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Mulher misteriosa
livros Abril
Título original: "The Lioness and the Lily"
Copyright: (c) Cartland Promotions 1981
Tradução: Rachel Shwartz
Copyright para a língua portuguesa: 1985 Abril S. A. Cultural - São Paulo
Esta obra foi composta na Linoart Ltda. e impressa na Editora Parma Ltda.
CAPÍTULO I
1841
Completamente absorto nos próprios pensamentos, o conde de Rockbrook
cruzou os pesados portões que levavam à enorme mansão georgiana,
pertencente a sua família desde os tempos do rei Charles II.
Cavalgou entre as árvores seculares que ladeavam o caminho, sem tomar
conhecimento da beleza da vegetação ao seu redor, e parou, quase que por
instinto, ao lado dos degraus que conduziam à porta de entrada, com seus
majestosos pilares.
A criadagem, em cujos uniformes se destacavam os botões com o brasão da
família, logo percebeu que o novo senhor de Rockbrook não estava em seu
melhor humor.
Todos ainda sentiam-se inseguros e inquietos diante da reviravolta dos
acontecimentos e temiam pela própria sorte.
Como era natural, haviam sempre imaginado que com a morte do antigo conde
seu único filho seria o herdeiro do título e de suas propriedades;
hipótese que ainda assim lhes parecia muito longínqua, uma vez que o
conde
gozava de excelente saúde.
Não contavam porém que ambos, o conde e seu filho, o visconde, morressem
tragicamente durante uma viagem, num acidente de trem, meio de transporte
considerado por muitos altamente perigoso. Dessa maneira, o Condado
acabara, inesperadamente, passando para as mãos de um sobrinho que jamais
sonhara herdá-lo.
O novo conde estava com trinta e dois anos e até então vivera
a, árdua vida de um soldado de modestos recursos. Sem dúvida, a
grandeza de sua herança o surpreendera e encantara.
Precisava agora tratar de se habituar não só ao título e a suas
propriedades, como também a sua nova posição na corte.
A bem da verdade, o protocolo a ser observado no palácio de Buckingham e
no castelo de Windsor não era novidade alguma para ele.
No último ano servira como ajudante-de-ordens ao general de seu regimento
que, por ser um dos prediletos da rainha Vitória, frequentemente estava
nos palácios reais, e insistia em levá-lo na sua companhia, sob a
alegação:
- Você está comigo há bastante tempo e me conhece o suficiente, Brook,
para não me fazer um monte de perguntas estúpidas. Por isso, sempre que
eu tiver de ir ao castelo de Windsor, você vai comigo!
Para um jovem oficial, essas palavras não deixavam de ser lisonjeiras.
Tinha, porém, plena consciência de que seus companheiros sentiam-se
enciumados e queixavam-se de favoritismo, apesar de o general ser
intransigente e nada do que dissessem o faria alterar uma decisão.
Agora enxergava claramente que o que lhe parecera um doce interlúdio em
sua vida no exército não passara de uma grande ilusão.
Atravessou o grande hall de mármore, com suas estátuas de deuses e deusas
gregos em pequenos nichos, e entrou na magnífica biblioteca, local
preferido pelo tio sempre que estava sozinho, ou quando não havia damas
nas reuniões.
Futuramente, escolheria uma sala menor, mais confortável e acolhedora
para descansar.
Por enquanto o melhor era manter tudo exatamente como sempre havia sido.
Quando estivesse preparado para assumir sua autoridade, modificaria
algumas coisas a seu gosto.
O estranho é que, em vez de sentir-se vibrando por se saber
dono de tantas preciosidades, dos quadros que ornamentavam os corredores,
dos livros que cobriam de alto a baixo as paredes da biblioteca, sentia-
se sombrio e angustiado.
Desde criança, quando frequentemente se hospedava ali com os pais,
considerava Rock o lugar mais bonito do mundo.
Quando servira na índia, chegara a sonhar com a água fresca do lago em
que sempre se banhara e com a sombra das árvores onde, invariavelmente,
um pequeno veado estava deitado, fugindo à sua aproximação.
Conservava nítidas na memória as lembranças das brincadeiras infantis, do
esconde-esconde pelos corredores e recantos repletos de incontáveis
relíquias do passado. Lembrava-se ainda da aflição que tivera num dia em
que as travessuras estavam passando dos limites. O mordomo o havia
colocado de castigo no porão. O piso frio e o fechar da porta pesada
haviam lhe causado a impressão de estar num túmulo. Ainda ficava
arrepiado ao lembrar.
E eis que, inesperadamente, acontecera o que jamais sonhara. Era o senhor
de Rock.
Ao receber a notícia da trágica morte do tio e do primo tivera a sensação
de ter levado um golpe na cabeça.
Somente depois dos funerais, quando parentes que nunca lhe haviam dado
atenção curvaram-se diante dele e foi cumprimentado pelas mais
respeitáveis autoridades do Condado, é que percebeu a diferença entre
fazer parte de uma família importante e ser o chefe dela.
Depois de passar toda a noite anterior acordado, não o abandonava a
sensação de estar à beira de um abismo, prestes a ser empurrado para ele.
E tudo por causa do que considerara uma inofensiva aventura
masculina...
Logo depois do Natal, o general fora convidado para se hospedar no
castelo de Windsor e, como sempre, ordenara-lhe:
- Você irá comigo!
Apesar de o castelo ser muito frio no inverno e a maioria dos hóspedes
ilustres reclamarem da falta de conforto, ele, o modesto capitão Lytton
Brook, aceitara a ordem com prazer.
- Não vamos ficar muito - bradara o general -, só quero ver se o príncipe
consorte fez alguns melhoramentos no castelo.
- Há muito a fazer, sir - ousara replicar, e o general concordara com um
gesto impaciente.
Os visitantes do castelo de Windsor e das outras residências reais logo
puderam notar que não somente os quartos eram tremendamente frios, como
também todo o serviço da residência era extremamente mal organizado.
Frequentemente não havia sequer criados para indicar aos hóspedes onde
ficavam seus aposentos. Não raro era quase impossível para um recém-
chegado encontrar o caminho para o quarto, ao término de um jantar.
O conde ouvira dizer que numa ocasião o Ministro do Exterior da França
passara quase uma hora vagando pelos corredores do castelo, tentando em
vão identificar seu quarto.
Finalmente, quando julgou ter encontrado a porta certa, abriu-a e
deparou-se com a rainha, cuja camareira estava escovando-lhe os cabelos
antes de deitar.
Um outro convidado, amigo pessoal do conde, contara-lhe que, desesperado,
desistira de procurar seu quarto:
- Fui dormir num dos sofás do salão. Quando a criada me encontrou na
manhã seguinte, achou que eu estava bêbado ed foi buscar um guarda! "m
O conde achara muita graça e contara o caso ao general, que por sua vez,
contara-lhe a história do lorde Palmerston, conhecido, por razões
óbvias,
como "cupido".
Procurava o referido lorde o quarto de uma dama muitíssimo atraente e
acabara entrando no aposento errado, cuja ocupante ao vê-lo pusera-se a
gritar por socorro, tomando-o por um raptor!
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O comentário agora era de que, com a ajuda do barão de Stockmar, o
príncipe consorte tomara para si a árdua tarefa de colocar em ordem e
decência a moradia da rainha.
Lamentavelmente, no que dizia respeito ao conde, a intenção era um pouco
tardia.
Em sua última visita, ele fora deitar-se depois de usufruir não só de um
jantar memorável, regado a excelentes vinhos, como também de um agradável
baile, muito mais animado do que as conversações arrastadas que
tradicionalmente seguiam-se aos jantares.
Havia acabado de ler um jornal e estava quase apagando as velas ao lado
de sua cama quando a porta se abrira e, para seu espanto, entrara lady
Louise Welwyn, vestindo um négligé branco.
Por uma fração de segundo, o conde tivera a nítida impressão de estar
vendo um fantasma.
Em seguida, porém, ela aproximara-se da cama, com um sorriso sensual e um
brilho malicioso no olhar, e ele compreendera então que era verdade tudo
o que ouvira a respeito dela.
Segundo seus colegas do exército, ela era da mesma categoria de lady
Augusta Somerset, a filha mais velha do duque de Beaufort, que havia sido
avisado do mau comportamento da filha, "sempre pronta a fazer tudo o que
lhe passasse pela cabeça, sem medir as consequências".
Os rumores de que o príncipe George de Cambridge, homem dado a flertes,
embora meio tímido, a havia engravidado foram um verdadeiro escândalo.
Mais tarde ficou provado que a notícia era falsa, mas enquanto as línguas
se ocupavam dos falatórios, reforçando o dito popular de que "não há
fumaça sem fogo", lady Augusta saiu do cenário e lady Louise tomou o seu
lugar.
Louise era extremamente bonita e o conde não seria humano se não
aceitasse aquele verdadeiro "presente dos deuses", ou melhor, tudo o que
ela estava disposta a lhe oferecer.
Ainda mais numa noite fria como aquela e numa cama desprovida de
cobertores, como recusar o calor de um corpo jovem e sensual?
Na verdade, o conde surpreendera-se com o calor que lady Louise trouxera
ao seu leito.
Ele havia tido muitos amores em sua vida, nenhum sério ou duradouro.
Não que sua natureza fosse excepcionalmente volúvel, mas suas obrigações
para com o exército dificultavam um relacionamento mais prolongado.
Certamente não fora ao castelo de Windsor com a ideia de ter um caso
amoroso.
Dançara duas vezes com lady Louise durante o baile e, apesar de achá-la
atraente, considerara a conversa de uma outra dama de companhia da rainha
muito mais interessante.
Obviamente, ela não sentira o mesmo em relação a ele.
- Queria lhe dizer para vir ao meu encontro - ela disse francamente -,
mas receei que me ouvissem. Por isso achei mais fácil descobrir o caminho
até aqui.
Recordando todos os casos que haviam lhe contado, o conde a julgara
aventureira e corajosa demais, mesmo para quem está em busca de um
parceiro amoroso.
Ele permanecera no castelo por três noites, tendo sido visitado por lady
Louise durante todas elas. Mesmo que, no dia seguinte, estivesse se
sentindo meio exausto, consolava-o o pensamento de que valera a pena.
Na última noite, porém, despedira-se dela, sem a menor dor no coração.
- Obrigado - dissera-lhe com um sorriso provocante por ter feito desta a
visita mais encantadora que já fiz à residência real.
Ela não respondera, mas puxara a cabeça dele para perto
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dos lábios e seus beijos, sensuais e exigentes, excitaram-no uma vez
mais.
De volta ao quartel, um pensamento que lhe ocorrera fora o de que uma das
mais urgentes providências que o príncipe consorte precisava tomar era a
de tirar jovens como lady Louise e lady Augusta do serviço de atendimento
à rainha.
O conde achara a rainha deveras encantadora, exatamente o tipo de mulher
que todo homem gostaria de ter.
Gostara do jeito perdidamente apaixonado com que olhava para o marido
alemão. Ela era muito jovem, sincera e parecia visivelmente ansiosa por
agradar a todos os seus súditos.
A atmosfera na corte, desde o casamento deles, tornara-se calma e digna,
com um respeito às formalidades que qualquer cidadão gostaria de ter na
própria casa.
Apesar de que em Londres abundavam lugares de divertimentos masculinos,
para todos os gostos, a questão era bem diferente quando se tratava da
vida familiar.
Analisando a situação com honestidade, o conde concluíra ter ficado
chocado com o comportamento de lady Louise não tanto por ela ser
promíscua, ou por oferecer-se com uma paixão selvagem, mas por ter
acontecido sob o teto do lar santificado da rainha.
Mais uma vez reafirmara a si mesmo que estava certo em julgar que
mulheres de moral duvidosa, quaisquer que fossem suas procedências,
deviam ser impedidas de conviver com senhoras respeitáveis.
Confortava-o o pensamento de que tanto ele quanto lady Louise tinham
consciência de que o que acontecera entre eles não passava de uma
aventura passageira.
Ela não fizera qualquer menção de que pudessem se encontrar novamente e
ele, com todas as responsabilidades que tinha à sua frente, sabia que
logo sequer se lembraria dela.
O episódio, sem dúvida, estava acabado de seu ponto de vista,
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embora admitisse que em muito contribuíra para tornar bem mais
excitante sua visita ao castelo de Windsor.
Eis que, repentinamente, no dia anterior uma verdadeira bomba parecia tê-
lo atingido.
O conde fora convidado para participar de um jantar semioficial no
palácio de Buckingham, um dos muitos eventos antecipando a temporada de
recepções, visitas, bailes e aparições públicas do monarca.
Tivera uma sensação estranha ao ser convidado como conde de Rockbrook e
não mais como um simples oficial a serviço do general, sensação essa que
se afirmou quando seu nome fora solenemente anunciado no imponente salão
do palácio.
A rainha cumprimentara-o gentilmente, com o sorriso especial que
reservava para homens atraentes.
Ele, por sua vez, fizera uma mesura ao ser apresentado a ela, estendendo-
lhe a mão direita e curvando-se, reverentemente, para roçar os lábios na
mão que a rainha, por sua vez, dera a ele.
Ao levantar-se, o conde mais uma vez curvou-se, discretamente, diante de
Sua Alteza, depois para o príncipe Albert, afastando-se à procura de um
rosto familiar.
Dessa vez, mais do que nunca, impressionou-o o colorido do enorme salão,
redecorado por George IV, por onde circulavam as damas com suas jóias
cheias de brilho e os cavalheiros envergando uniformes ou trajes da
corte, com casacos cor de vinho, culotes, meias brancas, sapatos pretos
afivelados e uma espada à cintura.
Ficara satisfeito ao reconhecer entre os convivas o primeiroministro, sir
Robert Peei, de quem gostava e admirava muito.
Sir Robert podia ser um tanto drástico em certas ocasiões e, sem dúvida,
era muito diferente de seu predecessor, lorde Melbourne, um homem muito
amável e atraente.
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O conde aproximara-se dele e os dois mantiveram uma acalorada discussão
política até a hora em que o jantar fora anunciado.
Ele não pudera deixar de notar que tanto a comida quanto o serviço haviam
melhorado consideravelmente desde que o príncipe consorte assumira
pessoalmente a administração. Observando-o sentado à cabeceira da mesa,
do lado oposto ao da rainha, percebia-se sua firme intenção de levar
avante a gigantesca tarefa a que se propusera, embora ainda tivesse muito
a fazer.
Era notório que enquanto o povo aceitara o príncipe sem restrições,
mostrando entusiasmo toda vez que ele aparecia em público, as classes
mais altas lhe permaneciam indiferentes, e toda a família real, então,
lhe era ainda abertamente antagónica.
"O que será que o faz tão impopular?", o conde perguntara a si mesmo.
Achava estranho que todos os predicados do príncipe - sua prudência, sua
astúcia, seu talento como caçador, músico, cantor - provocassem antipatia
e ciúmes em vez de admiração.
A verdade, o conde entendia bem, é que, por mais que o príncipe consorte
se esforçasse por parecer britânico, ele era irremediavelmente e, às
vezes, arrogantemente germânico.
Subitamente, apoderara-se dele um sentimento de solidariedade e
comiseração por aquele homem, que estava distante de sua pátria, de tudo
o que lhe era familiar e tendo que assumir um papel que não devia ser
nada agradável para qualquer um: o de ter papel secundário ao da mulher,
mesmo se tratando da rainha da Inglaterra.
"Qualquer casamento deve ser uma droga numa circunstância dessa!",
concluíra o conde.
Uma vez mais sentira-se confortado de não ter se casado. A vida de
solteiro tinha todas as vantagens que um homem inteligente pudesse
desejar.
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"Um dia vou precisar ter um filho...", pensou meio nostálgico, lembrando-
se de que agora cabia a ele a responsabilidade da continuidade da
família. Entretanto, aos trinta e dois anos ainda tinha tempo pela
frente. Não havia razão para pressa.
Quando a rainha e o príncipe consorte retiraram-se, todos foram se
despedindo e deixando o palácio.
Depois de trocar uma última palavra com o primeiro-ministro, o conde
dirigia-se à porta quando fora abordado pela duquesa de Torrington.
A figura daquela mulher era qualquer coisa de extraordinária. Usava uma
exuberante tiara na cabeça, uma verdadeira cascata de pérolas sobre o
amplo decote do vestido, que por sinal era bem mais curto do que
recomendava o costume.
- Estava para lhe escrever, milorde - dissera-lhe, bastante formal. -
Esse encontro facilita as coisas.
O conde inclinara a cabeça, antecipando que receberia um convite. No
mesmo instante, ocorrera-lhe que a duquesa era a mãe de lady Louise.
- Podemos contar com sua presença no castelo de Torrington, na próxima
quarta-feira? - ela lhe havia perguntado.
O conde ia abrir a boca para dizer que lamentava já ter assumido outro
compromisso quando a duquesa acrescentou:
- Pelo que minha filha Louise me disse, sei que tem uma razão especial
para querer conversar com meu marido.
Dera um sorriso compreensivo ao conde e prosseguira:
- Ele também está ansioso para vê-lo, meu caro lorde Rockbrook, e
permita-me dizer-lhe que o senhor já me fez ficar muito, muito feliz.
Batera de leve com o leque no braço do conde e afastara-se, deixando-o
perplexo.
Por um momento parecera-lhe não ter entendido bem o que ela tentara lhe
dizer. Compreendera, em seguida, que não havia
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engano algum. Ela fora bem clara e ele não via como poderia se safar
daquela situação.
O duque de Torrington era muito importante nos círculos da corte, e a
duquesa havia herdado o posto de dama de honra da rainha. Se haviam
decidido, ou melhor, se Louise havia decidido que ele era um genro
aceitável, não havia outra coisa a dizer ou a fazer a não ser torná-la
sua esposa.
A ideia apavorava o conde. Por mais que aquela mulher o excitasse
fisicamente, não conseguia amá-la e ela absolutamente não era o tipo de
esposa que imaginara para compartilhar de sua vida e criar seus filhos.
Apesar de raramente pensar no assunto, sabia muito bem o tipo de mulher
que desejava como companheira.
Em primeiro lugar, queria que fosse bonita e tivesse uma presença
marcante. Gostaria que fosse alta, muito digna e merecedora das jóias da
casa dos Rockbrook.
Em segundo lugar, ao imaginar a esposa ideal, ele tinha certeza de não
desejar se casar com alguém que despertasse nele o tipo de emoções até
certo ponto embaraçosas.
Obviamente queria sentir afeição por sua esposa. Iria tratála com o maior
respeito e faria o possível para protegê-la de preocupações e
aborrecimentos, por menores que fossem.
Desde que tivera idade suficiente para pensar, sempre achara que as
mulheres dignas de respeito são realmente diferentes das que visam apenas
ao divertimento.
No Condado de Rockbrook, o importante era ter alguém de conduta exemplar,
uma verdadeira dama que fosse acima de tudo um complemento para ele
mesmo, alguém com quem pudesse ter filhos, alguém de quem verdadeiramente
pudesse se orgulhar.
Lady Louise, entretanto, não possuía nenhum desses predicados. Tinha
plena consciência de que não era o primeiro homem a merecer seus favores
e não tinha ilusões de que, uma
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vez casados, ela certamente continuaria mantendo o mesmo comportamento
audacioso.
Era bem do tipo de mulher sempre pronta para fazer tudo o que lhe
passasse pela cabeça, sem medir as consequências.
A frase que lhe fora dita com relação a lady Augusta podia perfeitamente
ser aplicada a lady Louise. Apavorava-o pensar em casar-se com uma mulher
por quem tinha menos respeito do que pela prostituta que à noite saía a
caminhar por Picadilly.
"O que devo fazer? Por Deus, o que devo fazer?", perguntava-se desde
então.
Deixara Londres muito cedo naquele dia, completamente desnorteado. Não
via a hora de chegar a Rock, tendo a sensação de que lá sentir-se-ia mais
seguro.
Ao transcorrer das horas, porém, aumentava sua repugnância à ideia de
instalar lady Louise naquela casa ancestral, como sua mulher.
Atirou-se numa poltrona da biblioteca, e percorreu com os olhos os livros
encadernados em couro, como se um deles pudesse lhe dar a resposta que
procurava.
A porta foi aberta pelo mordomo, que entrou seguido por um copeiro.
- Milorde, o almoço estará pronto em quinze minutos. Achei que lhe
agradaria beber alguma coisa - falou o mordomo, indicando-lhe uma bandeja
que o copeiro trazia, repleta de bebidas variadas.
- Vou tomar um brandy.
Normalmente, teria optado por um cálice de vinho madeira, mas estava com
a alma sobressaltada demais e precisava de algo mais forte, apesar de
saber que não existia nada suficientemente forte para destruir a ameaça
que pairava sobre sua cabeça.
Ao ficar novamente sozinho, resolveu consigo mesmo que
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teria de tomar uma atitude, embora não lhe ocorresse de imediato o que
poderia fazer.
Sem dúvida, teria sempre a alternativa de recusar o convite da duquesa e
ir adiando sucessivamente a temida conversa com o duque até que lady
Louise desistisse da ideia.
Preocupava-o, porém, que, influenciada por seu temperamento audacioso,
Louise decidisse informar aos pais que havia sido seduzida por ele, em
pleno castelo de Windsor.
( Podia avaliar o escândalo que surgiria. Muito provavelmente isso
fomentaria mexericos semelhantes àqueles que circularam sobre a provável
gravidez de lady Augusta Somerset.
Naquele caso específico, apesar do boato ter um certo fundamento, o
príncipe Albert acreditou que fosse integralmente verdadeiro, chegando ao
ponto de tanto ele quanto -a rainha se recusarem a falar com lady
Augusta, instruindo as demais ladies a que fizessem o mesmo.
Como era de se esperar, os Cambridge ficaram extremamente ofendidos com
essa atitude e os Beaufort ferveram de indignação.
O conde não podia imaginar nada pior para o começo de sua nova vida como
chefe da família Rockbrook do que ser alvo do mesmo tipo de escândalo e
comentários.
Restava-lhe, então, na verdade, uma única saída. Cair na armadilha que
lady Louise tão bem lhe preparara e casar-se com ela.
Revoltava-o, contudo, saber que, se não tivesse herdado o título, ela
jamais sequer olharia para ele.
O duque de Torrington nunca aceitaria um candidato, sem vintém, à mão de
sua filha, mesmo que fosse um oficial do exército bem relacionado como
ele.
Por incrível que pudesse parecer, sentia-se agora em perigo semelhante ao
que enfrentara com um pequeno batalhão, na
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fronteira noroeste da índia, quando foram cercados por uma tribo de
selvagens, em número bem superior ao deles.
Naquela situação, só lhes restava esperar pela morte inevitável e
sangrenta.
Felizmente, haviam sido salvos no último instante; mas agora o conde não
via a menor possibilidade de escapar.
"O que poderia fazer? "
Essa pergunta martelava-lhe a cabeça desde a noite anterior e o conde
temia a chegada do momento implacável em que teria de enviar uma resposta
à duquesa.
Vinha-lhe à memória o diálogo que travara com ela, depois de formulado o
convite, e essa lembrança angustiante fazia-o sentir que desde então
estava vivendo um verdadeiro pesadelo.
- É muito amável, duquesa. Permita-me que lhe envie posteriormente uma
resposta se realmente poderei ir na quartafeira?
- Claro - a duquesa replicara, com um sorriso cheio de cumplicidade. -
Mas, se tiver um outro compromisso para a quarta-feira, naturalmente
teremos muito prazer em recebê-lo no dia em que achar mais conveniente.
O conde tivera ímpetos de alegar que esse dia nunca chegaria e ficou em
maior pânico ainda quando a duquesa acrescentara:
- Sei o quanto anseia estar com Louise e ela com o senhor.
Felizmente ela não aguardara sua resposta, afastando-se dele com ar
imponente. A muito custo ele conseguira mover-se, caminhando na direção
oposta.
O conde saíra da sala de jantar completamente alheio a tudo que o
rodeava. Caminhara lentamente pelas salas e corredores até a
biblioteca. A decoração de todos os ambientes era extremamente sóbria,
com uma ligeira aparência de museu devido à imensa quantidade de tesouros
de arte e decoração colecionada pelos Brook através dos séculos.
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Numa fração de segundo, passou pela cabeça do conde que estava faltando
um toque feminino naquela casa, e ele teve um estremecimento. Sua tia
falecera há mais de dez anos e, gradualmente, a casa fora ganhando uma
aparência cada vez mais masculina.
Ele disse a si mesmo que era daquela atmosfera masculina que ele
realmente gostava. Não queria mulher alguma em Rock. Não queria uma
mulher tagarelando pelos cómodos, exigindo sua atenção e, pelo amor de
Deus, não queria especialmente Louise em sua cama!
Jogou-se numa poltrona e deixou-se ficar por algum tempo. Levantou-se, de
súbito, afirmando a si mesmo que não podia ficar naquela prostração.
Precisava se mexer, precisava de exercício, precisava fazer qualquer
coisa, menos ficar pensando nos beijos acalorados de Louise, na paixão
que ela havia acendido nele e que agora só lhe causava repugnância.
Tocou o sino e, quando o criado apareceu, pediu-lhe que selasse um
cavalo.
- Quero o cavalo mais indócil do estábulo!
- Pois não, milorde. Quer que um lacaio o acompanhe?
- Não, vou cavalgar sozinho.
Decidido a combater a angústia que o dominava, o conde
subiu para vestir uma roupa de montaria. O empregado, que durante anos
fora seu ordenança no exército, manteve-se calado, não querendo agravar
ainda mais o evidente mau humor do patrão. O conde também não disse uma
palavra até estar pronto. Então recomendou:
- Não sei quanto tempo vou ficar fora, Bates, mas, se demorar, não quero
que mande ninguém por aí à minha procura. Sei muito bem tomar conta de
mim sozinho, você sabe disso.
Bates sorriu. Realmente sabia melhor do que ninguém como
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o conde era perfeitamente responsável por si mesmo, como também por todos
os que serviam sob suas ordens.
- Fique tranquilo, não vou deixar que se preocupem com o senhor, milorde.
Não foi muito fácil montar o garanhão indócil e arredio que estava a sua
espera à porta de entrada.
Intimamente, o conde desejava que, ao ar livre, pudesse esfriar a cabeça
e encontrar uma solução para seu problema, Sua atenção, no momento,
estava toda voltada em tentar controlar o animal.
Tão logo deixaram para trás as árvores do parque, soltou as rédeas do
cavalo e permitiu que ele galopasse pelo campo. A velocidade que o animal
logo ganhou mais uma vez impediu que pensasse em outra coisa que não o
exercício da equitação, o que, se não lhe trazia consolo para a mente,
proporcionava-lhe grande satisfação ao corpo.
O cavalo finalmente diminuiu a marcha e o conde foi novamente
sobressaltado pela lembrança do possível casamento.
"Por que", perguntava-se a si mesmo, "fui tão estúpido de me deixar
envolver por uma mulher solteira?"
Na realidade, não tivera grande escolha. Poderia ter dispensado Louise de
sua cama, mas teria sido um tolo.
No passado, todos os seus casos amorosos haviam sido com sofisticadas
mulheres casadas, que conheciam muito bem as regras do jogo e não tinham
interesse algum em contrariá-las.
Não que algumas não tivessem desejado. Ele era atraente e bem-apessoado,
além de um amante ardente. Muitas mulheres haviam lhe dado o coração,
embora ele apenas desejasse seus corpos.
- Eu o amo. Oh, Lytton, eu o amo! - ouvira repetidas vezes em sua vida.
Isso o envaidecia e gratificava, mas ao mesmo tempo não se
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lembrava de ter desejado ao menos uma vez tornar o caso permanente, nem
ter tido qualquer dificuldade ou pesar em dizer adeus.
Cuidado com mães ambiciosas de filhas casadoiras!
Ouvira a recomendação inúmeras vezes, e, especialmente na índia, tratara
de tomar o máximo cuidado com as jovens que conhecera.
Ao deixar Oxford, seu pai dera-lhe uma orientação muito clara e precisa
com relação ao sexo frágil, na qual baseara sua atitude para com as
mulheres.
- Vou mandá-lo para o Grenadiers, Lytton - dissera-lhe circunspecto. - É
o regimento da família e me envergonharia de vê-lo servindo em outro.
- Sou-lhe muito grato, sir.
- Deve ser mesmo! - o pai afirmara. - Vai ver que não poderá arcar com
qualquer extravagância e isso significa que deve ter cuidado com as
mulheres que procuram tirar dinheiro de jovens inexperientes.
- Vou me lembrar de seu aviso, sir - assegurara ao pai, com um sorriso.
- Sei -que não pode nem pensar em se casar tão cedo, mas vou lhe dizer o
que meu pai me disse. - Prosseguira o pai:
- Ame-as e deixe-as!
Rira na ocasião, mas sempre lembrava-se daquelas palavras do pai.
Não que mães ambiciosas tivessem se interessado muito por ele. Afinal um
oficial subalterno sem dinheiro algum não exercia nenhuma atração
especial sobre elas.
A situação agora era bem diferente. com seu título e toda a sua fortuna,
era, sem dúvida, o alvo de grande interesse tanto por parte das mães,
como das filhas casadoiras.
Não esperava, porém, que lady Louise agisse tão rapidamente. Ela, sem
dúvida, ganhava disparado a corrida, enquanto as outras não tinham sequer
ultrapassado a linha de partida.
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"Ela me fisgou direitinho!", pensou, inconformado por não conseguir
imaginar qualquer plano de ação para livrar-se das malhas daquela mulher.
Não contendo a revolta que fazia o sangue lhe ferver nas veias, chicoteou
o cavalo. Este desembestou numa desenfreada carreira, como se, indignado
com o tratamento, quisesse dar uma lição a seu cavaleiro.
O conde pressentia que teria dificuldade em dominá-lo. Ajeitou-se melhor
na sela e tentou deixar-se envolver pela deliciosa sensação de cortar o
ar com a velocidade.
Ao avistar as árvores um pouco mais adiante, temeu que o cavalo se
aproximasse muito delas. Poderia acabar pendurado num dos galhos!
O garanhão galopava selvagemente quando se deu o inesperado tropeço.
Instintivamente o conde percebeu que o animal havia enfiado a pata numa
toca de coelho.
Lutou, por um momento frenético, para manter o cavalo sob controle. Foi
em vão. Mais rápido do que o próprio pensamento, sentiu-se sendo Atirado
ao chão. Seguiu-se o impacto violento da batida e a dolorosa sensação de
uma clavícula quebrada.
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CAPÍTULO II
A primeira sensação que o conde teve ao voltar a si foi a de estar
percorrendo vagarosamente um corredor muito longo e escuro. Em seguida,
ouviu vozes e imaginou que estava acordando de um sono muito profundo.
- Você deve descansar, babá - alguém dizia. - Esteve com ele a noite
toda! Agora eu fico, enquanto dorme um pouco.
- Não gosto de deixá-la sozinha com um homem, miss Priscilla, e ponto
final! - retrucou uma voz mais grave, de pessoa mais velha.
- Não vejo perigo algum!
- Talvez não haja, mas não é certo ficar sozinha à cabeceira de um homem,
como sabe muito bem.
- Se ele está inconsciente e não tem a menor ideia de que eu seja uma
mulher ou um elefante, que diferença faz?
- Sei muito bem, miss Priscilla, o que é certo e o que é errado.
- O certo, babá, é você ir deitar-se um pouco, caso contrário não vai
aguentar por muito tempo, e daí o que vou fazer? Seja razoável!
- Vou fazer o que me pede, miss Priscilla, sob uma condição. Assim que o
cavalheiro acordar, a senhorita vai imediatamente me chamar.
- Acho que ele vai dormir por uns cem anos, como o Rip van Winkle!
A governanta soltou uma exclamação reprovadora e saiu do quarto. Ao ouvir
a porta ser fechada, o conde abriu lentamente os
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olhos. A cabeça doía-lhe muito. Lembrou-se então da queda do cavalo.
"Devo ter perdido os sentidos", pensou.
Percebeu que estava num quarto estranho, numa cama que não era a sua e
piscou um pouco devido à claridade que entrava no quarto.
Os raios do sol se refletiam nos cabelos dourados da moça parada junto à
janela semi-aberta e delineavam sua silhueta esguia.
Ocorreu-lhe muito vagamente que aquela devia ser Priscilla. No momento
seguinte, fechando os olhos, ele voltou a mergulhar na serena penumbra da
inconsciência.
Quando acordou novamente, o sol já havia se posto. Estava tudo escuro;
apenas a luz de uma vela ao lado da cama iluminava de maneira ténue o
aposento.
Ele mexeu-se ligeiramente. Uma mão firme levantou-lhe um pouco a cabeça e
levou um copo aos seus lábios, fazendo-o beber o que lhe pareceu uma
limonada, adoçada com mel.
- Agora durma novamente! - ordenou-lhe sua benfeitora.
Ela falava num tom tão familiar que lhe lembrava a voz da governanta da
sua própria infância, e o conde soube imediatamente que devia ser a
"babá", cuja voz já tinha ouvido, não podendo dizer se naquele mesmo dia
ou há mais tempo.
Como estivesse muito cansado, obedeceu à recomendação sem contestar e
adormeceu calmamente.
Na manhã seguinte acordou com uma sensação de extrema ansiedade para
descobrir o que estava acontecendo.
Lembrava-se bem de terem lhe dado qualquer coisa para beber na noite
anterior, das vozes que ouvira conversando ao seu lado, e, gradualmente,
voltou à mente o galope desenfreado que culminara com sua queda.
Teve consciência também de que não podia culpar ninguém.
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A responsabilidade da queda era inteiramente sua. Estava zangado e
incitara o cavalo ao galope.
Olhou ao redor. O quarto estava vazio agora. Onde estaria?
Uma pequena tentativa de se mexer um pouco provocou-lhe dores no braço.
Abaixou ligeiramente a cabeça e, para sua consternação, verificou que
estava com o braço numa tipóia. Lembrou-se então da sensação de ter
quebrado a clavícula ao cair.
A porta se abriu e, sem que fosse necessária uma apresentação, ele sabia
que era a babá que entrava. Era uma mulher de meia-idade, de cabelos
grisalhos, cujo rosto expressava, simultaneamente, bondade e autoridade.
- Está acordado, sir?
- Estou, sim - o conde respondeu. - Por favor, diga-me onde estou.
- Está na herdade de Little Stanton há três dias, sir.
O conde lembrou-se de uma pequena vila a cinco ou seis quilómetros de
Rock House.
- Acho que quebrei a clavícula.
- Receio que sim, sir, mas, como goza de perfeita saúde, logo estará
recuperado.
- Disse que estou aqui há três dias. Então fiquei desacordado todo esse
tempo?
- Creio que quando caiu do cavalo o senhor, desastradamente, bateu a
cabeça.
O conde achou graça no ligeiro tom de censura que havia na voz da
governanta.
- E meu cavalo?
- Está manco, sir, mas logo ficará bom com o tratamento que estamos dando
a ele em nossos estábulos.
- A quem devo tamanha hospitalidade?
A governanta hesitou por um momento e depois respondeu:
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- A casa era do major Cranford, antes de ser morto na índia.
- E agora?
- A viúva dele mora aqui, mas está viajando no momento, sir.
- Quando estava semiconsciente, tive a impressão de ouvi-la conversar com
alguém de nome Priscilla.
- Miss Priscilla - ela informou meio relutante - é a irmã mais nova do
major Cranford.
- Creio que ela a ajudou a cuidar de mim...
- É que o senhor estava inconsciente, sir.
- De qualquer maneira, sou-lhes extremamente grato.
Foi necessário um grande esforço para falar tanto e o conde ajeitou-se,
prostrado, nos travesseiros.
- Vou ajudá-lo a lavar-se, sir, e pedirei que lhe preparem algo para
comer.
O conde sorriu.
- Agora é que me dou conta de como estou faminto.
- Mandarei que lhe tragam a refeição, logo que terminar de ajudá-lo em
sua toalete.
Quando ela saiu do quarto, o conde perguntou a si mesmo se realmente
haveria outros criados a quem ela pudesse pedir ajuda, ou se aquela era
apenas uma desculpa para ir avisar Priscilla de que o enfermo havia
voltado a si.
Por um momento, ficou imaginando como seria sua anfitriã, mas seja lá
como fosse não restava dúvida de que a babá era muito zelosa a respeito
dela.
Foi com muito esforço que suportou ser lavado, barbeado, penteado e ter
a roupa de cama trocada.
- Agora coma o máximo que puder - a babá recomendou.
- Precisa recuperar suas forças depois de ter estado delirante por três
dias.
- Delirante? - surpreendeu-se o conde.
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É comum acontecer isso, depois de ter levado uma batida
tão forte na cabeça.
- Falei muita bobagem?
- Não prestei muita atenção.
- O que eu dizia?
- Apesar de não ter ficado atenta, sir, uma vez ou outra pareceu-me que
tentava escapar de alguma coisa ou de alguém.
Foi então que o conde lembrou-se de Louise e, por um momento, teve
vontade de cair novamente na inconsciência para poder se esquecer da
existência dela.
A deliciosa refeição que saboreava com tanto prazer pareceu perder o
gosto.
Ainda assim, depois de ingerir ovos com bacon, torradas com manteiga e
mel e duas enormes xícaras de café, animou-se um pouco.
Gentilmente, a babá tirou a bandeja.
- Procure dormir agora e relaxar bem até que o médico chegue para vê-lo.
- O que gostaria realmente era de ver miss Cranford retrucou o conde -, e
apresentar a ela as minhas desculpas por tanto trabalho e inconveniência
que estou lhes causando.
- Seria melhor dormir, sir.
Ao vê-la olhar receosa em direção à porta, o conde teve a impressão de
que miss Priscilla estava ali atrás, à escuta.
Pois estava certo. No minuto seguinte, fez-se ouvir a voz clara e alegre
da sua jovem hospedeira:
- Posso entrar?
- É melhor que ele durma antes que o dr. Jenkins venha vê-lo - protestou
a babá, zangada.
- Ele está descansando há dias! - respondeu Priscilla, entrando no
quarto.
A jovem aproximou-se da cama e o conde achou interessante
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que sua aparência correspondesse exatamente à imagem mental que havia
feito dela, depois de ouvir sua voz.
Era muito bonita e esbelta e loira. Em seu rosto sobressaíam-se dois
enormes olhos azuis, extremamente vivos e expressivos. O ar brejeiro que
lhe brincava no rosto a diferenciava em muito de todas as outras moças
loiras que já conhecera.
Olhou admirada para o conde e ele lhe disse, com um sorriso:
- Como pode ver, Rip van Winkle não demorou tanto para acordar!
A pequena gargalhada que Priscilla soltou soou como um gorjeio.
- Então ouviu o que eu disse?
- Ouvi-a dizer muitas outras coisas, mas ainda estava semiconsciente.
- Mas já se sente melhor, não é?
- Muito melhor; e desejo agradecer-lhe pela hospitalidade. Estou curioso
para saber como me encontraram.
- Eu o encontrei. Na verdade, eu o vi cair quando o cavalo tropeçou.
Aquela região é muito perigosa por causa das tocas de coelho. Nunca vou a
cavalo até lá.
- Devia ter sido mais prudente - o conde disse pensativo. - Como poderia
saber das tocas de coelho se não é da
região?
- Coitado do cavalo!
- Ben disse que, depois daquela contorção, a perna dele vai demorar um
pouco para se recuperar e que não vai ser possível montá-lo antes de um
mês. Ainda assim, vai precisar de muito cuidado.
Havia tal ansiedade na voz da jovem que o conde procurou tranquilizá-la:
- Pode confiar em mim, não vou montá-lo antes que esteja perfeitamente
bem.
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- De todo jeito, o senhor também não vai poder montar
tão cedo.
Priscilla sentou-se numa cadeira ao lado da cama. O conde ouvia a babá,
que descera enquanto conversavam, subindo de novo.
- Desculpe-me todo esse trabalho - disse à moça. - Entretanto, ainda não
me disse a razão de ter me trazido para cá.
- Porque nossa casa é a mais próxima - Priscilla respondeu, com
simplicidade -, e não há outro lugar por aqui onde pudesse ficar, com
exceção do Vicariato, com seis crianças barulhentas!
- Fico contente que tenha sido você a boa samaritana e não o vigário!
- Para lhe ser sincera, como minha cunhada está ausente, a babá ficou em
princípio quase que chocada ante a ideia de trazê-lo para cá, mas bem que
está gostando de cuidar do senhor.
- Gostando?
Priscilla piscou muito os expressivos olhos azuis.
- Ela adora ter alguém para mimar. Acho que é porque gosta de dar ordens,
e por mais que o doente proteste tem de fazer o que ela manda.
O conde teve vontade de soltar uma boa gargalhada, mas temendo que
pudesse sentir alguma dor limitou-se a sorrir.
- Minha babá era exatamente igual - disse, com uma expressão de ternura.
- Tentei lutar contra a tirania dela por anos, sem sucesso algum. Imagine
que, quando fui para o colégio, não achei os mestres tão autoritários
quanto ela havia sido.
Priscilla soltou novamente sua gargalhada melodiosa.
- Acho que todas as babás são iguais. A minha é severíssima comigo, mesmo
agora que já sou adulta.
Como se atraída pelo fato de falarem dela, a babá materializou-se à porta
do quarto.
- Bem, miss Priscilla - disse, autoritária -, não quero Que canse meu
paciente com suas conversas.
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- Não estou absolutamente cansado - o conde apressou-se a dizer e estava
sendo completamente sincero.
- Procure dormir agora, sir - a babá disse, categórica.
- Basta que feche os olhos para ver como está precisando descansar.
O conde abriu a boca para dizer que não tinha a menor intenção de dormir.
Antes que se desse conta, porém, Priscilla já havia sido banida do
quarto, as venezianas haviam sido semicerradas e, contra sua vontade, ele
sentiu-se mergulhando no mundo dos sonhos.
O conde só viu Priscilla novamente no final da tarde.
O médico fora visitá-lo e recomendara muito descanso. A babá trouxera-lhe
um excelente almoço e reafirmara um rosário de ordens e recomendações.
Mesmo contrafeito com sua situação, ele sentia que, por menos intenção
que tivesse de dormir, assim que fechava os olhos caía no mundo da
inconsciência e para sua surpresa cada vez acordava mais lúcido.
Aproximava-se agora a hora do chá. Priscilla entrou no quarto trazendo um
vaso com violetas brancas, que colocou na mesa-de-cabeceira.
- Estava colhendo violetas no dia em que o vi cair do cavalo - disse-lhe
com naturalidade. - Como pode ver, estou sempre pelos bosques colhendo-
as. Acho uma sorte quando consigo formar um buque como o de hoje, somente
de violetas brancas, que são as mais raras.
- Sorte foi você ter me visto cair, caso contrário poderia ficar
estendido naquele lugar por dias!
- Levou uma hora para que eu conseguisse juntar alguns homens para ir
buscá-lo. Pensei que outra pessoa até já o tivesse encontrado.
- Reconheço que lhe dei um bocado de trabalho!
- Até que foi excitante! - Priscilla o contradisse. - Não
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acontece nada em Little Stanton. Assim, pelo menos tivemos alguma coisa
diferente para fazer.
Ela calou-se significativamente por um momento, depois acrescentou:
- Como pode imaginar, todos estão curiosos para saber quem você é.
O conde sorriu. Era evidente que, pelo modo com que Priscilla falara,
estava tão curiosa quanto os demais para saber sua identidade.
Ficou tentado por um momento a permanecer anónimo, ou dar nome falso.
Ocorreu-lhe, porém, que, apesar de ter recomendado a Bates que não o
procurasse, àquela hora todos certamente estariam preocupados com sua
ausência e era justo que os tranquilizasse.
- Espero que já tenha ouvido falar de Rock House. Ela o olhou surpresa e
exclamou, eufórica:
- É de lá? Mas claro! Que tola eu sou! Devia ter logo imaginado deve ser
o novo conde!
- Pensei que tivesse desconfiado...
- Ouvi dizer que um sobrinho do conde havia herdado o título, mas jamais
esperei vê-lo em Little Stanton.
- Pois aqui estou!
- Devem estar preocupados com sua demora em Rock House... Para ser
sincera - acrescentou, em tom muito sério -, a babá olhou nos bolsos de
seu casaco para ver se havia qualquer coisa que o identificase, no
caso de seu estado piorar.
- Ah, ficaram preocupadas que eu viesse a falecer? Priscilla sorriu.
- Qual nada! com essa sua aparência grande e forte, não pensei em momento
algum que as consequências pudessem ser tão graves.
- E não foram! - o conde concordou. - Sinto-me até envergonhado
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de estar me comportando feito um inválido, especialmente numa
casa estranha. Priscilla riu novamente.
- Se pudesse prever que um inválido nos iria cair do céu, naturalmente
não poderia desejar outra coisa a não ser que fosse um "estranho alto,
forte e atraente", exatamente como a babá prevê quando lê minha sorte nas
folhas de chá.
- Ora, vejam, então a babá lê a sorte?
- Somente quando insisto muito - Priscilla esclareceu.
- Apesar de ser escocesa e meio vidente, ela desaprova completamente que
se brinque com o "desconhecido". É raro conseguir que se disponha a ler a
sorte.
- Não acho que seja muito difícil fazê-lo.
- Por que diz isso? - perguntou Priscilla, curiosa.
- Porque é óbvio que mais cedo ou mais tarde um "estranho alto, forte e
atraente", como diz, vai aparecer em sua vida.
O tom do conde era meio brincalhão, mas Priscilla respondeu com ar sério:
- Sabe que isso já aconteceu?
- com você? - o conde sentiu uma estranha excitação.
- Comigo, não, mas com minha cunhada Elizabeth.
Sem entender bem a razão, uma leve sensação de desapontamento invadiu-o.
- Elizabeth sentia-se muito infeliz desde a morte de meu irmão Richard,
mas apareceu aqui, inesperadamente, um estranho e acho que vão se casar.
Ao ouvi-la falar, o conde não pôde deixar de observar a expressão dos
olhos dela, que pareciam refletir tudo o que lhe ia na alma.
- Deve estar satisfeita.
- Creio... que sim - hesitou um pouco. - Desejo que ela seja muito feliz,
mas... fico um pouco preocupada com a minha própria situação, pois
Elizabeth e todos em geral acham errado que a babá e eu fiquemos sozinhas
aqui.
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- Quer dizer que sua cunhada vai se mudar daqui?
Sim, é claro. O homem com quem vai se casar tem uma
linda casa do outro lado do Condado. Ele disse que eu poderia ir morar
com eles até me casar... mas sei muito bem que nem ele nem Elizabeth me
querem lá. É natural que prefiram estar sozinhos.
O conde teve a impressão de ler através dos olhos de Priscilla tudo o que
estava pensando e podia entender perfeitamente a situação da jovem.
Como se o assunto estivesse se concentrando muito nela mesma, Priscilla
perguntou:
- Gosta de ser o conde de Rockbrook? Sempre achei que deve ser
formidável.
- E é - concordou o conde sorrindo.
- Mas também deve ser meio penoso - prosseguiu a moça, como se estivesse
ponderando consigo mesma - herdar o título por causa da morte de dois
parentes.
- De fato é uma grande responsabilidade - assegurou o conde, ficando
encantado com o amadurecimento e sensibilidade da jovem. - Por isso,
agora que estou consciente, acho que é mais do que tempo de mandar um
aviso a minha casa de que estou aqui e, assim que melhore um pouco, devo
ser levado para lá.
- Não há pressa, senhor. Ser levado agora seria imprudente e doloroso.
- Espero que não passe de mais um ou dois dias, mas há alguém que pudesse
levar um recado até lá?
- Naturalmente. Eu mesma posso ir. Apesar de nossos cavalos não serem tão
velozes, nem tão bem tratados quanto o seu, estão habituados a levar
Elizabeth e a mim para todo lugar que queiramos ir.
- Acho que seria melhor que mandasse uma outra pessoa
- o conde disse, categórico.
Ele não podia deixar de pensar que a ida de Priscilla até sua
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casa e o fato de o estar hospedando daria margem a muitos comentários.
- Se acha melhor, Ben pode ir então.
- Ótimo - o conde aprovou. - Se não for lhe pedir muito, poderia me
arrumar papel e caneta?
Escreveria para o administrador geral, um homem chamado Anstruther, que
estava cuidando de tudo até que designasse um novo secretário, uma vez
que o antigo se aposentara com a morte do tio.
Havia vários cargos vagos em Rock. Muitos acharam que a mudança de senhor
era o momento oportuno para se afastarem dali. O conde estava aguardando
o momento oportuno de examinar o assunto com o administrador para nomear
as pessoas melhor qualificadas para cada cargo.
Priscilla saiu e logo voltou com o papel e a caneta. Como o conde tivesse
dificuldade em escrever por causa do braço esquerdo na tipóia, ela
segurou o papel para que ele escrevesse a carta dando as instruções que
queria.
Estava para assinar quando lhe ocorreu que a melhor maneira de compensar
Priscilla por todo aquele trabalho era proporcionar-lhe alguns prazeres
gastronómicos que estava certo eram difíceis de se obter em Little
Stanton.
Acrescentou então um post scriptwn a sua carta, pedindo que lhe enviassem
frutas, ovos, leite, carne de carneiro, de frango e presunto.
- A babá deve ter encontrado algum dinheiro ao revistar meus bolsos.
Pergunte-lhe onde o colocou e dê um guinéu a Ben.
- Um guinéu? - perguntou Priscilla, arregalando os olhos.
- Ben vai ficar muito espantado!
- Então vamos espantá-lo!
Priscilla deu um de seus sorrisos encantadores.
- Acho que não posso mais considerá-lo um "estranho alto e forte", mas um
mágico de contos de fadas! Se lhe trouxer um ratinho, pode transformá-lo
num cavalo tão puro-sangue quanto o seu?
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Gostaria que mandasse vir para cá um de meus cavalos para montar?
Não havia qualquer segunda intenção nas palavras de Priscilla e a
pergunta do conde a fez corar.
Não... claro que não! Estava apenas brincando!
- Mas é uma boa ideia. Vou falar com meu camareiro quando chegar.
- Pediu-lhe que viesse?
- Não é justo que a babá fique cuidando de mim e não desejo cansá-la.
- Vai ficar enciumada por preferir os serviços de seu camareiro aos dela.
O conde riu.
Mais uma vez, como se tivesse sido chamada, a governanta apareceu e
mandou Priscilla ir se deitar.
Em seguida, serviu ao conde uma refeição leve e ajudou-o a acomodar-se
para dormir.
- Se precisar de qualquer coisa durante a noite, milorde, é só tocar a
sineta que deixei ao lado de sua cama. Não se acanhe de tocá-la. Estou do
outro lado do corredor e tenho sono leve.
Nem por um segundo o conde duvidou disso, uma vez que as babás precisavam
estar atentas ao menor choro de criança.
- Obrigado, babá, espero não precisar incomodá-la.
- Boa noite, milorde, procure descansar bastante.
A maneira como havia feito a recomendação dava a impressão de julgar que
o conde levasse uma vida mundana e atribulada, o que não estava muito
longe da verdade.
Uma vez sozinho no quarto, assaltou-o novamente a lembranÇa de Louise,
quase que tão sorrateiramente quanto a própria entrada dela no quarto do
castelo de Windsor. Ele sabia que a duquesa devia estar estranhando a
falta de resposta a seu convite.
Uma sensação de alívio o invadiu ao constatar que sua visita teria de ser
adiada, gostasse ela ou não. Infelizmente, não havia
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como cancelá-la de vez. Louise certamente o estava aguardando para falar
com o duque, e a duquesa não desistiria do convite tão facilmente.
Parecia ver Louise aproximando-se cada vez mais de sua cama, em sua
camisola branca, com seu sorriso sensual e seu olhar malicioso, como uma
fera selvagem pronta para atacar.
Realmente a imagem não podia ser mais precisa, trazendo lhe à memória um
fato ocorrido muito tempo antes, quando estivera na índia com seu
regimento, e fora caçar com um jovem oficial.
Depois de caçar alguns veados e vários outros pequenos ani mais, dera-se
conta de que não havia mais balas em sua espin garda e, contrariado,
soubera que o oficial havia esquecido de levar mais munição.
Ordenara-lhe, pois, que voltasse ao acampamento para bus car o necessário
e tratara de se acomodar sob uma árvore à espera de seu regresso.
Fora então que, instintivamente, percebera estar em perigo, Pusera-se de
pé, com a respiração suspensa. Para seu pavor, vira-se frente a frente
com uma jovem leoa feroz e perigosa, que se aproximava lentamente.
Ficara imóvel, encostado à árvore, apontando a arma descarregada em
direção ao animal, embora soubesse que não teria chance alguma de
sobrevivência.
De olhos brilhantes, narinas are antes e músculos tensos, ela preparava-
se para atacar sua presa de um momento para outro, não restando outra
alternativa ao conde a não ser rezar por um milagre.
Eis que, inesperadamente, como se a mão da Providência tivesse
interferido em seu favor, uma flecha certeira fora atirada por trás,
ferindo a leoa no dorso. Ela rosnara de dor, voltara-se e embrenhara-se
na mata.
Seu oficial correra até ele e recarregara a espingarda. Fora incrível a
sensação de ter escapado do perigo.
Entretanto, dizia agora a si mesmo, milagres acontecem só
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uma vez na vida. Louise estava a sua espreita, pronta para atacar, e
desta vez não havia esperança de salvação.
Assim que amanheceu, Bates apareceu com as provisões que lhe pedira.
A notícia de sua chegada fora efusivamente anunciada por Priscilla que,
praticamente, irrompera quarto adentro.
- Como sabia... como adivinhou que íamos adorar ter tanta coisa
deliciosa?
- Que bom! Bates já chegou?
- Está descarregando os mantimentos na cozinha e a babá está protestando
que não era necessário, embora seu rosto esteja alegre e não tenha feito
menção de devolver coisa alguma!
- E não é para devolver! Além de estar me alimentando aqui, quero que
usufruam de tudo.
- É muita bondade sua.
- Bondade foi a de vocês me receberem!
- Espero que a babá não assuma o ar de ofendida por achar que não estava
gostando de nossa comida - Priscilla sorriu.
- Acho que não há nada mais estúpido do que as pessoas fingirem ser mais
ricas do que são, e nós... nós somos muito pobres.
- Como? - perguntou o conde surpreso.
- Porque Richard deixou muitas dívidas e Elizabeth não tem fortuna de
família.
Priscilla fez um gesto encantador com as mãos.
- É por isso que está tão eufórica de se casar com o rico sr. Charlton,
que está muito apaixonado por ela. E ela por ele, diga-se de passagem.
- Assim está melhor - aparteou o conde, com uma pontinha de sarcasmo. -
Creio que não se casaria com ele apenas Por dinheiro caso não o amasse,
não é?
Claro que não! Como pode pensar numa coisa dessas? a e Richard eram muito
pobres, mas muito felizes.
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Havia tal indignação na defesa de Priscilla que o conde sentiu-se
obrigado a desculpar-se.
- Perdoe-me. Havia me esquecido de que este é um lugar de conto de fadas
e os personagens dessas histórias sempre se casam e vivem felizes.
Havia no tom de voz do conde um misto de ironia e amar gura, pois ele
lembrou-se que se se casasse com Louise estava fadado a sofrer antes e
depois do casamento. Mais uma vez ela surgiu aos seus olhos como uma
perigosa leoa.
Percebeu então que Priscilla o olhava interrogativamente.
- Por que fala desse jeito? - perguntou-lhe depois de um momento.
A última coisa que passaria pela cabeça do conde era fazer confidências a
Priscilla.
- Talvez esteja com inveja dessa felicidade - respondeu em tom jovial.
- Está sugerindo que gostaria de se casar e ser feliz para sempre?
- Claro! Não é o que todos, homens e mulheres, desejam?
- Seu sonho vai se realizar - profetizou Priscilla, esfregando uma mão na
outra.
- O que quer dizer?
- Observava-o quando estava inconsciente e concluí que tem tudo o que uma
mulher pode desejar num homem.
O conde arqueou as sobrancelhas, mas desistiu de fazer qual quer
comentário ao perceber que Priscilla falava a sério, sem qualquer
intenção de adulá-lo. O seu tom de voz era baixo mais parecia que falava
consigo-mesma:
- Não é apenas porque é... forte e bem-apessoado, mas, embora eu nem o
conheça direito, senti que é corajoso... bom e humano.
- Como pode ter certeza?
- Posso estar enganada, mas minha intuição diz que não Só uma coisa me
pareceu errada.
- Errada?
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- Quando estava delirante, falou muita coisa sem sentido. Entretanto,
tive a impressão de que odiava alguém... ou talvez uma situação... não
sei, só sei que falava num tom de ódio com um certo desgosto.
O conde estava admirado. Era impressionante que ela tivesse chegado à
perfeita conclusão do que se passava com ele, através do pouco que
aparentemente ouvira.
Odiava Louise, e pensar nela como esposa causava-lhe profundo desgosto.
- Sinto muito... - Priscilla balbuciou. - Fui muito impertinente em lhe
dizer o que pensava e me... intrometer em sua privacidade. Perdoe-me.
- Ora, não há nada a perdoar - replicou o conde.
O brilho que iluminou o olhar de Priscilla tornou a expressão de seu
rosto adorável.
- Não pode... odiar ninguém, ou ser infeliz - disse ela baixinho -, pois
isso estraga o conto de fadas. Talvez eu possa ser sua Fada Madrinha e
afastar todo o mal que o perturba.
O conde não pôde deixar de retribuir o doce sorriso que ela lhe oferecia.
Ao fazê-lo uma súbita ideia apoderou-se dele.
Quem sabe Priscilla pudesse ajudá-lo. Quem sabe, não. Ela realmente
podia!
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CAPITULO III
CAPÍTULO IV
CAPITULO V
CAPÍTULO VI
CAPITULO VII
*****
FIM