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LEITURAS SERIE LEITURAS JURIDICAS PROVAS E CONCURSOS DIREITO ECONOMICO Volume 29 Vicente Bagnoli 3* Edic¢Zo Data de fechamento desta edicgdo: 17-6-2008 SAO PAULO EDITORA ATLAS S.A. — 2008 © 200 by Editora Atlas S.A. 1. ed. 2005; 2. ed. 2006; 3. ed. 2008 Composigéio: Formato Servigos de Editoragio $/C Ltda. Dados Internacionais de Catalogagio nia Publicagao (CIP) (Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Bagnoli, Vicente Direito econdmico / Vicente Bagnoli. -3. ed. So Paulo : Atlas, 2008. ~ (Série leituras juridi- cas: provas € concutsos ; v. 29) Bibliografia. ISBN 978-85-224-5191-3 Revista e atualizada de acordo com a Lei Complementar n® 123/06 e com as Leis n® 11.417/06, | 11.45/07 e 11.448/07. 1. Direito administrativo 2. Direito administrativo —Brasil 3. Direito administrativo -Con- cursos ~ Brasil I. Titulo. IL. Série. 05-7992 CDU-34:33 { ‘indice para catalogo sistemético: | 1. Direito econdmico 34:33 ‘TODOS OS DIREITOS RESERVADOS - proibida a reprodugao total ou parcial, de qualquer forma ou por qualquer meio. A violado dos direitos de autor (Lei n® 9.610/98) € crime estabelecido pelo artigo 184 do Cédigo Penal. Depésito legal na Biblioteca Nacional conforme Decreto n* 1.825, de 20 de dezembro de 1907. Impresso no Brasil/Printed in Brazil @ Editora Atlas S.A. Rua Conselheiro Nébias, 1384 (Campos Elisios) 01203-904 Sao Paulo (SP) ‘Tel.: (0__11) 3357-9144 (PABX) www.EditoraAtlas.com.br Ao meu pai, Vicente Renato, que construiu e desempenha sua brilhante carreira profissional e académica para o bem-estar da satide humana, exemplo de que a seriedade, a determinagéo, a ética e a fé sao elementos necessdrios para se conquistar algo verdadeiramente valioso —atender e auxiliar o préximo —, dedico este trabalho. A minha familia, alicerce da minha formagiio, presente em todos os momentos da minha vida, dadiva que Deus me proporcionou, agradeco por tudo. “A atividade econémica, em particular a da economia de mercado, nao se pode realizar num vazio institucional, _juridico e politico. Pelo contrério, supde seguranga no referente ds garantias da liberdade individual e da propriedade, além de uma moeda estavel e servigos ptiblicos eficientes. A principal tarefa do Estado é, portanto, a de garantir esta seguranga, de modo que quem trabalha e produz possa gozar dos frutos do préprio trabalho e, conseqiientemente, sinta- se estimulado a cumpri-lo com eficiéncia e honestidade. A falta de seguranga, acompanhada pela corrupgio dos poderes ptiblicos e pela difusdo de fontes impréprias de enriquecimento e de lucros faceis fundados em atividades ilegais ou puramente especulativas, é um dos obstdculos principais ao desenvolvimento e a ordem econdmica.” Centesimus Annus, Carta Enciclica do Papa Joao Paulo II, 6. ed. S40 Paulo: Paulinas, 2004, p. 89. “Quando um povo é durante muito tempo governado por autoridades injustas, todo ele acaba encarando a injustica como ‘ordem’. Salmo 125 - Comentario 3°, Biblia Sagrada. Sao Paulo: Paulus, 2002, p. 813. Sumario Nota, xi Introdugaéo, 1 1 Introdugao ao Direito Econémico, 3 1.1 O surgimento do direito econémico, 3 111 1.1.2 1.1.3 1.1.4 1.1.5 A Primeira Guerra Mundial, 3 A Reptblica de Weimar, 6 A Constituicéo da Repiblica de Weimar, 7 A constituicao econémica de Weimar, 8 Crise na republica: fim de Weimar e ascensio do Nazismo, 12 1.1.5.1 A crise da Bolsa de Nova York e a vitéria do nacional-socialismo, 13 1.1.5.2 O estado total no pés-Weimar, 16 O direito econémico, 17 Conceito de direito econémico: sujeito e objeto, 18 Ordem juridico-politico-econémica, 22 Politica econémica, 24 Teorias do direito econdmico, 26 Direito econémico e direito da economia: andlise econémica do direito e os principios da economicidade e eficiéncia, 28 Direito econémico: fronteira entre piblico e privado, 31 Direito administrativo econdmico, 32 viii Direito Econémico 2. Direito Constitucional Econémico, 34 2.1 Aconstitui¢g&o econémica, 34 2.2 Normas programaticas, 36 2.3 Fontes do direito econémico, 37 2.4. Leis em direito econémico, 38 2.5 As constituicdes econémicas no Brasil, 39 2.5.1 Constitui¢ao de 1824, 39 2.5.2 Constituigéo de 1891, 41 2.5.3 Constituigao de 1934, 42 2.5.4 Constituicao de 1937, 44 2.5.5 Constituicao de 1946, 47 2.5.6 Constituicao de 1967, 50 3 A Ordem Econémica na Constituigao Federal de 1988, 53 3.1 Aspectos gerais da constitui¢céo econémica, 53 3.2 Principios gerais da atividade econémica, 62 3.2.1 Art. 170: Ordem Econémica, 62 3.2.2 Soberania nacional, 64 3.2.3 Propriedade privada, 65 3.2.4 Fungo social da propriedade, 65 3.2.5 Livre concorréncia, 65 3.2.6 Defesa do consumidor, 66 3.2.7 Defesa do meio ambiente, 66 3.2.8 Reduc&o das desigualdades regionais e sociais, 67 3.2.9 Busca do pleno emprego, 67 3.2.10 Tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte, 68 3.2.11 Livre exercicio da atividade econémica, 68 3.2.12 Arts. 171 e 172, 68 3.2.13 Arts. 173 e 174: atuagao do Estado no dominio econdmico, 70 3.2.14 Arts. 175 a 181: outras formas de atuaco do Estado no dominio econémico, 74 3.2.15 Art. 219: mercado interno, 74 3.2.16 Arts. 182 e 183: politica urbana, 75 3.2.17 Arts. 184 a 191: politica agricola, fundidria e reforma agraria, 75 3.2.18 Art. 192: sistema financeiro nacional, 76 4 Atuacao do Estado no Dominio Econémico, 79 4.1 Aempresa e 0 direito econémico: teoria da empresa, 79 ‘Sumério 4.2. Teoria geral da regulacao, 83 4.3. Agéncias reguladoras: a regula¢ao econdmica, 86 4.3.1 Surgimento das agéncias reguladoras, 88 4.3.2 Agéncias reguladoras no Brasil, 90 4.3.3 Caracteristicas das agéncias reguladoras, 92 4.3.4 Agéncias reguladoras em espécie, 103 4.3.4.1 ANATEL, 104 4.3.4.2 ANP, 105 4.3.4.3. ANVISA, 106 4.3.4.4 ANS, 107 4.3.4.5 ANA, 108 4.3.4.6 ANTAQ, 108 4.3.4.7. ANTT, 109 4.3.4.8 ANEEL, 110 4.3.4.9 ANCINE, 111 4.3.4.10 DAC/ANAG, 111 4.3.4,11 BACEN, 113 4.3.4.12 SUSEP 113 43.5 Observacées finais acerca das agéncias reguladoras, 114 4.4 Parcerias Publico-Privadas (PPPs), 117 4.5 Atividade econémico-privada dos entes ptblicos, 123 4.5.1 Empresa publica, 124 4.5.2 Sociedade de economia mista, 126 Direito da Concorréncia, 128 5.1 Conceitos e fins do direito da concorréncia, 128 5.2 Conceito de mercado relevante, 137 5.2.1 Mercado relevante material, 138 5.2.2 Mercado relevante geografico, 141 5.2.3 Mercado relevante temporal, 144 5.3 Tipos de mercado, 145 5.3.1 Mercados perfeitamente competitivos, 145 5.3.2 Mercados imperfeitamente competitivos, 146 5.3.2.1 Mercados oligopolizados, 147 5.3.2.2 Mercados monopolizados, 148 5.3.2.3 Monopsénios e oligopsénios, 149 5.4 Conceito de poder econémico e seu abuso, 150 5.4.1 Poder econémico (poder de mercado) e posi¢ao dominante (participago de mercado): distingao, 150 X Direito Econémico 5.4.2. O poder econémico no mercado e seus reflexos na concorréncia, 153 5.5 Sistema Brasileiro de Defesa da Concorréncia, 155 5.5.1 Conselho Administrativo de Defesa Econémica (CADE), 156 5.5.2 Secretaria de Direito Econémico (SDE), 158 5.5.3 Secretaria de Acompanhamento Econémico (SEAE), 160 5.6 Lei n® 8.884, de 11 de junho de 1994, 161 5.6.1 Enfoque estrutural da lei (atos de concentra¢4o), 163 5.6.2 Enfoque repressivo da lei (condutas anticoncorrenciais), 173 5.6.2.1 Crimes 4 ordem econémica, 178 6 Ordem Econémica Internacional, 182 6.1 Ordem econémica internacional, 182 6.2 Globalizacéo, 187 6.3. Integracdo, 193 6.3.1 Unido Européia, 194 6.3.2 Mercosul, 197 6.3.3. UNASUL, 200 6.3.4 TIAR, OEA, CEPAL, ALALC, MCCA, Pacto Andino, CAN, ALADI, NAFTA, CARICON, CAFTA, 201 6.3.5 ALCA, 202 7 NogGes de Economia Aplicadas ao Direito Econémico: Breve Introdu¢ao a Economia, 208 7.1 Introdugao 4 economia, 208 7.1.1 Nog6es gerais, 208 7.1.2. Breve histérico do pensamento econdmico, 212 7.1.3 Alguns conceitos econémicos, 219 7.1.4 Conceitos econémicos complementares, 226 7.2. Eficiéncia econémica, 227 7.3 Teorias microeconémica e macroeconémica basicas, 231 Questées, 235 Bibliografia, 255 Indice remissivo, 263 Nota A* Leituras Juridicas foi elaborada com 0 objetivo de pro- porcionar ao estudante e ao profissional de direito um estudo completo, atualizado e didatico sobre as diversas reas juridicas. Os autores selecionados, com vasta experiéncia acadé- mica e profissional, oferecem ao leitor visio moderna do tema desenvolvido, conforme sua atua¢&o profissional e académica. So especialistas, mestres e doutores com atuaca4o na Magistratura, Ministério Ptiblico, Advocacia e Procuradoria, familiarizados com as duvidas e anseios dos profissionais da 4rea juridica, estudan- tes, candidatos a concursos ptblicos e ao exame da Ordem dos Advogados do Brasil. Para o desenvolvimento de cada tema, 0 autor, utilizando-se de linguagem acessivel, sem prejuizo de contetido, esteve atento as grades curriculares dos cursos de graduagao, aos programas ¢ questdes de concursos piiblicos e exame de Ordem, observando as orientac6es jurisprudenciais dos Tribunais Superiores. Ao mesmo tempo em que é fonte de consulta para o esclare- cimento de diividas e revisio da matéria, a obra podera, também, orientar e direcionar o leitor que est4 iniciando seus estudos juridicos. Boas Leituras! Editora Atlas Introdu¢ao ( ada vez mais, o estudo do Direito Econémico se revela ne- cessario aos operadores do Direito, seja na atividade pro- fissional, seja na atividade académica. O militante do Direito nao se limita mais As quest6es estritamente legais. O conhecimento interdisciplinar das matérias juridicas e a interface com as Ciéncias Sociais e, sobretudo, Econémicas exigem a no¢ao de conjunto, pois sé assim o profissional do Direito estara atento e apto a atuar na realidade juridico-econémica que interfere diretamente no cotidiano de pessoas e Estados. Oestudo do Direito Econémico rompe as barreiras nacionais do relacionamento juridico entre os individuos e se expande a esfera da relacdo internacional entre nagGes, revelando-se a disci- plina juridica necessdria para se interpretar 0 dia-a-dia dos fatos da vida pessoal, seus reflexos na convivéncia nacional e internacional, trazendo com isso a questao da globalizacao. A tematica do Direito Econémico exige do seu estudioso a andlise da intervengdo do Estado na ordem econémica, seja como agente econdmico, seja como fiscalizador, a fim de orga- nizar a politica econdmica do Estado e evitar o abuso do poder econémico. Este livro esta dividido em sete capitulos, quais sejam: (i) Introdu¢ao ao Direito Econémico; (ii) Direito Constitucional 2. Direito Econémico Econ6mico; (iii) A Ordem Econémica na Constituicao Federal de 1988; (iv) Atuaco do Estado no Dominio Econémico; (v) Direito da Concorréncia; (vi) Ordem Econémica Internacional; e (vii) Nogdes de Economia Aplicadas ao Direito Econémico: Breve Introdugao 4 Economia, que em conjunto permitem amplo conhe- cimento acerca do Direito Econémico e dos elementos basicos das Ciéncias Econémicas para o estudante ou operador do Direito. Introdu¢do ao Direito Econémico 1.1 O surgimento do direito econémico Ao analisar o surgimento do Direito Econémico, percebe-se que sua origem corresponderia as diversas situacdes que esta- riam ligadas a crise do direito tradicional, decorréncia de grandes guerras e ainda da intervencao do Estado no dominio econé- mico. Certamente, diante dessa realidade se percebem diversas ocorréncias no decorrer da histéria em que o Estado ocupou-se em atuar na economia de forma juridica. Contudo, para interpretar ° surgimento de um novo direito (0 Direito Econémico), faz-se necessario verificar em qual momento histérico inicia-se a juri- dicizacao da politica econémica para reconhecer 0 Direito Econé- mico como disciplina aut6énoma. Para tanto, nada mais apropriado do que estudar, ainda que sucintamente, a Reptblica de Weimar e seu legado. 1.1.1 A Primeira Guerra Mundial Com a criagZo de novas indistrias e o crescimento dos in- tercambios internacionais, a economia do continente europeu 4 Direito Econdmico vivia constantes progressos, mas aos poucos as grandes poténcias européias comecavam a disputar os territérios disponiveis. En- tende-se tal fato com o imperialismo dos anos de 1871 a 1914e as relacdes internacionais dessa época. Escreve Hannah Arendt (2004, p. 178): “As depressdes dos anos 60 e 80 [do séc. XIX], que deram infcio a era do imperialismo, forcaram a burguesia compreender pela primeira vez que 0 pecado original do roubo, que séculos antes tornara possivel o ‘original acimulo de capital’ (Marx) e gerara todas as acumulac6es posteriores, teria eventualmente de ser repetido, a fim de evitar que o motor da acumulac4o parasse de sibito. Diante de tal perigo, que ameagava a nac4o inteira com um colapso catastréfico da producao, os produtores capitalistas compreenderam que as formas e leis do seu sistema de producao ‘haviam desde 0 inicio sido previstas para toda a terra’” (inseriu- se o colchete). Enquanto a Inglaterra destacava-se por ser a maior detentora de capitais, a Franca dispunha de importantes formas de pressao, decorréncia de seu poder econémico sobre diversos Estados. Di- ferentemente da Russia, da Itlia e do Império Austro-Htingaro, que nao tinham condicées de combater a hegemonia franco- britanica, a Alemanha, com o desenvolvimento de sua indistria exportadora, despontou como na¢ao a oferecer uma concorréncia equilibrada 4s demais poténcias. Mas os europeus também ti- nham dois novos concorrentes, um vindo da América e outro do Oriente. Os Estados Unidos da América e 0 Japao, em raz4o dos seus considerdveis progressos econémicos e das fortes marinhas de guerra, passavam a ter importante participacdo dentro de aliancas e conferéncias. O crescimento armamentista no inicio de 1914 sinalizava que a paz era precaria. No dia 28 de junho desse mesmo ano estoura acrise, com 0 assassinato, em Sarajevo, do arquiduque herdeiro do Império Austro-Hiingaro, Francisco Ferdinando. Com esse fato, o Imperador da Austria tentou eliminar a influéncia sérvia nos Balcis, atitude endossada pela Alemanha, que em 3 de agosto declara guerra 4 Franca. A Inglaterra, temerosa de que Franca e Introdusio ao Direito Econdmico 5 Rassia nao conteriam a ameaga de uma possivel hegemonia alema, e assim perigosa aos interesses britanicos e ao equilibrio europeu, interfere no conflito em 4 de agosto. Inicia-se a Primeira Grande Guerra Mundial (1914-1918) com Franga, Russia, Inglaterra, Sérvia e Bélgica (Entente) contra a Alemanha e o Império Austro-Htingaro. Com o decorrer dos tempos, outros paises v4o se envolvendo no conflito. Evidentemente, os armamentos para os beligerantes tinham grande importancia, o que levou as nagdes a mobilizarem suas indistrias, representando uma verdadeira intervengao do Estado na economia. Conforme escreve Paula A. Forgioni (1998, p. 77), “4 no primeiro quartel do século XX tém lugar alguns aconteci- mentos que modificam a postura do Estado em face da regula- mentac4o e condugao da economia. Em 1914, inicia-se a Primeira Grande Guerra. Os Estados vao divisando que, como disse Com- parato, as guerras nao se ganham apenas nos campos de batalha. Verifica-se, pois, uma atuac4o no sentido de organizar a economia, direcionando-a para a guerra. Um surto de regulamentaco estatal da atividade econémica se faz presente, nao obstante tenha sido julgado por muitos como temporario e eventual”. Os bancos credores dos paises da Entente exercem grande pressao na politica do presidente norte-americano Wilson, que, com a destruicao de navios de guerra de bandeira estadunidense, intervém no conflito em 2 de abril de 1917, defendendo a “liber- dade e a democracia”. Em meio 4 guerra, despontam correntes pacifistas, na Sufca, por exemplo, onde socialistas, como Lénin, defendiam a subordi- nacao de tudo 4 causa da revolucdo proletaria, j4 que a luta pela paz seria apenas a luta pela realizac4o do socialismo. Somavam-se a essas correntes pacifistas ideais de sindicalistas na Alemanha, na Franga e, principalmente, na Russia. Com o tempo vao desen- cadear greves. A desagregacdo das poténcias ligadas 4 Alemanha, em razao de movimentos revoluciondrios internos, e a ameaga da ofensiva 6 Direito Econémico aliada contribuem para o enfraquecimento desses paises. Em 9 de novembro de 1918, com a abdicacao de Guilherme I, é procla- mada, em Berlim, a Republica Alema. O novo governo, logo em 11 de novembro do mesmo ano, assina em Rethondes um armis- ticio, pondo fim a Primeira Guerra Mundial. 1.1.2 A Republica de Weimar Antes mesmo da celebracao do armisticio, a Alemanha foi palco de diversas disputas internas que culminaram com a Re- publica de Weimar. Ainda em outubro de 1918, os marinheiros de guerra nao acatam a ordem para se langarem ao mar em uma espécie de batalha final e rapidamente a grande maioria das forgas navais adere A revolta. Outro episédio foi a tentativa do Kaiser Guilherme I em salvar sua dinastia, fosse com a nomeagao de seu filho, Max Baden, chefe de governo, fosse com a permanéncia tdo-somente como rei da Prissia. Dias antes do armisticio de 11 de novembro de 1918, pro- clama-se na Baviera, na noite de 7 de novembro, uma Republica Democritica e Socialista por meio dos partidos de esquerda mais radicais, em especial o Spartakus, de Karl Liebknecht e Rosa Lu- xemburgo. Em conseqiiéncia, os representantes do MSPD, partido socialista alem&o, retiram-se do governo e convocam uma greve geral que culmina com a abdicacao do imperador e a designacao de Friedrich Ebert para chanceler. Aos 9 de novembro, o também membro do MSPD, Philip Scheidemann, proclama a Republica do balcdo da chancelaria de Berlim. Sob a chefia de Friedrich Ebert, constitui-se o Conselho dos Delegados do Povo. O governo provisério era integrado por representantes de diversos partidos, que apresentavam objetivos politico-constitu- cionais distintos. Assim, o MSPD apresentava-se favoravel 4 convocacao de uma assembléia nacional constituinte para com isso estabelecer uma democracia parlamentar. J4 o Partido So- cial Democratico Independente (USPD) defendia a imediata proclamagio da ditadura do proletariado e da socializacao total da economia, descartando qualquer constitucionalizacao formal da Republica. Introducio ao Direito Econémico 7 No final de 1918, j4 com uma nova lei eleitoral, realizam-se eleigdes para formar o congresso dos representantes das provin- cias imperiais, que, eleito, vota em janeiro de 1919 pela convoca- ¢40 da assembléia nacional constituinte. Dias antes, entretanto, apés combates nas ruas de Berlim entre as for¢as policiais e os militantes do partido de esquerda Spartakus, ocorre a prisdo e execucao de seus lideres Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo, en- fraquecendo significativamente o movimento esquerdista alemao. Em fevereiro de 1919, ocorrem as eleig6es constituintes, com os partidos socialistas obtendo 185 das 414 cadeiras. 1.1.3 A Constituigéo da Republica de Weimar O fim da Primeira Guerra Mundial coincide com o surgi- mento da Primeira Reptiblica Alema, instituida pela constitui¢ao elaborada e votada na cidade da Saxénia, Weimar. O momento histérico, portanto, nao era nada favoravel, ou seja, o pés-guerra para uma nacdo derrotada e submetida as im- posigGes dos vencedores. Conforme escreve Gilberto Bercovici (2004, p. 26), “a Constituicéo de Weimar era um compromisso politicamente aberto de renovagao democratica na Alemanha. O dificil em sua analise nao é demonstrar suas incoeréncias, mas definir qual seria a safda satisfatoria no contexto complexo e contraditério de uma sociedade industrial moderna nas condi¢des alemas do pés-Primeira Guerra Mundial”. Em que pese o texto equilibrado e inovador da Carta de Weimar, a sociedade que amargava as grandes perdas humanas e econémicas da guerra teria dificuldades para aceitar a nova proposta de reconstru¢ao, que demandava paciéncia e amadure- cimento pessoal, e das instituigdes democraticas. Tais exigéncias ficam ainda mais dificeis num periodo de crise. A Constituicao da Republica de Weimar tem logo no seu ini- cio a declara¢4o Deutsche Reich, ou seja, o Império Alem4o é uma Republica. A contraditéria declaragao, pois retomaria a idéia de 8 Direito Econdmico Império, suscitando a beligerancia do Estado, deve ser interpre- tada, entretanto, no sentido de uniao do povo alemao. O projeto para a Constitui¢ao, conforme assinala Fabio Kon- der Comparato (Weimar: versao em meio eletrénico), “foi redigido por Hugo Preuss, discipulo do historiador do direito e tedrico do antigo comunitarismo germanico, Otto v. Gierke. Desde a sua concepsio, portanto, a Constituicao de Weimar se estruturava contraditoriamente, procurando conciliar idéias pré- medievais com exigéncias socialistas ou liberais-capitalistas da civilizagdo industrial”. Por 272 votos a favor, 75 contra e algumas absten¢Ges, a Constituicdo de Weimar é aprovada aos 31 de julho de 1919, tendo em sua primeira parte a organizacdo do Estado e na segunda a declaracio dos direitos e deveres fundamentais. E justamente em sua segunda parte que a Constituicao de Weimar apresenta sua inovacao e contribuicao ao mundo juridi- co, pois nao mais se limita a ser um instrumento de defesa aos direitos e garantias do individuo contra o Estado, campos que o Estado nao podia invadir, nos moldes liberais até entao comuns as Cartas Constitucionais. Conforme discorre Rudolf Von Ihering (1999, 17% ed.), jurista do liberalismo, as pessoas tém direitos e devem lutar por eles. Porém, a partir da Constituicao de Weimar, o Estado tem o dever de agir positivamente por meio de politicas puiblicas e programas de governo na seara dos direitos sociais, quais sejam, educagio, satide, trabalho, previdéncia social, dentre outros. Revela, portan- to, a exigéncia de grupos sociais, e nao mais individuos isolados, a intervencdo do Estado na livre iniciativa da competicao nos mercados e na redistribui¢ao da renda pela forma de tributos, com politicas de investimentos ¢ distribuicao de bens. 1.1.4 A constituiga0 econémica de Weimar A Constituigio de Weimar, além de ser uma das primeiras constituigdes econémicas, é certamente aquela que acaba influen- ciando as cartas constitucionais do periodo pés-Primeira Guerra Introdugio ao Direito Econémico 9 Mundial e que consolida a constitui¢ao econémica nas Cartas do p6s-Segunda Guerra. Entendem-se constituicées econémicas aquelas Cartas que possuem em artigos esparsos de seu texto ou em titulos ou ca- pitulos especificos temas econémicos, ou seja, atribuir ao tema econémico sentido juridico. Dai a configuragao da ordem juridico- econémica e suas modernas denominagGes, ordem econémica e social, ordem econémica e financeira ou, tio-somente, ordem econémica. Conforme escreve Washington Peluso Albino de Souza (2003, p- 207), “a evolucao é notada especificamente a partir das Cons- tituigdes que se inspiraram na Carta de Weimar e, com mais freqiiéncia, foi registrada naquelas que sucederam a Segunda Guerra Mundial”. Importante observar que a Constituicao de Weimar de 1919 vem na esteira de outros dois acontecimentos histéricos que mo- dificam a realidade jurfdico-econémica: Constituigéo Mexicana e Revolucao Russa, ambas de 1917. A Carta mexicana, por exemplo, foi a primeira a atribuir a qualidade de direitos fundamentais aos direitos trabalhistas, além das liberdades individuais e direitos politicos. Escreve Fabio Konder Comparato (México, versao em meio eletrénico): “A Constitui¢éo de Weimar, em 1919, trilhou a mesma via da Carta mexicana, e todas as convengGes aprovadas pela entao recém-criada Organiza¢ao Internacional do Trabalho, na Confe- réncia de Washington do mesmo ano de 1919, regularam maté- tias que ja constavam da Constitui¢gdo mexicana: a limitag4o da jornada de trabalho, o desemprego, a protecao da maternidade, a idade minima de admissao nos trabalhos industriais e 0 trabalho noturno dos menores na indistria.” Diversas medidas inseridas na Carta mexicana de 1917, tan- to no campo socioeconémico, quanto no politico, passam a ter apoio da doutrina marxista constante na Declaragao dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado, com a eclosdo da Revolucao Russa. 10 _Direito Econémico Cumpre lembrar que, antes mesmo das Constituigdes do México de 1917 e da Repiiblica de Weimar de 1919, o Papa Leado XIII promulga em 1891 a Enciclica Rerum novarum, a qual trata da condicio dos operérios, e escreve Sua Santidade (10? ed., p. 10) que “é necessdrio, com medidas prontas e eficazes, vir em auxilio dos homens das classes inferiores, atendendo a que eles esto, pela maior parte, numa situa¢ao de inforttinio e de misé- tia imerecida”. Cem anos mais tarde, o Papa Joao Paulo II, em comemoragio ao centendrio da Enciclica de Ledo XIII, promulga a Enciclica Centesimus annus, na qual logo no inicio o entao Sumo Pontifice (2004, p. 14 e 15) comenta a Enciclica de seu predeces- sor: “estava bem consciente do fato de que a paz se edifica sobre o fundamento da justiga: 0 contetido essencial da Enciclica foi preci- samente a proclamacao das condi¢des fundamentais da justica na conjuntura econémica e social de entao”. O capitulo que instaura a vida econémica na Constitui¢gao de Weimar, art. 151, tem como principio o limite 4 liberdade de mercado a fim de preservar um nivel de existéncia em aten¢ao a dignidade humana. Escreve Franz L. Neumann (1983, p. 134) que a base da constituic¢ao econémica é 0 art. 151, que apresenta 0 conceito de justica, o qual a concreta determinacao acaba assegurando ao ordenamento econémico a finalidade de garantir a todos uma existéncia digna. Apenas desta forma sao garantidos os direitos capitalistas de liberdade e, portanto, os direitos de propriedade privada, de liberdade contratual e de industria. J&a fungao social da propriedade, com a inovadora disposi¢ao a propriedade obriga, est4 no art. 153, alfnea segunda. No tocante a fungdo social da propriedade, além de obrigar, a propriedade também poderia ser desapropriada a qualquer momento pela lei, até mesmo sem indenizagao, deixando de ser, portanto, um direito inviolavel. Como salienta Gilberto Bercovici (2004, p. 43), comentando Kirchheimer, “os tribunais alemaes entendiam as relacGes de pro- ptiedade nos mesmos moldes do liberalismo classico do século XIX, protegendo os proprietarios contra as determinagGes esta- Introdugao ao Direito Econdmico 11 tais, vistas como ‘ingeréncias indevidas’ do Estado na autonomia individual”. A observacao apontada nao causa estranheza se considerado que até os dias atuais muitos juristas pensam o direito com a compreensio liberal do século XIX. Revela, portanto, a dificuldade de relacionar o direito com a economia, e mais, pensar o direito como algo coletivo e nao individual. Os direitos trabalhistas e previdencidrios passam a ser trata- dos a partir do art. 157 em esfera constitucional a titulo de direitos fundamentais, destacando-se o dever do Estado em desenvolver a politica de pleno emprego. No tocante ao Direito do Trabalho, algo até ento inusitado, pois a prdpria relacdo laboral constituia um contrato civil entre empregador e empregado, merece destacar-se que a Constitui¢do do México de 1917, e em seguida a de Weimar, em 1919, acabam reconhecendo o que hoje se denomina hipossuficiéncia do traba- Ihador, a partir da desmercantilizacao do trabalho, ou seja, a proi- bic&o de equiparar o trabalho a uma mercadoria, sujeita a lei da oferta e da procura no mercado, tipica do sistema capitalista. Observa Fabio Konder Comparato (México, vers4o em meio eletrénico): “A Constitui¢ao mexicana estabeleceu, firmemente, o prin- cipio da igualdade substancial de posicao juridica entre traba- lhadores e empresérios na relacdo contratual de trabalho, criou a responsabilidade dos empregadores por acidentes de trabalho e lancou, de modo geral, as bases para a constru¢ao do moderno Estado Social de Direito. Deslegitimou, com isso, as praticas de explorac4o mercantil do trabalho, e portanto da pessoa humana, cuja justificacao se procurava fazer, abusivamente, sob a invocagao da liberdade de contratar.” Dos arts. 165 e seguintes da Constituigéo de Weimar, tem- se a participacao dos empregadores e empregados na regulacdo estatal da economia, que dar-se-ia por meio dos Conselhos de Empresa. 12. Direito Econémico “Para Hermann Heller, os Conselhos representavam o pensa- mento mais original da Constitui¢ao. Na sua opiniao, os Conse- lhos serviam para a participacao dos trabalhadores, em igualdade com os empresarios, na direcao da economia. Os Conselhos seriam uma forma de se alcancar a democracia econédmica e 0 socialismo” (BERCOVICI, 2004, p. 48). Carl Schimitt foi um critico 4 Constitui¢o de Weimar, res- saltando que ela possuia dois programas distintos, o de cunho politico ocidental, aproximando-se do Estado Liberal burgués de 1789, e 0 politico-social, que se identificava com os moldes so- viéticos. Em defesa da Constituicgéo de Weimar tem-se 0 social- democrata Hermann Heller, que salientava os grandes avan¢os constitucionais consagrados pela carta no campo dos direitos sociais e da ordem econdmica. 1.1.5 Crise na republica: fim de Weimar e ascensao do Nazismo Em 28 de junho de 1919, é assinada a Paz de Versalhes, ra- tificada pela assembléia constituinte de Weimar em 9 de julho, pouco antes de aprovar a Constituicao. Com o Tratado de Versa- lhes, que selou o fim da Primeira Guerra Mundial, a Alemanha ficou obrigada a arcar com indenizacdes desproporcionais e in- suportveis. Escreve Fabio Konder Comparato (Weimar, versao em meio eletrénico) que, “como advertiu Keynes, as poténcias vencedoras criavam com isso as condicGes predisponentes de um futuro colapso financeiro da Republica Alema, tornando impossivel a sua normal integracao no concerto europeu do pés-guerra. O fator desencadeante da bancarrota adveio dez anos apés, com o colapso da Bolsa de Nova York e a grande depressao mundial que se Ihe seguiu. Abria-se, assim, 0 palco para a entrada em cena da barbarie nazista, que destruiu a Republica de Weimar em poucas semanas, no inicio de 1933”. Em que pesem os aspectos positivos juridico-econdmicos da Constituicéo de Weimar, a conjuntura econdmica mundial Introdugo ao Direito Econémico 13 do periodo n4o contribuiu para a implementag¢o da nova ordem social estabelecida na carta, conforme se observa a seguir. A crise mundial, a insatisfagao generalizada da populagao alemi e 0 exér- cito e a alta burguesia mostram-se mais fortes que a Republica de Weimar. Conforme escreve Gilberto Bercovici (2004, p. 21), “a experiéncia histérica da Republica de Weimar (1918-1933) 6 marcada por um sistema politico que perde sua legitimidade e capacidade de funcionamento 4 medida em que é confrontado com crises profundas no tocante 4 moderniza¢ao econémica, social e cultural. A situaco sécio-econémica de estagnacao do periodo de Weimar, marcada por estas intmeras crises, impossibilitou a existéncia de uma conjuntura que permitisse a realizacao dos compromissos constitucionais sociais com o crescimento econé- mico. O questionamento da legitimidade politica da Constitui¢ao foi agravado, portanto, com a crise econdmica”. O sentimento anti-semita também comega a surgir, atri- buindo a judeus e marxistas o insucesso alemfo na guerra. O na- cionalismo vai conquistando espaco na sociedade e o Partido Nacional-Socialista Trabalhador Alemao (NAZI), liderado por Adolf Hitler, comega a despontar com um programa que denun- ciava judeus, marxistas e estrangeiros e prometia trabalho a toda a populacao. 1.1.5.1 A crise da Bolsa de Nova York e a vitéria do nacional- socialismo Os Estados Unidos da América foram os grandes beneficiados da guerra, pois se enriqueceram com as exportagGes de matérias- primas e produtos industrializados para atender os mercados da Europa e também da Asia e da América do Sul. Apés um grande crescimento econémico norte-americano, a Europa nao conseguia absorver os elevados estoques americanos de produtos e mercadorias, o que resultou na profunda Depressao de 1920 e 1921. Em meio a esse cendrio econémico, o republicano Warren Harding é eleito presidente dos EUA, e, ligado ao grande 14 Direito Econdmico empresariado (big business), abstém-se de qualquer interven¢ao no dominio econémico, e receoso da concorréncia das indus- trias européias e japonesas e do Canadé na area agricola, eleva as tarifas protecionistas. Nos anos seguintes, de 1923 a 1929, o crescimento da producio industrial norte-americana atingiu 64%, com destaque também para a industria de bens de consumo e a implantagao do the american way of life, cujo simbolo era 0 automé- vel. A industria adotava como regra a produ¢4o em massa, pois a padronizacao dos produtos, além de facilitar a fabrica¢ao em série, proporcionava o aumento da produtividade, com o emprego sistematico da mecaniza¢ao. A concentracao de empresas ganhou destaque, € os trustes e as holdings dominaram a economia. Exemplos que podem ser citados so 0 caso da United States Steel Corporation, dependente do grupo Morgan e controladora de 60% da producio de ago, da General Motors e da Ford, detentoras de dois tercos da inddstria automobilistica, e, no mercado de refinagao e distribuigéo de petrdleo, a quase hegemonia da Standard Oil e da Socony e Vac- cum, do Grupo Rockfeller, e da Gulf Oil, do Grupo Mellon. As estruturas da economia capitalista aparentemente eram sélidas. Os governos apenas atuavam com relacao a problemas monetarios e aduaneiros, recusando-se a qualquer intervenc4o econémica. Com o crescimento da capacidade da produ¢ao mundial, a concorréncia ficou bastante acirrada, e os paises industrializa- dos, travando diversas guerras econémicas, constituem blocos internacionais que, além de fixar quotas de producao, também repartiam mercados e delimitavam zonas de explorac4o. Nesse sentido, produtores franceses, alemies, belgas e luxemburgueses fundam em 1926 o Cartel do Ago, e em 1928 a Standard Oil of New Jersey, a Royal Dutch Shell e a Anglo-Iranian criam 0 Cartel Internacional do Petréleo. Em meio a prosperidade, que erroneamente os americanos acreditavam permanente, nao obstante pontos fracos da econo- mia, como o desemprego agravado pela mecanizacao das indis- trias e a crise agricola, resultado dos baixos precos das mercado- rias e da conseqiiente impossibilidade de os agricultores adim- plirem seus empréstimos, desponta a crise causada também pela Introducio a0 Direito Econdmico 15 superprodugio e pelas especulacées. Entre 1925 e 1929, as cota- ¢Ges em Wall Street cresceram duas vezes mais que a producao in- dustrial, que, por sua vez, nao registrava aumentos no consumo. No inicio de outubro de 1929, banqueiros e investidores de Wall Street, temerosos com o resultado apresentado por di- versos indices e pelas estatisticas que revelavam baixa no pre¢o do ferro, ago e cobre, mas, sobretudo, de produtos industriais, como 0 automével, indicativo da prosperidade norte-americana, ordenaram a venda macica de ages. Contudo, o agravamento do panico ocorreu em 24 de outubro, com o “crack da Bolsa de Nova Iorque”. Nessa data, conhecida como a Quinta-feira Negra, 16 milhées de titulos foram lancados no mercado sem encontrar compradores. Os bancos americanos, em uma tentativa para superar as suas dificuldades, cessam a oferta de créditos aos outros paises e repa- triam capitais investidos a curto prazo. A mobilidade de capitais, que outrora possibilitou a prosperidade de paises, agora revelava a face ruim e perigosa da interdependéncia econémica. Exce¢ao a Unido das Republicas Socialistas Soviéticas (URSS), onde ja nao mais existiam os fundamentos econémicos do capitalismo internacional, o mundo inteiro sofre os efeitos da Crise de 29. Na Alemanha, os efeitos da Crise de 1929 também eclodiram. Neste ano, a for¢a motriz do capital organizado, o empresariado, declara seu descontentamento com o modelo da Republica de Weimar, em meio a crise econémica, e passa a combater 0 au- mento de saldrios, as garantias dos trabalhadores e, sobretudo, o Estado Social. A Depressao de 29 e seu desenrolar nos anos 30 retratam a atmosfera politica de Weimar. “A Republica de Weimar caiu em grande parte porque a Grande Depressdo tornou impossivel manter 0 acordo tacito entre Estado, patrées e trabalhadores organizados que a mantivera 4 tona funcionando. A industria e © governo sentiram que n4o tinham escolha senao impor cortes econémicos e sociais, e o desemprego em massa fez 0 resto” (HOBSBAWM, 2004, p. 139). i b f 16 Direito Econémico Escreve Gilberto Bercovici (2004, p. 64) que “o ataque do grande empresariado a Constitui¢ao e ao Estado Social de Weimar foi a resposta as ilusdes reformistas da social- democracia alema. Ao invés da democracia econémica, 0 que os setores privilegiados buscavam era um Estado Forte que nao interferisse demasiadamente no dominio econémico. No final da década de 1920, o capitalismo organizado alemao visava a transico nao para o socialismo democratico, mas para o Estado Total”. Entende-se, portanto, que a Constitui¢ao de Weimar buscava aunidade do povo alem&o por meio da Republica, dai a interpre- tagdo de Reich como a uniao da Alemanha. J4 0 nazismo almejava a supremacia do nacional-socialismo, significando 0 Reich como Império, ou seja, o regime nazista estaria acima até mesmo da propria Alemanha. 1.1.5.2 O estado total no pés-Weimar A crise econémica mundial decorrente da quebra da Bolsa de Nova York também representou a “pa de cal” na tentativa da Republica de Weimar de instaurar o Estado Social. O resultado foi a aproximacao do empresariado com os nacionais-socialistas e a ascensao do Nazismo. Prova disso, as eleicdes de 1932. Os nazis, Partido do Nacional-Socialismo, nessa ocasiao conquistaram 230 assentos no Reichstag (Parlamento), o que correspondia a 37,3% dos votos. Tal fato foi possivel gracas ao apoio dado pela burguesia, que, empobrecida, deixa os partidos moderados e deposita sua confianca no nacional-socialismo. Por influéncia do ex-chanceler Von Papen, bastante ligado aos industriais alemaes, o presidente Hindenburg nomeia em 1933 Adolf Hitler, que havia acatado os interesses da alta burguesia, para chanceler alemao. O governo nacional-socialista implantado pelo Fiihrer introdu- ziu um dirigismo estatal para controlar o trabalho e a producao, mas sem abalar as estruturas capitalistas do pais. Integrou os organismos agricolas, industriais e comerciais para adequar a producio e viabilizar as diretrizes governamentais. O Estado tam- Introdugao ao Direito Econémico 17 bém fixava a jornada de trabalho, os salarios e as margens benefi- cidrias das empresas, e suprimiu o direito de greve e a liberda- de sindical. Os planos quadrienais se iniciam em 1933 com os objetivos primordiais de reduzir o desemprego e revitalizar a indtstria e o rearmamento. O segundo plano quadrienal comeca em 1937 com o intuito de tornar a Alemanha independente das importagdes de matérias estratégicas, nacionalizando a producado de produtos sintéticos, como carburantes, petréleo e borracha. O resultado foi surpreendente, e em 1939 a industria alema ja era a segunda maior do mundo. A organiza¢4o do Estado Alemao foi estabelecida por Hitler como a nova ordem para marcar mil anos de hist6ria. Essa politica foi implementada num Estado totalitario, nacionalista e racista. O grande tedrico e defensor do nazismo foi Carl Schmitt, que ressaltava a soberania como sendo algo essencial para a afirmagao da ordem. Neste sentido, soberano seria aquele que decidisse em estado de exceco. Gilberto Bercovici (2004, p. 67) observa que “o Soberano, para Schmitt, tem 0 monopédlio da decisao ultima, no que resi- diria a esséncia da soberania do Estado. A soberania do Estado nao consiste no monopélio da coer¢do ou da dominasao, mas da decisio”. 1.2 O direito econémico A Constitui¢géo de Weimar, e aquelas que nela se inspiraram ou sucederam, com mais freqtiéncia, apés a Segunda Guerra, con- tribufram para tratar assuntos econémicos em sentido juridico, trazendo a preocupac4o com a ordem juridico-econémica e social, dai expressGes como ordem juridico-econémica, ordem econdmica e social, ordem econdmica e ordem econémica e financeira integrarem a maioria das Cartas que sucederam o perfodo nazi-fascista. Surge entao um novo Direito, a disciplina do Direito Econémico. N&o se pode falar, portanto, na ruina da Constitui¢ao de Weimar. A Reptblica, por conjecturas econémicas mundiais e pelas quais nao estava preparada, caiu, mas a Constituicao de Weimar deixou seu legado, legado daqueles que acreditavam fe 18 _ Direito Econémico em seus principios de democracia e participacao e preocupa¢ao social. Ensina Fabio Konder Comparato (Weimar, versao em meio eletrénico): “Apesar das fraquezas e ambigitidades assinaladas, e malgra- do sua breve vigéncia, a Constituicio de Weimar exerceu decisiva influéncia sobre a evolucdo das instituigdes politicas em todo o Ocidente. O Estado da democracia social, cujas linhas-mestras ja haviam sido tracadas pela Constituigao mexicana de 1917, ad- quiriu na Alemanha de 1919 uma estrutura mais elaborada, que veio a ser retomada em varios paises apés 0 tragico interregno nazi-fascista e a 2 Guerra Mundial. A democracia social repre- sentou efetivamente, até 0 final do século XX, a melhor defesa da dignidade humana, ao complementar os direitos civis e politicos — que o sistema comunista negava — com os direitos econémicos e sociais, ignorados pelo liberal-capitalismo. De certa forma, os dois grandes pactos internacionais de direitos humanos, votados pela Assembléia Geral das Nagdes Unidas em 1966, foram o des- fecho do processo de institucionalizacao da democracia social, iniciado por aquelas duas Constitui¢des no inicio do século.” £, portanto, no século XX, com o pés-Guerra (Segunda Guerra Mundial), que se tem a consolidacao da atuagao juridica do Estado na economia, com a confirmacdo de um novo Direito que se faz presente na maioria das cartas constitucionais que seguem a da Reptiblica de Weimar, o Direito Econémico. 1.3 Conceito de direito econémico: sujeito e objeto Conforme observado nos itens anteriores, é apenas no pés- Segunda Guerra Mundial que se tem a consolida¢ao da impor- tancia da atuagao jurfdica do Estado na economia, confirmando a necessidade de um novo Direito, 0 Direito Econémico. Observa Jodo Bosco Leopoldino da Fonseca (2001, p. 9) que Introducao ao Direito Econémico 19 “o Estado tinha de se valer de instrumentos juridicos adequados para, por seu intermédio, dirigir a nova ordem que se impunha de modo critico e que exigia tratamento adequado. Vé-se, a par- tir dai, que o Estado tinha de intervir na economia. O Estado nao podia mais permitir que a crenga na ordem natural da economia dirigisse os fendmenos econémicos”. Nesse sentido, escreve Américo Luis Martins da Silva (2002, p. 66) que, “assim, ap6s a Segunda Guerra Mundial, surgiram realidades que exigiam do Estado a dedicacao a diregao da economia; esta nova funcao do Estado reclamou a cria¢ao de um novo instrumento juridico mais adequado: quer no bloco socialista, quer no bloco ocidental, surgiu um conjunto de normas que tem por finalida- de conduzir, regrar, disciplinar o fenémeno econémico. E, por conseqiiéncia, surge também uma ciéncia que tem por contetido e por finalidade justamente estudar esse conjunto de normas: 0 Direito Econémico”. Interessante observar que é possivel verificar a necessidade do Direito Econémico em Weber. A partir da andlise da “ordem juridica” e da “ordem econémica”, Max Weber (2000, p. 209 e 210) assinala que “a ‘ordem juridica’ ideal da teoria do direito nao tem diretamente nada a ver com o cosmos das a¢gdes econdmicas efetivas, uma vez que ambos se encontram em planos diferentes: a primeira, no plano ideal de vigéncia pretendida; o segundo, no dos acon- tecimentos reais. Quando, apesar disso, a ordem econémica e a juridica esto numa relacdo bastante intima, é porque esta ultima € entendida nao em seu sentido juridico, mas no sociolégico: como vigéncia empirica. O sentido da palavra ‘ordem juridica’ muda entao completamente. Nao significa um cosmos de normas interpre- taveis como logicamente ‘corretas’, mas um complexo de motivos efetivos que determinam as agdes humanas reais. Cabe interpretar isso em seus detalhes”. 20 Direito Econémico Tem-se, portanto, uma nova fase do mundo juridico-econé- mico e social, com a implementacAo de novas realidades e disci- plinas juridicas juntamente com o Direito Econémico, tais como implementagao de Blocos Econémicos, Direito do Consumidor, Direito Ambiental, Direito da Concorréncia, Agéncias Regula- doras e uma nova forma de se preocupar com o abuso do Poder Econémico e controlé-lo. Nesse sentido, o entendimento de Max Weber (2000, p. 226), segundo o qual, “o funcionamento de uma ordem econémica do tipo moderno no é possivel sem uma ordem juridica de carater muito especial, a qual, na pratica, s6 pode ser uma ordem ‘esta- tal’”. Verifica-se, entao, que o Direito Econémico é instrumento juridico a dar seguranca as praticas econdmicas, garantindo a atuaco do Estado e assegurando a ordem econémica e social. Escreve Jodo Bosco Leopoldino da Fonseca (2001, p. 11) que “o Direito, enquanto ciéncia, se dedica ao estudo das relagées intersubjetivas, sob 0 aspecto normativo. Mas ha ainda um outro aspecto, o formal, a configurar e delimitar cada campo de estudo. Como visto acima, o Direito pode estudar as normas que regem aquelas relagées sob varios prismas. Um deles €0 da diregiio da po- litica econémica pelo Estado. Sera este o aspecto que identificara e distinguira 0 Direito Econdmico dos demais ramos juridicos”. Ao analisar 0 Direito Econémico, escreve Eros Roberto Grau (2003, p. 131 132): “Pensar Direito Econémico é pensar o direito como um ni- vel de todo social — nivel da realidade, pois -, como media¢4o especifica e necessaria das relacSes econémicas. Pensar Direito Econémico é optar pela adogado de um modelo de interpretacao essencialmente teleolégica, funcional, que instrumentard toda a interpretacao juridica, no sentido de que conforma a interpretacao de todo o Direito. E compreender que a realidade juridica nao se resume ao Direito formal. E concebé-lo - o Direito Econémico —como um novo método de andlise, substancial e critica, que o Introdugio ao Direito Econémico 21 transforma no em Direito de sintese, mas em sincretismo metodo- légico. Tudo isso, contudo, sem que se perca de vista o compro- metimento econémico do Direito, o que impée o estudo da sua utilidade funcional.” Américo Luis Martins da Silva (2002, p. 76) define “Direito Econémico como 0 conjunto das técnicas juridicas de que lanca mio 0 Estado contemporaneo na realizagao de sua politica econdmica”. Na definicao de Fernando Herren Aguillar (SUNDFELD; VIEIRA, 1999, p. 270), “Direito Econémico é 0 direito das politi- cas ptiblicas econémicas, a regulacao estatal da economia, influen- ciando, orientando, estimulando, restringindo o comportamento dos atores econdémicos”. Na conceituacao de Washington Peluso Albino de Souza (2003, p. 23), “Direito Econémico é o ramo do Direito que tem por objeto a §uridicizacao’, ou seja, o tratamento juridico da politica eco- némica e, por sujeito, o agente que dela participe. Como tal, € 0 conjunto de normas de contetido econémico que assegura a defesa e harmonia dos interesses individuais e coletivos, de acordo com a ideologia adotada na ordem juridica. Para tanto, utiliza-se do ‘principio da economicidade’”. A partir dessas conceituagées do Direito Econédmico, em especial a de Washington Peluso Albino de Souza, conclui-se que 0 Direito Econémico é um ramo auténomo do Direito, visto que dispde de sujeitos, objeto, normas e campo préprios e interage em harmonia com os demais ramos do Direito. Seus sujeitos sao os agentes econdmicos que atuam no mercado, como empresas, grupos econémicos, Estados, organismos, seja nacional, seja in- ternacional, ptiblico ou privado, e o proprio individuo. Seu objeto é a realizacao da justica por meio de politica econémica. Além das normas tradicionais, ha normas cujo contetido é sempre eco- némico. Sao nermas: programaticas, que enunciam e orientam; premiais, que estimulam e incentivam; e objetivas, que definem as politicas publicas. Quanto ao seu campo, o econémico, inclusive previsto na Constituicao Federal de 1988, art. 24, I. 22. Direito Econémico Verifica-se, portanto, que o Direito Econémico, ao se ocupar do direito do individuo no 4mbito da sociedade e das relagdes particulares na seara da coletividade, rompe a tradicional deli- mitac&o dos ramos do Direito em Privado e Publico. Observa Washington Peluso Albino de Souza (2003, p. 28) que “a defesa desses interesses baseia-se na sua harmonia, e de ambos cuida o Direito Econémico como um ‘Direito de Sintese’”. A harmonia encontrada no Direito Econémico dos interesses tidos como pri- vados e ptblicos constitui o Direito como algo tinico. 1.4 Ordem juridico-politico-econémica A disciplina do Direito Econémico tem sua vertente na ordem juridica e suas perspectivas politico-econémicas. E, portanto, uma ordem juridico-econémica ligada 4 ordem politica. Dai a neces- sidade de analisar o Direito Econémico sob a dptica conjunta da ordem politica, da ordem econémica e da ordem juridica. A ordem politica retine os elementos que definem sistemas e regimes politicos, que, por sua vez, estaro inseridos na Cons- tituicdo. Uma vez inclufdos no texto constitucional, passam a exteriorizar a ideologia politica adotada pelo constituinte a ser seguida pelos governos daquela nacao. Jaa ordem econémica é constituida de principios econémicos segundo valores da disciplina econémica que, em harmonia, apresentam uma concepco tedrica do modelo econdmico (sis- tema econdmico) ou a realidade do modelo econémico (regime econdémico). Uma ordem econémica capitalista é justificada pela obtengo do lucro dentro de uma economia de mercado. A ordem econémica socialista, ainda que utilize os mesmos principios do modelo capitalista, exce¢ao evidente ao lucro e 4 economia de mercado e seus aspectos concorrenciais, est centrada no plane- jamento da produco, da distribuicao e do consumo. Ja a ordem econdmica neoliberal procura harmonizar os elementos econédmicos capitalistas e socialistas. Interessante observar a ordem econémica capitalista e a ordem econémica socialista sob a perspectiva de Alvin Toffler (1986, p. 37 e 38): Introdugo ao Direito Econémico 23 “Na Russia também irrompeu a mesma colisdo entre for- as da Primeira e da Segunda Onda. A Revolucao de 1917 foi a versado russa da Guerra Civil americana. Nao foi combatida primordialmente, como pareceu, pelo comunismo, mas uma vez mais pela questao da industrializa¢ao. Quando os bolcheviques eliminaram os tiltimos vestigios que restavam da servidao e da monarquia feudal, empurraram a agricultura para segundo plano e, conscientemente, aceleraram o industrialismo. Tornaram-se 0 partido da Segunda Onda.” Prossegue Alvin Toffler (1986, p. 44), e, ao comentar o apare- cimento da United States Steel, a primeira companhia resultante de “uma concentrac4o de fundos inimaginaveis em qualquer periodo anterior”, destaca que: “Com efeito, grandes companhias tornaram-se aspectos ca- racteristicos da vida econémica em todas as nacées industriais, inclusive sociedades socialistas e comunistas, onde a forma va- riava, mas a subst4ncia (em termos de organizacao) permanecia muito semelhante.” No que se refere 4 ordem econémica neoliberal, verifica-se que numa sociedade proclamada pelos ideais neoliberais, em que paradoxalmente defende-se a globalizacdo e se proclama o triunfo do individuo, do Iluminismo sobre a sociedade, observa- se a invasdo de normas mercantis e da concorréncia liberal quase aos moldes smithianos, como pontos-chaves para a integra¢do e reconhecimento da sociedade. Como alternativa aos efeitos negativos da globalizacao, pois ficou demonstrado que o capitalismo apresentava sérios proble- mas de exclusio social, e o modelo socialista comprovadamente fracassou, ganhou forca a terceira via, atualmente denominada governanga progressista, uma alternativa ao modelo neoliberal e 4 social-democracia. Em que pese a existéncia da ordem econémica, ela s6 tera forca cogente quando respaldada pela ordem juridica, que lhe garantira legalidade e efetivacao. 24 Direito Econémico Por essa razdo, a ordem juridica é 0 conjunto de normas da disciplina juridica que, em harmonia, define a concep¢ao tedrica e 0 Direito vigente. Ao estudar a ordem juridica se faz necessaria a interpretacdo do Direito como fenémeno cultural e, como assinala Joao Bosco Leopoldino da Fonseca (2001, p. 49), como fendmeno de linguagem: “O entendimento do Direito como ordem e como sistema surge desse pressuposto do Direito como linguagem. O Direito podée deve ser entendido como comunicagéo de uma mensagem prescriti- va. Para que esta mensagem possa ser captada e tornada eficaz, é necessdrio que os elementos comunicativos estejam em posi¢ao de coeréncia significativa, é necessdrio que haja um cédigo norma- tivo a operar como isotopia significativa e prescritiva. Esse cédigo normativo, assentado num cédigo moral, a partir do momento em que adquire as qualidades de estabilidade e de fixidez, passa a apresentar-se como ordem ou como sistema.” Assim, entende-se que a ordem juridico-politico-econémica en- quanto conjunto legal infraconstitucional é a politica econémica posta em pratica, ao passo que a conjun¢ao da ordem juridico- econémica elaborada na esfera de uma ordem politica que reflete seu momento histérico significa a ideologia adotada para aquela politica econdmica. 1.5 Politica econémica O fenémeno da politica pode ser analisado sob diversos as- pectos, tais como arte, ciéncia e ideologia. Trata-se também do governo e sua administrago do dia-a-dia do relacionamento das pessoas dentro do Estado, até a organizacao, administracao e inser¢4o do Estado num campo global. O estudo da politica revela a busca da aplicacao a realidade humana dos pensamentos tidos como ideais, encontrados num mundo do dever-ser. Essa aplicacao ocorre por meio da agdo po- litica. Nesse sentido, a politica, numa andlise mais concreta, é a organizaco dos homens em busca de objetivos vidveis. Portanto, os elementos que constituem e definem a politica so institui- Introdugao ao Direito Econdmico 25 ¢Ges e ideologias, ou seja, os elementos estruturais para a imple- mentacdo de acées politicas (instituigdes) e as idéias motoras corporificadas em politicas econdmicas para a consecucao de seu objetivo (ideologias). A Ciéncia Econémica e sua aplicacéo na disciplina das con- dutas humanas subordinada a direc4o estatal permitiu o relacio- namento entre politica e economia. Esse fato, entretanto, tem infcio com o pensamento liberal classico que se destaca no séc. XIX, concebendo o fenémeno econdémico como sistema fechado de relagdes espontaneas no mercado, nao se admitindo o Estado como direcionador da atividade econémica: o exercicio da ativi- dade econémica pelo individuo livre permitiria que a economia auto-regulasse os mercados para o bem da sociedade. Accrise e 0 decorrente fracasso dos ideais liberais com a con- seqiiente concentracio de empresas e capitais asseguraram um poder econémico jamais visto a esfera privada, fazendo o grande corte entre uma minoria controladora das empresas e dos capitais ea grande maioria da populaco proletaria. O direcionamento da economia era feito pelo poder privado. Entretanto, por uma série de acontecimentos, tais como a Pri- meira Guerra Mundial (1914-1918) e mais tarde a Crise da Bolsa de Nova Iorque (1929) e a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), a atuacao do Estado na conducao da economia passa a ser algo constante, inclusive inserida nas Constituigdes dos pés-Guerras, influéncia das Constituigdes do México (1917) e da Republica de Weimar (1919) e até mesmo da Revolucao Russa (1917), bem como da Enciclica Rerum novarum (1891). O Estado realiza seu dirigismo da economia por meio de politicas econémicas. Desponta, assim, o interesse do Direito nas politicas econdmi- cas, seja enquanto Estado emanando normas destinadas a reger a economia, seja a Ciéncia Juridica ocupando-se do conjunto sistematico dessas normas. Escreve Jodo Bosco Leopoldino da Fonseca (2001, p. 24) que “essa nova relacao juridica, esse conjunto normativo formalmente novo, a reger um fenémeno que se apresenta como novo em sua 26 Direito Econdmico configuracdo, deve ser estudada por um ramo novo do Direito. O Direito Econémico vem a ser justamente esse conjunto normativo que rege as medidas de politica econdmica encetadas pelo Estado, como também a ciéncia que estuda aquele sistema de normas voltadas para a regulacao da politica econdmica”. 1.6 Teorias do direito econémico O estudo do Direito Econémico revela que até pouco tempo nfo existia um consenso, nem mesmo uma defini¢ao unica, de sua conceituacao. A disciplina do Direito Econémico nao seria diferente das demais, ganha autonomia a partir da evolugao dos valores na ordem jurfdica. A disciplina ora em anélise caracteriza- se por tratar juridicamente questées politico-econémicas. Diferentemente das disciplinas juridicas tidas como tradi- cionais, cuja consolida¢ao ocorreu a luz das sociedades dos sé- culos XIV ao XVII, o Direito Econémico desperta como neces- sidade para a construcdo de uma nova sociedade, marcada pelas mudangas socioeconémicas do século XIX e pela ocorréncia de uma Guerra Mundial no inicio do século XX. Esse novo direito desponta como o instrumento juridico capaz de responder as necessidades para uma realidade cujas solugées anteriores j4 nao so suficientes. A partir de entdo, os estudiosos posicionam-se acerca da evolucao do Direito Econémico. O Direito Econémico é considerado para alguns pelo seu “su- jeito”, dividindo-se entre a “empresa” e 0 “Estado”. No tocante 4 “empresa”, o “Direito da Empresa”, ai incluidas as organizacoes nao governamentais (ONGs), cuja conceituagao é ampla, torna difuso 0 objeto do Direito Econémico, comprometendo sua acei- ta¢do como disciplina com campo especifico e normas préprias. JAno que se refere ao “Estado”, 0 “Direito da Intervencao do Es- tado no Dominio Econémico” coloca o Direito Econémico como sub-ramo do Direito Administrativo e ainda deixa de considerar a.ac&o econémica de agentes privados. Introdugdo ao Direito Econémico 27 O Direito Econémico tomado pelo seu “objeto” centraliza-se nos “fatos da realidade econémica”, disciplinando-os juridica- mente. Neste caso o que se verifica sao diversas hipdteses de Direito Econémico, como 0 Direito Econémico da Produgio, da Circulac4o, do Consumo, do Planejamento, ou seja, institutos do Direito Econémico, o que descaracterizaria o Direito Econémico como disciplina auténoma. Aos que tomam 0 Direito Econémico pelo “sentido” de suas normas, destacam-se as normas que visam a garantia da seguran¢a e da ordem, normas que, juridicamente disciplinadas, definem os fins a serem alcancados pela atividade econémica e normas que apresentam os meios para se atingir os fins buscados pela politica econémica. Tomar o Direito Econémico pela “Fungao de Dirigir a Eco- nomia” atribui ao Direito Econémico a finalidade de orientar 0 processo econémico a partir de regulamentacdo da economia dirigida. JA o Direito Econémico tomado pelo “Sistema Econémico” implica o tratamento da politica econémica definida na ideologia adotada. Quanto ao Direito Econémico tomado pelo “Poder Econé- mico”, refere-se A manifestagéo do poder econémico publico e privado, mas, sobretudo, importa-se com a atuacdo do Estado em rela¢ao ao poder econémico privado. O Direito Econémico tomado pelas “Diversas Espécies de Economia” implicaria na divisdo do Direito Econédmico em um Direito Econémico Privado, ligado 4 microeconomia, e um Direito Econémico Publico, relativo 4 macroeconomia. Por fim, o “Sentido de Economicidade” que toma o Direito Econémico significaria 0 conjunto de normas que vincula enti- dades econémicas publicas e privadas aos objetivos pretendidos pela ordem econémica. Certamente é chegado o momento de se elaborar uma Teoria Geral do Direito Econémico, tomando seus elementos funda- mentais de conceituacao, sujeito, objeto, peculiaridades, a fim de 28 Direito Econdmico satisfazer aos objetivos da Justia diante do tratamento juridico da realidade econémica. Nesse sentido, Washington Peluso Albino de Souza (2003, p. 41) escreve acerca de uma Teoria Geral do Direito Econémico: “Adiantando-nos, de certo modo, nesta dire¢ao registramos, em nosso conceito, o destaque para o tratamento juridico da politica econémica como elemento fundamental na caracteri- zac&o das suas normas tipicas; a inviabilidade da divisdo entre Direito Publico e Direito Privado; a ampliagao dos tipos dos su- jeitos da relacao jurfdica; a desnecessidade da sancao penal tradi- cional na efetivacao de suas normas; o destaque para o entendi- mento do seu ‘contetido’; a identificacdo dos seus ‘fundamentos’, ‘princfpios’, ‘regras’ e normas; o afastamento das linhas de con- sideracdo da macro e microeconomia; a definicao do seu campo de aco; a flexibilidade hermenéutica para a qual oferecemos o instrumento da ‘economicidade’; a possibilidade de afirmacao enquanto Direito Positivo, que garantimos com o principio da ‘ideologia constitucionalmente adotada’, e assim por diante.” 1.7 Direito econémico e direito da economia: anilise econémica do direito e os principios da economicidade e eficiéncia A Ciéncia Econémica assume grande importancia diante do contetido econémico do Direito, dai explicar 0 ato e 0 fato econd- mico disciplinado pelo Direito, sobretudo no campo da politica econémica. Essa crescente interagao entre Economia e Direito culmina nas andlises e interpretag6es juridico-econémicas. Entretanto, até 1960, a andlise econémica do direito restrin- gia-se basicamente a andlise econdmica do direito antitruste (con- correncial). A aplicagao da teoria econémica ao direito, portanto, tem inicio com os trabalhos do economista Ronald H. Coase, The problem of social cost (1960), e do jurista Guido Calabresi, Some thoughts on risk distribution and the law of torts (1961), e consolida- se com Richard A. Posner, Economic analysis of law (1973). Introdugdo ao Direito Econémico 29 A “Andlise Econémica do Direito”, para uns também “Eco- nomia Aplicada ao Direito”, ou ainda Law and Economics, implica na analise de atos e fatos de acordo com as regras da Ciéncia Econémica, o que resultar4 naquilo “economicamente certo”. Essa informacio, entretanto, é passada ao jurista, que faz ponde- rages sécio-juridico-econdmicas, a fim de se concluir o “justo”. A decisdo do jurista, portanto, nao se detém ao “certo econémico” obtido a partir de expressdes meramente matemiaticas; visa 0 “certo-justo” das teorias econémicas aplicadas a realidade social jungida as normas juridicas, baseando-se, dessa forma, no “prin- cipio da economicidade”. O principio da economicidade é definido assim por Joao Bosco Leopoldino da Fonseca (2001, p. 35): “O principio da economicidade ¢ 0 critério que condiciona as escolhas que o mercado ou o Estado, ao regular a atividade eco- némica, devem fazer constantemente, de tal sorte que o resultado final seja sempre mais vantajoso que os custos sociais envolvi- dos. Nessas escolhas, estarao sempre presentes os critérios da quantidade e da qualidade, de cujo confronto resultard 0 ato a ser praticado. As agGes econémicas nao podem tender, a nivel so- cial, somente a obten¢4o da maior quantidade possivel de bens, mas a melhor qualidade de vida. E este um dos aspectos enfati- zados pela conhecida teoria da andlise econémica do Direito, a par da importancia conferida ao critério da eficiéncia.” Neste sentido, o Estado, para implantar sua politica econd- mica, deve atentar para o “principio da eficiéncia”, seja exercendo uma atividade econémica, seja normatizando a atividade econd- mica, seja estimulando, favorecendo ou planejando a atividade econémica. Tanto é que a propria Constituicao de 1988, a partir da reda- cao dada pela Emenda Constitucional n° 19, de 1988, estampa em seu art. 37 que a administracao publica direta e indireta dos Poderes da Unido, dos Estados, do Distrito Federal e dos Muni- cipios obedecerd ao principio da eficiéncia. 30. Direito Econdmico Entretanto, o “principio da eficiéncia” é¢ comumente obser- vado pela andlise econémica da atividade empresarial, pela qual a empresa obriga-se a compatibilizar sua gestao econémica ao aproveitamento eficiente dos meios humanos e materiais de que dispe, a fim de minimizar custos de produ¢ao e potencializar a escala da produgdo, alcangando o valor maximo possivel, a partir da diferenga entre custos e vantagens auferidas. A Escola de Chicago destacou-se com Richard Posner no aprofundamento da aplicacao do principio da eficiéncia, por meio da Andlise Econémica do Direito. Escreve Pedro Mercado Pacheco (1994, p. 27) que a Andlise Econémica do Direito, comumente tida a aplicacao da teoria econémica na explicagdo do direito, é a aplicagao das categorias e instrumentos tedricos da teoria microeconémica neoclassica em geral e de um de seus ramos desenvolvidos no século XX, a economia do bem-estar, particularmente na explicaco e avalia¢ao das instituigdes e realidades juridicas. Conforme escreve Washington Peluso Albino de Souza (2003, p. 57), “resumindo, diremos que a ‘Economia Aplicada ao Direito’ deve ser tomada como 0 estudo da Ciéncia Econémica voltada para a explicago do contetido econémico do Direito. Interessa a todos os ramos do Direito e é fundamental para a elabora¢ao, a inter- pretagaio e os julgamentos baseados na legisla¢ao sobre assuntos econémicos. Seu significado aumenta-se para o Direito Econémico, visto como as normas deste sempre tém contetido econémico”. O Direito, portanto, preocupa-se com a realidade econémica e atua sobre ela, resultando no Direito da Economia e no Direito Econémico. Enquanto “positivador” da realidade econémica, ou seja, ingressando no proprio Direito Positivo, elaboram-se leis juri- dicas para regulamentar a atividade econémica. Essa legisla¢ao de assuntos econémicos é consagrada pela expressdo Direito da Economia. Introdugio ao Direito Econdmico 31 Ja o Direito Econémico nao se ocupa apenas de legislacSes de cunho econémico; é uma disciplina auténoma que versa so- bre o campo polftico-econémico, apresentando regras proprias, principios especificos e normas distintas dos demais ramos do Direito. 1.8 Direito econémico: fronteira entre ptiblico e privado O Direito comumente tem seus ramos divididos no meio académico entre Ptiblico e Privado. Essa definicao ganha forca ainda no século XIX, no auge das idéias do liberalismo econémi- co que acabam impregnando o pensamento juridico. O Direito Publico limitava-se 4 estrutura¢ao e funcionamento das politicas do Estado, enquanto o Direito Privado se ocupava das questdes relativas a atividade econémica. Com os acontecimentos histéricos da primeira metade do século XX, ganha destaque a necessidade de o Estado estar pre- sente na atividade econémica, juntamente com o agente privado. O Direito passa a juridicizar a economia, e nao apenas a legali- za-la: surge o Direito Econémico. O Direito Econémico nao se enquadra na defini¢o tradicio- nal do Direito, pois, ao mesmo tempo em que é Publico, j4 que a politica econémica definida pelo Estado interessa a coletividade, também é Privado, dada a relevancia da iniciativa privada na re- alidade econémica do Estado. A defini¢ao tradicional do Direito esta desatualizada no contexto sdcio-juridico-econémico atual. O Direito Econémico, portanto, reflete a interdisciplina- ridade do Direito com suas préprias disciplinas, estivessem elas definidas como Publicas ou Privadas, e ainda com ciéncias afins, como a Econémica e a Social. Daf alguns autores como Joao Bosco Leopoldino da Fonseca (2001, p. 32) e Washington Peluso Albino de Souza (2003, p. 108) definirem o Direito Econémico como o Direito de Sintese, com implicag6es tanto no setor publico quanto no setor privado. 32 Dixeito Econémico 1.9 Direito administrativo econémico Atualmente, da-se grande repercussao ao estudo do Direito Administrativo Econémico, no qual estaria inserida a andlise da ordem econémica constitucional, agéncias reguladoras e defesa da concorréncia. Do aparecimento do termo Direito Administrativo Econémico percebe-se um aparente conflito entre as escolas do Direito Eco- némico e do Direito Administrativo, sobretudo para aqueles que entendem o Direito Econémico como Direito Publico, dai um ramo do Direito Administrativo. O Direito Administrativo ganha significado a partir do Es- tado de Direito, pois na época do Absolutismo o soberano era a lei, o soberano era o Estado. Com o Estado de Direito, ainda que o Estado praticasse aco econémica, ela deveria restringir-se as questdes para sua administracao. O Liberalismo reservou ao Estado apenas o necessdrio para seu funcionamento, deixando ao agente privado toda a atividade econémica. O Neoliberalismo admitiu a extrapolaco do Direito Administrativo quando 0 Estado praticasse atividade econémica para sua gestao. Mas onde estaria a interface do Direito Administrativo com o Direito Econémico, que justificaria a inexisténcia do Direito Ad- ministrativo Econémico em razAo de campos e objetivos distintos, embora préximos? Utiliza-se para essa andlise o exemplo aponta- do por Washington Peluso Albino de Souza (2003, p. 69): “até ao ato de ‘criagdo’ dessas empresas [empresas ptiblicas, sociedades de economia mista, para que o Estado execute ativi- dade econémica como agente privado], portanto, a iniciativa e aos procedimentos da sua institucionalizacao e a sua fiscaliza- cdo, estamos no terreno do Direito Administrativo, ajustado 4 ideologia neoliberal. Mas, no momento em que essas empresas comecam a atuar como ‘sujeitos’ da atividade econémica e como instrumentos do exercicio da Politica Econémica para que se cumpram os principios da ideologia constitucionalmente adotada, ja estamos em terreno do Direito Econdmico, de modo nenhum Introdugio ao Direito Econémico 33. capaz de se confundir com o do Direito Administrativo” (inseriu- se o colchete). Diante do exposto, entende-se que o Direito Administrativo Econémico néio é uma disciplina auténoma do Direito, tampouco um ramo | do Direito Administrativo. Trata-se do estudo teérico da aplicagao prdtica i conjunta do Direito Administrativo com 0 Direito Econdmico, a partir da intervengdo do Estado na ordem econ6mica em conformidade com o regime juridico-econémico adotado pela politica econdmica do Estado. Direito Constitucional Econémico Oestudo do Direito Econémico exige a abordagem do Direito Constitucional Econémico. Em que pese nao se tratar de disciplina autoénoma, o Direito Constitucional Econémico implica na ana- lise das normas “juridicas” inseridas no contexto constitucional que trata da politica econ6émica do Estado, elaborada a partir da ideologia adotada. Na esfera do Direito Constitucional Econémico, tem-se em conseqiiéncia uma Constituicéo Econémica, na qual o Estado associa a Ordem Juridica 4 Ordem Econémica. 2.1 A constituigao econémica A partir da Constituicao da Reptblica de Weimar (1919), as Cartas que a sucederam, notadamente as do Pés-Segunda Guer- ra Mundial, incorporaram em seus artigos, capitulos ou titulos temas econémicos. Tal fato decorre da exigéncia em se reconhecer que o Estado deve se ocupar de temas econémicos em sede constitucional, a fim de controlar positivamente os efeitos econémicos e atribuir seguranca jurfdica 4 matéria, e assim evitar crises como a da Quebra da Bolsa de Nova Iorque em 1929. O Estado integra a Direito Constitucional Econémico 35 Ordem Juridica 4 Ordem Econémica, resultando na “Ordem Ju- ridico-Econémica”. Pode-se observar em diversas Cartas, inclusive nas brasileiras a partir de 1934, expresses que refletem essa, até entao, nova realidade: Ordem Econémica, Ordem Socioconémica, Ordem Econémica e Financeira, dentre outras. O assunto econémico é tratado juridicamente, ou seja, é a “juridicizacao” de temas econémicos em sede constitucional. Assinala Joao Bosco Leopoldino da Fonseca (2001, p. 50): “A Constituicdo econémica se corporifica precisamente no modo pelo qual o Direito pretende relacionar-se com a Economia, a forma pela qual o jurfdico entra em intera¢o com o econémico.” Nao se deve acreditar, entretanto, que exista exclusivamen- te uma Constituicdo Econémica para tratar da organizacao e funcionamento da economia, isoladamente das demais disposi- Ges constitucionais. A Constituicao Econémica é parte do todo Constitucional, sendo-lhe reservados titulos ou capitulos dentro desta. Tanto é que a ConstituicZo Federal de 1988 separa a ordem econdémica da ordem social, em que pese toda ordem juridica ser social, uma vez voltada 4 ordenag¢io social. Outrossim, a Cons- tituigdo Econémica tem seu contexto no que esta disposto na Constitui¢ao Politica, nao se admitindo conflitos entre os prin- cipios adotados por uma e por outra. A Constitui¢éo Econémica fundamenta-se na democracia e no Estado de Direito. Cumpre observar a classificacao das constituigdes econédmi- cas em estatutdrias (ou orgdnicas) e diretivas (ou programdticas ou doutrinais). Constituigées estatutdrias ou orgdnicas sao as que defi- nem 0 estatuto do poder como instrumento do governo, enun- ciando competéncias e regulando processos. Tais constituigdes nao indicam a ordem econémica, apenas afirmam as normas eco- némicas. Constituigées diretivas ou programdaticas ou doutrinais so aquelas que, além de significar instrumento de governo, enun- ciam diretrizes, programas e fins a serem realizados pela sociedade e pelo Estado. Essas constituigées enunciam os fins da politica pu- blica e postulam a implantacao de uma ordem econémica. Neste sentido, escreve Eros Roberto Grau (2003, p. 67): 36 Direito Econémico “Dai referirmos uma Constituigao Econdmica estatutdria — que estatui, definindo os estatutos da propriedade dos meios de pro- ducao, dos agentes econémicos, do trabalho, da coordenagao da economia, das organizac6es do capital e do trabalho — e uma Cons- tituigdo Econémica diretiva (ou programdtica) — que define o quadro de diretrizes das politicas publicas, coerentes com determinados objetivos também por ela enunciados.” 2.2. Normas programaticas As constituigdes que seguem a Carta de Weimar de 1919 caracterizam-se por ter em seu corpo a Constitui¢ao Econémica. Mais que isso, essas constituic6es, via de regra, sao diretivas ou programiticas, pois definem as diretrizes das politicas piblicas, em conformidade com a transformacdo do Direito e das fun¢des a serem desempenhadas pelo Estado. Apresentam, portanto, além das estaticas normas estruturais ou de organizaco que se caracterizam por fixar o direito, nor- mas dinamicas direcionadas ao futuro, com forga juridica vincu- lante imediata e com o objetivo de criar um novo quadro juridico ao cidadao. Sao estas as normas programdticas. Escreve Joao Bosco Leopoldino da Fonseca (2001, p. 57) acerca das normas programaticas: “Através delas, o legislador maior traca rumos a serem se- guidos e metas a serem alcancadas, fixando princ{pios basicos que nortearfo a iniciativa do legislador ordindrio e exigirao do administrador e do juiz o seu acatamento e aplicacao nos atos de concretiza¢o das normas, lembrando-se sempre de que a fina- lidade intrinseca das normas programaticas é a de criar uma nova realidade politica, econémica e social.” Para Fabio Nusdeo (2001, p. 203), “em esséncia, os dispositivos de carater explicitamente econdmico nas constituicdes modernas tém por finalidade deixar assentada a possibilidade juridica de o Estado se fazer presente no processo Direito Constitucional Econémico 37 econdémico — dentro, é claro, de limites e condig6es -, sem ofensa 4 ordem constitucional, cuja esséncia permanece liberal. Tais dispositivos sio denominados pelos constitucionalistas de normas programaticas, justamente por apontarem para um pro- grama, para objetivos a serem colocados e implementados”. O Titulo VII da Constituigéo Federal de 1988 possui diversos artigos que s4o normas programaticas, como, por exemplo, o art. 170. 2.3 Fontes do direito econémico A fonte de Direito significa a fonte de regras obrigatérias dotadas de vigéncia e de eficacia. Para isso, faz-se necessaria a existéncia de um poder em condigées de especificar o que é devi- do, a fim de exigir o seu cumprimento, sob pena de sanc6es. Nos diversos momentos da histéria e entre diferentes pai- ses nao se observa uma uniformizacdo nas formas de elaborar 0 Direito. O que se faz, geralmente, é distinguir a civil law e a common law. Esses dois tipos de ordenamento juridico se dife- renciam porque a civil law, da tradicao romanistica, ou seja, das nagoes latinas e germAnicas, caracteriza-se pela expresséo do Poder Legislativo, atribuindo valor secundario as outras fontes do Direito, como a jurisdigdo e os usos e costumes juridicos. Ja a common law, da tradi¢do anglo-americana, atribui ao Direito valor preponderante nos usos e costumes e na jurisdi¢ao, atri- buindo menor importancia ao trabalho dos parlamentos, carac- terizando-se, portanto, um Direito misto, costumeiro e jurispru- dencial. Observa-se na atualidade uma aproximagao entre a civil law e acommon law, ou seja, paises da tradicdo latina aceitando com mais freqiiéncia a jurisprudéncia e a analogia, enquanto os paises de tradicdo anglo-americana passam a legislar com mais inten- sidade. No caso do Direito Econémico, entretanto, deve-se destacar como fonte auxiliar, ou subsidiaria, de Direito, a Ciéncia Econé- mica. Justifica-se, uma vez que a norma em Direito Econémico 38 Direito Econémico tem como contetido obrigatério e original o “fato econémico”, que é explicado pela Economia. Oportuna a observacao de Washington Peluso Albino de Souza (2003, p. 134): “O que se pretende, ao recorrer 4 Ciéncia Econémica como ‘fonte auxiliar do direito, 6, tio-somente, ter os indicativos do cientificamente ‘certo’, e, recebendo-os, formular as diferentes ‘opces’ da ‘norma’, sem nenhum compromisso formal de ado- ta-los. [..] Nessa precisa medida, portanto, a Economia funciona como sua ‘fonte auxiliar’, pois os motivos finais da decisao serao po- litico-econémicos, e nao simplesmente econémicos, para que a decisdo ou sua apreciacéo tenha fundamento ou conseqiiéncia juridica.” Os aspectos pelos quais se consideram fontes do Direito Econémico s4o os mais variados. Pode-se considerar fonte de Direito uma circular do Banco Central ou uma portaria de Agéncia Reguladora, uma vez detentoras de forca normativa e cogente e com reflexos na economia. Assim, também, podem-se considerar como fonte de Direito Econémico os atos juridicos geradores de direitos e obrigacdes praticados por empresas privadas ou pelo Estado no exercicio da atividade econémica. 2.4 Leis em direito econémico Ao estudioso do Direito tradicional causam estranheza as particularidades das leis em Direito Econémico, se comparadas as dos demais ramos da Ciéncia Juridica. Inicialmente, as leis em Direito Econémico devem ter “con- tetido econdmico”, disciplinados pela politica-econémica do Esta- do, a fim de efetivar a ideologia constitucionalmente adotada. Nao se trata de leis de Direito da Economia, ou seja, uma mera legis- lacZo de tema econémico. No caso do Direito Econémico, a partir do “certo” econémico valoriza-se 0 justo, para s6 entao se ter uma Direito Constitucional Econémico 39 lei. Em outras palavras, a lei em Direito Econémico juridiciza a politica econémica correspondente 4 ideologia adotada. A natureza da lei em Direito Econémico relaciona-se 4 natu- reza da realidade econ6mica, bastante dindmica. Por essa razao, a lei em Direito Econémico é dotada de flexibilidade e mobili- dade, a fim de acompanhar as alteracdes da politica econdmica causadas pelo dinamismo da realidade econémica. Certo é que os meétodos legislativos costumeiros nao contribuem para o Direito acompanhar a realidade econémica, dai utilizar-se em Direito Econémico standards juridicos (uma lei mais abrangente e gené- rica que permite adaptacées 4 realidade), flexibilidade (ajustar a aplicacao a realidade), mobilidade (atender a solucgées num patamar definido) e subsidiariedade (conciliar para a garantia politico-econémica). A lei em Direito Econémico caracteriza-se por ser lei progra- miatica, estipulando as normas da politica econémica adotada, dirigidas ao objetivo determinado com a proje¢ao dos resultados que pretende obter. 2.5 As constituigées econémicas no Brasil Tratar-se-4 no presente item téo-somente dos aspectos cons- titucionais econémicos contidos nas cartas brasileiras, e eventuais legislaces do periodo que merecem destaque, desde a Carta outorgada de 1822 até a do periodo ditatorial de 1967 (1969). Quanto a ordem econémica na Constituigao Federal de 1988, sera analisada em maiores detalhes em item especifico. 2.5.1 Constituicao de 1824 A Constituicdo Imperial de 1824, outorgada, consolida a independéncia politica do Brasil e retine em seu teor 0 contexto histérico do periodo, qual seja, a ideologia liberal de influéncia inglesa, adotada desde a abertura dos portos com a vinda da Fa- milia Real portuguesa. Além de ressaltar o valor da pessoa humana detentora de direitos naturais e a limitagao do poder politico, inclusive do 40 Direito Econémico proprio Estado, a atuacao legal do Estado consistiria em garantir a liberdade das pessoas. Tal qual os documentos revolucionarios da época, como a Declaraco de Direitos de Virginia (1776) ea Declaracio dos Direitos do Homem e do Cidadao (1789), tem como grandes princfpios a liberdade, a igualdade e legalidade. A ideologia politico-econémica é a do liberalismo de Adam Smith, devendo o Estado estar ausente da economia, deixando que essa se regulasse livremente pela lei da oferta e da procura, inclusive com a liberdade total do homem para escolher o que melhor lhe interessar. Entretanto, o trabalho escravo ainda era mantido, nao sendo os escravos sequer considerados cidadaos brasileiros, sem di- reitos, em que pese constituirem a maior forga de trabalho e de capital investido no desenvolvimento da atividade econémica. Certamente essa situacdo desagradava os interesses britanicos, que tinham relagdes comerciais com o Brasil e observavam um potencial mercado consumidor de seus produtos alijado pelo sistema escravocrata. Mas 0 poder econémico também se refletia no poder politico, ao passo que apenas cidadaos com determinada renda anual liqui- da podiam votar em eleic6es primarias, valor superior para eleicdes de deputados, senadores e membros dos Conselhos de Provincia e valor ainda mais alto para o candidato poder ser eleito. O art. 179, por sua vez, retrata bem as disposigdes da Cons- titui¢do e seu reflexo do periodo, conforme disposto no Titulo 8°, “Das Disposicdes Geraes, e Garantias dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadaos Brazileiros” (conforme original): “Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadaos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a seguranca individual, e a propriedade, é garantida pela Constitui¢ao do Im- perio, pela maneira seguinte. LJ XXII - E garantido o Direito de Propriedade em toda a sua plenitude. Se o bem publico legalmente verificado exigir 0 uso, e emprego da Propriedade do Cidadao, seré elle préviamente indemnisado do valor della. A Lei marcar4 os casos, em que tera 4 Direito Constitucional Econémico 41 logar esta unica excep¢4o, e dara as regras para se determinar a indemnisa¢io. (J XXIV —Nenhum genero de trabalho, de cultura, industria, ou commercio péde ser prohibido, uma vez que nao se opponha aos costumes publicos, 4 seguranga, e saude dos Cidadaos. XXV - Ficam abolidas as Corporacées de Officios, seus Juizes, Escrivaes, e Mestres. XXVI- Os inventores terao a propriedade das suas descober- tas, ou das suas producgées. A Lei lhes assegurar4 um privilegio exclusivo temporario, ou lhes remunerara em resarcimento da perda, que hajam de soffrer pela vulgarisacao. L..]” (conforme original) Verifica-se, portanto, a inviolabilidade dos direitos indivi- duais ou naturais, assegurando o direito de propriedade em sua plenitude e, em caso de desapropriac4o, que seja mediante inde- nizag&o, liberdade de industria e comércio, extinc4o das corpo- rag6es de oficio e propriedade sobre inventos. 2.5.2 Constitui¢gao de 1891 A primeira Constitui¢ao Republicana do Brasil, promulgada em 1891, com seus ideais federalistas trouxe grandes mudangas no campo politico sob a influéncia da Carta dos Estados Unidos da América. Contudo, no campo econémico permaneceu de ins- piragao liberal econémica, com a manutengao da ideologia que ditava a ordem econémica do Pais. Em que pese o liberalismo econémico ja ser criticado em outras partes, como nos préprios Estados Unidos da América com o Sherman Act de 1890 (Lei Antitruste), o Brasil ainda nao havia acordado para a necessidade das mudangas socioeconémicas. Em que pese a aboli¢do da escravidao, a continuidade da ideologia econémica foi mantida, conforme se verifica nos se- guintes artigos: 42. Direito Econémico “Art. 72. A Constituicao assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no Pais a inviolabilidade dos direitos concernentes 4 liberdade, 4 seguranga individual e 4 propriedade, nos termos seguintes: [..] § 17. O direito de propriedade mantém-se em toda a sua plenitude, salva a desapropriacao por necessidade ou utilidade publica, mediante indenizacao prévia. [es] § 24. E garantido o livre exercicio de qualquer profiss4o moral, intelectual e industrial. § 25. Os inventos industriais pertencerao aos seus autores, aos quais ficard garantido por lei um privilégio tempordrio, ou ser concedido pelo Congresso um prémio razoavel quando haja conveniéncia de vulgarizar o invento. [. Os direitos fundamentais a liberdade, inclusive da livre ini- ciativa e da propriedade, continuavam assegurados. J4 os direitos sociais continuavam sem ateng4o do constituinte. 2.5.3 Constituigdo de 1934 A critica ao modelo do liberalismo, feita por muitos que trata- vam da questo operdria, como Marx, Engels e o Papa Leao XII, com sua Enciclica Rerum Novarum de 1891, influenciou determi- nantemente as Constituicées do México de 1917 e da Republica de Weimar de 1919, como também a Revolugao Russa de 1917. No contexto juridico-brasileiro, o periodo de 1930 a 1934 contou com importantes legislacdes econémicas que iniciam a passagem do liberalismo das constitui¢des anteriores para a fundamentacao da tendéncia inicial estatizante e reguladora do modelo neoliberal das Cartas vindouras. A Constituicao de 1934 vem na esteira de acontecimentos mundiais que influenciaram demasiadamente 0 periodo, em espe- cial a Constituicéo da Reptblica de Weimar, que tratava de direitos Direito Constitucional Econémico 43 socioeconémicos, e a experiéncia da Guerra Mundial. Assim, pela primeira vez o Brasil tem em sua Carta a sistematizacao de grupo de artigos que consistirao na Constituic¢ao Econémica. Neste sentido, o Titulo IV da Constituigdo de 1934 cuidava “Da Ordem Econémica e Social”, e dispunha: “Art. 115. A ordem econémica deve ser organizada conforme os principios da Justica e as necessidades da vida nacional, de modo que possibilite a todos existéncia digna. Dentro desses limites, é garantida a liberdade econémica. Pargrafo unico. Os Poderes Publicos verificarao, periodica- mente, o padrao de vida nas varias regides do Pais. Art. 116. Por motivo de interesse publico e autorizada em lei especial, a Unido poderé monopolizar determinada industria ou atividade econémica, asseguradas as indenizagées, devidas, con- forme o art. 112, n° 17, e ressalvados os servigos municipalizados ou de competéncia dos Poderes locais. Art. 117. A lei promovera o fomento da economia popular, o desenvolvimento do crédito e a nacionalizacao progressiva dos bancos de depésito. Igualmente providenciara sobre a naciona- lizag&o das empresas de seguros em todas as suas modalidades, devendo constituir-se em sociedades brasileiras as estrangeiras que atualmente operam no Pais. Pardgrafo unico. E proibida a usura, que sera punida na forma da Lei. LJ Art. 120. Os sindicatos e as associagSes profissionais serao reconhecidos de conformidade com a lei. Art. 121. A lei promovera o amparo da producio e estabele- cer as condicées do trabalho, na cidade e nos campos, tendo em vista a protecao social do trabalhador e os interesses econémicos do Pais. [J Art. 122. Para dirimir questdes entre empregadores e em- pregados, regidas pela legislacao social, fica instituida a Justica 44 Direito Econémico do Trabalho, 4 qual nao se aplica o disposto no Capitulo IV do Titulo I.” Com isso, ficava marcado 0 novo direcionamento ideolégi- co do Estado brasileiro, segundo o qual a justia, a liberdade, a igualdade e a seguranca sao tomadas como atributos concretos do homem, cujos objetivos a serem alcangados sao a existéncia digna, o padrao de vida e condigées de trabalho. 2.5.4 Constituicao de 1937 Inspirada no Golpe de Estado, a Constitui¢ao de 1937 refletia 0 perfodo histérico internacional daquele momento, mas nem tanto da realidade politica e social brasileira. Decorre de idéias de fascismo, corporativismo, nacionalismo e até de um aparente libe- ralismo e retine a tematica econédmica em artigos que integravam o titulo “Da Ordem Econémica”, conforme se destaca a seguir: “Art. 135. Na iniciativa individual, no poder de criagao, de organizaco e de inven¢io do individuo, exercido nos limites do bem piblico, funda-se a riqueza e a prosperidade nacional. A in- tervengdo do Estado no dominio econdmico s6 se legitima para suprir as deficiéncias da iniciativa individual e coordenar os fatores da produgao, de maneira a evitar ou resolver os seus conflitos e in- troduzir no jogo das competi¢ées individuais o pensamento dos interesses da Nacio, representados pelo Estado. A intervengao no dominio econémico podera ser mediata e imediata, revestindo a forma do controle, do estimulo ou da gest&o direta. Art. 136. O trabalho é um dever social. [...] L.] Art. 138. A associac¢’o profissional ou sindical é livre. Somen- te, porém, o sindicato regularmente reconhecido pelo Estado tem o direito de representagao legal... Art. 139. Para dirimir os conflitos oriundos das relagdes entre empregadores e empregados, reguladas na legislac4o social, é instituida a Justica do Trabalho, ... Direito Constitucional Econémico 45 LJ Art. 140, A economia da populacao ser4 organizada em cor- poracoes, e estas, como entidades representativas das for¢as do trabalho nacional, colocadas sob a assisténcia e a protecdo do Estado, sao érgdos deste e exercem fungGes delegadas de Poder Publico. Art. 141. A lei fomentard a economia popular, assegurando-lhe garantias especiais. Os crimes contra a economia popular sao equipa- rados aos crimes contra o Estado, devendo a lei cominar-lhes penas graves e prescrever-lhes processos e julgamentos adequados a sua pronta e segura puni¢ao. L.-J Art. 144. A lei regulara a nacionalizacao progressiva das minas, jazidas minerais e quedas d’dgua ou outras fontes de energia assim como das indiistrias consideradas basicas ou essen- ciais 4 defesa econémica ou militar da Nacao. LJ Art. 147. A lei federal regulard a fiscalizacdo e révisao das tarifas dos servicos publicos explorados por concessao para que, no interesse coletivo, delas retire o capital uma retribui¢ao justa ou adequada e sejam atendidas convenientemente as exigéncias de expansao e melhoramento dos servicos. [J Art. 150. S6 poderao exercer profissées liberais os brasileiros natos e os naturalizados que tenham prestado servico militar no Brasil, excetuados os casos de exercicio legitimo na data da Constituicao e os de reciprocidade internacional admitidos em lei. Somente aos brasileiros natos sera permitida a revalida¢ao, de diplomas profissionais expedidos por institutos estrangeiros de ensino. [...]” (destacou-se em iti ico). Interessante observar que apesar da frase inicial do art. 135, que ressalta a for¢a do individuo, em oposi¢ao a tendéncia socia- lizante do periodo, em seguida verifica-se a primeira apari¢ao no 46 Direito Econémico constitucionalismo brasileiro da expressao “interven¢ao do Estado no dominio econémico”. A Constituicio de 1937, portanto, atribui ao Estado a coor- denacao da producao e a insercao da competi¢a0 com resultados positivos 4 nacao, cabendo ao Estado ainda o poder de repreender os crimes tidos contra a economia popular, conforme disposto no art. 141. A partir desse preceito constitucional se tem 0 Decreto-lei n® 869, de 18 de novembro de 1938, o primeiro diploma legal brasileiro destinado a reprimir prdticas atentatérias a livre con- corréncia. Logo em seu art. 1° estabelecia que os crimes contra a economia popular, sua guarda e seu emprego seriam punidos, eno art. 22 definia a tipologia desses crimes, dentre os quais se podem citar: destruir matérias-primas ou produtos necessarios ao consumo do povo para determinar alta de precos em proveito proprio ou de terceiro; receber indenizacao para desistir da com- petic4o; impedir ou dificultar a concorréncia para obter aumento arbitrario dos lucros; acambarcar produtos necessdrios ao con- sumo do povo para dominar mercado e provocar alta dos pre¢os; impedir a concorréncia com venda de produtos abaixo do prego de custo; exercer fungées de direc&o em mais de uma empresa com © fim de dificultar a concorréncia; e fraudar de qualquer modo escrituracdes com o fim de sonegar lucros. O primeiro diploma antitruste brasileiro na verdade repercu- tiu na regulamentacio de precos e na supressao dos artificios e fraudes na venda de mercadorias. Na Area especifica da defesa da concorréncia, pouco ou nada fez, talvez pela inexisténcia de um 6rgao especializado para se ocupar com a matéria e aplicar a lei. Ainda em 1945, por iniciativa do entao Ministro da Justica, Agamenon Magalhaes, em 22 de junho institufa-se o Decreto- lei n° 7.666, a “Lei Malaia”, que preceituava “atos contrarios a ordem moral e econémica”, dispondo em seu art. 12 dos atos considerados contrérios aos interesses da economia nacional, dentre os quais merecem cita¢do: entendimentos entre empresas que tenham por efeito elevar o prego de venda dos respectivos produtos, cercear a liberdade econdmica de outras empresas e influenciar o estabelecimento de um monopolio; os atos de re { i 1 Ee Direito Constitucional Econdmico 47 aquisi¢ao de terras por parte de empresas que possam resultar na supressao das pequenas propriedades; a paralisagao de empresas que possa resultar na eleva¢4o dos pre¢os das mercadorias ou no desemprego em massa; e a concentra¢do de empresas que possa resultar na elevacao de pregos, restricao da liberdade econdmica de outras empresas e no estabelecimento de um monopélio. O Decreto-lei também criava em seu art. 19 a Comissao Administrativa de Defesa Econémica (CADE), érgao aut6énomo, com personalidade juridica propria e subordinado diretamente ao Presidente da Republica. Dentre suas atribuic6es, dispunha o art. 11 que a “CADE” era competente para legitimar acordos em restricdo da concorréncia, desde que tivessem por efeito: 0 equili- brio da produgao com o consumo; regular mercado; a estabilizagao dos pregos; a padroniza¢ao ou racionalizacao da producao; e o estabelecimento de uma exclusividade de distribuicdo destinada a satisfazer a necessidades conexas. Entretanto, no final de 1945, com a queda de Gettlio Vargas o Decreto-lei n° 7.666/45 foi revogado. 2.5.5 Constitui¢ao de 1946 Com o término da Segunda Guerra Mundial e a derrocada do totalitarismo que governou a Europa, 0 mundo ocidental nao aceitava mais regimes totalitarios, exigindo a retomada da demo- cracia. A implantacao da democracia também era imperiosa no Brasil, nao havendo mais espaco para ditaduras. Nesse contexto, e com o mundo receoso de que os acontecimentos da Guerra se repetissem, as Constituicgdes do Pés-Guerra propdem o estabele- cimento da democracia real, fundamentada em ordens politicas e econémicas sdlidas, bem como sociais e eqiiitativas justas. A Constituicdo de 1946 preserva em seu art. 141 valores liberais, consubstanciados na “inviolabilidade dos direitos concer- nentes a vida, a liberdade, 4 segurang¢a individual e 4 proprieda- de”. No Titulo V, “Da Ordem Econémica e Social”, verifica-se a Constituigaéo Econémica, com a reunido de artigos que versam sobre a tematica econémico-social, conforme segue: 48 Direito Econémico “Art. 145. A ordem econémica deve ser organizada conforme os principios da justica social, conciliando a liberdade de iniciativa com a valorizacao do trabalho humano. Pardgrafo unico. A todos é assegurado trabalho que possibilite existéncia digna. O trabalho é obrigacao social. Art. 146. A Unido poderd, mediante lei especial, intervir no dominio econémico e monopolizar determinada industria ou atividade. A inter- venco terd por base o interesse publico e por limite os direitos fundamentais assegurados nesta Constitui¢ao. Art. 147. O uso da propriedade sera condicionado ao bem- estar social. A lei poder4, com observancia do disposto no art. 141, § 16, promover a justa distribuicao da propriedade, com igual oportunidade para todos. Art. 148. A lei reprimird toda e qualquer forma de abuso do poder econémico, inclusive as uniées ou agrupamentos de empresas indivi- duais ou sociais, seja qual for a sua natureza, que tenham por fim dominar os mercados nacionais, eliminar a concorréncia e aumentar arbitrariamente os lucros. [-] Art. 151. A lei dispor4 sobre o regime das empresas conces- siondrias de servicos ptblicos federais, estaduais e municipais. Pardgrafo unico. Ser determinada a fiscalizacao e a revisdo das tarifas dos servicos explorados por concessio, a fim de que os lucros dos concessiondrios, nao excedendo a justa remuneracao do capital, Ihes permitam atender as necessidades de melhoramentos e expansio desses servicos. Aplicar-se-A a lei 4s concessdes feitas no regime anterior, de tarifas estipuladas para todo o tempo de duragio do contrato. [1 Art. 154. A usura, em todas as suas modalidades, seré punida na forma da lei. [J Direito Constitucional Econdmico 49 Art. 157. A legislaco do trabalho e a da previdéncia social obedecerio aos seguintes preceitos, além de outros que visem a melhoria da condi¢o dos trabalhadores: L..] Art. 159. E livre a associa¢ao profissional ou sindical, sendo reguladas por lei a forma de sua constitui¢do, a sua representagao legal nas convenc6es coletivas de trabalho e 0 exercicio de fun¢des delegadas pelo Poder Piblico. [...]” (destacou-se em it: ico). Diferentemente da Constituicéo de 1934, que procurava “reprimir os crimes contra a economia popular”, a ideologia adotada na Carta de 1946 inspirava-se na legislacdo antitruste dos Estados Unidos da América, da repressao do abuso do poder econémico. Apesar de revogado, o Decreto-lei n° 7.666/45 teve impor- tante influéncia na elabora¢gao da Constituicao Federal de 1946, que dispunha em seu art. 148 sobre a repressao ao abuso do poder econémico, tanto que, em 1948, é encaminhado o Projeto de Lei n° 122. Apés longa tramita¢ao do Projeto de Lei n° 122, apenas aos 10 de setembro de 1962 € publicada a Lei n° 4.137. A Lei consi- derava em seu art. 2° as formas de abuso de poder econémico, dentre as quais: dominar os mercados nacionais ou eliminar total ou parcialmente a concorréncia por meio de ajuste ou acordo en- tre empresas, aquisicao de acervos de empresa, qualquer forma de concentracao de empresas, acumulac6es de dire¢ao de mais de uma empresa e criaco de dificuldades ao funcionamento de empresas; elevar sem justa causa os pre¢os com 0 objetivo de aumentar arbitrariamente os lucros; provocar condi¢Ses monopo- listicas ou exercer especulagao abusiva com o fim de promover a elevacao temporaria de precos por meio de destrui¢ao de bens de produ¢ao ou de consumo, acambarcamento de mercadorias ou de matérias-primas; reter bens de produg4o ou de consumo em condicdes de provocar escassez e com meios artificiosos a oscilacdo de precos para prejudicar empresa concorrente; for- mar grupo econémico por meio de discriminacao de preco entre 50 Direito Econémico compradores e subordinar a venda de um produto a aquisicao de outro; e exercer concorréncia desleal por meio de exigéncia de exclusividade para propaganda publicitaria e ajuste de vantagens na concorréncia publica ou administrativa. O art. 8° da Lei criava o Conselho Administrativo de Defesa Econédmica (CADE), coma finalidade de apurar e reprimir os abusos do poder econémico. 2.5.6 Constituigao de 1967 Influenciada pela ideologia norte-americana da seguranga nacional que foi marcante nao apenas para o Brasil, mas também para os paises da América Latina que adotavam regimes militares, a Constituicao de 1967 alicercou-se na geopolitica de estimular e fortalecer o Estado, a partir da ocupagao do territério nacional, expansio sul-americana e formaco de uma poténcia mundial. O Titulo III, “Da Ordem Econémica e Social”, reuniu os temas econémicos assim dispostos: “Art. 157. A ordem econémica tem por fim realizar a justiga social, com base nos seguintes principios: I - liberdade de iniciativa; Il - valorizagao do trabalho como condi¢ao da dignidade humana; Ill - fungdo social da propriedade; IV - harmonia e solidariedade entre os fatores de produc; V — desenvolvimento econémico; VI - represséio ao abuso do poder econdmico, caracterizado pelo do- minio dos mercados, a eliminagdo da concorréncia e o aumento arbitrario dos lucros. § 1° Para os fins previstos neste artigo, a Unido podera pro- mover a desapropriacao da propriedade territorial rural, mediante pagamento de prévia e justa indenizagao ... [J § 8° Sao facultados a intervengéio no dominio econdmico e o monopé- lio de determinada industria ou atividade, mediante lei da Unido, quando indispensdvel por motivos de seguranga nacional, ou para organizar setor Direito Constitucional Econémico 51 que néio possa ser desenvolvido com eficiéncia no regime de competigdo e de liberdade de iniciativa, assegurados os direitos e garantias individuais. § 9° Para atender a intervenc4o no dominio econémico, de que trata o par4grafo anterior, podera a Unido instituir contribuicdes destinadas ao custeio dos respectivos servicos e encargos, na forma que a lei estabelecer. [..] § 11. A produgao de bens supérfluos ser4 limitada por em- presa, proibida a participagao de pessoa fisica em mais de uma empresa ou de uma em outra, nos termos da lei. Art. 158. A Constituicao assegura aos trabalhadores os se- guintes direitos, além de outros que, nos termos da lei, visem 4 melhoria, de sua condi¢ao social: LJ Art. 159. E livre a associa¢ao profissional ou sindical; a sua constituico, a representacao legal nas convengées coletivas de trabalho e 0 exercicio de fungées delegadas de Poder Publico serao regulados em lei. [...] Art. 163. As empresas privadas compete preferencialmente, com 0 estimulo e apoio do Estado, organizar e explorar as ativi- dades econémicas. § 12Somente para suplementar a iniciativa privada, o Estado organizar4 e explorar4 diretamente atividade econémica. § 2° Na exploragao, pelo Estado, da atividade econémica, as empresas publicas, as autarquias e sociedades de economia mista reger-se-4o pelas normas aplicdveis 4s empresas privadas, inclu- sive quanto ao direito do trabalho e das obrigacées. § 32 A empresa publica que explorar atividade nao mono- polizada ficara sujeita ao mesmo regime tributario aplicavel as empresas privadas. [...]” (destacou-se em itdlico). Em 1969, a Emenda Constitucional n° 1, para alguns tratada como a Constituicao de 1969, em especial no que se refere ao | i F 52 Direito Econdmico Titulo Il, admitiu greve, exceto no servico publico e atividades essenciais, e delimitou a competéncia do setor privado e do estatal na organizagao e exploracao da atividade econémica, assegurando ao Estado sua atuacSo ou intervengao no dominio econémico. 4 A Ordem Econémica na Constituicdo Federal de 1988 3.1 Aspectos gerais da constituigé0 econdmica A Emenda Constitucional n° 26, de 27 de novembro de 1985, efetivou a Assembléia Constituinte que se instalou em 1° de feve- reiro de 1987. Apés meses de trabalho, a Constitui¢éo Federal do Brasil era promulgada aos 5 de outubro de 1988, sob a presidén- cia dos trabalhos do Deputado Ulisses Guimaraes, que apelidou a Carta de “constituicao cidada”, dada a ideologia adotada pelo texto no campo econdémico e social. A Constituicao de 1988 destaca-se pelo aspecto social e pelo relevo com que trata o cidadao, bem como, no campo econémico, pelo novo foco que é atribuido ao Estado no desempenho de suas fungoes. No Titulo da Constitui¢éo, onde estao os principios fun- damentais do Estado Democratico de Direito, tem-se a base da ordem politica que permeara o contetido econémico constitu- cional. A Constitui¢ao Econémica, portanto, deve ser interpretada a luz das demais disposigGes constitucionais, e nao apenas daquelas contidas no Titulo VII, Da Ordem Econ6mica e Financeira, pois os princfpios e objetivos da politica econémica estao expressos 54 Direito Econdmico em outros topicos da Carta, constituindo todo esse conjunto a Constituic0 Econémica do Brasil. Antes de tratar, especificamente, da ordem econémica dispos- tano Titulo VII da Constituicao, merece anélise a observaco de Eros Roberto Grau (2003, p. 155): “Ao bojo da ordem econémica, tal como a considero, além dos que j4 no seu Titulo VII se encontram, so transportados, fundamentalmente, os preceitos inscritos nos seus arts. 1°, 3°, 79a 11, mercé de a afetarem de modo especifico, entre os quais, v. g., os do art. 5°, LXXI, do art. 24, I, do art. 37, XIX e XX, do § 22 do art. 103, do art. 149, do art. 225.” Oart. 19, nos incisos I, II, II e IV, dispde que a Republica Fe- derativa do Brasil tem como fundamento a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e como objetivos fundamentais, dispostos no art. 32, incisos I, II, III e IV, a construgao de uma sociedade livre, justa e solidaria, com a erradicacao da pobreza e da mar- ginalizacZo e a reducdo das desigualdades sociais e regionais, a promo¢o do bem de todos e a garantia do desenvolvimento nacional. J4 o pardgrafo unico do art. 4° dispGe acerca da inte- gracio latino-americana, inclusive econémica, que o Brasil tem como princfpio nas suas rela¢Ges internacionais: “Art. 12 A Republica Federativa do Brasil, formada pela uniao indissoltivel dos Estados e Municipios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democratico de Direito e tem como fun- damentos: I -a soberania; I -a cidadania; Ill - a dignidade da pessoa humana; TV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; L--] Art. 3° Constituem objetivos fundamentais da Republica Federativa do Brasil: I-construir uma sociedade livre, justa e solidaria; ‘A Ordem Econémica na Constituiggo Federal de 1988 55. II - garantir o desenvolvimento nacional; Ill - erradicar a pobreza e a marginalizacao e reduzir as desi- gualdades sociais e regionais; IV — promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raca, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discrimina- ¢40. Art. 4° A Republica Federativa do Brasil rege-se nas suas relacdes internacionais pelos seguintes principios: [.J Paragrafo unico. A Republica Federativa do Brasil buscara a integrac4o econémica, politica, social e cultural dos povos da América Latina, visando 4 formaco de uma comunidade latino- americana de nac¢Ges.” No art. 5°, destacam-se direitos 4 igualdade, seguranca e propriedade, sem os quais uma economia de mercado nao con- seguiria prosperar. Nos incisos XII, XVII e XVIII, a liberdade profissional e associativa; nos incisos XXII, XXIII, XXIV e XXV, a garantia a propriedade e sua funcdo social, bem como a pre- visdo de desapropriacdo quando necessario; nos incisos XXIX e XXXII, a garantia do direito de inventos industriais, marcas, nomes e signos distintivos em vista do desenvolvimento tecno- légico e econémico do pafs, bem como a promogao da defesa do consumidor; e ainda no inciso LIV desse mesmo artigo, a garantia constitucional sobre os bens; e no inciso LXXI, a concessao de mandado de injungo nos casos de falta de norma regulamentado- ra, que torne invidvel o exercicio de direitos e liberdades constitu- cionais: “Art. 5° Todos sao iguais perante a lei, sem distingao de qual- quer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pais a inviolabilidade do direito 4 vida, a liberdade, a igualdade, a seguranca e a propriedade, nos termos seguintes: L..] XIII - é livre o exercicio de qualquer trabalho, oficio ou pro- fiss4o, atendidas as qualificagGes profissionais que a lei estabe- lecer; 56 Direito Econémico [..] XVII - é plena a liberdade de associacao para fins licitos, vedada a de carater paramilitar; XVIII —a criagdo de associacées e, na forma da lei, ade coope- rativas independem de autorizacdo, sendo vedada a interferéncia estatal em seu funcionamento; [J XXII - é garantido o direito de propriedade; XXIII — a propriedade atenderé a sua funco social; XXIV ~ a lei estabelecera o procedimento para desapropria- ¢o por necessidade ou utilidade publica, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenizac4o em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituicao; XXV - no caso de iminente perigo publico, a autoridade competente poderd usar de propriedade particular, assegurada ao proprietario indenizagao ulterior, se houver dano; [.J XXIX ~ a lei assegurard aos autores de inventos industriais privilégio tempordrio para sua utilizacao, bem como protecao as criagdes industriais, 4 propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnolégico e econdmico do Pais; L.] XXXII - 0 Estado promoverd, na forma da lei, a defesa do consumidor; [J LIV - ninguém seré privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; [...] LXXI — conceder-se-4 mandado de injung4o sempre que a falta de norma regulamentadora torne invidvel 0 exercicio dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes A nacionalidade, a soberania e a cidadania.” A Ordem Econémica na Constituicao Federal de 1988 57 No campo dos direitos sociais, j4 que a Constitui¢ao de 1988 foi apelidada “constitui¢ao cidada”, destacam-se os arts. 6°, 7°, 82, 92, 10 e 11, onde esto disciplinados os direitos dos traba- Ihadores: “Art. 62 Sao direitos sociais a educacdo, a satide, o trabalho, a moradia, o lazer, a seguranca, a previdéncia social, a prote¢ao a maternidade e a infancia, a assisténcia aos desamparados, na forma desta Constituigdo. (Redacdo dada pela EC n® 26, de 14- 2-2000) Art. 72 S40 direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem a melhoria de sua condi¢ao social: [..] Art. 8° livre a associacio profissional ou sindical, observado o seguinte: [..] Art. 92 B assegurado o direito de greve, competindo aos tra- balhadores decidir sobre a oportunidade de exercé-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender. L.J Art. 10. B assegurada a participacao dos trabalhadores e empregadores nos colegiados dos érgaos puiblicos em que seus interesses profissionais ou previdencidrios sejam objeto de dis- cussdo e deliberacao. Art. 11. Nas empresas de mais de duzentos empregados, é assegurada a eleicao de um representante destes com a finali- dade exclusiva de promover-lhes o entendimento direto com os empregadores.” O art. 21 dispde em seus incisos a competéncia da Unido, que, dentre outras, deverd elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenagao do territério e de desenvolvimento econé- mico e social, e explorar, diretamente ou mediante autorizacao, concessao ou permissao, determinados servi¢os. No que se refere ao art. 21, merece destaque o inciso X, atualmente em discussdo no Supremo Tribunal Federal (STF), 58 Direito Econémico que em breve dever4 concluir 0 julgamento da ado (Argiiicao de Descumprimento de Preceito Fundamental n° 46) proposta em 2003 pela Associaco Brasileira das Empresas de Distribuicao (Abraed) que trata da concorréncia nos servicos postais. Em linhas gerais, dos onze ministros, quatro ja se manifestaram a favor do monopdlio pelos Correios (ECT —- Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos), dois ministros defenderam a abertura do mercado. Apés 0 voto do Ministro Marco Aurélio (Relator), que julgava procedente a aco; dos votos dos Ministros Joaquim Barbosa, Eros Grau e Cezar Peluso, que a julgavam totalmente improcedente; do voto do Ministro Carlos Britto, julgando-a procedente, em parte; e do voto do Ministro Gilmar Mendes, que julgava parcialmente procedente, pediu vista dos autos a Ministra Ellen Gracie. A A¢&o busca declarar a inconstitucionalidade dos arts. 42, 43, 44 e 45 da Lei n° 6.538, de 22 de junho de 1978, que regula os direitos e obrigagdes concernentes ao servi¢o postal e ao servico de telegrama em todo o territério nacional, incluidos as 4guas territoriais e 0 espago a¢reo. Ja o art. 24, inciso I, dispde da competéncia da Unio, Es- tados e Distrito Federal de legislarem sobre direito econémico. O art. 37 e seus incisos XIX e XX preceituam os principios da Administrac4o Publica acerca das autarquias, empresas publi- cas, sociedades de economia mista e fundagées. O art. 103, § 22, versa sobre a proposi¢ao de aco direta de inconstitucionalidade e aco declaratéria de constitucionalidade. O art. 146-A trata de critérios especiais de tributacao para prevenir desequilibrios da concorréncia. O art. 149 garante a competéncia exclusiva da Unido para instituir contribui¢des sociais de interven¢ao no do- minio econdmico. E por fim o art. 225 coloca o meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito e dever do Estado e da coletividade: “Art. 21. Compete 4 Unido: [.] 1X - elaborar e executar planos nacionais e regionais de orde- nag&o do territério e de desenvolvimento econémico e social; X —manter o servico postal e o correio aéreo nacional; A Ordem Econémica na Constituicao Federal de 1988 59 XI - explorar, diretamente ou mediante autoriza¢ao, conces- s%0 ou permissdo, os servicos de telecomunica¢des, nos termos da lei, que dispora sobre a organizaco dos servicos, a criacéo de um érgio regulador e outros aspectos institucionais; (Redacao dada pela EC n° 8, de 15 de agosto de 1995) L--] XII - explorar, diretamente ou mediante autorizacao, conces- sao ou permissdo: a) os servicos de radiodifusao sonora e de sons e imagens; (Re- dagio da alinea a dada pela EC n° 8, de 15 de agosto de 1995) b) os servicos e instalagdes de energia elétrica e o aprovei- tamento energético dos cursos de 4gua, em articulacao com os Estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos; c) a navegacdo aérea, aeroespacial e a infra-estrutura aero- portuaria; d) os servicos de transporte ferrovidrio e aquaviario entre portos brasileiros e fronteiras nacionais, ou que transponham os limites de Estado ou Territério; e) os servicos de transporte rodovidrio interestadual e inter- nacional de passageiros; f) os portos marftimos, fluviais e lacustres; [.] XIX - instituir sistema nacional de gerenciamento de recursos hidricos e definir critérios de outorga de direitos de seu uso; XX - instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, in- clusive habitacdo, saneamento bdsico e transportes urbanos; XXI - estabelecer principios e diretrizes para o sistema na- cional de viacao; XXIII - explorar os servicos e instalagées nucleares de qual- quer natureza e exercer monopdlio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrializacao e o comércio de minérios nucleares e seus derivados, atendidos os seguintes principios e condi¢ées: [..] | 60 Direito Econémico XXV - estabelecer as dreas e as condi¢6es para o exercicio da atividade de garimpagem, em forma associativa. [..] Art. 24. Compete a Unido, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: 1 - direito tributdrio, financeiro, penitenciario, econémico e urbanistico; L.-J Art. 37. A administracao publica direta e indireta de qualquer dos Poderes da Unido, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municipios obedecer aos principios de legalidade, impessoa- lidade, moralidade, publicidade e eficiéncia e, também, ao se- guinte: (Redacao do caput dada pela EC n° 19, de 4 de junho de 1998) L.] XIX - somente por lei especifica poder ser criada autarquia e autorizada a instituicdo de empresa publica, de sociedade de economia mista e de fundagao, cabendo a lei complementar, neste Ultimo caso, definir as areas de sua atuac4o; (Redagao do inciso XIX dada pela EC n° 19, de 4 de junho de 1998) XX - depende de autorizaco legislativa, em cada caso, a cria- ao de subsididrias das entidades mencionadas no inciso ante- rior, assim como a participagdo de qualquer delas em empresa privada; [...] § 62 As pessoas juridicas de direito piiblico e as de direito privado prestadoras de servicos piblicos responderao pelos da- nos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsdvel nos casos de dolo ou culpa. LJ Art. 103. Podem propor a aco direta de inconstitucionalidade ea.acao declaratéria de constitucionalidade: (Redaclo do art. 103 dada pela EC n° 45, de 8 de dezembro de 2004) [..] ‘A Ordem Econémica na Constituicgao Federal de 1988 61 § 2° Declarada a inconstitucionalidade por omissao de medida para tornar efetiva norma constitucional, sera dada ciéncia ao Po- der competente para a adogao das providéncias necessarias e, em se tratando de érgao administrativo, para fazé-lo em trinta dias. L..] Art. 146-A. Lei complementar poderé estabelecer critérios especiais de tributagao, com o objetivo de prevenir desequilibrios da concorréncia, sem prejuizo da competéncia de a Unido, por lei, estabelecer normas de igual objetivo (Incluido pela Emenda Constitucional n° 42, de 19-12-2003). L.] Art. 149. Compete exclusivamente a Unido instituir contribui- ges sociais, de interven¢do no dominio econémico e de interesse das categorias profissionais ou econdmicas, como instrumento de sua atuacio nas respectivas areas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, Ie ILI, e sem prejuizo do previsto no art. 195, § 6%, relativamente as contribuigdes a que alude o dispositivo. [.] Art. 225. Todos tém direito ao meio ambiente ecologicamen- te equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial a sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Pablico e a coletividade o dever de defendé-lo e preserva-lo para as presentes e futuras geragdes.” Merece destaque a observacao de Eros Roberto Grau (2003, p. 153), no tocante ao conjunto de diretrizes, programas e fins que enuncia a Constitui¢ao de 1988: “Que a nossa Constituicdo de 1988 é uma Constituigao dirigen- te, isso é inquestionavel. O conjunto de diretrizes, programas e fins que enuncia, a serem pelo Estado e pela sociedade realizados, a ela confere o carater de plano global normativo, do Estado e da sociedade. O seu art. 170 prospera, evidenciadamente, no sentido de implantar uma nova ordem econémica.” 62 Direito Econdmico 3.2 Principios gerais da atividade econémica O Titulo VII da Constituic&o Federal de 1988 dispée acerca “Da Ordem Econémica e Financeira”, compondo-se de quatro capitulos, quais sejam: I — Principios Gerais da Atividade Econé- mica; II - Politica Urbana; III — Politica Agricola e Fundiaria e da Reforma Agraria; e IV — Sistema Financeiro Nacional. No presente trabalho dar-se-4 maior destaque ao Capitulo I, ou seja, aos principios gerais que devem presidir a atividade econémica, n3o obstante os breves comentirios a serem tecidos aos demais Capitulos do Titulo VII. Inicialmente, cumpre ressaltar que a Constituicao de 1988 em sua redacio original centrava-se, no que se refere 4 atividade econémica, em trés pontos: (i) discorre acerca dos principios; (ii) estabelece o protecionismo 4 empresa brasileira de capital nacional (revogado pela Emenda Constitucional n° 6, de 1995); e (iii) dispde da atuac&o do Estado no dominio econémico, con- forme segue: TITULO VIE Da Ordem Econémica e Financeira CAPITULO I DOS PRINCIPIOS GERAIS DA ATIVIDADE ECONOMICA 3.2.1 Art. 170: Ordem Econémica Art. 170. A ordem econémica, fundada na valorizagéo do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existéncia digna, conforme os ditames da justiga social, observados os seguintes principios: O caput do art. 170 estabelece a estrutura geral do ordena- mento juridico-econémico fundado na valorizacao do trabalho humano e na livre iniciativa, cuja finalidade da politica econémica adotada pelo Estado est4 em assegurar a existéncia digna, con- forme preceitos da justia social, adotando-se, para tanto, alguns principios norteadores. A Ordem Econémica na Constituicao Federal de 1988 63 Comenta Joao Bosco Leopoldino da Fonseca (2001, p. 87), acerca dos ditames da justica social, que “este dispositivo deve ser visto em conexao com o contetido do inciso IV do art. 19, em que, como jé visto, se colocam os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa como fundamentos do Estado Democratico de Direito”. A valorizacao do trabalho humano ea livre iniciativa revelam que a Constituicdo de 1988 prevé uma sociedade brasileira capi- talista moderna, na qual a conciliagdo e composi¢4o dos titulares de capital e de trabalho é uma necessidade a ser viabilizada pela atuagao do Estado. Ja Eros Roberto Grau (2003, p. 174) observa “a dignidade da pessoa humana como fundamento da Republica Federativa do Brasil (art. 12, II) e como fim da ordem econémica (mundo do ser)”. Dai depreende-se que toda atividade econémica, seja publica ou privada, deve ser exercida na busca da existéncia digna de toda a coletividade. Oportuno citar o Recurso Extraordindrio (n° 422.941-2) acerca da responsabilidade objetiva da Unido que interveio no dominio econémico ao fixar os precos dos produtos sucro-alcoo- leiros, interposto pela Destilaria Alto Alegre S.A., fundado no art. 102, II, a, da Constituicdo Federal, com alegacao de ofensa ao art. 37, § 6°, da mesma Carta, cuja decisao da 2? Turma, por votacado majoritaria, conheceu e deu provimento, nos termos do voto do Relator, Ministro Carlos Velloso, conforme ementa publicada no Didrio da Justiga de 24 de marco de 2006 e transcrita a seguir: “EMENTA: CONSTITUCIONAL. ECONOMICO. INTER- VENGAO ESTATAL NA ECONOMIA: REGULAMENTACAO E REGULACAO DE SETORES ECONOMICOS: NORMAS DE INTERVENGAO. LIBERDADE DE INICIATIVA. CE art. 19, IV; art. 170. CE, art. 37, § 6°. I— A intervencao estatal na economia, mediante regulamentacdo e regulacdo de setores econémicos, faz-se com respeito aos principios e fundamentos da Ordem Eco- némica. CE art. 170. O principio da livre iniciativa é fundamento da Repitiblica e da Ordem Econémica: CF, art. 19, IV; art. 170. I — Fixacdo de precos em valores abaixo da realidade e em descon- 64 Direito Econémico formidade com a legislacdo aplicavel ao setor: empecilho ao livre exercicio da atividade econémica, com desrespeito ao principio da livre iniciativa. I - Contrato celebrado com instituicao privada para o estabelecimento de levantamentos que setviriam de em- basamento para a fixac&o dos precos, nos termos da lei. Todavia, a fixa¢io dos precos acabou realizada em valores inferiores. Essa conduta gerou danos patrimoniais ao agente econdmico, vale dizer, A recorrente: obrigacdo de indenizar por parte do poder ptiblico. CE art. 37, § 6°, IV - Prejuizos apurados na instancia ordinéria, inclusive mediante pericia técnica. V - RE conhecido e provido.” 3.2.2 Soberania nacional 1 - soberania nacional; O princfpio da soberania nacional ora esculpido na esfera da ordem econémica complementa o ja disposto no art. 19, I, da Constituicao. Isso se explica porque uma nagdo que se diz soberana no campo politico dificilmente conseguira exercer em plenitude sua soberania se nao for soberana no campo econémico. A soberania econémica contribui decisivamente para a indepen- déncia de um Estado em relacao aos demais Estados. Escreve Ari Marcelo Solon (1997, p. 203 e 204) acerca da soberania: “Arrancando-se o véu que encobre a vontade, a questao da soberania nao é um problema de pressuposi¢ao ou hipdtese da ciéncia juridica, mas que demanda uma investiga¢ao empirica de determinados fatos. A soberania nao é imputagao, mas 0 exercicio de uma forga social que obtém obediéncia as suas prescricdes. E um problema do ser do direito. Entre os critérios empiricos para averiguar se um poder é soberano podem-se incluir algumas qua- lidades como capacidade de auto-organizacao, um poder de agir e de se conduzir livremente. Pondo-se de lado os pressupostos de uma teoria normativa, a soberania nao é outra coisa sendo as diferentes regras constitutivas e fatos institucionais atribuido- res das qualidades acima a uma determinada realidade politica. A Ordem Econ6mica na Constituigao Federal de 1988 65. Isto nao é apenas uma tarefa da sociologia juridica, pois toda esta digressao surgiu a partir de um problema especifico de teoria do direito: é possivel identificar juridicamente o poder efetivo?” Certamente, as diversas regras que determinam uma realidade politica para a efetivacao da soberania esto atreladas a soberania econémica do Estado, que poderd implantar “livremente” sua politica econémica. 3.2.3 Propriedade privada II - propriedade privada; A Constituicdo de 1988 traz o principio da propriedade pri- vada em seu art. 5°, XXII, como garantia ao individuo, e como principio da ordem econémica, pressuposto da liberdade de ini- ciativa. A propriedade privada é principio tipico das economias capitalistas, sem o qual nao existiria seguranga juridica para os agentes econémicos atuarem nos mercados. 3.2.4 Fungo social da propriedade III — fungéo social da propriedade; O principio da fungao social da propriedade esta presente na Constituicao de 1988, no art. 5°, XXIII, e no art. 170, III. Tal principio vem confirmar o direito do individuo sobre a proprieda- de (principio da propriedade privada), mas que ela deve cumprir sua fungio social, nao mais aceitando o direito da propriedade em sua plenitude, tipica do liberalismo, como constava nas Cartas de 1824 e 1891. 3.2.5: Livre concorréncia IV - livre concorréncia; Inserindo-se no contexto da globaliza¢ado econédmica, o cons- tituinte acaba optando pelo regime de economia de mercado. Com isso, a Constituicao de 1988 tem como principio da ordem I 66 Direito Econémico econémica a livre concorréncia, que vem garantir aos agentes econémicos a oportunidade de competirem de forma justa no mercado. A garantia da competicao leal, isenta de praticas anticon- correnciais e de utilizag4o abusiva do poder econémico, é assegu- rada pelo Estado, por meio de agéncias reguladoras e de drgaos de defesa da concorréncia, como o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econémica). A livre concorréncia, portanto, nao se re- veste mais dos moldes smithianos do liberalismo econémico, no qual o Estado fica ausente da economia, deixando que a prépria concorréncia no mercado estabele¢a os agentes aptos a se perpetu- arem, excluindo os demais, até atingir o ponto de equilibrio entre produtores e consumidores pela lei da oferta e da procura. 3.2.6 Defesa do consumidor V — defesa do consumidor; Uma vez feita a op¢do pela economia de mercado, nao restava outra alternativa ao constituinte sendo estampar como princf- pio da ordem econémica a defesa do consumidor. A defesa do consumidor se faz de forma direta, num contexto microeconé- mico e microjuridico, mas também de forma ampliada por meio da defesa da livre concorréncia. Garantir a livre concorréncia no mercado significa, numa perspectiva de andlise, defender o bem- estar econémico do consumidor, que sai prestigiado com produtos e servicos de maior qualidade e precos mais vantajosos. 3.2.7 Defesa do meio ambiente V1 - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento dife- renciado conforme o impacto ambiental dos produtos e servigos e de seus processos de elaboragdo e prestagdo; (Inciso VI com reda¢ao dada pela EC n?2 42, de 19 de dezembro de 2003) A defesa do meio ambiente como principio constitucional da ordem econémica implica na limitagao da propriedade privada, destacadamente industrial e agricola, para que assim se proteja um interesse maior, da coletividade. O todo deve prevalecer sobre [ t I i ke I B: I \ \ fe I A Ordem Econémica na Constituisdo Federal de 1988 67 0 Unico; o interesse da coletividade é maior ao interesse “de um individuo”. Exemplo tipico é o empresdrio que inicia as atividades de sua fbrica. Ele pode atuar livremente no mercado, produzir e comer- cializar seus produtos, mas nao pode poluir o ambiente. E po- luindo, o Estado intervém em defesa do interesse coletivo para aplicar multa 4 empresa e exigir a instalaco de filtros nas cha- minés da fabrica. 3.2.8 Reducao das desigualdades regionais e sociais VII — redugdo das desigualdades regionais e sociais; A Constitui¢ao de 1988 prescreve no art. 3° como objetivos fundamentais da Republica Federativa do Brasil a construgao de uma sociedade livre, justa e solidaria, garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza, a marginalizacao, e reduzir as de- sigualdades sociais e regionais, como também promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raga, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminagao. A ordem econémica tem também como principio a redugao das desigualdades regio- nais e sociais, em consonancia com a proposta de uma Carta que se ocupe da ordem econémica e social. 3.2.9 Busca do pleno emprego VIII - busca do pleno emprego; Em conformidade com o caput do art. 170, que dispde sobre a fundamentagao da ordem econémica na valorizacao do trabalho humano, a busca do pleno emprego como principio da ordem econémica esté ligada ao desenvolvimento e aproveitamento das potencialidades do Estado. Por outro lado, pode-se interpretar a busca do pleno emprego como algo essencial 4 propria estrutura social capitalista, j4 que a partir da remuneracao (salario) se cons- titui um mercado consumidor, que faz a economia “girar”.

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