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sk[E]tch_bIfUrc[A]tIOn:

labirintos que se bifurcam


[resenha criativa sobre os sketch books
de gazy andraus e edgar franco]

léo pimentel [A]m[A]nt[E]:|:d[A]:|:h[E]r[E]sI[A]


cerrado, verão, 2018

bifurcação prévia, sujeita a emendas, no entanto, jamais


definitiva, sempre esboçada... uma moeda na mão, dois
caminhos em minha frente. por qual seguir? ambos rumam
ao zênite. flutuam. ambos são uma dupla hélice de poesia e
filosofia as quais se ligam através de ligações de éter.
guardo a moeda no bolso. não quero escolher. quero
caminhar por ambos. mas não primeiro trilhar um e depois trilhar pelo outro. mas aos saltos. os tomo como
um labirinto em camadas, em planos diferentes que se entrecruzam. e assim, meu caminhar deve ser
também labiríntico, multidimensional. não quero a completude de um nem do outro. quero me perder em
ambos. flutuar por eles. flutuar com eles. mas... eles quem? que caminhos são esses que se bifurcam? pois
bem: sketch book de edgar franco e sketch book de gazy andraus!

gazy: o esboço é definitivo. todos os traços, rastros da tinta preta e os espaços de


respiro do papel do são transitórios: dos gestos mais leves da pena com nanquim às
preções mais vigorosas da espada que desenha, tudo flutua e se desmorona ao mesmo
tempo. tudo é vivo, morto, transcendente e imanente. a rapidez e a lentidão se
dissolvem em dança. os grandes personagens e suas grandes poiesis existenciais estão
destinadas à explosão expressiva e a calmaria pós-tempestades de fluxos e influxos. o
poético-filosófico se traceja, ao mesmo tempo em que a subsistência se esvai.

edgar: da textura arenosa, é possível deslizar uma imaginação que, numa fluência
áspera e fluída, não há ruínas tragas em si, há constructos de, ao menos um novo
princípio. há ruptura com o disforme anterior para impulsionar outra anamorfose mais
intensa de liberdade existencial em múltiplos planos. dos rastro que traçam minha vista,
há valor nos fundos vazios que, se me são dialeticamente expressivos, pois permitem
transcender arquiteturas, engenharias e designs. há algo que surgi como situações-limite
que não se deixa sistematizar. nem tudo pode ser calculado. do vazio obtemos
indicações do ser: a flutuação. acesso direto à transcendência, anúncio e cifra da
transcendência.

gazy: há formas extremas de luz e sombras da poiesis do humano que se esquivam de


qualquer filosofia – e vice e versa. não há esterilidade nas trevas, muito menos há
impotência na extrema iluminescência. tipo de situação sem nenhuma promessa
derradeira. basta em si mesma a vertigem à qual, prazerosamente, mesmo que com
algumas ranhuras de dor, nos entregamos. diante dessa tempestade radical, aceitamos
o risco de buscar doces e poderosas aventuras. pois estamos diante do nada grávido de
tudo e do absurdo transbordante de sentidos. possivelmente pelos traços interrompidos
por ligações referenciais não-lineares, que abrem fendas entre todas as linhas
desenhadas, onde se preenchem palavras-portais. aqui outras cifras de transcendência.
formas extremas de luz e sombras da poiesis do humano fazem rapsódias dessas cifras,
e nos apresentam sinfonias de silêncios reflexivos.

edgar: erupção em um cosmo onde se prega, a todo o momento, a obsolescência das


coisas e das pessoas, sua diversidade de rastros pós-humanos teima em permanecer
viva. qualquer tentativa de tornar obsoleta sua pós-transcendência falham. é a própria
impossibilidade de permanecer o mesmo que segue o fracasso mais radical dessa
tentativa. a última barricada contra todo dogmatismo e contra qualquer imobilidade.

gazy: qualquer tentativa de adestrar esse fantástico relampejar e metrificar seu ser é
inócua. os desenho que se articulam diante meus olhos me são um privilégio
ontológico: quando tudo à volta está frio e congelado, o pulso, até então inacessível,
subsiste. há muita fantasia dinâmica e inquieta para enchermos de filosofia e poesia. o
que vejo diante de mim, posso certamente filosofar: o ser está nu!

edgar: é como se o espelhamento mais radical dos pós-seres tivesse o efeito de


evidenciar, de desvelar o ser até então oculto. de tal modo que tive indicações do fim da
eternidade. como se o espelhamento fosse o próprio viver intensamente o transitório.
não são reflexões hiper-abstratas sobre o perecimento da desarmonia entre lados opostos
e da fragmentação do mesmo. mas um revelar-se como cifra de si mesmo. é o mais
profundo enfrentamento das situações-limites da repetição. o espelhamento aponta

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para o ser por ele revelado: ao invés de duplicar o ser, é, ao contrário, o senti-lo como
uno.

gazy: desdobramentos e multiplicações de traços que se entrecruzam para compor uma


ordem ontológica do desenhar: o desenho que torna visível o ato de ser. quando falo de
ato de ser, estou pensando no tracejar como colocar-se a ser, quanto ao que está para
ser está além do limite do mero ato. é um convite ao pensar e ao sentir o que está além
desse limite do mero ato do traço, além desse gesto, poético-filosoficamente, como o
nada grávido de tudo. aquilo que excede o presente cosmo das possibilidades: nos
traços-limite revela-se outro cosmo, torna-se sensível aquilo que autenticamente é,
apesar destes traços estarem há um passo do ato de ser transmundano, mas
evanescente.

edgar: sua tendência, ou trans-tendência é mística. não é o “está por trás” do fascínio,
mas sim é o que “está diante” dele: o fascínio nos desperta. tenha a pós-natureza que
tiver, não há mais satisfação diante da ruína do humano. não há aquele sorriso de alívio
iluminando nossa perversão para com o fim de tudo. como posso não me sentir bem
perante a devastação do todo, já que eu mesmo findarei? como posso olhar para as
ruínas do humano e não sentir paz? pois bem, as respostas dadas aqui conduzem ao não,
já que todo o pós-humano desses traços conduzem a seguinte declaração: há, sim, um
sentir-se bem e uma paz nas ruínas e na devastação, a de que tais são mera antessala da
transcendência: uma fonte de alegria, júbilo e de satisfação já se encontra no mero fato
de que deixarei de existir desta maneira aqui presente.

que delícia de labirinto: passos labirínticos para labirintos que se bifurcam. meu pés riscam as poeiras das
estrelas que ambos forjaram com pena, tinta e grafite. atos de forja que nos livram de qualquer
hegemonização da expressão. desenhos capazes de aberturas para outras visões de mundo e para outras
criações de cosmos.

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