039754-3, da Capital Relator: Des. Sérgio Roberto Baasch Luz
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - ESTACIONAMENTO
DENOMINADO ZONA AZUL - FURTO DE VEÍCULO - AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DO INSTITUTO DE PLANEJAMENTO URBANO DE FLORIANÓPOLIS (IPUF) - RECURSO IMPROVIDO. As zonas azuis não configuram estacionamentos fechados explorados pelo município, não estando presente o dever de guarda e vigilância e, por conseguinte, a responsabilidade por eventuais danos causados aos veículos. A remuneração paga pelos usuários objetiva apenas suportar os custos do serviço prestado e a fiscalização exercida pelos monitores visa garantir o uso rotativo do estacionamento em via pública, visando à conferência do "ticket", para verificação do tempo de permanência máxima dos veículos estacionados.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n.
2008.039754-3, da comarca da Capital (Unidade da Fazenda Pública), em que é apelante Hélio Santos Sant anna, e apelado IPUF - Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis:
ACORDAM, em Primeira Câmara de Direito Público, por votação
unânime, negar provimento ao recurso. Custas na forma da lei.
RELATÓRIO
Hélio Santos Sant'Anna ajuizou ação de indenização em face do
Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis - IPUF, em virtude do furto do seu veículo Fiat/Pálio ELX, ocorrido no dia 13/4/2007, por volta das 10:30 h, enquanto estava estacionado na região abrangida pela Zona Azul. Afirmou que o réu tem o dever de ressarcir os prejuízos no total de R$ 17.333,33 (dezessete mil, trezentos e trinta e três reais e trinta e três centavos), de acordo com a média da tabela Fipe. Pelo exposto, requereu "seja o réu condenado a indenizar o autor em valor equivalente ao do veículo furtado, acrescido de juros de mora de 1% a.m. e correção monetária com base na variação do INPC-IBGE." Valendo-se da faculdade prevista no art. 285-A do CPC, o magistrado julgou improcedente o pedido. Irresignado, o autor interpôs recurso de apelação. Argumentou que "a empresa ré, ao ficar responsável pela fiscalização e exploração da Zona Azul, passo a ser clara concessionária de serviço público inerente ao Município ..., ou , na pior das hipóteses, é permissionária de serviço público. Em uma ou em outra hipótese, seja qual for, se equipara ao ente público, ao Estado. Logo, responde objetivamente por defeitos da má prestação de serviços" (fl. 28). Alegou que "poderia, ainda, ser a situação em tela vista sob a ótica do Código de Defesa do Consumidor, que em seu artigo 3º estende a caracterização de prestador de serviço aos entes de direito público e, por conseguinte, seus concessionários, assim, sendo-lhes aplicados todos os demais preceitos do referido diploma, inclusive o art. 14 c/c art. 22, que determinam ser objetiva a responsabilidade dos prestadores de serviço" (fl. 28). Assim, requereu o provimento integral do recurso para reconhecer o dever de indenizar ou, sucessivamente, o retorno dos autos ao juízo de origem a fim de proceder à instrução processual. O juiz a quo manteve a sentença proferida e determinou a citação do réu para apresentar contra-razões (fl. 40). Apresentadas as contra-razões, os autos ascenderam a este Sodalício, tendo a Procuradoria de Justiça deixado de se manifestar sobre o mérito da causa.
VOTO
Pretende o recorrente a reforma da sentença que julgou
improcedente o pedido de indenização por dano material em decorrência do furto do seu veículo, ocorrido enquanto estava estacionado na rua Luiz Sanches Bezerra da Trindade, no Centro da Capital, local onde se encontra estabelecido um estacionamento rotativo denominado zona azul. Em que pese os argumentos trazidos nas razões recursais, a sentença de improcedência da pretensão indenizatória não merece reforma. A denominada zona azul constitui-se de vias públicas, ou seja, ruas que são utilizadas como estacionamento e, como tais, são classificadas como bem público de uso comum do povo (art. 99, I, do Código Civil). Assim, como a rua é bem de uso comum do povo, os estacionamentos rotativos foram instituídos, sobretudo, para possibilitar a utilização de vagas pelo maior número de pessoas.
Des. Sérgio Roberto Baasch Luz
Com efeito, a zona azul veio regulamentar o uso temporário das vias públicas, evitando que uma minoria utilize o espaço público praticamente com "exclusividade", deixando o veículo estacionado durante horas, ou quiçá, o dia inteiro, impedindo o uso pelos demais usuários. Outrossim, as zonas azuis não configuram estacionamentos fechados explorados pelo município, não estando presente, por conseguinte, o dever de guarda e vigilância. A remuneração paga pelos usuários objetiva suportar os custos do serviço prestado. A fiscalização exercida pelos agentes, por seu turno, diz respeito apenas ao uso temporário do bem público, visando à conferência do "ticket", para verificação do tempo de permanência máxima dos veículos estacionados. A questão, aliás, não é inédita nesta Câmara de Direito Público, haja vista que o eminente Des. Vanderlei Romer, na Apelação Cível n. 2008.029387-4, da Capital, julgada em 24/6/2008, proferiu julgamento afirmando a ausência de responsabilidade do município diante do furto de veículo em estacionamentos rotativos, utilizando-se dos seguintes fundamentos: "Conforme expressamente prevê o art. 24 do Código de Trânsito Brasileiro, a competência para implantar, manter e operar o sistema de estacionamento rotativo pago em vias públicas é dos órgãos e entidades executivos de trânsito. No âmbito do município de Florianópolis, o parqueamento nas vias públicas é regulamentado pela Lei n. 4.666/95, que dispõe sobre a utilização do bem público de uso comum do povo, para estacionamento tipo "'zona azul". Os arts. 2º e 6º da referida norma prevêem: Art. 2º - As vias e logradouros públicos incluídos na "ZONA AZUL", são considerados áreas especiais de estacionamento que só será usufruído mediante o pagamento de preço público instituído pelo Município. [...] Art. 6º - A fiscalização e exploração dos estacionamentos a que se refere esta Lei, ficará a cargo do IPUF que celebrará Convênio com a SUSP, AFLOV e Polícia Militar de Santa Catarina, cujas incumbências serão discriminadas no referido Convênio. O Decreto municipal n. 777/96, por sua vez, ao regulamentar o estacionamento remunerado de veículos nos espaços públicos delimitados como zona azul, estabeleceu: Art. 1º Fica delegado ao IPUF - Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis - a pesquisa, planejamento, delimitação das áreas, exploração e administração do uso do solo público nas áreas denominadas "ZONA AZUL" para estacionamento de veículos automotores e a cobrança pelos serviços prestados, através da venda de cartões. [...] Art. 5º - O estacionamento será controlado através de cartão padronizado e numerado seqüencialmente que deverá ser preenchido
Des. Sérgio Roberto Baasch Luz
pelo usuário. [...] Art. 9º - O estacionamento será controlado por monitores (as) contratados (as) pela AFLOV e credenciados (as) pelo IPUF devidamente uniformizados (as) e identificados (as), com supervisão direta do 4º Batalhão da Polícia Militar. [...] Art. 12 - Nenhuma responsabilidade caberá ao Município por acidentes, danos, furtos, roubos ou prejuízos de qualquer natureza que os veículos ou seus usuários venham a ter nos locais de estacionamento de que trata o presente Decreto. Como se vê, o IPUF é a autarquia responsável pelo planejamento urbano do município de Florianópolis, bem como pela administração e exploração das áreas de estacionamento rotativo nas vias públicas, delimitadas como zona azul. Atua, pois, na consecução de uma atividade típica da Administração Pública, outorgada por meio de lei. Outrossim, "Nessa qualidade, 'os atos praticados pelas autarquias são considerados atos administrativos e, como tais, sujeitam-se ao controle do Poder Judiciário, tanto pelas vias comuns (ação de indenização etc.) quanto pelas especiais (ação popular, mandado de segurança etc.)'. Destarte, 'as autarquias responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa (CF, art. 37, § 6º) (ALEXANDRINO, M. Paulo. Direito Administrativo. 10. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2006. p. 24-31)'" (Ap. Cív. n. 2007.003768-2, da Capital, rel. Des. Orli Rodrigues, j. em 27-11-2007). A responsabilidade civil do Ipuf, por seu turno, é objetiva, de forma que faz-se necessária somente a comprovação do nexo de causalidade entre o dano e o fato lesivo (ação/omissão), independentemente de dolo ou culpa. Em se tratando de responsabilidade objetiva, essa só será desconstituída em virtude de caso fortuito, força maior ou culpa exclusiva da vítima. O art. 37, § 6º, da Constituição da República Federativa do Brasil assevera, in verbis: As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos caso de dolo ou culpa. A respeito do assunto, leciona Hely Lopes Meirelles: Para obter a indenização, basta que o lesado acione a Fazenda Pública e demonstre o nexo causal entre o fato lesivo (comissivo ou omissivo) e o dano, bem como o seu montante. Comprovados esses dois elementos, surge naturalmente a obrigação de indenizar. Para eximir-se dessa obrigação, incumbirá à Fazenda Pública comprovar que a vítima concorreu com culpa ou dolo para o evento danoso. Enquanto não evidenciar a culpabilidade da vítima, subsiste a responsabilidade objetiva da Administração. Se total a culpa da vítima,
Des. Sérgio Roberto Baasch Luz
fica excluída a responsabilidade da Fazenda Pública; se parcial, reparte-se o quantum da indenização (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 15. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais. p. 555). Com relação à natureza jurídica do serviço prestado pelo ora demandado, como bem anotou o Des. Francisco Oliveria Filho ao analisar caso semelhante ao em tela, Embora a Lei n. 4.666/95 tenha autorizado o Poder Executivo Municipal a estabelecer, por meio de Decreto, o estacionamento de veículos automotores mediante o pagamento de preço público, trata-se de um tributo da natureza de taxa, senão vejamos: Na taxa, a hipótese de incidência é a prestação de serviço pelo Estado ao sujeito passivo. Podem ser tanto taxas de serviço, como taxas de polícia. Esta última é instituída em razão do poder de polícia da Administração Pública, o qual se trata da faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 127). E continua: Já o preço público representa uma contraprestação devida pela parte por esta assumir voluntariamente uma obrigação contratual para aquisição de bem ou serviço de caráter público. Assim, enquanto a taxa decorre de uma obrigação imposta por lei e de uma atividade regida pelas regras de direito público, o preço público advém de uma obrigação contratual, assumida pelo particular, cuja atividade é regida pelas regras de direito privado (Ap. Cív. n. 2007.033068-1, da Capital, j. em 11-12-2007). Consoante leciona Eduardo de Moraes Sabbag, taxa É o tributo que tem como fato gerador o exercício regular do poder de polícia ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível prestado ao contribuinte ou posto à disposição. E continua: Existem apenas duas modalidades de taxas no Brasil, o que vem a corroborar o Princípio da Exclusividade das Taxas: taxa de Serviço e Taxa de Polícia. I - TAXA DE SERVIÇO ou DE UTILIZAÇÃO - prestação de serviço publico; II - TAXA DE POLÍCIA ou de DE FISCALIZAÇÃO - efetivo poder de polícia [...] Pagar-se -á a Taxa de Fiscalização em virtude de poder de polícia administrativo efetivamente manifestado. O policiamento administrativo ensejador da Taxa é a atividade estatal com tendência a limitar direitos ou liberdades individuais em prol da coletividade. Sabe-se que o 'Poder de Polícia' é definido no nosso Código Tributário Nacional em caráter de exclusividade, cabendo-nos apreciar o robusto conceito abaixo transcrito, in verbis: Art. 78: "Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse
Des. Sérgio Roberto Baasch Luz
público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e os direitos individuais e coletivos. Parágrafo Único: Consideram-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder " (Direito Tributário - Elementos do Direito - São Paulo: ed. Siciliano Jurídico, 2003 p. 61- 62 e 64-65). A meu sentir, contudo, não pode o Ipuf ser responsabilizado por eventuais danos ocorridos em veículos estacionados em áreas delimitadas como zona azul. Isso por que, como bem consignou o preclaro Des. Luiz Cézar Medeiros em recente julgado que tratava de caso idêntico ao em tela, "O contrato de estacionamento de veículo nas áreas denominadas zona azul não gera a responsabilidade de guarda e vigilância do Poder Público ou da empresa concessionária. Trata-se de simples locação de espaço público com a finalidade de controlar o estacionamento de veículos nos centros urbanos, proporcionando uma maior rotatividade das vagas e, por conseqüência, o atendimento de interesse público específico" (Ap. Cív. n. 2008.002685-7, da Capital, rel. Des. Luiz Cézar Medeiros, j. em 19-3-2008). Acerca do tema, leciona Yussef Said Cahali: A jurisprudência orienta-se no sentido de não identificar uma especial forma de fiscalização e segurança nos estacionamentos abarcados pelo sistema "zona azul". A municipalidade regulou o tempo de parqueamento de veículos em suas vias e logradouros públicos, de molde a propiciar rotatividade do uso dessa parte do solo público, coisa que, se não feita, poderia, em tese, propiciar abuso consistente no indefinido estacionamento dos veículos de uns poucos, com evidente prejuízo para os demais usuários, munícipes ou não, dessa sorte obstaculizados de por igual estacionar seus automóveis nas ditas e limitadas vagas, segundo sua conveniência. Nisso, pois, se resume o objetivo da difundida prática, que, indiferentemente e segundo critérios de cada cidade, é ou não onerosa. No caso em tela, adotou-se a segunda opção. O autor, por lhe interessar, estacionou veículo em local abarcado pelo sistema conhecido como "Zona Azul". Nada consumiu que o colocasse sob o pálio das leis protetoras que invoca( Lei 8.078/1990). Dito de outra forma, adquiriu tempo para parqueamento. Nada mais. Nem depositou o bem nem contratou a ré para guardá-lo. Teria sido automóvel furtado. Cediço que extravasante do limitado negócio lavrado entre autor e ré - nomeadamente, a compra de tempo certo para estacionamento em local definido -, a assunção, por suposto implícita, de qualquer outra obrigação pela recorrida, que, vendendo o talão autorizadores do estacionamento e recebendo o respectivo preço, esgotou o potencial do contrato. A
Des. Sérgio Roberto Baasch Luz
hipótese nenhuma similitude guarda com o contrato de depósito gerado pelo estacionamento de veículos de usuários em terrenos ou garagens de estabelecimentos comerciais quais shopping centers e supermercados. È que aí funciona a oferta da vaga como indez e argumento atrativo de consumidores, intuitivamente levados a comprar em lojas ou conjuntos de lojas que lhes propiciem estacionamento cômodo [...]. O direito/obrigação na área azul é, quanto ao usuário, de estacionar o seu veículo na rua,mas, como o bem é de uso comum do povo, o estacionamento é temporário, e, quanto ao Município, a exigir que o estacionamento se dê por períodos de tempo. Em nenhum momento se vê que os funcionários municipais que lá estão têm a obrigação de zelar pela guarda e conservação do veículo estacionado. Estes apenas exercem o monitoramento do serviço, a fim de garantir o uso rotativo do estacionamento, de modo que, não tendo essa natureza de depósito, não se responsabiliza a Municipalidade pelo furto de veículo ali ocorrido. Assim, não obstante haja relação de consumo entre o usuário e o serviço público, na hipótese, inexiste o serviço alegado pelo autor, de guarda e conservação, para servir de base à responsabilidade do pretenso fornecedor. Em substância, a instituição das zonas azuis representa apenas o disciplinamento da utilização de bens de uso comum do povo e que não pode acarretar qualquer ônus para o município, em razão de eventual dano sofrido pelo munícipe (Responsabilidade civil do Estado. 3. Ed. São Paulo: ed. Revista Dos Tribunais, 2007. p. 329-331). Em suma, não pode o Ipuf ser responsabilizado pelo infortúnio, porquanto, embora remunerado o serviço, a ele compete estritamente o disciplinamento do uso da área pública denominada zona azul, que consiste na vigilância da ocupação temporária do espaço público, conforme estipulado no cartão de estacionamento, e visa, assim, a proporcionar aos usuários uma rotatividade no uso das vagas nos logradouros públicos, que se faz necessária em decorrência das dificuldades provocadas pelo aumento demasiado da frota de veículos nos centros urbanos. Nesse sentido, repita-se, essa Corte já decidiu: [...] FURTO DE VEÍCULO - ESTACIONAMENTO - ZONA AZULLOCAÇÃO DE ESPAÇO PÚBLICO - OBRIGAÇÃO DE GUARDA E VIGILÂNCIA - INOCORRÊNCIA. 1. O contrato de estacionamento de veículo nas áreas denominadas zona azul não gera a responsabilidade de guarda e vigilância do Poder Público ou da empresa concessionária. Trata-se de simples locação de espaço público com a finalidade de controlar o estacionamento de veículos nos centros urbanos, proporcionando uma maior rotatividade das vagas e, por conseqüência, o atendimento de interesse público específico. 2. Não demonstrado o dever de guarda e vigilância dos veículos encontrados em via pública, bem assim a culpa do Poder Público, é de ser afastada a sua responsabilidade pelos danos resultantes do
Des. Sérgio Roberto Baasch Luz
infortúnio (Ap. Cív. n. n. 2008.002685-7, da Capital, rel. Des. Luiz Cézar Medeiros, j. em 19-3-2008). Do acórdão supramencionado, extrai-se excerto, no que interessa: O caso vertente trata de furto de veículo em via pública. Ora, é muito fácil perceber, ante a realidade atual, que o Estado não tem recursos suficientes para evitar todo e qualquer furto. Fosse isso razoável, prevaleceria a suposição de que toda e qualquer infração penal devesse ser obstada, sob pena de responsabilização do ente público. Nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello, essa conclusão conduziria a absurdos. "É que, em princípio, cumpre ao estado prover a todos os interesses da coletividade. Ante qualquer evento lesivo causado por terceiro, como um assalto em via pública, uma enchente qualquer, uma agressão sofrida em local público, o lesado poderia sempre argüir que o serviço não funcionou, e buscar a reparação dos prejuízos" (Curso de Direito Administrativo. 16 ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 874). Veja-se, pois, que não se pode alegar falha do serviço relacionado à segurança das pessoas e bens, uma vez que a atuação estatal foi compatível com as possibilidades e recursos disponíveis e, ainda assim, não pode obstar o evento danoso. 2 Ainda que, in casu, em seguimento à jurisprudência de parte desteTribunal, se entendesse objetiva a responsabilidade civil do Município, a imputação aos apelados restaria afastada em virtude do rompimento do nexo causal, uma vez que o evento danoso decorreu de fato de terceiro. Como é cediço, a responsabilidade civil objetiva, decorrente do risco administrativo, pode ser repelida, desde que se demonstre que o dano foi possível por culpa exclusiva da vítima, de terceiro ou que tenha resultado de caso fortuito ou força maior. Aliás, essa situação também se verificaria se fosse admitida a aplicação do Código de Defesa do Consumidor. Nesse sentido, traz-se à colação a doutrina de Hely Lopes Meirelles: "O que a Constituição distingue é o dano causado pelos agentes da Administração (servidores) dos danos ocasionados por atos de terceiros ou por fenômenos da Natureza. Observe-se que o art. 37, § 6º, só atribui responsabilidade objetiva à Administração pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causam a terceiros. Portanto, o legislador constituinte só cobriu o risco administrativo da atuação ou inação dos servidores públicos; não responsabilizou objetivamente a Administração por atos predatórios de terceiros, nem por fenômenos naturais que causem danos aos particulares. Para a indenização destes atos e fatos estranhos a atividades administrativas observa-se o princípio geral da culpa civil, manifestada pela imprudência, negligência ou imperícia na realização do serviço público que causou ou ensejou o dano. Daí por que a jurisprudência, mui acertadamente, tem exigido a prova da culpa da Administração nos casos de depredação por multidões e de enchentes e vendavais que, superando
Des. Sérgio Roberto Baasch Luz
os serviços públicos existentes, causam danos aos particulares. Nestas hipóteses, a indenização pela Fazenda Pública só é devida se se comprovar a culpa da Administração. E na exigência do elemento subjetivo culpa não há qualquer afronta ao princípio objetivo da responsabilidade sem culpa, estabelecido no art. 37, § 6º, da CF, porque o dispositivo constitucional só abrange a atuação funcional dos servidores públicos, e não os atos de terceiros e os fatos da Natureza. Para situações diversas, fundamentos diversos" (Direito Administrativo Brasileiro. 26 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 616/617). Desse modo, mesmo sendo objetiva a responsabilidade do ente público, tem-se por não demonstrado o nexo causal entre a alegada conduta omissiva e os danos experimentados pela vítima, eis que estes decorreram de fato de terceiro, qual seja, furto por parte de ladrões que ainda não foram identificados pela polícia. Em conclusão, não há meio de se atribuir ao Município a responsabilidade pelo evento danoso, principalmente porque, repita-se, a ele não poderia ser imputada a obrigação de vigilância, mas tão-somente a garantia da vaga pelo tempo estipulado no cartão de estacionamento. 3 O contrato foi celebrado entre o apelado e o Município de Florianópolis e o IPUF; estes, como dito, locaram aquele o espaço na área denominada Zona Azul. Em reforço ao aduzido, esse contrato cinge-se precipuamente à locação de espaço público; exigir a garantia contra furtos ou outros incidentes, conforme acentuado com propriedade pelo Doutor Juiz, seria ilógico e irrazoável ante a desproporcionalidade entre o preço cobrado e o benefício esperado. Demais disso, não só a lei regulamentadora como a própria essência da avença tácita afastam essa garantia e, portanto, aniquilam a pretensão da demandante. O sistema de estacionamento "zona azul" visa essencialmente a rotatividade dos veículos nos centros urbanos, não sendo diferente em Florianópolis. A Lei Municipal n. 4.666/95 dispõe sobre a utilização do bem público de uso comum do povo para estacionamento Zona Azul, prevendo em seu art. 5º: A cobrança de preço nas áreas de estacionamento tipo "Zona AZUL", não acarretará para o município de Florianópolis, a obrigação de guarda e vigilância dos veículos, não respondendo, quanto a estes e seus usuários, por acidentes, danos, furtos, ou quaisquer outros prejuízos que deles venham sofrer [...] Diante disso, não há como albergar o pedido de reforma da sentença. O ente municipal e muito menos o IPUF não podem ser responsabilizados pelo furto, pois a lei e contrato os isentam dessa obrigação (Ap. Cív. n. 2008.002685-7, da Capital, rel. Des. Luiz Cézar Medeiros, j. em 19-3-2008). O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul segue nessa linha de raciocínio. Veja-se: APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. FURTO DE VEÍCULO. INDENIZAÇÃO POSTULADA PERANTE A
Des. Sérgio Roberto Baasch Luz
PERMISSIONÁRIA DOS SERVIÇOS QUE VISTORIAM A 'ZONA AZUL'. Os funcionários da empresa a quem foi concedido o serviço de vigilância da 'zona azul', ou 'área azul' têm, entre suas atribuições, somente fiscalizar o uso correto e adequado, do pagamento correspondente ao período em que se utiliza do estacionamento nas vias e logradouros públicos. Por evidente que não sucedem as milícias civis e militares nas atribuições específicas do dever de vigilância e segurança aos munícipes para lhes impor o dever de indenizar furto de veículos em via pública. APELO IMPROVIDO (Ap. Cív. n. 7001414345, rela. Desa. Ana Maria Nedel Scalzilli, j. em 27-6-2007). Do corpo do citado acórdão, colhe-se: Já decidi questão análoga, AC nº 70004003745, ocasião em que citei parecer de lavra do D. Procurador de Justiça, Doutor Celso Tiberê Rodrigues Lobato, com o seguinte teor: "... A chamada "zona azul" não pode ser confundida com o contrato de garagem, visto que neste o garagista obriga-se à guarda e custódia de um veículo trazido por outra pessoa, denominada usuário, quando esta desejar, proporcionando um local para tal durante um certo tempo, mediante o pagamento de preço geralmente em dinheiro, enquanto aquela tem por finalidade assegurar maior rotatividade, possibilitando utilização por número mais elevado de veículos, sem obrigação de custódia e guarda. Nesse negócio, não existe a figura do garagista, porque não há a obrigação de depósito, mas apenas é atribuído um local para a colocação do veículo do usuário em via pública, por tempo determinado, o qual assume todos os riscos representados pelo estacionamento em via pública [...]. Destarte, não há responsabilidade civil por parte do Município em razão de o furto do veículo ter ocorrido quando estacionado em área azul, porquanto os estacionamentos em via pública servem apenas para proporcionar a rotatividade de veículos estacionados em via pública, em razão das dificuldades provocadas pelo aumento da frota de veículos, em contraposição com a escassez de espaços nas vias públicas, ao contrário do que ocorre em estacionamento em garagem, cuja obrigação é de resultado, em que se obriga de manter a coisa consigo durante certo tempo e restituí-la íntegra, sob pena de responder pelos danos e deterioração, salvo caso fortuito ou força maior. Com efeito: aos funcionários que atuam na denominada "zona azul", ou "área azul", está adstrito o dever de vigilância, especificamente, quanto ao uso de área pública, da ocupação temporária dos espaços e do pagamento do valor correspondente ao tempo de utilização do estacionamento, dada sua natureza rotativa, que se destina a oportunizar a que maior número de munícipes use as vagas, especialmente em vias e logradouros públicos mais congestionadas pelo trânsito e que dificultam o acesso a sem número de endereços, caso não houvesse o referido disciplinamento.
Des. Sérgio Roberto Baasch Luz
Ainda daquela Corte: RESPONSABILIDADE CIVIL. FURTO DE VEÍCULO ESTACIONADO EM ZONA TARIFADA DE VIA PÚBLICA. "ÁREA AZUL". DEVER DE INDENIZAR INEXISTENTE. O fato de ser tarifada a ocupação de vagas de estacionamento na chamada "área azul" (que tem por fim estabelecer rotatividade no estacionamento de veículos deixados na via pública) não implica em reconhecimento do dever de guarda e vigilância sobre os veículos ali deixados, não dando ensejo a qualquer pretensão indenizatória contra as mantenedoras. Recurso provido. Unânime. (Recurso Cível Nº 71000876466, Primeira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: João Pedro Cavalli Junior, julgado em 06-07-2006). RESPONSABILIDADE CIVIL. FURTO DE OBJETOS DEIXADOS NO INTERIOR DE VEÍCULO ESTACIONADO EM VIA PÚBLICA. ZONA AZUL. INEXISTÊNCIA DA RESPONSABILIDADE PELA GUARDA E VIGILÂNCIA DO VEÍCULO. RECURSO PROVIDO PARA O FIM DE RECONHECER-SE INOCORRENTE O DEVER DE INDENIZAR. A exigência de prestação pecuniária para a ocupação de vagas na zona azul, que tem por fim estabelecer rotatividade no estacionamento de veículos deixados na via pública, não implica em reconhecimento do dever de guarda e vigilância sobre os veículos ali deixados, pelo que descabida se mostra a pretensão indenizatória. Recurso provido. (Recurso Cível n. 71000752998, Segunda Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, rel. Clovis Moacyr Mattana Ramos, j. Em 7-12-2005. Outro não é o entedimento perfilhado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. FURTO DE OBJETOS NO INTERIOR DE VEÍCULO ESTACIONADO EM BOLSÃO DE ESTACIONAMENTO ROTATIVO CLASSIFICADO COMO 'ZONA VERDE". INDENIZAÇÃO. INADMISSIBILIDADE. CONTRATO EXAURIDO COM A VENDA DO TAÇÃO AUTORIZADOR E O RECEBIMENTO DO RESPECTIVO PREÇO. RECURSO PROVIDO (Ap. Cív. N. 438.668-5/5, rel. Des. Machado de Andrade, j. em 15-2-2007). O entendimento do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, por sua vez, se coaduna com o aqui exposto: CIVIL, PROCESSUAL E ADMINISTRATIVO. DEMANDA VISANDO REPARAÇÃO POR DANOS. FURTO NO INTERIOR DE VEÍCULO ESTACIONADO EM LOCAL AUTORIZADO. -RIO ROTATIVO. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DO ENTE PÚBLICO MUNICIPAL. VALOR PAGO APENAS PELA UTILIZAÇÃO DO ESPAÇO PÚBLICO. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. ACERTO DO JULGADO. Em se tratando de alegada conduta omissiva de agente público, a questão reparatória deve ser examinada sob a ótica da Teoria da Falta do Serviço. Em outros termos, necessário se faz perquirir se há correlação direta e
Des. Sérgio Roberto Baasch Luz
imediata entre o dano e a falha no funcionamento do serviço, ou seja, se o dano resultou da inação ou retardamento do agente público, ônus que incumbe ao demandante, por força do art. 333, I, do Código de Processo Civil. Não tem o Município o dever de vigilância ou mesmo de guarda em relação aos veículos estacionados na via pública mesmo quando realizado o pagamento do chamado RIO-ROTATIVO, porque o valor pago é pela utilização do espaço público e forma de permitir ao Poder Público ordená-lo no exercício do seu poder de polícia administrativo. Recurso manifestamente improcedente, ao qual se nega seguimento, com fulcro no art. 557, do Código de Processo Civil (Ap. Cív. n. 44.127/2007, rel. Des. Lindolpho Morais Marinho, j. em 19-12-2007). Importante referir, ainda, que a Lei Municipal n. 4.666/95 que instituiu as áreas destinadas a parqueamento por tempo limitado, assim como o Decreto Municipal n. 777/96 que regulamenta tal serviço isentam de qualquer responsabilidade o ente público encarregado da prestação desse serviço. Outrossim, como bem anotou o Magistrado a quo: [...] não existe uma correlação e uma proporcionalidade entre o preço cobrado pelo suposto estacionamento na área pública e o prejuízo reclamado pela parte, seja porque a chamada zona azul não é prestação de serviço de estacionamento (o que geraria o dever de guarda, fundamento do presente pedido de indenização), mas mero exercício do poder de Polícia da Administração Municipal (que limita o tempo de estacionamento nas áreas centrais e movimentadas da cidade, limitando direito individual de estacionamento nas vias públicas, em favor do interesse público consistente na melhor organização do trânsito nessas áreas) (fls. 83-84). Diante desse contexto, à evidência que não se pode atribuir ao Ipuf a responsabilidade pelos furtos ocorridos em área de zona azul, já que a finalidade precípua da criação dos estacionamentos rotativos é a disciplina do tempo de uso dos espaços públicos, diferentemente do que ocorre com os contratos de depósito, gerados pelo estacionamento de veículos em terrenos ou garagens, cuja obrigação é de resultado, uma vez que, nesses casos, o responsável pelo estacionamento tem o dever de guarda e vigilância do bem deixado sob seus cuidados, devendo entregá-lo intacto, sob pena de responder pelos danos e deterioração ocorridos, salvo caso fortuito ou força maior." Portanto, não existe responsabilidade do município ou da autarquia municipal perante o infortúnio, porque a prestação do serviço refere-se somente ao monitoramento da área destinada ao estacionamento, a fim de garantir o uso rotativo do mesmo.
DECISÃO
Ante o exposto, por votação unânime, nega-se provimento ao
Des. Sérgio Roberto Baasch Luz
recurso. O julgamento, realizado em 9 de setembro de 2008, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Newton Trisotto, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des. Paulo Henrique Moritz Martins da Silva. Pela douta Procuradoria-Geral de Justiça, lavrou parecer o Exmo. Sr. Dr. João Fernando Q. Borrelli. Florianópolis, 10 de setembro de 2008. Sérgio Roberto Baasch Luz RELATOR