You are on page 1of 30

Famílias

Conceitos elementares 175


A diversidade da família 176

Perspectivas teóricas s o b r e a família 176


A abordagem funcionalista 177
Abordagens feministas 177
Novas perspectivas na sociologia da família 180

Casamento e divórcio no Reino Unido 182


Agregados monoparentais 183
Voltar a casar 184
Famílias recompostas 185
O "pai ausente" 188
Mulheres sem filhos 190

Variações n o s p a d r õ e s familiares: a diversidade étnica


na Grã»Bretanha 191
Famílias oriundas do sul da Ásia 191
Famílias negras 192

Alternativas a o c a s a m e n t o 194
Coabitação 194
Casais homossexuais 194

Violência e a b u s o na vida familiar 195


A violência 00 seio da família 196
O incesto e o abuso sexual de crianças 197

O debate s o b r e o s "valores familiares" 198


Sumário 199
Questões para reflexão 200
Leituras adicionais 201
Ligações à Internet 201
Capítulo 7: Famílias

O tema de grande parte deste livro é a mudança. não só no relacionamento que envolve relações
Vivemos num mundo turbulento, difícil e estranho. sexuais, mas também nas amizades e nas interacções
Quer o queiramos ou não, temos de aceitar a mistura entre pais e filhos.
de oportunidades e riscos que este mundo nos ofere- As transformações mencionadas não se limitam
ce. Esta observação é particularmente relevante aos países industrializados. Os processos descritos
quando falamos da nossa vida pessoal e emocional. têm vindo a ter lugar - embora de forma desigual -
Ao longo das últimas décadas, a Grã-Bretanha e em outras sociedades. A sociedade chinesa ilustra
outros países ocidentais passaram por mudanças nos claramente a natureza contraditória da mudança na
padrões familiares, que seriam inimagináveis para esfera familiar. O índice de divórcios na China per-
gerações anteriores. A grande diversidade de famhias manece baixo, quando comparado com os países oci-
e formas de agregados familiares tornou-se um traço dentais, embora tenha vindo a aumentar rapidamente
distintivo da época actual. As pessoas têm menos - tal como noutras sociedades asiáticas desenvolvi-
probabilidades de se virem a casar do que no passa- das. Nas sociedades chinesas, o divórcio e a coabita»
do, e fazem-no numa idade mais tardia. O índice de çao são cada vez mais frequentes. Estes factos fize-
divórcios subiu significativamente, contribuindo para ram com que o Estado pensasse em dificultar a obten-
o crescimento de famílias monoparentais. Consti- ção do divórcio. A legislação actual sobre o casa-
tuem-se 'famílias recompostas* através de segundos mento, que data dos anos sessenta, é bastante liberal.
casamentos, ou através de novas relações que envol- O casamento é visto como um contrato de trabalho
vem filhos de relações anteriores. As pessoas optam que pode ser dissolvido, 'quando ambos os parceiros
cada vez mais por viverem juntas em coabitação o desejarem*. Mesmo que uma das partes tenha
antes do casamento, ou em alternativa ao casamento. objecções, o divórcio pode ser concedido quando o
Em resumo, o mundo familiar é hoje muito diferente 'afecto mútuo' já não existe entre o casal. Após duas
do que o era há cinquenta anos atrás. Apesar das ins- semanas de espera e o pagamento de uma pequena
tituições do casamento e da família ainda existirem e taxa administrativa, o casal torna-se independente.
serem importantes nas nossas vidas, o seu carácter
mudou radicalmente. Existe um grande debate na China sobre a defesa
dos padrões familiares "tradicionais", como os ainda
No entanto, não foi só a família e a composição do vigentes nas zonas rurais. Apesar de políticas ofi-
agregado familiar que sofreram alterações. A mudan- ciais governamentais terem limitado a natalidade a
ça nas expectativas criadas pelas pessoas nas suas um ou a dois filhos por casal, o casamento e a vida
relações com os outros foi igualmente importante. familiar continuam a ser muito mais tradicionais nas
O termo 'relações', aplicado à vida pessoal, generali- zonas rurais do que nas áreas urbanas. O casamento
zou-se na linguagem corrente há cerca de vinte ou é um arranjo entre duas famílias, mais dependente
trinta anos, bem como a ideia que existe uma neces- dos pais do que do consentimento dos indivíduos
sidade de 'intimidade* e 'compromisso' na vida pes- envolvidos. Em algumas províncias, aproximada-
soal. Nos tempos recentes, uma relação é algo de mente 60% dos casamentos ainda são organizados
activo - algo em que temos de nos empenhar. Para pelos pais. Há, no entanto, um aspecto irónico acar-
perdurar no tempo, uma relação depende da confian- retado pela história da modernização chinesa.
ça entre as pessoas. A maioria dos relacionamentos A maior parte dos divórcios que ocorrem nas zonas
sexuais são hoje em dia vividos nestes termos, tal urbanas chinesas dá-se entre indivíduos casados
como o casamento. As relações dependem cada vez segundo a tradição rural.
mais da colaboração e comunicação entre os partici-
Como este exemplo demonstra, as sociedades em
pantes. A comunicação emocional tomou-se central
todo o mundo são confrontadas com um conjunto de
FAMÍLIAS 175

problemas semelhantes no que diz respeito à mudan- filhos biológicos ou adoptados. Na maioria das socie-
ça da vida familiar. As preocupações acerca da dades tradicionais, a família nuclear estava inserida
'desintegração* das famílias britânicas encontram em redes de parentesco mais amplas. Quando outro
paralelos bastante próximos noutros países, tanto parente, além do casal e dos filhos, vive na mesma
dentro como fora do mundo industrializado. O que casa ou está em contacto próximo e contínuo com
está em jogo difere apenas no grau, e varia de acordo eles, falamos de família extensa. Uma família exten-
com o contexto cultural em que as mudanças ocor- sa pode ser definida como um grupo de três ou mais
rem. A erosão das formas tradicionais da vida fami- gerações que vivem na mesma habitação ou muito
liar - na Grã-Bretanha, na China e outras sociedades próximas umas das outras. Pode incluir avós, irmãos
à escala mundial - é simultaneamente um efeito da e as suas mulheres, irmãs e os seus maridos, tias, tios,
globalização e um importante contributo para a sobrinhas e sobrinhos.
mesma. Como veremos, as mudanças na vida fami- Nas sociedades ocidentais, o casamento e, por
liar deparam sempre com resistência e com apelos conseguinte, a família, está associado à monogamia
aos 'dias de ouro' do passado. Mas o facto da maior É ilegal que um homem ou uma mulher sejam casa-
parte de nós, resistindo ou não a estas mudanças, dos com mais de um indivíduo simultaneamente.
reflectirmos sobre elas, é indicativo das transforma- Contudo, esta situação não se verifica a nível mun-
ções básicas que têm vindo a afectar as nossas vidas dial. Numa famosa comparação, que envolvia várias
pessoais e emocionais ao longo das últimas décadas. centenas de sociedades em meados do século XIX,
Não podemos voltar atrás. Em vez disso devemos George Murdock descobriu que a poligamia - que
enfrentar activa e criativamente este mundo em permitia que um homem ou uma mulher tivessem
mudança e os seus efeitos sobre a nossa vida íntima. mais do que um cônjuge - era permitida em mais de
80 por cento delas (Murdock, 1949). Existem dois
tipos de poligamia: a poliginia* na qual um homem
Conceitos elementares pode ser casado com mais do que uma mulher ao
mesmo tempo; e a poliandria, muito menos comum,
na qual uma mulher pode ter simultaneamente dois
Em primeiro lugar, é necessário definir alguns con-
ou mais maridos.
ceitos básico^, em particular os de família, parentes-
co e casamento. Uma Família é um grupo de pessoas
unidas directamente por laços de parentesco, no qual
os adultos assumem a responsabilidade de cuidar das
crianças. Os laços de Parentesco são relações entre
indivíduos estabelecidas através do casamento ou por
meio de linhas de descendência que ligam familiares
consanguíneos (mães,pais, filhos e filhas, avós, etc.).
O Casamento pode ser definido como uma união
sexual entre dois indivíduos adultos, reconhecida e
aprovada socialmente. Quando duas pessoas se
casam, tomam-se parentes; contudo, o casamento
une também um número mais vasto de pessoas que se
tornam parentes. Pais, irmãos e outros familiares de
sangue tornam-se parentes do outro cônjuge através
do casamento.
As relações familiares são sempre reconhecidas
dentro de grupos de parentesco mais amplos. Em pra-
ticamente todas as sociedades podemos identificar
aquilo que os sociólogos e os antropólogos designa- Uma família nuclear reúne-se para partilhar a comida...
ram como família nuclear, ou seja, dois adultos uma força unificadora em muitas culturas e organizações
familiares.
vivendo juntos num mesmo agregado com os seus
176 FAMÍLIAS

A diversidade da família de 'famílias', Ao usarmos o termo 'famílias', subli-


nhamos a diversidade das formas familiares. Embora
Muitos sociólogos consideram que não podemos o termo 'família' possa ser usado mais facilmente, é
falar de 'família', como se existisse um modelo de vital lembrarmo-nos da grande variedade que este
vida familiar mais ou menos universal. A predomi- abrange.
nância da família nuclear tradicional foi sofrendo
uma erosão pronunciada ao longo da segunda meta-
de do século vinte, como veremos ao longo deste Perspectivas teóricas s o b r e a família
capítulo. Menos de um quarto dos agregados fami-
liares na Grã-Bretanha estão conformes com o O estudo da família e da vida familiar tem sido con-
modelo tradicional de família. Existem também dife- duzido de modo diferente por sociólogos com posi-
renças vincadas nos padrões familiares entre os ções contrastantes. Muitas das perspectivas adopta-
grupo étnicos minoritários. Por exemplo, os agrega- das ainda há poucas décadas parecem agora muito
dos familiares de origem asiática são muitas vezes menos convincentes, tendo em conta as pesquisas
compostos por algo mais do que uma família com mais recentes e as mudanças importantes que ocorre-
filhos, enquanto as comunidades negras são caracte- ram no mundo social. Não obstante, é pertinente tra-
rizadas pela existência de um grande número de çar brevemente a evolução do pensamento sociológi-
famílias monoparentais. co, antes de analisarmos as abordagens contemporâ-
Por estas razões, parece mais apropriado falar-se neas no estudo da família.
FAMÍLIAS 177

A abordagem funcionalista Na época actual a visão que Parsons apresenta da


família surge como inadequada e datada. As teorias
A perspectiva funcionalista vê a sociedade como um funcionalistas da família foram alvo de duras críticas
conjunto de instituições sociais que desempenham pela sua justificação da divisão do trabalho entre
funções específicas, assegurando a continuidade e o homens e mulheres no espaço doméstico, como
consenso do todo social. De acordo com esta pers* sendo algo de natural e consensual. No entanto, estas
pectiva, a família desempenha funções importantes teorias tornam-se mais compreensíveis se forem vis*
que contribuem para satisfazer as necessidades bási- tas à luz do contexto histórico em que emergiram. Os
cas da sociedade e para a reprodução da ordem anos imediatos do pós-guena presenciaram o regres*
social. Os sociólogos que trabalham na tradição fun- so das mulheres aos seus papéis domésticos tradicio-
cionalista reconhecem que a família nuclear desem- nais, e o retomar pelos homens da sua posição de
penha determinados papéis especializados nas socie- único "ganha-pão" da família. Contudo, podemos
dades modernas. Com o advento da industrialização, criticar a visão funcionalista da família noutros
a família tomou-se menos importante enquanto uni- aspectos. Ao enfatizar a importância da família no
dade de produção económica, acentuando o seu papel desempenho de determinadas funções, ambos os teó*
na reprodução, procriação e socialização. ricos referidos negligenciaram o papel activo de
outras instituições sociais, como o governo, os meios
Segundo o sociólogo americano Talcott Parsons,
de comunicação social e as escolas, na socialização
as duas grandes funções desempenhadas pela família
da criança. A abordagem funcionalista omite as varia*
são: a socialização primária e a estabilização da per-
ções nas formas familiares, que não correspondem ao
sonalidade (Parsons e Bales, 1956). A socialização
modelo da família nuclear. As famílias que não se
p r i m á r i a é o processo através do qual a criança
encaixavam no modelo 'ideal' da família branca, de
apreende as normas culturais da sociedade onde
classe média dos subúrbios, eram vistas como des-
nasce. Em virtude deste aprendizado, ocorrido nos
viantes.
primeiros anos da infância, a família é a mais impor-
tante "arena" para o desenvolvimento da personalida-
de humana. Por estabilização da personalidade
entende o papel desempenhado pela família na assis* Abordagens feministas
tência emocional aos membros adultos da família.
O casamento entre homens e mulheres adultos é o dis- Para muitas pessoas, a família proporciona uma fonte
positivo através do qual a personalidade dos adultos é vital de consolo e conforto, amor e companheirismo.
suportada e mantida a um nível saudável. Afirma-se No entanto também pode ser um lugar de exploração,
que o papel da família na estabilização das personali* solidão e profunda desigualdade. O movimento femi-
«jades adultas na sociedade industrial é de importância nista teve um grande impacto na sociologia ao con-
crucial. Tal sucede porque a família nuclear está geral- testar a visão da família como um espaço harmonio*
mente distanciada dos parentes extensos, tornando-se so e igualitário. Uma das primeiras vozes 'dissonan-
incapaz de manter laços de parentesco mais amplos, tes' foi, em 1965, a da feminista americana Betty
como ocorria antes da industrialização. Freidan, que escreveu sobre ' o problema sem nome*
Para Parsons, a família nuclear era a unidade mais - o isolamento e o aborrecimento que atingiam mui-
bem equipada para suportar as imposições da socie- tas donas-de*casa dos subúrbios norte-americanos, ao
dade industrial. Na 'família convencional* um dos serem relegadas para um ciclo interminável de cria-
adultos pode trabalhar fora de casa, enquanto o ção de filhos e trabalho doméstico. Seguiram-se
segundo toma conta da casa e das crianças. Em ter* outras, apontando para o fenómeno da 'esposa cativa*
mos práticos, esta especialização dos papéis na famí- (Gavron, 1976), e para os efeitos devastadores dos
lia nuclear envolveu, por um lado, a atribuição ao espaços familiares 'sufocantes* nas relações interpes-
marido do papel 'instrumental* de "ganha-pão", e por soais (Laing, 1971).
outro lado a aceitação, por parte da esposa, do papel Durante as décadas de 70 e 80, as perspectivas
emocional e 'afectivo' desempenhado no espaço feministas dominaram grande parte dos debates e
doméstico. pesquisas sobre a família. Se previamente a sociolo-
178 FAMÍLIAS

Uma visão panorâmica d a s principais t e n d ê n c i a s d o s p a d r õ e s familiares britânicos


Para muitos observadores, a s mudanças que afec- cem diluir-se diante dos nossos olhos. A ênfase
tam a família na Grã-Bretanha na sociedade con- colocada nas necessidades individuais, no âmbito
temporânea suscitam perplexidade. Padrões d e d a s relações, parece ter sido conseguida à custa
vida familiar que tínhamos como garantidos pare- da família como instituição basilar d a sociedade.

Quadro 7.1 Composição d o s agregados na Grã-Bretanha por tipo d e família

1961 1971 1981 1991 1998

Casais (%) s

Com filhos d e p e n d e n t e s 38 35 31 25 23
Com filhos náo-dependentes 10 8 8 8 7 s

Sem filhos 26 27 26 28 28
s

Famílias monoparentais (%)


.
Com filhos d e p e n d e n t e s 2 3 5 6 7
Com filhos nâo-dependentes 4 4 4 4 3
Agregados compostos por mais de uma família (%) 3 1 1 1 1 s

Agregados compostos por apenas uma pessoa <%) 11 18 22 27 28


s

Agregados compostos por duas ou mais pessoas


nâo-aparentadas (%) 5 4 5 3 3
Todas as famílias (milhões) 13.7 14.5 14.8 15.7 16.3 .

Todos os agregados (milhões) 16.3 18.6 20.2 22.4 23.6

Fonte: Guardian, 2 4 d e m a r ç o d e 2 0 0 0 , p. 3.

gia da família havia focado as estruturas familiares, o a divisão doméstica do trabalho - a forma como as
desenvolvimento histórico da família nuclear e tarefas são distribuídas entre os membros do agrega-
extensa, bem como a importância dos laços de paren* do familiar. Entre feministas existem opiniões diver-
tesco, o feminismo teve êxito ao dirigir a sua atenção gentes sobre a emergência histórica desta divisão.
para o interior das famílias, examinando as experiên- Enquanto algumas feministas consideram que se trata
cias das mulheres no espaço doméstico. Muitas escri- de uma consequência do capitalismo industrial,
toras feministas questionaram a visão da família outras reclamam a sua ligação ao patriarcado, antece-
como unidade cooperativa baseada em interesses dendo a industrialização. Existem razões para acredi-
comuns e no suporte mútuo. Tentaram mostrar como tar que a divisão doméstica do trabalho já existia
a presença desigual de poder no interior das relações antes da industrialização, mas parece claro que a pro-
familiares significa que determinados membros da dução capitalista originou uma distinção definitiva
família tendem a beneficiar mais do que outros. entre os espaços doméstico e de trabalho. Este pro-
cesso resultou na cristalização de 'espaços masculi-
Os trabalhos feministas enfatizaram um vasto
nos' e 'espaços femininos', e em relações de poder
espectro de tópicos, mas três grandes temáticas são
que ainda hoje se fazem sentir. Até muito recente-
de particular importância. Uma das preocupações
mente o modelo do ganha-pão masculino estava
centrais, que iremos explorar em maior profundidade
muito difundido nas sociedades industrializadas.
no capítulo 13 ('O Trabalho e a Vida Económica'), é
FAMÍLIAS 179

O Reino Unido estará a evoluir para s e tornar urna numa idade mais tardia. A idade média para a
'nação d e solitários'? A avaliar pelas tendências d o s procriação é 29, m a s murtas mulheres adiam o
p a d r õ e s familiares nos últimos anos, alguns dirão acto d e ter filhos bem para lá dos trinta ou até
q u e sim. quarenta anos. Estimasse que um quarto d a s
Mais do q u e nunca, um grande número d e pes- mulheres nascidas e m 1973 não terão filhos até
s o a s vivem sozinhas em to das a s e t a p a s do ciclo d e aos 45 anos.
vida. No início do século vinte e um estima-se q u e a Divórcio - O s índices d e divórcio têm vindo a
mais d e 6 milhões d e britânicos - vinte e oito por aumentar. Cerca d e 40% d o s c a s a m e n t o s
cento do total dos agregados - viverão sozinhos (ver actuais acabam e m divórcio.
quadro 7.1). Este número é o triplo do d e h á qua- • Famílias monoparerrtais - Há um número cada
renta anos. Pesquisas sobre a composição do agre- vez maior d e crianças a viver em agregados
gado familiar indicam o s seguintes factores como monoparentais; actualmente 21% d a s crianças
explicação do crescimento do número d o s que vivem com a p e n a s um d o s progenitores, três
vivem sós: vezes mais do que acontecia e m 1972.

m Casamento - Diminui o número d e p e s s o a s q u e S e a s famílias e stão realmente a "desmoronar-se",


c a s a , e aquelas q u e o fazem, fazem-no numa como alguns afirmam, a s implicações deste fenó-
idade mais tardia. O índice anual d e casamentos, meno não podem s e r descuradas. A família é o
n a Grã~8retanha, e s t á actualmente no s e u ponto ponto d e encontro d e um conjunto d e processos
mais baixo dos últimos 150 anos. A idade média que afectam globalmente a sociedade - o aumento
para o primeiro casamento tem vindo a subir. Em crescente d a igualdade entre o s sexos, a entrada
1996, a idade média para o s homens era 29, e generalizada d a mulher no mercado d e trabalho, a s
para a s mulheres 27. é c a d a vez mais comum m u d a n ç a s nos comportamentos sexuais e n a s
' p e r m a n e c e s s e sottetro' por mais tempo. expectativas, e a relação em mudança entre c a s a e
• Procriação - As mulheres optam por ter filhos trabalho.

As sociólogas feministas conduziram estudos tes de trabalho pago e do não pago, focando a sua
sobre a forma como as tarefas domésticas, a criação atenção na contribuição do trabalho doméstico não
dos filhos e o trabalho de casa, são partilhadas entre pago das mulheres para a economia em geral (Oac-
homens e mulheres. Investigaram a validade de afir* kley, 1974). Outros têm investigado a forma como os
mações como a relativa existência da 'família simé- recursos são distribuídos entre os membros da famí-
trica' (Young and Wilmott, 1973), segundo a qual, ao lia, e os padrões de acesso às finanças do agregado e
longo dos tempos, as famílias têm«se tornado cada o seu controlo (Pahl, 1989).
vez mais igualitárias na distribuição de funções e res- E m segundo lugar, as feministas têm chamado a
ponsabilidades. As conclusões comprovam que as atenção para as relações de poder desiguais existen-
mulheres continuam a carregar uma maior responsa- tes num grande número de famílias. Em resultado
bilidade nas tarefas domésticas, possuindo menos desta situação, um tópico tem merecido uma maior
tempo de lazer do que os homens, apesar de um atenção, o fenómeno da violência doméstica. O 'espan-
número cada vez maior de mulheres trabalharem num camento da esposa*, a violação conjugal, o incesto e
emprego pago fora de casa (Gershunny et a/., 1994; o abuso sexual das crianças têm recebido mais aten*
Hochschild, 1989; Sullivan, 1997). ção pública como resultado das reivindicações femi-
Seguindo uma temática semelhante, alguns soció- nistas que argumentam que os aspectos violentos e
logos têm vindo a examinar os ambientes contrastan- abusivos da vida familiar têm continuamente sido
180 FAMÍLIAS

ignorados nos contextos académico e legal, bem 'famílias recompostas', as famílias gay e a populari-
como nos círculos políticos. As sociólogas feministas dade da coabitação são algumas das temáticas que
procuraram compreender como a família se torna geram interesse. No entanto, estas transformações
uma "arena" para a opressão de género e para o abuso não podem ser compreendidas se as separarmos das
físico. grandes mudanças que ocorreram na nossa época de
O estudo das actividades assistenciais é uma ter- modernidade tardia. Para podermos compreender a
ceira área onde os estudos feministas representaram relação entre as transformações pessoais e os padrões
um importante contributo. Esta é um espaço amplo de transformação global, temos de prestar atenção às
que abrange uma enorme variedade de processos, mudanças que ocorrem ao nível da organização da
desde a assistência a um membro da família que está sociedade e inclusivamente a nível global. Uma das
doente, até tomar conta de um parente idoso durante mais importantes contribuições para este grupo de
um longo período de tempo. Por vezes tomar conta obras é a da equipa formada pelo casal Ulrich Beck e
de alguém significa apenas estar preocupado com o Elisabeth Beck-Gernsheim.
bem-estar psicológico de outra pessoa - algumas
escritoras feministas têm-se interessado pelo 'traba- Beck e Beck-Gernsheim
lho emocional' no seio das relações. As mulheres ten-
Em The Normal Chãos ofLove (1995), Ulrich e Eli-
dem não só a encarregar-se de tarefas concretas como
sabeth Beck-Gernsheim examinam a natureza tumul*
a limpeza e a criação dos filhos, como também inves-
tuosa das relações pessoais, os casamentos e padrões
tem uma grande quantidade de trabalho emocional na
de família num mundo em rápida mudança. Os auto-
manutenção das relações pessoais (Duncombe e
res argumentam que as tradições, regras e linhas de
Marsden, 1993). Embora as actividades assistenciais
orientação que governavam as relações pessoais já
se baseiem no amor e em emoções profundas, estas
não se aplicam, e que os indivíduos são actualmente
também são uma forma de trabalho, que exige capa-
confrontados com uma série interminável de esco-
cidade para ouvir, perceber, negociar e agir criativa-
lhas, que fazem parte do processo de construção,
mente.
ajustamento e melhoramento, ou dissolução, das
uniões que formam com os outros. O facto dos casa-
mentos serem actualmente uniões voluntárias e não
N o v a s p e r s p e c t i v a s n a sociologia d a f a m í l i a
relacionamentos que obedecem a motivos económi-
Os estudos teóricos e empíricos conduzidos a partir cos ou que são impostos pelas famílias, acarreta tanto
da perspectiva feminista, durante as últimas décadas, novas liberdades como novos constrangimentos, exi-
têm gerado um aumento do interesse pela família gindo um grande empenho em termos de esforço e
entre os académicos e a população em geral. Termos dedicação.
como o 'segundo turno' - que se refere ao papel Para Beck e Beck-Gernsheim a nossa época está
duplo da mulher, em casa e no trabalho - entraram na repleta de interesses conflituosos entre a família, o
linguagem corrente. No entanto, em virtude de os trabalho, o amor e a liberdade para prosseguir objec-
estudos feministas da família focarem frequentemen- tivos individuais. A colisão é sentida de uma forma
te temas específicos do âmbito doméstico, nem sem- mais incisiva nas relações pessoais, particularmente
pre reflectem as grandes mudanças e influências que quando existem duas 'biografias de mercado de tra-
têm lugar fora desse contexto. balho' em vez de uma. Os autores querem dizer com
Na década passada emergiu um importante corpo esta expressão que, além dos homens um numero
de literatura sociológica da família que se apoia nas crescente de mulheres tem carreiras profissionais no
perspectivas feministas, mas que não se baseia estri- decurso das suas vidas. Outrora existia uma maior
tamente nelas. A preocupação central incide sobre as tendência por parte das mulheres para trabalhar a
grandes transformações que têm vindo a ocorrer nas tempo parcial fora de casa, ou retirar um tempo sig-
formas da família - a formação e a dissolução das nificativo às suas carreiras para o dedicar à criação
famílias e lares, e a evolução das expectativas indivi- dos filhos. Estes padrões são hoje em dia menos fixos
duais no seio das relações. O crescimento do divórcio do que antigamente; tanto os homens como as mulhe-
e dos agregados monoparentais, a emergência das res dão hoje uma importância enorme às suas neces-
FAMÍLIAS 181

No novo mas "normal caos" do amor, a s pessoas podem adiar inscrever filhos nas suas biografias pessoais e profissionais.

sidades pessoais e profissionais. Os autores concluem antigamente, ainda são muito importantes para as
que as relações na nossa época moderna são, por pessoas. Os divórcios sâo cada vez mais comuns, mas
assim dizer, muito mais do que relações. Não só o os índices de novos casamentos são elevados. A taxa
amor, o sexo, os filhos, o casamento e os deveres de natalidade pode estar em declínio, mas existe uma
domésticos são tópicos de negociação nas relações, grande procura de tratamentos de fertilidade. Poucas
mas também o são os tópicos que têm a ver com o pessoas podem desejar casar-se, mas o desejo de
trabalho, a política, a economia, as profissões, e a viver com outra pessoa e fazer parte de um casal con-
desigualdade. Os casais modernos enfrentam um tinua certamente firme. O que é que poderá explicar
conjunto variado de problemas, que vão dos mais estas tendências opostas?
mundanos aos mais profundos. De acordo com estes autores a resposta é simples:
Sendo assim, talvez não seja surpreendente que o o amor. Beck e Beck-Gernsheim argumentam que a
antagonismo entre homens e mulheres se encontre 'batalha dos sexos' a que se assiste hoje em dia é o
em crescimento. Beck e Beck-Gernsheim defendem mais claro indicador da 'sede de amor' sentida pelas
que a 'batalha entre os sexos' é o 'drama central dos pessoas. As pessoas casam-se por causa do amor e
nossos tempos', como o mostram o crescimento da divorciam-se por causa do amor; as pessoas empe-
indústria de aconselhamento matrimonial, os tribu- nham-se num interminável ciclo de esperança, arre-
nais de família, os grupos de auto-ajuda marital, e os pendimento e novas tentativas. Enquanto por um lado
índices de divórcio. Todavia, embora o casamento e a as tensões entre homens e mulheres tendem a aumen-
vida familiar pareçam muito mais 'débeis' do que tar, por outro lado permanece uma grande fé e espe-
182 FAMÍLIAS

rança na possibilidade de encontrar um grande amor comportamento das pessoas\ No nosso mundo flu-
que conduza a uma maior realização pessoal. tuante o amor tomou-se uma nova fonte de fé.
Pode-se pensar que o "amor" é uma resposta
muito simplista para responder às complexidades da
época actual. Mas Beck e Beck-Gernsheim argumen- C a s a m e n t o e divórcio no Reino Unido
tam que é precisamente por o nosso mundo se ter tor-
nado tão opressivo, impessoal. abstracto e em mudan- Estarão Beck e Beck-Gemsheim certos ao dizerem
ça constante, que o amor se tornou cada vez mais que o antagonismo entre homens e mulheres é o
importante. De acordo com estes autores, o amor é o 'drama central dos nossos tempos'? As estatísticas de
único lugar onde as pessoas podem verdadeiramente casamento e divórcio dão algum suporte a esta tese.
encontrar-se e ligasse a outros. Num mundo de O aumento das taxas de divórcio tem sido uma das
incerteza e risco como o nosso, o amor é real: tendências mais importantes que influenciou os
padrões familiares em muitas sociedades industriali-
O amor é a procura de nós próprios, é o desejo ardente zadas, incluindo a Grã-Bretanha (ver figura 7.1). De
de realmente entrar em contacto comigo e contigo, par- seguida iremos examinar estas tendências com maior
tilhar os corpos, os pensamentos, encontrar-se um ao detalhe, e analisar as suas implicações mais amplas.
outro sem nada a esconder, fazer confissões e ser per- Durante muitos séculos, o casamento foi considera-
doado, é compreensão, confirmação e suporte no que foi do no Ocidente como praticamente indissolúvel.
e no que é, é o anseio por um lar e pela confiança para O divórcio era concedido apenas em casos muito espe-
contrabalançar as dúvidas e ansiedades geradas pela ciais, como a não consumação do casamento. Num ou
vida moderna. Se nada é certo e seguro, se até mesmo é noutro país industrializado o divórcio não é ainda
arriscado respirar num mundo poluído, então as pessoas reconhecido, mas trata-se hoje em dia de exemplos
seguem os sonhos sedutores do amor até estes subita- isolados. A maioria dos países optou rapidamente por
mente se transformarem em pesadelos. (1995: 175-176) facilitar o divórcio. Os chamados divórcios litigiosos
eram característicos de praticamente todos os países
Segundo estes autores, o amor é ao mesmo tempo industrializados. Sob este sistema, para ser permitido o
desesperante e doce. É uma 'força poderosa que obe- divórcio era necessário que um dos esposos apresen-
dece às suas próprias regras e que inscreve as suas tasse queixa (maus-tratos, abandono ou adultério, por
mensagens nas expectativas, ansiedades e padrões de exemplo) contra o outro. As primeiras leis de divórcio
por comum acordo foram introduzidas em alguns paí-
ses em meados da década de sessenta do século XX.
Desde então, muitos países ocidentais seguiram o
exemplo, embora com variações de pormenor. No
Reino Unido, a Lei da Reforma do Divórcio, que faci-
litou a obtenção do divórcio e continha provisões para
o divórcio por comum acordo, foi aprovada em 1969 e
entrou em vigor em 1 9 7 1 . 0 princípio do divórcio por
comum acordo foi reforçado legalmente em 1996.

Entre 1960e 1970, a taxa de divórcios na Grã-Bre-


tanha aumentou regularmente nove por cento ao ano,
duplicando no final dessa década. Em 1972 tinha
duplicado novamente, em parte devido ao Acto de
1969 que facilitou o fim legal de casamentos há
muito «acabados». A partir de 1980, a taxa de divór-
Figura 7.1 Casamentos, segundos casamentos e divór- cio estabilizou até certo ponto, embora seja muito
cios, na Grã-Bretanha, entre 1961-1997 (milhares) elevada comparada com períodos anteriores. Dois
Fontes: Soóâl Trenós, 30 (2000).Do jornal The Guardian, 27 de quintos de todos os casamentos terminam actualmen-
Março dê 2000, p. 3. te em divórcio.
FAMÍLIAS 183

Quadro 7.2 Famílias encabeçadas por apenas um dos progenitores como percentagem de todas as famílias com crianças
dependentes pelo estatuto marital (na Grã-Bretanha)

1971 1976 1981 1966 1991-2 1996*7 1998*9

Màes sós 1 2 2 3 6 7 9
Solteira 2 2 2 1 1 1 1
Viúva 2 3 4 6 6 6 8
Divorciada 2 2 2 3 4 5 5
Separada

Todas as mães sós 7 9 11 13 18 20 22

Pais sós 1 2 2 1 1 2 2

Casais pelo casamento ou coabitação 92 89 87 86 81 79 75

Todas as famílias com crianças dependentes 100 100 100 100 100 100 100

Fonte: General Household Survey, Office for National Statistics. De Social Trends, 30 (2000). Crown copyright.

Obviamente, as taxas de divórcio não são um índi- é a tendência crescente para avaliar o casamento em
ce directo de infelicidade conjugal. Por um lado, as termos da satisfação pessoal que possa oferecer. As
taxas de divórcio não incluem as pessoas que se sepa- taxas crescentes de divórcio não parecem indicar uma
ram mas não estão legalmente divorciadas. Além profunda insatisfação com o casamento propriamen-
disso, pessoas infelizes no casamento podem preferir te dito, mas uma determinação cada vez maior para
manter-se juntas - porque acreditam na santidade do fazer dele uma relação gratificante e satisfatória.
matrimónio, porque se preocupam com as conse-
quências financeiras e económicas da separação, ou
ainda por preferirem ficar juntas para proporcionar Agregados monoparentais
aos filhos um lar «familiar».
Por que razão se estará a tornar o divórcio cada Os agregados monoparentais têm-se tomado cada
vez mais comum? Há vários factores envolvidos, que vez mais comuns nas últimas três décadas. Mais de
têm a ver com mudanças sociais mais amplas. Excep- vinte por cento das crianças dependentes vivem
to para uma pequena proporção de pessoas ricas, o actualmente em agregados monoparentais. Na sua
casamento hoje em dia já não está relacionado com o grande maioria - aproximadamente 90 por cento -
desejo de perpetuar a propriedade e a posição social são encabeçados por mulheres. Em meados dos anos
de geração em geração. À medida que as mulheres se noventa existiam 1.6 milhões de agregados monopa-
vão tomando economicamente mais independentes, o rentais no Reino Unido, e o número está a aumentar
casamento deixa de ser uma necessidade económica (ver quadro 7.2). Situam-se, de uma forma geral,
para os cônjuges como acontecia outrora. Uma maior entre os grupos mais pobres da sociedade contempo-
prosperidade global significa que é mais fácil hoje rânea. Muitos progenitores solitários, quer tenham
em dia estabelecerem-se residências autónomas, em estado casados ou não, enfrentam ainda a desaprova-
caso de separação conjugal, do que antigamente. ção social e a insegurança financeira. Contudo, os
O facto de o divórcio não ser hoje um grande factor termos antigos e mais discriminatórios como
de estigma é em parte o resultado de tudo isto, mas «mulher abandonada», «famílias sem pai» e «lares
também lhe dá impulso. Um outro factor importante desfeitos» tendem a desaparecer.
184 FAMÍLIAS

Geração por pârte de uma


mulher solteira que não se Morte de um
encontrava em estado progenitor só
de coabitação» sem Fim de coabitação com
crianças dependentes crianças dependentes
Separação
(e possivelmente divórcio)
de um casal com
crianças dependentes
Agregados Crianças que deixaram de ser
monoparentais dependentes por terem atingido a
idade adulta, por abandonarem o lar
por outras cuidarem delas ou em vir-
Reconciliação com um tude de desaparecimento ou morte
antigo esposo ou
parceiro de coabitação Entrada do progenitor só Morte de um
dum novo casamento ou progenitor só
situação de coabitação

Figura 7.2 Vias de entrada (->) e de saída («-) de um agregado monoparental.


Fonte: G. Crow e M. Hardey, 'Oiversity and ambiguity among lone-parent households in modero Britam1, in C. Marsh e S. Arber (eds), Fami-
Ha$ and Househotds, Macmillan. 1992.

Há uma grande diversidade interna nesta categoria mente um agregado monoparental. Para a maioria das
da família monoparental. Mais de metade das mães mães sós ou solteiras a realidade é diferente; há uma
viúvas, por exemplo, são proprietárias das casas que grande correlação entre a taxa de nascimentos fora do
habitam, mas a grande maioria das mães solteiras casamento e indicadores de pobreza e exclusão social.
vive em casas arrendadas. O estado monoparental Como foi analisado anteriormente, estas influências
tende a ser transitório, e as suas fronteiras sâo bas- são muito importantes para a explicação da grande
tante fluidas. Existem múltiplos caminhos que con- percentagem de agregados monoparentais entre famí-
duzem ao estado monoparental, e outros tantos que lias oriundas das Antilhas (britânicas) no Reino
conduzem à saída deste mesmo estado (ver figura Unido.
72). No caso de uma pessoa viúva, a ruptura é obvia- Crow e Hardey (1992) argumentam que a grande
mente nítida - embora, mesmo nesta circunstância, diversidade de «caminhos» para entrar ou para sair das
uma pessoa possa já ter estado a viver só, no caso de famílias monoparentais significa que os progenitores
o parceiro ter estado internado num hospital antes de solitários como um todo não sâo um grupo unificado
morrer. Todavia, cerca de 60% das famílias monopa- ou coeso. Embora as famílias monoparentais partilhem
rentais são produzidas por divórcio ou separação. em comum algumas desvantagens sociais e materiais,
Entre os 1.6 milhões de famílias monoparentais, a apresentam uma identidade colectiva difusa. A plurali-
categoria que cresce mais rapidamente é a de mãe dade de caminhos que levam ao estado monoparental
solteira, que nunca casou. Em 1997 constituíam 42% e à saída do mesmo significa que, para efeitos de polí-
do número total de famílias monoparentais. Destes tica social, as suas fronteiras são difíceis de definir e as
42% é difícil saber quantas optaram deliberadamente suas necessidades difíceis de apontar.
por criar os filhos sozinhas. A maioria das pessoas
não deseja ser uma progenitora só, mas há uma mino-
Voltar a casar
ria cada vez maior que opta por sê-lo - decidem ter
um ou mais filhos sem o apoio de um cônjuge ou par- Um novo casamento envolve várias circunstâncias.
ceiro. «Mães solteiras por opção» é uma descrição Alguns casais que voltam a casar têm pouco mais de
adequada de algumas progenitoras, que possuem nor- 20 anos e nenhum dos parceiros leva filhos para a nova
malmente recursos suficientes para gerir satisfatoria- relação. As pessoas que voltam a casar quando têm
FAMÍLIAS 185

perto de trinta ou quarenta anos podem levar um ou


mais filhos do casamento (ou casamentos) anterior
para viver 11a mesma casa com o novo cônjuge. Aque-
les que voltam a casar numa idade mais tardia podem
ter filhos adultos que nunca irão viver nos novos lares
que os pais estabelecem. Podem existir também filhos
deste novo casamento. Qualquer dos cônjuges podia
ser anteriormente solteiro, divorciado ou viúvo, facto-
res que levam a oito combinações possíveis. Por con-
seguinte, e embora valha a pena salientar algumas
questões gerais, as generalizações acerca dos novos
casamentos devem ser feitas com relativo cuidado.
Em 1900, cerca de 90% de todos os casamentos no
Reino Unido eram primeiros casamentos. Na maioria
dos segundos casamentos, pelo menos um dos cônju*
© The New >brker Collection 1992 Edward Koren from
ges era viúvo. Com o aumento da taxa de divórcio, o
cartoonbank.com Ali rights reserved.
número de novos casamentos aumentou também, e
uma proporção cada vez maior de segundos casamen-
tos passou a envolver pessoas divorciadas. Na década
de setenta 20% dos casamentos eram novos casamen- vez. Assim, podem igualmente ter uma propensão
tos. Actualmente este número é superior a 40%. maior para dissolver os novos casamentos do que
Actualmente, vinte e oito em cada cem casamen- aquelas que só casaram uma vez. Possivelmente, os
tos envolvem pelo menos uma pessoa que já foi casa- segundos casamentos que perduram são, de uma
da. Até à idade de 35 anos, a maioria dos segundos forma geral, mais satisfatórios do que os primeiros.
casamentos envolve pessoas divorciadas. A partir
dessa idade, aumenta o número de novos casamentos
Famílias recompostas
de viúvas e viúvos, e pelos cinquenta e cinco anos o
número de casamentos entre viúvos é maior do que o Uma família recomposta pode ser definida como
de novos casamentos entre pessoas divorciadas. uma família em que pelo menos um dos adultos tem
Por mais estranho que tal possa parecer, a melhor filhos de um dos matrimónios anteriores. Existem
forma de maximizar as oportunidades de casamento alegrias e benefícios nítidos associados às famílias
é, para ambos os sexos, ter sido casado anteriormen- recompostas, e ao crescimento de famílias extensas
te! As pessoas que já foram casadas e se divorciaram que daí provém. No entanto, tendem igualmente a
têm mais probabilidades de voltar a casar do que as surgir certas dificuldades. Em primeiro lugar, existe
pessoas solteiras da mesma idade. Em todos os gru- normalmente um progenitor biológico que vive em
pos etários os homens divorciados são mais propen- outro lugar e cuja influência sobre o filho ou filhos
sos a voltar a casar do que as mulheres divorciadas: provavelmente se mantém intensa. Em segundo
três em cada quatro mulheres divorciadas voltam a lugar, as relações de cooperação entre pessoas divor-
casar, ao passo que a proporção é de cinco em cada ciadas tornam-se muitas vezes tensas quando um ou
seis no caso dos homens divorciados. Em termos ambos voltam a casar. Pensemos no caso de uma
estatísticos, pelo menos, os novos casamentos são mulher com dois filhos, que casa com um homem
menos bem sucedidos do que os primeiros. As taxas que também tinha outros dois filhos, passando a viver
de divórcio dos segundos casamentos são mais eleva- todos juntos. Se os progenitores "exteriores" insisti-
das do que as taxas dos primeiros. rem em que os filhos os continuem a visitar com a
mesma regularidade de outrora, as tensões inerentes
Isto nâo significa que os segundos casamentos
à manutenção da unidade do novo agregado familiar
estejam condenados a falhar. As pessoas que tenham
serão exacerbadas. Por exemplo, pode tornar-se
sido divorciadas podem colocar maiores expectativas
impossível reunir a nova família aos fins de semana.
no casamento do que os que se casam pela primeira
186 FAMÍLIAS

Carol Smart e Bren Neale: Fragmentos Familiares?

Entre 1994 e 1996 Carol Smart e Bren Neale con- decisões" que afectavam a s crianças, mas também
duziram d u a s rondas d e entrevistas com um grupo no que dizia respeito aos aspectos quotidianos de
de s e s s e n t a pais de West \t>rksbire, Inglaterra, que criação dos filhos, que agora ocorriam em dois lares
s e tinham separado ou divorciado depois d a aprova- em vez d e um. No seguimento de um divórcio os pais
ção d a Lei da infância, e m 1989. Esta lei alterou a confrontavam-se com duas exigências opostas - a s
situação de pais e crianças no que s e refere ao suas próprias necessidades de separação e de dis-
divórcio, abolindo a s velhas noções d e 'custódia' e tância face a o cônjuge anterior, e a necessidade de
d e 'guarda', o que fez com q u e os pais não sentis* manter uma relação como parte d a s responsabilida-
s e m q u e tinham d e lutar um com o outro pelos s e u s d e s da paternidade.
filhos. A lei estipulou que a relação legal entre pais e Smart e Neale descobriram que a experiência
filhos não deveria ser alterada pelo divórcio, encora- vivida do exercício d a paternidade e d a maternidade
jando o s pais â partilharem a criação dos filhos e exi- a p ó s o divórcio era extremamente fluida e mudava
gia a o s juízes e outras instâncias que ouvissem a o longo do tempo. Quando entrevistados um ano
mais o s pontos d e vista d a s crianças. Smart e Neale depois d a separação, muitos d o s pais eram c a p a z e s
estavam interessados e m saber como s e formavam de olhar para trás, para a s f as es Iniciais d a s u a
inicialmente os padrões d e paternidade e de mater* situação d e progenitores solitários, e de avaliar a s
ntdade depois do divórcio e como s e alteravam com decisões paternais que tinham tomado a sós. O s
o tempo. Na s u a investigação o s autores compara* pais reavaliavam frequentemente o s s e u s comporta-
ram a s expectativas dos pais, no momento d a sepa- mentos e acções à luz de novos entendimentos
ração, e m relação ao que viria a se r a paternidade e aprendidos a o longo do tempo. Por exemplo, muitos
a maternidade pós-divóráo, e a realidade d a s cir- dos pais preocupavam-se com o s danos que a s
cunstâncias um ano depois. crianças pudessem sofrer com o divórcio, m a s eram
Smart e Neale concluíram que o exercício d a incapazes de transformar os s e u s medos e senti*
paternidade e d a maternidade depois do divórcio mento de culpa numa acção construtiva. Isto levou
envolvia um processo de ajustamento constante, que alguns pais a prenderem-se muito à s s u a s crianças
muitos pais não tinham antecipado nem estavam pre* ou a tratá-las COTIO confidentes 'adultos'. Noutros
parados para gerir. As capacidades desenvolvidas, casos conduziu à alienação, à distância e à perda de
quando formavam uma equipa de dois, não funciona- ligações significativas.
vam necessariamente nos agregados monoparentais. De acordo com o s autores, nos meios de comuni-
O s pais eram continuamente forçados a reavaliar a s cação e em alguns contextos políticos, existe o pres-
s u a s abordagens, não só em relação à s "grandes suposto implícito - e por vezes explícito - de que,

Em terceiro lugar, as famílias recompostas misturam Há sempre um enorme sentimento de culpa. Não pode-
filhos provenientes de meios diferentes, que podem ter mos agir do mesmo modo como faríamos com os nos-
expectativas variadas quanto ao comportamento fami- sos próprios filhos e sentimo-nos culpados por isso, mas
liar apropriado. Dado a maioria dos enteados «perten- se reagirmos de uma forma normal e ficarmos zangados,
cer» a dois agregados familiares, é provável que também nos sentimos culpados por esse motivo. Temos
venham a existir confrontos consideráveis de hábitos e tanto medo de não sermos justos. O pai dela <a enteada)
perspectivas. Vejamos como uma madrasta descreve a e eu não estávamos de acordo e ele repreendia-me se eu
sua experiência, depois de uma série de problemas que chamasse a atenção dela. Quanto mais ele deixava de
foi obrigada a enfrentar a ter levado à separação: fazer o que quer que fosse para a disciplinar, tanto mais
FAMÍLIAS 187

ty com eles*. Ele imediatamente subiu à s paredes porque


>
depois do divórcio, o s adultos abandonam quaisquer
regras morais e começam a agir d e uma forma egoís- tem a ideia de que estaria a fazer de baby-sitter para
ta, de acordo com os s e u s próprios interesses. Subi* mim, e disse que não. Eu disse: 'Olha, nesse caso, eu
tamente a flexibilidade, generosidade, compromisso e nem me sinto preparada para falar contigo sobre este
sensibilidade desaparecem. O contexto moral no qual assunto, porque sinto que tu não sabes quanto é difícil;
a s decisões sobre a família e o benvestar eram pre- tu não ficaste com eles a tempo inteiro durante três
viamente tomadas é posto de lado. As entrevistas anos. Eu realmente acho que não fazes ideia do que è.
A
conduzidas por Smart e Neale a pais divorciados [Eu acho que tu o s deverias ter] numa rotina diária, levá-
(evaram-nos a rejeitar esta visão. Os autores argu- los à escola, ir buscá*k>s à escola, cozinhar, fazer as
mentem que o s pais agem num contexto moral limpezas, daMhes banho, brincar com eles, ajudámos
enquanto pai e mãe, m a s este contexto é meus bem com o s trabalhos d e casa, cuidar deles quando estão
compreendido se for entendido como uma moralidade doentes. Depois disso nós voltávamos a discutir o
de assistência e não como um comportamento moral assunto e reavaliávamos a situação, (citado em Smart e
inequívoco baseado num conjunto de crenças e prin- Neale, 1999:125)
cípios. Smart e Neale defendem que como o s pais s e
preocupam com o s s e u s filhos, a s decisões emergem
s * •

Aqui a m ã e tentava determinar a 'coisa certa a


quando s e trata d a 'coisa certa a fazer'. Estas deci- fazer', balançando entre múltiplos factores. No con-
s õ e s são altamente contextuais; os pais tâm de pesar texto duma relação difícil com o antigo cônjuge e d a
um grande número d e prós e contras, incluindo o s necessidade d e preservar o progresso q u e fez no
efeitos que a decisão pode ter na criança, s e s e trata s e u próprio autodesenvolvlmento, mesmo assim ela
d a altura apropriada para agir e quais a s possíveis ainda tentava agir construtivamente com ele pelos
implicações p e n o s a s que a decisão pode ter de co- interesses d a s crianças.
responsabilidade entre os progenitores. Nfejamos o
Smart e Neale concluíram que o divórcio provoca
seguinte testemunho d e uma m ã e solteira, cujo mari-
mudanças nos contextos que só muito raramente s e
do requereu a custódia do filho:
podem Endireitar* d e uma vez por todas. Uma pater-
nidade e uma maternidade pôs-divórcio com êxito
Eu disse: 'olha, se tu achas realmente, se sentes real- exigem uma negociação e uma comunicação cons-
mente que consegues olhar pelas crianças a tempo tantes. Embora a Lei da Irrfãncía d e 1989 tenha tra-
Inteiro» não achas que podias abdicar de um dos teus zido uma flexibilidade necessária a o s acordos con-
flns-de-semana para estares com eles, só para veres temporâneos pós-divórdo, a s u a ê n f a s e no bem-
como é que te sentes, e depois, talvez depois do ftm-de- estar d a criança pode levar à desvalorização do
-semana, talvez pudesses progredir para passar uma papel crucial d e s e m p e n h a d o pela qualidade d a s
semana inteira com eles, e veres como é que te sentias relações existentes entre pais divorciados.

eu parecia repreendê-la (...) queria dar-lhe alguma coisa, progenitor biológico o faria? Como é que um padras-
ser um elemento que faltava na sua vida, mas talvez eu to ou madrasta deverá tratar o novo esposo do seu
nâo seja suficientemente flexível. (Smith, 1990, p. 42) parceiro anterior quando este for buscar as crianças?
As famílias recompostas estão a desenvolver
Há poucas normas estabelecidas que definam a rela- novos tipos de relações de parentesco nas sociedades
ção entre enteados e padrastos. Deverá o enteado ocidentais; as dificuldades criadas pelos segundos
chamar o padrasto ou madrasta pelo seu nome ou será casamentos depois do divórcio também são novas. Os
«pai» e «mãe» o tratamento mais apropriado? Será membros dessas famílias estão a desenvolver as suas
que estes deveriam disciplinar os enteados como um formas próprias de ajustamento às circunstâncias
188 FAMÍLIAS

Atitudes em Mudança

Parece haver diferenças substanciais entre a s ctas- atitudes em relação ao comportamento sexual, ao
s e s no modo como reagem à mudança d a natura* casamento e à divisão d e género sã o diferentes das
2a d a vida familiar e à existência d e elevados níveis atitudes d os pais, embora insistam que não estão
d e divórcio. Ullian Rubin, no livro Famiiies on the a p e n a s preocupados com a procura d e prazer. Limi*
Fauli Une (1994), entrevistou em profundidade trin- tam-se a defender valores distintos dos d a s gera*
ta e d u a s famílias da classe trabalhadora. Esta ções anteriores.
autora conclui que os pais da classe trabalhadora Rubin descobriu que a s jovens entrevistadas são
tendem a ser mais tradicionais d o que o s pais d a s muito mais ambivalentes em relação ao casamento
famílias da classe média. As normas por que mui- do que a geração dos pais. Estavam plenamente
tos pais d e classe média s e regem, como a aceita- conscientes d a s imperfeições masculinas, falando
ção do sexo pré*matrimonial, s ã o rejeitadas em sobre a s várias opções ao seu dispor e expressando
grande medida pelos indivíduos d a ciasse trabalha- o desejo de viver a vida de uma forma mais aberta e
dora, mesmo quando não s ã o especialmente reli- plena do que fora possível para a s suas mães. No
giosos. Assim, há tendência para existir uma maior que s e refere à s atitudes masculinas, a diferença
incidência do conflito de gerações nos lares d a s entre gerações não era tão relevante,
classes trabalhadoras. A investigação de Ullian Rubin foi efectuada nos
Neste estudo, o s jovens concordam que a s suas EUA, embora a s s u a s conclusões estejam em con-

relativamente inéditas em que se encontram. Actual- tinha uma actividade laboral paga e ficava em casa a
mente, alguns autores falam já em famílias binuclea • tomar conta dos filhos. O pai era o principal ganha-
ress entendendo por tal que dois agregados formados r ã o da família e, consequentemente, estava fora de
depois de um divórcio continuam a implicar um casa durante o dia inteiro, só estando com os filhos à
único sistema familiar sempre que há crianças envol* noite e aos fins*de-semana.
vidas. Com o aumento das taxas de divórcio nos últimos
Na presença de transformações tão ricas e confusas, anos e o número cada vez maior de agregados mono-
talvez a conclusão mais apropriada a que se possa che- parentais, a questão do «pai ausente» passou a ter
gar seja a de que embora os casamentos acabem em outro significado. Hoje em dia esta expressão refere*
divórcio, as famílias enquanto tal permanecem. Em -se a pais que, em consequência de uma separação ou
especial quando há crianças envolvidas, persistem divórcio, têm muito pouco contacto com os filhos ou
muitos laços, apesar de se construírem novas relações deixam pura e simplesmente de estar com eles. Esta
familiares através de novos matrimónios. situação tem suscitado intensos debates tanto na Grã-
• Bretanha como nos Estados Unidos da América,
onde se verificam as mais altas taxas mundiais de
O «pai ausente»
divórcio. Alguns têm proclamado a 'morte do pai 1 .
O período que vai dos anos 30 até à década de 70 foi Escrevendo a partir de perspectivas contrastantes,
já designado por vezes como o período do «pai sociólogos e analistas têm dito que o número cada
ausente». Durante a Segunda Guerra Mundial, mui- vez maior de famílias sem pai está na origem de toda
tos pais quase não viam os filhos porque estavam no uma série de problemas sociais, que vão do aumento
campo de batalha ou a prestar serviço militar. No da criminalidade à multiplicação dos custos da edu*
período que se seguiu à guerTa, numa percentagem cação das crianças. Alguns autores argumentam que
elevada das famílias, a maioria das mulheres não as crianças nunca serão membros efectivos de um
FAMÍLIAS 189

cordância com os resultados dos investigadores bri- da geração mais nova constituíram-se em função
tânicos e de outros paises europeus. He)en Wilkin- d a s liberdades herdadas, d e que a s gerações ante-
son e Geoff Mulgan levaram a cabo dois grandes riores não dispunham - liberdade para a s mulheres
estudos sobre homens e mulheres britânicos com trabalharem e controlarem a sua reprodução, liber-
idades compreendidas entre os dezoito e os trinta e dade de mobilidade para ambos os sexos e liberda-
quatro anos (Wilkinson, 1994; Wilkinson e Mulgan, de para cada um definir o seu estilo de vida. Estas
1995). Descobriram que estavam a ter lugar grandes liberdades conduzem a uma maior abertura, gene*
mudanças, em especial n a s concepções d a s jovens; rosidade e tolerância, mas podem igualmente levar
e que os valores da geração entre o s dezoito e o s a um individualismo egoísta e limitado, e também à
trinta e quatro anos, de uma forma geral, contrasta* desconfiança nos outros. Na amostra, 29% d a s
vam com o s valores das gerações anteriores na Grã- mulheres e 51% dos homens queria «adiar o nasci-
Bretanha. mento de filhos enquanto pudessem». Do grupo d a s
mulheres entre os 16 e o s 24 anos, 75% acreditava
Entre a s jovens há um «desejo de autonomia e
que um progenitor sozinho consegue educar os
d e realização pessoal, tanto através do trabalho
filhos tão bem como um casal. O estudo conclui que
como através da família» e a «valorização do risco,
o casamento estava a perder o seu atractivo tanto
da aventura e da mudança». Há, nestes termos,
para os homens como para a s mulheres deste
uma convergência cada vez maior entre os valores
grupo etário.
tradicionais masculinos e os novos valores d a s
mulheres. Segundo estes dois autores, o s valores

grupo social, se não forem expostas a exemplos cons- David Blankenhorn, no seu livro Fatherless America
tantes de negociação, cooperação e compromisso (1995), defende que sociedades com taxas de divór-
entre adultos no seu ambiente imediato (Dennis e cio elevadas enfrentam não só a perda dos pais mas a
Erdos, 1992). De acordo com tais argumentos os própria erosão da ideia de paternidade - com conse*
rapazes que crescem sem pais irão lutar para eles quências sociais gravíssimas, na medida em que, hoje
próprios serem pais bem sucedidos. em dia, muitas crianças crescem sem um modelo de
Uma abordagem algo diferente da "crise da pater- autoridade a quem possam recorrer nas alturas em
nidade masculina" foi defendida por Francis Fukuya- que mais o necessitam. Em todas as sociedades
ma. No seu livro, The End ofOrder (1997), Fukuya- conhecidas até ao presente o casamento e a paterni*
ma localiza as raízes da 'grande ruptura* na família dade fornecem um meio de canalizar as energias
nos níveis crescentes de emprego feminino. O autor sexuais e agressivas masculinas. Sem estas institui-
não afirma que as mulheres que trabalham negligen- ções, estas energias expressar-se*ão provavelmente
ciam as suas responsabilidades na criação dos filhos, na criminalidade e na violência. Como se escrevia
mas antes que os homens vêem as mulheres como numa recensão do livro de Blankenhorn: «é melhor
mais independentes e capazes de tomar conta de ter um pai que chega a casa vindo de um emprego
qualquer criança gerada por elas. Se outrora os enfadonho e se põe a beber em frente à televisão do
jovens eram obrigados a assumir a responsabilidade que não ter nenhum» (The Economista 8 de Abril de
dos seus actos, a emancipação da mulher conduziu-os 1995, p. 121).
- ironicamente - a comportarem-se mais livremente Será mesmo assim? A questão do pai ausente
do que antes. sobrepõe*se a outra questão mais geral referente aos
Os autores americanos que participaram activa- efeitos do divórcio sobre as crianças - e, como se viu,
mente neste debate tiveram uma influência muito as conclusões tiradas a partir dos dados disponíveis
grande na discussão deste assunto no Reino Unido. não são nada claras. Tal como o autor da mesma
190 FAMÍLIAS

recensão colocou a questão: «Será que um mau pai


gera maus filhos? Não serão alguns pais prejudiciais
à família?». Alguns estudiosos sugerem que a quês*
tão central não é a de saber se o pai está ou não pre-
sente, mas se está comprometido com a vida familiar
e com a paternidade. Por outras palavras, a configu-
ração do lar pode não ser tão importante quanto a
qualidade do afecto, atenção e suporte que as crian-
ças recebem dos membros da família.
Embora o fenómeno do 'pai ausente* sugira impli-
citamente que o homem é culpado de "irresponsabili-
dade moral 9 , muitos insurgem-se em defesa dos
jovens, argumentando que estes abordam frequente- Caraíba»
mente a paternidade cheios de esperança. No entanto,
Figura 7.3 Estatuto parental das famílias com crianças,
como lhes faltam determinadas capacidades para o de acordo com o grupo étnico, na Grã-Bretanha
relacionamento ou não são muito apoiados, irão Fonte: T. Modood et at., Ethnic iUnwrtfes in Batam, Fobcy Stu-
abandonar as crianças que vão crescer zangadas e dies Instituto, 1997, p. 39.
alienadas. Nos Estados Unidos da América e na Grã-
-Bretanha a 'crise de paternidade" produziu um
número crescente de grupos de auto-ajuda a homens
que se querem tornar melhores pais. Nos Estados
Unidos grupos como os 'Premisse Keepers' (Os que
cumprem as suas promessas) e o 'National Fathe-
rhood Initiative' (Iniciativa Nacional para a Paterni-
dade) trabalham com pais que pretendem desenvol-
ver as suas competências para a vida familiar e para
a paternidade. No interior da comunidade negra
eventos como a "Marcha do Milhão de Homens1*,
organizada pela Nação do Islão, pretendem chamar a
atenção para o grande número de agregados monopa-
rentais encabeçados por mulheres.

Mulheres sem filhos

Um inquérito efectuado em 1976 pelo Observatório


Britânico de Formação da Família (British Family
Formation Survey) chegou à conclusão de que só 1%
das mulheres casadas da altura não queria ter filhos.
Em contraste, um documento recente do Departa-
mento de Estudos e Censos da População ( O f f i c e of decisão de não ter filhos como uma reivindicação da
Population Census and Surveys) previa que 20% das sua liberdade de escolha. Contudo, há igualmente
mulheres nascidas entre 1960 e 1990, por opção, não razões negativas. As novas oportunidades profissio-
irá ter filhos. Hoje em dia, as mulheres na Grã-Breta- nais na Grã-Bretanha não se fizeram acompanhar de
nha enquadram a decisão de ter um filho no contexto medidas sociais de apoio às grávidas e progenitores
de outras motivações da sua vida, como os objectivos de filhos pequenos. Algumas pessoas podem pensar
profissionais e a autonomia pessoal. duas vezes em ter filhos devido às suas preocupações
Uma mulher sem filhos já não é uma solteirona quanto à probabilidade de um divórcio e de queda na
triste. Quer tenha casado ou não, pode ter tomado a pobreza.
FAMÍLIAS 191

Brancos Oriundos Indiano» Asiáticos Paquistaneses Oriundos Chineses


das Caraíbas oriundos de África do Bangladesh

Solteiros 23 41 21 21 19 22 34
Casados 60 39 72 72 74 73 62
Vivendo c o m o c a s a d o s 9 10 3 2 3 1 1
Separados/divorciados 7 9 3 3 3 1 3
Viúvos 1 2 2 1 2 3 —

Contagem ponderada 4,194 1,834 1,539 960 1,053 344 467


Contagem nào ponderada 4,187 1.298 1,560 951 1,709 615 271

O s n ú m e r o s s ã o p o r c e n t a g e n s : análise b a s e a d a n o n ú m e r o total d e indivíduos q u e f az e m p a r t e d o s a g r e g a d o s sujeitos a o inquérito, q u e n ã o


e r a m filhos d e p e n d e n t e s e tinham m e n o s d e 6 0 a n o s .
Fonte: T. Modood et al., Ethnic Minodties in Britam, PoUcy S t u d i e s Institute, 1997, p. 2 4

As taxas de fecundidade têm vindo a diminuir na associado aos grupos provenientes do sul da Asia.
Grã-Bretanha e noutros países da Europa Ocidental. A população britânica oriunda do sul da Ásia é supe-
A média de 1.73 filhos por mulher na Gra-Bretanha é riora um milhão de indivíduos. Iniciada na década de
um pouco mais elevada do que na maior parte dos paí- cinquenta, a emigração teve origem principalmente
ses da União Europeia, mas está abaixo do número em três regiões do subcontinente Indiano: Punjabe,
exigido para manter a população no futuro no seu esta- Guzarate e Bengala. Na Grã-Bretanha, estes emi-
do presente, que é de 2.1 filhos por mulher. Actual- grantes constituíram comunidades baseadas na reli-
mente a Itália é o país com o mais baixo índice de gião, região de origem, casta, e sobretudo nos laços
fecundidade em todo o mundo - 1.2 filhos por mulher. de parentesco. Muitos descobriram que os seus ideais
Espera-se que a 'crise do bebé' que atinge o país resul- de honra e lealdade para com a família praticamente
te numa queda da população no próximo quarto de não existiam entre a população indígena britânica.
século, de 57.3 milhões de pessoas para 51.3 milhões. Tentaram manter a unidade familiar, mas as habita-
ções disponíveis revelaram-se um problema. Só
havia casas grandes em áreas decadentes: mudar para
Variações n o s padr ões familiares: zonas mais caras significava normalmente ir para
casas mais pequenas e quebrar a família extensa.
a diversidade étnica na Grã-Bretanha
Os filhos de nativos da Ásia do Sul nascidos no
Dada a diversidade cultural existente actualmente no Reino Unido estão expostos a duas culturas muito
Reino Unido, há por todo o país variações considerá- diferentes. Em casa, os seus pais esperam ou exigem
veis no que diz respeito ao tipo de família e casa- conformidade com as normas de cooperação, respei-
mento. Algumas das maiores variações ocorrem entre to e lealdade à família. Na escola, espera-se que
os padrões familiares brancos e não-brancos; por alcancem o sucesso académico num ambiente social
isso, toma-se necessário inquirir as razões das mes- competitivo e individualista. A maioria prefere orga-
mas. Alguns dados recentes sobre a composição nizar as suas vidas pessoais e domésticas nos termos
familiar dos grupos étnicos minoritários na Grã-Bre- da sua subcultura étnica, assim como valoriza o rela-
tanha podem ser observados nas figuras 7.3 e 7.4 e no cionamento íntimo associado à vida familiar tradicio-
quadro 7.3. nal. Contudo, a exposição à cultura britânica acarre-
tou mudanças. A tradição cultural ocidental, repre-
sentada pelo casamento 'por amor' entra frequente-
Famílias oriundas do sul da Ásia mente em conflito com a prática de casamentos com-
binados, como acontece nas comunidades Asiáticas.
Entre os vários tipos de família britânica existe um
Tais uniões, combinadas pelos pais e membros fami-
padrão claramente diferente da maioria - o que está
192 FAMÍLIAS

liares, são baseadas na crença de que o amor nasce do


casamento- Os jovens de ambos os sexos exigem hoje
em dia que a sua opinião seja tida mais em conta na
combinação dos seus casamentos.
Dados estatísticos do quarto censo nacional das
minorias étnicas (Modood et al., 1997), realizado
pelo Policy Study Institute, indicam que os Indianos,
os Paquistaneses, os naturais do Bangladesh e os
asiáticos de origem africana são os grupos étnicos
mais propensos ao casamento. Entre todos os pais
com filhos, 90% dos indivíduos do sul da Ásia eram
casados, enquanto entre os brancos e os africanos
oriundos das Caraíbas as percentagens eram algo
mais baixas. Existia também uma proporção mais
pequena de casais originários do sul da Ásia com
filhos, que coabitavam. Embora o número de agre-
gados monoparentais tenha aumentado mais rapida-
mente entre os grupos oriundos do sul da Asia do
que noutros grupos étnicos, a proporção de tais agre-
gados monoparentais (5 por cento) permaneceu mais
baixa do que entre os brancos (16 por cento), ou "Se alguém souber de alguma razão pela qual estas duas
entre os africanos das Caraíbas (36 por cento). pessoas não podem levar a tralha para um apartamento..."
Embora pareça haver alguns sinais de mudança entre Daily Teiegraph: The Best of Matt, Orion, 1995.
as famílias da Ásia do sul na Grã-Bretanha - como,
por exemplo, o facto dos jovens exigirem que a sua
opinião seja tida em conta nos casamentos arranja*
O mesmo se passa entre as mulheres afro-ameri*
dos, ou o aumento crescente dos divórcios e dos
canas dos Estados Unidos, onde este facto tem dado
agregados monoparentais - no seu todo, as famílias
origem a debates acesos. Há trinta e cinco anos atrás,
oriundas do sul da Ásia continuam a ser surpreen-
o Senador Daniel Patrick Moyniham descreveu as
dentemente fortes.
famílias negras como «desorganizadas» e envolvidas
num «emaranhado de patologias» (Moynihan, 1965).
A divergência entre os padrões familiares dos negros
Famílias negras e dos brancos nos Estados Unidos acentuou-se ainda
As famílias negras britânicas oriundas das Caraíbas mais desde os princípios da década de 60 - altura em
têm também uma estrutura diferente. Há considera- que Moyniham efectuou o seu estudo - até agora. Em
velmente muito menos mulheres negras com idades 1960, 21% das famílias afro-americanas eram enca-
compreendidas entre os vinte e os quarenta quatro beçadas por mulheres; entre as famílias brancas o
anos casadas do que mulheres brancas com a mesma número era apenas de 8%. Em 1993, o número para
idade. Os índices de divórcio e separação entre os as famílias negras subira para mais de 58%, enquan-
africanos das Caraíbas são mais elevados do que em to era de 26% para as famílias brancas.
qualquer outro grupo étnico na Grã-Bretanha. Os As famílias encabeçadas por mulheres estão mais
agregados monoparentais também são mais comuns proeminentemente representadas entre a população
entre os africanos das Caraíbas do que em qualquer negra pobre. Os afro-americanos dos bairros degra-
outra minoria étnica; contudo, ao contrário do que dados sentiram nas últimas duas décadas poucas
acontece noutros grupos étnicos, é mais comum melhorias das suas condições de vida: a maioria está
encontrar mães solteiras empregadas entre as mulhe- confinada a empregos desqualificados e mal pagos ou
res africanas oriundas das Caraíbas, (Modood et al., a um desemprego mais ou menos permanente. Nestas
1997). circunstâncias, pouco há que sustente a continuidade
FAMÍLIAS 193

100

Algg debom Algo mau Nio 4 tfa conta d e terceto*

Figura 7.5 Opiniões sobre a coabitação de indivíduos entre o s 15 e o s 24 anos, União Europeia, 1993
Fonte: Eurobarómetro. Sondagem 39.0,1993. De Eurostat, Social ProfUe of Europa, 1998, p. 81.

Quadro 7.4 Percentagem de pessoas não-casadas em dos relacionamentos matrimoniais. Os mesmos facto-
coabitação: por idade e genéro, na Grã-Bretanha, 1998-9 res parecem aplicar-se às famílias negras dos bairros
mais pobres de Londres e de outras cidades do Reino
Unido.
Grupos de idade Homens Mulheres
Grande parte das discussões sobre as famílias
16-19 1 8 negras têm»se centrado nos baixos níveis de casa*
mento formal, mas alguns analistas acreditam que tal
20-24 18 27
não é constante. A relação matrimonial não forma
25-29 39 39 necessariamente a estrutura da família negra, como
30-34 44 35 acontece nas famílias de outros grupos étnicos. As
35-39 36 29 redes de parentesco extenso são importantes para os
africanos das Caraíbas - são muito mais significati-
40-44 31 26
vas, relativamente aos laços matrimoniais, e mais
importantes do que na maioria das comunidades
45-49 28 16
brancas. É provável que uma mãe que encabeça uma
50-54 17 16 família monoparental tenha uma rede de familiares
55-59 18 12 próximos a cujo apoio pode recorrer. Os irmãos tam«
bém têm um papel importante nas famílias de africa-
Todos os que não são casados, nos das Caraíbas ajudando na criação das crianças
pequenas (Chamberlain, 1999). Isto contradiz a ideia
idades entre os 16-59 anos 26 25
de que as famílias negras monoparentais são necessa-
No número dos que não são casados índuerrvse a s pes-
riamente famílias instáveis. Um número muito maior
s o a s separadas, mas legatmente casadas. de famílias encabeçadas por mulheres afro-america*
Fonte: G e n e » ) Household Survey; Office for National Statistics. De nas têm outros parentes a viver com elas do que as
Social Tterxfe, 3 0 (2000), p. 4 0 . Copyright d a C o f o a . famílias brancas chefiadas por mulheres.
194 FAMÍLIAS

Alternativas ao c a s a m e n t o vez mais casais a escolherem em alternativa ao casa-


mento. Os jovens têm passado a viver juntos mais
Coabitação pela marcha dos acontecimentos do que por um pla-
neamento calculado. Um casal que mantenha um
A Coabitação - situação que tem lugar quando um relacionamento sexual passa cada vez mais tempo
casal vive junto e mantém relações sexuais sem haver junto, acabando um ou outro por abdicar da sua habi*
casamento - tem vindo a generalizar-se na maioria tação individual. Os jovens que vivem juntos quase
das sociedades ocidentais. Se anteriormente o casa- sempre planeiam casar-se, mas não necessariamente
mento era a base definitiva da união entre duas pes- com o seu parceiro de então. Só uma minoria destes
soas, actualmente tal já não acontece- Hoje em dia casais tem um orçamento conjunto.
talvez seja mais apropriado falar-se em juntar-se Num estudo levado a cabo por investigadores da
(coupling) e separar-se (uncoupling). Um número Universidade de Nottingham,em 1999, os sociólogos
crescente de casais, envolvidos em relações de longa conduziram entrevistas a uma amostra de casais que
duração, escolhem não se casar, e em vez disso optam coabitavam ou estavam casados, com filhos com
por viver juntos e criar assim os seus filhos. menos de 11 anos, bem como a uma amostra consti-
Na Grã-Bretanha, até muito recentemente, a coabi- tuída pelos seus pais, que ainda eram casados. Estes
tação era vista de um modo geral como algo de escan- sociólogos interessavam-se pelas diferenças em
daloso. O Inquérito Geral sobre Agregados Familiares matéria de compromisso, entre as pessoas casadas
(General Household Surveys), a fonte primordial de mais velhas, e os casais da nova geração. Os investi-
dados sobre os padrões familiares britânicos, incluía gadores concluíram que a jovem geração, tanto os
pela primeira vez em 1979 uma questão sobre a coa- casados como os que viviam em coabitação, tinham
bitação. No entanto, na Grã-Bretanha e por toda a mais em comum entre si, do que com os seus pais.
Europa as atitudes dos jovens face à coabitação estão Enquanto a geração mais velha via o casamento em
a mudar (ver figura 1 5 e quadro 7.4). Nas décadas termos de obrigações e deveres, a nova geração enca-
recentes, o número de homens e de mulheres solteiros recia os compromissos livremente aceites. A grande
que partilham um lar tem vindo a aumentar conside- diferença entre os entrevistados da geração mais nova
ravelmente. No Reino Unido, houve um aumento de residia no facto de alguns deles preferirem ver o seu
400% nos últimos quarenta anos do número de pes- compromisso reconhecido publicamente através do
soas que vivem juntas em coabitação antes do casa- casamento (Dyer, 1999).
mento. Apenas 4% das mulheres nascidas nos anos 20
coabitavam com o seu parceiro aquando da realização
do inquérito e apenas 19% das nascidas nos anos 40 o Casais homossexuais
faziam. Contudo, entre as mulheres nascidas na déca-
Hoje em dia, muitos homens e mulheres homosse-
da de 60 a percentagem chegava quase a metade.
xuais mantêm relacionamentos estáveis como casais.
Prevê-se que, no ano 2000, quatro em cada cinco
As relações entre homens e mulheres homossexuais
casais que formalizaram a sua relação através do casa-
são muito mais baseadas no compromisso pessoal e
mento já tenham vivido em coabitação antes do
na confiança mútua do que na lei, pois a maior parte
mesmo (Wilkinson e Mulgan, 1995).
dos países ainda não aprova o casamento entre
Apesar da coabitação se ter tomado cada vez mais homossexuais. Tem-se aplicado a expressão 'famílias
popular, pesquisas recentes indicam que o casamen- de escolha* às relações homossexuais, pois esta
to continua ainda a ser mais estável. Existe uma reflecte as formas positivas e criativas da vida quoti-
maior probabilidade de separação entre os casais que diana que os casais homossexuais cada vez mais
vivem juntos e não são casados, do que entre os levam a cabo juntos. Muitas das características tradi-
casais casados. cionais das relações heterossexuais - como o acom-
Actualmente, a coabitação na Grã-Bretanha pare- panhamento mútuo, o afecto e a responsabilidade em
ce ser para a maioria das pessoas um estágio experi- caso de doença, a partilha do dinheiro, e outras mais
mental anterior ao casamento, não obstante o tempo - estão a integrar-se nas famílias homossexuais atra-
de duração da coabitação ter vindo a aumentar e cada vés de formas que não eram possíveis antigamente.
FAMÍLIAS 195

Existe desde os anos 80 um interesse académico nhada pela tendência crescente dos tribunais a atri-
crescente pelas famílias homossexuais de um ou de buírem a custódia dos filhos a mães envolvidas em
outro sexo. Os sociólogos observaram que as rela- relacionamentos homossexuais. As técnicas de inse-
ções homossexuais apresentam formas de intimidade minação artificial possibilitam que as lésbicas pos-
e de igualdade muito diferentes das que são comuns sam ter filhos e iniciar famílias de progenitores
nos casais heterossexuais. As relações homossexuais homossexuais sem qualquer contacto heterossexual.
têm de ser construídas e negociadas fora das normas Embora praticamente todas as famílias britânicas
e linhas de orientação que governam muitas uniões homossexuais com filhos envolvam duas mulheres,
heterossexuais, pois os homens e mulheres homosse- durante um certo período, entre o fim dos anos 60 e o
xuais foram excluídos da instituição do casamento, e princípio dos anos 70, os departamentos da Seguran-
também porque os papéis tradicionais dos géneros ça Social de várias cidades norte-americanas atribuí-
não são facilmente aplicáveis aos casais do mesmo ram a custódia de rapazes adolescentes homossexuais
sexo. Alguns sugerem que a epidemia da SIDA foi sem lar a casais homossexuais masculinos. Esta prá-
um factor importante no desenvolvimento de uma tica foi abandonada, em grande parte devido à reac-
cultura distinta de afecto e compromisso entre par* ção pública adversa de que foi alvo.
ceiros homossexuais.
Um número recente de vitórias legais para os
Weeks,Heaphy e Donovan (1999) distinguem três casais homossexuais indica que os seus direitos estão
padrões significativos nos casais homossexuais de gradualmente a ser consolidados por lei. Na Grã-Bre-
um e de outro sexo. Em primeiro lugar, existe uma tanha a legislação de 1999 constituiu um marco por
maior oportunidade de igualdade entre os parceiros, declarar que um casal homossexual com uma relação
pois estes nâo são guiados pelos estereótipos cultu- estável podia ser definido como uma família. Esta
rais e sociais que condicionam as relações heterosse- classificação dos parceiros homossexuais como
xuais. Os Casais homossexuais podem escolher deli- 'membros da família' irá influir juridicamente em
beradamente como definir a sua relação de forma a âmbitos como os da imigração, segurança social,
evitar os tipos de desigualdade e desfasamento de impostos, herança e apoio aos filhos. Em 1999 um
poder característicos de muitos casais heterossexuais. tribunal norte-americano atribuiu os direitos pater-
Em segundo Jugar, os parceiros homossexuais nego- nais a um casal masculino homossexual, consideran-
ceiam os parâmetros e o funcionamento das suas rela* do que os nomes dos dois deveriam figurar no certi-
ções. Enquanto os casais heterossexuais são influen- ficado de nascimento da criança, gerada através de
ciados por papéis associados ao género socialmente inseminação artificial numa mulher. Um dos parcei-
enraizados, entre os casais do mesmo sexo as expec- ros que levou o caso a tribunal testemunhou que,
tativas sobre quem faz o quê numa relação são meno- "Estamos a celebrar uma vitória legal, A família
res. Por exemplo, se nos casamentos heterossexuais nuclear tal como a conhecemos está a evoluir. A ênfa-
as mulheres tendem a ocupar-se mais do trabalho se não deve ser colocada em ser*se pai ou mãe, mas
doméstico e da criação dos filhos, tais expectativas sim em haver adultos temos e que cuidem da criança,
não existem nas relações homossexuais. Tudo se quer se trate de uma mãe solteira ou de um casal
torna um motivo de negociação, o que pode conduzir homossexual que vive com empenho a sua relação**
a uma partilha das responsabilidades mais igualitária. (Hartley-Brewer, 1999).
Em terceiro lugar, as relações homossexuais demons-
tram ser uma forma particular de compromisso, para
o qual não existe um enquadramento institucional.
A confiança mútua, a disposição para enfrentar difi- Violência e a b u s o na vida familiar
culdades e uma responsabilidade partilhada do
'trabalho emocionar parecem ser as característi- A vida familiar abrange virtualmente toda a gama de
cas distintivas das relações homossexuais (Weeks experiências emocionais, pois as relações familiares
et al., 1999). ou de parentesco fazem parte da existência de toda a
gente. As relações familiares - entre marido e
O abrandamento de atitudes intolerantes do passa- mulher, pais e filhos, irmãos e irmãs, ou entre paren*
do em relação à homossexualidade tem sido acompa- tes mais afastados - podem ser calorosas e gratifi-
196 FAMÍLIAS

cantes. Mas podem igualmente estar impregnadas das maior do controlo masculino exercido sobre as
mais pronunciadas tensões que levam as pessoas ao mulheres.
desespero ou as enchem de um sentimento profundo
de ansiedade e culpa. Este «lado sombrio» da vida
familiar contrasta com as imagens cor-de-rosa de har-
monia que impregnam frequentemente os anúncios
publicitários e outros locais dos meios de comunica- Comentadores conservadores têm vindo a afirmar
ção social populares. Maus tratos dados às crianças recentemente que a violência familiar não é uma con-
são dois dos seus aspectos mais inquietantes. sequência do poder masculino patriarcal, c om o
defendem as feministas, mas que tem que ver com as
'famílias disfuncionais'. Assim, a violência dirigida
A v i o l ê n c i a n o seio d a f a m í l i a contra a mulher é um reflexo da crise crescente da
família e da erosão dos padrões morais. Estes autores
Podemos definir a violência doméstica como o abuso questionam os dados que dão como rara a violência
físico de um membro da família em relação a outro ou dirigida pelas mulheres contra os homens, pois os
outros membros. Os estudos mostram que o principal homens estarão menos dispostos a reportar situações
alvo de abuso físico são as crianças, principalmente as em que tenham sofrido violência por parte de mulhe-
crianças pequenas com menos de seis anos. O segun- res, do que vice-versa (Straus e Gelles, 1986).
do tipo de violência mais comum é a exercida pelos Tais afirmações têm sido fortemente criticadas
maridos sobre as mulheres. Contudo, as mulheres por feministas e por outros investigadores que argu-
podem também ser perpetradoras de violência física mentam que a violência por parte das mulheres é, em
doméstica contra filhos pequenos e maridos. todo o caso, restringida e episódica, com menos pro-
A casa é, de facto, o lugar mais perigoso da socie- babilidades de causar danos físicos permanentes, do
dade moderna. Em termos estatísticos, seja qual for o que a exercida pelos homens. Estes autores defendem
sexo ou a idade, uma pessoa estará mais sujeita à vio- que não é suficiente olhar para os 'números* que
lência em casa do que numa rua à noite. Um em qua- retratam incidentes violentos nas famílias. Pelo con-
tro assassinatos no Reino Unido é cometido por um trário, é essencial olhar para o significado, o contex-
membro da família contra outro. As mulheres correm to e o efeito da violência exercida. «Bater na mulher»
mais risco de violência por parte de homens com - a agressão física regular dos maridos sobre as
quem têm relações familiares e íntimas do que por mulheres - é algo que não tem equivalente real da
parte de estranhos. parte destas. Os homens que maltratam fisicamente
O problema da violência doméstica ganhou aten- os filhos tendem provavelmente a fazê-lo de um
ção popular e académica, durante a década de 70, em modo mais consistente, causando ferimentos acen-
resultado do trabalho desenvolvido por grupos femi- tuados, do que as mulheres.
nistas nos centros de refúgio para mulheres maltra- James Nazroo conduziu um estudo, na Grã-Breta-
tadas' . Antes disso, a violência doméstica, bem como nha, com noventa e seis casais que coabitavam, com
os maus-tratos às crianças eram fenómenos discreta- a intenção de revelar a incidência da violência nas
mente ignorados. Os estudos feministas sobre a vio- casas (1995). O autor concluiu que a violência mas-
lência doméstica chamaram a atenção para a preva- culina tem muito mais probabilidades de resultar em
lência e a severidade da violência dirigida contra as danos físicos permanentes, do que aquela que é diri-
mulheres nas suas casas. A maior parte dos episódios gida peias mulheres contra os homens.
violentos entre marido e mulher reportados à polícia Porque é que a violência doméstica é tão banal?
envolviam violência por parte dos homens contra as Há um conjunto de factores envolvidos. Um deles
suas esposas. Em menos de 5% dos casos foi usada reside na combinação entre a intensidade emocional
força física por parte das mulheres contra os seus e a intimidade pessoal características da vida fami-
maridos (Dobash e Dobash, 1980). As feministas liar. Os laços familiares estão normalmente impreg-
apoiaram-se nestas estatísticas para apoiar o seu nados de emoções fortes, que misturam frequente-
argumento de que a violência doméstica é uma forma mente amor e ódio. As desavenças que ocorrem no
FAMÍLIAS 197

contexto doméstico podem libertar antagonismos que exemplo, são incestuosas, mas não se encaixam na
não seriam sentidos da mesma forma noutros contex- definição de abuso. Em caso de abuso sexual, um
tos sociais. O que parece ser um incidente menor adulto está basicamente a explorar um menor ou uma
pode precipitar hostilidades em larga escala entre criança com um propósito sexual (Ennew, 1986). No
cônjuges ou entre pais e filhos. Um homem tolerante entanto, a forma mais comum de incesto é aquela em
em relação às excentricidades de comportamento de que há também abuso sexual - as relações incestuo-
outra mulher pode ficar furioso se a sua mulher falar sas entre pai e filhas menores.
demais num jantar ou revelar intimidades que ele O incesto e, de um modo geral, o abuso sexual
deseja manter em segredo. infantil são fenómenos que têm sido «descobertos»
Uma segunda influência reside no facto de se tole- apenas nos últimos dez ou vinte anos. Sabia-se por
rar e até mesmo aprovar um certo grau de violência certo há muito tempo que tais actos sexuais ocorriam,
no âmbito da família. Embora a violência familiar mas a maioria dos cientistas sociais partia do princí-
socialmente aprovada seja de natureza relativamente pio de que os enormes tabus existentes sobre este tipo
limitada, pode facilmente degenerar em formas mais de comportamento significavam que este era muito
severas de agressão. Haverá poucas crianças na Grã- pouco comum. Mas tal não acontece. O abuso sexual
- Bretanha que nunca tenham levado uma bofetada ou de crianças revelou-se um facto assustadoramente
apanhado uma tareia - mesmo que leve - de um dos banal. Encontra-se com mais frequência em famílias
seus progenitores. Estas acções gozam frequente- de classe baixa, mas tem lugar em todos os níveis da
mente da aprovação dos outros e provavelmente não estrutura social - bem como nas instituições, como
são sequer reconhecidas como «violência». Embora veremos mais adiante.
menos explícita, existe (ou existiu no passado) tam- Embora a natureza do abuso sexual infantil seja
bém uma aprovação social da violência entre espo- fácil de entender na sua forma mais básica, é difícil,
sos. A aceitação cultural desta forma de violência se não mesmo impossível, calcular toda a sua ampli-
doméstica está expressa no velho ditado: "A mulher, tude, por causa das múltiplas formas que pode assu-
o cavalo e a nogueira; quanto mais apanham, melhor mir. Investigadores e tribunais não conseguiram
ficam". arranjar definições completamente consensuais de
No local de trabalho e em outros lugares públicos abuso infantil em geral e de abuso sexual de crianças
é regra geral que ninguém pode bater em ninguém, em particular. Uma secção da Lei da Infância de 1989
por mais ofensiva ou irritante que a outra pessoa seja. fala em «males relevantes» causados pela falta de
O mesmo não sucede na família. Um grande número cuidados básicos - mas não fica explícito o que se
de investigadores mostrou que uma proporção subs- considera como males «relevantes». O Instituto
tancial dos casais acredita que, em determinadas cir- Nacional para a Protecção da Criança define quatro
cunstancias, é legítimo um dos esposos bater no categorias de abuso: «negligência», «abusos físicos»,
outro. Cerca de um em quatro americanos de ambos «abusos emocionais» e «abusos sexuais». O abuso
os sexos pensa que pode haver razões que justifiquem sexual é definido como um «contacto sexual entre
o marido bater na mulher. Uma percentagem mais uma criança e um adulto tendo em vista a satisfação
baixa acredita que o inverso também é válido sexual do adulto» (Lyon e de Cruz, 1993).
(Greenblat, 1983). A força ou a ameaça de violência estão implicadas
em muitos casos de incesto. As crianças, por vezes,
são participantes mais ou menos condescendentes,
O incesto e o a b u s o sexual de c r i a n ç a s
mas tal parece suceder raramente. É certo que as
Podemos definir com facilidade o abuso sexual de crianças são seres sexuais e que se envolvem com
crianças como a prática de actos sexuais por adultos frequência em brincadeiras sexuais moderadas ou em
com crianças de idade inferior ao que é permitido por exploração sexual mútua. Mas a grande maioria das
lei (na Grã-Bretanha, dezasseis anos). Entendemos crianças sujeita a contactos sexuais por parte de fami-
por incesto as relações sexuais entre parentes próxi- liares adultos acha a experiência repugnante, vergo-
mos. Nem todos os casos de incesto são de abuso nhosa ou perturbadora. Existe hoje em dia material
sexual. As relações sexuais entre irmão e irmã. por suficiente para indicar que o abuso sexual infantil
198 FAMÍLIAS

pode ter consequências a longo prazo para as crian- publicado em Fevereiro de 2000, revelou que entre
ças que o sofrem. Estudos efectuados sobre prostitu- 1974 e 1990 houve um grande número de abusos físi-
tas, delinquentes juvenis, adolescentes que fogem de cos e sexuais de rapazes, e em menor número de
casa e consumidores de droga mostram que uma raparigas, em vários lares de acolhimento pertencen-
grande percentagem tem um historial de abuso sexual tes a autoridades locais - a maior parte dos delitos
durante a infância. Não podemos, obviamente, con- foram cometidos por administradores e assistentes
fundir correlação com causa. Demonstrar que essas sociais. O relatório descreveu a vida numa das casas,
categorias de pessoas foram vítimas de abuso sexual Bryn Eastyn, como "uma forma de purgatório, mas
infantil não prova que esse abuso tenha sido uma pior, uma vez que as [crianças] saíam daqui mais
influência causal no seu comportamento posterior. maltratadas do que quando entraram" (Waterhouse
Há provavelmente uma série de factores envolvidos, inquiry, 2000).
tais como os conflitos familiares, a negligência por A maior parte das acusações recolhidas pelo
parte dos pais ou a violência física. inquérito dizia respeito ao uso contínuo e repetido da
força, incluindo o espancamento e o estrangulamento
Pesquisas recentes sobre o abuso sexual das crianças, ameaçando-as e sujeitando-as a abusos
No decurso da década de oitenta (séc. XX) foram emocionais. No entanto, a maior atenção recaiu no
levadas a cabo umas quarenta investigações sobre abuso sexual dos rapazes pelo pessoal da instituição.
abuso sexual infantil na Grâ-Bretanha. O caso mais O relatório confirmou que durante um período de
conhecido foi o inquérito Cleveland de 1987. Esta mais de dez anos dois funcionários de grau elevado
investigação envolveu dois médicos, Marietta Higgs do sexo masculino violentaram continuamente rapa-
e Geoffrey Wyat, que afirmaram existir uma série de zes. O subdirector principal de uma das casas tinha
crianças da região vítimas de abuso sexual por parte como prática diária convidar um conjunto de rapazes
de membros da própria família. Os pais, que como para irem a altas horas da noite ao seu apartamento
consequência ficaram sem a custódia legal dos filhos privado, onde abusava sexualmente dos rapazes.
por intervenção de assistentes sociais, protestaram e O pessoal que tinha conhecimento das suas acções
clamaram a sua inocência. nunca qualificou este comportamento como 'inapro-
priado', criando à volta destes abusos aquilo que o
Houve médicos da polícia que não estiveram de
relatório qualificou como 'culto do silêncio*. As
acordo com as conclusões e gerou-se um debate
crianças eram desencorajadas a fazerem queixa e no
nacional, sendo publicados na imprensa muitos arti-
sistema do serviço social não havia procedimentos
gos sobre o caso. O director dos serviços sociais de
adequados para monitorizar e administrar as activida-
Cleveland acabou por reconhecer que doze das famí-
des destas residências de apoio.
lias, envolvendo vinte e seis crianças, haviam sido
injustamente acusadas. Poucas questões geram emo-
ções tão intensas, e os perpetradores de abuso sexual
de crianças negam quase sempre com veemência a O d e b a t e s o b r e o$ «valores familiares»
prática de tais actos. Por outro lado, sempre que pais
ou familiares são injustamente acusados a dor emo- «A família está a desaparecer!» gritam, alarmados, os
cional causada é grande. defensores dos valores familiares, analisando as
A maior investigação sobre abuso sexual de crian- mudanças das últimas décadas - uma atitude mais
ças efectuada na Grâ-Bretanha envolveu acusações liberal e aberta em relação à sexualidade, um aumen-
de abuso, não no interior da família, mas num espaço to sempre crescente das taxas de divórcio e uma preo-
institucional. Em 1996 constituiu-se a Comissão cupação geral em relação à felicidade pessoal à custa
Waterhouse para investigar as acusações de abuso das velhas concepções dos deveres familiares.
sexual infantil, em duas áreas do norte do País É necessário recuperar a ordem moral da vida fami-
de Gales, nas residências de acolhimento social. liar, defendem. É necessário reinstituir a família tra-
O inquérito prolongou-se por mais de 200 dias, reco- dicional, muito mais estável e organizada do que a
lhendo provas de 575 testemunhas incluindo os complexa rede de relações em que hoje em dia a
depoimentos de 259 antigos residentes. O relatório. maioria de nós se vê envolvido.
FAMÍLIAS 199

«Não!» respondem os críticos. «Pensasse que a sentiam pressionadas a manter casamentos infelizes
família está a desaparecer. Na verdade, está apenas a podem hoje em dia começar de novo. Mas náo pode
diversificar-se. Devemos encorajar uma variedade de haver dúvidas de que as tendências actuais em rela-
formas de vida familiar e de formas de vida sexual, ção à sexualidade, ao casamento e à família geram
em vez de pressupor que toda a gente tem de estar profundas ansiedades em determinadas pessoas, ao
comprimida no mesmo molde». mesmo tempo que dão novas possibilidades de satis-
Quem tem razão? Provavelmente o melhor será fação e auto-realização a outras.
manter uma posição critica em relação a ambas as Aqueles que defendem que a grande diversidade
perspectivas. Um retomo à forma tradicional de de formas familiares actualmente existentes, que
família não é possível. Náo apenas por, como já foi libertam as pessoas das limitações e sofrimentos do
explicado, o que se entende por família tradicional passado, têm certamente, em grande medida, razão.
nunca ter existido, ou por as inúmeras facetas opres- Homens e mulheres podem permanecer sós se assim
sivas da família do passado lhe terem retirado prestí- o quiserem, sem terem de enfrentar a desaprovação
gio como modelo. Mas também em virtude de as social associada no passado a ser-se um homem sol-
mudanças sociais que transformaram os modelos do teiro ou, sobretudo, uma solteirona. Os casais que
casamento e família do passado serem, na sua maio- vivem juntos em coabitação já não são socialmente
ria, irreversíveis. As mulheres não voltarão em gran- rejeitados pelos seus amigos casados mais «respeitá-
de número à situação doméstica de que lhes custou veis». Os casais homossexuais podem construir um
tanto a livrar-se. Hoje em dia, para o bem ou para o lar em conjunto e educar crianças sem terem de lidar
mal, o relacionamento sexual e o casamento não com o mesmo grau de hostilidade que teriam enfren-
podem voltar a ser o que eram. A comunicação emo- tado no passado.
cional - ou melhor, a criação activa e sustentada das
Como já se disse, é difícil resistir à conclusão de
relações - tomou-se uma parte central das nossas
que estamos presentemente numa encruzilhada. Será
vidas no domínio pessoal e familiar.
que o futuro trará uma decadência ainda maior do
O que irá acontecer? A taxa de divórcio pode ter casamento e das relações duradouras? Viveremos
estabilizado e deixado de aumentar em relação aos num cenário emotivo e sexual marcado pela amargu-
elevados níveis anteriores, mas não está a diminuir. ra e pela violência? Ninguém sabe ao certo. Mas a
Todas as medições de divórcios são, até certo ponto, análise sociológica do casamento e da família que
estimativas mas, tendo em conta as tendências do aqui é apresentada leva-nos a pensar que não se resol-
passado, podemos prever que cerca de 60% dos casa- vem os problemas actuais olhando para o passado. É
mentos celebrados hoje poderão acabar em divórcio necessário tentar reconciliar a liberdade individual
dentro de dez anos. que a maioria de nós aprendeu a valorizar na vida
O divórcio, como vimos, nem sempre é um refle- pessoal com a necessidade de constituir relações está-
xo da infelicidade. As pessoas que antigamente se veis e duradouras com outras pessoas.

1 Parentesco, família e casamento são termos estreitamente relacionados e de gran-


de significado para a Sociologia e para a Antropologia. O parentesco abrange
tanto os laços genéticos como os iniciados pelo casamento. Uma família é um
grupo de parentes responsável pela criação e educação das crianças. O casamen-
to é uma ligação entre duas pessoas que vivem juntas num relacionamento sexual
socialmente aprovado.
2 Uma família nuclear é um agregado familiar em que um casal (ou um só proge-
nitor) vive com os seus filhos, próprios ou adoptados. Quando outros familiares,
além do casal e dos seus filhos, fazem também parte desse agregado ou estão
envolvidos em relacionamentos próximos e contínuos com ele, falamos na exis-
tência de uma família extensa.
200 FAMÍLIAS

3 Nas sociedades ocidentais, o casamento e, por conseguinte, a família estão asso-


ciados à monogamia (um relacionamento sexual culturalmente aprovado entre
uma mulher e um homem). Muitas outras culturas toleram e encorajam a poliga-
mia, em que um individuo pode ser ao mesmo tempo casado com dois ou mais
cônjuges.
4 Durante o século vinte, o predomínio da família nuclear sofreu uma erosão cons-
tante, em particular o seu papel na maior parte das sociedades industrializadas.
Existe actualmente uma grande diversidade de formas familiares.
5 O estudo da família foi abordado de acordo com perspectivas teóricas opostas. Os
funcionalistas viram a família como uma das instituições fundamentais da socie-
dade, referindo-se particularmente ao seu papel na socialização das crianças.
A abordagem feminista estudou as desigualdades em muitas áreas da vida fami-
liar, incluindo a divisão doméstica do trabalho, as relações desiguais de poder e
as actividades de prestação de cuidados a cargo das mulheres.
6 As taxas de divórcio têm vindo a aumentar desde o pós-guerra, e o número de
primeiros casamentos têm vindo a diminuir. Como consequência, uma proporção
crescente da sociedade vive em agregados monoparentais.
7 Os níveis de segundos casamentos são bastante elevados. Voltar a casar pode
levar à formação de uma família recomposta - uma família na qual pelo menos
um dos membros adultos já tem filhos de casamentos ou relações anteriores.
O termo 'pai ausente* refere-se aos pais cujo contacto com os filhos é esporádico
(ou nenhum) depois de uma separação ou divórcio.
8 Existe uma grande diversidade de formas familiares entre as minorias étnicas. Na
Grã-Bretanha, as famílias originárias da Ásia do sul ou as dos africanos oriundos
das Caraíbas diferem dos tipos de família dominantes.
9 O casamento já não é base que define a união entre duas pessoas. A coabitação
(quando um casal vive junto numa relação sexual fora do casamento) está cada vez
mais espalhada em muitos países industrializados. Devido ao abrandamento das ati-
tudes intolerantes face à homossexualidade, há cada vez mais homens e mulheres
homossexuais a viverem juntos como casais. Em alguns casos os casais homosse-
xuais conseguiram obter o direito legal de ser definidos como uma família.
10 A vida familiar nem sempre é, de forma alguma, um retrato de harmonia e de feli-
cidade, pois, por vezes, o abuso sexual e a violência doméstica têm lugar no seu
seio. A maioria dos casos de abuso sexual de crianças é praticada por homens e
está, aparentemente, relacionada com outros tipos de comportamento violento de
certos homens.
11 O casamento deixou de ser (se é que alguma vez o foi) uma condição para contac-
tos sexuais regulares para ambos os sexos; também já não é a base da actividade
económica. Parece certo que irão continuar a florescer diferentes formas de relacio-
namento social e sexual. O casamento e a família continuam a ser instituições fir-
memente estabelecidas, embora estejam submetidas a grandes pressões e tensões.

] 1 Serão todas as formas familiares igualmente aceitáveis nas sociedades contempo-


râneas?
2 A poliginia e a poliandria poderão ter lugar nas sociedades contemporâneas?
!• 'i " -Li "i • Hvl .
•. M• 3 Como é que os níveis de divórcio em ascensão poderão indicar que a relação
matrimonial se tomou mais importante e não menos?
4 Que medidas podem ser tomadas para reduzir o nível de violência no seio das
famílias?
5 Com o declínio do papel do homem como sustento da família, que novos papéis
podem ser ocupados pelos homens no interior das famílias?
6 Será o amor suficiente para garantir a instituição familiar?

Linda Hantrais e Marlene Lohkamp-Himminghofen (eds), Changing Family


Forms, Law and Policy (Loughborough; Cross-National Research Group, European
Research Centre, Loughborough University, 1999)

Brenda M . Hoggett et a/., The Family, Law and Society: Cases and Materials (Lon-
don: Butterworths, 1996)

Gordon Hughes e Ross Ferguson (eds), Ordering Lives: Family, Work and Welfare
(London: Routledge, 2000)

Richard M. Lerner e Domini R. CasteUino (eds), Adolescents and their Families:


Structure, Function and Parent-Youth Relationships (New York: Garland, 1999)
Helen Wilkinson (ed.), Family Business (London: Demos, 2000)

Australian Institute of Family Studies (Instituto Australiano de Estudos Familiares)


http://www.aifs.org.au/

Centre for Policy Studies - um organismo criado por Margaret Tatcher para preser-
var a família, as empresas, o individualismo e a liberdade
http://www.cps.org.uk

Clearinghouse on International Developments in Child, Youth and Family Policies


http: //w w w .ch i Id pol icy i n 11 .or g/

Demos - um organismo que aborda pesquisas efectuadas nas áreas da exclusão social,
da família e da pobreza
http://wwwxlemos.co.uk

You might also like