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COMMENT FAIRE POUR BIEN FAIRE ? Eric Fuchs, Ed.

Labor et Fides 1995


Jean Bartoli

Vamos resumir as duas primeiras partes do livro. A terceira e a quarta dizem respeito à
teologia bíblica e ao confronto com alguns filósofos e não trazem tanta ocasião de
reflexão como as duas primeiras partes.
Na introdução o autor indica que o objetivo do livro é de procurar saber do que se fala
exatamente quando se fala de moral ou de ética; de que é feita esta disciplina do
pensamento e da ação e de qual método pode dispor para chegar à sua finalidade : a
capacidade de tomar uma decisão justa.

1ª PARTE. A MORAL, A ÉTICA : DO QUE SE TRATA ?


1. FUNÇÃO DE REGULAÇÃO DA MORAL : fundamentada no caráter
essencialmente relacional da existência humana (realidade da alteridade). O ser
humano está em relação com o outro :
pela mediação do CORPO TRABALHO LINGUAGEM
seu
a fim de obter do ENCONTRO TROCA COMUNICAÇÃO
outro
contudo, as ameaças VIOLÊNCIA COBIÇA DESPREZO
de
obrigam a formular SEGURANÇA RECIPROCIDADE IDENTIDADE
regras de moral que
protegem as
necessidades
fundamentais de
com a esperança de RESPEITO JUSTIÇA RECONHECIMENTO
fazer prevalecer nas
relações pessoais e
sociais

2. FUNÇÃO DE LEGITIMAÇÃO DA ÉTICA : A moral é má quando esquece as


potencialidades positivas ligadas às estruturas relacionais da existência humana, i. e. o
respeito nas relações sociais e políticas, a justiça nas relações econômicas (no sentido
mais amplo) e o reconhecimento no campo das relações pessoais. Tem outra função
além de responder às necessidades da sociedade : deve questioná-la sobre os seus
valores e a justeza de suas regras e normas. É a função de legitimação da moral.
Quando a moral preenche este papel de legitimação, para distinguí-la do seu papel
regulador, a chamamos de ética. A reflexão ética nasce no momento em que o ser
humano toma consciência pessoalmente que os outros não estão a serviço de suas
necessidades ou para ameaçá-lo mas, que existem como seres específicos, tendo as
mesmas necessidades e os mesmos direitos de satisfá-las. Assim, o fracasso da moral
tem sua raiz na recusa de levar a sério o outro como pessoa. Existe sempre uma
tensão entre a tarefa reguladora da moral e a exigência ética que a legitima. Aos
valores morais do respeito, da justiça e do reconhecimento - realização da promessa
ligada à relação inter-humana -, devem ser acrescentados os valores “éticos” -
solidariedade, igualdade e amor - que traduzem o horizonte esperado que visam os
valores morais e sua legitimidade :
Campo da Socio-político Econômico Pessoal
realidade
Valor moral RESPEITO JUSTIÇA RECONHECIMENTO
regulador
(considerando a
alteridade)
Valor ético SOLIDARIEDAD IGUALDADE AMOR
legitimador E
(considerando a
liberdade)
Os valores morais expressam o sentido da promessa ligada à regulação moral quando
levam em consideração a alteridade. Os valores éticos traduzem a exigência ética como
desenhando o que a liberdade pode esperar e onde ela deve engajar-se; assim exercem
uma função crítica sobre a prática moral.

3. DE ONDE VEM A OBRIGAÇÃO MORAL ? A obrigação nasce desta certeza : devo


aceitar as regras morais para permitir que minha relação com o outro possa me trazer
todo o benefício que eu sei poder esperar dela. Não é, porém, suficiente : este modo
de pensar não permite enxergar o que constitui a experiência comum do gesto ético
por excelência, ou seja a capacidade de fazer o bem para alguém sem esperar
retorno, ou, mais ainda, retribuir o mal pelo bem. Porque, na origem, alguém nos
deu um nome, proibindo nos de identificar nos com nossas necessidades (ou nosso
desejo imaginário do objeto primordial) e instituindo-nos como outra pessoa,
chamado a dizer seu desejo, podemos reconhecer a nós-mesmos como “um entre
outros” , semelhantes e diferentes, responsáveis pelo que fazemos com a alteridade do
outro. A obrigação ética é a transcrição no campo da consciência desta estrutura
primeira da existência humana, grudada pelo seu corpo ao jogo incessante da
necessidade e chamada pela palavra do outro a reconhecer-se habitado pelo desejo,
desejo do Outro do qual os outros serão o sinal, a trilha, o lugar. Trata-se, então, de
não deixar-se submergir pela necessidade, ou invadir pelo medo da falta (manque),
mas consentir ao próprio limite para buscar em direção do outro e com o outro um
caminho de paz, de vida e de reconciliação. Isto supõe o reconhecimento da
obrigação absoluta de querer que os outros vivam. e a exigência da responsabilidade,
que é “responder” pelo outro custe o que custar. Porque somos este ser de
necessidade e de desejo, devemos ao mesmo tempo vigiar para não deixar que o
imediatismo das satisfações corriqueiras nos fascine e consentir aos riscos da relação
para a qual o desejo nos convida.

4. O QUE É A CONSCIÊNCIA MORAL ? A capacidade de apreciar o que está em


jogo, decidir e avaliar os resultados constitui o trabalho próprio da consciência moral.
A consciência de si torna-se consciência moral quando deve determinar-se sobre o
valor das regras propostas a ela. Assim a consciência aprende a formular um
julgamento de valor sobre o que é proposto e a distinguir entre a tarefa reguladora da
moral e a função legitimadora da ética. Esta capacidade de julgar é a condição de
tudo que depende dela : deliberação, decisão, apreciação. Precisa passar de uma
consciência ligada pela autoridade externa para uma consciência livre aceitando por
convicção obedecer à exigência ética. É o que se chama a autonomia da consciência
moral. A autonomia significa a liberdade que a pessoa tem de decidir por si acerca da
legitimidade das regras às quais aceita submeter-se. Este julgamento sobre a
legitimidade da regra significa que esta foi reconhecida capaz de realizar algo das
promessas do ideal ético, ligado à existência relacional da pessoa. Longe de excluir o
outro, a autonomia o coloca no centro da reflexão ética. Portanto, educar a
consciência para que se torne autônoma significa convencê-la que a liberdade nunca é
mais autêntica do que quando aceita de ligar-se à exigência comum de solidariedade e
de respeito. Quer dizer quando aceita de reconhecer a legitimidade da ética que a tira
dos seus interesses imediatos ou de sua subjetividade para tornar-lhe preciosa a
existência do outro. A autonomia e a liberdade devem ser entendidas como dados
relacionais.

5. ELEMENTOS DE METODOLOGIA ÉTICA : Como tomar uma decisão ética ?


Momento do Qualidade Contravalor Finalidade
processo exigida
1) Demarcação Rigor Confusão dos planos Distinguir o que pertence
ou não à ética. Dentro do
campo da ética, distinguir
entre regulação moral e
legitimação ética.
2) Deliberação “Prudência” Medos inconscientes Chegar a um consenso.
Sabedoria Vontade de poder
Recusa das regras da
argumentação
3) Decisão Coragem Indiferença Honrar concretamente a
Covardia exigência ética.
Egoísmo
4) Avaliação Honestidade Orgulho Medir a distância entre a
Humildade Desânimo intenção e a realização.
Aprender a aprender.
Reconhecer a necessidade
do perdão.

2ª PARTE : ÉTICA E CIÊNCIAS HUMANAS, A ESPECIFICIDADE DA ÉTICA.


A ética, enquanto reflexão crítica sobre as normas dos comportamentos pessoais e
coletivos e sua legitimação pertence às ciências humanas. Contudo, como disciplina
normativa e não só descritiva, distingue-se das ciências humanas. A finalidade da
reflexão ética não é primeiramente conhecer mais e melhor o modo das pessoas agirem,
mas chegar a um julgamento de valor sobre seus comportamentos. “O que devo fazer ?”
não eqüivale a “O que posso saber ?”.

1. ÉTICA E PSICOLOGIA : A psicologia ajuda a não considerar como infalível


qualquer discurso sobre a moral, sobretudo se não for acompanhado de atos
correspondentes. A psicologia está interessada nas conseqüências felizes ou,
sobretudo, infelizes de uma moral mal vivida com sua seqüência de angústia, de
sentimento de culpa, de agressividade etc. Obriga a reflexão ética a interrogar-se
sobre o aspecto “normativo” em relação ao “normal”. A auto-realização psicológica
não pode ser confundida com a finalidade da ética, cuja exigência pode as vezes ser
um fator de desequilíbrio psicológico, de confusão ou de angústia. A contribuição
mais importante da psicologia vem do estudos sobre o desenvolvimento moral da
pessoa. A moral não é dada uma vez por todas : é uma construção constante ao longo
da existência humana em paralelo com o desenvolvimento da inteligência. Vários
autores estudam os estágios de desenvolvimento moral da pessoa : Piaget, Kohlberg,
Gilligan, Kegan e André Guindon por exemplo. Segue um exemplo de classificação
inspirada de Robert Kegan (The evolving self : problem and process in human
development, Cambridge, Harvard Univ. Press, 1982) e André Guindon (Le
développement moral, Paris-Ottawa, Desclée/Novalis, 1989) :
ESTÁGIOS DO DESENVOLVIMENTO MORAL

a) Estágio impulsivo : ética hedonista (até 5 anos de idade). Moral de regras


não interiorizadas impostas pela autoridade protetora.
b) Estágio imperial : ética utilitarista (5 - 7 anos até adolescência). Moral do do
ut des. O outro é um meio.
c) Estágio fusional : ética da lealdade (adolescência). Afirmação pessoal e
necessidade da confirmação pelo outro. Importância reconhecida das leis que
asseguram uma ordem e deveriam garantir a justiça. “Eu ideal”.
d) Estágio institucional : ética legalista (jovens adultos). Descoberta do
pluralismo. Objetivação das relações com o outro e do valor das instituições.
A moral se esconde atrás do direito como conformidade com uma lei
reconhecida como válida pela sociedade.
e) Estágio inter-individual : ética humanista (adultos). Fragilidade reconhecida
das instituições. Questionamento meta-ético sobre a legitimidade das leis.
Aprendizagem da simbólica e da tolerância. Interrogações críticas.
f) Estágio da integridade : ética da resposta (idade madura). Aceitação plena
da realidade com sua própria finitude. Aceitação do mistério último do ser. A
moral não é tudo. Além da exigência da justiça, existe a exigência do amor.
Aceitação do outro como ele é.

2. ÉTICA E PSICANÁLISE : Freud recusa a imagem que o ser humano quer dar de si-
mesmo pela qual se obriga a tomar atitudes que traem antes de tudo seu medo de
viver. A moral não é um dado inato : é fruto da necessidade de gerir sua agressividade
inata. Para a psicanálise, a moral é o resultado deste delicado exercício de renúncia às
satisfações imediatas da libido em vista de vantagens afetivas e relacionais. Porém, o
super-ego pode tornar-se opressor pela severidade de suas exigências e a pouca
preocupação que tem da felicidade do ego. Este deve aprender a distanciar-se das
demandas excessivas do super-ego, embora aceitando o que tem de estruturante nelas,
quer dizer o que lembra a existência do outro e seus direitos. Trata-se então de passar
do estágio de um narcisismo primário para o reconhecimento da alteridade do outro.
O ego deve arbitrar entre o princípio de prazer e o princípio de realidade. É através de
uma longa formação, marcada por lutos, culpabilidade e consentimento aos próprios
limites que a consciência moral encontra seu justo lugar e sua função. A moral opera
nestes três ordens de realidade : o reconhecimento do outro, a aceitação do
sofrimento e a impossibilidade da perfeição. Todavia, além do discurso psicanalítico, é
preciso uma reflexão filosófica que leve em consideração como as figuras morais
arraigam-se nas várias instâncias psíquicas, não se reduzindo e elas.

3. ÉTICA E SOCIOLOGIA : A sociologia sublinha o relacionamento entre o estatus


social e a adesão a uma moral. A sociologia constata que os valores propostos por um
grupo são um fator importante para a identificação deste grupo pelos seus membros.
Existe um conflito interno do sujeito que deve conviver com várias morais as vezes
contraditórias; existe um conflito na sociedade entre várias injunções morais
contraditórias, provenientes de interesses e grupos diferentes. A sociologia ajuda a
perceber que estas morais não estão todas no mesmo nível de realidade. Não podem
ser comparadas em vista de emitir um julgamento de valor sobre elas antes de situá-
las precisamente no seu contexto social genético para entender o tipo de necessidade
de identidade à qual correspondem. A sociologia mostra que existe conflito porque a
constância de um questionamento ético que foge à dominação das ideologias ou das
pressões morais dos grupos trabalho todas essas morais. Estas morais particulares
respondem às necessidades de identidade e segurança que todo grupo humano sente.
Não podem responder à terceira necessidade, a da troca se impedem os indivíduos
pelas suas exigências de identidade e segurança de arriscar-se frente às outras pessoas
que não sejam do próprio grupo. A sociedade não é uma justaposição de grupos
fechados desenvolvendo sua forma de vida moral, mas um sistema de interação destes
grupos obrigados a cada instante de legitimar suas práticas ou modificá-las, para
permanecer eles-mesmos e ser, porém, capazes de permitir trocas e relações com os
outros. Aqui reaparece o melhor da exigência ética que, no meio das diversidades das
morais, busca unificar a pessoa pelo reconhecimento de valores que lhe permitem de
escapar à pressão social para afirmar-se como pessoa livre e responsável. A extrema
diversidade das formas de moral é a condição para que o sujeito tome consciência da
relatividade da moral que pratica e se interrogue sobre sua relatividade. A diversidade
da moral obriga à interrogação ética : esta diversidade obriga a fazer escolhas e,
portanto, a uma interrogação sobre o que pode fundamentar estas escolhas.

4. ÉTICA E NATUREZA : Impossível de ser definida, esta “natureza humana” está


sempre sendo pressuposta como referencial em relação ao qual a diversidade descrita
adquire um sentido. O primeiro sentido da palavra natureza pode ser entendido como
ambiente natural. A relação do homem com a natureza é de adaptação. O segundo
sentido pode ser necessidades naturais. Existe uma necessidade consciente puramente
natural que não entre imediatamente em relações simbólicas complexas que dê um
sentido particular,...humano ? Em vez de falar de um livro, é melhor falar em partitura
musical onde estão escritas a altura e duração das notas ; é preciso porém a presença
de instrumentos e instrumentistas para que esta escritura possa tornar-se música
medíocre ou extraordinária !

O autor oferece uma visão mais indutiva da reflexão ética a partir da questão que
formulou inclusive como título de sua obra : como fazer para fazer bem feito ? É um
livro sem pretensão mas que oferece bons subsídios para introduzir as pessoas não
iniciadas a uma reflexão ética. Nos parece estar mais dentro de um paradigma de moral
renovada, dentro de uma visão mais marcada pela problemática européia : não existe
nada a propósito de questionamentos morais mais econômicos ou políticos. A
preocupação é ajudar as pessoas como indivíduos a agir e questionar seu agir tão
individual quanto coletivo de modo a fazer bem feito !

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