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Amor e separação: Reencontro com a alma feminina
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Ebook266 pages3 hours

Amor e separação: Reencontro com a alma feminina

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About this ebook

A partir de uma visão junguiana e da tese de doutorado da autora, o livro analisa a experiência da separação amorosa vivenciada por mulheres. Descreve, também, um trabalho realizado em grupo utilizando contos e mitos, em que as participantes puderam expressar e iniciar a cicatrização das feridas da alma, ocasionadas pela separação.
LanguagePortuguês
PublisherVetor Editora
Release dateNov 21, 2023
ISBN9786553741096
Amor e separação: Reencontro com a alma feminina

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    Amor e separação - Silvana Parisi

    O começo pelo fim

    A separação deixa marcas. Às vezes, são passageiras, leves e superficiais. Muitas duram a vida toda. São como pegadas, rastros impressos no terreno em que se pisa. Algumas se desfazem com o vento, outras são fundas, nunca se apagam. Tenho as minhas. Não fosse por elas, certamente não seria quem sou hoje e não teria me dedicado a algo que foi a base deste livro: minha tese de Doutorado.

    Há mais de 20 anos, vivi o fim do meu casamento. Hoje, acredito que esse fato me lançou em uma jornada de buscas e descobertas, não isenta de dores, desencontros e, ainda bem, alguns encontros. Uma bússola importante foi o contato com a mitologia e com toda uma literatura sobre o feminino que praticamente caía em minhas mãos – autoras como Sylvia Perera, Jean Shinoda Bolen, Esther Harding, Clarissa Estes e Marion Woodman.

    Naquela época, tive um sonho significativo. Estava com outras pessoas em uma expedição submarina em um abismo oceânico e descíamos envolvidos por tubos transparentes. Chegamos ao fundo, onde havia uma estação de pesquisa submarina. Mas o objetivo era ir ainda mais longe, ao centro da Terra, algo nunca feito anteriormente; uma missão importante e perigosa. Os tubos entravam em buracos feitos na areia do fundo do oceano. A cena seguinte já é o centro da Terra, onde não havia mais água. Era como se fosse noite, mas iluminada por uma esfera semelhante a uma enorme lua, com sua luz amarelo-prateada, tal qual uma lua nascente no horizonte. Era uma visão magnífica e impressionante. A partir daí, mergulhei em estudos sobre o feminino e comecei a trabalhar com grupos de mulheres, ministrando workshops e palestras sobre os mitos de Inana, Eros e Psiquê, Deméter e Perséfone. Foi um período de muitas experimentações e inspirações.

    A questão amorosa e a separação sempre foram temas presentes em meu processo de individuação. Todas as vezes em que tive de enfrentar rupturas ou crises amorosas, percebia depois que aquela fase vivida na ausência de Eros tinha sido extremamente rica para meu desenvolvimento e amadurecimento. Apesar da dor, ou por meio da dor de percorrer terras desoladas sem o brilho do deus do amor, alguma transformação estava em andamento. Como diz Cowan (2007, p. 176): O processo de individuação não cessa quando Eros vai embora. Apenas ocorre de outra forma.

    Os mergulhos e as descidas ao mundo sombrio podem ser criativos e transformadores se conseguirmos estabelecer uma conexão com nosso interior mais profundo: nosso self; se houver uma entrega consciente do ego ao processo, vivendo o luto pela perda até o fim e pelo tempo que for necessário; se nos deixarmos conduzir por aquelas partes dissociadas nem sempre conscientes, prestando atenção aos sinais que o self nos indica.

    Como terapeuta, testemunhei o sofrimento advindo de separações e dores de amor, tanto de mulheres como de homens. Acredito que, na atualidade, boa parte das sessões de análise se ocupe dos dissabores e conflitos na esfera amorosa, em uma era que vive a fragilidade dos vínculos e tantos desencontros, tão bem descrita por Bauman (2004), ao desvelar as ambivalências dos relacionamentos modernos a que denomina amor líquido: as pessoas querem muito se relacionar, mas, ao mesmo tempo, as relações devem ser leves e frouxas, descomplicadas.

    Nunca foi tão grande como na atualidade o número de divórcios e separações. Mas nem assim muitos casais deixam de se unir prometendo ficar juntos até a morte. Após a separação, muitas vezes formam-se novos vínculos. As relações estão mais efêmeras: a era do descartável se estendeu para o âmbito das relações amorosas. Nesse cenário, as pessoas estão muito mais expostas a situações de rompimentos de vínculos, a períodos de solidão e de novas buscas. E tudo em um ritmo acelerado.

    As mulheres que hoje estão na meia-idade assistiram às transformações socioculturais das décadas anteriores – o que lhes abriu um leque amplo de possibilidades de realização – e reformularam as relações de gênero e familiares. Entretanto, nessa fase da vida, é comum ocorrer uma crise, seja na vida profissional ou pessoal. Muitas vezes, é uma doença, a perda de uma pessoa ou de um emprego, a aposentadoria, a separação do parceiro ou dos filhos já crescidos, que marca o início dessa passagem, trazendo necessidade de revisão e busca de significado. Para muitas mulheres também surgem alguns desconfortos típicos do climatério, e começam a se anunciar os temidos sinais de envelhecimento em uma cultura como a nossa, que valoriza tanto a juventude. Além disso, não há modelos coletivos válidos que amparem a mulher a lidar com as mudanças que ocorrem nessa etapa da vida.

    Atualmente, os antigos modelos patriarcais estão sendo abandonados, pois já não atendem às necessidades coletivas de realização e ampliação de consciência, mas ainda não há uma clareza sobre quais serão as novas formas de relacionamento entre homens e mulheres. É uma época de incertezas e desafios, mas também de novas possibilidades criativas.

    Este panorama me levou a questionar quais seriam os desafios do rompimento amoroso no processo de individuação da mulher de meia-idade. O que fazer para que essa experiência possa ser transformadora? Que recursos podem ser mobilizados para facilitar a elaboração dessa perda? Em outras palavras: como ajudar as mulheres que passam por uma separação? Eram questões que eu também me fazia pessoalmente, em que estive imersa por tanto tempo e para as quais não tinha respostas prontas. Um grupo vivencial de mulheres? Minha prática com essa abordagem me indicava que estar junto de outras mulheres compartilhando experiências semelhantes poderia ser de grande ajuda, principalmente se aliado ao trabalho com recursos expressivos, como pintura, argila, relato de contos e mitos, que garantiriam a entrada no campo simbólico, configurando o que denominei espaço ritual. Um lugar protegido no qual a transformação pode ser gestada.

    Não há rituais para a separação amorosa. Geralmente, as pessoas têm de se virar sozinhas para enfrentar a mágoa e a tristeza, a sensação de fracasso, o desmoronar de planos e sonhos e tentar refazer a vida. Quando é uma separação legalizada, ainda há o momento de sentar perante um juiz e assinar uma papelada, mas em geral trata-se apenas de cumprir um protocolo formal, rápido e frio. Lembro-me de quando fui assinar meu divórcio, muito tempo atrás: em cinco minutos, os dez anos de casamento estavam oficialmente terminados e voltei a usar meu nome de solteira. Quanta mudança em apenas cinco minutos! Saí do fórum com o estômago virado, oca, uma tristeza difusa invadindo-me, uma sensação de estranheza. O divórcio foi apenas a legalização de um estado de fato, porque já estávamos separados há alguns anos. Mas isso certamente não tem nada a ver com ritual. Muitas vezes, nem há esse momento jurídico, solene, que demarca a separação. A proposta da pesquisa de Doutorado visou criar esse espaço ritual por meio de um trabalho com grupo vivencial de mulheres (PARISI, 2009). O método utilizado na pesquisa foi qualitativo. Para a coleta de dados foram realizados oito encontros de grupo com mulheres na faixa etária de 40 a 55 anos que vivenciavam uma separação amorosa. A separação podia ou não ser recente, desde que ainda representasse um fato experimentado subjetivamente de forma difícil ou dolorosa. Foram utilizados recursos expressivos variados, como pintura, argila, tecidos, técnicas de dramatização, imaginação dirigida e relato de contos e mitos. Os dados coletados foram registrados, depois organizados, e os conteúdos temáticos e o processo grupal foram analisados a partir da amplificação simbólica.

    A tese se transformou em livro. Penso também que este livro é fruto de minha longa trajetória com grupos de mulheres e uma tentativa de organizar e refletir mais profundamente sobre a perda amorosa em meu próprio percurso.

    No ano em que defendi a tese, veio para o Brasil a exposição da artista francesa Sophie Calle, Prenez soin de vous, ou Cuide de você. A artista recebera uma carta (na verdade, um e-mail) de seu namorado rompendo o relacionamento que terminava com esta frase: cuide de você. Para lidar com o rompimento, Sophie pediu a mais de 100 mulheres que analisassem o conteúdo da carta a partir de suas perspectivas profissionais: advogadas, jornalistas, linguistas, juízas, atrizes, tradutoras e bailarinas escreveram, comentaram, dançaram e cantaram suas interpretações do texto da carta. Responderam e compreenderam a carta por ela. A exposição atravessou as fronteiras entre o público e o privado: foi a maneira que ela encontrou de cuidar de si mesma, ouvindo outras mulheres e transformando o fim de um romance em arte. A exposição também convidava o público a responder à carta. Meu trabalho também foi uma forma de dialogar com o rompimento, dar uma resposta a Sophie: de forma semelhante, as mulheres do grupo compartilharam suas histórias e expressaram plástica ou verbalmente suas emoções. Assim como a artista, espero que este livro possa dialogar com outras mulheres que viveram o fim de seus relacionamentos.

    Amor e separação: reencontro com a alma feminina fala da perda amorosa e de sua dor. Dá voz à experiência da separação vivida por mulheres de meia-idade. Fala de mágoas e tristezas. Mas também fala da busca de cicatrização dessas feridas. De fins e recomeços. Descreve um trabalho em grupo que funcionou como vaso alquímico de transformação, no qual a diversidade de experiências pôde ser expressa e acolhida. Mesmo sendo apenas oito encontros grupais, foi possível observar o início de um processo de transformação e ampliação de consciência em andamento.

    Esse trabalho com grupos de mulheres também pretende contribuir com os terapeutas interessados em trabalhos grupais a partir de uma perspectiva junguiana, uma vez que o trabalho em grupo nesse enfoque sempre gerou controvérsias, e ainda há pouca literatura envolvendo abordagem grupal na psicologia analítica.

    Embora este livro seja voltado para a experiência da mulher na separação amorosa, parte do que escrevi vale igualmente para o gênero masculino, dada a universalidade da questão amorosa na existência humana. Um colega terapeuta certa vez me perguntou como seria realizar esse trabalho em grupo com homens. Acredito que, embora muitas questões sejam similares, haveria especificidades no manejo, as quais envolveriam adaptações. Passo o bastão para um momento futuro ou colegas que se interessem em aprofundar e desenvolver o tema.

    Seria tarefa impossível agradecer a todos os que ajudaram na construção deste trabalho. Mas não posso deixar de citar algumas pessoas. Sou especialmente grata às mulheres que partilharam tão generosamente seu tempo e suas histórias, cujas experiências viabilizaram minha pesquisa e enriqueceram este livro. Também agradeço de coração a todas as mulheres e alunas que, por breves ou longos períodos, participaram dos inúmeros grupos que coordenei e com quem tanto aprendi sobre a natureza feminina.

    Devo minha profunda gratidão a Maria Julia Kovács, querida orientadora do Mestrado e do Doutorado por sua disponibilidade, cuidado e atenção, sempre me incentivando e acreditando em meu trabalho. Pelas valiosas sugestões, agradeço aos membros da banca examinadora Noely Moraes, Maria Luisa Schmidt e, em especial, a Durval Faria e Laura Villares de Freitas, que desde o exame de qualificação contribuíram muito com suas opiniões e estímulo.

    Sou extremamente grata a Jette Bonaventure, pela acolhida carinhosa de tantos anos, e a Victor Pierre Stirnimann, pelo apoio e pelas ideias inspiradas. Em especial, minha gratidão ao inesquecível mestre Pethö Sándor, que me iniciou em Jung e em tantos outros conhecimentos.

    À amiga querida Eliana Magalhães sou mais do que grata. Pela leitura meticulosa e sensível de meus rascunhos e esboços, pelas ideias inspiradoras e longos papos, muito obrigada. Agradeço também às amigas Elvira Garrido e Ligia Miranda Azevedo, que leram a tese, opinaram e me incentivaram a escrever.

    Agradeço aos colaboradores da pesquisa, Patrícia Costa e Fernanda Balthazar, pela ajuda nas gravações, fotos e anotações, e a Milson dos Santos Evaristo Junior e Miriam Silva, pelo auxílio na transcrição das fitas. Sou especialmente grata a Maria Carolina Scoz, por sua generosa revisão e pelas preciosas sugestões.

    Nos bastidores deste trabalho, sempre esteve meu querido companheiro Luiz Henrique Pitombo. A ele, meu agradecimento pelo apoio, paciência, encorajamento, revisões, tratamento das imagens e, principalmente, por sua amorosa presença em minha vida. Também sou grata a minha família e a meus filhos, Diana e Felipe, que sempre apoiaram meus esforços.

    Quero agradecer, ainda, a todas as mulheres desbravadoras na arte, na literatura e em todas as áreas do conhecimento que inspiraram e abriram caminho para tantas outras.

    Dividi o livro em três partes. Na primeira, Amor e separação, introduzo o leitor no tema, apresentando os desafios da mulher na atualidade, abordando o relacionamento amoroso e algumas visões sobre a separação e o luto pela perda. Na segunda parte, são apresentadas reflexões sobre as perdas e feridas ocorridas com a separação, tomando como base os depoimentos das mulheres do grupo da pesquisa. Cicatrização, a terceira parte do livro, traz o processo vivido pelo grupo, descrevendo e analisando vivências significativas. No último capítulo, Reencontro, apresento algumas reflexões sobre minha experiência neste trabalho três anos após o término do grupo.

    PARTE 1 – Amor e separação

    Eros com certeza não está morto. [...] ele foi condenado a perambular pelas ruas numa infindável e eternamente vã procura de abrigo. Eros agora pode ser encontrado em toda parte, mas não permanecerá por muito tempo em lugar nenhum. Ele não tem endereço fixo: se você quiser encontrá-lo, escreva para a posta restante e mantenha a

    esperança. (ZYGMUNT BAUMAN, 2004, p.57).

    1. Os desafios da mulher na atualidade

    Se este livro fosse escrito há um século, dificilmente seria publicado ou, então, ficaria perdido e empoeirado em alguma biblioteca, tendo como única companhia as traças. Por que falar de separação em uma época em que, para as mulheres casadas, o divórcio era impensável ou que, nos raros casos em que ocorria, representava uma tragédia ou no mínimo um escândalo? Mesmo que as dores do amor sejam universais e os relacionamentos amorosos, em geral, apresentem conflitos e algum sofrimento, a regra era permanecer juntos, ainda que o casamento já estivesse terminado e fosse apenas uma fachada que podia abrigar sentimentos de raiva, mágoa e infelicidade ou simplesmente conformismo e acomodação.

    A emancipação das mulheres mudou esse cenário, pelo menos no mundo ocidental. As mulheres hoje vivem uma situação inédita em termos históricos, sociais e psicológicos: entraram definitivamente no mercado de trabalho, saíram do âmbito doméstico, adquiriram o direito sobre seus corpos e ganharam o espaço externo.

    Há apenas 100 anos, a identidade feminina estava quase exclusivamente vinculada às funções da maternidade, mas no decorrer do último século muitos objetivos femininos mudaram. Novos papéis se tornaram possíveis para a mulher, uma nova participação cultural e social se abriu para além das fronteiras do lar. Entretanto, essas mesmas conquistas geraram uma série de consequências e conflitos não só para a mulher, mas também para a sociedade de forma geral, exigindo novas adaptações e mudanças. A configuração familiar foi diretamente afetada, com a mulher mais ausente da casa e dividindo a responsabilidade de prover e cuidar dos filhos com o marido. Ou, na ausência deste, sendo única provedora e sobrecarregando-se com dupla ou tripla jornada.

    As mulheres de hoje casam-se e têm filhos mais tarde, algumas permanecem solteiras e se dedicam exclusivamente à vida profissional. Podem escolher seus parceiros, ter ou não filhos, dedicar-se a uma carreira. São mudanças que despertaram inúmeras questões no âmbito das relações de gênero, dos papéis sexuais e familiares e que trouxeram algumas ambiguidades no âmbito psicológico. A mulher, muitas vezes, se vê prensada entre o modelo anterior e o atual, esforçando-se arduamente para ser uma supermulher, mas profundamente exaurida afetivamente. Segundo Paiva (1989), as mulheres de hoje devem cumprir todas as tarefas antes desempenhadas apenas pelos homens e, ainda, manter todas as suas velhas atribuições e a mesma feminilidade que lhes foi historicamente atribuída. A imagem vendida pela mídia é de mulheres independentes, eficientes, bem-sucedidas profissionalmente, sexualmente resolvidas, e ainda bonitas, atraentes e sempre jovens. Ao mesmo tempo, espera-se que sejam mães atenciosas e esposas amorosas. Este é o modelo de mulher moderna, o papel esperado a ser bem desempenhado, sua nova persona. Como aponta Moraes (2000), a mulher contemporânea percebe que tem maiores oportunidades de se desenvolver, com uma ativa participação econômica, social e política. Mas, complementa, isso tem seu preço, pois, se aumentaram as fontes de satisfação, também cresceram as chances de frustração. O quadro é ainda mais complicado para a mulher mais velha. Ela pode ter de enfrentar as decepções de um casamento terminado, a necessidade de encontrar um novo sentido e realização em sua vida profissional ou a saída de casa dos filhos já crescidos. Ou, pior, tudo isso ao mesmo tempo, o que não é incomum. Na atualidade, observa-se uma tendência para prolongar a juventude e manter a aparência, a vitalidade e a produtividade no ritmo de sempre ou até mais. A entrada na menopausa também pode desestabilizar a mulher. Em nossa sociedade, a juventude é tão valorizada que é comum a mulher, a partir dos 40 ou 50 anos se sentir uma carta fora do baralho: se estiver sozinha, ela pode se dar conta de que suas perspectivas no mercado amoroso diminuíram, o que costuma representar um golpe para sua autoestima.

    Whitmont (1991) afirma que a feminilidade não pode mais ser limitada à receptividade, à passividade e à função maternal. Essa afirmação traduz o pensamento de toda uma geração de pós-junguianos que fizeram uma revisão sobre o feminino e as mulheres à luz das transformações culturais pós-feminismo e da análise do inconsciente de homens e mulheres de hoje. Destacam-se nesse sentido os estudos (BOLEN, 1990; DOWNING, 1987; PERERA, 1985, entre outros) de arquétipos femininos, imagens mitológicas que apresentam um espectro amplo de possibilidades femininas além do padrão de mãe, filha ou esposa, por exemplo, as deusas virgens Ártemis e Atena, que são imagens mais independentes do feminino.

    É importante ponderar, como fez Guggenbhul-Craig (1980), que cada época histórica tem seus arquétipos dominantes femininos e masculinos, e que o comportamento é determinado pelos padrões predominantes naquele momento na psique coletiva. Hoje, assistimos a um emergir de possibilidades arquetípicas abertas para a mulher que não havia apenas um século atrás. Muitos junguianos (WOODMAN, 1994; WHITMONT, 1994; ZWEIG, 1994) hoje falam de um feminino consciente, uma nova feminilidade que está surgindo na consciência coletiva e que está permitindo o resgate de aspectos do feminino[1] que estiveram à margem, na sombra da cultura patriarcal dominante durante séculos ou milênios.

    Uma imagem inspiradora

    O mito de Inana, deusa suméria de mais de 5 mil anos, apresenta uma bela e elucidativa imagem desse processo. Ele relata a descida dessa deusa ao mundo inferior, que é regido pela deusa da morte, Ereshkigal. No mundo dos mortos, Inana é despida de suas vestes a cada portão, e conduzida à presença de Ereshkigal, que a mata com seu olhar aniquilador. Inana é pendurada em um poste e, depois de três dias, é resgatada à vida e retorna ao mundo superior. É um mito que trata de um processo de iniciação cujo simbolismo central é a vivência simbólica de morte e renascimento. Perera (1985) relaciona o mito a uma redenção do feminino que foi despotencializado pelo patriarcado[2] tanto

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