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Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa

História Contemporânea (Política e Cultura)


2016/2017

Comentário de Texto
“Da Democracia na América”
Alexis de Tocqueville

Docente: Professor Doutor Sérgio Campos Matos


Discente: Tiago Paiva Gomes
Nº50337
Neste comentário será analisado, no âmbito da cadeira de História Contemporânea
(Política e Cultura) a obra de Alexis de Tocqueville “Da Democracia na América”,
nomeadamente o capítulo referente às “Vantagens do sistema federativo em geral e da
sua particular utilidade para a América”1. A análise será distribuída por três fases, nas
quais será feita uma breve apresentação do autor, o contexto histórico em que a obra foi
escrita e, finalmente, uma análise da obra em si e das ideias que o autor pretende expor
com a obra. Obra esta finalizada no ano de 1835, durante o reinado de Luís Filipe I de
Orleães, e numa França que vivia no pós-revolução de 1830, que levou à queda de Carlos
X e da casa de Bourbon. O sistema governativo francês da “Monarquia de Julho” assenta
numa monarquia liberal constitucional, na qual o autor teve um papel activo, que
culminou com o seu envio para os Estados Unidos, juntamente com Gustave de
Beaumont, com o intuito de estar o sistema prisional americano e como este se podia
adequar ao sistema francês.

Alexis de Tocqueville nasce em 1805 e morre no ano de 1859, e ficaria conhecido


pelo seu papel na vida politica francesa, mas também pelo seu papel na ciência política e
na história. O seu papel político, como já foi referido, passou pela Monarquia de Julho e
pela 2ª República Francesa, acabando por se retirar da vida política após o golpe de Luís
Bonaparte em 1851. Tocqueville defendia a importância da revolução francesa para o
processo de modernização do Estado francês.

O autor começa a obra com as virtudes e defeitos das pequenas nações, que este
considera serem o “berço da liberdade política”2, é nestas nações onde o bem-estar e a
liberdade são maiores, onde existe uma maior atenção legislativa para o mais ínfimo
pormenor da vida da população, as ambições pessoais que, como a nação, também são
pequenas, pois não tem a capacidade de oferecer grandes fortunas ou grandes poderes ao
indivíduo em si, havendo assim uma tendência contra a centralização dos poderes, no
entanto o autor alerta, que a tirania numa nação pequena tem efeitos funestos, pois penetra
mais facilmente na sociedade, e como esta é pequena penetra na vida privada das famílias
, tentando controlar assim todos os aspectos da vida pública e privada. O autor considera
que a tirania é facilmente derrubada numa pequena nação, pois quando a sociedade de
move num só ideal e se junta derruba tanto a tirania como o tirano.

1
TOCQUEVILLE, Alexis, Da Democracia na América; p.198
2
TOCQUEVILLE, Alexis, Da Democracia na América; p.199

1
Neste ponto o autor começa a fazer um contraponto entre as pequenas e grandes
nações, considerando que com o crescimento da república, o amor à pátria dissipa-se. E
os vícios inerentes ao poder propagam-se através da grandeza da nação, pois esta é capaz
de oferecer uma maior fortuna ao indivíduo e com ela maiores poderes, existe um maior
fosso entre as grandes riquezas e a miséria profunda, considerando inclusive que “a
complicação dos interesses são outros tantos perigos que nascem quase sempre da
grandeza do Estado”3, ou seja, esta complicação de interesses nasce do intricado tecido
social que habita nas metrópoles das grandes nações, sendo que o poder do Estado assenta
numa maioria volátil e difícil de manter, cujos desígnios são mais difíceis de gerar um
consenso, problema este não existente numa pequena nação, ora contrapondo com o que
foi dito anteriormente, assistimos assim a uma legislação mais geral com o intuito de
servir essa maioria, a tal atenção legislativa presente numa nação pequena não existe
numa grande nação. Sendo que o autor acaba por considerar que as grandes nações são
contrárias ao bem-estar e liberdade humana. No entanto não é apenas de criticas que o
autor expõe as grandes nações, este descreve também as suas virtudes, a maior delas
todas, que eu pessoalmente neste comentário gostaria de salientar, que é a força de uma
nação. Este traço único das grandes nações é o que lhes confere o seu poder, e que o autor
considera como uma das primeiras condições de felicidade, é nesta força que assenta o
amor à glória que certos indivíduos encontram no rejubilar do povo, perseguindo um
objectivo que os eleve a si e à nação. Permite assim o desenvolver do pensamento político,
científico e tecnológico, as metrópoles tornam-se polos irradiantes deste
desenvolvimento, as ideias podem circular mais livremente e, geralmente, com grandes
ambições, em contrapartida uma nação pequena não consegue atingir este grau de
desenvolvimento pois não tem a força nacional que impulsiona um povo, e o autor
considera que assim estas estão condenadas à miséria, indo mais longe e dizendo que
estas são miseráveis não por serem pequenas, mas sim por serem fracas. Esta fraqueza
traduz-se, por exemplo, num cenário de guerra, em que estas (pequenas nações) saem
mais prejudicas por a guerra tem um impacto maior sobre elas, pelo contrário para as
grandes nações a guerra surge apenas como um inconveniente longe das grandes cidades
onde o desenvolvimento da sociedade e da nação se concentra. Nesta comparação entre
nações o autor deixa-nos uma nota pessoal, considerando que a humanidade seria mais
livre e feliz se houvessem apenas pequenas nações.

3
TOCQUEVILLE, Alexis, Da Democracia na América, p.200

2
O culminar desta comparação surge no sistema federativo, que combina as
virtudes tanto de uma como de outra, e como motivo de exemplo Tocqueville lança um
olhar sobre os Estados Unidos da América. Portanto, o sistema federativo na óptica do
autor tem uma primeira grande vantagem, que é uma maior atenção legislativa, que como
já foi referido anteriormente, permite uma maior adequação às reais necessidades de uma
população, podemos dar como um exemplo a defesa nacional e a expansão territorial que
ficariam a cargo do governo federal, permitindo que o governo local federado se foque
em áreas do desenvolvimento social e do bem-estar da população, ou seja, acaba por se
assistir a uma descentralização dos poderes do Estado, e citando o autor “todos os
pormenores são entregues às legislações provinciais.”4 Existe assim uma maior
aproximação entre o Estado e os cidadãos, levando a que estes tenham um maior interesse
pela vida política, interesse este que despertou uma séria curiosidade em Tocqueville, e
apesar de serem uma nação grande, os americanos não se deixam levar pela ambição do
poder, e existe uma maior atenção pelo bem-estar geral, os cidadãos tornam-se também
um ponto fundamental para a sobrevivência da República e este particular interesse surge
nas comunidades locais, fruto do passado colonial americano.

Ou seja, os Estados Unidos da América surgem como uma combinação


interessante entre um grupo de pequenas repúblicas culminante numa grande nação,
existe o que o autor considera um “patriotismo provincial”, é este amor pela sua república
que o americano transporte para um amor geral ao seu país, e acaba por defender não só
os interesses gerais da sua grande nação acaba por defender os interesses da sua pequena
república.

O autor termina, considerando que os Estados Unidos da América acabam por ser
uma grande nação comparável a uma pequena, em que a soberania da União é limitada e
esbarra nos poderes locais, impedindo assim o crescimento de qualquer forma de tirania,
assegurando a continuidade da liberdade e bem-estar, acaba por se tornar uma
combinação interessante entre tudo o que uma pequena nação tem de virtuoso, e acima
de tudo o desincentivo, ao que o autor considera “desejos imoderados de poder e
protagonismo”, acabando por confirmar o que foi dito anteriormente, em que a riqueza e
poder que uma pequena república pode oferecer são tão poucos que não interesse em
controlar o poder, e esse interesse transporta-se para o amor à pátria e ao seu

4
TOCQUEVILLE, Alexis, Da Democracia na América, p.201

3
desenvolvimento. O autor termina este capítulo com uma frase que resume toda esta
exposição da sua obra, passo a citar “A união é livre e feliz como uma nação pequena, e
gloriosa e forte como uma grande.”

Concluo então que o sistema federativo se adequa na perfeição aos Estados Unidos
da América, pelo seu passado colonial, que impediu o crescimento de nacionalismos
exacerbados que culminassem em diferenças irreconciliáveis entre as Repúblicas e
levassem ao fracasso da União, e o seu sucesso assenta na brilhante combinação da
liberdade e bem-estar de uma pequena nação com a força de uma grande nação, resultante
num patriotismo que se transporta da pequena república para a União, que em nenhuma
outra grande nação se observa. Como nota final, saliento que o autor não se considera
republicano, apesar de admirar este sistema e de elogiar o sistema federal americano,
Tocqueville lança assim uma visão imparcial nesta obra, expondo em como uma
federação pode combinar em si as forças e virtudes das nações para um bem comum e
para o desenvolvimento da sociedade.

4
Bibliografia

 TOCQUEVILLE, Alexis, Da Democracia na América, Edições Principia, 2001.

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