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Segundo Paul Heelas1, existe uma língua franca fundamental

empregada por todos aqueles que podem ser enquadrados na categoria


“Nova Era”; William Bloom propõe algumas características desta língua
franca:
— Toda existência é manifestação do Espírito, do incognoscível.
— O objetivo de toda existência é proporcionar a manifestação do Amor,
da Sabedoria, da Iluminação.
— Todas as religiões são expressões da mesma realidade interior.
— Toda vida, tal como a percebemos através dos cinco sentidos
humanos e dos instrumentos científicos, é apenas o véu exterior de
uma realidade invisível, interior e causal.
— Os seres humanos são criaturas de natureza dupla com uma
personalidade temporária externa e um ser interior multidimensional.
— A personalidade externa é limitada e tende ao materialismo.
— O ser interior é infinito e tende ao amor.
— Nossos mestres espirituais são espíritos que se libertaram da
necessidade de encarnar e que manifestam sabedoria, iluminação e
amor incondicional. Alguns são bem conhecidos, outros são
desconhecidos e sua atividade é invisível.
— Toda vida, em suas diferentes formas e estados, consiste em energia
interligada.
— Embora façamos parte da dinâmica do amor cósmico, somos co-
responsáveis pelo estado dos nossos próprios eus, de nosso meio
ambiente e de todas as formas de vida existentes.
— No atual período, a evolução do planeta e da humanidade chegou a
um momento em que estamos vivendo um mudança espiritual
fundamental na nossa consciência individual e coletiva. É por isso que
se fala em Nova Era.
A melhor maneira de encarar a Nova Era é vê-la como um
conjunto de caminhos, que representam variações (algumas muito diferentes)
sobre o tema da religiosidade do eu. Alguns caminhos enfatizam uma forma
individualizada de espiritualidade, de modo que o locus fundamental de Deus
1
HEELAS, Paul, A nova Era no contexto cultural: Pré-Moderno, Moderno e Pós-Moderno,
em Religião & Sociedade 17/1-2 , Rio de Janeiro, agosto 1996
– ou da Deusa – é o interior do ser humano individual. Outros caminhos
enfatizam a espiritualidade que perpassa tudo que é natural, e que portanto
liga todas as pessoas à ordem cósmica das coisas. Outro ponto de
divergência diz respeito à natureza da interioridade. Bloom fala em “amor” e
“sabedoria”; outros preferem a linguagem da “energia” e do “poder”.
O problema é examinar como os adeptos da Nova Era encaram as
instituições, particularmente o capitalismo. Segundo Heelas, existe um
“núcleo central”, contra cultural da Nova Era: para esses seguidores da
religiosidade do Eu, as coisas do coração (termo que designa o que Bloom
chama de “ser interior”) prosperam de modo inversamente proporcional ao
engajamento no mundo capitalista. Acredita-se que a auto-realização ou
iluminação seja incompatível com as tentações e os envolvimentos
relacionados ao ego. Assim muitos adeptos contraculturais da Nova Era
tentam libertar-se das instituições da modernidade, em particular aquelas que
acarretam um compromisso com os valores materiais.
A segunda vertente da Nova Era está associada à modernidade de
um modo diverso. Com o advento do capitalismo triunfalista dos anos 80, um
contingente de adeptos da Nova Era passou a atuar no mundo das grandes
empresas. De modo geral, a língua franca utilizada por eles é a da
religiosidade do Eu: fala-se de libertar o administrador dos hábitos dos quais
ele se tornou dependente (e que estariam relacionados ao ego), deste modo
permitindo que seu Eu entre em ação. A natureza do Eu não é vista em
termos contraculturais (amor, tranqüilidade etc.); a iluminação do
administrador visa coisas como “afirmação”, “criatividade” ou “energização”,
tornando-o mais disposto a agir com “responsabilidade” e “autonomia”. O
executivo adquire também “sabedoria interior”, e acessa sua intuição para ter
sucesso nos negócios. Muitos capitalistas adeptos da Nova Era acreditam
que o sucesso no mercado é compatível com o progresso espiritual. Para
eles a prosperidade inclui o que há de melhor em ambos os mundos. Isto
significa que existe um acentuado sabor de utilitarismo, na medida em que o
Eu é acionado e tratado como um meio para chegar a fins materiais e
psicológicos. Assim, essas doutrinas da prosperidade podem ser localizadas
em termos de trajetória central da história cultural do Eu no Ocidente: o
desenvolvimento da idéia de que há algo interior que pode ser explorado e
aperfeiçoado e, deste modo, pode ajudar o indivíduo a atuar com maior
sucesso no sentido de obter aquilo que o mundo tem a oferecer. Embora os
executivos da Nova Era tenham os mesmos objetivos comerciais que os
administradores convencionais, o eu utilitário é “espiritualizado”. Este
aparente passo a frente não pode fazer esquecer uma veneranda tradição da
modernidade: a tendência a conceber a religião como instrumento utilitário.
Esta vertente está intimamente ligada à dinâmica utilitária da modernidade
capitalista. As doutrinas da prosperidade propõem-se a combinar a busca
interior com o valor instrumental. É precisamente este componente espiritual
que busca o “melhor dos dois mundos” que diferencia a Nova Era da filosofia
da globalização que caracteriza a produção e o consumo capitalista
convencionais.

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