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ANTROPOLOGIA PARA HISTORIADORES

(Curso de extensão)
Docente e autor do texto: Ciro Flamarion Cardoso

página:

Capítulo 1: Antropologia e História. O que é a Antropologia? 3

1.1. Os historiadores e a Antropologia 3


1.2. Em que consiste a Antropologia? Cultura e sociedade 9
1.3. O método central da Antropologia: trabalho de campo
baseado na “observação participante” 22
1.4. Problemas e dilemas da Antropologia 25

Referências bibliográficas 28

Capítulo 2: A longa fase de constituição da disciplina


antropológica e de seus objetos específicos: escolas
evolucionista, das áreas culturais e funcionalista
(com ênfase maior no funcionalismo) 31

2.1. Nos primeiros tempos da disciplina antropológica:


evolucionismo; áreas culturais; difusionismo 31
2.2. Funcionalismo: (1) “função”: uma noção
altamente polissêmica 36
2.3. Funcionalismo: (2) modalidade 1, exemplificada
por Bronislaw Malinowski (1884-1942) 38
2.4. Funcionalismo: (3) modalidade 2, exemplificada
por A. R. Radcliffe-Brown (1881-1955) 41
2.5. Funcionalismo: (4) modalidade 3, exemplificada
por Marcel Mauss (1872-1959) 44

Referências bibliográficas 46

Capítulo 3: O estruturalismo em Antropologia 49

3.1. As origens e as bases do estruturalismo antropológico 49


3.2. Os estudos de Claude Lévi-Strauss sobre o parentesco 54
3.3. Os estudos de Claude Lévi-Strauss sobre o totemismo
e os mitos 57
3.4. O estruturalismo antropológico fora da França: exemplos 60

Referências bibliográficas 61

Capítulo 4: Teorias interacionistas em Antropologia 63

4.1. A estrutura social, os indivíduos e suas interações: um dilema 63


4.2. Karl Polanyi e a opção substantivista em Antropologia Econômica 65
4.3. Análises etnográficas baseadas na noção de “esferas de intercâmbio” 69
2

página:

4.4. Uma análise interacionista baseada na teoria dos jogos 72


4.5. Do lado francês: a Antropologia sociologizante de
Georges Balandier 74

Referências bibliográficas 77

Capítulo 5: Materialismo Cultural, Antropologia Evolucionária


e Socioecologia 79

5.1. Uma renovação da postura materialista? 79


5.2. O Materialismo Cultural de Marvin Harris 80
5.3. A Antropologia Evolucionária no contexto dos estudos ditos
neodarwinistas 82
5.4. A Socioecologia 86

Referências bibliográficas 89

Capítulo 6: Antropologia pós-moderna 91

6.1. As consequências do ceticismo radical delineiam um programa 91


6.2. Denunciando os antropólogos brancos do sexo masculino e as
limitações de uma etnografia feita por observadores de fora 93
6.3. Desconstruindo o trabalho de campo baseado na observação
participante e os textos que os antropólogos produzem 95
6.4. A cultura como texto 97
6.5. O caráter inescapavelmente político da Antropologia 98

Referências bibliográficas 101

Capítulo 7: Antropologia marxista 103

7.1. Razões e fatores do interesse de diversos antropólogos pelo


marxismo após 1960 103
7.2. Evolucionismo e “modo de produção asiático” 106
7.3. Os marxistas e a Antropologia Econômica 109
7.4. As forças produtivas, um pomo de discórdia 112
7.5. Estudando a religião 113

Referências bibliográficas 115


3

Capítulo 1: Antropologia e História. O que é a


Antropologia?
A organização deste curso de extensão está pensada da seguinte maneira:
(1) Prolegômenos: Antropologia e História; considerações preliminares sobre a Antropologia,
seu conceito central (cultura,), seu método mais específico (a observação participante no
contexto do trabalho etnográfico de campo) e seus problemas ou dilemas maiores: Capítulo 1;
(2) a fase em que a Antropologia desenvolveu os seus objetos próprios e a sua problemática
nuclear, enfocada a partir de três correntes −evolucionismo; áreas culturais; funcionalismo−,
que serão examinadas com ênfase maior na última delas, já que o funcionalismo continua
presente e influente nos estudos antropológicos hoje em dia, bem mais do que o
evolucionismo ou a teoria voltada para as áreas culturais e o difusionismo: Capítulo 2;
(3) correntes que configuram alternativas e desafios à Antropologia assim constituída:
Capítulos 3 a 7.

1.1. Os historiadores e a Antropologia


Robert Darnton, um historiador norte-americano dotado de considerável formação
antropológica na qualidade de discípulo do antropólogo pós-moderno Clifford Geertz, dá a
seguinte razão para que historiadores como ele busquem apoio metodológico e temático em
Antropologia:

...os antropólogos descobriram que as melhores vias de acesso, numa


tentativa para penetrar uma cultura estranha, podem ser aquelas em que ela
parece mais opaca. Quando se percebe que não se está entendendo alguma coisa
−uma piada, um provérbio, uma cerimônia− particularmente significativa para
os nativos, existe a possibilidade de se descobrir onde captar um sistema estranho
de significação, a fim de decifrá-lo (DARNTON, 1986 [1984]: 106).

Esta indicação de Darnton remete ao interesse dos antropólogos pela alteridade, por
aquilo que parece “outro” ou estranho ao observador. A Antropologia como pesquisa de
campo começou se ocupando com os “nativos”, com povos, majoritariamente desprovidos de
escrita, na época vistos como “primitivos”, em vinculação estreita com o colonialismo
moderno e fazendo um contraponto com a Sociologia, que estudava as sociedades plenamente
inseridas na assim chamada civilização ocidental. Os antropólogos se deram conta de que,
para decifrar os significados obscuros de uma cultura muito diferente da sua, era preciso
aprender a contornar as explicações explícitas providas para as coisas pelo próprio grupo
4

pesquisado, quando interrogado a respeito; daí que “decifrar” seja um verbo bastante
adequado. As culturas diferentes da ocidental, sendo outras, precisavam ser tratadas como um
quebra-cabeças, um enigma a ser solucionado mediante uma decifração dos signos detectáveis
pelos pesquisadores por meio de entrevistas em que perguntas eram feitas às pessoas daquelas
culturas. Ora, o historiador, quando se afasta do estritamente presente em direção às
configurações “outras” do passado, ou quando espacialmente, mesmo no presente, se desloca
para abordar sociedades ou setores do social muito diferentes dos seus próprios (às vezes
situados no mesmo país), tem interesse em aprender com os antropólogos, devido à
experiência acumulada por estes a respeito, durante uma já longa experiência (mais de um
século de etnografia de campo) sobre como lidar com a alteridade.
O mais conhecido expoente do que na França é chamado de Antropologia Histórica,
André Burguière, escreveu dois longos verbetes sobre o tema, o primeiro publicado em 1978,
o segundo em 1986 (BURGUIÈRE, 1978; BURGUIÈRE, 1993 [1986]). Embora também
mencione a alteridade, ao sintetizar sobre o significado da Antropologia Histórica, no verbete
mais recente, escolhe afirmar:

A antropologia histórica não possui domínio próprio. Quer se trate do


poder curativo dos reis de França, quer da ascensão do individualismo entre os
camponeses no século XVIII ou da difusão da contracepção, todos os assuntos
que ela aborda pertencem a outros setores da história. Ela é, antes de mais nada,
um esforço para ligar a evolução de uma instituição, de um tipo de consumo, ou
de uma técnica, à sua repercussão social e aos comportamentos que engendrou.
Ela é, portanto, um método de totalização ou, antes, de relacionamento (...) dos
diferentes níveis da realidade (BURGUIÈRE, 1993 [1986]: 65).

Como se pode notar, temos nesta passagem algo bem menos concreto e preciso do que
o que disse Darnton. A Antropologia Histórica, nesta opinião de Burguière, aparece mais
como o que poderíamos chamar de uma disposição de enfoque, quase um “estado de espírito”
diante dos objetos da pesquisa em História, voltada para procurar sempre as conexões ou
relações, igualmente para o estudo dos usos e costumes. Isto é confirmado por nosso autor
também dizer que tal Antropologia Histórica talvez seja “o cumprimento do programa que
Marc Bloch atribuía à história das mentalidades” (BURGUIÈRE, 1993 [1986]: 66); ou que
corresponda ao que Lucien Febvre afirmou sobre a própria noção de mentalidades, cuja
História “alimenta o propósito de pôr em evidência as rupturas de equilíbrio entre as
representações mentais, o domínio intelectual e os afetos numa psicologia do sujeito”
(BURGUIÈRE, 1993 [1986]: 65). Acontece, porém, que: (1) nem todo tipo de conexões é
próprio da visão antropológica. Burguière inclui em sua breve análise obras que nem com
5

grande dose de boa vontade pareceriam antropológicas no tipo de relações que estabelecem.
Dois exemplos são: o estudo de Witold Kula sobre o feudalismo polonês nos séculos XVI a
XVIII, claramente um exemplo precípuo de História Econômica marxista voltada para o
estabelecimento de modelos explícitos; ou os estudos de tema histórico do filósofo Michel
Foucault sobre a sexualidade, que se parecem muito pouco às maneiras usuais pelas quais os
antropólogos abordam a sexualidade.1 (2) Analogamente, o programa de Febvre para uma
História das Mentalidades não parece nem específica nem principalmente antropológico: ele
pode ser cumprido tomando como referência o modo de trabalhar da Antropologia, não há
dúvida; mas também −e talvez melhor, ao vincular-se à temática das programações sociais do
comportamento−, por exemplo, baseando-se na Semiótica, a disciplina voltada para as
semioses e significações, e na Psicologia (individual tanto como coletiva), muito
especialmente no setor da Psicologia Social que estuda as representações coletivas, situado no
ponto de encontro da Psicologia com a Sociologia.
A meu ver, este confronto das opiniões de Darnton e de Burguière permite uma
conclusão mais geral. Acho que, de fato, os autores britânicos ou estadunidenses que estudam
temas históricos sob um ângulo antropológico conhecem a Antropologia, suas diversas
modalidades e seu método, bem mais a fundo, em média, do que os autores franceses. E isso
há muito tempo. Por exemplo, em 1978 a professora da Universidade de Londres (University
College London) S. C. Humphreys publicou um livro sobre os gregos antigos vistos segundo
uma perspectiva antropológica que mostra grande conhecimento tanto dos estudos clássicos
quanto daqueles antropológicos, inclusive no domínio da teoria e da metodologia
(HUMPHREYS, 1978). Na França, é mais difícil encontrar um conhecimento tão seguro da
Antropologia de parte dos historiadores. Com demasiada frequência, o recurso à Antropologia
se parece mais a um desideratum vago e genérico baseado em superficialidades, quando não
um verdadeiro álibi que justifique certas opções, mas sem ir muito longe pelos caminhos
efetivamente antropológicos.
Esteja eu certo ou errado em minha avaliação, não há dúvida de que os historiadores,
de umas décadas para cá, se interessem muito mais pela Antropologia do que no passado. O
que será que os atrai na disciplina antropológica, que possa justificar tal interesse?
Digamos, previamente, que houve, durante muitas décadas, correntes antropológicas,
às vezes predominantes em um ou mais países, cujas tendências dificultavam o contato com a
disciplina histórica: o funcionalismo, o estruturalismo, o “determinismo mitológico” de

1
O contrário é possível: antropólogos convertidos ao pós-modernismo podem, por tal razão, valorizar os escritos
e enfoques de Foucault.
6

aparência imobilista de antropólogos como Marcel Griaule, a própria tendência de muitos


etnólogos a delimitarem estritamente o seu interesse ao pequeno grupo que estudavam, sem se
voltarem o suficiente para suas interações com outros grupos ou para como sofriam,
eventualmente, o impacto do colonialismo: em todos os casos citados, temos elementos que
levavam a uma Antropologia pouco histórica e às vezes anti-histórica (havia correntes que
achavam que a História é adequada como instrumento para o estudo das “sociedades
quentes”, voltadas para a mudança, enquanto as sociedades dos caçadores-coletores e as tribos
dos agricultores primitivos seriam “sociedades frias”, que tendiam a se reproduzir sem
grandes mudanças), a antropólogos pouco sensíveis à transformação cultural e social vista
como um processo complexo. Quando a mudança de cultura era enfocada, isso se fazia
mediante movimentos unilaterais: difusionismo (passagem de elementos culturais,
aparentemente invariáveis, de uma cultura a outra); aculturação (muitas vezes considerada
como a assimilação passiva e unilateral de uma cultura por uma outra que se lhe impunha).
Depois da Segunda Guerra Mundial, entretanto, os antropólogos começaram a reparar mais na
dinâmica social e cultural, nos movimentos insurrecionais dos povos dominados, na
descolonização vista como processo de transformações (e em função dela, na colonização que
a precedera, agora enxergada mais dinamicamente e em seus aspectos conflitivos); durante
muitos anos, afirmou-se como uma necessidade promover ou facilitar o desenvolvimento
econômico dos povos antes dominados ou colonizados, algo que só poderia ocorrer por meio
de processos de transformação bastante difíceis e complicados. Paralelamente, durante mais
de duas décadas, um neoevolucionismo antropológico e arqueológico desenvolveu-se nos
Estados Unidos em torno dos discípulos de Leslie White. As transformações e trocas culturais
passaram a ser enfocadas em termos de interação e conflito, gerando processos mais
complexos do que antes se considerava (os elementos culturais, ao passarem de um a outro
grupo, de uma a outra cultura, são transformados, reavaliados, ressignificados). Em outras
palavras, a Antropologia, ao se voltar mais para os processos, para a dinâmica, para as
transformações complexas que se desenvolvem no tempo, ficou mais atraente para os
historiadores (LOMBARD, 1998: 155; ALMEIDA, 2012).
Mencionemos agora os movimentos e transformações, do lado dos historiadores, que
os levaram a aproximar-se dessa Antropologia agora mais sensível à dinâmica no tempo.

(1) O fato de muitos historiadores crescentemente se voltarem para o conceito de


cultura, às vezes visto como uma alternativa à noção de sociedade, levando à vontade de
trabalhar no âmbito de uma História Cultural, conduz naturalmente a uma aproximação com a
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Antropologia −a ciência social que mais lida com o conceito de cultura− e seu método, que,
acredita-se, poderia embasar aquele da História Cultural: “O método antropológico da
História tem um rigor próprio (...). Começa com a premissa de que a expressão individual
ocorre dentro de um idioma geral, de que aprendemos a classificar as sensações e a entender
as coisas pensando dentro de uma estrutura fornecida por nossa cultura”. Partindo de tal
premissa, “Ao historiador (...) deveria ser possível descobrir a dimensão social do pensamento
e extrair a significação de documentos, pasando do texto ao contexto e voltando ao primeiro,
até abrir caminho através de um universo mental estranho” (DARNTON, 1986 [1984]: XVII).
A estranheza diante das culturas do passado e suas muitas diferenças com a nossa conduz ao
ponto seguinte, que tem a ver com a alteridade.

(2) A Antropologia começou a levar a cabo o seu trabalho de campo entre povos
considerados “primitivos”, portanto, “outros” quando comparados com os da Europa ou as
extensões desta, ou seja, com os integrantes da civilização ocidental. Uma vez abandonada a
noção (evolucionista) de “primitivos”, a definição da Antropologia passou a ser, mais
geralmente, a de uma ciência social voltada para tudo aquilo que aparece como sociedade ou
cultura estranha −no sentido de estranha àquela em que, como diz P. Mercier, “o espírito [do
observador] foi formado” (LOMBARD, 1998: 9). Note-se que, passada a longa fase em que
os antropólogos pesquisavam quase unicamente sociedades distantes e buscavam a alteridade
no exotismo total, atualmente a alteridade, para um antropólogo urbano de um país ocidental,
por exemplo, pode ser achada em zonas rurais julgadas “atrasadas” ou “tradicionais” de seu
próprio país; quando não na sua própria cidade, talvez, trabalhando com grupos de pessoas
minoritários e/ou às vezes excluídos ou discriminados de algum modo (meninos de rua,
favelados, homossexuais, prostitutas, algum grupo religioso peculiar, etc.). Em contraste,
também houve estudos antropológicos de grupos de empresários capitalistas! Existe uma forte
tradição entre os antropólogos −ligada àquilo que o seu método específico, a “observação
participante” durante um trabalho de campo, permite ou, pelo contrário, torna de realização
difícil ou impossível− a lidar com grupos pequenos, que o pesquisador possa vir a conhecer
intimamente numa relação face a face, ou com subgrupos que permitam tal modo de observar.
Ora, também em História desenvolveu-se em décadas recentes, no bojo da assim chamada
Nova História Cultural, a vontade de perceber as interações pequenas, muitas vezes invisíveis
quando se escolhem recortes maiores do objeto: deseja-se enxergar a dinâmica da experiência,
coisa muito difícil de realizar quando se trabalha com grupos sociais muito extensos. Também
aqui, os antropólogos dispunham de um patrimônio de experiência acumulada ao longo de seu
8

trabalho de campo. Concomitantemente, os modelos importados da Antropologia poderiam


ser compatíveis com outro desideratum presente entre os historiadores: pesquisar no âmbito
de uma “História de baixo para cima”; interessada agora, no entanto, mais em “minorias
discriminadas” do que (como anteriormente) em “maiorias exploradas”.

(3) Em se tratando de abordar sociedades passadas, a “observação participante”


realizada no contexto de um “trabalho de campo” não é acessível aos historiadores. No
entanto, estes podem apropriar-se de técnicas e enfoques desenvolvidos em função dessas
formas do trabalho antropológico. Por exemplo, a começar pela Etnoistória −neste continente
muito desenvolvida para o estudo da Mesoamérica e da Zona Andina Central pré-
colombianas−, existe a possibilidade de, por meio da maneira antropológica de filtrar ou
decifrar as declarações obtidas dos informantes tratando de eliminar, por exemplo, as
distorções que incidem sobre testemunhos de indígenas ou de escravos recolhidos no contexto
das sociedades coloniais ibero-americanas (para dar um exemplo, nos tribunais, os
testemunhos de índios e escravos negros muitas vezes eram “traduzidos” para uma linguagem
jurídica formal e para os valores do cristianismo e das monarquias ibéricas), chegar, assim,
mais perto do que seriam testemunhos indígenas ou de escravos negros mais autênticos −ao
que, muitas vezes, é chamado de “visão dos vencidos”. Ora, uma démarche similar também
pode aplicar-se, digamos, aos depoimentos prestados à polícia ou aos tribunais por pessoas do
povo, ou por mulheres pobres: tais testemunhos, ao criticá-los antes de usá-los como fontes
(para assuntos como a revolta social ou certas formas de criminalidade), mesmo ao se tratar
de períodos bastante recentes, precisam passar pelo crivo, habitual aos antropólogos, de uma
“decifração” que é, ao mesmo tempo, um filtro, devido à incidência de preconceitos e modos
de pensar que não são os dos que em princípio estão falando. O interesse pelos depoimentos
orais, que em História Contemporânea levou aos métodos da História Oral, capaz de resgatar
versões que não aparecem nos documentos escritos gerados em ambientes mais oficiais (ou
pelos vitoriosos nos conflitos), já era algo antigo e bem consolidado metodologicamente pelos
antropólogos, com os quais os historiadores puderam aprender muito a respeito (VANSINA,
1973 [1961]).

(4) Como disciplina no passado bastante vinculada ao colonialismo ocidental, a


Antropologia, nas décadas mais recentes, se insurgiu com veemência contra certas heranças
julgadas indesejáveis dessa sua origem histórica. Ao fazê-lo, gerou modos de pensar e reagir
que, na atualidade, agradam a muitos historiadores. Entre eles estão: (1) uma consciência
9

muito forte da participação ativa e estreita do pesquisador na geração do conhecimento criado


mediante o trabalho empírico (a Antropologia foi especialmente afetada pela noção pós-
moderna de uma “culpa do Ocidente”, em especial em função da descolonização, que abriu
caminho a que se enxergassem as arbitrariedades e violências da própria colonização
precedente, bem como a cumplicidade, com elas, dos antropólogos e do tipo de escritos que
produziam); (2) uma valorização das sociedades e culturas não ocidentais, em reação à crença
precedente na superioridade intrínseca do homem branco e da cultura ocidental; (3) uma
tendência fortemente monográfica quase sempre presente entre os antropólogos, algo bem
visto na época de uma História que tendeu a perder os seus horizontes holísticos, uma
“História em migalhas”.

1.2. Em que consiste a Antropologia? Cultura e sociedade


Na tradição acadêmica francesa, o termo “Antropologia” era de início reservado ao
que habitualmente se denomina Antropologia Física, que se considerava um ramo da História
Natural voltado para o estudo da hominização, da diversidade dos tipos humanos (no passado
este era o campo de estudo das “raças”), dos caracteres “psíquicos” diferentes e
hierarquizados que chegaram a ser atribuídos, numa época racista (na verdade, até meados do
século XX), aos diversos tipos raciais. O estudo da anatomia e da fisiologia era visto como
preparatório à distinção de um psiquismo diferencial das raças. Considerada como algo
distinto da Antropologia estava, entre os franceses, a Etnologia, por sua vez baseada num
trabalho de campo que incumbia à Etnografia. Esta recolhia os dados que a Etnologia
interpretava. Claude Lévi-Strauss propôs, sem grande sucesso, uma divisão tripartite: a
Etnografia empírica, a Etnologia, que efetuaria as primeiras explicações num nível local, e a
Antropologia, que se ocuparia, mediante comparação sistemática, das sínteses globais
relativas à cultura. Nisto, o famoso antropólogo francês seguia uma antiga tradição francesa,
herdeira do Iluminismo, de tendência unificadora no estudo da cultura (enquanto a tradição
alemã sempre enxergou a cultura no plural, ou seja, sempre preferiu falar da diversidade das
culturas). No esquema de Lévi-Strauss, o destino da Antropologia, como ele a via, era algo
grandioso e de enorme ambição científica, já que deveria ser

...o conhecimento global do homem, em toda a sua extensão histórica e


geográfica, aspirando a um conhecimento aplicável ao conjunto do
desenvolvimento humano, desde os hominídeos até as raças modernas; e
tendendo a conclusões, seja positivas ou negativas, mas válidas para todas as
sociedades humanas, da grande cidade moderna até a menor das tribos da
Melanésia (LÉVI-STRAUSS, 1958: 388).
10

Sob influência inglesa −sendo ethnology um termo pouco usado, relativamente, pelos
britânicos−, também na França predomina, hoje em dia, a denominação Antropologia,
distinguindo-se uma Antropologia Física de uma Antropologia Cultural. Os ingleses
costumam, no âmbito do que seria a Etnologia, distinguir uma Antropologia propriamente
Cultural (minoritária) de uma Antropologia Social, especialidade esta bem britânica, voltada
para uma síntese global dos diversos sistemas sociais: adaptação à ecologia, economia e
técnicas, política e instituições jurídicas, sistema familiar e de parentesco, religião (E. E.
Evans Pritchard, por exemplo). Note-se que nos Estados Unidos, como a Arqueologia se
desenvolveu primeiro, nesse país, no interior dos departamentos universitários de
Antropologia, também ela é considerada como parte integrante da ciência antropológica, o
que não ocorre na tradição europeia. Assim, para os norte-americanos, a Antropologia
compreende: Antropologia Física; Arqueologia; e Etnologia (cf. BARNOUW, 1975;
LOMBARD, 1998: 10-13).
O conceito central da Antropologia é, sem dúvida, o de cultura; e o método mais
específico dela é, como trataremos adiante de mostrar, o trabalho de campo baseado na assim
chamada “observação participante”.
Existem modos de empregar as noções de “cultura” e “sociedade” em que ambas
aparecem como complementares. Do ponto de vista marxista, por exemplo, já se afirmou que
a cultura é um meio ambiente artificial ou, em outras palavras, que o âmbito cultural reúne
“todos os elementos da existência humana que não são biológicos nem podem explicar-se pela
referência exclusiva ao mecanismo fisiológico dos seres humanos”. Assim, a cultura associar-
se-ia “à reflexão sobre a origem social e ao condicionamento social da existência humana”.
Como se pode notar, “cultura” e “sociedade”, neste modo de ver, relacionam-se estreitamente.
Entretanto, não designam a mesma coisa: a sociedade ou, mais exatamente, o sistema social
definido “principalmente [como] um conjunto de indivíduos humanos entre os quais existem
relações”, quando encarado relativamente à cultura, mostra ser a condição histórica prévia
do aparecimento das formações culturais. Com efeito, a rede das relações sociais, no tocante a
cada indivíduo que se integra à sociedade (pelo nascimento ou pela imigração), surge como
uma realidade previamente existente, uma “necessidade externa”, tão material quanto “a terra
que pisa, a casa em que vive, as árvores que o cercam”:

Esta rede relacional institucionalizada, isto é, transformada numa


estrutura durável, constitui precisamente o substrato material da cultura social
transmitida de geração em geração (BAUMAN, 1970: 5-7, 18-19).
11

Muitos antropólogos que nunca foram marxistas aceitaram, igualmente, o vínculo


inseparável entre cultura e sociedade. De acordo, por exemplo, com M. Fortes:

Do ponto de vista da Antropologia sociológica, é inconcebível que a


humanidade, talvez, mais exatamente, os seres humanos modernos, o Homo
sapiens, pudesse ter vindo à existência e ter continuado a existir a não ser por
meio da sociedade (FORTES, 1983: 1).

No interior de uma tradição teórica muito diferente, o sociólogo weberiano Talcott


Parsons e o antropólogo Alfred Kroeber propuseram, em 1958, definições das noções de
cultura e sociedade que as tornariam, também neste caso, estritamente complementares
(delimitando, ipso facto, as fronteiras entre Sociologia e Antropologia):

Sugerimos ser útil definir o conceito de cultura (...) restringindo seu


referente a conteúdos e padrões transmitidos e criados de valores, ideias e outros
sistemas significantes do ponto de vista simbólico, encarados como fatores que
conformam o comportamento humano e os artefatos que tal comportamento
produz. Outrossim, sugerimos que o termo sociedade ou, mais geralmente,
sistema social seja usado para designar o sistema especificamente relacional de
interação entre indivíduos e coletividades (KROEBER; PARSONS, 1958: 583).

Na opinião de Parsons, discípulo de Max Weber, bem como na de Alfred Kroeber e


dos antropólogos que o seguiram nessa postura (incluindo Clifford Geertz), seria preciso
reservar exclusivamente à Sociologia o estudo dos sistemas e relações sociais, enquanto à
Antropologia caberia somente a análise da cultura, mas em versão que, para Parsons, limitaria
os objetos culturais aos “elementos simbólicos da tradição cultural, ideias ou crenças,
símbolos expressivos ou padrões de valores”. Nos Estados Unidos, foi de fato sobretudo a
iniciativa de Parsons que inaugurou, institucionalmente, uma dicotomia radical entre
sociedade (domínio de sociólogos trabalhando segundo uma teoria weberiana da ação social:
expurgada, porém, por Parsons da preocupação do sociólogo alemão com a História) e cultura
(área reservada aos antropólogos). Na maneira de ver proposta por Parsons contra a qual,
entretanto, até mesmo os antropólogos das gerações seguintes que concordavam de início com
suas ideias básicas, a começar por Geertz, se rebelaram a Antropologia estaria
hierarquicamente subordinada, do ponto de vista teórico, à Sociologia webero-parsoniana da
ação social. Pode-se notar, então, que mesmo entre os que, no final da década de 1950,
afirmaram serem complementares e não rivais as noções de sociedade e cultura, estavam
implícitas divergências que afloraram posteriormente com clareza (PARSONS, 1951: 4).
A meu ver, “cultura”, ao cabo de uma trajetória de mais de dois séculos e meio, longe
de poder contrapor-se utilmente a “sociedade”, tornou-se um conceito-obstáculo, em especial
12

ao formularem numerosos estudiosos a pretensão de transformá-la numa noção auto-


explicativa que, além disto, provesse os dados centrais para uma compreensão dos assuntos
humanos, dentro da versão de uma “natureza humana” não historicizada hoje conhecida como
o Homo symbolicus. Esta posição que defendo já foi exposta com grande pertinência por
Adam Kuper:

...quanto mais se considere o que há de melhor no trabalho moderno feito


pelos antropólogos sobre a cultura, mais aconselhável deve parecer evitar
completamente tal termo hiper-referencial e falar, mais precisamente, de
conhecimento, crença, arte, tecnologia, tradição ou mesmo ideologia (embora
problemas similares sejam postulados por este conceito polivalente). (...) As
dificuldades tornam-se agudas ao máximo quando (...) a cultura desliza de algo a
ser descrito, interpretado, até mesmo talvez explicado, para ser tratada, em vez
disso, como uma fonte de explicação em si mesma. Não afirmo isso para negar
que alguma forma de explicação cultural possa ser bastante útil, se mantida em
seu devido lugar; mas o apelo à cultura pode oferecer unicamente uma
explicação parcial da razão das pessoas pensarem e se comportarem como o
fazem, e daquilo que faz com que alterem seus modos de pensar e agir. Forças
políticas e econômicas, instituições sociais e processos biológicos não podem ser
ignorados ou assimilados a sistemas de conhecimento e crença. E isto, eu
sugerirei, é o principal obstáculo no caminho da teoria cultural, ainda mais
considerando-se suas pretensões atuais (KUPER, 1999: X-XI).

O antropólogo sul-africano, ao mesmo tempo que advoga o abandono do conceito de


cultura, não acredita de verdade que tal possa acontecer, já que fala a seguir de “cultura” e de
“explicação cultural”. Também eu não tenho a ilusão de que, por útil que fosse enterrar
decentemente esse conceito polissêmico em demasia (em 1952 já se recenseavam 164
acepções diferentes de cultura e de seu quase-sinônimo civilização!), isso se possa conseguir.
É preciso, pelo menos, podar as pretensões excessivas que hoje se atribuem a tal noção.
Como outros debates relativos às ciências sociais, os que envolvem as noções de
sociedade e cultura sofrem o efeito de elementos complicadores que consistem na tendência à
polarização unilateral de enfoques divergentes das coletividades humanas. Uma delas é o
confronto entre tipos de teorias acerca das sociedades humanas complexas, tendente a
distribuí-las em dois grandes grupos: (1) o das teorias que enfatizam a integração social (as
quais habitualmente se vinculam à definição da sociedade como soma de indivíduos); (2) o
das que sublinham o conflito social (que quase sempre insistem na natureza coletiva dos
sujeitos sociais). Eis aqui um exemplo extremo (publicado pela primeira vez em 1972) em que
George P. Murdock exagera em forma absoluta a tendência a só enxergar o nível individual (e
as relações ou interações entre indivíduos), no que se refere aos efeitos de um tal exagero
13

sobre as noções do social e do cultural, chegando a considerar essas dimensões como meros
epifenômenos:

...a cultura, o sistema social e todos os conceitos supra-individuais desse


tipo, tais como representação coletiva, espírito de grupo e organismo social,
[são] abstrações conceituais ilusórias inferidas da observação dos “fenômenos
reais” que são os indivíduos interagindo uns com os outros e com o seu meio
ambiente natural. As circunstâncias da sua interação levam quase sempre a
similaridades no comportamento de indivíduos diferentes, que tendemos a reificar
sob o nome de cultura, e fazem com que os indivíduos se relacionem uns com
outros de maneiras repetitivas, que tendemos a reificar como estruturas ou
sistemas. Na realidade, cultura e sistema social são meros epifenômenos
produtos derivados da interação social de pluralidades de indivíduos (Apud
SAHLINS, 1979 [1976]: 110).

Outra tendência muito presente consiste na tentação de privilegiar o mental (as ideias)
sobre o material, tendência essa que sempre foi mais forte no tocante à noção antropológica
de cultura do que nas definições do que seja a sociedade. Citarei um exemplo taxativo:

A distinção entre cultura como ordem fenomenológica e cultura como


ordem ideacional, a primeira característica de uma comunidade e a segunda
característica de seus membros [individualmente considerados], é algo de que os
antropólogos vêm tratando a partir de diferentes pontos de vista há já algum
tempo (...). Alguns antropólogos, incluindo este que escreve, preferem utilizar o
termo “cultura” para referir-se unicamente à ordem ideacional
(GOODENOUGH, 1975: 37 e nota 19).

A noção de cultura, ao desenvolver-se na segunda metade do século XVIII, precedeu


de um século a constituição da Antropologia. Entretanto, aqui só vou me interessar pelo
conceito a partir do surgimento da Antropologia como uma das ciências sociais −e o farei só
num sentido antropológico, não tratando, a não ser dentro da disciplina antropológica, da
polissemia que o termo mantém mesmo hoje em dia.
O aparecimento de um conceito científico explicitamente formulado do que fosse a
cultura foi importante no sentido de tirar desse termo a carga normativa que de início teve,
substituindo-a por um enfoque descritivo, se bem que, na prática, nem sempre de todo
desprovido de juízos de valor. A primeira definição mais séria de cultura foi elaborada pelo
antropólogo britânico Edward Burnett Tylor (1832-1917) em 1871:

Cultura ou civilização, tomada em seu sentido etnológico mais vasto, é um


todo complexo que compreende o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, as
leis, os costumes e as outras capacidades ou hábitos adquiridos pelo homem
enquanto membro da sociedade (TYLOR, 1971: 1).
14

Notam-se nesta definição várias coisas: (1) cultura é algo adquirido, que se aprende no
seio do social e, não, algo transmitido geneticamente, o que quer dizer que, deste ponto de
vista, “cultural” se opõe a “natural”; (2) embora a definição insista mais nos componentes
mentais da cultura, a menção aos “costumes” e “outras capacidades ou hábitos” abre caminho
a que também se integrem no enfoque cultural coisas como os comportamentos econômicos,
as tecnologias, etc., vistos em seus traços materiais (daí que se tornasse usual por bastante
tempo distinguir a “cultura material” da “cultura não-material”; surgiu recentemente uma
tendência a dizer “cultura imaterial”, o que não me parece correto em português); (3) a
definição de Tylor estabelece uma identidade entre cultura e civilização, encaradas como
termos sinônimos. Com o avanço de seus estudos, no entanto, Tylor passou a preferir o termo
cultura, posto que a palavra civilização parecia adaptar-se mal estando vinculada
etimologicamente à noção de cidade ao tipo de sociedades (tribais) mais usualmente, na
época, examinado pela Antropologia (já que era a Sociologia que tratava das sociedades
ocidentais desenvolvidas como as da Europa, ou os Estados Unidos).
Tylor, ao ocupar em 1883, na Universidade de Oxford, a primeira cátedra britânica de
Antropologia, configurou-se como um dos pioneiros da disciplina na Europa. Seu trabalho de
campo (no México) foi, entretanto, limitado. O verdadeiro fundador da Etnografia, isto é, da
pesquisa antropológica de campo prolongada e baseada na observação direta, foi Franz Boas
(1858-1942). Não é minha intenção acompanhar em detalhe a trajetória e as tendências da
disciplina antropológica. Quero, porém, prestar atenção às etapas da Antropologia em
correlação com a história posterior a 1870.
José R. Llobera chama a atenção para o fato de ser a Antropologia “filha do
colonialismo”, tendo sido sua prática tornada possível graças ao contexto colonial. Outro que
o afirma é Claude Lévi-Strauss:

[A Antropologia] é produto do mesmo processo histórico que tornou a


maior parte da humanidade subordinada à outra e durante o qual milhões de
seres humanos inocentes foram despojados de seus recursos, enquanto suas
instituições e crenças foram destruídas. Muitos deles foram mortos sem piedade,
outros, submetidos à escravidão ou infectados por doenças a que lhes era
impossível resistir. A Antropologia é filha desta era de violência. Sua capacidade
de avaliar mais objetivamente os fatos que pertencem à condição humana reflete,
epistemologicamente, um estado de coisas em que uma parte da humanidade
tratava a outra como objeto (LÉVI-STRAUSS, 1966: 126).

Ao dizer que a Antropologia é filha do colonialismo se está afirmando também que ela
se desenvolveu de início em estreita dependência do mundo colonial, em cujo interior
15

realizava, habitualmente, as suas pesquisas. Alguns antropólogos o tinham bem claro


Lubbock ou Malinowski, por exemplo, ao observarem que o estudo dos assim chamados
primitivos apresentava um interesse prático para os países possuidores de colônias.
Outrossim, diz Llobera:

...o objeto [da Antropologia] é residual e consiste no estudo do homem


que não seja ocidental, branco e civilizado, em outras palavras, no estudo de um
ser não plenamente humano, inferior. Uma vez constituída a categoria de
“primitivo”, podia facilmente ser tratada como um objeto e submetida a um
escrutínio sistemático. Este tipo de exame detalhado, que a Antropologia
propunha como a quintessência de seu método, era totalmente inaceitável aplicá-
lo a um contexto europeu, pelo menos no século XIX e no início do século XX
(LLOBERA, 1975: 374-375).

Este autor distingue três etapas no colonialismo moderno: (1) expansão colonial (até a
Primeira Guerra Mundial); (2) consolidação colonial (até a Segunda Guerra Mundial); e (3)
desintegração colonial ou descolonização (depois da Segunda Guerra Mundial). Acha ser
possível correlacionar com tais fases, em linhas gerais, as teorias antropológicas então
vigentes. Na primeira, constata-se um tipo de evolucionismo que, agora, cavava um abismo
entre os ocidentais e as “raças inferiores”; e, na noção de “áreas culturais” de Franz Boas,
uma visão teórica destinada, entre outras finalidades, a enfrentar o materialismo histórico. Na
segunda, de estabilidade relativa do sistema colonial consolidado, o desejo de não enfatizar
conflitos ou disfunções teria levado ao predomínio do funcionalismo (Malinowski, Radcliffe-
Brown), em cujo contexto o colonialismo se reduzia a um “contato cultural”, não se
considerando (ou minimizando-se) a natureza exógena das mudanças que provocava, a
violência nele presente, a exploração e a dominação. Depois da Segunda Guerra Mundial, em
tempos de descolonização, ocorreu uma crise nos próprios fundamentos da Antropologia:
respostas à crise foram o estruturalismo e, a seguir, o pós-modernismo, com sua ênfase
“multiculturalista” que parece ilusoriamente inverter a postura política num sentido
progressista. Outra consequência da crise foi o fato de muitos antropólogos se voltarem,
agora, para o estudo de aspectos das próprias sociedades ocidentais “desenvolvidas”
(LLOBERA, 1975). Devido à época em que escreveu, Llobera chegou em sua análise ao
estruturalismo mas não ao pós-modernismo em Antropologia. Como exemplo da análise
antropológica das sociedades ocidentais do que antes se denominava Primeiro Mundo por um
autor pós-moderno, ver AUGÉ (1996).
Será, porém, assim tão progressista a Antropologia pós-moderna? Mencionarei, como
exemplo dela, a análise do reino de Negara (na ilha de Báli, atualmente parte da Indonésia) no
16

século XIX por Clifford Geertz, com sua teoria da teatralização do Estado (1980). Sendo o rei
de Negara o centro sagrado da sociedade, por tal razão não tinha lugar em sua corte a política
secular; o autor afirma ser tal corte “um centro sagrado, um templo ou um teatro montando
espetáculos rituais” que funcionavam como uma celebração, não da ordem política ou do
poder, mas sim, da hierarquia como tal. A política, a guerra, a taxação, a distribuição das
terras e os sistemas de irrigação seriam elementos tratados num nível institucional de status
claramente inferior. Os conteúdos mesmos do estudo de Geertz foram posteriormente
desmentidos por múltiplas pesquisas, que salientaram, entre outros pontos, a evacuação
sistemática, nele, da violência e do conflito, no entanto bem presentes nas sociedades de Báli.
Além disto, o esquema geertziano não enfatiza o fato seguinte, decisivo, no entanto: a ilha
estava, na época, submetida ao colonialismo holandês. Isto erodia irremediavelmente as
atribuições politico-administrativas efetivas do reino de Negara, forçando a sua corte a
concentrar-se crescentemente em rituais vazios e formalistas (na verdade, a aristocracia que
cercava o rei estava, assim, efetuando o único protesto anti-colonialista possível nas
condições vigentes). O pós-modernismo perspectivista pode, então, elogiar a descolonização e
o multiculturalismo; mas, com frequência, oculta ele também as lutas sociais e a ação
imperialista, tanto quanto o faziam as correntes antropológicas dominantes em fases
precedentes da História ocidental (cf. as críticas de KUPER, 1999: 75-121).
Os conceitos de cultura e de sociedade sempre pareceram, até certo ponto, alternativos
ou concorrentes. No entanto, numerosos antropólogos por exemplo os da Antropologia
Social britânica, em que sobressaiu, em meados do século XX, E. E. Evans Pritchard
incluíam sem dificuldade, em suas análises culturais, a consideração (quase sempre
exclusivamente em sociedades tribais, porém) de elementos como as estruturas sociais a
subsistência, a economia, a tecnologia, mais em geral os elementos materiais da cultura. Esta
última era vista, desde Tylor, como totalidade holística estruturada, embora na prática o
culturalismo pudesse adotar acepções e estratégias bastante variadas. Em meados do século
XX, em diversos autores, a cultura aparecia por influência sobretudo de Vere Gordon
Childe como uma espécie de meio ambiente artificial, material tanto quanto mental, cuja
função seria mediar a relação da sociedade humana com o meio ambiente natural:

A cultura (...) compreende todas as coisas e meios inclusive os não-


materiais, como mitos, crenças e relatos que os seres humanos criam para
ampliar, proteger e expressar a si mesmos. No curso da evolução, a cultura
tornou-se a propriedade peculiar (embora não a única) dos seres humanos; e a
especialização humana na cultura (como a especialização dos tigres em grandes
17

dentes afiados e das girafas em pescoços longos) foi o meio pelo qual o homem
sobreviveu e engrandeceu-se no planeta. É pela cultura que ele deve (e vai), seja
sobreviver, seja perecer (BOHANNAN, 1979 [1971]).

O texto acima reproduzido é de 1971 em sua publicação original. Entretanto, pelo


menos desde a década de 1920 existia uma tendência de signo contrário, tendente a limitar a
área de interesse dos antropólogos. Assim, em 1924, Edward Sapir advogou que estes últimos
deixassem aos historiadores da cultura a análise dos sistemas culturais holísticos (para ele,
civilizações), limitando-se, de sua parte, a uma cultura definida, como objeto, no sentido
pluralista tradicional nos Estados Unidos (há múltiplas culturas, cada grupo humano tem a sua
cultura), mas reduzida a algo puramente mental, enfatizando a questão do significado
espiritual da cultura algo bem próximo do que os alemães mais conservadores consideravam
ser o Geist ou espírito de um povo, homogeneizador de sua cultura autêntica.
Na vitória, em certos ambientes, de uma concepção radicalmente restritiva da cultura
que se oporia a uma consideração pelos antropólogos do Homo faber ou do Homo
oeconomicus para que, doravante, só percebessem o Homo symbolicus se percebe a
influência do pansemiotismo em sua versão pós-estruturalista, como aparece por exemplo na
corrente conhecida como desconstrução; mas ela reflete também a proposta, que já
mencionamos, feita no final da década de 1950, de uma divisão do trabalho entre as ciências
sociais, propugnada por Talcott Parsons, que contou para tal com o apoio do veterano
antropólogo Alfred Kroeber. Em 1952, num escrito em colaboração com Clyde Kluckhohn,
Kroeber já chegara à conclusão de que a cultura é um discurso coletivo de tipo simbólico,
tendo a ver com conhecimento, crenças e valores. A vitória, com o pós-modernismo, da
concepção amputada de cultura foi decisiva na transformação dessa noção num anticonceito,
num conceito-obstáculo. Com efeito, dado o passo inicial, em algumas décadas o radicalismo
da posição aumentou muito mais ainda, sob influência do pós-estruturalismo. Eis aqui, por
exemplo, a versão de Marshall Sahlins, com sua ênfase numa natureza humana que se
costuma designar como Homo symbolicus:

Neste livro, afirmo que o significado é a propriedade específica do objeto


antropológico. As culturas são ordens de significado de pessoas e coisas. Uma
vez que essas ordens são sistemáticas, elas não podem ser livre invenção do
espírito. Mas a Antropologia deve consistir na descoberta do sistema, pois, como
espero mostrar, não pode mais contentar-se com a ideia de que os costumes
sejam simplesmente utilidades fetichizadas (SAHLINS, 1979 [1976]: 10).

A reinterpretação radicalmente reducionista do conteúdo do que seria a cultura não


afetou, de início, a metodologia antropológica da observação participante: ela foi de início
18

assumida por Clifford Geertz, que invocou primeiro Parsons, em seguida Weber, por fim a
hermenêutica. No entanto, com o tempo, Geertz, como os pós-estruturalistas, deixou de
considerar o método antropológico como científico: a cultura podia ser interpretada mas, não,
explicada. Inexistiriam leis gerais do funcionamento e da mudança culturais. A ideia agora
passou a ser que cada cultura deve ser lida, em si e por si, como um texto. A Antropologia
geertziana propôs um método de “descrição densa” e uma valorização dos “saberes locais”,
coerentes com a era do multiculturalismo. Apresentando variantes às vezes importantes, esta
visão das culturas e dos estudos antropológicos foi aceita e aplicada por diversos antropólogos
além de Geertz, por exemplo David Schneider e passada sua etapa neo-evolucionista
Marshall Sahlins. Os discípulos de Geertz e outros antropólogos enveredaram, mais ainda
do que o mestre, pelo caminho do pós-estruturalismo. Alguns chegaram ao ponto de afirmar
que a cultura é um texto, sem dúvida; mas um texto fabricado pelo antropólogo, mera ficção!
Não há felizmente, apesar da voga e do prestígio da visão pós-moderna da
Antropologia e de suas opiniões acerca da cultura, consenso em torno de posturas como as
propostas por Kroeber e Parsons. Há estudos que enveredam por caminhos muito diferentes.
Existe, por exemplo, toda uma gama de pesquisas que se interessam pela dominação cultural,
pelas culturas de classe (burguesa, proletária), pela cultura popular, pela “cultura de massa”,
ou trabalham com o conceito de habitus à maneira de Pierre Bourdieu. E há muitos autores
voltados para a questão das subculturas e contraculturas, às vezes em vinculação com o
conceito de socialização. Em numerosos casos, tais pesquisas dependem de noções do que
seja a cultura situadas a léguas de distância das versões pós-modernas e pós-estruturalistas (cf.
CUCHE, 1996). E, como mencionamos no caso do estudo de Negara por Geertz, já existem
críticas demolidoras que demonstram as numerosas falhas e inconsistências perceptíveis na
Antropologia em seu novo recorte.
Eis aqui uma definição de cultura que me parece bastante adequada, da lavra de Peter
Burke:

[O] que é cultura? Minha definição favorita vai no sentido das atitudes
compartilhadas (significados, valores) tais como se expressam (tomam corpo,
aparecem simbolizadas) em artefatos e em desempenhos. (...) “[A]rtefatos”: não
só imagens, mas ferramentas, casas, a totalidade do meio ambiente de feitura
humana.(...) “[D]esempenhos”: não só rituais e canções, mas qualquer tipo de
fala (BURKE, 1988: 122).

Mesmo se, em minha opinião, outras noções menos carregados de pretensões talvez
funcionassem melhor, pode ser útil usar o conceito de cultura para designar os objetos
19

materiais, as normas de comportamento e os processos de pensamento (bem como as


produções deles resultantes) que reúnam certas condições: (1) serem elementos de um
patrimônio social, historicamente produzidos por sucessivas gerações, assimilados e
selecionadas pela comunidade humana que os transmite de geração em geração; (2) terem um
nível que ultrapasse o individual e cuja dimensão se torne efetivamente social (a descoberta
de algum pensador ou cientista, guardada numa gaveta e não dada a público, enquanto
permanecer assim não será parte integrante da cultura); (3) serem duráveis, o que é garantido
pelo controle, sanção e pressão sociais, mais ou menos institucionalizados segundo os casos, o
que de modo algum significa que sejam imutáveis. Também pode ser proveitoso empregar
“culturas”, no plural, para designar as especificidades que os três pontos acima apresentam
quando considerados em seus conteúdos presentes em diferentes sociedades ou conjuntos de
sociedades (a tradição francesa costuma utilizar o termo “civilização” para referir-se a
conjuntos tornados relativamente homogêneos segundo certas característricas culturais
básicas comuns e que englobem diferentes sociedades num dado recorte de longa duração, por
exemplo, “civilização islâmica”). O problema surge é quando se pretende suplantar, com o
emprego de alguma noção de cultura (hoje em dia, quase sempre aquela de Clifford Geertz,
ou alguma outra própria do perspectivismo hermenêutico), a de sociedade, formação social ou
estrutura social.
Existem diversas dimensões do social que o conceito de cultura em qualquer de suas
modalidades não cobre, mesmo porque não foi pensado para isso. É verdade, sem dúvida,
que alguns dos recortes das noções de “sociedade” e “social”, praticados por certas
Sociologias, não deixariam saudades se desaparecessem. Penso, por exemplo, na visão das
comunidades humanas, não como entidades dotadas, em cada momento do tempo que for
examinado, de redes relativamente estáveis e hierarquizadas de relações institucionalizadas,
mas sim, como coleções de múltiplos recortes arbitrariamente construídos pela análise
mediante seleções de variáveis: cada grupo assim determinado (por exemplo mediante
perguntas feitas por amostragem) será uma coleção de indivíduos que têm em comum certas
características (renda, idade, sexo, nível de instrução ou quaisquer outras que se quiser
escolher−), numa atitude metodológica contrária a qualquer interpretação de conjunto,
holística.
Cada sociedade humana é um conjunto real, um produto histórico que se distringue
das outras sociedades por apresentar configurações específicas em sua rede relativamente
fechada de relações sociais. As relações sociais institucionalizadas articulam os membros da
20

sociedade numa totalidade configurada como rede de relações (a estrutura da sociedade). Ao


se tratar de formações sociais relativamente complexas, há diferentes tipos de relações a
considerar, três em especial: (1) o comportamento de certos indivíduos influencia (de certo
modo e até certo ponto) a satisfação das necessidades de algum tipo pessoais, materiais,
intelectuais, etc. de outros indivíduos, embora, na maioria dos casos, eles ignorem
mutuamente a existência uns dos outros como indivíduos e a presença de suas mútuas
dependências: formam-se desse modo as redes mais importantes de relações sociais (na
verdade, trata-se das relações sociais stricto sensu); (2) cada indivíduo, de seu lado, tende a
encarar a sociedade completa, se é que alguma vez a encara, como uma abstração, mas se
relaciona pessoalmente com alguns de seus membros, seja diretamente (família, amigos,
colegas da escola ou do trabalho, etc.), seja indiretamente, mas num nível em que os apreende
como indivíduos (por exemplo a relação de alguém, à distância, com um político, uma cantora
ou uma atriz de Hollywood na maioria dos casos, uma relação com meras imagens ou
representações deles): em todos os casos, porém, existe a consciência de outros seres como
indivíduos concretos, manifesta-se algum tipo de interesse e significação e pode ocorrer,
eventualmente, a satisfação de uma necessidade individual, mesmo se a relação ficar só no
nível das representações; dá-se, outrossim, uma atitude de valoração (positiva, negativa, de
suspensão de juízo, etc.), nascida das mencionadas representações, mas que pode provir
também, em parte pelo menos, do sentimento ou juízo da comunidade; (3) laços sociais desse
tipo (em que a consciência dos indivíduos concernidos tem um papel decisivo, o que não
ocorre nas relações sociais propriamente ditas, nascidas em primeira instância da divisão
social do trabalho) também podem ocorrer sem contatos diretos ou indiretos, com valorização
e investimento emocional mediados por sistemas simbólicos institucionalizados que
substituem de certo modo o contato em questão, por exemplo ao se tratar da adesão (ou, pelo
contrário, da repulsa) de indivíduos a um partido ou a uma corporação (igreja, nação, forças
armadas, por exemplo). Enquanto as relações sociais do primeiro tipo são mais homogêneas e
generalizáveis, os laços sociais de que se falou no segundo e terceiro pontos são, pelo
contrário, além de fragmentários (parciais, seletivos), muito heterogêneos entre si (a relação
entre pai e filho é diferente daquela entre marido e mulher; a de um empregado com um
patrão específico dotado de certas características é bem mais seletiva isto é, leva em conta
conhecimentos e interesses que só mobilizam um conjunto restrito de variáveis sobre o
indivíduo-patrão do que a que o primeiro possa ter com um amigo, etc.) (BAUMAN, 1970).
21

As considerações acima são altamente resumidas e incompletas, além de, nesses


exemplos, eu ter escolhido o nível da descrição estrutural, mais do que o da dinâmica das
relações. Mesmo assim, em todos os pontos do que ali expus, se por um lado sempre seria
possível apontar aspectos culturais relevantes em qualquer dos muitos sentidos que se possa
dar ao termo cultura, também é certo que eles nunca seriam capazes de esgotar a análise de
algum daqueles pontos (ou de outros que se escolhessem).
Na época do auge da História Social com pretensões sintéticas, a Sociologia
atravessava uma fase especialmente anti-histórica em suas características e correntes básicas,
o que dificultou e deformou os contatos entre ambas as disciplinas (cf. CASANOVA, 1997:
112-113). Tal constatação não justifica, entretanto, o empobrecimento evidente do enfoque
que consistiria em ignorar, por exemplo, os aspectos materiais de elementos sociológicos
como os que foram apontados. Existem representações envolvidas nas relações sexuais, mas
um marido, por exemplo, faz amor com uma esposa de carne e osso, não com uma
representação. Um indivíduo pode se alistar e partir para a guerra invocando uma noção que
tenha (ou que a propaganda nacionalista lhe inculque) sobre a pátria, mas, na guerra, tratar-se-
á, entre outras coisas, de matar e/ou morrer de verdade, e não unicamente de representações.
Podem-se estudar as pulsões envolvidas nas ações represssivas, mas quando alguém apanha
da polícia ou é preso, trata-se de uma pessoa real que é de fato espancada ou trancafiada. Um
antropólogo pós-moderno como Peter Wilson pode avisar aos leitores que, entre as
“realidades” e as “surrealidades” do poder, interessar-se-á só por estas últimas; mas,
naturalmente, não terá como negar a existência das primeiras (WILSON, 1988: 117-150).
Num sentido mais geral, o Homo symbolicus só poderia funcionar dentro da teoria
teológica de uma criação especial ou separada da humanidade por Deus, único modo de
efetuar uma separação taxativa entre cultura e natureza. Mas todos os estudos recentes
disponíveis, em muitas áreas de estudos, comprovam, pelo contrário, que o comportamento
cultural existe limitadamente nas sociedades dos primatas não-humanos atuais, que sem
dúvida possuem uma vontade subjetiva. Embora tal fosse feito no século XIX, já não há como
separar os animais, puramente “instintivos”, de uma humanidade sem herança hereditária,
cujo comportamento seja exclusivamente cultural devido a seu acesso exclusivo à abstração e
à simbolização:

...há muito a ser ganho com o entendimento de que a vida social humana
repousa sobre um conjunto complexo de mecanismos sociais, psíquicos e
biológicos integrados que emergiram durante uma trajetória evolutiva que é em
parte dividida com outros animais. Com isto se quer argumentar que a oposição
22

simples entre natureza e aprendizagem, tão frequentemente encontrada nas


ciências sociais, é em grande parte errônea, pois não há uma distinção ou uma
fronteira final que divida a natureza da cultura. A afirmação de que a maior
parte do comportamento humano é aprendido não é desmentida pelo fato de que
a aprendizagem só pode ocorrer em virtude de um conjunto de mecanismos
biológicos e psicológicos que se desenvolveram ao desenvolver-se a sociedade
humana e pré-humana. Mas tais habilidades do corpo e da mente, tanto nos
humanos quanto nos animais superiores, não existem independentemente da
interação social (MEGARRY, 1995: 7).

Em suma, os seres humanos são animais, produtos da seleção natural, dotados de um


passado não-humano que, entre outras coisas, não pode ser desvinculado do fato de terem
emergido as sociedades humanas como entidades coletivas que, como vimos, servem de
substrato material à cultura social. Mas os humanos são animais que levaram tão longe a
possibilidade de viver mediante comportamentos culturalizados (cuja possibilidade,
entretanto, tem fundamentos genéticos), que “o desenvolvimento cultural e a mudança social
levam-se a cabo por meio de forças que se originam no interior da sociedade e não podem
explicar-se por um mecanismo evolucionário”. Em síntese:

As ideias socialistas e a Física moderna existem independentemente dos


genes. Mas a possibilidade de ter tradições culturais como parte de uma história
real repousa numa longa interação entre os processos genéticos e culturais que
compreendem a evolução humana (MEGARRY, 1995: 90).

O Homo symbolicus do antropologismo idealista é um fantasma sem substância, como


qualquer outra “natureza humana” desencarnada e desprovida de dimensão histórica. Por
conseguinte, já que não é possível descartar um conceito tão polissêmico como o de cultura,
deve-se pelo menos selecionar, dentre suas acepções excessivamente numerosas, as que
preservem o vínculo indissolúvel entre o cultural e o social, bem como o laço entre o
sociocultural e o natural, em lugar de preferir as que, operando recortes unilaterais, cindem,
de tal modo, a unidade do humano.
Para toda a exposição deste segundo ponto da aula, baseei-me em um texto meu, já
publicado (CARDOSO, 2005: 255-282). Note-se que a exposição dos conteúdos efetivos dos
estudos antropológicos será deixada para as aulas seguintes, que abordarão as principais
tendências da Antropologia.

1.3. O método central da Antropologia: trabalho de campo baseado


na “observação participante”
O trabalho etnográfico do antropólogo −ou seja, a sua coleta de dados− é feito, na
maioria dos casos, mediante o trabalho de campo. Para chegar a entender o que as pessoas a
23

serem estudadas fazem e por que o fazem, os antropólogos acham ser preciso interagir com
elas durante o tempo mais longo que for possível, aprendendo a falar a sua língua
fluentemente e vivendo em grande proximidade e frequente contato com o grupo analisado.
Assim, os antropólogos têm de conseguir o financiamento necessário para viajar até onde está
o seu grupo alvo e para poder permanecer com ele durante o tempo necessário para completar
a sua pesquisa. Enquanto lá estiver, partilhará as vidas e a cultura daqueles sob estudo −até
certo ponto, é claro: há limites à assimilação cultural do antropólogo à comunidade que
observa. É a isso que se chama “observação participante”, uma denominação não de todo
satisfatória: ela é julgada necessária para, mediante um longo contato que permita numerosas
entrevistas e conversas, bem como a observação de repetidos incidentes e acontecimentos
reveladores, entender em profundidade os modos de vida e a cultura locais; também no
sentido de limitar, na medida do possível, a incidência de preconceitos e crenças (que o
cientista necessariamente traz consigo) no entendimento daqueles que ele estuda.
Obviamente, os antropólogos empregam também outros métodos. O do trabalho etnográfico
de campo baseado na “observação participante” é, entretanto, o que diferencia a Antropologia
das outras ciências sociais. Incidentalmente, dependendo da sociedade a ser examinada, o
trabalho de campo pode se desenvolver em condições muito desconfortáveis: falta de
eletricidade, falta de água corrente e de instalações sanitárias, alojamento precário,
necessidade de comer a comida acessível no lugar pela impossibilidade de obter víveres mais
de acordo com os costumes alimentares do pesquisador em seu próprio país, etc. É claro que,
como hoje em dia a Antropologia se ocupa, crescentemente, de setores dos próprios países de
cultura ocidental, a coisa se passa diferentemente quando o trabalho de campo se dá num
desses países, sobretudo se for em zona urbana. No entanto, mesmo atualmente se considera
que algum treinamento no trabalho de campo em regiões distantes e dotadas de padrões
culturais diferentes daqueles do Ocidente é necessário para a formação completa de um
antropólogo (MONTAGU, 1972 [1969]: 248-249).
Antes de partir para seu trabalho de campo, o antropólogo se prepara aprendendo a ou
as línguas necessárias (se puder fazer isso em seu próprio país), lendo sobre a etnografia
disponível a respeito da parte do mundo onde pensa pesquisar, e também adquirindo os
conhecimentos necessários para desenvolver o seu tema específico: na sua maioria, os
antropólogos se especializam num ramo dado de estudos etnológicos (poder, religião,
economia, etc.) e realizam um trabalho pelo menos até certo ponto monográfico, o que não
impede que, para que seja efetivo, também devam aprender a conhecer em termos gerais a
cultura do grupo estudado. Em certos casos, os temas que serão estudados podem levar a
24

adquirir conhecimentos inusitados, nem sempre fáceis de obter. Por exemplo, um antropólogo
que se prepara para um trabalho de campo relativo aos usos medicinais de plantas da
Amazônia por algum dos povos indígenais locais precisará ter conhecimento botânico
convencional, para poder depois avaliar os conhecimentos e seus usos nas comunidades que
estudará.
O núcleo central do trabalho etnográfico são as conversas, ou entrevistas, com os
informantes pertencentes ao grupo que estiver sendo estudado. Isso tanto acontece mediante
sessões formalizadas de perguntas e respostas quanto ao longo da própria convivência e de
conversas mais informais, perguntas e comentários ocasionais sobre incidentes que aconteçam
durante a permanência do antropólogo, etc. Em certos casos, são usados gravadores, feitos
desenhos e fotografias, realizados filmes, levantados mapas e diagramas, coletadas amostras
dos cultígenos, da fauna e da flora locais, etc. A escolha do que fazer dependerá das
oportunidades mas, também, do que exijam as temáticas da pesquisa empreendida.
Embora já seja, por mais de cem anos até agora, o método central da Etnografia −sem
cujos dados a Etnologia ou Antropologia interpretativa seria impossível−, críticas incidem
sobre o trablalho de campo e sua “observação participante”. Tais críticas sempre existiram,
mas intensificaram-se muito quando o ceticismo pós-moderno chegou ao mundo dos
antropólogos.
Um risco que sempre existiu foi o do etnógrafo se encerrar em sua comunidade
estudada, apresentando-a como algo imóvel e isolado, sem contexto histórico e sem contatos
de importância com outras comunidades. Assim, por exemplo, Raymond Firth, em seu
celebrado trabalho sobre os Tikopia da Polinésia, descreveu a organização social e a religião
tradicional do grupo sem achar necessário mencionar que, quando o estudou, muitos dos seus
membros já se haviam convertido ao Cristianismo! Durante muito tempo, uma noção um
tanto romântica sobre um estado primeiro e “puro” das culturas estudadas existiu de parte de
diversos antropólogos. Outra coisa: em certos casos, o pequeno grupo estudado face a face
constitui uma etnia completa; em outros casos, porém, e bem mais frequentemente, é só uma
parte ou fração de algo socialmente bem mais vasto. Sendo assim, e dado o caráter da
pesquisa etnográfica, como garantir que as suas conclusões sejam generalizáveis para fora do
conjunto de pessoas que de fato se observou?
As discussões maiores, porém, sobretudo de parte dos pós-modernos, são as que se
dirigem à objetividade do conhecimento obtido por meio da “observação participante”. A
subjetividade do pesquisador pode de fato ser superada? Franz Boas, Bronislaw Malinowski e
outros pioneiros da disciplina insistiram na necessidade de um levantamento direto de dados
25

pelo trabalho de campo, em lugar de, por exemplo, usar relatos de viajantes ou relatórios
governamentais cuja informação era muitas vezes pouco confiável e cheia de preconceitos
(além de haver muitas sociedades sobre as quais não havia informação, nem mesmo desses
tipos). Os antropólogos são treinados, quando de seus estudos universitários, no sentido de
obter o máximo possível de objetividade ao trabalhar. Mas será isso de fato possível? Uma
saída em que se pensou foi o estudo em equipe, ou seja, diversos observadores estudando um
mesmo grupo. No entanto, além de que nada indica que os dados assim obtidos sejam, de fato,
mais objetivos do que os conseguidos com trabalhos individuais, há muitos obstáculos de
vários tipos a que isso se faça com frequência: a logística e o financiamento se tornam mais
complicados e mais caros; os antropólogos voltados para culturas não ocidentais sentem
angústia diante do rápido desaparecimento delas e acham necessário multiplicar as pesquisas
enviando observadores ao máximo de lugares que se puder, em lugar de concentrar vários
deles num só lugar. Uma alternativa seria outro antropólogo voltar a estudar o grupo já
estudado por um colega; mas tal procedimento provoca atritos (os antropólogos muitas vezes
gostam de manter um acesso exclusivo ao “seu” grupo) e também encontra outros obstáculos
(entre eles, a já mencionada urgência em estudar numerosas e dispersas populações cujas
culturas estão desaparecendo rapidamente devido a múltiplos processos de interação política e
cultural) (MONAGHAN; JUST, 2000: 13-33).
Diante desse assunto da “objetividade”, há autores que reagem declarando tratar-se de
um falso problema: o que o antropólogo é não pode ser contornado; e sem isso ele não teria
um ponto de vista ou de referência a partir do qual partir para a interpretação dos grupos que
estuda. Os pós-modernos, que são céticos radicais acerca da verdade científica, se esforçam
em mostrar que a obra de Antropologia, mesmo depois de anos de estudo, é exatamente isso:
uma obra, que fala muito mais do antropólogo do que dos que ele tentou entender. O exagero
das posturas pós-modernas, que obtiveram maior aceitação nos Estados Unidos e no Reino
Unido, muito menos, por exemplo, na França, levou às vezes à tentativa do antropólogo de
anular-se e de se limitar a dar a palavra às “vozes” diversas que ele trata de ouvir em seu
trabalho de campo. Isto às vezes leva a um estilo de escrita etnográfica muito difícil de
entender ou de consultar, e a resultados que, apesar da sinceridade das tentativas, mostram-se
altamente discutíveis (HOBSBAWM, 1997: 192-200)

1.4. Problemas e dilemas da Antropologia


(1) A Antropologia é de fato científica? Ao longo de mais de um século de existência
da Antropologia como uma das ciências sociais, esta pergunta recebeu as mais distintas
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respostas, além de que a própria noção de “ciência” que podiam manejar os antropólogos
também conheceu variantes numerosas. Seja como for, as posições básicas vão de um
cientificismo mais ou menos estrito (A. R. Radcliffe-Brown, por exemplo, achava que todos
os problemas que a Antropologia aborda estão sujeitos à lei natural e que existem métodos
para descobrir e provar leis gerais) ao ceticismo sobre essa afirmação de cientificidade. Evans
Pritchard, por exemplo, dizia que, cada vez que leis gerais foram afirmadas por antropólogos,
tratava-se de algo extremamente vago e pouco útil: para ele, a Antropologia Social −a escola a
que pertencia− tratava as sociedades como sistemas simbólicos e não como sistemas análogos
àqueles que a Biologia estuda, procurando estruturas, mas não leis, demonstrando coerência,
mas não relações necessárias e estritas entre as variáveis que formam o social, em suma,
interpretando mais do que explicando. Apesar do seu evidente cientificismo, Claude Lévi-
Strauss opunha as ciências sociais, menos científicas, às ciências naturais, verdadeiramente
científicas, ou ciências completas.

(2) A Antropologia é uma ciência autônoma? Vimos, neste mesmo capítulo, J. Llobera
afirmar que, pelo menos de início, o tema da Antropologia era residual, por estudar aquilo que
os sociólogos não estudavam. Outrossim, em certas escolas −por exemplo a francesa de Émile
Durkheim e Marcel Mauss, bem mais social do que cultural em suas ênfases−, a teoria
manejada dificultava muito separar de fato a Sociologia da Antropologia. A Antropologia
Social britânica tornava a Antropologia dependente da Sociologia. O estruturalismo de Lévi-
Strauss, por sua vez, a punha na dependência da Linguística Estrutural. Certos enfoques no
interior da Antropologia Cultural norte-americana privilegiaram, de seu lado, o enfoque
psicológico (é o caso, por exemplo, no tocante a alguns dos discípulos de Franz Boas, da
tendência conhecida como “cultura e personalidade”). Assim, ao longo de toda a trajetória
histórica da Antropologia como disciplina, que já tem mais de um século, houve a noção,
expressada por alguns antropólogos, de uma forte dependência relativamente a outras
ciências. Mas o contrário também existiu; ou seja, sempre houve igualmente antropólogos
convencidos da especificidade e autonomia de sua disciplina, que defenderam tal ponto de
vista com argumentos variados..

(3) Relativismo ou universalismo? “Cultura” no singular (genérica, relativa a toda a


humanidade), como queria o evolucionismo, ou “culturas” no plural (diferentes entre si, cada
uma específica), como acreditavam os antropólogos discípulos de Franz Boas? Alguns
antropólogos chegaram a definir a sua disciplina como o estudo da diversidade cultural.
27

Outros, pelo contrário, acreditaram que, para além das diferenças, existiam denominadores
comuns e invariantes culturais. As escolas antropológicas penderam, seja para o relativismo
cultural, seja para o universalismo.

(4) Determinação estrutural da cultura ou liberdade do indivíduo no seio de sua


cultura? Em geral, as correntes e especialistas de ênfase cientificista insistiram em leis ou
determinações, bem como nas programações sociais (ou culturais) do comportamento
individual; ou, no mínimo, afirmaram existir um forte condicionamento de tal comportamento
dos indivíduos pela cultura. Radcliffe-Brown, um dos fundadores da Antropologia britânica,
muito influenciado pelo positivismo, dizia que as relações sociais determinam o
comportamento individual e o tornam pouco mutável durante numerosas gerações. Bronislaw
Malinowski, no entanto, achava que as regras existem, mas admitem um grau importante de
desobediência ou desvio, tolerado pela ordem social. Hoje em dia talvez predomine a
insistência nas variações individuais e na autonomia do comportamento individual, embora
não seja de fato possível negar de todo o influxo do que é coletivo, social. Por exemplo, o
sociólogo e antropólogo francês Pierre Bourdieu acreditava num enfoque baseado nas ações
dos indivíduos e nas interações entre eles −individualismo metodológico− mas,
concomitantemente, no influxo de um habitus derivado do social. Para alguns, é necessário
estabelecer gradações, conducentes a uma tipologia. Uma das tentativas mais recentes a
respeito foi a distinção, por autores como Marshall Sahlins e Maurice Bloch, que deveria ser
estabelecida entre sociedades prescritivas (prescriptive) e sociedades de livre desempenho
(performative). No primeiro caso, teríamos aquelas que prescrevem, em caráter prévio a
quaisquer ações concretas, muitas das maneiras em que as pessoas agem e interagem. Em
situações assim, nada novo está previsto; ou, pelo menos, as novidades que surjam serão
avaliadas de acordo a como apareçam ao serem passadas pelo crivo da ordem estabelecida:
execução e repetição predominam sobre ações livres e espontâneas. Pelo contrário, ao se tratar
de sociedades de livre desempenho (performative), a mudança é considerada a forma natural e
normal em que a ordem social ou cultural se reproduz.

(5) As sociedades, vistas ao longo do tempo, são marcadas principalmente por uma
invariância relativa, ou pelo dinamismo? Como a Antropologia começou por ser a ciência do
que era considerado “tradicional” ou “primitivo”, de início foi forte entre os antropólogos a
crença na estabilidade ou relativa invariância das estruturas das sociedades tribais; em certos
casos, dava-se para explicar tal convicção uma razão de circunstância: não haveria
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documentação que permitisse, no caso de sociedades ágrafas, o estudo da trajetória histórica,


mesmo que se quisesse (coisa que foi desmentida pelos estudos africanos baseados na tradição
oral, bem como pelo uso inteligente da Arqueologia e seus achados de cultura material). As
tendências funcionalistas, embora diferentes entre si (Radcliffe-Brown, Émile Durkheim)
tendiam, de início, a enxergar prioritariamente, nas sociedades e em suas culturas, a
integração, a solidariedade das partes, a harmonia entre elas: portanto, estavam pouco
voltadas para a percepção da mudança, já que salientavam o equilíbrio homeostático. Pelo
contrário, outros autores e escolas tenderam a perceber o conflito, a mudança, os processos
dinâmicos, estando menos interessados no funcionamento do que na transformação: esta
última tendência se acentuou desde a descolonização, processo ocorrido após a Segunda
Guerra Mundial.

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