You are on page 1of 13

Apelação Cível n. 2008.

039754-3, da Capital
Relator: Des. Sérgio Roberto Baasch Luz

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - ESTACIONAMENTO


DENOMINADO ZONA AZUL - FURTO DE VEÍCULO -
AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DO INSTITUTO DE
PLANEJAMENTO URBANO DE FLORIANÓPOLIS (IPUF) -
RECURSO IMPROVIDO.
As zonas azuis não configuram estacionamentos fechados
explorados pelo município, não estando presente o dever de
guarda e vigilância e, por conseguinte, a responsabilidade por
eventuais danos causados aos veículos.
A remuneração paga pelos usuários objetiva apenas
suportar os custos do serviço prestado e a fiscalização exercida
pelos monitores visa garantir o uso rotativo do estacionamento
em via pública, visando à conferência do "ticket", para verificação
do tempo de permanência máxima dos veículos estacionados.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n.


2008.039754-3, da comarca da Capital (Unidade da Fazenda Pública), em que é
apelante Hélio Santos Sant anna, e apelado IPUF - Instituto de Planejamento Urbano
de Florianópolis:

ACORDAM, em Primeira Câmara de Direito Público, por votação


unânime, negar provimento ao recurso. Custas na forma da lei.

RELATÓRIO

Hélio Santos Sant'Anna ajuizou ação de indenização em face do


Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis - IPUF, em virtude do furto do seu
veículo Fiat/Pálio ELX, ocorrido no dia 13/4/2007, por volta das 10:30 h, enquanto
estava estacionado na região abrangida pela Zona Azul.
Afirmou que o réu tem o dever de ressarcir os prejuízos no total
de R$ 17.333,33 (dezessete mil, trezentos e trinta e três reais e trinta e três centavos),
de acordo com a média da tabela Fipe.
Pelo exposto, requereu "seja o réu condenado a indenizar o autor
em valor equivalente ao do veículo furtado, acrescido de juros de mora de 1% a.m. e
correção monetária com base na variação do INPC-IBGE."
Valendo-se da faculdade prevista no art. 285-A do CPC, o
magistrado julgou improcedente o pedido.
Irresignado, o autor interpôs recurso de apelação. Argumentou
que "a empresa ré, ao ficar responsável pela fiscalização e exploração da Zona Azul,
passo a ser clara concessionária de serviço público inerente ao Município ..., ou , na
pior das hipóteses, é permissionária de serviço público. Em uma ou em outra
hipótese, seja qual for, se equipara ao ente público, ao Estado. Logo, responde
objetivamente por defeitos da má prestação de serviços" (fl. 28). Alegou que "poderia,
ainda, ser a situação em tela vista sob a ótica do Código de Defesa do Consumidor,
que em seu artigo 3º estende a caracterização de prestador de serviço aos entes de
direito público e, por conseguinte, seus concessionários, assim, sendo-lhes aplicados
todos os demais preceitos do referido diploma, inclusive o art. 14 c/c art. 22, que
determinam ser objetiva a responsabilidade dos prestadores de serviço" (fl. 28).
Assim, requereu o provimento integral do recurso para
reconhecer o dever de indenizar ou, sucessivamente, o retorno dos autos ao juízo de
origem a fim de proceder à instrução processual.
O juiz a quo manteve a sentença proferida e determinou a citação
do réu para apresentar contra-razões (fl. 40).
Apresentadas as contra-razões, os autos ascenderam a este
Sodalício, tendo a Procuradoria de Justiça deixado de se manifestar sobre o mérito da
causa.

VOTO

Pretende o recorrente a reforma da sentença que julgou


improcedente o pedido de indenização por dano material em decorrência do furto do
seu veículo, ocorrido enquanto estava estacionado na rua Luiz Sanches Bezerra da
Trindade, no Centro da Capital, local onde se encontra estabelecido um
estacionamento rotativo denominado zona azul.
Em que pese os argumentos trazidos nas razões recursais, a
sentença de improcedência da pretensão indenizatória não merece reforma.
A denominada zona azul constitui-se de vias públicas, ou seja,
ruas que são utilizadas como estacionamento e, como tais, são classificadas como
bem público de uso comum do povo (art. 99, I, do Código Civil).
Assim, como a rua é bem de uso comum do povo, os
estacionamentos rotativos foram instituídos, sobretudo, para possibilitar a utilização
de vagas pelo maior número de pessoas.

Des. Sérgio Roberto Baasch Luz


Com efeito, a zona azul veio regulamentar o uso temporário das
vias públicas, evitando que uma minoria utilize o espaço público praticamente com
"exclusividade", deixando o veículo estacionado durante horas, ou quiçá, o dia inteiro,
impedindo o uso pelos demais usuários.
Outrossim, as zonas azuis não configuram estacionamentos
fechados explorados pelo município, não estando presente, por conseguinte, o dever
de guarda e vigilância. A remuneração paga pelos usuários objetiva suportar os
custos do serviço prestado. A fiscalização exercida pelos agentes, por seu turno, diz
respeito apenas ao uso temporário do bem público, visando à conferência do "ticket",
para verificação do tempo de permanência máxima dos veículos estacionados.
A questão, aliás, não é inédita nesta Câmara de Direito Público,
haja vista que o eminente Des. Vanderlei Romer, na Apelação Cível n.
2008.029387-4, da Capital, julgada em 24/6/2008, proferiu julgamento afirmando a
ausência de responsabilidade do município diante do furto de veículo em
estacionamentos rotativos, utilizando-se dos seguintes fundamentos:
"Conforme expressamente prevê o art. 24 do Código de Trânsito
Brasileiro, a competência para implantar, manter e operar o sistema de
estacionamento rotativo pago em vias públicas é dos órgãos e
entidades executivos de trânsito.
No âmbito do município de Florianópolis, o parqueamento nas vias
públicas é regulamentado pela Lei n. 4.666/95, que dispõe sobre a
utilização do bem público de uso comum do povo, para
estacionamento tipo "'zona azul".
Os arts. 2º e 6º da referida norma prevêem:
Art. 2º - As vias e logradouros públicos incluídos na "ZONA AZUL",
são considerados áreas especiais de estacionamento que só será
usufruído mediante o pagamento de preço público instituído pelo
Município.
[...]
Art. 6º - A fiscalização e exploração dos estacionamentos a que se
refere esta Lei, ficará a cargo do IPUF que celebrará Convênio com a
SUSP, AFLOV e Polícia Militar de Santa Catarina, cujas incumbências
serão discriminadas no referido Convênio.
O Decreto municipal n. 777/96, por sua vez, ao regulamentar o
estacionamento remunerado de veículos nos espaços públicos
delimitados como zona azul, estabeleceu:
Art. 1º Fica delegado ao IPUF - Instituto de Planejamento Urbano de
Florianópolis - a pesquisa, planejamento, delimitação das áreas,
exploração e administração do uso do solo público nas áreas
denominadas "ZONA AZUL" para estacionamento de veículos
automotores e a cobrança pelos serviços prestados, através da venda
de cartões.
[...]
Art. 5º - O estacionamento será controlado através de cartão
padronizado e numerado seqüencialmente que deverá ser preenchido

Des. Sérgio Roberto Baasch Luz


pelo usuário.
[...]
Art. 9º - O estacionamento será controlado por monitores (as)
contratados (as) pela AFLOV e credenciados (as) pelo IPUF
devidamente uniformizados (as) e identificados (as), com supervisão
direta do 4º Batalhão da Polícia Militar.
[...]
Art. 12 - Nenhuma responsabilidade caberá ao Município por
acidentes, danos, furtos, roubos ou prejuízos de qualquer natureza
que os veículos ou seus usuários venham a ter nos locais de
estacionamento de que trata o presente Decreto.
Como se vê, o IPUF é a autarquia responsável pelo planejamento
urbano do município de Florianópolis, bem como pela administração e
exploração das áreas de estacionamento rotativo nas vias públicas,
delimitadas como zona azul.
Atua, pois, na consecução de uma atividade típica da Administração
Pública, outorgada por meio de lei.
Outrossim, "Nessa qualidade, 'os atos praticados pelas autarquias são
considerados atos administrativos e, como tais, sujeitam-se ao
controle do Poder Judiciário, tanto pelas vias comuns (ação de
indenização etc.) quanto pelas especiais (ação popular, mandado de
segurança etc.)'. Destarte, 'as autarquias responderão pelos danos
que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado
o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa
(CF, art. 37, § 6º) (ALEXANDRINO, M. Paulo. Direito Administrativo.
10. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2006. p. 24-31)'" (Ap. Cív. n.
2007.003768-2, da Capital, rel. Des. Orli Rodrigues, j. em 27-11-2007).
A responsabilidade civil do Ipuf, por seu turno, é objetiva, de forma que
faz-se necessária somente a comprovação do nexo de causalidade
entre o dano e o fato lesivo (ação/omissão), independentemente de
dolo ou culpa. Em se tratando de responsabilidade objetiva, essa só
será desconstituída em virtude de caso fortuito, força maior ou culpa
exclusiva da vítima.
O art. 37, § 6º, da Constituição da República Federativa do Brasil
assevera, in verbis:
As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado
prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus
agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito
de regresso contra o responsável nos caso de dolo ou culpa.
A respeito do assunto, leciona Hely Lopes Meirelles:
Para obter a indenização, basta que o lesado acione a Fazenda
Pública e demonstre o nexo causal entre o fato lesivo (comissivo ou
omissivo) e o dano, bem como o seu montante. Comprovados esses
dois elementos, surge naturalmente a obrigação de indenizar. Para
eximir-se dessa obrigação, incumbirá à Fazenda Pública comprovar
que a vítima concorreu com culpa ou dolo para o evento danoso.
Enquanto não evidenciar a culpabilidade da vítima, subsiste a
responsabilidade objetiva da Administração. Se total a culpa da vítima,

Des. Sérgio Roberto Baasch Luz


fica excluída a responsabilidade da Fazenda Pública; se parcial,
reparte-se o quantum da indenização (MEIRELLES, Hely Lopes.
Direito Administrativo Brasileiro. 15. ed., São Paulo: Revista dos
Tribunais. p. 555).
Com relação à natureza jurídica do serviço prestado pelo ora
demandado, como bem anotou o Des. Francisco Oliveria Filho ao
analisar caso semelhante ao em tela,
Embora a Lei n. 4.666/95 tenha autorizado o Poder Executivo
Municipal a estabelecer, por meio de Decreto, o estacionamento de
veículos automotores mediante o pagamento de preço público,
trata-se de um tributo da natureza de taxa, senão vejamos: Na taxa, a
hipótese de incidência é a prestação de serviço pelo Estado ao sujeito
passivo. Podem ser tanto taxas de serviço, como taxas de polícia.
Esta última é instituída em razão do poder de polícia da Administração
Pública, o qual se trata da faculdade de que dispõe a Administração
Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades
e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio
Estado (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 28.
ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 127).
E continua:
Já o preço público representa uma contraprestação devida pela parte
por esta assumir voluntariamente uma obrigação contratual para
aquisição de bem ou serviço de caráter público. Assim, enquanto a
taxa decorre de uma obrigação imposta por lei e de uma atividade
regida pelas regras de direito público, o preço público advém de uma
obrigação contratual, assumida pelo particular, cuja atividade é regida
pelas regras de direito privado (Ap. Cív. n. 2007.033068-1, da Capital,
j. em 11-12-2007).
Consoante leciona Eduardo de Moraes Sabbag, taxa
É o tributo que tem como fato gerador o exercício regular do poder de
polícia ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público
específico e divisível prestado ao contribuinte ou posto à disposição.
E continua:
Existem apenas duas modalidades de taxas no Brasil, o que vem a
corroborar o Princípio da Exclusividade das Taxas: taxa de Serviço e
Taxa de Polícia. I - TAXA DE SERVIÇO ou DE UTILIZAÇÃO -
prestação de serviço publico; II - TAXA DE POLÍCIA ou de DE
FISCALIZAÇÃO - efetivo poder de polícia [...] Pagar-se -á a Taxa de
Fiscalização em virtude de poder de polícia administrativo
efetivamente manifestado. O policiamento administrativo ensejador da
Taxa é a atividade estatal com tendência a limitar direitos ou
liberdades individuais em prol da coletividade. Sabe-se que o 'Poder
de Polícia' é definido no nosso Código Tributário Nacional em caráter
de exclusividade, cabendo-nos apreciar o robusto conceito abaixo
transcrito, in verbis:
Art. 78: "Considera-se poder de polícia atividade da administração
pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade,
regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse

Des. Sérgio Roberto Baasch Luz


público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à
disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades
econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder
Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e os
direitos individuais e coletivos.
Parágrafo Único: Consideram-se regular o exercício do poder de
polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da
lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de
atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de
poder " (Direito Tributário - Elementos do Direito - São Paulo: ed.
Siciliano Jurídico, 2003 p. 61- 62 e 64-65).
A meu sentir, contudo, não pode o Ipuf ser responsabilizado por
eventuais danos ocorridos em veículos estacionados em áreas
delimitadas como zona azul.
Isso por que, como bem consignou o preclaro Des. Luiz Cézar
Medeiros em recente julgado que tratava de caso idêntico ao em tela,
"O contrato de estacionamento de veículo nas áreas denominadas
zona azul não gera a responsabilidade de guarda e vigilância do Poder
Público ou da empresa concessionária. Trata-se de simples locação
de espaço público com a finalidade de controlar o estacionamento de
veículos nos centros urbanos, proporcionando uma maior rotatividade
das vagas e, por conseqüência, o atendimento de interesse público
específico" (Ap. Cív. n. 2008.002685-7, da Capital, rel. Des. Luiz Cézar
Medeiros, j. em 19-3-2008).
Acerca do tema, leciona Yussef Said Cahali:
A jurisprudência orienta-se no sentido de não identificar uma especial
forma de fiscalização e segurança nos estacionamentos abarcados
pelo sistema "zona azul". A municipalidade regulou o tempo de
parqueamento de veículos em suas vias e logradouros públicos, de
molde a propiciar rotatividade do uso dessa parte do solo público,
coisa que, se não feita, poderia, em tese, propiciar abuso consistente
no indefinido estacionamento dos veículos de uns poucos, com
evidente prejuízo para os demais usuários, munícipes ou não, dessa
sorte obstaculizados de por igual estacionar seus automóveis nas
ditas e limitadas vagas, segundo sua conveniência. Nisso, pois, se
resume o objetivo da difundida prática, que, indiferentemente e
segundo critérios de cada cidade, é ou não onerosa. No caso em tela,
adotou-se a segunda opção. O autor, por lhe interessar, estacionou
veículo em local abarcado pelo sistema conhecido como "Zona Azul".
Nada consumiu que o colocasse sob o pálio das leis protetoras que
invoca( Lei 8.078/1990). Dito de outra forma, adquiriu tempo para
parqueamento. Nada mais. Nem depositou o bem nem contratou a ré
para guardá-lo. Teria sido automóvel furtado. Cediço que extravasante
do limitado negócio lavrado entre autor e ré - nomeadamente, a
compra de tempo certo para estacionamento em local definido -, a
assunção, por suposto implícita, de qualquer outra obrigação pela
recorrida, que, vendendo o talão autorizadores do estacionamento e
recebendo o respectivo preço, esgotou o potencial do contrato. A

Des. Sérgio Roberto Baasch Luz


hipótese nenhuma similitude guarda com o contrato de depósito
gerado pelo estacionamento de veículos de usuários em terrenos ou
garagens de estabelecimentos comerciais quais shopping centers e
supermercados. È que aí funciona a oferta da vaga como indez e
argumento atrativo de consumidores, intuitivamente levados a comprar
em lojas ou conjuntos de lojas que lhes propiciem estacionamento
cômodo [...]. O direito/obrigação na área azul é, quanto ao usuário, de
estacionar o seu veículo na rua,mas, como o bem é de uso comum do
povo, o estacionamento é temporário, e, quanto ao Município, a exigir
que o estacionamento se dê por períodos de tempo. Em nenhum
momento se vê que os funcionários municipais que lá estão têm a
obrigação de zelar pela guarda e conservação do veículo estacionado.
Estes apenas exercem o monitoramento do serviço, a fim de garantir o
uso rotativo do estacionamento, de modo que, não tendo essa
natureza de depósito, não se responsabiliza a Municipalidade pelo
furto de veículo ali ocorrido. Assim, não obstante haja relação de
consumo entre o usuário e o serviço público, na hipótese, inexiste o
serviço alegado pelo autor, de guarda e conservação, para servir de
base à responsabilidade do pretenso fornecedor.
Em substância, a instituição das zonas azuis representa apenas o
disciplinamento da utilização de bens de uso comum do povo e que
não pode acarretar qualquer ônus para o município, em razão de
eventual dano sofrido pelo munícipe (Responsabilidade civil do
Estado. 3. Ed. São Paulo: ed. Revista Dos Tribunais, 2007. p.
329-331).
Em suma, não pode o Ipuf ser responsabilizado pelo infortúnio,
porquanto, embora remunerado o serviço, a ele compete estritamente
o disciplinamento do uso da área pública denominada zona azul, que
consiste na vigilância da ocupação temporária do espaço público,
conforme estipulado no cartão de estacionamento, e visa, assim, a
proporcionar aos usuários uma rotatividade no uso das vagas nos
logradouros públicos, que se faz necessária em decorrência das
dificuldades provocadas pelo aumento demasiado da frota de veículos
nos centros urbanos.
Nesse sentido, repita-se, essa Corte já decidiu:
[...] FURTO DE VEÍCULO - ESTACIONAMENTO - ZONA
AZULLOCAÇÃO DE ESPAÇO PÚBLICO - OBRIGAÇÃO DE GUARDA
E VIGILÂNCIA - INOCORRÊNCIA.
1. O contrato de estacionamento de veículo nas áreas denominadas
zona azul não gera a responsabilidade de guarda e vigilância do Poder
Público ou da empresa concessionária. Trata-se de simples locação
de espaço público com a finalidade de controlar o estacionamento de
veículos nos centros urbanos, proporcionando uma maior rotatividade
das vagas e, por conseqüência, o atendimento de interesse público
específico.
2. Não demonstrado o dever de guarda e vigilância dos veículos
encontrados em via pública, bem assim a culpa do Poder Público, é de
ser afastada a sua responsabilidade pelos danos resultantes do

Des. Sérgio Roberto Baasch Luz


infortúnio (Ap. Cív. n. n. 2008.002685-7, da Capital, rel. Des. Luiz
Cézar Medeiros, j. em 19-3-2008).
Do acórdão supramencionado, extrai-se excerto, no que interessa:
O caso vertente trata de furto de veículo em via pública.
Ora, é muito fácil perceber, ante a realidade atual, que o Estado não
tem recursos suficientes para evitar todo e qualquer furto. Fosse isso
razoável, prevaleceria a suposição de que toda e qualquer infração
penal devesse ser obstada, sob pena de responsabilização do ente
público.
Nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello, essa conclusão
conduziria a absurdos. "É que, em princípio, cumpre ao estado prover
a todos os interesses da coletividade. Ante qualquer evento lesivo
causado por terceiro, como um assalto em via pública, uma enchente
qualquer, uma agressão sofrida em local público, o lesado poderia
sempre argüir que o serviço não funcionou, e buscar a reparação dos
prejuízos" (Curso de Direito Administrativo. 16 ed. São Paulo:
Malheiros, 2003. p. 874).
Veja-se, pois, que não se pode alegar falha do serviço relacionado à
segurança das pessoas e bens, uma vez que a atuação estatal foi
compatível com as possibilidades e recursos disponíveis e, ainda
assim, não pode obstar o evento danoso.
2 Ainda que, in casu, em seguimento à jurisprudência de parte
desteTribunal, se entendesse objetiva a responsabilidade civil do
Município, a imputação aos apelados restaria afastada em virtude do
rompimento do nexo causal, uma vez que o evento danoso decorreu
de fato de terceiro.
Como é cediço, a responsabilidade civil objetiva, decorrente do risco
administrativo, pode ser repelida, desde que se demonstre que o dano
foi possível por culpa exclusiva da vítima, de terceiro ou que tenha
resultado de caso fortuito ou força maior. Aliás, essa situação também
se verificaria se fosse admitida a aplicação do Código de Defesa do
Consumidor.
Nesse sentido, traz-se à colação a doutrina de Hely Lopes Meirelles:
"O que a Constituição distingue é o dano causado pelos agentes da
Administração (servidores) dos danos ocasionados por atos de
terceiros ou por fenômenos da Natureza. Observe-se que o art. 37, §
6º, só atribui responsabilidade objetiva à Administração pelos danos
que seus agentes, nessa qualidade, causam a terceiros. Portanto, o
legislador constituinte só cobriu o risco administrativo da atuação ou
inação dos servidores públicos; não responsabilizou objetivamente a
Administração por atos predatórios de terceiros, nem por fenômenos
naturais que causem danos aos particulares. Para a indenização
destes atos e fatos estranhos a atividades administrativas observa-se
o princípio geral da culpa civil, manifestada pela imprudência,
negligência ou imperícia na realização do serviço público que causou
ou ensejou o dano. Daí por que a jurisprudência, mui acertadamente,
tem exigido a prova da culpa da Administração nos casos de
depredação por multidões e de enchentes e vendavais que, superando

Des. Sérgio Roberto Baasch Luz


os serviços públicos existentes, causam danos aos particulares.
Nestas hipóteses, a indenização pela Fazenda Pública só é devida se
se comprovar a culpa da Administração. E na exigência do elemento
subjetivo culpa não há qualquer afronta ao princípio objetivo da
responsabilidade sem culpa, estabelecido no art. 37, § 6º, da CF,
porque o dispositivo constitucional só abrange a atuação funcional dos
servidores públicos, e não os atos de terceiros e os fatos da Natureza.
Para situações diversas, fundamentos diversos" (Direito Administrativo
Brasileiro. 26 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 616/617).
Desse modo, mesmo sendo objetiva a responsabilidade do ente
público, tem-se por não demonstrado o nexo causal entre a alegada
conduta omissiva e os danos experimentados pela vítima, eis que
estes decorreram de fato de terceiro, qual seja, furto por parte de
ladrões que ainda não foram identificados pela polícia.
Em conclusão, não há meio de se atribuir ao Município a
responsabilidade pelo evento danoso, principalmente porque,
repita-se, a ele não poderia ser imputada a obrigação de vigilância,
mas tão-somente a garantia da vaga pelo tempo estipulado no cartão
de estacionamento.
3 O contrato foi celebrado entre o apelado e o Município de
Florianópolis e o IPUF; estes, como dito, locaram aquele o espaço na
área denominada Zona Azul.
Em reforço ao aduzido, esse contrato cinge-se precipuamente à
locação de espaço público; exigir a garantia contra furtos ou outros
incidentes, conforme acentuado com propriedade pelo Doutor Juiz,
seria ilógico e irrazoável ante a desproporcionalidade entre o preço
cobrado e o benefício esperado. Demais disso, não só a lei
regulamentadora como a própria essência da avença tácita afastam
essa garantia e, portanto, aniquilam a pretensão da demandante. O
sistema de estacionamento "zona azul" visa essencialmente a
rotatividade dos veículos nos centros urbanos, não sendo diferente em
Florianópolis.
A Lei Municipal n. 4.666/95 dispõe sobre a utilização do bem público
de uso comum do povo para estacionamento Zona Azul, prevendo em
seu art. 5º:
A cobrança de preço nas áreas de estacionamento tipo "Zona AZUL",
não acarretará para o município de Florianópolis, a obrigação de
guarda e vigilância dos veículos, não respondendo, quanto a estes e
seus usuários, por acidentes, danos, furtos, ou quaisquer outros
prejuízos que deles venham sofrer [...] Diante disso, não há como
albergar o pedido de reforma da sentença. O ente municipal e muito
menos o IPUF não podem ser responsabilizados pelo furto, pois a lei e
contrato os isentam dessa obrigação (Ap. Cív. n. 2008.002685-7, da
Capital, rel. Des. Luiz Cézar Medeiros, j. em 19-3-2008).
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul segue nessa linha de
raciocínio. Veja-se:
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. FURTO DE
VEÍCULO. INDENIZAÇÃO POSTULADA PERANTE A

Des. Sérgio Roberto Baasch Luz


PERMISSIONÁRIA DOS SERVIÇOS QUE VISTORIAM A 'ZONA
AZUL'.
Os funcionários da empresa a quem foi concedido o serviço de
vigilância da 'zona azul', ou 'área azul' têm, entre suas atribuições,
somente fiscalizar o uso correto e adequado, do pagamento
correspondente ao período em que se utiliza do estacionamento nas
vias e logradouros públicos. Por evidente que não sucedem as milícias
civis e militares nas atribuições específicas do dever de vigilância e
segurança aos munícipes para lhes impor o dever de indenizar furto
de veículos em via pública. APELO IMPROVIDO (Ap. Cív. n.
7001414345, rela. Desa. Ana Maria Nedel Scalzilli, j. em 27-6-2007).
Do corpo do citado acórdão, colhe-se:
Já decidi questão análoga, AC nº 70004003745, ocasião em que citei
parecer de lavra do D. Procurador de Justiça, Doutor Celso Tiberê
Rodrigues Lobato, com o seguinte teor:
"... A chamada "zona azul" não pode ser confundida com o contrato de
garagem, visto que neste o garagista obriga-se à guarda e custódia de
um veículo trazido por outra pessoa, denominada usuário, quando
esta desejar, proporcionando um local para tal durante um certo
tempo, mediante o pagamento de preço geralmente em dinheiro,
enquanto aquela tem por finalidade assegurar maior rotatividade,
possibilitando utilização por número mais elevado de veículos, sem
obrigação de custódia e guarda.
Nesse negócio, não existe a figura do garagista, porque não há a
obrigação de depósito, mas apenas é atribuído um local para a
colocação do veículo do usuário em via pública, por tempo
determinado, o qual assume todos os riscos representados pelo
estacionamento em via pública [...].
Destarte, não há responsabilidade civil por parte do Município em
razão de o furto do veículo ter ocorrido quando estacionado em área
azul, porquanto os estacionamentos em via pública servem apenas
para proporcionar a rotatividade de veículos estacionados em via
pública, em razão das dificuldades provocadas pelo aumento da frota
de veículos, em contraposição com a escassez de espaços nas vias
públicas, ao contrário do que ocorre em estacionamento em garagem,
cuja obrigação é de resultado, em que se obriga de manter a coisa
consigo durante certo tempo e restituí-la íntegra, sob pena de
responder pelos danos e deterioração, salvo caso fortuito ou força
maior.
Com efeito: aos funcionários que atuam na denominada "zona azul",
ou "área azul", está adstrito o dever de vigilância, especificamente,
quanto ao uso de área pública, da ocupação temporária dos espaços e
do pagamento do valor correspondente ao tempo de utilização do
estacionamento, dada sua natureza rotativa, que se destina a
oportunizar a que maior número de munícipes use as vagas,
especialmente em vias e logradouros públicos mais congestionadas
pelo trânsito e que dificultam o acesso a sem número de endereços,
caso não houvesse o referido disciplinamento.

Des. Sérgio Roberto Baasch Luz


Ainda daquela Corte:
RESPONSABILIDADE CIVIL. FURTO DE VEÍCULO ESTACIONADO
EM ZONA TARIFADA DE VIA PÚBLICA. "ÁREA AZUL". DEVER DE
INDENIZAR INEXISTENTE.
O fato de ser tarifada a ocupação de vagas de estacionamento na
chamada "área azul" (que tem por fim estabelecer rotatividade no
estacionamento de veículos deixados na via pública) não implica em
reconhecimento do dever de guarda e vigilância sobre os veículos ali
deixados, não dando ensejo a qualquer pretensão indenizatória contra
as mantenedoras. Recurso provido. Unânime. (Recurso Cível Nº
71000876466, Primeira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais,
Relator: João Pedro Cavalli Junior, julgado em 06-07-2006).
RESPONSABILIDADE CIVIL. FURTO DE OBJETOS DEIXADOS NO
INTERIOR DE VEÍCULO ESTACIONADO EM VIA PÚBLICA. ZONA
AZUL. INEXISTÊNCIA DA RESPONSABILIDADE PELA GUARDA E
VIGILÂNCIA DO VEÍCULO. RECURSO PROVIDO PARA O FIM DE
RECONHECER-SE INOCORRENTE O DEVER DE INDENIZAR.
A exigência de prestação pecuniária para a ocupação de vagas na
zona azul, que tem por fim estabelecer rotatividade no estacionamento
de veículos deixados na via pública, não implica em reconhecimento
do dever de guarda e vigilância sobre os veículos ali deixados, pelo
que descabida se mostra a pretensão indenizatória. Recurso provido.
(Recurso Cível n. 71000752998, Segunda Turma Recursal Cível,
Turmas Recursais, rel. Clovis Moacyr Mattana Ramos, j. Em
7-12-2005.
Outro não é o entedimento perfilhado pelo Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo:
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO.
FURTO DE OBJETOS NO INTERIOR DE VEÍCULO ESTACIONADO
EM BOLSÃO DE ESTACIONAMENTO ROTATIVO CLASSIFICADO
COMO 'ZONA VERDE". INDENIZAÇÃO. INADMISSIBILIDADE.
CONTRATO EXAURIDO COM A VENDA DO TAÇÃO AUTORIZADOR
E O RECEBIMENTO DO RESPECTIVO PREÇO. RECURSO
PROVIDO (Ap. Cív. N. 438.668-5/5, rel. Des. Machado de Andrade, j.
em 15-2-2007).
O entendimento do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, por sua vez,
se coaduna com o aqui exposto:
CIVIL, PROCESSUAL E ADMINISTRATIVO. DEMANDA VISANDO
REPARAÇÃO POR DANOS. FURTO NO INTERIOR DE VEÍCULO
ESTACIONADO EM LOCAL AUTORIZADO. -RIO ROTATIVO.
AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DO ENTE PÚBLICO
MUNICIPAL. VALOR PAGO APENAS PELA UTILIZAÇÃO DO
ESPAÇO PÚBLICO. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. ACERTO DO
JULGADO.
Em se tratando de alegada conduta omissiva de agente público, a
questão reparatória deve ser examinada sob a ótica da Teoria da Falta
do Serviço.
Em outros termos, necessário se faz perquirir se há correlação direta e

Des. Sérgio Roberto Baasch Luz


imediata entre o dano e a falha no funcionamento do serviço, ou seja,
se o dano resultou da inação ou retardamento do agente público, ônus
que incumbe ao demandante, por força do art. 333, I, do Código de
Processo Civil.
Não tem o Município o dever de vigilância ou mesmo de guarda em
relação aos veículos estacionados na via pública mesmo quando
realizado o pagamento do chamado RIO-ROTATIVO, porque o valor
pago é pela utilização do espaço público e forma de permitir ao Poder
Público ordená-lo no exercício do seu poder de polícia administrativo.
Recurso manifestamente improcedente, ao qual se nega seguimento,
com fulcro no art. 557, do Código de Processo Civil (Ap. Cív. n.
44.127/2007, rel. Des. Lindolpho Morais Marinho, j. em 19-12-2007).
Importante referir, ainda, que a Lei Municipal n. 4.666/95 que instituiu
as áreas destinadas a parqueamento por tempo limitado, assim como
o Decreto Municipal n. 777/96 que regulamenta tal serviço isentam de
qualquer responsabilidade o ente público encarregado da prestação
desse serviço.
Outrossim, como bem anotou o Magistrado a quo:
[...] não existe uma correlação e uma proporcionalidade entre o preço
cobrado pelo suposto estacionamento na área pública e o prejuízo
reclamado pela parte, seja porque a chamada zona azul não é
prestação de serviço de estacionamento (o que geraria o dever de
guarda, fundamento do presente pedido de indenização), mas mero
exercício do poder de Polícia da Administração Municipal (que limita o
tempo de estacionamento nas áreas centrais e movimentadas da
cidade, limitando direito individual de estacionamento nas vias
públicas, em favor do interesse público consistente na melhor
organização do trânsito nessas áreas) (fls. 83-84).
Diante desse contexto, à evidência que não se pode atribuir ao Ipuf a
responsabilidade pelos furtos ocorridos em área de zona azul, já que a
finalidade precípua da criação dos estacionamentos rotativos é a
disciplina do tempo de uso dos espaços públicos, diferentemente do
que ocorre com os contratos de depósito, gerados pelo
estacionamento de veículos em terrenos ou garagens, cuja obrigação
é de resultado, uma vez que, nesses casos, o responsável pelo
estacionamento tem o dever de guarda e vigilância do bem deixado
sob seus cuidados, devendo entregá-lo intacto, sob pena de responder
pelos danos e deterioração ocorridos, salvo caso fortuito ou força
maior."
Portanto, não existe responsabilidade do município ou da
autarquia municipal perante o infortúnio, porque a prestação do serviço refere-se
somente ao monitoramento da área destinada ao estacionamento, a fim de garantir o
uso rotativo do mesmo.

DECISÃO

Ante o exposto, por votação unânime, nega-se provimento ao

Des. Sérgio Roberto Baasch Luz


recurso.
O julgamento, realizado em 9 de setembro de 2008, foi presidido
pelo Exmo. Sr. Des. Newton Trisotto, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des.
Paulo Henrique Moritz Martins da Silva.
Pela douta Procuradoria-Geral de Justiça, lavrou parecer o Exmo.
Sr. Dr. João Fernando Q. Borrelli.
Florianópolis, 10 de setembro de 2008.
Sérgio Roberto Baasch Luz
RELATOR

Des. Sérgio Roberto Baasch Luz

You might also like