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ADMINISTRAÇÃO

DIDÁTICA
PÚBLICADO
ENSINO SUPERIOR

1
Administração Pública

SUMÁRIO

UNIDADE I
Administração Pública no Brasil

UNIDADE II
O que resta de Novo na Nova Administração
Pública

UNIDADE III
Evolução das Principais Escolas do
Pensamento Administrativo

UNIDADE IV
As Estruturas Organizacionais e seus
Determinantes

REFERÊNCIAS

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Administração Pública

APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA

A o Aluno

Estamos, agora, iniciando o estudo dos Fundamentos da


Administração Pública e da Dinâmica Organizacional subja-
cente à ação de administrar.
Você, provavelmente, estará refletindo sobre as seguintes
questões: De que se trata essa disciplina? Será realmente signifi-
cativa para a minha formação como profissional da área gestão
de processos, de pessoas e de políticas públicas?
Acreditamos que ao longo do estudo, você paulatinamen-
te, irá encontrando respostas às questões iniciais. Esperamos,
também, que a disciplina venha a suscitar em você novos
questionamentos à medida que for entrando em contato com
os assuntos por ela elaborados.
Conseguir respostas é importante, porém, levantar questões
é muito mais.
Não se esqueça de utilizar a tutoria.

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UNIDADE I
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
NO BRASIL

A administração pública abrange um vasto campo do processo adminis-


trativo do Estado, e portanto é importante a sua conceituação e compre-
ender o seu processo evolutivo para se ter o entendimento das principais
mudanças gerenciais.

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Administração Pública

1.1 Definição da Administração Pública GADO MATTOS, 1975, p.72).


Da mesma forma que foi conceituada a ad-
Existem inúmeras definições de Adminis- ministração cientifica será desenvolvido o que
tração, cujo termo vem do latim ad (direção é a Administração Pública? Embora ainda não
para, tendência para) e minister (subordinação exista entre os que se dedicam à prática e ao
ou obediência), onde se conclui que o signifi- estudo da administração pública, um grau ra-
cado etimológico da palavra administração é zoável de concordância em torno daquilo que
“aquele” que realiza uma função sob o comando constitui o âmbito de seu trabalho, algumas
de outra pessoa, e aquele que presta um serviço” definições serão apresentadas por diferentes
(CHIAVENATO, 1983, p.6). Entretanto, a pa- autores, como segue:
lavra administração sofreu, no decorrer do “A administração pública é a parte predomi-
tempo, uma radical transformação no seu sig- nante do governo; é o governo em ação; é o executi-
nificado geral, sendo que, algumas definições vo, atuante, o aspecto mais proeminente do governo
se harmonizam umas com as outras e até se .... A administração pública é a execução minuciosa
completam. Dentre as diversas definições, as e sistemática do Direito Público. Toda aplicação par-
mais importantes para este estudo são: ticular da lei geral é um ato público...” (WILSON
“Administrar é conseguir realizações sociais apud AMATO MUNOZ,1962, p.82);
satisfatórias” (VLERICK apud “A administração pública é a parte da ciência
MOITINHO, 1969,p. 64); de administração que se refere ao
“Administrar é escolher” (GUDIN apud governo, e se preocupa por isso, principalmen-
MOlTlNHO, 1969, p. 64); te, que haja evidentemente problemas administra-
‘Administrar é prever, organizar, comandar, tivos que se relacionem aos poderes legislativos e
coordenar e controlar” (H. FAYOL1 judiciário. A administração pública é, pois, uma
1981, p. 26); divisão da Ciência Política e uma das ciências so-
“O principal objetivo da administração deve ciais’ (GULICK apud AMATO MUÑOZ, 1962,
ser o se assegurar o máximo de p. 84);
prosperidade ao patrão e, ao mesmo tempo,
o máximo de prosperidade ao empregado” (W. 1
Henri Fayol, engenheiro francês nascido em 1848,
TAYLOR, 1990, p.24); que criou a doutrina do fayolismo onde os princí-
pios gerais são: a divisão do trabalho, a autorida-
“Administrar significa assumir tarefas. Sig- de, a responsabilidade, a disciplina, a unidade de
nifica disciplina. Mas inclui também mando, a convergência de esforços, a estabilidade
de pessoal e a remuneração adequada às capaci-
pessoal. Cada realização da administração é
dades (EAYOL; H. Administração industrial e geral.
a realização de um administrador Cada fracasso, é 9. ed. São Paulo Atlas, 1981. p. 12).
o fracasso de um administrador São pessoas que
administram, e não forças, e nem fatos O descorti-
no, a dedicação e a integridade dos administradores
determina se haverá administração ou desadminis-
tração” (P. DRUCKER, 1984, p. xxiii);
‘Administrar é organizar e decidir” (MOR-

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Administração Pública

“...a administração pública refere-se ao quê como cliente dos seus serviços. Os resultados
e ao como do governo. O quê é a sustância, o co- da ação do Estado são considerados bons não
nhecimento técnico de um campo, que habilita o porque os processos administrativos estão sob
administrador a executar a sua tarefa. O como são controle e são seguros, mas porque as neces-
as técnicas de gerencia, os princípios que conduzem sidades do cidadão-cliente estão sendo aten-
os programas ao êxito. Cada um destes elementos didas (PLANO DIRETOR DA REFORMADO
é indispensável; juntos, formam a síntese a que APARELHO DO ESTADO, MP, 1995).
se chama administração...”(DIMOCK E. apud
AMATO MUNOZ, 1962, p. 85); 1.1.1 A abrangência da Administração
“A administração pública no sentido mais Pública
amplo é todo o sistema de governo, todo o conjunto Durante muitos anos considerou-se a
de idéias, atitudes, normas, processos, instituições e Administração como ciência exclusiva à Admi-
outras formas de conduta humana, que determinam: nistração Pública, onde tal conceito se firmou
a) como se distribui e se exerce a autoridade polí- na Itália e depois divulgou-se pela França e foi
tica; b) como se atendem aos interesses públicos. aceito inclusive pelo Brasil. Mas Fayol (1923),
Este é o âmbito da ciência política, esboçada gra- importante por sua obra ao identificar a função
dualmente desde a antigüidade, em longa evolução administrativa, demonstrou no II Congresso
que tem acumulado um acervo de interpretações Internacional de Ciências Administrativas,
bastante rico “(AMATO MUNOZ, 1962, p. 90). em Bruxelas no ano de 1923, que a Ciência
A administração pública “no seu mais da Administração é gênero e que a Adminis-
geral sentido, é empregada para designar o ato ou tração Pública é uma espécie desse gênero
a ação de reger, governar, superintender, gerir ou (MOITINHO,1969).
dirigir negócios ou bens públicos ou particulares. A administração pública deve estar afas-
Destarte, podem-se considerar como sinônimos tada do polémico estudo constitucional e dos
de administração os vocábulos: gerência, gestão, conflitos políticos. A política está presente na
governo, direção, regência, governança, superin- medida em que os métodos administrativos
tendência”. (SILVA apud MORGADO MATTOS, são uma parte da vida social no desempenho
1975, p.63); das atividades públicas. A Política é a atividade
Com a implementação do Plano Diretor do Estado nos grandes temas e universais (é o
da Reformado Aparelho do Estado em 1995 campo do estadista) enquanto que a Adminis-
está sendo adotado o seguinte conceito para tração em assuntos menores e individualizadas
a administração pública: é todo o aparelho do (é o campo do funcionário técnico). Embora a
Estado pré-orientado à realização de seus serviços, política determine as tarefas para a adminis-
visando à satisfação das necessidades coletivas “ tração, as questões administrativas não são as
(INSTRUMENTO DE AVALIAÇÃO DA GES- questões políticas, pois não se deve permitir
TÃO PÚBLICA, 2001, MP). Esta definição está que ela oriente as repartições públicas no de-
em consonância com a nova relação que deve sempenho de suas atividades (WILSON apud
existir entre o Estado e a sociedade, onde se JAMESON,1962).
vê o cidadão como contribuinte de impostos e Existe uma distinção entre o Direito Públi-

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Administração Pública

co e a Administração Pública, onde a diferença esfera federal, estadual ou municipal, através


consiste que administração é a execução deta- de seus órgãos internos. Em contra partida,
lhada e sistemática do Direito Público. Toda a quando tais atividades são de competência de
aplicação particular das Leis em geral são rea- outro tipo de pessoa jurídica, tais como: autar-
lizados por meio de atos administrativos, que quia, fundação, sociedade de economia mista
são: a cobrança de impostos, o recrutamento e empresa pública; a Administração Pública
de reservistas, a entrega de correspondências é dita Administração Indireta ou descentrali-
e atividades exercidas pelo Estado. As Leis em zada (INSTRUMENTO DE AVALIAÇÃO DA
geral que obrigam o Estado a fazer diversas GESTÃO PÚBLICA, 2001, MP).
atividades e desempenhar várias funções não
fazem parte da administração pública. No 1.2 Evolução da Administração Pública
estudo da administração pública o objetivo no Brasil
final é realizar da melhor forma as práticas
administrativas do governo, para desta for- A administração pública evoluiu histo-
ma melhor servir aos interesses públicos, ricamente através de três modelos básicos:
aos ideais e às necessidades da sociedade. a administração pública patrimonialista, a
(JAMESON,1962). administração burocrática e a administração
O Direito Administrativo estuda a consti- gerencial. Estas três formas se sucedem no
tuição do organismo administrativo e as suas tempo, sem que qualquer uma delas seja in-
relações legais com o público e com os próprios teiramente abandonada.
agentes da administração, enquanto que a Analisando a evolução histórica da Admi-
Ciência da Administração Pública examina a nistração Pública brasileira pode-se verificar
ação administrativa (legislação, executiva e, que o Brasil já superou o patrimonialismo,
subsidiariamente, judiciária), visando reali- atravessa a fase burocrática, e após a Reforma
zar o mais eficiente possível as finalidade do Administrativa do Aparelho do Estado de
Estado. Resumindo, o Direito Administrativo 1995, acha-se pronto legalmente para ingressar
trata do aspecto jurídico da Administração na “administração gerencial”. Embora exista
Pública, ou sela das normas jurídicas (MOITI- a condição legal para a implementação da
NHO, 1969). administração gerencial, existem alguns fatos
Outra abordagem da Administração históricos que sugerem que o Brasil ainda não
Pública pode ser verificada tanto na última apresenta condições para tanto.
Constituição quanto no Decreto-Lei 200 (de O primeiro, se refere a desconfiguração
25-02-1967), alterado pelo Decreto-Lei 900 (de do modelo burocrático pela transformação
29-09-1969), que utilizam a terminologia de dos cargos públicos em favoritismo político.
Administração Direta e Indireta para distinguir Em seguida, se juntou à administração direta
a administração centralizada da descentraliza- de forma caótica um enorme setor empresarial
da. A Administração é Direta ou Centralizada (empresas públicas), autárquico (autarquias)
quando as atividades administrativas são rea- e fundacional (fundações públicas) que fugiu
lizadas pela própria Administração Pública na ao controle central e facilitou, pela multipli-

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Administração Pública

cação dos órgãos e empresas com alto grau to governamental fundamentado no modelo
de autonomia de contratação nos anos 80, burocrático, introduzido com a criação do De-
trazendo como conseqüência a feudalização da partamento Administrativo do Serviço Público
administração pública por interesses privados. (DASP) em 1936. No segundo período, de 1964
Por último, a administração pública sofreu a 1985, é justificado pela necessidade de maior
o impacto da reforma desorganizada e mal agilidade e flexibilidade para atender às de-
sucedida realizada na era do governo Collor mandas de um Estado desenvolvimentista. O
(ANDRADE1993). terceiro período, iniciado em 1988 e finalizado
A Administração Pública brasileira não em 1988, foi mamado pela demanda da socie-
tem uma visão holística dos seus problemas dade por contenção de gastos governamentais
e evoluiu de forma descontínua do patrimo- e ao mesmo tempo da necessidade em se criar
nialismo para o burocrático, com resultados mecanismos e instrumentos que permitisse
heterogêneos, tornando a questão complexa uma gestão pública eficaz e eficiente. O quarto
e não podendo ser vista de forma planejada. período é caracterizado pela Constituição de
Desta forma, é importante rever os diversos 1988, que após o regime autoritário esmerou-se
processos de Reforma Administrativa no Bra- na abundância de normas visando a assegurar
sil para a compreensão do momento atual da a garantia de direitos dos cidadãos e a imitar
administração pública, que pode ser dividido a amplitude de poderes do Estado, resultando
em cinto períodos distintos, como descrito no na mais administrativa de todas as Constitui-
Quadro 1.1. ções- A última Reforma, iniciada em 1995, visa
O primeiro período que compreende de reorganizar as estruturas da administração
1930 a 1945, com uma extensão até 1963 onde pública com ênfase na qualidade e na pro-
existiram estudos não irnplementados. Houve dutividade do serviço público voltado para o
um esforço de novação e renovação do apara- controle dos resultados.

QUADRO 1.1: As principais reformas administrativas do Estado.

REFORMA PERÍODO CARACTERÍSTICAS PRINCIPAIS


Criação do 1930-1945 Implantação impositiva do modelo burocrático.
DASP Racionalização dos métodos administrativos, criou o sistema do mérito
na administração, orçamento usado como plano administrativo e
revisão das estruturas.
Decreto-Lei 1964-1985 Descentralização institucional (administração direta e indireta), transfe-
nº 200 –1967/69 rências de atividades para o setor privado, substituição do funcionários
estatutários por celetistas, redução da atuação do DASP.
Extinção do 1986-1988 Extinção do DASP e criação da Secretaria de
DASP Administração Pública da Presidência da República — SEDAP em 1986.
A Reforma da Administração Pública aprovada pelo Presidente José
Sarney em em 1986 teve corno princípios: racionalização e contenção
de gastos públicos, formulação de nova política de recursos humanos
e racionalização da estrutura da administração federal.

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Administração Pública

Constituição de 1988-1995 Instauração de um Regime Jurídico Único para todos os servidores


1988 (*) públicos estabelecendo a relação de trabalho, estabilidade rígida dos
funcionários, eliminou toda autonomia das fundações e autárquicas,
criou um sistema rígido de concursos inviabilizando uma parte das
novas vagas para os servidores já existentes.
Plano Diretor Após 1995 Os objetivos globais do Plano Diretor da Reforma do Estado são: 1) au-
da Reforma mentar a governança do Estado, ou seja, sua capacidade administrativa
do Aparelho de governar com
do Estado efetividade e eficiência.. voltando a ação dos serviços do Estado para
e Emenda o atendimento dos cidadãos; 2) limitar a ação do Estado àquelas
Constitucional funções que lhe são próprias, reservando, em princípio, os serviços
nº 19/98 não-exclusivos para a propriedade pública não-estatal, e a produção
de bens e serviços pata marcado para a iniciativa privada; 3) transferir
da União para os estados e municípios as ações de caráter local; só
em casos de emergência cabe a ação direta da União; e 4) transferir
parcialmente da União para os estados as ações de caráter regional,
de forma a permitir uma maior parceria entre os estados e a União.
A Emenda Constitucional N0 19/98 tem sido chamada de Emenda da
Reforma do Estado e
modificou sobre: princípios da Administração Público, servidores e
agentes públicos, controle de despesas e finanças públicas, custeio
de atividades a cargo do Distrito Federal, entre outras providências.

(*) Dentro do contexto constitucional é ministração gerencial, se faz necessário anali-


possível verificar a evolução de como se deu sar os tipos de administração (patrimonialista,
a centralização das regras que regem a admi- burocrática e gerencial) tomando com base o
nistração pública, como segue: a constituição contexto histórico e suas características admi-
do Império, de 1824, nada dispunha sobre nistrativas. Esta análise é importante, uma vez
administração pública; a primeira Constitui- que a Fiocruz é uma instituição centenária e
ção republicano promulgada em 1891 só tinha possui na sua cultura aspectos concernentes
dois artigos; a constituição de 1934 possuía 7 aos tipos de administração incorporados ao
artigos; a Constituição de 1946 que redemo- longo dos anos.
cratizou o pais tinha 11 artigos; a Constituição
de 1967 com seu viés autoritário e concen- 1.2.1 Administração Patrimonialista
trador de poder não passou de 21 artigos e O ‘patrimonialismo’ significa a incapaci-
finalmente a Constituição de 1988 alcançou 65 dade ou a relutância do poder absolutista em
dispositivos sobre administração pública sen- distinguir entre o patrimônio público e os seus
do a mais normativa comparadas com outros bens privados A administração patrimonialista
países (MOREIRA NETO, DE., 1999). Fonte: é caracterizada pela dificuldade de definição
Elaboração própria baseada MARCELINO, &F. do que venha ser o patrimônio público e o
Governo, imagem e sociedade. Brasília FUNCEP, privado, o que pode permitir a proliferação de
1988. 1/Sp. nepotismo e de corrupção (BRESSER PEREI-
Com a finalidade de entender o atual RA, 2001). Historicamente, este tipo de admi-
momento da Administração Pública e os seus nistração corresponde ao Estado absolutista
impactos na Fiocruz, ou seja, a aplicação da ad- sendo superado a partir do século XIX corri a

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Administração Pública

consolidação do Estado democrático. Na ad- administrativo e sua evolução é preciso en-


ministração pública patrimonialista o aparelho tender o período histórico que o antecedeu na
do Estado funcionava como uma extensão do Europa e posteriormente no Brasil.
poder soberano, onde os seus auxiliares e
servidores possuem o “status” de nobreza 3.2.1.1.1 Evolução da Administração Pa-
real não havendo distinção entre o público e trimonialista no mundo
o privado, ou seta, a res pública(coisa públi- Até o século XVIII prevaleceu o Estado
ca) não é diferenciada dos princípios de um absolutista justificado por filósofos como Jean
serviço público2 profissional e de um sistema Bodin e Thomas Hobbes (TAPAJÓS, 1984).
administrativo impessoal, formal e racional. Para o primeiro, os governantes estavam
Assim, nesta época não havia claramente submetidos à lei divina e tinham a obrigação
a definição das competências ou das funções moral de respeitar os tratados que assinavam,
exclusivas de Estado. o que era uma restrição ao seu poder. Este não
admitia a existência de qualquer espécie de
1.2.1.1 Evolução da Administração Patri- parlamento, pois o poder concedido por Deus
monialista não podia ser restringido pelo homem.
Este tipo de administração empregada Quanto a Hobbes, ensinava que no início
principalmente durante o período monárquico os homens viviam em estado natural sem lei
e da denominada “República Velha”3 (1891 a que os submetesse. O Estado, para ele, nada
1930) no Brasil favorecia a corrupção, o em- mais era que o resultado de um contrato pelo
preguismo e o favoritismo. Para que se possa qual os homens cediam todos os direitos ao rei,
compreender as características deste sistema que fosse forte o bastante para protegê-los.

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O conceito de serviço público possui dois sentidos fundamentais, um subjetivo e outro objetivo. No primeiro,
leva-se em conta os órgãos do Estado responsáveis pela execução das atividades voltadas à coletividade. No
sentido objetivo, o serviço público é a atividade em si, prestada pelo Estado e seus agentes. De forma simples
e objetiva conceitua-se serviço público como ‘toda atividade prestada pelo Estado ou por seus delegados,
basicamente sob regime de direito público, com vistas à satisfação do necessidades essenciais e secundárias
da coletividade’( (FILHO, J.S.C. Manual de Direito Administrativo Rio de Janeiro: Lumen Jurís, 7ª ed., 2001.
343p.). Nos anos noventa devido a globalização e a conscientização dos indivíduos, o Estado vem dando
importância à proteção do patrimônio público, ou seja da res publica, contra a ambição dos indivíduos e de
grupos economicamente e politicamente poderosos Neste contexto surge um novo conceito das atividades do
Estado onde este deve possuir atividades principais, ou seja, atividades propriamente de governo, que são as
ações de legislar, regular! julgar, policiar, fiscalizar, definir políticas e fomentar (BRESSER PEREIRA, L.C. &
SPINK, P. K. Reforma do Estado e administração pública gerencial. 4 ed., Rio de Janeiro: FGV, 2001. Sl4p.)
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O período da República Velha termina com a Revolução de 30 que implementa a centralização politica-admi-
nistrativa no Brasil (NUNES, E. A Gramática cio Brasil: Clientelismo e lnsulamento Burocrático Rio de Janeiro :
Zahar, 1997). A Nova República foi iniciada com o governo de transição do Presidente José Sarney, em 1985,
e os principais programas de governo foram: Programa de Desenvolvimento da Região Nordeste (com a fina-
lidade de diminuir a as disparidades regionais), Programa Nacional de Desburocratizaçâo (visava simplificar,
humanizar e descentralizar as relações do Estado com a sociedade e buscava o exercício da cidadania) Piano
Cruzado e a Reforma Administrativa MARCELINO, G. F.. Governo, imagem, e sociedade. Brasília: Fundação
Centro de Formação do Servidor Público — FUNCEP, 1985. 175p).

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Administração Pública

A política mercantilista4, que predominou esfera pública política, o público feminino tem
até meados do século XVIII, não favorece a uma participação mais forte na esfera pública
empresa estatal e intervêm na economia pri- literária do que os proprietários privados.
vada e, como conseqüência, a relação entre as (HABERMAS, 1984).
autoridades e os súditos acaba redundando na A Figura 3.1 mostra a estrutura básica da
ambivalência da regulamentação pública e da esfera pública burguesa do século XVIII re-
iniciativa privada. presentada pelos setores sociais, onde o setor
A ambivalência da vida privada se expres- público incluía a corte e imitava-se ao poder
sa no burguês que é proprietário de bens e das público. No setor restrito às pessoas privadas
pessoas (dominação patriarcal da família). é distinguindo entre a esfera privada e a esfe-
Esta ambivalência da vida privada também se ra pública. A esfera privada era formada pela
mostra na esfera pública onde o público leitor família no seu espaço íntimo (intelectualidade
(camadas cultas da sociedade) se entendem no burguesa) e também compreendida pela so-
discurso literário como seres humanos sobre ciedade civil burguesa mais restrita, ou seja,
experiências de sua subjetividade formando o setor da troca de mercadorias e do trabalho
à opinião pública, ou então as pessoas priva- social.
das se entendam no discurso político sobre a A esfera pública política provem da esfera
regulamentação de sua esfera privada dando literária, que intermedia através da opinião
origem as leis genéricas e abstratas. Enquanto pública, as necessidades da sociedade com o
as mulheres e dependentes estão excluídos da Estado (HABERMAS, 1984).

Setor Privado Esfera Pública Setor Público


Sociedade civil esfera pública política Estado
(setor de troca de mercadorias e de (setor da “polícia”)
trabalho social)

espaço intimo da pequena família esfera pública literária Corte


(intelectualidade burguesa) (salas de leitura, imprensa) (sociedade da aristocracia da
(mercado de bens culturais: a corte)
arte, teatro, concertos)

FIGURA 1.1 Representação da sociedade do século XVIII.


Fonte: Habermas, J. (1984). Mudança estrutural da Esfera Pública:investigação quanto a uma
categoria da sociedade burguesa. Rio de Janeiro : Tempo Brasileiro, p 45.)

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Administração Pública

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O mercantilismo é a política econômica do capitalismo comercial do século XVI ao século XVIII e tini como obje-
tivo o fortalecimento do Estado e o enriquecimento da burguesia. A prática mercantista compreendia: balança
comercial favorável, protecionismo do Estado, monopólio, incentivo à natalidade uniformização legislativa e
alfandegária do Estado. Houve quatro tipos fundamentais de mercantilismo conforme as condições históricas
de cada Estado que o pôs em prática, que são: o metalista (mais na Espanha e em Portugal), o comercial (na
Inglaterra), o industrial (na França) e o comercial-industrial (nos Países Baixos). (A. ARRUDA, J.J., História
Moderna e Contemporânea. São Paulo: Editora Ática, 1977 471p.)

No século XVIII a burguesia estava cada concepções: “a razão éguia infalível da sabedoria;
vez mais rica e ansiava pelo poder político, o universo é máquina comandada por leis infle-
que não conseguira alcançar na ajuda aos reis xíveis, que o homem não pode deixar de levar em
contra os senhores feudais. Esta se constituiu consideração; a melhor estrutura da sociedade é a
numa classe revolucionária, que nos fins do mais simples e a mais natural; o homem por nature-
período iria levantar-se contra a monarquia za é bom e puro” (TAPAJOS, 1984; p.7). Entre as
absolutista e as classes privilegiadas, nobreza principais obras dos filósofos luministas, pode-
e o alto clero. Para reagir, era preciso que se se citar: a de Montesquieu - “Espírito das Leis”
formasse uma filosofia que conquistasse uma onde se dedica ao estudo de diversas formas de
consciência revolucionária, que foi a obra de governo; a de Voltaire — ‘Cartas Inglesas” que
alguns economistas e filósofos do século XVIII, ataca o absolutismo e a intolerância e elogia a
dentre os principais pode-se citar: Quesnay, liberdade; e a de Rosseau — “Contrato Social
Goumay, Turgot, Adam Smith, John Locke, onde defende a liberdade e a igualdade entre
Montesquieu, Voltaire, Rousseau e Diderot os homens, preconizando o regime democrá-
(ARRUDA, 1977). Surgiu o movimento Fisio- tico (ARRUDA, 1977, p. 138).
crático liderado por François Quesnay (TA- Os filósofos iluministas e a corte britânica
PAJÓS, 1984), que erguendo-se contra o mer- definem os direitos civis, que no século XIX,
cantilismo acreditava que só a agricultura era foram introduzidos pelo liberais nas Consti-
capaz de produzir riquezas. Este defendia que tuições dos países civilizados. A idéia revo-
a indústria e o comércio apenas aumentavam lucionária consolidou-se no século XIX, entre
essas riquezas, desde que fossem realmente os anos de 1760 a 1848, quando a burguesia
livres, Laissez faire, íaissez passer. Indo além da travou o grande combate contra o sistema
concepção de Quesnay, o inglês Adam Smith político dominante e abriu caminho para o
(TAPAJÓS, 1984), com a sua obra ‘Uma inves- aparecimento dos Estados democráticos.
tigação sobre a natureza e as causas da riqueza Foi a Revolução Industrial6 que permitiu à
das nações’ (1776), tomou-se o pregoeiro do burguesia desenvolver o máximo de suas po-
liberalismo econômico. tencialidades, fixar os seus quadros e possibi-
A idéia de nação se manifesta na filosofia litar o surgimento dos Estados democráticos.
do lluminismot cujos nomes deste movimento O primeiro golpe foi a derrubada gradati-
foram Voltaire, Montesquieu, Jean-Jacques va do absolutismo associada a idéia de Estado,
Rousseau e John Locke (TAPAJÓS, 1984). A que até então era fundamentada no rei como
filosofia do lluminismo tem como principais soberano. Surge a idéia de nação, onde os

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Administração Pública

déspotas esclarecidos perceberam que existia Itália, Áustria e Alemanha). O socialismo pas-
o povo que fazia parte de seu patrimônio e de sou de utópico a cientifico com a obra ‘Manifesto
sua riqueza, e por isso, deveria ser cuidado Comunista de Marx e Engels (ARRUOA, 1977),
originando uma concepção paternalista. Essa que pregava a reforma total da sociedade, com
aliança de princípios filosóficos e poder mo- a extinção da propriedade e o estabelecimento
nárquico deu origem a um regime de governo da ditadura do proletariado, através da luta de
típico do século XVIII , o despotismo esclarecido classes e da revolução permanente. Neste perí-
(ARRUDA, 1977). odo, os socialistas definiram os direitos sociais
No inicio do século XIX apareceram os (igualdades sociais) que só foram introduzidos
seguidores da doutrina socialista, que influen- nas Constituições de todos os países na metade
ciou as revoluções de 1848 na Europa (França, do século XX.

5
O iluminismo surgiu na França no século XVIII e se caracterizava por procurar uma explicação racional para
todas as coisas. Na França novos princípios surgiram entre os quais podemos citar o de Vauban que propôs
que se adotasse a justiça fiscal e igualdade tributária sobre todos, o pensamento de Fenelon que defendia
a existência de leis que regulassem o funcionamento do reino e as idéias de Pierre Bayle que pregava a
liberdade de pensamento e a tolerância religiosa. (A. ARRUDA, J.J. História Moderna e Contemporânea. São
Paulo: Editora Ática, 1977. 47lp.).
6
As mudanças sociais ocorridas na Inglaterra no século XVIII receberam o nome de Revolução Industrial, carac-
terizada pela evolução tecnológica e por uma verdadeira revolução social. A Revolução Industrial, na Inglaterra
determinou a passagem da sociedade rural para a sociedade industrial, a mudança do trabalho artesanal
para o trabalho assalariado e a utilização da energia a vapor em lugar da energia humana. (A. ARRUDA, J.J.
História Moderna e Contemporânea. São Paulo: Editora Ática, 1977. 471p.).

Ao lado dessas idéias ganhou terreno o Po- 1.2.1.1.2 Evolução da Administração Pa-
sitivismo7, que essencialmente contrapunha-se trimonialista no Brasil
às idéias socialistas. A política positivista ga- Como o Brasil possui uma marcante he-
nhou seguidores em todos os países chegando rança cultural colonial é importante aqui resu-
ao ponto mais alto a sua influência nos últimos mir as principais características dos padrões
anos do século XIX. estabelecidos dessa época pela metrópole na
Historicamente verificamos que no século nossa cultura administrativa.
XVIII compreendeu-se a importância de prote- Portugal, na primeira fase econômica da
ger o indivíduo contra um Estado oligárquico. monarquia, era patrimonialista e agropatriar-
No século XIX a importância de proteger os cal e, com o desenvolvimento das cidades, do
pobres e os fracos contra os ricos e poderosos, comércio e da economia monetária, passou à
mas somente na segunda metade do século fase do patrimonialismo estamental8, ou seja,
XX a importância de proteger o patrimônio o quadro administrativo se define e se torna
público passou a ser dominante. elemento de dominação da vida política. O
estamento administrativo português ganhou
expressão através dos juristas e dos militares
enobrecidos. No reinado de D. Manuel após
as medidas centralizadoras de D. João II,
configura-se o Estado estamental ou o quadro

13
Administração Pública

burocrático que durou até o fim do século uma colônia de exploração e não de povoa-
XVIII (AVELLAR, 976). mento. A produção de açúcar para a exporta-
Portugal no século XVI possuía uma estru- ção foi a principal causa de ocupação territorial
tura de poder baseada: 1)no poder absolutista e o primeiro empreendimento empresarial
caracterizado pelo sistema político europeu da no Brasil. Os engenhos de açúcar dependiam
época, que se mantinha através do monopólio de licença do Estado, e a comercialização do
do comércio; 2) e um enorme aparelho estatal, produto na Europa era privilégio da Coroa
ocupado por uma classe economicamente im- portuguesa.
produtiva, formada por uma antiga nobreza Para fazer cumprir essas regras, fazia-se
proveniente do término das guerras contra os necessário uma grande burocracia e as pessoas
mouros e da Espanha (MARTINS, 1997). empregadas na administração colonial eram
Essa estrutura de poder foi totalmente conhecidas como “filhos da folha” que signifi-
transplantada ao Brasil, que era considerada cava vivendo às custas da folha de pagamento
do Estado (MARTINS, 1997).

7
O positivismo deve seu nome à doutrina de Comte, onde a razão era capaz de regular tudo e tudo podia explicar
e por outro lado tentava-se aplicar o empirismo aos fatos sociais. A revolução e anarquia são para Comte a
mesma coisa. E necessária a Ordem para que haja o Progresso, o que representa os anseios da burguesia
dominante (TAPAJÓS, V. História Administrativa do Brasil; organização política e administrativa do Império.
Brasília: Fundação Centro de Formação do Servidor Público — FUNCEP, 1984. 380 p.).
8
A palavra estamento designa um grupo distinto de uma classe social desejosa de um status através de privilégios
obtidos, onde as relações são reguladas pela tradição, fidelidade feudal ou patrimonial e tolerância (WEBER,
M. Grandes Cientistas Sociais. São Paulo: Editora Atiça, 1991. l65p.).

Após a independência, a herança colonial Pode-se concluir que o patrimonialismo,


permaneceu e fez surgir um conglomerado de o clientelismo, a burocracia extensiva e a in-
estruturas oligárquicas de poder espalhadas tervenção do Estado na economia estão ins-
pelo pais. Algumas delas organizaram-se como critas na tradição brasileira com características
sistemas fechados9, baseados nos latifúndios persistentes da herança colonial (MARTINS,
improdutivos, na escravidão e na regra senho- 1997).
rial que foi apoiada pela administração política O que se presencia até a década dos anos
de favores aos clientes locais. Embora sem oitenta é uma marcante influência da admi-
autonomia, o município representou tanto no nistração patrimonialista, como afirma o do-
Império quanto durante a Primeira República cumento sobre as respostas a questões formu-
um importante papel político. Assim, os co- ladas pela Comissão Especial da Câmara dos
ronéis (donos dos latifúndios) dominavam os Deputados, onde a Deputada Teima de Souza
cargos públicos, usavam em proveito de seus coloca o pensamento da pesquisadora Vera
“afilhados” e se impunham perante às Câma- Stork ao afirmar que “história da administração
ras. O “coronelismo” caminhava juntamente pública brasileira é a história do patrimonialismo,
com o sistema político, os presidentes das do rei senhor das terras, das gentes e dos cargos,
províncias, na defesa dos interesses mútuos dos amigos do rei, os quais modernamente se in-
(TAPAJÕS, 1984). serem no tecido da administração pública pela via

14
Administração Pública

do contrato sem concurso, sem aferição prévia da funcional, a impessoalidade e o formalismo.


capacitação” (STORK apud CADERNOS MARE, Aparece a organização burocrática capi-
1998, p.7). talista, baseada na centralização das decisões,
na hierarquia traduzida no princípio da uni-
1.2.2 Administração Burocrática dade de supervisão, na estrutura piramidal
A administração pública burocrática foi do poder, nas rotinas rígidas, no controle
adotada no Brasil na década de 30 para subs- passo a passo dos processos administrativos.
tituir a administração patrimonialista, que Os controles administrativos, visando evitar a
ainda mantinha a sua própria força no quadro corrupção e o nepotismo, são sempre realiza-
político brasileiro. O coronelismo passa ser a dos a priorí Desta forma, os controles rígidos
expressão local do patrimonialismo, dando dos processos são justificados para garantir a
lugar ao favoritismo e aos privilégios que con- lisura dos mesmos.
tinuava a permear o serviço público. Com o tempo as organizações burocráticas
Tornou-se necessário desenvolver um tipo passam a possuir características negativas,
de administração que partisse não apenas da sendo vistas como aquelas onde a quantida-
clara distinção entre o político e o administra- de de papel se avoluma, extremo apego dos
dor público, como também a separação entre o funcionários aos regulamentos e rotinas, que
que é privado e o que é público. Surge assim a impedem as soluções rápidas ou eficientes. Os
chamada administração burocrática moderna, cidadãos, de maneira geral, passaram a dar o
racional-legal, que é constituída por princípios nome de burocracia aos defeitos do sistema,
orientados do seu desenvolvimento a profis- ou seja as disfunções e não ao sistema organi-
sionalização, a idéia de carreira, a hierarquia zacional (CHIAVENATO, 1983).
9
A abordagem de um sistema fechado é a maneira de ver tudo o que acontece dentro de uma organização como
se ela existisse num vácuo, ou como se fossem entidades autônomas, absolutas e hermeticamente fechadas
a qualquer influência vinda do exterior.(CHIAVENATO, 1. Introdução á Teoria Geral da Administração, 3 ed.,
São Paulo: Mc-Graw-HilI, 1983. 617p.)

O conceito de burocracia para Max Weber do empregado.


é exatamente o contrário, onde a eficiência 6- Autoridade limitada do cargo.
está no detalhamento antecipadamente e nos 7- Gratificação diferencial por cargos.
mínimos detalhes como as coisas devem ser 8 - Separação entre propriedade e adminis-
realizadas, e possuindo as seguintes caracte- tração.
rísticas (WEBER apud HALL, 1976, p.34): 9 - Ênfase nas comunicações escritas.
1- “Hierarquia de autoridade. 10-Disciplina racional.
2- Divisão do trabalho. 11-Especialização da administração que é se-
3- Gompeténcia técnica. parada da propriedade.
4- Normas de procedimentos para atuação no 12-Profissionalização dos participantes.
cargo. 13-Completa previsibilidade do funcionalis-
5- Normas que controlam o comportamento mo”.

15
Administração Pública

Algumas dessas características, exercidas de impor a própria vontade dentro de uma re-
de forma extrema pela administração pública, lação social, mesmo contra qualquer forma de
levou a ineficiência dos seus processos, onde resistência e qualquer que seja o fundamento
o controle passa a ser a garantia do poder do dessa probabilidade” (CHIAVENATO, 1983,
Estado e transforma-se na sua própria razão de p.278).
ser, tendo como conseqüência o Estado voltado A autoridade proporciona o poder e este
para si mesmo perdendo a noção de sua missão conduz a dominação, que é “a probabilidade de
básica, que é servir à sociedade. encontrar obediência a um determinado mandato,
A qualidade fundamental da adminis- podendo fundar-se em diversos motivos de submis-
tração pública burocrática é a efetividade são “(WEBER, 1920).
no controle dos abusos e seus defeitos são: a A dominação requer um aparato admi-
ineficiência, a auto referência, a incapacidade nistrativo, pois necessita de um pessoal ad-
de voltar-se para o serviço aos cidadãos vistos ministrativo para executar as ordens e servir
como clientes. Entretanto, estes defeitos não se como ponto de ligação entre o governante e os
revelaram determinantes na época do surgi- governados. Esta pode depender dos seguintes
mento da administração pública burocrática, fundamentos: de uma gama de interesses van-
porque os serviços do Estado eram muito tajosos daqueles que mandam e em inconve-
reduzidos. O Estado limitava-se a manter-se niências para aqueles que obedecem; do mero
a ordem e administrar a justiça, a garantir os costume e hábito de um comportamento inve-
contratos e a propriedade. terado do dominador que influencia a conduta
Neste ponto verificam-se que a caracte- dos dominados; e nas crenças que legitimam
rística que define o governo nas sociedades o exercício do poder tanto na mente do líder
pré-capitalistas e pré-democráticas era a pri- como dos subordinados.
vatização do Estado, ou a interpermeabilidade Nas relações entre dominados e dominan-
dos patrimônios públicos e privados. tes costuma-se apoiar internamente em bases
Assim, enquanto que a administração do jurídicas, nas quais se institui a sua “legiti-
Estado pré-capitalista era uma administração midade”, e o abalo dessa crença pode trazer
patrimonialista, com o surgimento do capita- instabilidade. Weber (1920) aponta três tipos
lismo e da democracia emerge a administração de dominação (autoridade): dominação tra-
burocrática como instrumento de combater o dicional, dominação carismática e dominação
nepotismo e a corrupção, estabelecendo um legal ou burocrática.
serviço público profissional e um sistema ad- Na dominação tradicional, típica da socie-
ministrativo impessoal. dade patriarcal, os subordinados aceitam as
Segundo Weber, para cada tipo de socieda- ordens dos superiores como justificadas, por-
de existe um tipo de autoridade, que “significa que essa sempre foi a maneira tradicional de
a probabilidade de que um comando ou ordem agir ou de fazer uma tarefa. Os funcionários
especifica seja obedecido”. A autoridade repre- são dependentes economicamente do senhor
senta o poder institucionalizado e oficializado, feudal e geralmente são: parentes, favoritos,
pois o poder é definido como a probabilidade empregados, etc..

16
Administração Pública

A dominação carismática, características apenas com o intuito de mostrar que toda a


das sociedades em períodos revolucionários, mudança administrativa está associada às
envolve um grande número de seguidores transformações sociais, conforme visualizadas
constituído de discípulos e subordinados, que no Quadro 1.2.
aceitam as ordens do superior como justifica- Na sociedade do conhecimento a do-
das por causa da influência da personalidade minação é exercida através do domínio das
e da liderança superior com o qual se identi- tecnologias, onde os subordinados possuem
ficam. conhecimentos especializados e são avaliados
Por último na dominação legal, típico do não mais pelas tarefas que realizam, mas pelos
Estado Moderno, os subordinados aceitam as resultados que alcançam. Assim, os trabalha-
ordens dos superiores como justificadas, por- dores são capazes de sozinhos ou em equipes
que concordam com um conjunto de preceitos de: planejar, organizar e executar muitos as-
e normas que consideram legitimos e dos quais pectos de seu próprio trabalho.
deriva o comando. A função dos gerentes não é mais falar
Com base no estudo sobre a tipologia para os subordinados o que fazer e nem con-
de sociedade e a tipologia de dominação foi trolar a execução do trabalho, mas de exercer
feita uma analogia da realidade do final do uma liderança capaz de mover um grupo de
século X)( e o aparecimento da administração pessoas numa direção através de meios não
gerencial. Esta foi uma comparação empírica, coercitivos (STEWART, 1998).

QUADRO 1.2: Tipologia da sociedade e da dominação segundo Weber versus a atual.

Tipos de Tipos de Características Aparato


Características Exemplos Legitimação
Sociedade dominação da autoridade Administrativos
Forma patri-
Tradição, hábi-
Não é racional. monial e forma
Patriarcal e Clã, tribo, tos, usos e cos-
Poder herdado feudal. Estrutura
patrimonialista, família, tumes. Rela-
Tradicional Tradicional ou delegado. estamental.
ou Conserva- sociedade ções reguladas
Baseada no Administração
dora medieval pelo privilégio e
“senhor” limitada e autô-
fidelidade
noma
Característica Inconstante e
Não é racional,
Grupos pessoais (he- instável. Esco-
nem herdada,
Personalista, revolucionários, roísmo, magia, lhido conforme
nem delegável.
mística e partidos poder mental) a lealdade e
Carismática Carismática Baseada no
arbitrária, políticos, carismáticas do devoção ao líder
“carisma” ou
revolucionária nações líder. É uma re- e não somente
no reconheci-
em revolução lação puramen- por qualificações
mento.
te pessoal. técnicas.

17
Administração Pública

Justiça da lei. Burocracia.


Legal, racional, Promulgação
normas impes- e regula-
Estados soais, formal. mentação de
Racionalidade
Legal, Ra- denominados Legal, Meritocrática*O normas legais
dos meios e
cional ou modernos, em- Racional ou dever de previamentede-
dos 20,00,,0.
Burocrática presas, exérci- Burocracia obediência está finidas. A base
objetivos.
tos. graduado numa funcionamento
hierarquia de técnico é a
cargos. disciplina do
serviço.
Baseada na O que importa Gerencial, Con-
Globalizante, a
liderança. De- são os resulta- trato de gestão
sociedade rei- Nações desen- Tecnológica
Conheci- lega poder com dos. Foco no
vindica os seus volvidas. Empre- e Finan-
mento responsalidade. Planejamento,
direitos, Era da sas modernas ceira
Flexibilidade nas pessoas e
informação
das normas nos processos.

fonte: Elaboração própria, adaptado da obra: CHIAVENATO, 1. lntrodução à teoria geral da


administração. 3 ed., São Paulo Graw-Hill, 1983. p.28l.

A mudança administrativa na esfera públi- Cabe aqui explorar um pouco mais as dis-
ca foi facilitada e acelerada por uma convergên- torções do modelo burocrático e que tem como
cia de inovação tecnológica e orientação para resposta a administração gerencial.
custos (PETTIGREW, 1996X sendo iniciada no Para Weber (1920) a burocracia conduz
início dos anos 90 em diversos países (EUA, a organização a conseqüências previstas ou
Inglaterra, França, Nova Zelândia, Canadá, desejadas de sua funcionalidade e com o obje-
etc.) e inclusive no Brasil. Neste novo contex- tivo de obter à máxima eficiência, mas Merton
to, o modelo burocrático começou apresentar (1967) notou também as conseqüências impre-
problemas devido ao excesso de controle e vistas ou indesejadas e que levam à ineficiência
de disciplina, que tornaram a administração e às imperfeições (MERTON apud ETZIONE,
presa a uma racionalidade técnica e processual 1967, p.60).
pouco adequada em termos de resultados. A A estas conseqüências imprevistas Merton
estrutura hierárquica mostrou-se ineficiente deu o nome de disfunções da burocracia, para
por sua rigidez e sua verticalidade e a ética da designar as anomalias de funcionamento res-
obediência eliminou a criatividade. ponsáveis pelo sentido pejorativo que o termo
Na prática verifica-se que a autonomia burocracia adquiriu junto a sociedade. O Qua-
reduzida levou à ausência de responsabilidade dro 3.3 ilustra de maneira simplificada a previ-
por parte dos servidores. Conseqüentemente sibilidade e as disfunções da burocracia.
os serviços públicos mostraram-se ineficientes
ou de má qualidade, já que o modelo burocrá-
tico não privilegia a obtenção de resultados,
mas apenas o cumprimento das normas e a
obediência às ordens hierárquicas.

18
Administração Pública

10
A burocracia é uma organização na qual a escolha das pessoas é baseada no mérito e na competência téc-
nica e não em preferências pessoais. (CHIAVENATO, 1. Introdução à teoria geral da administração. 3 ed.,
São Pauto: Mc Graw-Hill, 1983. 617 p.)

QUADRO 1.3: Previsibilidade da burocracia e suas disfunções

PREVISIBILIDADE DO DISFUNÇÕES DO
FUNCIONAMENTO FUNCIONAMENTO
SEGUNDO MAX WEBER (1920) SEGUNDO ROBERT K. MERTON (1967)

1- Apego as normas e as regras passa a ser os principais objeti-


1 - Legalidade das normas
vos dos burocratas.

2- Excesso de formalismo de documentação e conseqüentemente


2 - Comunicação formal
a enorme quantidade de papel

3- Resistência as mudanças, pois os funcionários são apenas um


3 - Divisão do trabalho
executor das rotinas e possuem a estabilidade do cargo.

4 - lmpessoalidade no relacionamento 4- Os funcionários são despersonalizados no relacionamento sen-


entre os funcionários do identificados pelo número do registro.

5- A decisão é tomada por quem ocupa cargos hierárquico mais


5 - Hierarquização da autoridade
alto.

6- A rigidez no cumprimento das regras faz com que o funcionário


6 - Rotinas e procedimentos
perca a flexibilidade, a iniciativa, a criatividade e a inovação.

7- A hierarquia da autoridade implica distinguir aqueles que detém


o poder, e dar-lhes privilégios exacerbados. Dai surge a ten-
7- Competência técnica e mérito dência à utilização intensiva de símbolos ou de sinais de status
para demonstrar a posição hierárquica em relação aos funcio-
nários

8- O funcionário está voltado para atender as normas da organiza-


8 - Especialização da Administração ção e essa atuação interiorizada gera conflitos com os clientes
da organização.

9- Nem sempre o perfil do profissional está compatível com a


9 - Profissionalização
função do cargo que este exerce.

Fonte: CHIAVENATO, 1. Introdução à teoria gera/da administração. 3 ed., São Paulo Mc Graw-
Hill, 1983. P 290-294.

19
Administração Pública

1.2.2.1 Evolução da Administração Buro- nepotismo e a corrupção, porém esta última


crática no mundo e no Brasil argumenta que não são necessários procedi-
A administração burocrática clássica, mentos rígidos para isto, uma vez que existe
baseada nos princípios da administração do uma nítida rejeição da sociedade em relação
exército prussiano, foi implantada nos princi- as pessoas que confundem os patrimônios
pais países europeus no final do século XIX; públicos e privados. A administração gerencial
nos Estados Unidos no começo do século XX está orientada para o cidadão e é baseada na
e no Brasil em 1936, com reforma administra- descentralização e no rígido controle sobre o
tiva promovida por Maurício Nabuco e Luis desempenho organizacional aferido por indi-
Simões Lopes (BRESSER, 1999). cadores e definidos por contratos de gestão
Neste ano, foi criado o DASP - Departa- (BRESSER PEREIRA, 2001).
mento Administrativo do Serviço Público, que Algumas características definem a admi-
representou não apenas a primeira reforma nistração pública gerencial, como (CADERNO
administrativa do pais, com a implantação 3, MARE, 1998):
da administração burocrática, mas também ▪ pressupõe que os funcionários públi-
a afirmação dos princípios centralizadores e cos são merecedores de confiança;
hierárquicos da burocracia clássica. Embo- ▪ incentiva a criatividade e a inovação;
ra, na época de sua implementação, tenham ▪ contrato de gestão é o instrumento
sido valorizados instrumentos importantes, mediante o qual se faz o controle sobre
tais como o sistema de méritos através do re- os órgãos descentralizados;
crutamento por meio de concurso público, o ▪ descentralização financeira do ponto
treinamento sistemático dos funcionários e a de vista político, transferindo recursos
observância do cumprimento do regime jurí- eatribuições para os níveis políticos
dico do pessoal, não se chegou a adotar uma regionais e locais;
política consistente de recursos humanos que ▪ descentralização administrativa, por
respondesse às necessidades do Estado. Coube meio da delegação de autoridade
ao DASP fazer cumprir a norma constitucional para os administradores públicos
da proibição do acúmulo de cargos públicos e transformados em gerentes crescente
ainda o aperfeiçoamento da técnica de elabo- autônomos;
ração orçamentária (AVELLAR, 1976). ▪ organizada em poucos níveis hierár-
quicos, ao invés de estruturas pirami-
1.2.3 Administração Pública Gerencial dais;
A administração pública gerencial surgiu ▪ organizações flexíveis, ao invés de
da necessidade do Estado na segunda metade unitárias e monolíticas, nas quais as
do século XX em reduzir os custos e aumen- idéias de multiplicidade, de compe-
tar a qualidade dos serviços, tendo o cidadão tição administrativa e de conflito não
como beneficiário. Tanto o modelo de admi- tenham lugar;
nistração pública burocrática quanto o modelo ▪ controle é feito por resultados, a poste-
gerencial assumem que é preciso combater o ríori ao invés do controle rígido, passo

20
Administração Pública

a passo, dos processos administrativos auto-referente, ou seja, promoverem os seus


e; próprios interesses.
▪ administração voltada para o atendi- Na administração gerencial não existe
mento do cidadão, ao invés de auto- mais a preocupação do poder do Estado estar
referida. ameaçado e o serviço público não precisar ser
auto-referido, mas orientar o serviço para o
A administração pública gerencial se con- cidadão.
trapõe à burocracia11 partindo do principio que
não existe a necessidade de procedimentos 1.2.3.1 Evolução da Administração Públi-
rígidos e prega a descentralização com dele- ca Gerencial no mundo
gação de autoridade e de responsabilidade ao A administração pública gerencial apa-
gestor público, bem como o rígido controle receu na década dos anos 70 como resposta
sobre o desempenho mediante a aferição de à crise do Estado contemporâneo, de modo a
indicadores acordados e definidos por contrato enfrentar principalmente a crise fiscal, como
de gestão. uma estratégia para reduzir os custos e tornar
A burocracia moderna surgiu quando mais eficiente a administração dos serviços
ainda era preciso afirmar o poder do Estado públicos, bem como um instrumento para pro-
sobre os cidadãos em oposição aos poderes teger o patrimônio público contra os interesses
feudais ou regionais e por isso tende a ser do rent-seeking12 ou da corrupção.

11
A burocracia enfoca os processos, sem considerar a alta ineficiência envolvida num controle rígido, por acre-
ditar que esta seja a forma mais segura de evitar o nepotismo e a corrupção. Os controles são preventivos e
são a priori Também se tem como paradigma que punir os desvios é sempre mais difícil ou impossível e por
isso se prefere prevenir. Uma vez que sua ação não tem objetivos claros, definir indicadores de desempenho
para as agências estatais é tarefa extremamente difícil e não se tem outra alternativa senão controlar os
procedimentos.
12
Rent-seeking, cuja tradução literal quer dizer busca de rendas, é definido como a atividade de indivíduos e
grupos de buscar “rendas” extra-mercado para si próprio através do controle do Estado. Tem origem na teoria
econômica neoclássica, onde um dos sentidos da palavra ‘rent” é exatamente o ganho que não tem origem
nem no trabalho, nem no capital. Corresponde ao conceito de “privatização do Estado” que os brasileiros
vêm usando. O conceito de “privatização do Estado” ou de “privatização do patrimônio público” consiste na
venda regular de um patrimônio que a sociedade conclua que deva pertencer a entidades privadas, e não a
entidades públicas. (BRESSER PEREIRA, 1996, p.19)
13
O Bem Estar Social se constitui em uma série de satisfações físicas, intelectuais, afetivas, espirituais e morais
que podem ser proporcionadas ao homem, mediante seu próprio esforço e o esforço dos demais. Esse bem
estar, uma vez co-participado é o bem comum, o fator ou os fatores de bem estar podem nâo ser comuns e
geralmente não o são, porém os resultantes devem ser universais e reconhecidos por todos os homens e por
eLes aceitos com satisfação (CASTOR et aI., 1987, p.95).

21
Administração Pública

Os quatro fatores sócio-econômicos mais classe capitalista emergente, enquanto que no


importantes que contribuíram no final da século )(X, surge o Estado desenvolvimentis-
década dos anos 70 para a crise do Estado ta, onde a administração burocrática é uma
contemporâneo foram: modalidade de apropriação dos excedentes
▪ as duas crises do petróleo, em 1973 e por uma nova classe média de burocratas e
1979, ocasionando uma recessão na tecnocratas.
economia mundial dos anos oitenta; O Estado liberal se caracterizou pela con-
▪ problema fiscal dos Estados em finan- centração de renda na burguesia, através de
ciar os seus déficits públicos e a recu- mecanismos de mercado, enquanto que, no
sa dos contribuintes em pagar mais Estado desenvolvimentista, o excedente da
impostos; economia foi dividido entre os capitalistas e
▪ a crise de governança dos Estados os burocratas, que além dos mecanismos de
contemporâneo, e por fim; mercado usaram o controle político do Estado
▪ a globalização e todas as transforma- para enriquecimento próprio. Foi constatado
ções tecnológicas que ocorreram no ao longo do tempo que tanto nos países de-
setor senvolvidos quanto nos países em desenvol-
▪ produtivo afetaram o Estado. vimento, a res publica não foi bem protegida
pela administração burocrática, dada a sua
Na realidade o enfraquecimento dos go- ineficiência em administrar o Estado de Bem-
vernos para controlar os fluxos financeiros e Estar Social13 e de substituir a burguesia no
comerciais acrescido do aumento do poder processo de acumulação do capital.
das grandes multinacionais resultou na perda A administração pública burocrática apa-
significativa dos Estados nacionais de por em receu para combater o patrimonialismo, num
prática políticas macroeconômicas. Esta crise momento em que a democracia dava os seus
do Estado afetou diretamente a organização da primeiros passos, e portanto era natural que
administração burocrática pública (ABRUCIO, houvesse um clima de desconfiança de tudo e
CADERNO 10, ENAP,1997). de todos. Em contraposição a administração
Se no século XVIII foram defendidos os pública gerencial parte do pressuposto que a
direitos civis e no século XIX os direitos sociais, sociedade condena fortemente o patrimonia-
passa atualmente a necessidade de se defender lismo e que a democracia é um regime político
os direitos de que gozam todos cidadãos de consolidado. Logo, a administração burocrá-
que seja público o que de fato é público, e por- tica tem uma característica centralizadora e
tanto o direito de que a propriedade do Estado autoritária e a administração gerencial está
seja pública, isto é, de todos e para todos, não baseada em uma concepção de Estado e de
apropriada por uns poucos. sociedade democrática e plural.
No século XIX a administração pública A partir da década dos anos setenta sur-
do Estado liberal era um instrumento para ga- giram principalmente nos Estados Unidos e
rantir os direitos de propriedade e assegurar a na Grã Bretanha programas governamentais
apropriação dos excedentes da economia pela voltados para o aumento da eficiência e a me-

22
Administração Pública

lhoraria da qualidade dos serviços prestados ic Management e finalmente para o “Public


ao cidadão, cuja denominação genérica é “ge- Service Orientation”, conforme descrito no
rencialisrno” na administração pública ou mais Quadro 1.4.
conhecido pelo termo ‘managerialism”.
A administração pública gerencial evolui
do Modelo Gerencial Puro” para o “New Pub/

QUADRO 1.4: Evolução da Administração Pública Gerencial

Objetivo e relação com a Sociedade


Modelo Gerencial Puro New Public Management Public Service Orientation
Economia/Eficiência Efetividade/Qualidade Responsabilidade
Pública/Eqüidade
Contribuintes Clientes/Consumidores Cidadãos
Fonte: ABRUCIO, F. O impacto do modelo gerencial na administração pública: Um breve estudo
sobre a experiência internacional recente. Caderno 10, Brasília ENAP, 1997. p.12.

O primeiro movimento iniciou nos anos o modelo contratual de prestação de serviços


70 e foi denominado “gerencialismo puro e públicos.
tinha como objetivo básico a preocupação Por último, aparece nos anos 90 o “Public
com a eficiência, a economia e produtivida- Service Oriented’ resgatando os conceitos: trans-
de, pretendendo sensibilizar, dessa forma, os parência, dever social de prestação de contas,
contribuintes. participação política, eqüidade e justiça. Essa
Em seguida, surge nos anos 80 o movimen- nova visão introduz novas idéias ao modelo
to do “New Public Management, que incorpora gerencial puro, que são: valorização da des-
a idéia da efetividade e da busca da melhoria centralização como meio de implementação
da qualidade dos serviços, na perspectiva dos de políticas públicas; mudança do conceito de
clientes/usuários desses serviços. cidadão passando de mero consumidor para
Desde a metade dos anos 80, o governo uma conotação mais coletiva de cidadania que
britânico vem incorporando os princípios da inclui direitos e deveres; e competição entre
qualidade na administração pública visando á agências públicas como princípio de coope-
obtenção da satisfação dos cidadãos. ração para obter um melhor resultado global.
Assim, a busca da qualidade dos serviços Este aperfeiçoa as discussões sobre: eficiência,
públicos é outro conceito que o modelo geren- qualidade, avaliação de desempenho, flexibi-
cial vem incorporando, a partir da experiência lidade e planejamento estratégico (ABRUCIO,
do setor privado com a abordagem da Admi- CADERNO 10, ENAP, 1997).
nistração da Qualidade Total (Total Quality Ma-
nagement). A estratégia adotada pelo governo
inglês foi a descentralização administrativa e

23
Administração Pública

1.2.3.2 Evolução da Administração Ge- tendia orientar na busca de uma adequação


rencial no Brasil entre funções; formas de propriedade e tipos
A crise do Estado que se apresenta desde de gestão, de modo a combinar a mudança
os anos 80, reflete as transformações que levam institucional com a renovação nos métodos
em todo mundo à redefinição das funções e da de gestão e da cultura das organizações do
relação do Estado com a sociedade e frente a setor público.
economia globalizante. Desta forma, a reforma administrativa
A proposta da administração pública ge- visa fortalecimento da governança, ou seja
rencial no Brasil foi confundida com as idéias a capacidade de implementação de políticas
NeoIiberais14 de reduzir o gasto público e o pelo Estado, por meio da transição de um tipo
número de funcionários como resposta às de administração pública burocrática, rígida
limitações orçamentárias. e ineficiente, para uma administração pública
É necessário salientar que o neoliberalis- gerencial, flexivel e eficiente, voltada para o
mo surgiu como uma reação da crise fiscal do atendimento da cidadania. No Quadro 1.2
Estado e, como conseqüência, houve a neces- foram descritos os objetivos fundamentais da
sidade de reduzir o seu tamanho e cortar des- Reforma do Aparelho do Estado.
pesas, enquanto que a administração gerencial Conforme as características de cada setor
se preocupa com o aumento da eficiência e da da administração pública o Plano Diretor
qualidade dos serviços públicos (BRESSER, propõem duas mudanças básicas, com ampla
2001). repercussão sobre a estrutura do Estado.
Assim, a reforma da administração pú- A primeira estaria baseada na reorga-
blica iniciada em 1995 deve ser vista numa nização do aparelho do Estado, mediante a
dimensão mais ampla, que é o da reforma “publicização”15 e a privatização16 de ati-
do Estado brasileiro, que compreendeu três vidades que devam ter a sua propriedade
componentes fundamentais: o equacionamen- redefinida e a segunda na assimilação da ad-
to da crise financeira do Estado, a revisão do ministração gerencial nos setores de prestação
estilo de intervenção do Estado na economia de serviços ao público ou de operacionalização
e finalmente a recuperação da capacidade de de atividades de fomento ou de fiscalização,
formulação e de implementação das políticas mediante novas formas de articulação entre a
públicas pelo aparelho do Estado (CADERNO administração direta e a indireta (CADERNO
1, BRASÍLIA, DF. MARE, 1998). 12, BRASÍLIA, DF. MARE, 1998).
A reforma da administração pública teve Logo, a concepção do Plano Diretor da Re-
como fundamento o Plano Diretor da Reforma forma do Estado foi baseada numa revisão das
do Aparelho do Estado formulado em 1996 suas funções e da sua forma de organização,
(CADERNO 15, BRASÍLIA, DF. MARE, 1998) considerando os tipos de gestão e as formas de
cujo objetivo estratégico era fazer a revisão das propriedade mais adequados. A combinação
funções do Estado transferindo, para a socieda- entre as estruturas e mudanças na forma de
de e para outras esferas de Governo, atividades gestão pode ser melhor compreendidas no
que podiam ser melhor executadas no setor Quadro 1.5.
público não-estatal e no âmbito dos governos
estaduais e municipais. A restruturação pre-

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Administração Pública

14
O neoliberalismo clássico é a ideologia burguesa e aproxima-se do laissez faire, mas não pode ser confundido
com o liberalismo. É a ideologia que prega a menor intervenção do Estado na economia e defende que o
desenvolvimento deve ser realizado pela classe capitalista. É também uma ideologia colonialista uma vez que
propõe para os países subdesenvolvidos um desenvolvimento sustentado na ajuda estrangeira. Esta apoia a
ordem democrática, as liberdades individuais e o sistema representativo, mas os seus
defensores estão sempre dispostos a abandonar ou limitar essas idéias quando vêem que o próprio sistema
está em jogo, como ocorreu em 1964. (BRESSER PEREIRA, L. O. Desenvolvimento e Crise no Brasil, São
Paulo, Editora Brasiliense, 1972, p 199).
15
A palavra publicização foi criada pelo governo para distinguir a propriedade pública não estatal da propriedade
pública e da privada. A publicização pressupõe a extinção de órgãos ou entidades estatais e subsequente
absorção de suas atividades por Organizações Sociais. O processo de publicização visa assegurar o caráter
público e o direito privado da nova entidade, assegurando-lhes, assim, uma autonomia administrativa e finan-
ceira maior. As Organizações Sociais são organizações públicas não-estatais, mais
especificamente fundações de direito privado que celebram contrato de gestão com o Poder Executivo com
aprovação do Poder Legislativo, ganhando o direito de fazer parte do orçamento público federal, estadual ou
municipal. (PETRUCCI, V. & SCHWARTZ, L, Administração Pública Gerencial: a reforma de 1995: ensaios
sobre a reforma administrativa brasileira no limiar do século) CC, Brasilia, ENAP, 1999, p. 46-48.)
16
A privatização consiste em transferir para o setor privado a produção de bens e serviços, com base no pressu-
posto de que as empresas serão mais eficientes se controladas pelo mercado e administradas privadamente,
cabendo ao Estado um papel regulador e transformador de recursos e não de execução.(BRASIL, Ministério
da Administração Federal e Reforma do Estado. PROGRAMA DE REESTRUTURAÇÃO E QUALIDADE DOS
MINISTÉRIOS, Caderno 12, Brasília, DE MARE, 1998, p.15.)

QUADRO 1.5: Modelos Institucionais, Formas de Propriedade e de Administração

FORMA DE PROPRIEDADE FORMA DE ADIMINISTRAÇÃO INSTITUIÇÕES


ESTATAL PÚBLICA NÃO- PRIVADA BUROCRÁ- GERENCIAL
ESTATAL TICA
NÚCLEO Secretarias
ESTRATÉGICO Formuladoras
Legislativo de Pol. Públicas
Judiciário
Presidência
Cúpula dos
Ministérios
ATIVIDADES Agências
EXCLUSIVAS Executivas e Re-
Polícia, guladoras
Regulamentação,
Fiscalização,
Fomento,
Seguridade So-
cial Básica
SERVIÇOS Organizações
EXCLUSIVOS Sociais
Universidades, Publicização
Hospitais,
Centros de
Pesquisa, Mu-
seus
PORDUÇÃO Empresas Priva-
PARA O MER- das
CADO Privatização
Empresas
Estatais

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Administração Pública

Fonte: Ministério da Administração Fe- primeira concepção identifica governança com


deral e Reforma do Estado. Plano Diretor da o processo democrático e institucional. Neste
Reforma do Aparelho. (MARE, D. F., 1995, p. sentindo o exercício da democracia garantirá
59). o domínio das regras econômicas sobre aque-
las de ordem política. A segunda está ligada
Assim, dentre as atividades exclusivas á capacidade do Estado em promover as suas
de Estado, podemos distinguir o núcleo es- políticas com uma administração eficiente. A
tratégico, no qual as políticas são definidas, terceira concepção de governança chama a
e as agências descentralizadas que executam atenção para a importância da cultura como
políticas públicas, que pressupõe o uso do código ou linguagem que informa a percep-
poder de Estado. ção e o comportamento de uma comunidade
Segundo este modelo os serviços sociais e qualquer, no qual nenhuma idéia da política
científicos devem ser financiados pelo Estado ou de desenvolvimento econômico deve ser
porque são considerados pela sociedade de alienada. Esta se refere a experiência positiva
alta relevância e não podem ser cobrado por dos países como Japão e Coréia que foram ca-
seus serviços, o que caracteriza com Organi- pazes de se modernizarem sem perderem a sua
zações Sociais. própria herança cultural. Consequentemente,
Nesta nova perspectiva, busca o fortale- governança significa:
cimento das funções de regulamentação e de cultura, eficiência burocrática, regras
coordenação do Estado, particularmente em universais e efetividade das instituições e dos
nível federal, e a progressiva descentralização processos (WORLD BANK, TECHNICAL FA-
vertical, para os níveis estadual e municipal, PER NUMBER 254,1994).
das funções executivas no campo da prestação Resumidamente pode-se definir o termo
de serviços e de infra-estrutura. ‘governança” como “a maneira pela qual o poder é
exercido na administração dos recursos econômicos
1.2.3.3. Governança e a Governabilidade, e sociais tendo em vista o desenvolvimento’ (BAN-
fundamentos da Reforma Administrativa de CO MUNDIAL apud COSTA, 1999). Enquanto
1995 a governabilidade descreve as condições do
O desafio da Reforma do Estado e seu ajus- exercício da autoridade política, a governan-
te à nova ordem econômica e financeira global ça qualifica o modo de uso dessa autoridade
ocasionou uma discussão sobre os conceitos (MELO apud COSTA, 1999).
de governabilidade e governança (governance). Assim, sem governabilidade é impossível
Diversos autores enfatizam fatores internos e governança, que pode ser muito deficiente em
externos organizacionais, diferentes dimen- situações satisfatórias de governabilidade.
sões (política, econômica, organizacional, ge- Um governo pode ter governabilidade na
rencial), e investigam relação entre as dificul- medida em que seus dirigentes contam com os
dades enfrentadas pelo governo com o tipo de apoios políticos para governar, e no entanto
regime político e os problemas entre eficiência, pode governar mal por lhe faltar a capacidade
efetividade17 e política (SANTOS, 1996). A de governança. Existe governança quando em

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Administração Pública

um Estado o seu governo tem as condições e burocratas perante a sociedade,


financeiras e administrativas para transformar ▪ capacidade da sociedade de limitar
em realidade as decisões que toma. Um Estado suas demandas e do governo de aten-
em crise fiscal, com poupança pública negati- der
va, sem recursos para realizar investimentos ▪ aquelas demandas afinal mantidas,
e manter em bom funcionamento as políticas ▪ existência de um contrato social básico,
públicas existentes, muito menos para intro- isto é, pactos políticos orientados para
duzir novas políticas públicas, é um Estado o desenvolvimento.
imobilizado. A crise de Estado dos anos 80 A governabilidade não significa alcançar
e 90 foi uma crise de governança porque foi a estabilidade política, mas sim uma condição
um problema fiscal. Nesta visão o problema que distingue algumas sociedades permitindo-
mais amplo é o da capacidade gerencial do as enfrentar positivamente os desafios. Sem
Estado, e portanto a necessidade da reforma governabilidade não há desenvolvimento e
administrativa passou a ser fundamental. esta depende fundamentalmente da estrutura
A reforma do Estado envolve uma reforma formal e informal existente (governança), bem
política que lhe garanta governabilidade. A como das capacidades e competências dos
crise de governabilidade da América Latina atores do governo. Pode-se afirmar que um
da década de 80 estava ligada com a crise de sistema poíitico é dotado de capacidade go-
governança na medida em que a sua principal vernativa se tiver a capacidade para: identificar
causa era a crise fiscal do Estado (CADERNO problemas da sociedade e formular políticas
1, BRASILIA, DF.MARE, 1997). públicas, oferecendo soluções; e implementar
Enquanto o conceito de governabilidade as políticas formuladas mobilizando para
ou a capacidade de governar é o resultado da isso meios e recursos políticos e financeiros
relação legitima do Estado e do seu governo necessários. Assim, tanto os processos de for-
com a sociedade, a governança é a capacidade mulação como de implementação de políticas
financeira e administrativa em sentido amplo públicas são elementos cruciais constitutivos
de uma organização de implementar suas da capacidade governativa do Estado.
políticas. A capacidade governativa aborda tanto
Nas democracias modernas existem pro- a dimensão operacional do Estado, onde se
blemas de governabilidade na medida que os analisam a eficiência da máquina administra-
governos perdem o apoio da sociedade civil, tiva, novas formas de gestão, mecanismos de
ou seja, a legitimidade. A governabilidade nos regulamentação e controle, bem como a sua
regimes democráticos dependem da (CADER- dimensão política do processo, onde se inves-
NO 1, BRASILIA, DF., MARE, 1991): tigam as coalizões de apoio ás políticas gover-
▪ adequação das instituições políticas ca- namentais, o processo decisório, as relações
pazes de intermediar interesses dentro Executivo e Legislativo, o sistema partidário,
do Estado e na sociedade civil além da atuação do Judiciário como ator polí-
▪ existência de mecanismos de responsa- tico e a capacidade de liderança e coordenação
bilidade (accountability)18 dos políticos do governo. Assim, o conceito da capacidade

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Administração Pública

governativa engloba tanto os aspectos operacionais e gerenciais como os aspectos


econômicos e políticos.
A reforma do Estado, vista sobre os aspectos da governabilidade, compre-
ende não só a reforma dos papéis, do desenho organizacional, do financiamento,
dos procedimentos e da responsabilização das organizações públicas e de seus
agentes, mas também a reforma do sistema institucional da cultura burocráti-
ca.

18
A tradução do termo Accountabity seria responsabilidade, mas trata-se da obrigação
dos funcionários em prestar contas, até mesmo qualitativamente, a qualquer momento.
A responsabilidade é o reverso positivo da Accountabity, a inclinação espontânea de
atingir os resultados e deles prestar contas (TROSA, 5. Gestão pública por resultados:
quando o Estado se compromete. Rio de Janeiro : Revan, Brasília, DF: ENAP, 2001.
p.314).

28
Administração Pública

METODOLOGIA DE CASOS:
APRENDENDO COM A REALIDADE

“A administração pública no sentido mais amplo é todo o sistema de governo, todo o conjunto de idéias,
atitudes, normas, processos, instituições e outras formas de conduta humana, que determinam: a) como
se distribui e se exerce a autoridade política; b) como se atendem aos interesses públicos. Este é o âmbito
da ciência política, esboçada gradualmente desde a antigüidade, em longa evolução que tem acumulado
um acervo de interpretações bastante rico “(AMATO MUNOZ, 1962, p. 90).

Diariamente somos bombardeados com questões que envolvem escândalos de diversas


áreas públicas. Como por exemplo;

1. Operação Satiagraha
Grupo Opportunity critica Satiagraha e questiona provas de suborno
Protógenes diz que vazamento de informações é “falácia”
Justiça acata denúncia contra Protógenes por violação de sigilo e fraude processual

2. Compra de “castelo” de milhões de dólares por deputado federal, no interior do país,


causa protestos em todo país.

3. A Justiça Federal em São Paulo ouve nesta terça-feira mais quatro testemunhas de defesa
dos réus do mensalão --suposto esquema de compra de votos de parlamentares da base aliada. Ao
todo, são 96 testemunhas que serão ouvidas em audiências programadas até 5 de junho/2009.

4. O suposto esquema de fraudes nos contratos de empréstimos consignados do Senado


com instituições financeiras atingiu 1.200 servidores da Casa. A Folha Online teve acesso a um
levantamento da Secretaria de Recursos Humanos que identificou que esses funcionários tive-
ram empréstimos autorizados acima da margem permitida --que era de até 30% do salário-- na
gestão do ex-diretor de Recursos Humanos João Carlos Zoghbi. A manobra aumentou em R$
1,127 milhão o repasse do Senado aos bancos. Atualmente, o Senado repassa às instituições ban-
cárias cerca de R$ 12,5 milhões mensais --que saem dos salários de 4.100 servidores que fizeram
empréstimos com desconto direto no contracheque. Os contratos de empréstimo não geram
despesas aos cofres da Casa.

Entendendo administração em seu sentido amplo, como responsável pelas ações que atendam
aos interesses públicos, qual seria a obrigatória e ética atuação do governo nessas e em várias
questões envolvendo irregularidades?

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