You are on page 1of 13

SEGUNDA REFLEXÃO ESTRATÉGICA QUANTO AO PRESENTE E AO

FUTURO DE PORTUGAL

De: Miguel Judas


Maio de 2009

SUMÁRIO

1. ACTUALIDADE DA REVOLUÇÃO DE ABRIL


2. PARA UMA AVALIAÇÃO ESTRATÉGICA DA REVOLUÇÃO DE ABRIL
2.1 – UMA BREVE INCURSÃO PELA HISTÓRIA DE PORTUGAL
2.2 – AS TRÊS OPÇÕES ESTRATÉGICAS EM CONFRONTO EM 1974-1975
A) A Opção “O Império Revisitado”
B) A Opção “Social-Democrática”
C) A Opção “Democrática e Nacional” (Socializante)
3. AS 3 OPÇÕES ESTRATÉGICAS E O CURSO DA REVOLUÇÃO DE ABRIL
3.1 – DO 25 DE ABRIL AO 28 DE SETEMBRO
3.2 – DO 28 DE SETEMBRO AO 11 DE MARÇO
3.3 – DO 11 DE MARÇO AO 25 DE NOVEMBRO
4. 35 ANOS DE CONCRETIZAÇÃO DA OPÇÃO SOCIAL-DEMOCRÁTICA
5. A CRISE FINANCEIRA E ECONÓMICA GLOBAL DE 2008 E AS OPÇÕES ESTRATÉGICAS DE
SAÍDA
5.1 – NO PLANO GLOBAL
5.2 – NO PLANO NACIONAL
A) A Opção “Neo-Liberal Reforçada”
B) A Opção de “Desenvolvimento Autónomo, Sustentado e Participado”

1
1. ACTUALIDADE DA REVOLUÇÃO DE ABRIL
A Revolução do 25 de Abril é um daqueles acontecimentos que não se esgotam com o tempo. Por
várias razões:
Primeiro, porque tendo sido desencadeada por um Movimento de militares mais ou menos
desestruturado, apanhou as então débeis forças políticas democráticas sem qualquer capacidade de
dirigir um tão vasto processo de transformação política, económica e social.
Tão pouco esse Movimento tinha condições para, por si, dirigir e concretizar um tão profundo
processo de mudança. Daí, desde logo, este se ter desenvolvido numa dinâmica complexa de
diversificadas componentes, civis e militares, naquilo que se designou por Aliança Povo-MFA.
A Revolução foi, assim, o resultado probabilístico de um complexo jogo de forças variáveis,
aparentemente caóticas, que se alinhavam e desalinhavam com extrema rapidez em função das
questões que, em cada momento, haveria que resolver.
Apesar de ter corrido numa época e num caldo cultural profundamente hierarquizados, o 25 de Abril
foi, de facto, uma revolução “em rede” de onde, só numa fase muito adiantada, sobressaíram alguns
“nós” com suficiente capacidade de coordenação e aglutinação de forças.
A segunda razão da actualidade permanente das discussões sobre o 25 de Abril consiste em que, a
propósito de cada ciclo comemorativo, algo mais se ir sabendo daquelas segredinhos cujo
encobrimento tem servido para afirmar teses, apontar e crucificar “culpados” e justificar tanto os
caminhos seguidos como o imobilismo conceptual.
A Revolução continua cheia desses segredos em quase todos os seus episódios. Provavelmente,
muitos deles não passam de factos isolados, quase de carácter pessoal, que alimentam de vez em
quando a novidade jornalística ou a vaidade inerente aos protagonismos pessoais. Outros, porém,
tiveram uma importância estrutural e projectaram a sua influência até aos nossos dias.
A terceira razão da actualidade da reflexão sobre Abril prende-se com o estado em que, passados
35 anos, Portugal se encontra, evidenciando, a cada dia, a falência da actual República, desde o
modelo democrático em vigor até ao modelo económico que se lhe encontra subjacente, baseado na
crença da bondade do grande capital internacional e da sua capacidade para promover o
desenvolvimento, o que, num contexto de crise geral, faz aproximar uma nova crise revolucionária
no país.
É, aliás, sintomático, que as recentes comemorações oficiais do 25 de Abril tenham sido
aproveitadas para anunciar um novo e importante realinhamento estratégico de forças no sentido da
gradual evolução do actual modelo democrático parlamentar para um regime presidencialista e de
cariz autoritário, com ou sem Cavaco Silva, sem ou com a oposição do Partido Socialista, a partir do
final deste ano de 2009 e, mais acentuadamente, a partir das próximas eleições presidenciais.
Tal como há 35 anos no 25 de Abril, as opções estratégicas, económicas e políticas, encontram-se,
hoje também, estreitamente ligadas e interdependentes.
Para melhor compreender as opções estratégicas que no país se vão defrontar no futuro próximo,
questão que preocupa alguns distintos pensadores portugueses (entre os quais Adriano Moreira e
Mário Soares), precisamos de ter uma perspectiva histórica do desenvolvimento de Portugal e da
evolução dos contextos e dos modelos sobre os quais tem assentado a nossa continuidade como
país viável, independente e soberano.
É o que procuraremos fazer de seguida.
Antes porém, é imprescindível referir que as situações objectiva e subjectiva do país, bem como os
problemas concretos que agora terão de ser resolvidos, são substancialmente diferentes dos que
existiam no decurso da Revolução, em 1974 e 1975. Não há, por isso, uma correspondência ou
continuidade entre as Opções Estratégicas que se colocavam nesse tempo e as novas Opções que
hoje se colocam.
Daí que, em minha opinião, não tenham qualquer cabimento perspectivas saudosistas na
comemoração do 25 de Abril ou no enfoque dos problemas actuais com os olhos do passado.
A grande lição do 25 de Abril é a da unidade de todos os democratas e do Povo em geral para a
busca criativa de caminhos para a superação das graves questões que na altura se colocavam ao
País. Saibamos hoje, perante os novos problemas e desafios, regressar ao espírito de Abril. E, a
partir daí, Fazer o Futuro.

2
2. PARA UMA AVALIAÇÃO ESTRATÉGICA DA REVOLUÇÃO DE ABRIL
2.1 – UMA BREVE INCURSÃO PELA HISTÓRIA DE PORTUGAL
Após D. João II esgotou-se o impulso empreendedor das classes dirigentes portuguesas, passando
estas a adoptar, com o suporte e benefício da Igreja Católica e da sua Inquisição, uma atitude
meramente rentista, vivendo e gastando dos rendimentos da exploração das possessões
ultramarinas.
Em 1580, foi mais fácil a essas classes aceitarem a inclusão no império espanhol, garantidas que
foram as suas rendas tradicionais, do que lutar pela manutenção da independência, como aconteceu
em 1383.
A manutenção dessas rendas foi igualmente o motivo principal que levou à Restauração da
Independência em 1640, mudando essas classes de protector, dos espanhóis em declínio para os
ingleses, seus rivais, em ascensão.
Asseguradas as rendas, pouco importava aos grupos dirigentes nacionais a criação de uma base
económica moderna em Portugal, já que tais rendimentos eram suficientes para se abastecerem
junto dos ingleses dos produtos de luxo para seu consumo. Tirando os arremedos
desenvolvimentistas do Marquês de Pombal, a mesma história se vem a prolongar até à nossa
transformação em mero protectorado inglês no início do Século XIX, só aligeirado na sequência da
Revolução Liberal.
A continuidade da dependência dos rendimentos coloniais africanos, após a independência do Brasil,
e o domínio inglês dos mares justificaram a continuidade do país como um mero peão da política
imperial inglesa, mesmo quando esta negociava a redistribuição das nossas colónias africanas com
outras potências europeias.
As dezenas de milhares de portugueses que foram sacrificados nas trincheiras fétidas da 1ª Guerra
Mundial mais não serviram do que justificação para as classes dirigentes, agora republicanas,
conservarem os seus, mesmo que parcos, rendimentos coloniais.
No contexto de uma acelerada expansão económica imperialista e de grande redistribuição das
possessões e zonas de influência coloniais entre as grandes potências mundiais, o Estado Novo
manobrou, por entre a duplicidade das alianças e o autoritarismo nacionalista, visando como
objectivo estratégico fundamental, a manutenção do império colonial, considerado como substrato
fundamental para a manutenção da independência nacional.
A generalidade do povo português, mantido na sua espontânea rusticidade, nunca beneficiou da
existência do império; porém, a partir de 1960 (como já ocorrera na velha Índia e durante a 1ª
Grande Guerra), ele vai ser chamado a um sacrifício continuado e em grande escala em defesa
desse império de que não tirava qualquer benefício. Para além de ver roubados os seus filhos para a
guerra, as classes trabalhadores depauperadas eram empurradas massivamente para a emigração
O afastamento de Botelho Moniz e a recusa, por Salazar, das propostas descolonizadoras de
Kennedy, mostram quanto a grande burguesia portuguesa não queria perder as benesses que a
estabilidade política e a protecção dos mercados nacionais e coloniais que o fascismo lhes
proporcionava, opondo-se a qualquer outro modelo político e económico que pusesse em causa a
férrea protecção do Estado, das Polícias e das Forças Armadas.
Com o aumento dos custos (financeiros, físicos e psicológicos) da Guerra Colonial devido aos
progressivos avanços da luta de libertação nacional e da resistência crescente do povo português à
guerra, começaram a fazer-se sentir, no final da década de 1960, as primeiras fissuras na estratégia
de prolongamento da dominação colonial até ao máximo limite, pela guerra.

2.2 – AS TRÊS OPÇÕES ESTRATÉGICAS EM CONFRONTO EM 1974-1975


É naquele período, do final da década de 1960 e início dos anos 70, que se começam a formular e a
confrontar as três principais opções estratégicas para o país:
A) A Opção “O Império Revisitado”
Esta Opção consistia em manter um qualquer tipo de associação política estável entre Portugal e as
suas colónias num quadro que servisse os vários interesses específicos e fosse internacionalmente

3
aceitável. O projecto “federativo”, teorizado por Norton de Matos e aproveitado de modo requentado
pelo General Spínola, dava corpo a essa estratégia, a qual não suscitava a oposição das potências
ocidentais, interessadas em manter o controlo sobre o cone sul da África.
Este projecto estava a amadurecer desde a subida ao poder de Marcelo Caetano e chegou mesmo,
em 1969, a suscitar a simpatia por parte da CEUD de Mário Soares, que contrapunha a “auto-
determinação” à “independência” reivindicada pela CDE.
O fracasso da CEUD levou a que em 1973 toda a Oposição Democrática se tivesse voltado a reunir
na CDE na defesa da “Independência” das Colónias, considerada como indispensável por todas as
razões, políticas e práticas.
No plano da economia, esta Opção previa uma gradual desmontagem do corporativismo e do
proteccionismo interno e uma acelerada abertura ao capital estrangeiro, continuando embora a
assentar basicamente nos grandes grupos económicos nacionais como os únicos elementos capazes
de alguma inserção competitiva no mercado internacional.
No plano político, assentava numa transição do tipo espanhol, gradual e controlada, para uma
democracia parlamentar, possibilitando a consolidação prévia de forças políticas de “formato
ocidental” e um adequado controlo do movimento sindical.
B) A Opção “Social-Democrática”
Consistindo na inserção política e económica plena de Portugal no espaço geoestratégico euro-
atlântico, o que quer dizer no sistema capitalista internacional, na CEE e na NATO.
Esta Opção pressupunha a efectivação, sob a direcção do grande capital, nacional e internacional, de
uma grande operação de modernização da economia e da sociedade portuguesa, através do qual
seria possível atingir, em prazo razoável, os níveis de desenvolvimento económico e social dos
países centro-europeus.
Foi esta Opção que, impulsionada por Mário Soares e pelo PS, veio a tornar-se vitoriosa após o 25
de Novembro de 1975, apesar de, nos anos subsequentes, as forças apoiantes da Opção do
“Império Revisitado”, tivessem ainda tentado reverter, mesmo que parcialmente, a situação a seu
favor.
C) A Opção “Democrática e Nacional” (Socializante)
Assente no conceito da Revolução Democrática e Nacional proposta pelo PCP desde 1965 e nas
conclusões do 3º Congresso da Oposição Democrática de Aveiro, em 1973, propunha-se um
desenvolvimento autónomo e soberano do país, baseado na subordinação do poder económico ao
poder político e na valorização das forças produtivas internas.
Isto passava pela realização de uma profunda reforma agrária modernizadora dos campos e pela
desmontagem dos grandes grupos monopolistas a favor de um sector estatal estratégico, da
pequena e média propriedade e de um amplo sector de economia social, como, aliás veio a ser
estabelecido na Constituição de 1976.
Pela primeira vez após quase 500 anos, Portugal iria ter que viver à custa do seu próprio trabalho e
engenho e não à custa de terceiros, o que era um desafio autenticamente modernizador para todas
as classes e grupos sociais.
No plano político, esta Opção assentava numa democracia simultaneamente representativa e
participativa com reflexos em todos os domínios, político, económico, social e cultural, como
também foi estabelecido na Constituição de 1976, assim como no reconhecimento do direito à
independência dos povos coloniais e na construção de novas bases para uma cooperação
mutuamente vantajosa com os novos países.
Internacionalmente, apontava para uma contribuição de Portugal na construção de um ambiente
internacional de paz e de cooperação, isto é, para uma posição crítica relativamente aos
alinhamentos tradicionais da guerra-fria.

3. AS 3 OPÇÕES ESTRATÉGICAS E O CURSO DA REVOLUÇÃO DE ABRIL


3.1 – DO 25 DE ABRIL AO 28 DE SETEMBRO
O Programa do MFA, que constituiu a plataforma programática que permitiu a aglomeração de
forças que executaram a acção militar do 25 de Abril, era um documento suficientemente aberto e
4
ambíguo que remetia para as correlações de forças no terreno o “desempate” entre todas as Opções
Estratégicas possíveis.
Assim, o período entre o 25 de Abril e o 28 de Setembro é preenchido pela história das tentativas do
general Spínola e de todas as forças conservadoras do país no sentido da viabilização da Opção
Estratégica do “Império Revisitado”, passando pelo liquidação do MFA enquanto estrutura político-
militar autónoma, por suster o processo de democratização interna dentro de certos limites
aceitáveis e pelo reagrupamento de forças nas colónias que fizessem frente aos movimentos de
libertação nacional independentistas e de orientação progressista.
O MFA dificilmente resistiu à ofensiva spinolista e teria sido eventualmente derrotado se, no episódio
do 28 de Setembro, o movimento popular e dos trabalhadores não tivesse mostrado o seu vigor e
determinação ao lado do MFA.

3.2 – DO 28 DE SETEMBRO AO 11 DE MARÇO


A derrota política, em 28 de Setembro de 1974, do bloco de forças encabeçado por Spínola não
correspondeu igualmente à sua derrota militar; pelo contrário, com o regresso à estrutura militar
dos oficiais que serviam de perto o General criaram-se as condições para um reagrupamento de
forças militares conservadoras e reaccionárias, largamente maioritárias ao nível do oficialato do
Exército e da Força Aérea.
Esta foi, a par da sabotagem económica em larga escala, visando a degradação e a falência do
aparelho produtivo nacional, a promessa implícita na renúncia de Spínola ao cargo de Presidente da
República.
No plano político geral, três questões se tornaram prioritárias:
a) Organizar e tornar irreversível o processo da descolonização;
b) Controlar e subordinar o poder económico ao poder político de modo a travar e impedir a
sabotagem económica e a fuga de capitais e a promover a libertação de forças produtivas
sociais;
c) Assegurar as condições de liberdade política e as condições democráticas para a realização das
eleições para a Assembleia Constituinte.
Estas três questões inseriam-se de modo diferenciado nas duas Opções Estratégicas vitoriosas do 28
de Setembro, a “Social-Democrática” e a “Democrática e Nacional - Socializante”. Enquanto as
eleições e a descolonização eram componentes comuns a essas Opções, já a reestruturação
económica não reunia consenso.
O vazio de orientações que se viveu entre Outubro de 1974 e Fevereiro de 1975, à espera que Melo
Antunes apresentasse um Plano de Acção (que lhe havia sido solicitado pelo MFA e por Vasco
Gonçalves) que permitisse agir atempadamente no controlo da economia, contribuiu não só para a
execução de uma política de factos consumados (tanto do lado dos capitalistas e banqueiros
sabotadores como das intervenções do Estado e dos trabalhadores nas empresas) como para o
recrudescimento do verbalismo e actividades esquerdistas e extremistas, amedrontadoras das
classes médias urbanas.
Quando o Plano finalmente chegou, já estava de facto ultrapassado, tanto pelos factos como pelas
necessidades, provocando melindres de protagonismo que se vieram a revelar insanáveis.
O MFA, agora sem o sector spinolista, tinha a consciência clara não só da sua inferioridade militar
como da inevitabilidade de um próximo confronto. Por isso, e só por isso, para contar com o apoio
imprescindível do movimento sindical unido, aprovou, por unanimidade, a unicidade sindical.
Quanto a este tema, ninguém foi enganado, tanto mais que uma derrota das forças democráticas
nessa fase poria em causa não só a descolonização como as eleições para a Assembleia Constituinte.
Sob o ponto de vista dos sectores conservadores e reaccionários, o processo democrático
revolucionário teria de ser interrompido antes da sua legitimação pelas eleições para a Constituinte.
Por isso o golpe teria de ser tentado em Março, antes do início da campanha eleitoral.
Chegou-se assim ao 11 de Março, o qual constituiu a derrota estratégica dos sectores polarizados à
volta do general Spínola e, consequentemente, da Opção Estratégica que lhe estava subjacente, do
“Império Revisitado”

5
3.3 – DO 11 DE MARÇO AO 25 DE NOVEMBRO
Na sequência do 11 de Março, ficaram activas as Opções “Social-Democrática” e “Democrática e
Nacional – Socializante), sendo que todas as forças derrotadas anteriormente passaram a enfileirar
pela primeira, segundo a regra “do mal o menos”.
A nacionalização da banca e dos sectores básicos e a expropriação dos latifúndios do Alentejo e
Ribatejo constituíram uma necessidade de defesa e viabilização da democracia e não o resultado de
qualquer “radicalismo revolucionário”. Tais medidas serviam qualquer uma das Opções em presença,
tanto mais que, mesmo num quadro de “capitalismo europeu”, boa parte das empresas e sectores
nacionalizados não tinham, por si, condições de subsistência. Tão pouco a social-democracia
europeia tinha assim uma tão grande aversão às nacionalizações, mesmo nos países centrais,
evoluídos.
Portanto, a disputa tinha um carácter ideológico e de classe, e prendia-se com:
- o maior ou menor alinhamento ou desalinhamento de Portugal relativamente ao processo global da
guerra-fria, incluindo o eventual desfecho da independência de Angola;
- a opção quanto às classes sociais e ao modelo de desenvolvimento económico que haveria de ser
prosseguido.
Neste campo, era nítida a contradição entre a Opção “Social-Democrática”, assente na confiança do
grande capital internacional e da burguesia interna, com o mínimo de intervenção do Estado e dos
trabalhadores, e a Opção “Democrática e Nacional – Socializante”, de carácter vincadamente anti-
monopolista, dirigida contra os grandes interesses económicos e assente numa significativa
intervenção do Estado, dos trabalhadores e das classes médias não monopolistas.
O povo português teve nas suas mãos, os meios de produção necessários para construir o seu
próprio país, a partir do seu trabalho e engenho, sem amos exteriores, como soberano do seu
destino. Mas essa soberania teria de ser ganha com muito esforço e muita aprendizagem; esta era
uma via.
A outra via, era a do alinhamento geo-estratégico e da dependência a troco do investimento
estrangeiro explorador de mão-de-obra barata (a opção de Sá Carneiro, defensor de um Plano
Marshall ligado aos norte-americanos) ou, em alternativa, a troco de vultuosos subsídios à
modernização (a opção CEE).
Ao longo de todo o período do 11 de Março até ao 25 de Novembro o que esteve, de facto, em
discussão, no meio de todo aquele intrincado de episódios e estórias, foi a escolha entre aqueles
dois caminhos, com o resultado que se conhece, isto é a derrota estratégica da Opção “Democrática
e Nacional – Socializante”.
Os sectores, civis e militares que, independentemente do que expressavam verbalmente, se
enquadravam da Opção “Social-Democrática”, conseguiram a preponderância política a partir da
utilização dos resultados eleitorais para a Assembleia Constituinte, favoráveis ao PS, da utilização do
esquerdismo como factor de desestabilização social das classes médias, desprestígio da Revolução e
acirramento anti-comunista, da utilização a seu favor da violência fascista contra sedes e militantes
de esquerda e, finalmente, do conservadorismo da esmagadora maioria dos oficiais do Exército e da
Força Aérea. Todo este complexo heterogéneo de forças foi agregado pela acção decisiva das
grandes potências capitalistas.
O bloco de forças, que apoiava a Opção “Democrática e Nacional – Socializante”, para além de não
possuir um mecanismo de direcção que lhe conferisse uma autêntica unidade política e eficiência
prática, nem um suficiente apoio social que lhe permitisse tomar a iniciativa, perdeu-se em
indecisões ideológicas e políticas de influência esquerdista e moralista que o inibiu de fazer recuos
tácticos atempados. E isto custou-lhe uma derrota estratégica.
Após o 25 de Novembro, designadamente entre os momentos imediatamente subsequentes até à
reeleição de Ramalho Eanes, e à eleição de Mário Soares como Presidente da República, ainda se
verificaram alguns momentos de realinhamento estratégico de forças, suscitados por tentativas de
assalto ao poder pela direita política e militar.

6
4. 35 ANOS DE CONCRETIZAÇÃO DA OPÇÃO SOCIAL-DEMOCRÁTICA
Ao fim de 35 anos, o que podemos dizer da execução da Opção Estratégica pela social-democracia?
Contabilizemos o resultado final:
a) Encontramo-nos na cauda da Europa em quase todos os índices de desenvolvimento, de onde,
aliás, nunca chegámos a sair, apesar de, em termos absolutos, ter havido melhorias sensíveis em
toda uma série de índices sociais e padrões de consumo;
b) Politicamente, estamos demasiado dependentes das decisões exteriores, do grande capital
internacional ou das instâncias da UE, da NATO, de Inglaterra e dos EUA, nas quais muito pouco
participamos, encontrando-nos reduzidos a uma espécie de protectorado internacional;
c) Não temos, globalmente, agricultura, nem pescas nem indústria e temos serviços de baixa
qualidade; os investimentos internos focaram-se no hardware (betão e alcatrão) sem efeitos
reprodutores; os investimentos estrangeiros em Portugal continuaram a ser, globalmente, do tipo
transitório, para aproveitar a mão-de-obra barata e todo o tipo de facilidades e isenções;
d) Malbaratámos o crédito civilizacional e a confiança política que poderíamos ter junto dos povos
africanos das ex-colónias, após tantos anos comprometidos, junto com as grandes potências
ocidentais, a fragilizar os respectivos governos saídos dos processos de independência,
designadamente os de Angola e de Moçambique, na vã tentativa de travar a queda do apartheid
na África do Sul;
e) Gastámos, em mero consumismo, entretenimento e em investimentos desestruturados,
orientados para clientelas, o dinheiro resultante da privatização do sector público, cerca de 60.000
milhões de Euros dos Fundos recebidos da UE, o produto das vultuosas vendas de activos
nacionais, móveis e imóveis, a entidades estrangeiras e, ainda, cerca de 350.000 milhões de euros
que pedimos emprestados ao estrangeiro;
f) Somos vulneráveis, incapazes de garantir segurança mínima em quase todos os âmbitos
estratégicos como o alimentar, o energético, o ambiental, o científico e tecnológico e o financeiro;
g) O capital humano nacional, as aptidões pessoais, profissionais e culturais dos portugueses, não se
encontra valorizado relativamente ao passado, a despeito de uma melhor preparação técnica
global;
h) O ambiente social encontra-se em degradação acelerada divido às desigualdades sociais, à
pobreza, ao desemprego e à ausência de valores de referência ética, conduzindo ao aumento da
instabilidade e da criminalidade;
i) A política encontra-se desacreditada perante o povo, sem qualquer capacidade de mobilização,
perdida em pântanos de corrupção e auto-reprodução medíocre; a participação cidadã é
praticamente nula e reduzida a algumas instituições sociais clientelares;
j) Um novo corporativismo domina vastos e importantes sectores da vida nacional, da política à
economia e ao Estado, em detrimento da soberania do Povo.
Este péssimo resultado não resulta de qualquer maldade intrínseca ao modelo social-democrata em
si, o qual, em outras condições de lugar e tempo, teve resultados bem mais positivos.
Existem duas ordens de razões para esse insucesso:
A primeira prende-se com a incapacidade estrutural e continuada das elites económicas e políticas
nacionais, moldadas por uma cultura medieval, corporativa e parasitária, pouco tendo aprendido
com as tradições revolucionárias burguesas dos séculos XVII e XVIII.
As classes economicamente dominantes em Portugal nunca foram, segundo as expressões de Melo
Antunes aplicadas às classes médias,
“suficientemente dinâmicas, voltadas para a modernidade, em cada época histórica.
Foram sempre, no fundo, factores de conservação social, de paralisia … sempre voltada
para viver à custa dos rendimentos”.
E continua ainda Melo Antunes no livro “ O Sonhador Pragmático”, referindo-se às classes
“que liquidaram, de certa maneira, a experiência do gonçalvismo”: correspondiam “muito
à ideia da falta de dinamismo, da falta de iniciativa, da falta de criatividade e de arrojo,
do gosto de assumir riscos, que levou ao atraso económico, por um lado, e também à
paralisia cultural, por outro”.
7
E continua em discurso directo:
“Mas, repare, isso vem desde o século passado (o XIX) e do princípio deste (o XX) e
penso que é fruto do modo como se fez a exploração colonial … viveram em grande parte
à custa de um certo tipo de exploração colonial … à sombra de uma certa forma não
produtiva de explorar essas grandes propriedades africanas. No fundo, a ideia de que as
colónias existiam para manter um certo estilo de vida aqui na metrópole. E ainda temos
de considerar outro factor, o proteccionismo … que criou um espaço relativamente
fechado onde a burguesia nacional demonstrou realmente que era assim que estava bem,
porque, assim protegida (pela ditadura), não tinha de entrar em competição, portanto não
precisava de mostrar capacidade para vencer as dificuldades, para enfrentar a competição
externa, e por isso acomodou-se. E essa acomodação … teve reflexos profundos na
cultura portuguesa. E isso foi o que de mais grave aconteceu a este país.”
Também o Partido Socialista reconhecia, em 1979, no documento “Dez Anos para Mudar Portugal –
Proposta PS para os Anos 80”, aprovado no seu III Congresso, a incapacidade da burguesia
portuguesa para liderar o processo de desenvolvimento nacional:
“Mais consequência do que causa do atraso económico português, esses desequilíbrios e
carências têm de entender-se como a resultante de uma sociedade dominada por uma
escassa minoria da população incapaz, dependente, sistematicamente apoiada num
Estado autoritário, à sombra do qual prosperou, acumulou alguns meios financeiros,
modelou um império colonial, dispôs de mão de obra e meios humanos nacionais, e
afeiçoou a sociedade portuguesa do acordo com as seus interesses económicos. O
atraso económico e social português não é, assim, um produto da fatalidade histórica,
da reduzida dimensão do seu espaço físico, da carência de “iniciativas”, da inqualificação
dos seus quadros, da inexistência de «elites», de erros de direcção, de
constrangimentos externos e de toda a gama de «explicações» que se apresentam como
justificativas do estado a que se chegou e das dificuldades presentes.
A Historia de um país molda-se conforme a estrutura económica e social dominante, de
acordo com os moldes culturais que lhe são próprios, apoiada num poder político, que
unifica e impõe como gerais os seus interesses particulares.
A sociedade portuguesa tem, assim, de ser entendida como a resultante de 150 anos de
dominação de um certo tipo de burguesia, incapaz de desempenhar em Portugal o papel
progressivo que lhe coube no desenvolvimento das forças produtivas em tantos países
hoje desenvolvidos, por não ter aqui sabido superar o atraso legado por um regime
senhorial.”
Ora, sendo a social-democracia um modelo que assenta numa grande produção de riqueza pelo
capitalismo e numa grande redistribuição, onde é que estavam (ou estão) as classes capitalistas
nacionais dispostas e habilitadas para criar essa riqueza?
Rapidamente as classes dirigentes, económicas e políticas, reconheceram nos “fundos” da UE as
novas “rendas coloniais”, passando desde logo a actuar como desde há séculos o sabiam fazer, isto
é, montaram um eficaz sistema de distribuição e reciclagem desses fundos entre si; tão eficaz que,
passados muitos anos, um Presidente da República de saída, perante o estado de atraso da nossa
economia e os níveis de corrupção pública, ter exclamado com fingida ingenuidade: “Mas afinal para
onde é que foram os fundos?”
As classes dirigentes portugueses esforçaram-se, como em muitas outras ocasiões no passado, por
agradar aos seus patronos estrangeiros e, desse modo, serem merecedores das migalhas do
banquete financeiro:
- Sanearam as forças armadas de quase todos aqueles que manifestavam uma atitude patriótica e
progressista, incluindo aqueles que organizaram e dirigiram o processo do 25 de Novembro e a
subsequente liquidação do MFA, procurando reduzir as FFAA a uma organização inerte, ao serviço
da NATO e de eventuais projectos políticos autoritários;
- Prosseguiram com elevada eficiência o processo de desmembramento e liquidação do movimento
operário, tanto industrial como agrícola, procurando “partir a espinha à Intersindical” e
enfraquecer estrategicamente, pelo desemprego e a fome, a influência do movimento sindical e
das organizações dos trabalhadores na sociedade portuguesa. Não deverão ser esquecidas as
centenas de milhares de trabalhadores da cintura industrial de Lisboa e Setúbal com meses e
meses de salários em atraso nos primeiros anos da década de 1980, nem a vingança política

8
reaccionária a que foi submetido o proletariado agrícola do Alentejo, remetido para um estado de
extrema miséria e abandono social, como foi constatado no inicio da década de 90.
- Aceitaram, de forma imprudente e irresponsável, todas as orientações neo-liberais do FMI e da
CEE/UE que levaram à liquidação do aparelho produtivo nacional e à submissão do país, incluindo
o Governo, aos centros de decisão das grandes potências.
A segunda ordem de razões prende-se com o contexto político e económico internacional em que
deveria ser desenvolvido o modelo social-democrata em Portugal.
Efectivamente, a partir da segunda metade dos anos 80, sob o impulso de Ronald Reagan e
Margaret Thatcher, tornaram-se dominantes, no chamado mundo ocidental, as doutrinas políticas e
económicas do neo-liberalismo visando o enfraquecimento político dos movimentos de trabalhadores
e restaurar as condições de acumulação de capital no quadro de um novo salto na revolução
científica e técnica.
Com a derrocada da União Soviética, a globalização neo-liberal conheceu um novo impulso. Cresceu
exponencialmente a tendência para a desterritorialização do capital e para o desenvolvimento dos
sectores da economia mundializada, liberta do controlo dos velhos estados-nação; no plano político,
a esboçada democracia mundial resultante da derrota do nazismo e da luta de libertação dos povos
antes colonizados, foi substituída pela criação de pequenos grupos selectos de tomada de decisão, o
G7/G8.
Os Estados, esvaziados das suas funções tradicionais, foram sendo reduzidos a meras agências de
repressão interna e mundial (o pau) e de segurança social (a cenoura); o poder democrático dos
povos, neles antes condensado, foi sendo esfumado em favor dos centros de decisão supranacionais
sem legitimidade democrática efectiva.
Com a queda do comunismo, o modelo da social-democracia tornou-se, aos olhos do grande capital
mundial, um empecilho. O “estado-social” e os direitos dos trabalhadores absorvem recursos que
debilitam a capacidade de acumulação e a competitividade mundial de importantes núcleos do
grande capital; nessa linha, os Estados nacionais passaram a ser considerados excedentários e
parasitários relativamente ao processo de produção e circulação mundial, tal como, duzentos anos
antes, foram considerados os antigos “feudos”. Para quê, pois, pagar impostos a esses Estados cuja
utilização pouco reverte para o desenvolvimento da economia capitalista, sendo muitas vezes
apropriados por grupos dirigentes corruptos e por burocratas ineficientes?
O caminho estava finalmente aberto para a concretização acelerada do processo de globalização
neo-liberal.
Os últimos 25 anos, correspondem a uma ofensiva geral do grande capital contra o modelo social-
democrata nos países que o adoptaram, especialmente na Europa; foram os tempos marcados pelo
“Estado-mínimo”, pela “flexibilização/precarização laboral” e pelas primeiras tentativas de ludibriar a
Democracia, nos EUA e na Europa. Os partidos socialistas e sociais-democratas, absorvidos, no
fundamental, pela onda neo-liberal, ainda têm procurado contrapor alguma resistência ao
desmantelamento gradual e inexorável do “estado-social”, afinal a sua bandeira identificadora.
O neo-liberalismo e a crise geral que provocou mostraram bem que a bondade desenvolvimentista
do grande capital internacional, onde assentava o modelo social-democrata, não tinha fundamento.
O grande capital monopolista continua a ter uma natureza predatória e a possuir como única
mensagem genética a sua própria reprodução ampliada.
O modelo social-democrata fracassou, portanto, em Portugal, por razões de lugar
(inexistência de uma elite económica moderna, motora do desenvolvimento) e de tempo
(desvinculação do grande capital monopolista dos modelos sociais-democráticos no
quadro do neo-liberalismo e da derrocada do comunismo soviético).

5. A CRISE FINANCEIRA E ECONÓMICA GLOBAL DE 2008 E AS OPÇÕES


ESTRATÉGICAS DE SAÍDA
5.1 – NO PLANO GLOBAL
Existem muitos sectores da opinião mundial que consideram a actual crise económica e financeira
global como o fim do neo-liberalismo. Uns sonham com uma derrocada do capitalismo e a passagem
acelerada para uma forma qualquer de socialismo; outros, foram à gaveta desenterrar os antigos

9
conceitos keynesianos e proclamaram, como o Secretário-Geral do PS na sua Moção ao último
Congresso, a derrota do neo-liberalismo, comparando-a com a anterior derrota do comunismo:
“O mundo acaba de assistir à clamorosa derrota do pensamento político neoliberal. A
ideologia do mercado entregue a si próprio, sem Estado nem regulação capaz, e a
especulação desenfreada nos mercados financeiros são os responsáveis principais pela
profunda crise que se abateu sobre toda a economia mundial.
A doutrina neoliberal, que professou a sua fé no mercado e desprezou o Estado e as
suas funções sociais, não foi o único pensamento político a reclamar para si o estatuto
de pensamento único. Anos antes, tinha também tombado o pensamento comunista, e o
seu projecto de uma sociedade totalitariamente determinada pelo Estado. Também ele
ambicionara ser um pensamento único, com pretensa fundamentação científica,
querendo substituir o pluralismo das ideias pelo império da ortodoxia.”
Porém, o que está a acontecer até hoje, resultado dos diversos planos de salvamento de bancos e
da economia e das decisões dos principais fóruns até agora reunidos, não foi nada disso mas sim
medidas que só servem a restauração e reforço do neoliberalismo, designadamente:
a) A transferência massiva de recursos públicos para os sectores de economia privada,
designadamente para o sistema financeiro e para alguns sectores do grande capital monopolista
(automóvel e outros), configurando uma grande operação de expropriação dos povos e de
debilitamento estratégico (ou bancarrota) de vários estados nacionais;
b) O encerramento de empresas e o despedimento massivo de trabalhadores nos países de
economias mais desenvolvidas e suas adjacências, criando condições para um novo ciclo de
relocalização global dos sistemas produtivos à escala mundial, em função dos interesses do grande
capital.
Repare-se que, na sequência da recente reunião do G20 em Londres, rapidamente se extinguiram as
vozes que reivindicavam uma reorganização profunda do sistema de regulação financeira mundial,
bem como sobre a extinção ou reequadramento institucional e fiscal das praças off-shore.
Como referiu recentemente Mário Soares, “É aí que estamos. Com a União Europeia, desprovida de líderes
e a reagir muito pouco e mal, na esperança de que tudo fique na mesma.”

O grande capital internacional não vai querer ceder as posições estratégicas que alcançou nas
últimas décadas, entre as quais a desterritorialização e o enfraquecimento dos Estados nacionais
enquanto representação democrática colectiva dos povos.
Ele sabe, também, transformar dificuldades em oportunidades. Para isso, não deixará de tentar
encaminhar a “saída da crise” para o desmantelamento acelerado do “estado-social” e dos direitos
dos trabalhadores dos países do “centro” e para a homogeneização por baixo do novo “mundo
global”, em níveis aproximados aos que existem no Extremo Oriente. Não serão os orientais que irão
viver “à europeia” mas sim os europeus (e, posteriormente, os americanos) que irão viver “à
oriental”.
No plano político, este projecto de “orientalização” do Ocidente terá, naturalmente, de passar por
limitações crescentes à democracia e aos direitos individuais e sociais dos cidadãos e, quanto baste,
à repressão. A criação mais ou menos artificial de ameaças e conflitos internacionais poderão ajudar
à criação do ambiente propício a esse desígnio, tal como já verificado durante as administrações
Bush.
Desde o início das Revoluções Burguesas e da implantação do liberalismo económico, a “mão
invisível” levou a cíclicas crises do capitalismo que foram encontrando solução em sucessivas
guerras entre Estados até à tragédia humana da 2ª Guerra Mundial. Ao contrário do que muitos
pensam, a tentação de uma saída pela guerra não está posta de parte. A “fé” em Obama deverá ter
exactamente os mesmos limites que o espaço de manobra que ele próprio terá relativamente ao
complexo militar-industrial.
Este é um caminho plausível se as forças democráticas actualmente enquadradas em
formações e movimentos de inspiração social-democrata, socialistas, comunistas,
libertários de todo o tipo, humanistas, laicos ou religiosos, herdeiros das tradições de luta
pela libertação dos oprimidos, não conseguirem formular um conceito, um plano e um
programa de acção alternativos, no sentido de uma nova civilização humana global.

10
Apesar do descrédito do neo-liberalismo à escala global, a correlação de forças mundial é muito
incerta, podendo vir a desenhar-se os cenários mais variados. A ausência de um sistema de ideias
alternativo poderá resultar numa estrondosa e grave derrota para os povos.

5.2 – NO PLANO NACIONAL


Em Portugal são cada vez mais as vozes que vaticinam o esgotamento da actual República, tanto no
plano do modelo democrático como do modelo económico.
Em menos de um mês, a afirmação do Primeiro-Ministro de que “cada um (o PS e o PSD) terá de
correr com a sua bicicleta” esfumou-se, a partir de uma aparentemente inócua intervenção do PR na
AR, numa onda de “bloco central” que até já parece contar com a simpatia de Jorge Sampaio.
O que esperar daí, sob os pontos de vista político e económico? Mais democracia?, a
descentralização político-administrativa?, a participação social e cidadã nas decisões públicas?, o
combate à corrupção? A reanimação dos sectores de economia social e comunitária praticamente
extintos nos últimos 30 anos? O saneamento do sector financeiro, ou, antes, a adopção geral do
“modelo BPN”? A correcção das perversões verificadas na gestão da Caixa Geral de Depósitos, ou,
antes, a sua privatização? A reconstituição de um sector público em áreas estratégicas da
economia? Um súbito acordar empreendedor da burguesia nacional?
Esta crise não pode ser resolvida recorrendo aos princípios, às práticas e às políticas que
a provocaram. Nada deve ficar como dantes.
José Sócrates – Moção Congresso PS
Não podemos estar mais de acordo com esta afirmação do Primeiro-Ministro. Por isso, no nosso
ponto de vista, o “centrão” não iria enriquecer a democracia nem a economia; não iria gerar o
aparecimento de um Plano B, para o caso de falhar a tão esperada “solução de conjunto”, no âmbito
da UE. O “centrão” iria arrastar ainda mais o PS, sob a aparente busca de “governabilidade”, para a
arena da “presidencialização” do regime político; sob a justificação de sanear as contas externas,
para o esmagamento do consumo popular e do que resta do estado-social …
Estamos já, pois, na antecâmara de uma revisão do regime constitucional a favor de uma solução
autoritária e repressiva, de aprofundamento da orientação neoliberal à escala global.
Como já antes foi referido, a situação concreta do país, da economia à estrutura social e aos níveis
de dependência e integração externa, bem como os seus problemas, são substancialmente diferente
do que eram na época do 25 de Abril.
Não se pode, pois, encarar a nova fase do país com os olhos, as emoções e as soluções dessa
época.
Tão pouco os protagonistas e as forças activas da sociedade são os mesmos, se bem que o
imobilismo conceptual e partidário tenda a enquistar posições e reflexos. Há muita coisa “parecida”
mas, na realidade, é tudo bem diferente. Talvez esta seja uma das razões pelas quais parece tão
difícil articular um quadro conceptual, um discurso e propostas novas.
Vejamos então, independentemente das variantes intermédias e/ou de transição, quais as duas
grandes Opções Estratégicas em confronto na actualidade:
A) A Opção “Neo-Liberal Reforçada”
Esta Opção corresponde à realização de uma Contra-Revolução Autoritária caracterizada
pelas seguintes orientações gerais:
No plano da economia:
- Baixar, pelo esmagamento dos salários e o agravamento de custos, os níveis de consumo
social até atingir um nível de endividamento externo considerado comportável;
- Esmagar as despesas públicas e do “estado-social” (saúde, educação, segurança social, …)
libertando recursos para apoio a projectos empresariais privados competitivos e virados para a
exportação;
- Conseguir o prolongamento do acesso aos fundos da UE e mobilizá-los quase exclusivamente
para a mesma direcção, as empresas de exportação;
- Manutenção de uma postura de submissão ao grande capital internacional.

11
No plano político:
- “Presidencialização” do regime e esvaziamento acentuado do “parlamentarismo” e do
“partidismo”; recurso preferencial a referendos controlados;
- Manutenção de um centralismo reforçado na gestão do Estado
- Contenção/Repressão sindical e progressivas limitações aos direitos, liberdades e garantias,
quanto baste; Possibilidade de “interrupção democrática”, conforme sugerido por Manuel
Ferreira Leite.
- Controlo da comunicação social
- Criação de um “movimento nacional apartidário” de apoio ao Presidente.
- Europeísmo e alinhamento incondicional com a NATO
- Alargamento de relações no âmbito da CPLP
B) A Opção de “Desenvolvimento Autónomo, Sustentado e Participado”
Mais do que uma grave crise económica, estamos diante de uma crise de civilização. Ela
exigirá novos paradigmas, novos padrões de consumo e novas formas de organização
da produção. Precisamos de uma sociedade onde homens e mulheres sejam os sujeitos
da sua história e não vítimas da irracionalidade que imperou nos últimos anos.
José Inácio Lula da Silva
Esta Opção corresponde à realização de uma Revolução Patriótica, Racionalista, Humanista e
Comunitária assente nas seguintes orientações fundamentais:
No plano económico:
A orientação estratégica geral deve caracterizar-se por:
- Subordinação dos poderes económicos ao poder político;
- Racionalização dos consumos e das soluções;
- Aumento da produção interna com a substituição competitiva de importações;
- Mobilização de todas as forças produtivas disponíveis, humanas e materiais;
- Primazia à liberdade, dignidade e felicidade das pessoas.
Medidas:
- Renegociação de um vasto conjunto de acordos com a UE no sentido de obter os graus de
liberdade suficientes para o relançamento da economia nacional e a obtenção de um estado de
equilíbrio das contas externas;
- Prioridade a um plano nacional de combate à pobreza e à exclusão social;
- Mobilização social e tomada de medidas económicas e fiscais no sentido do abaixamento e
racionalização dos consumos sociais globais e da equidade social.
- Redução selectiva das importações, designadamente de bens de luxo ou supérfluos;
- Reconstituição de um sector público da economia que assegure as condições gerais de
infraestruturas, equipamentos e serviços básicos para o desenvolvimento económico geral;
- Constituição de um sector financeiro público ao serviço do desenvolvimento, com especial
acesso pelas pequenas e médias empresas privadas e pelos sectores de economia social e
comunitária;
- Desresponsabilização do Estado face aos depósitos na banca privada e controlo de gestão
desta;
- Reconhecimento jurídico do capital humano como parte do capital social das empresas e
asseguramento da sua participação na gestão;
- Separação clara das contas empresariais das contas e despesas pessoais de accionistas e
gestores; limitação das remunerações dos gestores e das despesas de representação;
eliminação das despesas confidenciais; reforma fiscal e de registos contabilísticos de forma a
eliminar a fuga ao fisco e a possibilidade de pagamentos ilegítimos em dinheiro;

12
- Mobilização pública de todos os activos desaproveitados ou ao abandono, conforme o disposto
na Constituição, tornando-os acessíveis à exploração económica por cidadãos e organizações
sociais e comunitárias;
- Mobilização de toda a força de trabalho, manual e intelectual, disponível – desempregados,
reformados, estudantes, militares e membros de forças de segurança, etc., - no sentido da sua
incorporação em projectos produtivos e de serviços de interesse social, ao nível de cada
comunidade, cidade e zona metropolitana;
- Eliminação progressiva do desemprego.
- Desenvolvimento de relações de cooperação e integração económica com outros espaços
estratégicos, designadamente da CPLP, de África e da América Latina.
No plano político:
A orientação estratégica geral deverá caracterizar-se por:
- Mais Democracia,
- Mais Participação,
- Mais Cidadania,
- Mais Responsabilização
Medidas:
- Regionalização político-administrativa com forte participação municipal, dotando cada região
com competências, instrumentos e responsabilidades que permitam o desenvolvimento
sustentado e solidário de cada Região;
- Descentralização político-administrativa para os Municípios dotando-os de competências e
responsabilidades próprias, em todos os domínios, incluindo o fiscal, da segurança pública, da
justiça, do desenvolvimento económico, do trabalho, do ambiente, da educação e formação,
saúde, solidariedade social, etc., dentro do princípio da subsidiariedade;
- Descentralização progressiva de competências e recursos directamente para as comunidades
organizadas, em função das condições concretas e da aptidão social;
- Abertura do acesso ao exercício de todas as funções políticas a todos os cidadãos,
independentemente de se encontrarem ou não inscritos em partidos políticos;
- Adopção do princípio da revogabilidade dos mandatos para todos os cargos políticos;
- Socialização da gestão de todos os órgãos do Estado, das Autarquias Locais e das entidades
empresariais públicas através da adopção tão vasta quanto possível e adequado, de
mecanismos de democracia participativa, no interesse das comunidades interessadas;
- Apoio à constituição de uma vasta rede de órgãos de comunicação social comunitários;
- Renegociação dos acordos e tratados no quadro da UE visando assegurar uma convergência
real, económica e social de todos os países membros e, ao mesmo tempo, os correspondentes
níveis de segurança alimentar, energética, ambiental, científico-tecnológica e financeira.
- Diversificação das relações externas de Portugal, participação activa na construção de um clima
global de Paz e de Cooperação internacional, na constituição de instituições de defesa colectiva
democraticamente controladas pelos povos, e interdição de participação em quaisquer acções
militares fora do quadro de mandatos precisos definidos por instâncias democráticas da ONU.
As Opções Estratégicas acima referidas comportam diversas variantes com algum grau de
hibridação. As coisas na vida real não são “assim” ou “assado”. São antes, um processo com alguma
direcção tendencial.
Nos próximos tempos, a sociedade portuguesa vai ser chamada, institucionalmente ou na rua, a
pronunciar-se sobre estas Opções Estratégicas.
Seria bom que tal se pudesse verificar sem roturas institucionais mais ou menos impostas. Será
igualmente de evitar que tal venha a ocorrer num quadro de caos social.
Fundamentalmente, seria bom se ocorresse num quadro de clareza conceptual e apoiado por um
Programa Político e Económico coerente, abrangente e motivador.

13

You might also like