Professional Documents
Culture Documents
MBA em Comunicação Integrada e Novas Mídias
Disciplina: Redes de Comunicação e Sociabilidade
Professor: Orlando Lopes
Aluna: Ariani Caetano
Comunidade, rede social e a transmutação dos conceitos
“Quando a gente anda sempre em frente, não pode ir muito longe.”
(O pequeno príncipe, 2006, p. 18)
Em tempos de evolução constante e vertiginosa da tecnologia e das novas sociabilidades que
surgem em volta dos fenômenos comunicacionais constituídos nesse espaço virtual, uma
pergunta precisa ser feita: o que é (ou em que se transformou) a comunidade?
Comunidade, em seu sentido tradicional, quer dizer a qualidade de comum, o corpo social, a
sociedade, o grupo de pessoas que são submetidas a uma mesma regra religiosa, o local que
essas pessoas habitam. Richard Sennet (apud BAUMAN, 2001, p. 206‐207) mitifica o conceito
de comunidade ao dizer:
A imagem da comunidade é purificada de tudo o que possa trazer uma
sensação de diferença, que dirá conflito, a quem somos “nós”. (...) O que
distingue esse compartilhamento mítico nas comunidades é que as pessoas
sentem que pertencem umas às outras, e ficam juntas, porque são as
mesmas...
No plano real, físico, a comunidade relaciona‐se, portanto, ao agrupamento de indivíduos que
estão unidos por laços fortes de parentesco, vizinhança, hábitos, amizade; indivíduos que são
iguais dentro de suas diferenças.
Em sentido vanguardista, entretanto, comunidade me parece ser um devir, um vir a ser.
Comunidades virtuais são, como o próprio nome diz, uma virtualidade, a potência que pode se
transformar em real. Isso porque os laços fracos e fluidos que os indivíduos constituem na
internet (principalmente na web 2.0) podem (ou não) se transformar em laços fortes e
duradouros. Os interagentes de comunidades virtuais podem criar entre si relações afetivas,
de amizade e que são transpostas do ambiente virtual para o real.
O fato é que em muitos momentos, nessa loucura moderna que é o viver, deixamos de ser
pessoas e passamos a ser pontos de rede, nós, que buscam a comunidade (ou aquilo em que
ela se transformou) por uma série de motivos. Alguns deles até podem ser afetivos e fortes.
Outros, a maioria, não. Entramos em comunidades virtuais para simplesmente pertencê‐la,
para usurpamos seu conteúdo e, em última instância, para colaborar com ela, para trocar com
seus outros membros experiências, contatos e arquivos.
A questão central que quero colocar neste ensaio é, então, a seguinte: podemos chamar de
comunidades essas que são constituídas na virtualidade, sem que seus membros ou
interagentes já tenham relações “físicas” anteriores ou paralelas? Ou será que podemos
afirmar que o sentido de comunidade mudou e está mudando à medida que surgem novas
tecnologias da informação e comunicação e, consequentemente, novas formas de relação e
sociabilidade entre aqueles (na verdade nós, pois me incluo nesta lista) que fazem parte de
todo esse processo?
Segundo Rogério da Costa,
o que os recentes analistas de redes apontam é para a necessidade de uma
mudança no modo como se compreende o conceito de comunidade: novas
formas de comunidade surgiriam, o que tornou mais complexa nossa
relação com as antigas formas. (...) Isso nos remete a uma transmutação do
conceito de “comunidade” em “rede social”. Se solidariedade, vizinhança e
parentesco eram aspectos predominantes quando se procurava definir uma
comunidade, hoje são apenas alguns dentro os muitos padrões possíveis das
redes sociais. (...) Estamos diante de novas formas de associação, imersos
numa complexidade chamada rede social, com muitas dimensões e que
mobiliza o fluxo de recursos entre inúmeros indivíduos distribuídos segundo
padrões variáveis (2008, p. 33‐34).
Entretanto, não podemos cair na redução conceitual de que nas redes sociais não há relações
sociais como nas comunidades e que os membros das redes sociais só produzem conteúdo, e
não relacionamentos. Vale, nesse sentido, considerar a opinião de Alex Primo:
A interação social é caracterizada não apenas pelas mensagens trocadas (o
conteúdo) e pelos interagentes que se encontram em um dado contexto
(geográfico, social político, temporal), mas também pelo relacionamento
que existe entre eles. Portanto, para estudar um processo de comunicação
em uma interação social não basta olhar para um lado (eu) ou para o outro
(tu, por exemplo). É preciso atentar para o “entre”: o relacionamento
(2008, p. 111).
Barry Wellman (2004) questiona como a internet afeta vizinhos e comunidades locais. “Apesar
da capacidade da internet de saltar entre os continentes, não parece ser assim, já que, na
prática, a maioria das relações da comunidade não era local, mesmo antes do advento da
internet” (p. 28).
E conclui:
Com efeito, a internet e outras novas tecnologias de comunicação ajudam
as pessoas a personalizar suas próprias comunidades. Essa não é uma
perda distópica da comunidade, nem um ganho utópico, mas sim uma
transformação complexa e fundamental na natureza das comunidades e dos
grupos de redes sociais.
Ainda utilizando um conceito de Wellman, a “individualidade conectada” nascida a partir das
novas tecnologias de informação e comunicação pertence muito mais do que apenas à
comunidade onde se insere social e geograficamente. Essa individualidade conectada pertence
à rede social que quiser, compartilhando com ela laços fracos ou fortes.
O que não se pode é deixar de considerar que o conceito de comunidade empregado quando
queremos nos referir a determinado grupo reunido pela e na rede mudou, e, como considera
Rogério da Costa, foi transmutado para o de rede social. Paralelamente, não podemos cair no
reducionismo de pensar que, em se tratando de rede social, não há nela sociabilidade
nenhuma. Há. Uma sociabilidade diferente daquela constituída na comunidade do plano físico,
real, mas há.
Concluo divagando que pertencemos concomitantemente a comunidades e a redes sociais. O
espaço de uma de se conurba ao da outra. Os laços fortes de uma podem se transformar nos
laços fracos da outra e vice‐versa. No plano real ou em rede, o que importa mesmo é que os
indivíduos estabelecem relações: de networking, de troca, de afeto, de sociabilidade. A
internet, ao mesmo tempo em que potencializa as sociabilidades, faz nascer outras formas
delas. No “admirável mundo novo”, é com esse paradoxo complementar que temos que nos
relacionar, seja em comunidades, seja em redes sociais.
Referências
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
COSTA, Rogério da. Por um novo conceito de comunidade: redes sociais, comunidades
pessoais, inteligência coletiva; PRIMO, Alex. O aspecto relacional das interações na Web 2.0.
In: ANTOUN, Henrique (Org.). Web 2.0: participação e vigilância na era da comunicação
distribuída. Rio de Janeiro: Mauad X, 2008.
SAINT‐EXUPÉRY, Antoine de. O pequeno príncipe. Rio de Janeiro: Agir, 2006.
WELLMAN, Barry. The glocal village: internet and community (online). Disponível em:
<http://www.ideasmag.artsci.utoronto.ca/issue1_1/idea_s01‐wellman.pdf>. Acesso em: 12
mai. 2010.