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JAILSON SANTOS

Avaliação crítica
“Declaração Conjunta sobre a Doutrina da Justificação” (DCDJ).

Por: Jailson Santos

2010

SÃO PAULO
Avaliação crítica da “Declaração Conjunta sobre a Doutrina da Justificação” (DCDJ). 2

"A doutrina da justificação pela fé é como Atlas:


suporta um mundo em seus ombros,
o conhecimento evangélico completo da graça salvadora".1
J. I. Packer

Introdução.
Em 31 de outubro de 1999, representantes da Lutheran World Federation
(LWF) e do Vaticano,3 depois de mais de 30 anos de diálogo teológico, se reuniram
2

para a assinar a Declaração Conjunta sobre a Doutrina da Justificação (DCDJ). Este


documento foi elogiado por ambos os lados,4 e acelerou ainda mais o aguardado e longo
acordo sobre a doutrina da Justificação entre luteranos e católicos romanos. A DCDJ
não se propõe desenvolver um acordo completo, o próprio documento simplesmente
alegou ser “...um consenso em verdades básicas da doutrina da Justificação” e traçar
um entendimento comum de “Justificação”.5
O objetivo da DCDJ é mostra que ambas as igrejas “... estão agora em
condições de articular uma compreensão comum de nossa justificação pela graça de
Deus na fé em Cristo...” E que por essa razão ““... os desdobramentos distintos ainda
existentes não constituem mais motivo de condenações doutrinais. Nessa linha o
Cardeal Cassidy afirmou que a DCDJ ajuda equilibrar a questão da justificação, pois

1
PACKER apud MACARTHUR, John; SPROUL, R. C.; GERSTNER, John; ARMSTRONG, John
H. Justificação pela fé somente: a marca da vitalidade espiritual da Igreja. São Paulo: Cultura Cristã,
[1995?]. p. 24, 25.

2
A LWF é uma organização de 128 corpos igreja luterana em 70 países, representando cerca de 59,5
milhões do mundo 63100000 luteranos. Todavia, muitas Igrejas Luteranas, bem como vários Sínodos e
vários outros organismos da Igreja Luterana em todo o mundo não são membros da LWF. Cf.
WILKEN, Todd. The Blueprint for the Gospel? Disponível em:
http://www.mtio.com/articles/aissar59.htm#2 Acessado em 24 de maio de 2010.

3
O Vaticano foi representado pelo Conselho Pontifício para a Promoção da Unidade dos Cristãos,
presidido pelo Cardial Edward Idris.

4
Estes elogios não foram unanimes. Vários líderes católicos e luteranos se manifestaram contra o
documento. Segue uma citação que revela a real crença dos católicos mais tradicionais. Dom Donald J.
Sanborn diz que é impossível conciliar as explicações, Luterana da doutrina da justificação, contida
na Declaração Conjunta, com a doutrina católica, definida pelo Conselho de Trento. Portanto deve-se
considerar a declaração conjunta um documento herético, e, consequentemente, considerar todos aqueles
que aderem a ele para ser hereges, pelo menos objetivamente. Cf. SANBORN, Donald J. Critical
Analysis of the Joint Declaration on the Doctrine of Justification. Disponível em:
http://www.traditionalmass.org/articles/article.php?id=31&catname=15 Acessado em 24 de maio de
2010.

5
Cf. A Federação Luterana Mundial e a Igreja Católica, A Declaração Conjunta sobre a Doutrina da
Justificação, § 5

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não coloca muita ênfase nem sobre o divino, nem o ser humano, mas ao mesmo tempo
encontrar uma maneira de trazer estes juntos essas duas verdades juntas. 6
Avaliação crítica.
Ao analisarmos criticamente a DCDJ vemos que sua tentativa de convergir fé
“protestante” com a fé católica, se esbarra na larga divergência que há entre os
pressupostos de ambas. Há um abismo muito grande entre ambas de maneira que
nenhuma ponte terá sustentação necessária para ligá-las. MaCarthur tem razão quando
diz que:
“A diferença entre Roma e os reformadores não está em teimas sob
minuciosidades teológicas. Um entendimento correto sobre a justificação pela fé
constitui o fundamento do evangelho. Não é possível errar nesse ponto sem
corromper junto todas as outras doutrinas. E é bem por isso que todo "outro
evangelho" está sob maldição eterna de Deus”.7
Esta breve análise, a luz das Escrituras e da fé Reformada, tem como objetivo
examinar e refutar alguns dos pontos da DCDJ. Não temos o objetivo de esgotar o
assunto, pois mesmo é amplo e complexo, mas procuraremos responder algumas
questões julgadas relevantes como se segue.
Declaração não é tão conjunta. Essa declaração conjunta como qualquer outra
ação ecumênica busca uma união no que é “essencial”. Todavia, ela passa a largo, em
questões que são essenciais a fé bíblica sadia. Ela deixa de lado verdades cridas pela
igreja católica como: purgatório, indulgências, devoção mariana, participação dos santos
na salvação, e a possibilidade de salvação para aqueles que não foram evangelizados.
Questões estas intimamente ligadas a justificação pela fé e logo a soteriologia. 8 Além
disso, é uma união em questões que parecem ser próximas apenas olhadas de longe, mas
quando são observadas atentamente com os óculos das Escrituras torna-se como preto
no branco. Como veremos a frente.
Meias verdades podem ser grandes mentiras. Na DCDJ é possível perceber
também um jogo de termos, que levam a grandes verdades, mas que por estarem
polarizadas tornam-se apenas meias verdades, e logo, grandes mentiras. A fórmula “fé
somente” é atribuída ao lado Luterana, mas nunca é concedido pelo lado católico

6
Entrevista de rádio com o Bispo H. George Anderson, Problemas concedida em 30 de novembro de
1999. Apud Cf. WILKEN, Todd. The Blueprint for the Gospel? Artigo disponível em:
http://www.mtio.com/articles/aissar59.htm#2 Acessado em 24 de maio de 2010.

7
MACARTHUR, John; SPROUL, R. C.; GERSTNER, John; ARMSTRONG, John H. Justificação pela
fé somente: a marca da vitalidade espiritual da Igreja. São Paulo: Cultura Cristã, [1995?]. p. 24, 25.

8
Sobre esse assunto ver: Concordia Theological Quarterly 62 (April 1998): 94. Apud PREUS, Daniel.
Luther and the Mass: Justification and the Joint Declaration. Artigo disponível em:
http://www.mtio.com/articles/bissar92.htm#2 Acessado em: 24 de maio de 2010.

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romano.9 Tanto na prática como na teoria está não é uma verdade católica.10 A palavra
justificação sempre é usada em um sentido ambíguo e nunca é definida biblicamente. A
DCDJ usar o substantivo “justificação” e evitar cuidadosamente (ou até mesmo
sutilmente) o verbo “justificar” e assim oculta à bíblica ideia de “justiça imputada”. Na
maioria das vezes afirma que somos justificados “na fé”11 ao invés de “pela fé” ou “por
meio a fé”, que são expressões mais fiéis ao ensino bíblico reformado da
instrumentalidade da fé.12 Isso é mais do que apenas uma escolha de palavra, pois ser
justificado “na fé” ou “em fé” pode simplesmente significar que ao fim somos
considerados justos por estarmos na fé, o que pode ser definida pelas virtudes colocadas
pela igreja e não pela Escritura.
No tópico Justificação como perdão de pecados e ato de tornar justo se ler:
“...Quando o ser humano tem parte em Cristo na fé, Deus não lhe imputa seu
pecado e, pelo Espírito Santo, opera nele um amor ativo. Ambos os aspectos da
ação graciosa de Deus não devem ser separados. Eles estão correlacionados de
tal maneira que o ser humano, na fé, é unido com Cristo que em sua pessoa é
nossa justiça. ...tanto o perdão dos pecados quanto a presença santificadora de
Deus.13 (destaque meu).
Segundo Bennett esta é uma mistura complicada da doutrina da justificação e
santificação,14 e não meramente um problema de semântica. Justificação na Escritura
sempre significa justiça inerente (isto é, “sendo feitos justos”). A justificação do crente
não é baseada em um único pingo de qualquer coisa nele: ela é baseada inteiramente na
sua posição em Cristo. Este é o cerne da questão no DCDJ, divide a obra salvífica de

9
Federação Luterana Mundial e a Igreja Católica, A Declaração Conjunta sobre a Doutrina da
Justificação, § 5,15-17, 25, 26.

10
Cf. Anexo à declaração conjunta sobre a doutrina da justificação. Disponível em:
http://www.vatican.va/roman_curia/pontifical_councils/chrstuni/documents/rc_pc_chrstuni_doc_3110199
9_cath-luth-annex_po.html Acessado em 24 maio de 2010

11
Cf. A Federação Luterana Mundial e a Igreja Católica, A Declaração Conjunta sobre a Doutrina da
Justificação, § 5, 9, 16, 17, 26, 31

12
Ver: O lugar da fe e da obediência na justificação: um apanhado histórico das discussões
reformadas do século XVII Campos-Junior, Heber Carlos de [Fides reformata, Brasil, 2008 V13 N1 P.
53-69]
13
Cf. A Federação Luterana Mundial e a Igreja Católica, A Declaração Conjunta sobre a Doutrina da
Justificação, § 22

14
Ver também: HOEKEMA, Anthony A.; MARTINS, Wandeslau Gomes ; Trad. Salvos pela graça: a
doutrina bíblica de salvação. 2. ed. revisada São Paulo: Cultura Cristã, 2002. 155 - 189.

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Cristo com a ação pecadora do homem, ou em alguns casos caminha pelo caminho de
toda carne, sem acrescenta nada à pura e perfeita justiça de Cristo.15
Verdades antigas com roupagens novas. No tópico “A pessoa justificada como
pecadora” se ler: “Confessamos juntos que no batismo o Espírito Santo une a pessoa
com Cristo, a justifica e realmente a renova.” 16 Este não é outro senão o ensino
resgatado do Concílio de Trento17, a saber: “Se qualquer pessoa disser que pela fé
somente o pecador é justificado, com o sentido de que nada mais seja requerido para
cooperar a fim de obter a graça da justificação... que ele seja anátema”.18 A verdade
bíblica, porém, é que o crente a fé não pode ser baseado em quaisquer obras físicas do
homem, pois até mesmo a verdadeira fé é trabalho de Deus. Qualquer mensagem que
deixe de testemunhar a graça do Senhor e Sua obra completa é pregação de outro
evangelho. A justificação pela fé somente é e sempre foi o único caminho da salvação.
Calvino sobre a ideia de justificação pela fé somente diz:
Como é possível que com obras o que é gracioso se enquadre? Além disso, com
que astúcias descartam o que Paulo diz em outro lugar [Rm 1.17]: que a justiça
de Deus se manifesta no evangelho? Se a justiça se manifesta no evangelho,
certamente que ela não é mutilada, nem pela metade; ao contrário, aí ela é plena
e absoluta. Portanto, a lei não tem lugar nessa justiça, nem prevalecem com seu
subterfúgio, não só falso, mas até nitidamente ridículo, no tocante à partícula de
exclusividade – somente.19

Conclusão:

Ninguém tem prazer em discórdia. Mas em nome de um acordo não podemos


nos render a meias verdades, polarizadas e distorcidas. A Igreja de Cristo se quiser
manter o evangelho de Cristo de forma correta e fiel, ela não pode dar ao luxo de

15
Cf. Bennett, Richard M. The Roman Catholic-Lutheran “Joint Declaration on the Doctrine of
Justification”: A Denial of the Gospel and the. Disponível em: http://www.the-
highway.com/Joint_Declaration.html Acessado em 24 de maio de 2010

16
Cf. A Federação Luterana Mundial e a Igreja Católica, A Declaração Conjunta sobre a Doutrina da
Justificação, § 28.

17
Ver: MACARTHUR, John; SPROUL, R. C.; GERSTNER, John; ARMSTRONG, John H. Justificação
pela fé somente: a marca da vitalidade espiritual da Igreja. São Paulo: Cultura Cristã, [1995?]. p. 11 – 26.

Ver também: Bennett, Richard M. The Roman Catholic-Lutheran “Joint Declaration on the Doctrine
of Justification”: A Denial of the Gospel and the. Disponível em: http://www.the-
highway.com/Joint_Declaration.html Acessado em 24 de maio de 2010

18
Trento, seção 6, cânone 9.

19
CALVINO, João. As Institutas, Trad. W. C. Luz (são Paulo: Cultura Crista, 1989) II, XI, §19

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ignorar as diferenças reais na doutrina, especialmente quando essas diferenças interferir


tão diretamente sobre o próprio evangelho. Os ensinos da ICAR e dos Protestantes
representam dois distintos pressupostos soteriológicos, e apesar de ser defendido na
DCDJ, não são menores em nossos dias do que foram nos dias de Lutero.20
Precisamos também resgatar as verdades da reforma que têm sido esquecidas
com o passar dos anos. O caminho a fazermos é o caminho do retorno. O D. Martin
Lloyd-Jones, comentando sobre a Reforma Protestante, diz que: “A maior lição que a
Reforma tem a nos ensinar é, justamente, o segredo do sucesso na esfera da igreja e
das coisas do Espírito Santo, é olhar para traz”. Lutero e Calvino, diz ele: “foram
descobrindo que estiveram redescobrindo o que Agostinho já tinha descoberto e que
eles tinham esquecido”.21 Não é inovação doutrinária que precisamos, mas, volta às
velhas doutrinas esquecidas. Não é fuga da Palavra, mas volta à Palavra. Não é retorno
ao antropocentrismo, mas volta radical ao logocentrismo!
Finalmente não podemos nos esquecer de que qualquer ecumenismo com a
Igreja Católica Romana será unilateral. Na visão ICAR a conversão deve se dar no lado
oposto. Isso fica claro no que ela entende ser “verdadeiro papel desempenhado pela
Igreja Católica no ecumenismo” presente no famoso documento “Dominus Iesus”
publicado sob a permissão e o aval de João Paulo II, pelo cardeal Joseph Ratzinger,
presidente da Congregação para a Doutrina da Fé, o ex-“Santo Ofício da Inquisição” e
atual papa, onde se ler:
“Os fiéis são obrigados a professar que existe uma continuidade histórica -
radicada na sucessão apostólica - entre a Igreja fundada por Cristo e a Igreja
Católica: „Esta é a única Igreja de Cristo’ [...] que o nosso Salvador, depois da
sua ressurreição, confiou a Pedro para apascentar (cf. Jo 21,17), encarregando-o
a Ele e aos demais Apóstolos de a difundirem e de a governarem (cf. Mt
28,18ss.); levantando-a para sempre como coluna e esteio da verdade...’”22
(destaque nosso).
Dizer sim ao ecumenismo é dizer não aos esforços dos reformadores em
abandonar o paganismo do qual a Igreja de Roma estava impregnada. Dizer sim ao
ecumenismo é renegar e os escritos dos pré-reformadores e dos reformadores, os quais
foram assinados com os seus próprios sangues. Por isso, dizer sim a DCDJ é dizer não a
justificação pela fé somente. Dizer sim a DCDJ é estar contra não apenas a Lutero, mas
20
Ver interessante análise das diferenças teológicas e litúrgicas entre a igreja Luterana e Católica,
principalmente sobre a missa em: PREUS, Daniel. Luther and the Mass: Justification and the Joint
Declaration. Artigo disponível em: http://www.mtio.com/articles/bissar92.htm#2 Acessado em: 24 de
maio de 2010

21
Apud NETO, F. Solano Portela. A Mensagem da Reforma para os Dias de Hoje. In: MATOS, Alderi
Souza de; LOPES, Augustus Nicodemos. Fides Reformata. v.2, n.2. jul/dez, 1997. p.29.
22
CONGREGACIÓN PARA LA DOCTRINA DE LA FE. Declaración Dominus Iesus sobre la
unicidad y la universalidad salvífica de Jesucristo y de la iglesia. Disponível em:
http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/rc_con_cfaith_doc_20000806_domi
nus-iesus_sp.html Acessado em: 25 de maio de 2010.

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também aos Apóstolos e ao próprio Cristo, pois como diz MaCarthur, muito antes de
Lutero Jesus já defendia a Justificação pela fé somente.23

23
Ver: MACARTHUR, John; SPROUL, R. C.; GERSTNER, John; ARMSTRONG, John H. Justificação
pela fé somente: a marca da vitalidade espiritual da Igreja. São Paulo: Cultura Cristã, [1995?]. p. 11 – 26.

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