica do setor de transporte coletivo, sobretudo por seu peso
na questão social  e também em função de toda uma tradição jurídica proveniente do direito
administrativo francês , a Constituição o definiu como serviço público (Aragão, 1996b). De
acordo com Rangel (1997), serviço público é todo aquele prestado pela administração ou por
seus delegados, sob normas e controles estatais, para satisfazer necessidades essenciais da
coletividade, ou simples conveniências do Estado. No caso da prestação indireta, via
delegação a terceiros, o Poder Público fica encarregado da regulação dos serviços. Nesse
sentido, destaca-se o Artigo 175 da Constituição, onde se lê: “incumbe ao Poder Público, na
forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de
licitação, a prestação de serviços públicos” (grifo nosso). Nos incisos I, II, III e IV deste
mesmo Artigo, fica também o Poder Público encarregado de regulamentar o “[...] regime das
empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu
contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão
da concessão ou permissão; os direitos dos usuários; a política tarifária; [e] a obrigação de
manter o serviço adequado”. Note-se que pelo Artigo 175 cria-se a obrigatoriedade de
licitação para a delegação da prestação de serviços públicos.

Uma delegação ocorre quando o Poder Público transfere a terceiros, por contrato
(concessão) ou por ato unilateral (permissão ou autorização) a execução dos serviços, para
que o delegado o preste ao público por seu nome e por sua conta e risco, nas condições
regulamentares e sob controle estatal (Meyrelles, 1994). A concessão é feita via contrato,
onde o concessionário (pessoa jurídica ou consórcio de empresas) executa por sua conta e
risco o serviço, submetido à regulamentação própria e controle do poder concedente,
mediante remuneração por tarifa cobrada diretamente do usuário, e por prazo determinado. A
permissão tem por regra ser feita via ato unilateral do Poder Público, caracterizando-se por
sua discricionariedade e precariedade, ou seja, independentemente de lei autorizadora, sem
atribuir direitos contratuais ao permissionário (pessoa física ou jurídica) e podendo ser
revogada a qualquer tempo. Ressalte-se que a concessão e a permissão devem sempre ser
feitas por licitação, na modalidade de concorrência. Como será visto, a Lei Federal 8.987/95
(lei das concessões), que dispõe sobre a delegação de serviços públicos, prevê que a
73

permissão se dará pela via contratual, por prazo determinado, ou seja, praticamente igualando
o regime jurídico da permissão e da concessão.

Já uma autorização tem prazo de validade determinado e as condições de


exploração estão sujeitas à modificação ou supressão sumárias, sem indenização ao
autorizatário. Esta, por sua vez, encontra-se em total desuso, dada a sua precariedade e o total
desamparo legal, pois não se encontra este tipo de delegação previsto no corpo do Artigo 30
inciso V, da Constituição Federal (ANTP, 1997). Dessa forma, é a concessão ou a permissão
o mecanismo legal pelo qual o Poder Público autoriza e regula a prestação do serviço por uma
empresa (pública ou privada), no qual estão inscritas as condições a serem respeitadas pelos
concessionários ou permissionários.36

A concessão constitui uma modalidade de contrato administrativo. No contrato


administrativo, as regras normais de um contrato privado são em parte derrogadas, já que ele
se caracteriza pela prerrogativa do Poder Público de poder alterar unilateralmente as cláusulas
regulamentares ou do serviço  chamado poder exorbitante , desde que mantidas as
cláusulas econômicas, atinentes à remuneração da concessionária que são intangíveis. Tal
poder exorbita as regras de um contrato comum, já que tais contratos são fechados para
atender interesses públicos, que preponderam sobre o interesse privado (Aragão, 1997a).

O regime da concessão tem como pressuposto que o “interesse público” precisa


ser preservado diante de empresas que poderiam se beneficiar de situações de monopólio
(Johnson et alii, 1996). O Estado, dessa maneira, assume a defesa do interesse público,
estabelecendo as bases da regulação dos serviços, através do controle da empresa
concessionária. O instrumento da concessão garante, assim, ao Poder Público: a) a
disponibilidade do serviço, segundo os poderes de inspeção e fiscalização; b) o poder de
alterar unilateralmente as condições de funcionamento do contrato; c) e extinguir a concessão
antes de findar o prazo.

Convém ressaltar que existe uma alternativa à concessão ou permissão, para


transmitir a prestação dos serviços a terceiros, que é a contratação da prestação de serviços
(ANTP, 1997). Esta é uma forma de delegação e regulação dos serviços caracterizada por um
contrato bilateral entre o poder concedente e a empresa, pelo qual esta se obriga a prestar um
serviço especificado em troca de uma remuneração definida em termos de unidade de
74

produção (no caso dos serviços de transporte coletivo, pela quilometragem rodada, por
exemplo). Esse modelo de contrato administrativo tem como característica principal a
separação entre receita e custo. A receita arrecadada através das empresas prestadoras de
serviço em seus ônibus constitui-se receita pública. Já o custo de operação, calculado através
de equação específica (uma “planilha de custos”), constitui-se na remuneração do operador. A
remuneração, então, de modo diferente da concessão/permissão, não se dá pela tarifa
diretamente arrecadada pelo concessionário/permissionário, mas sim pelo custo de unidade de
produção dos serviços. O Poder Público paga aos operadores por prestarem serviços
preestabelecidos, sendo as tarifas consideradas receitas públicas (Santos & Orrico Filho,
1996). Ressalte-se que essa modalidade de contrato não exclui a exigência de licitação
prévia.37

4.2.2 As leis federais de licitações e concessões de serviços públicos


A partir da Constituição de 1988, duas importantes leis federais foram
promulgadas, que pormenorizam o regime jurídico ao qual se sujeitam os serviços públicos: a
Lei 8.666/93, que diz respeito às licitações e contratos administrativos, e a Lei 8.987/95, que
regulamenta o Artigo 175 da Constituição Federal, quanto a concessão/permissão. Estas leis
são de extrema relevância para o setor, já que a concessão/permissão são as formas usuais de
delegação dos serviços nas cidades brasileiras.

Existe uma ampla discussão sobre a aplicabilidade destas leis aos serviços locais,
já que estas poderiam caracterizar uma violação da autonomia dos municípios e estados.
Alguns autores opinam pela aplicabilidade integral das leis aos demais entes da Federação.
Outros, porém, entendem de modo diverso, alegando que seus dispositivos descem a detalhes
que as descaracterizam como normas gerais de licitação e contratação, conforme dispõe o
Artigo 22, inciso XXVII, da Constituição (Dias, 1997). Entretanto, como coloca a ANTP
(1997, pp. 141-2), “[...] jamais se sustenta a inaplicabilidade das leis como um todo aos
municípios [...] sempre que colocado o agente público diante de suposta antinomia entre lei
municipal sobre a matéria e as leis federais, deverá o mesmo averiguar se cuida a matéria
tratada na lei federal de norma geral ou específica, sendo que na primeira hipótese deverá
optar pela legislação federal”. Nesse sentido, Bandeira de Mello (1995) prevê que as

36
De acordo com Santos & Orrico Filho (1996), no que se refere às formas de remuneração empresarial, a
concessão e a permissão estão assentadas sobre a mesma base, onde o serviço é delegado a um operador que se
remunera pelas tarifas cobradas do usuário. Este ponto será discutido adiante.
37
A contratação da prestação de serviços é adotada em cidades como São Paulo e Curitiba, por exemplo.
75

autoridades locais evitarão, prudentemente, qualquer desafio à letra desses diplomas federais,
acolhendo-a integralmente como se tudo tratasse de norma geral.

A Lei 8.987/95 definiu as bases para a revitalização do modelo de


concessões/permissões, na medida que introduziu uma série de modificações na forma usual
de delegação e contratação dos serviços, pois: a) atribui a concessão somente mediante
processo licitatório (conforme já estabelecia o Artigo 175 da Constituição Federal); b)
estipula prazo para o término da concessão (embora o Poder Público possa consentir na sua
prorrogação); e c) introduz critérios econômicos/pecuniários para se definir o vencedor da
licitação (pela menor tarifa, maior oferta em dinheiro ou combinação de ambas) (Aragão,
1997a).

Destacam-se, ainda, a eliminação de reservas de mercado e direitos de


exclusividade na exploração dos serviços e o dever do Poder Público de estimular e buscar a
eficiência e a competitividade na operação dos serviços públicos. Isso fica claro na parte dos
princípios básicos da lei 8.987/95, onde compete ao Poder Público: adequar o serviço ao
pleno atendimento dos usuários, por meio da satisfação das condições de regularidade,
continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e
modicidade das tarifas (Artigo 6o); e regulamentar o serviço concedido e fiscalizar
permanentemente a sua prestação, estimulando e incentivando o aumento da qualidade,
produtividade e a competitividade (Artigo 29).

Já as licitações públicas encontram-se sujeitas, especialmente na parte de


princípios, às disposições da Lei 8.666/93. Daí a importância desta, pois o processo de
licitação é o antecedente básico do contrato administrativo, ou seja: é o procedimento
preparatório do futuro contrato de concessão ou permissão. A lei das licitações, estabelece
que “a licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia e a
selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração e será processada e julgada em
estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da
moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao
instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos” (Artigo 3°).
A licitação tem como instrumento indispensável o edital  um conjunto de regras, condições,
requisitos e parâmetros, prévia e publicamente estabelecidos  e o contrato, que assegurará
as garantias e obrigações entre as partes. O edital e contrato é que vão estabelecer as normas
que vão reger a relação entre o Poder Público e as concessionárias ou permissionárias.
76

A nova legislação introduziu também mudanças na forma de administração


tarifária, já que a tarifa poderá ser definida pela proposta vencedora da licitação, cabendo ao
Poder Público preservar “as condições efetivas da proposta”  isto é, procedendo as revisões
necessárias, com os critérios de reajuste estabelecidos no edital e no contrato, mantendo o
equilíbrio econômico da operação (Artigo 9° da Lei 8.987/95). Tal filosofia poderá modificar
a prática de remuneração dos serviços pelos custos totais presumidos do serviço, calculados
por uma planilha de custos (mecanismo de remuneração pelo “custo médio”, analisado
adiante). Entretanto, como ressalta Aragão (1996b), tal mudança poderá ser evitada pela
opção da licitação pela maior oferta em dinheiro pela concessão ou permissão, onde o
mecanismo de administração tarifária pelo “custo médio” poderá continuar.

O critério de “melhor técnica” foi excluído dos tipos de licitação permitidos para
delegação de serviços públicos, pois o serviço deverá atender as condições já preestabelecidas
no edital do “serviço adequado”.38 Para Prado (1997), a definição do serviço adequado
determinará o nível qualitativo e quantitativo a que a prestação do serviço terá que atender,
representando o mínimo a que o concessionário será obrigado (e também cobrado). Este será
o marco inicial da licitação. A partir de então, o administrador público terá condições de
licitar a execução do serviço por critérios econômicos/pecuniários, visto que estes,
isoladamente, não oferecem condições para a avaliação da proposta mais vantajosa para a
administração pública.

Um aspecto que ficou confuso com a lei das concessões é o status da permissão.
Tradicionalmente tratada como um ato administrativo discricionário e precário, a nova
legislação, embora reconhecendo sua precariedade, realçou o seu caráter contratual,
praticamente eliminando as diferenças com a concessão (Rangel, 1997).

A licitação é o cerne da nova legislação (Aragão, 1996b). Uma das principais


conseqüências dessa exigência poderá ser a introdução da concorrência para a prestação dos
serviços, na medida em que se exige a licitação para a delegação da concessão ou permissão.
Como foi abordado nos capítulos anteriores, a ameaça de entrada de novos concessionários é
um dos instrumentos capazes de conduzir o mercado de transporte coletivo urbano por ônibus
à concorrência, sendo esta entendida como elemento essencial para a obtenção da eficiência e
da qualidade na prestação dos serviços. A utilização da licitação poderá, dessa maneira, gerar

38
Serviço adequado é todo aquele que, visando atender as necessidades da coletividade, as satisfaz, qualitativa e
quantitativamente, de forma contínua, eficiente, igualitária e cortês, mediante pagamento de preço razoável pelos
usuários (Prado, 1997).
77

um ciclo de revitalização das concessionárias, protegidas por regulamentos que garantiam


delegações por tempo indeterminado ou automaticamente prorrogáveis (como será discutido
na próxima seção). As novas leis poderão introduzir um padrão de eficiência na operação das
empresas, onde os ganhos de produtividade poderão ser repassados para a sociedade, já que
só as mais produtivas terão condições de oferecer propostas competitivas no momento das
licitações (Ibid., 1996b).

A exigência da licitação para a delegação dos serviços abriu espaço para a


extinção das atuais permissões e autorizações, estabelecendo a necessidade da realização de
licitações para contratação de serviços de transporte coletivo de passageiros na maioria das
cidades brasileiras (Ramos, 1997). Entretanto, merece preocupação o capítulo referente às
disposições finais e transitórias da Lei 8.987/95, onde se lê no Artigo 42, parágrafo 2°:

“As concessões em caráter precário, as que estiverem com prazo vencido, e as


que estiverem em vigor por prazo indeterminado, inclusive por força de
legislação anterior, permanecerão válidas pelo prazo necessário à realização dos
levantamentos e avaliações indispensáveis à organização das licitações que
precederão à outorga das concessões que a substituirão, prazo esse que não será
inferior a vinte e quatro meses (grifo nosso)”.

Dessa maneira se estendeu sem limites a validade das concessões em caráter


precário, com prazo vencido ou indeterminado, pois só se previu o mínimo de 24 meses para
que seja feita a licitação. Tal Artigo poderá ter efeito de atrasar por muitos anos a aplicação
destas novas leis.

Até aqui foi delineado o quadro institucional vigente que conforma a regulação
dos serviços, através da Constituição Federal e das leis de licitações e concessões de serviços
públicos. De acordo com a Constituição, o Poder Público local é o responsável pela prestação
dos serviços, que pode se dar de forma indireta (via delegação a terceiros), onde a regulação
da atividade exerce papel fundamental na garantia da sua organização. As leis de licitações e
concessões resgatam o princípio da competitividade, ao exigir licitação para delegação dos
serviços sob critérios econômicos, direcionando a atuação do Poder Público na busca da
eficiência na prestação dos serviços. Essas constatações, provenientes da análise do quadro
legal, vêm a corroborar com os argumentos discutidos nos capítulos anteriores, baseados na
análise teórica e nas experiências internacionais de regulação: da necessidade da regulação
deste serviço público e da introdução da competição no setor no momento da entrada no
mercado (através do instrumento da licitação pública).
78

4.3. A EXPERIÊNCIA BRASILEIRA DE REGULAÇÃO


Nesta seção analisam-se os modelos de regulação econômica do transporte
coletivo urbano por ônibus adotado nas cidades brasileiras; mais especificamente, os
mecanismos de remuneração empresarial e os regulamentos dos serviços. Tal análise visa
verificar se os atuais modelos contêm instrumentos ou mecanismos que direcionem no sentido
da obtenção da máxima eficiência e da busca da qualidade, garantindo o bem-estar social que
a atuação regulatória, pautada pela preservação do interesse público, almeja.

Numa primeira parte, analisam-se as formas de remuneração empresarial


adotadas, discutindo o papel da planilha tarifária para o cálculo dos custos operacionais, e
suas repercussões sobre a eficiência dos serviços. Em seguida, apresentam-se algumas
características gerais da estrutura dos regulamentos do setor, em cidades selecionadas.

4.3.1. Remuneração empresarial e o mecanismo de cálculo tarifário


Segundo Santos & Orrico Filho (1996), existem duas formas básicas de
remuneração dos serviços, quais sejam: a) pela receita tarifária arrecadada diretamente pela(s)
empresa(s) e b) pelo serviço prestado, também conhecida como modelo de “receita pública”.
A primeira é aquela em que o serviço é delegado para um ou mais operadores e estes se
remuneram pela tarifa arrecadada por seus veículos.39 A segunda forma de remuneração
(“receita pública”) é a caracterizada pela existência de um contrato bilateral entre o Poder
Público e empresa(s) operadora(s), pelo qual esta(s) se obriga(m) a realizar um serviço
especificado em troca de uma remuneração previamente estabelecida, definida em termos de
unidade de produção (geralmente, o custo do quilômetro rodado).40 Neste modelo, a receita
arrecadada constitui “receita pública”, e a remuneração é feita com base nos custos de
produção de cada operador, apropriados por uma equação específica (a “planilha tarifária”).
Ressalta-se que pelo fato de existir a desvinculação entre receita tarifária e remuneração
empresarial, o modelo facilita a utilização de outras fontes de receitas para remuneração dos
serviços, como o resultado das aplicações financeiras das reservas acumuladas e destinações
orçamentárias, estas se constituindo uma forma de subsídio aos serviços.41

Os dois modelos de remuneração apresentam algumas variações, como a


existência das “câmaras de compensação tarifária” e, para o caso do modelo de receita

39
Como será visto adiante, esse modelo é o mais utilizado pelas cidades brasileiras como, Belém, Natal, Porto
Alegre, Brasília, Rio de Janeiro, dentre outras.
40
Cidades com São Paulo e Curitiba, por exemplo, adotam essa forma de remuneração dos serviços.
41
Este tipo de remuneração, como veremos adiante, é o adotado em Curitiba, por exemplo.
79

pública, mecanismo onde as empresas são remuneradas também por percentual relativo à
arrecadação tarifária, e não somente pelo custo por quilômetro (Santos & Orrico Filho, 1996).

As câmaras de compensação tarifária (CCTs), cuja criação e implementação se


deu no início dos anos 80, têm como objetivo fazer com que as empresas superavitárias (com
custo por passageiro menor que a tarifa) compensem as empresas deficitárias (com custo por
passageiro maior que a tarifa) (Pietrantonio, 1989). Em regimes de tarifa única, com a
existência de mais de uma empresa, os resultados operacionais da prestação do serviço 
como também suas rentabilidades  são diferenciados, dado que a tarifa é determinada pela
“média” dos custos operacionais (como será discutido adiante). As CCTs, então, se
constituem em instrumento pelo qual os operadores se reúnem e realizam a transferência de
receitas entre eles (compensação), mediante forma pré-definida. O critério de apropriação das
compensações é, normalmente, baseado na determinação do custo específico da operação de
cada empresa, considerando a característica operacional das linhas que opera (quilometragem,
frota, etc.), e a receita total arrecadada pelas empresas compõe o montante a ser dividido. As
câmaras de compensação também podem permitir que as tarifas sejam desvinculadas dos
custos, cobrindo-se o déficit global por receitas não operacionais ou fiscais.

Em alguns casos, como será visto adiante, as CCTs têm sua gestão realizada pelo
Poder Público, como em Belo Horizonte, Curitiba, Recife, por exemplo. Em outros o Poder
Público se limita a calcular, informar e verificar o valor dos repasses (casos de Brasília e
Porto Alegre). Em cidades como o Rio de Janeiro, o mecanismo de compensação e a forma
dos repasses são de responsabilidade das próprias empresas, eximindo-se o Poder Público de
qualquer responsabilidade.

No modelo de receita pública, elaborou-se mecanismo em que as empresas seriam


remuneradas não somente pela quilometragem percorrida, mas também pela arrecadação
tarifária, como incentivo à captação de passageiros  já que pelo fato da remuneração estar
atrelada aos custos de cada empresa (quilometragem percorrida), houve uma tendência dos
operadores em se omitirem do esforço de captação de demanda, abrindo a possibilidade para
crescentes déficits tarifários. Assim, as empresas seriam remuneradas, com respeito a um
determinado percentual de seus custos, pela quilometragem percorrida, enquanto que o
percentual restante seria coberto por arrecadação tarifária (Santos & Orrico Filho, 1996). Em
Brasília, por exemplo, no final dos anos 80, a adoção do modelo de receita pública resultou
em crescentes déficits no “caixa único” daquela cidade, com as conseqüentes “queimas de
80

paradas”, criação de novas linhas, entre outros mecanismos utilizados pelas empresas para
aumentar a sua rentabilidade (Sá Fortes & Barbará, 1993).

No entanto, em que pesem as diferenças, as duas formas básicas de remuneração


têm em comum o papel exercido pela “planilha tarifária”, uma equação específica para
estimar os custos operacionais dos serviços. Nos dois modelos existe o pressuposto de que o
Poder Público deve ressarcir todos os custos decorrentes da produção dos serviços. Assim, ou
o Poder Público paga diretamente ao operador os seus custos por unidade produzida, como no
modelo de receita pública, ou então, estabelece uma tarifa de modo a realizar tal
ressarcimento (Orrico Filho et alii, 1995).

No Brasil, o modelo adotado de cálculo dos custos para remuneração das


empresas é baseado no “custo médio”, ou seja, no custo médio unitário da produção do
serviço. Esse modelo consiste, grosso modo, na cobertura dos custos totais de operação mais a
adoção de uma taxa de retorno sobre o capital investido, regulamentada pelo Poder Público
em 12% ao ano, considerada como custo de oportunidade.42 O objetivo é obter um valor que
represente o custo unitário de produção (custo por quilômetro), que ao ser multiplicado pelo
volume global da produção (passageiros transportados) forneça o custo total da operação.

A regra nacional é o uso de uma planilha básica sugerida pelo Ministério dos
Transportes em 1982 e modificada em 1994 (GEIPOT, 1994). Uma metodologia que presume
os custos operacionais médios do sistema já que, devido ao problema de assimetria de
informações entre as operadoras e o Poder Público, não existem mecanismos que permitam a
quantificação dos custos reais de cada operador (visto que tais custos acontecem no ambiente
da empresa).

De acordo com esta metodologia, a tarifa (t) é determinada pelo custo total por
quilômetro (CT/km) dividido pelo índice de passageiros por quilômetro (IPK). A exposição
sobre a metodologia de cálculo tarifário a seguir é baseada em Gomide (1993, pp. 113-15):

t = CT/km (1)
IPK
onde o IPK é a relação entre passageiros transportados pela quilometragem produzida, para
um determinado período de tempo.

O custo total da produção dos serviços é decomposto em custo variável (CV) e


custo fixo (CF). Os custos variáveis são os custos com combustíveis, lubrificantes, rodagem e
81

peças e acessórios. Os custos fixos compreendem a depreciação de máquinas, instalações,


veículos e equipamentos, despesas administrativas, salários com pessoal de manutenção e
operação e a remuneração do capital.

O custo variável total (CVT) é obtido pela multiplicação da produção total,


expressa em quilômetros (km), pelo custo variável, assim:

CVT = km x CV (2)

O custo fixo total (CFT) é formado por custos que são considerados proporcionais
ao tamanho da frota. Assim, o custo fixo total em um período de tempo (por mês, por
exemplo) é o resultado da multiplicação do custo fixo por veículo pela quantidade de veículos
(N):

CFT = N x CFT/N (3)

onde CFT/N é o custo fixo por veículo;

O custo total (CT) é, então, o somatório do custo variável total com o custo fixo
total:

CT = (km x CV) + (N x CFT/N) (4)

O custo total por quilômetro seria, dessa maneira:

CT/km = (km x CV) + (N x CFT/N) (5)


km

Ou

CT/km = CV + (N x CFT/N) (6)


km

Que pode ser:

CT/km = CV + CFT/N (7)


km/N

A relação entre a quilometragem produzida e a frota (km/N) é conhecida como


percurso médio mensal (PMM), assim o custo total por quilômetro é:

42
A discussão dos pressupostos teóricos e do modelo de remuneração pelo custo médio foi feita no Capítulo 2.
82

CT/km = CV + (CFT/N) (8)


PMM
E a tarifa (t), o resultado da divisão do custo total por quilômetro (CT/km) pelo
índice de passageiros por quilômetro (IPK):

t = CV + (CFT/N)/PMM (9)
IPK

O mecanismo de remuneração pelo custo médio é o mais tradicional, criado nos


Estados Unidos como modelo de remuneração de várias utilidades públicas. Entretanto, a
literatura especializada mostra que ele apresenta uma série de problemas, com conseqüências
para a eficiência da operação dos serviços.

Um primeiro ponto seria a dificuldade da avaliação dos verdadeiros custos das


empresas, devido ao citado problema de assimetria de informações entre as operadoras e o
órgão gestor: o Poder Público, através da planilha, estima os custos operacionais sem, na
verdade, conhecer os reais custos de operação da empresa. É o caso de as autoridades públicas
não possuírem dados reais sobre os custos além daqueles fornecidos pela próprias firmas
concessionárias ou estimados pela planilha de custos. Não existem meios efetivos de verificar
a veracidade das informações fornecidas para a determinação da tarifa (como os gastos com o
pessoal de operação e despesas administrativas, preços dos insumos, consumo de óleos e
combustíveis, etc.) (Wright, 1981).

O modelo de remuneração pelo custo médio não incentiva a racionalização de


custos e a eficiência produtiva, já que as empresas não se beneficiam do aumento da
produtividade geral do sistema, pois estas significariam reduções de tarifa, visto que a
operação passaria a custar menos. Ele elimina o risco na operação, encorajando as empresas a
incorrer em custos desnecessários pois, pelo modelo, todos os custos devem ser cobertos. O
modelo também consome demasiados esforços administrativos por ocasião das negociações
para a definição e reajuste dos novos preços.43

A remuneração não está vinculada a padrões de qualidade, pois se administra


apenas o preço nominal. Assim, uma alteração na qualidade do serviço irá alterar o preço real:
se o Poder Público se recusar a dar um aumento na tarifa, por exemplo, as empresas poderão
cortar a qualidade do serviço (reduzindo o número de veículos em circulação, diminuindo o
83

padrão de manutenção e conservação da frota, etc.) como forma de aumentar a sua margem de
lucro (Miller, 1981).

O modelo estimula as empresas a renovar de forma acelerada a sua frota,


colocando mais e novos veículos em operação, já que a atualização do capital é feita em cima
do preço do veículo novo, provocando o aumento dos “custos planilhados” e,
conseqüentemente, da tarifa. Esta questão foi abordada no Capítulo 2, por ocasião da
discussão do efeito Averc-Johnson. No modelo de remuneração pelo custo médio existe o
estímulo à empresa regulada a superinvestir em capital, em relação aos outros insumos. Este
estímulo ocorre pelo fato da taxa de retorno (no caso, de 12% ao ano sobre o capital investido
em veículos) variar diretamente sobre o estoque de capital: já que a taxa de retorno obtida
sobre o investimento em capital é fixa, as empresas irão aumentar o investimento de capital
como forma de obter uma maior margem de lucro, colocando mais e novos veículos em
operação.

É também conhecido no meio técnico do setor a tendência de as empresas não


informarem às autoridades públicas os preços efetivos de compra dos veículos, como forma
de majorar as tarifas: os preços de veículos novos comunicados às autoridades públicas,
constantes nas tabelas de preços dos fornecedores, são maiores que os valores realmente
praticados.44

De acordo com a metodologia de remuneração pelo custo médio, os custos totais


operacionais são estimados como se o sistema fosse operado por uma única empresa, como
base para a remuneração de todas as operadoras de uma cidade. Remunerar todas as empresas
dessa maneira seria admitir que algumas estariam acima e outras abaixo da média havendo,
então, empresas que teriam lucros e outras que teriam prejuízos. Entretanto, seria ilusório
acreditar que tal situação acontecesse, já que o Poder Público, pelos princípios jurídicos do
contrato administrativo, tem a obrigação de manter o equilíbrio econômico e financeiro do
contrato. Assim, na prática, os custos médios do sistema acabam sendo o custo médio de
operação da empresa de mais alto custo (Orrico Filho et alii, 1995). Segundo Gomide (1992),
partindo-se do princípio que a metodologia de cálculo tarifário é baseada no custo médio,

43
É o caso das infindáveis negociações que envolvem o Poder Público, os empresários e os trabalhadores do
setor, por ocasião de cada reajuste de tarifa. Basta verificar os jornais locais por ocasião de cada data-base dos
rodoviários, que envolve graves, paralisações e reajustes tarifários.
44
Como forma de enfrentar essa situação, em 1994, o Fórum Nacional de Secretários de Transportes divulgou
uma tabela nacional de preços de veículos de referência para o cálculo tarifário, baseada nos preços efetivos de
compra, através do levantamento de notas fiscais em todo o país.
84

estimados para um grupo de empresas operadoras, fica claro que aquela empresa que
administrar melhor os seus custos, poderá enfrentar gastos reais menores aos considerados na
planilha de custos, obtendo, assim, receita adicional. Pela dificuldade de avaliação do custo
real das empresas operadoras, a metodologia baseada no custo médio de operação acaba por
representar o “custo máximo” de todo o sistema, ou seja, o custo da empresa menos eficiente.
Fica claro nesse modelo o papel que as empresas menos eficientes exercem para elevar a
rentabilidade das mais eficientes: as empresas ineficientes sustentam o custo operacional
médio do sistema, permitindo que as eficientes acumulem “lucros extraordinários”, em função
dos diferenciais de produtividade.45

A partir da análise do mecanismo de remuneração pelo custo médio pode-se


inferir que os instrumentos de controle econômico dos serviços de transporte coletivo urbano
por ônibus são ineficazes no objetivo de promover a eficiência na operação dos sistemas. Os
modelos discutidos (“tarifa” e “receita pública”) pressupõem a existência de um real
conhecimento, por parte do Poder Público, das condições de operação dos serviços (custos,
preços dos insumos, quantidade de passageiros transportados, etc.). Por outro lado, não há
mecanismos que possibilitam ao Poder Público saber se existem empresas que possam prestar
o mesmo serviço (ou com níveis de qualidade superiores), com custos mais baixos que os
usualmente prestados/estimados (já que não foram realizadas licitações, sob critérios
econômicos, para as delegações dos atuais operadores).

4.3.2. Aspectos da regulação econômica em cidades brasileiras


Discutiram-se os modelos de remuneração existentes e o papel da planilha
tarifária, apresentando os limites e problemas do uso do mecanismo de remuneração pelo
custo médio em estimular a eficiência operacional. Analisam-se agora as características gerais
dos instrumentos de regulação econômica do setor, através da crítica dos regulamentos dos
serviços.

Para este objetivo, selecionou-se um conjunto de capitais, de diversos tamanhos,


em diferentes regiões do país, com parcelas expressivas da população urbana brasileira e
submetidas a níveis de intervenção variada do Poder Público, quais sejam: Belém, Belo
Horizonte, Curitiba, Distrito Federal, Fortaleza, Natal, Porto Alegre, Recife e Rio de Janeiro.

45
Esta situação lembra o raciocínio ricardiano de que são as terras de menor qualidade (menos férteis) que fixam
os preços dos alimentos, pois nestas é preciso mais trabalho, o que eleva os custos de produção. Assim, não
havendo diferenças de preços num mesmo mercado, os proprietários das terras mais férteis vêem os preços de
seus produtos subirem.
85

A pesquisa se baseou em fontes primárias e secundárias, ou seja, no levantamento dos


regulamentos dos serviços nestas localidades e na revisão dos estudos já existentes sobre o
tema. Neste sentido, destacam-se os resultados dos trabalhos de Brasileiro et alii (1996) e
EBTU (1990).

Num primeiro momento, apresenta-se uma análise, por cidade, dos modelos de
remuneração e de cálculo de custos dos serviços. Em seguida, discutem-se as características
gerais do modelo de regulação econômica e suas repercussões sobre a eficiência e qualidade
dos serviços.

a) modelos de remuneração e de cálculo dos custos

Belém

A forma de remuneração dos serviços é pela arrecadação tarifária, por empresa, sem a adoção
de subsídios diretos, com tarifa única. O regulamento em vigor prevê a existência de Câmara
de compensação tarifária, mas que ainda não foi implementada. O mecanismo de cálculo das
tarifas dos serviços é baseado na metodologia do GEIPOT, isto é, a estimação dos custos
operacionais médios (por quilômetro) do sistema dividido pelo índice de passageiros por
quilômetro (IPK).

Belo Horizonte

A forma de remuneração dos serviços é pela arrecadação tarifária, sem a adoção de subsídios
diretos, com a existência de Câmara de compensação tarifária (CCT), administrada pelo órgão
gestor, a Empresa de Transportes e Trânsito de Belo Horizonte S.A. (BHTRANS).46 Existem
dois níveis tarifários. O mecanismo de cálculo das tarifas é baseado na metodologia do
GEIPOT, isto é, a estimação dos custos operacionais médios (por quilômetro) dividido pelo

IPK, mantida a proporção entre os dois níveis tarifários. Existem subsídios cruzados entre as
diferentes linhas do sistema, administrados através da CCT.

Curitiba

A forma de remuneração dos serviços é feito pelo pagamento do custo de unidade de


produção, isto é, por quilômetro. O modelo é o de receita pública, onde a arrecadação tarifária
pertence ao órgão gestor, a Companhia de Urbanização de Curitiba (URBS) que paga às
operadoras com base na produção quilométrica dos serviços. Adota-se tarifa única para a rede
integrada de serviços, sem previsão de subsídios. O mecanismo de cálculo da tarifa é baseado

46
Ver Linhares e Cruz (1995).
86

na metodologia do GEIPOT, isto é, a estimação do custo operacional médio (por quilômetro)


do sistema dividido pelo IPK.47

Distrito Federal

Desde 1992, a forma de remuneração dos serviços é pela arrecadação tarifária direta, com a
existência de CCT, gerida pelo sindicato das empresas e sujeita à supervisão e ao
acompanhamento do órgão gestor, o Departamento Metropolitano de Transportes Urbanos da
Secretaria de Transportes (DMTU/ST). A tarifa é fixada por anéis (três), com existência de
subsídios cruzados entre as diferentes linhas. O mecanismo de cálculo da tarifa é baseado na
metodologia do GEIPOT, isto é, a estimação dos custos operacionais médios (por quilômetro)
dividido pelo IPK. É vedada a concessão de subsídios para empresas, onde se prevê subsídios
diretos apenas para usuários de linhas de caráter social (linhas rurais, p. ex.).

Fortaleza

A forma de remuneração dos serviços é pela arrecadação tarifária direta, com a existência de
CCT, gerida pelo órgão gestor, a Empresa de Trânsito e Transportes Urbanos S.A.
(ETTUSA). A tarifa é única, sem a adoção de subsídios diretos. O mecanismo de cálculo da
tarifa é baseado na metodologia do GEIPOT, isto é, a estimação do custo operacional médio
(por quilômetro) dividido pelo IPK.

Natal

A forma de remuneração dos serviços é pela arrecadação tarifária direta, com a existência de
CCT, operada pelo sindicato patronal por delegação. A tarifa é única, sem a previsão de
subsídios diretos. O mecanismo de cálculo da tarifa é baseado na metodologia do GEIPOT, isto
é, a estimação do custo operacional médio (por quilômetro) dividido pelo IPK.48

Porto Alegre

A forma de remuneração dos serviços é pela arrecadação tarifária direta, com a existência de
CCT, coordenada pela Secretaria Municipal de Transportes (SMT). A tarifa é única, sem a
adoção de subsídios diretos. O mecanismo de cálculo da tarifa, regulamentado em lei
municipal, é baseado na metodologia do GEIPOT, isto é, a estimação do custo operacional
médio (por quilômetro) dividido pelo IPK.

47
Quanto ao funcionamento do modelo de pagamento por unidade de produção adotado em Curitiba, ver
Brasileiro (1995)
48
Quanto ao modelo de remuneração adotado em Natal, ver também Santos, Silva e Queiroz (1995)
87

Recife

O modelo de remuneração é o de receita pública com percentual dos custos de operação


cobertos por arrecadação tarifária. A forma de remuneração das empresas, dessa maneira,
compõe-se de duas parcelas: a primeira, correspondente ao pagamento pelo serviço prestado
(especificado pelo órgão gestor), equivalente a 60% do custo operacional por quilômetro; e a
segunda, correspondente a 40% da receita programada para ser arrecadada pelos veículos na
execução dos serviços. A tarifa é definida por anéis (três), com existência de CCT
administrada pelo órgão gestor, a Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos (EMTU)
sem a adoção de subsídios diretos. O mecanismo de cálculo dos custos é baseado na
metodologia do GEIPOT, isto é, a estimação do custo operacional médio (por quilômetro)
dividido pelo IPK.49

Rio de Janeiro

A forma de remuneração dos serviços é através da arrecadação tarifária, sem a adoção de


subsídios. A partir de 1993, com a implantação da tarifa única, instituiu-se CCT concebida e
administrada pelo sindicato patronal. O mecanismo de cálculo da tarifa é baseado na
metodologia do GEIPOT, isto é, a estimação do custo operacional médio (por quilômetro)
dividido pelo IPK.

b) características gerais do modelo de regulação


Como foi discutido, independente do modelo de remuneração adotado
(arrecadação tarifária ou receita pública), o mecanismo comum de estimação e cálculo dos
custos operacionais do sistema é baseado na metodologia do GEIPOT (1994). Das cidades
analisadas, todas utilizam desta metodologia para fixação de suas tarifas.

Com exceção da cidade de Curitiba e Recife, que adotam o modelo de


remuneração pelo custo de unidade de produção, as demais cidades analisadas remuneram
seus serviços através da receita tarifária direta com câmara de compensação tarifária (a
exceção é Belém que, apesar do regulamento prever a existência de uma CCT, esta ainda não
foi implementada).

As Câmaras de Compensação Tarifária podem ser geridas ou não pelo Poder


Público. Na cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, a CCT se caracteriza por ter sido
concebida e gerenciada integralmente pelos operadores privados, onde o Poder Público não

49
Sobre o mecanismo de remuneração de Recife e a Câmara de compensação tarifária ver Lima Neto (1994)
88

tem interferência alguma. As empresas fazem o repasse entre si, segundo critérios acordados
(Bardales et alii, 1995). No Distrito Federal o gerenciamento da Câmara de Compensação é
realizado pelos próprios operadores, onde o Poder Público atua através do acompanhamento e
fiscalização, gerando as informações necessárias aos repasses relativos às receitas e custos.
Entretanto, apesar da existência formal da Câmara, e inclusive da realização dos
procedimentos contábeis, pelo órgão gestor local, necessários para a realização dos repasses e
compensações, não vem sendo efetivadas as transferências entre as empresas, em face de
alegação dos empresários de um presumível prejuízo, em razão de tarifas julgadas
insuficientes (Sá Fortes e Barbará, 1993). Em Natal, de acordo com Queiroz et alii (1995),
nos mais de dez anos de existência, a CCT não tem funcionado a contento, por recusa das
empresas em fazer o devido repasse financeiro, sem que tenha havido sanção do Poder
Público para qualquer uma delas por este fato. Em Belo Horizonte e Recife, por outro lado, o
planejamento, a coordenação e o controle da CCT é feito pelos órgãos gestores (BHTRANS e
EMTU) (ver Linhares e Cruz, 1995; e Brasileiro, 1995).

É prática em todas as localidades analisadas a adoção de subsídios cruzados entre


as diferentes linhas. Várias cidades adotam a tarifa única (Belém, Curitiba, Fortaleza, Natal,
Porto Alegre, Rio de Janeiro). Observa-se também que as cidades analisadas não se utilizam
de subsídios diretos ou receitas externas ao sistema para sustentar suas redes de transporte por
ônibus, ou seja, obedece-se ao princípio de que a receita tarifária deve cobrir todos os custos
do sistema.50

50
O município de São Paulo é um dos únicos que se utiliza de subsídios diretos para sustentar sua rede se
transporte. Nesse sentido, ver Zioni (1996) e SPTrans (1996).
89

Tabela 9
Formas de delegação dos serviços de transporte urbano por ônibus cidades brasileiras selecionadas
1997
Cidade Forma de delegação dos serviços
Belém Permissão por tempo indeterminado
Belo Horizonte Permissão por linha (em caráter precário)
Curitiba Permissão por tempo indeterminado por área de operação
Distrito Federal Permissão prorrogável por frota
Fortaleza Permissão por 10 anos, prorrogável por igual período
Natal Permissão prorrogável
Porto Alegre Permissão por linha (em caráter precário)
Recife Permissão prorrogável
Rio de Janeiro Permissão por prazo indeterminado
Fonte: Brasileiro et alii (1996)
Nota: Para as cidade de Belém e Porto Alegre, levantamento do autor (dezembro de 1997).

A permissão é a forma mais utilizada de delegação dos serviços, conforme tabela


8. As delegações se caracterizam por serem quase todas prorrogáveis, e muitas são por
período indeterminado (casos de Belém, Curitiba, Rio de Janeiro). Outras se encontram
vencidas, em caráter precário ou irregulares (casos de Porto Alegre e Belo Horizonte, onde
nessa última, por determinação do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, exigiu-se
licitação para todo o sistema). Na maioria das cidades nunca houve licitação para a delegação
dos serviços. Exceção a esta constatação se verifica no Distrito Federal, onde houve licitação
para parte da frota operante no início dos anos 90, porém esta foi baseada em critérios
eminentemente técnicos. A licitação ocorrida no Distrito Federal no final de 1997, como será
analisado adiante, foi para apenas ampliar a frota de veículos no sistema, continuando as
atuais permissões no aguardo de novas licitações.

Os regulamentos, concebidos antes da lei de concessões de serviços públicos (Lei


8.987/95), impõem uma série de barreiras à entrada de novos operadores, inclusive
suprimindo a necessidade de licitação. Na cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, o
regulamento dispensa a licitação para as linhas que pertençam às áreas de operação onde já
existam empresas operando, a não ser que se verifique a saturação do potencial de
desenvolvimento das mesmas (vide Bardales et alii, 1995).51 Em Curitiba, a ampliação do
sistema, com a conseqüente criação de novas linhas, obedece ao critério de preferência à
operadora com proximidade à área de operação da linha a ser criada. Em Natal, o regulamento
coloca explicitamente que poderá haver dispensa de licitação quando da criação de nova linha
90

em zona já servida por transporte coletivo regular, desde que seja beneficiária a empresa que
opera a respectiva zona. Ressalte-se que a cidade já foi dividida em cinco zonas, todas já
dispondo de empresa operadora (vide Queiroz, Santos & Silva, 1995).

Em Belo Horizonte, as empresas operavam, até a realização da licitação no final


de 1997, com as permissões em caráter precário, sendo (como nas outras localidades) que
nunca havia ocorrido licitação. Dessa maneira, por determinação do Tribunal de Contas do
Estado de Minas Gerais, exigiu-se licitação para todo o sistema.

Em Porto Alegre, através de decreto de fevereiro de 1994, o Prefeito municipal


extinguiu todas as permissões dos serviços de transporte coletivo daquela capital, sob a
argumentação da precariedade dos contratos, dando o prazo de um ano para a realização de
licitação para a delegação dos serviços. No entanto, face ao Artigo 42 da Lei Federal
8.987/95, através de decreto municipal de fevereiro de 1995, foram, por sua vez, prorrogadas
as permissões dos serviços pelo prazo mínimo de 24 meses a contar da data da publicação do
Decreto. A realização da licitação ficou, dessa maneira, condicionada à conclusão dos estudos
para definição do “Novo Modelo de Gestão de Transporte Coletivo” da capital. Até o final de
1997 não se teve notícia da realização da licitação na cidade.

Em algumas cidades, as prorrogações das delegações dos serviços estão


condicionadas, de acordo com os regulamentos, ao “atendimento do interesse público” e à
observância das condições especificadas pelo órgão gestor (caso de Belém, por exemplo). No
entanto, não se explicitam nenhum critério para a prorrogação ou renovação das delegações.
Recife é a única localidade que adota metodologia de avaliação de desempenho das empresas
operadoras, com conseqüências sobre as condições da permissão que lhes é conferida. Os
conceitos obtidos na avaliação realizada pelo órgão gestor definem o período de prorrogação
das concessões e, até mesmo quando insatisfatórios, podem provocar a perda da permissão da
empresa operadora. De acordo com Moreira et alii (1997) as avaliações, que se iniciaram em
1991, tem periodicidade semestral e contempla a avaliação de diversos itens. O órgão gestor
(EMTU) define que o período pelo qual são renovadas as permissões é função das
classificações obtidas pela empresa nas avaliações semestrais feitas ao longo do período de
vigência da atual permissão. Conforme o somatório de pontos obtidos pela empresa, a
renovação pode ser de 3 a 5 anos (ver também Brasileiro, 1995). No entanto, não se sabe de

51
As licitações ocorridas no Rio de Janeiro nos anos de 1996-97, como será discutido adiante, foi para apenas
12 linhas das mais de 250 existentes no município.
91

nenhum caso de empresa que tenham sido excluída do sistema de qualquer cidade por prestar
um serviço de baixa qualidade ou precário.

São inexistentes, em todos os casos analisados, mecanismos formais de incentivo


à qualidade dos serviços. Nada existe que obrigue o operador a estar buscando continuamente
estes objetivos. Recai sobre o órgão gestor a tarefa de acompanhar a qualidade dos serviços,
através dos mecanismos tradicionais de fiscalização, inspeções e vistorias.

Como comentado, os mercados se encontram “formalmente fechados” a qualquer


tipo de competição,52 ou seja, à entrada de novos operadores  mesmo se estes se dispuserem
a prestar os serviços com custos mais baixos, pois não são realizadas licitações, baseadas em
critérios econômicos, para seleção. Este aspecto, aliado à responsabilidade do Poder Público
de manter o equilíbrio econômico-financeiro do contrato, cobrindo todos os custos
presumidos de operação (pela planilha de custos), faz com que as empresas não tenham
qualquer incentivo à eficiência operacional, com redução de custos, ao aumento da qualidade
dos serviços. Os ganhos de produtividade, quando acontecem, transtornam-se em sobrelucro
(ou seja, acima do “lucro normal”, de 12% ao ano, estipulado pela planilha de custos) para os
operadores.53 Estas constatações vêm ao encontro das conclusões da “teoria da captura”,
discutida no Capítulo 2. De acordo com esta teoria, a regulação seria estimulada para servir
aos interesses das próprias empresas, sendo que o seu principal benefício seria a restrição à
entrada de novos concorrentes, ajudando a manter os preços acima do nível dos custos
médios.

Lima (1994), em estudo dos efeitos da regulamentação sobre a qualidade e a


produtividade dos serviços, afirma que o operador produzindo sob as atuais condições (como
as acima referidas) não tem nenhum estímulo para ser eficientes e produzir com qualidade. O
atual modelo de regulamentação e contratação transmite ao setor público a idéia da “missão
cumprida” e que a tarefa que lhe resta é de apenas fiscalizar o que foi definido. Por outro
lado, a ausência de instrumentos que premiem a melhoria permanente dos serviços reduz os
interesses das empresas em adotar medidas para elevar a eficiência e a qualidade de sua

52
Apenas formalmente, pois não se pode esquecer o problema do transporte clandestino, pirata ou informal
(vide NTU, 1997).
53
Não é à toa que se cunhou a famosa expressão no meio técnico do setor que “o melhor negócio que existe é
uma empresa de transporte bem administrada, ao passo que o segundo melhor negócio é uma empresa de
transporte mal administrada”.
92

produção.54 Lindau & Rosado (1992) também observaram que as estruturas regulatórias nas
cidades brasileiras são desestimuladoras e incentivam a ineficiência, sobretudo no cálculo
tarifário.

Reforçam-se, dessa maneira, as conclusões de Brasileiro et alii (1996) de que os


instrumentos que regulam a prestação dos serviços de transporte coletivo urbano no Brasil
sinalizam, de forma clara, na direção de mercados fechados, que omitem o risco e a
competição frente aos potenciais entrantes no mercado, e não contêm elementos que induzam
os operadores a esforços para a redução de custos, da busca da qualidade e de ganhos de
produtividade, que sejam repassados para os usuários. As discussões na literatura
especializada têm, assim, crescido na percepção de que os sistemas regulatórios vigentes não
estimulam à qualidade e a eficiência na operação dos serviços (Ramos, 1997).

4.4. COMENTÁRIOS SOBRE O CAPÍTULO


O principal objetivo deste capítulo foi o de analisar os atuais modelos de
regulação econômica do transporte coletivo urbano por ônibus adotado nas cidades
brasileiras, ou seja, os mecanismos de remuneração empresarial e os regulamentos dos
serviços. Tal análise visou mostrar as deficiências do atual modelo em promover e incentivar
a eficiência e a qualidade na operação dos serviços.

No início do capítulo foram colocadas as origens das relações contratuais e


regulamentares entre as empresas operadoras privadas e os poderes públicos, sendo ressaltado
o fato de que, de modo geral, não ocorreu um processo de licitação ou concorrência pública
para a escolha das atuais empresas operadoras no Brasil, ou mesmo para a continuidade, ou
prorrogação, da delegação dos serviços às mesmas. Mostrou-se que as novas leis de licitações
e concessões de serviços públicos revigoraram o instrumento da concessão/permissão,
introduzindo uma série de princípios visando alcançar a eficiência na prestação dos serviços,
dentre eles, a competitividade, ao atribuir a concessão/permissão somente mediante licitação
 a licitação é o momento em que ocorre a competição para o mercado. Observou-se que a
exigência da licitação para a delegação dos serviços abriu espaço para a extinção das atuais
permissões e autorizações, estabelecendo a necessidade da realização de licitações na maioria
das cidades brasileiras.

54
De acordo com Lima (1994), entende-se por eficiência no transporte público a produção de determinada
quantidade de produto (passageiros-quilômetro) com o menor custo possível. Por qualidade entende-se a
adequação do transporte à necessidade do usuário, sendo a necessidade uma ponderação entre a expectativa
93

A partir da análise teórica, pôde-se inferir que os atuais modelos de remuneração


dos serviços, baseados no mecanismo do custo médio, não incentivam a racionalização dos
custos e estimulam a ineficiência operacional. Ao mesmo tempo, a análise dos regulamentos
dos serviços em cidades selecionadas, concebidos antes da lei das concessões de serviços
públicos (Lei 8.987/95), mostrou que os mesmos impõem diversas barreiras à entrada de
novos operadores, inclusive suprimindo a necessidade da licitação. São também inexistentes,
nos instrumentos jurídicos que regulam a prestação dos serviços, mecanismos formais de
incentivo à qualidade. Estas constatações vêm ao encontro de algumas das conclusões da
teoria da captura, discutida no Capítulo 2, de que o principal benefício da regulação seria a
restrição à entrada de novos concorrentes, ajudando a manter os preços acima dos custos
médios .

Reforçaram-se, assim, as conclusões de Brasileiro et alii (1996) de que os


sistemas regulatórios vigentes sinalizam, de forma clara, na direção de mercados fechados e
não contém elementos que estimulem a qualidade e a eficiência na operação dos serviços.
Ressalte-se que tais conclusões vão contra o princípio da preservação do interesse público que
a atuação regulatória almeja.

deste e a avaliação técnica das características ou atributos que compõem a qualidade, como o conforto,
regularidade, limpeza, segurança, acessibilidade, etc.
94

CAPÍTULO V
AS PRIMEIRAS LICITAÇÕES E REPERCUSSÕES SOBRE O QUADRO DE
REGULAÇÃO ECONÔMICA DOS SERVIÇOS

INTRODUÇÃO
Este capítulo tem como objetivo analisar, sob o marco de um modelo de licitação
competitiva, as primeiras licitações no transporte coletivo urbano por ônibus em cidades
brasileiras, após as mudanças na legislação federal sobre concessões de serviços públicos,
avaliando as possíveis repercussões sobre o quadro de regulação dos serviços.

O capítulo se divide em 4 seções, além desta Introdução. Na primeira seção,


apresentam-se e discutem-se as principais proposições para contratação e licitação dos
serviços do modelo de regulação do estudo GEIPOT/COPPETEC (Orrico Filho et alii, 1995),
inspirado na experiência do competitive tendering (discutido no Capítulo 3). Estas
proposições irão estabelecer um referencial para a análise dos primeiros editais de licitações
nas cidades brasileiras, onde serão investigados os critérios de seleção e contratação
utilizados, com vistas a verificar as possíveis repercussões sobre o quadro de regulação dos
serviços, que será objeto da segunda seção. Na seção 3, apresenta-se uma série de
considerações gerais sobre os editais analisados, avaliando suas possíveis repercussões sobre
o quadro de regulação econômica dos serviços, sistematizando a discussão da seção anterior.
Por fim, na seção 4, os comentários finais encerram o capítulo.

5.1. O MODELO GEIPOT/COPPETEC: A LICITAÇÃO COMO MECANISMO DE REGULAÇÃO


Para Baumol et alii (1982), a promoção da competição, ou a aproximação ao
comportamento competitivo pelas empresas, pode ser um dos objetivos da regulação. Sob este
enfoque, entende-se que é a competição que impulsiona a inovação, a eficiência e a qualidade
em um dado mercado. Se um mercado é regulado pela existência de falhas na situação da
livre competição, a regulação pode ter por meta conduzir o comportamento das empresas aos
resultados que se obteria caso a competição pudesse vigorar. Ou seja, a regulação deve
procurar conduzir as empresas ao comportamento competitivo.
95

Para tanto, no decorrer deste trabalho (principalmente no Capítulo 3), foram


analisadas algumas possibilidades para promover a competição no mercado de transporte
urbano por ônibus:
a) favorecer a contestabilidade do mercado, através da permissão da livre entrada
e saída pela eliminação das barreiras “artificiais” à entrada, ou seja, a desregulação dos
serviços (promover competição no mercado); e
b) a realização de licitações competitivas periódicas (promover a competição para
a entrada no mercado).

Como foi visto no Capítulo 3, as experiências de desregulação mostraram, tanto


no caso britânico quanto chileno, que a livre entrada no setor, com a competição se dando na
disputa direta pelo usuário, conduziu à instabilidade nos serviços e no aumento expressivo da
oferta (sem que esta fosse acompanhada pela demanda). Isso provocou o aumento dos custos
médios por passageiros, levando a majoração das tarifas. Desse modo, a desregulação não
conduziu à eficiência na prestação dos serviços. Por outro lado, a experiência do modelo do
competitive tendering (licitações competitivas), que estabelece a competição no momento da
entrada no mercado, mostrou que se pode atingir a redução dos custos, com a conservação da
qualidade dos serviços, mantendo a função reguladora do Estado.

O novo quadro jurídico e institucional, em que se inserem as relações de


regulação do setor, dado pelas leis 8.666/93 e 8.987/95, coloca a licitação como elemento
fundamental e introduz uma série de princípios visando alcançar a eficiência na prestação dos
serviços públicos. As licitações, nesse enfoque, podem ser vistas como um instrumento capaz
de introduzir a competitividade no quadro de regulação dos serviços de transportes urbanos
 a licitação é o momento em que se dá a competição para o mercado.

De acordo com Santos & Orrico Filho (1996b), as licitações podem desempenhar
um papel regulador, substituindo a autoregulação impossível no mercado de transporte
urbano, e de estímulo à eficiência, introduzindo a competição nesse setor. Através da
utilização dos processos licitatórios pode-se forçar as empresas operadoras a adotarem
estratégias de redução de custos e de aumento de qualidade dos serviços, com repasse desses
ganhos para a sociedade, dado a ameaça da entrada de uma possível empresa mais eficiente
no mercado.

Dessa maneira, não se pode pensar as licitações como mera formalidade legal para
regularizar os contratos dos operadores. O objetivo delas, seguramente, não é o de manter o
96

status quo: a licitação constitui o momento adequado para se criar um novo quadro de
relacionamento econômico e institucional entre o Poder Público e as empresas operadoras.

Tendo como referência os princípios do quadro legal vigente, apresenta-se, a


seguir, o conjunto de proposições e recomendações gerais, do modelo desenvolvido pelo
estudo GEIPOT/COPPETEC (Orrico filho et alii, 1995), para a elaboração de licitações de
serviços de transporte urbano por ônibus, inspiradas na experiência do competitive tendering.
A apresentação de tal modelo é de fundamental importância para os objetivos deste trabalho,
pois visa estabelecer um referencial teórico para a análise dos recentes editais de licitações
dos serviços, que será objeto da seção seguinte.

O modelo do estudo GEIPOT/COPPETEC foi desenvolvido em 1994-95 por


pesquisadores de várias universidades brasileiras, em convênio com a Fundação COPPETEC da
Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, sob solicitação da Empresa Brasileira de
Planejamento de Transportes (GEIPOT). Inicialmente desenvolvido como um estudo para a
apresentação de um modelo de remuneração dos serviços, o estudo evoluiu para uma
discussão e proposição de um novo modelo de regulação do transporte coletivo urbano por
ônibus nas cidades brasileiras.

O modelo, inspirado na experiência do competitive tendering, visa, grosso modo,


a promoção da competição no setor, através da realização de licitações competitivas
periódicas com reduções de barreiras artificiais à entrada. Tendo em vista a busca da
eficiência na estrutura econômica do mercado de transporte urbano por ônibus, suas
proposições e recomendações têm como objetivos principais:
a) promover a redução dos custos operacionais e de produção dos serviços;
b) promover a qualidade e o aumento da produtividade, através da introdução da
competição no quadro de regulação do setor;
c) retirar do Poder Público a responsabilidade pelo equilíbrio econômico e
financeiro das empresas operadoras; e
d) criar as condições para que as empresas ineficientes sejam obrigadas a sair do
mercado, ao mesmo tempo em que os operadores eficientes tenham possibilidade de ampliar
sua participação no mesmo.

As principais proposições do modelo são apresentadas a seguir. Ressalte-se que a


apresentação de tais proposições, embora baseadas em modelos teóricos e nas experiências
internacionais, somente podem ter sua validação a partir da sua implementação, o que foge
97

aos limites do trabalho. Todavia, seus fundamentos e sua estrutura lógica respondem às
questões colocadas por esta pesquisa.

A competição deve se realizar para a entrada no mercado, no momento da


realização das licitações competitivas, e não no mercado. A análise das experiências
internacionais mostrou que a desregulação nesse setor não leva à eficiência operacional (vide
Capítulo 3).

As licitações, e seus respectivos editais, devem evitar todos os tipos de barreiras


“artificiais” à entrada de novos operadores, como a exigência da propriedade prévia de
veículos e instalações (sendo que estes podem ser arrendados), a renovação automática das
atuais delegações, exigência de lotes grandes de veículos, entre outras (a discussão sobre os
tipos de barreiras à entrada no setor de transporte urbano por ônibus e o modo como elas
atuam foi feita no Capítulo 3). Busca-se, com isso, a abertura do mercado sem privilégios para
os atuais operadores, criando a possibilidade para que grande número de empresas se
apresente. Acredita-se que quanto maior o número de concorrentes no momento da licitação,
maior a possibilidade de que as condições originadas da competição tragam vantagens para os
usuários.

A seleção dos operadores deve ser feita por critérios econômicos/pecuniários


(menor tarifa ou o menor custo por quilômetro rodado, por exemplo). A licitação apenas por
critério técnico não garante a escolha da empresa mais eficiente. As empresas devem
apresentar suas propostas de preço para executarem os serviços previamente especificados
pelo Poder Público, para determinado período de tempo. O critério pecuniário de escolha, no
momento de apresentação das propostas pelas empresas concorrentes, traduz o nível de
rentabilidade mínimo aceitável pela empresa para a realização dos serviços constantes do
edital. Ressalta-se que o critério pecuniário pressupõe que os critérios de habilitação e
qualificação sejam preenchidos pelos participantes. Dessa maneira, na existência de diversas
empresas no momento da licitação, com cada uma apresentando seus preços para a execução
dos serviços, poderá haver disputa entre elas, resultando em propostas de preços mais baixos.

A responsabilidade pela formação do preço deve ser transferida para as


empresas prestadoras do serviço. O Poder Público não deve mais se responsabilizar pelo
equilíbrio econômico e financeiro das empresas operadoras, como tem sido a base econômica
da relação contratual atual, evitando a transferência ao usuário de toda e qualquer ineficiência
da empresa operadora. Isto porque deverá ser escolhida, dentre as empresas que satisfizerem
98

os critérios de habilitação e técnicos, a que se dispuser a executar os serviços pelo menor


preço de operação (e não, ressalta-se, a menor tarifa). Este preço, por exemplo, pode ser o
menor custo por quilômetro. Cada empresa, ao participar do processo competitivo, deverá
propor um preço que lhe seja factível para realizar os serviços pré-especificados, e todas as
possibilidades de reajustes do valor deste preço devem estar estabelecidas no edital, evitando
renegociações durante a vigência do contrato (já que estas renegociações, num ambiente não
competitivo, tenderiam a aproximar este mecanismo com a remuneração pelo custo médio).
Com isso, muda-se para a empresa vencedora a responsabilidade de manter o equilíbrio
econômico-financeiro do contrato. Pretende-se, com isso, a transferência dos eventuais
ganhos de produtividade para a sociedade, na medida que a empresa detentora do atual
contrato deverá, para manter a sua posição, apresentar na próxima licitação uma proposta
vantajosa ao Poder Público para se manter no mercado. Assim, a empresa operadora estará
permanentemente estimulada a buscar a eficiência, ante a ameaça de perder sua posição para
potenciais competidores.55

O Poder Público deve continuar mantendo o direito de estabelecer o valor das


tarifas, independente do modelo de remuneração a ser adotado: por “tarifa” ou “receita
pública”. Assim, o preço do serviço é uma definição pública e não da empresa operadora. Se
o modelo de remuneração adotado for pela tarifa diretamente arrecadada, o valor desta, bem
como as regras para o seu reajuste, deverão ser previamente definidos no momento da
licitação. Cada empresa participante do processo licitatório avaliará, então, seus custos para
executar os serviços especificados e o montante que arrecadará, prevendo seus possíveis
lucros. Assim, poderá apresentar uma proposta de qual parcela dos lucros poderá abrir mão
para conseguir ganhar o contrato (esta modalidade de licitação está contemplada na Lei
8.987/95 como critério da maior oferta pelos serviços). No caso do cálculo do licitante
apontar prejuízo, o critério de escolha da licitação poderá ser, como no caso do competitive
tendering, o de menor subsídio requerido. Se o modelo de remuneração escolhido for o de
receita pública, o licitante apresentará um preço pela remuneração por quilômetro rodado que
mais lhe convier.

Nesse ponto, é importante diferenciar os dois tipos de contratos existentes para os


serviços licitados via competitive tendering (vide Balassiano, 1993). O primeiro é o contrato

55
Considerando de outro modo, com a tarifa sendo definida no momento da licitação, esta proposição aproxima-
se do conceito do preço-limite (price cap), discutido no Capítulo 2, onde o estímulo ao operador é resultado da
transferência para este dos ganhos de eficiência resultantes da redução de custos.
99

de custo mínimo, onde o operador estabelece um preço e fornece um determinado nível de


serviço, repassando a receita arrecadada para a autoridade pública. O contratante (autoridade
pública) faz o pagamento pré-determinado pelo serviço e cobre a diferença entre a receita
arrecadada via tarifa e o valor contratado, caso seja necessário. Este é o tipo de licitação que
acontece em Londres, por exemplo. O segundo tipo é o contrato de subsídio mínimo, onde o
operador propõe um preço pelo serviço que será prestado e retém a receita arrecadada, a
autoridade local subsidia o restante. Este último é o modelo de contratação utilizado pelas
demais localidades britânicas para a contratação dos serviços “não comerciais” (conforme
discussão do Capítulo 3).

A definição do projeto operacional deve continuar como responsabilidade do


poder público, elaborando o conjunto de linhas e serviços que deseja ver operado na cidade,
isolada ou integradamente, ditando os itinerários, freqüências, pontos de parada, os tipos de
veículos, suas capacidades, em suma: o que existirá em termos de transporte coletivo.
Entende-se que estas são funções de planejamento que o mercado por si só não contempla de
forma eficiente.

Devem ser adotados prazos curtos de contratação, permitindo a utilização de


licitações periódicas. Para Orrico Filho et alii (1995), os tempos dos contratos devem ser de
três anos; para Cox & Love (1991), cinco anos. A licitação é o momento em que as empresas
apresentam suas propostas nas quais revelam sua competência em melhor organizar os fatores
de produção. A prática de sucessivas licitações via disputa pecuniária, não apenas resultará na
escolha da empresa com maior produtividade naquele momento, mas também, como
analisado, poderá criar um efeito cíclico provocando sucessivas incorporações de ganhos de
produtividade: as empresas estabelecidas ao saberem que ao final do contrato nova
concorrência se processará serão estimuladas a buscar maior eficiência para continuarem
operando. Ressalta-se, nesse ponto, que a reversibilidade do custo do investimento do
principal item de capital do setor, o veículo, garante que os prazos dos contratos possam ser
curtos, não sendo necessário que os mesmos coincidam com o prazo da vida útil dos veículos.

Ainda com o intuito de promover a competição, é importante elaborar um


cronograma de licitações, evitando-se colocar lotes demais em licitações simultâneas, de
modo a possibilitar que as empresas não vencedoras da concorrência de um determinado lote
de veículos, por exemplo, não sejam eliminadas do mercado, podendo participar das disputas
de outros lotes.
100

Para Ramos (1997), a competição no mercado pode também ser estabelecida no


momento da elaboração da política de transporte. Mas não entre serviços iguais, ressalte-se, e
sim entre serviços substitutos próximos  ônibus e vans, por exemplo. A razão básica é que,
dessa forma, não há a possibilidade de um ou de outro absorverem integralmente o serviço,
pois há características insubstituíveis em cada um destes serviços que preservam sua
existência. A competição no mercado entre estes serviços substitutos pode introduzir um
componente de competição real que poderá manter ambos operadores (convencional e
alternativo) perseguindo a eficiência e a qualidade. Há também a possibilidade desta
competição levar ao aprendizado operacional de ambos sobre o mercado como um todo,
abrindo a possibilidade de aumentar a competição nos momentos das licitações competitivas.

Observa-se que o modelo GEIPOT/COPPETEC tem como pré-condição a existência


de organismos governamentais fortes e preparados, com uma grande qualificação do seu
corpo técnico, já que o planejamento total dos serviços continua como uma atribuição do
Poder Público. Esta pré-condição, no entanto, pode estar alheia à fragilidade atual dos órgãos
gestores (NTU, 1997; Ramos, 1997).56

Deve-se alertar também para a possibilidade de conluio entre as empresas


concorrentes por ocasião da disputa em cada licitação competitiva  uma prática comum no
comportamento estratégico das firmas (vide Lima & Gonçalves, 1996). A burocracia
necessária para fazer funcionar este tipo de mecanismo também não é desprezível,
principalmente para se licitar os serviços periodicamente numa larga área urbana (por
exemplo, de acordo com o cronograma de licitações que for estabelecido, para a utilização de
contratos de 3 anos, um terço da frota de veículos teria de ser licitada todos os anos) (Glaister,
1993).

Outro ponto no qual o modelo avança pouco, até por não ser o escopo central do
mesmo, é quanto à qualidade dos serviços. Além da busca da eficiência, objetivo último da
regulação, entende-se que a gestão da qualidade é uma dimensão importante que deve se
constituir foco da regulação do transporte público. O estudo das experiências internacionais
de desregulação (discutidas no Capítulo 3) mostrou que a existência da competição pôde

56
Entende-se que nessa questão, pode-se inspirar no modelo australiano de licitação competitiva, onde existe a
parceria público-privada na definição dos serviços. No modelo australiano de competitive tendering, os
operadores privados participam da elaboração do desenho da rede, sendo que fica reservado ao Poder Público a
definição das diretrizes gerais da política de transporte (Aragão, 1997b).
101

promover a redução dos custos operacionais mas não necessariamente a melhoria da


qualidade dos serviços.57

Ramos (1997), nesse sentido, desenvolve uma proposta de política regulatória


visando o aumento da qualidade. A proposta do autor prevê a introdução de elementos de
exigência de qualidade às empresas que obtiverem a concessão/permissão dos serviços (no
momento da qualificação técnica da licitação, pode-se pedir projeto de implementação, com
definição de prazos, do certificado da ISO 9000, por exemplo). Propõe também a adoção de
um sistema de avaliação da qualidade, com base em modelos preestabelecidos, durante a
vigência do contrato. Assim, a continuidade do contrato, como a sua eventual renovação,
estaria condicionada a esta avaliação, sendo dada para as empresas que apresentarem melhor
performance.

Entende-se, dessa maneira, que uma política de promoção da qualidade deve estar
associada aos mecanismos de regulação dos serviços. O Poder Público deve possuir
instrumentos da garantia da qualidade dos serviços. Contudo, foge aos objetivos deste
trabalho estudar os conceitos e técnicas contemporâneas de gestão da qualidade que podem
ser utilizados para este fim.

Na seção seguinte serão analisados, à luz do modelo desenvolvido pelo estudo


GEIPOT/COPPETEC (Orrico Filho et alii, 1995), editais de licitação em cidades selecionadas,

elaborados sob o novo contexto legal, com objetivo de avaliar o impacto sobre o quadro de
regulação econômica dos serviços.

5.2. AS PRIMEIRAS LICITAÇÕES DE SERVIÇOS DE TRANSPORTE URBANO POR ÔNIBUS EM


CIDADES BRASILEIRAS

No Capítulo anterior foram expostas as origens das atuais delegações dos serviços
nas cidades brasileiras. Foi ressaltado o fato de que, de modo geral, não ocorreu um processo
de licitação para a escolha das atuais operadoras  ou mesmo para a continuidade da
delegação dos serviços às mesmas. A realização de licitações para contratações dos serviços
na maioria das cidades brasileiras é, portanto, uma novidade para o setor. Nesse ponto, é
importante lembrar que o Artigo 42, parágrafo 2o, da Lei 8.987/95, estabeleceu como o prazo
mínimo para o início da realização de licitações das concessões/permissões em caráter

57
Janson & Walling (1991) observaram que as licitações baseadas apenas nos custos têm levado a alguns
problemas de qualidade aquém do esperado.
102

precário, com prazo vencido e as de prazo indeterminado, a data de 13 de fevereiro de 1997


(24 meses após a promulgação da lei).

Foi visto no Capítulo 4 que o novo quadro legal relativo aos serviços públicos
(dado pelas Leis 8.666/93 e 8.987/95) introduziu uma série de princípios visando alcançar a
eficiência na prestação dos serviços públicos, dentre eles, a concorrência ou competitividade,
ao atribuir a concessão/permissão somente mediante licitação. Esta exigência abriu espaço
para a extinção das atuais delegações dos serviços na medida que estabeleceu a necessidade
de realização de licitações na maioria das cidades brasileiras, sob critérios exclusivamente
econômicos (menor tarifa, maior oferta em dinheiro ou combinação de ambos).

As licitações, no enfoque desse trabalho, são vistas como um instrumento capaz


de introduzir um novo ambiente de regulação econômica no setor de transporte urbano por
ônibus. Através da licitação, e o seu respectivo edital, o Poder Público estabelece as
circunstâncias da realização da concorrência pública, o prazo do contrato, as condições de sua
execução (incluindo a forma de remuneração), como também os critérios de julgamento das
propostas.

Esta seção tem como objetivo analisar, sob o marco do modelo de regulação do
estudo GEIPOT/COPPETEC (Orrico Filho et alii, 1995), as primeiras licitações no transporte
urbano por ônibus em cidades brasileiras, após as mudanças na legislação federal sobre o
assunto.

Para tal fim, utilizou-se a seguinte metodologia. Dentre as cidades selecionadas


para análise dos mecanismos de regulação e formas de remuneração (da seção 2 do Capítulo
4), levantaram-se as que procederam a licitações até dezembro de 1997, dentro do novo
contexto dado pelas novas leis de concessões e licitações. Foram obtidos, dessa maneira, três
editais: de Belo Horizonte, do Distrito Federal e do Rio de Janeiro. Dessa maneira, a pesquisa
se utilizou, basicamente, de fontes primárias. A tabela 9 apresenta alguns dados operacionais
dos sistemas de transporte por ônibus destas cidades, antes da realização das licitações.
103

Tabela 10
Dados operacionais dos sistemas de transporte por ônibus urbanos: cidades brasileiras selecionadas
1997
Cidade População Número Frota IPK Passagei- km/mês Número
empresas ros/mês linhas
Belo Horizonte 2,1 milhões 54 4.616 2,39 74.828.844 31.628.881 274
Distrito Federal 1,8 milhões 9 2.153 1,28 19.278.364 15.041.761 639
Rio de Janeiro 5,6 milhões 34 8.500 2,31 121.730.000 53.867.303 452
Fonte: Confederação Nacional de Transporte - CNT (1997)
Nota: os dados, referentes ao ano de 1997, são anteriores às licitações.

Analisaram-se os editais e as minutas dos contratos, tendo como referencial as


proposições e recomendações para licitações dos serviços do modelo desenvolvido pelo
estudo GEIPOT/COPPETEC (Orrico filho et alii, 1995) de licitações competitivas, discutidos na
seção anterior. Segundo Meirelles (1994), o edital é o instrumento pelo qual a Administração
Pública leva ao conhecimento público a abertura da concorrência, fixa as condições de sua
realização e convoca os interessados para apresentação das propostas. A divulgação do edital
é obrigatória, devendo neste constar o objeto da licitação, o prazo e as condições de execução
do contrato e o critério de julgamento das propostas.

Desse modo, o estudo não teve como objetivo descrever as etapas dos processos
de licitação, ou seus desdobramentos e resultados  nem descrever os sistemas de transporte
ou o histórico da regulamentação dos serviços em cada cidade , mas tão somente analisar os
editais como instrumento de política pública para o setor de transporte urbano por ônibus.
Deve-se mencionar que a pesquisa teve como referência o mês de dezembro de 1997, sendo
que muitos dos processos de licitação ainda não haviam sido concluídos.

Procurou-se, assim, analisar sob o marco de um modelo de licitação competitiva


(modelo GEIPOT/COPPETEC), os primeiros processos de licitações no transporte coletivo
urbano por ônibus após as mudanças na legislação federal sobre o assunto.

A análise dos editais e das minutas dos contratos foi feita de forma comparativa,
centrada nos seguintes itens:
a) mecanismos de incentivo à competição e existência de barreiras “artificiais” à entrada de
novos operadores;
b) critérios de seleção;
c) modelo de remuneração;
d) prazo dos contratos; e
e) existência de mecanismos de incentivo ao aumento da qualidade dos serviços.
104

5.2.1. Mecanismos de incentivo à competição e existência de barreiras à entrada de


novos operadores
A licitação em Belo Horizonte abrangeu todo o sistema dos serviços de transporte
coletivo urbano por ônibus do município, seguindo determinação do Tribunal de Contas do
Estado de Minas Gerais. O Edital de Concorrência Pública N° 003/97 teve como objeto 83
lotes de veículos de variados tamanhos (de 16 a 52 veículos), num total de 2.386 “veículos
equivalentes padron” (VEPs), para subconcessão da Empresa de Transportes e Trânsito de
Belo Horizonte S. A. (BHTRANS), na modalidade concorrência do tipo maior oferta de
pagamento (vide Artigo 15, da Lei 8.987/95), com remuneração por quilômetro rodado e por
frota empenhada, conforme planilha de custos especificada no edital de licitação. Um VEP
corresponde a um veículo com capacidade para 100 passageiros, comportando o uso do termo
fração ou frações da unidade (1,6 VEP é um veículo para 160 passageiros, por exemplo).

O edital admitiu como concorrentes pessoas jurídicas isoladamente ou reunidas


em forma de consórcio, sendo que a empresa consorciada não poderia participar em mais de
um consórcio ou isoladamente. Os concorrentes poderiam se candidatar aos lotes de sua
escolha, desde que obedecidos os limites de 240 VEP (cerca de 10% do total de veículos) para
apresentação de propostas na fase da habilitação, por concorrente (ou seja, a quantidade de
VEP somada de todas as propostas do concorrente não pode exceder a este limite), e 120 para
a fase de adjudicação e classificação. Entende-se esta exigência (com a fragmentação dos
serviços em lotes menores)como uma forma de garantir um ambiente competitivo na licitação.
Limitou-se, dessa maneira, o mercado da cidade para, no máximo, 5% da frota por empresa,
acabando com a possibilidade do conluio entre empresas e da formação de monopólios locais
na operação dos serviços.

Não foi exigida a propriedade prévia dos veículos, garagens e instalações,


aceitando-se comprovante de disponibilidade ou cessão, para o caso da frota, ou a prova de
que possui compromisso ou disponibilidade de imóvel destinado à instalação de garagem para
dar suporte à execução dos serviços no período do contrato. Abriu-se, dessa maneira, espaço
para o leasing e/ou arrendamento mercantil, eliminando uma importante barreira à entrada
(como discutido, o leasing e/ou o arrendamento mercantil podem possibilitar o acesso ao
mercado de um maior número de concorrentes).

Licitaram-se lotes de veículos para a operação dos serviços, sendo que as linhas
não foram consideradas como de operação exclusiva de qualquer subconcessionário. Esse
procedimento acaba com o monopólio local da operação, rompendo com o tradicional
105

mecanismo de delegação por linha, tendo o Poder Público maior flexibilidade na gestão dos
serviços.

A licitação no Distrito Federal, diferentemente do caso de Belo Horizonte, não foi


para todo o sistema de transporte coletivo urbano por ônibus, e sim para ampliação da frota de
veículos. Fica, dessa maneira, o restante das permissões no aguardo de novas licitações,
conforme o Art. 42 da Lei 8.987/95. O Edital de Concorrência Pública N° 001/97 teve como
objeto a seleção de novos permissionários para operar os serviços de transporte público
coletivo, através da delegação por frota, de mais 270 veículos (representando uma ampliação
da frota local em cerca de 12%), divididos em 9 lotes de 30 ônibus, na modalidade
concorrência do tipo maior oferta de pagamento, com remuneração conforme planilha de
custos determinada pelo órgão gestor local (Departamento Metropolitano de Transportes
Urbanos, DMTU).

Na licitação do Distrito Federal foi vedada a participação de consórcios e


permitida a participação de cooperativas. Entende-se que tal disposição possibilita que
pequenos transportadores (autônomos ou mesmo “informais”), que desejam entrar
formalmente no mercado de transporte de passageiros, possam disputar parcela do mercado
local.

Também não se exigiu a propriedade prévia dos veículos, garagens e instalações,


aceitando-se declaração do licitante que o mesmo disponibilizará em 120 dias, após a
publicação do contrato de adesão no Diário Oficial do Distrito Federal, os veículos e os
imóveis destinados à sua armazenagem, manutenção e operacionalização. Abriu-se, dessa
maneira, espaço para o leasing e/ou arrendamento de veículos e instalações.

Foram proibidas, a subdelegação total ou parcial dos serviços, cessão total ou


parcial da permissão, ou associação de permissionários com outrem, sem a autorização do
poder permitente. As linhas não foram consideradas como de operação exclusiva de qualquer
permissionário podendo, o Poder Público, a qualquer tempo alterar a locação da frota.

Já a licitação no município do Rio de Janeiro teve como objeto a permissão de 12


linhas de serviços de transporte urbano por ônibus, com a frota de cada linha entre 15 a 20
veículos. Cada linha foi objeto de licitação em separado, conforme cronograma estabelecido
pelo órgão gestor local (Secretaria Municipal de Trânsito). A análise teve por base o edital
padrão da Secretaria Municipal de Trânsito.
106

Nas licitações das 12 linhas do município do Rio de Janeiro admitiram-se apenas


pessoas jurídicas, sendo vedada a participação de consórcios. Não se permitiu a participação
de mais de um concorrente sob o controle societário de um mesmo grupo de pessoas (físicas
ou jurídicas), como forma de inibir a formação de monopólios ou o conluio entre empresas.

Não foi exigida a propriedade prévia dos veículos para operação dos serviços,
tendo o licitante o prazo máximo de 60 dias, a contar da data da outorga da permissão, para a
apresentação da frota. Por outro lado, na fase de qualificação técnica, foi requerido do
concorrente a apresentação de título de propriedade ou locação de imóvel, destinado à guarda
e manutenção dos veículos. Este ponto pode se constituir em barreira à entrada de novos
operadores, já que requer que o concorrente tenha previamente a propriedade ou o aluguel de
tais instalações para participar da licitação.

Diferentemente de Belo Horizonte e do Distrito Federal, que licitaram lotes de


veículos, no Rio de Janeiro licitaram-se linhas. Dessa maneira, optou-se pelo caráter de
exclusividade na operação dos serviços, com cada linha operada por um permissionário.

5.2.2. Critérios de seleção


Nos três casos analisados o critério de seleção dos novos operadores foi,
exclusivamente, o de maior oferta pelos serviços, com as especificações técnicas
estabelecidas em edital.

No caso de Belo Horizonte, o critério foi o de maior oferta para cada lote de
veículos (ou seja, o concorrente que propor o maior valor em reais para determinado lote),
sendo que as propostas não poderiam ser inferiores a R$ 13.500,00 por veículo equivalente
padron (valor equivalente a, aproximadamente, 1% do faturamento por VEP no período do
contrato de 10 anos, segundo estimativas da BHTRANS).

A documentação relativa à qualificação econômica e financeira consistiu na


apresentação do balanço patrimonial e demonstrações contábeis do último exercício social,
com o objetivo de indicar a capacidade do concorrente para determinada quantidade de VEPs.
De acordo com o edital, o concorrente seria qualificado se apresentasse patrimônio líquido
mínimo de R$ 15.000,00 para cada VEP que estivesse concorrendo, sendo que o concorrente
que não atingisse o patrimônio líquido mínimo de R$ 240.000,00 seria inabilitado, dado que o
menor lote era de 16 VEPs.
107

No Distrito Federal, o critério de seleção foi também o de maior oferta para cada
lote de veículos. De acordo com o edital, o concorrente não poderia oferecer, a título de
pagamento pela outorga da permissão, um valor não inferior a R$ 360.000,00 por lote (cerca
de R$ 12.000,00 por veículo)

No Rio de Janeiro, o critério de seleção foi o de maior oferta para cada linha. Na
licitação da linha Penha-Méier, por exemplo, o valor mínimo foi de R$ 160.000,00 para
operação de 12 veículos, para o prazo de 10 anos de permissão.

5.2.3. Modelo de remuneração


Os modelos de remuneração dos serviços nos três casos analisados não sofreram
mudanças. Continuaram sendo adotados, para os novos operadores, o modelo de remuneração
e tarifação baseado no custo médio, com base em planilha de custos definida pelo órgão
gestor. Dessa maneira, permaneceu a responsabilidade do Poder Público em manter o
equilíbrio econômico e financeiro das empresas operadoras.

Em Belo Horizonte, foi estabelecido que a remuneração seria feita com base na
planilha de custos especificada no edital, cabendo à BHTRANS fixar os seus parâmetros e
índices de custos, como também promover a revisão da estrutura tarifária sempre que
necessário.

No Distrito Federal, o edital estabeleceu que, havendo alteração nas condições de


operação, deverá o Poder Público restabelecer o equilíbrio econômico e financeiro do
contrato, homologando os reajustes necessários e procedendo a revisão das tarifas, com base
na planilha definida pelo DMTU.

No Rio de Janeiro, continuou sendo adotado o modelo de remuneração por tarifa


única, determinada pela planilha de custos do município, diretamente arrecadada pelos
permissionários na operação dos serviços.

5.2.4. Prazo dos contratos


Os prazos estabelecidos para a vigência dos contratos, nos três casos analisados,
foram considerados demasiadamente longos para proporcionar, ao usuário, a incorporação
sucessiva dos ganhos de produtividade decorrentes da operação dos serviços, que poderia
ocorrer caso fossem utilizadas licitações periódicas.
108

Em Belo Horizonte, o prazo estabelecido para o contrato de subconcessão foi de


10 anos, improrrogáveis.

Na licitação do Distrito Federal, o prazo estabelecido para a vigência da


permissão foi de 7 anos, prorrogáveis por igual período. A prorrogação foi condicionada ao
“desempenho adequado na prestação do serviço”. De acordo com o edital, tal desempenho
será medido: pelo índice de cumprimento de viagens, índice de penalidades, estado da frota, e
pela avaliação econômica e financeira da permissionária. Entretanto, não foram estabelecidos
formalmente metas ou indicadores para tais itens, e nem uma sistemática de avaliação.

No Rio de Janeiro, o prazo estabelecido para permissão foi de 10 anos, dos quais
os 7 primeiros se destinam à “recuperação dos investimentos”. Após este prazo, a permissão
pode ser revogada a qualquer tempo, a critério exclusivo do secretário municipal de trânsito,
obrigando-se o permissionário a cessar a execução dos serviços, tão logo receba a ordem, sem
direito a qualquer indenização. De acordo com o edital, o prazo definido em 7 anos para a
recuperação dos investimentos, notadamente em veículos, “levou em consideração os dados
constantes da planilha de estimativa de custos da prestação dos serviços” (ou seja, do período
adotado para o cálculo da depreciação). Cabem aqui alguns comentários quanto a este ponto.

Em primeiro lugar, ressalta-se o caráter de reversibilidade do investimento do


principal item de capital neste setor, o veículo. Diferentemente de outros setores, onde
existem custos específicos que não podem ser revertidos ou ressarcidos depois de iniciado o
investimento, no setor de transporte por ônibus o investimento em veículos pode ser
recuperado, já que os mesmos encontram valor de comercialização em qualquer momento de
sua vida útil (se o empresário sair do mercado, pode revender seus veículos no mercado de
usados, alugá-los para outros operadores ou transferi-los para outro local, por exemplo). Ou
seja, o custo do principal item de capital nesse setor não é sunk. Conforme discussão realizada
nos Capítulos 2 e 3, os sunk costs são custos específicos, que não podem ser totalmente
revertidos depois de iniciado o investimento (um aeroporto ou uma rodovia, por exemplo).

Da mesma maneira, deve-se lembrar da existência do valor residual que


complementa a diferença entre o já depreciado e o valor investido, no cálculo tarifário. Assim,
não existe motivo algum para o tempo do contrato ter relação com o prazo estabelecido de
vida útil dos veículos.58

58
Esta posição vai contra a proposição apresentada por Ramos (1997) de que os tempos de duração dos
contratos seja limitado ao tempo de recuperação do capital fixo aplicado em veículos.
109

5.2.5. Mecanismos de incentivo ao aumento da qualidade dos serviços


Não foram previstos, em nenhum dos editais, mecanismos de incentivo ao
aumento da produtividade e qualidade dos serviços. São ausentes critérios objetivos de
incentivo à qualidade, como também de mecanismos de avaliação de desempenho dos
operadores durante a vigência do contrato.

Em Belo Horizonte, previu-se apenas a caducidade da subconcessão baseada no


total de pontos acumulados em função do número de infrações cometidas pelo
subconcessionário. Entretanto, pelas razões discutidas no decorrer deste capítulo, entende-se
que tal medida é insuficiente para incentivar tais objetivos.

No Distrito Federal, foi estabelecido que “cumpre ao poder concedente estimular


o aumento da qualidade, produtividade e incentivar a competitividade” sem, entretanto,
estabelecer nenhum mecanismo formal para isso.

No Rio de Janeiro, o edital dispôs apenas que “o poder permitente deve zelar pela
boa qualidade dos serviços e estimular o aumento da qualidade e produtividade”.

5.3. CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE OS EDITAIS


O ponto mais importante a ser destacado é o fato dessas cidades terem realizado
as suas primeiras licitações sob os critérios da nova legislação de licitações e concessões de
serviços públicos. Belo Horizonte foi a primeira grande cidade no Brasil a realizar licitação
para todo o seu sistema de transporte urbano por ônibus o que, por si só, já é um avanço, dado
que na maioria das cidades brasileiras nunca aconteceu um processo de concorrência pública
para a escolha das atuais empresas operadoras, com a adoção de critérios
econômicos/pecuniários de seleção (ou mesmo para a continuidade da delegação dos serviços
às mesmas). As licitações do Distrito Federal e do Rio de Janeiro, entretanto, não foram para
todo o sistema de transporte. No Distrito Federal a licitação foi para a ampliação da frota atual
de veículos (270 veículos em cerca de 2,1 mil), e no Rio de Janeiro (primeira licitação para
contratação de serviços de transporte urbano por ônibus do município) licitaram-se apenas
parte das linhas (12 de cerca de 450 linhas). Continuam, dessa maneira o restante das
permissões nessas duas localidades aguardando novas licitações (vide o Art. 42, parágrafo 2°
da Lei 8.987/95).

Os editais, com exceção do Rio de Janeiro, não exigiram a propriedade prévia de


veículos e garagens, permitindo o leasing e/ou o arrendamento mercantil. Eliminou-se, assim,
110

uma importante barreira à entrada de novos operadores no mercado (já que o leasing e o
arrendamento mercantil, como comentado, podem possibilitar o acesso ao mercado de um
maior número de concorrentes). No Rio de Janeiro, não foi exigido a propriedade de veículos
ex ante à assinatura do contrato mas, por outro lado, exigiu-se a propriedade ou aluguel prévio
de garagens e instalações na fase de qualificação técnica.

Em Belo Horizonte e no Distrito Federal, licitaram-se os sistemas por lote de


veículos, ao invés de linhas, o que pode proporcionar maior flexibilidade de gestão dos
serviços para o Poder Público. Já no Rio de Janeiro optou-se pela licitação por linhas, com o
monopólio local da operação dos serviços.

Com exceção do Rio de Janeiro, permitiu-se a participação de empresas ou


operadores agrupados em forma de consórcios ou cooperativas. Na licitação de Belo
Horizonte foi permitida a participação de consórcios, sendo que o edital impediu que a
empresa consorciada participasse em mais de um consórcio ou isoladamente. No Distrito
Federal foi permitida apenas a participação de cooperativas, ponto importante, na medida que
possibilita aos pequenos transportadores (autônomos, alternativos ou informais) disputarem o
mercado de transporte por ônibus local.

As licitações, como estabelece a Lei 8.987/95, se deram por critérios


econômicos/pecuniários, com as especificações técnicas estabelecidas em edital. No entanto,
nos três casos analisados, as licitações não se deram pelo menor preço, sendo escolhido
exclusivamente o critério de maior oferta pelos serviços. Entende-se que este critério, por si
só, não garante a escolha da empresa mais eficiente, pelas razões já discutidas (quando se
apresentou o modelo do estudo GEIPOT/COPPETEC, baseado no competitive tendering).

Continuou-se com os modelos de remuneração adotados anteriormente (baseado


na metodologia do custo médio), ou seja, com a adoção de planilha de custos padrão definida
pelo órgão gestor. Assim, a responsabilidade pelo equilíbrio econômico e financeiro das
empresas operadoras permaneceu com o Poder Público.

Os prazos estabelecidos para os novos contratos foram demasiadamente longos 


alguns, ainda com possibilidade de prorrogação  para provocar a eficiência na operação dos
serviços e a transferência dos eventuais ganhos de produtividade para o usuário, que poderia
ser proporcionada pela utilização de licitações periódicas. Ao mesmo tempo, em nenhum
edital foi estabelecido mecanismo formal de incentivo ao aumento da qualidade dos serviços,
111

ou que vinculasse a renovação ou a continuidade dos contratos à uma avaliação de


performance do operador.
112

Tabela 11
Editais de licitação de serviços de transporte urbano por ônibus em localidades escolhidas
1997
Item Belo Horizonte Distrito Federal Rio de Janeiro
• Licitação para todo o • Licitação somente • Licitação para
1. Mecanismos de
sistema de transporte para ampliação da permissão de 12
incentivo a
coletivo urbano; frota de veículos; linhas;
competição/existência
de barreiras artificiais à • admitiram-se pessoas • vedada a participação • admitiram-se apenas
entrada de novos jurídicas isoladamente de consórcios mas pessoas jurídicas,
operadores ou reunidas em forma admitida a vedada a participação
de consórcio; participação de de consórcios;
• licitação por lote de cooperativas; • licitação por linha,
veículos, as linhas não • licitação por lote de com exclusividade na
foram consideradas veículos, as linhas não operação dos
como exclusividade foram consideradas serviços,;
de qualquer operador; como exclusividade • não se exigiu a
• não se exigiu a de qualquer operador; propriedade prévia de
propriedade prévia de • não se exigiu a veículos mas, na fase
veículos, garagens ou propriedade prévia de de qualificação
instalações; veículos, garagens ou técnica, foi requerido
• fragmentação do instalações. de cada concorrente a
serviço em lotes propriedade ou o
menores, limitando-se aluguel de imóvel
o mercado da cidade destinado à guarda e
em, no máximo, 5% manutenção de
da frota por empresa. veículos.
2. Critério de seleção Maior oferta por cada lote Maior oferta por cada lote Maior oferta por cada
de veículos, com de veículos, com linha, com especificações
especificações técnicas especificações técnicas técnicas estabelecidas em
estabelecidas em edital. estabelecidas em edital. edital.
3. Modelo de Modelo de tarifação e Modelo de tarifação e Modelo de tarifação e
remuneração remuneração baseado no remuneração baseado no remuneração baseado no
custo médio, com planilha custo médio, com planilha custo médio, com planilha
de custos padrão definida de custos padrão definida de custos padrão definida
pelo órgão gestor. pelo órgão gestor. pelo órgão gestor.
4. Prazo dos contratos Subconcessão para Permissão para operação Permissão por linha por
operação de frota de de frota de veículos por 7 10 anos, sendo que após o
veículos por 10 anos, anos, prorrogáveis por período de 7 anos a
improrrogáveis. igual período. permissão pode ser
revogada a qualquer
tempo, a critério do Poder
Executivo.
5. Mecanismos de Inexistentes. O edital Inexistentes. O edital Inexistentes.
incentivo à qualidade prevê, apenas, a condiciona a prorrogação
caducidade da do contrato ao
subconcessão baseada no desempenho do operador.
total de pontos Entretanto, não estabelece
acumulados em função de nenhuma meta, indicador
infrações cometidas pelo de desempenho ou uma
operador. sistemática de avaliação.
Fonte: Levantamento do autor.
113

5.4. COMENTÁRIOS SOBRE O CAPÍTULO


Este capítulo teve como objetivo analisar, sob o marco do modelo de regulação do
estudo GEIPOT/COPPETEC (Orrico Filho et alii, 1995), as primeiras licitações no transporte
urbano por ônibus em cidades brasileiras, após as mudanças na legislação federal sobre o
assunto.

Deve-se mencionar que a realização de licitações para contratações de serviços de


transporte coletivo urbano por ônibus, na maioria das cidades brasileiras, é uma novidade para
o setor. O Artigo 42, parágrafo 2o, da Lei 8.987/95, estabelece como o prazo mínimo para o
início da realização de licitações das concessões e permissões a data de 13 de fevereiro de
1997 (24 meses após a promulgação da lei). Ressalte-se que a pesquisa teve como referência o
mês de dezembro de 1997, sendo que muitos dos processos de licitação ainda não haviam sido
concluídos.

No enfoque desse trabalho, as licitações são vistas como um instrumento capaz de


introduzir um novo ambiente de regulação econômica no setor  é através do edital de
licitação que o Poder Público estabelece as circunstâncias da realização da concorrência
pública, o prazo do contrato, as condições de sua execução (incluindo a forma de
remuneração), como também os critérios de julgamento das propostas. Este capítulo, dessa
maneira, não teve como objetivo descrever as etapas dos processos de licitação, ou seus
desdobramentos e resultados  nem descrever os sistemas de transporte ou o histórico da
regulamentação dos serviços em cada cidade , mas tão somente analisar os editais de
licitação como instrumento de política pública para o setor de transporte urbano por ônibus.

Foram apresentadas e discutidas as principais proposições do modelo do estudo


GEIPOT/COPPETEC (Orrico Filho et alii, 1995) para o elaboração de licitações de serviços,

proposições inspiradas na experiência do competitive tendering. A apresentação de tal modelo


teve como objetivo estabelecer um referencial para análise dos primeiros editais de licitação
nas cidades brasileiras, após a promulgação da nova legislação sobre concessões/permissões
de serviços públicos.

A realização de licitações em importantes cidades brasileiras constitui um avanço


para o quadro de regulação do setor pois, como comentado, a maioria das delegações que
gozam os atuais operadores foram delegadas sem prévio processo licitatório. Entretanto,
quando se analisam os editais e as minutas de contratos, verifica-se que as deficiências e
114

limites do atual quadro de regulação dos serviços, apontados no Capítulo 4, tendem a


permanecer.

A despeito dos editais apresentarem alguns avanços — como a não exigência da


propriedade de veículos e garagens no momento da licitação, permitir a participação de
consórcios ou cooperativas, ampliando assim o número de concorrentes —, permanecem
ainda as distorções básicas no quadro de regulação que, como já discutido, podem abrir
espaço para a ineficiência operacional.

O critério de seleção para novos operadores utilizado nos três editais analisados
foi, única e exclusivamente, o de maior oferta pelos serviços: critério este que, por si só, não
garante a escolha da empresa mais eficiente. Continuou-se com o modelo de remuneração e
tarifação pelo custo médio, dando uma sobrevida à utilização da planilha de custos definida
pelo órgão gestor. Dessa maneira, a responsabilidade pelo equilíbrio econômico e financeiro
das empresas operadoras continua sendo do Poder Público.

Os prazos estabelecidos para as delegações foram longos, entre 7 e 10 anos


(alguns ainda com possibilidade de prorrogação). Entende-se que a utilização de tais prazos
restringe a competição, “fechando” o mercado por longo período, evitando a incorporação,
pelo usuário, dos ganhos de produtividade que poderiam ser proporcionados pela utilização de
licitações periódicas. Por fim, em nenhum edital foram previstos mecanismos formais de
incentivo ao aumento da qualidade dos serviços.
115

CAPÍTULO VI

CONCLUSÕES

As considerações aqui apresentadas pretendem sintetizar os principais resultados


da pesquisa; resultados estes direcionados às questões principais do trabalho, quais sejam:
analisar o atual modelo de regulação econômica do transporte urbano por ônibus adotado nas
cidades brasileiras e avaliar, sob o marco de um modelo de “licitação competitiva”, os
primeiros editais de licitação em cidades selecionadas, elaborados sob o contexto da nova
legislação de concessões de serviços públicos, verificando suas possíveis repercussões sobre o
quadro regulatório dos serviços.

São apresentadas ainda as limitações do estudo e algumas direções de pesquisa,


nos temas relacionados a esta Dissertação.

6.1. Síntese dos resultados da pesquisa


Na primeira parte do trabalho foram abordados os conceitos teóricos utilizados no
decorrer da Dissertação, a respeito da regulação econômica do transporte coletivo urbano por
ônibus. Observou-se que o objetivo principal da regulação econômica é atingir a máxima
eficiência na produção e operação dos serviços, garantindo o bem-estar social  eficiência
esta que não seria alcançada em situação de livre mercado. A imposição de restrições à
entrada e saída de firmas no mercado, preservando a estrutura industrial, visaria a eficiência
produtiva, enquanto o controle de preços e quantidades buscaria a eficiência alocativa. As
políticas de regulação também podem fixar normas de desempenho, controlando outras
variáveis, como a qualidade dos serviços.

Apontaram-se os limites e deficiências do mecanismo de remuneração pelo custo


médio, no sentido de promover a eficiência. Dessa maneira, apresentaram-se mecanismos
alternativos de regulação, sugeridos pela teoria econômica. Chamou a atenção o modelo de
regulação de serviços públicos desenvolvido por Demsetz, de competição para a entrada no
mercado (ao invés da competição no mercado), por meio da utilização de licitações periódicas
116

pelo critério de menor preço, como forma de se conseguir reduções de custos ao longo do
tempo.

Foram também apresentados os desenvolvimentos teóricos críticos à regulação


governamental, através das teorias da captura e da regulação econômica. De acordo com estas
teorias, a regulação seria estimulada para atender aos interesses das empresas, e não os do
público em geral, sendo fadada a ser “capturada” pelos setores regulados: o principal
benefício da regulação, para as empresas, seria a restrição da entrada de novos concorrentes
no mercado, sustentando os preços acima dos custos médios.

Outro desenvolvimento teórico analisado foi a teoria dos mercados contestáveis


 fundamento para os processos de desregulação do transporte urbano por ônibus em
diversos países. Esta teoria argumenta que a existência da competição potencial e de garantia
de livre entrada e saída das firmas no mercado, seriam suficientes para a atuação eficiente das
firmas, com preços iguais aos custos médios e sem perdas de bem-estar social. Uma das
condições para isso, é que não haja barreiras à entrada de qualquer espécie nem custos para
saída (sunk costs), ou seja, deve ser garantida a reversibilidade da entrada sem que ocorra
qualquer custo.

O modelo de concorrência de Demsetz dá a sustentação teórica ao mecanismo de


licitações competitivas (competitive tendering), utilizado como referencial para a análise dos
editais de licitação. Ao mesmo tempo, a noção de reversibilidade da entrada é que garante a
possibilidade da utilização de licitações periódicas no setor de transporte por ônibus, com a
adoção de prazos curtos de contratação: a reversibilidade do custo do investimento do
principal item de capital do setor, o ônibus, permite que os prazos dos contratos possam ser
curtos (entre 3 e 5 anos, por exemplo), não sendo necessário que os mesmos coincidam com o
prazo de vida útil dos veículos.

Na segunda parte do trabalho, foram analisadas as principais características da


produção dos serviços de transporte urbano por ônibus. Mostrou-se que os argumentos que
justificam a regulação econômica do setor residem nas especificidades que caracterizam a
produção dos serviços. A noção da estruturação dos serviços em redes integradas torna-se,
dessa maneira, condição para a organização do mercado de forma eficiente, ou seja: está na
importância da coordenação/integração tarifária e temporal da operação (com o objetivo de
obter a racionalidade no uso dos recursos e fomentar a articulação entre os operadores) a
necessidade da função reguladora do Estado. O controle da entrada, da quantidade e dos
117

preços dos serviços evitaria a instabilidade da oferta, a queda da confiabilidade da operação e


a fixação de preços excessivos, protegendo os serviços mínimos que o livre mercado não
garantiria. Daí a necessidade da regulação, apesar de o setor não apresentar significativas
economias de escala.

A análise das experiências de desregulação da Grã-Bretanha e do Chile reforçou


estes argumentos, mostrando que os serviços operando no livre mercado tendem a apresentar
como resultado o aumento expressivo da oferta sem que esta seja acompanhada pela
demanda. Esta situação, que foi constatada nos casos analisados, provocou o aumento dos
custos médios por passageiro, levando à majoração das tarifas. Isso se traduz em ineficiência
operacional. A livre entrada também conduziu à instabilidade dos serviços, desestruturando a
organização da operação em rede. A desregulação dos serviços  ou seja, a promoção da
competição no mercado, através da disputa direta pelo usuário  não atingiram os resultados
esperados pelos defensores do livre mercado, de maior eficiência na operação, com reduções
de tarifas.

Por outro lado, a experiência do modelo de regulação pelas licitações


competitivas (competitive tendering), utilizado em Londres, em algumas cidades americanas,
mostrou que se pode tratar a questão da ineficiência com a operação privada dos serviços,
sem a adoção da política da desregulação. O uso do modelo de licitações competitivas
conseguiu reduções de custos, mantendo a qualidade dos serviços, nos casos analisados. A
introdução da competição no quadro de regulação econômica do setor, na disputa pela
entrada no mercado, apareceu, dessa maneira, como uma alternativa para se tratar da questão
da ineficiência operacional.

Na terceira parte do trabalho, foi ressaltado o fato de que não ocorreu um processo
de licitação para a contratação das atuais empresas operadoras, ou mesmo para a continuidade
da delegação dos serviços às mesmas, na maioria das cidades brasileiras. A nova legislação
dos serviços públicos revigorou o instrumento da concessão e permissão, introduzindo uma
série de princípios visando alcançar a eficiência na prestação dos serviços, dentre eles: a
exigência da licitação; a estipulação de prazo para término das concessões e permissões; e a
eliminação de reservas de mercado e direitos de exclusividade na exploração dos serviços. Ao
exigir a licitação, sob critérios exclusivamente econômicos (menor tarifa, maior oferta ou
combinação de ambos), a nova legislação permitiu a introdução de elementos de competição
no quadro de regulação dos serviços  já que a licitação é o momento em que se dá a
118

competição para a entrada no mercado. As especificações técnicas, ou seja, o que o órgão


gestor quer de serviços, passam a ser estabelecidas no edital (daí a importância deste). A
exigência da licitação abriu espaço para a extinção das atuais permissões e autorizações dos
serviços de transporte coletivo urbano por ônibus e estabeleceu a necessidade da realização de
concorrências públicas na maioria das cidades brasileiras.

O estudo dos mecanismos de remuneração e dos regulamentos dos serviços, em


cidades selecionadas, mostrou as deficiências do atual modelo de regulação brasileiro em
promover e incentivar a eficiência e a qualidade na operação. Os mecanismos de remuneração
(arrecadação tarifária direta, câmaras de compensação tarifária ou pagamento por
quilômetro), baseados no modelo do custo médio, não incentivam a racionalização dos custos
e estimulam a ineficiência, já que o Poder Público, baseado numa planilha tarifária, deve
cobrir todos os custos dos serviços, independente do regime de eficiência das operadoras. No
atual modelo de remuneração, é atribuição do Poder Público manter o chamado equilíbrio
econômico das empresas. Mas é impossível para os órgãos gestores, como foi discutido,
conhecer os reais custos das empresas. Ao mesmo tempo, o estudo dos regulamentos,
concebidos antes da lei das concessões de serviços públicos, mostrou que os mesmos impõem
diversas barreiras à entrada de novos operadores, inclusive suprimindo a necessidade da
licitação. A partir dessas constatações, pôde-se inferir que a atual estrutura de regulação no
setor estaria sendo “capturada”, servindo mais aos interesses das empresas operadoras do que
aos usuários do serviço. Reforçaram-se, dessa maneira, as conclusões dos estudos de
Brasileiro et alii (1996), de que os regulamentos dos serviços sinalizam na direção de
mercados fechados e não contém elementos que estimulem a qualidade e a eficiência
operacional. Ressalte-se que tais conclusões vão contra o princípio da preservação do
interesse público que a atuação regulatória almeja.

Na quarta parte do trabalho, foram apresentadas e discutidas as proposições do


modelo de regulação por licitações competitivas do estudo GEIPOT/COPPETEC (Orrico Filho et
alii, 1995). A apresentação de tais proposições teve como objetivo estabelecer um quadro
referencial para a análise dos primeiros editais de licitações nas cidades brasileiras, após as
mudanças na legislação federal sobre o assunto. Foram, assim, investigados os critérios de
seleção e contratação dos serviços e avaliadas suas possíveis repercussões sobre o quadro de
regulação atual. Ressalte-se que a realização de licitações para contratações dos serviços na
maioria das cidades brasileiras é uma novidade para o setor. O Artigo 42, parágrafo 2o, da Lei
8.987/95, estabeleceu como o prazo mínimo para o início da realização de licitações a data de
119

13 de fevereiro de 1997 — 24 meses após a promulgação da lei (deve-se mencionar que a


pesquisa teve como referência o mês de dezembro de 1997, sendo que muitos dos processos
de licitação ainda não haviam sido concluídos).

A realização de licitações em importantes cidades brasileiras constitui um avanço


para o quadro de regulação do setor pois, como comentado, a maioria das permissões que
gozam os atuais operadores foram delegadas sem prévio processo de concorrência pública.
Apesar da nova legislação pretender revigorar o instrumento da permissão/concessão,
introduzindo uma série de princípios visando estimular a eficiência na prestação dos serviços
públicos, a análise dos primeiros editais de licitação do transporte urbano por ônibus verificou
que as deficiências e limites do atual quadro de regulação, apontados no decorrer do trabalho,
tendem a continuar.

A despeito dos editais apresentarem importantes avanços, permaneceram as


distorções básicas no quadro de contratação e regulação dos serviços, que podem abrir espaço
para ineficiência operacional. O critério de seleção utilizado para os novos operadores foi,
única e exclusivamente, o de maior oferta pelos serviços: critério este que, pelos motivos
discutidos no decorrer do texto, não garante a escolha da empresa mais eficiente. Continuou-
se com o modelo de remuneração e tarifação pelo custo médio, dando uma sobrevida à
planilha de custos definida pelo órgão gestor.

Os prazos estabelecidos para as delegações foram longos, entre 7 e 10 anos


(alguns ainda com possibilidade de prorrogação). A utilização de tais prazos restringe a
competição, “fechando” o mercado por longo período, evitando a incorporação pelos
usuários, dos ganhos de produtividade que poderiam ser proporcionados pela utilização de
licitações periódicas. Por fim, em nenhum dos editais foram previstos mecanismos formais de
incentivo ao aumento da qualidade dos serviços, através da instituição de indicadores de
desempenho ou de uma sistemática de avaliação de performance dos futuros operadores.

Além de atenderem às imposições do quadro legal vigente, as licitações devem ser


vistas como oportunidade para a criação de um novo ambiente de regulação dos serviços, de
transformação do status quo, de modo a estimular a qualidade e a eficiência operacional. Os
poderes públicos locais não podem abdicar dessa oportunidade. A internalização ao setor da
competição empresarial no momento da entrada no mercado, através da utilização de
licitações competitivas periódicas, pode ser uma das estratégias para promover a eficiência e a
120

qualidade na operação dos serviços. A elaboração dos futuros editais de licitação de serviços
tem de levar em conta este enfoque.

É na licitação onde se introduz os elementos de competitividade no quadro de


regulação dos serviços. A competição no setor deve se fazer no momento da entrada para o
mercado, pois sabemos que a introdução da competição no mercado, através da disputa direta
pelos usuários (como nas experiências de desregulação dos países hispo-americanos), leva a
ineficiência e a desestruturação da rede dos serviços. A existência de suficiente competição
no momento da entrada no mercado, com grande número de empresas se apresentando na
licitação, pode conduzir à escolha pelo Poder Público das mais eficientes. Daí a necessidade
de se incorporar a prática da realização de licitações como instrumento de política pública no
setor de transporte coletivo urbano. No momento da licitação as empresas devem apresentar
seus preços pelo qual vão operar os serviços especificados (com as condições de reajuste
especificadas no contrato) e ganhará aquela que apresentar a melhor proposta. Em alguns
casos, isto poderá significar diretamente a menor tarifa. Em outros, maior oferta, a um dado
valor de tarifa (com os recursos arrecadados sendo revertidos para o próprio sistema). Ou
ainda, menor custo por quilômetro.

Na licitação está também a oportunidade da implantação de projetos que podem


melhorar a qualidade dos serviços, proporcionando a formulação e implementação de
políticas voltadas a aumentar a capacidade das empresas para atuarem em mercados
competitivos e flexíveis. Deve-se, nesse sentido, levar em conta o contexto atual caracterizado
pelos novos paradigmas da gestão de serviços públicos, com a incorporação dos novos
conceitos da qualidade, inovação, eficácia e eficiência. Isso tudo implica na modernização da
gestão das empresas operadoras e da relação entre elas e os órgãos de gerência locais. Os
poderes públicos devem discutir e elaborar, em conjunto com a sociedade, as definições
gerais da política de transporte, e através da parceria público-privada definirem a rede de
serviços.

Os saltos de eficiência e qualidade que poderão advir da adoção de tais políticas


poderão ser um caminho para enfrentar a atual crise que enfrenta o setor de transporte
coletivo urbano no Brasil (conforme caracterizado na Introdução deste trabalho). Ou seja, um
transporte público eficiente e de qualidade será um instrumento inibidor do transporte
informal. Por outro lado, a adoção de uma nova sistemática de remuneração dos serviços,
através da utilização de critérios de menor preço para definição da proposta vencedora (menor
121

tarifa ou menor custo por quilômetro rodado, por exemplo) de cada licitação, poderá transferir
para o usuário os ganhos de produtividade da operação dos serviços, através da redução do
valor real das tarifas.

Promover uma reforma no quadro de regulação econômica do transporte urbano


por ônibus no país, visando a melhoria da eficiência na operação e da qualidade dos serviços,
com apropriação social dos ganhos de produtividade decorrentes, é o desafio que se pretende
colocar, com essas considerações, à sociedade, e aos técnicos e acadêmicos do setor.

6.2. Limitações do trabalho e direções de pesquisa


O enfoque do trabalho foi delimitado ao sistema convencional de transporte
coletivo urbano, ou seja, ao mercado de ônibus, por ser o modo de transporte ainda
predominante nas cidades brasileiras. Argumentou-se que a promoção do modelo de licitações
competitivas periódicas por critérios de menor preço, com a redução das barreiras artificiais à
entrada de novos operadores, pode ser uma alternativa para a introdução da competição no
quadro de regulação desse setor, através da promoção da disputa para a entrada no mercado
(via licitação).

Entretanto, podem ser analisadas outras formas de introdução da competição no


mercado de transporte coletivo urbano. A competição entre o transporte convencional e o
alternativo, por exemplo. A experiência brasileira atual mostra que isso já é uma realidade.
Desse modo, pode ser definida uma política regulatória que também priorize a competição no
mercado, sem implicar na desregulação dos serviços. Isso pode ser feito através da concepção
de um sistema de transporte onde nos mesmos itinerários operem ônibus, microônibus e vans
(na proporção definida pelo órgão gestor). Ressalte-se que o procedimento de entrada no
mercado poderia continuar sendo através de licitações competitivas. Acredita-se que a
introdução desse elemento de competição poderá fazer com que os operadores dos sistemas
convencionais e alternativos persigam a eficiência e a qualidade. Esta pode ser uma direção
de pesquisa futura.

Outras direções de pesquisa, resultantes deste trabalho, também estariam nos


estudos:
das experiências internacionais de parceria público-privada no planejamento e
organização da rede de transporte urbano;
122

das formas adotadas em outros países de preservação do ambiente competitivo, como


forma de impedir o conluio entre as empresas no momento da realização das licitações
competitivas;
dos conceitos e técnicas contemporâneas para elaboração de indicadores de desempenho
e de sistemática de avaliação de performance dos operadores do serviço de transporte
urbano de passageiros; e
dos conceitos e técnicas de gestão da qualidade para serem aplicados aos serviços.
123

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