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coed eo Y 4 : a FESS Ht e@ @ $4$$4$443454444444 +++4- 44444444. +++ Stttettt ttt thet ee ©-@ @f© ef *@ @ i Dll : J a) Existem pouquissimos livros fundamentais na histéria do design. Este é OR eee eRe meena te tees eee RCo Ta OO RCE OMe Mace CRO Mao Reet ens rcTCy Onan a eee ee conker Ce Gen tay tornou-se referéncia obrigatéria para quem quer entender a insergao do design na sociedade. Ao tentar descrever o impacto do livro sobre essa drea COR m tee een Case ene oer oa eee Peo een ene Oetker tig RUMOR R cit CM omrECRST MR Reet RrO na a e OCS Treo ona ae ORE RTE MSU Taos mando definitivamente a maneira em que concebemos 0 design. Mais de duas décadas depois, a Cosac Naify brinda o leitor brasileiro com Rec cien emma Scene een enemies Pe ACae een Teco Mee One ee erIet pelo autor para a presente edicio. Ao contrario de outros titulos populares CORON Che Te Oe ee nO te eo cant livro de historia manter sua relevancia durante tanto tempo, ao longo de transformagées culturais profundas, incluindo a reformulacdo quase com- pleta do préprio campo do design? (Nao custa lembrar que, ’ época de sua publicagio inicial, 0 Muro de Berlim estava de pé e muitos designers gréfi- cos ainda trabalhavam com letraset, régua T e lapis azul.) A resposta é sim- ples. Este é um livro de ideias, eas boas ideias nao morrem Da aae es Cen eer eet ey ER ORs en Rear eomcon sent ec mcn MUTE ete renber ett aD Coco temente do que havia sido feito até entao, o autor enfatiza as transfor- Deere on cern tara Rone neces mento do eseri- Cee EB cnn Moisteners Roem RR OE sien Once ees a eter tat Sees ose menses SOTERA orate enone Restate Cee Nene eee e eR tek cere € seu recurso a fontes primdrias, especialmente fotografias e impressos COR EEO teen MORE eeT eR Caro neem ste Re que olhamos para os objetos de design. A permanéncia dos mesmos nao OBJETOS DE DESEJO ape ager tradugao COSACNAIFY OBYHtOS Dis Design e sociedade desde 1750 ul 19 43 61 89 131 167 215 247 279 301 321 331 341 Prefacio a edico brasileira Introdugao Imagens de progresso Os primeiros designers industriais Design e mecanizagio Diferenciagao em design Olar Design no escritério Higiene e limpeza Eletricidade: 0 combustfvel do futuro Aeconomia de trabalho no lar Design e identidade corporativa Design, designers e a literatura sobre design Bibliografia indice PREFACIO A EDICAO BRASILEIRA Comecei a escrever este livro quando ainda se falava em “boa form: ou gute Form. Embora esse termo jé tenha cafdo em desuso, ainda na década de 1970 uma quantidade surpreendente de pessoas acreditava que o “mau design” nao era somente um desperdicio de trabalho e materiais, mas também corrompia a moral publica e era um sinal de degenerescéncia cultural. Nés, consumido- res, precisévamos ser protegidos do mau design. Essa ideia, de que 0 mau design era nao apenas danoso para aqueles que o compravam e usavam, mas ruim para todos, para a cultura como um todo, tinha uma longa tradigao que remontava ao Deutsche Werkbund, na Alemanha do comego do século xx, 20 movimento de reforma do design da Inglaterra da metade do século x1x e mesmo antes. Ao chegar.a0s anos 1970, essa tradigdo dava seus tiltimos suspiros, embora na época no soubésse- mos disso. Todas as indicagées eram de que o “bom design” estava com boa satide, Os professores ainda mandavam os estudantes de design ler Pioneiros do desenho modero, de Nikolaus Pevsner, e Art and Industry [Arte e Industria], de Herbert Read, dois livros que promoviam explicitamente a boa forma, sem qualquer aviso ou adverténcia contra as doutrinas que eles estavam prestes a absorver; com efeito, ndo havia nenhuma critica a que se pudesse recorrer para resistir 4 influéncia desses autores. —_——S—S Lembro dois episddios que me convenceram de como estava disseminada a ortodoxia da boa forma e como era dificil pensar historicamente sobre de- ign e sobre o campo que agora se costuma descrever como o da “cultura ma- terial”. O primeiro ocorreu numa conferéncia, em algum momento dos anos 1970. Eu acabara de dar uma palestra que ilustrara com alguns aspiradores de p6 que nao poderiam de modo algum ser considerados exemplares da boa forma. Apés a palestra, fui levado para um canto por duas pessoas da plateia e censurado, primeiro por ter mostrado objetos de design notoriamente ruim e, em segundo lugar, por nao ter emitido nenhum julgamento sobre a falta evidente de qualidade deles. Como nao percebia quanto isso estava errado? Ao nio criticar aqueles objetos, ao aparentemente justificé-los, no compre- endia eu que desfizera cinquenta, cem anos de trabalho de erradicagio do mau design? Certamente deveria saber que o dever dos profissionais do de- sign era proteger o ptiblico daquele tipo de coisa, e ali estava eu a fazer pro- paganda deles. E assim por diante. Nada que eu pude dizer para aquelas pessoas poderia absolver-me da ofensa que cometera Fiquei surpreso com essa reag%o, porque até entdo no me dera conta de quio apaixonada e dominante ainda era a crenca de alguns na boa forma. Aquela altura, jd haviam ocorrido varios fatos que me faziam pensar que as pessoas nao poderiam mais falar a sério sobre boa forma. Na Gri-Bretanha, 0 Grupo Independente, de artistas, arquitetos e criticos, promovera no inicio dos anos 1950 uma visio pluralista do design, pondo os produtos comerciais norte-americanos ao lado do alto design europeu, sem moralizagées sobre a superioridade ou inferioridade cultural de um ou de outro. Em 1971, 0 designer Victor Papanek produzit tuindo os argumentos morais da boa forma por outros baseados em preocu- pages ambientalistas e no hiato entre as culturas do primeiro e do terceiro mundo. E, vindo da Itdlia, o antidesign iconoclasta de designers milaneses como Ettore Sottsass jd era bem conhecido internacionalmente, gracas, em sua critica ambiental e ecoldgica do design, substi- particular, a exposigo de 1972 Itdlia: a Nova Paisagem Doméstica, no Museu de Arte Moderna de Nova York. Mas, se eu havia suposto que esses eventos significavam que a ideologia da boa forma acabara, estava errado: pelo menos na Inglaterra, ela ainda estava muito viva. O segundo episédio confirmou isso e também deixou claro como era difi- cil pensar design como processo social. Eu costumava frequentar 0 semindrio semanal do historiador Erie Hobsbawm e, certa semana, o trabalho apresen- tado por um estudante foi sobre o ensino de design na Inglaterra da metade do século x1x. Na discussio que se seguiu, Hobsbawm atacou os objetos expostos na Grande Exposigao de 1851, deixando claro que, na sua opiniao, o design deles era execrdvel e que bastava olhé-los para ver que, com efeito, havia de fato necessidade, e das grandes, de implementar uma reforma no en- oriador tao perspicaz em tantas outras quest6es, ao tratar de design, simplesmente repetia os mesmos argumentos desgastados que vinhamos ouvindo havia um século ou mais. Como podia alguém cujo julgamento sino do design. Fiquei surpreso ~ e desapontado ~ ao ver que um hii stérico era, em geral, tao agudo, ter a mente tao obscurecida pela nogao de boa forma, ao tratar de artefatos materiais? Se cada vez que se quisesse comecar uma discussio sobre bens manufaturados e seu papel na vida das sociedades modernas, se acabasse tendo uma discussdo sobre boa forma, que esperanga havia de que a historia das mercadorias fosse alguma vez levada a sério como um ramo da disciplina histérica? Objetos de desejo foi minha resposta. Olhando 0 livro em retrospectiva, hd alguns aspectos dele que a época pareciam corretos, mas que agora vejo que poderiam ter sido elaborados de maneira diferente, Em particular, h4 em suas paginas forte énfase no design como um aspecto da produgio, como resultado de decisées tomadas pelos produtores. Embora eu ainda defenda essa perspectiva como um modo de compreender as razGes da aparéncia das mercadorias, nao hd duivida de que, seas olharmos como um veiculo social, para o que acontece quando comegam acircular no mundo ~ que é 0 outro tema principal do livro -, 0s motivos dos designers e fabricantes e as intengdes que tém para seus produtos depois que 05 consumidores passam a usé-los nao foram, com a frequéncia devida, le- vados em conta no livro. Escolhi enfatizar as agdes dos produtores, em parte porque, & época, se conhecia pouco sobre consumidores e consumo; e, se 0 que eu ia escrever nao deveria ser algo totalmente especulativo, era melhor que me concentr: pa havia um interesse crescente, em particular nos campos da sociologia e dos na produgao, pois nessa drea havia pistas muito boas serem seguidas. Porém, mesmo quando eu estava escrevendo 0 livro, jé estudos culturais, pelo consumo. Isso se desenvolveu com rapidez e desde entdo houve enorme expansio no estudo do que se poderia chamar de “vida dos objetos”, e agora sabemos muito mais sobre o que acontece depois que eles entram no mundo ¢ comegam a circular. Inspirados, em particular, pelo socidlogo francés Pierre Bourdieu (cuja obra eu ignorava quando escrevi este livro), surgiram muitos estudos dos objetos como veiculos de interagio e troca social. Um exemplo cléssico ¢ a andlise que Dick Hebdige fez da lambreta, criada na Itdlia do pé -guerra principalmente para uso das mulheres, mas que foi adotada inesperadamente por uma subcultura masculina da Gra-Bretanha dos anos 1960 chamada mods.' Se houvesse mais material desse tipo disponi- vel na época, eu o teria incorporado — e com certeza, se 0 livro fosse escrito novamente, toda a argumentagao teria de mudar para refletir essa virada dos Uiltimos vinte anos na dirego do estudo do cons mo. Contudo, livros sobre histéria sao eles mesmos objetos histéricos e, como todos os livros de historia, este também pertence a determinado momento. 1 Dick Hebdige, “Object as Image: the Italian Scooter Cycle”, Block n. 5, 198. 10 INTRODUCAO Quase todos os objetos que usamos, a maioria das roupas que vestimos e mui- tos dos nossos alimentos foram desenhados. Uma vez que 0 design parece fazer parte do cc no, justifica-se perguntar o que ele é exatamente e como de tudo 0 que jé foi escrito sobre o tema, nao ¢ ficil encontrar surgiu. Apes respostas a es: 's quest&es aparentemente simples.’ A maior parte da litera- tura dos tiltimos cinquenta anos nos faria supor que o principal objetivo do design é tornar os objetos belos. Alguns estudos sugerem que se trata de um método especial de resolver problema , mas poucos mostraram que o design tem algo que ver com lucro e menos ainda foi apontada sua preocupago com a transmissio de ideias. Este livro nasceu da minha percepgao de que o design é uma atividade mais significativa do que se costuma reconhecer, especial- mente em seus aspectos econdmicos e ideoldgicos. Em particular na Gra-Bretanha, o estudo do design e de sua histéria softe de uma forma de lobotomia cultural que o deixou ligado apenas aos olhos e cortou suas conexées com o cérebro eo bolso. £ comum supor que o design seria conspurcado se fosse associado demais ao comércio, uma tentativa mal- concebida de higiene intelectual que nao causou nenhum bem. Ela obscureceu 0 fato de que o design nasceu em um determinado estgio da histéria do capi- talismo e desempenhou papel vital na criagdo da riqueza industrial. Limité-lo u a uma atividade puramente artistica fez com que parecesse fittl e relegou-o 2 condigao de mero apéndice cultural. sa atengao foi dada a influéncia do design em nossa forma de pensar. Aqueles que se queixam dos efeitos da televisdo, do jornalismo, da propaganda e da ficcdo sobre nossa mente esquecem a influéncia similar exer- cida pelo design. Longe de ser uma atividade artistica neutra e inofensiva, 0 A mesma esca design, por sua prépria natureza, provoca efeitos muito mais duradouros do que os produtos efémeros da midia porque pode dar formas tangiveis e per- manentes ds ideias sobre quem somos e como devemos nos comportar. Uma vez que design é uma palavra que aparece muito neste livro, é melhor definir jd seu significado. Na linguagem cotidiana, ela tem dois significados comuns quando aplicada a artefatos. Em um sentido, refere-se 4 aparéncia de beleza, das coisas: dizer “eu gosto do design” envolve usualmente nog ¢tais julgamentos sao feitos, em geral, com base nisso. Como ficard claro em seguida, este livro nao trata da estética do design. Seu objetivo nao ¢ discutir se, digamos, o design dos méveis de William Mortis era mais bonito do que os exibidos na Grande Exposigdo de 1851, mas antes tentar descobrir por que essas diferengas existiram. O segundo e mais exato uso da palavra design refere-se a preparaco de ins- trugdes para a produgao de bens manufaturados, ¢ este é 0 sentido utilizado quando, por exemplo, alguém diz “estou trabalhando no design de um carro”. Pode ser tentador separar os dois sentidos e tratd-los de maneira indepen- dente, mas isso seria um grande equivoco, pois a qualidade especial da pala- vra design é que ela transmite ambos os sentidos, ¢ a conjungio deles em uma nica palavra expressa o fato de que so insepardveis: a aparéncia das coisas é, no sentido mais amplo, uma consequéncia das condigdes de sua produgao. A histéria, tal como a utilizo aqui, esta preocupada com a explicagao da mudanga, ¢ 0 tema deste livro é, portanto, as causas da mudanga no design de bens de fabricagao industrial. Em outros aspectos da existéncia humana que foram estudados por hi storiadores — politica, sociedade, economia e alguma formas de cultura -, as teorias desenvolvidas para explicar a mudanga pare- cem muito sofisticadas em comparacao com aquelas utilizadas na histéria do design. Essa pobreza foi causada, em larga medida, pela confusio do design com a arte ea consequente ideia de que artefatos manufaturados sio obras de arte. Essa visio foi estimulada pela colegio ¢ exibigao de bens manufaturados nos mesmos muscus que exibem pinturas ¢ esculturas, e por boa parte do que 12 foi escrito sobre design. Assim, em livro recente, a declara¢ao de que “o design industrial é a arte do século xx” parece calculada para obscurecer todas as diferengas entre arte e design.* A distingao crucial é que, nas condigdes atuais, os objetos de arte sio em geral concebidos e feitos por (ou sob a dirego de) uma pessoa, o artista, enquanto isso nao ¢ verdade para os bens manufaturados. A concepgao ea fabricagao de sua obra permitem aos artistas consideravel autonom oque levou & crenca comum de que uma das principais fungdes da arte é dar livre expresso a criatividade e & imaginagao. Seja correta ou nao essa visto da arte, 0 fato é que ela certamente nio é verdade para o design. Nas sociedades capi- talistas, o principal objetivo da produgao de tefatos, um processo do qual o design faz parte, é dar Iucro para o fabricante. Qualquer que seja o grau de imaginagao artistica esbanjado no design de objetos, ele nao é feito para dar expressio & criatividade e & imaginagdo do designer, mas para tornar os produtos vendaveis e lucrativos. Chamar o design industrial de “arte” sugere que os designers desempenham o principal papel na produgao, uma concep- io errénea, que corta efetivamente a maioria das conexdes entre design ¢ os processos da sociedade. Quando se trata de explicar a mudanga, a confusio de design com arte leva uma teoria causal que to comum quanto insatisfatéria. Em muitas hist rias do design, a mudanga é explicada com referéncias ao cardter e a carreita de artistas e designers — pode-se dizer que o design de méveis de Chippen- dale ¢ diferente do de Sheraton porque Chippendale ¢ Sheraton eram pessoas diferentes, com ideias artisticas diferentes. £ quando tentamos identificar 08 motivos dessas diferengas que encontramos dificuldades, que se tornam mais agudas quando levamos em conta no apenas a obra de individuos, mas a apa- réncia de classes inteiras de bens que envolvem uma profusio de designers. Por que, por exemplo, o mobilidrio de escritério desenhado no comeco do século xx era completamente diferente do produzido na década de 1960? Falar de diferencas de temperamento artistico seria ridiculo. Os historiadores do design tentaram driblar o problema atribuindo as mu- dangas a algum tipo de processo evolutivo, como se os bens manufaturados fossem plantas ou animais, As mudangas no design sio descritas como se fossem mutagdes no desenvolvimento de produtos, estégios de uma evolugo progressiva na diregio de sua forma mais perfeita. Mas os artefatos nao tém vida prépria e nao hd provas da existéncia de uma lei de selecao natural ou 18 mecinica que os impulsione na diregao do progresso. O design de bens ma- nufaturados nao é determinado por uma estrutura genética interna, mas pelas pessoas ¢ as induistrias que os fazem e pelas relacdes entre essas pessoas ¢ in- diistrias e a sociedade em que os produtos serio vendidos.? Contudo, embora seja facil dizer que o design esté relacionado com a socie- dade, em raras ocasi6es 0 modo preciso como essa conexao ocorre foi tratado satisfatoriamente pelos historiadores. A maioria das histérias do design e da arte ¢ arquitetura trata seus temas de forma independente das circunsténcias sociais em que foram produzidos. Nos anos 1980, no entanto, entrou na moda referir-se ao “contexto social”. Por exemplo, Mark Girouard, em Sweetness and Light [Suavidade e Luz], livro sobre o estilo de arquitetura “Queen Anne” do século x1x, comeca descrevendo a recepgio do estilo pelos criticos e continua: O frenesi ea euforia parecem surpreendentes até examinarmos seu contexto, do qual ele emerge como algo préximo da inevitabilidade. © “Queen Anne” floresceu porque satisfazia a todas as mais recentes aspiracdes das classes médias inglesas.* Essas observagées so seguidas por umas poucas paginas de generalizacio sobre a sociedade do século x1x, apés que Girouard passa a descrever a obra dos arquitetos “Queen Anne” quase que inteiramente em termos arquitetoni- cos. Essas referéncias superficiais a0 contexto social so como as ervas ¢ os seixos em torno de um peixe empalhado numa caixa de vidro: por mais realis- tas que sejam, so apenas acessérios, e tird-los causaria pouco efeito em nossa percepgao do peixe. O uso do “contexto social” é quase sempre um ornamento que permite que 0s objetos sejam vistos como se tivessem uma existéncia aut6- noma, na qual tudo, exceto as consideragées artisticas, ¢ insignificante. Para os historiadores, a grande atragao do “contexto social” tem sido salvé-los do tra- balho de pensar sobre como os objetos se relacionam com suas circunstancias histéricas, e afirmagées imprecisas como a de Girouard ~ “algo préximo da inevitabilidade” - abundam em seus textos. O uso casual do “contexto social” é particularmente deplordvel no estudo do design, que, por sua prépria natureza, coloca as ideias e crengas diante das realidades materiais da produgio. Neste livro, portanto, a histéria do design é também a histéria das so- ciedades: qualquer explicag4o da mudanga deve apoiar-se em uma com- preensio de como o design afeta os processos das economias modernas ¢ éafetado por eles. “ Um dos aspectos de compreensio mais dificil nesses processos ¢ 0 papel desempenhado pelas ideias, pelo que as pessoas pensam do mundo em que vivem, Actedito que o design tem papel importante nesse dominio em parti- cular, 0 qual pode ser esclarecido, embora de um modo um tanto mecanico, tomando como referéncia a teoria estruturalista. Os estruturalistas sustentam que, em todas as sociedades, as contradicées perturbadoras que surgem entre as crengas das pessoas e suas experiéncias cotidianas sdo resolvidas pela in- vengio de mitos. Esses conffitos so tio frequentes nas sociedades avangadas quanto nas primitivas e os mitos florescem igualmente em ambas. Em nossa cultura, por exemplo, o paradoxo da existéncia de ricos e pobres e da grande desigualdade entre eles em uma sociedade que mantém a crenga no conceito cristdo de igualdade de todos ¢ superado pela histdria da Cinderela que é pro- curada por um principe e se casa com ele, provando que, apesar da pobreza, ela pode ser sua igual. Cinderela é um conto de fadas, ou seja, distante da vida cotidiana, mas hd uma profusio de variantes modernas (por exemplo, a secre- tdria que se casa com o patrdo) que permitem As pessoas pensar que o para- doxo nao ¢ importante ou néo existe. As hist6rias eram 0 meio tradicional de transmitir os mitos, mas, no século xx, elas foram suplementadas por filmes, jornalismo, televisdo e propaganda. Em seu livro Mitologias, o estruturalista francés Roland Barthes decidiu explicar 0 modo como os mitos funcionam e o poder que tém sobre nosso modo de pensar. Tomando uma variedade de exemplos que vio da linguagem dos guias turi imagens de cozinhas nas revistas femininas e As repor- tagens sobre casamentos na imprensa, Barthes mostrou como essas coisas aparentemente familiares exprimem todos os tipos de ideias sobre o mundo. Ao contrério da midia mais ou menos efémera, o design tem a capacidade de icos moldar os mitos numa forma sélida, tangivel e duradoura, de tal modo que parecem ser a propria realidade. Podemos tomar como exemplo a suposi¢ao comum de que o trabalho no escritério moderno ¢ mais amistoso, mais diver- tido, mais variado e, em geral, melhor do que o trabalho no escritério de “anti- gamente”. O mito serve para reconciliar a experiéncia da maioria das pessoas de tédio e monotonia no escritério, com o desejo de pensar que esse trabalho traz consigo mais status do que alternativas, como o trabalho na fabrica, onde no hd fingimento em relacio 4 monotonia. Embora os aniincios de emprego em escritérios, as histérias em revistas e as séries de televisdo tenham sido res: ponsdveis pela implantago na mente das pessoas do mito de que o trabalho 15 no escritdrio é divertido, socidvel e excitante, ele recebe sustentagio e credi- bilidade didria do mobilidrio moderno em cores vivas ¢ formas levemente ale- gres, designs que ajudam o escritério a se equiparar ao mito. Para os empresdi comercial. Todo produto, para ter éxito, deve incorporar as ideias que o torna- 8, a utilizagdo desses mitos é necessdria para o sucesso ro comercializdvel, e a tarefa especifica do design é provocar a conjungio entre essas ideias e os meios disponiveis de produgdo. O resultado desse processo é que os bens manufaturados encarnam inumerdveis mitos sobre o mundo, mitos que acabam parecendo tao reais quanto os produtos em que esto encarnados. Aextensa influéncia ea natureza complexa do design fazem com que esteja longe de ser facil trat-lo hist pela industria é infinito e até o design que parece mais insignificante pode ‘oricamente. O niimero de artefatos produzidos revelar-se extraordinariamente complicado. Em vez de fazer uma tentativa va de ser abrangente, decidi sugerir como a histéria do design de qualquer artigo manufaturado pode ser abordada, os tipos de questées que podem ser feitas eas respostas que o estudo de seu design pode oferecer. Embora eu discuta uma grande variedade de objetos neste livro, muitos deles em miniicia, minha escolha foi inevitavelmente um pouco arbitraria e hd muitos -asos em que ou- tro objeto teria ilustrado igualmente o mesmo argumento. Assim sendo, seria possivel afirmar que este livro poderia analisar um conjunto diferente de obje- tose, ainda assim, manter seu argumento original. Em vez de discutir todos os aspectos de cada design apresentado, uma abordagem que poderia tornar-se tediosa, escolhi tratar o design numa série de ensaios em que cada capitulo desenvolve um tema, Como nenhum objeto 6 tratado de forma exaustiva, devo deixar ao leitor que aprofunde os outros temas que surgem de cada objeto e seu design em particular. Embora os capi- tulos devam sustentar-se sozinhos, pretendo que, em conjunto, apresentem a significagao do design em nossa cultura ea dimensao de sua influéncia em nossa vida e mente. 1 Anthony J. Coulson, A Bibliography of Design in Britain 1851-1970, Londres, 1979, d boa indicagao da amplitude da literatura disponivel sobre o design britanico. 2S, Bayley, In Good Shape. Stylein Industrial Products 1900 to 1960, Londres, 1979, p. 10 3 P. Steadman, The Evolution of Designs, Cambridge, 1979, discute em detalhe os problemas das analogias com os seres vivos. 4 Mark Girouard, Sweetness and Light, Oxford, 1977, p. 1. 16 DBIBLOS DE DESI 0 ee — See. A a El OS OGOOCOOCOOEOO0G: 19698009099989809' NO) -(O) Lol Lele [8] (0) Le) of 10869809099989009' ODO CBGOCOOOEOOE0OG! N9 Lo [9s {B)» [9/0]. [9/0 Jol. {0), | OODOCOOCOOG0E0O! 19869809099989809" MOSBOOSCGOCOOOE0ECO' ARAROAOAAAAAANH AL CUUNG ENTS DLE PROURESSO Apesar de todos os seus beneficios, o progresso pode ser uma experiéncia dolorosa e perturbadora. Nossas reagdes a ele so frequentemente ambi- valentes: queremos as melhorias ¢ os confortos que ele proporciona, mas, quando ele nos imp@e a perda de coisas que valorizamos, compele-nos a mudar nossos pressupostos basicos e nos obriga a ajustar-nos ao novo e desconhecido, nossa tendéncia ¢ resistir. © que ¢ descrito como progresso nas sociedades modernas é, na ver- dade, sinnimo, em larga amplitude, de uma série de medidas provocadas pelo capital industrial, Entre os beneficios estio mais alimentos, melhores transportes e maior abundancia de bens. Mas é uma peculiaridade do capi- talismo que cada inovagao benéfica traga também uma sequéncia de outras mudangas, nem todas desejadas pela maioria das pessoas, de tal modo que, em nome do progresso, somos obrigados a aceitar uma grande quantidade de novidades a ele relacionadas e possivelmente indesejadas. A maquina a vapor, por exemplo, trouxe maior eficiéncia 3 inddstria manufatureira e maior velocidade aos transportes, mas sua fabricacao ajudou a transformar mestres artesos em trabalhadotes assalariados e fez com que as cidades aumentassem em tamanho e insalubridade. A ideia de progresso, no en- tanto, inclui todas as mudangas, tanto desejéveis como indesejaveis. 19 Receptor “Unit System” da Pye, 1922. Os rimeiros rédios nfo tinham receio de exibir- se como um conjunto de aparatos técnicos. Riidio “Beaufort”, 1932. A maioria dos primeiros aparelhos de ridio adotava a forma cde mobilia tradicional De The Cabinet Maker, 27 de agosto de 1932 © sucesso do capitalismo sempre dependeu de sua capacidade de ino- var e de vender novos produtos. Nao obstante, de modo paradoxal, a maio- ria das sociedades em que o capitalismo criou raizes mostrou resisténcia 2 novidade das coisas, novidades que eram to evidentes na Inglaterra do s culo xv111 quanto sao hoje nos paises em desenvolvimento. O que entio fez com que os povos das sociedades ocidentais estivessem preparados para aceitar produtos novos, apesar da ameaca de mudanca que representam? Uma vez que qualquer produto bem-sucedido deve superar a resisténcia & novidade, parece ser um axioma que os produtos do capital industrial bus- quem criar aceitagdo das mudangas que provocam. Entre as maneiras de obter essa aceitagéo, o design, com sua capacidade de fazer com que as coisas parecam diferentes do que sao, foi de extrema importancia. design altera 0 modo como as pessoas veem as mercadorias. Para dar um exemplo desse processo, podemos examinar o design dos primei- ros aparelhos de ridio. Quando as transmissdes comegaram, na década de 1920, os receptores eram uma montagem grosseira de resistores, fios e val- vulas. Os fabricantes logo perceberam que se quisessem vender rdios para que as pessoas os pusessem na sala precisariam de uma abordagem mais sofisticada do design. No final dos anos 1920 e come¢o dos 1930, desenvol- veram-se trés tipos de solucao, cada uma das quais apresentava a mesma mercadoria, o rédio, de uma maneira totalmente diferente. A primeira era alojar o aparelho em uma caixa que imitava uma mobilia antiga, e assim referia-se ao passado. A segunda era esconder o rédio dentro de uma pega de mobilia que servia para alguma finalidade bem diferente, como uma pol- trona. A terceira, que se tornou mais comum medida que as pessoas se familiarizavam com o rédio ¢ 0 achavam menos perturbador, era colocd-lo dentro de um estojo desenhado para sugerir que pertencia a um mundo fu- turo e melhor. Cada um desses designs transformou o rédio original, “pri- mitivo”, de modo a torné-lo irreconhecivel. As trés abordagens evidentes nesses aparelhos de rddio ~ a arcaica, a supressiva ¢ a utdpica— repetiram- se com tanta frequéncia no design industrial que se pode dizer que com- do design. pdem uma gramdtica basica do repertério da imagéti Se o design do século xx foi dominado pelas imagens utdpicas, os fa- bricantes do século xvi11 confiavam mais no modelo arcaico em seus es- forgos para superar a resisténcia & inovagiio.* Descrever o design como uma atividade que invariavelmente disfarga ou muda a forma do que supomos ser a realidade vai na direc oposta de muitos lugares-comuns sobre o de- sign, em particular a crenga de que a aparéncia de um produto deve ser uma expressio direta da sua finalidade, visio encarnada no aforismo “a forma segue a fungao”. A logica desse argumento é que todos os objetos com a mesma finalidade deveriam ter a mesma aparéncia, mas ébvio que es no é 0 caso, como mostra, por exemplo, uma olhada de relance na histéria da cerimica: produziram-se xicaras numa variedade infindével de formas. a1 Rédio *poltrona”, 1933. Alguns fabricantes partiram para odisfarce direto, incorporando seus aparelhos de ridios em outros tipos de méveis. De The Cabinet Maker, 25 de fevereiro de1933, P- 417. Design de aparelho de ridio, 1932. Asolusio altemativae que acabou por sera mais popular para edesign do aparetho de rédio foi usar formas “modernas sugerindo um produto ue pertenceria 20 futuro, De The Cabinet Maker, 17 de setembro ide 1932, P. 522. 22 Se 0 tinico propésito de uma xicara fosse servir de suporte para Iiquidos, poderia muito bem haver um nico design, mas as xicaras tém outros usos: como artigos de comércio, servem para criar riqueza e satisfazer 0 desejo dos consumidores de expressar seu sentimento de individualidade, e é da conjungao desses objetivos que resulta a variedade de designs. Muitos autores stentaram que é errado dar aos artefatos formas que no pertencam estritamente a eles préprios ou ao seu perfodo. Tal julga- mento nio constitui uma contribuigdo particularmente atil para a hist6ria do design. Certo ou errado, o fato é que, nos artefatos das sociedades in- dustriais, o design foi empregado habitualmente para disfargar ou mudar sua verdadeira natureza e enganar nosso senso cronolégico. Cabe ao his- toriador arrancar os disfarces, comparé-los e explicar a escolha de uma aparéncia em detrimento de outra, mas nao descartar 0 proceso. Os bens manufaturados variaram na aparéncia devido nao a imoralidade ou a in- tencionalidade de seus produtores, mas as circunstancias de sua produgao e seu consumo. A fim de compreender o design, devemos reconhecer que seus poderes de disfarcar, esconder e transformar foram essenciais para 0 progresso das sociedades industriais modernas. NEOCLASSICISMO: UM ANT{DOTO AO PROGRESSO As reagGes ao progresso sao mais reveladoras quando uma sociedade experimenta seus efeitos pela primeira vez. Na Gra-Bretanha, 0 desen- volvimento do capital ¢ da industria atingiu uma escala significativa no final do século xvit1. A maioria das pessoas que registraram suas impressdes das mudangas em andamento estava muito envolvida nos eventos e nao surpreende que, em geral, estivesse entusiasmada e s6 raramente mencionasse seus receios quanto aos efeitos negativos. Cien- tistas como Joseph Priestley, economistas politicos como Adam Smith ¢ empresdrios como Matthew Boulton, James Watt e Josiah Wedgwood compartilhavam a visdo de que o progresso era um processo benéfico que continuaria indefinidamente. Porém essas pessoas eram apenas uma parte pequena das classes mé- dia e alta da Inglaterra do século xvitt e seus pontos de vista eram nitida- mente radicais. Ha também provas de fortes posigGes contrérias. Assim, 0 dr. Johnson,} reconhecendo que os homens no eram mais selvagens, ad- mitia que houvera progresso no passado, mas que a humanidade jé havia atingido seu estagio mais avancado e nao via lugar para mais progresso no presente ou no futuro. Nio obstante, dr. Johnson e outros que compartilhavam de suas ideias mostravam muita curiosidade em relagao As mudangas que ocor- riam ao redor deles, as novas fabricas e os homens que as dirigiam. Os principais distritos industriais do final do século xvi11 - Birmingham, Manchester, as minas de carvao de Coalbrookdale ¢ as olarias de Staffor- dsl as paisagens mais interessantes do pafs e frequentemente retratados por artistas. Contudo, apesar da curiosidade, nem todos se entusiasmavam — eram visitados regularmente por viajantes, considerados entre com 0 que viam. Um viajante do século xvi11 que registrou suas opinides foi o ilustre John Byng, mais tarde visconde de Torrington, que empreendeu uma série de excursdes pela Inglaterra e Pafs de Gales entre 1781 e 1794. Nao era sua intengZo que seus didrios, publicados com 0 titulo de The Torrington Diaries, fossem impressos, ¢ a honestidade de suas opinides os torna muito valio- sos para o historiador. Embora Byng fosse um personagem extremamente conservador e mesmo reaciondrio, ele se aventurou a vi tar os novos cen- tros industriais, vendo-os invariavelmente com maus olhos assim que che- gava. Em 1792, escreveu sobre Aysgarth, no vale de Yorkshire: Mas 0 que completou a destruigao de todo pensamento rural foi a construgio de uma fabrica de tecidos de algodao em um lado onde, desde entio, paisa- gem e tranquilidade foram destru(das: falo agora como turista (como policial, cidadio ou homem de Estado, nao entro no assunto); as pessoas, de fato, en- contram-se empregadas; mas esto todas condenadas ao vicio causado pela aglomeragio... Quando nio esto trabalhando na fibrica, saem a invadir a propriedade alheia, pilhar e entregar-se a devassido ~ Sir Arkwright pode ter trazido muita riqueza para sua familia e para o pais; mas, como turista, execto seus projetos que, tendo invadido todos os vales pastoris, destrufram 0 curso € a beleza da Natureza; porque temos agora aqui uma grande fabrica deslum- brante, que absorve metade da 4gua das quedas acima da ponte. Com o sino tocando ¢ 0 clamor da fabrica, todo o vale perturba-se; traigo ¢ sistemas de nivelamento sio o discurso; ea rebelizo pode estar préxima.s 23 P. J. de Loutherbourg detathe de Coclbrook- dalea noite, dte0, 180, ‘As grandes indistrias, ‘como as fundies Coalbrookdale, em Shropshire, eram fonte de fascinioe admiracio para Viajantes e artistas do século xvi Alguns dias depois, ele ficou satisfeito quando perguntou a um homem se “o negécio do algodao nao beneficiava os pobres” eo homem respondeu: Apior coisa do mundo, em minha opinido, senhor, pois nao nos torna nem ma- ridos robustos, nem mogas recatadas; pois as criangas criadas numa fabrica de algodao nunca tém exercicio ou ar e so todas desavergonhadas ¢ atrevidas. Uma vez que Byng achava a indiistria manufatureira tao abominavel, 86 podemos nos perguntar por que ele visitou tantas vezes as cidades indus- triais. Parece que sua curiosidade era to forte quanto seu desgosto, ati- tude muito comum na época. O verdadeiro interesse de Byng eram as antiguidades. Ele viajava pelo pafs em busca de reliquias e desejava ter vivido numa época em que o pais ndo estava coberto por estradas com postos de pedigio e as terras nao eram cercadas. Seu gosto por antiguidades era compartilhado por muitos de seus contemporaneos, mas enquanto Byng, fiel ao seu conservadorismo e patriotismo, preferia antiguidades inglesas, outros cacavam avidamente reliquias gregas e romanas. O interesse pelas antiguidades classicas fazia parte do movimento neocléssico, que se desenvolveu nas décadas de 1750 e 1760 e dominou 0 gosto europeu no final do século xv1i1. O neoclassicismo pretendia recu- perar para a arte e o design a pureza de forma e expresso que julgava faltar no estilo rococé da p imeira metade do século xv1it e que era identificada naquilo que Grécia e Roma haviam produzido. Boa parte da inspiragao do neoclassicismo veio com a descoberta de Herculano, em 1738, e Pompeia, em 1748, eas excursdes 8 Itdlia para estudar as reliquias cldssicas ao vivo tornaram-se parte da educagao artistica. Também entrou na moda, pata 08 aristocratas cultos de toda a Europa, ir a Roma para ver, comprar e, em casos de extremo entusiasmo, participar de escavagdes.7 Os objetos procurados podiam ser antiguidades clssicas ou inglesas, mas 0s motivos eram semelhantes. O estudo das ru{nas gregas e roma- nas proporcionava inspiragdo para como deveria ser o presente. O para- doxo do gosto setecentista — uma época to fascinada pelo progresso e a0 mesmo tempo devotada ao estudo do passado distante — expressou-se em todos os produtos artisticos do neoclassicismo. Nao se tratava de repro- dugées servis da Antiguidade: eles usavam imagens e formas do passado, mas pretendiam expressar sentimentos modernos. As vezes, os efeitos parecem despropositados e contraditérios. Dr. Johnson descreveu a vida contemporanea em poemas que imitavam de perto 0 poeta romano Juve- nal, Construgdes novas, como as casas de campo do final do século xvi11, usavam formas e motivos da arquitetura antiga, mas tinham planejamento ¢ organizagao internos projetados para servir a propésitos decididamente modernos. Para popularizar 0 conhecimento cientifico da época, 0 médico ecientista Erasmus Darwin nfo usow a linguagem da ciéncia, mas escreveu um poema épico clissico, The Botanic Garden, publicado em duas partes, em Benjamin West: Etriria, 6leo, 1791-A pintura cde West da fibrica de Wedgwood a transforma numa cena da Antiguidade, Aesquerda: Josiah Wedgwood: c6pia do Vaso Portland, 1790. A produsio do biscoito lem jaspe preto foi um triunfo téenico, que Wedgwood divulgou reproduzindoo famoso ccamafeu do século 1 conhecido como ‘Vaso Portland. A direita: ingresso para ver acépia de Wedgwood do Vaso Portland, 1790. ‘Wedgwood transformou sua bem- sucedida reproducio do famoso vaso em um ‘evento social 26 THE PORTLAND VASE Gok Mae. Sotors detren Cak wd § 1789 € 1791, que foi um grande sucesso popular. Darwin descrevia delibera- damente a ciéncia com metéforas e imagens cldssica poder da maquina vapor, por exemplo, era descrito numa longa e elaborada metéfora que 0 equivalia & forga de Hércules. Hoje, 0 resultado parece despropositado e artificial, mas a popularidade do poema na época mostra que se tratava de uma maneira aceitével de comunicar ideias conhecimentos progressistas. Tao irrealista quanto o poema de Darwin é a pintura que Benjamin West fez da fabrica de Josiah Wedgwood em Etriria: mulheres decorado- ras em trajes de matronas romanas, em poses Linguidas clissicas, tendo ao undo cenas de trabalho artistico, dificilmente poderiam ser menos re- presentativas das condigdes reais da fbrica, famosa em toda a Europa por seus métodos avangados de manufatura e seu alto grau de divisdo entre os diferentes processos. Tanto isso era tipico da abordagem setecentista das novidades que, quando procurou anunciar suas habilidades técnicas de ceramista, Wedgwood decidiu reproduzir o Vaso Portland, a famosa peca romana de camafeu adquirida pelo duque de Portland em 1786. O objetivo das repro- dugdes nao era apenas provar que eram tio boas quanto os originais, mas também demonstrar a sofisticagio das técnicas de produgio correntes € sua superioridade em relago ao que qualquer design novo e original pudesse fazer. A inquietago com o progresso e um interesse compulsivo pelo pas- sado eram fenémenos relacionados. Em Decnio e queda do Império Romano (1776-88), Edward Gibbon descreve a Roma do segundo século depois de Cristo, a [dade do Ouro, como um lugar de paz e harmonia perfeitas, per- turbadas depois pela introdugao do cristianismo, vindo de fora. temente os historiadores questionaram esse retrato idealista da Idade do 6 recen- Ouro e argumentaram que, longe de ser estdtica, Roma passava por um perfodo de considerdveis mudangas internas, uma visio que nao teria sido bem recebida no século xv11t, pois teria privado a Antiguidade de uma de suas maiores atragGes. Para as classes ociosas daquele século, boa parte do prazer do estudo da Roma antiga e de colecionar suas reliquias vinha do contato que isso Ihes dava com uma civilizagdo que fora aparentemente estivel. © desejo de ver prineipios e designs clissicos aplicados & vida con- temporanea vinha, em parte, de uma vontade de suprimir da consciéncia a tendéncia perturbadora da mudanga. f claro que se pode argumentar que, por exemplo, quando Wedgwood introduziu © neoclassicismo no design de sua ceramica, ele o fez porque esse estilo estava na moda. Contudo, tal explicagio é incompleta, no sen- tido de que nao nos diz por que o neoclassicismo, e no outro estilo, es- tava na moda; para responder a isso e saber por que os consumidores do século xvi1t preferiam o neoclassicismo a alternativas, precisamos saber o que esse estilo significava para eles. Infelizmente, a reconstrugio das pre- feréncias dos consumidores no passado é uma empreitada histérica cheia de dificuldades e que, em geral, conduz a resultados insatisfatérios. Nao podemos confiar completamente nem mesmo nos relatos dos poucos con- sumidores que se digna thas, pois talvez no estivessem plenamente conscientes deles, ou nao os ram a articular e registrar os motivos de suas esco- tenham registrado na totalidade. Além disso, n3o podemos pressupor que as preferéncias de um consumidor fossem compartilhadas por outros, até mesmo outros da mesma classe, idade ou sexo. Nessas circunstancia: ° melhor que podemos fazer é indicar 0s fatores motivacionais que poderiam levar os consumidores a agir de uma maneira ou de outra em uma determi- nada época. Em geral, as melhores provas hist6ricas sobre preferéncias de consumidores vém dos fabricantes, dos quais podemos esperar, afinal, que soubessem avaliara tendéncia do mercado; desse modo, devemos valorizar © testemunho deles acima de qualquer consumidor individual. As experi- éncias de Josiah Wedgwood com 0 neoclassicismo confirmam, em larga medida, que, entre outras coisas, era o estilo que fazia as classes média e alta do final do século xvitt se sentir mais 4 vontade com o progresso. 27 28 WEDGWOOD: NEOCLASSICISMO NA PRODUGAO INDUSTRIAL Em 1759, quando Josiah Wedgwood terminou a sociedade de cinco anos com 0 ceramista Thomas Whieldon, em Stoke-on-Trent, no condado de Staffordshire, mudangas considerdveis estavam ocorrendo nas fabricas de ceramica ingl as. No inicio do século, poucas oficinas empregavam mais do que meia diizia de homens e a maior parte de sua produgio era vendida localmente. Em 1750, alguns ceramistas jd haviam aumentado suas vendas com a ampliagao de seus mercados para lugares mais distan- tes do pais e empregavam mais homens em suas oficinas. Em 1769, acre- dita-se que uma fabrica média de Staffordshire jé empregava cerca de vinte homens.* No final de sua sociedade com Whieldon, Wedgwood alugou uma ce- mica perto de Burslem e comegou uma produgao prépria, reconhecendo com perspicécia as oportunidades de negécio ali abertas. Como escreveu mais tarde, no comego do seu Livro de experiéncias que iniciava entao: “Eu via que o campo era espacoso € 0 solo tao bom que prometiam ampla recom- pensa a quem trabalhasse com diligéncia em seu cultivo”.» Sabemos como Wedgwood desenvolveu esse cultivo gragas a excepcio- nal série de cartas que es reveu a seu amigo Thomas Bentley. Essas cartas proporcionam um retrato espetacular da mente de um empresério nos pri- meiros estdgios da industrializacao, revelando os problemas que enfren- tava e as solugdes que encontrava."° Em particular, elas mostram a impor- tancia sem precedentes que o design teria na produgio de seus artigos. A demanda por artigos de ceramica aumentou constantemente durante co século xvi11, mas nao apenas devido ao crescimento da populagio. A nova popularidade do ché requeria tacas de ceraimica (uma vez que nao é possivel beber liquidos quentes com conforto num recipiente de metal), a0 mesmo tempo que a expansao colonial criava mercados no além-mar, Esses desdo- bramentos beneficiaram a indiistria como um todo e a maioria dos fabrican- tes aumentou seu comércio. Mas Wedgwood foi o mais bem-sucedido. Entre as raz6es do seu sucesso incomum estavam a racionalizagao dos métodos de produgdo em sua fabrica, suas criativas técnicas de marketing , particularmente, sua atengio aos produtos. Ele nio somente estava deci- dido a produzir objetos de qualidade muito superior a dos outros ceramistas, como também dava grande importancia a aparéncia de seus artigos. esses produtos da seguinte ma Na década de 1750, os principais produtos de Wedgwood e Whieldon, da mesma foma que os dos outros ceramistas de Staffordshire, eram uma cerfmica de alta temperatura e vidrada a sal, uma ceramica de argila branca vidrada em cores variadas e uma cerdmica de argila vermelha. Em seu Livro de experiéncias, Wedgwood descreveu os problemas apresentados por ira: A cerimica branca de alta temperatura (vidrada a sal) era o artigo principal de nossa manufatura; mas isso era feito havia muito tempo € os pregos estavam agora to baixos que os ceramistas nfo podiam gastar muito com ela, ou fazé-la tio boa em todos os aspectos quanto os artigos que tinham feito até entdo; e, em relagioa elegancia da forma, esse era um tema que recebia pouca atengao, O proxim igo em importncia depois da cerimica de alta temperatura era uma imitagio de casco de tartaruga, mas como nio houvera nenhum aperfeigoa- mento nesse ramo durante varios anos, o consumidor estava quase cansado dele; e, embora o preco tivesse baixado de tempos em tempos para aumentar as vendas, Oexpediente nao a iantou e era preciso alguma coisa nova para dar um pouco de alento 20 negécio, Eu jé fizera uma imitagio de égata, que foi considerada linda e um aperfeigoa- mento significativo, mas as pessoas estavam fartas dessas virias cores. Essas refle- xGes me induziram a tentar algum aperfeioamento mais sélido, tanto nos biscoi tos como nos vidrados, nas cores e nas formas dos artigos de nossa manufatura.' 29 Bule de ch4, canecae jarravidrados a sal, Staffordshire, 1750 Produtos tipicos das cerdmicas de Stafford- shire na metade do séeulo xv. ‘esquerda: bule de ché ‘moldado, vidrado verde, casco de tartaruga, provavelmente Wedgwood, 1765. Um bule desse estilo era escrito por Wedgwood como tipico de Staffordshire na metade do século xvi A direitasjarra de imitagdo de égata em argila vermelha com vidrados marrons, «1750. Exemplo ccaracteristico do tipo de utensilio de imitagio de gata descrito por Wedgwood 30 Em seus primeiros anos em Burslem, Wedgwood procurou desenvolver novos produtos para substituir os insatisfat6rios existentes. Sua primeira inovagio importante foi um vidrado verde, que inventou. Esse vidrado, combinado com um amarelo, era aplicado a cerdmica branca com orna- mento moldado, dando resultados vividos em cor € um tanto barrocos na aparéncia. Essa louga foi o produto bdsico de Wedgwood no comego da década de 1760. ‘Ao mesmo tempo, Wedgwood também aperfeicoava um vidrado creme para as ceramicas brancas. Embora esse tipo de ceramica jé fosse produ- zido em Staffordshire havia algum tempo, Wedgwood estava interessado em fabricar um vidrado que fe constantes na queima. Ele jé o havia aperfeigoado em 1765 ¢ por volta dessa se relativamente branco e desse resultados época comegou a produgio em larga escala da ceramica creme, decorada com esmalte pintado 4 mio ou com esmaltes aplicados sobre decalques impressos ~ um processo mais rpido desenvolvido por Sadler e Green, firma de Liverpool com quem Wedgwood fazia negécios. Em 1766, a louga creme jé era suficientemente bem-sucedida para que ele interrompesse a produgio da louga com vidrado verde. As observacGes de Wedgwood em seu Livro de experiéncias mostram que ele também estava preocupado com a forma de seus artigos, que julgava longe de satisfatér desenhos comegaram a mudar significativamente. As formas basicas da . Foi somente na metade da década de 1760 que os ceramica creme nao eram diferentes das da verde, embora 0 ornamento moldado fosse reduzido e, por fim, eliminado por inteiro; a mudanga ma notével ocorreu na decoragdo esmaltada, que podia ser muito intrincada e era aplicada 4 mao ou decalque depois que o biscoito era vidrado. Nos dez anos seguintes, até 1774, quando foi produzido o primeiro catélogo de Wedgwood, as formas continuaram a se tornar mais simples, com uma decoragéo que ficava cada vez mais neocléssica. A cerimica creme, ou “Queensware”, como Wedgwood rebatizou-a depois que a rai- nha Charlotte encomendou um servico dessa louga em 1765, tornou-se um enorme sucesso nacional e internacional. Como baixela, ela preen- cheu a lacuna entre a qualidade muito pobre da louga comum, feita em outros paises, ¢ os produtos de alta qualidade muito caros, das fabricas de porcelana real, como Sévres, Meissen e Copenhague. Seu sucesso de- veu-se muito também as qualidades essencialmente neocléssicas de pu- reza ¢ simplicidade de forma. Parece que, de inicio, Wedgwood nao se deu conta disso, mas quando Ihe disseram, em 1769, que a simplicidade era apreciada, ele procurou aperfeigoar sua Queensware nessa direcao." A popularidade da Queensware continuou a crescer até o final da década de 1770, quando parece que 0 mercado ficou temporariamente saturado. Wedgwood escreveu em 1778 que nio era mais “o artigo seleto que costu- mava set, pois toda loja, residéncia e casa de campo esté cheia dela”. Nao obstante, com mais refinamento e aspecto neoclassico mais deliberado, continuou a ser produzida século x1x adentro. A principal fonte de conhecimento de Wedgwood acerca do revival clas- sico era seu colega, amigo e depois sécio Thomas Bentley, negociante de Liverpool que exportava sua louga para as coldnias americanas e as [ndias Aesquerda: bule ‘Wedgwood imitando couve-for, vidrado verde ¢ 1759. Esse utensliosexéticos, de Produto padrio de Wedgwood no comeso da década de 1760. A direta: bule de ché Wedgwood com Vidrado eremee decorado com esmaltes pintados & mio, final dda década de 1760. Este € um dos primeiros produtos de ceramica creme, que substitufram 0s utensilios com vidrado verde. Ocidentais. Bentley era um homem culto, ciente das mudangas artisticas que estavam ocorrendo na Europa e com muitos contatos sociais. Em 1769, ele e Wedgwood se associaram para produzir “artigos ornamentais” (dis- tintos dos produtos da cerimica creme, conhecidos como “louga ttil”) na nova fabrica de Wedgwood, em Etniria. Bentley mudou-se para Londres e ficou responsdvel pela comercializagao nessa cidade."* Ele também levou seu conhecimento de arte para o design dos artigos ornamentais. Foi sob sua influéncia que Wedgwood revisou seus desenhos e comegou a produ- objetos ornamentais neocldssicos e a fazer também a louga do dia a dia deliberadamente neoclis Foi nos desenhos dos objetos ornamentais ~ vasos, urnas, estatuetas, ic: camafeus e placas de ceramica — que Wedgwood e Bentley foram mais fundo na aplicagao do neoclassicismo. Quando entraram nesse mercado, a cera- mica ornamental na Inglaterra ainda era barroca e pesada. A intuigo cer- teira de Bentley, de que poderia haver um mercado para ceramica ornamen- tal neocléssica, surgiu presumivelmente de seu conhecimento do que estava acontecendo no mobilidrio contemporaneo. O neoclassicismo, entre seus muitos outros efeitos sobre a arquitetura doméstica, introduziu a pritica da decoracio de interiores num estilo unificado, de tal modo que todos os Prato Wedgwood com vidrado creme e decoragio esmaltada com decalques aplicados, c.1775, Esmaltes pintados mio tinham producio lentaea introducio dos decalques acelerou ‘muito 0 processo de decoracao. 32 detalhes, frisos, méveis ¢ acessérios de uma sala transmitissem um conjunto coerente de referéncias 4 Antiguidade. Embora esculturas e vasos genuina- mente antigos fossem os ornamentos ideais para um interior neocldssico, e e tipo de artigo era escasso e os arquitetos e decoradores precisavam encontrar substitutos. Por exemplo, a decoracao de interiores do arquiteto James Stuart, um dos pioneiros do neoclassicismo na Gra-Bretanha, incot- porava urnas, jarros e tigelas que tinham de ser antiguidades genufnas ou imitagdes em madeira ou gesso. O arquiteto Robert Adam, consciente da falta de ornamentos adequados para os interiores neoclA que projetou na década de 1760, foi mais longe do que Stuart e projetou ele mesmo ornamentos, tais como os do aparador da Kenwood House, que ti- veram de ser todos feitos sob encomenda, as grandes urnas, de madeira pin- 20s das casas tada para parecer pedra ou cermica, e os objetos menores, de prata. insight mais imaginativo de Bentley foi perceber que a demanda por omamentos neoclssicos poderia ser satisfeita pelas ceramicas produzidas na fabrica de Wedgwood; ele foi o primeiro a ver que ceramica e neoclas sicismo, até entdo distantes entre si, poderiam associar-se. O casamento, realizado por Wedgwood e Bentley, no somente levou a novos desenhos de objetos familiares, como vasos, como também abriu a perspectiva para toda uma nova gama de produtos, tais como urnas, placas e camafeus, apropriados para o embelezamento de interiores neoclassicos. A adesio ao neoclassicismo transformou Wedgwood de ceramista comum, embora bem-sucedido, em lider do gosto de vanguarda, Wedgwood e Bentley preocuparam-se em fortalecer essa posigdo associando-se ao movimento n a3 ‘Aesquerda: James Stuart: detalhe de um design de interior, desenho,c. 1757: ‘Oarquiteto James “Ateniense” Stuart, pioneiro do design neoelissico na Inglaterra, projetava interiores ‘mobiliados com ‘omamentos antigos. ‘Umas e vasos do tipo que ele incorpora teriam de serantiguidades sgenuinas ou imitagées fem madeira ou gesso. 2 direita: catélogo de Queensware de Wedgwood, 1774 {As formas mostram alguma simplifcasio em relagio 20s produtos anteriores, mais barrocos, ea qualidade das gravagbesrealea ainda mais ccefeito neacssico os produtos, Robert Adam: design para um aparadorem Kenwood, 1768-69. (Os designs deinteriores dde Adam inclulam com frequéncia omamentos antigos desenhados com precisio, executados geralmente ‘em madeira e, 05 ‘menores, em prata. Ademanda por ‘omamentos antigos signficava uma oportunidad para ‘Wedgwood & Bentley. De The Works in Architecture of 8) Adar, 1778, 46:2, estampayi 34 neocldssico, em parte mediante seus contatos sociais, mas também se apro- veitando da familiaridade com os tedricos do neoclassicismo. Por exemplo, eles adoravam divulgar o fato de o conde Caylus, autor de um bem conhe- cido estudo em seis volumes sobre antiguidades cléssicas, lamentar que no houvesse equivalentes modernos dos antigos vasos etruscos, lacuna que~eles podiam agora anunciar~ seus produtos preenchiam.'s Wedgwood e Bentley obtiveram seu conhecimento de design clissico em parte de seus contatos com a aristocracia, que lhes mostrava e, as vezes, emprestava pegas de ceramica e esculturas antigas para estudar. Eles pos- suam uma grande colegio de livros sobre arqueologia classica publicados no século xvrit e Wedgwood fez amplo uso deles."* Ble também pensou em empregar um artista em Roma para estudar as antiguidades originais tico, mas esse plano no deu e comunicar as novas modas do gosto art em nada, embora tenha mais tarde subsidiado a viagem de John Flaxman a Roma.'7 Wedgwood utilizou esse conhecimento de antiguidades e fez com que seus artestios produzissem cépias exatas, ou entio reinterpretassem os originais classicos. Ele descreveu esse método com as seguintes palavras: Pretendo apenas ter tentado copiar as belas formas antigas, mas nao com ser- viddo absoluta, Tratei de preservar 0 estilo e 0 espirito ou, se quiser, a simpli- cidade elegante das formas antigas e, ao fazé-1o, introduzir toda a variedade de que era capaz, e isso Sir W. Hamilton me garante que posso me aventurar a fazer, € que ¢ esse 0 verdadeiro modo de copiar o antigo."* © método de Wedgwood, conforme a maneira aprovada pelo neoclas- sicismo, era antes melhorar do que copiar a Antiguidade. O trabalho de design era realizado por seus modeladores em Etriria, ou por artistas especialmente contratados com esse objetivo, sendo o mais famoso John Flaxman. Enquanto os artesios de Wedgwood podiam copiar antiguidades, ovalor de Flaxman estava em sua apreciacio do espirito do revival class sua capacidade de dar um ar cl um equivalente antigo exato."9 Os servigos de Flaxman eram importantes ico ico a produtos novos que nao tinham no design de camafeus ¢ bustos de pessoas vivas, e na decoragao em relevo de vasos e placas, temas que exigiam um conhecimento do classicismo para dar-lhes uma aparéncia antiga convincente. Ao contrario do que diversos livros sobre design sugerem, 0 desenvol- vimento de um estilo neocléssico por Wedgwood e Bentley para artigos ornamentais aconteceu gradualmente. Muitos de seus primeiros produtos decorativos eram de estilo barroco, com varios ornamentos e dourados na superficie, e 0 processo de refinamento dos desenhos e da produgao de artigos neoclés sicos convincentes demorou alguns anos. As mudangas fo- ram resultado de sugestdes de Bentley e de dicas de clientes conhecedores. Por exemplo, 0 maior antiquétio, Sit William Hamilton, aconselhou-os a abandonar a douragao dos produtos. Wedgwood achou ificil aceitar esse conselho e as exigéncias do neoclassicismo, pois eram opostas 2s suas no- ges de beleza em cerimica, e queixou-se a Bentley: Nao acho ficil fazer um vaso com a coloragio tdo natural, variado, agradvel diferente de um pote, a forma tio delicada, ¢ fazé-lo ter a aparéncia de que vale muito dinheiro, sem os aderecos adicionais de alcas, ornamentos ¢ dourados.*° 35 John Flaxman Jr: Blind Man's Buff (Nudez dos egos}, relevo de cera sobre ardésia, 178, Um de vitios desenhos A maneira antiga ‘executados por Flaxman para adecoracao das lougas omamentais de Wedgwood, ‘Aesquerda: Wedgwood Bentley: vaso ‘omamental com trés algas em Queensware, inicio da década de 1770. Muitos dos produtos de ‘Wedgwood e Bentley ‘eram obviamente mais rococés do que neocldssicos e desse ‘modo estavam mais proximos doque Wedgwood considerava ‘ornamental A direita: Wedgwood & Bentley: Saced to Bacchus, Sacred to Neptune (Consagrado a Baco, consagrado a Netuno} parde jars para vinho ‘© 4gua, basalto pro, 175. Umexemplo e artigo omamental em basalto preto desenvolvide no comeso da década de1770. 36 Nao obstante, Wedgwood estava bem consciente da atrac&o que 0 neoclassi- cismo exercia sobre seus clientes e nao hesitou em modificar seus desenhos conforme o conselho de especialista que recebera. Sua compreensio da forca da demanda por design neoclissico revelou-se quando escreveu a Bentley sobre uma determinada linha de produtos: “Eles certamente nao sao antigos ¢ isso é o suficiente para condené-los aos olhos da maioria de nossos clientes” Boa parte do interesse de Wedgwood em ceramica estava nas des- cobertas e nas inovacées técnicas; para tornd-las lucrativas, os sécios precisavam encontrar-lhes aplicagdes comerciais e, nesse sentido, 0 ne- oclassicismo foi valioso. Durante toda a sua vida, Wedgwood fez muita experiéncias com vidrados e biscoitos, e era fascinado por tudo o que ia para o forno. Su bém de um pesquisador experimental, motivo que o levou a ser eleito para a Royal Society. B para ele quanto a atividade empresarial e 0 comércio; 0 que o tornou tdo reputaco era no somente a de um fabricante, mas tam- xperimentos e inovagdo eram, portanto, tZo importantes excepcional foi o fato de que era talentoso em tudo isso. Em suas experiéncias, Wedgwood desenvolveu e aperfeicoou dois bis- coitos novos, um negro, nao vidrado, chamado “basalto negro”, e outro branco, fino, levemente transhicido, chamado “jaspe”, que em sua forma nio vidrada tinha uma textura semelhante 4 do marmore. Wedgwood criou também jaspes coloridos e, mais tarde, o “banho de jaspe”, um colorido de superficie para jaspe branco. Embora muitos dos primeiros artigos orna- mentais fossem feitos de barro vitrificado, a partir da metade da década de 1770 uma proporgio crescente foi produzida com esses novos biscoitos. © basalto negro, uma invengdo menos notdvel do que o jaspe, era usado principalmente em urnas e estatuetas, enquanto o jaspe foi desenvolvido originalmente para proporcionar um material adequado a boas reprodu- «Ges de gemas e camafeus antigos. Apés aperfeigod-los, os sécios queriam encontrar outras aplicagdes comerciais para eles. A solugio desse pro- blema foi propiciada pelo neoclassicismo. Percebendo que o jaspe se pa- recia com o marmore, Wedgwood e Bentley viram suas possibilidades no crescente mercado para ornamentos neocldssicos. Ele se prestava a urnas, jarros e placas com desenhos moldados em relevo, e Wedgwood passou a fabricar tudo isso em padrées antigos. No conjunto, os produtos foram um grande sucesso e satisfizeram perfei tamentea demanda por ornamentos neoclissicos. Entre os poucos produtos que nao se revelaram populares, estavam grandes placas de jaspe em relevo para colocar em frisos e consolos de lareiras. Apesar de sua usual habilidade na comercializagao, Wedgwood e Bentley ndo conseguiram vender esses pro- dutos, embora tenham tentado muitas vezes atrair o interesse de arquitetos e designers. Um dos abordados foi o arquiteto e paisagista Capability Brown, que advertiu Wedgwood de que os produtos eram inaceitaveis porque eram feitos de jaspe colorido; ele recomendou fazé-los de jaspe branco puro, de tal modo que se parecessem com mérmore.** Pelo menos dessa vez a facanha ‘Aesquerda: Josiah Wedgwood: Sacrifice to Aesculapius (Sacrificio a Esculdpiol, teste de ‘medalhio em jaspe azul ebranco, ¢.173, O desenvolvimento do jaspe foi uma proeza técnica, resultado de muita experimentaio, como mostra este teste. Depois de desenvolver material, Wedgwood precisava encontrar aplicagBes para ele. Adireta: Josiah Wedgwood: vaso ‘ornamental com relevo de Venus em seu carro puxado por cisnes, jaspe branco.com banho preto, 6.1784, Vasos e urnas ‘em formas antigas com ‘motivos da Antiguidade ‘ofereciam omamentos apropriados para os interiores neoclissicos. a7 Acima: Wedgwood técnica de Wedgwood ~ a aplicagio de cor ao jaspe—levou a produtos que Bentley: Bachinalan , pocesion Paton n tant! exam inusitados demais para serem aceitos pelos homens de bom gosto. placa em aspeazule © conselho de Brown era claro: sé a semelhanga com verdadeiras antiguida- place ojmdesag des daria aos artigos alguma possibilidade de sucesso. decoracio de interiores, Com efeito, essa era a base da politica adotada em geral por Wedgwood foram um fracasso. _ Bentley em seu marketing: os desenhos antigos encobriam as inovacdes Abaiso: Wedgwood t€écniicas e a novidade do produto era descrita no material de publicidade ‘& Bentley: placa de jaspe brancomostrandoascinco : a Musss,<1778.Segundoo Pats, Wedgwood era surpreendentemente discreto, pelo menos no inicio conselho deCapabiliy de sua carreira, quanto a suas inovagdes técnicas. Somente depois que a Brown, Wedgwood & Bent : ebaramdefeerplacssde demanda por seus artigos estava bem estabelecida, no final da década de jaspecolorideepassarama 1780, foi que ele julgou sensato chamar a atencdo para as mudangas téc- fanéas em jaspe branco, simulando mérmoree parecendo maisantigas. muito seletivo quanto ao que revelow a seus clientes. em termos mais reservados. Para um dos industriais mais progressistas do nicas ¢ industriais de que seus produtos eram resultado; mesmo entio foi 38 Embora Wedgwood e Bentley se referissem em seus catdlogos ao pro- gresso e aos “constantes aperfeicoamentos”, o objetivo dessas declaragdes parece ter sido chamar a atengdo dos clientes para a existéncia de novos produtos. Porém os principais avangos técnicos, o desenvolvimento de novos materiais e processos nunca foram diretamente mencionados nos primeiros catdlogos como inovagées. A maneira usual era descrever algo novo, como a encdustica, pintura com pigmentos e cera tratados a quente sobre lougas de “basalto”, que dava um efeito similar 4 ceramica etrusca, como sendo a “redescoberta” de uma arte esquecida da Antiguidade. Do mesmo modo, em relagéo ao design dos produtos, nao enfatizava sua novidade, mas suas origens antigas. No catélogo de 1779, os camafeus e Estes foram tirados exa- tamente das melhores gemas antigas”.** Uma vez que inclufam retratos entalhes eram apresentados com a declaragi de lorde Chatham, do papa reinante ¢ de George 11, isso nao era poss{- vel, mas tinha o efeito de chamar a atengio para a qualidade clissica dos desenhos. Antiguidade, e ndo novidade, era a qualidade comercializd- vel. Sentimento semelhante orientou a escolha do nome de Btriria para a fibrica de Wedgwood, que estava longe de ser etrusca na aparéncia na administragdo. Wedgwood e Bentley adotavam esse modo obliquo de anunciar suas inovagdes quando queriam que as pessoas soubessem delas. Mas quando introduziu métodos que no tinham nenhuma relagio com qualquer processo antigo, tal como a substituigdo de esmaltes pintados A mao por decalques impressos, Wedgwood preocupou-se em manter em segredo essas novidades, que tiveram importantes efeitos em sua produ- cdo e seus lucros.** A relutancia em divulgar algumas descobertas sugere que ele sabia que seus produtos eram populares porque no lembravam aos clientes os aspectos de progresso que seriam inaceitdveis para eles. Algumas das tentativas de Wedgwood e Bentley de conyencer seus clientes das qualidades antigas de seus produtos e processos novos pare- cem hoje ingénuas. Mas, se a propaganda era tosca, 0 uso que faziam do design para os mesmos fins era altamente sofisticado, e quanto mais exata era a referéncia que faziam as antiguidades, mais procurados se tornavam seus produtos. O objetivo deles nao era fazer as pessoas acreditar que al- gum de seus artigos era antigo, mas convencé-las de que os produtos, em- bora feitos por processos modernos, eram to bons ou até melhores do que os da Antiguidade. © valor muito especial atribuido a esse perfodo no Josiah Wedgwood: jarra de basalto preto decorada com pintura cencatistica,¢. 1770. ‘Anova técnica decorativa cde Wedgwood foi descrita como “a redescoberta, de uma arte antiga”, nogio reforgada pela forma etrusca desta jarra 39 Wedgwood & Bentley retratos em camafeu deGeorgem eda rainha Charlotte, jaspe azule branco, 1778. Muitos dos retratos em camafeu de Wedgwood ‘& Bentley eram de pessoas vivas, mas representadas A maneira dos camafeus antigos. 40 século xvii fez disso um modo muito eficaz de superar as reservas que os clientes poderiam ter em relacdo as suas inovagdes. De algum modo, a relacio de Wedgwood e Bentley com o neoclassi- cismo era pragmatica, O estilo nao era essencial em sua produgio, pois podiam e faziam artigos em estilos diferentes. Como observou Hugh Ho- nour, eles usavam as antiguidades com finalidade decorativa ¢ estavam, na verdade, perpetuando o gosto rococé por decoracao sob fantasia antiga.*> Nio obstante, se o neoclassicismo foi simplesmente mais um estilo deco- rativo para Wedgwood e Bentley, foi também muito valioso para 0 sucesso deles, gragas a0 poder tinico que teve no século xvii de tornar moda os métodos modernos de manufatura. NOTAS 1 Esses desenvolvimentos so descritos de forma mais completa em Adrian Forty, “Wireless Style. Symbolic Design and the English Radio Cabinet 1928-1933", Archi- tectural Assocation Quarterly, v. 4,n. 2, primavera 1972, pp. 23-31. 2 Algumas ideias sobre o imagindrio ut6pico foram sugeridas por W. Benjamin em “Paris, the Capital of the Nineteenth Century”, reimpresso em W. Benjamin, Charles Baudelaire: A Lyric Poet inthe Era of High Capitalism, Londres, 1973, pp. 155-77 [W. Ben- jamin, “Paris, capital do século xrx”, em Obras excolhidas, v. 3. Sao Paulo: Brasiliense 1993]. Manftedo Tafuri discutiu a significagio de utopia no design moderno em Architecture and Utopia, Cambridge, Mass., 1979 (M. Tafuri, Projecto ¢ Utopia. Lisboa: Presena, 1985), e em seu ensaio “Design and Technological Utopia”, em Italy, The New Domestic Landscape, editado por E. Ambasz, Nova York, 1972, pp. 388-404, € referiu-se ao tema em muitos outros escritos. 5 16 7 8 9 3 25 Samuel Johnson (709-1784), escritor e ensafsta inglés. Autor de poemas, do Dic- tionary ofthe English Language, de 1755, de uma edigdo das obras de Shakespeare, de 1765, entre outras obras. [N.E.] As reagdes de alguns artistas ¢ escritores do século xvitt a industrializagio esto descritas por FD. Klingender em Art and the Industrial Revolution, edigdo revista, Lon- dres, 1968. The Torrington Diaries, editados por C. Bruyn Andrews, Londres, 1934, v. 111, pp. 8-82. Ibidem, v.11, p. 92. Hugh Honour, Neo-Classcism, Harmondsworth, 1968. O relato da historia da indstria cerdmica de Staffordshire bascia-se nas seguintes fontes: J. Thomas, The Rise of the Stofordshire Potteries, Bath, x971; L. Weatherill, The Pottery Trade and North Staffordshire 1660-1760, Manchester, 1971; Wolf Mankowitz, Wedgwood, Londres, 1953; S. Towner, Creamware, Londres e Boston, 1978; N. McKen- drick, “Josiah Wedgwood: an Eighteenth Century Entreprencur in Salesmanship and Marketing Techniques”, Economic History Review, 28 série, v. X11, n. 3, 1960, pp. 408-33. Ver também N. McKendrick, J. Brewer e J. H. Plumb, The Birth of Consumer Society. The Commercalization of Eighteenth Century England, Londres, 1982. Citado em Mankowitz, p. 27. As cartas jamais foram publicadas em sua totalidade. Ha duas selegdes publicadas: The Letters of Josiah Wedgwood, editadas por K. B. Farrer, 2 vols., 1903 (obra referida a partir de agora como Farrer), com um volume suplementar, Correspondence of Josiah Wedgwood 1781-1794, 1902; a segunda & The Selected Letters of Josiah Wedgwood, editadas Por A. Finer eG. Savage, Londres, 1965 (referida como Finer e Savage), Citado em Mankowitz, pp. 27-28. Finer e Savage, p. 78. Idem, pp. 220-21 Ver N. MeKendrick, “Josiah Wedgwood and Thomas Bentley: an Inventor-Entre- preneur Partnership in the Industrial Revolution”, Transactions ofthe Royal Historical Society, 52 série, v. x1V, 1964, PP. 1-34. Farrer, . 1, pp. 377-78. Idem, p. 358; ¢ Finer e Savage, p. 149. Idem, v. 1, p. 428; ¢ Finer e Savage, p. 114; as relag6es de Wedgwood com Flaxman iscutidas em John Flaxman R. A, catélogo de uma exposigao na Royal Acade- my of Arts, Londres, 1979. Finer e Savage, p. 317. arrer, v. 1, p. 240. Idem, v1, p. 456. Idem, v. 1, p. 250, Idem, v. 11, pp. 341-42. O catalogo foi reeditado por Mankowitz (1953). Barrer, v.1, pp. 445-46. Honour, p48. 41 <> <>< <>< <> > _ o_o, — _, =, a, “ss 0089860809" OCOOGO8CO O09 OCOOBO8COG' 1969809099989008' Ne) {O) -Le) Lol@) -/@) /@) Le) of 19698090999890808' OGOOCOOCOOGOE8CO' 16698090999890098' NO) -(O) Lol Lele) (8) 8) Le) o) 10494020585 845480A8: OS PiRtilatyOos DESIGNERS; DTS WRUMS Na histéria de todas as industrias, o design torna-se necessdrio como uma atividade separada da produgao assim que um tinico artifice deixa de ser responsével por todos os estgios da manufatura, da concepgao a venda. Em muitas inddstrias, essa mudanga organizacional ocorreu no século XVIII; em poucas atividades se podem ver de modo to claro o surgimento do designer especialista e a importancia atribufda ao seu trabalho como na produgao da ceramica de Josiah Wedgwood. Embora nao tenha sido 0 primeiro mestre ceramista a distinguir entre as tarefas de projetar vasos e de fazé-los, ele atribufa mais valor ao trabalho dos designers do que ou- twos fabricantes. A NECESSIDADE DE UM PRODUTO CONSISTENTE A intencZo original de Josiah Wedgwood, como ele declarou de inicio, era ter sucesso nos negécios, obter “ampla recompensa” pelo trabalho dili- gente no que ele considerava um campo promissor. A realizagao dessa am- bigdo simples dependia de ser capaz de fazer mais produtos, vender mais também, se possivel, aumentar o lucro unitério. Todas as grandes mudan- 43 Showroom de Wedgwood e Byerley em Londres, 1809. Para ‘fo imobilizar capital emestoque, Wedgwood exibia na loja apenas amostras; os clientes faziam cencomendas a partir delas ou de catélogos. De Rudolph Ackermann, Repository of As, . 1,2, 1809. 44 gas que ele introduziu posteriormente na manufatura e venda de ceramica podem ser remetidas a esas trés condigdes de sucesso. Quando Wedgwood comegou sua produgio prépria, em 1759, 0s ce- ramistas vendiam suas mercadorias, em geral, mandando lotes de artigos prontos diretamente para mercados ou comerciantes, Embora vendesse parte de suas pegas dessa forma, ele adotou também a técnica nova de vender por encomenda. Em Londres e em outros lugares, montou vitrinas com amostras de seus produtos, mas sem estoque para venda.' Os pedidos dos clientes eram passados para a fabrica, que produzia os artigos e os en- tregava diretamente. Mais tarde, Wedgwood ampliou esse sistema com 0 envio de viajantes com caixas de amostras para todo 0 pais ¢ ao exterior, ¢ com a publicagdo de catélogos dos produtos, que os clientes usavam para fazer suas encomendas. Com esse método de venda, ele nao precisava em- patar capital em estoque no vendido nem corria 0 risco de fazer grandes quantidades de produtos pelos quais talvez nao houvesse procura Porém, vender a partir de amostras e catdlogos exigia que os produtos ti- vessem uma qualidade completamente uniforme. O cliente que comparava um servigo de mesa completo com base em umas poucas amostras esperava receber artigos iguais as amostras que vira. Manter uma uniformidade absoluta era um grande problema para a manufatura de cerimica; as solugdes de Wedgwood para isso estavam na origem de muitos de seus métodos de produgio. Nio era possivel confiar na reprodugio da ceramica verde, seu principal produto do comeco da década de 1760. A decoragio estava nos vidrados apli- cados sobre o ornamento moldado eo resultado dependia tanto das maos do vitrificador como das condigdes do forno, e nenhum deles era particularmente confidvel. Por mais charmosas que pudessem ser as variag6es nos vidrados, elas nao levavam a um produto uniformee, assim, tornavam a cerimica verde inadequada para o método de vendas que Wedgwood estava adotando. © objetivo dos experimentos de Wedgwood com a ceramica creme era encontrar um substituto mais confidvel para a ceramica verde. A ce- ramica de vidrado creme era produzida em Staffordshire desde a década de 1740 e deveria ser bem conhecida de Wedgwood. 0 biscoito de barro branco, que dava resultados constantes sob uma variedade de condig6es de queima, servia bem aos seus objetivos. O problema estava no vidrado, que tendia a variar de cor conforme a temperatura do forno, a desbotar, ficar com espessura desigual e rachar a superficie. Wedgwood precisava produzir um vidrado que fosse to confidvel quanto 0 biscoito e, em 1765, desenvolveu um que era razoavelmente satisfatdrio, embora tendesse a va- riar em cor e desbotar. Foram necessdrios varios anos para aperfeicoar um vidrado creme que desse um resultado totalmente uniforme. Nao era poss{vel confiar na louga verde porque parte da decoracdo po: sufa as cores do vidrado, que variavam de acordo com as condigdes da queima. Para superar esse problema na louga creme, Wedgwood no usou cores no vidrado, mas vitrificou as peg: A mfo, que eram aplicados depois da queima do vidrado e ento iam ao forno numa temperatura muito mais baixa. A esmaltagem era um processo confid- sem core decorou-as com esmaltes pintados vel que dava resultados constantes. Nao era novo, pois jé fora usado em por- celana.e, em Staffordshire, em uma cerémica de alta temperatura vidrada a sal, mas, como era uma técnica trabalhosa e cara, nao fora usada anteriormente em produtos de cerdmica de baixo valor. Grande parte da primeira esmalta gem de Wedgwood consistia em imagens e decoragées & mao livre num estilo atraente, embora um tanto floreado. Esses desenhos, sendo complicados ificeis de reproduzir com preciso, nio serviam para a produgao na quanti- dade pretendida por Wedgwood. Para evitar as variagGes e tornar mais barata a esmaltagem, ele experimentou decalques impressos, que eram aplicados 0s potes e cozidos. Com o tempo, a parte pictorica dos desenhos em esmalte sobre louga creme passou a ser aplicada em geral por decalques ¢ a mao dos pintores entrava apenas nas bordas e padrdes repetidos, que eram capazes de reproduzir com exatidao. O tinico fator que ainda dava espago para a variagao nos resultados era a habilidade de seus empregados. 45 ‘Acima: Tabuleiro de testes com vidrado creme de Josiah Wedgwood, inicio da década de 1760, Obiscoito de ceramica branca era confidvel, mas foi preciso ‘muita experimentagio para chegaraum Vidrado consistente e sem falhas. Abaivo, a esquerdas Ladrilho de amostras de Queenswarede ‘Wedgwood com. decorasies esmaltadas mio ou decalques impressos, ¢. 1800, Os ladrilhos de amostra cram levados por viajantes aos clientes para que pudessem escolhera decorasio paraos artigos que lencomendavam a partir de catélogos impressos. Abaixo, a direita: Detathe de compoteica de cermica creme de Wedgwood, metade dda década de 1760. Arachadura no Vidrado, comum nas primeiras cerdmicas de Wedgwood, era um dos defeitos que ele estava decidido a superar, 46 a7 ‘cima: Bule de café ‘em Queensware de Wedgwood, com ‘esmalte aplicado com decalque, final da década de 1760. Essa téeniea de esmaltagem oferecia um modo répido e confidvel de decorarceramicas. Centro: Bule de cha vidrado a sal, com decoragio esmaltada mio, Staffordshire, €.1755. Aesmaltagem era uma téenica aceita para decorarbules, mas cera um modo trabalhoso e pouco confidvel de produzirqualquer decoragio que no fosse ‘muito simples. Abaixo: Prato vidrado com casco de tartaruga de Whieldon, c. 1760. Eram imprevisiveis as variagGes nos vidrados verde edecascode tartaruga durante a queima ea execucio, isso era incompativel ‘com um negécio baseado ‘em encomendas por amostras ecatilogos, “FAZEN DO DOS HOMENS MAQUINAS” A intengio de Wedgwood de fazer da Queensware um produto consistente e uniforme nao poderia ser cumprida enquanto seus trabalhadores tivessem li- berdade para fazer variag6es idiossincréticas nos produtos. Em certa medida, essa liberdade jé fora diminu(da com mudangas que haviam acontecido nas olarias muito antes de Josiah Wedgwood entrar no ramo, Emboraa ceramica houvesse sido outrora uma indiistria artesanal, no sentido de que um tinico individuo era responsével por todos os estgios da produgio de um artigo, essa forma de produgio jé deixara de existir em Staffordshire antes do co- mego do século xvitt. A partir da década de 1730, sendo antes, os ceramistas se haviam especializado em uma das etapas do negécio, tais como modelar ou tornear, ou fazer o vidrado e o acabamento. Uma olaria tipica da metade do século xvimt compunha-se de varias oficinas, cada uma com empregados dedicados a uma tarefa especifica. Na década de 1750, na ceramica de Whiel- don, o trabalho estava dividido em pelo menos sete ocupacoes diferentes, € cada operdrio fazia geralmente uma nica tarefa.? Como virios artifices eram responsdveis pela produgao de um tinico artigo, nenhum individuo era capaz de fazer alguma mudanga importante no produto. Mesmo assim, os operdrios de cada estdgio ainda tinham certo con- trole sobre os resultados finais. Por exemplo: um operdrio empregado na aplicagdo de ornamentos moldados ao pote podia fazer pequenas varia- ges nos produtos, enquanto um homem trabalhando na vitrificagio podia causar mudangas maiores. Wedgwood queixava-se com frequéncia dessa aparente incapacidade dos operdrios de produzir resultados constantes, especialmente nos artigos ornamentais. Certa vez, escreveu a Bentley so- bre seus problemas: ..1] as misturas eas cores também, depois de toda a atengdo que podemos dar a.elas, sio passiveis de muitos acidentes e alterag6es, causados pela inabilidade falta de ideias dos trabalhadores (...] Por exemplo, quando as argilas esto perfeitamente misturadas para pro- duzir uma vivacidade e eetravagéncia na pega, se 0 operdrio dé a0 basto um des- vio na direco da borda, em vez de manté-las planas quando as poe dentro do molde, produz-se uma pequena fibrosidade, que o pote mostra, em vez de uma pega finamente variegada.+ Wedgwood jé demonstrara sua preocupagio com a uniformidade alguns anos antes, quando escrevera a Bentley que estava se “preparando para fazer dos homens méquinas que nao possam errar”.® Para sua louca creme, tanto quanto para seus artigos ornamentais, isso era indispensdvel para seu sucesso. Wedgwood tornou a execucdo do trabalho mais confidvel mediante a requalificagio dos homens ou com a divisio do trabalho em mais estdgios ainda, que pudessem ser supervisionados mais de perto. Ensinar os ope- rérios a trabalhar conforme padres mais altos do que os costumeiros nas ceramicas era lento e impopular. Dividir 0 proceso de produgo em mai: estdgios tinha a vantagem de que, para algumas tarefas, ele poderia utilizar mio de obra menos especializada. A introdugio da esmaltagem na cerd- mica creme é um exemplo excelente: nessa cerdmica, as duas fungOes de vitrificagdo e decoracao foram combinadas em um tinico processo de vitri- ficagio, mas essas duas etapas eram realizadas por dois grupos totalmente separados de pessoas cujas tarefas eram definidas por conjuntos exatos de instrug6es e controladas por supervisores.® Esmaltageme ‘modelagem numa fabrica de poreelana francesa, 1771. Adivisio de tarefas eaespecializagio dos operirios em cada ramo do trabalho eram ccaractersticas reconhecidas das fabricas régias de porcelana. Nisso, como na técnica deesmaltagem, Wedgwood estava aplicando a bens mais baratos métodos anteriormente reservados para bens de alta qualidade. DeLe Comte de Milly, "vArtde porcelaine”, estampa, ‘na Encyclopédie méthodique desans etméiers, ‘Académie des Sciences, Paris, 1773. 49 Adivisfo do trabalho na ceramica em 1827, Estas ilustragées, que mostram a execugio de rmoldes, gravagio para decalques, modelagem e compressio de moldes, slo de um livro que descrevia os dezoito estégios distintos, realizados pordiferentes pessoas, nna produgdo de artigos de cerimica, No comeso do século xm, jase aceitavaa ‘completa divisio do trabalho na produgio de ceramicas. De ‘A Representation ofthe ‘Manufacture of Earthenware, publicado por Ambrose Cuddon, Londres, 1827. © VALOR DOS MODELADORES Enquanto a cerdmica foi uma indiistria artesanal, como era em Stafford- shire até o final do século xvi1, a forma de um produto era, com toda pro- babilidade, decidida pelo homem que o faria. Porém, quando a manufa- tura foi dividida em processos realizados por diferentes trabalhadores, foi necessdrio adicionar mais um estagio, o da preparacio de instrugées para 08 varios operdrios: na verdade, um estagio de design. O trabalho de projetar, ou modelar, como era conhecido nas ceramicas, tornou-se um estdgio distinto e separado na produgiio de artigos de barro, embora fosse provavelmente feito por um artesio ou pelo mestre oleiro que trabalhava na mesma fibrica. Na década de 1750, a modelagem nao somente foi reconhecida como uma atividade separada, como também havia individuos descritos como modeladores cuja tinica tarefa era fazer protétipos para servir de base aos outros artifices. Por exemplo, William Greatbatch, que depois passou a trabalhar por conta propria e a fornecer muitos dos biscoitos que Wedgwood queimou com seu vidrado verde, ha- trabalhado na década de 1750 como modelador para Whieldon.’ O sucesso das tentativas de “fazer dos homens maquinas” dependia da exatidao das instrugdes dos modeladores, pois, se nao fossem preci- sas, era imposstvel evitar que os trabalhadores introduzissem variagdes no trabalho. Os bons modeladores tornavam-se cada vez mais indispensdveis para Wedgwood & medida que se reduzia a liberdade dos artifices de con- trolara forma dos produtos. Isso valia sobretudo para a louga creme, cujo engenho estava todo voltado para obter uniformidade. O valor do mode- lador na preparacao de um design exato aumentava com o ntimero de ar- tigos feitos a partir dele, porque estava, em certo sentido, assumindo uma fragao do trabalho que costumava ser feito pelos artestios cada vez que do trabalho do modela- dor podia ser efetivamente calculado como a soma do valor de todas aque- las fragdes do trabalho dos artesdos. Devido A importancia de seus servigos, os modeladores eram os trabalhadores mais bem pagos das cermicas. Em 1769, Arthur Young registrou que um modelador recebia um saldtio de cem libras esterlinas por ano, aproximadamente o dobro de um artesdo qualificado, que ganhava entre sete e doze xelins por semana; o escultor John Flaxman, que trabalhava como freelance para Wedgwood, recebia um confeccionavam uma ceramica. O valor monetai guinéu (equivalente a vinte xelins) por dia para preparar designs.* Apesar desses ganhos aparentemente altos, os saldrios dos modelado- res ndo correspondiam necessariamente ao valor de seu trabalho. Se este excedesse aos saldrios pagos, a diferenga seria lucro para o empresdrio. Uma vez que os modeladores recebiam uma taxa fixa e no royalties por seus designs, a margem do empregador também aumentava com o nii- mero de mercadorias produzidas a partir de um mesmo desenho. O uso de modeladores abriu, assim, caminho para maior lucratividade. Nao foi somente a divisio do trabalho nas ceramicas que tornou os modeladores indispensdveis para Wedgwood. 0 valor deles ficou ainda mais claro quando comegou a mudar o estilo de seus artigos. Uma vez que ‘0 neoclassicismo se originou longe de Staffordshire, nos centros da moda de Londres e do exterior, os modeladores convencionais das cerimicas ti- nham pouca ideia dos tipos de efeitos que se lhes exigiam, bem como relu- tavam, em geral, em abandonaras ideias tradicionais que lhes haviam sido transmitidas sobre a forma apropriada dos produtos. Wedgwood tinha dificuldades constantes para encontrar modeladores que pudessem criar designs no estilo antigo, tanto para os artigos ornamentais como para os 52 utilitdrios. Uma carta de 1767 descreve bem os problemas que ele tinha recorrentemente com seus modeladores: Recebi o modelo ¢ o molde de terrina, cujas imperfeigdes voce descreveu tio precisamente em sua iltima carta que s6 preciso dizer que sua exposicao sobre elas niio estava exagerada. Receio que o st. Chubbard nao serd muito ttl para 1nés, o que me deixa ainda mais preocupado, pois ele parece tio bem disposto a dar o melhor de si para nds (...] A tertina, de fato, é notavelmente defeituosa na forma de todos os extremes ¢lades que ndo correspondem de modo algum uns aos outros. H4 a mesma falha nos ornamentos, no topo do prato e na cobertura. Os ornamentos grava- dos nao esto terminados, o conjunto mostra uma tal caréncia daquela maestria necessdria na execugio desses trabalhos que me desestimula bastante pensar em empregé-lo novamente como modelador.® Wedgwood acabou por resolver o problema empregando artistas de fora da indiistria ceramica para fazer a modelagem. Estes compreendiam os prine{pios do neoclassicismo e podiam usé-los para dar aos produtos mo- demnos o cardter de antiguidade. De inicio empregou artistas modeladores em suas fabricas, mas concluiu que eles também perturbavam: seu sen- timento de independéncia artistica nao os tornava propensos a seguir a rotina rigida que Wedgwood esperava dos outros trabalhadores e amea- gavaa disciplina e os padrées de trabalho que ele tentava impor. Sobre esse problema, escreveu certa ocasido: Oh, por uma diizia de bons e humildes modeladores em Etriria por um par de meses! Que criagdes, renovacdes e geragGes deverfamos fazer! Bem , I ta ¢ calmamente devemos prosseguir com nossas préprias forgas naturais, pois rio terei mais exceletes modeladores aqui; por mais que eu desejasse sua pre- senga, eles corromperiam e arruinariam a nds todos. Fui obrigado a mandar embora Radford. As horas que ele escolhia para trabalhar teriam arruinado homens dez vezes melhores do que ele."® As experiéncias de Wedgwood com artistas em sua fibrica o convenceram de que no devia empregé-los dentro das oficinas, mas encomendar ou comprar desenhos deles. Foi nessa base que negociou com John Flaxman, que trabalhava em Londres e mandava seus designs para Etruria. A ope- ragio de design tornou-se assim ndo apenas separada, como geografica- mente distante da manufatura dos artigos de ceramica. Wedgwood compreendeu evidentemente que havia vantagens comer- ciais na utilizagao de artistas para desenhar suas lougas. A medida que es- tabeleciam uma identidade prépria mais forte, as classes médias e altas procuravam se distinguir por gostos exclusivos e da moda. Os artestos provincianos da classe trabalhadora ignoravam essas modas e Wedgwood foi obrigado a achar homens que tivessem contato com a alta sociedade e com o gosto dominante. Em uma carta a Bentley, deixou claro que acre- ditava que os clientes valorizariam mais a obra de académicos do que de executores comuns de moldes de gesso, como o pai de John Flaxman, a0 qual se refere: Eu Ihe escrevi em minha tltima carta sobre bustos, suponho que aqueles que estdo na Academia sio menos vulgares € melhores em geral do que os que as oficinas de gesso nos podem fornecer; além disso, soard melhor dizer que isso é da Academia, tirado de um original da Galeria tal, do que dizer que o recebe- mos de Flaxman. Embora as demandas do neoclassicismo dessem a Wedgwood um mo- tivo particular para fazer uso de artistas para desenhar seus produtos, a introdugio do design como uma atividade de especialista foi global no de- senvolvimento de todas as manufaturas, andando de maos dadas com a divisdo do trabalho. De outro modo, sem um conjunto de instrugdes para orientar o arteso, a manufatura de qualquer objeto teria toda a imprevisi- bilidade de um jogo, a medida que um homem apés o outro acrescentasse seu trabalho ao produto. design podia ser preparado por um artesiio que trabalhava o resto de seu tempo em outra fungdo na fabrica ou projetado por um artista ou designer profissional morando numa cidade distante ¢ enftonhado nas til- timas modas ¢ ideias, mas a natureza do trabalho era a mesma e devia suas, origens & mesma causa. Embora o designer profissional pudesse ser capaz de conceber um produto muito mais elegante e vendével, 0 fato de que havia trabalho para ele nao era consequéncia de seu génio inventivo, mas da divisao do trabalho na fabrica. 33 DESIGN E © PROCESSO DO TRABALHO: A ELIMINAGAO DO ACASO ‘Uma vez tendo um design preparado para seus produtos, era natural que 0 fabricante quisesse reproduzi-lo com a maior exatidao possivel. O designer podia fazer muito para assegurar que seu trabalho fosse de um tipo que os artesios, com as habilidades e ferramentas de que dispunham, seriam capa- zes de reproduzir com precisao e uniformidade. Em quase todas as indiistrias, uma das primeiras condigées que um desenho precisava cumprir era a de dar resultados homogéneos em sua execuco, pois um produto que apresentasse variagdes eventuais seria julgado falho, com razdo. Portanto, quase todos os desenhos tinham caracteristicas comuns a fim de usar os meios disponiveis de producao - méquinas ou mios de artifices — de tal modo que 0 acaso e a variagdo fossem eliminados. A maioria das histérias do design que discutem a Queensware de Wedgwood enfatiza seu neoclassicismo. Com certeza, ele estava interessado em que seus artigos tivessem uma aparéncia neockissica, mas esse tipo parti- cular de neoclassicismo estava relacionado com 0 modo como os potes eram feitos e com a organizagio de sua fibrica. Alguns historiadores do design su- geriram que as formas suaves ¢ regulares da Queensware foram resultado dos métodos mecénicos de producio. Por exemplo, Herwin Schaefer declarou em ‘The Roots of Modern Design [As raizes do Design Moderna] que a Queensware foi “aperfeigoada e padronizada em formas que podiam ser facilmente produzidas por meios mecanicos”."* Por mais obcecados que Schaefer e outros historia- dores estivessem pela nogdo de que a introdugao de médquinas deve ter sido a causa principal das mudangas no design, no hé provas de que qualquer revolugdo mecanica na industria ceramica na época de Wedgwood justifique a descrigao de Schaefer. As técnicas de modelar na roda, moldar e tornear a Queensware eram exatamente as mesmas usadas para a cerdmica verde e, na verdade, as mesmas que vinham sendo usadas na indiistria da cerdimica desde pelo menos trinta anos antes de Wedgwood entrar no negécio." Embora ele tenha introduzido um torno de girar mecanico, muito enfatizado pelos his- toriadores, tornear era uma arte tradicional que a maquina nao fez mais do que acelerar.'s A fama de Wedgwood como produtor nao se baseia no uso de méquinas, mas no modo como ele organizou os trabalhadores em sua fibrica. Portanto, é nas suas inovag&es nessa drea que devemos procurar as conexdes entre o design de objetos de cerimica e os métodos de produgio. O que levou Wedgwood a adotar novos desenhos para suas lougas foi a necessidade de encontrar uma maneira de criar variedade, sem au- mentar os custos de produgio e sem ter de aceitar irregularidades e in- consisténcias no trabalho. Os seus clientes esperavam opgdes de design e, com efeito, clamavam constantemente por novos modelos. Seu produto original, a ceramica verde, fora notdvel pelo grande mimero de designs moldados e pela variedade de efeitos de vitrificag4o. Porém a imprevisibili- dade dos vidrados tornava as lougas inadequadas para venda por amostras e catélogos. Além disso, a produgdo de novos artigos moldados era cara devido ao custo de capital dos moldes exigidos e do tempo perdido pe- los trabalhadores na mudanga de um modelo para outro, Em uma carta a Bentley, escrita quando tentava baixar o coeficiente de trabalho por pega, Wedgwood referiu-se a esses problemas: ive varias conversas sérias com nossos homens das oficinas ornamentais ulti- mamente sobre o preco de nosso trabalho ea necessidade de baixé-lo, especial- mente em vasos para flores, tigelas e bules de ch4, e como acho que a principal razdo que impede reduzir seus pregos é a pequena quantidade feita de cada um, que cria problema tanto em afinar a viola como em tocar a cangao, prometi-thes que fardio diizias de vasos, bules e tigelas também, com tanta frequéncia quanto Molde para bule de ché couve-for”, 1760. Acxecucio de moldes eracara eavariedade de bules era limitada 0 niimero dos diferentes mold 55 ‘Acima: Josiah Wedgwood: livro de formas de pratos, 6.1770. Muitas das, formas tinham tragos rocoeés, o que restringia avariedade de padrbes de cesmaltagem que podiam ser aplicados, ‘Abaixo: Josiah Wedgwood: pagina do liwo de padres para decoragio em esmalte para Queensware, ©. 1780, Os clientes podiam escolhera partirde ampla gama de decoragées um ‘ndimero limitado de formas. ‘ousemos nos aventurar em tais quantidades (...) Consegui agora um livro para meu préprio uso e especulagio, com o custo do trabalho empregado em cada produto, ¢ prosseguirei no mesmo caminho em que penso que hd espago para isso, ¢ a consequéncia infalivel de baixar o preo do trabalho sera um aumento pro- porcional da quantidade produzida; e se vocé olhar para as colunas de célculo e vir quo grande é a participagdo de Modelagens e Moldes e s trés colunas seguintes nas desp sas da manufatura de nossos bens, e considerar que essas despesas avangam como um relégio ¢ so muito parecidas, seja grande ou pequena a quantidade de bens produzidos, vocé verd a vasta consequéncia, na maioria das manufaturas, de fazer a maior quantidade poss(vel em um tempo dado.*5 Nos artigos ornamentais, aos quais se refere essa carta, as quantidades produzidas no eram nada parecidas com as de loucas utilitérias, nas quais economias ainda maiores poderiam ser feitas com a reducao do niimero de modelos. Para conseguir essa reducdo, ao mesmo tempo que continuava a satisfazer a demanda dos clientes por variedade, Wedgwood decidiu, na Queensware, limitar 0 niimero de formas, mas oferecer uma gama mais ampla de decoragao esmaltada, que era aplicada nas lougas de- pois da queima, um proceso relativamente simples Quando faziam as encomendas, os clientes tinham grande opgio de de esmalte motivos decorativos: em 1774, havia 3x diferentes aplicag6: em oferta, além dos acabamentos lisos e dourados. Isso significava que Wedgwood nao precisava imobilizar capital com grande estoque de designs diferentes, pois o ornamento esmaltado sé precisava ser aplicado apés 0 re- cebimento da encomenda, Depois que decidiu concentrar todo 0 trabalho de decoragao na esmaltagem, o custo de decoracao, fosse pelo processo ba- rato de decalques aplicados ou pelo mais caro de pintura 4 mao, no variava muito se houvesse um design ou cem. A tinica dificuldade era que cada ar- tigo deveria seguir igualmente cada design. Artigos com muitos motivos em relevo deixavam poucas opgdes na decoracio ~ embora um prato de borda de pluma pudesse ser apropriado para um padrao floral, ele nao acei- taria um padrio geométrico. A fim de tornar os desenhos da Queensware adequados para uma ampla variedade de padrées esmaltados, faziam-se necessdrias formas simples com grandes superficies lisas. E acontece que as formas neoclssicas satisfaziam essa exigencia muito melhor do que as rococés que Wedgwood e outros fabricantes vinham produzindo. 87 ‘Thomas Baxter: Workshop of the Ari's Fther Oficina do aid artista}, Gough Square, Londes, aquarela, x80. smaltadores decorando cerimiea, que neste caso nfo era Wedgwood, desenvolvimento de formas apropriadas tanto aos métodos de fabrica- io como A satisfagao dos gostos do mercado foi obra do design. Nao teria sido suficiente que os desenhos simplesmente apelassem para 0 gosto de meados do século e das classes média e alta, ou que se pudesse confiar nos artesios para repeti-los com coeréncia; a faganha dos modeladores de Wedgwood foi chegar a formas que fundiam satisfatoriamente as exigéncias tanto da produgo como do consumo. Nisso, os modeladores estiveram em- penhados exatamente na mesma tarefa que todos os designers posteriores. Diz-se com frequéncia que o design industrial é uma ocupagio nova, especifica do século xx. Por exemplo, Jeffrey Meikle afirma em Twentieth Cen- tury Limited, seu livro sobre o design nos Estados Unidos entreas duas guerras mundiais, que o design industrial nasceu em consequéncia da Depressio: design industrial nasceu de uma feliz conjungo entre um mercado saturado, que forcou os fabricantes a distinguir seus produtos de outros, e um novo tipo de maquina, que propiciou a facil aplicaco por designers de motivos reconhe- cidos como “modernos” por um piblico sensibilizado.® E certo que um grupo de designers industriais profissionais surgiu nos Estados Unidos na década de 1920, mas é errado supor (independente do que eles mesmos reivindicaram) que tenham sido os primeiros designers _Aesquerda:compoteira industriais. A atividade a que se dedicavam homens como Raymond Loewy _ Qusensvae Wedgwood, 1770. Muito dos imeiros designs ¢ Henry Dreyfuss existia em certas indiistrias havia mais de um século e as tinicas novidades eram as ideias que trouxeram para seu trabalho € 05 44 Queensware de Wedgwood estavam longe de ser rddio ¢ pontas de caneta retréteis, Em todos os aspectos fundamentais, a neoclssicos. Formas comocsta nfo se prestavam a diferentes produtos que foram submetidos ao design, de automéveis a aparelhos de natureza do trabalho deles, ao fundir ideias com técnicas de manufatura, era idéntica 4 dos humildes modeladores das ceramicas de Wedgwood. desenhos decoratives. Adirita:osiah Wedgwood: pratos, NOTAS terrina,tgela e prato ‘com tampa decorados com fina ondulada e 1 Farrer, v.1, p. 150. Ver também MeKendrick, 1960. desenho em grinalda, Towner; Mankowitz, capitulo 2. «1780, Formas basicas Weatheil, . 60 doula ext ploe Farrer, ¥. 11, pp. 147-48. muito diferentes. Finer e Savage, pp. 82-83. N. McKendrick, “Josiah Wedgwood and Factory Discipline”, Historical Journal, v.1¥, 1. 1, 1961, PP. 30°55 7 Mankowitz, p. 34. 8 A. Young, ASix Months Tour through the North of England, Londres, 1770, v.11, p. 308, Livro de contabilidade de Josiah Wedgwood, arquivos Wedgwood, E2-2339. 9 Farrer, v.1, pp. 190-91 10 Idem, 1, p.171. 11 Wedgwood para Bentley, citado em Jon Flaxman R. A., catdlogo da exposicio na Royal Academy, Londres, 1979, P- 47+ 12, Herwin Schaefer, The Roots of Modern Design, Londres, 1970. 13. VerJ. Thomas. 14 Finer e Savage, pp. 130-31 15 Mankowitz, p.57. 16 Jeffrey Meikle, Twentieth Century Limited, Filadélfia, 1979, p. 39. 59 196098098929998909809"' OSOOSOOOCGOG0OE0OG! 106980980999809809" OSOGOOOCOOG0ECO! 16869809099989809" BOO COOCOOGOOECO! 19869809099989809' OBOOOCOOCOOGOOECO! 166980 609" DDD IOO |D OQ i Te I ee) D» Ip 1° J dee) DESTCNGE MRGAMIZAGAD A MECANIZAGAO FOI RUIM PARA O DESIGN? Hé tempos se convencionou ver o design de meados da era vitoriana como degenerado ¢ atribuir a culpa disso a introdugao da mecanizagao. Em Pioneiros do desenho moderno, provavelmente o livro mais lido sobre design moderno, Nikolaus Pevsner descreveu o estado do design na metade do século x1x da seguinte maneira: [J A maquina nao se limitava a acabar com 0 bom gosto nos produtos in- dustriais; cerca de 1850 parecia até ter envenenado irremediavelmente os artesGes sobreviventes. [...] Por que isto tinha que acontecer? A resposta habitual — por causa do desenvolvimento industrial e da invengao de novas méquinas ~ é correta, mas demasiado superficial para poder servir de regra geral. [..] Deu-se uma evolugao Iégica e gradual desde estes simplicissimos in trumentos mecinicos até as maravilhas da maquinaria moderna. Por que razo acabou a méquina por ser tao prejudicial & arte? A transigao das artes aplicadas da forma medieval para uma forma moderna s6 se deu jd perto do fim do século xvitt.! 61 Pevsner prossegue fazendo uma lista da bem conhecida sequéncia de in- vengdes mecinicas durante a Revolugao Industrial e nos encorajando a acreditar que elas foram a causa da deterioragio do design. Mas poderiam méquinas inanimadas e burras ter alguma coisa a ver com a qualidade do design e foram elas realmente a causa de todos os males que lhes sio atri- buidos? E 0 processo histérico que Pevsner delineou em seu livro é um relato correto do desenvolvimento do design na industria? Em sua versio da degeneragio do design vitoriano, Pevsner seguiu de perto as declaragées de quem viu as mudangas com os préprios olhos. 0 tema foi muito discutido no século x1x, com repetidas referencias & in- fluéncia maligna das maquinas. Uma observacio tipica, embora surpreen- dentemente precoce (1835), foi feita pelo arquiteto C. R. Cockerell: Creio que a tentativa de substituir 0 trabalho da mente e da mao por processos mecanicos em nome da economia terd sempre o efeito de degradar e, em cil- tima andlise, arruinar a arte.* Opinides semelhantes foram expressas por muitos outros, entre eles John Ruskin, Richard Redgrave, editor do Journal of Design, publicado entre 1848 € 1852, e William Morris. Em pouco tempo, a crenga de Cockerell de que as méquinas levavam a um design inferior tornou-se amplamente aceita como verdade incontestavel. Assim, Charles Eastlake péde escrever com absoluta convicgao em seu livro Hints on Household Taste [Sugestdes sobre 0 gosto no lat], publicado em 1868: ‘Toda dama reconhece a superioridade da renda artesanal e outros tecidos feitos 4 mo em relago Aqueles produzidos por meios artificiais. © mesmo eritério de exceléncia pode ser aplicado a quase todos os ramos da arte-manufatura. 0 acabamento perfeito e a uniformidade exata de forma ~ 0 equilibrio correto igual que distingue os artigos europeus daqueles das nagdes orientais, e, em es- pecial, os artigos ingleses dos de outros paises da Europa — indicam graus no somente de civilizagio avangada, mas, inversamente, de declinio do gosto. Os argumentos apresentados pelos reformadores do design do século x1x e seguidos por Pevsner repousam sobre o pressuposto de que as mé- quinas usurparam o controle do artesao sobre a forma do produto: as méquinas, acreditavam eles, haviam mudado a prética do design ao se- parar a responsabilidade pela aparéncia do produto da tarefa de fabric4-lo, com uma consequente deterioragao da qualidade do design. Essa ideia era tao forte que um dos principais objetivos da Grande Exposigao de 1851 foi demonstrar a sua verdade: a intengao de Henty Cole, principal organiza- dor da exposigao, era exibir produtos feitos mAquina ao lado dos artigos feitos & mao da {ndia e do Oriente, de tal modo que a simplicidade e supe- rioridade do design destes iltimos estariam Id para todos verem.* Contudo, apesar da ampla aceitagdo das ideias encarnadas na Grande Exposigao, as mdquinas ndo podiam ser a causa da tio denegrida espe- estava estabelecida muito antes cializagao no trabalho de design, que do desenvolvimento da produgio mecanizada, Em nenhum momento as méquinas tiveram alguma influéncia independente sobre o design. f a per- sisténcia da incompreensao e dos preconceitos dos escritores vitorianos que, ainda hoje, nos leva de volta ao velho e surrado tema do efeito das mé- quinas sobre o design. As histérias de trés indiistrias britanicas do século XIX estampagem de tecido de algodo, confecgao de roupas e fabricagao de méveis — ilustram particularmente bem a verdadeira relago entrea apa- réncia dos produtos acabados e as maquinas usadas em sua produgio. £ importante lembrar que 0 grau de mecanizagio nas industrias de meados do século xix era muito menor do que geralmente se supe. Como mostrou Raphael Samuel, a manufatura de varios produtos baseou-se du- rante muito tempo na habilidade manual e na forga dos trabalhadores.°> Mesmo onde foram introduzidas, as méquinas raramente eram aplicadas a todos os estdgios da produgao e muitos processos continuaram a ser feitos a mo. Por exemplo, no corte e confeccao de roupas, até o final do século, as maquinas 6 eram utilizadas para poucos tipos de costuras. Na metade do século xrx, de todas as indiistrias manufatureiras britanicas, somente a producio téxtil estava amplamente mecanizada. Nas muitas indtistrias que continuaram baseadas no trabalho ma- nual, os produtos nao eram necessariamente feitos do comego ao fim pelo mesmo artifice; por exemplo, a divisao do trabalho na indiistria ndo me- canizada da cerimica data do inicio do século xv11t e apareceu em muitas outras indiistrias por volta da mesma época.* Esse padro corresponde de perto aos trés estdgios do desenvolvimento da manufatura capitalista des- critos por Karl Marx em O capital.’ Depois da condicio inicial das sociedades pré-capitalistas, em que os artefatos eram feitos por um artesio traba- Ihando por conta prdpria, Marx identificou a primeira fase do capitalismo como a simples cooperagdo de trabalhadores que poderiam, por exemplo, compartilhar uma oficina, comprar os materiais e vender seus artigos co letivamente. No segundo estgio, as diferentes tarefas da manufatura ma- nual foram divididas entre os trabalhadores, sob a direcdo de um mestre; o terceiro estdgio veio com a introdugio de méquinas eo estabelecimento do sistema fabril. Em muitas indistrias britanicas, 0 segundo estdgio ~ a divisao do trabalho na manufatura manual — ocorreu no século xv111; foi quando o artesio indi se tornou necessdria a atividade nova e separada do design. Marx referia-se a esse estdgio quando escreveu: dual perdeu 0 controle do processo completo que © conhecimento, julgamento e vontade que, mesmo em pequeno grat, sdo exer- cidos pelo camponés ow artesio manual independente, da mesma forma como 0 selvagem faz. com que toda a arte da guerra consista no exercicio de sua astiicia pessoal, so faculdades exigidas hoje apenas da oficina como um todo. Marx prossegue citando 0 fildsofo escocés Adam Ferguson (1725-1826) sobre as vantagens da ignordncia para as manufaturas bem-sucedidas: A ignorancia é a mae da indiistria, assim como da superstigdo. A reflexdo € a imaginagao sio sujeitas 20 erro, mas 0 habito de mover a mao ou 0 pé é independente de ambas. Desse modo, as manufaturas prosperam mais onde a mente é menos consultada e onde a oficina pode (...] ser considerada uma méquina, cujas engrenagens so os homens. Escrevendo em 1767, Ferguson antecipou de perto as observagées de Josiah Wedgwood sobre “fazer dos homens mdquinas”. Foi no segundo estégio manual da indéstria que o design, enquanto estabelecimento de instrug6 se tornou necessério a fim de orientar a ignorancia dos trabalhadores. A in- troducio de méquinas, explica Marx, provocou outras mudancas nos tipos de mao de obra usada (mulheres e criangas, em vez de artesios especiali- zados) e no modo como era usada (para cuidar e regular as méquinas, em vez da habilidade na produgdo), mas nao teve efeito sobre as caracteristicas essenciais do processo do qual o design jé fazia parte. De acordo com Marx: 64 A produgio mecanica leva a divisdo social do trabalho a um estdgio mais avan- gado do que a manufatura, ¢ cleva a produtividade das indistrias a um grau muito mais alto."° Em outro lugar, ele escreveu A separagio das faculdades intelectuais do processo de produgio do trabalho manual ea transformagio daquelas faculdades em poderes exercidos pelo ca- pital sobre o trabalho [...] completam-+ finalmente pela indiistria de grande escala erguida sobre os alicerces da maquinaria." Essa excursdo pela teoria pode ser bem ilustrada e substanciada por even- tos na histéria da estampagem de tecido, uma inddstria em que o design foi de grande importancia, uma vez que o sucesso comercial do algodio estampado dependia quase inteiramente do apelo dos seus motivos deco- rativos. Como perguntou um fabricante: L...] 0 que é que faz o negécio no fim das contas? Nio é 0 desenho sobre tecido, ¢ a cor sobre ele, ¢ a invengio de arte que ¢ posta sobre ele? Se pu todas essas coisas mais e melhor, vocé terd mais comércio."* 65 Blocos de madeira para gravar usados na cestampagem de tecidos na Franca do século xvi. Este era ‘o método original de estampar tecidos. De “Arts et Métiers Méchaniques", Encyclopédie méthodique des ars et métes, 5. da, v.8estampa 5. Foi por causa de a indistria téxtil ser t4o importante na Grd-Bretanha do século x1x que o design de tecidos de algodio estampado recebeu grande dose de atenco por volta da metade do século. A técnica de estampar algodo com blocos de madeira gravados foi de- senvolvida no final do século xvi1."? Na década de 1750, criou-se uma nova técnica, com a utilizagao de placas de cobre, que eram maiores do que os blocos de madeira e comportavam mais detalhes. Qualquer que fosse 0 mé- todo usado, a impressao era feita 4 mio: o tecido era esticado numa mesa comprida e 0 estampador, trabalhando ao longo dela, pressionava 0 bloco ou a placa sobre o tecido aplicando a tinta em cada impressio. Uma habi- lidade considerdvel era necessdria na aplicagdo da quantidade correta de tinta, no registro correto do bloco e na aplicago da pressio certa. O pro- cesso era lento: dizia-se que um estampador nao conseguia estampar mais do que seis pecas de tecido por dia (uma peca tinha 28 jardas ~ cerca de 25,5 metros). Em 1800, tanto 0 desenho das estampas como o corte e gra- vagao dos blocos jé eram ocupagées totalmente separadas da estampagem ¢ cada atividade tinha seu aprendizado prdprio. Em 1804, informou-se que em Church Bank, Lancashire, 58 oficiais cortadores de blocos e 23 de- senhistas de estampas haviam entrado no negécio nos tiltimos 23 anos."* Mesmo quando a estampagem ainda era feita 4 mao, o desenho dos moti- vos decorativos jd se tornara uma ocupagio separada. Embora a introdugio das placas de cobre gravadas tenha feito alguma diferenca na aparéncia das estampas, ao possibilitar mais detalhes e de- senhos maiores em cada impressio, isso nao fez nenhuma diferenga na organizagao do trabalho nas fabricas. Porém, em 1796, surgiu outro desen- volvimento técnico: as placas gravadas foram transformadas em cilindros e se tornou poss{vel imprimir todo o comprimento da peca de algodao con- tinuamente, em um tinico processo mecanico. As primeiras méquinas de estampagem rotativas eram movidas a 4gua, mas nao demorou para que a introdugao do vapor tornasse possivel um ritmo muito mais répido de producio. Onde era possivel estampar somente seis pegas por dia numa \inica mesa, uma mdquina movida a vapor podia estampar até quinhentas pecas por dia. Entre 1796 e 1840, em consequéncia da introdugdo dessas méquinas, a produgao anual de tecidos estampados no Reino Unido au- mentou de 1 milhao para 16 milhGes de pecas. A estampagem manual com blocos e placas continuou e ainda sobrevive, mas somente para trabalhos 66 Acima, Aesquerdas estampando algodio com um bloco de madeira gravado, comeso do séeulo xx. Um processo lento e que exigia pericia. De Book of English Trades, publicado por Phillips, 1823. ‘Acima, A direita: estampagem de algodio com uma placa sravada numa prensa plana, inicio do século 0x. Além de permit ‘ousode mais detalhes na gravasio, as placas ‘eram maiores do que os locos, portanto, a produce era mais riépida. De G, Dodd, The Tete Manufactures of Great Btain, Londres, 1844, p- 66, Abaixo: desenho para tecido estampade de Vivian Kilburn, Inglaterra, c. 1790. Desenhos com tantos detalhes eram reproduzlveis somente por meio de placas ‘gravadase impressio orprensa. 67 especializados ¢ altamente detalhados. Em 1840, havia 435 méquinas de estampar no pais e 8.234 mesas de estampagem; dez anos depois, havia apenas 3.939 mesas, enquanto o niimero de méquinas subira para 604."5 Enquanto a estampagem manual declinava, causando considerdveis dificuldades para os artesos, 0 grande aumento da produgio de tecidos de algodao estampado propiciava uma demanda crescente por novos de- signs, ea ocupagio de desenhar estampas, j bem estabelecida no perfodo manual da inddstria, continuou a florescer. Em 1841, estimou-se que ape- prensacilindrca para nas em Manchester havia quinhentas pessoas trabalhando como estilistas pesleapinaay em tecidos estampados. Alguns eram empregados fixos, outros trabalha- slgodio, Inglaterra, inieiodoséeuloxre. vam como fieelance e vendiam seus desenhos aos estampadores.'® Uns pou- ‘simpressio com cilindrosacelerou ° ‘nenteprodugio-—-mantidos pelos fabricantes com um salério anual, mas era mais comum daestampagem,Obsene- se simplicidade dos ; : . “ieanhesqueestte _gados da estampagem de tecidos que recebiam os salérios mais altos. Em sendo estampados: De 1850, em uma fibrica, o sakdrio mais alto para um designer era de 60 xelins E. Baines, History ofthe z * caurtnruuenees — Por semana, enquanto na segunda funcio mais bem paga, a gravacio, 0 Brita, Londres, 835, _saldrio no passava de 50 xelins."” cos designers, em geral artistas que passaram a desenhar estampas, eram que os estilistas fossem contratados com saldrio semanal. Eram os empre- 68 A prdtica dos empregadores das estamparias era ter um grande mimero de designs preparados, mas gravar e estampar somente uns poucos. Um grande fabricante de Manchester disse que, em 1838, seus desenhistas de padrées haviam preparado entre 2 ¢ 3 mil desenhos, dos quais somente quinhentos haviam sido gravados e estampados.¥* Esse aparente desperdi- cio e extravagancia era possivel porque os desenhos custavam muito pouco em comparagio com 0 preco da gravacao dos cilindros e da estampagem dos tecidos. No Relatdrio da Comissio Especial sobre Design, de 1840, di- ferentes fabricantes deram estimativas da proporgao do custo do design no montante total da producio. Varios deles estimaram 0 pagamento pelo preparo um design entre § e 15 libras esterlinas. Um grande fabricante re- conheceu que o design Ihe custava entre 1/2 péni e 3/4 de péni por pega, enquanto outro disse que representava 1/192 (0,52%) do custo do tecido e 11352 (0,28%) do preco de venda. Valea pena observar que, apesar desses custos infinitesimais, 0 valor do design para o fabricante era muito alto. © lucto dos donos das estam- parias dependia do volume de vendas dos desenhos estampados por md- quinas individuais e o sucesso ou fracasso comercial de uma determinada estampa dependia quase inteiramente da popularidade do desenho. Um fa- bricante estimou que um tnico desenho de sucesso valera entre 200 € 300 libras esterlinas em receitas geradas.”° Sobre uma despesa inicial de nao mais do que 15 libras, era um belo lucro, Como a estampagem & maquina aumentou muito a quantidade de tecido que podia ser impresso com um tinico padrio, um desenho de sucesso tornou-se muito mais valioso para 0s fabricantes do que jamais teria sido com a estampagem manual. Nao surpreende que tenha sido nas décadas de 1830 e 1840, quando a estam- pagem 4 maquina comecou a se expandir rapidamente, que os fabricantes se preocuparam pela primeira vez em proteger a propriedade de seus de- signs. No comeco da década de 1830, os principais donos de estamparias comegaram uma campanha para que as leis de protecio aos direitos auto- rais fossem estendidas para cobrir os desenhos dos tecidos estampados; apesar de outras justificativas, como o argumento de que isso levaria a um design melhor, o principal objetivo dos fabricantes era estabelecer seus direitos de propriedade sobre designs como uma fonte de riqueza. Os debates sobre protegiio legal dos produtos deram origem a muita discusso sobre outros aspectos do design. Porém, a nova atengo que se Design de estampa para algodio, aquarela sobre papel, com uma amostra do tecido estampado, Inglaterra, inicio do século xix. Os designs ‘eram realizados em ‘grande escala paraa gravagio, Os fabricantes faziam com que centenas de designs fossem produzidos, mas poucos eram gravados ‘eestampados de fat. dava ao design ndo significava que se tratasse de uma atividade nova ou mesmo que sua natureza essencial tivesse mudado recentemente devido a introdugao das maquinas. Nao obstante, ocorreram algumas manifes- tages de que os tecidos estampados manualmente das primeiras décadas do século eram superiores aos desenhos reproduzidos por rotativas das décadas de 1830 e 1840. Richard Redgrave apresentou dois motivos, no relat6rio oficial sobre design na Grande Exposigdo de 1851, para dar conta do que considerava uma deterioragao da qualidade. A primeira razio era: Sempre que o ornamento feito totalmente pela maquina, é certamente o mais degradado em estilo ¢ execucao; e 0 melhor trabalho e o melhor gosto encon- tram-se naquelas manufaturas e tecidos em que o trabalho manual ¢ inteira ow parcialmente o meio de produzir o ornamento [...}* Redgrave gostava de produtos em que o arteso influenciara no design ou conseguita introduzir variedade; contudo, se isso alguma vez aconteceu na estampagem de tecido, foi muito antes do século x1x e certamente nio era verdade para os padrées da década de 1820, que ele tanto admirava. O segundo motivo de Redgrave para a inferioridade da estampagem por maquina dizia respeito A introdugio do processo rotativo por cilindro: © uso restrito de meios foi com frequéncia referido [...] nos velhos e simples métodos de estampagem do algodio, quando os recursos eram poucos ¢ os meios limitados, o estilo era, sob certos aspectos, melhor do que o atual (...] Assim, a estampagem manual com blocos exigia formas e tintas uniformes re- petidas regularmente sobre a superficie, ¢ alguma flor ou folha simples usada para isso tinha um efeito agradével e justo [...] Porém, no lugar dos antigos meios limitados, a estampagem com cilindros de metal pés ao alcance do de- signer todos aqueles poderes da mais perfeita imitago gozados pelo gravador e, em vez de usé-los como deveriam ser, coerentemente com as exigéncias da ‘manufatura e os prinefpios da arte ornamental, eles foram desperdigados na imitagao de flores, folhagens e arbustos, bem fora do carter ornamental eem oposicdo a principios justos.> De novo, a andlise de Redgrave estava errada, pois a “restricdo” que ele associava & estampagem com bloco fora substituida nao pelo cilindro, mas pela invengdo anterior da estampagem com placa de cobre, que fora introduzida no estdgio manual da indistria. Longe de oferecer uma “imi- tagao mais perfeita”, a estampagem com cilindro, se alguma alteragdo representava, era para menos, pois os problemas de registro a tornavam inapropriada para desenhos com muitas cores. O que mostravam os livros Algodio estampado, Inglaterra, 1850. Este desenho complexo.e ilusionista, do tipo criticado por Redgrave, teria sido estampado ‘com cilindro para as ‘reas uniformes decor ‘ecom placa para os detalhes, n Acima: amostras de estampas de algodio no liv de registros de H. Fieldlong & Bros., datadas de 12 de Fevereiro de 1824, Este livro registra receitas de tinturas e processos de estampagem. Estes padrées simples repetidos, do tipo admirado por Redgrave, eram impressos com lindo Abaixo: amostras de estampas de algodo no livo de registros de H. Fieldlong & Bros., datadas de 12 de Fevereiro de 1824 ‘Aesquerda: um desenho impresso com cilindro (paraas grandes dreas uniformes) e bloco (paraos detalhes) A diveita: uma das estampas mais complexas feta bloco, processo manual que Redgrave erroneamente acreditava que produzia simplicidade no design, nm Popo tL ig 2 by, eZ Aye econ aoa Bt, > de registro dos estampadores de chita é que, durante a década de 1820, jus- tamente as estampas mais simples, do tipo que Redgrave admirava, eram impressas com cilindros, eas mais complexas e confusas, que ele desapro- vava, eram feitas 4 méio.23 Até mesmo na década de 1850, quando Redgrave expressou essas opinides, a maior parte dos desenhos estampados com cilindro ainda era bastante simples, raras vezes com mais de duas cores, enquanto muitos dos desenhos mais ornados, criticados pelos organiza dores da Grande Exposigao, eram estampados inteiramente & mao, com blocos e placas, ou por uma combinagao de bloco e cilindro. Se a deterio- rago no design que Redgrave e outros percebiam nio era resultado da me- canizagao, temos ento de perguntar o que causou as mudangas que eles percebiam e por que insistiam em atribui-las a introdugao das méquinas. A FALACIA MECANICA: MODA E MOBILIA Se quisermos encontrar explicages para as mudangas em design, temos de olhar para além das méquinas ¢ examinar o sistema social em que elas eram usadas. A partir dos efeitos da maquina de costura sobre o des pas e dos folheados de madeira cortados em maquina sobre a feitura de mé- ign das rou- veis, pode-se mostrar que o fator crucial so as caracteristicas particulares que a relagao entre trabalho e capital assume nas respectivas indiistrias. O sistema de confecgio de roupas as vésperas da introdugao da mé- quina de costura foi descrito por Henry Mayhew em suas cartas a0 Morning Chronicle, em 1849.” De acordo com ele, o corte ¢ a confeccao em Londres estavam divididos em dois segmentos: 0 “elegante” e 0 “vulgar”. O seg- mento “elegante” sobrevivia em estabelecimentos nos quais cram empre- gados apenas oficiais plenamente qualificados, a maioria de modo perma- nente; eles executavam um trabalho da melhor qualidade, trabalhavam nas instalagGes do patrao e recebiam por peca, conforme um acordo entre em- pregadores e empregados conhecido como the log. As formas de emprego no segmento “vulgar” eram muito diferentes. O negécio “vulgar” inclufa alfaiates e costureiras que trabalhavam informalmente para grandes esta- belecimentos com escassez de mao de obra, mas consistia principalmente de trabalhadores superexplorados. Conforme esse sistema, as confeccdes passavam o trabalho para um sweater — em geral, um oficial — contratado 3 para costurar determinada quantidade de pecas de roupa. Por sua vez, 0 sweater repassava o trabalho para costureiras e alfaiates por uma remunera- ‘¢do muito abaixo da prevista pelo lag. As vezes, a tarefa era feita na propria casa do trabalhador, mas progressivamente passou a ser realizada em ofi- cinas providenciadas pelo sweater. Mayhew cita a descrigdo que um alfaiate sweated fez do sistema: patrio [...] recebe o trabalho da confecgao aos pregos antes mencionados; ele o repassa para nds 20 mesmo prego ¢ nos paga quando recebe o dinheiro. Jamais somos vistos na fabrica. Dos pregos, o patrdio deduz 4 xelins por cabeca para nossa taga de café ou ché de manha, o ché da noite e nossa cama.*5 Nesse caso, o sweater aparentemente nao lucrava com a costura, mas ape- nas com as dedugdes para alimentagao e alojamento. Porém a maioria deles repassava uma remuneragao menor do que aquela que recebia pelas merca- dorias completas; dizia-se que sua taxa normal de lucto era de 2 xelins para cada libra recebida por pecas de roupas.** Os sweaters eram efetivamente pe- quenos capitalistas que ganhavam dinheiro explorando a forca de trabalho dos alfaiates e costureiras que produziam para eles, Seu capital consistia da garantia, em geral de pelo menos 5 libras, que precisavam dar as confecgGes ou aos estabelecimentos de atacado ao receber o tecido.”” Era a falta dessa pequena quantia de capital que impedia a maioria dos profissionais do ramo de obter trabalho diretamente dos fabricantes e os obrigava a trabalhar para os sweaters, Estima-se que, em 1849, seis em cada sete trabalhadores do setor de vestudrio de Londres estavam empregados no segmento “vulgar”, como informais ou sweated, fazendo camisas prontas ¢ sobretudos para grandes lojas de roupas masculinas, além de uniformes e fardas.”* A introdugao da maquina de costura nao provocou nenhuma mudanga fundamental na indistria. Elas foram comercializadas pela primeira vez em 1851 e os aperfeigoamentos técnicos dos anos seguintes as tornaram relativamente eficientes no final da década. O relatério da Comissao Real sobre Emprego Infantil de 1864 mostra que o uso dessas maquinas jé es tava entio disseminado,*® A maioria era comprada por sweaters e instalada em suas oficinas, pois poucos trabalhadores podiam arcar sozinhos com seu custo. Uma vez que a m4quina de costura aumentava em muito a pro- dugo de quem trabalhava com agulha, era vantajoso procurar trabalho numa oficina que as fornecesse, acelerando a tendéncia ao emprego de Aesquerda:ofcina de costura, década de 1850. Ocstado de megassem a alugar méquinas de costura por um ou dois xelins por semana, —eaustio das costurcras trabalhadores em fabricas, em vez de em casa.3° Embora os fabricantes co- possibilitando, em teoria, que os trabalhadores se tornassem indepen- suger ques atade ; nee, uma seas. De The dentes das sweatshops, isso pouco ajudava, porque eles ainda ndo tinham —grxsh workman and © capital necessdrio para tratar diretamente com as confecgdes.* Desse __Friend of the Sons of Toi, setembro de 1858. modo, a maquina de costura nio fez diferenga estrutural na relagio entre trabalhadores, sweaters e patrées, exceto na tendéncia a tornar alfaiates € Adireta:alfiate sweated, década de 1850. © homem esté im, a méquina de costura por si sé que diminuiu o controle _trabalhandoem sua a casa em trajes que ve do trabalhador sobre a forma ea aparéncia das pegas de roupa. Os dados da {2*semtmiesausihe Comissio Real sobre Emprego Infantil e outras informagdes mostram que a —_umsuecter, De The costureiras mais dependentes dos sweaters que forneciam as maquinas. , ass British Workman and : : S artes end ofthe Sonsf Tl das roupas, jd estava bem estabelecida antes da introdugio das m4quinas outubro de 1835 de costura. Um artifice assalariado muito raramente desenhava e fazia uma divisdo do trabalho entre cortar ¢ costurar, ¢ entre a costura das varias partes pega de roupa ele mesmo; é por ser to incomum que Mayhew cita um al- faiate que disse haver feito “um colete de minha prépria invengio”.** Em geral, 0 padrio e o corte das roupas ainda eram determinados pelos patrdes | ¢ lojas de varejo, tal como antes da introdugio da maquina de costura. \ Entretanto, parecia &s pessoas na época que a m4quina tinha ela pré- pria alterado o design das roupas, raciocinio que precisa ser examinado melhor. Uma vez que a maquina nao podia ser usada em todo o proceso de confecco de roupas, algumas partes da costura se tornaram mais ba- ratas do que outras. As primeiras maquinas de costura eram boas apenas cr Estampa de cerca de 1860, mostrando os vestidos altamente enfeitados que estavam ‘na moda e que os contemporineos atribuiam erroneamente a0 surgimento da maquina de costura 76 para costuras simples e para coser enfeites. Mquinas para fazer bainhas e pregar botdes foram criadas somente no final do século x1x. Até entio, essas tarefas tinham de ser feita mio, ainda que as principais costuras da roupa pudessem ser feitas A maquina. Era de se esperar que os donos de confecgdes quisessem explorar as partes do processo barateadas pela m4- quina e reduzir tanto quanto possivel o trabalho mais elaborado e caro do acabamento & mio. Nos vestidos, o efeito das maquinas foi o de aumen- tar muito a quantidade de adornos que podiam ser aplicados pelo mesmo custo. Um fabricante de Cheltenham, ao depor perante a Comissio Real sobre Emprego Infantil, declarou: ‘Tenho trés maquinas. Bu gostaria que todos os donos de confeccio as usas- sem; elas economizam muita mio de obra ¢ também permitem que vocé pa- gue mais a quem emprega, seja maquinista ou acabador. Também se pode por muito mais trabalho; jamais porfamos cem jardas de adornos em um vestido de verio, se fosse para fazer tudo A mo; 0 pregueamento e o acabamento ainda precisam ser manuais; e achamos melhor ter diferentes maquinas para trabalhos diferentes, tal como acontece com as trabalhadoras manuais: uma faz as mangas, outra as saias e uma terceita os corpos.** O grande aumento na quantidade de adornos influenciou a moda feminina. Os vestidos da década de 1860 € comeco da de 1870 estavam cheios de enfei tes: parece que cem jardas (cerca de nove metros] de tecido para um vestido nao era exagero. Criticos de moda da época notaram a tendéncia e no in{- cio da década de 1870 comegaram a deplord-la. Um deles escreveu: “O que [...] vai caracterizar a época atual na Hist6ria da Moda (...) ¢a quantidade de adornos com que achamos possivel encher cada artigo”. Supunha-se quea moda se devia 4 maquina de costura: “Devemos muito do excesso de adornos agora predominante as facilidades permitidas pela m4quina de costura” 35 Por mais convincente que essa explicagio possa parecer, ela é valida somente porque as mdquinas de costura haviam sido introduzidas num sistema capitalista de produgao de mercadorias. Um dos principais ob- jetivos dos donos de sweatshops e atacadistas de roupas, que controlavam 0 uso delas, era baratear o prego da costura, Em outras circunstancias, a velocidade das maquinas poderia ter possibilitado a seus operadores ga- nhar mais ou trabalhar apenas algumas horas por dia, em vez das doze ou mais horas por dia que as costureiras & mao costumavam trabalhar, Para o cliente, o custo da costura poderia ter continuado 0 mesmo e todas as vantagens iriam para o trabalhador. Entdo, nao seria virtude criar vestidos com muitos adornos, pois isso os deixaria apenas mais caros. Porém, em vez de pagar as operadoras de méquinas a mesma remune- racio das costureiras & mao, os sweaters lhes pagavam somente uma fragiio do que as costureira de costura. Nos Estados Unidos, onde as circunstancias eram semelhantes, uma fabrica de camisas de New Haven, Connecticut, pagava as costureiras manuais, em 1860, 62 centavos por camisa, mas, quando as maquinas de manuais recebiam por uma quantidade equivalente costura foram instaladas, as operadoras recebiam apenas 16 centavos por 17 78 camisa.° Para ganhar tanto quanto as costureiras 4 mo, ou um pouco mais, como era comum (nessa fébrica em particular, as operadoras ganhavam quatro délares por semana, enquanto nas outras recebiam trés délares), as que operavam méquinas tinham de trabalhar quase o mesmo ntimero de ho- ras. Do dinheiro que o sweater ou dono de confecgdo economizava, parte ia para pagar o custo da maquina, parte para os lucros, mas a maior parte ser- via para reduzit o prego da costura ao cliente, de tal modo que era possivel Or mais costura em um vestido sem grande custo adicional. Desse modo, a causa tiltima da moda dos vestidos muito enfeitados nao era a maquina de costura em si, mas seu uso dentro do modo de produgao capitalista. Tal como a indistria do vestudrio, a de méveis em Londres na metade do século xrx estava dividida em um segmento “elegante”, de trabalha- dores regulares, com uma remuneracio acordada, e um segmento “vul- gar”, de trabalhadores auténomos, cujos ganhos eram muito mais baixos e determinados por uma negociagio com o varejista pelo prego de cada pega de mobilidrio feita.2” A grande maioria dos marceneiros estava nessa iiltima categoria e trabalhava com a ajuda (se houvesse alguma) da esposa e dos filhos. Conhecidos como garretmasters, esses homens eram de fato seus préprios patrdes, mas, uma vez que ndo costumavam ter outro capital sendo suas ferramentas, e sua sobrevivéncia dependia da venda de cada miével logo depois de sua execugo, a maioria era extremamente pobre. Em geral, faziam os méveis a esmo, sem encomenda prévia, e, quando prontos, os levavam de carroca ao West End para achar um comprador en- tre as lojas de méveis da regio. Com frequéncia, as lojas eram acusadas de se aproveitar do desespero dos garretmasters por dinheiro para impor-lhes pregos que mal pagavam o trabalho, motivo pelo qual esses varejistas aca- baram sendo apelidados de “matadouros”. Até cerca de 1830, parece que a maior parte dos méveis era feita por marceneiros empregados nas prdprias oficinas que os vendiam, e em muitos lugares fora de Londres isso continuou a ser comum até bem mais tarde." Havia também alguns patrdes, conhecidos como trade-working masters, que empregavam artifices para fazer méveis que eram vendidos por atacado a lojas de varejo.** Porém, entre 1830 e 1850, 0 emprego fixo de marceneiros declinou e eles se tornaram cada vez mais garretmasters, os quais, em 1850, j4 superavam os primeiros na proporgao de dez para um. Parece que a mudanca foi causada pelo surgimento de grandes varejistas de méveis que tinham capital suficiente para manter estoques por algum tempo e perceberam que suas despesas diminufam muito ao nao ter de empregar diretamente os trabalhadores que faziam os méveis. Consta que muitos dos “matadouros” nfo se preocupavam com a qua- lidade da mobflia que vendiam, desde que sua aparéncia fosse suficien- temente boa para enganar os clientes. Um garretmaster contou a Mayhew © que Ihe dissera um “matadouro”: Faca um artigo inferior, para que seja barato: se se desmanchar em um més, que importa para vocé ou para mim?” O garretmaster continuou: Nao ha divida de que os fanqueitos (varejistas de méveis) trouxeram trabalho de mé qualidade para o mercado e acabaram com os bons. Para trabalho que dez ou vinte anos atrés me rendia de 3 libras e 5 xelins a 3 libras e ro xelins, ganho hoje 30 xelins. £ claro que é proporcionalmente inferior em qualidade (...}*° Sob influéncia dos “matadouros”, esse “trabalho matado” disseminou-se. s garretmasters viram-se obrigados a fazer, no mesmo tempo, 0 dobro de pecas que os empregados no mercado “elegante” para sobreviver. Nada tornava 0 rebaixamento da qualidade mais ficil do que os folha- dos de madeira cortados & méquina, que se tornaram disponiveis a precos baixos com a introdugio das serras circulares movidas a vapor na década de 1830. Antes, 0s folhados, cortados com serrote pelos profissionais mais habilidosos, eram relativamente caros e usados somente em méveis de alta classe. Porém, como um velho serrador explicou a Mayhew, a serra circular mudou tudo isso ao cortar folhas mais finas e com mais rapidez: Elas cortavam com mais exatido do que qualquer serrador, e no era nema me- tade do que fazem hoje. A primeira que surgiu fazia oito folhas a partir de uma polegada ¢ agora elas podem cortar catorze, finas como uma héstia, e isso é im- poss{vel para o melhor serrador do mundo. Eu mesmo jé cortei até oito por pole- gada, mas a madeira era muito rasa — oito ou nove polegadas de profundidade. ‘A regra geral para folhados cortados & mao era cerca de seis por polegada."' Em 1850, quando Mayhew redigiu essa declaracao, todos os folhados jé eram cortados por energia a vapor e, em consequéncia, seu prego se redu- zira muito, 79 AAditeta: serra manual 0s folhados de madeira, tal ‘como toda'a madeira, eram originalmente conados por dois serradores, um em cima outro embaixo. CO surgimento das serras circulares movidas a vapor torou esse oficio dispensdvel. De Book ofthe English Tades, publicado por R. Phillips, 1823 Aesquerda: Garexmaser, 1860.0 garretmastr, que acabou de fizera cSmoda que est sobre ocarrinho de ‘mo as suas costas,estd rnegociando. pregocom um ‘comerciante de méveis. Oe +H. Mayhew, London Labour and the London Poor, 1861,¥. 3. s folhados cortados & méquina foram uma dédiva para os garretmas- ters, na sua necessidade de fazer méveis superficialmente bons o mais ba- rato possivel. Mayhew descreve como o usavam: Disseram-me que o uso frequente de folhados de jacarandé nos méveis elegan- tes e seu uso ocasional no negécio de méveis em geral permitem simplificar a execugio com grande facilidade. Se, na pressa, o trabalho malfeito danifica a folha, ou se ela jé ¢ originalmente defeituosa, ele pega uma mistura de goma- laca e “cor” (sendo a cor uma composigao de vermelho de Veneza e negro-de- fumo) que jé tem por perto, esfrega-a na parte danificada, alisa-a com um ferro levemente aquecido e assim a mistura com a cor do jacarandé, de tal modo que © lojista nao detecta o defeito. Na verdade, disseram-me que poucos lojistas ava- liam a mobilia que compram ¢ exigem somente que a aparéncia seja boa o sufi- ciente para vender ao piiblico, que conhece ainda menos do que eles.” Outro garretmaster, falando sobre a produgao de caixas de costura para se- nhoras, disse: “Essas caixas sto pregadas; no hé ensambladura, nada do que chamo de trabalho ou arte, como se diz, mas o pinho é pregado e 0 folhado ¢ aplicado por cima com pancadinhas, e, se o pinho est coberto, pois bem, a coisa passa”. © uso de folhados era especialmente apontado por aqueles com quem Mayhew conversou e por outros envolvidos na industria de méveis como um dos motivos da qualidade dos produtos. Nas maos dos garretmasters, os folhados baratos cortados 4 m4quina possibilitaram uma enorme mudanga na aparéncia da mobflia de baixa qualidade, que, em vez de ser feita sim- plesmente de pinho, podia agora ter toda a aparéncia de produtos superio- res. Como disse um deles para Mayhew: “Acho que as maquinas foram um 1as ampliaram as matérias-primas para nosso trabalho. Se no houvesse tanto folhado, nao haveria tanto mével elegante”.+ beneficio para nés Emboraa maquina de cortar folhados facilitasse o desenvolvimento de um novo tipo de produgio de méveis, seria errado supor que a maquinaria tam- bém tivesse sido responsdvel por qualquer deterioracao na qualidade, Como os préprios garretmastes disseram a Mayhew, foi o crescimento dos “matadouros” a causa principal do declinio da qualidade, porque os pregos baixos que ofe- reciam aos marceneiros estimulavam o trabalho mal-acabado em larga escala. 0s folhados cortados & mquina apenas propiciaram outros meios de rebaixar a qualidade, mas nao foram por si mesmos a causa da pratica. Tal como acon- teceu com améquina de costura e a confeceao, nao foi a maquina que provocou as mudangas no design, mas o uso da maquina em circunstancias econdmicas e sociais especificas. A confecgio de roupas ea fabricagao de méveis envolviam um nivel muito simples de tecnologia e um conjunto relativamente direto de re- lagdes econdmicas entre capital e trabalho, mas, mesmo quando a tecnologia era mais complexa, a maquinaria jamais determinou so: ha a aparéncia dos produtos. Atribuir mudangas no design apenas tecnologia é ndo compreen- dera natureza tanto das maquinas como do design nas sociedades industriais. A POLITICA DO DESIGN Aideia de que as m4quinas arruinaram o design representava apenas uma pe- quena parte de um debate muito mais amplo que se desenrolou nas décadas de 1830 € 1840, perfodo em que o design se tornou uma questo de impor- tancia politica nacional na Gra-Bretanha. Foi tema de trés Comissées Parla- mentares Especiais, em 1835-36, 1840 e 1849; houve pressio para criar e, depois, aperfeicoar escolas de design subsidiadas pelo governo, uma campa- nha pata estabelecer direitos de propriedade sobre designs e varias exposigdes 81 de arte e design, culminando com a Grande Exposigao de 1851, todas orga zadas coma intengio de melhorar o gosto do piblico e educar os artesios.*5 A tazio subjacente a esse interesse era que o desenvolvimento da produ- do mecanica tornara o design muito mais valioso para os fabricantes. Maxi- mizar as vendas de cada design nao fora to crucial nas induistrias manuais, nas quais, embora o lucto pudesse depender do volume da produgdo, nao havia necessariamente qualquer vantagem em usar um tinico design, em vez de varios diferentes. Na estampagem manual do algodao, por exemplo, 0 au- mento da produgao exigia mais mesas, mais estampadores e mais blocos, mas, como cada bloco adicional tinha de ser cortado a mio, fazia pouca diferenga se contivesse um design novo ou duplicasse um existente, A grande vantagem das maquinas era seu potencial para fabricar um tinico design sem-fim; o de- sign bem-sucedido tornou-se uma propriedade muito mais valiosa, pois era © que habilitava a capacidade da maquina em dar lucto. Portanto, era natural que fosse nas indiistrias em processo de mecanizago no segundo quartel do século xix que surgisse a maior preocupacao com o design, tanto com a me- Ihoria dos padrées como com a protegiio dos direitos de reproducao. © fato de tudo isso ocorrer no final da década de 1830 ¢ inicio da de 1840 também pode ser explicado pelas graves condigdes econémicas do periodo. Naquela que foi a primeira depressio comercial a afetar a nova economia in- dustrializada, os fabricantes e os economistas politicos estavam ansiosos para saber se a indiistria capitalista sobreviveria e, de modo mais imediato, garanti- ria que a Gra-Bretanha no perdesse sua participago nos mercados mundiais para concorrentes estrangeiros. Embora a Inglaterra estivesse mais bem pre- parada para produzir bens de consumo, em particular téxteis, mais baratos e em maior quantidade do que qualquer outro pais, havia temores de que sua posigio no comeércio internacional pudesse ser ameagada por concorrentes estrangeiros capazes de produzir bens de design superior. Se os produtos dos competidores tinham de fato um design melhor, isso é uma questo em aberto; o importante ¢ que o design deles era diferente e muitos ingleses jul- ‘gavam-no superior. Nessas circunstancias, a melhoria do design parecia vital para a sobrevivéncia econémica da Gra-Bretanha e levava pessoas a defender remédios que eram totalmente contrérios aos principios da economia liberal cléssica e do laissez-faire que dominavam a politica na época. O direito de pro- priedade do design dava aos fabricantes uma forma de protegio que interferia na competigio do livre mercado, enquanto o subsidio governamental as es- colas de design representava uma espécie de ajuda estatal & industria - outro tipo de interferéncia nas “leis naturais” da economia, Portanto, o design era uma questo suficientemente importante para fazer com que até fortes defen- sores do laissez-faire, como o economista politico Nassau Senior, abrissem mao de seus princ{pios e recomendassem uma intervengio legislativa no inte- resse de um design melhor. De certa forma, os acontecimentos dessa época anteciparam o envolvimento muito mais amplo do Estado com o design na Gr-Bretanha nas décadas de 1930 e 1940, quando condigdes econémicas também adversas ameagaram as exportagGes de bens manufaturados. Uma questo importante dos debates do século x1x era a causa da apa- rente inferioridade do design britanico. Duas explicagées, em particular, apareciam repetidamente e vale a pena examiné-las a fim de compreender 0 raciocinio dos envolvidos. Uma delas, o suposto efeito deletério da me- canizagio, jé foi abordada neste capitulo; a outra atribufa a ma qualidade do design ignorancia do trabalhador britanico ¢ & sua falta de habilidade artistica. Aqueles que conferiam grande peso a esse argumento usavam-no pata justificar a criagao de escolas de design e a organizacao de exposigdes de arte e design. Dizia-se que s6 a educagdo dos artesiios na arte do de- sign poderia melhorar seus produtos. Esse argumento também precisa ser tratado com cautela, Havia pessoas que discordavam dele e davam bons motivos para isso. Em seu depoimento 4 Comissao Especial sobre Artes ¢ Robertson, edit tacou que o argumento se baseava numa md compreensio da natureza da Manufaturas, em 1835, J. tor da Mechanics Magazine, des- industria: na prética, era desnecessdrio que os artestios tivessem talento para o design, uma vez que tudo o que a produgio fabril exigia deles era a capacidade de executar os designs que recebiam. E acrescentou que no acreditava que houvesse qualquer falta de capacidade entre os envolvidos com design. Quando perguntado se os designers eram suficientemente Pequena caixa recoberta com folhado de madeira, c. 1860. Estacaixa é um produto tipico do garetmaster, com aproveitamento de folhados baratos. Acaixa éde pinho de segunda, como se pode ver no lado intemno da tampa; o folhado esconde o miolo de qualidade cui. instru{dos, respondeu: “Penso que eles so, em geral, suficientemente ins- trufdos. Jamais encontrei, em minha experiencia, nenhuma falta de talento no design de qualquer ramo da manufatura” #7 A explicagéo de Robertson para a inferioridade do design britanico apontava numa dirego completamente distinta. Qualquer superioridade dos bens franceses, disse ele, deve-se ao fato de que os talentos de nossos artestios so empregados numa dire- 0 mais lucrativa,e no a qualquer inferioridade de gosto deles. O grande objetivo de todo fabricante inglés ¢ a quantidade; para ele, o melhor artigo para fabricar é sempre aquele que demanda maior oferta; ele prefere uma oferta grande a prego baixo a uma pequena a preco mais elevado; pois acredita que o lucro ser decor- rente mais da primeira do que da iltima, porque, no longo prazo, quanto maiora demanda, mais constante o lucro serd, com certeza. Nao creio que essa questo te- nha sido suficientemente levada em conta. © industrial inglés, com o grande capi- tal que possui, as imensas capacidades de suas méquinas ea habilidade ediligéncia sem rival de seus trabalhadores, est em condigées de produzit maior quantidade de bens em um tempo dado do que o fabricante de qualquer outro pafs.#* Robertson nio atribufa o mau design a falta de habilidade dos trabalhado- res, mas ao sistema capitalista produtor de mercadorias, que p6e a quanti- dade e o lucro & frente da qualidade. Embora sua explicacdo antecipasse 0 que William Morris diria mais tarde sobre as causas do mau design, o ar- gumento nao se encontra em outros depoimentos dados & Comissao Espe- cial e dificilmente aparece no resto da literatura da metade do século sobre o tema, Em geral, os outros autores e reformadores do design optaram por se preocupar quase exclusivamente com temas periféricos, comoa falta de habilidade artistica dos artesios ¢ a influéncia das maquinas. O que os criticos nao conseguiam ver ou se recusavam a reconhecer era que a propria produgio capitalista, causa da necessidade do trabalho espe- cializado de design, era ao mesmo tempo responsdvel pela deterioragio da sua qualidade. Mas os artistas, arquitetos e intelectuais que se envolveram na reforma do design na metade do século x1x estavam associados de muito perto A riqueza industrial e comercial para ousar se aventurar numa linha ra- dical de critica, Embora muitos deles nao gostassem dos efeitos da industria, nfo tinham uma concep¢io alternativa de como poderia ser uma sociedade industrial; portanto, era-lhes extremamente dificil fazer qualquer eritica da sociedade em que viviam que no ameagasse sua fonte de prosperidade. A nio ser defendendo que se abandonasse todo o progresso material do sé- culo anterior para retornar a uma economia de simples artesanato (0 que, em boa medida, era recomendado por John Ruskin), eles nao conseguiam imaginar uma maneira de construir uma sociedade com abundancia de ri- queza, mas sem os males decorrentes. Somente um socialista como William Morris estava em posigao de ver que a critica da sociedade industrial nto precisava ser necessariamente regressiva ¢ que poderia haver uma alterna- tiva que nao exclufsse o progresso material. Portanto, Morris estava em con- digGes, gracas 20 seu socialismo, de por a culpa da mé qualidade do design na cobiga do capitalismo, coisa que outros hesitavam ou nao eram capazes de fazer. Embora Morris nao gostasse da mecanizagao e julgasse seus pro- dutos feios, ele nao insistia em que ela fosse a tinica causa do design inferior. Como disse em uma palestra: “Nao é desta ou daquela méquina tangivel de ago e metal que queremos nos desfazer, mas da grande méquina intangivel da tirania comercial, que oprime a vida de todos nés”.° A pritica de culpar as méquinas pelo mau design desviava conveniente- mente a critica do capitalismo e concentrava a atengio nos problemas técni- cos de produgao, em vez de direcioné-la para as quest6es sociais, mais dificeis e controversas. Afinal, era muito mais fécil ver como as mdquinas poderiam ser reprogramadas para fazer um design melhor do que conceber de que modo as relagdes de capital e trabalho poderiam ser refeitas com o mesmo propésito. Mas o que é tao notavel sobre 0 mito da maquina como agente do mau design é sua sobrevivéncia até hoje, apesar da compreensdo muito maior da natureza da sociedade. Quaisquer que sejam as raz6es para sua inesperada vida longa, o mito teve o efeito de obscurecer o lugar central do design na produgao. Traté-lo apenas em termos de fatores técnicos ou artisticos faz.com que ele invariavelmente parega trivial e insignificante, tirando-Ihe sua caracte- ristica Gnica de encamnar, do modo mais vivido e concreto, nao algumas, mas todas as condigdes que cercam a produgio de mercadorias. Em um design da estampagem de tecidos do século xtx, vemos ndo somente o produto de um idade artistica de lindro movido a vapor, nao somente os resultados da habil um designer, mas também o produto de um sistema em que era possfvel para um homem lucrar com a compra do trabalho de muitos outros a um prego que pagava pouco mais que a subsisténcia deles. 85 NOTAS Nikolaus Pevsner, Pionciros do desenho moderno. Sao Paulo: Martins Fontes, 1980, PP. 30-31. Select Committee on Arts and Manufactures, Minutes of Evidence, Parliamentary Pa- pers, 1836, v. 1%, par. 1431. Charles Eastlake, Hints on Household Taste, reimpressi0, Ontério, 1969, pp. 104-05. Siegfried Giedion, Mechanization Takes Command, Nova York, 1948, p. 352- R. Samuel, “The Workshop of the World”, History Workshop Journal, n. 3, primavera 19771 PP. 5*72 L, Weatherill, The Pottery Trade and North Stafrdshire 1660-1760, Manchester, 1971, capitulo s. Karl Marx, Ocapital,v.1, parte 4. As referencias so edigo Pelican, Harmondsworth, 1976. Idem, p. 482. Idem, p. 483. Idem, p. 572. Idem, pp. 548-49. Select Committee on the Copyright of Designs, Minutes of Evidence, Parliamentary Papers, 1840, v. vt, par. 3062. Sobre a histéria da estampagem do tecido de algodio, ver G. Turnbull, A History af the Calico Printing Industry of Great Britain, Altrincham, 1951; English Printed Textiles 1720-1836, catdlogo, Victoria & Albert Museum, Londres, 1960 (texto de P. Floud);€ G. Dodd, The Tele Manufactures of Great Britain, Londres, 1844, pp. 58-6o. Minutes of Evidence on the Calico Printers’ Petition, Parliamentary Papers, 1806-07, Vt, p14. Tumbull, p. 83, J. Emerson Tennent, A Treatise on the Copyright of Designs for Printed Fabrics, Londres, 1841, p. 23. “The Rise and Progress of Great Manufactories by the Proprietors ~ Messrs. Har- greaves Calico Print Works at Broad Oak, Accrington”, Journal of Design, v. 111, n.15, maio 1850, p. 79 Select Committee on the Copyright of Designs, Minutes of Evidence, Parliamentary Papers, 1840, v. Vi, par. 105. Select Committee on the Copyright of Designs, 1840, pars. 108, 2085, 2879, 4646-47. Tennent, p. 31. Great Exhibition of 1852, Jury Reports, v. tv, “Supplementary Report on Design to Class XXX", pp. 710-11. Great Exhibition of 851, Jury Reports, v.1¥, p. 745. Livro de registro manuscrito de H. Fieldlong & Bros. de receitas de corantes e pro- ‘cessos de impressio, datado de 12 de fevereiro de x824, Victoria & Albert Museum, Departamento de Téxteis, T12-1956. 24 25 26 7 29 30 3 32 33 34 35 “39 40 4 42 43 45 Muitas das cartas originais de Mayhew foram reimpressas em seu London Labour and the London Poor, 4 vols., 1860; outra selegdo encontra-se em The Unknown Mayhew, E. P. Thompson eB, Yeo, Marmondsworth, 1973. Esta tltima obra é particularmente relevante para este capitulo, pois contém grande quantidade de informagdes sobre costureiras e marceneiros. ‘The Unknown Mayhew, p. 140. Ibidem, p. 265. Ibidem, p. 141. Ibidem, p. 218. Royal Commission on Children’s Employment, Second Report, Parliamentary Papers, 1864, ¥. XX11, p. 163 Royal Commission on Children’s Employment, 1864, par. 410. Para um aprofundamento da discussio sobre o impacto da méquina de costura, ver Marx, v1, pp. 601-04. The Unknown Mayhew, p. 232. Royal Commission on Children’s Employment, 1864, p. 202, par. 88. Citado em C. W. € P. Cunnington, Handbook of English Costume in the Nineteenth Century, Londres, 1959, p. 486. Ibidem, p. 487. George Gifford, “Argument of Gifford in Favor of the Howe Application for Exten- sion of Patent”, Nova York, United States Patent Office, 1860, apud Grace Rogers Cooper, The Sewing Machine, its Invention and Development, 2. ed. Washington D.c., 1976, p. 58. Ver The Unknown Mayhew, pp. 432-82. Ver, por exemplo, a descrigao de sua oficina em Liverpool por James Hopkinson, Victorian Cabinet Maker, editado por J. B. Goodman, Londres, 1968, p. 96. London Labour and the London Poor, p. 228. Ibidem, p. 235. Moming Chronicle, 4 de julho de 1850, p. 6. London Labour and the London Poor, p. 230. The Unknown Mayhew, p. 477 Morning Chronicle, 8 de agosto de 1850, Carta Lxtv, “Fancy Cabinet Makers of London”. Sobre esses temas, ver Quentin Bell, The Schools of Design, Londres, 1963;T. Kusamitsu, “Great Exhibitions before 1851”, History Workshop Jounal, n. 9, primavera 1980, pp. 70-89. Nassau W. Senior et. al. On the Improvement of Designs and Pattems, and Extension of Copyright, Londres, 1841 Select Committee on Arts & Manufactures, Parliamentary Papers, 1836, v- 1X, par. 1593 Ibidem, par. 1598. “Art and Its Producers”, Colleted Work of William Mors, v. xx1, Londres, 1914, p. 352. 87 DUPER ANOLAGAD aut DAS Gy Em seu catélogo de 1895, a firma norte-americana de venda por reembolso postal Montgomery Ward & Co. oferecia 131 tipos de canivete, agrupados em quatro categorias: “para senhoras”, “para homens”, “para meninos” e “para homens, pesados e de caca”. Embora houvesse diferengas entre as ca- tegorias, as variagdes dentro de cada uma delas eram relativamente peque- nas. Os catdlogos de outras empresas de reembolso postal, lojas de departa- mentos e fabricantes do século x1x revelam que essa espantosa variedade de escolha era normal em tudo, de canetas a méquinas de costura ou cadeiras para sala de jantar. Essa profusdo continua até hoje, embora em menor escala, e permanen- temente irrita os moralistas do design, que a consideram um abuso e um desperdicio de energia, uma vez que nao contribui em nada para melhorar a existéncia humana. Porém, ainda que uma diizia de designs de canivete pudesse atender as necessidades dos clientes da Montgomery Ward tao bem quanto os 131 oferecidos, dificilmente se poderia culpar a empresa pelo excesso de produgao de designs quando essa amplitude de escolhas era universal. A diversificagao de modelos, nao apenas para atender as muitas categorias diferentes de uso e usudrio, mas também a grande variedade existente dentro de cada categoria, era um trago tao caracteristico da in- 89 Canivetes para senhorase para homens. Alguns exemplos da variedade de canivetes dobréveis vendidos pela firma norte-americana de reembolso postal Montgomery Ward. Os canivetes “femininos” distinguiam-se sempre dos masculinos pelo tamanho menore cabo mais fino, em geral feitos de osso branco (emver de chifre, modelos para homens). Do eatdlogo dda Montgomery Ward &Co., n.§7, 1895, PP. 440-41. dustria do século x1x, que no pode ser descartado como resultado de mera teimosia e irresponsabilidade. Embora os métodos artesanais ainda em uso na maioria das indtstrias do século x1x se prestassem & producdo de muitos designs diferentes, a pa- dronizagao teria sido facil e nao havia nada no sistema de produgao de mer- cadorias que obrigasse os fabricantes a buscar a variedade. E evidente que 0 faziam porque eles e seus clientes queriam ter 0 poder de escolha, ¢ havia razio nessa diversidade, pois os designs cafam em distintas categorias que correspondiam, em geral, a nogées sobre a sociedade e sobre as distingdes dentro dela. As diferengas entre os designs de bens manufaturados torna- ram-se assim a encarnago das ideias contemporineas de diferenga social. Ao contrério da maneira confusa ¢ contraditéria que essas ideias costuma- vam assumir na mente de homens e mulheres comuns, o design as repre- sentava numa forma que era a0 mesmo tempo clara, tangivel e irrefutdvel. Os designs de canivete da Montgomery Ward estavam divididos em quatro classes, conforme suas fungGes, a idade e 0 sexo do usuario, Desse modo, os canivetes para senhoras distinguiam-se dos destinados aos ho- mens, enquanto os dos meninos eram superficialmente semelhantes aos dos homens, mas quase sempre tinham apenas uma articulagdo para as 1- minas, tornando-os mais simples e baratos. Bssas distingdes, que poderiam S25 ars... a Pees. EERE ES, eS === ORS EarESS.. ser identificadas em muitos outros produtos, baseavam-se no pressuposto de que as pessoas em cada categoria de idade, sexo, classe ou posicdo so- cial se viam como diferentes das de outras categorias, e queriam que isso se tefletisse nos bens que compravam e usavam, Embora a diferenciagao de designs expressasse as divisdes que os fabricantes viam na sociedade, essa visdo devia corresponder de perto a dos consumidores, para que conseguis- sem vender seus produtos. Portanto, tomada em seu conjunto, toda a gama de bens manufaturados constitufa uma representacao da sociedade. Oestudo do design nao somente confirma a existéncia de certas distin- g6es sociais, mas também mostra 0 que se pensava que eram essas diferen- gas entre categorias. No século xrx, passou a dar-se grande importinci: distingdes entre homens e mulheres, ¢ entre adultos ¢ criangas. A divisdo , pode ser vista com menos clareza no design, principalmente porque a pobreza da classe tra- entre classes, embora de imensa importéncia hist61 balhadora a impedia de comprar muito, ¢ as classes médias conseguiam expressar suficientemente bem seu status apenas com o poder de comprar artigos nao acessiveis aos trabalhadores. Foi somente quando as classes se encontraram na relagio de patro e criado, ¢ os criados usaram roupas ¢ artigos comprados por seus patrdes, que ficou ficil perceber a diferenciagio das classes sociais no design. MASCULINO E FEMININO Ao longo da histéria, homens e mulheres sempre usaram roupas diferentes €, mesmo quando as mulheres comegaram a usar calgas, ou quando a moda “unisex” apareceu na década de 1960, a convengao, apesar da interferén- cia temporéria, nunca esteve em sério perigo de ser abandonada.? Entre as maneitas possiveis de classificar as roupas, como por classe, idade ou raga do ustétio, o sexo &a primeira e a mais comum nas histérias do vestudrio, pois, ainda que o design das roupas usadas por homens e mulheres tenha mudado, os trajes masculinos, em qualquer tempo e em qualquer lugar, quase sempre foram instantaneamente reconhecidos como diferentes dos femininos. J. C. Flugel, em The Psychology of Clothes {A psicologia das roupas], sugeriu que o motivo dessa diferenga é oferecer uma advertén: atragao homosexual nos encontros sociais.? Porém, no se pode aplicar esse contra a para a diferenciagio sexual de artigos de puro uso pessoal, tais como pentes, relégios e barbeadores elétricos, que dificilmente funcionariam como sinais de género; a melhor maneia de explicar o design deles é por meio de sua con- formidade com ideias aceitas do que ¢ apropriado para homens ou mulheres —em outras palavras, por meio das nogdes de masculinidade e feminilidade, ‘que no se referem a diferencas bioldgicas, mas a convengies sociais. Dos 131 canivetes oferecidos pela Montgomery Ward em 1895, dezes- sete etam descritos como canivetes para senhoras. Embora seja improvavel que houvesse alguma diferenga significativa no modo de cortar praticado por homens e mulheres norte-americanos, os femininos eram menores € tinham cabo pérola ou branco; os masculinos eram maiores e muitos de- les tinham cabo de chifre. Os catdlogos das lojas de departamentos e das firmas de venda por reembolso postal revelam muitos outros exemplos de designs que distinguiam o sexo do usudtio, Os estojos de toalete ilus- trados no catdlogo de 1907 das Army and Navy Stores eram clasificados como para damas e para cavalheiros, com diferencas no contetido, ¢ os préprios estojos tinham desenhos bem diferentes: 0 dos cavalheiros era recoberto de pele de porco; o das damas, de marroquim, Era uma distin- «0 coerente com outros artigos de couro, em que pele de porco, couro cru e aligétor eram os acabamentos costumeiros para malas masculinas 05 mais delicados marroquim e crocodilo para as femininas. Dentro do estojo, os artigos de uso comum a ambos os sexos também cram diferentes. Nas varias paginas de escovas de cabelo do catélogo das Army and Navy Stores, as escovas masculinas eram caracteristicamente ovais, com potico ou nenhum ornamento; as femininas, mesmo a um prego equi valente, tinham cabos e eram, em geral, entalhadas ou gravadas. Nos relé- gios de pulso, a disparidade de tamanho era maior do que a existente entre © pulso do homem e o da mulher, ¢ os femininos tinham usualmente linhas € mostradores mais delicados. Sendo menores, os reldgios para mulheres eram, em geral, mais caros, mas, quando podiam ser comparados a rel6- gios masculinos de prego similar, os modelos femininos eram ainda mais ornamentados. No catdlogo citado, todos os masculinos tinham nimeros romanos, ao passo que os femininos traziam numerais ardbicos, cuja forma ~curvilinea, em vez de angular talvez fosse considerada mais delicada Artigos em que o design ¢ determinado pelo sexo do usudrio podem ser encontrados em todos os periods da hist6ria. A aparéncia das bolsas do No, 44, DRESSING BAGS First Fioor, 93 Acima:escovas de cabelo para mulheres para homens, ‘catélogo Army and Navy Stores, 1908. As escovas femininas, distinguem-se por tercaboe, em geral, maior quantidade de ornamentos. Aba: reldgios femininos e relégio masculino, catdloge ‘Army and Navy Stores, 1908. Além de ser maiore teruma pulseira de couro, em ver de metal, 0 relégio para homem tem ‘timeros romanos, 20 contrério dos relégios para mulheres, que tém niimeros ardbicos. 94 século xvi ou dos barbeadores elétricos modernos, por exemplo, indicaré se sdo para homens ou mulheres. Mas a diferenciagao sexual no design nunca foi tio amplamente usada como no final do século x1x. A nogao de grande diferenga entre os sexos estava associada ao fato de que os homens e as mulheres das classes altas e médias do século x1x se vi- ram levando existéncias muito separadas. A exclusao gradual das mulheres de classe média e alta da vida ativa politica e comercial a partir do século xvt atingiu um ponto, na metade do século xxx, em que sua vida pitblica estava restrita as fungdes “sociais” de receber e retribuir visitas. Justificava-se esse estado de coisas coma afirmagio de que a mulher nao era feita para outro tipo de existéncia devido a sua constituigdo supostamente frdgil e delicada, e seu temperamento sensivel e emocional. Algumas das caracteristicas femininas atribuidas as mulheres foram descritas por uma autora popular, a Mrs. Ellis, em seu livro The Daughters of England (As filhas da Inglaterra}, publicado em 1845: Como mulher, entZo, a primeira coisa importante é estar contente em ser inferior aos homens ~ inferior em energia mental, na mesma proporgao em que vocé & inferior em forga fisica. Facilidade de movimento, aptidao e graca, a constituicio ‘corporal da mulher pode possuir em grau mais alto que.a do homem; assim como quanto aos toques mais suaves de beleza mental e espiritual, o caréter dela pode apresentar uma pagina mais adordvel que o dele.s Em contraste, julgava-se que as qualidades do homem estavam na forga, no vigor, no amor da aventura e na capacidade de reprimir a emogio. Essas su- postas diferencas, que enganam com a confusio entre diferengas fisicas re- ais e diferencas psicoldgicas atribufdas, encontram-se tanto nos romances como em obras cientificas do século xix. Até mesmo um observador cuida- doso da raga humana como Francis Galton escreveu, sem qualificagao, em seu Inquiry into Human Faculty and Its Development [Investigacdo sobre a qualidade humana e seu desenvolvimento) (1883): “Uma peculiaridade notdvel no carter da mulher é que ela é caprichosa e recatada, e menos franca que o homem”, declarago que repete exatamente as diferencas entre homens e mulheres no romance de Elizabeth Gaskell, Wives and Daughters [Esposas efilhas], escrito dezenove anos antes.5 Nessa obra, as qualidades femininas representadas em Molly Gibson sao virtude moral, sensibilidade e susceptibilidade & do- enca; em sua meia-irma Cynthia Kirkpatrick, elas so beleza e inconstancia. s principais personagens masculinos do romance, dr. Gibson e Roger Ha- miley, distinguem-se pela retidao, pela dedicagio a uma causa maior (um a medicina, o outro a ciéncia), pela energia e vigor e pela capacidade de supe- rata emogao. Porém a Osborne, o irmio de Roger Hamley, faltam-lhe todas essas qualidades ~ e, consequentemente, ele no sobrevive ao final do livro. Poucas declaragées podem expressar a grande distancia que havia en- tre 0s ideais masculino e feminino da era vitoriana de modo mais sucinto do quea seguinte, retirada das reminiscéncias de um septuagenério norte- americano publicadas em 1910: A natureza fez a mulher mais fraca, fisica e mentalmente, do que o homem, e também melhor e mais refinada. O homem, em comparagdo com ela, é gros- seito, forte e agressivo.$ Uma vez que h4 poucos indicios de que opiniGes tZo firmes como essas tenham sido expressas antes do século x1x, parece que a masculinidade e a feminilidade assumiram essas caracteristicas distintivas no decorrer do século, As caracteristicas ndo existiam como realidades, mas como ideias; para viver tranquilamente com elas, as pessoas precisavam de provas de sua verdade. A fic¢io, a educagio ea religido contribufram todas para isso, e.0 mesmo fez o design. As diferencas entre os estojos de toalete das Army and Navy Stores correspondiam exatamente As diferengas que se dizia existit entre homens e mulheres: duros e grosseiros de um lado, delica- das e refinadas do outro. Porém, ao contratio dos outros portadores dessa ideologia, que se baseavam muito nas palavras, o design era mais potente, pois oferecia sinais duradouros, visiveis e tangiveis das diferencas entre homens e mulheres tal como se acreditava que existissem. Barbeador elétrico ‘masculino Philips, 1980, e depilador Ladyshave" Philips, 1980, 0 aparetho feminino éeoloridoe decorado com motivo floral, tendo assim uma aparéncia mais “feminina” do que o modelo preto masculine. ‘Arthur Devis: The James Family, dleo, 751. Uma percepcio do século sein da infincia: as criancas estio vestidas eso representadas como adultos. INFANCIA Assim como podia encarnar distingdes entre masculino e feminino, o de- sign também podia expressar pressupostos sobre a natureza da infincia A louga ea mobilia, destinadas as criangas de classe média, que a inddstria comecou a produzir em quantidade no finalzinho do século xix eram pin- tadas em tons pastel ou decoradas com imagens de animais ou cenas de cang6es infantis. Esses artigos raramente — se tanto — seriam comprados pelas préprias criangas e sua aparéncia devia ter menos a ver com os dese- jos infantis do que com a vontade dos adultos de perceber as necessidades das criangas como diferentes das suas. O historiador francés Philippe Ariés, em Centuries of Childhood (Séculos de infincia}, analisou como a infancia veio a ser vista como uma condigao, ndo simplesmente de debilidade, mas também de inocéncia, ingenuidade e virtude. Mesmo que ele tenha razao ao situar as principais mudangas nos séculos xvi XVII, est claro que as ideias nao pararam de se desenvolver naquela época. A crenga progressiva na bondade absoluta da infaincia culminou nas descrigdes tremendamente sentimentais da inocéncia infantil que se encontram na litera tura da virada do século x1x para o xx; somente com as descobertas da psicand- lise as ideias sobre a natureza da infancia comecaram a mudar. Sinais das mudangas na percepgio podem ser vistos no modo como as criangas foram representadas. Em The James Family (A famflia James), um re- trato da metade do século xviii de Arthur Devis, as filhas ganham destaque igual a0 dos adultos na composigio e esto vestidas como adultos em mi- niatura. O retrato que C. R. Leslie fez da familia Grosvenor em 1831 faz das criangas 0 centro da atenco, mas distingue os mais jovens por suas roupas: 0 menininho préximo da esquerda do quadro nao usa roupas de adulto, mas um camisolio, matca distintiva da infincia. Essas pinturas refletem a tendéncia geral do século x1x de tratar a inffincia como um estado privilegiado e enfatizar suas diferengas em relagio & idade adulta, mais do que os séculos anteriores. Essas mudangas, que podem ser documentadas nos manuais de educagao dos filhos dos séculos xvIII e xX, eram particularmente visiveis no vestudtio. Hi também provas de que brinquedos, jogos e livros para criangas comecaram a ser produzidos comercialmente no final do século xvitt, mas hd poucos in- dicios de méveis e lougas especialmente desenhados, com exceciio de bergos e caminhas com grades.” Os livros de modelos dos marceneiros e tapeceiros do século xv1t e infcio do x1x nao contém mobilia de quarto de crianga, a qual ram raramente chamados a fornecer.8 Porém, esse tipo de mobiliajé era re- conhecido como uma categoria especial quando a Encyclopaedia of Cottage, Farm and Villa (Enciclopédia da cottage, de fazenda e da villa} de J.C. Loudon, foi pu- blicada pela primeira vez, em 1833. Entre suas descrigdes muito detalhadas de designs e usos de méveis, havia uma seco sobre mobilia de quarto de crianca. A maioria dos itens eram verses em miniatura de cadeiras de palhinha e Wind- sor, as mesmas que apareceram a partir da metade do século nos catlogos de grandes fabricantes de mévei mobflia adulta, mas feitas especificamente para criangas. Uma delas, i Mas algumas nao eram simples versdes de justrada 97 C.R Leslie: The Grosvenor Family {A familia Grosvenor), 6leo, 1831. Uma ilustragio da mudanga de atitude em relacio Ainfaincia um século depois: as eriangas distinguem-se claramente dos adultos, realizando atividades cessencialmente infantis diante da familia e vestindo-se, em alguns ‘no centro da tela, com roupas infantis. Acima: méveis para sete bet tha quarto de cangas sn ong os Cadeiras de varios ine tose inalidades projetadas especialmente para criangas.Acadera Astley Cooper (embaic, desquerda) destinavaseafazeras criangassesentar eretas A mesa. DeJ-C Loudon, Enadopaedia of Catge Farm and Ville Ache, 1857, 1086. a Ba u ert ne Abaixo: canecas, icaras e copos para criangas, decorados com animais. Do catilogo Army and Navy Stores, 1998. BY ey Ht a om oS oma he fore when te Ser om a aoe, to whieh it ie atahed by a humbserew; and when the wep YW a ‘Acima louga infar pires Mister Rabbi Ceramica Shelley, 1926; prato para bebé, decorado com ursinhos,louga Cetem, 1935, Abaixo: méveis para quartode criangas, Heal’s, ¢. 1914 AtHeal’s fazia toda ‘uma linha de méveis infantis, nfo apenas cadeiras, mas mesas, armérios e cémodas, De Heal's & Co,, The Nursery Book, sd (e194) Farnitare for Children’s Use. Wo, War Tay Noi SEARS gin ty ME adh ans No, 95t. Ovk Chair without arme 69 Bue he. sv” Chest, painted slrk geen picked outwith beg nay 3 Gime wide by $e high 8 tes Nev dteoClee Corl oat teen 99 A exquenda:louga infant, Heals 6.1935. Talcomoa maioria dos utensilios para criangas,a decoragio era feta domésticos, neste caso, patos, galinhas gansos A direita: bule de ch ‘em formato de ‘cogumelo, de um aparelho dechd para ‘riangas, Cerimica Shelley, 926, desenhado por Mabel Lucie Attwell. Louga infantil levada a suas “ltimasconsequéncias por Loudon, era a cadeira Astley Cooper, nome do cirurgiio que a desenhou pata fazer as criangas se sentar eretas 4 mesa. Somente no finalzinho do século ppassou a existir uma gama inteira de mobilia infantil diferente da dos adultos, no somente em escala, mas também na forma e na aparéncia. Alguns desses artigos novos, tais como armarios para brinquedos, preenchiam necessidades especificas das criangas, outros ofereciam a vantagem de ser higiénicos ¢ fi- ceis de limpar, enquanto alguns eram decorados com imagens de animais e com cores que se julgavam apropriadas para criancas. Entre outras coisas, esses desenvolvimentos eram uma extensio das distingSes entre infaincia e idade adulta que jé haviam sido aceitas. Quanto mais as pessoas se convenciam da inocéncia e virtude da infincia ~ quali dades que de maneira alguma so naturalmente evidentes nas criangas -, mais confiantes se tornavam nos sinais fisicos exteriores para corroborar suas crengas; daf, por exemplo, a escolha de animais tais como coelhos ¢ ouricos para distinguir os utensflios infantis. Quando aves e mamiferos apareceram na porcelana para adultos, a associagao tendia a ser com a caga, mas os motivos nas porcelanas infantis eram diferentes, pois os animais eram antropomorfizados e as criangas deveriam ter empatia por eles. f possivel que a escolha desses simbolos para indicar infantilidade estivesse associada a énfase dada no final do século xix a0 jogo como uma ativi- dade essencial para as criangas. O fato de que isso era uma preocupagiio da classe média estd ilustrado pelas observacdes sobre infaincia operdria feitas pelos visitantes das novas escolas criadas na Gra-Bretanha pela Lei da Edu- cago de 1870. Esses visitantes registraram que ficaram “incomodados com total falta de infantilidade das criangas de rua”, e em uma drea de Londres, Bermondsey, organizou-se um Grémio de Jogos Infantis “para torné-las. criangas pequenas de novo e preencher suas mentes com verdadeiros jo- 0s infantis”. Os jogos em que as criancas imitavam animais eram con- siderados particularmente apropriados, e talvez seja porque propiciassem modelos to bons para um comportamento brincalhao e, portanto, infantil, que os animais (em especial, coelhos) apareciam com tanta frequéncia nas historias infantis e nos artigos para uso das criangas, como as lougas que a Cerdmica Shelley comegou a produzir na Inglaterra em 1902." Alguns artigos para quarto de criangas, como a cadeira Astley Cooper, eram projetados para influenciar o desenvolvimento fisico infantil, mas a maioria da mobilia e dos utensflios especiais nao tinha nenhuma relagao com a satide ou o fisico das criangas. O fato de as familias de classe mé- dia gastarem quantias sem precedentes em artigos infantis especialmente desenhados e decorados s6 pode ser explicado por mudangas nas ideias sobre as necessidades da infincia. O texto de introducao do catdlogo de mobflia infantil da Heal’s de 1914 aludia justamente a isso: Antigamente, as criangas, mesmo das familias abastadas, eram relegadas a um sétéo ou outra dependéncia julgada nao suficientemente boa para qualquer outro propésito, mobiliada com coisas descartadas de outras dependéncias. Nada era posto ld porque fosse especialmente adequado, mas porque se tor- nara inapropriado ou desgastado demais em outro lugar. ‘Agora, 0 quarto das criangas é escolhido com cuidado, bem iluminado e planejado, © aspecto, o tamanho, a ventilagio e a jovialidade geral sao levados em conta; em suma, tudo é feito para tornd-lo um lugar agraddvel e conve- niente, adequado as necessidades dos ocupantes, ¢, em todos os sentidos, um espago apropriado para treinamento, tanto fisico como moral, dos jovens. As criangas so muito suscetiveis ao seu ambiente e ¢ muito importante cereé-las com coisas ao mesmo tempo bonitas e iteis. Ponha uma erianga no meio de coisas vivas ¢ alegres e terd avangado muito no sentido de torné-la fe- lize de bom génio; é dificil cultivar essas virtudes num cendrio sombrio.’ Se, tal como a Heal’s argumentava, as necessidades recém-descobertas da in- fancia exigiam um ambiente especial, o efeito prético de aplicar esse principio a0 design foi consideraro que niio passava de especulagdes sobre a psicologia infantil como verdade objetivae afastar ainda mais a infancia da idade adulta. 101 CLASSES SOCIAIS Por importante que tenha sido o desenvolvimento das classes sociais na his- ria, as distingGes de classe no design esto longe de ser fiiceis de tragar. Em parte, isso se deve ao fato de que, até recentemente, as distingdes de classe eram to marcadas pelos varios padres de consumo que as diferen- as de design teriam sido irrelevantes. Porém, uma mercadoria comum a todas as classes ¢ a roupa, a qual, portanto, oferece um campo promissor para discutir a diferenciagao de classe. O vestudrio é considerado ha muito tempo um indicador social importante, mas jamais com tanta énfase como foi pelos vitorianos. A sta. Merrifield, em seu livro Dress as a Fine Art [A ves- timenta como uma arte] (1854), listou sua fungdo de marcar a posigéo do usudrio na sociedade em terceiro lugar, apds as necessidades de decéncia © aquecimento. Parte do motivo da preocupagiio do século x1x com essa fungio era o fato de as distingdes sociais costumeiras serem cada vez mais ignoradas ou escarnecidas. A criagio de roupas prontas baratas tornou pos- sivel a homens de todas as posicGes sociais usar trajes praticamente idénti- cos. Como 0 jornal francés Journal des Tailleurs comentou sobre o vestudrio dos visitantes da Exposigao de Paris de 1855: Entre o sobretudo preto de M. Rothschild ¢ o sobretudo preto de seu escre- vente mais humilde hd somente nuangas imperceptiveis que poderiam ser apreciadas apenas por um aprendiz de alfaiate ~ o sobretudo de M. Rothschild vem provavelmente das oficinas Renard e lhe custou 180 francos. O do escrevente foi comprado, sem diivida, na La Belle Jardiniére e custa cerca de 35 francos. No momento, essa é a tinica diferenga, mas o sobretudo de M. Rothschild per- manecerd preto, e o do escrevente ir4 do azul ao cinza sujo. M. Rothschild também goza de mais liberdade em seus movimentos."? O vestudrio expressava desejos conflitantes de obscurecer as distingdes sociais e de torné-las aparentes, e por isso ele niio é de forma alguma um exemplo direto da expresso da estrutura de classes no design, além de ser complicado pelo fato de que as classes trabalhadoras, com frequéncia, usa- vam roupas de segunda mio. O iinico tipo de vestudrio especifico da classe operitia eram os casacos e calgas ordinérios vendidos pelos armazéns como trajes de trabalho.** Essas roupas baratas e folgadas eram feitas de brim, fustdo ou molesquim (tecido grosso de algodao); na pratica, aqueles que uusavam esses trajes seriam identificados como operdrios, mas essas roupas no eram desenhadas nem escolhidas com essa intengdo em mente. Um tdpico mais recompensador para comparagdes so os téxteis, pois os tecidos de algodo estampados estavam entre os primeiros produtos feitos industrialmente que foram vendidos a todas as classes. No século xvit1, o algodao estampado era relativamente caro ¢ estava na moda para mulheres de classe média e alta, Embora esse tipo de tecido pudesse ser comprado pela classe média para uso de suas criadas, como fez Parson Woodforde, que registrou em 180r ter comprado “dois vestidos de algodio para minhas duas criadas, cor-de-rosa e amatelo, 17 jardas a 2/64, 2.2.6d”,'5 ele no se- ria adquirido pelas préprias mulheres da classe trabalhadora. Os vestidos de algodao estampado usados pelas mulheres trabalhadoras eram, em geral, de segunda mio ou descartados. Era mais comum que as pessoas da classe operéria usassem roupas de la, em ver de algodao."° Com a grande expansio da indiistria de algoddo de Lancashire no co- meco do século x1x, o mercado mudou. Pela primeira vez, as mulheres da classe trabalhadora podiam comprar tecido de algodio para elas mesmas, co fizeram em tal escala que, em 1818, jé se dizia que constitufam quase todo © mercado interno para 0 comércio de algodio estampado. Um negociante de fazendas de Londres registrou em 1818 que os tecidos estampados “so usados principalmente por criadas e as classes mais baixas de pessoas”..” As vendas de algodio estampado para os clientes de classe média haviam decli- nado nas duas primeiras décadas do século x1x devido & moda de usar ves- tidos brancos lisos, inspirada, dizia-se, pela vontade de imitar a forma das figuras cldssicas. Embora o algodao estampado tenha voltado & moda na dé- cada de 1820, as classes trabalhadoras ainda dominavam o mercado interno. Como os préprios fabricantes reconheciam, o mercado estava ento divi- dido entre uma freguesia trabalhadora para estampados, principalmente em tecido inferior, e compradores elegantes de estampas em tecidos superiores de algodao."* Em teoria, os mesmos desenhos poderiam ser estampados em tecidos de qualquer qualidade, mas, na pritica, os estampadores usavam de- senhos diferentes para os dois mercados. Certos padrdes que se sabiam po- pulares entre a classe trabalhadora eram produzidos em grande escala para esse mercado." De acordo com depoimento dado a uma Comissio Especial em 1818, 0 uso de xadrezinho, tanto tecido como estampado, era normal- 103 ee Interior de fébrica de tecidos, c. 1830. ‘As mulheres vestem radrezinho e algodio cestampado com listras, traje caracteristico da classe operéria da Spoca. De E. Baines, History of the Cotton Manufacture in Great Britain, Londres, 1835, mente restrito & classe trabalhadora.2° Uma gravura que representa o interior de uma fabrica de tecidos na década de 1830 mostra uma operaria vestida com xadrezinho e outra com algodao listrado, sugerindo que esses padrées eram caracterfsticos do vestudrio da classe trabalhadora. De acordo com de- poimento dado em 1840, havia uma demanda constante pelos trabalhadores de ampla classe de estampados simples, em particular listras de Bengala e verde ou azul-marinho com bolinhas brancas.* Esses padres eram tipicos da roupa da classe trabalhadora na década de 1840, como confirma a des- crigao de uma criada no romance satirico de Henry e Augustus Mayhew, The Greatest Plague in Life (A maior praga da vida], publicado em 1847: Quando a garota presungosa chegou a estacao, tinha uma aparéncia tao limpa, ordeira e respeitvel, ¢ usava um vestido de algodao liso tao bonito, de uma inica cor — sendo uma bela mancha branca em um campo verde escuro [ que me senti bem encantado ao vé-la vestida to cuidadosamente quanto uma ctiada respeitavel deve estar. Afora os padrées familiares de listras e bolinhas, nao é possivel identifi- car, a partir dos catdlogos de padrdes que chegaram até nds, quais designs eram voltados para o mercado da classe trabalhadora. Certas firmas es- pecializaram-se em estampados baratos, mas seus catslogos de estampas nao so os que sobreviveram e apenas de modo ocasional é possivel identi- ficar designs reconhecidamente destinados a classe operdtia. Para o mercado de classe média, os estampadores produziam desenhos, principalmente em tecidos mais caros, concebidos para atrait clientes abas- tados pelo refinamento e pela qualidade dos designs, bem como por sua novidade. Uma sucesso constante de novos desenhos era produzida em pequenas quantidades para as mulheres de classe média que desejassem vestir-se com estampas que ainda nao haviam sido reproduzidas nos tecidos mais baratos, usados pelas mulheres da classe trabalhadora. £ dificil definir exatamente como as estampas para a classe média diferiam das da classe trabalhadora e se elas davam alguma indicacao sobre as diferengas que se supunham existir entre as duas classes. De qualquer modo, muitos designs da moda foram posteriormente reproduzidos pelos fabricantes em algodaio barato, uma prética que atrafa a freguesia da classe baixa desejosa de seguit moda, ao mesmo tempo que fazia as donas de vestidos estampados se des- fazer deles, porque se haviam tornado “comuns”, € comprar novos.*¥ Os in- dicios existentes sobre os desenhos destinados exclusivamente classe tra- balhadora sugerem que se julgava que eles se distinguiam pela vulgaridade e crueza. Porém isso nao parece ter sido uma caracteristica permanente, pois, como escreveu um critico em 1856: esquerda: vestidode algodio estampado, Inglaterra, 1784, No séeulo xv, ouso de algodio estampado, como deste vestido, esta restrito As classes média alta A direita: vestido de algodio branco, Inglaterra, c. 810. Ocrescimento do mercado da classe ‘operdria para algodio estampado fez com que as classes alta e média passassem a comprarapenas algodio fino branco. Designs para estampar algodao, Inglaterra, 1850. So exemplos raros de estampas que se sabe terem sido produzidas especificamente para o mercado da classe ‘perdi. De Journal of Design, v.1v, 9. 33, setembro de 1851, pp. 9-10 («1 as boas autoridades dos condados de Midland, pelo menos, dizem quea grande massa da populagdo que compra usualmente essas coisas prefere os desenhos menores, nitidos ¢ de cores mais simples as abominagées borradas ue se costumavam procurar antigamente e que, em demasiados exemplos, os fabricantes ou varejistas menos observadores ainda supdem constituir 0 gosto da classe trabalhadora.* E nem sempre era bem-sucedida a tentativa de distinguir entre o refinamento dos designs paraa classe média e a grosseria dos designs para classe traba- Ihadora. O modo como uma estampa era julgada podia depender, em larga medida, de quem a estava usando; como outro critico observou, ocorre as vezes que uma estampa de estrelas, que estariamos dispostos a cha- mar de extremamente vulgar numa pessoa comum, é usada com impunidade Por alguém de uma posigao social ultraelegante. Um ar distinto e uma pessoa fina podem tornar um sucesso a extravagincia de um desenho [...].°5 Assim, embora os indicios nao deixem diividas de que havia diferenciagio de classe nas estampas, a identificagdo da classe para a qual determinados designs se destinavam se torna dificil, sendo impossivel, devido & natureza do mercado para tecidos de algodao, no qual os fabricantes, seus clientes e a passagem do tempo conspiram todos para obscurecer as distingdes que possam ter existido em qualquer momento. A histéria de outra mercadoria, 0 sabio, mostra o uso comercial do de- sign para criar demanda em um mercado de classe em particular. Ao contré- rio dos tecidos de algodao estampados, em que a diferenciacao de classe no design era aceita havia muito tempo, os produtos de sabio niio eram fabrica~ dos para classes especificas de consumidores até que W. H. Lever comegou acomercializar seu novo sabao, Sunlight, dando-lhe uma imagem de marca com apelo especifico a classe trabalhadora. O sabdo para lavar roupas ¢ lim- para casa foi fabricado na Gra-Bretanha numa escala que aumentou constan- temente durante o século x1x.** Em 1885, j4 havia muitas firmas bem estabe- lecidas no ramo, mas nenhuma delas produzia sabao num formato sobre o qual se pudesse dizer que possufa design. Havia cerca de meia diizia de va- riedades basicas de sabao doméstico, feitas por essas empresas conforme re- ceitas conhecidas. O sabio era fornecido em barras longas aos comerciantes, que cortavam os pedagos e vendiam por peso aos clientes, da mesma forma que 0 queijo, por exemplo, Até a década de 1880, cada fabricante de sabiio atu- ava num mercado regional do qual tinha o monopélio. Havia assim pouca ou nenhuma concorréncia entre os fabricantes. Qualquer estampa ou marca no sabao nao interessava ao consumidor, que escolhia um tipo de sabao - “mos- queado”, “coalhado”, “primavera” ou “Windsor” —e nao uma marca.’”7 Como explicou um dos principais fabricantes de sabao na época: hd pouca ou nenhuma diferenca de qualidade entre diferentes marcas de sabio em barra - hd um primavera Thomas, um primavera Knight, um pri- mavera Cook ~, todos o mesmo sabao. Portanto, é impossivel, pela natureza do caso (...}, tentar por meio de propaganda criar uma demanda em favor de qualquer marca em particular.** Barrade sabioe tablete do sabao Sunlight. As barras, cortadas e vendidas ‘peso a0 consumidor, eram a forma normal devenda de sabio até que W.H. Levercomecou 1 produzir tabletes de ‘uma libra estampados 107 Embalagem de papel impresso do sabiio Lifebuoy. além de vender ssabio em tabletes, Lever ‘embrulhou-o em papel impresso com o nome ‘da marca. texto de propaganda do produto. Isso assegurava a diferenciagéo de sua rmarcaem relagiio a todas as outras. Essa situagdo mudou rapidamente com a chegada de W. H. Lever a indiis tria do sabao, em 1885. Lever fora sécio de um atacadista de secos ¢ mo- thados, com filiais em Bolton ¢ Wigan, um negécio que, para prosperar, dependia da elevacio do padrio de vida dos consumidores da classe traba- Ihadora, Em 1884, ele comecou a se cansar dos secos e molhados e voltou sua atengao para 0 sabio, produto em que os lares da classe trabalhadora tendiam a gastar cada vez mais dinheiro. Lever pretendia conquistar com um produto especial esse mercado, que os fabricantes de sabiio domés- tico existentes ainda ndo haviam tentado atingir. Ele teria tanto sucesso na venda de seu novo sabio “washer” que outros fabricantes se deram 0 trabalho de divulgar que seus sabdes em barra nao eram para clientes da classe trabalhadora. Um fabricante tradicional explicaria: Os sabées em barra nao entram em competigio com os “washers”, Esse €um sabao especial vendido nos bairros de classe baixa, ¢ vemos [...] que ele niio vende nos bairros da classe abastada. Eles ainda se aferram ao sabio em barra de uma ou de outea forma.” No negécio de secos e molhados, Lever vendera sabio em barra feito Por outros fabricantes, mas com sua marca. Em 1884, ele percebeu que, Para aumentar suas vendas aos clientes da classe trabalhadora, teria de anunciar. Para isso, precisava de um produto diferenciado com um nome diferenciado, Em 1884 ou 1885, colocou o nome “Sunlight” em todos os sabdes em barra que vendia; entre eles, estava um sabiio feito com alta proporcio de leo de dendé, em vez de sebo, de tal forma que o produto tinha a qualidade de fazer espuma facil, o que permitiu que Lever o anun- ciasse como “o sabao que lava a si mesmo” ou sabao “autolimpante”. Ele previu um futuro para 0 produto como sabio doméstico para o mercado da classe trabalhadora. Para distingui-lo dos tipos existentes de sabao em barra e chamar a atengdo para a marca, passou a vendé-lo em tabletes de uma libra, jé embrulhados numa imitagio de papel pergaminho impresso com seu nome ¢ a marca Sunlight. Embora tenha havido precedentes nos Estados Unidos, 0 sabio em tablete era uma novidade na Gra-Bretanha, que distinguiu de imediato produto de Lever, tanto pela aparéncia como pela marca, de todos os outros sabdes nas mercearias.. Devido a dificuldades com os fabricantes do sabio “washer”, Lever arrendou uma fibrica de sabaio em Warrington, em 1885, e comegou a fa- bricd-Io ele mesmo. A partir de ent2o, foi o Gnico tipo de sabao a ser cha- mado de Sunlight, nome que identificava tanto um tipo como uma marca. O negécio de Lever tornou-se rapidamente um sucesso fenomenal: a pro- dugo anual aumentou de 3 mil toneladas, em 1886, para 18 mil toneladas em 1890, um ano apés sua mudanga para a nova faibrica, em Port Sunlight, e para cerca de 52 mil toneladas em 1900. Boa parte do sucesso de Lever baseava-se em ter identificado um mercado de classe trabalhadora distinto ¢ ter projetado e embalado um produto que pode entZo anunciar com eficécia, uma opgao que nio estava disponivel aos outros fabricantes, devido & falta de diferenciagio de seus produtos. Lever esmerou-se na propaganda, usando slogans inteligentes, exibindo antincios nas estagdes ferrovidrias e outdoors ao longo das estradas, bem como nos jor- nais. A propaganda era sempre ditigida especificamente aos compradores da classe trabalhadora, como 0 proprio Lever deixou claro mais tarde: No primeiro manual que langamos com o sabo Sunlight, esctito por mim mesmo, intitulado Sabdo Sunlight ecomo usé-lo, tudo foi trazido para o nivel das necessidades do trabalhador. © inico ponto em que fui além disso foi com instrug6es para limpar capim-dos-pampas [pampas grass}, plumas e assim por diante, mas considero que essas coisas se encontram em muitas casas de tra- balhadores, o capim-dos-pampas num vaso sobre a Biblia, na sala de estar, ¢ as plumas nos chapéus das filhas.?° As outras estratégias de publicidade de Lever, das quais a mais famosa foi oslogan “Por que a mulher parece mais velha mais cedo do que o homem?”, Antincios do sabiio Sunlight. A propaganda 6 se torou possi! depois que o produto de Leveradquiriu. uma imagem de marca, Aniincios como estes cram ditigidos ‘a0 consumidor da classe operiri também tinham por alvo os consumidores da classe trabalhadora. Essas técnicas agressivas de propaganda, que eram deploradas pelos outros fa- bricantes, conseguiram tornar o sabao Sunlight popular na classe & qual se destinava, Com a venda de sabes convencionais confinada aos bairros de classe “abastada”,, o sabiio, que jamais se diferenciara, exceto em sua composigio, passou a se distinguir por classe de usuario. A histdria do sabao Sunlight demonstra um uso extremamente simples do design. Diferentemente dos tecidos de algodao estampados, em que 0 préprio design determinava quem seria 0 comprador, nao havia nada na aparéncia dos tabletes de Sunlight que o identificasse aos olhos do con- sumidor como um sabdo para a classe trabalhadora. O papel que o design desempenhou aqui foi apenas de criar uma mercadoria que era suficiente- mente diferenciada para ser anunciada com eficécia. Saab FIRST! PATRAO E CRIADO Foi quando as classes se definiram como patrées e criados, ou em orga- nizagdes em que havia hierarquia de empregados, que as diferencas em design se tornaram suficientemente consistentes para dar uma ideia clara das distingdes que se pensava existir. Fossem as pessoas ferrovidrios, cai- xas de banco ou vendedores, o design das roupas que vestiam e dos artigos que usavam ajudava a definir seu status e a natureza de suas relagdes uns com os outros e com seus empregadores. A relacio entre criados domésticos e seus patrdes, embora nao fosse de forma alguma o iinico tipo de relagio patrao-criado existente no século XIX, era uma das mais complexas e embaracosas. Na metade do século, jé se referiam a ela como um “problema”, 0 que indica que estava passando por algum tipo de mudanga. A visdo de hoje sugere que o problema nao estava no servico doméstico em si, mas resultava de outras mudancas, que faziam dele uma forma arcaica de emprego. Empregos em que o traba- Ihador morava na casa do patro, comia sua comida e era considerado uma responsabilidade dele haviam sido normais em outros tempos, mas, na maioria das ocupagGes, essa forma de emprego desaparecera durante 0 século xvttt. Esses costumes sobreviveram no século x1x somente para empregados agricolas em alguns distritos e para os criados domésticos. Em geral, os homens e as mulheres da classe trabalhadora procuravam empregos em que ndo tivessem de morar e fossem pagos apenas em di- nheiro, A sobrevivéncia da forma anacrénica de servigo doméstico numa época em que as outras ocupagées davam mais liberdade e independéncia provocava considervel descontentamento entre os criados, que viam seus amigos e parentes levando uma vida mais independente, embora menos segura, ¢ 05 invejavam por isso. No final do século xrx, esse descontentamento levou a queixas cada vez mais comuns dos patrées contra criados “teimosos” e desobedientes. Qualquer aspiracao a independéncia era combatida pela crescente preocu- ado dos patrdes e patroas em se assegurar de que seus criados fossem identificados como diferentes deles. Um sintoma disso era a ansiedade das patroas diante da possibilidade de serem confundidas com suas cria~ das, ou estas com aquelas, ambas situagdes temas de cartuns e histérias humoristicas na metade do século.* at nz Embora os criados do sexo masculino usassem normalmente uni- formes desde o século xvrit, as criadas, que eram em muito maior nt- mero, ndo usavam trajes diferenciados até a década de 1860.3 As criadas de Parson Woodforde usavam vestidos feitos de algodao estampado que ele comprava para elas, e pinturas do século xviii mostram criadas com trajes semelhantes as roupas do dia-a-dia que suas patroas usavam em casa, Uma vez que os patrées forneciam as roupas de seus criados, nao havia perigo de uma criada aparecer vestida de um modo que pudesse fa- zer sombra a sua patroa; de qualquer mode, a relagio era suficientemente bem definida para que nao fosse ameagada com tanta facilidade. Porém, na metade do século x1X, a diminuicao do preco dos tecidos de algodio es- tampados ¢ 0 fato de os estampadores reproduzirem os desenhos da moda em tecidos baratos possibilitaram que as criadas se vestissem com roupas que podiam ser confundidas com os vestidos vistosos do guarda-roupa de suas patroas. Diante dessa perspectiva, e com criadas que buscavam maior independéncia, as patroas comegaram a insistir que elas usassem unifor- mes, em particular as copeiras, que seriam vistas pelas visitas. A partir da década de 1860, tornou-se normal que as criadas vestissem vestidos pretos, com toucas e aventais brancos, o traje distintivo da criada doméstica que perdurou durante boa parte do século xx. status inferior das criadas foi enfatizado por outras estratégias. As regras de comportamento se tornaram cada vez mais elaboradas e ritua- lizadas; por exemple, jamais deveriam dar alguma coisa com as mos aos patrdes e visitantes, mas usar sempre uma bandeja de prata.* As restrigdes em relagio a quando as criadas podiam sair de casa e a quem poderia visité- las reforcavam o sentimento de que elas eram propriedade do empregador. Como se as regras nao fossem suficientes por si mesmas, a distingo en- ttre patrdes e criados tornou-se fisicamente aparente na metade do século do xix, quando comegaram a projetar grandes casas com dependéncias de empregados completamente separadas e sistemas de circulagao inde- pendentes, de tal modo que 0 servigo doméstico podia ser feito, em larga medida, longe do olhar dos patrées. Tipica nos arranjos para segregar os criados dos patrdes era a Walton House, em Surrey, remodelada por Sir Charles Barry em 1837. Os empregados ocupavam a metade de cima da edificagao, acima do eixo do pértico dos coches ¢ do hall de entrada, e seus aposentos ligavam-se ao do patrio apenas através de uma pequena porta Uniformes de ferroviérios, North Eastern Railway, 1905. As ferrovias sempre foram organizagdes muito hiierérquicas. As ocupagbes e as categorias dos empregados ‘expressavam-se no corte eno tecido dos uniformes. De North Eastern Railway, Specifications of Uniforms, Leeds, 1905, paginas opostas is PP. 63, 68, 101, 108. Da esquerda para adireita: Traje de paleté simples de chefe de estacao, modelo de verdo, em sarja azul, com quatro botées de mohair Inscriglo “NER” (North Eastern Railway) em ouro.em ambos os lados do colarinho. Traje de palet6 trespassado de ‘guarda de passageiros, modelo de inverno, em tecido de la de primeira qualidade, debruado com tecido escarlate, mangas com debrum vermelho de quatro polegadas e meia, botdes dourados, “NER” em dourado em ambos 0s lados docolarinho. Trajede paleté simples de sguarda de bens, em tecido de la de qualidade média, sem debruns, botées de chifre Guarda” em vermelho bordado no Indo esquerdo do colarinho, “NER” no outro lado. Traje de paleté simples de carregador, de veludo cotelé azul petréleo, seis botdes equenos de metal ‘Ao lado: Joseph van Aken: ‘An English Family at Teo (Uma familia inglesa na hora do ché), 6leo, ¢. 1720. Afora oavental, co traje dacriada que serve och no & muito diferente daqueles usados pelas damas sentadas, cexceto, tavez, pela qualidade do material, 13 ‘Acima, 8 esquerda: cartum dde uma senhora e sua criads com saia de crinolina, 1853, Criadas que imitavam 0 vestudrio de suas patroas era ‘um tema recorrente de ‘cartuns e histérias cBmicas da década de 1850€ aansiedade que ex relagio a isso antes que os uniformes de criadas se tornassem normais. De Punch, v. 24, 1853, p. 170. cima, & dita rum de senhoraecriada, 1853. ‘empregada vste mnifrme de esti preto, venta brancoe tvs, impossibittande qualquer confusfo com a patoa De Punch 8d margo de 1893, p23. ‘Ao lado: planta da Walton House hoje Mount Felix), Surrey, tal como foi remodelada por Sir Charles Barry, 1837-40. Asegregagao dos criados patrées é um principio fundamental do projeto. De R. Kerr, The Gentleman's House, Londres, 1864, ilustracio 28. na galeria de entrada e por uma passagem no extremo esquerdo da planta. Walton era uma manso, mas 0 mesmo principio de segregagao espacial fortemente definida estava presente em casas menores projetadas para as classes média e alta no século x1x.35 Essas solugdes arquiteténicas complicadas para o problema da rela- do entre patrio e criado estavam & disposigo apenas dos abastados. Um método mais econémico e, de muitas maneiras, mais incisivo de indicar aos criados a inferioridade de sua posigio social era a criagdo de designs mais humildes e simples para as camas em que dormiam, as cadeiras em que sentavam e os pratos em que comiam, Os catdlogos dos fabricantes de méveis do século xrx continham uma selegao de méveis de cozinha e de quarto de empregada, que se distinguiam pelo acabamento simples, falta de ornamentos e custo baixo. A mobilia era invariavelmente feita de pinho, natural ou pintado, bem diferente daquela destinada ao uso do patrao e da patroa nas outras dependéncias da casa. O catélogo da Heal’s de 1896 ilus- trava um quarto de empregada mobiliado por cerca de 4 libras, com uma armagio de cama de ferro simples, uma cémoda, cadeira e suporte para bacia em pinho natural. Embora uma criada com um quarto assim mobi- liado pudesse se considerar feliz, a simplicidade do design nao deixava dtivida sobre sua destinagdo. Mesmo nesse quarto, nao havia sinal de luxo, nenhum espaco para conforto ou descanso. O padrao geral do mobilidrio da maioria das dependéncias de empregados era muito menos confortével. Com frequéncia, eram mobiliados com refugos e calculados para nao dar criada nenhuma chance de sentir que poderia haver motivo para compara- do entre ela e sua patroa. Aligdo da austeridade da mobflia das criadas era aprendida por elas. As autobiografias de domésticas se referem com frequéncia ao desconforto dos méveis. Uma ex-criada, que comegou a trabalhar em 1922, escreveu: ‘Minha segunda tentativa foi uma clara melhoria, como empregada-assistente de dois numa casa particular. [...] Eu tinha um quarto s6 meu Ié. O tipo de quarto que descobri por experiéncia que se deve sempre esperar no “servigo de cava- Iheiros” tem uma cama de ferro com colchio encarogado, desconfio que feito especialmente para o uso de criadas, uma cémoda pintada, com espelho man- chado, assoalho coberto de linéleo e um capacho ao lado da cama.** Cama dobrivel para criados, catélogo Heal’s, 1896. Outra ex-empregada, Margareth Powell, que comegou a trabalhar um ano antes, desereveu o motivo para a escolha desse tipo de mobilia: Era opiniio “deles” ld em cima que as criadas nao podiam apreciar a boa vida e oconforto e, portanto, deviam ter alimentago simples, calabougos para traba- Ihar e comer e deviam se retirar para quartos ftios e espartanos para dormir.” 0 tinico espaco da casa vitoriana que era usado por patrdes e criados era o vestibulo. Os patrdes e suas visitas passavam por ele quando entravam e sajam de casa, e os criados deviam estar Id para receber convidados ¢ pe- gar seus chapéus e sobretudos. Devido a0 uso misto de criados e patroes, 08 vestibulos precisavam de um tipo especial de mobifia, em particular de cadeira. Embora as pessoas da classe do patrdo passassem pelo hall, era improvavel que permanecessem ou se sentassem; as tinicas pessoas que podiam passar tempo suficiente nele para precisar sentar eram os infe- riores, fossem ctiados, candidatos a criados esperando uma entrevista ou, como o autor norte-americano de um livro do século x1x sobre decorago escreveu, “mensageiros, vendedores de livros, o homem do censo e uma senhora destituida que nos oferece sabio”.»* As cadeiras do vest(bulo se- riam vistas pelo patriio e seus convidados e, portanto, tinham de se confor- mar aos padrées de beleza do resto da casa, mas nio havia motivo para que fossem mais confortaveis do que o resto da mobflia fornecida aos criados. ‘A mesma autoridade norte-americana em decoragio explicou: ‘Como visitantes dessa classe so os tinicos que sentario no vestibulo, as con- _Aesquerda: quarto de criada, mobiliado pela { Heal's, 1896. A mobilia simples significava que se destinava a sideragées de conforto podem dar lugar ao pitoresco e qualquer cadeira ou banco que nos dé isso servird (...].?° A cadeira de vestibulo convencional era feita geralmente de carvalho ou Heals’, 896 mogno, com um espaldar esculpido e pernas torneadas, mas distinguia-se Adireita: quarto das cadeiras da sala de estar ou jantar por seu assento de madeira ¢ falta de estofamento; era coerente com 0 resto da mobjlia para criados em sua _ 896. Ocontraste entre este quarto, paraa patra, eo quarto de contrava no andar de baixo. Era um hibrido, projetado para ser visto por _

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