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Incompetência? Claro que não.

A literacia política é capacidade muito pouco distribuída socialmente. E isso é bem explicável.
Na sociedade nem a escola nem muito menos os órgãos de comunicação social se dedicam a
tornar os indivíduos mais capazes de compreender os mecanismos sociopolíticos nem de
intervirem socialmente de modo crítico. Os segundos então parecem estar generalizadamente
incumbidos de adormecer e enganar os cidadãos, tal é o fraco nível dos programas recreativos
que neles são apresentados, a quase inexistência de bons programas culturais e a transformação
dos programas “informativos” em mercadorias que mais desinformam do que noticiam a
realidade. Quanto à escola cada vez se assiste mais à neutralização nos programas e nos manuais
daquilo que poderia mostrar alternativas diferentes ao nível político. Cada vez a “democracia”
e “liberdade” são mais sinonimizados com mercado e capitalismo, não designando
explicitamente este último, sendo as instituições, nomeadamente as europeias, estudadas
numa perspetiva sacralizada. E tudo se torna possível através dum pensamento tornado único
pela repetição e pela censura disfarçada culminando na ausência de alternativa.

Feita esta introdução que me pareceu necessária vamos à questão da suposta incompetência
dos políticos. Ouvimos muitas vezes da boca de muitas pessoas, na maior parte dos casos, dos
analfabetos políticos a que eu me referia na introdução e que os há de muita qualidade, - desde
os sinceros e vítimas reais do sistema mediático aos que com ele lucram, - que os políticos de
turno não são competentes dado o estado social a que assistimos e a que chegamos. Por
exemplo acusa-se o governo de Passos e Portas de incompetência. Não percebem os iliteratos
que a competência tem a ver com a capacidade de conceber e executar um determinado
objetivo, mesmo que não confessado, e é em função dele que se percebe a eficácia e
competência de alguém e neste caso de um governo e dos políticos que o compõem. E no caso
da política como aliás em outras esferas da sociedade há por um lado objetivos manifestos e
que muitas vezes não passam de meras aparências enganadoras que ocultam outros objetivos,
esses os reais, que subjazem às políticas. Se Portugal e a maioria da população empobreceu, se
as condições de vida e de trabalho pioraram, se a desigualdade social aumentou isso era bem
desejado logo à partida pelo governo anterior aplicando gostosamente a cartilha neoliberal que
a Troyka e as instituições europeias nos apontaram. É verdade que o governo e a “europa”
esconde estes objetivos com palavras e conceitos enganadores mas na realidade os políticos
neoliberais portugueses, - onde o próprio PS também deu um contributo nada desprezável no
passado - e os políticos no poder nessa “europa” fora bem têm conseguido produzir o que
visavam nos últimos trinta anos: com a austeridade como instrumento e rolo compressor têm
socavado salários e pensões, privatizado setores cada vez mais amplos da economia, destruído
progressivamente o dito estado social (direitos e realidades que só existiam, diga-se, em grande
parte, pela realidade do papão do “socialismo real”. Destruído este como tem sido bem mais
fácil desde a década de 90 fazer o resto do trabalho político neoliberal.).

Daí que eu diga que de incompetentes eles têm tido muito pouco pois têm sido eficazes em
realizar o que efetivamente pretendiam. Quem quiser de facto ser eficaz na crítica e na
alternativa a estas políticas e políticos tem de ser bem mais sagaz a começar na alteração da sua
grelha de leitura da realidade. Do seu lado terão assim a razão baseada numa perceção acertada.
E infelizmente por um lado a competência deles é bem destrutiva: é que por um lado leva a
resultados sociais desastrosos só para beneficiar muito poucos; por outro lado há uma dinâmica
no capitalismo em que eles de facto não são competentes de todo. O capitalismo é um modo
de produção mundial com um metabolismo próprio, ingovernável no sentido de suster o
aparecimento cíclico de crises e de criar sofrimento na maior parte da população à escala
mundial. A barbárie a que se assiste em muitos locais da Terra é disso exemplo sendo uma
realidade cada vez mais abrangente. Sejamos capazes e competentes para conceber e realizar
um outro conjunto de objetivos onde a comunidade dos povos e o seu bem-estar esteja no
centro. Há quem lhe tenha chamado socialismo. Não vejo nenhuma necessidade para lhe
chamar atualmente outra coisa.

Henrique Santos

2018

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