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II Encontro Regional de Linguística, 2016, Palmeira dos Índios. Anais... Palmeira
dos Índios: Universidade Estadual de Alagoas. 2016
Resumo
Este trabalho visa abordar o caminho histórico percorrido pelos estudos sociais da língua,
considerando desde primórdios gregos e romanos, com as discussões acerca da natureza da
língua e as construções gramaticais até chegar aos desenvolvimentos sociolinguísticos do
século XX. Neste sentido, serão apreciadas as contribuições da dialetologia, da Linguística
Comparativa, da Etnografia da fala, da Sociologia da língua, da Sociolinguística Interacional e
principalmente da Sociologia Variacionista. De forma sucinta, serão descritos os caminhos
percorridos pelos estudos da língua em seus aspectos sociais e históricos (Cf. CALVET, 2002,
CÂMARA JR, 2011, LADEIRA, 2007, LE PAGE, 2007, PAIVA; DUARTE, 2006),
considerando desde as abordagens filosóficas dos gregos antigos até as tendências atuais de
estudo no Brasil. Será considerada a expansão da linguística comparativa e histórica a partir do
século XVIII, bem como a contribuição da Etimologia e da Etnografia para o desenvolvimento
das diversas correntes sociolinguísticas desenvolvidas no século XX. Também, discutir-se-á o
papel fundamental que representa William Labov para estudos sociolinguísticos; bem como os
desenvolvimentos recentes das pesquisas sociolinguísticas no Brasil.
A preocupação com questões linguísticas não é uma invenção do século XX, mas desde
os gregos antigos, alguns questionamentos já eram feitos. Embora ainda não houvesse nenhuma
metodologia científica de coleta e análise de dados que dessem respostas exatas, a observação
e a capacidade reflexiva filosófica dos gregos permitiam alguns posicionamentos lógicos. Ao
observar a capacidade de mudança da língua ao decorrer do tempo, por exemplo, eles já se
questionavam se a língua tinha um caráter natural ou convencional.
1
Doutorando em Linguística pela Universidade Federal de Alagoas – UFAL. Professor Assistente da Universidade
Estadual de Alagoas – UNEAL.
No diálogo Crátilo, Platão travou belas discussões filosóficas sobre a natureza original
da língua. Seria ela, fruto da natureza, ofertada ao homem e, como tal, indisponível ao mesmo?
Ou seria resultado de uma grande convenção social e, dessa forma, manipulável?
Nos dias atuais, os estudos funcionais da língua a tem como um fenômeno convencional,
o que parece evidente, uma vez que toda e qualquer mudança que ocorra nela dependa de uma
aceitação social. Porém, há alguns milênios isso não parecia tão evidente e chegava-se mesmo
a acreditar que a língua tinha uma motivação natural, e que cada palavra de uma língua teria
surgido inicialmente como onomatopeias e com o decorrer do tempo essas palavras
modificavam-se, dando origem a outras palavras e perdendo suas características iniciais.
A mudança linguística torna-se uma discussão polêmica e dividiu opiniões por muito
tempo. Ainda na Grécia, se formou dois grandes grupos de pensamento acerca deste tema, os
anomalistas e os analogistas.
Os analogistas acreditavam que a língua obedecia a leis gerais e que uma mudança na
língua provocaria outras modificações análogas. Por sua vez, os anomalistas defendiam que
certas semelhanças entre mudanças linguísticas eram por acaso, pois não havia nenhuma regra
que regesse essas variações, logo eram anômalas.
Ao aperfeiçoar os estudos da língua e identificar, por exemplo, as principais classes
gramaticais que hoje conhecemos, gregos e romanos defendiam um ensino de língua que
evitasse mudanças e variações, pois estas representavam, além de um mau uso da língua, um
distanciamento de uma língua dos deuses, aquela utilizada em um possível mundo ideal.
Ao observarem a variação da língua no decurso da história, os romanos acreditavam que
ela estava se perdendo, e que seria um erro abandonar as tradições linguísticas em função de
novas variantes. Dessa forma, a língua passa a ser objeto de ensino, visando divulgar às pessoas
as formas de falarem corretamente e compreenderem os poetas clássicos. Já se aceitava que os
cânones literários tinham um domínio superior da língua e deveriam ser seguidos. “A admiração
pelas grandes obras do passado encorajou a crença de que a própria língua na qual elas tinham
sido escritas era em si mais “pura”, mais “correta” do que a fala coloquial corrente da
Alexandria e outros centros helênicos” (LYONS, 1979, p. 09). Assim, o tratamento dado à
língua buscava mostrar a forma correta de seu uso e evitar erros e barbarismos.
Como se pode ver, os estudos existentes sobre a língua partiam da observação e análise
empírica de uma mesma língua em momentos históricos diferentes, revelando mais uma
preocupação filosófica que científica2. Porém, no final da renascença e início dos tempos
modernos, os estudiosos da língua passaram a comparar a língua não apenas consigo mesma,
como faziam os filólogos clássicos, mas comparar línguas diferentes. Movimento que originou
a Linguística Comparativa. Uma das grandes contribuições dos comparatistas foi a descoberta
do sânscrito, a língua hindu. Pois, no momento em que essa língua é descoberta e comparada
com o grego e latim, chega-se a uma espantosa constatação: as três línguas arcaicas eram
bastante semelhantes. Fato que os leva a propor a existência de uma protolíngua que dera
origem a todas essas, o indoeuropeu.
No fim do séc. XVIII descobriu-se que o sânscrito, a antiga língua sagrada da Índia,
relacionava-se com o latim e com o grego, e também com outras línguas da Europa.
Essa descoberta foi independentemente por vários linguistas. Desses, o mais importante
foi o orientalista britânico Sir William Jones, que declarou que (1976), em palavras que
se tornaram famosas, que o sânscrito mostrava em relação ao grego e ao latim “tanto
nas raízes dos verbos como nas formas gramaticais, uma afinidade tão grande que não
seria possível considerá-la casual: tão forte, em verdade, que nenhum linguista poderia
examiná-la se crer que se tinham originado de uma fonte comum que talvez não mais
existia”. (LYONS, 1979, p. 24)
2
Câmara Jr. (2001) trata essa abordagem filosófica de estudo de Paralinguística.
princípios linguísticos universais e uma faculdade de linguagem inata, isenta a língua dos
aspectos sociais, deixando escapar justamente os fenômenos de variação e mudança
linguísticas.
2. DESENVOLVIMENTOS DA SOCIOLINGUÍSTICA
A ruptura, proposta por Saussure, entre língua e fala exclui da linguagem os aspectos
variantes individuais e transforma a língua em um conjunto de regras homogêneas e estáveis,
capaz de suportar análises e descrições estruturais, o que possibilita o nascimento de uma nova
ciência, a Linguística. Esse modelo de língua estruturalista de Saussure motivou as pesquisas
linguísticas durante toda a primeira metade do século XX, em todo mundo.
Embora tenha havido algumas tentativas de dar conta desses elementos individuais da
fala, como os estudos estilísticos de Charles Bally, que tenta estruturar quais são os recursos
linguísticos que revelam a subjetividade do falante – principalmente na literatura; a
preocupação de Benveniste (1989; 2008) em explicar o processo de enunciação e para quem “a
língua permite que o homem se situe na natureza e na sociedade” (ALKMIM, 2011, p. 27); a
busca em compreender o processo de formação discursiva e ideológica de Bakhtin (2006) –
ainda que este a tenha feito mais de sob uma ótica filosófica que linguística; a tentativa de
compreender os processos de funcionamento da comunicação de Roman Jakobson (1971) em
Praga; e mesmo os trabalhos de Marcel Cohen (1956 apud ALKMIM, 2011), na França, que
prenunciavam uma sociologia da língua e já previam a interferência de elementos externos na
língua, entre outros; não explicavam os processos de variação e mudança linguística a partir das
relações entre língua e sociedade.
Tentativas científicas de abordar as questões de língua se deram em todo o mundo com
diversos estudiosos desde o século XIX.
Estudiosos como William Dwight Withney (1827 - 1894) nos Estados Unidos, Michel
Bréal (1932 - 1915) na França, Herman Paul (1846 – 1921) na Alemanha, Jan Baudouin
de Courtenay (1945 – 1949), na Rússia, e outros reagiram contra a visão, geralmente
associada com os pontos de vista avançados de August Schleicher (1821 - 1868), Para
Max Muller (1823 - 1900), e outros, a linguística deveria ser pensada como uma ciência
e que a linguagem deve ser tratada como um organismo vivo, e que, consequentemente,
a linguística era para ser classificada como ciência natural, e não social.3 (KOERNER,
2002, p. 259)
3
Todas as traduções presentes são de nossa responsabilidade.
É somente a partir dos anos 1960, nos EUA, que a Sociolinguística surge e tem como
proposta “a covariação sistemática das variações linguística e social” (BRIGHT, 1974 apud
ALKMIM, 2011, p. 28). A realização de um congresso em 1964 na Universidade da Califórnia
em Los Angeles (UCLA), organizado por William Bright representa o ponto norteador das
pesquisas sociolinguísticas sob as diversas tendências que esta corrente linguística adquiriria.
É nesse contexto que surgem os principais nomes da investigação social da língua no século
XX.
William Brigth e Joshua Fishman incorporam os aspectos sociológicos nas descrições
linguísticas e propõem que as dimensões dos usos linguísticos estão condicionadas às
identidades sociais e contextuais de produção do indivíduo.
O interesse antropológico de Dell Hymes pelas questões de língua o levou a propor uma
investigação etnográfica da fala que visava explicar a participação do indivíduo nas
comunidades linguísticas, “procura descrever e interpretar o comportamento linguístico no
contexto cultural, definindo as funções da linguagem a partir da observação e das regras sociais
próprias de cada comunidade”. (SANTOS & VITÓRIO, 2011, p. 15)
Uriel Weinreich e William Labov tiveram uma particular preocupação com os aspectos
de variação e mudança linguísticas e foram os primeiros a propor uma análise quantitativa dos
fenômenos linguísticos variacionais com aspectos sociais da comunidade investigada, dando
origem à Sociolinguística Variacionista. John Gumperz, por sua vez, tentou explicar a variação
a partir da interação contextual entre falantes, o que originou uma Sociolinguística interacional.
A sociologia da linguagem tem como principal ícone, Joshua Fishman, cujo principal
objeto de trabalho é o tratamento sociológico dos fenômenos linguísticos. Para ele, a língua se
configura não apenas como um instrumento de comunicação, mas um princípio formador de
identidade, demarcando as fronteiras coletivas e individuais. A língua é o conteúdo, o meio e a
mensagem, pois revela as relações entre indivíduos e as suas classes sociais.
Já a Etnografia da fala, que encontra em Dell Hymes seu maior expoente, tem como
base as relações existentes entre os usos linguísticos e os grupos étnicos. Este modelo pretende
descrever e interpretar o comportamento linguístico realizado no contexto cultural de cada
grupo social. Procurando definir a partir da observação das regras sociais e da fala, os
comportamentos linguísticos adequados. “Na proposta de Hymes, o papel atribuído à influência
do contexto social/cultural sobre os usos linguísticos parece apontar para a direção do que se
poderia chamar de um certo determinismo social - originado pelo contexto”. (SEVERO, 2004,
p.137)
John Gumperz aprofundou seus estudos numa linha mais interacionista, buscando
analisar as variações individuais de acordo com contexto de interação, da hierarquia social e
identidade individual.
Desse modo, os fenômenos linguísticos variáveis são trabalhados a partir dos diversos
contextos sociais e dos desempenhos individuais em cada ato interacional.
4 CONTRIBUIÇÕES DIALETOLÓGICAS
Ainda no século XIX, com a ascensão da Linguística Comparativa, os estudos
dialetológicos ganham espaço. Preocupados inicialmente com as origens e semelhanças do
Latim com outras línguas, depois passam a se preocupar com as fronteiras linguísticas, o que
caracterizou uma dialetologia geográfica.
Os principais e maiores trabalhos na dialetologia foram realizados na Europa. Um dos
mais ambiciosos exemplos é o Atlas Linguístico da França, o ALF, iniciado por Jules Guillierón
e concluído por Edmond Edmont. Sua metodologia consistia em perguntar aos informantes as
diferentes pronunciações de diferentes palavras. Outro importante trabalho dialetológico foi o
Atlas Linguístico da Península Ibérica, o ALPI, interrompido pela guerra civil na Espanha, na
primeira metade do século XX.
Demais atlas linguísticos foram produzidos em toda parte da Europa, na Itália, na Suíça,
Alemanha e Holanda.
6. A SOCIOLINGUÍSTICA NO BRASIL
A sociolinguística ganha espaço no Brasil a partir dos anos de 1970 e tem como objetivo,
nesse instante, estudar as semelhanças e diferenças linguísticas existentes em cada região do
país.
Assim como os Atlas Linguísticos que foram desenvolvidos na Europa sobre o viés
dialetológico, buscou-se no Brasil compreender e descrever as particularidades linguísticas
regionais. Com o intuito de descrever as variações em diversos níveis da gramática, foram
realizados em várias partes do país levantamentos linguísticos como VALPB, (Projeto Variação
Linguística no Estado da Paraíba), o VARSUL (Variação Linguística ou Urbana no Sul do
País), o NURC (Norma Oculta ou Urbana) que se realizou em diversos estados do país e
investigou principalmente a fala dos universitários a fim de identificar os padrões reais de uso
na comunicação oral utilizada por falantes de nível superior. Além de dezenas de outros
trabalhos que se realizaram com objetivo de descrever o português falado no Brasil.
O reconhecimento da heterogeneidade da língua, pressuposto da teoria variacionista,
permitiu que os trabalhos que aqui se desenvolveram se diferenciassem dos estudos unicamente
o dialetológicos dos Atlas Linguísticos europeus.
7. CONCLUSÃO
Pudemos fazer um breve percurso acerca dos estudos linguísticos que partem dos
aspectos sociais a fim de explicar os fenômenos de língua. Vimos que desde os gregos antigos,
já havia discussões acerca das mudanças linguísticas. Como esses estudos ganharam espaço no
século XVIII e XIV com a ascensão da Linguística Comparativa e como esta motivou e
influenciou os primeiros estudos dentro de uma concepção Sociolinguística. O que nos permitiu
também transcorrer sobre as origens e motivações teóricas que antecederam Labov e o que o
levaram à Sociolinguística Variacionista.
Desse modo, conseguimos entender os rumos das pesquisas Sociolinguísticas que vem
se realizando no Brasil nos últimos anos, bem como compreender uma certa tendência de
investigação neste país.
9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
KOERNER, E.F.K. Toward a history of americans linguistics. New York: Routledge, 2002.
LYONS, J. Introdução à linguística teórica. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo,
1979.
WEINREICH, U., LABOV, W., HERZOG, M., I. Fundamentos Empíricos para uma Teoria da
Mudança Linguística; tradução Marcos Bagno. São Paulo: Parábola Editora, 2006.