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E
eu ganhei sempre"
O que faz com que equipas de futebol com muito dinheiro não vençam e outras,
com menos recursos, coleccionem títulos? Uma lição de gestão dos recursos pelo
melhor treinador português de sempre
http://aeiou.expresso.pt/jose-mourinho-o-meu-modo-de-afirmacao-e-so-um-ganhar-e-eu-ganhei-
sempre=f555786
Diz que se sente português sempre, mas que não pensa como português. E que
não é pelo sobretudo, nem pela barba de três dias, nem pela linguagem
provocatória que se distingue. José Mourinho, o treinador português que faz
questão de sublinhar que é bem mais difícil ganhar um campeonato em três países
diferentes do que cinco no mesmo país, garante que se é especial é porque ganha -
e não por qualquer outra razão. "Se não ganhasse, de especial não tinha nada."
Quanto à selecção portuguesa, é um sonho cada vez mais adiado, porque o
trabalho dos clubes é muito mais aliciante. E diz que não vê diminuir mas sim
aumentar, esse fogo de ganhar, ganhar sempre. Por isso, quando se pergunta qual
é o seu próximo grande objectivo - ser bicampeão em Itália pelo Inter, vencer a
Champions -, responde apenas: "O meu objectivo é ganhar no próximo sábado."
Quanto à escolha do melhor treinador da década, não tem qualquer dúvida: "Eu!"
Qual o futebol que mais o entusiasma dos países por onde já passou?
Entusiasmam-me todos. E por me entusiasmarem é que não tenho sido aquele que
opta pelas coisas fáceis, pela estabilidade, por ficar no mesmo clube, no mesmo
país, durante muito tempo, aquele que quer novos títulos em vez de repetir títulos.
Todos os campeonatos têm os seus aliciantes. Itália é o mais táctico. Itália é aquele
que exige ao treinador que seja mais bem preparado do ponto de vista táctico. O
campeonato inglês é muito mais emocional, pois os jogos, para o leigo, têm uma
emotividade e uma espectacularidade muito maior. Mas continuo a pensar que as
equipas inglesas a jogar no campeonato italiano iriam ter grandes dificuldades ao
nível da táctica, do mesmo modo que as equipas italianas a jogar no campeonato
inglês teriam dificuldades ao nível da intensidade e da velocidade do jogo. O
campeonato espanhol tem uma equipa que sai do contexto geral, que é o
Barcelona, porque tem um nível de qualidade muito superior. Mas todas as outras
jogam uma mescla de futebol. Têm uma influência sul-americana, porque há
muitos brasileiros e muitos argentinos que vão jogar para Espanha. Tem a ver com
a própria natureza do jogador espanhol, que é um jogador técnico, com a natureza
do futebol espanhol, que é leal mas com alguma agressividade. No fundo, todos os
campeonatos têm uma cultura própria. E agora, com tanta influência de jogadores
estrangeiros, é muito difícil definir um perfil muito estandardizado.
Assistiu à final da CAN. O futebol africano pode vir a ganhar uma grande
competição no futuro?
Sempre houve muitos jogadores africanos a jogar nos principais campeonatos
europeus. Mas não sei se erro se disser que fui um dos primeiros a decidir que os
jogadores africanos têm qualidade para jogar nos grandes clubes. Quantos
jogadores africanos é que jogavam nos grandes clubes? Poucos. E de repente o
Chelsea avança para duas contratações milionárias na altura, Essien e Drogba, que
provaram a todos que os jogadores africanos tinham competência para jogar ao
mais alto nível. E depois o Barcelona contratou o Touré, o Real Madrid o Diarra, o
Arsenal o Adebayor, de tal modo que em poucos anos se chegou à CAN, e os
jogadores que a jogam, em vez de serem desconhecidos ou pouco conhecidos,
passaram a ser jogadores de grandes clubes, do Chelsea, do Manchester, do
Liverpool, do Real Madrid... E estes jogadores, depois de terem aberto as portas
para o êxodo massivo dos africanos para jogar na Europa, é que trazem para África
este capital de conhecimento ao mais alto nível. Por isso, as potencialidades do
futebol africano vão ser cada vez maiores. São jogadores do primeiro nível nas suas
selecções, que importam para as suas selecções coisas que aprendem e
experiências vividas. Os jogadores africanos são, do ponto de vista físico e técnico,
superdotados. Sobretudo do ponto de vista físico são mais dotados que o
tradicional jogador europeu ou mesmo o sul-americano. Com o conhecimento e a
cultura táctica que vão adquirindo nos grandes clubes onde jogam, têm tudo, e,
desde que os seus países se consigam estruturar em termos de condições de
trabalho e de sucesso, os africanos vão estar preparados dentro de pouco tempo.
A sua relação com outros treinadores tem passado por conflitos. Isso
também é um modo de afirmação?
No futebol só há uma forma de as pessoas se afirmarem: é ganharem. No futebol,
ninguém se afirma nem pelo sobretudo que tem, nem pela barba grande, nem pelo
cabelo grande, nem por falar bem, nem por falar línguas... No futebol, uma pessoa
só se afirma pelos resultados. O meu modo de afirmação é só um: ganhar. E eu
ganhei sempre.
Qual foi o melhor capitão que teve nas equipas que liderou?
Todos. Ganhei sempre. Ganhei no Leiria com o Bilro como capitão, porque estar no
Leiria em terceiro ou quarto lugar em Dezembro foi ganhar. Ganhei no Porto com o
Jorge Costa como capitão. Ganhei no Chelsea com o John Terry como capitão.
Ganhei no Inter com o Zanetti como capitão. Não tenho um único capitão perdedor,
um único capitão duma equipa que não ganhou.
E a nível de dirigentes?
É a mesma coisa. Ganhámos sempre. E, quando se ganha sempre, quando há
sempre sucesso, guarda-se as melhores recordações das pessoas com quem se
trabalhou e com quem se ganhou. Aqui somos os campeões de Itália, no Chelsea
ganhámos o que ganhámos, no Porto a mesma coisa, no Leiria não houve títulos,
mas cada vitória era um título. O que acaba por ser mais marcante, até porque
estava numa fase inicial da minha carreira, foram os meus dois anos e meio no
Porto.
Nesta década, qual foi o melhor guarda-redes que conheceu?
O melhor guarda-redes que conheci foi o Vítor Baía. Na última década talvez não,
porque já não joga há dois ou três anos, já era suplente do Helton na última época.
Mas não vejo nenhum melhor que ele. Aqui, temos tido sempre guarda-redes de
qualidade, aliada à qualidade do treinador deles, o Silvino: o Vítor foi eleito
connosco o melhor guarda-redes da Europa, o Peter Cech também, o Júlio César foi
eleito no ano passado o melhor guarda-redes de Itália num campeonato onde joga
o Buffon... Melhores que estes não recordo muitos…
O melhor defesa?
O melhor defesa, por potencial e considerando qualidades físicas, tácticas e
técnicas, é o John Terry. Acho que é o melhor de todos. Mas o Jorge Costa foi meu
capitão. Deu-me muito. E ganhámos muito. Sendo um jogador menos dotado -
Deus deu-lhe menos do que deu a John Terry -, era daqueles defesas insuperáveis.
No meio-campo?
No meio-campo, também com um potencial inferior a tantos daqueles de que fui
treinador, há um que não me esqueço, porque era o meu ponto de equilíbrio, a
minha referência, o meu pêndulo: o Costinha, que ainda por cima marcou um golo
histórico para todos, que nos deixou às portas de conseguir coisas importantes.
Mas Frank Lampard é um jogador do outro mundo. O número de golos que marca
como jogador do meio-campo, o número de jogos que efectua sem lesões, sem
castigos, a regularidade, mas a regularidade para cima, faz dele um jogador
impressionante.
E melhor avançado?
Melhor avançado, melhor avançado... Tive sempre avançados importantes. Escolho
um que não é o melhor pelo potencial, mas escolho um: Derlei. Fez coisas no Leiria
que nos projectaram para o Porto. E fez coisas no Porto absolutamente incríveis,
desde o golo que nos deu a vitória na Taça UEFA, que eu continuo a dizer que é a
vitória mais importante da minha carreira, até à maneira como conseguiu recuperar
de uma lesão gravíssima ainda a tempo de jogar as meias-finais e a final da
Champions, à maneira como motivava e arrastava companheiros em campo... Claro
que Deus lhe deu menos do que deu ao Drogba, inclusive ao Benny McCarthy...
Mas, para mim, Derlei é o avançado mais marcante da minha carreira. E não estou
a meter o Inter em nada disto, para não ferir susceptibilidades.
E o melhor treinador?
Eu!