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Um breve panorama sobre a Performance no Brasil

Paula Darriba*

RESUMO
Diante de uma perspectiva historiográfica, o texto apresenta as raízes da
performance no Brasil germinadas na primeira metade do século XX bem como as
atividades de experimentação e processos fundamentais na consolidação da linguagem
performática praticadas nas décadas posteriores.

Palavras-chave – performance no Brasil, processos experimentais, revisão


histórica.

ABSTRACT
In an historiographic review, the text introduces the performance´s origins in Brazil
enacted in the first halph of XX Century and the experimental activities and fundamental
process included in the performatic language´s consolidation put into practice in subsequent
decades.

Key-words - Brazilian performance, experimental process, historical review.

O presente texto procura fornecer um breve histórico sobre o desenvolvimento da


performance no Brasil bem como um panorama geral do processo de consolidação dessa
linguagem enquanto pesquisa e experimentação basicamente a partir dos anos 80.Em outros
países, tal processo ocorreu principalmente na décadas anteriores. Os anos 70 foram
internacionalmente aqueles em que a busca de conceitualização e atividades experimentais
mais sofisticadas (incluindo resultados estéticos) aconteceram intensamente. Abordando
especificamente a performance enquanto linguagem, esse período no Brasil foi marcado por
uma latência evidente; foram poucos os artistas oriundos das artes visuais que se
aventuraram por essa trilha, porém, sem dúvida nenhuma, são antológicos os trabalhos

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realizados e se caracterizam, sobretudo, como autênticos exercícios de liberdade contra a
repressão do regime militar.
Antes de uma abordagem mais profunda, é interessante apresentar as raízes do
“movimento” no Brasil. As primeiras sementes performáticas foram lançadas por Flávio de
Carvalho (1899/1973), considerado o precursor dessa linguagem no país. Foi uma das
figuras mais ativas e polêmicas do cenário artístico paulistano e transitou pela arquitetura,
pintura, design e artes cênicas. Em suas investigações, principalmente em suas ações
performáticas, fica clara a idéia de experimentação e a preocupação com o processo de
criação, no sentido de refletir e recriar uma poética por vezes subjetiva, abordando
filosoficamente a relação arte/público.
Nessa linha, podemos citar sua “Experiência nº 2”, realizada em 1931 (2 anos
antes da fundação da Black Montain College nos EUA e de suas propostas de pesquisa na
arte da performance), quando Flávio de Carvalho atravessou de chapéu uma procissão de
Corpus Christi, caminhando em sentido oposto aos fiéis. Segundo o artista, ele procurou
testar a (in)tolerância da comunidade religiosa ali reunida e, depois de ter sido salvo de um
linchamento pela polícia, reuniu suas impressões psicológicas sobre o episódio em um livro
de mesmo nome.
Em 1933, criou o “Bailado do Deus Morto”, espetáculo experimental de cenografia
futurista, em que atores dançam o nascimento e a morte de Deus. No dia seguinte à
apresentação, o teatro do Clube dos Artistas Modernos, local da encenação, foi fechado,
gerando nova polêmica em torno das criações de Flávio.
Na década de 1950, o artista, mais uma vez, lançou mão de uma atitude
performática (bem aos padrões dos happenings, cujo conceito, então, começava a se
sedimentar nos EUA). Essa foi a Experiência nº 3, dirigida a um público amplo e aleatório,
nas ruas do centro de São Paulo. Flávio, simplesmente, lançou o “traje de verão
masculino”, desfilando de saias, meias e camisa de manga bufante, segundo ele mesmo, a
roupa mais adequada ao clima tropical. Inflamou novamente a mídia, tomando como alvo o
convencionalismo de nossa sociedade, interagindo de forma consciente e audaciosa com
seu público e desvinculando sua criação dos padrões e amarras institucionais. Essa atitude
questionadora, sem dúvida nenhuma, influenciou as gerações posteriores e proliferou entre
os artistas, principalmente no final da década de 1960 e início de 1970.

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Pode-se dizer que, nesse período, o experimentalismo na arte foi influenciado pela
contracultura e pelo movimento hippie. O happening e a body-art se consolidaram no
cenário internacional e a fusão das linguagens cênicas com as artes plásticas catalizaram as
novas formas de expressão e as propostas conceitualmente mais elaboradas da arte da
performance.

Durante esses anos, no Brasil,

“a arte apostou numa relação mais próxima com o


público, e para isso foi estratégico o revigoramento do
binômio arte-política. A arte estava duplamente
preocupada em efetuar a crítica de um país que se
urbanizava avassaladoramente e em romper o
amordaçamento coletivo da expressão promovido pela
ditadura militar, instituída por um golpe em 1964. Foi
em nome disso que as obras abertas à manipulação
chegaram aos museus e galerias junto com a busca de
lugares alternativos e de outros materiais e suportes
expressivos: um fluxo de novidades que punham em
xeque a natureza e o papel da arte, de seu circuito, do
aparato institucional que a legitimava e a veiculava.”
(Farias, 2002)

Podemos ilustrar o pensamento de Aguinaldo Farias, citando os “Parangolés” de


Hélio Oiticica e também os objetos relacionais de Lígia Clark. Os dois artistas, não
essencialmente performáticos, tornam-se, no entanto, em função da interatividade
público/obra, referência para as novas e atentas gerações de performers que surgiram anos
depois, oriundos das várias artes.
Essencialmente anárquica e libertária, a performance como linguagem de
experimentação ficou condicionada pelas tensões políticas presentes no meio acadêmico e
artístico. Os direitos constitucionais foram suspensos, as ações repressoras eram constantes.
Artistas e críticos eram presos e exilados e, diante deste panorama, a arte sofreu uma
“adequação” ao status-quo. As produções artísticas e teatrais se apoiaram substancialmente
na metáfora para atingir seu público e, a despeito da repressão, São Paulo foi um dos pólos
de experimentação cênica, principalmente o Teatro Oficina que, em 1970, propôs uma
parceria com o Living Theatre. O grupo chegava ao Brasil nesse momento, de modo que
ambos iniciaram o trabalho conjuntamente, mas logo decidiram abandonar o teatro e

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executar sua proposta nas ruas da cidade, para não estarem totalmente submetidos à censura
militar e poderem atingir um público maior (Ligiéro).
Prepararam uma performance chamada “Favela” junto à comunidade do Buraco
Quente, periferia de São Paulo, contando com o apoio de alguns estudantes da USP e, a
despeito das perseguições sofridas, conseguiram executar a ação em dezembro do mesmo
ano, envolvendo o cotidiano real dos moradores com a prática ritual da apresentação.
No entanto, foram presos e expulsos do país, antes de começarem o próximo
trabalho, que seria realizado em Minas Gerais, e, apesar do pouco tempo que estiveram no
Brasil, sua obra ficou impregnada pelas experiências aqui adquiridas (em 1973,
apresentaram, nos EUA, “Sete Meditações sobre o Sado-Masoquismo Político”,
performance baseada em cenas de tortura presenciadas e vividas enquanto estiveram presos
no Brasil).
Também em 1970, no Rio de Janeiro, outras ações performáticas ganharam
destaque, como foi o caso de Antônio Manuel, português radicado no Brasil. Artista
atuante, inscreveu seu próprio corpo como obra, no XIX Salão Nacional de Arte Moderna.
Diante da recusa de sua proposta, acabou por se apresentar nu, durante a abertura do
evento. Fez de sua performance “Corpobra”, antes de tudo, um exercício de liberdade,
diante de um sistema repressor e de censura. Segundo o artista:

“comecei a perceber a temática do corpo. Afinal era


ele que estava na rua, sujeito a levar um tiro (...) então
imaginei usar meu próprio corpo como obra. (...) Na
ficha de inscrição escrevi como título da obra meu nome,
as dimensões eram as do meu corpo, etc. Fui cortado,
soube que o Colares havia sido preso por quebrar um
vidro do MAM com uma pedrada (...). Encontrei-o numa
cela comum com vinte presos num cantinho, todo sujo.
O delegado acabou libertando-o e ele foi para sua casa
em Santa Teresa. Eu me dirigi ao Museu de Arte
Moderna e lá cheguei uma hora antes da inauguração. Ai
me veio a idéia de ficar nu. Nada foi programado, a
idéias surgiu ali como fruto de um sentimento de asco e
repulsa. (...) Tive de sumir uma semana. Fui proibido de
participar durante dois anos de salões oficiais” (Manuel,
1986).

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Foi outro português, também radicado no Rio de Janeiro, Artur Barrio que
apresentou no mesmo ano a performance/objeto “Situação T/T1”. O artista embrulhava
pedaços de carne e abandonava suas trouxas ensangüentadas pela cidade, fazendo uma
denúncia dos crimes da ditadura. Na mesma linha, expôs ao público, também nas ruas,
sacos de plástico com sangue, excrementos, escarro e ossos.
Cildo Meireles, também, optou pela performance/objeto, com seu “Inserções em
Circuitos Ideológicos – Projeto Cédula” . Consistia em carimbar mensagens políticas em
cédulas monetárias e depois devolvê-las à circulação, agora, como veículo de protesto
contra o sistema.
Tanto Barrio quanto Meireles sugerem aos “espectadores” de suas obras uma
relação íntima e de cumplicidade diante da assimilação das mensagens, ora por repulsa, ora
pela sensação de transgressão, ao interagirem (mesmo que involuntariamente) com aqueles
“objetos proibidos”, que substituíam a presença física dos artistas.
Mesmo diante das tensões geradas pelo panorama político e pela censura, em
meados da década de 70, vários artistas continuaram a realizar experiências com
performances, inicialmente restritas a um número reduzido de espectadores e praticamente,
estes, todos, do meio artístico.
Um exemplo é a Cooperativa de Artistas Plásticos, inaugurada em São Paulo em
1975, onde alguns jovens desenvolvem pesquisas e procuram novas possibilidades para
essa vertente da arte. Ivald Granato, Aguilar, Gabriel Borba, Genilson Soares, Marcello
Nitsche são alguns dos representantes dessa fase e responsáveis pela prática de atividades
que foram extremamente significativas para a consolidação da linguagem no cenário
nacional.
Nos anos subseqüentes, merece destaque a figura de Ivald Granato, ex-aluno da
Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro, ao exercer uma série de
atividades de vanguarda.
Em 1976, ele apresentou as performances “No of Massage Vomite”, no Teatro da
Fundação São Caetano e “Urubu Eletrônico” no Teatro Municipal de São Paulo. Em 1978,
mostrou “Is My name Woody Allen?” e, em 1979, “My name is not Ciccilo Matarazzo”.
Nesse mesmo ano, lançou o livro “14 anos de performance”, executou “O Artista e a

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Criança” - performance na Pinacoteca do Estado de São Paulo - e participou da Bienal de
São Paulo com pinturas, instalações e documentação de suas performances.
O ano de 1980 fornece um capítulo promissor na trajetória da arte da performance
no Brasil. Atividades realizadas durante três dias consecutivos, na Cooperativa dos Artistas
Plásticos, incluindo “Homenagem a John Lennon” de Granato e “A Orelha de Van Gogh”
de José Roberto Aguilar despertaram o seguinte comentário da crítica:

“Ninguém ainda pode se sentir absolutamente


confiante para “explicar” ou “criticar” a arte da
performance. Afinal, ela é uma forma cuja justificação
depende exclusivamente da relação particular que
começa a existir entre o artista e o espectador. (...) A
intenção das performances a que se assistiu foi, em
síntese, fazer uma “criação artística”. Contudo, nenhuma
delas delimitou para o público onde começa a criação
profissional e termina o exercício amador da
criatividade” (Leirner, 1982).

Em outro artigo, desta vez sobre a Jornada Paulista de Performance, ocorrida no


mesmo ano, Leirner coloca: “Bom ou mau sinal, finalmente já temos alguns marcos que de
fato representam a aceitação oficial da performance e do seu direito de pertencer ao
mesmo contexto que a pintura, escultura ou desenho” (idem), referindo-se ao fato de o
evento ter acontecido na Pinacoteca de São Paulo e, além disso, ter sido conceitualmente
discutido em um programa na TV Gazeta, chamado Diafragma 11. A insegurança da
crítica, que acaba por se render à performance “Frágiles” de Marcello Nitsche (o artista
manipula ludicamente objetos em madeira e papel de seda coloridos), sugere bem a herança
do panorama repressor a que esteve submetida a sociedade e a cultura durante os anos
anteriores.
Mas a próxima década, marcada pela anistia e pela abertura política, é, também, o
período de resgate da cidadania, do direito à liberdade de criação, do resgate dos espaços
artísticos já existentes e da criação de novos. Segundo Renato Cohen,

“pode-se associar o inicio da difusão da performance,


em 1982, com a criação quase simultânea de dois
centros culturais: o Sesc Pompéia e o Centro Cultural
São Paulo.Nesses dois locais, buscou-se prioritariamente
abrir espaço para as manifestações alternativas que não

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estavam encontrando local em outros circuitos” (Cohen,
2002).

Em função da intensa profusão de atividades geradas nesse período, incluíam-se, aí,


não só performances, mas também vídeo, dança, novos grupos musicais e formas híbridas
de apresentações; os ambientes inovadores surgiam sintonizados com essas propostas e
ofereciam aos artistas a oportunidade de veicular seus trabalhos. Consagraram-se nessa
linha o Carbono 14 e, principalmente, o Madame Satã, durante anos, espaços de referência
no meio performático paulistano.
Dois eventos importantes mereceram destaque no ano de 1983: o II Ciclo de
Performances no Sesc de São Paulo e o VI Salão Nacional de Artes Plásticas –
INAP/Funarte no Rio de Janeiro, que conferiu o Prêmio Gustavo Capanema, especial para
performance, ao artista José Eduardo Garcia de Moraes, que, ao contrário de muitos outros
da mesma geração, tem se dedicado exclusivamente à performance, tornando-se, segundo o
crítico Fernando Cocchiarale, uma referência indispensável dessa vertente da arte
contemporânea no Brasil. Em 1984, participou de um encontro memorável com Cildo
Meireles, Ivald Granato (que, nesse ano, além de outras atividades importantes, abriu o
Ciclo de performances da Funarte) chamado “Encontros com a Arte Brasileira”, e durante
os anos seguintes participou de eventos no Museu de Arte Contemporânea da Universidade
de São Paulo, da XVIII Bienal Internacional de São Paulo, da Mostra de Novos
Encenadores do Teatro no Madame Satã, de atividades na Escola de Artes Visuais do
Parque Laje no Rio de Janeiro e do VII Salão Nacional de Artes Plásticas, em Salvador.
Durante a década de 1990, mostrou seu trabalho no Teatro Nacional sobre Performáticos,
Performance e Sociedade, na Universidade de Brasília. Internacionalmente participa de
festivais em Madrid e da Documenta X, Kassel, Alemanha.
A trajetória de José Eduardo mostra como a arte da performance se desloca do eixo
Rio-São Paulo e passa a tomar consistência, também, na capital do país, incorporando-a às
atividades de pesquisa, como mais um pólo germinador das idéias dessa geração de artistas.
Aos poucos, as propostas performáticas dos anos 80 conquistaram, não só artistas e
adeptos em novos locais, como também cristalizaram a interdisciplinaridade em suas
composições. Os trabalhos se configuram cada vez mais como produtos híbridos,
promovendo definitivamente a fusão das várias linguagens.

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As performances “Improvisos para Pintura e Música” (1983), “O Visual do Rock”e
“Otelo e as Telas” (1985) de Alexandre Dacosta deixam claro, até mesmo em seus títulos,
esse processo. O artista, com formação em artes plásticas e música, foi responsável pela
criação do Grupo 8 Pés, que realizou, durante anos, intervenções em vernissages, a maioria
delas no Rio de Janeiro.
Na mesma época, em São Paulo, destacou-se Tadeu Jungle, fotógrafo, comunicador,
criador de vídeos e poeta visual. Em 1985, apresentou “Alô?” no Ciclo de Performances da
Funarte, em São Paulo. Fundou a primeira escola de vídeo do país e um de seus trabalhos,
“Kamerazman”, de 2001, reúne performance e vídeo-instalação.
Guto Lacaz, arquiteto e técnico em eletrônica, sintetiza em suas performances
(assim como em seus objetos e instalações), as facetas do homem contemporâneo. Além de
“Estranha Descoberta Acidental”, de 1984, “Eletroperformance” é um de seus trabalhos
mais conhecidos, executado pela primeira vez em 1983, em um café-teatro e,
posteriormente, em 1985, na XVIII Bienal de São Paulo. Outro trabalho em destaque foi
“Máquinas e Motores na Sociedade”, de 1992, que reuniu 12 performers. O fio condutor de
suas ações é a manipulação de inusitados “aparelhos” elétricos em um espetáculo
multimídia repleto de efeitos especiais e plasticidade.
A essência do homem e o produto da sociedade contemporânea são, também, os
tópicos da obra de Otávio Donasci, formado em Artes Plásticas na Fundação Armando
Álvares Penteado em São Paulo. Durante a década de 70 trabalhou com teatro e cinema e,
posteriormente, criou o vídeo-teatro, no qual atuam suas “vídeo-criaturas” (1982), na
verdade, seres híbridos, performers que usam máscaras eletrônicas (nas primeiras versões,
eram monitores de cristal líquido, com câmaras interativas). A atuação do performer e a
participação do público determinavam o resultado de uma proposta, que sintetizava a
tecnologia de última geração com a arte da representação. Tal aspecto continua presente em
“Expedições Experimentais Multimídia” (projeto executado com R. Karman) que aglutina,
ao redor da ação performática, não só o teatro e o vídeo, mas, também, o turismo e a artes
plásticas. Em 2001, os artistas apresentaram essa vertente em “Viagem ao Centro da Terra”,
em que os performers interagiam com a assistência.
O binômio arte/tecnologia é, notoriamente, mais uma ferramenta gerada por esse
período de transformação cultural, em que a produção artística revela os aspectos humanos

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dos novos suportes e dos novos espaços de interação oferecidos pela revolução digital e
pela democratização das informações, promovidos pela Internet.
Renato Cohen, durante a década de 80, efetuou uma série de atividades em teatro e
performance e desenvolve, atualmente, importante pesquisa a respeito da inclusão de
recursos tecnológicos em seus trabalhos. Participa do Programa do Instituto de Artes da
Universidade de Campinas e do Programa de Comunicação e Semiótica da Puc-SP, e é
autor de vários artigos sobre o assunto.
O espetáculo “Ka”, realizado em 1998, que, talvez, seja o trabalho mais conhecido
do público, incorpora os cenários virtuais que projetam hipertextos de janelas, como
“landscape” da performance.
Diante das inúmeras possibilidades de interação que o performer (interator) adquire
com os recursos tecnológicos, é natural que tenham surgido várias e diferentes propostas.
Eduardo Kac lançou em 1989 o Projeto Ornitorrinco, elaborado a partir de telerobots;
Diana Domingues e Ivani Santana desenvolveram trabalhos de performance em tempo real
usando a rede, assim como o grupo Corpos Informáticos, com performance em telepresença
dirigido por Bia Medeiros, ou outras propostas como as de Rosangella Leote utilizando
tecnologia digital interativa.
Os resultados vêm sendo apresentados e discutidos em vários eventos: Congresso
Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas (1996), Festival Internacional de Novas
Linguagens, no Centro Cultural de São Paulo (1996), I Simpósio de Arte e Tecnologia
(1997), Seminário e Exposição de Arte Eletrônica e Performance ( 1998), ambos no
Instituto Itaú Cultural, Mostra Imanência na Casa das Rosas (1999) e Circuito de Artes
Cênicas do Teatro do Centro da Terra (2002).
A amplitude e relevância de tais pesquisas, apesar de merecerem abordagens mais
detalhadas e conceituais, nos distanciariam do objetivo fundamental deste trabalho. O
processo de consolidação da Performance enquanto linguagem não fica restrito apenas à
incorporação de recursos tecnológicos. Incorporam-se, também, questões antropológicas.
O I Encontro de Performance e Política das Américas, realizado no Rio de Janeiro
em 2000, sugeria sobremaneira a amplitude das possibilidades na discussão dos estudos
sobre a performance e sua relação com formas teatrais, dança, música, filosofia, cultura
indígena, política e globalização, tradição oral, homoerotismo e performance afro. Todos os

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tópicos foram abordados nesse encontro, promovido pelo Instituto Hemisfério de
Performance Política - na verdade, por um grupo de artistas, acadêmicos e instituições que
estudam a relação da performance com as questões sociais e políticas nas Américas - e que
teve mais duas versões, no México e no Peru, os dois países que, além do Brasil e dos
EUA, participam do projeto.
Esse leque de possibilidades que engloba o comportamento social e cultural é muito
conveniente à produção nacional, em função da diversidade de costumes inerentes a cada
região. Dentre dezenas de referências, um trabalho promissor que envolve conceitualização
e prática é o “Maidifêra”, coordenado por Angelo Guimarães e Ingrid Trigueiro, ambos de
João Pessoa, no qual a ação de rua sintoniza elementos do folclore nordestino com a
ritualização do teatro, permitindo aos performers livre atuação diante da público.
Outro acontecimento importante para o panorama em questão aconteceu em 2001
no MAM, Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, que promoveu o Ciclo de
Performances, evento que também procurava dar visibilidade à produção recente e contou
com a apresentação de vários artistas, entre eles, Michel Groisman, Franklin Cassaro,
Rodrigo Cabelo e Laura Lima. O conjunto da mostra consolidou definitivamente o aspecto
da performance contemporânea brasileira anteriormente abordado, a saber, o da fusão de
linguagens e os novos códigos, em busca de maior ou melhor interatividade com o público
e promovendo artistas no circuito nacional e internacional.
Marcia Pinheiro, Tunga, Alex Hamburguer podem ser citados com destaque pela
atuação nos últimos anos. Marcia X, como também é conhecida, fez da performance
Pancake (em que aborda ícones do universo feminino) um emblema de sua produção. Nela,
a artista despeja grande quantidade de leite condensado sobre o corpo, “criando” uma
escultura móvel. Essa performance foi apresentada em vários locais, incluindo o Free Zone
(2001), evento multimídia que, assim como outros do mesmo estilo, garantem a propagação
do “gênero” em termos de pesquisa e conceitualização, fora do circuito acadêmico e
institucional. É o caso do CEP. 20.000 (Centro de Experimentação Poética), que acontece
regularmente, há vários anos, e do Zona Franca na Fundição Progresso, ambos no Rio de
Janeiro, que durante um longo período manteve-se aberto a diversas manifestações
artísticas.

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Atualmente, chama a atenção o Grupo “Estudos para Concerto de Corpo e Alma”,
que prioriza, além dos processos de criação e apresentação das performances solo, o
treinamento coletivo dos artistas envolvidos e os questionamentos dos cânones de
representação. O grupo tem mantido atividades regulares e é composto pelos seguintes
artistas: Carlos Eduardo Cinelli, Cristiane Moura, Marilene Vieira, Rosana Réategui, Sylvia
Heller e Warley Goulart.
Além deles, o “Cinema Manual” de Nadam Guerra, uma ação performática
desprovida de recursos eletrônicos, que gera imagens a partir de objetos, lâmpadas e lentes,
é outra atividade que vem se desenvolvendo assiduamente e acrescenta experiências
relevantes no desenvolvimento das pesquisas em torno dos temas.
Esta é, em síntese, uma visão bastante geral da performance no Brasil e que nos
permite perceber a ampla arena de investigação e experimentação que esta linguagem,
ampla e ousada possibilita às novas gerações de performers.

*Paula Darriba é artista plástica, graduada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, e nos últimos anos
tem desenvolvido pesquisas e trabalhos na área da performance.

Referências Bibliográficas

Cohen, Renato. Performance como Linguagem. São Paulo : Perspectiva, 2002.


Farias, Aguinaldo. Arte Brasileira Hoje. São Paulo: Publifolha, 2002.
Leirner Sheila. Arte como Medida. São Paulo: Perspectiva, 1982.
Levi, Clovis. Teatro Brasileiro – Um Panorama do Século XX. São Paulo:
Funarte/Melhoramentos, 1997.
Ligiéro, Zeca. O Living Theatre no Brasil. Disponível em <
http://www.nehac.triang.net/artcultura/valeria.html> acesso em 09/06/03 – Tradução de
Valéria de Castro Sant’Ana
Manuel, Antonio. “Porque Fiquei Nu”. In: Depoimentos de Uma Geração. Rio de
Janeiro, 1986.

SITES DE PESQUISA:

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http://intermega.com.br
http://macniteroi.com
http://www.arte.unb.br
http://www.itaucultural.org.br
http://www.pucsp.br
http://www.sesc.com.br

Obs.: Artigo publicado no livro: “Performance y arte-acción” sob o Título: “Fusión de


Lenguajes” - Organização Josefina Alcázar e Fernando Fuentes. Ediciones sin Nombre,
Citru, Ex Teresa. México, 2005.

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