You are on page 1of 15

1.

Considerações iniciais sobre a passagem do mito ao surgimento da


filosofia:

O direito é uma instituição social que tem por finalidade atender às


necessidades sociais – as reivindicações, exigências e expectativas
decorrentes da existência da sociedade civilizada –, realizando o máximo
possível com o mínimo de sacrifício na medida em que tais necessidades ou
reivindicações possam ser atendidas mediante a organização da conduta
humana em uma sociedade politicamente organizada.

Nos mitos dos pré-modernos e nos mitos filosóficos dos modernos –


por exemplo, em variações da narrativa do contrato social –, homens e
mulheres unem-se na solidão diante da morte, para manter a vida e formar a
sociedade. Na tradição da filosofia jurídica liberal fundada por Thomas Hobbes
(1651) e desenvolvida nas ultimas décadas por H.L.A. Hart (1961), o objetivo
básico da legalidade é a sobrevivência.

1.1 Existência Social (aspecto físico e existencial): a segurança


física e a segurança existencial são duas exigências que invocam dois
conjuntos de inimigos. O primeiro deles gira em torno da fome, da doença, dos
assassinatos, da violência contra o corpo e da falta de recursos materiais
(sobrevivência biológica não constitui a totalidade da existência humana). O
outro gira em torno de um pólo menos óbvio que envolve o medo do
desconhecido, o desejo de conhecimento e estima, o desejo de criar, encontrar
beleza e ser indivíduo (existência que transcende as questões meramente
biológicas, que vão além das necessidades imediatas para a sobrevivência da
espécie humana).

1.2 Mitologia: a filosofia desenvolveu-se a partir da mitologia. O


objetivo da filosofia foi sempre o de manter o delicado equilíbrio entre a
humanidade e o cosmo. Ela interpreta as criações de nosso intelecto e nossos
modelos racionais de modo que os despoje de seu mistério e os transforme em
entidades com as quais possamos nos relacionar. A mitologia torna-se filosofia
através da maior amplitude de nossas interpretações. Assim, por exemplo, a
união do beligerante (guerreiro, propenso a embates por meio da guerra, poder
de coerção) Zeus com a pacífica Têmis (deusa da ordem comunitária e da
consciência coletiva) pode representar tanto a necessidade de diferenciar e
equilibrar o cumprimento ativo e agressivo das prescrições (leis) com o ideal de
estabilidade e paz social, bem como de ilustrar que a segurança doméstica
exige, no mínimo, a capacidade de recorrer à espada. Assim como Zeus, sem
a influência de Têmis, pode ser um tirano cruel e selvagem, também o direito,
cego a sua eficácia e consequências sociais, pode ser uma arma selvagem.

1.3 Origens da Filosofia Grega Clássica (Platão e Aristóteles): o


mundo era entendido como o local das variações constantes, permeado pela
contingência e pelo caos, caracterizado pela diversidade e pela desordem. Por
outro lado, Platão e Aristóteles afirmavam a existência de ordem natural
subjacente ou inerente ao mundo e, uma vez que seus princípios (imutáveis e
universais) básicos fossem conhecidos, tal ordem poderia constituir as bases
da ordem social do mundo. Esses princípios da verdade ontologicamente
concebidos não dependiam das relações sociais particulares como fontes de
sua apreensão, a verdade era percebida fora do contexto social. Entretanto,
com o surgimento das cidades-Estado surge a necessidade de lidar com novas
questões criadas pelo avanço do conhecimento e da atividade mercantil. O
natural, compreendido enquanto fonte do mistério e do sagrado, impunha
respeito, e tornou-se o fundamento das normas para o comportamento
humano. A vida implicava normas e práticas, rituais e cerimônias voltados para
a agricultura, a pesca, a caça, o acasalamento, o nascimento, a transição da
infância para a vida adulta, o enfrentamento da doença, da morte e do
sepultamento. Os mesmos imperativos naturais que, acreditava-se, operavam
em toda a natureza – o clima, a terra, o Sol e a Lua – mantinham a
humanidade unida. Porém, se o homem primitivo talvez se sentisse sem poder
diante da natureza, ou apenas um poder menor entre tantos outros, ele
também se via como parte integrante do mundo natural; ao contrário, o homem
moderno compreende a natureza como pode exercer sua vontade por meio da
tecnologia.

1.4 Desenvolvimento da cidade-Estado: era ao mesmo tempo


criação da capacidade de organização do homem e lugar de imperfeições.
Realidade viva, convidava ao aperfeiçoamento. Exigia análise racional na
esperança de solução de problemas e do progresso. Surge a democracia onde,
nesse contexto, debatia-se publicamente a respeito da origem e ordenação do
mundo de maneira inteligível e não mais orientada pela perspectiva de um
direito divino que concedia o poder da governança a uma monarquia que
fundava sua legitimidade nos preceitos advindos da religião e da mitologia. Na
juventude de Platão, o movimento democrático era formado por homens de
origem humilde (ele era pertencente a uma família de aristocratas, de pessoas
que se envolviam com questões políticas) que tinham o poder de dominar a
assembleia popular com a força de sua retórica; uma vez no poder, as políticas
tendem a tornar-se populistas, o que agradaria ao público, e não uma análise
racional daquilo que as circunstâncias exigem. Isso refletia a crença de Platão
de que não havia nada a ser feito com a situação política de seu tempo, e que
a esperança residia na preparação das futuras gerações no sentido de uma
busca racional pelo verdadeiro conhecimento (que independe do seu par
binário oposto e que se expressa em escalas distintas de perceptibilidade),
bem como na necessidade de aplicar tal conhecimento à esfera da política
prática. As tensões da vida social devem ser equilibradas pelo poder direcional
que o conhecimento (transcendental) do justo, do bem e do correto oferece. A
justiça, para Platão, não poderia ser construído argumentativamente, como
acreditam os sofistas. Para ele, precisamos transcender as circunstâncias que
vão além da vida prática, nossas opiniões e convenções e ver, ou apreender, a
realidade pura.

1.5 Conhecimento transcendental (metodologia epistemológica


platônica): mundo das essências puras (ideias) X mundo das aparências. É
como se o conhecimento genuíno/verdadeiro se manifestasse quando a alma
cessa de vagar pela estreita esfera dos corpos materiais, desliga-se da
percepção dos sentidos (mundo sensível) e libera um tipo de inteligência que
volta seu olhar para o aspecto imutável das coisas (mundo inteligível). A alma
(atividade intelectiva) deve libertar-se do corpo e de seus sentidos
inconstantes, e pôr em operação suas faculdades intelectuais.

Os sofistas eram céticos quanto à possibilidade do conhecimento


verdadeiro; impressionados diante da variedade e da constante transformação
das coisas, argumentavam que, como o conhecimento provém da experiência
individual, nosso conhecimento reflete essa variação, sendo portanto relativo a
cada pessoa. Platão concordava que o resultado de se fundamentar o
conhecimento em nossos sentidos é a variação, mas afirmava que o
conhecimento real pertence à essência, à ideia. Platão é frequentemente
acusado de um perigoso elitismo ao afirmar que os indivíduos que conhecem o
bem são superiores aos que permanecem presos à convenções morais e
políticas existentes. O homem que conhece o correto e o justo, ou o bem, pode
não ser o vencedor, pois nesse embate é muito mais vantajosa a posição
daquele que conhece os procedimentos da caverna, os subornos, as mentiras,
o uso das sombras, a “informação incompleta das pessoas”, as contradições no
interrogatório das testemunhas pela parte adversa.

2. A Filosofia do Direito de Platão:

2.1 Justiça: algumas pessoas são dotadas essencialmente da


habilidade de compreensão das verdades absolutas que proporcionam o bem
comum e, nesse sentido, Platão se mostra predisposto a defender a coerção e
a manipulação como meios necessários para que ele seja alcançado. Dessa
forma, justiça significa algo como “o que é necessário para o funcionamento do
bem comum”. A liberdade de pensamento característica das ordens sociais
democráticas constitui, segundo Platão, o principal fator que contribui para a
sua destruição, que comprometem o sentido coeso de organização da
sociedade. Ele adverte que a dissensão prospera quando não há coesão
social, e que o resultado é a luta de classes. É necessário que exista uma visão
social abrangente no sentido de assegurar que a estrutura social seja justa.
Desunião, incompetência e violência eram os piores perigos contra os quais
Platão julgava que a sociedade devia ser protegida. O direito no contexto da
cidade-Estado vem assegurar a ação coletiva.

2.2 Leis: o objetivo da legislação não é o bem estar específico de


qualquer classe em particular de nossa sociedade, mas o da sociedade como
um todo; e esse objetivo comporta a persuasão e a coerção, para unir todos os
cidadãos e fazê-los compartilhar os benefícios que todo indivíduo pode trazer à
comunidade; e seu objetivo, ao enfatizar essa atitude, é o de não permitir que
cada um faça o que bem entende, mas sim fazer de cada homem um elo na
unidade do todo. O direito impregna os padrões de pensamento de todos
(determina o comportamento ideal que cada um deverá adotar de acordo com
as funções específicas que desempenham em prol do bem comum),
sancionando uma existência social em que o coletivo esmaga a individualidade.
Havia a crença de que virtude e lei eram interdependentes: a boa lei levava à
virtude, e esta resultava em boas leis.

2.3 Estado (república): há um combate ao subjetivismo, ao


atendimento de interesses particulares, fazendo-se imprescindível o
estabelecimento da autoridade por meio de um sistema educacional onde
somente a elite dispõe dos recursos da educação, do tempo e da aprovação
para envolver-se com o questionamento intelectual sistemática em busca do
conhecimento da essência imutável das coisas. Decorre disso, que à massa da
população é imposto um conjunto único de valores, sendo o cidadão médio
desestimulado ao questionamento das convenções sociais, visto que estas
constituem a base da ordem social, assegurando-se que mais tarde eles não
venham a tornarem-se céticos quanto a elas. Platão também enfatiza o
imperativo de se manter a unidade o tempo todo, uma necessidade que o leva
a sugerir a exigência de um mito de fundação; uma narrativa grandiosa que
transmitisse convicções à comunidade toda e legitimasse a divisão por classes
e as diversas instituições. As pessoas seriam compostas intrinsecamente de
maneiras diferentes; os Guardiães (a classe dirigente – elite – conjunto de
especialistas sistematicamente produzidos e educados) teriam ouro em sua
natureza e estes, por sua vez, estariam autorizados a impor medidas que
assegurem a unidade e acabem com as fontes de conflito e instabilidade. Os
pais da criança com ferro ou bronze em sua constituição devem endurecer seu
coração e rebaixá-la às categorias dos operários ou agricultores. A propriedade
é comum e a família nuclear não existe, sendo substituída por escolas
mantidas pelo Estado e por programas educacionais fixos de controle
igualmente estatal.

2.4 Contraponto com Aristóteles (unidade X uniformidade):


Aristóteles assinala que Platão é incapaz de distinguir entre unidade e
uniformidade. Tendo em vista sua divisão das pessoas em diferentes papéis
sociais, a unidade da sociedade provém do desempenho dos papéis dentro de
uma mesmice uniforme. Argumenta Platão que, se uma pessoa não consegue
desempenhar o papel social que estrutura sua vida (que a torna parte
constituinte de um todo na medida em que é útil em relação à coletividade), a
continuidade de tal vida perde todo e qualquer sentido. A opinião da pessoa é
irrelevante, mera subjetividade em desarmonia com a realidade objetiva.

2.5 Direito: possui um papel limitado e não deve ser um obstáculo aos
governantes: “homens bons não precisam de ordens, (...) saberão descobrir
facilmente qual legislação é necessária em termos gerais”. Os conflitos por
interesses não são regulados por uma estrutura jurídica, mas simplesmente
abolidos. Portanto, uma sociedade pluralista seria considerada um fracasso por
Platão, uma vez que seus membros veriam a si próprios como pertencentes a
grupos menores, muitos dos quais com objetivos conflitantes. Em vez de ser
uma ordenação jurídica ou um código de leis, a educação dos Guardiães
confere força estrutural à República, e eles não se veem limitados por uma
Constituição, ou por leis, em suas relações com as outras classes que
constituem o objeto de seu domínio. A segurança desse “Estado ideal” funda-
se sobre a predisposição das pessoas em acreditar em um mito. A obediência
racional, e não o medo das sanções, é o método mais eficiente para se obter
obediência, razão pela qual cada artigo da lei deve conter um preâmbulo para
explicar a racionalidade desta e, espera-se, tornar redundante o elemento
repressor do direito positivo (a incorporação em um código jurídico de certos
critérios morais absolutos). É melhor que uma pessoa se abstenha de cometer
crimes, ou adote um certo modo de agir, não por medo das consequências de
seus atos, mas por estar convencida de sua legitimidades.

3. A Filosofia do Direito de Aristóteles

3.1 Mudança ou desenvolvimento teleológico da natureza: para


Aristóteles devemos voltar nossa atenção para o modo como as coisas
funcionam neste mundo (mundo visível/sensível) procurando pelas
semelhanças subjacentes (que se mantém sempre iguais independentemente
de causas externas ou de um princípio superior da razão que o determine) no
movimento e na transformação do cosmo. Os objetos naturais mudam tendo
em vista o seu fim (no sentido de finalidade/objetivo específico), e é por meio
do entendimento desse processo que o “bem” dos objetos e ações se torna
visível (observação da realidade prática das relações no âmbito da
sociabilidade e da troca, ou seja, o empirismo).

3.2 Homem político (zoon politikon): a existência social é natural, e


não um compromisso forçado, está na natureza dos seres humanos viver em
sociedade. A cidade-Estado grega é o resultado da união de outras cidades
menores que por meio desse processo atingiram sua autossuficiência. A
cidade-Estado não existe com finalidade única de satisfação das necessidades
materiais dos seus cidadãos, ao contrário, ela é formada objetivando satisfazer
a necessidade humana de uma vida existencial satisfatória e torna
imprescindível um empenho coletivo para que esse modo de vida que busca
por um sentido/razão de ser que transcenda o meramente biológico esteja em
harmonia com a natureza do homem. O objetivo para o qual uma coisa existe,
seu fim, é o bem supremo; e a autossuficiência é um fim, e um bem supremo.
Portanto, fica claro que a cidade-Estado é um desenvolvimento natural (surge
da necessidade de organização do comportamento humano visando o bem
comum), e que o homem é, por natureza (e não em decorrência das
convenções sociais), um ser inclinado a uma existência cívica.

3.4 Dialética da potencialidade e da realização: é o processo de


desenvolvimento e transformação do cosmo onde tudo tem o poder (a
possibilidade) de tornar-se aquilo que sua forma estabeleceu como seu fim, é a
lei fundamental da natureza (o menino deve existir e ter uma certa natureza –
condições ideais de desenvolvimento – para que possa transformar-se em
homem).

3.5 Almas: são os diferentes modos de organização dos corpos e


Aristóteles estabelece um esquema hierarquizado de seus fins. A alma
vegetativa tem apenas existência material/biológica, a alma sensível além de
existir também sente, e a alma racional existe, sente e pensa (desta última
decorre a capacidade de deliberação/escolha humana).

3.5 Fins instrumentais: atos praticados como meios para outros fins
(trabalhar, estudar, se exercitar).

3.6 Fins intrínsecos: atos praticados em seu próprio interesse. Para o


homem o fim encontra-se numa vida ativa que envolva a reflexão e a ação
racionais (atividade da alma em conformidade com a virtude – finalidade
suprema é a felicidade – eudaimonia – de conteúdo variável conforme as
situações particulares e suas especificidades).

“Quando descobrimos o que os homens almejam, não de acordo com


suas habilidades e aptidões específicas, mas como homens, chegaremos
então à ação pela ação, para qual toda e qualquer outra atividade é somente
um meio, e esse, diz Aristóteles, deve ser o bem do homem. O bem do homem
é algo que existe independentemente das diferentes tarefas nas quais ele se
engaja.” (o homem bom é aquele que desempenha sua função como homem).

3.7 O bem enquanto potencialidade: os seres humanos não estão


predestinados, por uma força inevitável, à prática do bem; para o homem, o
bem é uma potencialidade, mas não irá concretizar-se sem o concurso de
nossa deliberação e nossa consequente opção de praticá-lo. Há a somo do
desejo de se fazer a coisa certa ao raciocínio para a consecução de tal objetivo
(ação moral). Contraponto: Platão acreditava que homem sempre irá praticar o
bem uma vez que o tenha conhecido no mundo das ideias, apartado da
experiência humana.

3.8 Atos voluntários: são ações humanas pelas quais nos tornamos
responsáveis por suas consequências, pois foram desejadas e racionalmente
orientadas.

3.9 Atos involuntários: não somos responsáveis por suas


consequências, pois não deliberamos sobre sua escolha. 1) atos praticados por
ignorância de circunstâncias particulares; 2) resulta de uma compulsão externa
(atos não determinados pela nossa capacidade de deliberação e escolha); 3) é
praticado de modo que evite um mal maior (estado de perigo ou necessidade).

3.10 Virtude: é o cumprimento da função característica do homem e a


vivência que ele tem de seus sentimentos e emoções como o meio termo entre
extremos (entre a carência e o excesso – vícios), é o produto do controle
racional das paixões. A virtude moral surge como resultado do hábito e tem de
ser aprendida e praticada, e só se concretizam através da ação. Virtudes
cardeais (principais virtudes pelas quais o ser humano deve orientar sua ação
no mundo): coragem, moderação, justiça e sabedoria.
3.11 Lei: é o instrumento pelo qual a cidade-Estado (polis) é
direcionada para o bem comum, ou através do qual uma classe dominante de
alto nível dirige a cidade (há a possibilidade de que existam leis que, embora
sancionadas, não cumpram essa finalidade e, diante dessa hipótese, a
desobediência se torna legítima).

3.12 Justiça (sentido geral): o homem age de maneira injusta quando


infringe a lei, desde que essa cumpra a finalidade de promover o bem comum.

3.13 Justiça particular corretiva: incide sobre o âmbito das


transações privadas sendo exercida pelo juiz para dirimir os conflitos dentro de
uma relação litigiosa e punir os infratores norma. Ela pode ser formal ou
substantiva. Exemplo da imposição de uma multa: a pena pecuniária fixa que
recai sobre o rico e o pobre de forma igual para ambos (igualdade proporcional)
e aquela que é ajustada de acordo com os recursos inerentes a cada uma para
o seu adimplemento (desigualdade proporcional).

3.14 Justiça distributiva: é aquela que leva em consideração a


excelência no desempenho das funções de uma pessoa como critério para o
recebimento de recompensas como forma de reconhecimento. Os menos
merecedores devem ser menos recompensados. Aristóteles sugere que o
critério do mérito está relacionado à concepção geral da sociedade ou da
cidade-Estado grega. O filósofo critica a afirmação de Platão de que o Estado é
criado para suprir as necessidades da vida humana, afirmando, pelo contrário,
que o objetivo fundamental é alcançar o bem. Se as pessoas são iguais, devem
ter partes iguais, se são desiguais, devem ter partes desiguais. (IGUALDADE).

3.15 Direito: é o sistema que cria a estrutura normativa do processo de


distribuição dos bens por meio de critérios de julgamentos consensuais
instituída pelas trocas e regras sociais dentro das quais os homens podem
calcular divisões justas e equitativas. É a correta descrição das diferenças e
diferenciações qualitativas em termos das diferentes partes constituintes do
Estado, e ainda que este seja uma comunhão (ou confraternidade) unida por
um objetivo comum, é formado por membros dessemelhantes, funções e
políticas distintas e diferentes modalidades de vida e padrões de excelência
(concepção de ESTADO).
Uma vez que o direito é a ordem da comunidade política (a reunião de
homens que deliberam sobre o bem comum), a justiça é uma função do Estado
e a tarefa do direito consiste em determinar qual é a natureza (finalidade) da
justiça. Portanto, a justiça (a busca pelo bem comum levando-se em
consideração as especificidades possíveis de configuração do mérito quanto ao
recebimento das recompensas) faz parte da função política (deve ser
discutido/deliberado pelos homens guiados pela racionalidade em busca da
virtude – meio termo).

4. Filosofia Medieval

4.1 Universalismo: declínio das cidades-Estado gregas e ascensão do


Império Romano por Alexandre Magno. O homem deixa de ser percebido como
o animal político definodo por seu relacionamento com a polis, e passa ser
definido enquanto indivíduo inserido no contexto do valor universal do humano
(habitante do mundo).

4.2 Estoicismo: movimento pós-aristotélico que tinha por objetivo a


produção da autossuficiência e do bem-estar individual. Os estoicos
procuravam a felicidade através da sabedoria para determinar o que podia ser
controlado pelo poder humano e aceitar com dignidade o que estava além do
controle do homem. Partiam do pressuposto de que era mais conveniente
aceitar com dignidade os eventos/fatos da realidade do mundo do modo como
se apresentam e desejar, positivamente, que operem em conformidade com as
exigências naturais de seus processos. Implica o controle das emoções e a
aceitação tanto das forças da vida quanto do destino em um cosmo que,
quanto ao mais, é caótico e imprevisível. Nesse contexto, Deus é uma forma
unificada de razão que controla e ordena a estrutura da natureza,
determinando assim o curso dos eventos no mundo.

Mediante o uso de sua razão, o homem compreende a verdadeira


ordem das coisas e o seu lugar nessa ordem; é assim que ele se dá conta de
que tudo obedece às leis da existência. O homem deve, portanto, associar seu
comportamento à ordem do direito “natural” (vontade divina).

4.3 Cícero: acredita que a filosofia e a retórica (capacidade de


persuasão através de práticas discursivas) eram inseparáveis, e que a mais
elevada realização humana estava no uso efetivo do conhecimento na
orientação das atividades humanas. Uma sociedade livre é uma república
constitucional onde a persuasão, e não a coerção, é o instrumento do poder
político. A lei é a razão superior em conformidade com a natureza,
disseminada entre todos os homens. As leis foram feitas objetivando promover
a segurança dos cidadãos, a preservação dos Estados e a tranquilidade e
felicidade da vida humana. Ele afirma que todos nós nascemos para a justiça, e
só os maus hábitos e as falsas crenças nos impedem de compreender a
igualdade e a semelhança humanas subjacentes. É na ordem social – e não na
natureza - que se encontra a origem da desigualdade. A natureza exige que os
homens se tratem com igual respeito e dignidade em decorrência de serem os
mesmos membros de uma fraternidade originária que os precede. O Estado
deve tronar-se uma comunidade ética, unida pelo consenso comum quanto à
lei e o direito. O direito é a razão mais alta, inculcada na natureza (fonte de
preceitos acessível a qualquer indivíduo que faça uso da razão), que determina
o que deve ser feito e proíbe o seu contrário. Essa razão, quando solidamente
estabelecida e plenamente desenvolvida na mente humana, é o direito. A
origem da justiça deve ser encontrada no direito, pois o direito é uma força
natural (não criado pelas convenções humanas).

4.4 Santo Agostinho

4.4.1 Fé: é meio pelo qual se descobre um lugar onde a alma humana
atormentada pelas aflições e aspirações mundanas encontra a paz. Os homens
devem renunciar ao mal (ascetismo) e lutar para superar quaisquer elementos
de suas vidas que sejam um obstáculo a uma vida elevada e verdadeira
(neoplatonismo). A fé ilumina e permite que façamos as escolhas certas entre
os diferentes objetos do desejo, substituindo nosso desejo por coisas terrenas
(cupiditas) pelo desejo por coisas de natureza celestial (caritas) – as coisas
essenciais.

4.4.2 Neoplatonismo: cristianização do pensamento platônico do


mundo das essências que contém a verdade pura das coisas do mundo e do
próprio ser humano (sua origem e finalidade). O ascetismo implica a libertação
da vida na caverna; da estagnação, das ilusões e do aprisionamento do mundo
do corpo (fonte de equívocos/pecado). É método essencial que confere
unidade aos nossos esforços e supera aquele repouso no prazer que ameaça
interromper a dinâmica de nossas vidas mais elevadas.

4.4.3 Direito natural: é a porção intelectual do homem na verdade de


Deus, ou na lei eterna de Deus. Concepção estóica da difusão do princípio da
razão (universal), que se estende por toda a natureza, governando e regendo o
funcionamento apropriado de todas as coisas.

4.4.4 Lei eterna: é a lei de Deus no comando da regularidade, e a


apreensão intelectual humana dos princípios eternos é chamada de direito
natural. Para que as leis criadas pelo Estado sejam totalmente justas, as leis
temporais devem estar de acordo com os princípios do direito natural, que, por
sua vez, deriva do direito eterno.

4.4.5 Justiça: é um critério eterno que precede a criação do Estado e


de suas leis próprias. Santo Agostinho tomava por base o pressuposto
platônico das essências primeiras para argumentar que a justiça é anterior às
ordenações sociais vigentes.

4.4.6 Distanciamentos/distinções entre o pensamento grego


clássico e a concepção de justiça defendida por Santo Agostinho:
enquanto a problemática prática da jurisprudência grega – aprisionada pela
questão pragmática de como criar uma estrutura intelectual capaz de governar
racionalmente uma sociedade que girava em torno da participação na pólis –
contava com a justiça para encontrar um conceito através do qual se pudesse,
legitimamente, distribuir as recompensas divididas no contexto da participação
variável na pólis, Santo Agostinho procurava, no conceito de justiça, um critério
que transcendesse qualquer configuração social específica, isto é, que
remetesse ao cosmo – criação – como um todo. Só pode haver um tipo único e
indivisível de justiça e, enquanto nas sociedades concretas pode haver muitas
percepções do que é justo e injusto, existe para justiça uma realidade que
transcende essas afirmações particulares.

A justiça é “o hábito da alma que confere a cada homem a dignidade


que lhe é devida. (...) provém da natureza, e esta concepção de justiça não é
produto da opinião pessoal do homem, mas sim alguma coisa inculcada por um
certo poder inato”. Exigir que o Estado seguisse esse padrão significava impor
pesadas limitações morais ao poder político. Se as leis não estiverem em
harmonia com o direito e a justiça naturais, não terão o caráter de verdadeiras
leis nem haverá um Estado verdadeiro.

4.5 Tomás de Aquino

4.5.1 Filosofia X Teologia (cristianização do pensamento


aristotélico): a filosofia preocupa-se com os objetos imediatos da experiência
dos sentidos e eleva seu raciocínio a concepções mais gerais; em última
instância, a mente chega ao fim dos primeiros princípios das causas originais
do ser e, assim, chega ao à prova da existência de Deus (tudo tem uma causa
e uma finalidade determinadas de acordo com a vontade divina). Inversamente,
a teologia começa com a fé em Deus e passa a interpretar a vida de todas as
coisas como derivadas de sua existência enquanto criaturas de Deus. O
filósofo decide-se sobre suas conclusões – sua verdade – através da análise
de descrições racionais das coisas, enquanto o teólogo trabalha com a
segurança de uma fé absoluta na solidez inabalável do conhecimento revelado.

4.5.2 Virtude: agir de acordo com fins naturais que constituem o


destino do homem, a felicidade consiste em alcançar seus objetivos.

4.5.3 Vício (pecado): o poder de pecado é a capacidade de deixar de


agir segundo os fins que, por sua própria natureza, os homens deveriam estar
tentando alcançar.

4.5.4 Contraponto com Aristóteles: enquanto Aristóteles havia


oferecido uma moral naturalista na qual os homens poderiam alcançar a virtude
e a felicidade mediante a satisfação de suas aptidões ou seus fins naturais,
Tomás de Aquino acrescentou o conceito cristão do fim sobrenatural do
homem (reger-se segundo o conhecimento da vontade de Deus).

Para Tomás de Aquino o homem é uma unidade de corpo e alma. Sem


a alma, o corpo não teria forma. Sem o corpo, a alma não teria os órgãos dos
sentidos, necessário à aquisição do conhecimento. Para Platão o corpo
constitui a prisão da alma. Já Santo Agostino considerava-a como substancia
espiritual independente do corpo. Esses dois últimos negligenciavam o fato de
que a alma do homem depende tanto do corpo quanto este da alma. O corpo é
a entidade sobre a qual recaem determinados tipos de atos, apetites e paixões.
Os sentidos possibilitam o conhecimento sobre os objetos sensíveis, e o
homem é atraído para alguns objetos percebidos como prazerosos e bons
(apetite concupiscente) e repelido por outros que são percebidos como
prejudiciais, dolorosos e maus (apetite irascível). Enquanto os animais são
sujeitos (estão submetidos à vida sensível de seus corpos) ao controle desses
apetites irascíveis e concupiscentes, o homem escapa a tal dependência e se
torna um sujeito livre através da força da vontade e da razão. O intelecto pode
ordenar os bens da existência. Riquezas, prazer, poder e conhecimento são
bens – objetos legítimos dos apetites – ,mas não podem produzir a felicidade
mais profunda no homem. Não possuem o caráter do bem universal que é
buscado pela alma humana. Santo Tomás acredita que esse bem não se
encontra nas coisas criadas, mas sim em Deus, o bem supremo.

Tomás de Aquino afirma que um ato só é verdadeiramente humano se


dor livre. A liberdade implica o conhecimento de alternativas e a capacidade de
escolher entre elas. A virtude, ou o bem, consiste em fazer as escolhas certas;
é o meio-termo entre os extremos. A virtude se manifesta com o controle dos
apetites, através do exercício da vontade e da razão.

Os fatores de preservação da vida, propagação da espécie, formação


de uma sociedade ordenada sob leis humanas e a busca da verdade,
pertencem todos ao estado natural do homem (estão todos predispostos à sua
concretização). Uma vez que a natureza humana tem certas qualidades fixas,
as regras de comportamento que correspondem a essas qualidades são
chamadas de direito natural.

A justiça é a vontade constante e duradoura de dar a cada um o que


lhe é devido. Devido a alguém é aquilo que é ordenado para cada um, de
acordo com as tendências individuais naturais, tendo por objetivo a perfeição
de seus fins. O devido a cada um não é conferido pelo direito positivo, mas
pelas tendências naturais da natureza humana.

Lei Eterna: é a lei que provém do intelecto de Deus (razão divina) e que
expressa a ordem de todas as coisas tendo em vista a realização de seus fins.
Não está sujeita ao tempo, por isso é eterna. Não é possível ao homem
conhece-la por completo.
Lei Natural: é a parte da lei eterna que remete especificamente ao ser
humano. A participação nos planos de Deus é garantida por meio da
racionalidade humana que seja capaz de identificar as tendências naturais
(normas) humanas à prática de atos e fins apropriados.

Lei Humana: são as leis escritas especificas dos governos que derivam
dos preceitos gerais da lei natural. Santo Tomás argumenta que o dá a uma lei
o caráter de lei é sua dimensão moral (o agir orientado pela razão divina), sua
conformidade com os preceitos gerais do direito natural, sua conformidade com
a lei moral.

Lei Divina: tem por função dirigir o homem ao seu fim sobrenatural e
somente é acessível através da revelação, e encontra-se nas Escrituras. Não é
produto da razão humana, mas foi dada ao homem por meio da graça divina,
para assegurar que ele tenha conhecimento do que deve fazer para satisfazer
tanto os seus fins naturais quanto, mais especificamente, seus fins
sobrenaturais (obtenção das virtudes superiores: fé, esperança e amor). Desse
modo, Tomás de Aquino cristianizou e ultrapassou a ética naturalista de
Aristóteles, supostamente por ter demonstrado de que maneira se pode
assegurar o desejo natural que o homem tem de conhecer Deus, indicando
como a revelação se torna a diretriz da razão e descrevendo o modo como a
natureza superior do homem é aperfeiçoada pela graça divina.

You might also like