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IB artigo NOVOS ARRANJOS Alunos dispersos, caos, bagunga. Esta percep¢io da sala de aula contemporanea, alicercada numa visao educacional que propde que os alunos sejam um todo homogéneo, pode ser contraposta a uma outra, que se valha das interagGes entre estudantes e destes com o professor Deise Amaral Ingrid Frank* BB solace aa teanguit, 0 professor faz um per- igualyan sl oat erpoed ano profestoravalie suas resporas Othiosatentos a figura do meste, qualquer palavea ou movimento indicative de desatensto & uala 6 pascivel de angio pelo profes- sun sala de aula? Agora pense na fequinte: diversas vones em s0- breposigo; em meo ao barulho, fo prufeeser digo uma perpamta tos alunos; um deles responde fazenda’ ie play outta. te pence oni nr fete beaten ama paleyrd uaa pelo professor ao fazer a pergun- ta, enquanto ome menine pede para os coleges se calarem. Esse Segura desrigho parece ser mais fuclmente ecoohesivel om nossa aulas, nto? Ey por muitas veces, pensaros que perdemos o controle, que ndo ha mais 0 que fazer, que nossa aula se transformou eum 56 Um recente estudo voitado 4 andlise do discurso interacional, publieado no livro Language in late modernity: Interaction in an urban school (CUP, 2006, ainda nao publi- ‘cado em portugués, mas que poderia ser traduzido livremente como 4 linguagem na modernidade tardia: Interaco numa escola urbana), de autoria do pesquisador briténico Ben Rampton, aponta para uma nova organizagao da comunicagao fem sala de aula, Segundo o autor, professor de sociolinguistica apliea- da do King’s College, em Londres, e diretor do Centro para Linguagem, Discurso e Comunicagio, essa nova organizagao estaria substituindo a ordem tradicional na qual o profes- sor dispunha de poder para deter- minar quando, onde e sobre o qué 0 alunos teriam o direito de falar ~ isso quando a eles franqueada esse dizeito — por uma organizagio em que os alunos também tomam a iniciativa ¢ estabelecem suas prefe- réncias em relagdo ao que acontece na sala de aula Escuta ampliada © estudo de Ben Rampton en- volveu um trabalho de etnografia lingtistiea (com dados coletados de interagdes reais), em que ele avompankou o dis-a-dia de alunos adolescentes de 13 14 anos professores de uma escola pliblica secundaria em Londres em diver- sas disciplinas, Além de observar aulas e conversar com os alunos, © pesquisador utilizou microfones, que foram acoplados as roupas dos participantes, o que permitiu o exercicio de um olhat para a sala de aula nfo apenas a partir da interagao aluno-professor, mas também para a interagdo entre alunos. Disso re- sulta uma discussio bastante rica e informada sobre a sala de aula con- tempordinea, que @ autor desenvolve ao longo do livro ¢ que pode ser bastante Util por analisar questdes que vivenciamos diariamente em nossas salas de aula, De acordo com os dados de sua pesquisa, a escola moldada para ensinar os jovens a fiear quietos Abi 2009 © professor Francois, vivide por Frangois Bégaudeau, interage com os alunos no filme Entre os muros da escola, de Laurent Cantet: representacio das tensdes e dos questionamentos diccentes sobre 0 valor da linguage do universe académico © 8 fazer o que thes & mandado cesta em crise. E, em luger dela, estd sendo construfda uma outra, fem que os alunos participam e se posicionam em relagio aos t6picos pelos quais se interessam, sendo. que essa participagto ¢ propria de lum tempo em que a tecnologia, a internet e a difusio da informacto sdo constantes em todas os ambien- tes, Assim, 08 alunos se dividem em diversos focos de atengao, “abrem Jinks” para novos assuntos a partir 0 tépico proposto pelo professor, relacionam o tema a miisicas que ouvem oua programas que assistem na TY, e corrigem ou ampliam a informagao trazida pelo professor. ‘Tudo isso & realizado as vezes no foco central da aula, mas também, ce muitas vezes, em focos de atengo periféricos, ou seja, nas conversas paralelas. A partir de uma andlise detalhada das interagdes na sala de aula estudada, © autor propSe que a homogeneizado dos alunos, t8o almejada pela escola tradicional ~ visto que ligada ao progresso stematica © organizada ~ € hoje incompativel com a pluralidade e a diversidade caracteristicas da mo- demidade tardia, Nogdes de sistema ¢ de organismo, preconizadas no passado, hoje se optem as idgias de diversidade, de contingéncia ¢ de multiplicidade das situagoes ¢ dos individuos. Numa época que a oportunidade para que cada um busque suas miltiplas identidades, trilhando um caminho singular atra- vés dos grupos a que se filia ~ seja nas comunidades de que participa no Orkut, nas dos sites que acessa ou das misicas ¢ videos que baixa ¢ coloca na internet -, néo € mais possivel ao professor ver os alunos como um todo homogéneo e ignorar suas caracteristicas individuais, Presenca dos meios Nos dados trazidos por Rampton, a influéneia da cultura mididtica na sala de aula é representativa dessa bbusca pela individualidade, Em vie ios momentos, o$ alunos cantarolam rmiisicas pop enquanto 0 professor est falando ¢ fazem referéncia a misicas propagandas de TV co- nnhecidas quando responder as suas perguntas. Isso acontece porque, segundo ele, a cultura pop apresenta caracteristicas que se contrapdem as da sala de aula tradicional. Ela possibilita ao individuo escolher as _nisicas ¢ as influéneias com as quais se identifica; possibilita intexpreta- las livremente ¢, além disso, elas tém um significado singular para cada pessoa, sendo que cada um pode se identificar com as misicas que quiser € tomé-las como parte de sua historia, Tais caracteristicas contrastam com 0 discurso de sala de aula tradicional, em que o cutri- cculo & posto independentemente da preferéncia do aluno, e os assuntos tratados em aula acabam por, muitas vezes, nfo terem relevancia alguma para ele, que € considerado parte indistinta de um grupo homogéneo. Assim, para Rampion, a mésica pop ‘razida pelos alunos para a sala de 58 aula nao ¢ vista apenas como um ato de rebeldia, mas constitui um modo de adaptagdo ¢ de busea de identidade naquele contexto. Além disso, a manifestacdo piblica do gosto musical pode atrair adesdes de colegas que partilham do mesmo gosto e, assim, formar mais uma comunidade, mesmo que efémera, de identificagdes musicais. Mas, a0 contririo de uma conelu- sto apressada, que poderia indicar set impossivel conciliar as caracteristicas da contemporaneidade com as da ‘escola, a pesquisa de Rampton mos- tra professores ¢ alunos negociando rmaneiras de lidar com manifestagSes dessa mudanga histérica em sua sala deaula, E isso, nos dados de sua pes quisa, aparece de diferentes formas: o professor ainda busca dar conta do curriculo, ainda quer transmitir 08 va- lores simbélicos consagcados histori camente e, em meio ds diversas vores se sobrepondo na sala de aula, acaba se amparando em qualquer contri- bbuigdo de algum aluno que possa ser relacionada ao tépico em questio. A resposta do aluno & sua pergunta ‘vem na forma de alguma mésica pop? OK, 0 professor ratifica a resposta ¢ ainda 0 expand. A resposta trata de algum fato amplamente divulzado na midia e apenas tangencia o tema fem questo? OK, o professor trata do novo t6pico, mas tenta voltar a0 contetido da aula. A resposta vem em um fragmento de lingua estrangeira de prestizio, presente no eurriculo? OK, professor acolhe e ainda faz um breve comentario na lingua estrangei- ra, A opeao de aceitar s contribuigto dos alunos, do jeito que vier, faz com que professor nao fique falando doetubo ua tren d0: grape. E3550 ou nada, Ou, 0 que é ainda pior, nao aceitar 0 que 0s alunos tém a dizer pode resultar em bate-bocas ou ei agressdes fisicas, violéncias que se tém tornado noticia recorrente das salas de aula, Exuberancia discente Assim, vemos que a participagio dos alunos continua sendo primordial na sala de aula contempordnea, uma ‘vex que os professores orgonizam suas aulas esperando © contando com ela. A participacto dos alunos de hoje, no entanto, tem um carater bastante distinto daquela que se queria no passado — que se limitava fa prover respostas as perguntas do professor para que elas fossem ava liadas como corretas ou nao . Trata-se de uma “participagdo exuberante”, de acordo com a denominagdo proposta ‘por Rampton. Alguns dos alunos ob- servados por ele demonstravam estar “hiper-envolvidos” nas atividades de sala de aula ao interromperem 0 professor ¢ completarem suas frases mesmo quando nio solicitados, 20 responderem s suas perguntas com algum tipo de imitagao de sotaques e/ou cantando, ou 20 darem, eles mes~ mos, feedback ao que 0 professor di- Zia ow a0 que os colegas respondiam. Rampton nos leva a perceber que 0s alunos que se sentem motivados a pparticipar ¢ que. fazem dessa forma “exuberante”, na verdade ajudam 0 professor no que ele propde. Suas contribuigdes so essenciais para que a atividade progrida e, ainda que estranhas ae modelo tradicio- nal de “bom aluno”, so elas que legitimam a proposta do professor. Da mesma forma, a referéncia dos ‘Abyit 2008 No documentério Pro dia nascer feliz, de Jo30 Jardim, as tensées entre lunos e entre estes e professores aparece com forca: fica clara a dificuldade de a institui¢ao escolar lidar com um aluno diferente daquele que idealizou alunos 4 masicas, a slogans de pegas publicitérias, a frases de efeito © a tantas outras influéncias da midia ¢ da cultura popular podem estar , na verdade, a servigo do curriculo, néo se constituindo em apenas manifes- tages de rebeldia ou enfientamento @ ordem da sala de aula, Assim, essa participagio, que seria considerada em outros tempos (€ ainda hoje pode ser) como a ins tauragao do caos pode ser entendida, ‘a0 contrério, como uma das maneiras que alunos e professores esto cons- truindo para lidar com as peculiari- dades da nova ordem comunicativa propria da modemidade tardia, Sea geragao dos cclulares, mp3, torpedos € outras tecnologias nao aceita parti- cipar da aula do mesmo modo como seus pais 0 faziam ~ ou quem sabe seusavés—algum tipo de adaptagio precisa ser negociada entre 0s alurios € 0 professor, Reclamar que os alu- nos de hoje ndo se concentram como ‘0s de antigamente nao parece trazer beneficio algum, Se concordamos ‘com © autor que estamos vivendo uma nova ordem comunicativa, ela parece ter vindo pra ficar, ¢ nto ha como impedir a influéneia da tecno- logia e da midia em sala de aula, ‘Nesse sentido, o estudo de Ramp- ton nos mostra um primeiro paso que podemos dar para tentar lidar com essa nova situagao: olhar para a nossa sala de aula buscando com- pteendé-la também a partir do ponto de vista dos alunos, 0 que implica considerd-los como individuos com todas as suas peculiaridades, forte ‘mente influenciadas pelo mundo tec: nologico em que hoje vivemos. Ao invés, entao, de nos perguntarmos se 108 alunos sao capazes de se modifi- car a ponto de conseguir participar da aula “como antigamente”, talvez seja necessério nos perguntarmos dde que maneira podemos lidar com essa nova ordem comunicativa no curso das aulas, Talvez seja neces- sfrio buscarmos também, em nosso contexto, descri¢des de boas priticas de sala de aula em que professores¢ alunos demonstram estar engajados nna busea de maneiras de lidar com essa nova ordem comunicativa, Olhar para a ecologia de salas de aula de verdade e atentar para micro- momentos de interagao entre alunos. ¢ professores pode revelar muito do que de fato esta acontecendo ali. Quem sabe a nossa propria sala de aula jf ndo esteja repleta de mo- menios em que lidamos, junto com nossos alunos, com essa nova ordem comunicativa, e ainda nfo nos demos conta? Quem sabe jé estejamos tam- bém conseguindo lidar com isso ¢ ainda achamos que esté tudo errado & que nao hé mais 0 que fazer? Alunos. dispersos, caos, bagunga ? Como 108, no necessariamente, Deise Amara e Ingrid Frank so professoras de langues e mestrandes em lingistica _aplicada na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) 89

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