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1 Introdução
Entretanto, há uma maior ênfase, no estudo em questão, no que tange à natureza das
decisões dessas Cortes de Contas bem como se é possível ou não apreciação do Poder
Judiciário após decisão proferida pelo TCU, uma vez que este exerce com independência e
autonomia suas funções. De toda sorte, autores como Jorge Ulisses acreditam que a
possível interferência do Judiciário acarretaria em uma maior contradição frente a tais
critérios supra mencionados.
Em suma, aqui se busca analisar as decisões destas Cortes de Contas, com alusão às
correntes doutrinárias que defendem um TCU possuidor de jurisdição, contrapondo-as,
entretanto, com o pensamento daqueles que argumentam que tais Cortes se manifestam por
intermédio de atos administrativos, não fazendo, portanto, coisa julgada e tampouco são
possuidoras de jurisdição.
É relevante lembrar que, não obstante a discordância no que se refere à presença ou não de
jurisdição nas decisões proferidas pelo TCU, ambas as correntes acreditam em uma Corte
capaz de conferir uma melhoria para o Direito nacional, seja por intermédio de um maior
controle das contas públicas, seja por meio da segurança jurídica por ela proporcionada.
O poder político, por ser uno, é indivisível1, mas a cultura da humanidade, desde Aristóteles,
vislumbra na ação do Estado a presença de várias funções, as quais devem ser limitadas
quanto ao seu alcance e conteúdo.
A ação do controle deve evoluir, a partir da estruturação científica inicialmente concebida por
Montesquieu, para uma visão mais próxima da realidade atual do Estado e da sociedade,
aproveitando a experiência histórica acumulada, suas deficiências e acertos.
Em segundo, que o controle deve ser reconhecido como uma atividade acessória do Estado,
mas não menos importante. Em percuciente estudo sobre o controle da Administração
Pública, Odete Medauar, citando Berti e Tumiati, destaca que “na acepção lógico-filosófica, o
termo controle designa aspecto do agir humano necessariamente secundário e acessório,
porque destinado a rever, reexaminar ou confrontar uma atividade de caráter primário ou
principal”. 2 Esse enfoque coloca a função do controle na sua verdadeira dimensão
institucional: por não ser um fim em si mesmo, busca acrescentar algo às atividades ditas
principais e à própria sociedade.
Essa concepção, como facilmente se percebe, só pode permear num país que adote regime
democrático.
Controle, como função do Estado, exige, assim como o regime democrático, um grau de
desenvolvimento da sociedade e dos agentes da Administração para alcançar seu escopo,
evoluindo de modo permanente, como num ciclo de realimentação constante: democracia
– controle – democracia. Foi sensível a essa questão a Organização das Nações Unidas,
1
MELLO FILHO, José Celso de. Constituição Federal anotada. São Paulo: Saraiva, 1984. p. 20.
2
MEDAUAR, Odete. Controle da administração pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. p. 17.
Se é o povo que mantém o Estado e, por meio dos seus legítimos representantes, define a
aplicação dos recursos públicos, nada mais adequado do que lhe atribuir a titularidade do
controle externo da Administração Pública. Salienta Manoel Gonçalves Ferreira Filho que por
tradição que data do medievo, compete autorizar a cobrança de tributos, consentir nos
gastos públicos bem como tomar conta dos que usam do patrimônio geral. Na verdade, o
poder financeiro das câmaras é historicamente anterior ao exercício, por elas, da função
legislativa.4
A propósito, no ideário da Revolução Francesa que, mais pelo seu simbolismo do que pela
sua concretização, iluminou o mundo, fizeram os revolucionários estabelecer, na Declaração
dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789, que “a sociedade tem o direito de pedir
conta a todo agente público de sua administração”. 5
Não há que se negar que o encargo de controlar a função administrativa do Estado, ante os
explícitos dizeres constitucionais, assiste ao Poder Legislativo. Entretanto, também não há que se
negar que a esse Poder acode, sobretudo, uma função política, a de fazer as opções sobre as
regras fundamentais que irão ditar o destino do País e reger os comportamentos dos indivíduos.
Já a missão de efetuar um apurado controle sobre a legitimidade dos atos administrativos
conducentes à despesa pública é, obviamente, uma missão técnica – técnico-jurídica – e,
portanto, dificilmente poderia ser desempenhada a contento por um corpo legislativo, sem que
contasse com o auxílio de um organismo especializado ao qual incumba esta apreciação técnica,
que irá iluminar a posterior decisão política do Legislativo na apreciação da gestão dos recursos
6
públicos.
3 Breve histórico
3
MONTORO, Franco. Estudos de filosofia do direito. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 228.
4
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 1992. p.
137.
5
Art. 15.
6
O jurista Alfredo Buzaid colocava o Tribunal de Contas como corporação administrativa autônoma.
De toda sorte, tão somente com o declínio do Império e o advento de reformas político-
administrativas ocorridas no Brasil - República, a instituição de um Tribunal de Contas
amplamente se efetivou. Foi por iniciativa do então Ministro da Fazendo Rui Barbosa, que
por meio do Decreto nº 966-4, criou o Tribunal de Contas da União, constituindo-se por
intermédio de características basilares como a autonomia, fiscalização, julgamento e
vigilância.
Rui Barbosa, portanto, foi essencial rumo ao advento de uma Corte de Contas, vez que
exerceu colossal influência para a definitiva concretização e presença deste órgão no corpo
da primeira Constituição republicana brasileira, inscrevendo-o no seu art. 89. Assim,
Um período curioso de sua história ocorreu quando de sua instalação, ao ser mitigado e ter
sua autonomia, até então plena, colocada em xeque. O que desencadeou essa diminuição
quanto a liberdade de pleno exercício de suas atribuições foi haver considerado ilegal a
nomeação, feita pelo Presidente Floriano Peixoto, de um parente do ex-Presidente Deodoro
da Fonseca. Logo, como forma de defesa à decisão do Tribunal, Floriano Peixoto expediu
decretos no sentido de extrair da Corte de Contas a competência, que lhe foi
constitucionalmente conferida, para impugnar despesas consideradas ilegais. Com essa
série de abusos e ofensas principalmente à legalidade constituída, o Ministro da Fazenda
Serzedello Correa, não anuindo com a posição do Presidente, distanciou-se do cargo,
defendendo que:
Esses decretos anulam o Tribunal, o reduzem a simples Ministério da Fazenda, tiram-lhe toda a
independência e autonomia, deturpam os fins da instituição, e permitirão ao Governo a prática de
todos os abusos e vós o sabeis - é preciso antes de tudo legislar para o futuro. Se a função do
Tribunal no espírito da Constituição é apenas a de liquidar as contas e verificar a sua legalidade
depois de feitas, o que eu contesto, eu vos declaro que esse Tribunal é mais um meio de
aumentar o funcionalismo, de avolumar a despesa, sem vantagens para a moralidade da
administração.
Se, porém, ele é um Tribunal de exação como já o queria Alves Branco e como têm a Itália e a
França, precisamos resignarmo-nos a não gastar senão o que for autorizado em lei e gastar
sempre bem, pois para os casos urgentes a lei estabelece o recurso.
7
BRASIL. Tribunal de Contas da União. Disponível em: <www.tcu.gov.br>. Acesso em: 2 out. 2006.
4 Competências
Referido controle, denominado controle externo (visto que cada Poder também deverá
realizar, internamente, a mesma espécie de controle financeiro e orçamentário de seus
próprios atos), será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, conforme
disposto no artigo 71 da Carta Magna. Desta forma, ao dissertar sob o TCU, Manoel
Gonçalves preceitua que:
Sua função geral é a de auxiliar o Congresso Nacional no controle externo que lhe cabe exercer
sobre a atividade financeira e orçamentária da União (art. 71). Para tanto, incumbe-lhe apreciar as
contas do Presidente da República, desempenhar funções de auditoria financeira e orçamentária,
10
bem como julgar as contas dos administradores e responsáveis por bens e valores públicos.
8
BRASIL. Tribunal de Contas da União. Disponível em: <www.tcu.gov.br>. Acesso em: 2 out. 2006.
9
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 32. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p.
158
10
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 32. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p.
158
Além das atribuições previstas na Constituição, várias outras têm sido conferidas ao Tribunal por
meio de leis específicas. Destacam-se entre elas, as atribuições conferidas ao Tribunal pela Lei
de Responsabilidade Fiscal, pela Lei de Licitações e Contratos e, anualmente, pela Lei de
11
Diretrizes Orçamentárias.
Ainda neste tocante, não olvidar a súmula 347 do Supremo Tribunal Federal que afirma
poder o Tribunal de Contas da União, no exercício de suas atribuições, apreciar a
constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público.
No segundo tipo, com vistas à obtenção dos fins estatais que lhes são confiados, os próprios
órgãos da Administração encarregam-se de fazer atuar a vontade concreta da lei, mediante
a prática de uma série de atos com vistas a apurar os fatos, averiguar qual a norma
positivada a ser aplicada e ainda apreciar os aspectos de oportunidade e conveniência.
Culmina com a edição de um ato administrativo.
11
BRASIL. Tribunal de Contas da União. Disponível em: <www.tcu.gov.br>. Acesso em: 2 out. 2006.
12
Processo administrativo pode significar a concatenação de fatos e atos preparatórios de uma decisão final da
Administração que pode possuir diversas naturezas jurídicas, na conformidade do que implicarem seus
dispositivos.
No presente estudo, se tomará como definição do processo administrativo, segundo indicação do item quarto,
que este representa uma série de atos preparatórios de uma decisão final da Administração Pública que vise à
adequação dos fatos a si postos, frente as diretrizes estabelecidas em lei, numa forma de se buscar,como
observância ao princípio da anterioridade e legalidade, pautar os atos da Administração Pública, como um todo,
ao ordenamento jurídico.
13
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 496.
No que se refere à natureza jurídica das decisões proferidas pelo TCU, é importante
esclarecer que há vários estudos que procuram compreendê-las, sendo que uma corrente de
pensamento sustenta a função jurisdicional, enquanto outra restringe as decisões à mera
manifestação de vontade administrativa.
Tudo parece indicar que o ponto nodal da questão repousa na acepção do termo julgamento,
utilizado pela Constituição Federal, para designar a decisão do Tribunal de Contas. Esse
termo mereceu detido exame de juristas pátrios, a iniciar-se pelo Procurador do Ministério
Público junto ao TCU, Leopoldo da Cunha Melo, asserindo que “o Tribunal de Contas não é
simples órgão administrativo, mas exerce uma verdadeira judicatura sobre os exatores, os
que têm em seu poder, sob sua gestão, bens e dinheiros públicos”. 14
De toda sorte, a professora Samantha Meyer, em seus apontamentos de aula, explana que
“o Tribunal de Contas é órgão auxiliar e de orientação do Poder Legislativo, embora a ele
não subordinado, praticando atos de natureza administrativa, concernentes, basicamente
à fiscalização”. 15 (grifo nosso).
Inobstante isso, o art. 71, § 4º, lhe confia o julgamento da regularidade das contas dos
administradores e demais responsáveis por bens ou dinheiros públicos, o que implica investi-lo no
parcial exercício da função judicante. Não bem pelo emprego da palavra julgamento, mas sim
pelo sentido definitivo da manifestação da corte, pois se a regularidade das contas pudesse dar
lugar a nova apreciação pelo Poder Judiciário, o seu pronunciamento resultaria em mero e inútil
formalismo. Sob esse aspecto restrito (o criminal fica à Justiça da União), a Corte de Contas
16
decide conclusivamente. Os órgãos do Poder Judiciário carecem de jurisdição para examiná-lo.
Também Pontes de Miranda sustenta que “a função de julgar as contas está claríssima no
texto constitucional. Não havemos de interpretar que o Tribunal de Contas julgue e outro Juiz
as rejulgue depois. Tratar-se-ia de absurdo bis in idem”. 17
14
Pareceres, 1950, v. 4, p. 118-119, apud FAGUNDES, 1984, p. 144.
15
PFLUG, Samantha Meyer. Apontamentos de aula, p. 21.
16
FAGUNDES, Seabra. O controle dos atos administrativos pelo poder judiciário. 4. ed. Rio de Janeiro:
Forense. p. 142; o texto refere-se a artigos da Constituição de 1946, mas é atual, porque a CF/88 repete a
expressão “julgar” e continua não elencando o Tribunal de Contas entre os órgãos do Poder Judiciário.
17
MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1946. 4. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1963. p. 95. (apud
FAGUNDES, 1984, p. 142).
Essa posição, muito bem se entende, se for considerado que a teoria da separação dos
poderes de Montesquieu jamais foi adotada em seu sentido estrito. O já citado Pontes de
Miranda menciona que “uma coisa é a distinção das funções do Estado em legislativa,
executiva e judiciária e outra a separação absoluta dos poderes segundo tal critério
distintivo”. 18
• Poder Executivo – exerce funções legislativas quando se lhe comente a iniciativa de leis (art.
84, III) ou editar medidas provisórias, com força de lei (art. 84, XXVI), sancionar, promulgar e
vetar leis (art. 84, IV), e também funções judiciais, como comutar penas e conceder indulto (art.
84, XII);
• Poder Legislativo – além das funções legislativas, constitucionalmente lhe foi deferida
competência judiciária para processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República e
outras autoridades (art. 52, I e II) e funções administrativas, como a de dispor sobre sua
organização (art. 51, IV);
2) O Poder Judiciário não tem competência para a ampla revisibilidade dos atos não judiciais
estritos.
Arrimando-se no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, os menos atentos pretendem erigir
o princípio da revisibilidade judicial como norma absoluta. A simples leitura desse dispositivo
demonstra que é vedado a lei excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de
lesão. De fato, a interpretação sistemática dos preceitos constitucionais revela que, em
alguns casos, o próprio estatuto político delineia a competência para outros órgãos
procederem ao julgamento de determinadas questões tal como ocorre com o julgamento do
impeachment e dos Tribunais de Contas, que Seabra Fagundes classifica como exceções ao
monopólio do Poder Judiciário. De outra parte, admitindo-se, ad argumentandum, que a
deliberação das Cortes de Contas fosse mero ato administrativo e não judicante, mesmo
assim não poderia o Poder Judiciário adentrar ao exame de mérito desse ato, ficando restrito
ao exame da legalidade formal. 19
Os efeitos do julgamento – como tal entendida a possibilidade de dizer o direito nos casos
concretos – pelas Cortes de Contas prevaleceriam frente aos órgãos do Poder Judiciário?
Estariam os condenados sujeitos ao cumprimento forçado da decisão das Cortes de Contas?
18
MIRANDA, Pontes de. Os fundamentos atuais do direito constitucional. Rio de Janeiro:
Freitas e Bastos, 1932. p. 319.
19
“Inteiramente livre para examinar a legalidade do ato administrativo, está proibido o Poder Judiciário de entrar
na indagação de mérito, que fica totalmente fora do seu policialmente”. In: Dos Atos Administrativos Especiais,
Cretella Jr., 1. ed., 1995, Rio de Janeiro: Forense, p. 448.
Assim, sem laivo de dúvida, funções das Cortes de Contas se inserem como judicantes, inibindo o
reexame pelo Judiciário. Nesse sentido já pronunciou a Justiça Federal: o TCU só formalmente
não é órgão do Poder Judiciário. Suas decisões transitam em julgado e têm, portanto, natureza
21
prejudicial para o juízo não especializado.
Questão que surge aqui neste ponto refere-se aos Tribunais de Contas, mais precisamente,
qual seria sua figuração ante o modelo de jurisdição una consagrado pela Constituição
Federal. Rodolfo de Camargo Mancuso expressa o seu entendimento, dando uma conotação
de Corte diferenciada às referidas Casas:
Nesse prisma é que se colocam os Tribunais de Contas, que a Constituição Federal reteve como
Cortes diferenciadas, exercentes de uma jurisdição sobremodo especializada, como deflui à
leitura do art. 70 da Constituição Federal. Conquanto as Cortes de Contas não figurem no rol dos
órgãos componentes do Poder Judiciário (CF, art. 92, I a VII), é indisputável que elas exercem
com independência, autonomia e exclusividade o segmento específico da Jurisdição em matéria
de fiscalização ‘contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial’ (art. 70), como órgão
de controle externo, acoplado ao Legislativo (art. 71). A circunstância de suas decisões poderem,
eventualmente, ser objeto de contraste ulterior pelo Poder Judiciário (por exemplo, em ação
popular em que se discuta matéria antes decidida por Tribunal de Contas) não enfraquece o
caráter coercitivo de seus julgamentos, porque, de um lado, aquele contraste advém por outra
razão, a saber, a inafastabilidade do controle jurisdicional (dito princípio da ubiqüidade da Justiça:
CF, art. 5º, XXXV); de outro lado, sendo certo que impende preservar a desejável harmonia entre
as competências constitucionalmente estabelecidas, é forçoso admitir que aquela revisão judicial
não se dá necessariamente, e quando ocorra, não poderá implicar uma singela ‘substituição’ dos
22
critérios adotados pelo juiz de contas, por aqueles que acodem o juiz togado.
20
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1988. p. 109.
21
Apelação Cível 89.01.23993 – 0/MG, DJU 14.09.92, p. 28119, TRF 1ª Região, 3ª Turma, Rel.: Juiz Adhemar
Maciel.
22
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Sobre a execução das decisões proferidas pelos tribunais de contas,
especialmente a legitimação. Revista dos Tribunais - RT, São Paulo, v.86, n. 743, p. 75, 1997.
O autor Bruno Lacerda, se contrapõe, portanto, à idéia acima exposta, ensinando que
segundo disposição constitucional, o sistema judiciário brasileiro utiliza o chamado
monopólio da distribuição da justiça pelo Poder Judiciário, não adotando o sistema que
vigora, por exemplo, em países do chamado sistema continental europeu, onde há um
verdadeiro contencioso administrativo, nos quais é atribuída à Administração, funções
judicantes para processar e julgar determinados conflitos.24
Deste modo, Lacerda explana que nosso sistema utiliza o princípio una lex una jurisdictio,
conforme se depreende da análise das diretrizes constantes do artigo 5º, incisos XXXV,
XXXVI, XXXVII, LIII, LIV e LV, segundo as quais sempre haverá um órgão jurisdicional
competente, imparcial e constituído anteriormente ao fato ensejador da controvérsia, para
dela conhecer, inclusive quanto ao seu mérito, se presentes certos requisitos, chamados
condições da ação e pressupostos processuais, tornando-se imutável a decisão proferida
pelo Judiciário, após o encerramento da instância recursal.25
O fato de haver Justiças Especiais (Eleitoral, Militar, Trabalhista, Juizados Especiais Cíveis e
Criminais), todavia, não se constitui como uma afronta à unitariedade da justiça, uma vez
que todas são parte de um todo, apenas subdividido em razão de política judiciária, ou
ainda, em razão de se darem tratamentos desiguais para situações desiguais (casos de
prerrogativa de foro, matéria etc.).
Deixando-se de lado o critério técnico correto do que seria jurisdição e partindo-se para a
análise da função jurisdicional num sentido amplo, poder-se-ia acatar a idéia de que os
Tribunais de Contas teriam, digamos assim, uma “jurisdição material”, haja vista que
exercem algumas funções típicas, pois uma das suas atribuições é o julgamento de contas
dos responsáveis com imparcialidade, independência, ampla defesa, dentre outras
garantias. Todavia, formalmente, no sentido técnico da palavra, a doutrina majoritária
acredita que os Tribunais de Contas não possuem função jurisdicional, já que dentre outros
motivos, suas decisões não produzem coisa julgada, de forma que resta impossibilitado tal
enquadramento como órgão jurisdicional ou detentor de jurisdição.
Considerando-se o monopólio de jurisdição pelo Judiciário, o correto seria dizer apreciar para
homologar, rejeitar ou sancionar. Ocorre, pois, que julgar não pode denotar atividade excludente
da apreciação do Poder Judiciário. Pode significar que, exercida a competência, há preclusão
23
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Sobre a execução das decisões proferidas pelos Tribunais de Contas,
especialmente a legitimação. Revista dos Tribunais - RT, São Paulo, v.86, n. 743, p. 76, 1997.
24
DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pelegrini; CINTRA, Antonio Carlos. Teoria geral do
processo. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 1991. p. 141.
25
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Sobre a execução das decisões proferidas pelos tribunais de contas,
especialmente a legitimação. Revista dos Tribunais - RT, São Paulo, v. 86, n. 743, p. 74, 1997.
Mais correta, parece ser a opinião da professora Lúcia Valle, uma vez que afasta a idéia de
jurisdição no sentido técnico e correto da palavra, estabelecendo os limites, com traço
bastante marcante, da atividade exercida pelas Cortes de Contas, inclusive, ao referir-se à
possibilidade de revisão pelo Poder Judiciário, do qual não se excluirá qualquer ameaça ou
lesão a direito, segundo dispositivo constitucional.
Todavia, em um passado não muito distante, o Pretório Excelso prolatou decisões nas quais
limitava as possibilidades de revisão, pelo Judiciário, das decisões ofertadas pelos Tribunais
de Contas.27-28
Miguel Seabra Fagundes, em uma das edições do trabalho O controle dos atos
administrativos pelo Poder Judiciário, assim lecionou:
O professor Alessandro Garcia Vieira afirma que mesmo tais atribuições sendo delegadas a
outros poderes que não o Judiciário, se houver desvio com relação a legalidade bem como
legitimidade do ato, caberá ao Judiciário interferir e analisar o caso em conformidade com
tais critérios.
O Tribunal de Contas não exerce uma função jurisdicional em relação às contas do Presidente
(âmbito federal). Ele não julga pessoas, julga contas, e o efeito de suas decisões não fazem
coisa julgada, pois são de cunho administrativo. O Tribunal de Contas é um órgão auxiliar do
Legislativo, emitindo um parecer técnico a respeito das contas a ele apresentadas. No entanto, a
30
lei não versa sobre a natureza desse parecer, se deverá ser conclusivo ou não. (grifo nosso).
26
FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 241.
27
“Ao apurar o alcance dos responsáveis pelo dinheiro público, o Tribunal de Contas pratica ato insuscetível de
revisão na via judicial, a não ser quanto ao seu aspecto formal ou tisna de ilegalidade manifesta” (Ac. MS
7.280, relator Min. Henrique D`Ávila), RSTJ 30/395.
28
“Tribunal de Contas. Julgamento das contas de responsáveis por haveres públicos. Competência exclusiva,
salvo nulidade por irregularidade formal grave (MS 6.960, 1959), ou manifesta ilegalidade aparente (MS 7.280,
1960)”. RTJ 43/151.
29
FAGUNDES, Miguel Seabra. O controle dos atos administrativos pelo poder judiciário. 4. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1984. p.142.
30
OLIVEIRA, Éldir Coelho de Souza. Apontamentos de direito financeiro. p. 44.
No entanto, sempre que houver ato administrativo eivado de ilegalidade, caberá ao Poder
Judiciário apreciação desse ato, uma vez que o art. XXXV reza que a lei não excluirá da
apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito – conforme já explanado
anteriormente.
6 Recursos
31
Art. 10 e §§ da Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União. – Lei n.º 8.443 de 16.7.92, alterada pela Lei nº.
9.165 de 19.12.95
32
OLIVEIRA, Éldir Coelho de Souza. Apontamentos de direito financeiro. p. 44.
Como juiz, o julgador da Corte de Contas não é mero aplicador de silogismos jurídicos, mas
deve almejar a Justiça; como especialista em finanças e controle, não pode limitar-se ao
exame formal dos atos, mas deve avaliar a eficiência e eficácia; como cidadão-contribuinte,
não se contenta em vislumbrara a boa ou má-fé na aplicação dos recursos, mas a adequada
prestação do serviço e a satisfação dos maiores interesses da coletividade.
Na ponderação de todos esses ângulos de uma complexa temática, até porque seu
julgamento, na verdade, sobrepõe-se ao das altas autoridades administrativas e pode
reformá-lo, as Cortes de Contas devem encontrar no próprio desenvolvimento de atividades
um modo de expurgar do julgamento o erro, criando a possibilidade de reapreciação dos
fatos, apontando os desacertos da decisão.
Assim, tanto a complexidade das várias nuanças do julgamento como a natureza e efeitos
relevantes que assume, bem como a inegável falibilidade da natureza humana, demonstram
a validade e a necessidade da existência de recursos das decisões adotadas pelos Tribunais
de Contas.
• efeito devolutivo – consiste no fato de que o ingresso do recurso devolve ao julgador o exame
dos fatos articulados no mesmo (tantum devolutum quantum apellatum);
• efeito suspensivo – acarreta o sobrestamento da exeqüibilidade do julgado, impedindo os
seus efeitos.
Em geral, as normas processuais indicam que todos os recursos têm efeito devolutivo;
quanto ao efeito suspensivo, as normas indicam quais são os tipos que em ou não tal efeito,
ou simplesmente deixam ao prudente arbítrio do julgador concede-lo, ao tomar
conhecimento do recurso, à vista do caso concreto.
O disciplinamento dos recursos é matéria a ser tratada nas respectivas leis orgânicas dos
Tribunais de Contas, podendo, portanto, haver tratamento diferenciado na lei local.
I – reconsideração;
II – embargos de declaração;
33
Lei 8.443, d e16 de julho de 1992.
Mesmo não alinhando como recurso estrito, é possível vislumbrar o pedido de reexame
como uma outra possibilidade de obter uma modificação de uma decisão.
Trata-se, pois, de um recurso não previsto expressamente no art. 32 da Lei Orgânica, e que
deve ser cognominado de recurso strico sensu, possuindo nítida função de uniformização da
jurisprudência.
• Visando corrigir obscuridade, omissão ou contradição, conforme art. 34, caput, da Lei Orgânica
do TCU;
• Omissão, que é o motivo menos freqüente para o ingresso de embargos de declaração nos
Tribunais de Contas, consistem no fato de o acórdão ou decisão não se pronunciar sobre ponto
ou questão relevante suscitada pelo interessado na defesa, como, por exemplo, a argüição de
quitação do débito;
Os fatos novos que ensejam a revisão da decisão deve ser pertinentes ao fundamento
principal adotado e suficientes para provocar uma mudança do mérito da decisão, sob pena
de não ser conhecido o recurso.
Caberá recurso de revisão, interposto na forma da lei, quando, em face de comunicação dos
Tribunais de Contas do Distrito Federal, dos Estados e do Município de São Paulo, das
Assembléias Estaduais e das Câmaras Municipais, e de qualquer autoridade ou cidadão (
Constituição, art. 153, §§ 30 e 31) for cientificado o Tribunal de Contas da União de
irregularidade grave na utilização dos recursos provenientes dos Fundos de Participação.
Nos termos dessa súmula, seria possível ao interessado, quando o Tribunal for cientificado
de irregularidade na aplicação de recursos do Fundo de Participação, apresentar recursos
de revisão para sustentar, por exemplo a regularidade na aplicação das verbas, constituindo
providencia incidente do processo para uma decisão não definitiva.
Conquanto as normas não elenquem o pedido de reexame como um recurso, parece que o
mesmo possui tal natureza, pois pode ensejar a alteração de uma decisão, inclusive por
postulação do interessado prejudicado.
Em sede de Tomadas de Contas Especial, também é possível sua aplicação, se, e somente
se, estive subjacente uma das matérias versadas nas seções III e IV do Capítulo II, do Título
II da Lei Orgânica do TCU, em vigor.
Para corroborar essa linha de entendimento, cabe obtemperar que o art. 19, II, do
Regimento Interno do TCU, trata dos recursos e do pedido de reexame no mesmo
dispositivo, assegurando a competência do plenário daquela Corte para o seu julgamento.
A lei de Introdução ao Código Civil brasileiro, em seu artigo 6º, § 3º, diz que coisa julgada é a
“decisão judicial de que já não caiba recurso”.
Segundo lição de Walter Nunes da Silva Jr., fazendo menção a Francesco Carnelutti e
Humberto Theodoro Júnior:
O direito incorpora-se ao patrimônio de seu titular por força da proteção que recebe da
imutabilidade da decisão judicial. Daí falar-se em coisa julgada formal e material. Coisa julgada
formal é aquela que se dá no âmbito do próprio processo. Seus efeitos restringem-se, pois a este,
não o extrapolando. A coisa julgada material, ou substancial, existe, nas palavras de Couture,
quando à condição de inimpugnável no mesmo processo, a sentença reúne imutabilidade até
mesmo em processo anterior (fundamentos do direito processual civil). Já para Wilson de Souza
Campos Batalha, coisa julgada formal significa sentença transitada em julgado, isto é, preclusão
de todas as impugnações; e coisa julgada material significa o bem da vida, reconhecido ou
35
denegado pela sentença irrecorrível.
Pergunta que se faz: pode-se falar em coisa julgada administrativa? Quais as acepções
possíveis ao termo “coisa julgada administrativa”? O processo administrativo faz coisa
julgada perante as partes, impossibilitando a revisão judicial? Em caso positivo, quais os
limites dessa “coisa julgada administrativa”?
A expressão “coisa julgada administrativa” encontra severa crítica de diversos autores, vez
que entendem tratar-se de instituto tipicamente processual, que foi importado para o direito
administrativo por uma corrente doutrinária que não vislumbra diferenças marcantes entre a
atividade de administração ativa e a jurisdição, haja vista considerarem a existência de um
fato determinante em comum: aplicação da lei ao caso concreto.
Ora, quando do exercício da função jurisdicional, o Estado não toma parte da relação,
chamada tríplice (as partes e o Estado-juiz representam cada um dos vértices do triângulo).
Não sendo, o Estado-juiz, parte da relação, o exercício da função tem que ocorrer de forma
imparcial e definitiva, produzindo coisa julgada.
34
SILVA JUNIOR, Walter Nunes da. Coisa julgada: direito imperativo ou facultativo? Disponível em:
<http://www.jfrn.gov.br/doutrin1.htm>. Acesso em: 5 out. 2006.
35
BASTOS, Celso Ribeiro. Dicionário de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 1994. p.20.
36
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 595
37
Já se nota, com essa afirmativa, que uma parte da doutrina nacional se posiciona de forma divergente da
doutrina administrativista francesa, de forma que não entende a coisa julgada administrativa com os mesmos
contornos da coisa julgada jurisdicional.
A decisão do Tribunal de Contas que pelo decurso dos prazos recursais ou pelo
esgotamento dos recursos torna-se irretratável, operando a preclusão da possibilidade de
reexame na via administrativa, pode, portanto, ser considerada coisa julgada administrativa,
em consonância com assentada doutrina. O erro mais comum, no entanto, reside em
considerar como absoluto o ensinamento raso de que todas as decisões administrativas são
amplamente revisíveis pelo Poder Judiciário.
Trata-se, portanto, da irrevogabilidade dos atos administrativos, que não se resume apenas
aos casos em que tenha se exaurido a via administrativa, não cabendo aí mais qualquer
recurso, uma vez que existem outras possibilidades que englobam os casos de
irrevogabilidade dos atos administrativos, de forma que, não poucas vezes, a doutrina trata
do tema de coisa julgada administrativa quando se refere às limitações ao poder de revogar
os atos da Administração. Todavia, como já se assinalou, se houver ameaça ou lesão a
direito subjetivo, esses atos podem ser objeto de análise pelo Judiciário, por força do artigo
5º, XXXV, da Constituição Federal.
... as atribuições do Tribunal de Contas são de natureza administrativa. Entretanto, quando ‘julga’ as contas
‘dos administradores e demais responsáveis por bens e valores públicos,’ tal julgamento impõe-se ao Poder
Judiciário no que concerne ao aspecto contábil, sobre a regularidade da própria conta; o julgado do Tribunal
de Contas constitui prejudicial no juízo penal, como apuração da qual o juiz não se pode afastar, de elemento
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de fato necessário à tipicidade do crime.
A disposição constitucional de que a lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário
qualquer lesão de direito individual não é obstáculo a esse entendimento – de que a competência
das Cortes de Contas torna prejudicial e definitivo o pronunciamento sobre o fato material –
40
porque, no caso, a redução de competência do Judiciário resulta da Constituição, e não da lei.
O exame feito pelos Tribunais de Contas representa uma poderosa e ampla ação de controle
sobre os atos da Administração que já estão jungidos ao controle interno dela própria.
Permitir uma ampla revisibilidade, pelo Poder Judiciário, no mínimo constituiria, em termos
lógicos, conceder um espaço tão intenso ao controle, que inviabilizaria a própria ação
administrativa.
Tem-se, portanto, que o direito brasileiro adotou um sistema de jurisdição una, por meio do
qual apenas o Estado-juiz detém o monopólio da função jurisdicional, o poder de decidir as
lides com força de coisa julgada, seja o seu objeto a ameaça ou a lesão de direitos
subjetivos coletivos ou individuais.
38
DI PIETRO, op. cit., p. 596.
39
CARNEIRO, Athos Gusmão. Jurisdição e competência. São Paulo: Saraiva, 1989. p.14.
40
LEAL, Victor Nunes. Problemas de direito público. Rio de Janeiro: Forense, 1960. p. 231.
Tem-se, portanto, que, embora o dispositivo constitucional (art. 71, II) fale julgar, não se trata
de função jurisdicional, exclusiva do Poder Judiciário. Sendo, por tal razão, correto afirmar
que o julgamento das contas é uma questão prévia, preliminar, de competência do Tribunal de
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Contas, e que antecede o julgamento do responsável pelo Poder Judiciário.
• O princípio da unidade de jurisdição sofre temperamentos pela própria Constituição, que admite
a competência privativa das Cortes de Contas para julgar as contas dos administradores e
demais responsáveis por bens e valores públicos.
• Essa competência privativa diz respeito ao mérito do julgamento, fato que deve admitir a
verificação do acatamento ao princípio constitucional do devido processo legal, que consiste no
exame extrínseco do ato decisório das Cortes de Contas, como, por exemplo, a competência
para julgamento, a forma definida em lei, a observância do princípio da ampla defesa e
contraditório, nos termos da lei específica do Tribunal de Contas.
... é extremamente vantajoso e foi gestado muitos séculos antes da revolução francesa visando a
existência de uma previsibilidade da conduta estatal, com o que, correlatamente, resguardam-se
as esferas individuais. Possivelmente como valor nuclear albergado por este sistema está a
liberdade do homem, da qual encontramos reflexos em praticamente todas as Constituições,
41
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 98.
42
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 602.
43
Id., p. 604
44
Nesse sentido, a Súmula 195 d c. TCU.
Desta forma, o que é relevante no Estado de Direito, no que diz respeito ao relacionamento
da ordem jurídica dos indivíduos com o Tribunal de Contas, é a percepção de que existe um
direito de postulação do agente perante o Judiciário, em face de atos do TCU que ele tenha
por infringentes da legalidade. Ao judiciário, correlatamente, incumbe o dever de examinar,
de forma exauriente, a conduta da Corte de Contas sob o ângulo da legalidade.
No entanto, tal patrulhamento deve ser entendido em consonância com o que José Cretella
Jr. Profere:
Bastante nítido é o âmbito em que se movimenta o Poder Judiciário, quando chamado para
examinar o ato administrativo.
Cabe obtemperar que, se no desenvolvimento desse processo for violada uma lei – seja a
Lei Orgânica do Tribunal, seja uma outra norma aplicável ao caso, por força de remissão ou
pela natureza do negócio -, nascerá para o envolvido o direito subjetivo da tutela judicial,
retornando os autos à apreciação judicial. Daí a capital importância de desenvolver as
tomadas de contas segundo as normas estabelecidas em lei.
45
ALVIM, Arruda. Os limites existentes ao controle jurisdicional dos atos administrativos. Revista dos Tribunais -
RT, São Paulo, v. 99, p. 152, 2000.
46
CRETELLA JUNIOR, José. Dos atos administrativos especiais. Rio de Janeiro: Forense, 1995. p. 448.
Está em vedar que sejam determinadas matérias, a qualquer pretexto, sonegadas aos tribunais, o
que ensejaria o arbítrio. Proíbe, pois, que certas decisões do executivo, que devem estar jungidas
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à lei, escapem ao império desta, eventualmente, sem a possibilidade de reparação.
As decisões dos Tribunais de Contas devem estar jungidas à lei e a verificação desse fato
pode ser provocada pelo interessado junto ao Poder Judiciário, por meio de ações próprias.
Não se trata, portanto, de “recursos judiciais” das decisões dos Tribunais de Contas, mas de
ações que buscam uma tutela específica, sendo que aquela expressão somente se admite
porque consagrada na linguagem coloquial.
Eduardo Lobo Botelho Gualazzi asseverou que “a instituição Tribunal de Contas tem, no
Brasil, em súmula, funções consultivas, verificadoras, inspetivas, fiscalizatórias, informativas,
coercitivas, reformatórias, suspensivas e declaratórias”49
Independente da função exercida pelo Tribunal, a natureza de suas decisões pode ser
dividida em quatro grupos, 50 a exemplo das decisões judiciais, a saber: declaratórias,
constitutivas, mandamentais e condenatórias.
Normalmente, tais decisões têm como objeto atos jurídicos que, tendo percorrido as etapas
pertinentes no âmbito da Administração, vêm a ganhar definitiva permanência ao receberem
a chancela do controle externo exercido pela Corte de Contas. 51
47
“A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
48
FERREIRA FILHO, Manuel Gonçalves. Comentários à Constituição brasileira de 1988. São Paulo: Saraiva,
1990. v.1, p. 55.
49
GUALAZZI, Eduardo Lobo Botelho. Regime jurídico dos tribunais de contas. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1992. p. 199.
50
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Sobre a execução das decisões proferidas pelos tribunais de contas,
especialmente a legitimação. Revista dos Tribunais – RT, São Paulo, v.86, n.743, p. 77, 1997.
51
Diferentemente do que se passa nos chamados atos administrativos complexos, que demandam mais de uma
vontade ou mais de um agente partícipe para se completarem e produzirem os efeitos que lhes são próprios.
A rigor, as decisões desse gênero não contêm um comando, uma determinação para que se
faça ou se deixe de fazer, e isso pela peculiaridade de, por meio delas, já ocorrer desde logo
a produção de efeitos que lhes são próprios.
No âmbito dos Tribunais de Contas, há decisões que parecem ser de tal natureza, como,
verbis gratia, a que determina a cessação de acúmulo ilícito de cargos públicos, a que
determina a supressão de gratificação funcional incompatível com certo cargo ou função
bem como a que determina e instala auditoria em órgão público, ante a evidência de indícios
de irregularidade e assim por diante; de forma que nos comandos ali encerrados, figura
antes um imperium do que uma cognitio, à semelhança dos provimentos jurisdicionais da
mesma natureza. 53
10 Conclusão
52
WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1993. p. 565-566.
53
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Sobre a execução das decisões proferidas pelos tribunais de contas,
especialmente a legitimação. Revista dos Tribunais - RT, São Paulo, v.86, n. 743, p. 79, 1997.
Podem, portanto, as decisões das Cortes de Contas, ser objeto de análise junto ao Poder
Judiciário, por intermédio da aplicação do princípio da inafastabilidade judicial e ainda
conforme previsão da Lei Complementar nº. 64/90 (Lei das Inelegibilidades), que no art. 1º, I,
g, prevê a interposição de ação judicial contra a decisão condenatória de Tribunal de Contas,
visando à desconstituição da condenação, com a possibilidade de serem discutidos os
detalhes do julgamento que se busca desconstituir.
São, por conseguinte, títulos executivos extrajudiciais as decisões proferidas pelos Tribunais
de Contas da União ou dos Estados que impliquem condenação de natureza pecuniária, de
sorte que o Judiciário poderá deter-se no exame da legitimidade do procedimento
administrativo e dos atos que resultarem na criação do título, podendo, inclusive, negar
validade e eficácia executiva aos que não apresentem os indispensáveis requisitos exigidos
pela respectiva lei autorizadora, bem como aos que não se conformem dentro da noção de
razoabilidade e proporcionalidade.
Soberano porque não se submete a outra Corte revisional. Sendo as Cortes de Contas
independentes frente ao Legislativo, Executivo e Judiciário, suas decisões em sede de
contas, cuja competência lhe foi deferida pelo constituinte, com exclusividade, não poderia
ser subalterna a qualquer dos poderes, sob pena de, diante do caso concreto, permitir a um
órgão cujas contas fossem julgadas irregulares, rever por si próprio a decisão.
Por fim, é interessante mencionar que quanto ao ato administrativo, Arruda Alvim leciona:
Abstract: This article describes, throughout systematic and logical studies, the juridical
nature of the decisions pronounced by the Tribunal de Contas da União, contrasting the
opinion of some authors in relation to the duality about its nature, if it’s Juridical or
Administrative, as well as the relevant theses supported by some writers. It also mentions a
breve historical about this institution and also the possible interference from the Juridical
Power when the legality is not being respected.
Referências
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54
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http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/revistajuridica/index.htm