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Técnicas de tradução

inglês-português
Danilo Nogueira

2ª edição, fevereiro de 2018

© 2018 Reprodução permitida – desde que integral e gratuita.


ESTE LIVRO está no forno há anos. Pronto, nunca vai estar, mas estou publicando uma
segunda edição agora, antes que seja tarde demais. Logo, espero, virá a terceira, um
pouco melhor. Leia, consulte à vontade e forme sua própria opinião. Espero que goste.
Se gostar, recomende a seus amigos, que eu fico grato. Se não gostar, recomende a seus
inimigos, que fico grato do mesmo jeito.

Boa parte do que foi publicado na primeira edição foi discutido com Kelli Semolini,
durante os longos anos que trabalhamos juntos. Atendendo ao pedido dela própria, a
única referência a seu nome é esta. Os erros, que espero não sejam tantos assim nem
comprometam a utilidade do texto, são de inteira responsabilidade minha.

Este livro:

…bem como tudo o que eu escrevi e fiz de bom profissionalmente na vida é


fruto da influência de Gilberto Rizzo, meu professor de inglês durante anos no
Ascendino Reis, uma escola pública no Tatuapé, bairro de São Paulo ao qual ele
se referia, jocosa e afetuosamente, como Armadillo on Foot.

… é, e sempre será, distribuído gratuitamente. Peço desculpas pela


diagramação tosca e pelos erros de revisão. Deveria ter contratado profissionais
da revisão e diagramação para o serviço, mas, como o livro é grátis, não teria
como pagar.

…pode ser copiado e distribuído por qualquer um, desde que mantenha o texto
como está aqui e que não cobre nada por ele. O arquivo não tem vírus nem
nenhum programa escondido nem é anzol para vender coisa nenhuma.

A próxima edição será melhor – assim espero.

Gostaria que você me escrevesse, respondendo a três perguntas:

1) Do que você mais gostou?


2) Do que você menos gostou?
3) Quais são suas sugestões para a próxima edição?

Claro, se tiver alguma correção, agradeço muito. Como agradeço a todos os


colegas que me escreveram apontando erros na primeira edição.

Se quiser me escrever, clique aqui. Se quiser me adicionar no Facebook, clique


aqui. No Facebook tenho também uma página profissional, clique aqui para
seguir. Caso tenha recebido este livro de alguém, saiba que meu blogue fica
aqui.

Danilo
Santo André, abril de 2018
Faça uma doação

A partir desta edição, estou convidando os leitores a fazerem doações. Não me


entenda mal: o livro continua e sempre vai continuar grátis. As doações, são
voluntárias: doa quem quer, doa quanto quiser e quanto puder. Se não doar nada,
continuamos amigos do mesmo jeito. Com o produto dessas doações, vou financiar
o prosseguimento de outros projetos e mesmo deste.

Quanto doar? Você é quem sabe. Depende de quanto você acha que vale meu
esforço e de como está sua conta bancária. Qualquer quantia que seja é importante:
de grão em grão, a galinha enche o papo. Não vou agora ficar vendo que doou mais
e quem doou menos e quem não doou nada. Tenho mais que fazer: quando você ler
isto, já vou estar preparando outra edição.

Para doar, clique aqui.

Obrigado.
Sugestões para uma leitura mais proveitosa

COMECE ONDE QUISER, o livro não tem princípio nem fim. Passeie pelos diversos
verbetes a seu bel-prazer. Os verbetes têm indicações de outros correlatos, onde o
assunto recebe maior desenvolvimento, indicados por uma cabeça de seta, assim:

 Can

… Significa que existe um verbete para ȃcanȄ.

Para buscar alguma informação, use Ctrl Shift F, assim, você vai descobrir todas as
vezes que a palavra ou frase aparece no texto. o Ctrl Shift F é um truquinho bobo que
funciona no Acrobat Reader (que é grátis) e em vários outros programas leitores de
arquivos pdf.

O que está entre parênteses é opcional:

(Ele) chegou tarde

…significa que tanto Ele chegou tarde como só Chegou tarde são válidos.

O tachado indica que a construção não é recomendável:

Irei fazer amanhã

Se quiser fazer um comentário, escreva para mim.

Se aceita uma sugestão, comece por Procedimentos Fundamentais de Tradução. É um


bom ponto de partida – mas não é o único. Como disse no princípio, o livro não tem
princípio nem fim.

Só.
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 1
Danilo Nogueira

Aclimatação
A aclimatação não faz parte dos procedimentos fundamentais de
tradução descritos por Vinay e Darbelnet. É uma variante do
empréstimo, em que a ortografia é ajustada de acordo com as regras da
língua de chegada.

Por exemplo, futebol é a aclimatação de football; Ótava é a aclimatação


de Ottawa. Algumas aclimatações pegam; outras, não pegam. Futebol
pegou; Ótava não pegou. Por que umas pegam e as outras não, é
assunto para muito papo de mesa de boteco, mas não existe explicação.

Quando se trata de uma aclimatação ao português, às vezes falamos em


aportuguesamento mas aportuguesamento pode se referir também a
outros processos.

A aclimatação pode ser proposital, obra de alguém irritado com os


anglicismos do texto, como lay-out, que alguns aportuguesam como
leiaute.

Também pode ser acidental: quem não sabe inglês, tem dificuldade
para escrever LAN house e, depois de mil vacilações, acaba escrevendo
lã rause, como já se vê por aí. Quem conhece a grafia original, ri do
disparate, lamenta a ignorância geral do nosso povo, fala mal do ensino
e, depois, liga a TV para assistir a um joguinho de futebol.

 Procedimentos fundamentais de tradução


 Empréstimo

A aclimatação, muitas vezes, reflete uma situação temporária.


Começamos com um empréstimo puro back, para o jogador defensivo
de futebol, que foi aclimatado para beque, que sofre concorrência de
zagueiro um termo considerado mais português, mas que é uma
importação do espanhol platino e do árabe.

Adaptação
A adaptação faz parte do elenco dos procedimentos fundamentais de
tradução descritos por Vinay e Darbelnet. Por ficar num dos extremos
da gama (o outro extremo é o empréstimo), está escarranchado em cima
do muro, com uma perna na tradução propriamente dita e outra na
criação de uma obra nova. Nem sempre é fácil saber em que lado
estamos nós.
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 2
Danilo Nogueira

Na prática, adaptação se refere a uma gama enorme de procedimentos,


que inclui, num extremo, decisões quase inocentes, como traduzir:

They stopped at a drugstore for a soda.


Deram uma parada numa lanchonete, para tomar um refrigerante.

 Transposição

…em vez de

They stopped at a drugstore for a soda.


Deram uma parada num(a) drugstore, para tomar um refrigerante.

…onde drugstore vira lanchonete, porque não há nada na cultura


brasileira que se compare com uma drugstore americana da primeira
metade do século vinte e, no caso, presume-se que a diferença não tinha
relevância.

 Relevância

… até o outro extremo, encontram-se tarefas mais heroicas, como a


adaptação de Lady Chatterley’s Lover para o público infantil, que ficam
fora de nosso escopo. Aqui, vamos nos limitar a falar de adaptação do
lado de cá do muro.

Prós e contras

Os partidários da adaptação afirmam, não sem razão, que, com esse


procedimento, substituímos informações irrelevantes, que só
prejudicam o entendimento, por informações que, por serem mais
conhecidas do leitor, não desviam sua atenção do foco do texto.

Os adversários da adaptação afirmam, não sem razão, que essa


exclusão impede o leitor de se aproximar da cultura do original, que
consideram uma das funções principais da tradução e que, lá pelas
tantas, o texto do autor vira o texto do adaptador.

Em outras palavras, o que quer que você faça, vai haver quem critique.
Faz parte.

A gente sabe onde começa, não sabe aonde vai parar

Num texto bem urdido, as palavras se enlaçam e entrelaçam em uma


teia infinita e de imensa complexidade. Como resultado, quando
mexemos em alguma coisa, afetamos o equilíbrio dessa delicada trama
e colocamos em risco o texto todo, criando a necessidade de mexer em
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 3
Danilo Nogueira

mais mil coisas, correndo o risco de ficar perdidos em incoerências. Esse


é o maior perigo da adaptação.

Além disso, a gente sabe onde começa, mas não sabe onde termina.
Você começa com alguma coisa simples como trocar New York por
São Paulo e aos poucos se vê em palpos de aranha, porque as
adaptações se tornam cada vez mais difíceis, trabalhosas e
indispensáveis. Lá pelas tantas, Chicago virou Rio de Janeiro, mas a
Mary, que tinha virado Maria, continua reclamando do frio, da neve e
da ventania.

O pior

E, ainda por cima o cliente geralmente quer pagar o trabalho ao preço


normal de tradução, a despeito do trabalhão que dá.

 Procedimentos fundamentais de tradução


 Empréstimo

Adições do tradutor
O leitor está interessado no que o autor disse, não no que o tradutor
pensa que ele deveria ter dito. Por isso, limite as adições ao essencial
para ajudar o leitor entender o texto. Há três níveis de adição: expansão,
explicitação e nota do tradutor.

 Expansão
 Explicitação
 Nota do tradutor

As adições devem ser tão discretas e objetivas quanto possível, para não
desviar a atenção do leitor do seu foco principal. Por isso, não se faz
uma nota quando a explicitação basta, não se explicita quando expandir
é suficiente.

Adjetivos em sequência
A tradução fica mais natural se as sequências de dois adjetivos em
inglês forem traduzidas por dois adjetivos separados (ou unidos, sei lá)
pela conjunção e :

He was riding his shiny new motorbike.


Estava pilotando sua moto nova e brilhante.
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 4
Danilo Nogueira

Adjuntos adverbiais introdutórios


Estes são os introductory adverbials, que costumam exigir, além da
transposição do advérbio, a criação de um entorno adequado:

 Transposição
 Transposição do advérbio para substantivo

Perhaps most importantly, the consumer sector is doing considerably


better…
Talvez o mais importante seja lembrar que o setor de consumo está se
saindo consideravelmente melhor.

Oddly enough, he has not said anything about it.


Por (mais) estranho que pareça/possa parecer, (ele) não disse nada a
esse respeito.

Note que o pronome é opcional em português e, no mais das vezes,


desnecessário. Sempre pense duas vezes antes de reproduzir no
português os pronomes de terceira pessoa ingleses

 Termo vicário

Luckily, for Herbert, the gun was not loaded.


Para a sorte de Herbert, a arma não estava carregada.

Gun pode ser qualquer arma de fogo, não só um revólver. O contexto


pode deixar claro se é um revólver, uma pistola ou uma arma longa.
Mesmo que o contexto explique ser um revólver, arma pode ser usada
aqui ou lá para dar variedade, porque o inglês weapon, é bem menos
usual.

Annoyingly for Jack, his brother was late arriving.


O que irritou Jack foi o atraso do irmão.

 Advérbios terminados em -ly


 Transposição

Advérbios terminados em –ly


O problema dos advérbios em -ly é que temos uma certa birra dos
advérbios portugueses homólogos terminados em -mente. Essa aversão,
entretanto, é um problema de estilo: não há regra de gramática
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 5
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proibindo o uso de advérbios em -mente, nem sequer de três ou mais


advérbios terminados em -mente em sequência.

 Estilo
 Gramática e norma culta
 Homólogo

Muitas vezes, a repetição desses advérbios é até proposital e um recurso


de retórica:

Falou claramente, lentamente, pausadamente, como se estivesse


tentando deixar uma marca indelével em nossas mentes.

Costumamos evitar esses advérbios, entretanto, mesmo quando não


vêm aos magotes, porque mesmo dois ou três espalhados num
parágrafo podem causar um eco desagradável, e tornar o texto pesado e
arrastado. O -ly parece mais aceitável que o -mente, talvez por ser
monossilábico. Qualquer que seja a razão, é mais frequente do que o -
mente seria desejável em português.

 Vício de frequência

Como não há regras aplicáveis a problemas de estilo, cada um resolve


conforme lhe dá na veneta e nem sempre a solução dada por um vai
agradar ao seguinte. Aqui, apresento alguns métodos para você
escolher o que mais se adapta a seu contexto e seu gosto particular. Seu
revisor e seu leitor podem discordar, mas isso faz parte da vida.

Começo com os dois mais comuns, mas apresento outros que me


parecem muito úteis e produtivos. Todas as soluções aqui propostas são
casos de transposição.

 Transposição

Fatoramento/fatoração

O método mais simples e trivial que todos nós aprendemos no colégio


para reduzir o número de advérbios terminados em -mente é
transformar todos os membros de uma série, menos o último, no seu
adjetivo feminino homólogo, procedimento às vezes chamado
fatoramento ou fatoração, por analogia a um processo usado em
matemática.

 Homólogo
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Answer the following questions clearly, concisely, and completely.


Responda as perguntas abaixo clara, concisa e completamente.

Funciona, sem dúvida, e é muito recomendável, quase uma praxe. Tem


a limitação de que só funciona em séries e não nos ajuda em nada
quando se trata de um advérbio isolado. Mesmo quando funciona, nem
sempre melhora as coisas:

Sometimes, instead of showing an object clearly, try deliberately


photographing it vaguely, obscurely, or unclearly.
Algumas vezes, em vez de mostrar um objeto claramente, tente
fotografá-lo vaga, obscura ou não claramente.

O exemplo em inglês é canhestro, não há como negar. Mas é autêntico:


tirei da Internet. Lembre-se de que traduzimos textos mal escritos a
toda hora, mesmo nos melhores autores, e temos de aprender a lidar
com eles.

Neste caso, o método do fatoramento deixa de funcionar, porque


repetir o não torna a frase ainda mais pesada. Felizmente, há outras
soluções.

Desdobramento em
de forma , de modo , de maneira + adjetivo.

É muito comum, também, substituir o advérbio por de + [substantivo


muleta] + adjetivo. Assim: em vez de falou claramente, falou de modo
claro. Chamo a esse substantivo de "muleta" porque só serve de apoio
ao adjetivo, o qual, sem ser o núcleo sintático da expressão, é seu núcleo
semântico. Trata-se de um caso de transposição.

 Muleta
 Transposição

Answer the following questions clearly, concisely, and completely.


Responda as perguntas abaixo de modo claro, conciso e completo.

É um método muito querido, mas tem um inconveniente: poucos


substantivos podem servir de muleta. Quantos você conhece? De modo,
de forma, de maneira… quantos mais? Aí, então, a tradução salta da
frigideira para o fogo: sai dos istomente, issomente, aquilomente, para cair
nos de modo isto, de forma isso, de maneira aquilo… Não resolve muito.

Troca do advérbio por adjetivo

Em vez do advérbio, use um adjetivo. Assim:


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The teacher spoke very clearly.


O professor falou muito claro.

Se alguém reclamar, convide para tomar aquela cerveja que desce


redondo, que tudo se resolve.

Troca do verbo por substantivo

Também podemos fazer a transposição do verbo em substantivo. Essa é


uma das operações mais frequentes e úteis para quem traduz do inglês
para o português. Funciona assim: procure um substantivo português
que seja homólogo do verbo inglês.

Por exemplo:

With my glasses on, I can see perfectly.


Com os óculos, tenho visão perfeita.

… onde o verbo see é substituído por seu substantivo homólogo visão.


Essa troca tem duas consequências. Em primeiro lugar, como os
substantivos são modificados por adjetivos, não por advérbios, o
perfectly vai ser traduzido por perfeita. A segunda é que ficamos sem
verbo na frase, o que nos obriga a achar um verbo-muleta, o que pode
ser fácil ou não.

 Colocação
 Homólogo
 Muleta
 Transposição

Podemos dar um passo adiante e formar locuções adverbiais com as


preposições com ou sem somadas a um substantivo homólogo do
advérbio, num processo de transposição:

 Homólogo
 Transposição

He speaks very clearly.


Ele fala com grande clareza.

The importance of clearly and precisely defining biblical truth.


A importância de definir a verdade bíblica com clareza e precisão.

Elocution is the art of speaking clearly and precisely.


Elocução é a arte de falar com clareza e precisão.
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 8
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He folded the letter carefully.


(Ele) dobrou a carta com cuidado.

She drove extremely slowly.


(Ela) dirigia com extrema lentidão.

Nos dois últimos exemplos, e melhor omitir o pronome da terceira


pessoa na tradução. O inglês precisa muito de pronomes, dada a
pobreza de sua morfologia verbal. Em português, entretanto, elipse de
pronome é sempre algo a considerar,

My intent is to sleep carelessly with a smile on my lips and nothing on


my mind.
Minha intenção é dormir sem preocupações, com um sorriso nos lábios
e nada na cabeça.

…bem melhor que de modo despreocupado, concorda? Além disso, é


uma solução especialmente útil quando temos um advérbio
modificando outro, porque, ao transpormos um advérbio para
substantivo, o anterior tem que ser transposto para um adjetivo:

He folded the letter very carefully.


(Ele) dobrou a carta com muito cuidado.

He talks exceptionally loudly.


Ele fala numa altura excepcional.

The Chinese vase was packed more carefully.


O vaso chinês foi embalado com mais cuidado.

The Chinese vase was packed a little more carefully.


O vaso chinês foi embalado com um pouco mais de cuidado.

A solução com em é menos comum, mas igualmente útil:

They had breakfast silently.


Tomaram café em silêncio.

On the Reeperbahnstrasse of Hamburg, Germans drink excessively and


act incredibly stupidly.
Na Reeperbahnstrasse de Hamburgo, os alemães bebem em excesso e se
comportam com incrível estupidez.

Outro exemplo, talvez um tanto mais difícil:

They acted strongly.


Tomaram medidas enérgicas.
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Johnson & Johnson is uniquely positioned…


A Johnson & Johnson ocupa uma posição ímpar…

Sujeitos impessoais

O português faz largo uso de sujeitos impessoais que, muitas vezes,


podem ser a melhor tradução para um advérbio inglês.

Mary Jones reportedly turned down the job offer.


Ao que se diz, Mary Jones rejeitou a oferta de emprego.

Sadly, when the rising chorus of cries …


É lamentável que, …
É triste dizer que…

Agentes ocultos
O português aceita, com bem mais naturalidade do que o inglês, as
construções em que o agente não fica claro.

 Vício de frequência

Coisas como

They gave us cookies.

…onde o agente é o mesmo que o sujeito they, epodem muito bem ser
traduzidas por

Eles nos deram biscoitinhos.

… mas ficam muito melhor se traduzidas

A gente ganhou biscoitinho(s).


Ganhamos biscoitinhos.

… onde o deslocamento do objeto para sujeito acaba ocultando o


agente. (Espero que você tenha entendido bem essa explicação não
sou muito bom nessas coisas e, para resumir, pior ainda. Se não
entendeu bem, escreva para mim e reclame).

Uma transformação dessas envolve modulação, ou seja uma mudança


de perspectiva: em inglês o sujeito é quem deu os biscoitinhos, em
português.
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 10
Danilo Nogueira

 Modulação

…e tem mais uma vantagem: livra o tradutor da praga do pronome do


caso oblíquo

 Pronome oblíquo

Artigos
Meu filho é um médico , disse a mãe orgulhosa de seu rebentinho. Até
aí, nada de especial: muita gente tem filhos médicos. De especial seria
se o filho fosse dois médicos, em vez de um só. De interessante há o fato
de muitas vezes usarmos na tradução artigos que são desnecessários ou
não existem em português, ou deixarmos de adicionar artigos quando
não existem em inglês, mas são necessários ou talvez recomendáveis
em português.

O português não usa artigos:

…entre o verbo e o nome de profissões:

Her other son is a doctor.


O outro filho dela é médico.

…credos, religiões, ideologias, posturas filosóficas:

She’s become a vegetarian.


Ela virou vegetariana.

…instrumentos musicais:

Jane played the piano just for herself.


Jane tocava piano só para si própria

…doenças:

On and off she suffers from a stomachache.


Volta e meia ela tem dor de estômago.

 Equivalência

She has the flu.


Ela está com gripe.
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I have a fever, so I’m staying in bed today.


Estou com febre, então vou ficar de cama hoje.

O português exige artigos

Antes de tarefas ou papéis únicos:

Maureen is captain of the team.


Maureen é a capitã do time.

FBI chief J. Edgar Hoover…


O chefe do FBI, Edgar Hoover…

Chelsea centre-forward Milton Smith…


O centroavante Milton Smith, do Chelsea …

…e em lugar do possessivo com órgãos e partes do corpo:

Close your eyes.


Feche os olhos.

Have you broken your arm?


Você quebrou o braço?

Ever since my teeth were pulled out I can’t eat anything solid.
Desde que arranquei/extraí os dentes, não consigo comer nada sólido.

Note que, em português, a gente extrai os dentes, ao passo que em


inglês a gente tem os dentes extraídos. Essa mudança de ponto de vista
é um caso de modulação.

 Possessivos
 Modulação

She’s become a vegetarian.


(Ela) virou vegetariana.

 He/she

O pronome da terceira pessoa, como tantas vezes, pode ser omitido sem
perda.

 Vício de frequência

Although his father was an Anglican Bishop, he is a Roman Catholic.


Embora seu pai tenha sido bispo da igreja anglicana, (ele) é católico.
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 12
Danilo Nogueira

…com nacionalidades

Germans are good musicians.


Os alemães são bons músicos.

…e antes de adjetivos

Her other son is a great doctor.


O outro filho dela é um grande médico.

He is a good auto mechanic.


(Ele) é um bom mecânico (de automóveis)

He is a very good auto mechanic.


Ele é um mecânico (de automóveis) muito bom.
Ele é um ótimo mecânico (de automóveis).

She has a bad flu.


Ela está com uma gripe forte.

O artigo pode ser opcional em português, mas inexistente em inglês.

Está se tornando cada vez mais comum em português usar artigos antes
de nomes próprios:

Mary wanted more coffee.


(A) Maria queria mais café.

O uso do artigo, nestes casos, varia conforme a região, embora mesmo


quem use artigo, como eu, considere as construções sem artigo mais
formais.

Atenuação
A atenuação, também chamada de adoçamento e mitigação, é a prática de
traduzir palavras ou expressões consideradas ofensivas ou duras
demais por termos mais amenos ou mesmo omitir o que possa ser
considerado ofensivo

Muitas vezes, o tradutor recebe ordem para atenuar, e faz coisas como
traduzir

Fuck you!
Vá para o inferno!
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 13
Danilo Nogueira

... para que o filme escape das restrições da censura por faixa etária.
Acho lamentável e gostaria de viver num mundo em que o tradutor
traduzisse o que encontrava no original e pronto.

Outras vezes, ninguém manda, mas o profissional sabe o que é bom


para seu couro: não faz muito tempo, um intérprete adoçou umas frases
que criticavam o país onde vivia, não por alguém ter mandado, mas por
amor ao pescoço, seu e da família já que nunca falta quem queira
decapitar o mensageiro e mesmo sua parentela. Atacado ferozmente
pela imprensa, alegou que não podia traduzir mentiras. Que outra
mentira podia alegar em sua defesa?

Há, principalmente na interpretação, quem ache que deva adoçar para


evitar brigas:

If you don’t deliver this fucking order before the end of the month we
will find a better provider.
Seria muito importante se sua empresa pudesse fazer a entrega antes do
fim do mês.
Se você não entregar essa porra desse pedido antes do fim do mês vamos
procurar um fornecedor melhor.

…o que, aliás, nos leva à dificuldade de traduzir literalmente


xingamentos, palavrões, baixo calão, impropérios e quejandos.

Não gosto da prática, salvo nos casos, como o mencionado acima, onde
o profissional corre perigo. Acho que cada orador deve assumir a
responsabilidade pelo seus atos e que o receptor tem o direito de saber
o que foi dito para dar resposta à altura.

Numa das raríssimas vezes em que servi de intérprete, um dos


participantes estava insultando seu interlocutor o tempo todo, e eu
seguindo a orientação que tinha lido alhures, atenuando. Lá pelas
tantas, me cansei e traduzi os insultos com casca e tudo. O ouvinte, que
me conhecia havia anos, me olhou furioso e eu lembrei que era só o
tradutor. Ele entendeu e deu uma resposta boa ao mal-educado, que
enfiou o digníssimo rabinho no meio das pernas e parou de se exibir.
Acho que agi bem.

Be able to
Can, como todos os auxiliares modais é defectivo e os buracos na sua
conjugação são preenchidos por torneios com be able to. Como o nosso
verbo poder não tem nada de defectivo, pode tranquilamente ser usado
onde em inglês é necessário usar uma forma de be able to:
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 14
Danilo Nogueira

Spending limits are part of a limits package and will be able to be


configured…
Os limites para gastos fazem parte de um pacote de limites e vão poder
ser configurados…

Soluções como

…terão a possibilidade de serem configurados

… embora perfeitamente corretas, é bom evitar, porque transferem para


o português um problema que nossa língua não tem.

Note que, em português, a colocação mais comum é fazer parte, ao


passo que em inglês é are part.

 Can
 Colocação

Belles Infidèles
Essa expressão francesa significa tanto as belas que são infiéis como
as infiéis que são belas . Esse fato, associado ao fato de que tradução
e seus homólogos são do gênero feminino em todas as línguas
românicas, deu origem a numerosas histórias de gosto duvidoso sobre a
infidelidade de mulheres belas e sobre a beleza das mulheres infiéis.

Tecnicamente, entretanto, o termo se aplica a publicações que passam


por traduções, mas são adaptações de textos em língua estrangeira
àquilo que seu redator julga ser o gosto de seu povo e sua época.

Dependendo da habilidade de quem faz, podem até ter mérito literário,


mas como traduções não servem de parâmetro de qualidade pelo
menos na minha opinião.

Não deixam de ser uma forma de adaptação, mas como digo no verbete
apropriado, a adaptação fica escarranchada em cima do muro, com uma
perna na tradução e outra fora dela e, no meu entender, as belles infidèles
estão na perna externa à tradução.

 Adaptação
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 15
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Bíblia
Como os originais da Bíblia estão em hebraico, aramaico e grego, toda
citação bíblica em inglês é uma tradução mas aquele caso interessante
em que a tradução se torna um novo original. Porém, tanto em inglês
como em português, há várias traduções da Bíblia e as divergências
entre elas queiramos ou não são muito significativas.

Por isso, se topar com uma citação bíblica no seu texto, não adianta
tentar procurar uma boa tradução em português, para copiar o que
diz lá, porque a boa tradução pode dizer alguma coisa bem diferente
do que disse o autor do original. O que você precisa é de uma tradução
bem próxima da tradução usada no seu texto inglês. Isto significa que a
melhor solução pode ser você traduzir o texto, preservando os atributos
relevantes que o autor achou relevantes, sem se preocupar com
qualquer tradução existente em português.

Se for leitor da Bíblia, não se deixe levar pela sua tradução predileta: a
do texto que você está traduzindo pode dizer algo bem diferente. Se
não acredita, veja estes exemplos, todos de Juízes, 3:24:

Primeiro em inglês:

King James: Surely he covereth his feet in his summer chamber.

Douay-Rheims: Perhaps he is easing nature in his summer parlour.

God’s Word: He must be using the toilet, they said.

New King James Version: He is probably attending to his needs in the cool
chamber.

Bible in Basic English: It may be that he is in his summer-house for a


private purpose.

… e agora em português:

João Ferreira de Almeida: Sem dúvida está cobrindo seus pés na recâmara
da sala de verão.

J. F. Almeida atualizada: Sem dúvida ele está aliviando o ventre na privada


do seu quarto.

A Bíblia na linguagem de hoje: Então pensaram que o rei tinha ido ao


banheiro.
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 16
Danilo Nogueira

Bíblia de Jerusalém: Sem dúvida, ele cobre os pés no retiro da sala arejada.

Por mais que se aceite que covereth his feet seja um eufemismo para
evacuando e por mais que a fé do tradutor leve a preferir A Bíblia na
linguagem de hoje , se o original disser Surely he covereth his feet in
his summer chamber, não cabe traduzir a citação dele por Então
pensaram que o rei tinha ido ao banheiro.

 Original
 Fidelidade
 Relevância
 Voz do tradutor

Bibliografia
Este tópico fala sobre como tratar das bibliografias incluídas em uma
tradução. Para saber quais livros consultamos para escrever este texto,
veja Obras consultadas.

 Obras consultadas

Bibliografia é uma lista padronizada dos livros consultados pelo autor.


Por isso, os nomes dos livros não devem ser traduzidos. Se o autor diz
que consultou:

Karl Popper: The Logic of Scientific Discovery (Routledge Classics)


2nd Edition.

…não é correto dizer que ele tenha consultado

A lógica da pesquisa científica. Karl A. Popper. Tradução de Leonidas


Hegenberg e Octanny Silveira da Mota. Editora Cultrix. São Paulo
1985.

…em primeiro lugar, porque não é esse o livro que ele consultou. Em
segundo, porque a tradução em português talvez difira do original e,
sabendo você como sabe, que Murphy reina, é bem possível que a
diferença esteja exatamente naquele ponto que o autor está elaborando,
como, aliás, se vê pelo título da obra de Popper citada.

Se houver tradução portuguesa e se o cliente pedir e pagar acho


válido adicionar:
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 17
Danilo Nogueira

Publicado no Brasil como: A lógica da pesquisa científica. Karl A.


Popper. Tradução de Leonidas Hegenberg e Octanny Silveira da Mota.
Editora Cultrix. São Paulo 1985.

Mesmo que o livro seja originalmente brasileiro, se a edição consultada


estava em inglês (ou qualquer outra língua), é essa a que deve ser
constar da tradução brasileira:

Chapters of Brazil’s Colonial History 1500-1800 (Library of Latin


America), by João Capistrano de Abreu (Author), Arthur Brakel
(Translator), Stuart Schwartz (Introduction), Fernando A. Novais
(Contributor)

… não diga que ele leu os

Capítulos de história colonial. Abreu, João Capistrano de. Itatiaia.

…embora possa adicionar esse dado à informação bibliográfica.

Caçar traduções brasileiras de livros estrangeiros, não é tarefa do


tradutor, mas sim de bibliotecário. Caso o tradutor se julgar capacitado
para a tarefa e resolver aceitar, deve contratar separadamente, com
preço superior ao da tradução, porque, lauda por lauda, palavra por
palavra, ficar atrás de traduções brasileiras de livros estrangeiros
demora bem mais do que traduzir e, portanto, deve custar bem mais
caro.

Cacófatos
A cacofatomania, a mania de encontrar cacófatos em todo o canto, é
uma patologia que afeta a tradutores, revisores, críticos e leitores
igualmente. Para ela, o único remédio é o bom senso. Este livrinho não
tem um verbete sobre bom senso .

No primeiro livro que traduzi, levei um puxão de orelhas por ter usado
por causa , sob a justificativa de que por causa ia ser lido como
porca usa . Desculpe, mas não acredito que qualquer pessoa com
mentalidade normal fosse ler por causa como porca usa . Continuo
usando por causa . Aliás, estou em boa companhia: encontrei
exemplos em Machado e no Padre Vieira, que, ao que eu saiba, são
melhores conselheiros que o revisor da editora.

Claro, se o cliente quiser, a gente troca. Mas continua sendo bobagem.


Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 18
Danilo Nogueira

Can/could
Can é um verbo auxiliar modal. Como todos eles, é defectivo. Onde
falta, muitas vezes é substituído por circunlóquios formados a partir de
be able to. Mesmo assim, é carente de tempos progressivos.

 Verbos auxiliares
 Be able to

Sua tradução canônica é poder:

Can we start?
Podemos começar?

You can’t go swimming.


Você não pode ir nadar.

Entretanto, temos também conseguir e ser capaz, que refletem melhor a


ideia de que é preciso fazer algum esforço, de que talvez seja
impossível:

Can you lift this table?


Você consegue levantar esta mesa?
Você é capaz de levantar esta mesa?

Ser capaz e conseguir não são sempre intercambiáveis:

Can’t find the specific download you want?


Não é capaz de encontrar o programa que quer baixar?
Não está conseguindo encontrar o programa que quer baixar?

… têm sentidos diferentes. A primeira é quase uma acusação de


incompetência, ao passo que a segunda é mais genérica e inclui a
possibilidade de que a pessoa não esteja conseguindo encontrar o
programa por problema ou deficiência do sistema.

Note que, na segunda opção, estamos usando um tempo progressivo


em português, opção que seria impossível em português. Cabe ao
tradutor o dever de explorar esses recursos do português de que o
inglês não dispõe em vez de ficar preso às construções paralelas.

Num texto mais coloquial, dar pode ser a melhor tradução:


Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 19
Danilo Nogueira

You can't swim in that beach.


Não dá para nadar naquela praia.
É proibido nadar naquela praia.
Não se pode nadar naquela praia.

 You

Can you lift this table?


Dá para você levantar esta mesa?

Saber normalmente é a tradução mais correta quando se trata de


habilidade ou capacidade intelectual, como, por exemplo, falar uma
língua ou tocar um instrumento musical:

Few of the tourists could speak English.


Poucos dos turistas sabiam falar inglês.

Magda could speak three languages by the age of six.


(A) Magda sabia falar três línguas aos seis anos de idade.

She can play the piano very well.


Ela sabe tocar piano muito bem.

Entretanto, nesses casos, muitas vezes é mais idiomático simplesmente


nem traduzir o can:

Few of the tourists could speak English.


Poucos dos turistas falavam inglês.
Poucos dos turistas sabiam falar inglês.

Magda could speak three languages by the age of six.


Magda falava três línguas aos seis anos de idade.
Magda sabia falar três línguas aos seis anos de idade.

She can play the piano very well.


Ela toca piano muito bem.
Ela sabe tocar piano muito bem.

É só o contexto que pode nos dizer quando can é poder e quando


significa saber:

She can play the piano very well.


Ela sabe tocar piano muito bem.

Mas:
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 20
Danilo Nogueira

She can play the piano, but she will not be allowed to dance.
Ela pode tocar piano mas não vai poder dançar.

Note a diversidade de traduções no português:

He can’t ride a bike.


Ele não pode andar de bicicleta.
(Tem um problema físico que impede.)
Ele não sabe andar de bicicleta.
(Não aprendeu.)
Ele não pode andar de bicicleta.
(Não é permitido, não deixam.)
Ele não consegue andar de bicicleta
(Até se esforça, mas tem um problema físico que impede.)

É só uma leitura cuidadosa do contexto que pode dizer qual a


alternativa correta e cabe a nós a escolha da tradução correta.

Numa pergunta, é bem idiomático usar frases auxiliares, do tipo de será


que, principalmente num registro informal:

Can he ride that bike? Seems too big for him.


Será que ele consegue andar naquela bicicleta? Acho que é grande
demais para ele.

Quando o verbo principal exprime uma sensação, tal como ver ou


ouvir, é o verbo estar que traduz melhor:

Can you see the small boat?


Está vendo o barquinho?

Can you hear me clearly?


Está me ouvindo bem?

Can com verbo principal na passiva muitas vezes pode ser melhor
traduzido por possível (ou sua negação) como parte de um predicado
nominal:

That guard cannot be bribed.


Não é possível subornar aquele guarda.
É impossível subornar aquele guarda.
Não dá para subornar esse guarda.
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 21
Danilo Nogueira

Could

Em teoria, could é só o passado de can. Na prática, é também uma


forma mais atenuada e cortês:

Could you please help me?

…está longe de ser o passado de

Can you please help me?

… é muito mais uma forma mais suave e delicada de pedir ajuda. Às


vezes, dependendo do contexto, e do registro

Será que você pode me ajudar?

…seria uma tradução adequada.

Os tempos progressivos

Como todos os auxiliares, can não pode ser usado nos tempos
progressivos, o que significa que temos uma escolha a fazer, uma
decisão tradutória a tomar.

I cannot see the §§§

Chavões
Um chavão, também chamado clichê , é uma expressão, batida,
fossilizada. Clichês devem ser traduzidos por clichês, até para manter o
estilo. Às vezes é fácil:

He was drunk as a skunk.


Estava bêbedo como um gambá

Neste caso, a tradução é literal e até tenho uma leve impressão de que o
português é um decalque do inglês, já enraizado na nossa fraseologia.

 Tradução literal

Nem sempre é tão fácil:

She avoided him like the plague.


Ela fugia dele como o diabo foge da cruz.
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 22
Danilo Nogueira

…, que é uma equivalência, exige um pouco de memória e um


repertório um pouco maior do português.

 Equivalência

Às vezes, as diferenças de sentido podem parecer significativas, mas


não são:

His bark is worse than his bite.


Cão que ladra não morde.

Quando o autor usa muitos chavões, mesmo que não consigamos


traduzir todos eles por chavões portugueses, é um sinal de que a
compensação pode se fazer necessária.

 Compensação

Colocação
Embora a Nomenclatura Gramatical Brasileira reserve colocação para a
ordem das palavras na frase, o termo é cada vez mais usado como
referência para o que se chama em inglês collocation, quer dizer,
combinações vocabulares convencionais.

Casaco, a gente veste; sapato, a gente calça. Ficaria muito estranho dizer
calça o casaco, veste o sapato . São chamadas convencionais por serem
fruto da convenção, nada mais. A gente calça (e não veste) sapato
porque sapato se calça, não se veste. Ou seja, não há uma explicação
mais lógica do que a famosa explicação da mamãe: porque é assim que
se diz e pronto.

No entanto, é comum ver jogar um papel em vez de desempenhar um


papel, ou fazer uma decisão em vez de tomar uma decisão.

 Contaminação

Muitos erros bisonhos podem ser evitados lembrando destas três


regras:

O objeto condiciona o verbo:

Make a box of tools.


Fazer uma caixa de ferramentas.

…mas…
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 23
Danilo Nogueira

Make a decision.
Tomar uma decisão.

O verbo determina a preposição:

Dream of…
Sonhar com

…mas…

Think of…
Pensar em…

…mas…

Like
Gostar de

O substantivo determina o adjetivo:

Grey suit
Terno cinza

…mas…

Grey hair
Cabelo grisalho

…mas…

Brown suit
Terno marrom

…mas…

Brown eyes
Olhos castanhos

Compensação
A compensação não faz parte dos procedimentos fundamentais de
tradução descritos por Vinay e Darbelnet. Seu objetivo é restaurar num
ponto da tradução uma perda inevitável sofrida em outro. É uma
espécie de revanche: a gente apanha lá, mas se vinga aqui.
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 24
Danilo Nogueira

 Procedimentos fundamentais de tradução

Um exemplo:

She ain’t no good!


Ela não vale nada.

O original, com sua dupla negativa e ain’t mostra uma violação da


norma culta, que marca o locutor como pessoa pouco culta, uma
característica que não é fácil reproduzir em português nesta frase. Há
quem, nesses casos, use num em vez de não, o que, a meu ver, não
resolve o problema. Frustrante. Mas, aí a gente se vinga na outra frase,
onde diz:

Last week we went to the movies…

…que é gramaticalmente correto e estilisticamente mais neutro em


inglês, e ataca de

Semana passada nós foi no cinema…

…provando que um dia é do caçador, mas o outro é da caça.

Contaminação
Contaminação é a absorção indevida de características da língua de
partida no texto de chegada. É o escrever português com sotaque
inglês, embora o português seja nossa língua nativa. Um mal que aflige
a maioria de nós e do qual muitos não se dão conta.

 Estilo
 Gramática e norma culta

Nossos tempos de escola

Um bom modo de abordar a contaminação é lembrar do seu tempo de


escola? Como era difícil entender que:

– Entendeu a pergunta?
– Entendi! Entendi muito bem!

…em inglês deveria ser…

Did you understand the question?


Yes I did! I understood it very well.
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 25
Danilo Nogueira

… quando a nós parecia muito mais natural dizer…

Understood the question?


Understood! Understood it very well.

Por que a professora sofria tanto (e nós com ela) para aprendermos a
dizer essas coisas?

Ensinar a todos nós que os pronomes do caso reto eram indispensáveis,


quando, na aula anterior, o professor de português tinha puxado nossas
orelhas pelo excesso de pronomes em nossas redações, deve ter custado
muito aos professores, como também deve ter custado ensinar o uso
apropriado dos auxiliares como termo vicário.

Na ânsia de aprender inglês, muitas vezes nos esquecemos do nosso


português e deixamos nosso texto ser contaminado pela montoeira de
pronomes e outros termos vicários que no inglês são essenciais, por
torneios e colocações que são diferentes nas duas línguas.

 Termos vicários
 Colocações

Para traduzir bem do inglês para o português, é bom lembrar das aulas
de inglês do colégio e fazer tudo ao contrário, assim, a gente escreve
português direito.

Além disso, é necessário ler em português furiosamente para


internalizar coisas a que muitos de nós deixaram na fúria de aprender
inglês.

A contaminação cria o tradutorês.

 Tradutorês

Contexto
Mais importante do que qualquer dicionário ou glossário, é o contexto,
ou seja, o texto que está à volta da palavra ou expressão que você está
traduzindo. Por isso, pedir ajuda a alguém para traduzir um termo sem
dar contexto é errado. Também é errado, em vez de contexto, dizer o
assunto de que trata o texto ou dar a definição do termo. Contexto é
uma ou mais frases do texto.

O contexto nos ajuda, também a identifica erros no original. É só o


contexto que permite saber que:
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 26
Danilo Nogueira

Principle parts of the Greek verb

…são os

Tempos primitivos do verbo grego

e não

Partes do princípio do verbo grego

 Erros no original
 Relevância

Também é o contexto que nos ajuda a acertar o estilo da tradução


quando é necessário usar o recurso de compensação.

 Compensação

Correção política
As escolhas do autor refletem seus próprios vieses políticos e
filosóficos, que fazem parte integrante da mensagem e, por isso, devem
ser respeitadas, mesmo que não estejamos de acordo com elas.

A stinking jew
Um judeu fedido
Um judeuzinho fedido

Outras vezes, o termo politicamente incorreto reflete a idade do texto:

A cripple
Um aleijado

…pode indicar um texto anterior ao momento em que a palavra cripple


se tornou socialmente inaceitável e traduzir

A poor cripple, unable to walk beyond the limits of her own garden.
Uma senhora com necessidades especiais, incapaz de caminhar além dos
limites de seu próprio jardim.

...é uma traição a Trollope, o autor da frase. Melhor traduzir por:

A poor cripple, unable to walk beyond the limits of her own garden.
Uma pobre aleijada, incapaz de caminhar (/ir/passar) além dos limites
de seu próprio jardim.
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 27
Danilo Nogueira

Se Trollope tivesse escrito nos tempos de hoje, talvez não tivesse usado
a palavra cripple, mas sucede que ele não escreveu nos tempos de hoje e
não usar o termo aleijado, seria uma adaptação, não uma tradução.

 Adaptação

Claro que, pelo andar da carruagem, vai chegar um tempo em que


pouca gente ainda saiba o que é um aleijado e então, as novas
traduções vão ter que fazer opções diferentes, mas toda tradução é
passageira.

Muitas vezes, o texto chega a ser revoltante:

A dirty nigger.
Um negrinho sujo.

Se não tiver estômago para traduzir, recuse o encargo. Mas se aceitar,


traduza direito.

Cortes
Eliminar partes do texto sob a alegação de que não interessariam ao
leitor brasileiro ou ao leitor moderno é crime de lesa-original, salvo se
ficar claramente indicado que se trata de um resumo ou adaptação. Se o
cliente mandar, bom, paciência, mas, nesses casos, não gostaria de ver
meu nome associado à tradução.

 Adaptação
 Belles infidèles

Decalque
Este é um dos procedimentos fundamentais de tradução descritos por
Vinay e Darbelnet. No decalque, os elementos constitutivos de um
sintagma são traduzidos literalmente, criando algo de novo na língua
de chegada. Foi por decalque que muitas palavras entraram na língua:

All he wanted was a Coke and a hot dog.


Tudo o que (ele) queria era uma Coca e um cachorro-quente.

Neste caso, em que cachorro-quente se refere ao sanduíche e não ao


animal propriamente dito (espera-se), temos um decalque. Podíamos
ter dito hot-dog, mas isso seria um empréstimo. Muitas vezes, o
decalque compete com o empréstimo: há quem diga cachorro-quente,
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 28
Danilo Nogueira

mas há quem diga hot dog e há quem diga ora um, ora outro. Parece
que, neste caso, o empréstimo está vencendo.

 Empréstimo

Por outro lado, outras vezes vence o decalque. Os nomes das posições
no jogo de futebol, que antigamente eram todos em inglês, hoje são
todos em português e, em vários casos, são decalques, como center-
forward que virou centroavante, antes tendo passado por um processo
de aclimatação.

 Aclimatação

Os mais velhos vão se lembrar do tempo em que:

Give me a ring!
Telefona para mim!

 Transposição

… era a frase normal, até que surgiu

Give me a ring!
Me dá um toque!

…um decalque hoje plenamente aceito.

Alguns torneios de frase são tão bem-sucedidos que deixam de ser


percebidos como decalque e se integram à língua de chegada. Por isso,
nem sempre é fácil determinar o que seja decalque. O termo, em si,
reflete um momento histórico, uma transição. Já ninguém precisa
explicar o que é um cachorro-quente. Por outro lado, já ouvi mais de
uma pessoa dizendo um sanduíche (ou: um lanche) de cachorro-quente,
o que indica que até os decalques podem mudar de sentido com o
tempo.

Os decalques costumam ser mal recebidos e tachados de anglicismo,


nefastas ameaças à sobrevivência da língua. Se vão ser absorvidos na
estrutura geral do português, só o tempo pode dizer.

Delimitação em sintagmas nominais


Nem sempre é fácil delimitar corretamente os sintagmas nominais. Veja
este exemplo:
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 29
Danilo Nogueira

The instructor will present, model, and discuss presentation concepts


and techniques.

Não há recurso sintático que nos permita saber se o presentation se


refere tanto a concepts como a techniques. O sentido nos faz crer que
seja a ambos, então, podemos traduzir sem (muito) medo como

The instructor will present, model, and discuss presentation concepts


and techniques.
O instrutor vai apresentar, modelar e discutir conceitos e técnicas de
apresentação.

Às vezes, entretanto, a coisa complica:

International trading and liquidity

O adjetivo se refere a ambos os substantivos, ou só a trading? Na


verdade, só a trading, mas é algo que só o conhecimento e o contexto
nos ajudam a entender.

Não há uma regra para definir a referência do adjetivo que eu conheça.


Existe, sim, o cuidado de ir do primeiro adjetivo até o substantivo final,
que constitui o núcleo sintagmático e analisar a situação.

 Contexto

Dicionários
Por bons que sejam, todos os dicionários e glossários são incompletos e
contêm erros. Por isso, devem ser usados sempre com uma pitada de
bom senso. Este livrinho não tem um verbete sobre bom senso .

Além disso, nunca se esqueça que a tradução começa depois de você


fechar o dicionário.

Do lado inglês

É sempre bom lembrar que o seu texto pode estar usando uma palavra
ou expressão numa acepção que não conste no dicionário, ou por ser
um neologismo, ou por erro de revisão, ou por, simplesmente, erro do
autor. Nesses casos, como sempre, manda mais o contexto que o
dicionário.
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 30
Danilo Nogueira

Do lado português

Não é por a palavra estar no dicionário que você pode usar. O


dicionário, qualquer dicionário, tem uma quantidade enorme de
palavras que existem, já foram usadas e tal, mas são absolutamente
impróprias para o texto que você está escrevendo.

Por outro lado, não é por que a palavra não está no dicionário que não
pode ser usada: todo dicionário está, por natureza, desatualizado e o
seu texto pode exigir o uso de um neologismo.

 Neologismo
 Gramática e norma culta
 Estilo

Dinheiro
De modo geral, valores monetários não devem ser convertidos em
moeda brasileira, principalmente na tradução literária e mesmo na
tradução editorial em geral. Num livro,

…a fifty-dollar bill
…uma nota de cem cruzados

…é o tipo da tradução que eu não recomendo. Em primeiro lugar, não


se tratava de uma nota de cem cruzados. Em segundo lugar, converter
valores monetários abrevia a vida do texto: a taxa de câmbio muda,
muda até o nome da moeda e a tradução envelhece com maior rapidez.
Quem sabe hoje o que eram cem cruzados? Depois, porque muda, sem
necessidade, o ambiente dos EUA para o Brasil e, ainda por cima, fixa
um período (1986-1989) durante o qual essa moeda foi usada.

Vários países usam dólar como moeda e às vezes, o original marca de


que tipo de dólar estamos falando:

She found a Canadian Dollar in her purse.


Encontrou um dólar canadense na bolsa.

Note, também a omissão do pronome e do possessivo, que são


indispensáveis em inglês, mas peso morto em português.

 Relevância
 He/she
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 31
Danilo Nogueira

Em textos mais formais, como contratos ou tratados internacionais,


prefiro dólares dos Estados Unidos da América a simplesmente
dólares.

Dólar é palavra aclimatada e dicionarizada, portanto se escreve de


acordo com as regras ortográficas e morfológicas do português: acento
agudo na primeira vogal, plural em -es e maiúscula só quando as regras
de ortografia exigirem, o que significa, na maioria das vezes, só quando
iniciar período. Em outras palavras, escrever dollar em português é
simples erro de ortografia.

 Aclimatação

Em trabalho de ficção, é preferível escrever os nomes das moedas


estrangeiras por extenso. Quando tiver de usar símbolos use US$ como
símbolo do dólar dos EUA, em vez de só o cifrão, como fazem nos
EUA. Se o original usar USD, use o USD também na tradução.

Reserve o cifrão simples para símbolo de qualquer moeda , como, por


exemplo, se usa em textos de economia, contabilidade ou matemática
financeira, onde…

Consider the hypothetical returns on $100 invested in Stock A and


Stock B.
Considere o retorno hipotético de $ 100 investidos na Ação A e na Ação
B.

…não significa um investimento de dólares dos EUA. Trata-se do


enunciado de um problema de matemática financeira e não faz
diferença usarmos dólares, dracmas, dinares da Baixa Eslobóvia ou
qualquer outra moeda.

Deixe um espaço entre o cifrão e o primeiro algarismo (sim, sei que em


inglês vai tudo junto). Para impedir que o cifrão fique numa linha e o
algarismo em outra, use o espaço inseparável (Ctrl Shift Espaço no
Windows, Option-Space no Mac).

Exceções

Em textos jornalísticos, ou outros textos para os quais se espere vida


breve, pode-se agregar um valor aproximado em moeda nacional, entre
parênteses ou como aposto. Nesse caso, arredonde o valor em moeda
nacional:
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 32
Danilo Nogueira

Lunch for two cost us less than $50.


Um almoço para dois custou menos de US$ 50 (cerca de R$ 200,00,
pelo câmbio de hoje).

 Explicitação

Arredondamento

Mesmo que pelo câmbio do dia US$ 50,00 correspondam mais


exatamente a R$ 198,57, não faz sentido chegar a esse nível de precisão,
não só porque as taxas variam de um dia para o outro, mas também
porque o próprio less than indica que mesmo o inglês é uma
aproximação.

Moeda britânica antiga

Até 1971, a libra esterlina se dividia em 20 shillings e o shilling em 12


pence, que era o plural de penny, abreviados £, s, d. Em 1971, foram
abolidos os schillings, mas ficaram os pence, com valor diferente,
primeiro como new pence, mas o new foi abandonado em 1981.

Em português, há quem prefira grafar pêni, como está no Houaiss, por


ser a forma "correta". O Houaiss também diz que o plural de pêni é
pênis, mas não pegou e, para evitar o pênis, havia até quem
pudicamente escrevesse peniques, o que etimologicamente está até que
bom, mas também não pegou. Também se recomendava escrever xelim,
o que também não pegou. O uso é, realmente, manter os nomes
originais.

 Empréstimo

Os ingleses tinham outras moedas, como a crown, que valia 5 shillings


e normalmente se traduz por coroa e a half-crown, que se traduz por
meia coroa. O guinea, normalmente traduzido como guinéu valia 21
shillings. Hoje, embora oficialmente não exista, entende-se que valha £
1,05. Esses nomes ainda são usados eventualmente, mas as moedas não
são mais cunhadas. Na tradução literária e em textos antigos, aparecem
o tempo todo. O sovereign é uma moeda de uma libra e, muitas vezes,
se traduz por soberano.

Como nem todos os leitores sabem dessas coisas, pode ser útil traduzir
por uma moeda de...

A box containing a shiny half-crown and three handkerchiefs….


Uma caixa com uma moeda brilhante de meia coroa e três lenços…
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 33
Danilo Nogueira

 Explicitação

Em todos esses casos, é desnecessário apor notas de tradutor longas e


eruditas. Quanto menos, melhor.

Distorção
Na natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma ou ao
menos era o que dizia Lavoisier. Em tradução, sempre alguma coisa se
cria e sempre se perde alguma coisa, o que talvez prove que tradução
não é uma atividade natural. O que ganha e o que se perde é o que
chamo distorção. Quanto menor a distorção, melhor a tradução.

Mesmo numa frase simples como

They had breakfast silently.


Tomaram café em silêncio.

…estamos agregando um café, que os personagens talvez não tenham


tomado. Seria mais preciso dizer:

They had breakfast silently.


Tomaram o de(s)jejum em silêncio.

…mas é uma palavra bem mais rara, que levaria a tradução a um


registro que ela não tem em inglês.

Para minimizar a distorção, é essencial preservar o que é mais


relevante. No caso, tomaram o café em silêncio, indica que, ao ver do
tradutor, é mais relevante referir-se à refeição matinal pelo nome que
ela normalmente traz em português do que não se referir a uma bebida
que pode ter sido consumida ou não.

 Vício de frequência
 Relevância

Do/did
O uso do verbo pleno to do, não nos causa grandes problemas.
Entretanto, seu uso como verbo vicário ou elemento de ênfase podem
nos dar dores de cabeça.
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 34
Danilo Nogueira

Verbo vicário

Do/did são usados como verbos vicários para responder a perguntas


feitas com o próprio do. Nestes casos, prefiro dar a resposta com o
próprio verbo principal:

Did you read the book?


Yes, I did.
Você leu o livro?
Sim, eu o fiz!
Sim, li.

Essa construção me parece mais idiomática (ainda lembro quanto me


custou para aprender a responder yes, I did em vez de yes, I read).
Além disso, evita um pronome oblíquo, algo que, no meu entender, é
sempre uma vantagem. Pronomes oblíquos trazem consigo os
problemas de colocação que costumam ser complicados: aquilo que a
gramática e o revisor exigem, nem sempre é o que a língua acha
natural. Melhor evitar.

 Contaminação
 Termo vicário
 Pronomes oblíquos

She said she would write John, but she didn’t.


Disse que ia escrever para o John, mas não escreveu.

Will she come? She may do.


Será que ela vem? É (bem) capaz de vir.
Será que ela vem? Talvez venha.

Muitas vezes, o melhor é omitir:

You know as much as I do.


Você sabe tanto quanto eu.

 Economia vocabular

Também são usados como vicários nas tag guestions:

She spoke German at home, didn’t she?


Ela falava alemão em casa, não falava?

Nesses casos, sempre prefiro, reutilizar o verbo principal do que


traduzir o do literalmente. A mim, parece mais idiomático repetir o
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 35
Danilo Nogueira

verbo principal do que inçar meu texto de formas do verbo fazer o


que é pular da frigideira para o fogo.

… warned the West to stay out, and threatened World War III if they
didn’t.
… avisou o Ocidente que devia manter distância e ameaçou começar a
Terceira Guerra mundial, caso não mantivesse

 Modulação

Enfatizador

Do aparece muito em afirmativas no presente, só para dar ênfase:

Should you come to London, do come have lunch with me.


Se vier a Londres, não deixe de vir almoçar comigo.
Se vier a Londres não se esqueça de vir almoçar comigo.

Além do uso especial de should, temos o tratamento da ênfase como,


digamos, a negativa de privação , o que é um caso de modulação.

 Should
 Modulação

Economia vocabular
O princípio da economia vocabular diz que, em igualdade de
condições, a tradução mais breve é a melhor. Veja os exemplos:

A charming image of a peasant woman.


Uma imagem encantadora de uma mulher camponesa.
Uma imagem encantadora de uma camponesa.

A black man
Um homem negro
Um negro

To many people, the arguments presented…


Para muitas pessoas, os argumentos apresentados…
Para muitos, os argumentos apresentados…

Uma das principais ofensas a esta lei está no hábito de traduzir todos os
pronomes e possessivos ingleses pelos seus homólogos portugueses:
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 36
Danilo Nogueira

I sold my house last year.


Eu vendi minha casa no ano passado.

…que podia ser facilmente substituído por

I sold my house last year.


Vendi minha casa no ano passado.

…aliás, em muitos contextos,

I sold my house last year.


Vendi a casa no ano passado.

…daria conta do recado, já que, em português, a explicação de qual


casa foi vendida geralmente é necessária só quando não se trata da
residência do locutor.

 Possessivos

Também temos os casos dos aumentativos e diminutivos, tão comuns


em português e tão raros nas traduções

Can you see the small boat?


Está vendo o pequeno barco
Está vendo o barquinho?

 Pronomes
 Possessivos
 Vício de frequência

Empréstimo
O empréstimo é um dos procedimentos fundamentais de tradução
descritos por Vinay e Darbelnet. Por estar num dos extremos da gama
(o outro extremo é a adaptação), é um procedimento limítrofe entre a
tradução propriamente dita e a não tradução. Consiste em usar, no
texto de chegada, o mesmo termo encontrado no texto de partida.

The images provide a fascinating insight into the prejudices…


As imagens dão um insight fascinante sobre os preconceitos…

Um insight, na opinião de quem traduziu porque tradução é, entre


outras coisas, uma questão de opinião é diferente de uma ideia, de
compreensão ou entendimento ou de qualquer outra palavra
portuguesa. Outros podem e vão divergir.
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 37
Danilo Nogueira

A rigor, não há palavra portuguesa que tenha exatamente o mesmo


sentido que uma palavra inglesa, o que, em princípio, justificaria todo e
qualquer empréstimo e já vi um tradutor atarantado com judge, que
não queria traduzir por juiz, porque há diferenças enormes entre o
cargo, funções e desempenho de e de outro.

Por isso, a decisão entre usar ou não um empréstimo deve se basear não
na existência de diferenças, mas sim na sua relevância no contexto.

 Contexto

Com o tempo, se a palavra ou expressão se tornarem comuns, a língua


muitas vezes acaba por adotar uma solução mais portuguesa, talvez um
decalque, ou ao menos, uma simples aclimatação.

All downloads are provided under the terms and conditions…


Todos os programas que você baixar estão sujeitos aos termos e
condições…

Football is the most popular sport in Brazil.


O futebol é o esporte mais popular no Brasil.

 Aclimatação
 Decalque

Outras vezes, a importação se dá só por exotismo ou para manter o


prestígio: usar palavras estrangeiras é e sempre foi considerado chique,
não só em português, isso não é de hoje nem vai mudar nunca.

Tratamento dos empréstimos

Teoricamente, todos os empréstimos deveriam ser grafados em itálico.


Entretanto, em certas áreas, são tantos que, esse tratamento se torna
impossível. Aqui, além das preferências do cliente, importa o bom
senso. Este livrinho não tem um verbete sobre bom senso .

Quando o empréstimo é um verbo, vai automaticamente para a


primeira conjugação, mas quando tomamos emprestado um
substantivo, é necessário determinar seu gênero morfológico. O
problema é que não existem regras infalíveis para determinar o gênero
gramatical em português.

Temos diversos exemplos de palavras que ainda causam confusão,


nesse sentido: algumas pessoas dizem o cheesecake (pensando em
cake, bolo, faz sentido), outras dizem a cheesecake (pensando que é
muito mais uma torta que um bolo, o que também faz muito sentido).
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 38
Danilo Nogueira

Em informática, é comum dizermos a URL, apesar de ser um


localizador. No mesmo caminho, pen drive, HD e outros termos
também são usados como masculino por uns e feminino por outros.

Qualquer escolha é um risco, neste e em outros casos. Havendo tempo,


é bom perguntar a duas ou três pessoas que gênero acham que cabe
bem mas nunca há tempo. Ouvir a opinião do cliente, aqui, é
importante. Manter a uniformidade, quer dizer, usar sempre o
masculino ou o feminino para um determinado termo emprestado é
essencial.

O empréstimo é uma das portas de entrada lógicas para novidades na


língua (o outro é o decalque). Por isso seu uso é muito comum nas
traduções, principalmente nos gêneros menos literários. Saber quando
usar um empréstimo ou uma aclimatação, quando cunhar um
neologismo ou usar uma palavra já existente na língua é uma questão
de bom senso. Este livrinho não tem um verbete sobre bom senso .

Empréstimos são empréstimos?

Há quem prefira se referir a esses casos como importações, sob a


justíssima alegação de que se presume que algo deva ser devolvido
enquanto que ninguém supõe que uma língua vá devolver algum dia as
palavras que tomou emprestadas das outras. Mas acho que, aí, estamos
sendo mais realistas que o rei.

Equivalência
Equivalência é um dos procedimentos fundamentais de tradução
descritos por Vinay e Darbelnet. A equivalência reflete a mesma
situação do original usando meios linguísticos e estilísticos totalmente
distintos, como mostram os exemplos abaixo.

 Procedimentos fundamentais de tradução

Where there is a will, there is a way.


Querer é poder.

Birds of a feather flock together.


Diz-me com quem andas e dir-te-ei quem és.

Yours truly,
Atenciosamente,
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 39
Danilo Nogueira

He charged an arm and a leg.


Enfiou a faca até o cabo.

Nem sempre é fácil encontrar equivalências em dicionários.

Às vezes, é possível traduzir mais literalmente, às vezes até com


resultados interessantes:

Where there is a will, there is a way.


Onde houver a vontade, haverá um caminho.

Ou, com modulação:

Where there is a will, there is a way.


Quem tem vontade, acha o caminho.

 Modulação

Entretanto, não é uma boa tradução, porque o original é uma forma


fossilizada na língua inglesa, ao passo que a tradução não é uma forma
usual no português. Em outras palavras, transformamos um chavão
numa inovação, algo que não deixa de ser uma distorção.

 Distorção

Note que o termo tem sentido diferente na obra de outros autores.


Aqui, uso estritamente no sentido usado por Vinay e Darbelnet.

Erros no original
Uma tradução exige uma leitura tão atenta do texto de partida que
muitas vezes notamos erros que o autor e os revisores deixaram passar.

Poucas coisas alegram mais um tradutor do que encontrar um desses


erros. Dá uma enorme vontade de pavonear-se numa nota, explicando
com detalhes e não sem um tostãozinho de ironia, que, onde o autor
deveria ter escrito X, escreveu Y. Esse costuma ser o pior modo de lidar
com o erro. Muitos erros carecem de relevância e, nesses casos, é
melhor traduzir o texto como se nem existissem.

Por outro lado, em alguns casos, manter o erro pode ser importante
quando o for um elemento relevante do texto. Já traduzi um texto que
tinha dado origem a uma reclamação judicial e, nesse caso, preservar os
erros era essencial, para que o leitor percebesse em que encrenca sua
empresa tinha se metido
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 40
Danilo Nogueira

 Relevância

Os erros podem ser formais e materiais.

Erros formais

A maioria dos erros encontrados são meramente formais, quer dizer,


atentados contra a gramática e ortografia. Por exemplo,

The principle parts of a Greek verb are…


Os tempos primitivos de um verbo grego são…

…encontrado em uma gramática grega publicada pelo MIT, deveria ser:

The principal parts of a Greek verb are…


Os tempos primitivos de um verbo grego são…

Salvo se o objetivo da tradução for demonstrar que o livro continha


erros de ortografia, o melhor é traduzir direito e deixar o erro para lá,
algo que, vamos e venhamos, é bem mais fácil.

Erros materiais

Os erros materiais, ou seja, os de conteúdo, são mais problemáticos. A


gente encontra até nos melhores autores. Horácio, na Arte Poética, já
dizia Quandoque bonus dormitat Homerus, o que significa de vez em
quando, o bom Homero cochila , porque, aparentemente, na Ilíada, há
uma que outra incoerência. O sujeito que morre numa luta qualquer e
depois vence alguém mais em outra, ou coisa parelha.

Aqui, o problema é mais complexo e envolve inclusive questões de


ética. As soluções vão desde consultar o cliente ou o autor até adicionar
uma nota de tradutor ou, em casos extremos, recusar o encargo, uma
decisão heroica que nem sempre nosso bolso permite.

Pontos com que você não concorda

Nem sempre o tradutor concorda com o autor e é muito difícil resistir à


tentação de corrigir certos erros do original, principalmente
quando o tradutor tem formação técnica na área. Nunca se esqueça que
o leitor quer saber o que o autor disse, não o que tradutor acha que o
autor deveria ter dito.

Nos meus tempos de editora, um revisor técnico alterou totalmente o


sentido de um parágrafo de um livro de economia que eu tinha
traduzido. Quando fui perguntar o que havia de errado com a minha
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 41
Danilo Nogueira

tradução, ele respondeu Nada! É que o autor é um imbecil e eu não


posso permitir que um de nossos livros contenha uma besteira dessas.
Sim, o autor talvez fosse um imbecil, mas era prêmio Nobel e professor
na Universidade de Chicago e quem comprava o livro era para saber o
que o homem tinha dito, não para saber o que um mestrando aqui da
terra achava que devia ser dito.

 Adições do tradutor

Em casos extremos, cabe ao tradutor o direito de exigir que a tradução


seja assinada com pseudônimo, ou até, quando o bolso permite, recusar
o trabalho.

 Ética

Responsabilidade do tradutor

O tradutor não tem obrigação nem de notar nem muito menos de


corrigir erros do original. Quando notar, quiser e puder corrigir, é
melhor que faça correções discretas, até para não irritar egos inflados.

Alguns autores são muito abertos a discussão e sabem que raramente o


tradutor reclama sem alguma razão, outros, entretanto, consideram
qualquer reparo ao seu trabalho um insulto. Outros, simplesmente,
estão mortos e não podem ser consultados o que nem sempre é uma
desvantagem.

Com os editores, a situação é semelhante: há quem aceite sugestões do


tradutor, há quem rejeite. Convém dançar conforme a música.

Entre uns e outros, todo tipo de gente. Cautela e canja de galinha nunca
fizeram mal a ninguém.

De qualquer forma, o tradutor jamais deve assumir perante o cliente a


responsabilidade de identificar os erros no original. Na maioria dos
casos, não temos os conhecimentos nem o material de consulta
necessários para esse tipo de serviço. Se o autor faz uma citação, não
cabe a você verificar se ele citou direito ou se como de vez em quando
acontece usa um tantichinho de, digamos, imaginação criativa.

Quando temos conhecimento e material, não temos tempo, porque o


serviço é urgente. E quando temos o conhecimento e o tempo, não
querem nos remunerar pelo tempo gasto porque é só uma olhadinha.
Uma olhadinha, sei.

A remuneração e o prazo são sempre um problema.


Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 42
Danilo Nogueira

Especificações
Tradução é um serviço e para todo serviço há especificações. Boa parte
das especificações é implícita. Por exemplo, salvo ordem em contrário,
quem recebe um arquivo .docx para traduzir devolve um arquivo .docx
traduzido. Outras vezes, as especificações são explícitas e transmitidas
ao tradutor de maneira mais ou menos formal, em forma de mensagem
ou num guia de estilo. Para alguns serviços, as especificações incluem
um glossário.

Muitos tradutores chegam a se ofender com essas especificações,


sentidas como uma limitação à sua liberdade profissional o que não
deixam de ser. Às vezes, nem cumprem, sob a alegação de que já têm
experiência suficiente para saber como se traduz, uma postura eivada
de estrelismo que, quando se trata de trabalho de equipe, causa
inúmeras dificuldades a quem tiver de uniformizar o texto.

Mas o cliente tem todo o direito de impor especificações, assim como


nós nos damos o direito de impor especificações a quem nos prestar
serviços e, por exemplo, ficaríamos indignados se o pintor exercesse sua
liberdade profissional pintando nosso escritório de cor de burro quando
foge em vez de pintar de azul-neve com bolinhas cor de cenoura, como
pedimos. E, vamos e venhamos, é bem melhor o cliente nos dar
especificações, por mais odientas que nos pareçam, do que reclamar
que nosso serviço entregue não está da cor que ele queria.

Essas especificações variam do perfeitamente aceitável, por exemplo,


traduzir instruções sempre no infinitivo ou sempre no imperativo:

Check
Confira
Conferir

Até coisas indescritivelmente horríveis como traduzir

Public-address system
Sistema de endereçamento ao público

…como apareceu num glossário que recebi de um cliente há anos.

As especificações evitam uma grande quantidade de problemas de


revisão e, quando se trabalha em grupo, como é cada vez mais comum
atualmente, permitem oferecer ao leitor um texto mais homogêneo.
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 43
Danilo Nogueira

Muitas vezes, principalmente em trabalhos mais longos, as


especificações vão se desenvolvendo ao longo do trabalho, para
enfrentar problemas que não tinham sido previstos e cabe ao revisor ou
ao coordenador de equipe voltar a arquivos já traduzidos, para fazer
um ajuste às novas especificações.

Cabe ao tradutor o direito quando não o dever de propor melhoras


ao guia de estilo, apontando os eventuais desacertos ou pontos dúbios,
mas cabe ao cliente a decisão final, quando o cliente é do tipo que aceita
sugestões.

Surge, então, um problema quando as especificações são absolutamente


inaceitáveis. O ideal, nesses casos, seria recusar o serviço. Mais fácil
dizer do que fazer, porque quando a barriga ronca de fome, a boca não
sabe dizer não. Nesses casos, se o serviço for anônimo, como são os
serviços para agências, o sapo fica mais fácil de engolir

Estilo
O estilo é a fisionomia do texto. Alguns estilos são facilmente
reconhecíveis; outros são menos característicos. Mas todo texto tem
estilo. Você pode não gostar do estilo do autor, mas, como tradutor, tem
de respeitar suas opções estilísticas.

O problema é decidir que construção portuguesa melhor reflete o estilo


do texto inglês.

Algumas editoras têm um estilo da casa, que reduz as peculiaridades


estilísticas de todos os autores a um texto claro e correto, porém muitas
vezes chocho e insosso. Esse tipo de aplainamento estilístico pode ser
aceitável e até desejável em certas obras coletivas, não autorais,
principalmente em livros de consulta. Nesses casos, normalmente, o
estilo já chega aplainado às nossas mãos e não há nada que tenhamos a
fazer salvo respeitar o que o original diz. Mas corre muito sangue
quando o tradutor faz um baita dum esforço para reproduzir o estilo
enviesado do autor e alguém na editora simplifica, para ficar melhor .

Por outro lado, há os tradutores que se julgam ourives da língua e


optam por escrever num estilo barroco com agravantes em rococó
porque esse é o bom português . Se você estiver traduzindo um texto
barroco, é a solução, mas, salvo isso, não tem motivo.

Uma vez um tradutor argumentou que fazia parte de nossa missão


ressuscitar belos recursos da língua como a mesóclise, por exemplo. Em
primeiro lugar, acho que não é. Em segundo, mesóclise num daqueles
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 44
Danilo Nogueira

romances de ler em aeroporto é besteira, salvo se o personagem for


empolado pela própria natureza.

 Registro

Ética
Tradutores traduzem, essa é a verdade. E leitores leem traduções
porque querem saber o que o autor disse, não o que o tradutor acha que
o autor deveria ter dito. Então, exima-se de tentar melhorar o texto.
Traduza bem o que o autor disse, que já é o suficiente. Cada minuto que
você emprega tentando melhorar a forma ou o conteúdo do original, é
um minuto que poderia ser mais bem usado melhorando sua tradução.

Nunca mude um texto para se adequar aos seus próprios conceitos e


ideologias. Se achar que, por motivos éticos, não consegue fazer uma
boa tradução, recuse o serviço. Se for obrigado a aceitar, engula o sapo e
traduza direito, sabendo que este mundo não é justo.

Lembre, também, que o problema ético está mais ligado ao uso que se
vai fazer da tradução do que realmente ao que a tradução diz. Por
exemplo, traduzir um texto sobre pedofilia para um site pedófilo é um
horror, mas traduzir o mesmo texto (por nojo que nos possa dar) para
uso do ministério público em uma ação judicial já não é.

 Estilo
 Correção política

Exotismo
Algumas escolhas tradutórias são motivadas pelo desejo de manter o
exotismo do original. Não estou me referindo, aqui, só aos casos em que
o original, em si, contém vocabulário exótico, como, por exemplo, um
romance ambientado na Mongólia cheio de palavras que tinham até
correspondentes decentes em inglês mas são mantidas em mongol para
dar cor local ao texto. Estou falando de palavras simples, do dia a dia
inglês, como breakfast. Se você está traduzindo um guia turístico,
talvez valha a pena manter breakfast para descrever a refeição matinal
em um hotelzinho poético da Nova Inglaterra, em vez de traduzir por
café da manhã.

 Empréstimo
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 45
Danilo Nogueira

Expansão
Quando o autor usa uma abreviatura inglesa que talvez o leitor
brasileiro não conheça, é melhor expandir a abreviação, com os ajustes
necessários.

He used to work at a gas station in Tampa, Fla.


(Ele) trabalhava em um posto de gasolina em Tampa, na Flórida.

…mas essas intervenções devem ser reduzidas ao mínimo.

Explicação aposta
Muitas vezes, em vez de uma nota do tradutor, é melhor usar uma
explicação aposta, entre vírgulas, parênteses ou meias riscas. Meia risca
é o nome técnico daquele sinal que se obtém digitando Alt 150 ( ) e que
muitas vezes é chamado de travessão, que é um pouco mais longo.

The humor of Laurel and Hardy, like that of many great comics, …
O humor de Laurel e Hardy, – ou Gordo e o Magro como são
conhecidos no Brasil – como o de muitos outros cômicos…

A Knesset committee recently approved a draft law…


Um comitê do Knesset, o parlamento de Israel, aprovou um projeto de
lei…

…sem necessidade de informar que se trata de adição do tradutor.

 Adições do tradutor
 Nomes próprios

Explicitação
Explicitar é deixar evidente na tradução o que estava implícito no
original. Muitas vezes, o autor deixa de explicitar algo que no seu
entender, ao menos não precisa ser dito por ser óbvio para seus
leitores.

Along CR 7 about . miles south of Stoneville the trees…


Ao longo da estrada CR-27, a uns 4 quilômetros de Stoneville, as
árvores…
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 46
Danilo Nogueira

O autor achou desnecessário esclarecer que a CR 27 era uma estrada,


mas o tradutor achou o esclarecimento indispensável para seu público.
Veja outros exemplos:

The mighty Federal Reserve is being stretched to its limits...


O poderoso Federal Reserve, o banco central norte-americano, está
sendo levado a seus limites...

David Wright believes in self-evaluation.


David Wright, um dos jogadores do Mets, acredita em autoavaliação...

Tiger Woods has now confirmed on his website that he is out for the
year to have additional knee surgery.
Tiger Woods, considerado o melhor jogador de golfe do mundo,
confirmou em seu website que está fora da temporada para mais uma
cirurgia no joelho.

A box containing a shiny half-crown and three handkerchiefs….


Uma caixa com uma moeda brilhante de meia coroa e três lenços…

 Dinheiro

Falsos cognatos
A maioria dos tradutores morre de medo dos falsos cognatos, como se
fossem eles o bicho papão e o homem do saco juntos. A tal ponto se
apavoraram, que não usam cognato nenhum, falso ou não, por medo de
cair em pecado mortal.

Vamos primeiro entender o que são os tais falsos cognatos .

Palavras cognatas são as que têm a mesma etimologia. Por exemplo,


semear, semente, seminário, disseminar são palavras cognatas, todas elas
derivadas do latim semen. Muitas dessas palavras encontram cognatas
em outras línguas: disseminate em inglês, por exemplo, ou seminario
em espanhol e italiano, ou séminaire em francês, pertencem todas à
mesma família do semear, semente, seminário, disseminar e, por isso,
são todas cognatas.

Para saber se duas palavras são cognatas, é necessário saber um bocado


de linguística diacrônica ou, ao menos, consultar dicionários
etimológicos. Ser parecida não basta. Por exemplo, haver e have são
parecidíssimas, mas não são cognatas, porque, a despeito da
semelhança, têm origens totalmente diferentes. O mesmo se aplica a
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 47
Danilo Nogueira

ética e estética. Jamais se arrisque a dizer que duas palavras são


cognatas sem uma boa pesquisa em dicionários.

Muitos dos pares de cognatos em inglês-português mantiveram o


mesmo sentido ao menos na maioria das acepções: semen- sêmen. Mas
outras foram divergindo de sentido. O exemplo clássico é o actual
inglês, que não pode mais ser traduzido automaticamente pelo
português atual, embora ambos tenham a mesma origem, o latim
actualis.

…the actual number of victims may be a lot higher.


…o número real de vítimas pode ser muito mais alto.

Geralmente, esses casos são chamados falsos cognatos . É um nome


perigoso porque muitos entendem que esses casos não são cognatos de
verdade, mas são, sim. Então, por que falsos ? Porque nos enganam,
porque sua similaridade formal nos dá a falsa impressão de terem o
mesmo sentido. Por isso, há que os chame de falsos amigos , um nome
menos comum, porém ao que me pareça, mais adequado.

Geralmente, entretanto, a falsidade é parcial: por exemplo, actual, como


termo técnico de filosofia aristotélica, é atual mesmo.

…because it is related to matter as actuality to potentiality…


…por ter com a matéria a mesma relação que a atualidade tem com a
potencialidade….

Dada a forte presença da cultura anglo-americana no Brasil, acoplada


com o descuido de quem fala e escreve, muitos desses falsos cognatos
vão aos poucos assumindo em português o mesmo sentido que têm em
inglês. Nesses casos, temos três fases: na primeira, quem escreve com
cuidado vê com horror o uso alienígena; na segunda, há longas e
estéreis discussões sobre o assunto; na terceira, poucos ainda usam o
termo no sentido mais antigo.

Por exemplo, quando meu pai me chamava de relaxado, estava me


repreendendo, dizendo que era um desmazelado, negligente, relapso,
sentido que está rapidamente caindo no esquecimento: hoje, chamar
alguém de relaxado pode ser até um elogio: calmo, sereno,
descontraído.

De modo geral, o tradutor deve ser conservador e só usar termos em


sentidos plenamente aceitos. Quer dizer, usar relaxado, hoje, como
tradução para relaxed é perfeitamente aceitável. A situação do tradutor
literário, entretanto, pode ser mais complicada. O OED mostra relax
com o sentido de tornar-se menos formal já em Dickens, mas seria
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 48
Danilo Nogueira

anacrônico fazer um personagem de Dickens usar relaxado nesse


sentido. Em um caso assim, descontraído cai bem melhor:

He gradually relaxed…
Foi se descontraindo aos poucos…

 Vício de frequência

Entretanto, daqui a dez anos, o uso de relaxado pode ter se tornado tão
comum que descontraído tenha se tornado obsoleto e confira ao texto
um tom indesejável.

Fidelidade
Uma tradução é como um retrato. Você chega à casa de alguém, vê um
belo quadro e o dono da casa pergunta o que você acha. Sim, é lindo,
belíssima mulher , você responde. O dono explica que a mulher era um
horror de feia: o pintor é quem fez dela uma mulher bonita. O retrato é
lindo mas não é fiel.

Particularmente, dou muito valor à fidelidade, a repetir para ao leitor o


que o autor disse no seu texto. Creio que, ao aceitar o encargo de
traduzir um texto, o tradutor faz um pacto com o autor e o leitor,
prometendo a ambos levar a palavra de um ao outro, e esse pacto tem
de ser levado a sério. O tradutor é um mensageiro.

Resta a pergunta: fiel a quê? Ao que o autor escreveu, ao que pretendeu


escrever, ao que teria escrito se tivesse escrito em português? Ou
como dizem nos exames nenhuma das respostas acima? Tradução não
tem regras fixas e a decisão sobre a que ser fiel é uma das primeiras,
talvez a primeira, decisão do tradutor. De modo geral, a fidelidade deve
ser ao que o autor escreveu, mas há que considerar que o original pode
ter erros, ou o autor pode ter se expressado mal.

Por fim, fidelidade e literalidade são coisas distintas.

 Adaptação
 Erros no original
 Especificações
 Localização
 Tradução literal
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 49
Danilo Nogueira

Formas consagradas
Consagradas são as formas que a maioria usa e a maioria usa porque
são consagradas. Só isso.

Londres é uma forma consagrada, então, chame a capital do Reino


Unido de Londres, embora em inglês se diga London. Não tem nem
precisa de outra justificação. É consagrada porque é consagrada e está
acabado.

 Aclimatação

Há um número infinito de nomes próprios ingleses sem forma


consagrada em português: Schenectady, Stoke-on-Trent, Leslie, Fern e não
vale a pena ficar procurando aclimatar essas coisas. A tendência
mundial é mesmo manter todos os nomes próprios no original e mesmo
os ingleses, que durante anos falavam em Leghorn, agora estão
começando a falar em Livorno, embora Leghorn ainda persista para a
raça de galinhas.

Não adianta procurar uma lista oficial, porque não existe. E, se


houvesse, a maioria de nós, de nossos revisores, críticos ou leitores não
ia concordar com ela. É necessário usar o bom senso. Lamentavelmente,
o que pode parecer uma demonstração de bom senso para uns, pode
parecer pura idiotice para outros. Este livrinho não tem um verbete
sobre bom senso .

 Nomes de pessoas
 Nomes geográficos

Gerúndios
É quase sempre possível traduzir um gerúndio inglês pelo seu
correspondente português, mas muitas vezes parece antipático:

Cleaning your bathroom


Limpando o banheiro

Pareceria até bom caso fosse a legenda de uma foto de alguém


limpando um banheiro, ou coisa que o valha. No caso, porém, em que
se trata do título de um texto som sugestões de limpeza, parece que

Cleaning your bathroom


Como limpar seu banheiro
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 50
Danilo Nogueira

…ficaria bem melhor.

Outra opção é usar um substantivo abstrato:

Cleaning your bathroom


Limpeza do banheiro

Negativas

Os gerúndios negativos são usados para proibições genéricas. Em


português, a tradução costumeira é um daqueles períodos com
predicado nominal:

No smoking
(É) proibido fumar

 Transposição

Gramática e norma culta


A gramática e a norma culta são menos monolíticas do que se pensa e
numerosas construções são consideradas corretas por uns e inaceitáveis
por outros.

Nas minhas traduções, pratico o que chamo gramática defensiva ,


quer dizer, em vez de procurar saber o que é o certo , procuro usar o
que é incontestável. Essa postura me obriga a umas tantas cabriolas
estilísticas o que, por sua vez me levou a repetir, incansavelmente,
que a gente tem de estudar mais português que inglês.

He/she
O inglês faz mais uso de pronomes que o português, e, por isso,
traduzir todos os pronomes de um texto inglês por pronomes
portugueses, embora possível, é vício de frequência.

 Contaminação
 Pronomes
 Termo vicário
 Vício de frequência
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 51
Danilo Nogueira

Traduzir literalmente

A tradução literal é sempre possível, mesmo quando não


recomendável:

He is our French teacher.


Ele é o nosso professor de francês.

Omitir

Entretanto, omitir o pronome de terceira pessoa geralmente melhora o


fluxo de texto sem causar prejuízo algum:

John Smith is our training coordinator. He studied law and


engineering…
John Smith é nosso coordenador de treinamento. Ele estudou direito e
engenharia…
John Smith é nosso coordenador de treinamento. Estudou direito e
engenharia…

Fundir duas ou mais frases

Estamos sempre reclamando do picadinho frasal do inglês e aqui há


uma boa oportunidade para fundir duas frases em uma, sem grandes
problemas. Neste primeiro exemplo, o complemento predicativo é
traduzido como aposto:

John Smith is our training coordinator. He studied law and


engineering…
John Smith é nosso coordenador de treinamento. Ele estudou direito e
engenharia…
John Smith, nosso coordenador de treinamento, estudou direito e
engenharia…

Também é possível fundir mais de duas frases, usando o mesmo


recurso:

John Smith is our training coordinator. He studied law and


engineering in Brazil. He also worked as a researcher in…
John Smith é nosso coordenador de treinamento. Ele estudou direito e
engenharia. Ele também trabalhou como pesquisador em…
John Smith, nosso coordenador de treinamento, estudou direito e
engenharia no Brasil e também trabalhou como pesquisador em…

Poderíamos também ter transformado o aposto em uma oração


adjetiva:
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 52
Danilo Nogueira

John Smith is our training coordinator. He studied law and


engineering in Brazil. He also worked as a researcher in…
John Smith é nosso coordenador de treinamento. Ele estudou direito e
engenharia. Ele também trabalhou como pesquisador em…
John Smith, que é nosso coordenador de treinamento, estudou direito e
engenharia no Brasil e também trabalhou como pesquisador em…

...mas essa construção deve ser evitada, porque obriga o uso de um que
e as traduções do inglês tendem a usar um excesso de quês. Melhor
dizer

John Smith is our training coordinator. He studied law and


engineering in Brazil. He also worked as a researcher in…
John Smith, nosso coordenador de treinamento, estudou direito e
engenharia no Brasil e também trabalhou como pesquisador em…

Homólogo
Chamo homólogos aos termos que carregam a mesma carga semântica
fundamental, mesmo que sejam morfologicamente diferentes
(substituir, substituto, substituição) ou estejam em línguas diferentes
(bread, pão). O uso de termos homólogos é fundamental para a
transposição.

 Transposição

Por exemplo:

Kiss me!
Dá um beijo!

Kiss é verbo, beijo é substantivo, mas os dois carregam a mesma carga


semântica e são, portanto, homólogos.

How
A tradução canônica para how é como:

How do you spell your name?


Como se escreve seu nome?

Como se soletra seu nome é um caso clássico de tradutorês.

 Tradutorês
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 53
Danilo Nogueira

 You

Essa tradução muitas vezes não funciona bem:

How important is an oath?


Quão importante é um juramento?

…melhor traduzir o adjetivo important pelo seu substantivo abstrato


homólogo, importância, o que nos obriga a traduzir o how por qual (é):

How important is an oath?


Qual (é) a importância de um juramento?

 Substantivo
 Transposição

How important is it that the ISCE be stabilized?


Qual (é) a importância da estabilização da ISCE?
Qual (é) a importância de estabilizar o ISCE?

…onde, ainda por cima, temos uma oportunidade de abreviar a frase,


usando um verbo ativo no lugar da passiva inglesa.

 Transposição

How would you stand?


Qual seria sua posição?

Aqui, temos uma mudança um pouco mais drástica, porque a tradução


de stand pelo seu homólogo posição, obriga a incluir o verbo ser algo
a que você se acostuma logo que começa a entender a vantagem de usar
um substantivo abstrato como núcleo semântico de sua frase.

 Substantivo
 Transposição

Entretanto, o abstrato apropriado nem sempre é óbvio:

Giant dogs that have no idea how big they are


Cães gigantescos que não têm ideia de seu tamanho.

…embora, pensando bem, é óbvio que tamanho seja um abstrato


apropriado para big.
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 54
Danilo Nogueira

I
Como todos os pronomes, I é um termo vicário e, portanto, exige
tratamento especial.

Traduzir literalmente

A tradução literal é sempre possível, porém nem sempre recomendável:

I dont like war films.


Eu não gosto de filmes de guerra.

Entretanto, vale quando o pronome for usado como recurso de ênfase,


ou quando se opuser a outro:

I give the orders here. You just have to do what I say!


Eu dou as ordens aqui. Você só tem que fazer o que mando!

Embora nos pareça mais idiomático dizer:

I give the orders here. You just have to do what I say!


Sou eu quem dá as ordens aqui. Você só tem que fazer o que mando!

Omitir

Na maioria das vezes, entretanto, a melhor saída é omitir na tradução:

I don’t like war films.


Não gosto de filmes de guerra.

When will you edit the text ? I can edit it now.


– Quando você vai revisar o texto? – Posso revisar agora.
– Quando você vai fazer a revisão do texto? – Posso fazer agora.

Note que a omissão do I só parece vir naturalmente na segunda frase.


Pelo menos para nós, uma frase como

When will you edit the text ? I can edit it now.


– Quando vai revisar o texto? – Posso revisá-lo agora.…

… pareceria pouco idiomática. Esse tipo de construção às vezes aparece


quando o locutor não sabe se deve tratar se interlocutor por você ou o
senhor.
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 55
Danilo Nogueira

Imperativo
Um imperativo deveria ser um imperativo, mas na tradução, nem
sempre é. Primeiro que em inglês é costume amenizar os imperativos
com um please, costume que nos falta em português:

Please, answer the following questions:


Por favor, responda as perguntas abaixo:
Responda as perguntas abaixo:

Em texto mais formais, o please pode ser traduzido por queira:

Please, answer the following questions:


Queira responder as perguntas abaixo:

Muitas vezes, a melhor tradução para uma ordem em inglês é uma


ordem negativa em português:

Keep away from me.


Não chegue perto de mim.

Ten videos you have to watch.


Dez vídeos que você não pode perder.

 Modulação

Localização
A localização não está entre os procedimentos de tradução descritos por
Vinay e Darbelnet, mas não deixa de ser uma forma especial e
controlada de adaptação. Trata-se de uma série de procedimentos
necessários para que o texto traduzido convenha ao local onde se fala a
língua de chegada.

Esses procedimentos variam desde tarefas que a maioria dos tradutores


levam a cabo normalmente, como converter unidades de medida:

He was about six feet tall.


Tinha mais ou menos um metro e oitenta de altura.

 Medidas

…até a criação de módulos especiais sobre impostos brasileiros para


inclusão em um programa de informatização de uma grande empresa,
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 56
Danilo Nogueira

tarefa que, certamente, não faz parte das atribuições do profissional da


tradução.

Em alguns casos, localização e tradução propriamente dita chegam a se


opor:

What is your Social Security number?

…pode ser traduzido como

Qual é seu número de registro na Previdência Social?

…o que seria perfeitamente correto quando o texto em português se


destinar ao uso de brasileiros residentes nos EUA, os quais terão esse
número de registro. Por outro lado, quando se tratar de um formulário
a ser usado no Brasil por brasileiros que não disponham daquele
documento, muito provavelmente deveria ser localizado como

What is your Social Security number?


Qual é seu CPF?

Pode parecer estranho, porque o CPF identifica os contribuintes do


imposto de renda das pessoas físicas no Brasil, ao passo que o SSN
identifica os inscritos no sistema previdenciário dos EUA. Entretanto,
ambos os números são normalmente usados como forma de
identificação, o que os torna homólogos em muitos casos de localização.

 Adaptação
 Procedimentos de tradução

Manual de estilo
Um manual de estilo, também chamado guia de estilo nada mais é que
uma formalização das preferências de determinada empresa, instituição
ou mesmo pessoa. Nenhum deles deve ser tomado com sagrado.

É obrigatório obedecer um manual de estilo só quando trabalhamos


para quem o produziu, ou quando o cliente exige. De resto, aprecie com
moderação: manual de estilo não é autoridade para nada.

 Especificações
 Gramática e norma culta
 Preferências do cliente
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 57
Danilo Nogueira

May/might
May e seu passado might costumam ser traduzidos por poder, o que
normalmente funciona:

We may have some rain tomorrow.


Pode chover um pouco amanhã.

…mas há outras soluções igualmente corretas e até mais frequentes no


português:

We may have some rain tomorrow.


Talvez chova um pouco amanhã.
É capaz de chover um pouco amanhã.
Quem sabe, amanhã chove.

 Agentes ocultos
 Vício de frequência

Modulação
A modulação é um dos sete procedimentos fundamentais descritos por
Vinay e Darbelnet e, na minha opinião, um dos procedimentos básicos,
juntamente com a tradução literal e a transposição.

É a técnica de traduzir o mesmo sentido de um ponto de vista diferente:

The keyhole.
O buraco da fechadura.

Ambos se referem à mesma coisa, mas enquanto o inglês fala da função


do orifício, o português fala do local onde o orifício se encontra. Ou

Walk-up building
Prédio sem elevador

…onde o inglês fala da necessidade de subir escadas, ao passo que o


português fala da falta de elevador.

Um exemplo mais elaborado é

It takes two to tango.


Quando um não quer, dois não brigam.
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 58
Danilo Nogueira

…onde o inglês fala da necessidade de dois para dançar, enquanto o


português fala da impossibilidade de um só brigar.

Outros exemplos:

Be sure to
Não se esqueça de

Um truque muito bom, mas pouco usado: usar a negativa do oposto. O


inglês, diz o que você tem de fazer, o português diz o que você não
pode deixar de fazer. Muito útil quando a frase é enfática.

He had overgrown his clothes.


A roupa tinha ficado pequena para ele.

Muleta
Chamo muleta àquela palavra cuja única função sintática e semântica é
dar apoio a outra. Trocado em miúdo:

Kiss me!
Dá um beijo!

O verbo dá está aí só para servir de muleta para a frase não ficar sem
verbo. Sua única função é servir de muleta para o substantivo beijo.

A muleta tem muito uso nos procedimentos de transposição, que, a


meu ver, são os mais importantes para o tradutor.

 Transposição

Francisco da Silva Borba, no seu Dicionário Gramatical de Verbos


(UNESP, 1991) se refere a essas palavras como verbalizadores . Nem
vi o termo em outro lugar nem gostei dele. Vou continuar usando
muleta até encontrar razão para mudar.

Must
Must é um verbo auxiliar modal. A tradução, no piloto automático, é
dever:

You must oil this machine at least once a week.


Você deve lubrificar esta máquina ao menos uma vez por semana.
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 59
Danilo Nogueira

O problema, aqui, é que o deve, é ambíguo e pode ser interpretado


como obrigação ou como conselho e dar conselhos é função de should.

 Should

Nesses casos, prefiro aquelas construções tão clássicas do português,


com um predicado nominal:

You must oil this machine once a week.


É obrigatório lubrificar esta máquina uma vez por semana.

…com o que, de quebra, ainda nos livramos de um you. É certo que a


construção homóloga em inglês existe, porém é igualmente certa de que
é bem menos usada.

 Transposição
 Vício de frequência
 You

A new contract must be selected for additional investments


É obrigatória a seleção de um novo contrato para fazer investimentos
adicionais

If rejected, a comment must be entered.


Em caso de rejeição, será preciso fazer um comentário.

Nomes de empresas
Nomes de empresas, de modo geral, não se traduzem:

Johnson & Johnson is uniquely positioned…


A Johnson & Johnson ocupa uma posição ímpar…

 Transposição
 Advérbios terminados em –mente.

Quando o nome da empresa inclui uma descrição de seu objeto social,


pode ser útil usar uma explicitação, já que o leitor brasileiro talvez não
entenda o inglês:

 Explicitação
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 60
Danilo Nogueira

Bethune’s business activities were confined to the Central Life


Insurance Company of Tampa, Fla.
As atividades comerciais da Bethune se restringiam à Central Life
Insurance Company, uma seguradora de Tampa, no estado da Flórida.

A explicitação é só necessária na primeira vez que o termo aparece.


Repetir uma seguradora, a cada vez que a Central Life Insurance
Company aparece é desnecessário e cansativo.

Além disso, a explicitação é desnecessária quando o contexto for


suficientemente esclarecedor.

Anyone who bought an insurance policy from Acme Insurance Co. or


has a policy from East Dakota Insurance…
Quem tiver feito seguro com a Acme Insurance Co. ou tiver uma
apólice da East Dakota Insurance…

Também é necessário reprimir a tendência de agregar à explicitação


mais informações do que o necessário,

Bethune’s business activities were confined to the Central Life


Insurance Company of Tampa, Fla.
As atividades comerciais da Bethune se restringiam à Central Life
Insurance Company, uma pequena seguradora de Tampa, no estado
sulista da Flórida.

Nomes de instituições
Nomes de instituições públicas ou privadas podem ser traduzidos ou
mantidos no original, com ou sem explicitação, conforme a audiência.
Por exemplo, se a tradução for dirigida a gente da área de finanças,
traduzir Fed, ou Federal Reserve Board é desnecessário e até
desagradável. Entretanto, para um público leigo, é importante apor
uma tradução:

The U.S Federal Reserve Board took urgent action…


O Federal Reserve Board, que opera como banco central dos EUA,
tomou medidas urgentes…

 Adições do tradutor
 Empréstimo
 Explicitação
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 61
Danilo Nogueira

Nesse caso, o original fica como âncora semântica para o leitor,


inclusive para o caso de encontrar o mesmo termo sem explicitação ou
com explicitação diferente. Esses apostos, como todas as adições do
tradutor, devem ser tão breves e concisos quanto possível: só o
estritamente necessário para que o leitor entenda do que se está
falando.

Convém, nesses casos, usar termos genéricos em vez de o nome


específico da instituição mais semelhante no Brasil:

The IRS has $53 million for Illinois residents.


O IRS, o Serviço de Rendas Internas dos EUA, tem US$ 53 milhões
para residentes no Estado Illinois.

Resista à tentação de traduzir Internal Revenue Service por Secretaria


da Receita Federal, que é o nome de um órgão especificamente
brasileiro com funções distintas do IRS. Por exemplo a SRF brasileira
controla a alfândega, que não está sob o controle do IRS americano.

O mesmo processo se aplica a escolas, por exemplo:

At the Harvard Law School we have the benefit of having a group of


international students.
Na Harvard Law School, a faculdade de direito da Universidade de
Harvard, temos a vantagem de um grupo internacional de alunos.

A explicitação somente se usa na primeira vez que o termo aparece.


Repetir a faculdade de direito da Universidade de Harvard a cada vez
que Harvard Law School aparece, é cansativo. Além disso, é
desnecessário quando o contexto for suficientemente esclarecedor:

She received her law degree from Harvard Law School.


Ela se formou em direito na Harvard Law School.
Ela se formou em direito em Harvard.

Dificilmente uma dessas traduções vai precisar de aposição e a segunda


opção, além de mais breve, flui melhor.

Termos que não se referem ao mundo anglófono

Termos em inglês que não se referem ao mundo anglófono devem ser


traduzidos.
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 62
Danilo Nogueira

As a crown Prince, Hirohito attended the boy's department of the Peers


School…
Na qualidade de príncipe real, Hirohito frequentou o departamento
masculino da Peers School…
Na qualidade de príncipe real, Hirohito frequentou o departamento
masculino da Escola para os Pares do Reino…

Se mantivermos o inglês do original, o leitor pode ser levado a pensar


que Hirohito, posteriormente imperador do Japão foi estudar em uma
escola num país anglófono, o que não é verdade. O então príncipe
Hirohito estudou em uma escola japonesa de elite que, em inglês, é
conhecida como Peers School.

The German Foreign Office


O Ministério das Relações exteriores da Alemanha

…é outro exemplo em que o uso do nome inglês causaria um nível de


distorção desnecessário. Por outro lado, acho desnecessário ir caçar o
nome oficial em alemão: se o autor achou o nome em inglês suficiente,
para nós o nome em português há de servir.

Nomes de obras de arte


Nomes de obras de arte, incluindo literatura, muitas vezes têm formas
consagradas em português.

Shakespeare’s Romeo and Juliet


O Romeu e Julieta , de Shakespeare

Não vale a pena deixar no original nem vale a pena inventar um outro
nome para a Romeu e Julieta ou para qualquer outra obra com nome
consagrado em português, salvo se o original ou o contexto exigirem.
Com a Internet, descobrir se existe uma forma consagrada deixou de ser
tarefa árdua.

 Contexto
 Formas consagradas

Ao contrário do recomendado para os nomes geográficos e de pessoas


se a obra não tiver nome consagrado, acho correto traduzir,
principalmente em um texto jornalístico ou literário:

Turner painted The Shipwreck of the Minotaur …


Turner pintou O naufrágio do Minotauro …
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 63
Danilo Nogueira

Num texto acadêmico, na falta de nome consagrado é preferível manter


o nome original, com uma tradução proposta entre colchetes:

Turner painted The Shipwreck of the Minotaur …


Turner pintou The Shipwreck of the Minotaur [ O naufrágio do
Minotauro ]…

Termos que não se referem ao mundo anglófono

É necessário prestar atenção especial aos nomes que, em inglês, já são


traduzidos de outra língua:

Johannes Brahms’s Lullaby


A Canção de ninar de Brahms
O Acalanto de Brahms

Brahms escreveu uma peça, que recebeu o nome de Wiegenlied em


alemão corretamente traduzido como Lullaby, em inglês. Em
português, se diz Canção de ninar ou Acalanto. O gênero musical
canção de ninar pode ser chamado berceuse em português.
Chamar uma peça musical alemã em português por seu nome inglês é
absurdo.

Nomes de pessoas
De modo geral, não se traduzem nomes personativos.

Michael looked at his watch…


Michael olhou o relógio…

Entretanto, não há regras estritas. O Reino Unido tem o príncipe


William, que é filho do príncipe Charles, que é filho da rainha …
Elizabete! Por que é costume chamar a rainha de Elizabete, em vez de
Elizabeth, mas o filho é Charles, em vez de Carlos e o neto é William,
em vez de Guilherme, sinceramente não sei.

O fato de que, em Portugal, é conhecida como rainha Isabel é clara


demonstração de que não podemos mais nos ater cegamente aos
padrões lusos: no Brasil, chamar a rainha de Isabel, causaria, no
mínimo, surpresa.
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 64
Danilo Nogueira

Livros para crianças de até cinco anos

Há quem diga que os nomes personativos devem ser adaptados ao


português no caso de livros para crianças muito pequenas, que
poderiam ter dificuldades com os nomes estrangeiros.

Acho que essa recomendação deixou de ter importância no Brasil, dada


a quantidade de nomes complicados e difíceis hoje comuns entre nós.

 Adaptação

Personagens históricos

Os nomes de muitos personagens históricos têm formas consagradas.

Henry VIII
Henrique VIII

William the Conqueror


Guilherme, o Conquistador

Como sempre, o problema é que aquilo que é forma consagrada para


um pode não ser para outro e as discussões sobre o assunto não têm
fim. Minha fonte, para essas coisas, costuma ser a Wikipedia. Mas,
acima dela, está meu bom senso. Este livrinho não tem um verbete
sobre bom senso .

Em trabalho acadêmico, pode valer a pena apor o original entre


colchetes, talvez com uma breve explicação:

William the Conqueror invaded England in 1066.


Guilherme, o Conquistador, [William the Conqueror] invadiu a
Inglaterra em 1066.

Quando não houver forma consagrada, use o original sem aclimatar.

 Aclimatação

Winston Churchill was a great statesman, orator and strategist.


Winston Churchill foi um grande estadista, orador e estrategista.

Muitos nomes ingleses simplesmente não têm correspondentes em


português e não vale a pena tentar encontrar.
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 65
Danilo Nogueira

Nomes não ingleses

Quando o nome se refere a algo externo ao mundo anglófono, usa-se a


forma consagrada em português:

Peter the Great was born in 1672 and he died in 1725.


Pedro, o Grande, nasceu em 1673 e morreu em 1725.

A brief discussion of the life and works of Aristotle.


Uma breve análise da vida e obras de Aristóteles.

Papas

Os nomes de papas aparecem em suas formas portuguesas nunca se


esquecendo que a forma oficial é em latim.

Pope Paul
O papa Paulo

Nomes geográficos
Muitos nomes geográficos têm formas consagradas em português:

…effect upon the growth and development of London.


…efeito sobre o crescimento e desenvolvimento de Londres.

…que devem ser usadas nas traduções. Outros carecem dessas formas:

Winchester is a historic city in southern England.


Winchester é uma cidade histórica no sul da Inglaterra.

A tendência atual, tanto no Brasil como em vários outros países, é


manter os nomes originais. Por isso, formas como Oxônia ou Brema
foram desaparecendo em favor de Oxford e Bremen.

Nomes herdados

Quando o topônimo se refere a um local que herdou o nome de outro


mais importante, nem sempre é fácil decidir se devemos manter o
original ou usar o topônimo consagrada português:

The City of London is located in the heart of southwestern Ontario.


A cidade de Londres fica no coração do sudoeste de Ontário.
A cidade de London fica no coração do sudoeste de Ontário.
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 66
Danilo Nogueira

Aqui, nos referimos a uma cidade canadense, não à capital da


Inglaterra. Parece que Londres é exclusivamente o nome da capital da
Inglaterra, mas não de todas as cidades chamadas London em inglês.
Não creio que haja consenso, aqui.

Se o topônimo fizer parte integrante de um nome próprio, deve ser


deixado no original:

London Online is a concise guide to the capital…


O London Online é um guia conciso da capital…

Casos controversos

Caso mais complexo é o de New York, que, para alguns, deve ser Nova
Iorque e, para outros, Nova York. Não há acordo. Há quem reclame
que Nova York é um híbrido a ser evitado, há quem contradiga que o
New aqui é um adjetivo comum que deve ser traduzido. Para eles,
Nova Iorque não é a cidade dos EUA, mas sim um município no estado
do Maranhão, o que não deixa de ter seu lado de verdade.

Por outro lado, o estado americano de New Hampshire aparece sempre


com seu nome original em inglês o que indica que coerência não é o
ponto forte, aqui.

Nomes geográficos com viés político

Alguns nomes geográficos têm forte viés político: Falkland/Malvinas,


por exemplo. Dizer que um é inglês e outro é português é menos
correto do que parece: uma busca na Internet vai mostrar que Malvinas
aparece mais de 400.000 vezes em textos escritos em língua inglesa.
Geralmente (o que significa mas há exceções (sempre há exceções e o
demônio mora nas exceções), o uso de Falklands reflete a opinião de
que o arquipélago, por direito, é britânico; o uso de Malvinas reflete a
opinião de que o arquipélago, por direito, é argentino. O uso de
Falklands/Malvinas reflete o desejo de não entrar no mérito da questão
mas dificilmente funciona, porque sempre vai haver quem ache que
Malvinas/Falklands seria mais apropriado.

É um posicionamento político e filosófico que faz parte integrante da


mensagem e deve ser respeitado na tradução. Não cabe ao tradutor
impor ao texto suas próprias convicções políticas.

 Voz do tradutor
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 67
Danilo Nogueira

…what happened in the Falklands war when the Argentineans got


all fired up about reclaiming the Malvinas …
… o que sucedeu durante a guerra das Falklands , quando os
argentinos ficaram todos nevosinhos com a exigência da devolução das
Malvinas …

Note que o Malvinas vem entre aspas no original, para indicar que, na
opinião do autor, o nome correto é Falklands e o próprio fired up, algo
pejorativo, indica que o autor não era grande partidário das pretensões
argentinas. Por mais que o tradutor tenha o seu coração com a
Argentina, há que respeitar o original e manter os nomes.

 Ética

Termos que não se referem ao mundo anglófono

Quando o topônimo se refere a um local fora do mundo anglófono, use


a forma consagrada em português ou, na falta desta, a forma original:

Copenhagen
Copenhague

O nome da cidade em dinamarquês é København, que iria parecer


muito estranho em português. Copenhagen é o nome tradicional inglês.

Catalonia
Catalunha

Nomes próprios transformados em substantivos comuns

Os topônimos podem se tornar substantivos comuns. Nesse caso o


substantivo próprio e o comum podem ter tratamentos distintos:

The city of Leghorn


A cidade de Livorno

…quando nos referimos à cidade italiana, mas

Leghorn chickens
Galinhas legorne

…quando nos referimos à raça de galinhas poedeiras.

River Plate beat Cerro Largo 2-0


O River Plate ganhou do Cerro Largo por 2 a 0.
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 68
Danilo Nogueira

… embora

The Battle of the River Plate took place on December 13th, 1939.
A batalha do Rio da Prata ocorreu em 13 de dezembro de 1939.

 Preferências do cliente

Mudanças de nome

Muitas vezes, o local muda de nome. Istambul já foi Bizâncio e


Constantinopla e já teve vários outros nomes, cada um representando
uma fase da história da cidade. Essas mudanças se tornaram mais
frequentes nos últimos anos, por vários motivos políticos. Por exemplo,
a cidade que os ingleses chamavam Bombay, e em português ganhou o
nome de Bombaim bem antes de os ingleses chegarem lá, os indianos,
agora, chamam Mumbai. Chamar a cidade, em português, de Mumbai,
não é anglicismo, é acompanhar uma mudança feita pelo governo do
país onde a cidade está situada. Anglicismo é chamar de Bombay.

A escolha do nome a usar na tradução é condicionada pelo original. Se


o original usa Bombay, a tradução deve usar Bombaim, se o original
usa Mumbai, a tradução deve usar Mumbai, da mesma forma que
Constantinople é Constantinopla, Byzantium é Bizâncio, mas Istanbul
é Istambul mas note a troca de n por m na grafia.

Para entender a recomendação, é importante analisar a razão de haver


Bombay ou Mumbai no original. Bombay vai ser encontrado em textos
mais antigos, textos atuais ambientados em épocas antigas ou quando o
autor simplesmente se recusa a usar o nome moderno por razões
políticas ou filosóficas. Mumbai, por outro lado, se encontra em textos
mais modernos e politicamente corretos. Quer dizer, a escolha do nome
não é aleatória nem depende de gosto mas reflete fatores que devem ter
sua contrapartida na nossa tradução.

Aos poucos, esses nomes, que nos pareciam exóticos se tornam comuns
e não vai demorar até encontramos algo como:

… Mumbai antigamente conhecida como Bombaim …

Normas da ABNT
Seguir as normas da ABNT é uma opção, não uma obrigação. Siga se o
cliente quiser. Ou se não tiver opção melhor. Aqui, não são seguidas.

 Manual de estilo
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 69
Danilo Nogueira

 Preferências do cliente

Nota do tradutor
Nota de tradutor, é melhor não pôr. Interrompe o fluxo do texto,
congestiona a página e distrai a atenção. Ler um livro com muitas notas
é como ser interrompido pelo telefone a todo o momento. São mais
aceitáveis em traduções para estudo , acadêmicas. Em muitos tipos de
tradução, como a legendagem, são proibidas ou impossíveis.

Uma nota é uma muleta, uma confissão de derrota, uma confissão de


que o tradutor não conseguiu traduzir o trecho. Cada nota é uma
interrupção do fluxo do texto e ler um livro com muitas notas é como
ser interrompido pelo telefone a todo momento: mesmo que a
informação recebida seja preciosa, quebra o encanto da leitura. Por isso,
agregue notas só quando absolutamente indispensáveis e sempre da
maneira mais discreta possível.

They watched a Laurel & Hardy short.


Assistiram um curta metragem de Laurel & Hardy (Nota do Tradutor:
Laurel & Hardy aqui se refere à dupla de comediantes mais conhecida
no Brasil como o Gordo e o Magro ).

… embora, a rigor esteja correto, é um horror. É bem melhor usar os


nomes normais no Brasil:

They watched a Laurel & Hardy short.


Assistiram a um curta-metragem do Gordo e o Magro.

Às vezes, cabe uma explicação aposta, que, numa publicação muito


formal, para uso acadêmico, por exemplo, deve vir entre colchetes.
Num jornal ou outra publicação menos formal, pode vir entre
travessões ou mesmo vírgulas:

The humor of Laurel and Hardy, like that of many great comics, …
O humor de Laurel e Hardy, – ou Gordo e o Magro como são
conhecidos no Brasil – como o de muitos outros cômicos…
O humor de Laurel e Hardy, [o Gordo e o Magro ] como o de
muitos outros cômicos…

Mesmo em literatura de arte ou filosofia, as notas são bem mais


dispensáveis do que pensam muitos tradutores. Quem se põe ou
propõe a ler essas coisas costuma já ter a formação intelectual
necessária.
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 70
Danilo Nogueira

 Adições do tradutor
 Expansão
 Explicação aposta
 Explicitação

Notas de rodapé e de fim de capítulo ou de livro devem ser reservadas


para casos extremos, como obras de entendimento difícil por seu estilo
ou por seu conteúdo.

Números
A grafia dos números, no Brasil, é regulada pela Resolução nº 12, de 12
de outubro de 1988 do INMETRO, leitura amena e agradável, texto que
resumo abaixo.

Os números, sejam quantidades, dados demográficos, ou valores em


dinheiro, em qualquer moeda, devem ser escritos no formato
1.000.000,00, quer dizer, milhares separados por pontos e decimais
separados por vírgulas.

The Statistical Institute of the Republic of Cyprus shows a population


of 749,200.
O Instituto de Estatística da República de Chipre informa uma
população de 749.200 habitantes.

 Nomes de instituições

Quando usar números por extenso e em algarismos, primeiro coloque


os números em algarismos e, depois, entre parênteses, por extenso.

This agreement is executed in two counterparts…


O presente contrato foi assinado em duas vias…

Não comece número por vírgula:

A . % increase…
Um aumento de , %…

Transforme números mistos em decimais:

An increase of / percent…
Um aumento de ,7 %…

Depois de algarismos, mesmo em texto literário, use o símbolo de


porcentagem (%) em vez de escrever por cento:
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 71
Danilo Nogueira

Mary received only 30 percent of the inheritance, a lot less than she
expected.
Mary recebeu só 30 por cento da herança, muito menos do que
esperava.
Mary recebeu só 30% da herança, muito menos do que esperava.

... ou escreva o número por extenso, se o texto for mais formal:

Mary received only 30 percent of the inheritance, a lot less than she
expected.
Mary recebeu trinta por cento da herança, muito menos do que
esperava.

Todos os valores monetários, pesos e medidas, nacionais e estrangeiros,


seguem as regras gerais para números apresentadas acima.

 Dinheiro
 Pesos e medidas

Algumas pessoas têm o hábito de jamais escrever números com um só


algarismo e dizem, por exemplo, que têm 02 filhos . Esse uso não tem
base gramatical ou jurídica absolutamente alguma e só se justifica em
tabelas, para manter a estrutura gráfica.

Numeração de séries

A numeração de séries, por exemplo, dos tópicos de um trabalho


científico, (1.1, 1.1.2… deve ser preservada sem alterações.

Obras consultadas
Este livrinho não é uma trabalho acadêmico e, portanto, reflete muito
mais as minhas pesquisas, experiências, impressões, idiossincrasias e
opiniões do que as obras consultadas. Entretanto, em cima de minha
mesa de trabalho há umas quantas obras que muito me ajudaram a
organizar (?!) meu pensamento, o que quer que isto signifique.

A primeira delas é um livro pequeno, mas utilíssimo, pelo poder de


concisão e organização da autora: Procedimentos Técnicos de Tradução, de
Heloisa Gonçalves Barbosa. Vale a pena ler e reler mil vezes. Se você
não fez bacharelado em tradução, é uma excelente introdução a uma
visão mais estruturada do que constitui uma tradução. Se fez, funciona
como aquele resuminho maneiro que te ajuda a recordar as coisas que
vão se perdendo pela memória.
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 72
Danilo Nogueira

A segunda é o Stylistique comparée du français e de l’anglais de J.P Vinay e


J Darbelnet, provavelmente o mais citado entre todos os livros sobre
tradução. Há uma tradução inglesa, que nunca tive em mãos. O livro
trata de tradução do inglês para o francês, mas é de uma utilidade
única.

A terceira é a Introduction a lá Traductología de Gerardo Vázquez-Ayora.


Meu exemplar, legítimo e comprado da Amazon, é um fotolito de um
texto datilografado, o que mostra a pobreza do orçamento. Tem o
defeito adicional de que, sendo inglês > espanhol, tem muitos exemplos
que não nos servem. Mesmo assim, vale muito a pena.

Muitos exemplos foram tirados de textos traduzidos por mim próprio,


caso em que foram mascarados para ocultar a origem. As traduções são
todas minhas e refletem meu próprio modo de traduzir.

Original
Hoje, está fora de moda chamar o texto que serve de base para a nosso
trabalho de original. Fala-se em T1, Protexto, Texto de Partida e Deus
sabe quantos outros nomes bizarros e horríveis.

Tenho uma leve impressão de que pessoas que usam esses termos,
quando acham que ninguém está ouvindo (ou quando estão falando
sozinhas, porque são pessoas normais e portanto também falam
sozinhas), também dizem original, que é mais simples e todos
entendem. Aqui, normalmente chamo o original de original e acabou-se
a história. Se você quiser chamar por outro nome, esteja à vontade. Nós
estamos numa democracia.

 Tradução

Passiva
Vários livros sobre boa redação publicados nos EUA contêm proibições
contra a voz passiva, o que não impede que a voz passiva seja usada a
torto e a direito. O avô de todos eles é o The Elements of Style, escrito por
William Strunk Jr. em 1918 e revisto por E.B. White em 1959.

Você pode gostar e não gostar do livro ou não, mas a verdade é que
exerceu uma enorme influência que se expandiu em círculos
concêntricos até atingir os mais recônditos recantos do mundo
anglófono e, na minha opinião, é leitura essencial para os tradutores
que queiram entender porque tantos nativos escrevem inglês do jeito
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 73
Danilo Nogueira

que escrevem.

É cheio das prescrições, uma das mais contundentes é Use the active
voice que o autor logo depois tempera explicando que a passiva
também é importante, útil e o escambau a quatro. Mas parece que
poucos leram o fim e muitos condenam furiosamente o uso da passiva
o que não impede que usem o recurso a torto e a direito, mas isso não é
da nossa conta. O que nos importa (e atemoriza) é que a prescrição foi
macaqueada até em português. Até o revisor gramatical do MSWord
assinala as passivas com uma cobrinha azul.

Toda essa digressão para dar a você um argumento que pode ser usado
(passiva!) para tentar tapar a boca dos revisores e editores que
espumam de ódio na presença de uma pobre voz passiva.

Há bons e maus usos da passiva e não usar essa forma em ocasião


alguma é mera macaqueação de uma regra que não se aplica ao
português.

Porém, nem toda voz passiva inglesa precisa ser traduzida literalmente
em português.

Verbos que não admitem passiva analítica em português

Nem todos os verbos portugueses admitem passiva analítica:

You are offered a diverse array of U.S. dollar denominated investments.


Você é oferecido uma ampla variedade de investimentos denominados
em dólares.

A formulação acima reflete o hábito de muitos redatores anglo-


americanos de colocar o leitor em primeiro lugar na frase mesmo que
tenham de usar uma passiva. Se quisermos seguir esse método de
redação, podemos dizer:

You are offered a diverse array of U.S. dollar denominated investments.


Você tem (à sua disposição) uma ampla variedade de escolhas de
investimentos denominados em dólares dos EUA.

…em que combinamos transposição e modulação para obter uma frase


que tenha o mesmo sentido e ordem original. Mas não acho grande
vantagem, porque o excesso de vocês iniciais nos parece cansativo.

 Transposição
 Modulação
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 74
Danilo Nogueira

Uma opção melhor é

You are offered a diverse array of U.S. dollar denominated investments.


Oferecemos (a você) uma ampla variedade de escolhas de investimentos
denominados em dólares dos EUA.

Em outros casos, a passiva sintética cai como uma luva:

Yields are expected to rise


Espera-se que os rendimentos aumentem.

This is not done!


Isso não se faz!

…um caso em que usamos em português uma construção rara de


encontrar em traduções, porque não existe em inglês.

 Vício de frequência

Temos também o caso em que o verbo na passiva é traduzido por um


substantivo abstrato:

However, the drop in prices since the financial crisis in 2008 had
resulted in some of these projects being cancelled or delayed.
Entretanto, a queda nos preços desde a crise financeira de 2008 tinha
resultado no cancelamento ou adiamento de alguns desses projetos.

 Transposição

Pesos e medidas
Em textos ambientados na atualidade, pesos e medidas devem ser
convertidos ao sistema métrico decimal (oficialmente, "SI"), descrito na
Resolução CONMETRO nº 12, de 12 de outubro de 1988. É bom ler
detidamente a resolução, porque mesmo tradutores experientes
cometem grandes erros quando usam pesos e medidas. Como são
problemas de português, não de tradução, não vamos nos deter neles.

Precisão e arredondamento

Em textos técnicos, é importante discutir o grau de precisão necessária


com o cliente antecipadamente.
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 75
Danilo Nogueira

De modo geral, entretanto, a medida convertida deve ter no máximo


uma casa decimal a mais que a medida original. A definição mais
precisa de pound pode ser 453,5924 gramas, mas

She gained 15 pounds after she quit smoking.


Ela engordou 6,803886 quilos depois de parar de fumar.
Engordou {quase/cerca de/uns} sete quilos depois de parar de fumar.

O quase/cerca de/uns reforça a ideia de que estamos falando em uma


aproximação. Por outro lado, é evidente que mesmo o original é
aproximado.

I drove 7000+ miles for my job in 2007


Rodei mais de 12.000 km a serviço em 2007

Along CR 7 about . miles south of Stoneville the trees…


Ao longo da Estrada CR-27, a uns 4,02336 quilômetros de Stoneville,
as árvores…
Ao longo da Estrada CR-27, a uns 4 quilômetros de Stoneville, as
árvores…

 Explicitação

Pesos e medidas antigos

Se o autor usou uma medida antiga, não converta para SI:

The king of Assyria exacted three hundred talents of silver and thirty
talents of gold from Hezekiah, king of Judah.
O rei da Assíria exigiu de Ezequias, rei de Judá, o pagamento de
trezentos talentos de prata e trinta talentos de ouro.

Não sabemos quanto valia um talento na época de Ezequias e se o autor


do original resolveu deixar sem converter, vamos respeitar.

Se a medida usada não tiver um nome tradicional português, o que


pode acontecer quando o texto se referir a uma cultura menos ligada à
tradição ocidental, simplesmente use o mesmo nome que o autor.

Escolha da unidade correta

Nem sempre o mundo anglófono usa unidades da mesma categoria que


o SI. Por exemplo,

Por exemplo, americanos medem sua colheita de milho em bushels, que


é uma unidade de capacidade; no Brasil a medida é em toneladas, que
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 76
Danilo Nogueira

são medidas de peso. Certo que um bushel é equivalente a


35,23907016688 litros. O problema é que não vendemos milho por litro,
mas sim por quilo e, por isso, a informação vai ajudar muito pouco o
leitor brasileiro. Então, é necessário saber que um bushel de milho
padrão pesa 56 libras ou 25,40117272 kg e fazer a conta, para saber que
X bushels de milho são Y toneladas. Para complicar a definição de
bushel e de pound é a mesma em todos os estados dos EUA, mas a
definição de peso de bushel de milho pode mudar de um lugar para o
outro.

A situação atinge o máximo de complicação quando se diz que the yield


was 40 bushels per acre.

Por isso, em tradução técnica é preferível deixar o cálculo para o cliente


ou revisor técnico. Em tradução literária, a questão pode ser irrelevante,
caso em que é perfeitamente possível preservar o bushel.

 Relevância

Entretanto, se for necessário fazer a conversão, procure a ajuda de


quem realmente conheça esses problemas, porque já avançamos muito
no reino da localização.

 Localização.
 Nomes geográficos,
 Nomes de pessoas

Textos ambientados no passado

Mesmo que o texto seja moderno, se for ambientado no passado, é


melhor não converter. Veja, por exemplo, este trecho:

Shylock demands the pound of flesh …


Shylock exige a libra de carne…

Trata-se de uma alusão ao Mercador de Veneza, de Shakespeare, e seria


ridículo ter um personagem de Shakespeare exigindo de seu devedor
meio quilo (ou, pior ainda, 456 gramas) de carne. Então, é melhor
traduzir por libra mesmo. Se nosso leitor não souber quanto pesa uma
libra, pouco se perde: o peso exato é irrelevante e é desnecessário
explicar.

 Relevância
 Adições do tradutor
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 77
Danilo Nogueira

Um bom português talvez dissesse que a tradução correta para pound é


arrátel, no que estaria totalmente certo. Cabe perguntar se o leitor
médio do texto saberia o que é um arrátel e se o uso do termo
antiquado é relevante.

Textos ambientados no presente

O texto pode ser atual, mas às vezes, o valor exato é irrelevante:

…an old woman who held a few acres of land…


…uma velha, dona de uns poucos alqueires…

Aqui, o que o autor quer dizer é que a velha tinha uma pequena
propriedade rural. Ninguém se deu ao trabalho de medir a
propriedade.

Usar hectares seria correto, porque, alqueire, além de não fazer parte do
SI, tem valor variável mas daria ao texto um tom muito mais técnico e,
creio eu, esteticamente mais pobre. Além disso, o próprio original é
impreciso.

Unidades externas ao mundo anglófono

Se o autor usou um termo que não pertence à língua inglesa, preserve a


escolha dele na sua tradução.

Only ten scheffels of turnips…


Somente dez scheffels de nabos…

Nesse caso, o autor preferiu deixar scheffel no alemão e devemos


respeitar sua preferência. O termo não é mais estranho para os leitores
anglófonos do que para nós.

Pontuação
O uso de pontuação é convencional e varia conforme a língua isso
quando não varia de acordo com o autor e com a casa editora. Quando
o texto está em inglês, além das diferenças entre as várias vertentes da
língua, a pontuação sofre com o fato de que o inglês muitas vezes é
escrito por estrangeiros que vão pontuando de acordo com as suas
próprias línguas ou meio que aleatoriamente.

Alguns pontos a considerar:


Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 78
Danilo Nogueira

Vírgula de Oxford

Vírgula de Oxford, em inglês Oxford comma é a vírgula, numa série, antes


do e que separa os últimos dois elementos da série:

We sell books, videos, and magazines.


Vendemos livros, vídeos e revistas.

Mesmo em inglês, seu uso é muito discutido. Em português, só se usa


em um que outro caso, para evitar mal-entendidos. E, não importa
quando você use, uma porção de gente vai achar que naquele caso não
se aplica. Para evitar reclamações, prefiro reescrever a frase.

Maiúscula ou minúscula depois de dois-pontos

Muitos textos em inglês automaticamente usam maiúsculas após dois


pontos. Em português, maiúscula depois de dois pontos só se em
seguida vier uma frase completa:

Ofereciam três tipos de pizza: napolitana, calabresa e atum.


César disse: Vini, vidi, vici .

O perigo maior é quando usamos ferramentas de tradução assistida


por computador, porque o texto é segmentado nos dois-pontos e a frase
subsequente é sempre apresentada em separado.

Pontuação e aspas

Em inglês, há quem diga que a pontuação vai dentro das aspas, há


quem diga que vai fora. Uma daquelas brigas em que não me meto. Em
português, a praxe é diferente: para nós, há uma diferença enorme entre

João disse José não veio?


João disse José não veio ?

No primeiro caso, estamos afirmando que João tinha indagado se José


tinha vindo. No segundo, estamos indagando se João tinha afirmado
que José não tinha vindo.

Travessão e meia risca

Em português, o hábito é usar a meia risca ( ) (Alt 0150), sempre


ladeada por dois espaços:

Seu discurso foi longo e cansativo – mesmo assim, foi bem recebido pela
plateia.
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 79
Danilo Nogueira

Em inglês, usa-se muito o travessão propriamente dito, ( ) (Alt 0151),


que é raríssimo em português. Além disso, muitos usam o travessão
sem os espaços laterais (prática condenada por outros).

Há quem, nas intercalações, elimine os espaços internos :

Armando –depois do comício– disse que a vitória estava garantida.

…mas esta é uma praxe minoritária. A maioria escreveria

Armando – depois do comício – disse que a vitória estava garantida.

Exclamações

Alguns textos em inglês usam uma quantidade de exclamações que


para muitos de nós são excessivas. O problema é a falta de uma regra a
seguir. Para esses casos, precisamos usar de nosso bom senso. Este
livrinho não tem um verbete sobre bom senso .

Padrão do cliente

Mas sempre é bom ver o padrão aprovado pelo nosso cliente.

 Preferências do cliente

Preferências do cliente
O cliente pode ter suas preferências, às vezes apresentadas no que, por
imitação do inglês, hoje se chama Manual de Estilo. Ao aceitar o encargo
de traduzir, juntamente com condições tais como preço e prazo,
estamos aceitando também o encargo de obedecer a essas preferências.

Se não concordar com o Manual de Estilo, o tradutor tem todo o direito,


e até o dever, de levar sua discordância ao conhecimento do cliente,
mas não tem o direito de tomar a questão em suas próprias mãos e
fazer do seu jeito, principalmente quando se trata de trabalho de
equipe, como é tão comum hoje em dia.

 Manual de estilo

Preposição
Muitas vezes, a melhor tradução para uma preposição inglesa é uma
preposição portuguesa:
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 80
Danilo Nogueira

She is in the library.


Ela está na biblioteca.

É uma tradução literal e não há nada de errado com ela.

 Tradução literal

Entretanto, nem sempre as preposições podem ser traduzidas


literalmente:

Traduzir por verbo

Traduzir uma preposição por um verbo é uma transposição e, muitas


vezes, uma solução excelente para um problema nem sempre fácil de
resolver.

 Transposição

You cannot legislate the poor into prosperity.


Não se pode transformar os pobres em prósperos por lei.
Não se pode transformar os pobres em gente próspera por lei.

Achar o verbo correto pode ser complicado, porque não é coisa que se
encontre no dicionário. Note que o verbo inglês se torna um
substantivo ou numa locução nominal.

 You

He drank his wife out of the house.


Foi abandonado pela mulher de tanto que bebia.

A ideia do out é expressa por abandonar, algo que, além de


transposição de preposição para verbo, envolve uma modulação,
porque troca o objeto por sujeito.

 Modulação

Um caso interessante, com verbo de movimento:

He drove his new car up main street.


Ele subiu a rua principal em seu carro novo.

Note que drive é o que chamo verbo rico: significa deslocar-se


dirigindo um veículo , e o nosso subir pode ser tanto de carro quanto a
pé ou a cavalo. Essa riqueza, entretanto, não tem relevância neste caso,
já que o contexto deixa claro que foi de carro.
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 81
Danilo Nogueira

 Relevância

Muitas vezes, entretanto, a solução não é tão simples:

He was shouted out of the room.

Ele foi gritado para fora da sala, simplesmente não funciona. Não é por
ser muito literal , mas sim porque não significa nada em português.

He was shouted out of the room.


Foi expulso da sala aos gritos.

…é muito melhor.

He was scared into silence.


Ficou em silêncio de medo.
Ficou calado por medo.
Ficou com tanto medo, que se calou.

Note que, nesses casos, o verbo principal inglês se transmuta em


advérbio ou locução adverbial.

 Transposição
 Procedimentos fundamentais de tradução

Traduzir por substantivo

Muitas vezes, o inglês delega a uma preposição a tarefa que no


português tem de ser desempenhada por um verbo

The following day, the "Supreme Soviet of the Soviet Union", the
highest governmental body of the Soviet Union, voted both itself and
the Soviet Union out of existence.
No dia seguinte, o Soviete Supremo da União Soviética, o mais alto
órgão do governo da União Soviética, votou pela extinção dele próprio e
da União Soviética.

 Transposição

Como em muitos casos de transposição, o complicado aqui é achar o


verbo a usar. Não é fácil. Mas pense que tirar da existência é
extinguir.
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 82
Danilo Nogueira

Procedimentos fundamentais
de tradução
Jean-Paul Vinay e Jean Darbelnet, em seu Stylistique comparée du français
et de l’anglais – Méthode de traduction (Paris 1958, Montréal 1960),
estabeleceram um elenco de sete procedimentos fundamentais de
tradução, incorporado à terminologia de todos os trabalhos posteriores,
embora quase sempre com modificações.

 Empréstimo
 Decalque
 Equivalência
 Tradução literal
 Transposição
 Modulação
 Adaptação

Esses sete procedimentos aqui apresentados em ordem de


complexidade crescente formam a base deste livro e são analisados
mais detidamente em verbetes separados. Os primeiros três são
chamados tradução direta e os restantes são chamados tradução
indireta.

Os três procedimentos mais férteis para nosso estudo estão no centro da


lista: tradução literal, transposição e modulação. É a eles que se refere a
maior parte dos verbetes deste livro e são os que eu chamo
procedimentos nucleares. São esses três que você precisa afiar, polir e
dominar para se traduzir melhor.

Mesmo na obra de Vinay e Darbelnet, aparecem outros procedimentos


e cada autor posterior sugeriu a sua própria lista. Mas a lista é
fundamental para orientar nosso trabalho e esses sete procedimentos
vão aparecer inúmeras vezes neste livrinho.

Pronomes
O pronome é o termo vicário por excelência. O inglês usa uma
quantidade enorme de pronomes, porque quase sempre exige
explicitação de sujeitos e objetos, ao passo que o português considera
elegante a elipse de sujeito ou objeto.

 Contaminação
 Termos vicários
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 83
Danilo Nogueira

 Tradutorês
 Vício de frequência

Pronomes retos

Preservar todos os pronomes retos do inglês cria um texto muito


infantil, do tipo Eu tenho um gatinho. Eu gosto muito dele. Eu só não gosto
quando ele me arranha o braço. Embora muitas vezes a solução mais
simples seja simplesmente omitir o pronome, principalmente no caso de
I, há muitas outras opções, analisadas em verbetes separados para cada
pronome.

 He/she
 I/we
 You

Pronomes oblíquos

Mas não é tudo: temos também os do caso oblíquo, que são um caso
sério, por dois motivos: primeiro que, muitas vezes são desnecessários e
atravancam a frase sem proveito nem finalidade; segundo que nossa
gramática (e nossos revisores e clientes) querem que coloquemos os
pronomes de acordo com um grupo de regras ultrapassado e que
poucos conhecem direito. Por isso, sempre que posso, corto pronomes
oblíquos.

Veja o exemplo abaixo:

When I bought them, the salesman said they were eight days old.
Quando eu os comprei, o vendedor disse que eles tinham oito dias de
idade.
Quando comprei, o vendedor disse que tinham oito dias.

As duas traduções estão certas, do ponto de vista da gramática, mas a


segunda é mais breve e flui melhor.

 Economia vocabular

Provérbios
Nem todos os provérbios ingleses têm correspondentes portugueses (e
vice-versa). É melhor arranjar uma tradução mais literal e mais fiel ao
sentido do original do que usar um provérbio português que tenha um
sentido totalmente diferente ou que seja muito pouco conhecido.
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 84
Danilo Nogueira

Público
Toda tradução é dirigida a um determinado público e as escolhas
tradutórias têm que se adequar a esse grupo. Por exemplo, numa
tradução voltada para o público acadêmico, as notas do tradutor são
muito mais aceitáveis do que na literatura de massa, aqueles romances
enormes que a gente lê na sala de embarque do aeroporto.

 Registro
 Nota do tradutor

Registro
Registro, numa definição grosseira, é o grau de formalidade do texto.
Muitas vezes, na ânsia de escrever corretamente, adotamos um registro
excessivamente formal e empolado.

 Estilo
 Gramática e norma culta
 Público

Antes de fazer qualquer escolha, é bom verificar se estilo e registro


estão de acordo com o original.

Há tempos, fiz a revisão do texto de um comercial em que uma mãe


dizia à filha de meia dúzia de aninhos Sim, querida, compra-lo-ei amanhã.
Gramaticalmente, está certo, mas o registro está mais que errado.

Embora o inglês ainda seja menos formal que o português do Brasil, aos
poucos estamos ficando menos formais, o que torna o problema do
registro menos grave do que já foi. Por exemplo, embora muitos ainda
terminem cartas com fechos formais do tipo sem mais para o momento,
subscrevemo-nos, atenciosamente, o yours truly pode tranquilamente
ser traduzido por um simples atenciosamente.

Relevância
Não existe tradução perfeita: toda tradução adiciona alguma coisa ao
original e subtrai alguma coisa dele. A soma do que se adiciona e
subtrai é o que eu chamo distorção.

 Distorção
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 85
Danilo Nogueira

Cabe ao tradutor fazer as escolhas que minimizem a distorção


adicionando e subtraindo somente os elementos de menor relevância. O
que tem maior ou menor relevância depende do contexto.

 Contexto

Should
A regra de que should e would trocam de significado na primeira
pessoa está caindo em desuso. O contexto vai dizer se deve ser levada
em conta no texto que você está traduzindo.

Tradução canônica

A tradução canônica de should é deveria:

You should go home now


Você deveria ir para casa, agora.

You should see a doctor.


Você deveria consultar um médico.

You shouldn’t be so Jeanous!


Você não deveria ser tão ciumento!

… mas, às vezes, é melhor usar um torneio do tipo

You should see a doctor.


Acho que seria bom você consultar um médico.
No seu caso, é recomendável consultar um médico

Sintagmas nominais
Os sintagmas compostos de um substantivo modificado por adjetivo
costumam ficar mais idiomáticos quando fazemos uma transposição
cruzada, como resultado da qual o que era adjetivo se torna substantivo
e o substantivo se torna transposição cruzada

Increased efficiency
Aumento na eficiência

Unprecedented growth
Crescimento sem precedentes
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 86
Danilo Nogueira

Termo vicário
Chamo vicário um termo usado como substituto de outro, para evitar a
repetição. O exemplo clássico é o dos pronomes usados para substituir
substantivos. Por exemplo, em João é muito inteligente, mas ele é
também muito arrogante, o pronome ele se usa para não repetir João.
Há também verbos vicários, geralmente fazer, como em: Detesto ler
jornal. Faço-o por necessidade, onde faço-o representa ler jornal.

 Vício de frequência
 Pronomes
 Do/did

O português usa menos termos vicários que o inglês um dos motivos


porque é tão difícil aprender a usar os auxiliares ingleses como vicários
e, por isso, usar sempre um vicário em português quando há um em
inglês constitui vício de frequência.

 Contaminação

They
They é um pronome e, em consequência, um termo vicário.

 Termo vicário

Como todos os pronomes, uma das opções é sempre omitir:

They give us cookies there


Dão biscoitinhos para a gente lá

Uma outra saída, também interessante, passa pela modulação, trocando


o agente pelo paciente

They give us cookies there.


A gente ganha biscontinho lá.

 Modulação

This/that
This e that podem ser tanto pronomes quanto adjetivos.
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 87
Danilo Nogueira

That book is too long. That is its main defect.

Na primeira frase, é adjetivo, na segunda é pronome, se é que você se


esqueceu a diferença.

 Pronome
 Termo vicário
 Vício de frequência

O inglês tende a usar mais pronomes demonstrativos do que o


português, em grande parte porque sua parca morfologia verbal requer
sujeitos explícitos. Usar pronomes demonstrativos em português não é
errado, mas, se traduzirmos para o português todos os pronomes
demonstrativos encontrados no original, nossa tradução vai parecer
pesada, artificial, pouco idiomática.

Omissão

Omitir é a primeira solução:

We sold the house. That seemed to be the best solution.


Nós decidimos vender a casa. Essa parecia ser a melhor solução.
Decidimos vender a casa. Parecia ser a melhor solução.

… onde, de cambulhada, alijamos mais um pronome. A maioria das


traduções (não só do inglês, mas é de inglês que falamos aqui) tem
pronomes à beça.

Substituição pelo referente

Tem um outro truque, para o qual nem encontrei um bom nome. É a


substituição pelo referente. Nem sempre é fácil e tem lá seu lado
perigoso, mas traduzir é viver perigosamente. Funciona assim:

However, investors need to ensure such positions are taken on in a


risk-controlled manner. This is particularly important in an
environment of rising volatility and potentially outsized market moves.
… Isso se torna se torna particularmente importante em um ambiente
onde aumenta a volatilidade e as movimentações de mercado podem
atingir um porte excessivo.
… Esse cuidado se torna particularmente importante

A pergunta é, de onde eu tirei esse cuidados . Bom, o que eles


estavam recomendando antes era um cuidado, não? Quer dizer, só
peguei um gancho da frase anterior. Concordo que o procedimento seja
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 88
Danilo Nogueira

perigoso e polêmico e nem todos aprovariam ou teriam coragem de


aplicar.

Tradução
David Bellos inicia seu Is that a Fish in you Ear, contando a história de
um tal Harris, que gozava da reputação de ter se recusado a ensinar
tradução, alegando não saber o que era tradução. Bom, saber o que é
tradução eu até que sei, só não sei definir. Diriam os melhores que eu
que não saber definir é mera desculpa de quem não sabe o que é, no
que têm toda razão.

Este verbete, entretanto, foi escrito mais para ser o espelho do verbete
sobre Original.

 Original

Hoje, tradução, para o resultado de nosso trabalho está fora de moda,


fala-se em T2, Metatexto, Texto de Chegada e Deus sabe em quantas
outras coisas esquisitas. Estão certos os que usam esses termos todos e
até os que brigam por um ou outro, que acham mais apropriados que os
demais. Mas, cá entre nós, acho que, quando ninguém está vendo, eles
também pensam e falam em tradução. Posso estar errado.

Tradução literal
A tradução literal é um dos sete procedimentos fundamentais descritos
por Vinay e Darbelnet e, na minha opinião, um dos procedimentos
nucleares, juntamente com a transposição e a modulação. Trata-se do
caso em que o original é traduzido palavra por palavra, com as
alterações morfossintáticas indispensáveis para se adequar à língua de
chegada. Por exemplo:

The boy ate a piece of cake.


O menino comeu um pedaço de bolo.

No caso acima, a cada palavra do original corresponde uma da


tradução com a mesma classificação morfológica que sua homóloga.
Porém aqui,

She dreamed of a new life.


Ela sonhava com uma vida nova.
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 89
Danilo Nogueira

…of, não recebeu sua tradução canônica, que é de, porque a regência do
verbo sonhar exigia com, ou seja, foi feita uma alteração para atender a
uma exigência morfossintática. No mais, a cada palavra inglesa
corresponde a palavra portuguesa homóloga e com a mesma
classificação morfológica. Para mim, a tradução continua sendo literal.

Literalidade não é erro

Literal não significa errado:

The boy ate a piece of cake.


O menino comeu um pedaço de bolo.

… é literal e perfeitamente correto. Quem, para evitar a literalidade,


fizer uma alteração simples, do tipo

The boy ate a piece of cake.


O menino comeu uma fatia de bolo.

…está se desviando do original e perdendo a precisão sem proveito


nem finalidade. O pedaço de bolo pode ser uma fatia, mas também
pode ser um cubo ou até mesmo um naco quebrado com as mãos.
Muita sorte se não acontecer de o texto dizer mais adiante que a mãe do
menino sempre cortava bolo em cubos.

Quando rejeitar uma tradução literal

Rejeite a tradução literal quando trair o sentido do original ou a norma


culta ou, ainda, se ficar em estilo capenga. Por exemplo:

He drove his new car up main street.


Ele dirigiu seu carro novo para cima da principal rua.

…é inaceitável porque, além de não ser português que se preze, ainda


trai o sentido do original.

O ponto de partida

A velha máxima de que a tradução deve ser tão literal quanto possível e
tão livre quanto necessário continua valendo.

Tradut or ês
Uns chamam tradutorês, outros chamam tradutês, mas não encontrei
nenhuma das formas dicionarizadas, o que, aliás, fala mais dos
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 90
Danilo Nogueira

dicionários do que das próprias palavras. São palavras e expressões em


português que achamos quase que exclusivamente em traduções,
embora tenham correspondentes perfeitos na língua usual.

Em alguns casos, desaparecem com o tempo como o zinha, encontrada


como tradução de chick em legendas antigas. Em outros casos, vão aos
poucos se agregando ao repertório padrão da língua. Um exemplo é
como se não houvesse amanhã, que é uma tradução literal if there was
no tomorrow, que hoje é comum em português. Antigamente, se dizia
como se o mundo fosse acabar hoje.

 Dicionário
 Modulação

Transposição
A transposição é um dos sete procedimentos fundamentais descritos
por Vinay e Darbelnet. Faz parte, juntamente com a tradução literal e a
modulação, do grupo central dos procedimentos mais férteis em
soluções tradutórias. É tão produtiva que merece um livro só para si.

Além disso, é o primeiro procedimento da série da tradução indireta.

Trata-se de substituir ao menos um termo da língua de partida por um


termo da língua de chegada que tenha o mesmo sentido, mas uma
classificação morfológica diferente.

Muitas vezes, a transposição é obrigatória. Por exemplo, em

The volcano erupted in May


O vulcão entrou em erupção em maio

…não há verbo português que traduza erupt, então temos que apelar
para a transposição, usando um torneio de frase que envolve um
substantivo português e um verbo-muleta português.

 Muleta

Mas muitas vezes é opcional:

He shot himself in the foot.


(Ele) baleou seu (próprio) pé.
(Ele) deu um tiro no (próprio) pé.
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 91
Danilo Nogueira

Embora a primeira sugestão, uma tradução literal, esteja perfeitamente


correta, a segunda sugestão, com transposição, é mais idiomática. Aqui,
estamos naquela situação cujo estudo me parece fundamental para
quem traduz do inglês para o português: a do verbo inglês que é
decomposto em um substantivo abstrato com o poio de um verbo-
muleta e uma partícula de conexão.

 Must
 Substantivos abstratos
 You

Verbo
Não posso provar, mas minha experiência é que inglês fala com verbos,
o português com substantivos. Acredite se quiser. Só não me venha
com filosofices do quilate de os povos anglo-saxões, mais
dinâmicos… seguidas de cinco mil citações de abstrusos filósofos
franceses.

Mas o fato é que grande parte dos truques de tradução inglês português
está ligado à capacidade de quem traduz para lidar com os verbos
inglês, muitas vezes desdobrando seu sentido em um verbo português
mais alguma frase que contenha um substantivo.

Verbos mais específicos

Muitos verbos ingleses são mais específicos que seus congêneres


portugueses, o que nos obriga a usar algum tipo de complementação:

I usually fly to Chicago, but decided to drive this time.


Geralmente, vou para Chicago de avião, mas decidi ir de carro desta
vez.

Tem gente que diria geralmente voo para Chicago , mas eu acho que
quem voa são o Superman e quejandos.

Esse é um dos motivos porque as traduções do inglês costumam ser


mais longas que seus originais ingleses. O português precisa de 72
caracteres, onde o inglês se satisfez com 58. Uma diferença de 24% o
que não é pouco.

Por outro lado muitas vezes esse aspecto específico do verbo é


irrelevante. Por exemplo, em

Mary flew to London the next Monday.


Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 92
Danilo Nogueira

…é claro que você pode dizer

Mary viajou para Londres de avião na segunda-feira seguinte.


Mary pegou o avião para Londres na segunda-feira seguinte.

…porém, se o contexto deixa claro que Mary estava em Tóquio, por


exemplo, a informação de que ela foi de avião, e não de bicicleta, por
exemplo, provavelmente é irrelevante.

 Relevância

Falta de boa tradução comum

Note estes outros casos em que o verbo inglês ou não tem um bom
correspondente em português, ou tem um correspondente raro, o que
nos leva a usar um predicado mais amplo:

The corporal saluted the sergeant.


O cabo prestou continência ao sargento.

The volcano erupted on Tuesday.


O vulcão entrou em erupção na terça-feira

The general reviewed the troops


O general passou as tropas em revista.

Em outros casos, é mais fácil expressar os matizes dos verbos ingleses


usando abstratos em português. Por exemplo a oposição entre

I hope she will come.

I expct she will come.

…só fica clara se dissermos

Tenho esperança de que ela venha.

Tenho a expectativa de que ela venha;

O problema, nesses casos, é que precisamos encontrar um verbo para a


frase, algo complicado, porque nossos dicionários não costumam dar
esse tipo de informação.
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 93
Danilo Nogueira

Por outro lado, a morfologia do verbo inglês é paupérrima, o que


obriga a usar pronomes onde são dispensáveis em português. Por isso,
é sempre recomendável questionar todos os pronomes numa tradução,
para ver se eles estão lá porque o português precisa ou porque eram
necessários em inglês.

 Muleta
 Colocação

Voz do tradutor
É impossível calar a voz do tradutor: por mais cuidado que você tome,
sua visão da vida vai matizar sua tradução. Mas, por favor, procure
falar baixo e nunca mais alto que o autor. Tenha sempre em mente que
o leitor está lendo para saber o que o autor disse, não o que você acha
que deveria ter sido dito.

Além de um certo limite, o que seria uma tradução salta o muro da


adaptação e vira obra nova.

 Adaptação
 Intervenção do tradutor

É o que provavelmente se aplica à famosa (embora quase ninguém


tenha lido) tradução de King Solonon’s Mines feita por Eça de Queiros
e publicada como As minas do rei Salomão .

Vício de frequência
Vício de frequência é o uso de construções perfeitamente corretas,
porém com frequência diferente nas línguas de partida e de chegada.
Por exemplo:

I like chocolate.
Eu gosto de chocolate.

A frase portuguesa está correta, mas o eu é dispensável em português,


ao passo que o I é indispensável em inglês.

Embora seja perfeitamente correto, traduzir todos os pronomes


encontrados num texto inglês por pronomes em português constitui
vício de frequência, porque as frases sem sujeito explícito, raríssimas
em inglês, são comuns em português. O extremo oposto, que é jamais
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 94
Danilo Nogueira

usar pronomes, constitui igualmente vício de frequência, porque nós


usamos pronomes em português.

Não há uma fórmula para lidar com vícios de frequência: diferentes


tradutores e revisores vão preservar ou omitir os pronomes em
diferentes situações, muitas vezes de acordo com critérios puramente
subjetivos.

 Estilo
 Contaminação

Viés
Todo texto tem seu viés, que geralmente só notamos quando
discordamos dele. O viés do texto faz parte integrante da mensagem e
deve ser preservado na tradução. Uma tradução do Mein Kampf sem o
viés antijudaico simplesmente seria uma má tradução. A tradução deve
transmitir a mensagem contida no original, não a mensagem que o
tradutor acha que o original deveria transmitir. A eliminação de vieses,
por menos que concordemos com eles, não se coaduna com a missão do
tradutor, que é retransmitir mensagens, não censurar a obra alheia, por
mais censurável que nos pareça.

We
Como todos os pronomes, we é um termo vicário e, por isso, exige
cuidados especiais.

 Termo vicário

Traduzir literalmente ou omitir

Muitas vezes, simplesmente pode e deve ser eliminado da tradução,


por ser desnecessário em português:

We travelled to London together


Fomos para Londres juntos

 Economia vocabular
 Vício de frequência

Traduzir por a gente

Em linguagem informal, a tradução pode ser a gente :


Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 95
Danilo Nogueira

We always have dinneer together on Saturdays.


A gente sempre janta junto nos sábados.

Conselhos e admoestações

We também se usa em conselhos e admoestações:

We do not dump food on the floor.


Nós não jogamos comida no chão.

Nesses casos, traduzir literalmente daria a impressão arrogante de que


o interlocutor não passa de um porco enquanto nós somos limpinhos e
civilizados, quando a frase inglesa é simplesmente uma admoestação
suave muitas vezes dirigida a uma criança e o we é só um artifício para
incluir o interlocutor nosso mundo. Melhor traduzir por

We do not dump food on the floor.


Nós se joga comida no chão.
A gente não joga comida no chão.

…usando a passiva sintética que é mais informal) ou o informalíssimo


a gente como técnica de inclusão.

Will
A velha regra que requer a troca de shall por will nas primeiras
pessoas está em plena obsolescência, entretanto, é válida para os textos
mais antigos. Como não posso aqui apresentar uma visão diacrônica do
inglês, tenho de deixar a seu cargo decidir se, para o texto que está à
sua frente, ela ainda é válida.

Futuro

O uso mais comum de will é para formar o futuro,(I’ll buy), tendo


como opção be going to (I am going to buy). Existem numerosas
explicações sobre as diferenças entre uma e outra forma. Entretanto,
salvo pelo fato de que as formas com going to não se usam no registro
mais formal, as diferenças são difíceis de definir e variam muito de
pessoa para pessoa e de uma região para outra.

O português brasileiro atual tem três futuros, que considero legítimos


numa tradução. O primeiro é o futuro do presente simples: comprarei;
o segundo é o futuro perifrástico vou comprar, o terceiro, é o próprio
presente do indicativo: compro. O futuro simples deve ser reservado
exclusivamente para os registros formais; os outros dois devem ficar
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 96
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para os registros informais. Há quem use irei comprar, que me parece


uma hipercorreção pedante que, por isso, jamais uso.

Outras acepções

Mas é perigoso traduzir will sempre pelo futuro, porque é uma


palavrinha matreira, com inúmeras outras acepções.

Por exemplo

Doctor Jones will see you now.

… dita por uma recepcionista num consultório médico, não é

O dr. Jones verá a senhora agora.

mas fica bem traduzido por:

Pode entrar!

 Equivalência

Também pode expressar uma recusa em fazer alguma coisa:

Fern won’t eat meat.


Fern não comerá carne.
Fern se nega a comer carne.
Fern não come carne de jeito nenhum.

Ou um acontecimento inevitável:

Oil will float above water.


O óleo flutua na água.

…onde não caberia usar o futuro português. Ou

Men will be men.


Homem é assim mesmo.

 Equivalência.

Would
Em alguns lugares (e em textos mais antigos), ainda se respeita a regra
de que should e would trocam de função quando conforme a pessoa.
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 97
Danilo Nogueira

Essa distinção está desaparecendo rapidamente e, aqui, não vai ser


respeitada. O contexto dirá se, no texto que você tem pela frente, essa
oposição ainda é válida.

Futuro do pretérito

O uso mais comum de would é na formação do futuro do pretérito:

She said she would come.


Ela disse que viria.

De quebra, na tradução, cortamos um pronome desnecessário.

Negativas e impossibildiades

Quando usado para expressar uma negativa ou uma impossibilidade:

He wouldn’t sign the statement.


Ele se negava a assinar a declaração.
Não queria assinar a declaração de jeito nenhum.

Hábitos passados

Quando would é usado para refletir um hábito passado, não se traduz


pelo futuro do pretérito:

We would often go to school together.


A gente muitas vezes ia para a escola juntos.

Note, aqui, o uso de a gente para traduzir we o que reforça a


intimidade do relacionamento.

You
Este verbete trata exclusivamente de you como pronome do caso reto.

 Pronomes oblíquos

Como todo pronome, you é um termo vicário.

 Termo vicário
 Vício de frequência
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 98
Danilo Nogueira

Manter ou omitir?

Não é errado manter o you. Entretanto, traduzir todos os casos de you


de um texto por seus homólogos em português ou não traduzir
nenhum é vício de frequência. Muito depende do contexto e mesmo
de escolhas pessoais. Por isso, num texto com dez ocorrências de you,
entregue a cinco tradutores, podemos ter certeza de que não haverá
dois com as mesmas soluções.

 Vício de frequência

Quando aparecem vários casos de you no mesmo período, geralmente


vale a pena manter o primeiro:

You don’t have to go to the movies, you can go to the theater, and you
can even stay at home.
Você não precisa ir ao cinema, pode ir ao teatro, pode até mesmo ficar
em casa.

Entretanto, uma boa parte das vezes, na linguagem escrita, vale a pena
omitir o you:

Do you like Italian food?


Gosta de comida italiana?

Você, o senhor, tu, vós?

Se resolver traduzir o you, vai ter de escolher entre pelo menos quatro
pronomes portugueses: tu, vós, o senhor e você, para não falar em
casos especiais onde podemos usar se, nós ou até a gente por incrível
que possa parecer.

Sem contar os casos onde o português exige formas de tratamento


especiais, como no caso dos juízes e autoridades.

Tu é cada vez mais regional. Juntamente com vós, é também muito útil
para textos de época, quer dizer textos escritos há muito tempo ou
textos modernos ambientados em tempos passados.

O uso de você avança rapidamente em todo o Brasil. Você tem a


vantagem de não ser sexista. Se optarmos por senhor, ou excluímos as
mulheres de vez, ou usamos coisas como o(a) senhor(a), uma
construção pesada e cansativa que acaba por colocar as mulheres em
segundo lugar, como apêndices dos homens, uma construção que só se
recomenda para textos extremamente formais.
Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 99
Danilo Nogueira

Uma vez feita a escolha, deve ser mantida. Poucas coisas piores do que
um texto onde a mesma pessoa trata alguém alternadamente por você e
o senhor. Uma boa regra é usar senhor/senhora quando o inglês usa
Mr./Mrs/Miss. Nos outros casos, use você.

Aliciamento

É muito comum usar you para convencer o leitor a se tornar nosso


aliado numa causa:

You don’t do this to children.

Caso em que o melhor é usar a passiva sintética em português:

You don’t do this to children.


Isso não se faz com uma criança.
A gente não faz isso com criança

… sempre lembrando que a gente é extremamente informal

You don’t wear red to a funeral


Não se usa vermelho em funeral.

Em situações muito informais, a gente é uma boa solução para aliciar o


leitor:

You don’t wear red to a funeral


A gente não usa vermelho em funeral.

Conquista de atenção

Muitos livros anglo-americanos sobre redação recomendam usar you


para conquistar a atenção do leitor. Em

You should oil this machine once a week.

…o autor não quer dizer que o leitor tenha de pessoalmente lubrificar a


máquina, mas só procurando obter a atenção de quem lê. Nesses casos,

You should oil this machine once a week.


É recomendável lubrificar esta máquina uma vez por semana.
Esta máquina deve ser lubrificada uma vez por semana.
Lubrifique esta máquina uma vez por semana.

…é uma ótima solução para evitar o uso excessivo de you.


Técnicas de Tradução (2ª Ed.) 100
Danilo Nogueira

You don’t change a winning team.


Não se mexe em time que está ganhando

 Imperativo
 Modulação
 Should
 Vício de frequência

…oooOOOooo…

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