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FACULDADE EVANGÉLICA DO PARANÁ

Disciplina: Espiritualidade e
Desenvolvimento Pessoal

Professor: Ocir de Paula Andreata

2010/1

ESPIRITUALIDADE E DESENVOLVIMENTO PESSOAL

Prof. Ms. Ocir de Paula Andreata

Falarmos de espiritualidade e desenvolvimento pessoal é, acima de tudo, falar do


homem, de sua formação e constituição, enquanto ser humano, e do exercício de sua
subjetividade e interioridade, como atividade de sua consciência e inconsciência.
Neste sentido, a proposição inicial que fazemos é que todo encontro com o ser
divino, Deus, é, essencialmente, também um encontro do homem consigo mesmo. E,
nesta condição, espiritualidade é, então, exercício de interioridade, por meio de toda
forma de manifestação da fé, esta compreendida como ação da subjetividade humana,
em acordo com a configuração mental própria que cada pessoa possui de si e do mundo,
como um fenômeno pertinente unicamente à alma humana. Por isso mesmo,
espiritualidade como desenvolvimento pessoal de interioridade.

Mas quem é o ser humano? Como compreendê-lo em sua


multiplicidade de aspectos? Como entender a espiritualidade dentro da
complexidade de fatores do desenvolvimento pessoal e da existência
humana? Estes são pontos que queremos estudar com você neste módulo
do Curso de Teologia. Bem-vindo, então! Assim sendo, por favor, antes
de continuar sua leitura reflita sobre estas questões.

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OBJETIVO GERAL

Este trabalho tem o propósito de refletir sobre o ser humano e o seu


desenvolvimento, sob os aspectos existencial, pessoal, interpessoal e espiritual.

METODOLOGIA

Partiremos de uma reflexão filosófica sobre aquilo que veio tornar-se


emergência do humano – sua consciência existencial. Dentro deste tópico tentaremos
enfocar o homem como um animal sócio-histórico, isto é, um ser que, compartilhando
sua natureza orgânica com a ancestralidade animal, evolui na sua consciência através da
história cultural da própria humanidade. Dentro desta abordagem existencial, pensamos
o homem também como um ser espiritual por sua própria natureza.
Noutro tópico buscaremos reunir dados sobre vários aspectos do
desenvolvimento humano, tanto do ponto de vista biológico, quanto psicológico e social

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que se verifica no seu comportamento, na sua configuração mental, nas interações de
mente e corpo, e nas relações sociais e interpessoais.
Finalmente voltamos para o enfoque religioso, apenas a título de abertura ao tema, no
sentido de comunhão, serviço e liderança espiritual cristã. Finalmente, destacamos
ainda que o grande objetivo norteador do texto é uma visão do desenvolvimento como
processo que leve à maturidade do ser.

CAPÍTULO 1 . DESENVOLVIMENTO EXISTENCIAL

QUEM É O HOMEM?

Por favor, pare um momento e, antes que a provocação da


pergunta o impulsione a ler, tente descobrir, por meio da
pura reflexão, tudo o que você consegue relacionar sobre a
questão.

Ao refletirmos sobre esta questão, necessariamente começamos por considerar a


pessoa humana como ser “natural”, enquanto possuidor de uma forma biológica,
orgânica, que se mostra em seu aspecto corporal, constituído de substâncias presentes na
natureza viva, no que participa com as demais espécies.
Mas o homem também é um ser social, porque produto do meio ambiente em
que vive. E é na interação de sua potencialidade inata, que traz ao nascer, com os
estímulos recebidos do meio, que se dá seu desenvolvimento físico e mental.
Neste desenvolvimento se constrói a corporeidade, em seus aspectos anatômicos
e fisiológicos, psicomotor, sensações dos sentidos, etc, bem como a estrutura da
configuração mental, em termos de percepção, memória, inteligência, etc.

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Todavia, da interação do próprio complexo fenômeno mente-corpo nasce a
consciência, que propriamente nos torna um “ser” e é o que nos distingue dos demais
animais, com os quais compartilhamos a mesma estrutura orgânica.
Logo, precisamos admitir também que o homem só se torna “ser humano” como
resultado de suas interações sócio-históricas, como ser histórico que é, tanto em nível
individual e familiar, como em termos de milênios de vivências e acúmulo de
produtividade intelectual, social e cultural, como produto da própria história da
humanidade. Nisto, o status de humano se dá na medida do desenvolvimento da
consciência, como sujeito de si e agente histórico do mundo.
Assim, já teríamos alcançado a tradicional resposta da psicologia à questão
levantada: o homem é um ser “biopsicossocial”. Mas, necessariamente aqui, queremos
adicionar o elemento-chave da disciplina: o humano é também um ser espiritual,
porquanto é um ser que tem consciência e se dá conta de sua existência, tanto como
“ser-no-mundo”, quanto ser que busca uma “cosmologia”, colocar-se em harmonia com
o espaço infinito. E é nessa consciência, quando faz interioridade, que manifesta sua fé
e busca desenvolver espiritualidade, que responda tanto à sua angústia ante a finitude,
como ao anseio de perenidade de sua alma. Logo, é um ser “biopsicossócioespiritual”.

1.1. O homem como animal sócio-histórico:

Ao ler a recomendação do comentário adicionado à questão inicial, você, agora,


percebe que, de acordo com Bock, Furtado & Teixeira (1993, p.170), o “homem
aprende a ser homem”, exatamente pelo seu desenvolvimento sócio-histórico, ao que o
determinismo biológico genético lhe dá suporte. O homem pertence a uma espécie
animal – homo sapiens. Mas é na constituição sócio-histórica que aprende o significado
de si e o sentido da vida, através da aquisição da linguagem, da capacidade de
simbolização e de aprendizagem, com que desenvolve sua racionalidade.
As condições biológicas permitem ao homem apropriar-se da cultura e formar as
capacidades humanas, através da estruturação das funções psíquicas. O homem possui a
aptidão inata de formar outras aptidões. Tais aptidões se formarão a partir de seu
contato com o mundo dos objetos e com fenômenos da realidade objetiva, resultado da

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experiência sócio-histórica da humanidade. É o mundo da ciência, da arte, dos
instrumentos, da tecnologia, dos conceitos e das idéias (idem, p.171).
Os instrumentos humanos levam em si as características da criação humana.
Até mesmo o domínio da linguagem é processo de apropriação das significações e
operações fonéticas da língua falada no ethos cultural do povo a que pertença. Assim, a
assimilação, pelo homem, de sua cultura é um processo de reprodução no indivíduo das
propriedades e aptidões historicamente formadas pela espécie humana, dentro das
particularidades e especificidades próprias de cada cultura. Então, o que caracteriza o
humano é que o homem trabalha, utiliza instrumentos, transforma a natureza, enquanto
se transforma a si mesmo, ao acumular saber e produção de cultura.

Que tal aprofundar sua leitura? Por favor, faça uma reflexão
sobre este tópico. Assim, aconselhamos a leitura de artigo na
Revista Discutindo Filosofia, Ano 2 – nº7 – 2007, que apresenta
a análise da filósofa Hannah Arendt, sobre a transformação
humana na cultura do ethos desde os gregos, apresentada no
artigo A Causa de Nossa Ação, de TELES, Edson L. de
Almeida, p.34-41.

Mas o homem também cria e utiliza a linguagem. Para o psicólogo Aléxis


Leontiev (1978, Apud, BOCK, p.257), a linguagem é o elemento concreto que permite
ao homem ter consciência das coisas. Porém, em termos de desenvolvimento sócio-
histórico; considerando-se a teoria evolucionista de Darwin, o homem passou por etapas
antecedentes, desde as expressões de sons e sinais de seus ancestrais antropóides.
Primeiro, aprendendo a andar e usar instrumentos com as mãos, até conviver em grupo,
que o abrigou a aprender a comunicar-se. Finalmente, ao desenvolver vida coletiva, pela
necessidade de organizar-se socialmente, alcançou o ápice de seu processo evolutivo,
como “sapiens”, ao desenvolver a refinada linguagem alfabética, com a qual passou
estabelecer normas e leis, conjugando o poder e política.

Por favor, responda: Como se dá a assimilação pelo homem de


sua cultura?

Ao desenvolver a linguagem, o homem também potencia sua consciência e passa


a compreender o mundo ao seu redor. Ao perceber algo no mundo ao seu redor, o

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homem busca refletir esse objeto da realidade concreta, em forma de imagem para sua
compreensão, como realidade interior, mental ou psíquica. A partir daí se dá a
racionalidade e o processo de aprendizagem e compreensão do mundo.
Finalmente, o homem percebe-se como ser pensante, isto é, que possui uma
racionalidade. O homem descobre em si a razão, que é sua capacidade inata de
raciocinar, associando os objetos e fatos apreendidos, com a semântica das palavras da
linguagem absorvida, sob o influxo de pensamentos com uma lógica de organização e
categorização, que possibilitam a reflexão e a compreensão.
Além desta capacidade de compreender o mundo ao seu redor, o homem
descobre-se também capaz de refletir sobre si mesmo. Assim, torna-se um produtor de
conhecimentos da natureza, através da filosofia, o ato de pensar (filosofar), como
também autoconhecimento. Através deste autoconhecimento, o homem buscou tornar-se
conscientemente produtor de sua própria subjetividade e a bem orientar sua própria
conduta, através de sistemas de ética, porque é também um ser moral. Como ser moral,
através das relações interpessoais e sociais, o homem cria um “caráter” próprio em si.

1.2. O homem como ser-no-mundo

A consciência faz toda a diferença no ser humano? Por favor reflita!

O fenômeno da consciência ainda hoje é um desafio à compreensão humana,


pois intermedeia uma fronteira misteriosa entre o universo do interior humano e o
universo exterior, tanto na concretude da natureza terrena como na realidade do infinito
que o rodeia.
A filosofia da fenomenologia e a ciência da psicologia têm buscado
compreender a consciência e os processos que dela decorrem, como a sensação, a
percepção, a inteligência e a apreensão das coisas, a partir do momento de seu contato
com o mundo, no aqui-agora, até a formação dos esquemas e configurações mentais.
Encontramo-nos, em cada momento da vida, em nossa experiência cotidiana,
tendo com ela uma familiaridade imediata e pré-reflexiva que não provém daquilo que a
ciência nos ensina. É a partir e dentro dessa vivência diária que desenvolvemos todas as

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nossas atividades, incluindo as cientificas, e que determinamos nossos objetivos e
ideais. A experiência cotidiana imediata é o cenário dentro do qual decorre a nossa vida.
Nos acontecimentos da vida diária podemos evidenciar quanto estamos
implicados no mundo, pela aflição que sentimos quando, por exemplo, simplesmente
escorregamos e caímos; ficamos desapontados e confusos, pois, ao perder o chão no
qual nos apoiamos, sentimo-nos, por instantes, como se perdêssemos o próprio mundo
e, simultaneamente, a nós mesmos. Isto pode acontecer, também, quando seguimos por
uma estrada pouco conhecida e, de repente, ficamos sem saber onde nos encontramos.
Para sabermos quem somos precisamos, de certo modo, saber onde estamos, pois a
identidade de cada um está implicada nos acontecimentos que vivenciamos no mundo.
Precisamos do mundo para saber onde estamos e quem somos. Nas aflições
decorrentes de nossas momentâneas duvidas a esse respeito, respiramos fundo para
aliviá-las, procurando, intuitivamente, encontrar no ar que penetra em nossas narinas um
alento para nos reanimar e nos esclarecer. Estas ações simples e espontâneas são
tentativas para recuperar o nosso inerente ser no mundo, pois, “a essência do homem
está em ser relativamente a algo ou alguém” (Heidegger, 1972, p.54).
A fenomenologia da existência é a abordagem principal da escola de filosofia
chamada “fenomenologia”, fundada por Edmund Husserl (1859-1938), e que muito
influenciou a psicologia nascente, principalmente a Psicologia da Gestalt, como também
deu origem a vários outros segmentos de filosofia, como o “existencialismo”, que fez
cultura no século XX.
Husserl propôs uma nova filosofia, com nova concepção da vida, através da
“consciência do processo da vivência”, e também um novo método científico – o
método fenomenológico, que pressupõe abandonarmos temporariamente todos os
conceitos e juízos (époche), a respeito de algo que queremos investigar, e entrar em
contato direto com o fenômeno, a que ele chama de “retorno às próprias coisas”, para, a
partir daí, descrever todos os aspectos “vividos” do fenômeno investigado, tanto os
fatos observados quanto os aspectos percebidos pela subjetividade interior da
consciência do pesquisador, que se misturou ao objeto pesquisado.

Lembre-se:

O “fato da consciência imediata” e os aspectos como ela se dá e se processa


são os interesses da fenomenologia; daí seu método de pesquisa objetivar
coletar e descrever a essência do que é “vivido”.
A “époche” é um termo grego, usado na filosofia, principalmente pela Escola
Cética e, posteriormente, também pelo Estoicismo, que quer dizer “suspensão
do juízo”, no sentido de não julgar, não dar uma significação definitiva às
coisas que são objeto de investigação, pesquisa e conhecimento, porque não se
pode ter ainda certezas a respeito da totalidade dos aspectos de ocorrência do
fenômeno investigado.

Neste sentido, para Husserl, a “essência” da existência da vida do sujeito é o


fenômeno principal com que nos devemos nos ocupar em investigar e conhecer; a que
objetos sua consciência se liga em “intencionalidade”; o que e como ele percebe, em
cada momento de sua percepção; e, finalmente, que “representação mental” faz o sujeito
daquilo com que vivencia, capaz de produzir a “subjetividade” de compreensão das
coisas, pela qual se torna um “ser-no-mundo” com sentido de vida.

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Atenção: Estes são alguns dos conceitos fundamentais da Filosofia da Fenomenologia,
proposta por Husserl e desenvolvida por discípulos seus, como Heidegger, Merleau-
Ponty, Sarte, e outros.

Por gentileza responda: Husserl propôs uma nova filosofia, diga qual é essa nova
filosofia.

Moreira (2004, p.83-91), ao abordar o método fenomenológico na pesquisa


científica, apresenta uma síntese da concepção fenomenológica do “mundo das coisas” e
da vida do “ser-no-mundo”. Assim, o ser humano que quer compreender o sentido da
vida no mundo deve, contínua e rigorosamente, buscar conhecer a “essência” das coisas,
pelo próprio contato direto com os objetos, fatos e eventos de sua existência, de forma
objetiva, pois vive no “mundo das coisas”; por isso o conhecimento mais eficiente que
faz de si e do mundo deve advir de um “retorno às coisas mesmas”.

Método fenomelógico: Pensamos que esta abordagem da existência do sujeito no


mundo é um começo necessário para uma moderna reflexão teológica sobre o lugar da
espiritualidade, como fator primordial no desenvolvimento pessoal e caminho para
uma busca de sentido para a vida, enquanto realização do ser-no-mundo.

O conceito de “intencionalidade” diz respeito à característica da consciência


humana de ser sempre uma consciência dirigida para algo ou para algum objeto. Logo, a
máxima proposição da fenomenologia é que “toda consciência é sempre consciência de
algo”. A consciência não é substância, mas atividade constante, constituída por atos
(percepção, imaginação, volição, paixão, etc), que nos ligam e nos posicionam em
relação às coisas vividas no fluxo da existência do mundo. A “intencionalidade” é o
fenômeno da mente humana pelo qual se dá a produção de nossa subjetividade, e é
também o canal pelo qual entendemos os aspectos “imanentes e transcendentes” das
coisas. O aspecto “imanente” é o que é dado pela percepção objetiva, concreta, das
coisas, através dos sentidos (sensação); é a forma como vemos (percebemos) os objetos.

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O “transcendente” é o aspecto total das coisas percebidas, isto é, é a “idéia” que delas
fazemos em, nossa configuração mental.

Por favor, reflita e conceitue “intencionalidade”.

O retorno à essência das coisas já tinha sido a proposta original de Sócrates


(469-399 aC), ao fazer a Filosofia voltar-se para o próprio interior do sujeito e, da
própria razão, tirar os instrumentais para encontrar a essência das coisas e da vida.
Também, de certa forma, foi a preocupação de René Descartes (1596-1650), quando,
através da “dúvida metódica ou sistemática”, recusou os conhecimentos transferidos
pela tradição cultural, principalmente as imposições das interpretações religiosas, para
alcançar por si a verdade essencial das coisas.
Forghieri (1993, p.26-55), ao apresentar a sua Psicologia Fenomenológica, faz
boa síntese da psicologia da existência segundo a visão filosófica da fenomenologia.
Assim, destaca seus principais pontos: a) o retorno às coisas mesmas e à
intencionalidade, isto é, retornar ao ponto de partida; b) a redução fenomenológica e a
intuição das essências, isto é, o recurso de rejeitar tudo aquilo que não é verificado
(aspecto negativo) e o apelo para a intuição originária do fenômeno, na imediatez da
vivencia (aspecto positivo); c) a reflexão fenomenológica, isto é, o mundo da vida e a
intersubjetividade, o eu vive no mundo, mas não se encontra delimitado aquilo que
vivencia no momento atual, pois pode, também, dirigir seu pensamento para o que já
vivenciou anteriormente, assim como para as prospecções que faz em relação a coisas
que tem a expectativa de vir a vivenciar.

O texto de Yolanda Cintrão Forghieri, Psicologia Fenomenológica: fundamentos,


método e pesquisas, SP, pioneira, 1993, apresenta o desenvolvimento da
personalidade, do ponto de vista da existência do sujeito, sintetizando de forma
apreensível a difícil, porém rica, concepção filosófica da fenomenologia.

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