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Avaliação por imagem nas epilepsias

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Flávio Túlio Braga

1 – Médico Radiologista da Santa Casa de Misericórdia e do Centro de Medicina Diagnóstica Fleury,


São Paulo, SP.

1 – Introdução

As técnicas modernas de imagem apresentam papel fundamental na avaliação das epilepsias e modificaram
dramaticamente o seu manejo. Embora a tomografia computadorizada (TC) seja útil na detecção de
determinadas alterações parenquimatosas, a ressonância magnética (RM) é o método de escolha, com
maior sensibilidade e acurácia. Tem se mostrado uma ferramenta indispensável na avaliação das epilepsias
de difícil controle, devendo ser correlacionada com os achados clínicos e neurofisiológicos.

Os principais objetivos da avaliação por imagem dos pacientes epilépticos consistem na identificação de
alteração estrutural que justifique o quadro clínico, na definição de lesão passível de tratamento cirúrgico e
na identificação de outras lesões associadas, que podem estar presentes em até 15% dos casos (dual
pathology).

Inúmeras são as causas de epilepsia, dentre elas as neoplasias, malformações vasculares, esclerose
mesial temporal, anormalidades glióticas (secundárias a trauma, infecção, inflamação ou infartos) e
malformações do desenvolvimento cortical. Na infância, são principalmente de origem congênita ou
relacionada a anomalias de desenvolvimento. No adulto jovem são, geralmente, secundárias a injúrias pós-
traumáticas e, no idoso, a insultos isquêmicos. No Brasil e em alguns outros países em desenvolvimento, a
neurocisticercose é a causa mais comum de epilepsia.

Neste capítulo daremos ênfase às epilepsias do lobo temporal, que são crises convulsivas parciais
complexas repetidas que se desenvolvem a partir de lesões do sistema límbico.
O estudo de RM deve ser realizado com protocolo dedicado, incluindo seqüências axiais e coronais-
oblíquas, que são planejadas conforme o maior eixo do lobo temporal. Os cortes devem ter a menor
espessura e intervalo possíveis. Seqüências volumétricas (3D) com ponderação T1 podem ser utilizadas
permitindo posteriores reformatações multiplanares com espessura submilimétrica, além de possibilitarem a
análise quantitativa das estruturas do lobo temporal (figura. 1).

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Figura 1. A e B – Orientação dos planos de corte obedecendo a angulação dos
lobos temporais

2 – Patologias

2.1 – Esclerose mesial temporal (EMT)


EMT é um termo descrito por Falconer e colaboradores em 1964 e designa uma lesão caracterizada por
perda neuronal e gliose, que envolve principalmente o hipocampo e a amígdala, ou ambos, e pode se
estender a outras estruturas do lobo temporal, ou mesmo comprometê-lo inteiramente, levando a atrofia
generalizada.

Estudos de autópsia têm demonstrado que a EMT é bilateral em um grande número de casos. Esse
comprometimento é usualmente assimétrico e, via de regra, o lado mais gravemente envolvido tipicamente
denota o foco epileptogênico (lateralidade). A ressonância magnética ode identificar sinais primários e
secundários de EMT (tabela 1).

Tabela 1. Sinais primários e secundários de EMT


Primários Secundários
Redução volumétrica Extensão extra-hipocampal
Alteração da arquitetura interna do Atrofia temporal ipsilateral
hipocampo Alteração do sinal do pólo temporal com
Aumento de água (gliose focal) prejuízo da distinção entre a substância
branca e cinzenta
Atrofia do fórnix ipsilateral
Atrofia do corpo mamilar ipsilateral
Atrofia do tálamo com alteração de sinal
ântero-lateral
Hemiatrofia cerebral ipsilateral

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A atrofia hipocampal é mais bem identificada nas imagens ponderadas em T1 e a presença de gliose, com
maior conteúdo de água, determina o aparecimento de hipersinal naquelas com ponderação em T2
(FIGURA 2).

Figura 2. A e B – Sinais primários de esclerose mesial temporal à direita: redução


volumétrica do hipocampo, perda de sua arquitetura interna e elevação do seu sinal

Nos casos de comprometimento bilateral, a lateralidade em geral pode ser sugerida identificando-se o lado
mais comprometido e tentando-se caracterizar alguns dos achados secundários acima descritos (figura 3).

Figura 3. A e B – Sinais de esclerose mesial temporal bilateral,


com comprometimento mais acentuado à esquerda

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Estudos volumétricos são defendidos por alguns autores e já resultaram em maior sensibilidade estatística
na detecção da ETM (80% a 100%), quando comparados à análise visual isolada, de até 90%. Contudo,
esta técnica demanda softwares específicos e muito tempo de processamento. Os dados da literatura são
por vezes conflitantes e os estudos não são integralmente reprodutíveis devido à subjetividade do método.
Desta forma, a utilização dessa técnica é restrita e deve ser cercada de cautela.

As seqüências de espectroscopia permitem a avaliação funcional por RM, podendo ser úteis no diagnóstico
e na lateralização do foco epileptogênico quando índices adequados de assimetria da relação de N-acetil
aspartato(NAA)/Colina ou NAA/creatina são obtidos. A avaliação complementar por imagens deve ser
sempre feita com cuidado e sempre à luz dos dados clínicos.

2.2 – Tumores

A pesença de deformidade hipocampal com efeito expansivo, edema e impregnação pelo contraste
paramagnético deve sempre suscitar a hipótese de uma lesão tumoral (figura 4). De todas essas
observações a mais relevante é o efeito expansivo, uma vez que o edema e a impregnação não ocorrem
usualmente nos tumores gliais de baixo grau, nem naqueles de linhagem mista (glioneuronal).

Figura 4. Gangliioglioma. Lesão sólido cística no lobo temporal esquerdo, com intensa
impregnação do componente sólido pelo contraste paramagnético

2.3 – Anomalias do desenvolvimento

Displasias corticais, heterotopias e hamartomas glioneurais são os principais exemplos deste grupo.
Tratam-se de anomalias do desenvolvimento decorrentes de um distúrbio da migração neuronal, que se
inicia entre a sétima e a oitava semanas da vida embrionária.

As displasias corticais representam um desarranjo arquitetural com espessamento do córtex e prejuízo da


diferenciação córtico-subcortical (figura 5). O diagnóstico por vezes representa um desafio, pois a
demonstração de pequenos focos requer imagens com altíssima resolução anatômica. Além disso, a

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diferenciação entre tais anomalias e lesões tumorais, principalmente os tumores glioneurais, é por vezes
impossível. A correlação clínica e com o EEG são indispensáveis.

Figura 5. Displasia cortical no giro para-hipocampal direito (setas)

3 – Conclusões

Diversas modalidades de imagem atualmente contribuem para o estudo das epilepsias de difícil controle. É
função do clínico saber indicar o melhor estudo e informar a suspeita e o resultado dos outros exames
subsidiários. O neurorradiologista por sua vez deve estar apto a executar um exame geral e uma busca
dirigida visando demonstrar a alteração anatômica e inferir um diagnóstico específico.

4 – Leitura recomendada

Grossman RI, Yousem DM. Neuroradiology: The requisites. Mosby; 2nd edition, 2003.

Osborn A, Blaser S, Salzman K. Diagnostic imaging: Brain. AMIRSYS, 2004.

Oppenheim C et al. Loss of digitations of the hippocampal head on high-resolution fast spin-echo MR: A sign
of mesial temporal sclerosis. AJNR 1998;19:457-463.

Scott W Atlas. Magnetic resonance imaging of the brain and spine. Lippincott Williams & Wilkins; 3rd edition,
2002.

Venkatramana R. et al. MR imaging of epilepsy: strategies for successful interpretation. Neuroimag Clin N
Am 2004;14:349-372.

Wasay M et al. Brain CT and MRI findings in 100 consecutive patients with intracranial tuberculoma. J
Neuroimaging 2003;13:240-247.

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