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UNIVERSIDADE REGIONAL INTEGRADA DO ALTO URUGUAI E DAS

MISSÕES – URI - CAMPUS DE SANTO ÂNGELO

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM DIREITO

DISCIPLINA: DIREITO, GLOBALIZAÇÃO E RELAÇÕES INTERNACIONAIS

PROFESSOR DOUTOR: Florisbal de Souza Del’Olmo

MESTRANDO: Joel Saueressig

Inclusão ambiental: água como um direito fundamental

SUMÁRIO

Introdução

1) As gerações de direitos e o meio ambiente

2) Efetivação do direito à água

3) Reflexão crítica

Conclusão

Referências bibliográficas

Santo Ângelo

2006
Introdução

O presente trabalho visa demonstrar que a transformação na área


de direitos humanos, quer denominem-se estas transformações como gerações
ou qualquer outro termo sinônimo, demonstra a mobilidade com que se
trabalham os conceitos nos dias atuais. E, atualmente, perpassando uma rota
histórica de evolução dos direitos humanos, se chega à discussão proposta,
qual seja, de que o meio ambiente e especificamente, no caso em tela, a
questão do acesso aos recursos hídricos, é uma variante da temática de
direitos humanos que está latente no cenário mundial, convocando direta ou
indiretamente a todos para uma discussão séria a seu respeito.
1. As gerações de direitos e o meio ambiente

Inicialmente, para adentrar na análise proposta, se parte do


pressuposto de que um ser humano possui direitos. Mas a conjugação do
verbo possuir ao longo da história, se transformou e se constituiu em um
verdadeiro manancial de conceitos e de exposições que nem sempre
explicitaram e fundamentaram tal afirmação. Para exemplificar, Bobbio (1992,
p. 15) traz:
2. O problema do fundamento de um direito apresenta-se
diferentemente conforme se trate de buscar o fundamento de um
direito que se tem ou de um direito que se gostaria de ter. No
primeiro caso, investigo no ordenamento jurídico positivo, do qual
faço parte como titular de direitos e de deveres, se há uma norma
válida que o reconheça e qual é essa norma; no segundo caso,
tentarei buscar boas razões para defender a legitimidade do direito
em questão e para convencer o maior número de pessoas
(sobretudo as que detêm o poder direto ou indireto de produzir
normas válidas naquele ordenamento) a reconhecê-lo.

Em outras palavras, o autor se propõe a investigar de que maneira


os direitos se auto-estabelecem: se a partir de um critério embrionário, natural
do indivíduo, ou se a partir de um critério normativo, construído a partir da
interpretação de uma norma válida em determinado ordenamento positivo.
Ambas as interpretações não destoam de uma realidade possível.
Ao contrário, encontram fundamentos para se constituírem.
Uma vez estabelecidos estes parâmetros iniciais de interpretação,
cabe ao intérprete tentar estabelecer quais direitos estariam dentro da proposta
estabelecida inicialmente ou, inversamente, sob qual fundamento se analisa
esta questão. Ou, como citado, de um prisma jurídico ou crítico. Bobbio (1992,
p. 15-16) tem a resposta:
Partimos do pressuposto de que os direitos humanos são coisas
desejáveis, isto é, fins que merecem ser perseguidos, e de que,
apesar de sua desejabilidade, não foram ainda todos eles (por toda
parte e em igual medida) reconhecidos; e estamos convencidos de
que lhes encontrar um fundamento, ou seja, aduzir motivos para
justificar a escolha que fizemos e que gostaríamos fosse feita
também pelos outros, é um meio adequado para obter para eles um
mais amplo reconhecimento.

O problema da fundamentação é visto em primeiro plano. Mas a


questão da “desejabilidade” se mostra como um movediço conceito sobre o
qual pairam verdadeiras mutações de direitos humanos. Nesta análise, fica
descartado o critério normativo, pois impossível criar direitos humanos
limítrofes a regras jurídicas. Sobressai-se, portanto, a análise dos direitos
humanos sob um viés filosófico, crítico. A isto que se propõe o referido texto.
Bobbio esbarra na discussão em tela quando adentra na questão
nominativa dos direitos do homem, embora tal questão seja de importância
mediana. Mas o foco desta temática introdutória é questionar e tecer
argumentos em cima das gerações de direitos.
Inevitavelmente que direito, como termo gramaticalmente isolado e
posto à interpretação espúria, traz à reflexão muitos conceitos e teorizações,
uma gama interdisciplinar de aplicabilidade de sua essência conceitual. E,
atrelado a isto, estão fatores de ordem econômica, política e social que ajudam
a compor o cenário da aplicação ou não do termo.
Com fulcro nisso que as chamadas gerações ou dimensões de
direitos vieram à tona, delimitando a existência dos direitos humanos no
espaço. Adotar-se-á o termo “geração” de direitos, pois existe uma
mutabilidade plausível que denota transformações. Mais adiante isto será
explicado.
Classificam-se, portanto, em direitos de primeira, segunda, terceira
e quarta gerações. Há ainda correntes doutrinariamente reconhecidas que
provocam uma quinta e até uma sexta geração de direitos. Mas estas
conjecturas não serão apreciadas.
Quanto aos direitos de primeira geração, embora o autor adote com
firmeza o termo “dimensão”1, Sarlet (2006, p. 55-56) coloca:
Os direitos fundamentais, ao menos no âmbito de seu
reconhecimento nas primeiras Constituições escritas, são o produto
peculiar (ressalvado certo conteúdo social característico do
constitucionalismo francês), do pensamento liberal-burguês do
século XVIII, de marcado cunho individualista, surgindo e afirmando-
se como direitos do indivíduo frente ao Estado, mais especificamente
como direitos de defesa, demarcando uma zona de não-intervenção
do Estado e uma esfera de autonomia individual em face de seu
poder.

O individualismo marcou esta geração, protegendo ou tentando


delimitar uma zona de atuação estatal sem atingir o indivíduo. Uma herança da
Magna Carta Libertatum inglesa, de 1215. Na esteira da primeira geração, vem
a segunda geração de direitos. Sarlet (2006, p. 56-57) traz:

1
Considerações à parte, o autor afirma que a “discordância reside essencialmente na esfera
terminológica”. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre:
Livraria do Advogado. 2006, p. 54.
A nota distintiva destes direitos é a sua dimensão positiva, uma vez
que se cuida não mais de evitar a intervenção do Estado na esfera
da liberdade individual, mas, sim, na lapidar formulação de C. Lafer,
de propiciar um “direito de participar do bem-estar social”. Não se
cuida mais, portanto, de liberdade do e perante o Estado, e sim de
liberdade por intermédio do Estado.

Esta geração de direitos acresce na medida em que se afasta da


esfera individualista a questão dos direitos humanos e se adentra na esfera do
socialmente correto, ou do bem-estar social, mais conhecido como walfare
state.
Ainda há os direitos de terceira geração, que se espelham na
solidariedade e na fraternidade, que se inserem em um panorama atual, na
esfera dos direitos difusos e coletivos. A ação civil pública é um instrumento
disponível no direito brasileiro que ilustra esta geração.
Mas o que se faz relevante é a questão envolvendo os direitos de
quarta geração. Estes direitos compreendem, entre outros, o de uma vida
saudável e de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, ou, ainda,
sustentável. Esta geração de direitos caminhou gradativa e lentamente através
dos anos proporcionando o surgimento de uma mentalidade e de uma doutrina
focada nesta esteira.
Não se pode confundir ou estabelecer metaníveis na concepção de
dimensões de direitos, como alguns doutrinadores sugerem. Por esta quarta
geração de direitos, a concepção de geração se apresenta como mais
adequada. Como se tratam de direitos e garantias intimamente relacionadas
com o meio ambiente, esta geração de direitos esteve fora do alcance de
doutrinadores e estudiosos por não haver a necessidade de se positivar, dar a
ela um critério jurídico.
Inicialmente, se estabeleceu que a ótica abordada referenciasse a
dois critérios. Um natural e outro a partir de uma normativa válida. Analisando
as primeiras três gerações de direitos se pode compreender que sob uma ótica
crítica ou natural, ou ainda filosófica, estas gerações se encontram amparadas,
embora exista um conteúdo do contraponto positivo. A normativa válida,
impulsionadora da construção de uma temática em cima de direitos humanos,
encontra seu respaldo na quarta geração, por necessidades que se fazem
justificar pelo tempo e pela própria solidificação e interação das outras
gerações de direitos, sem menosprezar o caráter subsistêmico das relações
entre os indivíduos. Sarlet (2006, p. 60) traz considerações sobre esta quarta
geração:
Assim, impõe-se examinar, num primeiro momento, o
questionamento da efetiva possibilidade de se sustentar a existência
de uma nova dimensão dos direitos fundamentais, ao menos nos
dias atuais, de modo especial diante das incertezas que o futuro nos
reserva. Além do mais, não nos parece impertinente a idéia de que,
na sua essência, todas as demandas na esfera dos direitos
fundamentais gravitam, direta ou indiretamente, em torno dos
tradicionais e perenes valores da vida, liberdade, igualdade e
fraternidade (solidariedade), tendo, na sua base, o princípio maior da
dignidade da pessoa.

Fica nítida a idéia fundamental de respeito ao ser humano e,


consequentemente, à vida. Na contramão, há certo desespero no momento de
classificar nominalmente o que é necessário para que esta geração de direitos
se perfectibilize. As idéias de uma terceira geração como a solidariedade e a
fraternidade, antes não concretamente definidas, apenas ruborizadas,
deságuam de um nascedouro genérico para esta quarta geração. Dá-se, então,
para se dizer, que a terceira geração gerou a quarta. Daí a interpretação de
uma geração de direitos. Não direitos que nascem e são substituídos por
outros, mas sim direitos que se estabelecem como uma geração e que geram
uma outra geração. Pode-se afirmar que se tem um sistema de direitos.
A idéia mais apropriada, então, é de uma fusão dos critérios
apontados por Bobbio no começo da discussão proposta, ou seja, tanto crítica
como positiva.
A questão ambiental adentra nesta quarta geração de direitos,
embora não exista um núcleo de proteção ao meio ambiente, mas sim de
proteção à dignidade da pessoa humana.
Fica, então, nítida que a fundamentação filosófica dos direitos
humanos, especialmente nesta quarta geração de direitos, recupera as outras
gerações de direitos, como em uma retrospectiva. Gorczevski (2004, p. 1093)
acrescenta:
A proteção ao ser humano, que é o pilar de sustentação dos direitos
do homem é universal e existe em todas as culturas. Praticamente
todas as religiões atribuíram à vida um caráter sagrado. (...) as
origens mais remotas da fundamentação filosófica dos direitos
fundamentais da pessoa humana se encontram nos primórdios da
civilização.

Ora, se os direitos humanos perpassam gerações ou dimensões,


estas classificações sempre foram notadamente relativas aos valores do
indivíduo. O que houve foram transformações políticas e sociais que
adequaram as suas necessidades ao momento histórico pelo qual se
desenrolaram.
Hoje, impossível não conceber uma idéia de direitos humanos ou
direitos fundamentais sem relevar as condições globais de nosso planeta. Não
somente relativas ao meio ambiente, mas necessariamente relativas às
condições existenciais dos seres humanos. Direitos humanos são direitos
existenciais.
Várias interpretações podem se acoplar nesta linha, mas a questão
dos valores do indivíduo é intocável e permanece como o foco central de
qualquer ato ou qualquer geração de direitos. Talvez por este motivo que Kant
tenha sido um visionário na idéia de uma visão universalista de direitos.
Bielefeldt (2000, p. 61) complementa:
A universalidade dos direitos humanos tem, por isso mesmo, dupla
origem: provém de cada vez maior (real) aproximação entre países,
povos e culturas e, ao mesmo tempo, exprime a idéia (normativa) de
universalidade da dignidade humana, na qual se originam as
modernas reivindicações emancipacionistas nas áreas políticas e
jurídicas.

Trazida para a atualidade, a idéia kantiana de conglomeração entre


os povos para melhor efetivar os direitos humanos ou mesmo que esta idéia de
efetivação esteja fora da prioridade do autor, reflete nos dias atuais a questão
ambiental, mesmo que a temática de Kant não aborde esta linha. Discutir a
filosofia kantiana aqui seria adentrar em um terreno movediço.
Mas o exemplo citado é válido na proporção que aufere uma
necessária mobilidade social em pró das necessidades do indivíduo. E o meio
ambiente, especialmente a questão hídrica, se tornou, no mínimo, uma
discussão necessária.
Cabe mencionar que os direitos humanos positivados, ou direitos
fundamentais, especialmente no que tange à questão do meio-ambiente, para
alguns doutrinadores, se encerram na terceira geração de direitos. Bonavides
(1999, p. 523), ilustra:
Têm primeiro por destinatário o gênero humano mesmo, num
momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em
termos de existencialidade concreta. Os publicistas e juristas já os
enumeram com familiaridade, assinalando-lhe o caráter fascinante
de coroamento de uma evolução de trezentos anos na esteira da
concretização dos direitos fundamentais. Emergiram eles da reflexão
sobre temas referentes ao desenvolvimento, à paz, ao meio-
ambiente, à comunicação e ao patrimônio comum da humanidade.

Como colocado anteriormente quando da discussão acerca de


geração ou dimensão de direitos, e se chegou à conclusão com aporte de que
se deve menosprezar esta falácia nominativa dos direitos e sua classificação,
também, quando se discute a inclusão do meio-ambiente na terceira ou quarta
geração de direitos, se adota o mesmo critério. Bedin (2003, p. 374) reforça
este raciocínio:
Entre os direitos desta quarta geração pode-se colocar o direito à
autodeterminação dos povos, o direito à paz, o direito ao patrimônio
comum da humanidade, o direito ao meio-ambiente sadio (...). Estes
direitos, como se pode ver, são todos direitos de interesse coletivo
(...).

Isto, de forma simplificada, atende a uma necessidade de


reivindicação do indivíduo que ao longo dos anos foi definindo sua posição e
dando um espaçamento limítrofe dele para com ele mesmo em um mundo em
constante reconstrução.
O foco como mencionado, deve se manter sobre a questão do valor
da pessoa humana. É este cunho valorativo que impulsiona as gerações de
direitos, independentemente da posição de um direito em determinada
geração.
O que se conclui aqui, é que existe uma universalidade em sede de
direitos humanos, embora as correntes relativistas de plantão se mostrem em
contrapartida como bem aceitas pela doutrina nacional e internacional2.
Em tese o que se aponta é uma metamorfose em sede de direitos
humanos fundamentais. Esta metamorfose se calca na necessidade constante
de se aperfeiçoar as reivindicações da pessoa humana, sempre objetivando um
fim específico, um determinado objetivo.

2
“No pensamento social e filosófico contemporâneo encontramos três tipos de ‘relativismos’,
referentes à contestação da idéia dos direitos humanos como universais: o relativismo
antropológico, o relativismo epistemológico e o relativismo cultural. Este último sustenta o
argumento aceitável de que as particularidades culturais exercem um papel determinante na
forma sob a qual os valores assegurados pelos direitos humanos, irão formalizar-se.”
BARRETO, Vicente de Paulo. Direitos humanos e sociedades multiculturais. In: Anuário do
Programa de Pós-Graduação em Direito: Mestrado e Doutorado. São Leopoldo: Unisinos.
2003. p. 464.
Este objetivo, especialmente aqui definido como o de tornar digna a
vida humana, ou como mencionado, respeitar e atribuir valor à pessoa humana
foi o que sempre motivou as gerações de direitos. Bobbio (1992, p. 18) explica:
O elenco dos direitos do homem se modificou, e continua a se
modificar, com a mudança das condições históricas, ou seja, dos
carecimentos e dos interesses, das classes no poder, dos meios
disponíveis para a realização dos mesmos, das transformações
técnicas, etc.

E atualmente, escapando do traço histórico se chega a um colossal


questionamento a respeito de nosso futuro. E este questionamento motivou a
positivação das questões ambientais, especialmente a questão acerca da
água, direito inexistente outrora, mas talhado pela conduta humana como um
direito mais do que fundamental no futuro e de proteção urgente no presente.
2. Efetivação do direito à água

As questões que sempre fizeram do indivíduo um ser que reivindica


e, como apontado, motiva transformações, pois tudo ao seu redor está em
constante transformação e ele não poderia deixar de participar, se materializam
como reivindicações positivadas ou se perdem pelo desinteresse. Bobbio
(1992, p. 28) lembra John Locke:
As declarações nascem como teorias filosóficas. Sua primeira fase
deve ser buscada na obra dos filósofos. Se não quisermos remontar
até a idéia estóica da sociedade universal dos homens racionais – o
sábio é o cidadão não desta ou daquela pátria (...).

É a contemplação do estado de natureza. O aporte em John Locke


deve ser retomado, pois tem caráter fundamental para a compreensão dos
direitos positivados hoje.
Deve-se empreender uma fuga da figura estatal, ou uma
reinterpretação da administração pública, pois atualmente, como previsto por
Locke, as questões são enumeradas com fulcro em uma legislação
supranacional. Trata-se de uma afirmação histórica para os direitos humanos.
Nesta esteira, o mundo se deparou com as primeiras declarações
de direitos. Vale lembrar a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão,
de 1948, da ONU, que foi o ponto de partida para as inúmeras declarações de
direitos que se sucederam em torno da afirmação histórica dos direitos
humanos. Várias convenções e pactos internacionais protetores da pessoa
humana, lembrando as inúmeras questões que foram emergindo,
principalmente no século passado, resultaram em um surgimento em bloco de
direitos enumerados e pactuados, com cada vez maior atenção.
As questões ambientais não poderiam ficar à margem desta
proliferação de diretrizes valorativas da pessoa humana. E, especialmente, a
questão hídrica.
Mas, como salientado inicialmente, toda a construção jurídica em
cima do problema hídrico, se fundamenta na história e na construção das
necessidades da pessoa, não só individualmente, mas coletivamente. Bobbio
(1992, p. 37) traz um exemplo:
Mais uma vez, para além dos direitos do homem como indivíduo,
desenham-se novos direitos de grupos humanos, povos e nações.
(Um caso interessante, e bastante desconcertante, dessa Magna
Charta dos povos, em processo de elaboração, é o art. 47 do Pacto
sobre os direitos civis e políticos, que fala de “um direito inerente a
todos os povos de desfrutar e de dispor plenamente de suas
riquezas e recursos naturais”. Não é difícil entender as razões dessa
afirmação; bem mais difícil é prever suas conseqüências , caso ela
seja aplicada literalmente).

Na esteira do mencionado acima, ainda era de se vislumbrar um


pacto coletivo. E, certamente mais utópica, uma reflexão sobre a necessidade
da proteção à água. Mas isto se tornou realidade. Pilar (internet) salienta:
O foco inicial dos tratados de direitos humanos era voltado às
violações de valores morais e garantias relacionadas à violência e
perda de liberdades. Contudo, com o tempo a comunidade
internacional expandiu tais direitos, leis e acordos para incluir uma
série de preocupações relacionadas ao bem estar humano.
Encontram-se nessa situação direitos relacionados ao meio
ambiente e as condições sociais de acesso aos recursos.

E, no sentido de conferir à água um perfil de direito inalienável e


universal, Pilar (internet) enumera algumas declarações:
O caráter indispensável da água para a vida, saúde, alimentação e
desenvolvimento humano foi reafirmado em diversas conferencias e
declarações. Nesse sentido pode-se citar a título ilustrativo, a
Conferência das Nações Unidas sobre as Águas, celebrada em Mar
Del Plata em 1977; a Conferência Internacional sobre Água e o Meio
Ambiente, celebrada em Dublin em 1992; A Conferência das Nações
Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio 92); a
Conferência Internacional sobre Água e Desenvolvimento
Sustentável, celebrada em Paris em 1998; a Declaração de Nova
Deli de 1990; Conferência Internacional sobre a Água Doce,
celebrada em Bonn em 2001.

Chama atenção, assim como as outras declarações acima, a


Declaração Universal dos Direitos da Água, proclamada em 22 de março de
19923. E, tal documento, se constitui em um texto bastante peculiar, pois não
3
O texto possui dez artigos, quais sejam: art. 1º. A água faz parte do patrimônio do planeta.
Cada continente, cada povo, cada nação, cada região, cada cidade, cada cidadão, é
plenamente responsável aos olhos de todos; art. 2º. A água é a seiva de nosso planeta. Ela é
condição essencial de vida de todo vegetal, animal ou ser humano. Sem ela não poderíamos
conceber como são a atmosfera, o clima, a vegetação, a cultura ou a agricultura; art. 3º. Os
recursos naturais de transformação da água em água potável são lentos, frágeis e muito
limitados. Assim sendo, a água deve ser manipulada com racionalidade, precaução e
parcimônia; art. 4º. O equilíbrio e o futuro de nosso planeta dependem da preservação da água
e de seus ciclos. Estes devem permanecer intactos e funcionando normalmente para garantir a
continuidade da vida sobre a Terra. Este equilíbrio depende em particular, da preservação dos
mares e oceanos, por onde os ciclos começam; art. 5º. A água não é somente herança de
nossos predecessores; ela é, sobretudo, um empréstimo aos nossos sucessores. Sua proteção
constitui uma necessidade vital, assim como a obrigação moral do homem para com as
gerações presentes e futuras; art. 6º. A água não é uma doação gratuita da natureza; ela tem
um valor econômico: precisa-se saber que ela é, algumas vezes, rara e dispendiosa e que
pode muito bem escassear em qualquer região do mundo; art. 7º. A água não deve ser
desperdiçada, nem poluída, nem envenenada. De maneira geral, sua utilização deve ser feita
com consciência e discernimento para que não se chegue a uma situação de esgotamento ou
de deterioração da qualidade das reservas atualmente disponíveis; art. 8º. A utilização da água
se retira e não se atribui direitos ao ser humano, ao indivíduo, mas à própria
água.
Aparentemente, este tipo de documento conferindo direitos à água,
soa como um alerta. A pessoa humana é quem deve ser titular de direitos, não
o próprio direito, como no caso em tela.
Todavia, fazendo uma leitura pormenorizada da declaração, se
pode concluir que em seu art. 1º, a dependência do indivíduo da água é
inevitável, o que torna a água um bem indisponível. Isso acrescenta o acesso
aos recursos hídricos à condição de existência do ser humano.
O art. 5º é o que talvez melhor represente a idéia aqui trabalhada.
A “obrigação moral” do ser humano em conservar os recursos hídricos para a
posteridade traz à tona novamente a questão do valor para a análise proposta.
Sabe-se que, em definições ocidentais contemporâneas, valor4 representa
materialidade. Trata-se aqui de conferir um signo diferenciado para o tema em
questão.
É justamente a imaterialidade da água que traz consigo o seu
maior valor. Como um recurso que se sabe não é eterno, pelo contrário já
desponta como limitado se analisada a situação global, a água representa, em
tese e em uma alusão à própria vida humana, fator de sobrevivência.
No art. 6º, entretanto, embora se tenha dado à água uma condição
imaterial, seu valor econômico é reconhecido. Em outras palavras, a garantia
aos recursos hídricos é posta no plano da materialidade, sua proteção assume
os contornos da representação econômica. E, nos artigos seguintes, se
menciona a palavra “lei” para garantir à água sua proteção. Economia e direito,
mais uma vez, se encontram lado a lado.
Finalmente no art. 10º, a solidariedade que juntamente com a
fraternidade formou a base dos direitos humanos de terceira geração, como já
abordado, se concretiza uma apelação para que, independentemente dos

implica em respeito à lei. Sua proteção constitui uma obrigação jurídica para todo homem ou
grupo social que a utiliza. Esta questão não deve ser ignorada nem pelo homem nem pelo
Estado; art. 9º. A gestão da água impõe um equilíbrio entre os imperativos de sua proteção e
as necessidades de ordem econômica, sanitária e social; art. 10º. O planejamento da gestão da
água deve levar em conta a solidariedade e o consenso em razão de sua distribuição desigual
sobre a Terra.

4
Para o Oxford English Dictionnary, valor se resume a uma quantia econômica, que pode ser
objeto de troca ou que surta um retorno equivalente pelo objeto em questão.
interesses econômicos, os povos do mundo se juntem em uma cruzada em
favor da água. Esta miscelânea de dispositivos postos nesta declaração
surpreende, pois nunca se declarou nada a favor do nome de um direito. Trata-
se aqui do reconhecimento da água como um direito humano fundamental, pois
associada está a sua existência à própria vida, à dignidade da pessoa humana.
Esta preocupação que foi emergindo no seio da comunidade
internacional foi resultando de inúmeras reivindicações como mencionado.
No princípio estas reivindicações pairavam sobre o individualismo,
na seara das liberdades negativas, após partindo para o estado de bem estar
social, culminando, hoje, em reivindicações coletivas calcadas em políticas
públicas de inclusão social, e já atualmente em políticas de inclusão ambiental.
Isto não aconteceu isoladamente, devido a uma evolução das já
citadas reivindicações que se transformaram e modificaram a condição humana
através da história. Houve mudanças na área científica e estudos foram sendo
desenvolvidos. Uma destas vertentes foi o chamado desenvolvimento
sustentável.
Esta abordagem do desenvolvimento não único e simplesmente
voltado à economia, encontra seu sustentáculo em cinco pilares: o social,
territorial, econômico, político e, objeto desta análise, o ambiental 5. Sachs
(2004, p. 13) traz a noção de sustentabilidade:
O desenvolvimento, distinto do crescimento econômico, cumpre esse
requisito, na medida em que os objetivos do desenvolvimento vão
bem além da mera multiplicação da riqueza material. O crescimento
é uma condição necessária, mas de forma alguma suficiente (muito
menos é um objetivo em si mesmo), para se alcançar a meta de uma
vida melhor, mais feliz e mais completa para todos.

Direitos que se tornaram consagrados e positivados permeiam a


órbita do social e do econômico, sem menosprezar os outros pilares como a
política, fundamental para estabelecer um rumo para os objetivos de um povo,
como em uma retomada da leitura de Locke e outros contratualistas.
Mas o foco desta abordagem é a questão ambiental e centralmente
os recursos hídricos. E esta, assim como outras reivindicações na esfera
ambiental, passa a sugerir que as políticas públicas se convertam para a
inclusão de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

5
SACHS, Ignacy. Desenvolvimento: includente, sustentável, sustentado. Rio de Janeiro:
Garamond. 2004, p. 15-16.
É relembrado aqui, que o direito aos recursos hídricos, bem como
ao meio-ambiente, desemboca ao direito ao desenvolvimento sustentável.
Bedin (2003, p. 381) resgata a sua trajetória:
(...) direito ao desenvolvimento sustentável, que deve ser
materializado através de ações humanas direcionadas à construção
de uma vida saudável e produtiva, em harmonia com a natureza. Por
isso, para alcançar o desenvolvimento sustentável, (...) a proteção
ambiental deve constituir-se em parte integrante do processo de
desenvolvimento.

As ações humanas como mencionado, são os pontos balizadores


para que se garanta uma efetividade na busca pela sustentabilidade e,
consequentemente para que se preservem os recursos hídricos de forma a
manter tais recursos sempre em harmonia com as outras garantias e direitos
da pessoa humana.
Também a aproximação da água como um direito, objeto desta
análise, não aufere ao problema uma solução adequada para a crise hídrica
que se impõe há muitos anos, como no demonstrativo das declarações já
mencionado. Pilar (internet) faz uma comparação com o problema da fome:
Seria ingênuo afirmar que o reconhecimento do direito à água como
direito humano iria resolver o problema dos bilhões de pessoas que
não tem acesso a esse recurso. A história já demonstrou que o fato
de um direito estar explícito não garante o seu cumprimento. O
direito a uma alimentação adequada foi formalmente declarado,
contudo estima-se que 777 milhões de pessoas nos países
subdesenvolvidos não têm acesso a uma alimentação suficiente e
adequada.

Ou seja, um direito não se eleva ao patamar de inviolabilidade por


si só. Isto requer ação humana na forma de gestão de políticas públicas
eficientes para sustentar este direito e fazer valê-lo como tal.
Na esteira da efetivação dos direitos ao desenvolvimento
sustentável e consequentemente, a ações em pró dos recursos hídricos, há de
se definir inclusão, como o termo a ser adequado no campo ambiental. Sachs
(2004, p. 39) ajuda a conceituar:
O desenvolvimento includente requer, acima de tudo, a garantia dos
direitos civis, cívicos e políticos. A democracia é um valor
verdadeiramente fundamental (A. K. Sen) e garante também a
transparência e a responsabilização (accountability) necessárias ao
funcionamento dos processos de desenvolvimento. No entanto,
existe uma grande distância entre a democracia representativa e a
democracia direta, que cria melhores condições para o debate dos
assuntos de interesse público.
Como se percebe, a abordagem acerca da problemática proposta
vai muito além de considerar a água ou qualquer outro recurso natural como
um direito. Envolve questões administrativas de políticas públicas de inclusão
sócio-ambiental, que vão de encontro à efetivação não apenas de direitos, mas
à efetivação da própria democracia.
Sabe-se que, especialmente, em nosso país, se observa uma crise
administrativa de grande profundidade. Este panorama dramático e excludente
em que se transformou a forma de se administrar a coisa pública reflete
diretamente em conseqüências desastrosas, pois as deficiências
administrativas ligadas às necessidades básicas, ou seja, aos direitos
fundamentais esbarra na carência de uma gestão mais includente.
Esta leitura denota preocupação para com as classes sociais
menos favorecidas, pois as saídas para uma inclusão sócio-ambiental a partir
de medidas de gestão organizacional são pouco vislumbradas. Há uma
necessidade de se investir em melhorias se partindo de baixo para cima e não
com políticas de inclusão que são, em seus nascedouros, autoritárias.
Apesar de se constituírem democracias libertas do luto do exercício
das garantias e liberdades individuais tão proclamadas universalmente, os
países em desenvolvimento esbarram nas dificuldades de composição do
cenário administrativo interno que estão intimamente ligadas às necessidades
regionais de cada um.
O manto da globalização, como Hobsbawm (1995, pg. 401) define
“pôs os governos de todos os Estados – com a possível exceção dos EUA,
com sua enorme economia – à mercê de um incontrolável ‘mercado mundial’”.
Este controle abrupto para as economias mais desfavorecidas é dotado de
táticas econômicas com nítidas intenções de exploração. A inércia econômica
dos países em desenvolvimento juntamente com os problemas internos de
gestão administrativa - a corrupção, por exemplo - favorecem um Estado fraco
e inoperante frente às reformas que pretende estabelecer. O resultado disso é
uma quebra do contratualismo.
Esta superação das necessárias reformas a serem feitas, parte de
pressupostos localistas. E um dos conceitos que vem à tona é o da
sustentabilidade que pode ser compreendida pela atuação e materialização
sócio-ambiental.
A análise de cada um dos pilares citados anteriormente se torna
ferramenta de estudo e compreensão da anatomia de um país. Obviamente
que os pilares do desenvolvimento sustentável não se autogerenciam. Faz-se
necessária uma complementação em torno destes conceitos para se buscar
um nível de desenvolvimento, isto é, saber lidar com a histórica e enraizada
cultura de dependência. Neste âmbito fatores como a educação e a
responsabilidade social são fundamentais.
A inclusão sócio-ambiental é o grande objetivo a ser alcançado, e,
talvez a única solução para o contraponto ao desenvolvimento
economicamente danoso.
Esta alavanca competitiva que engloba as regras inflexíveis do
mercado, tão ditatorial que é capaz de suprimir a democracia do próprio Estado
Democrático de Direito por exclusão natural, necessita, como visto, de
incentivo para poder trilhar.
A questão da água juntamente com a organização e a estruturação
democrática que se espera das políticas públicas e das parcerias público-
privadas, sem desmerecer o envolvimento consciente do próprio cidadão, se
pode exemplificar nas palavras de Rivero (2002, p. 192):
A segurança hídrica tem sido sempre uma condição essencial à
existência da civilização e do Estado, e esta condição começa a
faltar em muitos países. Segundo a ONU, mais de dois bilhões de
seres humanos já carecem de água suficiente em mais de quarenta
países. O Banco Mundial calcula que um bilhão de pessoas não têm
sequer água para beber e cerca de um bilhão e setecentos milhões
não têm saneamento. A falta de água potável e saneamento expõe
milhões de habitantes das cidades subdesenvolvidas a doenças e
morte prematura. A disponibilidade de água está se tornando um
fator determinante de supervivência nacional.

Esta perspectiva em relação ao bem mais precioso do planeta


reflete todo o exposto aqui. A água não carece apenas de declarações
incluindo sua necessidade como vital e digna da condição humana, nem tão
pouco de uma declaração para si mesma refletindo o desespero do mundo à
beira da perda de um bem incomparável, mas sim de um tratamento
consciente, que ao lado de outros direitos necessitam ser efetivados.
3. Reflexão crítica
Para associar definitivamente os recursos hídricos aos direitos
fundamentais, se faz necessária uma leitura do panorama global, de como se
está tratando com a questão da água em nível nacional e internacional.
Esta busca pela universalização do reconhecimento dos recursos
hídricos deve ser interpretada a nível mundial. Rivero (2002, p. 191-192) traz
alguns dados:
Também a água para produzir alimentos, abastecer a indústria e o
consumo humano é escassa e difícil de obter no planeta. De toda a
água existente na Terra, 97% são águas salgadas, apenas 3% são
águas doces e ¾ partes destas estão concentradas em locais não
acessíveis, como as regiões polares e as geleiras. Logo apenas uma
porcentagem da água do planeta é doce e está acessível em rios,
lagos e bacias subterrâneas (...).

Os dados referentes às águas mostram a problemática da questão


hídrica como uma barreira a ser transposta para este novo século. Ressalta-se
como no mencionado que os dados refletem uma abundância em água em
nosso planeta e, ao mesmo tempo, uma escassez. Esta escassez está ligada à
água para consumo humano. Rivero (2002, p. 192) continua:
Quando não há água disponível, o problema básico é ter o que
beber. A maioria dos lagos e cursos de água que atravessam
grandes assentamentos humanos está contaminada com produtos
agrotóxicos, despejos industriais e esgotos domiciliares. Este
processo de diminuição do volume e poluição da água disponível é
ainda mais acentuado nos países pobres.

Em um prognóstico mais arraigado, a questão da água irá, em um


futuro próximo, definir quais os países que possuem condições de se manter
viáveis ecológica e economicamente. Leite (2000, p.06) continua:
Se, nos dias atuais a água já é escassa, as pesquisas dos
estudiosos delineiam perspectivas mais drásticas. Prevê-se que, em
2025, a população do planeta atingirá 8 bilhões de habitantes. Com
isso a demanda pelo precioso líquido aumentará, e os conflitos
decorrentes de sua falta serão agravados.

A previsão manifesta acima, qual seja, de uma guerra hídrica,


permeia os debates internacionais a respeito da falta da água. Já existem
grandes empresas privadas que se movimentam para explorar este nicho de
mercado, altamente lucrativo, exatamente pela tendência à escassez. Alguns
estudiosos classificam a disputa pelo mercado da água como maior que a
disputa pelo mercado do petróleo.
Um exemplo desta batalha invisível ainda aos olhos da grande
maioria dos povos, foi o ocorrido na Índia. Em março de 2000, uma fábrica de
refrigerantes conhecida mundialmente, ao se estabelecer em Plachimada, no
estado indiano de Kerala, obteve permissão para produzir 1.224.000 garrafas
da empresa.
A indústria de refrigerantes estava extraindo 1,5 milhões de litros
por dia. O nível da água do Ganges estava baixando. A companhia também
bombeou água de despejo para dentro de poços secos no interior do
estabelecimento da companhia, para dispor do seu lixo sólido. A água que foi
extraída era suficiente para atender às necessidades mínimas de
aproximadamente 20 mil pessoas. Os mais gravemente afetados, que restaram
sem casa ou trabalho, chegam ao número de 10 mil pessoas.
Apesar de tudo, a fábrica conseguiu se manter em funcionamento
até 10 de março de 2004, apoiada em uma ordem governamental e em
veredito da Alta Corte de Kerala.
Em 2004 o Gabinete do Estado de Kerala obrigou a companhia a
dar fim à sua operação. O motivo, uma aguda seca que afligia o distrito de
Palakkad. Como conseqüência, a indústria de refrigerantes parou sua produção
em 10 de março de 2004.
Assim como no exemplo indiano, milhares de operações
semelhantes ocorrem em todo o planeta, com o condão de explorar os
recursos hídricos sem oferecer segurança.
No caso da Índia, a questão veio à tona devido às tradições
culturais de seu povo que amparado em uma histórica ligação cultural de
adoração às águas, reverteu uma situação de exploração.
Grandes empresas de exploração mundial de água, como o Grupo
Suez, lucram bilhões por ano na exploração do recurso. Seria como se uma
empresa multinacional lucrasse em cima da subtração de um direito
fundamental das pessoas, comprometendo a dignidade e o bem-estar das
mesmas.
A aproximação que se faz da água de um direito fundamental,
levando em consideração o exemplo indiano, coloca o cidadão à mercê das
vontades dos detentores do poder que exploram um bem econômico sem
perceber que subtraem ao mesmo tempo qualidade de vida das pessoas, a sua
dignidade humana em desfrutar de um meio-ambiente equilibrado. Pilar
(internet) relembra esta aproximação:
Há uma íntima relação entre a água e os direitos humanos, visto que
esta é indispensável para uma vida digna e é condição prévia para o
exercício de vários desses direitos. Esse posicionamento foi adotado
expressamente pelo Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais das Nações Unidas, que diante da exclusão hídrica de
milhares de pessoas em países subdesenvolvidos e em países
desenvolvidos, aprovou em sua 29ª sessão realizada em Genebra
de 11 a 29 de novembro de 2002 a Observação Geral nº 15
referente aos artigos 11 e 12, com o título o ‘direito à água’, o qual
nos termos do documento ‘consiste no fornecimento suficiente,
fisicamente acessível e a um custo acessível, de uma água salubre e
de qualidade aceitável para as utilizações pessoais e domésticas de
cada um’. Salienta-se ainda que, ‘a noção de fornecimento de água
adequado deve ser interpretada de uma forma compatível com a
dignidade humana e não em sentido estrito, pela simples referência
a critérios de volume e aspectos técnicos’.

O que se pretende é abdicar do conceito meramente explorador de


recurso natural para um debate ético, compromissado com o ser humano.
Sachs (2004, p. 15) retoma a questão da sustentabilidade:
3 – O conceito de desenvolvimento sustentável acrescenta uma
outra dimensão – a sustentabilidade ambiental – à dimensão da
sustentabilidade social. Ela é baseada no duplo imperativo ético de
solidariedade sincrônica com a geração atual e de solidariedade
diacrônica com as gerações futuras. Ela nos compele a trabalhar
com escalas múltiplas de tempo e espaço, o que desarruma a caixa
de ferramentas do economista convencional.

Obviamente que as questões acerca dos recursos hídricos estão


dentro desta questão de sustentabilidade ambiental e fora do escopo do
desenvolvimento exclusivamente econômico, de exploração.
Há que se ressaltar os princípios constitucionais que devem alinhar
com a correta utilização dos recursos hídricos. Granziera (2000, p.74-75) traz:
Os princípios constitucionais adotados devem ser os que congregam
a proteção do meio ambiente nas atividades humanas, como
condição de sobrevivência de toda a vida no planeta. Cabe ao
Judiciário exigir que a lei seja cumprida, mesmo quando se tratar de
infração cometida pela Administração Pública.

A saída é agregar os direitos humanos constituídos ao longo dos


anos, de geração em geração, passando e fazendo uma leitura pelas
reivindicações que foram se materializando e formando um cada vez maior rol
de direitos, nunca taxativo, mas sempre extensivo.
O que se deve somar aos direitos humanos é o direito à condição
humana. Como o ser humano pode exercer seus direitos da vida, liberdade e
segurança se outros fatores obstaculizam a chegada a tais direitos? Como
usufruir de uma dignidade igualitária em um mundo em que lhe é negada a
condição humana de sobreviver?
Estes questionamentos refletem a temática sobre os recursos
hídricos. Nunca, como neste século, a condição humana foi tão debatida.
Passadas as declarações de direitos, bem com suas gerações, se alcançou um
nível de discussão na seara de direitos humanos em que múltiplos fatores se
coadunam para um viver mais qualitativo. Rivero (2002, p.214) traz
considerações a respeito:
Ao começar o século XXI, o crescente desequilíbrio físico-social
entre abastecimento de alimento, energia e água e população
urbana equivale a uma falha sísmica de natureza sociopolítica, que
pode causar tremores de desintegração nacional. Porém este
desequilíbrio não é considerado nas agendas dos países
subdesenvolvidos. A maioria dos governos mostra absoluta
despreocupação quanto ao crescimento urbano e à disponibilidade
futura de água, energia e alimentos.

A constatação feita pelo autor é alarmante, pois mesmo sem querer


colocar centralmente a questão da periferia nesta abordagem, é justamente
nestes países que há o maior descaso para com os direitos fundamentais.
Consequentemente, dada a capacidade de não sustentar um nível de
respeitabilidade dos direitos humanos, que direitos como ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado e o direito humano à água se perdem em
abordagens clientelistas, pois o Estado não é suficientemente forte para ser um
Estado garante destes direitos.
A sociedade civil, certa feita desmantelada e carente de maiores
articuladores sociais, também colabora para a derrocada dos direitos
fundamentais. Rivero (2002, p. 215) acrescenta:
Esta realidade recomenda deixar de lado o mito do desenvolvimento,
abandonar a busca do Eldorado e substituir a agenda da riqueza das
nações pela agenda da sobrevivência das nações. A prioridade atual
deve ser estabilizar o crescimento urbano e aumentar a
disponibilidade de água, energia e alimento, para evitar que a vida
nas cidades dos países pobres seja um inferno no futuro.

Esta previsão de um futuro caótico para o Terceiro Mundo está


cada vez mais se confirmando, pois caótica já é a realidade nos países
desenvolvidos, no tocante aos recursos hídricos. E, este desespero ambiental
que está tomando conta dos países detentores do poder econômico, reflete
inversamente nos países em desenvolvimento. Há de se priorizar as políticas
públicas bem como as parcerias público-privadas voltadas para o meio
ambiente e traçar rumos alternativos ao desenvolvimento meramente
econômico, resgatando os pilares do desenvolvimento sustentável.
Este caminho também perpassa pela trilha da efetivação e
concretização de uma ordem jurídica justa e confiável, não apenas
“declarando” direitos ou gerando direitos, mas sim os mantendo ao alcance do
cidadão para que se possa desenvolver não uma nação economicamente forte,
mas um país democrático. Bobbio (1992, p. 45) assinala com atualidade:
Creio que uma discussão sobre os direitos humanos deve hoje levar
em conta, para não correr o risco de se tornar acadêmica, todas as
dificuldades procedimentais e substantivas (...). A efetivação de uma
maior proteção dos direitos do homem está ligada ao
desenvolvimento global da civilização humana. É um problema que
não pode ser isolado, sob pena, não digo de não resolvê-lo, mas de
sequer compreendê-lo em sua real dimensão.

Talvez os direitos humanos nunca foram compreendidos. Talvez as


inúmeras declarações de direitos nunca se concretizaram. Esta busca
incessante pelo respeito aos direitos humanos, como no mencionado por
Bobbio, perpassa por um “desenvolvimento global da civilização humana”. Este
desenvolvimento global, para se efetivar necessita romper paradigmas, desatar
os laços de dependência econômica e começar a se pensar em um futuro cada
vez mais presente quando se trata de meio ambiente e recursos hídricos. Pois
o futuro, neste caso, cada vez mais se aproxima do presente.

Conclusão
A tarefa de se fazer a leitura das gerações de direitos, bem como
as reivindicações que levam a estas gerações, motivos determinantes do
nascimento de um direito, se mostra mais atual do que nunca. Como na
retrospectiva histórica de afirmação dos direitos humanos ao longo dos tempos,
atualmente direitos como ao meio ambiente e, especialmente, aos recursos
hídricos, caso em tela se mostram debates para se iniciar a construção de um
futuro de efetivação das garantias fundamentais. A dignidade da pessoa
humana, direito fundamental e que perpassa por uma crise de fundamentação,
agrega ao seu redor outros fatores, como o desenvolvimento sustentável e não
meramente econômico. A questão da água se torna como uma chave mestra
nesta problemática de inclusão sócio-ambiental, pois é neste direito, bem e
valor econômico que reside o futuro de uma sociedade que se expande rumo a
um futuro que irá se mostrar cada vez mais complexo quanto à garantia dos
direitos fundamentais.

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