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Título: Mulher Misteriosa.

Autora: Barbara Cartland.


Dados da Edição: Livros Abril, São Paulo, 1985.
Título Original: The Lioness and the Lily.
Género: romance.
Digitalização: Dores cunha.
Correcção: Edith Suli.
Estado da Obra: Corrigida.
Numeração de Página: Rodapé.

Esta obra foi digitalizada sem fins comerciais e destinada unicamente à


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Mulher misteriosa

No silêncio do quarto imenso do castelo de Windsor, o conde de Rockbrook


preparava-se para apagar as velas quando a porta se abriu deixando entrar
uma mulher, vestindo apenas um leve négligé. O conde já sabia das visitas
noturnas que a jovem lady fazia aos hóspedes do castelo, entregando seu
corpo para tentar enredar nobres ricos e poderosos como ele nas malhas de
um casamento forçado. Mas o sorriso sensual nos lábios dela e o brilho
malicioso do seu olhar fizeram Rockbrook esquecer todas as recomendações,
todo o código de honra. Ele abriu os braços e acolheu a bela visitante
para esquentar-lhe o leito... e foi este fato que deu início a todo o seu
tormento!

livros Abril
Título original: "The Lioness and the Lily"
Copyright: (c) Cartland Promotions 1981
Tradução: Rachel Shwartz
Copyright para a língua portuguesa: 1985 Abril S. A. Cultural - São Paulo
Esta obra foi composta na Linoart Ltda. e impressa na Editora Parma Ltda.

Leitura - a maneira mais económica de cultura, lazer e diversão.


LIVROS ABRIL
Romances com Coração
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CAPÍTULO I
1841
Completamente absorto nos próprios pensamentos, o conde de Rockbrook
cruzou os pesados portões que levavam à enorme mansão georgiana,
pertencente a sua família desde os tempos do rei Charles II.
Cavalgou entre as árvores seculares que ladeavam o caminho, sem tomar
conhecimento da beleza da vegetação ao seu redor, e parou, quase que por
instinto, ao lado dos degraus que conduziam à porta de entrada, com seus
majestosos pilares.
A criadagem, em cujos uniformes se destacavam os botões com o brasão da
família, logo percebeu que o novo senhor de Rockbrook não estava em seu
melhor humor.
Todos ainda sentiam-se inseguros e inquietos diante da reviravolta dos
acontecimentos e temiam pela própria sorte.
Como era natural, haviam sempre imaginado que com a morte do antigo conde
seu único filho seria o herdeiro do título e de suas propriedades;
hipótese que ainda assim lhes parecia muito longínqua, uma vez que o
conde
gozava de excelente saúde.
Não contavam porém que ambos, o conde e seu filho, o visconde, morressem
tragicamente durante uma viagem, num acidente de trem, meio de transporte
considerado por muitos altamente perigoso. Dessa maneira, o Condado
acabara, inesperadamente, passando para as mãos de um sobrinho que jamais
sonhara herdá-lo.
O novo conde estava com trinta e dois anos e até então vivera
a, árdua vida de um soldado de modestos recursos. Sem dúvida, a
grandeza de sua herança o surpreendera e encantara.
Precisava agora tratar de se habituar não só ao título e a suas
propriedades, como também a sua nova posição na corte.
A bem da verdade, o protocolo a ser observado no palácio de Buckingham e
no castelo de Windsor não era novidade alguma para ele.
No último ano servira como ajudante-de-ordens ao general de seu regimento
que, por ser um dos prediletos da rainha Vitória, frequentemente estava
nos palácios reais, e insistia em levá-lo na sua companhia, sob a
alegação:
- Você está comigo há bastante tempo e me conhece o suficiente, Brook,
para não me fazer um monte de perguntas estúpidas. Por isso, sempre que
eu tiver de ir ao castelo de Windsor, você vai comigo!
Para um jovem oficial, essas palavras não deixavam de ser lisonjeiras.
Tinha, porém, plena consciência de que seus companheiros sentiam-se
enciumados e queixavam-se de favoritismo, apesar de o general ser
intransigente e nada do que dissessem o faria alterar uma decisão.
Agora enxergava claramente que o que lhe parecera um doce interlúdio em
sua vida no exército não passara de uma grande ilusão.
Atravessou o grande hall de mármore, com suas estátuas de deuses e deusas
gregos em pequenos nichos, e entrou na magnífica biblioteca, local
preferido pelo tio sempre que estava sozinho, ou quando não havia damas
nas reuniões.
Futuramente, escolheria uma sala menor, mais confortável e acolhedora
para descansar.
Por enquanto o melhor era manter tudo exatamente como sempre havia sido.
Quando estivesse preparado para assumir sua autoridade, modificaria
algumas coisas a seu gosto.
O estranho é que, em vez de sentir-se vibrando por se saber
dono de tantas preciosidades, dos quadros que ornamentavam os corredores,
dos livros que cobriam de alto a baixo as paredes da biblioteca, sentia-
se sombrio e angustiado.
Desde criança, quando frequentemente se hospedava ali com os pais,
considerava Rock o lugar mais bonito do mundo.
Quando servira na índia, chegara a sonhar com a água fresca do lago em
que sempre se banhara e com a sombra das árvores onde, invariavelmente,
um pequeno veado estava deitado, fugindo à sua aproximação.
Conservava nítidas na memória as lembranças das brincadeiras infantis, do
esconde-esconde pelos corredores e recantos repletos de incontáveis
relíquias do passado. Lembrava-se ainda da aflição que tivera num dia em
que as travessuras estavam passando dos limites. O mordomo o havia
colocado de castigo no porão. O piso frio e o fechar da porta pesada
haviam lhe causado a impressão de estar num túmulo. Ainda ficava
arrepiado ao lembrar.
E eis que, inesperadamente, acontecera o que jamais sonhara. Era o senhor
de Rock.
Ao receber a notícia da trágica morte do tio e do primo tivera a sensação
de ter levado um golpe na cabeça.
Somente depois dos funerais, quando parentes que nunca lhe haviam dado
atenção curvaram-se diante dele e foi cumprimentado pelas mais
respeitáveis autoridades do Condado, é que percebeu a diferença entre
fazer parte de uma família importante e ser o chefe dela.
Depois de passar toda a noite anterior acordado, não o abandonava a
sensação de estar à beira de um abismo, prestes a ser empurrado para ele.
E tudo por causa do que considerara uma inofensiva aventura
masculina...
Logo depois do Natal, o general fora convidado para se hospedar no
castelo de Windsor e, como sempre, ordenara-lhe:
- Você irá comigo!
Apesar de o castelo ser muito frio no inverno e a maioria dos hóspedes
ilustres reclamarem da falta de conforto, ele, o modesto capitão Lytton
Brook, aceitara a ordem com prazer.
- Não vamos ficar muito - bradara o general -, só quero ver se o príncipe
consorte fez alguns melhoramentos no castelo.
- Há muito a fazer, sir - ousara replicar, e o general concordara com um
gesto impaciente.
Os visitantes do castelo de Windsor e das outras residências reais logo
puderam notar que não somente os quartos eram tremendamente frios, como
também todo o serviço da residência era extremamente mal organizado.
Frequentemente não havia sequer criados para indicar aos hóspedes onde
ficavam seus aposentos. Não raro era quase impossível para um recém-
chegado encontrar o caminho para o quarto, ao término de um jantar.
O conde ouvira dizer que numa ocasião o Ministro do Exterior da França
passara quase uma hora vagando pelos corredores do castelo, tentando em
vão identificar seu quarto.
Finalmente, quando julgou ter encontrado a porta certa, abriu-a e
deparou-se com a rainha, cuja camareira estava escovando-lhe os cabelos
antes de deitar.
Um outro convidado, amigo pessoal do conde, contara-lhe que, desesperado,
desistira de procurar seu quarto:
- Fui dormir num dos sofás do salão. Quando a criada me encontrou na
manhã seguinte, achou que eu estava bêbado ed foi buscar um guarda! "m
O conde achara muita graça e contara o caso ao general, que por sua vez,
contara-lhe a história do lorde Palmerston, conhecido, por razões
óbvias,
como "cupido".
Procurava o referido lorde o quarto de uma dama muitíssimo atraente e
acabara entrando no aposento errado, cuja ocupante ao vê-lo pusera-se a
gritar por socorro, tomando-o por um raptor!
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O comentário agora era de que, com a ajuda do barão de Stockmar, o
príncipe consorte tomara para si a árdua tarefa de colocar em ordem e
decência a moradia da rainha.
Lamentavelmente, no que dizia respeito ao conde, a intenção era um pouco
tardia.
Em sua última visita, ele fora deitar-se depois de usufruir não só de um
jantar memorável, regado a excelentes vinhos, como também de um agradável
baile, muito mais animado do que as conversações arrastadas que
tradicionalmente seguiam-se aos jantares.
Havia acabado de ler um jornal e estava quase apagando as velas ao lado
de sua cama quando a porta se abrira e, para seu espanto, entrara lady
Louise Welwyn, vestindo um négligé branco.
Por uma fração de segundo, o conde tivera a nítida impressão de estar
vendo um fantasma.
Em seguida, porém, ela aproximara-se da cama, com um sorriso sensual e um
brilho malicioso no olhar, e ele compreendera então que era verdade tudo
o que ouvira a respeito dela.
Segundo seus colegas do exército, ela era da mesma categoria de lady
Augusta Somerset, a filha mais velha do duque de Beaufort, que havia sido
avisado do mau comportamento da filha, "sempre pronta a fazer tudo o que
lhe passasse pela cabeça, sem medir as consequências".
Os rumores de que o príncipe George de Cambridge, homem dado a flertes,
embora meio tímido, a havia engravidado foram um verdadeiro escândalo.
Mais tarde ficou provado que a notícia era falsa, mas enquanto as línguas
se ocupavam dos falatórios, reforçando o dito popular de que "não há
fumaça sem fogo", lady Augusta saiu do cenário e lady Louise tomou o seu
lugar.
Louise era extremamente bonita e o conde não seria humano se não
aceitasse aquele verdadeiro "presente dos deuses", ou melhor, tudo o que
ela estava disposta a lhe oferecer.
Ainda mais numa noite fria como aquela e numa cama desprovida de
cobertores, como recusar o calor de um corpo jovem e sensual?
Na verdade, o conde surpreendera-se com o calor que lady Louise trouxera
ao seu leito.
Ele havia tido muitos amores em sua vida, nenhum sério ou duradouro.
Não que sua natureza fosse excepcionalmente volúvel, mas suas obrigações
para com o exército dificultavam um relacionamento mais prolongado.
Certamente não fora ao castelo de Windsor com a ideia de ter um caso
amoroso.
Dançara duas vezes com lady Louise durante o baile e, apesar de achá-la
atraente, considerara a conversa de uma outra dama de companhia da rainha
muito mais interessante.
Obviamente, ela não sentira o mesmo em relação a ele.
- Queria lhe dizer para vir ao meu encontro - ela disse francamente -,
mas receei que me ouvissem. Por isso achei mais fácil descobrir o caminho
até aqui.
Recordando todos os casos que haviam lhe contado, o conde a julgara
aventureira e corajosa demais, mesmo para quem está em busca de um
parceiro amoroso.
Ele permanecera no castelo por três noites, tendo sido visitado por lady
Louise durante todas elas. Mesmo que, no dia seguinte, estivesse se
sentindo meio exausto, consolava-o o pensamento de que valera a pena.
Na última noite, porém, despedira-se dela, sem a menor dor no coração.
- Obrigado - dissera-lhe com um sorriso provocante por ter feito desta a
visita mais encantadora que já fiz à residência real.
Ela não respondera, mas puxara a cabeça dele para perto
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dos lábios e seus beijos, sensuais e exigentes, excitaram-no uma vez
mais.
De volta ao quartel, um pensamento que lhe ocorrera fora o de que uma das
mais urgentes providências que o príncipe consorte precisava tomar era a
de tirar jovens como lady Louise e lady Augusta do serviço de atendimento
à rainha.
O conde achara a rainha deveras encantadora, exatamente o tipo de mulher
que todo homem gostaria de ter.
Gostara do jeito perdidamente apaixonado com que olhava para o marido
alemão. Ela era muito jovem, sincera e parecia visivelmente ansiosa por
agradar a todos os seus súditos.
A atmosfera na corte, desde o casamento deles, tornara-se calma e digna,
com um respeito às formalidades que qualquer cidadão gostaria de ter na
própria casa.
Apesar de que em Londres abundavam lugares de divertimentos masculinos,
para todos os gostos, a questão era bem diferente quando se tratava da
vida familiar.
Analisando a situação com honestidade, o conde concluíra ter ficado
chocado com o comportamento de lady Louise não tanto por ela ser
promíscua, ou por oferecer-se com uma paixão selvagem, mas por ter
acontecido sob o teto do lar santificado da rainha.
Mais uma vez reafirmara a si mesmo que estava certo em julgar que
mulheres de moral duvidosa, quaisquer que fossem suas procedências,
deviam ser impedidas de conviver com senhoras respeitáveis.
Confortava-o o pensamento de que tanto ele quanto lady Louise tinham
consciência de que o que acontecera entre eles não passava de uma
aventura passageira.
Ela não fizera qualquer menção de que pudessem se encontrar novamente e
ele, com todas as responsabilidades que tinha à sua frente, sabia que
logo sequer se lembraria dela.
O episódio, sem dúvida, estava acabado de seu ponto de vista,
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embora admitisse que em muito contribuíra para tornar bem mais
excitante sua visita ao castelo de Windsor.
Eis que, repentinamente, no dia anterior uma verdadeira bomba parecia tê-
lo atingido.
O conde fora convidado para participar de um jantar semioficial no
palácio de Buckingham, um dos muitos eventos antecipando a temporada de
recepções, visitas, bailes e aparições públicas do monarca.
Tivera uma sensação estranha ao ser convidado como conde de Rockbrook e
não mais como um simples oficial a serviço do general, sensação essa que
se afirmou quando seu nome fora solenemente anunciado no imponente salão
do palácio.
A rainha cumprimentara-o gentilmente, com o sorriso especial que
reservava para homens atraentes.
Ele, por sua vez, fizera uma mesura ao ser apresentado a ela, estendendo-
lhe a mão direita e curvando-se, reverentemente, para roçar os lábios na
mão que a rainha, por sua vez, dera a ele.
Ao levantar-se, o conde mais uma vez curvou-se, discretamente, diante de
Sua Alteza, depois para o príncipe Albert, afastando-se à procura de um
rosto familiar.
Dessa vez, mais do que nunca, impressionou-o o colorido do enorme salão,
redecorado por George IV, por onde circulavam as damas com suas jóias
cheias de brilho e os cavalheiros envergando uniformes ou trajes da
corte, com casacos cor de vinho, culotes, meias brancas, sapatos pretos
afivelados e uma espada à cintura.
Ficara satisfeito ao reconhecer entre os convivas o primeiroministro, sir
Robert Peei, de quem gostava e admirava muito.
Sir Robert podia ser um tanto drástico em certas ocasiões e, sem dúvida,
era muito diferente de seu predecessor, lorde Melbourne, um homem muito
amável e atraente.
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O conde aproximara-se dele e os dois mantiveram uma acalorada discussão
política até a hora em que o jantar fora anunciado.
Ele não pudera deixar de notar que tanto a comida quanto o serviço haviam
melhorado consideravelmente desde que o príncipe consorte assumira
pessoalmente a administração. Observando-o sentado à cabeceira da mesa,
do lado oposto ao da rainha, percebia-se sua firme intenção de levar
avante a gigantesca tarefa a que se propusera, embora ainda tivesse muito
a fazer.
Era notório que enquanto o povo aceitara o príncipe sem restrições,
mostrando entusiasmo toda vez que ele aparecia em público, as classes
mais altas lhe permaneciam indiferentes, e toda a família real, então,
lhe era ainda abertamente antagónica.
"O que será que o faz tão impopular?", o conde perguntara a si mesmo.
Achava estranho que todos os predicados do príncipe - sua prudência, sua
astúcia, seu talento como caçador, músico, cantor - provocassem antipatia
e ciúmes em vez de admiração.
A verdade, o conde entendia bem, é que, por mais que o príncipe consorte
se esforçasse por parecer britânico, ele era irremediavelmente e, às
vezes, arrogantemente germânico.
Subitamente, apoderara-se dele um sentimento de solidariedade e
comiseração por aquele homem, que estava distante de sua pátria, de tudo
o que lhe era familiar e tendo que assumir um papel que não devia ser
nada agradável para qualquer um: o de ter papel secundário ao da mulher,
mesmo se tratando da rainha da Inglaterra.
"Qualquer casamento deve ser uma droga numa circunstância dessa!",
concluíra o conde.
Uma vez mais sentira-se confortado de não ter se casado. A vida de
solteiro tinha todas as vantagens que um homem inteligente pudesse
desejar.
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"Um dia vou precisar ter um filho...", pensou meio nostálgico, lembrando-
se de que agora cabia a ele a responsabilidade da continuidade da
família. Entretanto, aos trinta e dois anos ainda tinha tempo pela
frente. Não havia razão para pressa.
Quando a rainha e o príncipe consorte retiraram-se, todos foram se
despedindo e deixando o palácio.
Depois de trocar uma última palavra com o primeiro-ministro, o conde
dirigia-se à porta quando fora abordado pela duquesa de Torrington.
A figura daquela mulher era qualquer coisa de extraordinária. Usava uma
exuberante tiara na cabeça, uma verdadeira cascata de pérolas sobre o
amplo decote do vestido, que por sinal era bem mais curto do que
recomendava o costume.
- Estava para lhe escrever, milorde - dissera-lhe, bastante formal. -
Esse encontro facilita as coisas.
O conde inclinara a cabeça, antecipando que receberia um convite. No
mesmo instante, ocorrera-lhe que a duquesa era a mãe de lady Louise.
- Podemos contar com sua presença no castelo de Torrington, na próxima
quarta-feira? - ela lhe havia perguntado.
O conde ia abrir a boca para dizer que lamentava já ter assumido outro
compromisso quando a duquesa acrescentou:
- Pelo que minha filha Louise me disse, sei que tem uma razão especial
para querer conversar com meu marido.
Dera um sorriso compreensivo ao conde e prosseguira:
- Ele também está ansioso para vê-lo, meu caro lorde Rockbrook, e
permita-me dizer-lhe que o senhor já me fez ficar muito, muito feliz.
Batera de leve com o leque no braço do conde e afastara-se, deixando-o
perplexo.
Por um momento parecera-lhe não ter entendido bem o que ela tentara lhe
dizer. Compreendera, em seguida, que não havia
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engano algum. Ela fora bem clara e ele não via como poderia se safar
daquela situação.
O duque de Torrington era muito importante nos círculos da corte, e a
duquesa havia herdado o posto de dama de honra da rainha. Se haviam
decidido, ou melhor, se Louise havia decidido que ele era um genro
aceitável, não havia outra coisa a dizer ou a fazer a não ser torná-la
sua esposa.
A ideia apavorava o conde. Por mais que aquela mulher o excitasse
fisicamente, não conseguia amá-la e ela absolutamente não era o tipo de
esposa que imaginara para compartilhar de sua vida e criar seus filhos.
Apesar de raramente pensar no assunto, sabia muito bem o tipo de mulher
que desejava como companheira.
Em primeiro lugar, queria que fosse bonita e tivesse uma presença
marcante. Gostaria que fosse alta, muito digna e merecedora das jóias da
casa dos Rockbrook.
Em segundo lugar, ao imaginar a esposa ideal, ele tinha certeza de não
desejar se casar com alguém que despertasse nele o tipo de emoções até
certo ponto embaraçosas.
Obviamente queria sentir afeição por sua esposa. Iria tratála com o maior
respeito e faria o possível para protegê-la de preocupações e
aborrecimentos, por menores que fossem.
Desde que tivera idade suficiente para pensar, sempre achara que as
mulheres dignas de respeito são realmente diferentes das que visam apenas
ao divertimento.
No Condado de Rockbrook, o importante era ter alguém de conduta exemplar,
uma verdadeira dama que fosse acima de tudo um complemento para ele
mesmo, alguém com quem pudesse ter filhos, alguém de quem verdadeiramente
pudesse se orgulhar.
Lady Louise, entretanto, não possuía nenhum desses predicados. Tinha
plena consciência de que não era o primeiro homem a merecer seus favores
e não tinha ilusões de que, uma
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vez casados, ela certamente continuaria mantendo o mesmo comportamento
audacioso.
Era bem do tipo de mulher sempre pronta para fazer tudo o que lhe
passasse pela cabeça, sem medir as consequências.
A frase que lhe fora dita com relação a lady Augusta podia perfeitamente
ser aplicada a lady Louise. Apavorava-o pensar em casar-se com uma mulher
por quem tinha menos respeito do que pela prostituta que à noite saía a
caminhar por Picadilly.
"O que devo fazer? Por Deus, o que devo fazer?", perguntava-se desde
então.
Deixara Londres muito cedo naquele dia, completamente desnorteado. Não
via a hora de chegar a Rock, tendo a sensação de que lá sentir-se-ia mais
seguro.
Ao transcorrer das horas, porém, aumentava sua repugnância à ideia de
instalar lady Louise naquela casa ancestral, como sua mulher.
Atirou-se numa poltrona da biblioteca, e percorreu com os olhos os livros
encadernados em couro, como se um deles pudesse lhe dar a resposta que
procurava.
A porta foi aberta pelo mordomo, que entrou seguido por um copeiro.
- Milorde, o almoço estará pronto em quinze minutos. Achei que lhe
agradaria beber alguma coisa - falou o mordomo, indicando-lhe uma bandeja
que o copeiro trazia, repleta de bebidas variadas.
- Vou tomar um brandy.
Normalmente, teria optado por um cálice de vinho madeira, mas estava com
a alma sobressaltada demais e precisava de algo mais forte, apesar de
saber que não existia nada suficientemente forte para destruir a ameaça
que pairava sobre sua cabeça.
Ao ficar novamente sozinho, resolveu consigo mesmo que
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teria de tomar uma atitude, embora não lhe ocorresse de imediato o que
poderia fazer.
Sem dúvida, teria sempre a alternativa de recusar o convite da duquesa e
ir adiando sucessivamente a temida conversa com o duque até que lady
Louise desistisse da ideia.
Preocupava-o, porém, que, influenciada por seu temperamento audacioso,
Louise decidisse informar aos pais que havia sido seduzida por ele, em
pleno castelo de Windsor.
( Podia avaliar o escândalo que surgiria. Muito provavelmente isso
fomentaria mexericos semelhantes àqueles que circularam sobre a provável
gravidez de lady Augusta Somerset.
Naquele caso específico, apesar do boato ter um certo fundamento, o
príncipe Albert acreditou que fosse integralmente verdadeiro, chegando ao
ponto de tanto ele quanto -a rainha se recusarem a falar com lady
Augusta, instruindo as demais ladies a que fizessem o mesmo.
Como era de se esperar, os Cambridge ficaram extremamente ofendidos com
essa atitude e os Beaufort ferveram de indignação.
O conde não podia imaginar nada pior para o começo de sua nova vida como
chefe da família Rockbrook do que ser alvo do mesmo tipo de escândalo e
comentários.
Restava-lhe, então, na verdade, uma única saída. Cair na armadilha que
lady Louise tão bem lhe preparara e casar-se com ela.
Revoltava-o, contudo, saber que, se não tivesse herdado o título, ela
jamais sequer olharia para ele.
O duque de Torrington nunca aceitaria um candidato, sem vintém, à mão de
sua filha, mesmo que fosse um oficial do exército bem relacionado como
ele.
Por incrível que pudesse parecer, sentia-se agora em perigo semelhante ao
que enfrentara com um pequeno batalhão, na
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fronteira noroeste da índia, quando foram cercados por uma tribo de
selvagens, em número bem superior ao deles.
Naquela situação, só lhes restava esperar pela morte inevitável e
sangrenta.
Felizmente, haviam sido salvos no último instante; mas agora o conde não
via a menor possibilidade de escapar.
"O que poderia fazer? "
Essa pergunta martelava-lhe a cabeça desde a noite anterior e o conde
temia a chegada do momento implacável em que teria de enviar uma resposta
à duquesa.
Vinha-lhe à memória o diálogo que travara com ela, depois de formulado o
convite, e essa lembrança angustiante fazia-o sentir que desde então
estava vivendo um verdadeiro pesadelo.
- É muito amável, duquesa. Permita-me que lhe envie posteriormente uma
resposta se realmente poderei ir na quartafeira?
- Claro - a duquesa replicara, com um sorriso cheio de cumplicidade. -
Mas, se tiver um outro compromisso para a quarta-feira, naturalmente
teremos muito prazer em recebê-lo no dia em que achar mais conveniente.
O conde tivera ímpetos de alegar que esse dia nunca chegaria e ficou em
maior pânico ainda quando a duquesa acrescentara:
- Sei o quanto anseia estar com Louise e ela com o senhor.
Felizmente ela não aguardara sua resposta, afastando-se dele com ar
imponente. A muito custo ele conseguira mover-se, caminhando na direção
oposta.
O conde saíra da sala de jantar completamente alheio a tudo que o
rodeava. Caminhara lentamente pelas salas e corredores até a
biblioteca. A decoração de todos os ambientes era extremamente sóbria,
com uma ligeira aparência de museu devido à imensa quantidade de tesouros
de arte e decoração colecionada pelos Brook através dos séculos.
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Numa fração de segundo, passou pela cabeça do conde que estava faltando
um toque feminino naquela casa, e ele teve um estremecimento. Sua tia
falecera há mais de dez anos e, gradualmente, a casa fora ganhando uma
aparência cada vez mais masculina.
Ele disse a si mesmo que era daquela atmosfera masculina que ele
realmente gostava. Não queria mulher alguma em Rock. Não queria uma
mulher tagarelando pelos cómodos, exigindo sua atenção e, pelo amor de
Deus, não queria especialmente Louise em sua cama!
Jogou-se numa poltrona e deixou-se ficar por algum tempo. Levantou-se, de
súbito, afirmando a si mesmo que não podia ficar naquela prostração.
Precisava se mexer, precisava de exercício, precisava fazer qualquer
coisa, menos ficar pensando nos beijos acalorados de Louise, na paixão
que ela havia acendido nele e que agora só lhe causava repugnância.
Tocou o sino e, quando o criado apareceu, pediu-lhe que selasse um
cavalo.
- Quero o cavalo mais indócil do estábulo!
- Pois não, milorde. Quer que um lacaio o acompanhe?
- Não, vou cavalgar sozinho.
Decidido a combater a angústia que o dominava, o conde
subiu para vestir uma roupa de montaria. O empregado, que durante anos
fora seu ordenança no exército, manteve-se calado, não querendo agravar
ainda mais o evidente mau humor do patrão. O conde também não disse uma
palavra até estar pronto. Então recomendou:
- Não sei quanto tempo vou ficar fora, Bates, mas, se demorar, não quero
que mande ninguém por aí à minha procura. Sei muito bem tomar conta de
mim sozinho, você sabe disso.
Bates sorriu. Realmente sabia melhor do que ninguém como
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o conde era perfeitamente responsável por si mesmo, como também por todos
os que serviam sob suas ordens.
- Fique tranquilo, não vou deixar que se preocupem com o senhor, milorde.
Não foi muito fácil montar o garanhão indócil e arredio que estava a sua
espera à porta de entrada.
Intimamente, o conde desejava que, ao ar livre, pudesse esfriar a cabeça
e encontrar uma solução para seu problema, Sua atenção, no momento,
estava toda voltada em tentar controlar o animal.
Tão logo deixaram para trás as árvores do parque, soltou as rédeas do
cavalo e permitiu que ele galopasse pelo campo. A velocidade que o animal
logo ganhou mais uma vez impediu que pensasse em outra coisa que não o
exercício da equitação, o que, se não lhe trazia consolo para a mente,
proporcionava-lhe grande satisfação ao corpo.
O cavalo finalmente diminuiu a marcha e o conde foi novamente
sobressaltado pela lembrança do possível casamento.
"Por que", perguntava-se a si mesmo, "fui tão estúpido de me deixar
envolver por uma mulher solteira?"
Na realidade, não tivera grande escolha. Poderia ter dispensado Louise de
sua cama, mas teria sido um tolo.
No passado, todos os seus casos amorosos haviam sido com sofisticadas
mulheres casadas, que conheciam muito bem as regras do jogo e não tinham
interesse algum em contrariá-las.
Não que algumas não tivessem desejado. Ele era atraente e bem-apessoado,
além de um amante ardente. Muitas mulheres haviam lhe dado o coração,
embora ele apenas desejasse seus corpos.
- Eu o amo. Oh, Lytton, eu o amo! - ouvira repetidas vezes em sua vida.
Isso o envaidecia e gratificava, mas ao mesmo tempo não se
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lembrava de ter desejado ao menos uma vez tornar o caso permanente, nem
ter tido qualquer dificuldade ou pesar em dizer adeus.
Cuidado com mães ambiciosas de filhas casadoiras!
Ouvira a recomendação inúmeras vezes, e, especialmente na índia, tratara
de tomar o máximo cuidado com as jovens que conhecera.
Ao deixar Oxford, seu pai dera-lhe uma orientação muito clara e precisa
com relação ao sexo frágil, na qual baseara sua atitude para com as
mulheres.
- Vou mandá-lo para o Grenadiers, Lytton - dissera-lhe circunspecto. - É
o regimento da família e me envergonharia de vê-lo servindo em outro.
- Sou-lhe muito grato, sir.
- Deve ser mesmo! - o pai afirmara. - Vai ver que não poderá arcar com
qualquer extravagância e isso significa que deve ter cuidado com as
mulheres que procuram tirar dinheiro de jovens inexperientes.
- Vou me lembrar de seu aviso, sir - assegurara ao pai, com um sorriso.
- Sei -que não pode nem pensar em se casar tão cedo, mas vou lhe dizer o
que meu pai me disse. - Prosseguira o pai:
- Ame-as e deixe-as!
Rira na ocasião, mas sempre lembrava-se daquelas palavras do pai.
Não que mães ambiciosas tivessem se interessado muito por ele. Afinal um
oficial subalterno sem dinheiro algum não exercia nenhuma atração
especial sobre elas.
A situação agora era bem diferente. com seu título e toda a sua fortuna,
era, sem dúvida, o alvo de grande interesse tanto por parte das mães,
como das filhas casadoiras.
Não esperava, porém, que lady Louise agisse tão rapidamente. Ela, sem
dúvida, ganhava disparado a corrida, enquanto as outras não tinham sequer
ultrapassado a linha de partida.
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"Ela me fisgou direitinho!", pensou, inconformado por não conseguir
imaginar qualquer plano de ação para livrar-se das malhas daquela mulher.
Não contendo a revolta que fazia o sangue lhe ferver nas veias, chicoteou
o cavalo. Este desembestou numa desenfreada carreira, como se, indignado
com o tratamento, quisesse dar uma lição a seu cavaleiro.
O conde pressentia que teria dificuldade em dominá-lo. Ajeitou-se melhor
na sela e tentou deixar-se envolver pela deliciosa sensação de cortar o
ar com a velocidade.
Ao avistar as árvores um pouco mais adiante, temeu que o cavalo se
aproximasse muito delas. Poderia acabar pendurado num dos galhos!
O garanhão galopava selvagemente quando se deu o inesperado tropeço.
Instintivamente o conde percebeu que o animal havia enfiado a pata numa
toca de coelho.
Lutou, por um momento frenético, para manter o cavalo sob controle. Foi
em vão. Mais rápido do que o próprio pensamento, sentiu-se sendo Atirado
ao chão. Seguiu-se o impacto violento da batida e a dolorosa sensação de
uma clavícula quebrada.
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CAPÍTULO II
A primeira sensação que o conde teve ao voltar a si foi a de estar
percorrendo vagarosamente um corredor muito longo e escuro. Em seguida,
ouviu vozes e imaginou que estava acordando de um sono muito profundo.
- Você deve descansar, babá - alguém dizia. - Esteve com ele a noite
toda! Agora eu fico, enquanto dorme um pouco.
- Não gosto de deixá-la sozinha com um homem, miss Priscilla, e ponto
final! - retrucou uma voz mais grave, de pessoa mais velha.
- Não vejo perigo algum!
- Talvez não haja, mas não é certo ficar sozinha à cabeceira de um homem,
como sabe muito bem.
- Se ele está inconsciente e não tem a menor ideia de que eu seja uma
mulher ou um elefante, que diferença faz?
- Sei muito bem, miss Priscilla, o que é certo e o que é errado.
- O certo, babá, é você ir deitar-se um pouco, caso contrário não vai
aguentar por muito tempo, e daí o que vou fazer? Seja razoável!
- Vou fazer o que me pede, miss Priscilla, sob uma condição. Assim que o
cavalheiro acordar, a senhorita vai imediatamente me chamar.
- Acho que ele vai dormir por uns cem anos, como o Rip van Winkle!
A governanta soltou uma exclamação reprovadora e saiu do quarto. Ao ouvir
a porta ser fechada, o conde abriu lentamente os
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olhos. A cabeça doía-lhe muito. Lembrou-se então da queda do cavalo.
"Devo ter perdido os sentidos", pensou.
Percebeu que estava num quarto estranho, numa cama que não era a sua e
piscou um pouco devido à claridade que entrava no quarto.
Os raios do sol se refletiam nos cabelos dourados da moça parada junto à
janela semi-aberta e delineavam sua silhueta esguia.
Ocorreu-lhe muito vagamente que aquela devia ser Priscilla. No momento
seguinte, fechando os olhos, ele voltou a mergulhar na serena penumbra da
inconsciência.
Quando acordou novamente, o sol já havia se posto. Estava tudo escuro;
apenas a luz de uma vela ao lado da cama iluminava de maneira ténue o
aposento.
Ele mexeu-se ligeiramente. Uma mão firme levantou-lhe um pouco a cabeça e
levou um copo aos seus lábios, fazendo-o beber o que lhe pareceu uma
limonada, adoçada com mel.
- Agora durma novamente! - ordenou-lhe sua benfeitora.
Ela falava num tom tão familiar que lhe lembrava a voz da governanta da
sua própria infância, e o conde soube imediatamente que devia ser a
"babá", cuja voz já tinha ouvido, não podendo dizer se naquele mesmo dia
ou há mais tempo.
Como estivesse muito cansado, obedeceu à recomendação sem contestar e
adormeceu calmamente.
Na manhã seguinte acordou com uma sensação de extrema ansiedade para
descobrir o que estava acontecendo.
Lembrava-se bem de terem lhe dado qualquer coisa para beber na noite
anterior, das vozes que ouvira conversando ao seu lado, e, gradualmente,
voltou à mente o galope desenfreado que culminara com sua queda.
Teve consciência também de que não podia culpar ninguém.
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A responsabilidade da queda era inteiramente sua. Estava zangado e
incitara o cavalo ao galope.
Olhou ao redor. O quarto estava vazio agora. Onde estaria?
Uma pequena tentativa de se mexer um pouco provocou-lhe dores no braço.
Abaixou ligeiramente a cabeça e, para sua consternação, verificou que
estava com o braço numa tipóia. Lembrou-se então da sensação de ter
quebrado a clavícula ao cair.
A porta se abriu e, sem que fosse necessária uma apresentação, ele sabia
que era a babá que entrava. Era uma mulher de meia-idade, de cabelos
grisalhos, cujo rosto expressava, simultaneamente, bondade e autoridade.
- Está acordado, sir?
- Estou, sim - o conde respondeu. - Por favor, diga-me onde estou.
- Está na herdade de Little Stanton há três dias, sir.
O conde lembrou-se de uma pequena vila a cinco ou seis quilómetros de
Rock House.
- Acho que quebrei a clavícula.
- Receio que sim, sir, mas, como goza de perfeita saúde, logo estará
recuperado.
- Disse que estou aqui há três dias. Então fiquei desacordado todo esse
tempo?
- Creio que quando caiu do cavalo o senhor, desastradamente, bateu a
cabeça.
O conde achou graça no ligeiro tom de censura que havia na voz da
governanta.
- E meu cavalo?
- Está manco, sir, mas logo ficará bom com o tratamento que estamos dando
a ele em nossos estábulos.
- A quem devo tamanha hospitalidade?
A governanta hesitou por um momento e depois respondeu:
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- A casa era do major Cranford, antes de ser morto na índia.
- E agora?
- A viúva dele mora aqui, mas está viajando no momento, sir.
- Quando estava semiconsciente, tive a impressão de ouvi-la conversar com
alguém de nome Priscilla.
- Miss Priscilla - ela informou meio relutante - é a irmã mais nova do
major Cranford.
- Creio que ela a ajudou a cuidar de mim...
- É que o senhor estava inconsciente, sir.
- De qualquer maneira, sou-lhes extremamente grato.
Foi necessário um grande esforço para falar tanto e o conde ajeitou-se,
prostrado, nos travesseiros.
- Vou ajudá-lo a lavar-se, sir, e pedirei que lhe preparem algo para
comer.
O conde sorriu.
- Agora é que me dou conta de como estou faminto.
- Mandarei que lhe tragam a refeição, logo que terminar de ajudá-lo em
sua toalete.
Quando ela saiu do quarto, o conde perguntou a si mesmo se realmente
haveria outros criados a quem ela pudesse pedir ajuda, ou se aquela era
apenas uma desculpa para ir avisar Priscilla de que o enfermo havia
voltado a si.
Por um momento, ficou imaginando como seria sua anfitriã, mas seja lá
como fosse não restava dúvida de que a babá era muito zelosa a respeito
dela.
Foi com muito esforço que suportou ser lavado, barbeado, penteado e ter
a roupa de cama trocada.
- Agora coma o máximo que puder - a babá recomendou.
- Precisa recuperar suas forças depois de ter estado delirante por três
dias.
- Delirante? - surpreendeu-se o conde.
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É comum acontecer isso, depois de ter levado uma batida
tão forte na cabeça.
- Falei muita bobagem?
- Não prestei muita atenção.
- O que eu dizia?
- Apesar de não ter ficado atenta, sir, uma vez ou outra pareceu-me que
tentava escapar de alguma coisa ou de alguém.
Foi então que o conde lembrou-se de Louise e, por um momento, teve
vontade de cair novamente na inconsciência para poder se esquecer da
existência dela.
A deliciosa refeição que saboreava com tanto prazer pareceu perder o
gosto.
Ainda assim, depois de ingerir ovos com bacon, torradas com manteiga e
mel e duas enormes xícaras de café, animou-se um pouco.
Gentilmente, a babá tirou a bandeja.
- Procure dormir agora e relaxar bem até que o médico chegue para vê-lo.
- O que gostaria realmente era de ver miss Cranford retrucou o conde -, e
apresentar a ela as minhas desculpas por tanto trabalho e inconveniência
que estou lhes causando.
- Seria melhor dormir, sir.
Ao vê-la olhar receosa em direção à porta, o conde teve a impressão de
que miss Priscilla estava ali atrás, à escuta.
Pois estava certo. No minuto seguinte, fez-se ouvir a voz clara e alegre
da sua jovem hospedeira:
- Posso entrar?
- É melhor que ele durma antes que o dr. Jenkins venha vê-lo - protestou
a babá, zangada.
- Ele está descansando há dias! - respondeu Priscilla, entrando no
quarto.
A jovem aproximou-se da cama e o conde achou interessante
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que sua aparência correspondesse exatamente à imagem mental que havia
feito dela, depois de ouvir sua voz.
Era muito bonita e esbelta e loira. Em seu rosto sobressaíam-se dois
enormes olhos azuis, extremamente vivos e expressivos. O ar brejeiro que
lhe brincava no rosto a diferenciava em muito de todas as outras moças
loiras que já conhecera.
Olhou admirada para o conde e ele lhe disse, com um sorriso:
- Como pode ver, Rip van Winkle não demorou tanto para acordar!
A pequena gargalhada que Priscilla soltou soou como um gorjeio.
- Então ouviu o que eu disse?
- Ouvi-a dizer muitas outras coisas, mas ainda estava semiconsciente.
- Mas já se sente melhor, não é?
- Muito melhor; e desejo agradecer-lhe pela hospitalidade. Estou curioso
para saber como me encontraram.
- Eu o encontrei. Na verdade, eu o vi cair quando o cavalo tropeçou.
Aquela região é muito perigosa por causa das tocas de coelho. Nunca vou a
cavalo até lá.
- Devia ter sido mais prudente - o conde disse pensativo. - Como poderia
saber das tocas de coelho se não é da
região?
- Coitado do cavalo!
- Ben disse que, depois daquela contorção, a perna dele vai demorar um
pouco para se recuperar e que não vai ser possível montá-lo antes de um
mês. Ainda assim, vai precisar de muito cuidado.
Havia tal ansiedade na voz da jovem que o conde procurou tranquilizá-la:
- Pode confiar em mim, não vou montá-lo antes que esteja perfeitamente
bem.
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- De todo jeito, o senhor também não vai poder montar
tão cedo.
Priscilla sentou-se numa cadeira ao lado da cama. O conde ouvia a babá,
que descera enquanto conversavam, subindo de novo.
- Desculpe-me todo esse trabalho - disse à moça. - Entretanto, ainda não
me disse a razão de ter me trazido para cá.
- Porque nossa casa é a mais próxima - Priscilla respondeu, com
simplicidade -, e não há outro lugar por aqui onde pudesse ficar, com
exceção do Vicariato, com seis crianças barulhentas!
- Fico contente que tenha sido você a boa samaritana e não o vigário!
- Para lhe ser sincera, como minha cunhada está ausente, a babá ficou em
princípio quase que chocada ante a ideia de trazê-lo para cá, mas bem que
está gostando de cuidar do senhor.
- Gostando?
Priscilla piscou muito os expressivos olhos azuis.
- Ela adora ter alguém para mimar. Acho que é porque gosta de dar ordens,
e por mais que o doente proteste tem de fazer o que ela manda.
O conde teve vontade de soltar uma boa gargalhada, mas temendo que
pudesse sentir alguma dor limitou-se a sorrir.
- Minha babá era exatamente igual - disse, com uma expressão de ternura.
- Tentei lutar contra a tirania dela por anos, sem sucesso algum. Imagine
que, quando fui para o colégio, não achei os mestres tão autoritários
quanto ela havia sido.
Priscilla soltou novamente sua gargalhada melodiosa.
- Acho que todas as babás são iguais. A minha é severíssima comigo, mesmo
agora que já sou adulta.
Como se atraída pelo fato de falarem dela, a babá materializou-se à porta
do quarto.
- Bem, miss Priscilla - disse, autoritária -, não quero Que canse meu
paciente com suas conversas.
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- Não estou absolutamente cansado - o conde apressou-se a dizer e estava
sendo completamente sincero.
- Procure dormir agora, sir - a babá disse, categórica.
- Basta que feche os olhos para ver como está precisando descansar.
O conde abriu a boca para dizer que não tinha a menor intenção de dormir.
Antes que se desse conta, porém, Priscilla já havia sido banida do
quarto, as venezianas haviam sido semicerradas e, contra sua vontade, ele
sentiu-se mergulhando no mundo dos sonhos.
O conde só viu Priscilla novamente no final da tarde.
O médico fora visitá-lo e recomendara muito descanso. A babá trouxera-lhe
um excelente almoço e reafirmara um rosário de ordens e recomendações.
Mesmo contrafeito com sua situação, ele sentia que, por menos intenção
que tivesse de dormir, assim que fechava os olhos caía no mundo da
inconsciência e para sua surpresa cada vez acordava mais lúcido.
Aproximava-se agora a hora do chá. Priscilla entrou no quarto trazendo um
vaso com violetas brancas, que colocou na mesa-de-cabeceira.
- Estava colhendo violetas no dia em que o vi cair do cavalo - disse-lhe
com naturalidade. - Como pode ver, estou sempre pelos bosques colhendo-
as. Acho uma sorte quando consigo formar um buque como o de hoje, somente
de violetas brancas, que são as mais raras.
- Sorte foi você ter me visto cair, caso contrário poderia ficar
estendido naquele lugar por dias!
- Levou uma hora para que eu conseguisse juntar alguns homens para ir
buscá-lo. Pensei que outra pessoa até já o tivesse encontrado.
- Reconheço que lhe dei um bocado de trabalho!
- Até que foi excitante! - Priscilla o contradisse. - Não
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acontece nada em Little Stanton. Assim, pelo menos tivemos alguma coisa
diferente para fazer.
Ela calou-se significativamente por um momento, depois acrescentou:
- Como pode imaginar, todos estão curiosos para saber quem você é.
O conde sorriu. Era evidente que, pelo modo com que Priscilla falara,
estava tão curiosa quanto os demais para saber sua identidade.
Ficou tentado por um momento a permanecer anónimo, ou dar nome falso.
Ocorreu-lhe, porém, que, apesar de ter recomendado a Bates que não o
procurasse, àquela hora todos certamente estariam preocupados com sua
ausência e era justo que os tranquilizasse.
- Espero que já tenha ouvido falar de Rock House. Ela o olhou surpresa e
exclamou, eufórica:
- É de lá? Mas claro! Que tola eu sou! Devia ter logo imaginado deve ser
o novo conde!
- Pensei que tivesse desconfiado...
- Ouvi dizer que um sobrinho do conde havia herdado o título, mas jamais
esperei vê-lo em Little Stanton.
- Pois aqui estou!
- Devem estar preocupados com sua demora em Rock House... Para ser
sincera - acrescentou, em tom muito sério -, a babá olhou nos bolsos de
seu casaco para ver se havia qualquer coisa que o identificase, no
caso de seu estado piorar.
- Ah, ficaram preocupadas que eu viesse a falecer? Priscilla sorriu.
- Qual nada! com essa sua aparência grande e forte, não pensei em momento
algum que as consequências pudessem ser tão graves.
- E não foram! - o conde concordou. - Sinto-me até envergonhado
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de estar me comportando feito um inválido, especialmente numa
casa estranha. Priscilla riu novamente.
- Se pudesse prever que um inválido nos iria cair do céu, naturalmente
não poderia desejar outra coisa a não ser que fosse um "estranho alto,
forte e atraente", exatamente como a babá prevê quando lê minha sorte nas
folhas de chá.
- Ora, vejam, então a babá lê a sorte?
- Somente quando insisto muito - Priscilla esclareceu.
- Apesar de ser escocesa e meio vidente, ela desaprova completamente que
se brinque com o "desconhecido". É raro conseguir que se disponha a ler a
sorte.
- Não acho que seja muito difícil fazê-lo.
- Por que diz isso? - perguntou Priscilla, curiosa.
- Porque é óbvio que mais cedo ou mais tarde um "estranho alto, forte e
atraente", como diz, vai aparecer em sua vida.
O tom do conde era meio brincalhão, mas Priscilla respondeu com ar sério:
- Sabe que isso já aconteceu?
- com você? - o conde sentiu uma estranha excitação.
- Comigo, não, mas com minha cunhada Elizabeth.
Sem entender bem a razão, uma leve sensação de desapontamento invadiu-o.
- Elizabeth sentia-se muito infeliz desde a morte de meu irmão Richard,
mas apareceu aqui, inesperadamente, um estranho e acho que vão se casar.
Ao ouvi-la falar, o conde não pôde deixar de observar a expressão dos
olhos dela, que pareciam refletir tudo o que lhe ia na alma.
- Deve estar satisfeita.
- Creio... que sim - hesitou um pouco. - Desejo que ela seja muito feliz,
mas... fico um pouco preocupada com a minha própria situação, pois
Elizabeth e todos em geral acham errado que a babá e eu fiquemos sozinhas
aqui.
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- Quer dizer que sua cunhada vai se mudar daqui?
Sim, é claro. O homem com quem vai se casar tem uma
linda casa do outro lado do Condado. Ele disse que eu poderia ir morar
com eles até me casar... mas sei muito bem que nem ele nem Elizabeth me
querem lá. É natural que prefiram estar sozinhos.
O conde teve a impressão de ler através dos olhos de Priscilla tudo o que
estava pensando e podia entender perfeitamente a situação da jovem.
Como se o assunto estivesse se concentrando muito nela mesma, Priscilla
perguntou:
- Gosta de ser o conde de Rockbrook? Sempre achei que deve ser
formidável.
- E é - concordou o conde sorrindo.
- Mas também deve ser meio penoso - prosseguiu a moça, como se estivesse
ponderando consigo mesma - herdar o título por causa da morte de dois
parentes.
- De fato é uma grande responsabilidade - assegurou o conde, ficando
encantado com o amadurecimento e sensibilidade da jovem. - Por isso,
agora que estou consciente, acho que é mais do que tempo de mandar um
aviso a minha casa de que estou aqui e, assim que melhore um pouco, devo
ser levado para lá.
- Não há pressa, senhor. Ser levado agora seria imprudente e doloroso.
- Espero que não passe de mais um ou dois dias, mas há alguém que pudesse
levar um recado até lá?
- Naturalmente. Eu mesma posso ir. Apesar de nossos cavalos não serem tão
velozes, nem tão bem tratados quanto o seu, estão habituados a levar
Elizabeth e a mim para todo lugar que queiramos ir.
- Acho que seria melhor que mandasse uma outra pessoa
- o conde disse, categórico.
Ele não podia deixar de pensar que a ida de Priscilla até sua
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casa e o fato de o estar hospedando daria margem a muitos comentários.
- Se acha melhor, Ben pode ir então.
- Ótimo - o conde aprovou. - Se não for lhe pedir muito, poderia me
arrumar papel e caneta?
Escreveria para o administrador geral, um homem chamado Anstruther, que
estava cuidando de tudo até que designasse um novo secretário, uma vez
que o antigo se aposentara com a morte do tio.
Havia vários cargos vagos em Rock. Muitos acharam que a mudança de senhor
era o momento oportuno para se afastarem dali. O conde estava aguardando
o momento oportuno de examinar o assunto com o administrador para nomear
as pessoas melhor qualificadas para cada cargo.
Priscilla saiu e logo voltou com o papel e a caneta. Como o conde tivesse
dificuldade em escrever por causa do braço esquerdo na tipóia, ela
segurou o papel para que ele escrevesse a carta dando as instruções que
queria.
Estava para assinar quando lhe ocorreu que a melhor maneira de compensar
Priscilla por todo aquele trabalho era proporcionar-lhe alguns prazeres
gastronómicos que estava certo eram difíceis de se obter em Little
Stanton.
Acrescentou então um post scriptwn a sua carta, pedindo que lhe enviassem
frutas, ovos, leite, carne de carneiro, de frango e presunto.
- A babá deve ter encontrado algum dinheiro ao revistar meus bolsos.
Pergunte-lhe onde o colocou e dê um guinéu a Ben.
- Um guinéu? - perguntou Priscilla, arregalando os olhos.
- Ben vai ficar muito espantado!
- Então vamos espantá-lo!
Priscilla deu um de seus sorrisos encantadores.
- Acho que não posso mais considerá-lo um "estranho alto e forte", mas um
mágico de contos de fadas! Se lhe trouxer um ratinho, pode transformá-lo
num cavalo tão puro-sangue quanto o seu?
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Gostaria que mandasse vir para cá um de meus cavalos para montar?
Não havia qualquer segunda intenção nas palavras de Priscilla e a
pergunta do conde a fez corar.
Não... claro que não! Estava apenas brincando!
- Mas é uma boa ideia. Vou falar com meu camareiro quando chegar.
- Pediu-lhe que viesse?
- Não é justo que a babá fique cuidando de mim e não desejo cansá-la.
- Vai ficar enciumada por preferir os serviços de seu camareiro aos dela.
O conde riu.
Mais uma vez, como se tivesse sido chamada, a governanta apareceu e
mandou Priscilla ir se deitar.
Em seguida, serviu ao conde uma refeição leve e ajudou-o a acomodar-se
para dormir.
- Se precisar de qualquer coisa durante a noite, milorde, é só tocar a
sineta que deixei ao lado de sua cama. Não se acanhe de tocá-la. Estou do
outro lado do corredor e tenho sono leve.
Nem por um segundo o conde duvidou disso, uma vez que as babás precisavam
estar atentas ao menor choro de criança.
- Obrigado, babá, espero não precisar incomodá-la.
- Boa noite, milorde, procure descansar bastante.
A maneira como havia feito a recomendação dava a impressão de julgar que
o conde levasse uma vida mundana e atribulada, o que não estava muito
longe da verdade.
Uma vez sozinho no quarto, assaltou-o novamente a lembranÇa de Louise,
quase que tão sorrateiramente quanto a própria entrada dela no quarto do
castelo de Windsor. Ele sabia que a duquesa devia estar estranhando a
falta de resposta a seu convite.
Uma sensação de alívio o invadiu ao constatar que sua visita teria de ser
adiada, gostasse ela ou não. Infelizmente, não havia
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como cancelá-la de vez. Louise certamente o estava aguardando para falar
com o duque, e a duquesa não desistiria do convite tão facilmente.
Parecia ver Louise aproximando-se cada vez mais de sua cama, em sua
camisola branca, com seu sorriso sensual e seu olhar malicioso, como uma
fera selvagem pronta para atacar.
Realmente a imagem não podia ser mais precisa, trazendo lhe à memória um
fato ocorrido muito tempo antes, quando estivera na índia com seu
regimento, e fora caçar com um jovem oficial.
Depois de caçar alguns veados e vários outros pequenos ani mais, dera-se
conta de que não havia mais balas em sua espin garda e, contrariado,
soubera que o oficial havia esquecido de levar mais munição.
Ordenara-lhe, pois, que voltasse ao acampamento para bus car o necessário
e tratara de se acomodar sob uma árvore à espera de seu regresso.
Fora então que, instintivamente, percebera estar em perigo, Pusera-se de
pé, com a respiração suspensa. Para seu pavor, vira-se frente a frente
com uma jovem leoa feroz e perigosa, que se aproximava lentamente.
Ficara imóvel, encostado à árvore, apontando a arma descarregada em
direção ao animal, embora soubesse que não teria chance alguma de
sobrevivência.
De olhos brilhantes, narinas are antes e músculos tensos, ela preparava-
se para atacar sua presa de um momento para outro, não restando outra
alternativa ao conde a não ser rezar por um milagre.
Eis que, inesperadamente, como se a mão da Providência tivesse
interferido em seu favor, uma flecha certeira fora atirada por trás,
ferindo a leoa no dorso. Ela rosnara de dor, voltara-se e embrenhara-se
na mata.
Seu oficial correra até ele e recarregara a espingarda. Fora incrível a
sensação de ter escapado do perigo.
Entretanto, dizia agora a si mesmo, milagres acontecem só
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uma vez na vida. Louise estava a sua espreita, pronta para atacar, e
desta vez não havia esperança de salvação.
Assim que amanheceu, Bates apareceu com as provisões que lhe pedira.
A notícia de sua chegada fora efusivamente anunciada por Priscilla que,
praticamente, irrompera quarto adentro.
- Como sabia... como adivinhou que íamos adorar ter tanta coisa
deliciosa?
- Que bom! Bates já chegou?
- Está descarregando os mantimentos na cozinha e a babá está protestando
que não era necessário, embora seu rosto esteja alegre e não tenha feito
menção de devolver coisa alguma!
- E não é para devolver! Além de estar me alimentando aqui, quero que
usufruam de tudo.
- É muita bondade sua.
- Bondade foi a de vocês me receberem!
- Espero que a babá não assuma o ar de ofendida por achar que não estava
gostando de nossa comida - Priscilla sorriu.
- Acho que não há nada mais estúpido do que as pessoas fingirem ser mais
ricas do que são, e nós... nós somos muito pobres.
- Como? - perguntou o conde surpreso.
- Porque Richard deixou muitas dívidas e Elizabeth não tem fortuna de
família.
Priscilla fez um gesto encantador com as mãos.
- É por isso que está tão eufórica de se casar com o rico sr. Charlton,
que está muito apaixonado por ela. E ela por ele, diga-se de passagem.
- Assim está melhor - aparteou o conde, com uma pontinha de sarcasmo. -
Creio que não se casaria com ele apenas Por dinheiro caso não o amasse,
não é?
Claro que não! Como pode pensar numa coisa dessas? a e Richard eram muito
pobres, mas muito felizes.
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Havia tal indignação na defesa de Priscilla que o conde sentiu-se
obrigado a desculpar-se.
- Perdoe-me. Havia me esquecido de que este é um lugar de conto de fadas
e os personagens dessas histórias sempre se casam e vivem felizes.
Havia no tom de voz do conde um misto de ironia e amar gura, pois ele
lembrou-se que se se casasse com Louise estava fadado a sofrer antes e
depois do casamento. Mais uma vez ela surgiu aos seus olhos como uma
perigosa leoa.
Percebeu então que Priscilla o olhava interrogativamente.
- Por que fala desse jeito? - perguntou-lhe depois de um momento.
A última coisa que passaria pela cabeça do conde era fazer confidências a
Priscilla.
- Talvez esteja com inveja dessa felicidade - respondeu em tom jovial.
- Está sugerindo que gostaria de se casar e ser feliz para sempre?
- Claro! Não é o que todos, homens e mulheres, desejam?
- Seu sonho vai se realizar - profetizou Priscilla, esfregando uma mão na
outra.
- O que quer dizer?
- Observava-o quando estava inconsciente e concluí que tem tudo o que uma
mulher pode desejar num homem.
O conde arqueou as sobrancelhas, mas desistiu de fazer qual quer
comentário ao perceber que Priscilla falava a sério, sem qualquer
intenção de adulá-lo. O seu tom de voz era baixo mais parecia que falava
consigo-mesma:
- Não é apenas porque é... forte e bem-apessoado, mas, embora eu nem o
conheça direito, senti que é corajoso... bom e humano.
- Como pode ter certeza?
- Posso estar enganada, mas minha intuição diz que não Só uma coisa me
pareceu errada.
- Errada?
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- Quando estava delirante, falou muita coisa sem sentido. Entretanto,
tive a impressão de que odiava alguém... ou talvez uma situação... não
sei, só sei que falava num tom de ódio com um certo desgosto.
O conde estava admirado. Era impressionante que ela tivesse chegado à
perfeita conclusão do que se passava com ele, através do pouco que
aparentemente ouvira.
Odiava Louise, e pensar nela como esposa causava-lhe profundo desgosto.
- Sinto muito... - Priscilla balbuciou. - Fui muito impertinente em lhe
dizer o que pensava e me... intrometer em sua privacidade. Perdoe-me.
- Ora, não há nada a perdoar - replicou o conde.
O brilho que iluminou o olhar de Priscilla tornou a expressão de seu
rosto adorável.
- Não pode... odiar ninguém, ou ser infeliz - disse ela baixinho -, pois
isso estraga o conto de fadas. Talvez eu possa ser sua Fada Madrinha e
afastar todo o mal que o perturba.
O conde não pôde deixar de retribuir o doce sorriso que ela lhe oferecia.
Ao fazê-lo uma súbita ideia apoderou-se dele.
Quem sabe Priscilla pudesse ajudá-lo. Quem sabe, não. Ela realmente
podia!
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CAPITULO III

O conde era um homem extremamente metódico. No exército, quando planejava


uma campanha, era tão preciso que via de regra se via alvo de
comentários.
- Brook nunca perde seu objetivo de vista - comentara uma ocasião um de
seus generais. - A ideia de derrota ou fracasso jamais lhe passa pela
cabeça.
O pensamento de que Priscilla podia salvá-lo de Louise ocorreu-lhe como
inspiração divina. Imediatamente pôs-se então a planejar cada mínimo
detalhe.
O mais importante de tudo é que o duque e a duquesa de Torrington e,
principalmente, sua filha jamais desconfiassem que pretendia assumir o
sagrado estado do matrimónio para escapar deles.
Nada havia sido dito entre a duquesa e ele que pudesse comprometê-lo, daí
não haver pressa alguma em justificar a ela a razão de não poder fazer-
lhes a visita, conforme o sugerido.
Se parecia haver uma segunda intenção no convite dela, era simplesmente
porque ele próprio estava com a consciência culpada.
Apavorava-o a possibilidade de que Louise, como lady Augusta,
desconfiasse de estar grávida. Nesse caso, nem mesmo o fato de estar
casado com outra pessoa evitaria o escândalo.
Na tentativa de acalmar-se, o conde dizia a si mesmo que se Louise
estivesse grávida teria procurado entrar em contato com ele mais cedo. O
mais provável era mesmo que o súbito interesse nele se devesse à herança
do título e da fortuna.
Tinha a vaga lembrança de ter ouvido tempos atrás o comentário
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de que Louise estava tendo um caso com alguém conhecido, que não
se lembrava quem era. A notícia devia ter se espalhado por Londres e era
essa provavelmente a razão de que, apesar de sua beleza, ainda não
estivesse casada aos vinte e três ou vinte e quatro anos.
Encontrando-se desesperada por um marido, que partido poderia ter-lhe
parecido melhor do que ele?
Pela primeira vez, desde que voltara de Londres, começava a sentir que
diminuía dentro dele o verdadeiro pânico em que estivera vivendo desde
então.
O futuro parecia-lhe mais claro e promissor agora e não a terrível
escuridão da qual por mais que tentasse não sabia como escapar.
Naquela noite, o conde permaneceu a maior parte do tempo acordado,
refletindo sobre o que iria fazer e dizer a Priscilla.
Até o fato de que ela não tinha os pais vivos parecia que lhe facilitava
as coisas. Qualquer mãe exigiria um noivado de pelo menos três meses,
para que o casamento não parecesse muito precipitado e desse margem a
falsas interpretações.
Sim, pois o conde não desejava esperar nem três semanas quanto mais três
meses para livrar-se de vez de Louise.
Era também muito oportuno que a cunhada de Priscilla fosse se casar e ela
não tivesse para onde ir...
Adormecendo, finalmente, de pura exaustão, o conde acordou na manhã
seguinte com um sorriso nos lábios. A vida lhe prometia um futuro dourado
pelo qual lutar.
Quando Priscilla entrou no quarto um pouco mais tarde naquela manhã,
depois do conde ter se lavado, barbeado e tomado um revigorante café da
manhã, ele a olhou de maneira diferente do que o fizera até então.
Desde que a vira pela primeira vez, achara-a uma jovem bonita e atraente,
divertindo-se com as coisas que falava e, principalmente, com sua
espontaneidade.
Entendia agora que isso se devia tanto a sua inocência, quanto
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ao seu desconhecimento da sociedade, atributos que, aliás, sempre
buscara na futura esposa.
Ao vê-la entrar sorrindo no quarto, não teve dúvida de que seu olhar
transparente refletia toda sua pureza interior. Certamente ela nunca
sequer fora beijada por um homem.
Não havia comparação possível entre Louise e ela. Sabia que Priscilla
sempre se comportaria com o máximo decoro e que seria merecedora de todo
o respeito que sempre pretendera dedicar à esposa.
"Talvez ela se sinta nervosa em princípio de ser a senhora de uma mansão
como Rock", pensou ele, "e, principalmente, de ter de frequentar o
palácio de Buckingham e o castelo de Windsor. Vou orientá-la, porém,
sobre como se comportar e o que dizer e, se seguir minha orientação, não
terá problema algum".
Curioso é que naquele momento tão decisivo de sua vida vinha-lhe à mente
como se saíra bem no treinamento de recrutas, tornando-os excelentes
soldados.
Como o admiravam, os jovens soldados faziam sempre o possível para
agradá-lo, e Brook nunca tivera problemas de insubordinação ou
indisciplina.
Vivendo numa cidadezinha pacata como Little Stanton, sempre rodeada pelas
mesmas pessoas, não restava dúvida de que Priscilla se surpreendera com a
figura do conde, e que certamente acataria docilmente seus conselhos.
A única coisa que o perturbava era ter de se casar tão depressa depois de
haver herdado o título.
Se lhe fosse dado escolher, gostaria de poder passar um ou dois anos
acomodando-se à nova situação e a um tipo de vida completamente diferente
da que levara até então.
O destino, porém, apresentava sempre alguma penalidade a se pagar e, se o
casamento com Priscilla significava livrar-se de Louise, só poderia
louvá-lo, quer acontecesse de imediato ou dentro de cinco anos.
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Notando o ar pensativo do conde, Priscilla aproximou-se da cama.
- Dormiu bem? A babá me disse que se alimentou melhor hoje e que logo
estará em condições de nos deixar.
- Acho que a babá está querendo livrar-se de mim logo!
- Temo que essa seja a verdade. Ela o considera uma influência
prejudicial para mim.
- Ora, vejam! - divertiu-se o conde.
A jovem prosseguiu no mesmo tom sério.
- Ela diz que, depois de toda fartura que nos proporcionou, ficaremos
descontentes com o nosso dia-a-dia. Além disso, embora ela não diga,
creio que também desconfia que vou fazer comparações entre o senhor e o
"moreno desconhecido", quando ele chegar.
Havia tal ingenuidade nas palavras da jovem que o conde teve a certeza de
que nem por um momento ela o imaginou como seu possível Príncipe
Encantado.
A situação chegava a ser até desconcertante, uma vez que ele estava
acostumado a ser perseguido pelas mulheres onde quer que se encontrasse.
- Você disse que apareceu um estranho muito atraente para sua cunhada -
comentou em voz alta. - Estou surpreso que a babá não o tenha
desestimulado.
- Ela o aprovou logo - Priscilla respondeu, sentando-se na cadeira ao
lado da cama. - Realmente ele é o tipo de homem com quem Elizabeth devia
casar-se. É bom e atencioso e parece achar que não existe nenhuma outra
mulher no mundo além dela.
- Estranho que você mesma não tenha tentado conquistá-lo
- observou o conde.
Priscilla olhou-o surpresa.
- Seria muito mesquinho de minha parte quando Elizabeth é mais velha do
que eu e estava tão infeliz com a morte de Richard.
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Então, como se considerasse melhor o que ele havia dito, acrescentou:
- Edward foi feito para Elizabeth, não para mim.
- Por que não? - admirou-se o conde. Priscilla pensou por um momento.
- Não é muito aventureiro e é muito circunspecto. Além disso, consigo
adivinhar o que vai dizer antes que ele fale e sei de antemão quais são
suas opiniões antes de exteriorizá-las.
- Realmente não é muito estimulante - ele concordou. Mas muitas mulheres
desejam esse tipo de segurança e estabilidade.
- Tem conhecido muitas assim?
Se o conde tivesse de ser sincero, teria de admitir que, no que lhe dizia
respeito, as mulheres pareciam sempre preparadas para pôr em jogo sua
reputação e corriam os maiores riscos por causa dele.
Muitas chegavam ao extremo de não se importar de romper casamento e serem
marginalizadas pela sociedade.
Dando-se conta de que Priscilla aguardava sua resposta, disse, lacónico:
- Suponho que seja isso o que queiram.
- Tenho certeza de que não está falando a verdade - retrucou, perceptiva.
- Não tenho dúvidas de que leva uma vida de aventuras e agitação e é isso
mesmo o que desejam as mulheres que o admiram.
- Você está me bajulando... Como sabe que há mulheres que me admiram?
Priscilla soltou uma gargalhada jovial.
- Agora está sendo modesto. Até a babá admite que o senhor é o "tipo do
homem fino". Por isso é que está decidida a mandá-lo de volta para casa o
mais breve possível.
- Será que a babá teme que você se apaixone por mim? ele ousou perguntar,
curioso.
- Está morrendo de medo! - Priscilla admitiu. - A cada dia que passa,
noto que a ansiedade dela aumenta.
Ela tornou a soltar uma gargalhada encantadora e melodiosa,
acrescentando:
- Ontem à noite, quando ela estava ajudando-me a trocar de roupa, disse:
"Não vá pondo ideias malucas na cabeça a respeito de milorde. Assim que
estiver melhor, vai voltar para Rock, depois para Londres e para um tipo
de vida que é completamente diferente do seu, e você nunca mais voltará a
vê-lo".
O conde achou extrema graça na maneira perfeita com que Priscilla imitou
a voz da babá.
- O que foi que você respondeu a ela? - perguntou, rindo. Priscilla
hesitou por um instante, fazendo-o pensar que se
recusaria a responder. Entretanto, surpreendeu-o com sua sinceridade:
- Eu disse: Babá, talvez milorde nos esqueça, mas nós nunca o
esqueceremos, depois de ter nos proporcionado tanta coisa boa e ser tão
generoso.
- Ora, agradeço muito que me considere generoso - retrucou o conde -, mas
acho que seu julgamento pode ser precipitado, afinal apenas me viu
inconsciente ou esticado aqui na cama, usando os pijamas de seu pai.
O lado vaidoso do conde, que todo ser humano tem, sentiu naquele momento
um desejo de que ela pudesse vê-lo imponente, em sua farda de gala.
Em seguida, ocorreu-lhe que a conversação estava tomando um rumo digno de
uma peça teatral, faltando apenas para completar o ato que alguém fizesse
o aparte: Faça o pedido!
Ele sentia, contudo, que ainda era um pouco prematuro. Embora estivesse
consciente de que Priscilla gostava de conversar com ele, não escondendo
inclusive sua admiração, percebia que não significava nada de mais
pessoal para ela, nem justificava a preocupação que a babá estava
sentindo.
- O que vai fazer hoje? - perguntou-lhe, desviando o assunto.
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- Vou andar a cavalo. Ah, ia esquecendo-me de lhe dizer que seu cavalo
está bem melhor. Ben foi dar uma volta com ele hoje cedo e, apesar de
ainda estar mancando um pouco, já anda com maior facilidade.
- Que boa notícia!
- Qual o nome dele? - Priscilla quis saber.
- Rufus - respondeu o conde. Priscilla franziu o nariz.
- Honestamente, não gosto muito. Os nossos cavalos chamam-se Mercury e
Pegasus. Fui eu quem os batizei e achava-os os cavalos mais lindos do
mundo até ver seu Rufus!
- Pois veja que a babá tem razão até certo ponto. Esse é o tipo de
comparação que ela não aprovaria! Não seria justo ficar insatisfeita com
Mercury e Pegasus por ter conhecido Rufus.
- Não há a menor possibilidade de acontecer isso! - Priscilla replicou
indignada. - Admiro muito Rufus, mas amo Mercury e Pegasus, especialmente
Mercury que é meu, e nada no mundo tomaria seu lugar no meu coração.
- Vejo que é leal - comentou o conde.
- Se amar os animais e as pessoas desinteressadamente, não me importando
de que os outros tenham melhor do que eu, é ser leal, então sou leal.
- O que, sem dúvida, é uma qualidade louvável. Por outro lado, muito me
agradaria vê-la montando um cavalo puro-sangue.
Passou pela cabeça do conde que, se ela montava com a mesma graça com que
caminhava, faria sucesso em qualquer de seus cavalos e seria ótimo tê-la
por companhia nas caçadas de inverno.
Apesar de nunca ter pensado nisso antes, agora parecia-lhe imprescindível
que a esposa fosse uma exímia praticante da arte da equitação.
Sempre observara como as esposas dos amigos ressentiam-se
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do fato de serem deixadas para trás quando os homens iam caçar.
Mas havia muito para uma mulher se ocupar em Rock, além de acompanhá-lo a
caçadas.
O conde parecia agarrar-se a essa ideia por uma necessidade imperiosa de,
inconscientemente, garantir a si mesmo que não ia perder completamente a
independência.
Afinal, antecipava o prazer que sentiria de falar na Câmara dos Lordes,
de frequentar as reuniões masculinas, de ser tratado com deferência em
seu clube.
Eram inúmeras realmente as vantagens que sua nova posição lhe abria.
Uma das mais importantes era ser dono de inúmeros cavalos de corrida, que
estavam sendo treinados em Newmarket, sendo automática, portanto, sua
indicação para o Jockey Club.
Desde que herdara o título, o futuro parecera-lhe altamente promissor,
mas Louise tivera a capacidade de empanar o brilho de sua alegria.
Felizmente agora estava conseguindo enxergar com maior clareza novamente
e havia nele um misto de vaidade e triunfo por sentir-se apto a safar-se
dos planos dela, fazendo-a inclusive de tola.
Antes de conhecer Priscilla, corria realmente um sério e assustador
perigo. Ela era merecedora de todos os louvores por ser uma verdadeira
fada, capaz de transformar o seu destino.
Depois de examiná-lo, o médico disse ao conde que poderia levantar-se
dentro de alguns dias, mas teria de permanecer no quarto.
- Uma clavícula quebrada leva tempo para ser recuperada, rciilorde, e não
seria prudente correr qualquer risco de uma recaída, especialmente
considerando-se tudo o que o senhor tem a fazer pela frente.
- Tudo o que tenho a fazer? - repetiu o conde.
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- É isso mesmo... - começou o médico a dizer, mas parou e olhou-o
embaraçado. - Perdoe-me, mas não é da minha conta.
- Mas é da minha! - replicou o conde. - Agradeceria muito se concluísse o
que começou a dizer.
- Não é nada tão importante assim...
- Pressinto que é - interrompeu-o o conde -, e gostaria muito de saber do
que se trata.
- Pois bem, milorde, só espero que não vá me considerar muito
impertinente. É mais do que sabido nesta região que a lavoura em Rock
Estate está muito atrasada e ultrapassada. Estamos, portanto, todos
esperançosos de que, sendo jovem e tendo uma reputação de empreendedor,
possa fazer grandes modificações no lugar.
O conde estava surpreso.
Sempre considerara Rock Estate como um verdadeiro modelo. Possivelmente
como estivera na índia nos últimos anos, não tomara conhecimento das
falhas existentes.
Seu silêncio fez com que o médico o olhasse apreensivo.
- Perdoe-me, milorde, mas o senhor pediu que eu falasse francamente.
- Fico contente que o tenha feito - respondeu o conde. Vou procurar
verificar tudo, assim que tenha tempo. Prometo-lhe que novos métodos e
novas ideias serão aplicadas onde for possível, em Rock.
- Sabia que podia contar com sua compreensão, milorde exultou o médico. -
Vai enfrentar muita resistência para implantar mudanças e terá de lutar
muito. Mas não tenho dúvidas de que valerá a pena.
- Tenho certeza disso - concordou o conde.
Tão logo o médico se foi, a governanta insistiu para que ele dormisse um
pouco, por isso somente após ter terminado o chá da tarde é que viu
Priscilla novamente.
Ela contou-lhe que fora cavalgar e que, depois do que acontecera ao
conde, fora especialmente cuidadosa.
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Sei que os campos são muito perigosos, mas meu pai não
tinha condições económicas para arcar com métodos modernos para tratá-los
e menos ainda para empregar homens para esse tipo de serviço.
- Também vou ser mais cuidadoso quando voltar a cavalgar o conde ponderou
mais para si mesmo.
Priscilla sorriu e ele logo desconfiou do que lhe passava pela cabeça.
- A babá andou lhe dando conselhos novamente, não é? Ela riu.
- Disse-me que aproveitasse enquanto posso, pois a semana que vem teria
de me contentar com a minha vida de antes, e, principalmente, com as
nossas pobres refeições.
- O que você comeu hoje?
- Carneiro assado e torta de framboesa com creme.
- Eu também. Estava tudo uma delícia!
- Se estava! Deve ser uma maravilha poder comer assim todos os dias e
achar a coisa mais natural...
O conde ficou tentado a lhe dizer que, no futuro próximo, ela teria
sempre esses prazeres, mas resolveu calar-se para não assustá-la e,
principalmente, para não intimidá-la enquanto estivesse em sua casa.
Era muito estranha a sensação de estar com uma mulher que nada fizesse
para provocá-lo.
Qualquer outra em seu lugar estaria tentando bajular o seu ego e usando
dos mais estranhos pretextos para tocá-lo.
Priscilla, pelo contrário, conversava com a maior espontaneidade,
encantando os ouvidos do conde com sua voz serena e Melodiosa. O assunto
fluía fácil entre os dois e, mais uma vez, foi necessária a interferência
da babá para que ela fosse se recolher.
No dia seguinte, Priscilla entrou quase dançando no quarto, agitando uma
carta na mão.
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- Elizabeth ficou noiva! - contou animada. - Vão se casar dentro de três
semanas.
- Você parece contente - observou o conde.
- E estou. Elizabeth está muito feliz. Diz que Edward Charlton é muito
bom. Ela recebeu como presente de noivado um conjunto de anel e broche de
safiras lindíssimo!
- E você, vai assistir ao casamento? Priscilla não escondeu seu
desapontamento.
- Infelizmente, não. Eles vão se casar muito discretamente, na igreja da
vila de Edward.
Visivelmente triste, deu um pequeno suspiro e prosseguiu:
- Tinha esperança de que se casassem aqui, mas depois compreendi que ela
não tem os mesmos laços que eu com Little Stanton, portanto é natural que
se casem na igreja de Edward.
- De onde é a família dela?
- Richard conheceu Elizabeth na índia. O pai dela é juiz em Calcutá.
Não podia haver melhor informação do que aquela. Agora ele estava
tranquilo de que não haveria qualquer interferência ou protesto quando
dissesse a Priscilla que pretendia casar-se com ela e levá-la para Rock
assim que melhorasse.
Quando o médico foi vê-lo, no dia seguinte, o conde pressionou-o para lhe
dizer quando teria alta.
- Entendo que esteja ficando enfadado, milorde - disse-lhe o dr. Jenkins.
- Bem, não o culpo. Imagino que esteja ansioso para voltar para sua casa
que, a bem dizer, é como um brinquedo novo.
Ele riu da própria piada e o conde insistiu:
- Então quando posso partir?
- Poderia ir amanhã, mas será uma viagem muito sacrificada, mesmo na
melhor carruagem. É melhor que espere mais uns dois ou três dias e, ainda
assim, terá de ser muito cuidadoso
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até que sua clavícula esteja completamente ligada. Se,
or uma fatalidade, houver um desligamento do osso novamente então verá o
que vai demorar para se levantar novamente.
O dr. Jenkins era um homem sério e estava sendo prudente,
convencendo o conde com suas palavras a esperar mais três
dias antes de voltar para casa.
Decidiu ele então que o casamento devia realizar-se antes de partir,
devendo, pois, comunicar suas intenções a Priscilla imediatamente.
A primeira providência que tomou foi enviar, através de um criado, um
bilhete a seu procurador para obter a licença.
Parecia-lhe, mais do que nunca, ser fundamental que seu casamento fosse
realizado no mais absoluto sigilo e sabia que podia contar com a
confiança e discrição de todos os seus colaboradores.
No momento em que a babá entrou no quarto, o conde aproveitou para
perguntar-lhe se Priscilla não poderia tomar chá com ele naquela tarde. A
ocasião seria perfeita para fazer-lhe o pedido.
A babá, porém, alegou que a sugestão contrariava sua concepção de decoro
e, como sempre, miss Priscilla tomaria seu chá sozinha.
- É bom que vá se acostumando - argumentou. - com o casamento de mrs.
Cranford, é o que sempre vai acontecer a ela daqui para frente.
- Esse casamento teve a sua aprovação, não, babá? - o conde sondou-a.
Penso que mrs. Cranford e mr. Charlton foram feitos um Para o outro - ela
retrucou.
E o que será de miss Priscilla? Ela já tem idade suficiente Para se
casar.
A babá apertou os lábios por um instante e disse, em tom áspero:
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- É bom, milorde, que não vá pondo ideias na cabeça A miss Priscilla.
Embora ela tenha um tipo de vida inadequado para uma jovem de sua idade,
está muito feliz assim.
- E você nunca tentou fazer nada para ajudá-la a ver ou trás pessoas, ter
mais convivência social?
- O que poderia fazer? Mr. Richard morreu há pouco mais de um ano e há
muito pouca gente jovem na vizinhança.
A babá fez um gesto eloquente, que o conde entendeu perfeitamente. Como
eram pobres e sem importância, ninguém si preocupava com elas, por mais
bonita que Priscilla fosse.
- Sempre acreditei - prosseguiu ela - que chega o momento para tudo e
Deus vai se incumbir de arrumar-lhe uma boa sorte. Só lhe peço, milorde,
que procure não perturbá-la. Até a sua chegada, ela nunca parecia ter-se
dado conta de que era tão sozinha.
- E está se dando agora?
- Espero que não, milorde... espero sinceramente que não
- disse a governanta em voz baixa.
O conde não conteve um sorriso quando ela saiu. Pelo que lhe dissera,
Priscilla já estava interessada nele, o que tornaria mais fácil a
aceitação de sua proposta.
Essa perspectiva fazia com que exultasse. Quanto mais observava
Priscilla, mais acreditava que não poderia haver melhor solução para seu
problema.
Ela era de fato encantadora. Uma vez vestida com as roupas da moda,
confeccionadas pelos melhores costureiros, estaria apta a frequentar o
palácio de Buckingham, entre as mais finas damas.
Deitado em sua cama, o conde continuou seus devaneios, pintando das mais
belas cores seu futuro com Priscilla.
Decidiu de antemão que não levaria a esposa muito cedo ao palácio de
Buckingham ou ao castelo de Windsor para evita um encontro com Louise.
Estava convicto, porém, de que, quando a rainha a conhecesse
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ambas se dariam muito bem, pois eram parecidas na aparênciae no
comportamento.
Ele havia ficado sensibilizado pela graça, modéstia e recato de Victoria,
ao ser proclamada rainha da Inglaterra.
De fato, na ocasião, Greville, o historiador, dissera-lhe:
Não houve nunca nada semelhante à primeira impressão
que ela causou, nem ao coro de elogios que arrancou com seu comportamento
e modos.
Conhecendo Greville há anos como crítico mordaz da sociedade em geral, o
comentário sobre a rainha havia sido verdadeiramente surpreendente.
Interessante havia sido o prazer que sentira de lhe contar sobre a
coroação de Victoria, uma vez que, na ocasião, o conde estivera no
exterior.
- As atenções de todos estavam completamente voltadas para ela devido a
sua juventude, inexperiência e desconhecimento do mundo - concluíra
Greville.
As palavras do historiador voltavam-lhe à mente agora e podiam
perfeitamente ser ditas a respeito da própria Priscilla.
Jovem, inexperiente e desconhecedora do mundo, certamente despertaria
muita curiosidade como sua esposa.
Uma vez mais, veio-lhe à memória a figura ameaçadora de Louise, pois era
impossível deixar de fazer uma comparação entre a candura de uma e a
agressividade da outra.
- Como vai ficar desapontada! - disse a si mesmo, sentindo-se triunfante,
depois de ter-se sentido derrotado.
Entretanto, parecia-lhe mais do que justo que desse uma lição naquela
criatura diabólica.
O pensamento de que o duque, porém, poderia fazer de sua vida na corte um
inferno, caso suspeitasse que deliberadamente enganara a filha, deu ao
conde um senso de urgência, ansiando por ver-se casado com Priscilla.
Eis que a jovem, com uma leve batida, entra em seu quarto, trazendo
cuidadosamente um pequeno vaso de flores nas mãos.
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- Estou lhe trazendo algo especial, os primeiros lírios-do-vale, sinta
que perfume delicioso!
Ela aproximou-se da cama para que o conde pudesse senti o aroma das
flores.
- Obrigado - disse ele, comovido. - Creio que, se tivesse de escolher uma
flor para representá-la, escolheria, sem dúvida, um lírio, um lírio-do-
vale.
O conde intimamente esperava que ela corasse, ou se mós trasse tímida,
mas Priscilla, pelo contrário, aceitou a comparação com a maior
naturalidade:
- com que então também gosta de comparar as flores con as pessoas! Sempre
digo que Elizabeth parece um botão rosa, lindo e delicado. A babá, apesar
de ficar zangada quandi digo isso, é a própria boca-de-leão, meio austera
e assustadora até que se note que as abelhas nunca abandonam essas flores
por terem tanto mel.
Ela riu e sentou-se na cadeira ao lado da cama.
- Vejamos, com que flor o senhor se parece?
- Não estou interessado em mim, Priscilla - replicou o conde. - Quero lhe
falar.
- Nossa, parece tão sério!
- E estou. Dê-me sua mão.
Como uma criança obediente, Priscilla estendeu, sem o menor embaraço, a
mão ao conde que a tomou entre as suas.
- Não nos conhecemos há muito tempo, Priscilla - disse lhe solene -, mas
me sentiria muito honrado se aceitasse ser minha esposa. Farei o possível
para torná-la feliz.
Depois de proferir as palavras que havia ensaiado repetidas vezes depois
do almoço, viu que Priscilla estava estática, com a fisionomia entre
surpresa e incrédula.
Passado um minuto, ela perguntou:
- Está... brincando?
- Não, claro que não - respondeu o conde. - Nunca falei
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tão sério em minha vida. Quero que seja minha esposa, Priscilla
- Por quê?
Era o tipo de pergunta que ele jamais podia esperar e foi sua vez de
ficar surpreso.
- Me faria muito feliz - disse, finalmente, sorrindo. - E já prometi que
vou fazê-la feliz.
- Dizer que a babá pensou que quando se fosse daqui nunca mais o
veríamos!
- Não estou muito interessado no que a babá pensa ou não pensa -
impacientou-se ele. - Estou lhe propondo que se case comigo, Priscilla, e
tenho a certeza de que não vai se arrepender.
Ainda assim, ela não respondeu. Ele prosseguiu, tentando convencê-la:
- Rock é uma casa muito bonita, cheia de tesouros que vão deslumbrá-la e,
apesar de que naturalmente há lugar para Mercury e Pegasus em meu
estábulo, tenho certeza de que vai adorar montar cavalos tão bons quanto
Rufus.
A atitude de Priscilla desconcertou-o. Imaginava que ela fosse aceitar a
sua proposta de imediato. Era estranho que praticamente tivesse de tentar
persuadi-la com seus bens materiais, quando estava certo da atração que
exercia sobre ela.
Mesmo na época em que não era nada além de um simples oficial, tinha a
convicção de que a mulher que quisesse desposar iria aceitá-lo com a
maior alegria. Era surpreendente, pois, que aquela jovem, vivendo numa
pequena casa, de uma obscura e isolada vila, o deixasse na expectativa de
uma resposta.
Mais surpreendente ainda era a mão dela na sua, que nem por um segundo
estremecera ou tentara desvencilhar-se daquele contato. Apenas com os
olhos Priscilla demonstrava uma certa inquietação.
- O que a está preocupando? - o conde indagou, com um
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ligeiro sorriso nos lábios, o mesmo que quase todas as mulheres
achavam irresistível.
- Estou tentando entender o porquê de me desejar para esposa - confessou
Priscilla, com simplicidade. - Tenho consciência de sua importância, do
fato de estar sempre com a rainha e o príncipe consorte e sei que ficaria
deslocada no palácio de Buckingham, e que acabaria se envergonhando de
mim.
- Certamente sentirá um certo constrangimento, no início
- admitiu o conde -, mas estarei sempre perto de você para dizer-lhe o
que deve fazer. Além disso, tenho certeza de que quando conhecer a rainha
verá que ela não tem nada de assustador, muito pelo contrário. É uma
mulher extraordinária que vive muito feliz com seu marido, como se pode
observar não só pela maneira como o olha, como também pelas palavras
elogiosas que diz a respeito dele.
O conde tinha nos ouvidos as palavras da rainha sobre o príncipe durante
uma das raras conversas mais íntimas que haviam tido:
"A posição de Sua Alteza Real não é nada fácil, mas ele e tão maravilhoso
que sei que todos farão o possível para facilitar as coisas para ele".
O conde assentira com a cabeça, continuando a admirar a rainha, em
silêncio. Ocorrera-lhe, entretanto, que não invejava nada a posição de
príncipe consorte. Nada como ser o senhor de seu próprio castelo.
Seus olhos fixaram-se no rosto sério de Priscilla, com uma certa
impaciência.
- Sabe o que vamos fazer? - disse, apertando ligeiramente os dedos dela
entre os seus. - Vamos nos casar depois de amanhã, assim posso levá-la
com a babá para Rock comigo. Acho que seria bom se você pudesse continuar
cuidando de mim.
Houve uma pequena pausa e Priscilla perguntou, vacilante:
- Depois... de amanhã?
- Para que esperar? - argumentou o conde. - Não quero
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deixá-la sozinha e, como já disse, seria bom poder contar com sua ajuda
para melhorar logo de minha saúde.
Será que daria certo? Naturalmente, é preciso que tenha
muito cuidado... - ponderou a jovem, num outro tom de voz.
Para surpresa do conde, Priscilla levantou-se, desprendendo sua mão das
dele e caminhou até a janela, ficando na mesma posição em que a vira pela
primeira vez quando recobrara a consciência depois da queda do cavalo.
Ele a olhava a um só tempo intrigado e fascinado com seu comportamento.
Estava tão convicto de que ela se sentiria lisonjeada com a proposta e
não hesitaria nem por um segundo em aceitá-la! Além do mais, sendo uma
mulher de poucos recursos e praticamente não tendo parente algum, era
quase inconcebível que tivesse de pensar duas vezes para se tornar
condessa de Rockbrook.
Priscilla estava com o rosto voltado contra a luz e o sol formava uma
auréola dourada sobre sua cabeça.
Enternecido diante daquela figura delicada e incrivelmente forte que ela
estava se revelando, o conde concluiu que cabia a ele tirar-lhe qualquer
dúvida que ainda tivesse:
- Venha cá, Priscilla. Eu a quero muito!
- Estou... pensando.
- Em você, ou em mim?
- Em ambos.
- Ouça, querida, quero-a para minha esposa e não posso acreditar que vá
recusar meu pedido.
Priscilla voltou-se vagarosamente.
Afastou-se da janela e, de repente, como se resolvesse suas dúvidas,
abriu um sorriso que iluminou suas feições e caminhou até ele.
- Acho que... vai ser bom me casar com você, mas tem Certeza de que é
isso mesmo que quer?
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- Claro que tenho - assegurou-lhe o conde. - De fato Priscilla, é a
primeira vez que peço alguém em casamento.
- Não podia ser diferente, caso contrário seria casado e não estaria aqui
me pedindo! - retrucou ela, numa espontaneidade quase infantil.
O conde estendeu o braço e pegou-lhe novamente a mão.
- Sei exatamente como se sente - disse-lhe num tom cari nhoso. - É quase
como dar um pulo no escuro, não é? Mas estarei lá para segurá-la.
Priscilla prendeu a respiração por um segundo. Parecia que estava a ponto
de dizer algo muito sério. Entretanto, com a voz cheia de riso,
argumentou:
- É melhor que espere estar completamente recuperado de sua clavícula. No
momento não está apto a segurar nem uma bola com a luz do dia!
O conde não pôde deixar de rir.
Definitivamente, jamais pensara que sua proposta de casa mento fosse
aceita daquele jeito.
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CAPÍTULO IV

Príscilla saiu do quarto do conde, desceu rapidamente as escadas e foi


direto para o estábulo, onde estava preso Jason, seu cão.
Ao ouvir os passos da dona, o animal se pôs a latir e esfregar com as
patas o portão que o separava dela, pulando sobre Priscilla assim que
esta abriu a porta, numa indisfarçável alegria.
Ela abaixou-se para afagar o animal e Ben veio ao encontro dela, dizendo:
- Até parece que faz um mês que está preso aí e não apenas uma hora!
- Ele detesta ficar preso no estábulo, Ben, você sabe disso. Mas o que se
há de fazer, a babá não quer que ele perturbe o nosso paciente...
Sem esperar pela resposta de Ben, Priscilla atravessou o pequeno pasto e
caminhou em direção ao bosque, só parando quando se encontrou sob as
árvores, junto a um tronco caído no qual se sentou. Jason imediatamente
esticou-se aos seus pés, numa atitude de expectativa. "
Priscilla passou a mão pela cabeça de seu fiel companheiro, perguntando-
lhe com ar pensativo:
- Que devo fazer, Jason? Fico feliz que ele tenha me pedido em casamento,
mas tenho uma sensação estranha, que não consigo explicar a mim mesma, de
que ele... de que ele... não me ama - admitiu, relutante.
Habituado aos desabafos da dona, Jason levantou a cabeÇa, olhando-a com
olhos brilhantes, e sacudiu o rabo, como se estivesse entendendo.
- Tenho certeza de que é amor o que sinto por ele - a
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jovem continuou, argumentando consigo mesma. - Ele é tão bonito, tão
generoso, é exatamente o tipo do homem com que sempre sonhei. Só tenho
vontade de estar ao lado dele, de falar com ele... e quando ele sorri
para mim... ah, sinto meu coração bater descompassado dentro do peito.
Depois de uma pequena pausa, ela disse com toda a emoção:
- Mas eu quero amor, Jason, muito amor!
Jason soltou um estranho grunhido, como se tentasse responder.
Num movimento impulsivo, Priscilla ajoelhou-se ao lado dele, passando o
braço por seu pescoço, sem se importar com as folhas secas e os pequenos
pedregulhos que lhe machucavam os joelhos.
- Tenho medo, Jason - disse num fio de voz -, tenho medo de não conseguir
fazê-lo feliz e, mais ainda, de... perdê-lo.
O cão lambeu-lhe o rosto, procurando instintivamente confortar a dona,
saindo à busca de coelhos sob as folhas secas tão logo ela o soltou.
Priscilla voltou a sentar-se, pensativa, no tronco, sem enxergar o
verdadeiro tapete de flores azuis que se estendia à sua frente, nem o
dourado das árvores ao cair do sol.
Diante de seus olhos tinha apenas o bonito semblante do conde, e seus
ouvidos pareciam constantemente ouvir, como num refrão, a voz dele
dizendo:
- Ouça, querida, quero-a para minha esposa...
Nunca sonhara com esse pedido e, em vez de estar se sentindo nas nuvens
de tanta alegria, inexplicavelmente sentia que faltava alguma coisa.
- Ele é bem mais velho e experiente do que os outros homens que
conheci... e tão diferente de Edward Charlton! ponderou.
Na verdade, muito jovem, inexperiente e vivendo praticamente isolada,
Priscilla não conhecia outros jovens de sua idade com quem pudesse fazer
comparações e tirar conclusões a respeito dos próprios sentimentos.
60
Intuitivamente, baseava-se no relacionamento da cunhada e do noivo. Muito
antes de que o amor dos dois fosse publicamente declarado, ela já havia
percebido, pela maneira como se olhavam e pelas vibrações que emanavam
dos dois, que estavam apaixonados.
Sabia reconhecer o amor e, embora o conde a olhasse com ternura e o
contato das mãos dele nas suas lhe transmitisse confiança e segurança,
era necessário algo mais para que pudesse ser feliz e pudesse fazê-lo
feliz. Já havia, porém, concordado em se casar com ele.
- Vou ajudá-lo... Vou cuidar dele... - disse a si mesma, procurando
encontrar uma razão além do amor para que o casamento pudesse dar certo.
No fundo de seu coração, entretanto, algo lhe dizia que não bastava
apenas isso. Queria mais, muito mais do homem a quem amava. E tinha muito
mais para dar.
A babá trocou as faixas em volta do ombro do conde e deulhe uma tipóia
limpa para apoiar o braço esquerdo.
Receando por antecipação a dor que iria sentir, latente sempre que se
mexia, ele não ousou proferir uma palavra sequer.
Para sua surpresa, porém, desta vez a dor não aconteceu, o que lhe deu
novo ânimo, pois era sinal evidente de que logo estaria recuperado e em
pé.
Terminada a tarefa, a babá ajeitou as cobertas e pegou as faixas usadas.
Observando-a com um pouco mais de atenção, o conde notou que seu
semblante estava carregado, parecendo contrariada.
- O que há, babá? - perguntou, com um meio sorriso.
- O que andou dizendo a miss Priscilla, milorde, que a perturbou? -
perguntou ela por sua vez, indo direto ao assunto que a aborrecia.
- Ela lhe pareceu perturbada? - estranhou ele.
Saiu para uma de suas caminhadas - a governanta retrucou
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- o que significa que alguma coisa não está certa, que precisa ficar
sozinha para pensar. Eu não entendo. Havia acabado de chegar do bosque!
O sorriso do conde alargou-se diante do tom quase agressivo da babá.
- Talvez miss Priscilla esteja pensando a respeito de uma proposta que
acabei de lhe fazer.
- Que proposta, milorde? - Ela o olhou desconfiada.
- Pedi que se case comigo depois de amanhã - explicou ele, na maior
tranquilidade.
A governanta se mostrou abismada por um momento, depois uma expressão de
alívio apoderou-se de seus olhos.
- Está falando a sério, milorde?
- Claro que estou, babá, e espero fazê-la muito feliz.
- Vê-la feliz é o que mais quero, milorde, mas por que tanta pressa?
- Tenho certeza, babá, de que melhor do que ninguém vai compreender a
razão. Não posso permanecer aqui com miss Priscilla desacompanhado;
desejo muito tê-la logo comigo em Rock, e lá também não podemos estar
sozinhos, então o melhor é realizar imediatamente o casamento.
A babá guardou silêncio por um momento, como que avaliando as razões
expostas pelo conde.
- Vai dar o que falar, milorde - argumentou, então.
- Talvez, mas o que importa isso?
O conde percebeu que a governanta hesitava entre a ideia de um casamento
convencional e a alegria de ver sua pupila tornar-se condessa,
imediatamente.
- Acho que milorde sabe o que está fazendo - capitulou -, e se miss
Priscilla estiver satisfeita assim estou também.
- É o que imaginei.
Quando a babá saiu do quarto, o conde recostou-se no travesseiro,
contente de que tudo estivesse saindo de acordo com o planejado.
Priscilla o salvaria de um perigo tão iminente quanto o que vivera na
índia, ou talvez pior, pois um podia
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significar a morte, enquanto o outro a morte lenta, em plena vida.
Enquanto não estivessem casados, porém, e Louise não tivesse mais a menor
chance de agarrá-lo, não conseguiria sentir-se completamente a salvo.
- Vou dar a Priscilla tudo o que ela desejar neste mundo
- disse a si mesmo.
A cabeça do conde estava tomada de projetos para o futuro e ele se sentia
eufórico como uma criança em vias de ganhar um jogo difícil. Numa
necessidade de compensar Priscilla pelo bem que estava lhe fazendo,
resolveu que, no dia seguinte, quando mr. Anstruther o visitasse, pediria
a ele para escrever ao melhor e mais fino costureiro de Londres,
encomendando-lhe as mais recentes criações e os mais belos trajes para
compor o enxoval de sua noiva.
Talvez demorasse um pouco, mas o enxoval de Priscilla seria digno de uma
princesa, uma forma de expressar toda sua gratidão.
A pedido do conde, mr. Anstruther já havia tomado outra providência.
Depois de fazer vários rascunhos, finalmente elaborou uma carta a ser
enviada à duquesa de Torrington, cujo teor satisfez o conde:
"Sua Alteza, duquesa de Torrington,
Cumpre-me informá-la de que com profundo pesar o duque de Rockbrook não
pode aceitar o gentil convite de V. A. para comparecer ao castelo de
Torrington.
Infelizmente, Sua Excelência sofreu ferimentos durante uma queda de
cavalo e, embora não sejam graves, está sob controle médico e proibido de
viajar.
Sua Excelência, o duque, incumbiu-me de apresentar suas desculpas a V.
Alteza por não ter respondido mais cedo ao seu convite.
Respeitosamente, J. B. Anstruther"
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O conteúdo da carta pareceu ao conde adequado por justificá-lo perante a
duquesa, sem envolvê-lo num compromisso futuro.
Se por um lado conseguiu tirar os Torrington da cabeça, o mesmo não
aconteceu com a imagem de Louise, que continuava a assaltá-lo.
Talvez devido ao seu estado de fraqueza física, ela continuava a
representar uma ameaça, e ele estremecia só de pensar em ser levado a uma
situação que absolutamente não desejava.
- Depois que estiver casado, não haverá nada que ela possa fazer -
repetia a si mesmo o tempo todo.
Uma vontade louca de rever Priscilla apoderou-se dele. Desejou que ela
regressasse logo do bosque.
Teve, porém, de aguardar um bom tempo antes de ouvir os passos leves e
ligeiros da moça, subindo as escadas.
Ela deu uma pequena batida na porta e entrou. O dia chegava ao fim. Os
últimos raios de sol mergulhavam no horizonte. O conde, entretanto, teve
a impressão de que o quarto se iluminou à chegada da jovem, com seus
cabelos muito loiros e um sorriso luminoso.
Priscilla não estava sozinha, porém, Jason, seu fiel companheiro, a
seguia.
- Quem é? - o conde perguntou surpreso.
- Queria lhe perguntar se não se importa que ele fique solto. Odeia ficar
trancado no estábulo.
- Esteve preso por minha causa? Priscilla sacudiu a cabeça,
afirmativamente.
- Quando fica excitado, ele late um pouco e a babá não queria que o
perturbasse.
- Diga a ela que não se preocupe mais. Estou quase bom. Qual é o nome
dele?
- Jason.
O conde levantou as sobrancelhas.
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- Dei esse nome a ele porque está sempre procurando alguma coisa -
Priscilla esclareceu.
- Ah, por causa do Velo Dourado! - exclamou o conde.
- Exatamente - concordou Priscilla, sentando-se na cadeira ao lado da
cama e acrescentando, depois de uma pausa: De certa forma, acho que todos
nós estamos...
O conde acariciou as orelhas do cão e olhou-a por um longo momento,
perguntando-lhe com voz suave:
- O que você procura?
Não restava dúvida de que Priscilla tinha alguma coisa em mente ao fazer
a afirmação. O conde não esperava, entretanto, que ela corasse tanto e
desviasse seus olhos dos dele, numa evidente mostra de timidez.
Ela pareceu-lhe adorável. Não desejando, porém, responder à pergunta,
pôs-se de pé e disse:
- Está tão escuro... Não sei por que a babá ainda não lhe trouxe o
candelabro. Vou providenciar um e acender as velas.
- Não há pressa - replicou o conde. - Estou esperando a resposta à minha
pergunta.
- Desculpe-me, nem me lembro mais qual foi...
- Não é verdade. Você disse que todos estão à procura de alguma coisa e
eu perguntei o que você desejava encontrar.
- Bem, imagino que todos busquem a felicidade - Priscilla disse num fio
de voz.
O conde entendeu que aquela era apenas meia resposta e que a palavra que
a timidez não a deixava pronunciar era "amor".
Ocorreu-lhe então que, embora tivesse dito a ela que a queria e que
precisava dela, não havia mencionado que a amava, o que toda mulher sem
dúvida desejava ouvir do homem que a pedia em casamento.
De nada adiantaria, porém, dizer a ela "Eu a amo". com seu sexto sentido,
Priscilla saberia que não se tratava do amor que buscava, um amor
idealizado, sublime, muito mais próximo
65
das histórias de contos de fadas do que da realidade vivida pelos seres
humanos.
"Posso respeitá-la e protegê-la, posso dar-lhe todo tipo de jóias e
vestidos que quiser ter, posso dar-lhe uma posição social invejável, mas
será o bastante para satisfazê-la? "
Mas o que será o "amor", pensou com um certo cinismo.
Eram tantos os aspectos do amor, das fantasias eróticas, que povoavam a
cabeça das pessoas, à paixão obsessiva que fazia uma dama como Louise
sair pelos corredores do castelo de Windsor à procura da cama de um
nobre. O amor idealizado por Priscilla existia provavelmente só em sua
cabecinha romântica.
"Não posso desiludi-la", disse a si mesmo.
Sabia, porém, que mais cedo ou mais tarde ela acabaria se decepcionando e
sentiu uma revolta íntima diante dessa ideia, se perguntando se não teria
sido melhor conhecer uma jovem estúpida e ignorante que ficaria feliz com
o simples fato de se casar com um nobre e ascender socialmente.
Tinha certeza de que posição social era o que menos estava interessando a
Priscilla, e que se o aceitara era porque sentia-se atraída por ele.
Falar de amor naquele momento, porém, era precipitado, por isso achou
mais prudente acatar a sugestão dela.
- Você tem razão, Priscilla, está ficando realmente escuro. Peça a Bates
para trazer o candelabro. É melhor evitar que a babá fique subindo e
descendo escadas.
- Se não encontrar Bates, eu mesma trarei - ela prontificou-se.
Rapidamente, ela se dirigiu à porta e Jason, que se deixara ficar em
estado de êxtase ao lado do conde enquanto ele o afagava, levantou-se
imediatamente para segui-la.
O conde voltou a ajeitar-se na cama e tratou de tranquilizar-se com
relação a Priscilla, afirmando a si mesmo que ela era jovem e facilmente
se adaptaria à nova situação, tendo tudo para ser feliz.
66
pela primeira vez em sua vida, então, ocorreu-lhe que jamais amara
verdadeiramente alguém.
Flertará muito, tivera vários casos e chegara a vibrar com muitas
mulheres. Nunca, porém, sofrera com o fim de uma ligação amorosa, ou
quando tivera de se afastar forçosamente de uma mulher por imposição de
sua vida militar.
Voltando o pensamento a Priscilla, procurou se tranquilizar pensando que
carregava consigo o compromisso de tentar fazê-la sempre muito feliz.
Mas, no fundo, ainda, o aborrecia ser levado a um casamento apressado
quando havia tanto a usufruir de sua herança.
A lembrança das palavras do médico, de que teria muito a melhorar em suas
propriedades, amenizou suas últimas dúvidas, pois, tendo vivido sempre no
campo, talvez Priscilla apreciasse incumbir-se de certas
responsabilidades, podendo ele dedicar-se a outros assuntos, entre os
quais a política.
Uma doce sonolência foi suavizando aos poucos as preocupações que
dominavam a mente do conde, e ele filosofava sobre as diferentes formas
de buscar o amor, segundo a personalidade de cada um, quando adormeceu.
Vestir a sobrecasaca não foi tão difícil quanto ele havia imaginado. Mais
estranha era a sensação de estar se vestindo para seu casamento, sem o
luxo e a pompa que sua nova posição permitiria.
Bates e a babá seriam as únicas testemunhas e não tivera grande
dificuldade em conseguir de ambos, bem como do vigário, segredo a
respeito do acontecimento.
- O senhor compreende, não é? - dissera ao último. - A Srta. Cranford não
tem parente algum e submetê-la a uma grande festa, à qual compareceriam
apenas meus parentes e amigos, a intimidaria muito.
Naturalmente que compreendo, milorde - concordara
O vigário.
Além disso - justificara-se o conde -, tenho certeza de
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que, se não fosse uma cerimónia simples, o dr. Jenkins não consentiria
que o casamento fosse realizado tão cedo. Como pretendo voltar a Rock
House, levando comigo a srta. Cranfonj e sua governanta, julguei que o
melhor seria fazermos um casa mento simples aqui em Little Stanton, e dar
as devidas explicações depois.
O vigário não colocou nenhum obstáculo.
- Milorde está perfeitamente certo. Em seu estado de convalescença não
seria nada recomendável um casamento com grande aparato.
Sem se conter, Bates exteriorizara o pensamento do próprio amo:
- Vão ficar surpresos de vê-lo chegar em casa com uma esposa, milorde, e
certamente vão esperar que, quando estiver restabelecido, haja a devida
comemoração.
- Como assim, festa com fogos de artifício e tudo mais? - indagou o
conde, com a respiração suspensa.
- Exatamente, milorde! - Bates exultou. - Caso contrário ficariam muito
decepcionados, pois se acham no direito de participar do acontecimento.
O conde riu.
- Então não poderemos decepcioná-los, Bates, mas deixí que eu me recupere
completamente, está bem?
- Sem dúvida, milorde - Bates concordou. - Eu melhor do que ninguém sei
disso. O médico me incumbiu de cuidar do senhor.
- É melhor que a babá não saiba disso - o conde disse rindo. - Tenho
certeza de que ele fez a mesma recomendação a ela.
- Espero que não, milorde. Tenho a impressão de que ela vai querer
controlar todos os seus passos.
- É bom que eu melhore logo, então! - retrucou o conde com ar
espirituoso.
Chegava assim o decisivo momento de sua vida.
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No dia anterior, havia caminhado um pouco pelo quarto e agora descia
devagar e cautelosamente as escadas.
Embora a igreja fosse próxima, uma carruagem o aguardava para levá-lo até
lá.
Ao chegar ao vestíbulo, Bates ofereceu-lhe uma taça de champanhe.
Agradecido, ele pensava que precisava mesmo de um estimulante à sua
coragem, quando percebeu que Priscilla descia as escadas.
Pela primeira vez, ele a via em trajes formais e achou-a encantadora.
Embora não houvesse tempo suficiente para encomendar um vestido em
Londres, a babá insistira em comprar uma roupa nova e pedira ao conde uma
carruagem para tentar achar algo numa cidade próxima.
Priscilla considerou como um "verdadeiro milagre" o fato de encontrarem
um traje tão lindo, que, se era discreto para a igreja de St. George, em
Hanover Square, parecia rico e vistoso para a pequena igreja de Little
Stanton.
Era, segundo o conde, uma cópia fiel dos vestidos que a rainha lançara na
moda, com corpo comprido, saia ampla, uma pequena gola alta e o decote e
as mangas cobertos de renda, deixando entrever os ombros nus.
A maior beleza do traje, porém, estava no véu de renda de Bruxelas, que
caía em cascata até o chão, e na maravilhosa grinalda, toda incrustada em
brilhantes, num trabalho delicado e maravilhoso imitando flores de
laranjeira.
Aquela maravilha que certamente faria sua noiva sentir-se como uma
personagem de conto de fadas não teria sido usada nao fosse a oportuna
intervenção de mr. Anstruther:
Suponho, milorde, que vá querer que sua futura esposa Use o tradicional
véu de Rock?
Sim, é claro. Não havia pensado nisso...
Sr. Anstruther disse então com a voz cheia de orgulho, como
fosse membro da família:
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- O véu e a grinalda têm sido usados por todas as noivas da família nos
últimos cento e cinquenta anos. A srta. Priscilla não poderia fugir à
tradição!
O conde preferira calar-se para não mostrar sua ignorância a respeito
dessa
faceta familiar de que nunca tomara conhecimento.
Imagine-se então a reação que Priscilla teve ao ver essa pré ciosidade.
Muito consciente da diferença social existente entre o conde e ela,
sentia-se com frequência a própria Gata Borralheira receava que ele
pudesse se envergonhar dela.
com o coração batendo descompassadamente, vestira-se finalmente para o
grande dia, convicta de que em toda Bond Street não poderia haver vestido
mais lindo, nem véu e grinalda mais radiosos.
Caminhara até o espelho com a respiração ofegante e surpreendera-se com a
própria imagem. Estava diferente. No fundo de seu coração acalentava
apenas uma prece:
- Deus, permita que ele me ache bonita... faça com que ele me ache
bonita...
Nunca havia visto pessoalmente damas da alta sociedade, mas podia bem
imaginar a beleza das mulheres com quem o conde convivia, no palácio de
Buckingham e no castelo de Windsor, pelas descrições e esboços nos
jornais, como o Grã phic e o Illustrated London News.
O vestido de noiva, porém, parecia-lhe de incomparável beleza, fazendo-a
sentir-se como uma verdadeira ninfa emergindo da água pela manhã, com os
brilhantes cintilando em sua cabeça aos primeiros raios de sol.
O conde podia orgulhar-se dela. Mas... não era apenas isso que queria que
ele sentisse.
Queria sentir-se amada, queria ler nos olhos dele aquela e pressão
inigualável que lhe dissesse que não apenas havia lhÊ dado um anel e seu
nome, mas principalmente seu coração.
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Quero o amor dele - disse quase implorando ao espelho,
sentiu o coração apertar-se.
Não tinha mais ninguém de verdadeiramente seu.
Pensou que seria muito bom se seus pais estivessem na igreja e pudesse
ser levada ao altar pelo braço de Richard, seu irmão.
Amava muito sua babá, mas de vez em quando tinham umas rusguinhas por
divergirem em alguns assuntos.
O conde, porém, era complacente e parecia entendê-la melhor do que
qualquer outra pessoa no mundo.
Depois da singela cerimónia que os tornou marido e mulher, Priscilla teve
mais uma prova disso.
Por sugestão do conde, ao sair da igreja, ela encontrou Jason e Mercury a
esperá-la, acompanhados por Ben.
- Oh, não poderia ter me dado alegria maior! - exultou ela ao saber que a
iniciativa havia partido do marido. - Jason e Mercury são meus
companheiros inseparáveis e têm compartilhado comigo horas difíceis... a
quem mais eu poderia segredar meus sonhos e aflições se não com eles?
- Agora você tem a mim para falar - disse o conde em tom sério.
A expressão de Priscilla tornou-se séria também. Ela pareceu aguardar que
ele lhe dissesse mais alguma coisa.
- Vou fazer o possível para procurar entendê-la e creio que não vai ser
difícil - assegurou-lhe.
Priscilla deu um leve suspiro.
- Receio que de vez em quando me ache... tola e infantil
- Juro que nunca vou achar - comprometeu-se ele, com um sorriso nos
lábios.
Priscilla achou graça.
- Está aí uma promessa que talvez ache difícil de cumprir reconheceu
Priscilla -, mas eu gostaria de poder lhe dizer
o que me viesse à cabeça, sem recear que risse de mim...
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- Isso, sem dúvida, posso prometer - disse o conde, ficando novamente
sério.
- Sabe, Priscilla, como não tivemos a possibilidade de conviver por muito
tempo e de nos conhecermos bem, é muito importante que possamos conversar
com toda sinceridade e franqueza, sem preocupação de mal-entendidos.
- É isso mesmo que desejo - ela imediatamente replicou.
- Só que, como você tem muito mais experiência de vida do que eu, não
gostaria de aborrecê-lo com muitas perguntas, embora haja tanto que eu
queira aprender...
O conde riu.
- E há tanta coisa que quero lhe ensinar! Mas primeiro, você precisa
compreender, tenho de estar completamente recuperado.
- Claro! Não precisa se preocupar, o dr. Jenkins fez um verdadeiro sermão
para mim e para a babá hoje cedo, dizendo que não pode se esforçar muito,
precisa ser bem cuidado, para não ter uma recaída.
- Pelo amor de Deus, não tenho a menor intenção de ter recaída alguma.
Chega o que passei!
A intenção de ambos não podia ser melhor. Entretanto, depois de viajar os
poucos quilómetros que separavam a igreja de Rock House, o conde estava
com uma aparência exausta.
Avistava-se a casa agora e, para sua contrariedade, o conde sentia-se
vencido pelo cansaço. Ele tinha consciência de que não apenas estava
debilitado fisicamente, como também moralmente, pela ansiedade que vivera
nos últimos dias, sob a ameaça de Louise, e a perspectiva do casamento.
Priscilla notou-lhe a palidez e pegou uma das mãos dele entre as suas,
- Já devemos estar chegando - animou-o.
O gesto não poderia ter sido mais reconfortante. O conde teve a sensação
de estar à espera daquela mão amiga por toda uma vida. Pressionou seus
dedos nos dela e fechou os olhos por um momento.
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Ao abri-los no minuto seguinte, a carruagem havia parado ao lado dos
degraus da entrada de sua mansão, tendo sido estendida uma passadeira
vermelha para que subissem por ela.
Os empregados estavam todos alinhados no hall à espera dos dois,
envergando seus melhores uniformes.
O conde e Priscilla trocaram apertos de mão com todos e dirigiram-se ao
salão nobre, com suas paredes revestidas de brocado de seda e o teto
ornamentado por lindas pinturas, em tons suaves e harmonizantes.
Em todos os cantos do salão, havia enormes vasos de flores e Priscilla
não pôde conter uma exclamação de prazer diante de tanta beleza.
Foi então que ouviu o conde, ao seu lado, dizer:
- Pelo amor de Deus, tragam-me um copo de brandy!
O susto de Priscilla foi maior ainda ao constatar que o conde estava
quase desmaiando. Ajudou-o imediatamente a sentar-se e, felizmente, o
mordomo, que ouvira o pedido, já chegava com o copo de bebida.
- Aqui está o brandy, milorde. Beba e logo vai se sentir melhor.
A bebida forte desceu queimando pela garganta do conde.
- Tive a impressão de que ia cair - ele disse entre dois goles.
Terminou de beber e deu-se conta de que Priscilla estava ajoelhada ao seu
lado, olhando-o assustada.
Olhou-a fixamente por um momento e ia procurar tranquilizá-la quando
percebeu algo além de ansiedade naqueles expressivos olhos azuis: a
inconfundível chama do amor.
Seria impossível descrever a emoção que conheceu naquela
ção de segundo.
Aquela quase menina era agora sua mulher. Teve um desejo enorme de
aninhá-la em seus braços e mimá-la muito.
Muito fraco ainda, esboçou um sorriso e acariciou o rosto que Priscilla
erguia para ele.
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- Desculpe-me se a assustei. Na verdade, não era assim que pretendia
começar nossa nova vida - disse com suavidade. -. Mas prometo me
comportar melhor para o futuro.
A expressão séria de Priscilla abriu-se num sorriso luminoso de
esperança.
74

CAPITULO V

O conde examinava uns papéis, no jardim de inverno, quando Priscilla se


aproximou dele, meio hesitante porque usava pela primeira vez um dos
vestidos encomendados em Londres.
Ele levantou os olhos e imediatamente percebeu pela expressão do rosto
dela que estava querendo sua aprovação.
- Está linda! Espero que tenha gostado dos vestidos. Bates me disse que a
encomenda chegou hoje cedo.
- São todos maravilhosos. Nunca tive nada sequer parecido, só que ainda
me sinto meio estranha...
- Pois parece que sempre andou vestida assim - comentou o conde para
encorajá-la.
A expressão de Priscilla se iluminou ao ouvir o comentário. Não restava
dúvida de que estava ansiosa para agradá-lo, o que fez o conde pensar em
como era vulnerável, e que seu casamento talvez não viesse a ser tão
fácil como a princípio havia imaginado.
Estivera muito fraco e cansado nos dois dias anteriores para Pensar em
outra coisa a não ser na própria recuperação.
Depois do mal-estar que sentira ao chegar, pedira a Bates Para ir buscar
o dr. Jenkins.
O médico lhe passara um sermão por haver abusado, recriminando-o:
- Temos muito pouco conhecimento sobre fraturas, milord. Só o que
sabemos é que o paciente deve fazer o máximo de repouso e não se
movimentar muito. Milorde está pagando por ter desobedecido às
recomendações.
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- Está bem, está bem - concordara o conde, irritado. - Já entendi, mas
agora quero tratar de ficar bom.
- Uma coisa são os problemas físicos, milorde, outra os mentais -
sentenciara o médico, com perspicácia. - Tenho a impressão de que o
senhor deve também cuidar de sua mente.
O conde não dera qualquer resposta, mas sabia que o médico estava certo.
Estava desgastado com as preocupações, preocupações por causa de Louise,
preocupações por causa de seu casamento com Priscilla, uma jovem que
agora não lhe parecia tão simples e submissa como imaginara.
Não que tivesse se enganado. Confiara demais, entretanto, na atração que
exercia sobre as mulheres e julgara que quem quer que se casasse com ele
estaria satisfeita em ter sua afeição como marido.
Embora não tivesse dito, pressentia agora, porém, que Priscilla não se
contentaria com uma simples afeição. Queria amor.
Via pela expressão de seu olhar, quando se ajoelhava ao seu lado, que
estava perdidamente apaixonada por ele, pouco se importando com as
vantagens materiais do casamento, querendo, isso sim, tê-lo todo para si,
como homem.
"Talvez eu esteja exagerando quanto aos sentimentos dela", procurara se
convencer ao acordar desassossegado no meio da noite.
Sabia, porém, por uma espécie de intuição que não lhe era habitual, que,
no que dizia respeito ao amor, Priscilla, como Jason, estivera à procura
de seu Velo Dourado e tudo faria para consegui-lo, depois de tê-lo
encontrado.
Pela primeira vez em sua vida, o conde encontrara-se pensando na reação
de uma mulher em relação a ele, em vez de pensar no comportamento dele em
relação a ela.
Procurava dizer a si mesmo que estava imaginando coisas.
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Mas todas as atitudes dela acabavam por reforçar sua convicção de que o
que tinha a lhe oferecer não iria satisfazê-la.
com os olhos muito brilhantes, Priscilla chegou mais perto dele e disse:
- Como posso lhe agradecer? Como posso fazê-lo entender o que significa
para mim ter todas essas roupas bonitas e não mais me sentir como uma...
Gata Borralheira no palácio do... Príncipe Encantado?
- É assim que se sente?
- Claro - respondeu ela, enfática -, embora não tenha ainda visto nada do
Palácio Encantado porque tenho andado todo o tempo praticamente de olhos
fechados!
- Como assim? - ele perguntou, surpreso.
- Pensei que você quisesse me mostrar pessoalmente todas as dependências
da casa e todas as suas preciosidades. Por isso estou procurando nem
olhar para os quadros e todas as outras coisas até que esteja
suficientemente bom para caminharmos juntos por cada aposento.
Era o tipo de sensibilidade que podia esperar dela, pensou o conde.
- Certamente quero ser o seu guia e lhe mostrar cada pedaço de Rock.
Quero descobrir em seus olhos a admiração por cada sala, cada objeto da
casa.
- Disso não tenho dúvidas!
Os olhos dos dois se encontraram; nos de Priscilla estava Paramente
escrito que ele é que fazia do casamento um conto de fadas, e o lugar
onde morava só era importante por causa dele.
- Venha sentar-se aqui ao meu lado. Creio que devo me Desculpar por ter
sido uma companhia tão pouco agradável nestes dias.
- É compreensível. Dr. Jenkins me censurou por permitir
77
que você fizesse tantas extravagâncias antes de estar completamente
recuperado.
- Fui eu quem quis, por isso não posso me queixar, nem culpar quem quer
que seja.
- De qualquer forma, deve se cuidar - ela recomendou, com ar sério. - O
médico disse, inclusive, que deve evitar desgastes mentais.
- Asseguro-lhe que não há nada errado com minha cabeça
- observou o conde, irónico. - Na verdade, está tão boa que até já me
permiti fazer planos para melhoramentos na nossa propriedade. Gostaria de
ouvi-los?
O conde tratou, assim, de desviar o assunto de seu relacionamento pessoal
que já começava a deixá-lo perturbado.
Apanhou então os papéis que estava examinando, dentre os quais despertou
a atenção de Priscilla a propaganda de uma máquina debulhadora.
- Está mesmo pensando em comprar esse equipamento?
- Sabe para que serve? - o conde perguntou, curioso.
- Sei, claro - ela replicou com ar grave.
- Acho que toda propriedade moderna deve tê-lo.
- Também acho, mas ao mesmo tempo acho que deve ter muito critério para
instalá-lo.
O conde olhou-a mais surpreso ainda.
- Talvez estivesse no exterior - esclareceu ela - quando houve uma
rebelião entre os trabalhadores rurais devido à instalação de máquinas
debulhadoras.
- Fiquei sabendo disso, naturalmente - ele retrucou. Agora, porém, os
trabalhadores já aceitaram a ideia.
- Não esteja tão certo disso. Nesta área não foi implantada nenhuma ainda
e todos ficarão muito assustados, a menos que você deixe bem claro que os
salários deles nada sofrerão com essa implantação.
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O conde a olhava agora abismado.
- Como sabe disso?
- Ora, há muitas fazendas em volta de Little Stanton com cujos
proprietários sempre nos relacionamos muito bem.
- Fico realmente surpreso, Priscilla, de vê-la interessada em máquinas
agrícolas e na reação dos lavradores a elas.
- É natural que me interesse. Ouvi tantas histórias a respeito da
situação dos lavradores, de seu inconformismo e revolta, de queimadas de
trigo, de quebra de máquinas, de fugas e... enforcamentos. Como ficar
indiferente?
Priscilla suspirou tristemente.
- Era uma batalha perdida... O que me conforta é que na maior parte da
Inglaterra não há mais tanto sofrimento e indigência como houve então.
O conde pousou os papéis no colo.
- Vejo pelo que me diz que vou ter de examinar os melhoramentos que
pretendo introduzir de um outro ponto de vista. Estava apenas
considerando a eficiência das máquinas.
- Sem dúvida são eficientes - concordou Priscilla. - Mas os trabalhadores
contam com o dinheiro que vão ganhar durante a colheita para se manterem
nos demais meses do ano, além do que, em muitas fazendas, seus ganhos são
irrisórios.
O conde examinou Priscilla, sentada no sofá ao seu lado, e pensou que
aquele não era absolutamente o tipo de conversa que esperava ter com
alguém tão jovem e cuja cabeça parecia estar até então apenas povoada por
contos de fadas.
Os comentários dela eram realmente procedentes. Lembrava-se de ter lido a
respeito da rebelião de trabalhadores em Kent e Sussex, bem como em
outros condados do sul, e de como
O governo procurara combatê-la, enviando tropas para enfrentar os
rebeldes que estavam apenas lutando para salvar suas famílias da
inanição.
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Sua mulher o olhava com expressão ansiosa, aguardando, visivelmente, uma
tomada de posição de sua parte.
- Prometo-lhe que qualquer equipamento que eu vá introduzir em minha
propriedade não trará prejuízo algum aos empregados - disse-lhe em tom
quase solene.
Priscilla deu um suspiro de alívio, mas tinha outras reivindicações a
fazer, para espanto do conde:
- Quando tiver algum tempo, creio que deveria visitar algumas casas de...
colonos, especialmente as do lado... norte.
"São as que ficam próximas a Little Stanton", pensou o conde,
pressentindo a resposta, mas perguntou:
- Por quê?
- Porque estão precisando de muitos reparos. Se vai fazer inovações,
creio que poderia dispor de algum dinheiro para melhorar e modernizar as
casas dos que trabalham para você, não é?
O conde soltou uma gargalhada. Vendo, porém, a expressão séria dos olhos
da esposa, justificou-se:
- Estou rindo porque nunca poderia imaginar ter me casado com uma
reformadora!
Priscilla corou.
- Foi você mesmo quem disse que deveríamos falar francamente um com o
outro. Há algum tempo que venho desejando conversar com você a este
respeito, mas achei melhor esperar até que estivesse bem de saúde.
- Pois estou muito bem - afirmou o conde. - Pode me dizer tudo o que
desejar a respeito da minha propriedade.
Priscilla pegou-o pela palavra. Disse-lhe tudo o que queria
sobre as péssimas condições em que viviam os trabalhadores,
sobre as famílias inteiras compartilhando de um único quarto,
sobre fossas quebradas, sobre telhados vazando, sobre poços
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de água contaminada sem que ninguém tomasse uma providência, embora o
próprio médico tivesse conhecimento.
Falava rapidamente e num só fôlego, parecendo temer que o conde se
cansasse de ouvi-la e lhe pedisse para parar antes de terminar tudo o que
tinha a dizer.
Ele, porém, não a interrompeu. Somente quando Priscilla parou de falar,
comentou:
- Fico contente que tenha me dito tudo isso, embora me pergunte o porquê
de ter de ouvir tudo isso de sua boca quando tenho um gerente
administrativo.
- Acho que a culpa não é de mr. Anstruther.
- Por que o defende?
- Porque, pelo que ouvi dizer, nem seu tio nem seu primo estavam muito
preocupados com a gente que trabalhava para eles. Na realidade, creio que
nem os via como seres humanos, mas apenas como um instrumento de produzir
o que precisavam.
O conde não pôde deixar de dar razão a Priscilla.
Sabia que o tio sempre passara a maior parte do tempo em Londres, tanto
nas residências reais, como na Câmara dos Lordes.
Seu primo, o visconde, com quem nunca tivera grande afinidade, sempre
estivera empenhado em se divertir em corridas de cavalos ou na companhia
de mulheres.
Fora por causa de seus incontáveis casos amorosos que acabara não se
casando, deixando de dar um herdeiro ao título.
O conde via agora, porém, que a tarefa à sua frente era bem ais difícil
do que imaginara.
Como se lesse o pensamento dele, Priscilla ponderou:
- Só você pode mudar esse estado de coisas. Só você pode consertar o que
tem estado errado há tanto tempo!
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Ele levantou-se e atravessou o jardim de inverno, parando à porta, que
dava para os jardins.
O sol estava quente e a brisa, morna. Todas as flores haviam desabrochado
nos últimos dias. Havia uma profusão de lilases, azaléias e narcisos. As
árvores estavam cobertas de rosa e branco. Era um cenário mágico,
perfeito para o conto de fadas de Priscilla.
Para o conde, agora, toda a beleza de Rock, que levara em sua lembrança
para tantas partes do mundo, parecia-lhe como uma cortina de teatro,
escondendo tantos aspectos feios.
Pela primeira vez desde que herdara a propriedade não a enxergava como
uma possessão magnífica e invejável, mas sim como uma pesada obrigação, à
qual teria de se dedicar com afinco para conseguir a perfeição que
almejava.
Vinha-lhe no momento a mesma sensação que inúmeras vezes vivenciara no
passado, quando lhe era entregue uma corporação de recrutas completamente
inexperientes para que os tornasse uma força de luta eficiente, digna do
regimento a que pertenciam.
Priscilla não saiu do lugar e, mesmo sem se voltar, o conde sabia que ela
aguardava o que ele iria dizer sobre a posição que assumiria quanto ao
futuro.
Era estranho que tivesse sido ela a lhe mostrar suas obrigações e que,
muito mais jovem do que todas as mulheres com quem havia convivido,
fosse a única a se preocupar com os menos favorecidos e não apenas
consigo mesma.
Ele voltou-se para ela, enternecido, desejando ouvi-la, mais uma vez,
falar da nobreza de sentimento que a ligava ao próximo.
- O que lhe importa se essas pessoas não foram tão bem cuidadas?
Priscilla sorriu.
- Claro que jamais imaginei que teria qualquer relação pessoal
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com elas, mas são gente exatamente como você e eu, e me magoa saber
que não têm a menor chance de felicidade.
- Eu entendo perfeitamente, querida. Ouça, como conhece muito mais o
campo do que eu, conto com você para me ajudar em minhas obrigações e
trabalhar para que as coisas melhorem.
O rosto de Priscilla iluminou-se, fazendo o conde pensar que ela vibrava
diante da perspectiva de um trabalho árduo, enquanto outras mulheres
teriam aquela expressão apenas diante de um presente como um bracelete de
brilhantes.
- Tem mais alguma coisa a me dizer? - indagou ele, ainda meio perplexo
com o rumo da conversação.
Priscilla ficou tentada a mencionar outros assuntos que também
precisariam da atenção dele, mas parou a tempo.
- Não quero cansá-lo com tantas coisas de uma só vez. Não se esqueça do
que o dr. Jenkins recomendou. Mesmo todos os melhoramentos que pretende
fazer é bom que sejam implantados aos poucos.
- Conversaremos a esse respeito um outro dia. Prometo que não vou abusar.
No momento o que mais me preocupa é você.
- Eu, por quê? - surpreendeu-se Priscilla.
- Tenho consciência de que sou um noivo muito decepcionante - respondeu o
conde. - Imagino que deva se sentir meio lograda, primeiro por não ter
tido o casamento pomposo com que toda mulher sonha, segundo por seu noivo
estar quase "incapacitado".
Priscilla riu e corou.
- Achei nosso casamento lindo e não desejava ter ninguém Presente a não
ser a babá.
- E Jason e Mercury à sua espera, na saída - ele brincou.
- Ah, Mercury está encantado com o estábulo e, principalmente, com os
puros-sangues com quem está convivendo!
Era a criança existente nela que falava outra vez.
Essa dupla faceta de Priscilla, da quase menina que ainda habitava no
mundo das fadas à mulher reformadora, seriamente
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preocupada com os problemas e situação dos trabalhadores, chegava
a ser fascinante.
- Você não falou que desejava ter na igreja uma deterrninada pessoa, em
especial?
Priscilla demorou alguns segundos para entender. Depois exclamou:
- Claro que não esqueci de você. Sem você não haveria casamento!
- Ainda bem!
- Se você soubesse como me assustei quando o vi passando mal ao chegarmos
aqui depois do casamento! Cheguei a me arrepender de não ter insistido
para que esperássemos mais uma semana...
Era a abertura que o conde estivera aguardando. Procurou entre os papéis
a cópia de um anúncio que mr. Anstruther mandara colocar num jornal
londrino e que fora por ele cuidadosamente redigido.
- Quero que leia isto.
Havia uma certa apreensão no olhar de Priscilla ao pegar a folha da mão
dele, talvez devido ao tom misterioso com que lhe pedira para ler o
papel, o que ela fez em voz alta:
"Acabamos de ter conhecimento do casamento do conde de Rockbrook com
Priscilla, filha do falecido coronel Edward Cranford e da também falecida
sra. Cranford, da propriedad de Little Stanton, Buckinghamshire. A
cerimónia, que se deu algum tempo, foi muito simples e discreta devido ao
luto da família.
A participação do casamento demorou a ser feita por causa dos ferimentos
que o conde sofreu durante uma cavalgada dos quais ainda não se encontra
completamente recuperado.
O conde e a condessa de Rockbrook estão agora oficialmente residindo em
sua propriedade, em Buckinghamshire, e nós lhes enviamos nossos sinceros
cumprimentos e os mais calorosos votos de felicidades".
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Priscilla estava com o cenho franzido ao terminar de ler o anúncio.
- Mas nós não nos casamos "há algum tempo" - estranhou ela.
- Tenho minhas razões para desejar que pensem que o casamento se deu mais
cedo.
Fez-se um silêncio carregado, que foi quebrado pela voz hesitante de
Priscilla:
- Você... você não quer... me dizer a razão para... termos de... mentir a
respeito?
- Mentir é uma palavra muito pesada - o conde apressouse a dizer. -
Prefiro pensar no assunto como uma particularidade que não interessa a
ninguém, a não ser a nós mesmos.
- É esquisito... e talvez seja de... mau agouro.
- Como disse, não pode afetar ninguém, a não ser nós mesmos - insistiu o
conde. - Estou apenas lhe dizendo para o caso de alguém nos indagar.
- Quem, por exemplo?
- Ninguém em especial.
- Em Little Stanton todos vão saber que não é verdade.
- A única pessoa em Little Stanton que sabe que nos casamos é o vigário.
Priscilla não o contradisse para não aborrecê-lo, mas não tinha dúvidas
de que todos associariam o casamento à sua ida para Rock.
Se o conde queria acreditar que a cerimónia na igreja fora em absoluto
sigilo, por que haveria ela de decepcioná-lo, dizendo o contrário?
Não podia deixar, porém, de sentir uma enorme curiosidade Quanto ao fato
de ele querer demonstrar que o casamento ocorrera algum tempo antes, e
arriscara um novo comentário para ver se o induzia a falar.
- Elizabeth sabe a data de nosso casamento.
- Teve notícias dela? - o conde perguntou.
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- Sim, recebi uma carta agora cedo. Mostrou-se feliz e animada com o
nosso casamento e contou que também estará casada dentro de duas semanas.
- Apesar de já esperarmos por isso não deixa de ser uma ótima notícia.
- Só espero que você esteja completamente bom para podermos ir. Ela
ficará desapontada se não formos.
- Já me sinto completamente bom, até para andar a cavalo ou fazer
qualquer outra coisa que tenha vontade.
- Nada disso! - protestou Priscilla. - Você deu a sua pá lavra ao dr.
Jenkins que ficaria de repouso por mais uma se mana, só caminhando por
aqui ou tomando um solzinho, e não vou deixá-lo voltar atrás.
- O dr. Jenkins é muito exagerado - argumentou ele e você e a babá ficam
me mimando de tal modo que vou engordar tanto a ponto de nunca mais
conseguir fazer esforço algum.
- Estamos todos apenas pensando na sua recuperação justificou-se
Priscilla, voltando os olhos para o anúncio em suas mãos.
O conde calou-se por um momento, pensativo. Vieram-lhe à lembrança as
palavras insistentes do médico:
"O mal-estar que teve, milorde, foi um aviso. É bom que tenha isso em
mente e procure repousar no mínimo por mais uma semana, o que significa:
nada de andar a cavalo, nada de sacudir-se na carruagem, nada de fazer
amor".
Não gostando da interferência em sua vida pessoal, o conde franziu a
testa, mas não disse nada.
O médico, julgando que suas recomendações estavam sendo bem recebidas,
prosseguira:
"Sei que não é fácil, mas seu casamento foi muito precipitado e, como
ainda não está bom, seria um erro maior querer consumá-lo agora. Peço-lhe
que se dê um tempo e, se quiser
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seguir meu conselho, como não teve noivado, aproveite esses dias para
fazer a corte a sua mulher".
O conde continuara calado, causando um certo constrangimento ao médico,
que pouco depois se despedira.
Refletindo um pouco melhor, ele chegara a dar razão ao dr. Jenkins, cujas
palavras eram verdadeiramente sensatas. Só naquele momento ocorrera-lhe,
porém, que, na pressa de ajeitar sua própria situação, não havia
considerado por um momento sequer os sentimentos pessoais de sua noiva.
Quanto mais a via agora, mais achava que ela não se encaixava na imagem
inicial que havia feito dela, de uma mulher tranquila, complacente, de
gostos simples e de inteligência até certo ponto limitada.
Estava claro que sabia muito bem o que queria, tendo reivindicações a
fazer e não aceitando simplesmente o anúncio de seu casamento com data
adiantada. Sentia-se intrigada e aguardava uma explicação mais plausível.
Não via como, entretanto, contar-lhe a verdade. Precisava pensar em
qualquer outra justificativa.
Depois de ler e reler o anúncio, voltou novamente a insistir:
- Se as pessoas me perguntarem sobre... quando nos casamos, você deseja
que eu... minta?
- As pessoas dificilmente vão nos perguntar a respeito da data - replicou
o conde. - É mais provável que perguntem sobre o local e então poderá
lhes dizer a verdade.
Priscilla não parecia muito convicta.
- Quero que entenda uma coisa - disse o conde, numa tentativa de
persuadi-la -, a sociedade em geral vai achar estranho que não tenhamos
convidado todos os meus parentes e que você não os tenha conhecido antes
de nos casarmos.
- Como não tenho parente algum, não imaginei que você tivesse - Priscilla
aparteou.
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- Tenho e muitos, muitos mesmo - confirmou ele. - Sem dúvida, no devido
tempo irá conhecê-los. Mas, como durante todos estes anos ninguém teve
grande consideração por mim julguei que não havia necessidade de
recebê-los tão cedo depois da morte de meu tio.
- Mas não vão estranhar que tenha se casado sem avisá-los?
- Sabiam que eu nunca tinha imaginado que herdaria o título e vão
concluir que não desejei adiar o casamento por causa do luto, optando por
uma cerimónia simples, deixando as devidas apresentações para depois.
O conde congratulou-se pela saída que lhe pareceu bem convincente e ficou
mais tranquilo ao observar que Priscilla havia aceitado a explicação.
- Naturalmente vou fazer o que achar melhor e fico contente de...
estarmos sozinhos até que... você se sinta perfeitamente bem.
Era exatamente isso que desejava ouvir dela. Estendeu os braços em sua
direção e pegou-lhe uma das mãos.
- Sou-lhe muito grato, Priscilla, por sua compreensão. É bom mesmo que
estejamos sozinhos para podermos nos conhecer melhor.
- Pois eu sinto como se o conhecesse há anos e anos... por séculos...
talvez de uma outra vida.
O conde a olhou, surpreso.
- Desde que o vi pela primeira vez tive a sensação de conhecê-lo de algum
lugar. Foi Richard que me contou que na índia o povo acredita na teoria
da reencarnação. Sempre pensava nisso e imaginava se um dia viria a
encontrar alguém que já tivesse conhecido em uma outra vida.
- Preciso então tratar de também acreditar nisso. Não quero que se sinta
isolada, nem em pensamento.
Essas palavras evidentemente soaram melodiosas aos ouvidos de Priscilla,
cuja expressão se enterneceu.
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O conde levou a mão dela aos lábios e beijou-a, sentindo-a estremecer a
esse contato.
- Você é uma jovem doce e encantadora, Priscilla - disse com suavidade -,
e posso garantir que, mesmo que nos conhecêssemos há milhões de anos,
sempre haveria alguma coisa a mais que eu desejaria saber a seu respeito.
Os olhos de Priscilla ganharam expressão e encanto.
- Tive tanta sorte... tanta sorte... de encontrá-lo. Agora sei que era
você quem eu procurava, mas... não tinha certeza disso até que você... me
pediu em casamento.
O conde gostaria de retribuir as palavras, mas sabia que soariam falsas
se não fossem absolutamente sinceras. Disse então:
- Acho interessante essa sua crença na reencarnação. Quando estive na
índia, ouvi falar que faz parte das religiões hindus, mas não me
aprofundei mais no assunto. Estava ocupado demais treinando tropas e
combatendo rebeldes.
- Não deve ser muito bom lutar num lugar tão lindo. Richard disse que a
índia é maravilhosa.
- É um país realmente muito bonito - ele concordou -, mas neste momento
acho que não há cenário mais lindo do que o que nos cerca.
Priscilla desprendeu a mão da do conde e levantou-se, caminhando até a
porta para olhar o jardim.
O conde observou a graça com que ela se movimentou, notando como o
vestido novo acentuava a linha bem-feita de seu corpo. Vendo-a à porta,
banhada de sol e tendo por fundo o multicolorido das flores, disse -a si
mesmo que dificilmente encontraria outra mulher mais encantadora e meiga
do que sua priscilla.
"Tive sorte", pensou consigo mesmo, "mais sorte do que consigo expressar.
"
Ocorreu-lhe de repente que, em lugar de Priscilla, Louise poderia estar
ali parada e sentiu um calafrio na espinha.
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Priscilla pareceu-lhe então um anjo da guarda, protegendo-o dos perigos e
riscos que tivera de enfrentar.
Mais do que nunca, associava a sua imagem à do lírio, por sua candura e
pureza. Sem se conter, estendeu os braços:
- Venha cá, Priscilla!
Ela voltou-se e dirigiu-se a ele.
O conde tomou ambas as mãos da jovem nas suas.
- Ouça, querida, quero lhe dizer como a acho linda e como admiro a
maneira como está se comportando nestas circunstâncias tão difíceis.
Ela apertou as mãos dele nas suas e olhou-o profundamente.
- Tenho certeza de que não era assim o casamento que sonhava - prosseguiu
ele -, mas quero que saiba que me orgulho de você e que estou feliz de
tê-la aqui.
As palavras agora vinham direto de seu coração e parecialhe justo deixar
que Priscilla soubesse disso.
Ela continuava a olhá-lo bem dentro dos olhos, como quem procura ler na
própria alma do outro a resposta para os anseios de seu coração.
O conde levou aos lábios uma das mãos de Priscilla e sentiu como era
macia a pele dela. Imaginou, então, como seria bom beijá-la na boca. Seus
lábios também deviam ser macios, doces e inocentes.
As palavras do dr. Jenkins voltaram-lhe uma vez mais à memória: devia ter
calma e não precipitar as coisas.
Levantou a cabeça e viu o rosto corado de Priscilla.
Percebeu que aqueles beijos inocentes haviam despertado nela sensações
ainda desconhecidas. Novamente teve vontade de abraçá-la contra o peito e
beijá-la suavemente nos lábios.
O encanto do momento foi subitamente quebrado.
Priscilla soltou as mãos das dele e, com uma voz muito tímida, bem
diferente da habitual, disse-lhe:
90
- É melhor eu ir procurar Jason. Está na hora do passeio dele.
com o rosto ainda corado e os olhos muito brilhantes, ela saiu do jardim
de inverno e o conde recostou-se melhor na poltrona e se deixou ficar,
pensando nela.
Naquela noite jantariam pela primeira vez juntos na sala de jantar.
Durante os três dias após o casamento, fora obrigado pela babá e por
Bates a se recolher cedo. Embora Priscilla levasse uma bandeja para cima
e lhe fizesse companhia, não era a mesma coisa. Antecipava com prazer a
hora de revê-la na pequena sala de jantar.
Priscilla também estava eufórica. Fora procurar o jardineirochefe e
pedira-lhe que decorasse com o mais lindo arranjo de flores a mesa do
jantar.
- As flores estão tão lindas - comentou, animada. - É uma pena que
morram!
- É a lei natural da vida, milady. Se durassem para sempre não haveria
lugar para nascerem as novas - retrucara o jardineiro, achando graça.
- verdade - concordou Priscilla, sorrindo. - Por favor, faça então um
arranjo bem lindo para alegrar nossos olhos.
O empregado afirmara que o faria com o maior esmero. Priscilla viu-se a
seguir com uma nova dúvida: "Que vestido usar? "
Haviam chegado peças maravilhosas de Londres: roupas, xales, peles,
chapéus, luvas, sapatos, a mais linda coleção de roupas íntimas,
adornadas de fitas e rendas, tudo do mais fino gosto.
A modista a quem fora feita a encomenda tivera a devida sensibilidade
para mandar exatamente tudo o que era necessário para um enxoval.
Priscilla, entretanto, estava confusa diante de tantas alternativas,
embora a babá e o conde parecessem achar tudo muito natural.
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- Deve ter custado uma fortuna - comentara com a babá pela manhã, quando
chegaram mais algumas caixas.
- Milorde pode muito bem pagar por tudo isso. Depois, sabe muito bem que
você não poderia continuar andando por aí com os trapos que costumava
usar em casa.
- Era muito feliz com eles!
- Isso que é ingratidão! - a babá dissera, em tom áspero.
- Pobre do sr. conde, que gastou um dinheirão para vê-la como uma dama da
moda.
- Não faço questão alguma de ser uma dama da moda respondeu Priscilla,
meio brava. - Só desejo que ele me ache bonita.
- Ele tem olhos, que eu saiba - a babá retrucara, em tom áspero.
Nada mais fora dito, mas Priscilla tinha certeza de que a governanta
considerava seu casamento não somente estranho, como também até
embaraçoso.
Conhecia a babá o suficiente para saber que ela não aprovara inteiramente
a pressa com que fora realizado e, obviamente, estava preocupada com o
fato de ainda não estarem dormindo juntos, mesmo que essa fosse a atitude
mais prudente.
Provavelmente ressentia-se por Priscilla não ter sido arrebatadamente
carregada por um noivo ardente que a amasse como merecia.
- Um dia ele vai me amar - Priscilla disse a Jason, mais tarde, antes de
se deitar, sentando-se no pequeno sofá de cetim cor-de-rosa existente em
seu quarto.
- Ele é tão generoso, tem uma personalidade tão marcante, é tão atraente
- continuou a confidenciar-se com o cão. Muitas mulheres devem tê-lo
amado... e ele a elas... E eu? Nada tenho para oferecer a ele a não ser
meu coração.
Jason aconchegou-se perto dela. como se estivesse entendendo a angústia
de sua dona pelo tom melancólico de sua voz.
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- Creio que ele confia em mim - prosseguiu Priscilla, sentindo uma enorme
necessidade de desabafar, tendo, contudo, apenas seu fiel Jason para
ouvi-la. - Pareceu entender o que tentei lhe dizer sobre as dificuldades
da boa gente que mora na propriedade e talvez até possa ajudá-los. Mas o
que quero que sinta é que sou mais importante para ele do que tudo no
mundo, título, dinheiro...
Ela deu um suspiro profundo.
- Acho que é pedir muito. Talvez devesse reconhecer que já é uma sorte
nós dois estarmos aqui. Sei que é muita pretensão querer mais, mas,
Jason, quero o amor dele. Como quero!
As lágrimas insistiram em brincar nos olhos azuis de Priscilla,
escorrendo livremente pelo seu rosto.
Abraçada a Jason, ela deixou-se ficar naquela doce melancolia por algum
tempo. Seu pensamento então deteve-se no conde, dormindo no quarto ao
lado.
Bastaria que, abrisse a porta de comunicação entre os quartos para vê-lo,
para falar com ele.
Uma ideia marota passou-lhe pela cabeça. Como ele reagiria se abrisse a
porta e dissesse a ele que queria apenas sentar-se um pouco ao seu lado
para conversarem?
Logo descartou essa possibilidade, achando que seria muito atrevimento.
Além disso, já estava de camisola e com os cabelos soltos. O conde nunca
a vira daquele jeito e não ficaria bem ir oferecer-se a ele.
- Vou esperar que ele... me beije. Depois, quem sabe, virá ao meu quarto
- disse a si mesma.
Em sua ingenuidade, Priscilla tinha consciência de que seu casamento
ainda não era verdadeiro.
No dia seguinte, ela atrasou-se um pouco para se levantar. Ao descer, o
conde já estava à sua espera, mais elegante e atlético
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do que nunca, não revelando qualquer sinal de ter estado acamado.
- Que tal irmos visitar o estábulo? - perguntou-lhe, enquanto tomava seu
café.
- Levantei-me com a sensação de que ia me sugerir isso.
Espontaneamente, os dois retomaram o assunto do dia anterior, falando
sobre poderes sobrenaturais, sobre a índia, com seus templos e fakirs.
- Há algum fantasma aqui? - Priscilla perguntou depois, séria.
- Nunca vi nenhum, apesar de que minha avó jurava haver encontrado um no
corredor que leva à biblioteca e, segundo ela, quando lhe perguntou o que
estava fazendo, ele sumiu!
Priscilla riu.
- Deve ter sido um desapontamento. Será que foi bom ou mau presságio,
hein?
- Para ele deve ter sido mau - ponderou o conde. - Já pensou ficar
vagando por Rock todos esses séculos em vez de ir direto para o céu?
Fez-se um pequeno silêncio. Priscilla perguntou então, pensativa:
- Você acredita em céu e inferno?
- Para ser sincero, não tenho certeza - ele admitiu -, da mesma maneira
que não estou completamente convicto dos poderes sobrenaturais das
pessoas. Às vezes penso que não passam de superstições, algo de muito
primitivo sendo transmitido às gerações seguintes.
- Talvez um dia você mesmo tenha uma prova. É o tipo de crença que não se
pode exigir que o outro tenha.
O assunto foi deixado de lado e, muito animada, Priscilla dispôs-se a
acompanhar o conde ao estábulo.
Caminharam vagarosamente para que ele não se cansasse, mantendo-se ambos
calados, cada um voltado para os próprios pensamentos.
94
Enquanto ela se alegrava pelo prazer de passearem juntos, ele continuava
refletindo sobre o dom paranormal da mulher, mal sabendo que ela podia,
por exemplo, chamar seu cão, sem que fosse necessário pronunciar o nome
do animal.
Bastava tão-somente que pensasse nele, e quase imediatamente Jason viria
a ela.
Pouco antes de se aproximarem do estábulo, podia-se ouvir o relinchar de
um cavalo.
Mesmo antes de entrarem, ele já imaginava que se tratasse de Mercury. E
não estava errado.
- Este cavalo parece que sabe que milady está chegando disse-lhes um
tratador, quando entraram. - Todos os dias antes de ela chegar, ele se
põe a fazer esse barulho.
O conde achou realmente extraordinária a ligação que acabava se
estabelecendo entre o homem e o animal. Priscilla não contradisse o
tratador, limitando-se a sorrir. Naturalmente, o primeiro cavalo visitado
foi Mercury.
- Este é Mercury! - Priscilla apresentou-o, afagando o animal, bonito e
bem tratado, mas sem o garbo dos cavalos do conde.
- Nem precisava dizer. Veja a expressão do olhar dele quando a enxergou!
- Não é bem isso - corrigiu Priscilla. - Ele me ama e sabe guando estou
pensando nele.
O conde olhou-a meio cético, sem contradizê-la. Deu uma palmadinha no
dorso do animal, dizendo:
- Vamos agora ver os outros cavalos, senão vão ficar enfurnados.
Para sua surpresa, Mercury seguiu-os calmamente, como um fiel cão de
guarda, parando atrás de Priscilla quando se detinham em cada baia para
ver os animais, que reagiam docilmente aos afagos dela.
O conde concluiu então que o amor que Priscilla dedicava
95
aos bichos tornava-os mansos e receptivos, mesmo os mais indóceis.
Todos os cavalos foram visitados. Só então Priscilla deu-se conta de que
estavam ali havia mais de uma hora.
- Precisamos voltar logo. A babá disse que ia preparar-lhe uma sopa
revigorante para que a tomasse no meio da manhã.
- Não vou permitir que ela fique agindo dessa maneira despótica por muito
tempo! - avisou o conde.
- Ela vai continuar a mesma, você queira ou não. - Priscilla riu.
Ela fez uma pausa e o conde entendeu que tinha mais alguma coisa a lhe
dizer.
- A babá não mais o está vendo apenas como um paciente, sabe. Ela está
começando a amá-lo, da mesma forma que seus animais também o amarão
quando vierem a conhecê-lo melhor. Mercury já começou.
- Imagino que ele tenha lhe dito - ironizou o conde.
- Quando você o tocou, ele estremeceu de um jeito especial, o mesmo tipo
de reação que tem comigo. Quando outras pessoas o tocam, não acontece
isso.
Priscilla falou com tamanha simplicidade que pareceu impossível ao conde
rir daquela fantasia quase infantil.
- Como você diz, tenho mesmo muita sorte - observou. Suponho que você
esteja antecipando que essa afeição vá se abrindo num grande círculo, até
abranger toda a minha propriedade.
- Claro! - exultou Priscilla. - Não é isso que também quer? Não faz
sentido chamá-la de "lar" a menos que seja um lugar de amor, onde as
pessoas se sintam amparadas e protegidas.
Passou pela cabeça do conde como soaria sentimental absurda aquela
atitude aos demais proprietários de terra.
No entanto, ele hão podia deixar de reconhecer que Priscilla tinha razão.
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Um lar somente poderia ser concebido a partir do amor; e todos que nele
trabalhassem, tanto dentro quanto fora, deveriam fazê-lo de coração,
achando que valia a pena.
Nunca antes lhe ocorrera isso em sua vida de soldado, dura e austera.
Seus homens o admiravam e respeitavam, mas não nutriam nenhuma ligação
sentimental em relação a ele.
Apesar de, em princípio, ter achado que as palavras de Priscilla
exteriorizavam um ponto de vista apenas feminino, tendo-as ouvido
polidamente, mas estando disposto a ignorá-las, parecia-lhe agora que
podia conciliar as duas coisas, em benefício das futuras gerações de
Rock.
Um novo espírito de lealdade e amor seria infundido em Rock.
Uma rápida retrospectiva de tudo o que sua nova posição havia
inicialmente significado para ele passou-lhe pela cabeça: o lugar que
ocuparia na corte; os amigos ilustres com quem passaria a conviver; os
lugares da moda que poderia visitar.
Agora via claramente que Priscilla estava certa. Rock vinha em primeiro
lugar. Precisava ser melhorada, renovada, modernizada.
Só depois que tivesse atingido o estágio de desenvolvimento material e
moral que desejava, poderia se sentir livre para usufruir das vantagens
do título e de seus bens.
"Vai levar muito tempo para que esse dia chegue", pensou, sem, contudo,
sentir-se deprimido.
Havia muito a ser feito e fora necessário que Priscilla lhe Mostrasse
isso. O desafio, porém, era revigorante.
97

CAPÍTULO VI

O conde sentia-se tão bem que mal resistia ao impulso de ir cavalgar.


Tinha, porém, mais dois dias de convalescença, de acordo com o prazo
estabelecido pelo médico, e ele não ousaria enfrentar uma discussão com
Bates, a babá e Priscilla.
Era muito bom ter três pessoas preocupando-se com ele, mas, depois dos
longos anos de serviço no exército, irritava-o um pouco tanto mimo.
Desistiu, pois, de sair a cavalo e foi para a biblioteca trabalhar um
pouco mais no planejamento das melhorias que pretendia introduzir na
propriedade.
Seu pensamento, porém, estava qual cavalo indócil, pronto a disparar
pelas campinas verdejantes. Por mais que tentasse, não conseguia
concentrá-lo nos papéis à sua frente.
De divagação em divagação, viu-se dominado pela imagem de Priscilla e
pôs-se a pensar nela.
Onde quer que se encontrasse, na biblioteca, na sala de jantar, ou no
jardim, sua figura realmente não poderia ser mais adorável nos novos
vestidos. Era ao mesmo tempo tão frágil que parecia impossível que
qualquer preocupação social ou económica pudesse despertar todo seu vigor
e energia.
Quanto mais discutiam a respeito dos planos, mais surpreso o conde ficava
com o conhecimento que ela possuía a respeito das dificuldades dos
trabalhadores e como lhe era importante resolvê-las.
Muitas vezes, ele levantava determinadas questões pelo simples prazer
de vê-la inflamada e ouvi-la defender os interesses
98
de seus empregados, como na vez em que falavam sobre a construção de
novas habitações para famílias mais numerosas.
- Se fizermos as casas muito confortáveis - dissera-lhe -, as famílias
deles vão crescer assustadoramente.
- Pois eu acho que as famílias numerosas são as mais felizes - contra-
argumentara ela.
- Como sabe se não tem experiência de família grande? provocara-a.
- Gostaria de ter tido uma dúzia de irmãos, para não ficar completamente
só no mundo como fiquei quando Richard... morreu.
Chegara a arrepender-se da provocação, nessa ocasião. Havia tanta
melancolia na voz de Priscilla e, ao mesmo tempo, tanta sabedoria em suas
palavras que sentira uma imensa vontade de aninhá-la em seus braços e
dizer-lhe que nunca mais se sentiria só no mundo.
A prudência impedira-o de se mostrar afetuoso. Afinal, havia decidido
manter seu relacionamento numa base amigável até que estivesse em
condições de aprofundar esse relacionamento.
Teria então de lhe falar de amor, o que o punha nervoso só de pensar.
Temia não saber se expressar na maneira idealizada por ela e não
corresponder à imagem de Príncipe Encantado.
Era estranho que, nas últimas duas noites, havia acordado pensando em
como deveria agir para não desapontá-la.
Provavelmente isso se dava porque estava sentindo-se cada dia melhor e
sabia que logo chegaria o esperado momento de -onsumar fisicamente o
casamento.
Priscilla, porém, era tão inocente, tão diferente de todas as mulheres
com quem já fizera amor que novamente lhe vinha à cabeça a imagem
imaculada e bela do lírio.
Por outro lado, o conde perguntava-se se atribuir qualidades tão
extraordinárias à mulher não seria um exagero de sua imaginação. Afinal
de contas, ela não passava de uma moça comum. A diferença estava em que
não tinha tido experiência anterior com jovens do tipo dela.
99
O importante, porém, depois de realizar um casamento meio precipitado,
era que, com a convivência diária, estava surgindo entre eles uma doce
intimidade.
Invariavelmente, Priscilla lia seus pensamentos antes que os expressasse,
e mesmo ele começava a adivinhar o que ela estava sentindo, sem que o
dissesse.
Sentindo-se sufocado na biblioteca, não tendo realmente condições de se
concentrar na elaboração de seus planos, o conde resolveu ir procurar
Priscilla para talvez irem dar um passeio.
Encontrou-a num dos salões, entretida em distribuir os arranjos de
flores. Nunca o salão lhe parecera tão feminino e acolhedor.
Assim que o viu, os olhos dela iluminaram-se. O conde disse a si mesmo
que o amor que sentia por ele estava ficando cada dia mais evidente. Um
calor gostoso invadiu-lhe o peito, consciente de que nunca antes lhe
havia sido oferecido aquele tipo de amor.
Priscilla imediatamente foi ter com ele. O conde estendeu-lhe a mão e ela
entrelaçou seus dedos nos dele.
- Gostaria de dar um passeio? - perguntou-lhe.
- Se você estiver se sentindo bem, tenho uma sugestão formidável a fazer
- respondeu ela, animada.
- Estou ótimo para fazer qualquer coisa - o conde retrucou. - A bem da
verdade, ainda há pouco, senti um desejo louco de andar a cavalo.
- Isso não, ainda é muito cedo! - Priscilla apressou-se a dizer. - Mas
pensei que pudéssemos aproveitar para explorar um pouco a casa. Não estou
mais aguentando ficar de olhos fechados.
O conde riu.
- Tenho certeza de que você me tapeou um pouco e andou dando umas olhadas
aqui e ali, hein! Mas, naturalmente, estou lhe devendo a visita oficial e
acho que podemos começar pelos salões onde ficam os quadros da família,
no andar de baixo
100
- Era exatamente o que desejava - disse Priscilla, eufórica. - Só não
quero que se canse muito.
- Há muita coisa para ver, realmente. Vamos levar alguns dias para que
lhe mostre tudo.
Priscilla apertou a mão do conde, visivelmente encantada.
- Vamos começar logo então!
com os olhos muito brilhantes e os lábios entreabertos num sorriso, sua
aparência não poderia ser mais tentadora e sensual.
O conde teve de fazer um grande esforço para resistir ao impulso de
beijá-la.
Mais uma vez, ocorreu-lhe que nunca havia beijado uma mulher que ainda
não tivesse sido beijada. Os lábios de Priscilla pareceram-lhe mais doces
e suaves do que nunca. Uma onda de excitação apossou-se dele ante o
pensamento de que seria o professor dela na desconhecida arte de amar.
Fazer amor com Priscilla seria muito diferente do fogo que logo
incendiava seu corpo e o das mulheres vividas com quem havia se
relacionado.
Teria de se controlar para não assustá-la, nem chocá-la. Queria que ela
encontrasse a felicidade e o prazer que procurava.
Acariciou com a mão livre o rosto de Priscilla e procurou desviar seu
pensamento do contato amoroso com ela, que cada dia ficava mais
insistente, propondo, sorrindo:
- Vamos logo então começar essa nossa "excursão".
De mãos dadas ainda, encaminhavam-se para a porta quando esta se abriu,
entrando o mordomo que anunciou:
- Estão aqui, milorde, o duque de Torrington e lady Louise Welwyn.
O conde permaneceu estático por um momento, com Priscilla ao seu lado.
Não contava de forma alguma com aquela visita inoportuna.
Soltou a mão da esposa e caminhou em direção à porta, indo ao encontro do
duque.
101
- Que surpresa, milorde!
O duque fez um cumprimento com a cabeça, mas não estendeu sua mão.
Mesmo sem dirigir o olhar a lady Louise, o conde podia sentir o
ressentimento estampado no rosto dela.
- Quero lhe falar em particular, Rockbrook - sentenciou o duque, num tom
indignado.
Virou-se para pedir a Priscilla que os deixasse a sós, mas ela já havia
se dirigido à porta, fechando-a atrás de si, chegando, porém, a ouvir o
duque dizer:
- Creio, Rockbrook, que procedeu muito mal com minha filha e exijo uma
explicação.
O tom era indubitavelmente agressivo e havia uma incontida ameaça
naquelas palavras, o que poderia tornar a situação difícil.
O conde hesitou por um momento, depois procurou falar em tom de surpresa:
- Receio não estar entendendo, milorde. Quaisquer que te nham sida os
sentimentos que lady Louise e eu tenhamos tido um pelo outro, não
acredito que Vossa Alteza tivesse aceito por genro um reles capitão, que
mal conseguia se manter de seu soldo no exército.
A resposta havia evidentemente surpreendido o duque que, depois de uma
pausa, disse:
- Está querendo me dizer que se casou antes de herdar o título de seu
tio?
- O acidente que vitimou meu tio e primo aconteceu na terceira semana de
março...
- Mas o anúncio falava em "luto na família"!
- O único irmão de minha mulher foi morto na índia, no ano passado.
Houve uma nova pausa. Então, como se o chão tivesse lhe faltado sob os
pés, o duque voltou-se para a filha.
Não havia mais hostilidade nos olhos dela.
102
- Por que não esperou mais tempo? - perguntou ao conde, num sussurro.
Ele fez um gesto significativo com as mãos.
- Como poderia saber, como poderia imaginar que tanto meu tio quanto meu
primo morreriam dessa maneira trágica e infeliz?
Fez-se um silêncio eloquente.
- Nessas circunstâncias - disse finalmente o duque -, devo me desculpar
por tê-lo julgado mal.
- Por favor, não pense mais nisso. Permitam-me oferecerlhes um refresco -
prontificou-se o conde. - Vieram de Londres?
- Sim, estamos a caminho do castelo de sir Francis Dashwood, em High
Wycombe - explicou o duque.
- Não o vejo há anos - o conde comentou. - Espero agora poder
restabelecer o contato com a família dele.
Enquanto conversavam, Louise atravessou o salão e foi sentar-se num sofá
perto da lareira.
Examinava tudo ao seu redor e o conde não tinha dúvidas de que se sentia
enciumada e zangada porque agora não teria mais chance de ser a senhora
de Rock, como tanto desejara.
Depois de sabê-lo rico e influente, ficara determinada a casar-se com ele
e devia ter insistido muito com o pai para que o duque tivesse tomado
aquela atitude.
Nenhum homem, afinal, deveria sentir prazer em forçar o outro a casar-se
com sua filha.
O conde ficava imaginando o que ela devia ter dito a ele e congratulava-
se consigo mesmo pela eficiência de seu plano.
O duque não podia dizer mais nada depois de saber que o conde havia se
casado enquanto era um simples capitão, e o fato de imaginá-lo um
apaixonado frustrado de Louise, sem chance de conseguir tê-la, salvava-
lhe o amor-próprio.
Subitamente, como se ainda não tivesse se conformado com a ideia, Louise
perguntou:
- Mas, se era tão pobre como disse, como teve condições de Pensar em
casar e sustentar alguém?
103
O conde já imaginava essa pergunta e havia preparado uma resposta:
- Minha esposa provém, como eu, de uma família de militares e está
habituada a se contentar com pouco - esclareceu.
- Ela tem um pequeno rendimento próprio e uma pequena propriedade
vizinha, onde moraríamos quando eu não estivesse com o regimento.
A explicação não podia ser mais plausível, o que suscitou o comentário do
duque:
- Naturalmente se sua esposa era vizinha, devia conhecê-la há muitos
anos.
O conde não gostaria de ter de contar mais uma mentira. Manteve-se calado
por um momento e, providencialmente, o mordomo e um outro criado entraram
na sala trazendo uma bandeja com taças de cristal e um balde de gelo de
prata, onde estava sendo resfriada uma garrafa de champanhe.
Para alívio do conde, o duque serviu-se e o assunto foi esquecido.
- Vamos naturalmente brindar a sua saúde, Rockbrook propôs. - Espero ter
o prazer de conhecer sua esposa.
- Tenho certeza de que ela se sentirá honrada de conhecêlo, milorde -
replicou o conde. - Mas, como é muito tímida, creio que vamos deixar para
uma outra ocasião.
Homem vivido, o duque entendeu que o conde queria evitar o confronto
entre a nova condessa e lady Louise, que seria embaraçoso para ambas.
- Sim, claro, tem toda razão - concordou o duque. - Não podemos também
nos deter muito.
Bebeu, entretanto, muitas outras taças e estava meio alto quando o conde
o acompanhou até a carruagem.
Ao despedir-se de Louise, notou uma certa ameaça no olhar dela, sugerindo
que sua paixão não morrera e, não tendo conseguido enredá-lo como marido,
ele não se livraria de suas garras na próxima vez que se encontrassem.
Parado nos degraus da entrada até ver a carruagem desaparecer
104
no caminho, o conde sentiu, entretanto, uma inexplicável sensação
de alívio. Não temia mais aquela fera.
Estava livre! Livre de Louise e de sua desconcertante paixão! Livre do
pesadelo de ter de se casar com uma mulher de quem não gostava e até
mesmo desprezava!
Seu rosto estava iluminado por um sorriso ao entrar no hall.
- Peça a milady para vir se encontrar comigo no salão pediu ao mordomo,
dirigindo-se até lá para se servir de mais uma taça de champanhe.
Antes de bebê-la, levantou a taça num brinde silencioso:
- À minha felicidade futura!
Aquele cómodo nunca lhe parecera tão bonito, todo florido e banhado de
sol.
Priscilla caminhava rapidamente com Jason entre os arbustos.
Sentira uma necessidade urgente de afastar-se da casa e ir para um lugar
tranquilo onde pudesse pensar.
Não lhe saíam da cabeça as palavras do duque:
"Creio, Rockbrook, que procedeu muito mal com minha filha e exijo uma
explicação".
com o coração batendo descompassadamente, ficara segurando a maçaneta da
porta, sem fechá-la completamente.
Ouvira a resposta do conde, que respondia também às suas próprias dúvidas
sobre a razão de ter-se casado com ela e, principalmente, sobre ter de
mentir quanto à data do casamento.
Estava claro agora. Ele quisera se livrar de lady Louise. Só não entendia
o porquê. Aquela mulher era tão linda e elegante! Mas não tinha dúvida de
que seu casamento fora a solução encontrada pelo conde. Por mais que
houvesse tentado se iludir, ele não havia se unido a ela por amor.
- Fui o menor de dois males - disse a si mesma, objetivamente.
Priscilla não notava sequer a beleza dos lilases branco e púrpura
105
que a rodeavam, nem sentia a fragrância deliciosa da relva por onde
passava.
- Como eu poderia imaginar... como eu poderia saber que era essa a razão
de ele me querer? - perguntava-se, inconformada, em voz alta.
Jason levantou a cabeça para ela, parecendo entender o sofrimento contido
na voz de sua dona.
- Mas como deixar de amá-lo? Ele é tão bom, tão belo. amo-o cada vez
mais!
No fundo de seu coração, Priscilla sempre desconfiara que havia uma outra
explicação para seu casamento apressado, além da enfermidade do conde.
Havia concordado, na verdade, por amá-lo muito e fingira aceitar que a
causa fora que não ficaria bem acompanhá-lo a Rock sem estar casada.
A desculpa era muito frágil. Se quisesse, o conde poderia ter pedido a
uma prima, ou tia, que permanecesse com eles até o casamento.
Preferira, contudo, elaborar essa saída fantástica para escapar às
pressões do duque para que se casasse com sua filha, apesar da verdadeira
razão fugir à compreensão de Priscilla.
Havia sido muito sagaz a justificativa dele de não poder sonhar com a mão
da filha do duque por ser um pobre soldado sem vintém.
Priscilla sabia perfeitamente que, num regimento caro como o Grenadier
Guards, todo oficial precisava ter uma certa renda própria, pois era
impossível viver simplesmente de seu soldo.
Como o pai sempre comentara com ela a respeito das despesas dos
diferentes regimentos, desconfiava de que o conde realmente não teria
condições de manter uma esposa que não tivesse algum rendimento próprio.
"Se amasse lady Louise, como ela evidentemente o ama, dinheiro certamente
não teria sido o problema", pensava Priscilla.
106
Na verdade sentira uma ponta de ciúme ao vê-la entrar bonita e segura de
si, sentindo-se insignificante e pouco atraente.
Evidentemente estava lisonjeada de o conde ter se casado com ela e não
com lady Louise, mas isso não era o suficiente.
Queria amor, muito amor. Sabia intuitivamente que o amor era essencial
para que o casamento fosse completo e feliz.
Como poderia continuar vivendo com ele, sabendo que nunca a quisera por
si mesma, mas apenas como uma tábua de salvação?
Priscilla afastara-se bem da casa e começava a penetrar agora num pequeno
bosque.
Jason corria a sua frente, procurando tocas de coelho pelo chão, mas ela
sequer estava tomando conhecimento dele. Sua mente estava completamente
voltada para o conde.
Ele lhe parecera muito afetuoso nos últimos dias, talvez por estar melhor
de saúde. Nos pequenos passeios que faziam, sempre tinham muito a
conversar, descobrindo vários pontos em comum.
Receava agora que esse companheirismo não mais lhe interessasse.
Depois da conversa com o duque, ele provavelmente estaria exultando de
alegria por sentir-se livre. Devia estar se cumprimentando pelo excelente
resultado de seus planos. Como se sentiria, porém, depois, ao cair em si
de que havia se casado sem amor?
Priscilla não poderia estar se sentindo mais humilhada e magoada.
Precisava andar. Andar muito para pôr seus pensamentos em ordem.
O bosque ficou para trás e foram dar num campo aberto, não cultivado.
Viam-se poucos arbustos na região e uma pequena colina mais adiante.
Um pequeno coelho saiu da toca quase aos pés de Jason e ele se pôs a
persegui-lo soltando um latido de euforia.
107
Priscilla pareceu acordar do torpor em que se encontrava e abriu a boca
para chamá-lo.
O cão, porém, já havia desaparecido na direção da colina. Levou algum
tempo para que ela pudesse vencer a distância que os separava devido às
condições do terreno. Quando se aproximou do lugar onde o perdera de
vista, a primeira impressão que teve foi a de que se tratava de uma
caverna. Subitamente, porém, lembrou que devia tratar-se de uma das minas
de greda, comuns em muitas partes de Buckinghamshire.
Eram famosas as de West Wycombe, usadas pelo endiabrado sir Francis
Dashwood, no século XVIII, para espantosas orgias. Havia várias também
perto de Little Stanton, algumas das quais, como aquela, não haviam sido
muito escavadas.
Assim que chegou perto da entrada, Priscilla ouviu o latido de Jason e o
chamou. Chamou várias vezes, sem que ele voltasse para encontrá-la.
Imaginou que devesse ter acuado o coeIhinho a um canto, ou talvez, mais
esperto, o bichinho tivesse desaparecido em algum buraco e Jason
estivesse à espera que ele reaparecesse.
- Jason! - insistiu. Ele parou de latir, provavelmente por ouvi-la, e
Priscilla adentrou a caverna.
- Jason! Jason!
Aprofundou-se um pouco mais e pareceu ouvi-lo vindo ao seu encontro.
No mesmo instante, ouviu-se um estrondo, seguido de vários outros e
Priscilla encontrou-se numa total escuridão.
Não era difícil imaginar o que havia acontecido. A entrada da caverna
havia desmoronado.
Jason pulou ao seu lado e ela o abraçou. Estavam irremediavelmente
presos.
O conde serviu-se de mais uma taça de champanhe, mas não a bebeu.
Segurando-a, caminhou até a janela para olhar para o jardim.
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Refletindo a luz do sol, o lago adquirira uma coloração dourada que,
contrastando com o verde das árvores e das plantas, jtornava o cenário
belíssimo.
Um calor gostoso percorreu-lhe o corpo. Tudo aquilo era seu. Gostaria de
compartilhar da emoção daquele momento com Priscilla.
Voltou-se com um sorriso nos lábios, ao pressentir a entrada de alguém.
Era o mordomo.
- A condessa não está lá em cima, milorde. A governanta acha que ela saiu
para uma caminhada.
O conde franziu a testa.
- Tem certeza? Alguém viu para que lado foi?
- Creio que não, milorde, mas vou verificar.
O conde pousou o copo numa mesinha e voltou para a janela, pensativo.
Não tinha dúvidas de que se Priscilla saíra para caminhar era por estar
preocupada, e precisava pensar.
Isso significava que ficara perturbada com a visita do duque e
principalmente de lady Louise. Era normal que a pessoa apaixonada
sentisse ciúme se julgasse que o objeto de seu amor poderia ser-lhe
roubado.
Ocorreu ao conde então que talvez Priscilla houvesse escutado o duque
tomando-lhe satisfações.
- Diabos! - blasfemou o conde. - O que tinham de vir fazer aqui?
Esperava, porém, mais cedo ou mais tarde, por aquela visita e era um
alívio ter-se livrado dela.
O mordomo voltou um bom tempo depois. O conde já estava desassossegado.
- Não consegui encontrar milady. Um dos jardineiros me disse que a viu
subindo em direção ao bosque, com seu cão.
- Obrigado - ele agradeceu. - Espero que não demore.
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Mais uma vez se dirigiu à janela, sem, contudo, ver o reflexo do sol no
lago, as árvores ou as flores.
Estava sinceramente preocupado com Priscilla. Tinha o pressentimento de
que ela estava infeliz, provavelmente sofrendo por amá-lo.
- Devia ter lhe contado a verdade quando lhe mostrei o anúncio -
censurou-se.
Tinha consciência de que não adiantava agora atormentar-se. Restava-lhe
esperar que logo ela estivesse de volta e pudesse esclarecer tudo.
Jason tremia nos braços de Priscilla que, apavorada, temia novos
desmoronamentos. Fez-se, entretanto, um enorme silêncio. Ela parecia
poder ouvir as batidas do próprio coração.
- Não adianta ficarmos esperando socorro, Jason - disse ao cão. - Temos
de tentar sair daqui.
Depois da terrível escuridão inicial, podia agora perceber uma fresta de
luz vinda da entrada. Vagarosamente deu alguns passos em sua direção,
percebendo que um enorme pedaço de rocha bloqueava a entrada. Não podia
chegar até ele porque outras pedras de tamanhos menores impediam-lhe a
passagem, e Priscilla tinha medo de ao tentar tirá-las provocar um novo
desmoronamento.
Ficou a olhar por algum tempo para a entrada, completamente desarvorada.
- Que vamos fazer, Jason? Que vamos fazer? - perguntou ao cão, ao seu
lado.
Sentou-se, enfim, no chão e seu companheiro logo lambeulhe o rosto,
tentando confortá-la.
Em vão. Era assustador pensar que ninguém sabia onde estavam.
O pior era que o frio começava agora a incomodá-la, embora estivesse com
um vestido de mangas compridas. Quando o sol se fosse, o frio seria ainda
maior.
110
um pânico enorme apossou-se de Priscilla ao pensar que ninguém iria
procurá-la ali e que, provavelmente, ela e Jason acabariam morrendo de
frio e fome, sem que o conde nunca soubesse o que havia acontecido.
O pensamento de que nunca mais iria vê-lo assaltou-a, fazendo-a ter
ímpetos de gritar.
De que adiantaria? Ninguém iria ouvi-la!
- Precisamos fazer alguma coisa, Jason - disse, desesperada. - E logo!
Ele acomodou-se um pouco mais junto a ela, trémulo. - Não podemos
morrer aqui... Não podemos, Jason! Já pensou, se morrermos, lady Louise
vai insistir... em casar com o conde.
A perspectiva pareceu-lhe tenebrosa. Não tinha dúvidas de que, se o
pior acontecesse, lady Louise e seu pai imediatamente procurariam o conde
e o obrigariam a casar-se. - Preciso salvá-lo... preciso salvá-lo!
Sentada, fixou os olhos suplicantes no enorme bloco de greda a sua
frente, como se esperasse removê-lo dali num passe de mágica.
Sabia que lhe restava agora apenas a força de seu pensamento.
Nunca comentara com o conde por receio que ele não entendesse, mas,
ciente dessa sua estranha capacidade, crivara o irmão de perguntas quando
este voltara da índia, inclusive quanto a determinados fenómenos para os
quais não havia explicação.
- Muitos fakirs usam o hipnotismo - dissera-lhe Richard
- mas também têm um método de comunicação mais rápido e eficiente que
qualquer método imaginado no Ocidente.
- Que método é esse? - perguntara-lhe ansiosa.
- É meio difícil explicar - o irmão respondera, receando que ela não
fosse entender. - Podem projetar seus pensamentos a uma longa distância.
Foi o caso de um jovem oficial hindu
111
em meu acampamento que veio um dia me pedir licença de saída porque o pai
havia morrido. Como eu sabia que o pai dele morava há mais de cinco
quilómetros de distância, perguntei-lhe como ficara sabendo da notícia da
morte. Morreu ontem à noite, capitão Sahib, disse-me ele. Ontem à noite!,
ex clamei eu. É impossível. Não recebemos ninguém desde então.
- O que você fez? - perguntara-lhe Priscilla.
- Naturalmente, recusei-me a deixá-lo ir, achando o pretexto muito falso.
Só duas semanas mais tarde é que fiquei sabendo que o pai dele realmente
havia morrido no horário exato dito por ele.
Agora Priscilla sabia que aquele fenómeno era chamado de telepatia e, a
menos que procurasse mandar uma mensagem telepática ao conde, acabaria
morrendo com Jason naquela caverna fria.
Fechou os olhos e concentrou-se no amor que tinha por ele e na vontade
firme de que ficasse sabendo do que estava acontecendo com ela.
Uma hora mais tarde, o conde caminhava de um lado para outro no salão.
Já havia ido até o hall três vezes para perguntar aos empregados se a
condessa havia voltado. Nenhum sinal dela.
Procurava tranquilizar-se, dizendo a si mesmo que afinal não fazia tanto
tempo assim que Priscilla estava fora. Mas alguma coisa lhe dizia que
talvez estivesse em perigo. Teve, inclusive, a sensação de que o chamava.
"Estou imaginando coisas", pensou. "Não pode estar correndo risco algum.
"
O pressentimento depois de algum tempo foi mais forte que ele, fazendo-o
sentir uma necessidade imperiosa de agir.
Parecia ver o rosto de Priscilla levantado para ele, com os olhos
suplicantes.
- Diabos, sei que ela está em perigo! - ele exclamou.
112
Ao toque da sineta, um empregado veio imediatamente. Pouco depois, o
conde estava montado num cavalo, seguido de três empregados.
- Boyd e eu vamos em direção ao bosque - disse ele. Um de vocês vá em
sentido contrário, no caso de milady estar voltando pelo atalho, e outro
percorra o pomar e imediações.
Os rapazes entenderam de pronto as instruções e imediatamente tomaram o
rumo indicado.
Seguido por Boyd, o conde cavalgou entre os lilases coloridos que
serpenteavam o caminho até o bosque, possuído de uma estranha opressão.
Intensificava-se dentro dele a impressão de que Priscilla chamava por ele
e que, se demorasse em atendê-la, poderia perdê-la.
Não havia qualquer lógica nessa impressão, mas ele procurou acelerar o
passo do cavalo, olhando o tempo todo entre as árvores, na expectativa
de ver uma ponta de vestido branco entre elas.
Alcançaram, finalmente, a outra extremidade do bosque, sem que
descobrissem o menor sinal da moça. Apenas uma revoada de pombos os
saudou.
Crescia dentro do conde a sensação de medo de não encontrar Priscilla.
Para dominar esse sentimento, parou o cavalo e perguntou ao criado:
- Acha que milady viria até aqui, Boyd?
- É realmente bem longe, milorde. Mas, se queria dar uma longa caminhada,
pode até ter ultrapassado a mina de greda à nossa frente.
- Vamos dar uma verificada por lá - propôs o conde. Cavalgaram então
até o topo da colina, de onde se avistavamoutras pequenas elevações de
terra que se estendiam até um lindo vale, onde a vista de um riacho
transparente confundiase com a linha do horizonte.
Era um espetáculo belíssimo da natureza, mas o conde só
113
tinha um pensamento: encontrar Priscilla antes que escurecesse de vez.
- O que vamos fazer, hein, Boyd? Acha que os outros já a encontraram
- Receio que não, milorde. Dei a cada um uma corneta que deve ser tocada
no caso de a encontrarem.
- Foi muito previdente, Boyd - observou o conde, permanecendo atento para
ouvir o som do instrumento, vindo de um ou do outro lado do bosque.
Quando levantava as rédeas para pôr o cavalo novamente em movimento, Boyd
segurou-lhe a mão de súbito.
- Acho que ouço alguma coisa, milorde.
O conde manteve-se em silêncio, depois disse:
- Não ouço nada.
Não dando atenção a essas palavras, o empregado permaneceu numa atitude
de total concentração, depois exclamou:
- Ouvi novamente, milorde! É o latido de um cachorro! Talvez seja o de
mílady!
Priscilla desencostou-se da parede e endireitou o corpo. Tremia de frio
agora. A umidade da caverna parecia ter aumentado. Abraçou Jason mais
fortemente. Sabia que ele estava assustado com a escuridão e talvez ela
própria estivesse transmitindo a ele todo o medo que estava sentindo.
Seu pensamento continuava completamente concentrado no conde, pedindo-lhe
com fervor para que fosse retirá-la dali. Pressentia que ele também
estava pensando nela e isso a confortava.
- Eu o amo - disse a si mesma. - Nada tenho para oferecer-lhe a não ser
meu amor. Mas não é o amor o que há de mais forte neste mundo?
Em seu devaneio, Priscilla viu o conde à entrada da mina. Voando para
ele, atirou-se em seus braços.
114
O latido inquieto de Jason acordou-a de seu sonho. Conhecia bem aquele
latido. Não era de alegria, nem de excitação. Era de aviso da aproximação
de alguém,
- O que foi, Jason? - perguntou, eufórica. - O que está ouvindo?
Priscilla não podia vê-lo, mas percebia que ele estava atento. Ao senti-
lo tentar afastar-se dela, invadiu-a uma sensação de medo de que ele
sumisse na escuridão, deixando-a sozinha.
Um novo latido mais agudo e sonoro fez-se ouvir e Jason foi arranhar a
barreira que os impedia de sair.
- Ah, Jason, será... Será que nos encontraram? Queria gritar por socorro,
mas sua voz não saía e as lágrimas
lavaram-lhe o rosto e a alma.
115

CAPITULO VII

Priscilla levantou as mãos em protesto.


- Não, não... não consigo tomar nem mais uma colher.
- É para tirar a friagem - retorquiu a babá, com firmeza.
- Só Deus sabe como chegou gelada.
- Congelada eu ficaria se tivesse de passar a noite lá - disse Priscilla,
esboçando um sorriso.
A babá teve um ligeiro estremecimento de pavor, o que fez Priscilla
compreender o quanto a boa mulher devia ter sofrido com sua demora. Ela
também já estava quase em desespero quando, como por milagre, ouvira a
voz do conde:
- Você está aí, Priscilla? - gritara ele, sobrepondo sua voz ao latido do
cão.
- Estou... estou aqui, sim! - balbuciou ela, a princípio, confirmando em
voz bem alta depois, temendo que ele não a ouvisse.
- Está machucada?
A preocupação que havia na voz dele foi o som mais lindo que jamais
ouvira. Ele se importava com ela! Estava preocupado que pudesse ter
ficado soterrada com o desmoronamento!
- Não... estou bem - procurara tranquilizá-lo.
- Já vamos tirá-la daí.
Priscilla ouvia que o conde falava com alguém, porém pouco lhe importava
quem fosse. Sentia um alívio inexplicável por suas preces terem sido
atendidas. Jason e ela não mais morreriam de frio e fome.
Estranhara ouvir o som de uma corneta, mas depois imaginara que devia
estar relacionada ao fato de ter sido localizada.
A voz do conde soava abafada, mas percebia que estavam
116
discutindo sobre a melhor maneira de remover a barreira que bloqueava a
entrada da mina.
Acabara perdendo a noção do tempo. Os minutos ou horas que se seguiram
pareceram-lhe intermináveis. Jason latia impaciente.
Mais vozes masculinas juntaram-se à do conde e seguiu-se um longo e
cuidadoso trabalho de remoção para evitar novos desmoronamentos.
Era possível perceber que estavam calçando com troncos de árvores a
entrada da mina, à medida que iam retirando as pedras.
"Ele é tão inteligente! "
Uma onda de amor invadira-lhe o peito, sentindo crescer em seu íntimo a
convicção de que havia valido a pena passar por todo susto e medo para
descobrir que podia se comunicar mentalmente com ele.
"É porque o amo", pensara, acreditando estar confirmando assim sua teoria
de que o amor era a maior força do mundo.
Num estado de quase exaltação ou delírio, começaram a se projetar em sua
mente imagens desconexas do curto espaço de tempo desde que se
conheceram: a aparência solene dele no dia de seu casamento; ainda
desacordado na cama, em Little Stanton; chegando fraco a Rock; caído ao
chão, como o encontrara; risonho propondo-se a lhe mostrar a casa; e...
surpreso ao ser informado da visita do duque.
Realmente não havia razão para pensar que alguma coisa houvesse mudado
entre eles. O conde provavelmente fora procurá-la apenas por um
sentimento de solidariedade ou gratidão por tê-lo ajudado a evitar o
casamento com lady Louise.
"Como pude sonhar que ele quisesse se casar com uma camponesinha sem
importância como eu, por amor? "
Por mais que pensasse, não conseguia entender a razão de ele não ter
querido o casamento com uma moça bela e sofisticada como a filha do
duque.
Sabia apenas que existia mais que uma barreira física entre o conde e
ela, e não via como poderia transpô-la.
117
Subitamente um facho de luz como que a despertara de um pesadelo. Já
havia sido cavado um pequeno buraco, pelo qual podia ver que três homens
trabalhavam sob a orientação do conde. A expressão dele era ansiosa,
observando o teto que, aparentemente, mantinha-se firme.
Abraçada a Jason, manteve-se calada, com a respiração praticamente
suspensa.
- Você está bem, Priscilla?
- Estou, sim - dissera, trémula.
- Acha que dá para Jason passar pelo buraco que cavamos?
- Dá, sim. Está difícil mantê-lo preso, ele está lutando para sair.
- Solte-o então!
Não foi necessário dar instrução alguma ao cão. Assim que o soltou, ele
imediatamente correu em direção à luz e pôs-se a latir excitado ao ver o
conde.
O trabalho de remoção continuara por algum tempo.
- Creio que já posso passar por aí agora.
- Tem certeza? - perguntara-lhe o conde. - Precisa tomar todo cuidado
para não esbarrar com força em nenhum dos lados, senão pode haver novo
desmoronamento - ele a prevenira, objetivo.
- Sei disso. Vou tomar cuidado.
Assim que seus ombros passaram, o conde puxara-a com toda delicadeza,
colocando-a de pé e abraçando-a para ampará-la.
Priscilla mal podia acreditar que estivesse livre. Enterrou a cabeça no
ombro do conde e chorou.
Os braços dele eram fortes e reconfortantes. Sentia-se protegida e segura
neles.
- Não chore, Priscilla, o perigo passou. Vou levá-la para casa agora.
- Que bom que você veio... que atendeu ao meu chamado!
- Vamos, seu vestido está úmido e você está gelada.
Ele afastara os braços dos ombros de Priscilla e começara a tirar o
casaco.
118
- Por favor, não faça isso - ela protestara. Os protestos de Priscilla
foram em vão.
O conde não só a agasalhara com seu próprio casaco, como também pedira o
de seus empregados para forrar a parte da frente da sela de seu cavalo.
Depois de montá-lo, pedira aos empregados que a levantassem e ele mesmo
reconduzira-a a casa, segurando-a em seu colo com uma das mãos, e as
rédeas com a outra.
Dera, em seguida, instruções a um dos rapazes que seguisse na frente para
avisar a babá que estavam chegando, enquanto os outros dois foram atrás,
seguidos de Jason, muito excitado.
Durante todo o trajeto de volta, Priscilla tinha apenas uma prece nos
lábios, agradecendo a Deus pelo conde tê-la salvo e desejando fazê-lo
feliz, em retribuição.
Não pudera, entretanto, deixar de sentir um enorme prazer de se achar tão
junto dele, pouco se importando se demorassem para chegar.
Na verdade, levaram dez minutos e foram recebidos por uma babá impaciente
que não sabia se a acarinhava ou repreendia.
Havia um banho quente à espera dela e a cama já estava pronta para que se
deitasse, além do que a babá preparara uma sopa de carne e legumes que
insistia agora para que tomasse, como se fosse uma criança.
- Por favor, babá, não quero mais... - suplicou-lhe.
- Isto é só para esquentar. Logo vai ter de jantar. Precisa se alimentar
bem, depois de uma experiência dessas.
- Quero jantar com milorde.
- Ele está jantando em seu quarto. O sr. Bates também preparou um banho
quente para ele e vai fazê-lo deitar-se logo, pois há muito não montava
um cavalo.
- Milorde vai detestar ser tratado como um inválido novamente.
- Ele ainda não deveria ter se arriscado, por isso trate de ficar feliz
se seu marido não tiver uma recaída e você uma
pneumonia.
119
- Estou quente agora e, em vez de ficar reclamando, devia se alegrar de
eu não passar a noite lá.
A babá soltou uma exclamação de horror. Tudo, porém, se fez segundo sua
vontade.
Apesar de desejar estar com o conde, Priscilla jantou sozinha, pensando
todo o tempo nele.
Quando terminou e a babá arrumava a bandeja para levar embora, ela não se
conteve:
- Será que mílorde virá me ver?
- Creio que sim - a governanta respondeu. - Vou descer agora e jantar
também. Precisa de mais alguma coisa?
- Não, obrigada.
A babá olhou ao seu redor para ver se não havia esquecido nada, mas tudo
estava em seu lugar. As cortinas haviam sido puxadas e as velas estavam
acesas na penteadeira, próxima da cama.
Embora no pavimento inferior fossem usados lampiões a óleo, os quartos
ainda eram iluminados por velas, o que emprestava uma atmosfera romântica
ao ambiente.
Priscilla e o conde já haviam discutido sobre a possibilidade de
providenciar iluminação a gás.
- É uma pena mudar o que quer que seja - argumentara Priscilla.
- Se desejamos acompanhar o progresso - respondera-lhe o conde sorrindo -
temos de começar pela modernização da casa.
- Mas é tão linda assim.
- Não temos pressa. Vamos ouvir várias opiniões antes. Priscilla achava o
seu quarto perfeito. Ficou olhando por um
momento para o teto pintado, no qual se destacavam as figuras de dois
cupidos dourados.
Seu olhar deteve-se então na porta de comunicação para o quarto do conde,
que nunca havia sido aberta.
Um sexto sentido lhe dizia que, depois de tudo o que havia acontecido, o
conde entraria por ela em seu quarto, naquela noite.
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Ajeitava-se melhor nos travesseiros quando, para seu espanto, viu a
maçaneta ser girada. Seu coração bateu descompassadamente. A porta se
abriu e o conde entrou, vestindo um robe de veludo azul, no qual estava
mais atraente do que nunca. Tão excitada estava com sua chegada, que o
rosto dele parecia dançar em frente a seus olhos, não conseguindo
focaliKá-lo claramente.
Ele fechou a porta de comunicação com todo o cuidado atrás Me si e
caminhou para a cama.
Priscilla imediatamente sentou-se na cama, entrelaçando as mãos para que
ele não percebesse como estavam trémulas. Não podia imaginar como estava
encantadora, com os cabelos loiros caídos sobre os ombros, refletindo
ouro à luz das velas, o rosto meio afogueado e os olhos mais luminosos do
que nunca.
Ele ficou a contemplá-la, sorrindo por alguns minutos, entendendo que
aquela luz que vinha dela era irradiada pelo coração.
Todas as coisas que Priscilla ansiara por perguntar-lhe fugiam-lhe da
cabeça agora.
- Tive tanto medo que... você não escutasse... meu chamado!
Ele não respondeu de imediato, depois disse:
- Ouça, Priscilla, nós dois temos muito a conversar, mas creio que devo
obedecer ao médico e descansar.
Por um momento, Priscilla ficou confusa, não entendendo o que ele queria
dizer. Depois caiu em si:
- Mas claro... você não devia ter andado a cavalo... Sei fdisso.
- Felizmente cheguei bem, mas acho que é mais prudente não correr mais
riscos, não é?
Ele deu a volta na cama, tirou o robe, puxou as cobertas e deitou-se ao
lado dela. Priscilla ficou sem entender mais nada por um momento.
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Sentiu o rosto incendiar-se e o coração quase saltar-lhe do peito.
Recostando-se confortavelmente nos travesseiros, o conde disse tranquilo:
- Assim está bem melhor! Pelo menos Bates e a babá nada terão a nos
repreender.
Priscilla deu uma risadinha nervosa.
- Ela está convicta de que eu vou morrer... de pneumonia e que você vai
ficar defeituoso por estar abusando muito.
- Estou cansado do falatório deles. Vamos falar de nós, Priscilla.
Priscilla ficou com a respiração suspensa. Sabia que poderia ouvir
declarações decisivas para sua vida, positivas ou negativás.
- Quero lhe dizer, querida - continuou o conde -, que se
não a tivesse encontrado estaria desesperado agora, sem saber
o que havia acontecido.
- Você... ficou mesmo... preocupado? - sussurrou ela. Ela não tinha de
forma alguma intenção de fazer a pergunta, que lhe escapou dos lábios.
- Respondo num minuto - replicou o conde. - Antes quero que me diga a
razão de ter saído para uma caminhada quando tínhamos planejado
explorar a casa juntos.
Priscilla desviou os olhos dele, voltando o rosto para frente.
O conde sentiu uma onda de enternecimento diante do perfil
encantador à luz das velas, tendo ímpetos de beijar-lhe o nariz
pequenino e os lábios macios.
Como ela não encontrasse palavras para responder, ele se adiantou:
- Imagino que tenha ouvido o que o duque me disse.
- Não tinha intenção de... ouvir atrás da porta - ela gaguejou. - Foi
mero acaso.
- Você ouviu o que eu mesmo deveria ter lhe contado, e o que pretendo
contar-lhe agora, mesmo que com atraso.
- Não é preciso - Priscilla imediatamente replicou. - Só estava tentando
entender o porquê de você... ter se casado
122
comigo... tão rapidamente, e agora sei... que foi porque não desejava...
casar-se com lady Louise.
As palavras saíam-lhe aos borbotões, como se não pudessem mais ficar
sufocadas em sua garganta. Antes que o conde pudesse comentar qualquer
coisa, ela prosseguiu:
- Ainda não entendo por que você não a quis por esposa. Ela é... tão
linda e... vive no mesmo tipo de mundo que o seu... e seria certamente
o... tipo de esposa que você deveria ter.
O conde pegou a mão de Priscilla, sentindo-a trémula. Apertou-a na sua e
disse:
- Você é que é "o tipo certo de esposa" para mim, a mulher a quem sonhei
dar o meu nome e passar o resto da vida ao meu
lado.
- Será... verdade? - Priscilla enrijeceu o corpo.
- Juro que é. Apesar de ter conhecido muitas mulheres charmosas, que me
devotaram muita afeição, nunca pensei em pedir nenhuma em casamento.
- Mas... você se casou comigo... - disse Priscilla, baixinho - apenas
para não ter de... se casar com lady Louise.
- Creio que, mesmo se não houvesse nenhuma lady Louise em minha vida, o
destino faria com que nos encontrássemos. Eu devia ter sabido que você
era o meu Velo Dourado, pelo qual tenho estado procurando, apesar de ter
tomado consciência disso somente hoje.
- Está mesmo sendo sincero?
A expressão eloquente dos olhos de Priscilla falava mais alto do que suas
palavras.
O conde hesitou por um momento, buscando as palavras certas a dizer para
convencê-la.
- É fundamental para nossa vida de casados que sejamos completamente
sinceros um com o outro, por isso preciso lhe dizer que, logo que a vi,
achei que você era uma das pessoas
mais atraentes que já tinha conhecido. Pensei, porém, que aquilo que
você buscava, e que você me disse ser o Velo dourado que todos buscam,
estivesse além da minha capacidade.
123
Priscilla não disse nada, mas apertou levemente a mão dele.
- Posteriormente, à medida que conversávamos sobre assuntos que jamais
sonhei discutir com uma mulher e que a convivência em Manor me mostrou
como você era doce e pura, fui me convencendo de que você era exatamente
a esposa que eu queria.
A voz do conde tornou-se mais áspera:
- Duvido que ela tivesse se interessado por mim com a finalidade de
casamento se eu continuasse um simples oficial dos Grenadiers.
Priscilla o ouvia atenta.
- Tremo de horror só em pensar em ter uma mulher que estivesse
interessada em mim apenas pelas minhas propriedades e posição social. Foi
o destino que mandou você para me salvar quase na hora fatal!
- Fico contente de ser essa heroína, só que gostaria que você tivesse me
contado antes sobre o apuro em que estava.
- Pretendia contar-lhe mais cedo ou mais tarde, mas não achava que fosse
tão importante, além do que não queria estragar sua felicidade, nem
destruir o amor que você começava a sentir por mim.
Ele falava com doçura e percebeu que deixou Priscilla embaraçada, vendo-a
corar e desviar o rosto do dele.
- Mesmo depois de casados - comentou ele -, sabia que, por instigação da
filha, o duque poderia tornar as coisas difíceis e desagradáveis para mim
e até mesmo para você.
- Foi por isso que fingiu termos nos casado antes de herdar o título -
concluiu Priscilla.
- Exatamente - concordou o conde. - Agora que o duque aceitou a situação,
não há mais nada que possa fazer para ferir minha reputação. Podemos,
pois, começar nossa vida de casados, sem que haja qualquer surpresa
desagradável.
Era difícil explicar a Priscilla como as coisas haviam mudado de figura a
partir do momento em que o duque e lady Louise tinham ido embora. Era
como se tivessem saído de sua vida para sempre.
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Podia agora, finalmente, pensar em começar um novo capítulo de uma nova
vida. Sabia, ao apertar a mãozinha de Priscilla na sua, que talvez viesse
a ser o capítulo mais excitante de todos.
com os olhos brilhantes de antecipação pelos bons momentos que logo se
seguiriam, perguntou a ela, contendo toda sua expectativa:
- Agora me conte como você foi se meter naquela mina e, principalmente,
como conseguiu me mandar a mensagem de que estava em perigo.
- Você sabia mesmo que eu estava em perigo?
- Senti em meu coração.
Vibrando ao saber que podia estabelecer uma comunicação mental com o
conde, quando fosse necessário, Priscilla contoulhe em todos os detalhes
sua prisão dentro da mina.
- Tive tanto medo... tanto medo... - concluiu ela - de que você não nos
encontrasse e que eu... morresse de frio... sem nunca mais vê-lo.
O conde percebeu que ela não estava longe das lágrimas. Achegou-se mais a
ela e abraçou-a pela cintura, sentindo-a estremecer ao seu contato.
Priscilla encostou a cabeça no ombro do conde e disse baixinho:
- Rezei tanto para que você fosse... me salvar... O conde a puxou ainda
mais para junto de si.
- Eu ouvi - disse ele. - Podia senti-la ao meu lado, me pedindo alguma
coisa, me contando alguma coisa e compreendi que estava em perigo.
Priscilla deu um suspiro de felicidade, não podendo deixar de se lembrar
de Richard e de suas histórias a respeito dos poderes mentais dos hindus.
- Eu tinha certeza de que você receberia a minha mensagem!
- Por acaso perguntou a si mesma a razão dessa certeza?
- perguntou o conde. - E que talvez outro homem não a recebesse?
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Priscílla levantou o rosto para ele e olhou-o intrigada.
O conde manteve o rosto dela levantado, pegando-o pelo queixo, para que
ela não pudesse desviar seus olhos dos dele.
- Sua mensagem foi enviada com amor - disse ele -, e eu a recebi com
amor. Por isso funcionou.
Priscilla estava perplexa, perguntando-se se não estaria sonhando.
Percebendo sua confusão, o conde sussurrou-lhe ao ouvido:
- Eu a amo, querida! Fui um tolo de não ter lhe dito isso antes, mas eu
mesmo não havia percebido o quanto você significava para mim, o quanto a
amava, até correr o risco de perdê-la,
- Você me ama! - Era radiante o olhar de Priscilla.
- Amo-a na exata medida em que você desejava ser amada
- disse ele. - Encontrei meu Velo Dourado, Priscilla, e compreendi todas
as coisas que você tentava me dizer, mas que eu não entendia porque era
muito estúpido e cego! Agora, nada mais tem importância.
Ele a apertou em seus braços e, quando seus lábios se encontraram, pôde
finalmente provar que os de Priscilla eram tão macios, doces e inocentes,
como havia imaginado. Eram exatamente como as pétalas de um lírio.
Percebia agora que a dificuldade que tivera para reconhecer que Priscilla
era a mulher de sua vida devia-se aos sentimentos novos e desconhecidos
que ela despertara nele.
Sentia por Priscilla emoções comparáveis às despertadas pela audição de
músicas celestiais ou pela visão do paraíso e, por saber que despertava
nela êxtase semelhante, tinha consciência de ser um homem abençoado por
encontrar a perfeição, como poucos.
Os lábios do conde tornaram-se mais possessivos e exigentes e Priscilla
correspondia com o mesmo ardor, de corpo e alma. Ele afastou a cabeça por
um momento para olhá-la e seu rosto não poderia irradiar maior beleza.
O conde prometeu a si mesmo naquele instante que a amaria e protegeria
contra qualquer mal para o resto de suas vidas.
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- Eu a amo, Priscilla! Mas creio que você ainda não me
disse o que sente por mim.
- Eu? Eu o amo... eu o amo! - ela quase gritou. - Ameio desde o primeiro
momento que o vi... e sempre soube que você era o homem dos meus sonhos.
- Querida, era exatamente isso que eu queria ouvir - falou
o conde sorrindo -, e eu a amarei para sempre e por todas as
milhares de vidas que teremos depois desta. Priscilla deu um leve gemido
de prazer.
- Achei que fui meio tola de não prever que a mina pudesse ser
perigosa - admitiu Priscilla. - Mas agora fico de certa forma até
contente com tudo o que aconteceu porque ficamos sabendo que podemos nos
comunicar mesmo estando separados e que nosso amor é mais... forte do
que... o tempo e o espaço.
- É verdade - concordou o conde. - Agora, porque acredito, meu bem
precioso, que nosso amor vem de Deus, vamos dedicar nossa felicidade e
energia em ajudar outras pessoas, coisa, aliás, que foi você que me fez
ver como é importante.
- Como você é maravilhoso! Estou tão feliz... tão feliz... que vou passar
o resto de minha vida agradecendo a Deus por tê-lo como mari...
A última palavra perdeu-se num beijo.
Havia um fogo estranho agora nos beijos do conde e Priscilla podia sentir
o coração dele batendo descompassado junto ao seu. Sabia, por instinto,
que ele estava excitado.
Como era amada na medida em que desejava, ansiava agora por entregar a
ele não só seu coração, mas seu corpo também, para não mais existir como
uma só pessoa, mas tornar-se verdadeiramente parte do homem que amava.
Eram maravilhosas as sensações que ele despertava nela e desejava que a
beleza pudesse ser total.
- Amo-a tanto - sussurrou o conde -, que tenho medo de assustá-la, por
isso, querida, estou procurando ser o mais gentil possível.
- Não estou... assustada - Priscilla disse, timidamente.
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O conde a beijou novamente e sentiu como se ambos estivessem sendo
levados para o céu.
O amor que Priscilla o fazia conhecer transportava-o a tal êxtase e era,
ao mesmo tempo, tão puro e sagrado que tinha vontade de ajoelhar-se aos
pés dela para agradecer-lhe por tê-lo feito encontrar seu Velo Dourado
que tantos homens procuram e tão poucos acham.
Ao senti-la estremecer em seus braços, ele compreendeu que ela não era
apenas divina, mas muito humana, e que iniciá-la na arte do amor seria
sua experiência mais excitante e fantástica.
- Amo-a, querida... amo-a muito!
E então deu-se a união de duas pessoas cujo amor não precisava mais de
palavras, porque seus ideais, suas mentes, seus corações e seus corpos os
tornavam um para todo o sempre.
128

*****

FIM

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