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(*) UZIEL SANTANA

O Fisco, o Governo, a Justiça e a Sociedade – I:


a sergipanidade latente e manifesta.

“Toda a capacidade dos nossos estadistas se esvai na intriga, na astúcia, na cabala,


na vingança, na inveja, na condescendência com o abuso, na salvação das aparências,
no desleixo do futuro.” (Rui Barbosa).

No dia de ontem, o TJSE (Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe), através do seu


órgão plenário – onde se reúnem todos os desembargadores – finalmente, decidiu sobre
a questão que envolve o Fisco estadual e o reenquadramento dos fiscais de tributos da
Fazenda na carreira de Auditor Técnico de Tributos, conforme estabelecido pela Lei
Complementar Estadual Nº 67 de 2001.

Dizemos, finalmente, porque o Tribunal já havia julgado a Ação Direta de


Inconstitucionalidade (ADI 001/2006) promovida pelo SINDAT (Sindicato dos
Auditores Tributários de Sergipe) e, em assim sendo, declarado a inconstitucionalidade
dos arts. 66, I e 67 da lei supracitada. Mas o Estado de Sergipe, através da Procuradoria
Geral do Estado, interpôs recurso da decisão (Embargos de Declaração), por entender
ter havido omissão, quanto aos efeitos da decisão proferida na ADI, isto é, se a decisão
da inconstitucionalidade teria efeitos retroativos (ex-tunc) e, então, todos os atos
jurídicos praticados pelos fiscais, reenquadrados como auditores tributários a partir de
2001, seriam nulos ou se, tão-somente, a partir da decisão recentemente prolatada (ex-
nunc). A decisão sobre tal recurso foi dada ontem no plenário e os desembargadores, à
unanimidade, votaram com o Relator do processo pela aplicação tão-somente ex-nunc
da decisão que declarou inconstitucional os arts. 66, I, e 67 da LC 67/2001.

Nesta semana e na próxima, estaremos analisando aqui as questões que envolvem o


pedido do SINDAT e a decisão do TJSE. Não queremos, de modo algum, “juridicizar” a
nossa análise – isto é, fazer uma análise tão-somente dos argumentos jurídicos que
envolvem a questão – porque este não seria o espaço mais conveniente e oportuno. O
que queremos realizar, junto com o leitor, é uma apurada e franca análise dos interesses
que estão em jogo no caso concreto. O que na filosofia, quando tratamos dos vícios da
vontade, chamamos de: o manifesto (o que é dito) e o latente (o que não é dito; aquilo
que está por trás das nossas intenções e ações). Assim, a questão, em muito, sobressai-
se do mundo jurídico e adentra as nossas casas e o nosso “homem interior”. Diríamos,
até, que esta questão que envolve o FISCO, em si, desnuda para nós a identidade
sociológica e cultural do sergipano. Ou como diriam os mais cultos: a nossa
“sergipanidade”, que, ressalte-se, tem aspectos positivos, mas também negativos.

O caso em tela envolve interesses de vários grupos e instituições locais; mais


precisamente: o Fisco, o Governo, a Justiça e a Sociedade. São interesses que envolvem,
primeiramente, o Fisco – fragmentado pela divisão entre os fiscais, representados pelo
SINDIFISCO, e os auditores, promotores da ação de inconstitucionalidade,
representados pelo SINDAT. Uma divisão inaceitável que reflete, em muito, quem nós
somos. Envolve, também, o Governo de Sergipe, por razões de administração pública,
seja pela irresponsabilidade do passado, seja pela leniência do presente. Envolve o
TJSE, porque este, fulcrado no poder que a ele, nós da sociedade, damos, compete
julgar – como de fato julgou e aqui cabe a nós avaliar a decisão – (im)parcialmente(?)
tais interesses. Envolve, por último e principalmente, a sociedade sergipana, razão de
ser da existência do Estado de Sergipe, que em situações como essa deve se posicionar e
não assistir, acomodadamente, o deslinde da história – “Senhor, arrancai de nós o
espírito e a maldição da letargia social!!”, diria um cristão revolucionário.

Que interesses (os manifestos e os latentes), travestidos em teses argumentativas e ações


políticas, onde importam mais os fins do que os meios, cada um desses grupos
defendem? Vamos tentar apontá-los, em síntese.

O Fisco-SINDAT, composto por 43 auditores na ativa, querem novas vagas de auditores


através de novo concurso para se respeitar o princípio constitucional da acessibilidade
aos cargos públicos. Há uma carência a ser suprida na forma da Constituição e não
através do reenquadramento da Lei 67/2001. Esse é o interesse manifesto. E o interesse
latente? Não querem que os colegas fiscais que há muito realizam atribuições
semelhantes – com remuneração menor – ascendam ao mesmo nível, por nome e
função. O Fisco-SINDIFISCO, por sua vez, composto por mais de 700 fiscais na ativa,
defende a Lei e o reenquadramento baseados na idéia de que a Constituição determina
que as administrações fazendárias sejam organizadas em carreiras e que, em assim
sendo, os que já estão nos cargos extintos devem ser aproveitados. Para isso, se baseiam
também em vários precedentes ocorridos em outros estados. O interesse latente é:
querem a ascensão – e os bônus dela – sem precisar fazer novo concurso público,
mesmo que para isso se desrespeite a Constituição Federal. A idéia é dar um “jeitinho”
jurídico. Cada um, então, defendendo seu interesse. A pergunta para ambos é: o que é
melhor para a Sociedade? Simplesmente, porque o FISCO existe em razão da sociedade
e não a sociedade em razão do FISCO.

Por seu turno, o Governo – que agiu sem a devida eficiência e responsabilidade
administrativa no passado ao tornar quase indiscerníveis as funções de fiscal e auditor –
no presente, lenientemente – e usando as armas políticas do jogo – sem querer
desagradar gregos e troianos – inclusive por saber da força avassaladora do
SINDIFISCO – espera que a decisão política – decisão de executivo, ressalte-se! – seja
dada, como de fato o foi, pelo Poder Judiciário. Esse é o interesse latente do Governo. O
manifesto é dizer que “se vai respeitar a decisão do TJSE”. Ora, e esta foi a melhor
decisão? Havia outra possibilidade de decisão? Quais os interesses manifestos e latentes
das instituições que participaram do processo da ADIN? Por exemplo, a Procuradoria
Geral de Justiça deu parecer – levantando uma questão meramente formal – no sentido
de não se conhecer, isto é, nem ir a julgamento a Ação Direta de Inconstitucionalidade?
Por que isso? Há argumentação suficiente para essa preliminar ou a idéia foi ficar “em
cima do muro” e querer que o Poder Judiciário deixasse o Executivo resolver os seus
problemas? Analisaremos todas essas questões na próxima semana, apontando, também,
os interesses da sociedade que estão envolvidos em tudo isso.

(*) Mestre em Direito – UFPE.


Professor da UFS.
(ussant@ufs.br).

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