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SECAO
I I
Princípios Básicos

Introducão 6

Bertram G. Katzung, MD, PhD

A farmacologia pode ser definida como o estudo das substâncias precursora da farmacologia. Todavia, qualquer conhecimento re-
que interagem com sistemas vivos através de processos químicos, lativo aos mecanismos de ação das drogas era impedido pela ausên-
particularmente através de sua ligação a moléculas reguladoras e cia de métodos de purificação de agentes ativos provenientes de
ativação ou inibição dos processos orgânicos normais. Essas subs- substâncias brutas disponíveis e - talvez ainda mais - pela falta
tâncias podem ser compostos químicos administrados com a fina- de métodos para testar as hipóteses formuladas sobre a natureza das
lidade de obter um efeito terapêutico benéfico sobre algum proces- ações das drogas.
so no paciente, ou pelos seus efeitos tóxicos sobre processos regula- No final do século 18 e princípio do século 19, François Ma-
dores em parasitas que infectam o paciente. Essas aplicações tera- gendie e, mais tarde, seu aluno Claude Bernard começaram a de-
pêuticas deliberadas podem ser consideradas como o papel funda- senvolver os métodos de fisiologia e farmacologia experimentais em
mental da farmacologia médica, que é freqüentemente definida animais. Os avanços na química e o desenvolvimento posterior da
como a ciência das substâncias utilizadas na profilaxia, diagnóstico fisiologia nos séculos 18, 19 e princípio do século 20 proporciona-
e tratamento das doenças. A toxicologia é o ramo da farmacologia ram a base necessária para compreender os mecanismos de atuação
que trata dos efeitos indesejáveis das substâncias químicas sobre os das drogas no nível dos tecidos e órgãos. Paradoxalmente, os avan-
sistemas vivos, incluindo desde células individuais até ecossistemas ços reais na farmacologia básica durante esse período foram acom-
complexos. panhados de uma explosão de propaganda não-científica por parte
de fabricantes e vendedores de "remédios patenteados" inúteis.
História da Farmacologia Somente quando os conceitos de terapêutica racional, particular-
mente aqueles dos estudos clínicos controlados, foram reintrodu-
Não há dúvida de que o homem pré-histórico já conhecia os efei- zidos na medicina - há cerca de 50 anos - é que se tornou pos-
tos benéficos ou tóxicos de muitos materiais de origem vegetal e sível avaliar de modo acurado as alegações terapêuricas.
animal. Os primeiros registros escritos da China e do Egito citam Há cerca de 50 anos, testemunhou-se também uma notável ex-
muitos tipos de remédios, incluindo alguns que ainda hoje são re- pansão nos esforços de pesquisa em todas as áreas da biologia. Com
conhecidos como fármacos úteis. Todavia, a maioria dessas subs- a introdução de novos conceitos e novas técnicas, surgiram infor-
tâncias era inútil ou, na verdade, prejudicial. Nos 2.500 anos, apro- mações sobre a ação das drogas e o substrato biológico dessa ação,
ximadamente, que precederam a era moderna, houve tentativas o receptor. Durante a segunda metade do século 20, foram intro-
esporádicas de introduzir métodos racionais na medicina, porém duzidos muitos grupos de drogas fundamentalmente novos, bem
nenhum deles foi bem-sucedido, devido ao predomínio de sistemas como novos membros de grupos antigos. As últimas 3 décadas tes-
de crença que procuravam explicar toda a biologia e as doenças sem temunharam um crescimento ainda maior nas informações e co-
recorrer à experimentação e observação. Essas escolas promulgaram nhecimentos sobre a base molecular da ação das drogas. Hoje em
noções bizarras, como a idéia de que as doenças eram causadas por dia, já foram identificados os mecanismos moleculares de ação de
excesso de bile ou de sangue no organismo, de que as feridas podi- muitas drogas, e numerosos receptores foram isolados, caracteri-
am ser cicatrizadas com a aplicação de ungüento à arma que causa- zados na sua estrutura e clonados. Com efeito, o uso dos métodos
ra o ferimento, e assim por diante. de identificação de receptores (descritos no Capo 2) levou à des-
Por volta do final do século 17, a observação e a experimenta- coberta de muitos receptores órfãos - isto é, receptores cujo li-
ção começaram a substituir a teorização em medicina, seguindo o gante ainda não foi descoberto e cuja função só pode ser deduzi-
exemplo das ciências físicas. Quando o valor desses métodos no da. Os estudos do ambiente molecular local dos receptores mos-
estudo das doenças tornou-se claro, os médicos na Grã-Bretanha e traram que os receptores e efetores não funcionam isoladamente
em outras regiões da Europa passaram a aplicá-l os aos efeitos de - isto é, são acentuadamente influenciados por proteínas regu-
medicamentos tradicionais utilizados em sua própria prática clíni- ladoras associadas. A descodificação dos genomas de muitas espé-
ca. Assim, a matéria médica - isto é, a ciência da preparação e do cies - desde bactérias até o homem -levou ao reconhecimen-
uso clínico de medicamentos - começou a desenvolver-se como to de relações até então ignoradas entre as famílias de receptores.
2 / FARMACOLOGIA

A farmacogenômica - a relação da constituição genética do in- ceptores é discutida de modo mais pormenorizado no Capo 2.
divíduo com a sua resposta a drogas específicas - está prestes a Numa proporção muito pequena de casos, certas drogas, conhe-
tornar-se uma área aplicada de terapia (ver Boxe: Farmacologia cidas como antagonistas químicos, podem interagir diretaménte
e Genética). Grande parte desse progresso está resumida neste com outras drogas, enquanto algumas drogas (por exemplo, agen-
livro.
tes osmóticos) interagem quase exclusivamente com moléculas de
A extensão dos princípios científicos na terapia cotidiana conti- água. As drogas que podem ser sintetizadas no organismo (por
nua se expandindo, embora o público consumidor ainda seja, infe- exemplo, hormônios) ou podem consistir em substâncias quími-
lizmente, exposto a uma enorme quantidade de informações não- cas não sintetizadas no corpo, isto é, xenobióticos (do grego xe-
científicas, imprecisas e incompletas a respeito dos efeitos farmaco- nos, estranho). Os venenos são drogas. As toxinas são habitual-
lógicos das substâncias químicas. Essa situação levou a modismos mente definidas como venenos de origem biológica, isto é, sinte-
no uso de inúmeros remédios caros, ineficazes e, por vezes, preju- tizadas por vegetais ou animais, em contraste com os venenos inor-
diciais, bem como ao desenvolvimento de uma enorme indústria
gânicos, como o chumbo e o arsênico.
de "terapias alternativas". Por outro lado, a falta de compreensão Para interagir quimicamente, com seu receptor, a molécula de
dos princípios científicos básicos de biologia e estatística e ausência uma droga deve ter tamanho, carga elétrica, forma e composição
de um pensamento crítico a respeito das questões de saúde pública anatômica apropriados. Além disso, a droga é freqüentemente ad-
levaram à rejeição da ciência médica por um segmento da popula- ministrada num local distante de seu pretenso local de ação, como,
ção e a uma tendência comum a pressupor que todos os efeitos por exemplo, um comprimido tomado por via oral para aliviar uma
adversos das drogas resultam de negligência médica. Existem dois dor de cabeça. Por conseguinte, uma droga, para ser útil, deve apre-
princípios gerais que devem ser sempre lembrados pelos estudan- sentar as propriedades necessárias para ser transportada do local de
tes: em primeiro lugar, o princípio de que todas as substâncias po-
sua administração até o local de sua ação. Por fim, uma droga, para
dem, em determinadas circunstâncias, ser tóxicas; e, em segundo
ser eficaz, deve ser inativada ou excretada pelo corpo em taxa razo-
lugar, o princípio de que todas as terapias promovidas como trata-
ável, de modo que sua ação tenha duração apropriada.
mentos que melhoram a saúde devem preencher os mesmos padrões
de comprovação de eficácia e segurança, isto é, não deve haver ne- A. NATUREZA FíSICA DAS DROGAS
nhuma separação artificial entre a medicina científica e a medicina
"alternativa" ou "complementar". As drogas podem ser sólidas em temperatura ambiente (por exem-
plo, aspirina, atropina), líquidas (por exemplo, nicotina, etanol) ou
A Natureza das Drogas gasosas (por exemplo, óxido nitroso). Esses fatores é que determi-
nam freqüentemente a melhor via de administração de um fárma-
Em sua acepção mais geral, uma droga pode ser definida como co. Algumas drogas líquidas evaporam-se facilmente e podem ser
qualquer substância capaz de produzir alteração em determinada inaladas nessa forma, como, por exemplo, halotano e nitrito de
função biológica através de suas ações químicas. Na grande mai- amila. As vias mais comuns de administração estão relacionadas no
oria dos casos, a molécula da droga interage com uma molécula Quadro 3.3. As diversas classes de compostos orgânicos - carboi-
específica no sistema biológico, que desempenha um papel regu- dratos, proteínas, lipídios e seus componentes - estão todas repre-
lador. Essa molécula é denominada receptor. A natureza dos re- sentadas na farmacologia. Muitas drogas consistem em ácidos ou

FARMACOLOGIA E GENÉTICA
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No decorrer dos últimos 5 anos, os genomas dos seres humanos, ou não-funcional. Em geral, os camundongos "nocaute" homo-
camundongos e muitos outros organismos foram descodificados zigotos apresentam supressão completa dessa função, enquanto
com considerável detalhe. Esseavanço abriu as portas para uma os animais heterozigotos apresentam, em geral, supressão parci-
notável variedade de novas abordagens em pesquisa e tratamen- a!. A observação do comportamento, da bioquímica e da fisiolo-
to. Sabe-se, há séculos, que certas doenças são herdadas e, hoje gia dos camundongos nocaute freqüentemente estabelece de
em dia, já está bem estabelecido que os indivíduos portadores maneira muito clara o papel desempenhado pelo produto gênico
dessas doenças apresentam uma anormalidade hereditária no seu ausente. Quando os produtos de determinado gene são essenci-
DNA. No caso de algumas doenças hereditárias, é atualmente pos- ais a ponto de os heterozigotos não conseguirem sobreviver ao
sível definir com rigorosa precisão quais os pares de basesanormais nascimento, é algumas vezes possível criar versões" knockdown",
do DNA, e em qual cromossomo aparecem. Em um pequeno nú- com supressão apenas limitada da função. Por outro lado, foi efe-
mero de modelos animais dessas doenças, foi possível corrigir a tuada a reprodução de camundongos" knockin", que hiperexpres-
anormalidade com "terapia gênica", isto é, a introdução de um sam certos receptores de interesse.
gene "sadio" apropriado nas células somáticas. Já houve tentati- Alguns pacientes respondem a determinadas drogas com maior
vas de terapia gênica com células somáticas humanas, porém as di- sensibilidade do que o habitual. (Essasvariações são discutidas no
ficuldades técnicas encontradas são muito grandes. Capo 4.) Atualmente, ficou bem claro que essa sensibilidade au-
Os estudos de um receptor ou de um ligante endógeno recém- mentada deve-se, com freqüência, a uma modificação genética
descoberto são freqüentemente complicados pelo conhecimento muito pequena, que resulta em diminuição da atividade de deter-
incompleto do papel exato desempenhado por esse receptor ou minada enzima responsável pela eliminação dessa droga. A far-
ligante. Uma das novas técnicas genéticas de maior potencial é a macogenômica (ou farmacogenética) é o estudo das variações
capacidade de criar animais (geralmente camundongos), cujo gene genéticas que causam diferenças individuais na resposta a drogas.
para o receptor ou seu ligante endógeno foi "nocauteado", isto Os futuros médicos poderão submeter cada paciente a triagem, à
é, sofreu mutação, de modo que o produto gênico está ausente procura dessas diferenças, antes de prescrever um fármaco.
INTRODUÇÃO / 3

bases fracos. Esse fato tem implicações importantes no modo de Quadro 1.1 Constantes de dissociação (Kd) dos
processamento das drogas pelo organismo, visto que a existência de enantiômeros e do racemato de carvedilol. A Kd é a
diferenças de pH nos vários compartimentos do corpo pode alterar concentração para uma saturação de 50% dos receptores,
o grau de ionização dessas drogas (ver adiante). sendo inversamente proporcional à afinidade da droga
pelos receptores1
B. TAMANHO DAS DROGAS
Inverso da
Inverso da
o tamanho molecular das drogas varia desde um tamanho muito
Forma do
Afinidade pelos
Receptores a
Afinidade pelos
Receptores 13
pequeno (íons de lítio, com PM de 7) até muito grande (por exem-
Carvedilol (Kd• nmol/L)
............................................................
(Kd• nmol/L)
...................................................
plo, alteplase [t-PAlo uma proteína com PM de 59.050). Todavia,
as drogas têm, em sua grande maioria, pesos moleculares situados Enantiômero R( +) 14 45
entre 100 e 1.000. O limite inferior dessa estreita faixa é provavel- Enantiômero S( -) 16 0,4
mente estabelecido pelos requisitos de especificidade de ação. Para
Enantiômeros R,S( +/-) 11 0,9
ter um bom "encaixe" a apenas um tipo de receptor, a molécula da
'Dados de Ruffolo RR et ai: The pharmacology 01 carvedilol. Eur J Pharmacol
droga deve ter uma forma, carga etc. singulares o suficiente para
1990;38:582.
impedir sua ligação a outros receptores. Para essa ligação seletiva,
parece que a molécula deve possuir, na maioria dos casos, um ta-
manho de pelo menos 100 unidades de PM. O limite superior do
peso molecular é determinado primariamente pela necessidade de ciso para a estrutura específica de uma droga. Assim, se desejarmos
movimentação das drogas no interior do corpo (por exemplo, do desenvolver uma droga de ação curta e altamente seletiva para de-
local de sua administração até o local de sua ação). As drogas com terminado receptor, devemos evitar moléculas altamente reativas que
PM muito acima de 1.000 não se difundem facilmente pelos com- formem ligações covalentes e escolher moléculas que formem liga-
partimentos do corpo (ver Permeação, adiante). Por conseguinte, ções mais fracas.
as drogas muito grandes (em geral, as proteínas) devem ser admi- Algumas substâncias que são quase totalmente inertes no senti-
nistradas diretamente no compartimento onde exercem seus efei- do químico exercem, entretanto, efeitos farmacológicos significati-
tos. No caso da alteplase, uma enzima que dissolve coágulos, a dro- vos. Por exemplo, o xenônio, um "gás inerte", possui efeitos anes-
ga é administrada diretamente no compartimento vascular por in- tésicos em pressões elevadas.
fusão intravenosa.
D. FORMA DAS DROGAS
C. REATIVIDADE DAS DROGAS E LIGAÇÕES
A forma da molécula de uma droga deve permitir sua ligação a seu
DROGA-RECEPTOR
sítio receptor. Idealmente, a forma da droga deve ser complemen-
As drogas interagem com receptores através de forças ou ligações tar com a do sítio receptor, da mesma maneira que uma chave se
químicas. Estas são de três tipos principais: covalentes, eletrostáticas encaixa numa fechadura. Além disso, o fenômeno de quiralidade
e hidrofóbicas. As ligações covalentes são muito fones e, em mui- (estereoisomerismo) é tão comum em biologia, que mais da meta-
tos casos, não são reversíveis em condições biológicas. Por conse- de de todas as drogas úteis são moléculas quirais, isto é, existem na
guinte, a ligação covalente estabelecida entre a forma ativada da forma de pares de enantiômeros. As drogas com dois centros assi-
fenoxibenzamina e o receptor a da noradrenalina (que resulta em métricos possuem quatro diastereômeros, como, por exemplo, a
bloqueio de receptor) não se rompe facilmente. O efeito bloquea- efedrina, um fármaco simpaticomimético. Na grande maioria dos
dor da fenoxibenzamina dura muito tempo após o desaparecimen- casos, um desses enantiômeros é muito mais potente do que a sua
to do fármaco da corrente sangüínea, sendo revertido apenas com imagem especular, refletindo um melhor ajuste à molécula do re-
a síntese de novos receptores a, um processo que leva cerca de 48 ceptor. Por exemplo, o enantiômero (5)( +) na metacolina, uma
horas. Outros exemplos de drogas altamente reativas que formam droga parassimpaticomimética, é mais de 250 vezes mais potente
ligações covalentes incluem os fármacos alquilantes do DNA, que do que o enantiômero (R)( -). 5e imaginarmos o sítio receptor como
são utilizados na quimioterapia do câncer para desorganizar a divi- uma luva à qual a molécula da droga deve ajustar-se para produzir
são celular no tecido neoplásico. seu efeito, fica claro porque uma droga" orientada para a esquerda"
A ligação eletrostática é muito mais comum do que a ligação será mais eficaz na sua ligação a um receptor esquerdo do que o seu
covalente nas interações droga-receptor. As ligações eletrostáticas enantiômero "orientado para a direita".
variam desde ligações relativamente fones entre moléculas iônicas O enantiômero mais ativo em determinado tipo de sítio recep-
com cargas permanentes até ligações de hidrogênio mais fracas e tor pode não ser mais ativo em outro tipo, como, por exemplo, um
interações muito fracas entre dipolos, como as forças de van der tipo de receptor pode ser responsável por algum efeito indesejado.
Waals e fenômenos semelhantes. As ligações eletrostáticas são mais Por exemplo, o carvedilol, um fármaco que interage com os recep-
fracas do que as covalentes. tores adrenérgicos, possui um único centro quiral e, portanto, dois
Em geral, as ligações hidrofóbicas são muito fracas e provavel- enantiômeros (Quadro 1.1). Um desses enantiômeros, o isômero
mente são importantes nas interações de drogas altamente liposso- (5)( -), é um potente bloqueador dos receptores [3. O enantiôme-
lúveis com os lipídios das membranas celulares e, talvez, na intera- ro (R) ( +) é 100 vezes mais fraco no receptor [3. Todavia, os isôme-
ção de drogas com as paredes internas das "bolsas" dos receptores. ros são aproximadamente equipotentes como bloqueadores dos
A natureza específica de determinada ligação droga-receptor tem receptores a. A cetamina é um anestésico intravenoso. O enantiô-
menos importância prática do que o fato de que as drogas que se mero (+) é um anestésico mais potente e menos tóxico do que o
ligam a seus receptores por ligações fracas são, em geral, mais sele- enantiômero (-). Infelizmente, o fármaco ainda é utilizado como
tivas do que as que se ligam através de ligações muito fortes. Isso se mistura racêmica.
deve ao fato de que as ligações fracas exigem um encaixe muito Por fim, como as enzimas são habitualmente estereosseletivas,
preciso da droga a seu receptor para que ocorra interação. Apenas um enantiômero de uma droga é freqüentem ente mais suscetível
alguns tipos de receptores tendem a proporcionar esse encaixe pre- do que outro às enzimas envolvidas no metabolismo de drogas. Em
4 / FARMACOLOGIA

conseqüência, a duração de ação de um enantiômero pode ser muito cífica a determinado paciente, como, por exemplo, um paciente
diferente da do outro. com comprometimento da função renal. Os parágrafos que se
Infelizmente, os estudos de eficácia clínica e eliminação de dro- seguem fornecem uma breve introdução à farmacodinâmica e far-
gas em seres humanos foram efetuados, em sua maioria, com mis- macocinética.
turas racêmicas de drogas, e não com os enantiômeros separados.
Na atualidade, apenas cerca de 45% das drogas quirais utilizadas Princípios de Farmacodinâmica
clinicamente são comercializadas na forma do isômero ativo - o
restante só está disponível como misturas racêmicas. Em conseqüên- Conforme assinalado anteriormente, as drogas devem, em sua mai-
cia, muitos pacientes fazem uso de doses de drogas, das quais 50% oria, ligar-se a um receptor para produzir algum efeito. Todavia,
ou mais são inativos ou ativamente tóxicos. Todavia, existe um em nível molecular, a ligação da droga representa apenas a primei-
interesse crescente - tanto em nível científico quanto em nível ra de uma seqüência freqüentem ente complexa de etapas.
regulador - em aumentar a disponibilidade de drogas quirais na
forma de seus enantiômeros ativos. A. TIPOS DE INTERAÇÕES DROGA-RECEPTOR

E. PLANEJAMENTO RACIONAL DE DROGAS As drogas agonistas ligam-se de algum modo ao receptor e o ati-
vam, produzindo direta ou indiretamente o efeito. Alguns recepto-
o planejamento racional de drogas implica a capacidade de ante- res incorporam na mesma molécula o mecanismo efetor, de modo
ver a estrutura molecular apropriada de uma droga com base nas que a ligação da droga produz diretamente o efeito, como, por exem-
informações sobre o seu receptor biológico. Até pouco tempo, ne- plo, a abertura de um canal iônico ou a ativação de uma atividade
nhum receptor era conhecido de modo suficientemente detalha- enzimática. Outros receptores estão ligados a uma molécula efeto-
do para permitir esse planejamento de drogas. Na verdade, as dro- ra separada através de uma ou mais moléculas de acoplamento in-
gas eram desenvolvidas através de testes randômicos de substân- tervenientes. Os diversos tipos de sistemas de acoplamento droga-
cias químicas ou modificação de drogas com algum efeito já co- receptor-efetor são discutidos no Capo 2. As drogas antagonistas
nhecido (ver Capo 5). Todavia, no decorrer das últimas 3 déca- farmacológicas, através de sua ligação a um receptor, impedem a li-
das, foram isolados e caracterizados numerosos receptores. Algu- gação de outras moléculas. Por exemplo, os bloqueadores dos re-
mas drogas de uso atual foram desenvolvidas através de planeja- ceptores da acetilcolina, como a atropina, são antagonistas, visto que
mento molecular, com base no conhecimento da estrutura tridi- impedem o acesso da acetilcolina e drogas agonistas semelhantes ao
mensional do sítio receptor. Hoje em dia, dispõe-se de programas receptor de acetilcolina e estabilizam o receptor no seu estado ina-
de computador capazes de melhorar reiteradamente as estruturas tivo. Esses fármacos reduzem os efeitos da acetilcolina e de drogas
de drogas para que possam se ajustar a receptores conhecidos. O semelhantes do organismo.
planejamento racional de drogas deverá tornar-se cada vez mais
viável, à medida que for obtido mais conhecimento acerca da es- B. "AGONISTAS" QUE INIBEM SUAS MOLÉCULAS DE
trutura dos receptores.
LIGAÇÃO E AGONISTAS PARCIAIS

F. NOMENCLATURA DOS RECEPTORES Algumas drogas imitam drogas agonistas ao inibir as moléculas res-
O notável sucesso dos mais novos e eficientes métodos de identifi- ponsáveis pelo término da ação de um agonista endógeno. Por exem-
plo, os inibidores da acetilcolinesterase, ao retardar a destruição da
car e caracterizar os receptores (ver Capo 2, Boxe: Como São Des-
acetilcolina endógena, produzem efeitos colinomiméticos, que se
cobertos Novos Receptores?) levou ao desenvolvimento de uma
assemelham estreitamente às ações de moléculas agonistas dos re-
variedade de diversos sistemas para designá-los. Isso, por sua vez;
ceptores colinérgicos, apesar de os inibidores da colinesterase não
levou ao aparecimento de numerosas sugestões sobre métodos mais
se ligarem - ou apenas fazê-lo de modo incidental- aos recepto-
racionais de designação. O leitor interessado no assunto poderá obter
res colinérgicos (ver Capo 7, Drogas Ativadoras dos Receptores
mais detalhes na International U nion ofPharmacology (IUPHAR)
Colinérgicos e Inibidores da Colinesterase). Outras drogas ligam-
Committee on Receptor Nomenclature and Drug Classification (inclu-
se a receptores e os ativam, porém não produzem uma resposta tão
ído em várias publicações do Pharmacological Reviews) e nas publi-
pronunciada quanto aquela observada com os denominados ago-
cações anuais dos Receptor and Ion Channel Nomenclature Supple-
nistas integrais. Assim, o pindolol, um "agonista parcial" dos recep-
ments em edições especiais pela revista Trends in Pharmacological
tores l3-adrenérgicos, pode atuar como agonista (na ausência de
Sciences (TIPS). Os capítulos neste livro utilizam principalmente
agonista integral) ou como antagonista (na presença de agonista
essas fontes para a designação dos receptores.
integral, como o isoproterenol). (Ver Capo 2.)

Interações entre Droga e Corpo C. DURAÇÃO DE AçÃO DAS DROGAS


As interações entre uma droga e o corpo são convenientemente O término da ação de uma droga no nível do receptor resulta de
divididas em duas classes. As ações da droga sobre o organismo um de vários processos. Em alguns casos, o efeito dura apenas en-
são conhecidas como processos farmacodinâmicos, cujos princí- quanto a droga estiver ocupando o receptor, de modo que a sua
pios são apresentados de forma mais detalhada no Capo 2. Essas dissociação do receptor determina automaticamente o término do
propriedades determinam o grupo em que a droga é classificada efeito. Todavia, em muitos casos, a ação pode persistir após a dis-
e, com freqüência, desempenham o principal papel na decisão de sociação da droga, visto que, por exemplo, ainda existem algumas
qual dos grupos constitui a forma apropriada de terapia para de- moléculas acopladoras na forma ativada. No caso de drogas que se
terminado sintoma ou doença. As ações do corpo sobre a droga ligam ao receptor de forma covalente, o efeito pode persistir até a
são denominadas processos farmacocinéticos, que são descritos destruição do complexo droga-receptor e síntese de novos recepto-
nos Caps. 3 e 4. Os processos farmacocinéticos controlam a ab- res, conforme descrito anteriormente para a fenoxibenzamina. Por
sorção, distribuição e eliminação de drogas e são de grande im- fim, muitos sistemas de receptor-efetor incorporam mecanismos de
portância prática na escolha e administração de uma droga espe- dessensibilização para impedir uma ativação excessiva quando as
INTRODUÇÃO / 5

moléculas do agonista permanecem por um longo período de tem- - em alguns tecidos - permitem a passagem de moléculas com
po. Ver o Capo 2 para maiores detalhes. PM de até 20.000/30.000.*
A difusão aquosa das moléculas de drogas é habitualmente im-
D. RECEPTORES E SíTIOS DE LIGAÇÃO INERTES pulsionada pelo gradiente de concentração da droga permeante,
um movimento "descendente" descrito pela lei de Fick (ver adi-
Para funcionar como receptor, uma molécula endógena deve ini-
ante). As moléculas de drogas que se ligam a grandes proteínas
cialmente ser seletiva na escolha dos ligantes (moléculas de dro-
plasmáticas (por exemplo, a albumina) não irão permear através
gas) para ligar; em segundo lugar, deve modificar a sua função com
desses poros aquosos. Se a droga tiver alguma carga elétrica, seu
o processo de ligação, de modo a alterar a função do sistema bio-
lógico (célula, tecido etc.). A primeira característica é necessária fluxo também é influenciado pelos campos elétricos (por exem-
plo, o potencial de membrana e - em partes do néfron - o
para evitar a ativação constante do receptor pela ligação promís-
potencial transtubular).
cua de grande número de ligantes diferentes. A segunda caracte-
rística é claramente necessária para que o ligante produza algum 2. Difusão lipídica - A difusão lipídica constitui o fator limitante
efeito farmacológico. Todavia, o corpo contém numerosas molé- mais importante na permeação de drogas, devido ao grande número
culas que têm a capacidade de ligar drogas, e nem todas essas de barreiras lipídicas que separam os compartimentos do corpo. Como
moléculas endógenas consistem em moléculas reguladoras. A li- essas barreiras lipídicas separam compartimentos aquosos, o coefici-
gação de uma droga a uma molécula não-reguladora, como a al- ente de partição lipídico:aquoso de uma droga determina o grau de
bumina plasmática, não resulta em qualquer alteração detectável facilidade com que a molécula se desloca entre os meios aquosos e
na função do sistema biológico, de modo que essa molécula en- lipídicos. No caso de ácidos e bases fracos (que ganham ou perdem
dógena pode ser denominada sítio de ligação inerte. Entretanto, prótons portadores de carga elétrica, dependendo do pH), a capaci-
essa ligação não é totalmente desprovida de importância, visto que dade de passar de um meio aquoso para um meio lipídico ou vice-
afeta a distribuição da droga no organismo e irá também deter- versa varia de acordo com o pH do meio, visto que as moléculas com
minar a quantidade de droga livre presente na circulação. Ambos carga elétrica atraem moléculas de água. A relação entre forma lipos-
esses fatores têm importância farmacocinética (ver adiante, bem solúvel e forma hidrossolúvel para um ácido fraco ou uma base fraca
como o Capo 3). é expressa pela equação de Henderson-Hasselbalch (ver adiante).

3. Transportadores especiais - Existem moléculas transportado-


Princípios de Farmacocinética
ras especiais para certas substâncias, que são importantes para a
N a prática terapêutica, uma droga deve ter a capacidade de che- função celular, porém demasiado grandes ou insolúveis em lipídios
gar a seu local efetivo de ação após a sua administração por algu- para sofrer difusão passiva através das membranas, como, por exem-
ma via conveniente. Em alguns casos, uma substância química, plo, peptídios, aminoácidos e glicose. Esses transportadores causam
que sofre rápida absorção e distribuição, é administrada e, a se- movimento por transporte ativo ou difusão facilitada e, ao contrá-
guir, convertida na droga ativa por processos biológicos no inte- rio da difusão passiva, são passíveis de saturação e inibição. Como
rior do corpo. Essa substância química é denominada pró-droga. muitas drogas são peptídios, aminoácidos ou açúcares de ocorrên-
Somente em algumas situações é que existe a possibilidade de cia natural ou a eles se assemelham, podem usar esses transporta-
aplicar diretamente uma droga a seu tecido-alvo, como, por exem- dores para atravessar as membranas.
plo, através da aplicação tópica de um agente antiinflamatório à Muitas células também contêm transportadores de membrana
menos seletivos, especializados na expulsão de moléculas estranhas,
pele ou mucosa inflamada. Com mais freqüência, a droga é ad-
ministrada em determinado compartimento corporal, como, por como, por exemplo, a P-glicoproteína ou o transportador de re-
exemplo, o trato digestivo, a partir do qual deve deslocar-se até o sistência a múltiplas drogas tipo 1 (MDRl, multidrug-resistance
type 1) encontrado no cérebro, nos testículos e em outros tecidos,
seu local de ação em outro compartimento, como o cérebro, por
exemplo. Isso exige a absorção da droga no sangue a partir de seu bem como em algumas células neoplásicas resistentes a drogas. Uma
local de administração e a sua distribuição até o local de ação, molécula transportadora semelhante, a proteína associada à resis-
permeando através das várias barreiras que separam esses compar- tência a múltiplas drogas tipo 2 (MRP2, multidrug-resistance-
associated protein-type 2), desempenha importante papel na excre-
timentos. Para que uma droga administrada por via oral produza
algum efeito no sistema nervoso central, essas barreiras incluem ção de algumas drogas e seus metabólitos na urina e na bile.
os tecidos que compõem a parede do intestino, as paredes dos 4. Endocitose e exocitose - Algumas substâncias são tão grandes
capilares que perfundem o intestino e a "barreira hematoencefá- ou impermeantes que só podem penetrar nas células por endocito-
lica", formada pelas paredes dos capilares que perfundem o cére- se, processo pelo qual a substância é englobada pela membrana ce-
bro. Por fim, após produzir seu efeito, a droga deve ser eliminada lular e transportada na célula pelo desprendimento de uma vesícu-
numa taxa razoável por inativação metabólica, excreção do corpo Ia recém-formada no interior da membrana. A seguir, a substância
ou combinação desses processos. pode ser liberada no citosol através da decomposição da membrana
da vesícula. Esse processo é responsável pelo transporte da vitami-
A. PERMEAÇÃO na B12' complexada com uma proteína de ligação (o fator intrínse-
co), através da parede intestinal para o sangue. De forma semelhante,
A permeação de drogas ocorre através de quatro mecanismos pri-
o ferro é transportado em precursores eritróides que sintetizam
mários. A difusão passiva em meio aquoso ou lipídico é comum,
hemoglobina, em associação à proteína transferrina. É necessária a
porém os processos ativos desempenham um papel no movimento
de muitas drogas, particularmente as moléculas que são demasiado
grandes para sofrer difusão rápida.

1. Difusão aquosa - A difusão aquosa ocorre no interior dos gran- *Os capilares do cérebro, dos testículos e de alguns outros tecidos caracterizam-se
pela ausência dos poros que permitem a difusão aquosa das moléculas ·de muitas dro-
des compartimentos aquosos do corpo (espaço intersticial, citosol gas no tecido. Além disso, podem conter concentrações elevadas de bombas de ex-
etc.) e através das junções ocludentes das membranas epiteliais e porração de drogas (bombas MDR; ver o rexro). Por conseguinte, esses tecidos cons-
poros aquosos no revestimento endotelial dos vasos sangüíneos, que tituem locais "protegidos" ou "santuários" contra muitas drogas circulantes.
6 / FARMACOLOGIA

presença de receptores específicos das proteínas de transporte para no. A equação de Henderson-Hasselbalch relaciona a razão entre
a atuação desse processo. O processo inverso (exocitose) é respon- ácido fraco ou base fraca protonados e não-protonados com a pK.
sável pela secreção de muitas substâncias das células. Assim, por da molécula e o pH do meio da seguinte maneira:
exemplo, muitas substâncias neurotransmissoras são armazenadas
em vesículas delimitadas por membrana nas terminações nervosas,
109 (Protonado) = pKa - pH
a fim de protegê-Ias da destruição metabólica no citoplasma. A ati- (Não-protonado)
vação apropriada da terminação nervosa causa fusão da vesícula de
armazenamento com a membrana celular e expulsão de seu con- Essa equação aplica-se tanto a drogas ácidas quanto básicas. A
teúdo no espaço extracelular (ver Capo 6). inspeção confirma que, quanto menor o pH em relação à pK.,
maior a fração da droga na forma protonada. Como a forma sem
B. LEI DE DIFUSÃO DE FICK carga elétrica é a mais lipossolúvel, haverá maior quantidade de
ácido fraco na forma lipossolúvel em pH ácido, enquanto maior
O fluxo passivo de moléculas ao longo de um gradiente de concen-
proporção de uma droga básica estará na forma lipossolúvel em
tração é fornecido pela lei de Fick:
pH alcalino.
Fluxo (moléculas por unidade de tempo) = Uma aplicação desse princípio é observada na manipulação da
Área x coeficiente de permeabilidade excreção de drogas pelos rins. Quase todas as drogas são filtradas
((1 - (2) x -------Es-p-e-s-su-r-a----- no glomérulo. Se a droga estiver numa forma lipossolúvel durante
a sua passagem pelo túbulo renal, uma fração significativa será reab-
onde C] é a concentração mais alta, C1 a concentração mais baixa, sorvida por difusão passiva simples. Se o objetivo é acelerar a excre-
a área é a área através da qual está ocorrendo difusão, enquanto o ção da droga, é importante impedir a sua reabsorção do túbulo. Isso
coeficiente de permeabilidade é uma medida da mobilidade das pode ser freqüentemente obtido ao ajustar o pH urinário para asse-
moléculas da droga no meio da via de difusão, e a espessura refere- gurar que a maior parte da droga esteja no estado ionizado, confor-
se à espessura (extensão) da via de difusão. No caso da difusão lipí- me ilustrado na Fig. 1.1. Em conseqüência desse efeito de separa-
dica, o coeficiente de partição lipídico:aquoso constitui um impor- ção do pH, a droga ficará "retida" na urina. Assim, os ácidos fracos
tante determinante da mobilidade da droga, visto que determina o são, em geral, excretados mais rapidamente na urina alcalina, en-
grau de facilidade com que a droga penetra na membrana lipídica a quanto as bases fracas costumam ser excretadas mais rapidamente
partir do meio aquoso. na urina ácida. Outros líquidos corporais em que as diferenças de
pH em relação ao pH sangüíneo podem ocasionar retenção ou reab-
sorção incluem o conteúdo do estômago e do intestino delgado, o
C. IONIZAÇÃO DE ÁCIDOS FRACOS E BASES FRACAS;
leite materno, o humor aquoso e as secreções vaginais e prostáticas
A EQUAÇÃO DE HENDERSON-HASSELBALCH
(Quadro 1.3).
A carga eletrostática de uma molécula ionizada atrai dipolos de água Conforme sugerido pelo Quadro 1.2, grande parte das drogas
e resulta num complexo polar, relativamente hidrossolúvel e inso- consiste em bases fracas. Essas bases consistem, em sua maioria, em
lúvel em lipídios. Como a difusão lipídica depende de uma lipos- moléculas que contêm amina. O nitrogênio de uma amina neutra
solubilidade relativamente alta, a ionização das drogas pode redu- tem três átomos associados a ele, juntamente com um par de elé-
zir acentuadamente a sua capacidade de atravessar as membranas. trons não-partilhados - ver a representação adiante. Os três áto-
Uma parcela muito grande das drogas em uso consiste em ácidos mos podem consistir num carbono (designado por "R") e dois hi-
fracos ou bases fracas (Quadro 1.2). No caso de fármacos, um áci- drogênios (amina primária), dois carbonos e um hidrogênio (ami-
do fraco é mais bem definido como uma molécula neutra capaz de na secundária) ou em três átomos de carbono (amina terciária).
sofrer dissociação reversível num ânion (molécula de carga negati- Cada uma dessas três formas pode ligar-se reversivelmente a um
va) e próton (íon hidrogênio). Por exemplo, a aspirina dissocia-se próton com os elétrons não-partilhados. Algumas drogas apresen-
da seguinte maneira: tam uma quarta ligação carbono-nitrogênio, constituindo as deno-
minadas aminas quaternárias. Todavia, a amina quaternária apre-
senta carga elétrica permanente e não tem elétrons não-comparti-
Aspirina Ânion de Próton lhados para ligar-se reversivelmente a um próton. Por conseguinte,
neutra aspirina as aminas primárias, secundárias e terciárias podem sofrer protona-
ção reversível e variar a sua lipossolubilidade de acordo com o pH,
Uma droga que é uma base fraca pode ser definida como molé- enquanto as aminas quaternárias estão sempre na forma carregada
e pouco lipossolúvel.
cula neutra capaz de formar um cátion (molécula de carga positiva)
através de sua combinação com um próton. Por exemplo, a piri- Primária Secundária Terciária Quaternária
metamina, um agente antimalárico, sofre o seguinte processo de H R R R
associação-dissociação: R:N: R:N: R:N: R:N:+R
H H R R

C,2HllCIN3NH3+~ C'2H"CIN3NH, + H+
Cátion de Pirimetamina Próton
Grupos de Drogas
pirimetamina neutra
Aprender cada fato pertinente acerca de cada uma das muitas cen-
Observe que a forma protonada de um ácido fraco é a forma tenas de drogas mencionadas neste livro seria um objetivo imprati-
neutra mais lipossolúvel, enquanto a forma não-protonada de uma cável e, felizmente, desnecessário em qualquer caso. Quase todas as
base fraca é a forma neutra. A lei de ação das massas exige que essas drogas atualmente disponíveis, cujo número atinge vários milha-
reações se movam para a esquerda em ambiente ácido (pH baixo, res, podem ser classificadas em cerca de 70 grupos. Muitas das dro-
excesso de prótons disponíveis) e para a direita em ambiente alcali- gas em cada grupo são muito semelhantes nas suas ações farmaco-
INTRODUÇÃO / 7

Quadro 1.2 Constantes de ionização de algumas drogas comuns


I
Droga pK~ pK~ Droga pK.'

Ácidos fracos Procaína


Pirimetamina
Cocaína
Pindolol
Fenilefrina
Procainamida
Difenidramina
Promazina
Hidralazina
Difenoxilato
Efedrina
Clorfeniramina
Díidrocodeína
Prometazina
Tioridazina
Pseudo-efedrina
Nicotina
Morfina
Noradrenalina
Terbutalina
Flufenazina
Amilorida
Amiodarona
Anfetamina
Canamicina
Lidocaína
Metanfetamina
Metaraminol
Metadona
Codeína
Pentazocina
Tolazolina
3
Clonidina
Ciclizina
8,2
10,2
9,3
8,8
7,1
8,1
9,6
8,3
Quinidina
6,3
8,7
9,5
8.7
6,56
7,2
9,8
Desipramina
Diazepam
Epinefrina
Imipramina
Bupivacaína4,8
8,3
9,4,
2,0
1,8
6,5
9,3
9,6
2,5
3,5
2,2,9,2'
2,3
Clorpromazina
Pilocarpina
8,5
Cloroquina
11,4,4,4,
3,9
7,4
Estriquinina
Escopolamina 8,3'5,2'
10,8,8,4'
Propranolol
8,0,2,3'
4,6
9,2
Ergotamina 8,1
5,0
5,3
8,8
Metoprolol
8,4
6,8,
8,0,3,9'
Isoproterenol
9.7 9,5
6,09,8,74'
7,2
7,9,1,8'
Clordiazepóxido
Atropina 3,0
Metildopa 12,3
9,4' Guanetidina
Bases
Bases fracas
fracas (cont.)
Fisostigmina (cont.)
8,6
7,9
8,4
10,0
8,6
10,6
9,8
7,9
7,9,3,1'
8,6
7,9
6,9, 1,4'
8,6
7,0
9,0
9,2
9,4
9,1
9,4
9,8
8,5,4,4'
10,1
9,5
10,6

'A pK, é o pH em que as concentrações das formas ionizada e não-ionizada são iguais.
'Mais de um grupo ionizável.

dinâmicas e, com freqüência, também nas suas propriedades far-


macocinéticas. Para a maioria dos grupos, é possível identificar um
~ do nélron 1,0~M II

Ir
ou mais protótipos, que exemplificam as caracrerísticas mais im- R-N-H
L1PíDICA
Membranas
pH6,0
Urina
H 11,0~M
R-N-H II de outras drogas
H pH7,4
portantes do grupo. Isso permire a classificação
DIFUSÃO
Sangue
~10'0 ~M
importantes no grupo como variantes do 1,0~M
prorótipo, de modo que (R-N+-H
1,4 ~M 0,4 ~!M ~
só precisamos conhecer detalhadamente o R-W-H)
protótipo e reconhecer
apenas as diferenças em relação ao protótipo paraH as drogas rema-
nescentes.
W11
Fontes de Informação
Os estudantes que desejam rever o campo da farmacologia para a
preparação de um exame devem consultar Pharmacology:Examina-
tion and Board Review, de Trevor, Katzung e Masrers (McGraw-
Hill, 2002) ou USMLE Road Map: Pharmacology, por Katzung e
Trevor (McGraw-Hill, 2003).
As referências apresentadas ao final de cada capítulo deste livro
foram selecionadas para proporcionar informações específicas em
cada um dos capítulos.
A melhor maneira de responder a perguntas específicas relativas
à pesquisa básica ou clínica consiste em recorrer a periódicos de
farmacologia geral e especialidades clínicas. Para o estudante e o
médico, podemos recomendar três publicações como fontes parti-
Fig. 1.1 Aprisionamento de uma base fraca (pirimetamina) na uri-
cularmente úteis de informações atualizadas sobre drogas: The New na, quando esta é mais ácida do que o sangue. No caso hipotético
England Journal o/ Medicine, que publica muitas pesquisas clínicas ilustrado, a forma da droga sem carga elétrica e passível de difusão
originais relacionadas a drogas, bem como freqüentes revisões de entrou em equilíbrio através da membrana, porém a concentração
tópicos de farmacologia; The' Medical Letter on Drugs and total (com carga e sem carga) na urina é quase oito vezes maior que
Therapeutics, que publica revisões breves e críticas de terapias no- a do sangue.
8 / FARMACOLOGIA

Quadro 1.3 Líquidos corporais com potencial de "aprisionamento" de drogas através do fenômeno de partição do pH
Relações de Concentração Relações de Concentração nos
nos líquidos Totais: Sangue para a líquidos Totais: Sangue para
líquido Corporal Faixa de pH Sulfadiazina (ácido, pK. 6,5)' a Pirimetamina (base, pK.7,O)'
Urina 5,0-8,0 0,12-4,65 72,24-0,79
............... , . ..... , .
Leite materno 6,4-7,6' 0,2-1,77 3,56-0,89"
........ ,...............................••.................................... ..................... .
Conteúdo do jejuno, íleo
............................................ 7,5-8,03 1,23-3,54
..................... 0,94-0,79
•••• " ••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••• O"

Conteúdo do estômago
..................................... 1,92-2,59'
........... , " " .
85.993-18386
Secreçôes prostáticas 6,45-7,4' 0,21 3,25-1,0
, .
Secreções vaginais 3,4-4,23 0,114 2.848-452

'As relações entre droga protonada e não-protonada nos líquidos corporais foram calculadas ao utilizar cada um dos extremos citados de pH; foi utiíizado um pH sangüíneo de
7,4 para a relação sangue:droga. Por exemplo, a relação urina:sangue em estado de equilíbrio dinâmico para a sulfadiazina é de 0.,12 em pH urinãrio de 5,0.; essa relação atinge
4,65 com pH urinãrio de 8,0.. Por conseguinte, a sulfadiazina é separada e excretada com muito mais eficiência na urina alcalina.
'Lentner C (editor): Geigy Scientilic Tables, vai 1, 8th ed. Ciba Geisy, 1981
3Bowman WC, Rand MJ: Textbook 01 Pharmacology, 2nd ed. Blackwell, 1980..
4Alteração insignificante nas relações dentro da faixa de pH fisiológico.

vas e antigas, em sua maior parte farmacológicas; e Drugs, que pu- Facts and Comparisons
blica extensas revisões de drogas e grupos de drogas. 111 West Porr Plaza, Suite 300
É preciso mencionar também outras fontes de informações per- St. Louis, MO 63146
tinentes aos Estados Unidos. A "bula do produto" é um resumo das
informações sobre o fármaco que o fabricante é obrigado a colocar Pharmaco!ogy: Examination 6- Board Review, 6th ed
na embalagem; o Physicians, Desk Reference (PDR) é um compên- McGraw-Hill Companies, Inc
dio das bulas publicadas anualmente, com suplementos duas vezes 2 Penn Plaza 12th Floor
por ano; o Facts and Comparisons é uma publicação em folhas sol- Nova York, NY 10121-2298
tas mais completa sobre informações de drogas, com atualizações
mensais; e o USP DI (voI. 1, Drug Information for the Hea!th Care USMLE Road Map: Pharmaco!ogy
Professiona~ é um grande compêndio sobre drogas, com atualiza- McGraw-Hill Companies, Inc
ções mensais, que atualmente é publicado na internet pela 2 Penn Plaza 12th Floor
Micromedex Corporation. A bula consiste numa breve descrição Nova York, NY 10121-2298
da farmacologia do produto. Embora contenha muitas informações
práticas, é também utilizada como meio de transferir a responsabi- The Medica! Letter on Drugs and Therapeutics
lidade por reações adversas ao fármaco do fabricante para o médi- 56 Harrison Street
co. Por isso, o fabricante tipicamente relaciona todos os efeitos tó- New Rochelle, NY 10801
xicos já relatados, independentemente de sua raridade. Um manu-
al útil e objetivo que fornece informações sobre toxicidade e inte- The New Eng!and Journa! o/ Medicine
rações farmacológicas é o Drug Interactions. Por fim, a FDA possui 10 Shattuck Street
um site na Interner World Wide Web, que traz notÍcias a respeito Boston, MA 02115
de drogas recentemente aprovadas, retiradas do mercado, avisos etc.
Esses dados podem ser obtidos com um computador pessoal equi- Physicians' Desk Reference
pado com um software para internet em http://www.fda.gov. Box 2017
Os endereços a seguir são fornecidos para uso de leitores que Mahopac, NY 10541
desejarem obter qualquer uma das publicações anteriormente ci-
tadas:
United States Pharmacopeia Dispensing Information
Micromedex, Inc.
Drug Interactions 6200 S. Syracuse Way, Suite 300
Lea & Febiger Englewood, CO 80111
600 Washington Square
Filadélfia, PA 19106
Receptores de Drogas e
Farmacodinâmica
Henry R. Bourne, MO, e Mark von Zastrow, MO, pho

As drogas produzem efeitos terapêuticos e tóxicos em decorrência der integralmente de sua capacidade de impedir a ligação de mo-
de suas interações com moléculas existentes no indivíduo. As dro- léculas agonistas e de bloquear suas ações biológicas. Alguns dos
gas atuam, em sua maioria, ao associar-se a macromoléculas especí- fármacos mais úteis na clínica médica são antagonistas farmaco-
ficas, alrerando suas atividades biofísicas ou bioquímicas. Essa no- lógicos.
ção, que surgiu há mais de um século, está incorporada no termo
receptor: o componente de uma célula ou organismo que interage NATUREZA MACROMOLECULAR DOS
com uma droga e dá início à cadeia de eventos bioquímicos e leva
RECEPTORES DE DROGAS
aos efeitos observados da droga.
Os receptores tornaram-se o foco central da pesquisa dos efeitos
Os receptores são, em sua maioria, proteínas, presumivelmente
dos fármacos e seus mecanismos de ação (farmacodinâmica). O con-
porque as estruturas dos peptídios proporcionam tanto a diversi-
ceito de receptor, ao ser aplicado à endocrinologia, imunologia e dade quanto a especificidade necessárias em termos de forma e car-
biologia molecular, provou ser fundamental para explicar muitos ga elétrica. O boxe intitulado Como São Descobertos Novos Re-
aspectos da regulação biológica. Foram isolados muitos receptores ceptores? descreve alguns dos métodos através dos quais os recep-
de drogas, que foram caracterizados em seus detalhes, propiciando, tores são descobertos e definidos (ver adiante).
assim, um caminho para a elucidação precisa da base molecular da Os receptores de drogas mais bem caracterizados são proteínas
ação dos fármacos. reguladoras, que medeiam as ações de sinais químicos endógenos,
O conceito de receptor possui importantes conseqüências prá- como neurotransmissores, autacóides e hormônios. Essa classe de
ticaspara o desenvolvimento de fármacos e para a tomada de deci- receptores medeia os efeitos de muitos dos agentes terapêuticos mais
sões terapêuticas na prática clínica. Essas conseqüências formam a úteis. A estrutura molecular e os mecanismos bioquímicos desses
base da compreensão das ações e usos clínicos dos fármacos descri- receptores reguladores são descritos numa seção posterior, intitula-
tos em quase todos os capítulos deste livro. Podem ser resumidas, da Mecanismos de Sinalização e Ação das Drogas.
sucintamente, da seguinte maneira: Outras classes de proteínas que foram claramente identificadas
(1) Os receptores determinam, em grande parte, as relações como receptores de drogas incluem as enzimas, que podem ser ini-
quantitativas entre a dose ou concentração do fármaco e seus efei- bidas (ou, menos comumente, ativadas) pela sua ligação a uma droga
tos farmacológicos. A afinidade do receptor pela sua ligação a de- (p.ex., diidrofolato redutase, o receptor do metotrexato, um fármaco
terminada droga estabelece a concentração necessária desta última antineoplásico); proteínas transportadoras (p.ex., Na+/K+ -ATPase,
para formar um número significativo de complexos fármaco-recep- o receptOr de membrana para os glicosídios digitálicos cardioativos);
tor, podendo o número total de receptores limitar o efeito máximo e proteínas estruturais (p.ex., tubulina, o receptor da colchicina,
um fármaco antiinflamatório).
que um fármaco pode produzir.
(2) Os receptores são responsáveis pela seletividade da ação dos Este capítulo trata de três aspectos da função dos receptores
fármacos. O tamanho molecular, a forma e a carga elétrica de uma de drogas, apresentados por ordem crescente de complexidade: (1)
droga determinam se ela irá se ligar - e com que grau de afinidade Os receptores como determinantes da relação quantitativa entre
- a determinado receptor entre a enorme série de sítios de ligação a concentração do fármaco e a resposta farmacológica. (2) Os re-
quimicamente diferentes existentes numa célula, tecido ou indiví- ceptores como proteínas reguladoras e componentes de mecanis-
duo. Por conseguinte, as alterações na estrutura química de um mos químicos de sinalização, que proporcionam alvos para fár-
fármaco podem aumentar ou diminuir drasticamente as afinidades macos importantes. (3) Os receptores como determinantes-cha-
de um novo fármaco por diferentes classes de receptores, com con- ves dos efeitos terapêuticos e tóxicos de fármacos em pacientes.
seqüentes alterações nos efeitos terapêuticos e tóxicos.
(3) Os receptores medeiam as ações de agonistas e antago- RELAÇÃO ENTRE CONCENTRAÇÃO DA
nistas farmacológicos. Algumas drogas e numerosos ligantes na- DROGA E RESPOSTA
turais, como hormônios e neurotransmissores, regulam a função
de macromoléculas receptoras como agonistas, isto é, ativam o A relação entre a dose de um fármaco e a resposta clínica observada
receptor a produzir sinais como resultado direto de sua ligação. pode ser muitO complexa. Entretanto, em sistemas in vitro cuida-
Outras drogas atuam como antagonistas farmacológicos, isto é, dosamente controlados, a relação entre a concentração de uma droga
ligam-se a receptores, porém não ativam a produção de um sinal; e seu efeito é freqüentem ente simples e pode ser prescrita com pre-
conseqüentemente, interferem na capacidade de um agonista de cisão matemática. Essa relação idealizada constitui a base das rela-
ativar o receptor. Por conseguinte, o efeito de um denominado ções mais complexas entre dose e efeito que ocorrem quando se
antagonista "puro" sobre uma célula ou um paciente irá depen- administram fármacos a pacientes.
10 / FARMACOLOGIA

COMO SÃO DESCOBERTOS NOVOS RECEPTORES?

Como o novo receptor de hoje prepara o terreno para a nova droga vadas de seqüências de aminoácidos (e, portanto, de DNA) seme-
de amanhã, é importante saber como são descobertos novos re- lhantes ou idênticos. Isso levou a uma abordagem completamen-
ceptores. O processo de descoberta freqüentemente começa pelo te diferente na identificação dos receptores através de sua homo-
estudo das relações entre as estruturas e atividades de um grupo logia de seqüência com receptores já conhecidos (clonados).
de drogas em alguma resposta convenientemente medida. A fi- A clonagem de novos receptores por homologia de suas se-
xação de ligantes radioativos define a abundância molar e as afi- qüências identificou diversos subtipos de classes reconhecidas de
nidades de ligação do suposto receptor, além de proporcionar um receptores, como os receptores a-adrenérgicos e os receptores
ensaio para ajudar na sua purificação bioquímica. de serotonina, cuja diversidade fora apenas parcialmente prevista
A análise da proteína receptora pura permite identificar o nú- com base nos estudos farmacológicos. Essaabordagem também
mero de suas subunidades, seu tamanho e (por vezes) fornece um levou à identificação de receptores cuja existência não havia sido
indício sobre como ela atua (p.ex., autofosforilação de radicais de antecipada com base nos estudos farmacológicos realizados.
tirosina estimulada pelo agonista, observada nos receptores de Essessupostos receptores, identificados apenas pela sua seme-
insulina e de muitos fatores de crescimento) Essasetapas clássi- lhança a outros receptores conhecidos, são denominados recep-
cas na identificação de receptores servem como exercício de tores órfãos até a identificação de seus ligantes nativos. A iden-
"aquecimento" para a clonagem molecular do segmento de DNA tificação desses receptores e seus ligantes é de grande interes-
que codifica o receptor. Os receptores dentro de uma classe ou se, visto que esse processo pode elucidar vias de sinalização e
subclasse específica contêm, em geral, regiões altamente conser- alvos terapêuticos completamente novos.

Curvas de Concentração-Efeito e Ligação idênticas, mas não precisam sê-Io, conforme discutido adiante. Os
de Agonistas aos Receptores dados relativos à dose-resposta são freqüentem ente apresentados na
forma de gráfico do efeito da droga (ordenada) contra o logaritrno
Mesmo em animais intactos ou em pacientes, as respostas a peque- da dose ou concentração (abscissa). Essa manobra matemática trans-
nas doses de um fármaco costumam aumentar em proporção dire- forma a curva hiperbólica da Fig. 2.1 numa curva sigmóide, com
ta à dose. Entretanto, à medida que aumenta a dose, observa-se uma uma parte média linear (p.ex., Fig. 2.2). Isso expande a escala do
redução no incremento da resposta; por fim, podem-se atingir do- eixo de concentração em baixas concentrações (quando ocorre rá-
ses em que não será possível obter qualquer aumento adicional na pida mudança do efeito) e a comprime em altas concentrações
resposta. Em sistemas idealizados ou in vitro, a relação entre a con- (quando o efeito se modifica lentamente), porém essa transfor-
centração e o efeito de um fármaco é descrita por uma curva mação não tem nenhum significado biológico ou farmacológico
hiperbólica (Fig. 2.1A), de acordo com a seguinte equação: especial.

E . X C
E = max. Acoplamento Receptor-Efetor e Receptores
C + ECso de Reserva
Quando um receptor é ocupado por um agonista, a conseqüente
onde E é o efeito observado na concentração C, Emáx.é a resposta alteração de sua configuração constitui apenas a primeira de mui-
máxima que pode ser produzida pela droga, e ECso é a concentra- tas etapas geralmente necessárias para produzir uma resposta far-
ção da droga que produz 50% do efeito máximo. macológica. O processo de transdução entre a ocupação dos recep-
Essa relação hiperbólica assemelha-se à lei de ação de massa, que tores e a resposta ao fármaco é freqüentem ente denominado aco-
prevê a associação entre duas moléculas de determinada afinidade. plamento. A deficiência relativa do acoplamento ocupação-respos-
Essa semelhança sugere que os agonistas de droga atuam ao ligar-se ta é determinada, em pane, pela alteração inicial na configuração
a ("ocupar") uma classe distinta de moléculas biológicas com afini- do receptor - assim, os efeitos de agonistas integrais podem ser
dade característica pelo receptor de drogas. Foram utilizados ligan- considerados mais eficientemente acoplados à ocupação dos recep-
tes radioativos de receptores para confirmar essa suposta ocupação tores do que os efeitos de agonistas parciais, conforme descrito adi-
em numerosos sistemas de droga-receptor. Nesses sistemas, a rela- ante. A eficiência do acoplamento também é determinada pelos
ção entre a droga ligada a receptores (B) e a concentração da droga eventos bioquímicos que rransduzem a ocupação dos receptores
livre (não-ligada) (C), mostrada na Fig. 2.1B, é descrita por uma numa resposta celular.
equação análoga: A alta eficiência da interação receptor-efetor também pode ser
considerada o resultado de receptores de reserva. Os receptores são
considerados de "reserva" para determinada resposta farmacológica
quando um agonista pode induzir a resposta máxima numa concen-
tração que não resulta na ocupação de todo o complemento de re-
em que Bmáx.indica concentração total de sítios receptores (i.e., sí- ceptores disponíveis. Os receptores de reserva não diferem qualitati-
tios ligados à droga em concentrações infinitamente altas da droga vamente dos outros receptores. Não estão ocultos nem indisponíveis
livre). Ko (a constante de associação em equilíbrio) representa a e, quando ocupados, podem ser acoplados à resposta. Experimental-
concentração de droga livre em que se observa metade da ligação mente, os receptores de reserva podem ser demonstrados ao utilizar
máxima. Essa constante caracteriza a afinidade do receptor pela li- antagonistas irreversíveis para impedir a ligação de agonistas a uma
gação à droga de modo recíproco: Se a Ko for baixa, a afinidade de certa proporção de receptores disponíveis, mostrando, assim, que as
ligação apresenta-se elevada, e vice-versa. A ECso e a Ko podem ser concentrações elevadas de agonista ainda podem produzir uma res-
RECEPTORES DE DROGAS E FARMACODINÂMICA / 11

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Fig. 2.1 Relações entre a concentração e o efeito do fármaco (painel A) ou droga ligada ao receptor (painel B) As concentrações da
droga em que o efeito ou a ocupação dos receptores são metade do valor máximo são designadas por ECso e Ko, respectivamente

posta máxima que não está diminuída (Fig. 2,2). Por conseguinte, situação, a maioria dos receptores forma uma reserva numérica.
pode-se obter uma resposta inotrópica máxima do músculo cardíaco Em conseqüência, uma concentração muito menor do agonista é
às catecolaminas, até mesmo em condições nas quais 90% dos recep- suficiente para ocupar dois dos 40 receptores (5% dos recepto-
tores f3-adrenérgicos estão ocupados por um antagonista quase irre- res), e essa mesma concentração baixa de agonista é capaz de in-
versível. Portanto, diz-se que as células do miocárdio contêm uma duzir metade da resposta máxima (ativação de dois dos quatro
grande proporção de receptores f3-adrenérgicos de reserva. efetores). Por conseguinte, é possível modificar-se a sensibilidade
Como podemos explicar o fenômeno dos receptores de reserva? dos tecidos com receptores de reserva ao modificar-se a concen-
Em alguns casos, o mecanismo bioquímico está elucidado, como tração dos receptores.
na situação das drogas que atuam sobre alguns receptores regula-

/
dores. Nesse contexto, o efeito da ativação dos receptores - por
exemplo, ligação do trifosfato de guanosina (GTP) por um inter-
~
mediário - pode durar muito mais do que a interação agonista-
receptor (ver a seção subseqüente sobre Proteínas G e Segundos I I
Mensageiros). Nesse caso, a "reserva" de receptores é temporal, vis-
A B C
to que a resposta desencadeada por um evento individual de liga- I l

/-
ção ligante-receptor persiste por mais tempo do que o próprio evento
de ligação.
Em outros casos, em que o mecanismo bioquímico ainda não
foi esclarecido, imaginamos que os receptores podem ter uma re-
serva quantitativa. Se a concentração ou quantidade de um com-
ponente celular que não seja o receptor limitar o acoplamento da
ocupação dos receptores à resposta, pode ocorrer uma resposta
máxima sem a ocupação de todos os receptores. Esse conceito aju- E

da a explicar como a sensibilidade de uma célula ou tecido a deter-


minada concentração de agonista depende não apenas da afinidade
do receptor pela ligação ao agonista (caracterizada pela Ko), como
também do grau de reserva- o número total de receptores presen-
tes em comparação com o número realmente necessário para pro-
duzir uma resposta biológica máxima. A Ko da interação agonista- ECSO (A) ECSO (6) ECSO (C) ECso (D,E) '" Ko

receptor determina a fração (B/Bm~Jdo total de receptores que será Concentração do agonista (C) (escala log)
ocupada em determinada concentração livre (C) do agonista, inde-
Fig. 2.2 Transformação logarítmica do eixo das doses e demons-
pendentemente da concentração dos receptores:
tração experimental dos receptores de reserva, utilizando concen-
trações diferentes de um antagonista irreversível. A curva A mostra
a resposta ao agonista na ausência de antagonista. Após tratamento
com baixa concentração de antagonista (curva B), a curva é desvi-
ada para a direita; entretanto, a responsividade máxima é preser-
Imagine uma célula respondendo com quatro receptores e qua- vada, visto que os receptores remanescentes disponíveis ainda se
tro efetores. Aqui, o número de efetores não limita a resposta má- encontram em número superior ao necessário. Na curva C, produ-
xima e os receptores não têm uma reserva numérica. Conseqüen- zida após tratamento com uma concentração maior do antagonis-
ta, os receptores disponíveis não são mais de "reserva". Com efei-
temente, um agonista presente numa concentração igual à Ko irá
to, são apenas suficientes para mediar uma resposta máxima não-
ocupar 50% dos receptores, e ocorrerá ativação de metade dos efe- diminuída. Concentrações ainda mais elevadas do antagonista (cur-
tores, produzindo metade da resposta máxima (i. e., dois recepto- vas D e E) reduzem o número de receptores disponíveis a ponto de
res estimulam dois efetores). Imagine, agora, que o número de re- diminuir a resposta máxima. A ECso aparente do agonista nas cur-
ceptores seja aumentado 10 vezes, chegando a 40 receptores, en- vas D e E pode aproximar-se da Ko que caracteriza a afinidade de
quanto o número total de efetores permanece constante. Nessa ligação do agonista pelo receptor.
12 / FARMACOLOGIA

Antagonistas Competitivos e Irreversíveis resposta na presença e na ausência de uma concentração fixa do


antagonista competitivo; a comparação das concentrações do ago-
Os antagonistas dos receptores ligam-se ao receptor, porém não o
nista necessárias para produzir graus idênticos de efeito farmacoló-
ativam. Em geral, esses antagonistas exercem seus efeitos ao impe-
gico nas duas situações revela a Kj do amagonista. Se a C' for o
dir a ligação de agonistas (outras drogas ou moléculas reguladoras
dobro da C, por exemplo, então [I] = Kj•
endógenas) aos receptores e sua ativação. Esses antagonistas são
Para o médico, essa relação matemática tem duas implicações
divididos em duas classes, dependendo de a sua competição com
terapêuticas importantes:
agonistas pela ligação aos receptores ser reversível ou não.
Na presença de uma concentração fixa de agonista, concentra- (1) O grau de inibição produzido por um antagonista competi-
ções crescentes de um antagonista competitivo inibem progressi- tivo depende da concentração desse antagonista. Assim, por exem-
vamente a resposta ao agonista; a presença do antagonista em altas plo, diferentes pacientes aos quais se administra uma dose fixa de
concentrações impede por completo a resposta. Por outro lado, propranolol apresentam ampla faixa de concemrações plasmáticas,
concentrações suficientemente altas do agonista podem superar por devido a diferenças na depuração do fármaco. Em conseqüência,
completo o efeito de determinada concentração do antagonista, isto os efeitos de uma dose fixa desse antagonista competitivo da nora-
é, a Emáx.para o agonista permanece a mesma para qualquer con- drenalina podem variar amplamente nos pacientes, devendo-se ajus-
centração fixa do antagonista (Fig. 2.3A). Como o antagonismo é tar a dose de acordo.
competitivo, a presença do antagonista aumenta a concentração do (2) A resposta clínica a um antagonista competitivo depende da
agonista necessária para obter determinado grau de resposta, de concemração do agonista que está competindo pela sua ligação a re-
modo que a curva de concentração-efeito do agonisra sofre desvio ceptores. Neste caso também, o propranolol fornece um exemplo útil:
para a direita. quando esse antagonista competitivo dos receptores l3-adrenérgicos é
A concentração (C') de um agonista necessária para produzir administrado em doses suficientes para bloquear os efeitos de níveis
determinado efeito na presença de uma concemração fixa ([I]) do basais do neurotransmissor noradrenalina, a freqüência cardíaca em
antagonista competitivo é maior do que a concentração do agonis- repouso diminui. Entretanto, o aumento na liberação de noradrena-
ta (C) necessária para obter o mesmo efeito na ausência do amago- lina e adrenalina, que ocorre com o exercício físico, alterações postu-
nista. A relação dessas duas concemrações do agonista (a "relação rais ou estresse emocional, pode ser suficiente para superar o antago-
de doses") está associada à constame de dissociação (K1) do amago- nismo competitivo do propranolol e aumemar a freqüência cardíaca,
nista pela equação de Schild: podendo, assim, influenciar a resposta terapêutica.

Alguns antagonistas de receptores ligam-se ao receptor de modo


~=1+I!l
C KI
irreversível ou quase irreversível, isto é, de modo não- competiti-
vo. A afinidade do antagonista pelo receptor pode ser tão grande
OS farmacologistas freqüememente utilizam essa relação para que, para fins práticos, o receptor não é disponível para ligação do
determinar a Kl de um antagonista competitivo. Mesmo sem co- agonista. Outros antagonistas pertencentes a essa classe produzem
nhecer a relação entre a ocupação do receptor com agonista e a res- efeitos irreversíveis, visto que, após sua ligação ao receptor, formam
posta, é possível determinar a Kl de modo simples e acurado. Con- ligações covalentes. Após a ocupação de certa proporção de recep-
forme ilustrado na Fig. 2.3, são obtidas curvas de concemração- tores por um antagonista desse tipo, o número de receptores deso-

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Agonista

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Agonista
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11 I . fi
I I fi
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ECso
11/
.' I 1/
I

Fig. 2.3 Alterações nas curvas de concentração-efeito de um agonista produzidas por um antagonista competitivo (painel A) ou por um
'f-
antagonista irreversível (painel B). Na presença de antagonista competitivo, são necessárias concentrações mais elevadas do agonista
para produzir determinado efeito; por conseguinte, a concentração do agonista (C) necessária para exercer determinado efeito na pre-
sença da concentração [I] de um antagonista é desviada para a direita, conforme ilustrado aqui. As concentrações elevadas do agonista
podem superar a inibição por um antagonista competitivo. Isso não ocorre com um antagonista irreversível, que reduz o efeito máximo
que o agonista pode alcançar, embora possa não alterar a sua ECso.
RECEPTORES DE DROGAS E FARMACODINÂMICA I 13

cupados remanescentes pode ser demasiado pequeno para que o ela, tornando-a indisponível para interagir com proteínas envolvi-
agonista (mesmo em altas concentrações) possa desencadear uma das na formação do coágulo sangüíneo.
resposta comparável ou resposta máxima prévia (Fig. 2.3B). Entre- Com freqüência, o médico utiliza fármacos que recorrem ao
tanto, na presença de receptores de reserva, uma dose mais baixa de antagonismo fisiológico entre vias reguladoras endógenas. Por
um a~tagonista irreversível pode deixar um número suficiente de exemplo, várias ações catabólicas dos hormônios glicocorticóides
receptores desocupados para permitir a obtenção de uma resposta resultam em amento da glicemia, um efeito que é fisiologicamente
máxima ao agonista, embora seja necessária uma concentração maior neutralizado pela insulina. Apesar de os glicocorticóides e a insuli-
deste último (Figs. 2.2B e C: ver Acoplamento Receptor-Efetor e na atuarem sobre sistemas de receptor-efetor muito distintos, o
Receptores de Reserva, anteriormente). médico deve, algumas vezes, administrar insulina para anular os
Do ponto de vista terapêutico, os antagonistas irreversíveis apre- efeitos hiperglicêmicos dos hormônios glicocorticóides, estejam eles
sentam vantagens e desvantagens características. Após ter ocupado elevados em conseqüência de síntese endógena (p.ex., por tumor
o receptor, o antagonista irreversível não precisa estar presente na do córtex supra-renal) ou de terapia com glicocorticóides.
forma não-ligada para inibir as respostas ao antagonista. Por con- Em geral, o uso de uma droga como antagonista fisiológico pro-
seguinte, a duração de ação desse antagonista irreversível é relativa- duz efeitos que são menos específicos e mais difíceis de controlar
mente independente de sua própria taxa de eliminação, dependen- do que aqueles de um antagonista específico de receptor. Assim, por
do mais da taxa de renovação das moléculas e dos receptores. exemplo, para tratar a bradicardia causada pela liberação aumenta-
A fenoxibenzamina, um antagonista irreversível dos receptores da de acetilcolina das terminações nervosas do vago, o médico pode
a-adrenérgicos, é utilizada para controlar a hipertensão causada por utilizar isoproterenol, um agonista dos receptores ~-adrenérgicos,
catecolaminas liberadas de feocromocitoma, um tumor da medula que aumenta a freqüência cardíaca ao imitar a estimulação simpá-
supra-renal. Se a administração de fenoxibenzamina produzir uma tica do coração. Entretanto, o uso desse antagonista fisiológico se-
redução da pressão arterial, o bloqueio será mantido, mesmo quando ria menos racional- e potencialmente mais perigoso - do que o
o tumor liberar episodicamente quantidades muito grandes de ca- uso de um antagonista receptor-específico, como a atropina (um
tecolaminas. Nesse caso, a capacidade de impedir as respostas a antagonista competitivo dos receptores em que a acetilcolina reduz
a freqüência cardíaca).
concentrações variáveis e altas do agonista representa uma vanta-
gem terapêutica. Entretanto, se houver superdosagem, pode surgir
um problema real. Se não for possível superar o bloqueio dos re- MECANISMOS DE SINALIZAÇÃO E
ceptores a-adrenérgicos, os efeitos excessivos do fármaco devem ser AÇÃO DAS DROGAS
antagonizados "fisiologicamente", isto é, ao utilizar-se um fármaco
pressor que não atue através dos receptores a. Até agora, consideramos as interações com os receptores e os efeitos
das drogas em termos de equações e curvas de concentração-efeito.
Agonistas Parciais Precisamos compreender também os mecanismos moleculares atra-
vés dos quais as drogas atuam. Essa compreensão nos permite for-
Com base na resposta farmacológica máxima que ocorre quando mular questões básicas com importantes implicações clínicas:
todos os receptores estão ocupados, os agonistas podem ser divi-
didos em duas classes: os agonistas parciais produzem uma res- Por que algumas drogas produzem efeitos que persistem por
posta menor com ocupação total dos receptores do que os ago- minutos, horas ou até mesmo dias após a droga não estar mais
presente?
nistas integrais. Os agonistas parciais produzem curvas de con-
centração-efeito que se assemelham àquelas observadas com ago- Por que as respostas a outras drogas diminuem rapidamente com
nistas integrais na presença de um antagonista que bloqueia irre- administração prolongada ou repetida?
Como os mecanismos celulares para a amplificação de sinais
versivelmente alguns dos sítios receptores (compare as Figs. 2.2
[curva D] e Fig. 2.4B). É importante ressaltar que a incapacidade químicos externos explicam o fenômeno dos receptores de re-
serva?
dos agonistas parciais de produzir uma resposta máxima não é
devida a uma afinidade reduzida pela sua ligação aos receptores. Por que drogas quimicamente semelhantes muitas vezes apre-
sentam extraordinária seletividade nas suas ações?
Com efeito, a incapacidade dos agonistas parciais de produzir uma
resposta farmacológica máxima, mesmo quando presentes em al- Podem esses mecanismos fornecer alvos para o desenvolvimen-
to de novos fármacos?
tas concentrações que saturam a ligação de todos os receptores, é
indicada pelo fato de que esses agonistas inibem competitivamente A maior parte da sinalização transmembranosa é efetuada por
as respostas produzidas pelos agonistas integrais (Fig. 2.4C). um pequeno número de mecanismos moleculares diferentes. Cada
Muitos fármacos utilizados clinicamente como antagonistas são, tipo de mecanismo adaptou-se, através da evolução de famílias dis-
de fato, agonistas parciais fracos. tintas de proteínas, à transdução de muitos sinais diferentes. Essas
famílias de proteínas incluem os receptores na superfície celular e
Outros Mecanismos de Antagonismo no interior da célula, bem como enzimas e outros componentes que
de Droga geram, amplificam, coordenam e interrompem a sinalização pós-
receptor através de segundos mensageiros químicos no citoplasma.
Nem todos os mecanismos de antagonismo envolvem interações de Esta seção irá analisar inicialmente os mecanismos de transporte da
drogas ou ligantes endógenos com um único tipo de receptor. Com informação química através da membrana plasmática e, a seguir,
efeito, os antagonistas químicos não necessitam absolutamente da descrever as características essenciais dos segundos mensageiros ci-
presença de um receptor. Assim, uma droga pode antagonizar as toplasmáticos.
ações de uma segunda droga ao ligar-se a ela, inativando-a. Por Cinco mecanismos básicos de sinalização transmembranosa já
exemplo, a protamina, uma proteína de carga elétrica positiva e pH estão bem elucidados (Fig. 2.5). Cada um deles utiliza uma estraté-
fisiológico, pode ser utilizada clinicamente para neutralizar os efei- gia diferente para esquivar-se da barreira imposta pela dupla cama-
tos da heparina, um anticoagulante de carga elétrica negativa; nes- da lipídica da membrana plasmática. Essas estratégias utilizam: (1)
te caso, uma droga antagoniza a outra simplesmente ao ligar-se a um ligante lipossolúvel, que atravessa a membrana e atua sobre um
14 / FARMACOLOGIA

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60o II Agonista
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Agonista
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I•I -. Agonista integral

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log (Agonista integral ou agonista parcial)

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111 Componente de agonista integral
0,8
•. Resposta total

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o.

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a: 0,4

0,2

''Ik-e._. li
0,0 ~ I I
-10 -8 -6
log (Agonista parcial)

Fig. 2.4 Painel A: A percentagem de ocupação dos receptores em decorrência da ligação de agonista integral (presente numa única
concentração) a receptores na presença de concentrações crescentes de um agonista parcial. Como o agonista integral (quadrados chei-
os) e o agonista parcial (quadrados vazios) competem pela ligação aos mesmos sítios receptores, quando aumenta a ocupação pelo ago-
nista parcial, a ligação do agonista integral diminui. Painel B: Quando cada uma das duas drogas é utilizada isoladamente, e determina-
se a resposta produzida, a ocupação de todos os receptores pelo agonista parcial produz uma resposta máxima menor do que a ocupa-
ção semelhante pelo agonista integral. Painel C: O tratamento simultãneo com uma única concentração de agonista integral e concen-
trações crescentes do agonista parcial produz os padrões de resposta mostrados no painel inferior. A resposta fracional causada por uma
única concentração do agonista integral (quadrados cheios) diminui à medida que as concentrações cada vez maiores do agonista parcial
competem pela sua ligação ao receptor, com sucesso crescente; ao mesmo tempo, aumenta a parte da resposta produzida pelo agonista
parcial (quadrados vazios), enquanto a resposta total - isto é, a soma das respostas das duas drogas (triãngulos cheios) - diminui de
modo gradual, atingindo, por fim, o valor produzido apenas pelo agonista parcial (compare com o painel B).

2 3 4 5

o Droga

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~ O
"'mh~' O
No10""" •
~~I~ada
da célula IO ~
O
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n .

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A B Ov OV-P
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Fig. 2.5 Mecanismos de sinalização transmembranosa conhecidos: 1: Um sinal químico lipossolúvel atravessa a membrana e atua sobre
um receptor intracelular (que pode ser uma enzima ou um regulador da transcrição gênica); 2: o sinal liga-se ao domínio extracelular de
uma proteína transmembranosa, ativando, assim, uma atividade enzimática de seu domínio citoplasmático; 3: o sinal liga-se ao domínio
extracelular de um receptor transmembranoso ligado a uma proteína tirosina cinase, ativando-a; 4: o sinal liga-se a um canal iônico e
regula diretamente a sua abertura; 5: o sinal liga-se a um receptor de superfície celular ligado a uma enzima efetora por uma proteína G.
(A, C, substratos; B, D, produtos; R, receptor; G, proteína G; E, efetor [enzima ou canal iônico]; Y, tirosina; P, fosfato.)
RECEPTORES DE DROGAS E FARMACODINÂMICA / 15

receptor inrracelular; (2) uma proreína receptora transmembrano-


sa, cuja atividade enzimática inrracelular é regulada alostericamen-
te por um liganre, que se fixa a um sítio sobre o domínio extracelu-
lar da proteína; (3) um receptor transmembranoso, que se liga a uma
proteína tirosina cinase, estimulando-a; (4) um canal iônico trans-
membranoso regulado por liganre, cuja abertura ou fechamento
podem ser induzidos pela ligação de um liganre; ou (5) uma prote-
ína receptora transmembranosa, que estimula uma proteína trans-

,r- O-
dutora de sinais de ligação do GTP (proteína G) que, por sua vez,
modula a produção de um segundo mensageiro inrracelular. Esteróide
Apesar de os cinco mecanismos estabelecidos não explicarem
todos os sinais químicos transmitidos através das membranas celu-
lares, eles transduzem efetivamenre muitos dos sinais mais impor-
tanres explorados em farmacoterapia.
S--1
Receptores Intracelulares de Fármacos
Lipossolúveis
~

r
Diversos sinais biológicos são suficienremenre lipossolúveis para ativação da
transcrição
atravessar a membrana plasmática e atuar sobre receptOres intrace-
lulares. Um deles é um gás, o óxido nítrico (NO), que atua ao esti-
mular uma enzima inrracelular, a guanilil ciclase, que produz o ligação do
DNA
monofosfato de guanosina cíclico (cGMP). A sinalização através do
cGMP é descrita com mais detalhes posteriormenre neste capítulo. l Domínio de
Os receptOres para outra classe de ligantes - incluindo corticoste- Alteração da transcrição
róides, mineralocorticóides, esteróides sexuais, vitamina D e hor- de genes específiCOS

mônio tireoidiano - estimulam a transcrição de gene no núcleo Fig. 2.6 Mecanismo de ação dos glicocorticóides. O polipeptídio
através de sua ligação a seqüências específicas de DNA próximo ao receptor de glicocorticóides é representado esquematicamente
gene, cuja expressão deve ser regulada. Já foram idenrificadas mui- como uma proteína com três domínios distintos. Uma proteína de
tas das seqüências-alvo do DNA (denominadas elemenros de res- choque térmico, hsp90, liga-se ao receptor na ausência do hormô-
posta). nio e impede o dobramento do receptor na sua configuração ativa.
Esses receptOres "ativos para genes" pertencem a uma família de A fixação de um ligante hormonal (esteróide) provoca dissociação do
proteínas que evolui a partir de um precursor comum. A dissecção estabilizador hsp90 e permite a conversão na configuração ativa.
dos receptores por técnicas de DNA recombinante esclareceu seu
mecanismo molecular. Assim, por exemplo, a ligação do hormô-
nio glicocorticóide à .sua proteína receptOra normal remove uma
geral, diminuir lentamente quando a administração do hormônio
limitação inibitória sobre a atividade de estimulação da transcrição
for interrompida.
da proteína. A Fig. 2.6 mostra, de modo esquemático, o mecanis-
mo molecular de ação do glicocorticóide: na ausência do hormô-
nio, o receptor liga-se à hsp90, uma proteína que parece impedir o
Enzimas Transmembranosas Reguladas por
dobramenro normal de vários domínios estruturais do receptor. A Ligantes, Incluindo Tirosina Cinases
ligação do hormônio ao domínio de ligação do ligante desencadeia Receptoras
a liberação de hsp90. Isso possibilita o dobramento dos domínios
Essa classe de moléculas receptOras medeia as primeiras etapas na
de ligação do DNA e de ativação da transcrição do receptOr em sua sinalização efetuada pela insulina, pelo fator de crescimento da epi-
configuração funcionalmente ativa, de modo que o receptor ativa-
derme (EGF, epidermal growth factor), o fator de crescimenro deri-
do possa dar início à transcrição dos genes-alvo.
vado das plaq uetas (PDG F, platelet-derived growth facto r), o peptí-
O mecanismo utilizado por hormônios que atuam ao regular a
dio natriurético atrial (ANP, atrial natriuretic peptide), o fator de
expressão gênica possui duas conseqüências terapeuticamente im- crescimenro transformador f3 (TGF-f3, transfOrming growth facto r-
portantes: (3) e muitos outros hormônios tróficos. Esses receptores são poli-
(1) Todos esses hormônios produzem seus efeitOs depois de um peptídios, que consistem num domínio extracelular de ligação de
período de latência característico de 30 minutos a várias horas - hormônio e num domínio enzimático citoplasmático, que podem
tempo necessário para a síntese de novas proteínas. Isso significa ser constituídos por uma proteína tirosina cinase, serina cinase ou
que não se pode esperar que os hormônios ativos sobre genes pos- guanilil ciclase (Fig. 2.7). Em todos esses receptores, os dois domí-
sam alterar unl estado patológico em questão de minutos (p.ex., os nios são conectados por um segmento hidrofóbico do polipeptídio,
glicocorticóides não produzem alívio imediato dos sintomas da asma que atravessa a dupla camada lipídica da membrana plasmática.
brônquica aguda). A via de sinalização da tirosina cinase receptora começa pela li-
(2) Os efeitos desses agentes podem persistir por várias horas ou gação do ligante ao domínio extracelular do receptor. A conseqüente
dias após declínio da concentração do agonista até o seu completo alteração na configuração do receptor determina a ligação das mo-
desaparecimento. A persistência do efeito deve-se, primariamente, léculas do receptor uma à outra, o que, por sua vez, une os domíni-
à renovação relativamente lenta da maioria das enzimas e proteí- os de tirosina cinase, que se tornam enzimaticamente ativos,
nas, que podem permanecer ativfls nas células por várias horas ou fosforilando uma à outra, assim como proteínas de sinalização adi-
dias após a sua síntese. Por conseguinte, isso significa que os efeitos cionais. Os receptores ativados catalisam a fosforilação de radicais
benéficos (ou tóxicos) de um hormônio ativo sobre genes irão, em de tirosina em diferentes proteínas-alvo de sinalização, permitin-
16 / FARMACOLOGIA

Moléculas de EGF

+EGF "

-EGF

Fora

Dentro

s
\ , s-P
(~~
ATP ADP

Fig. 2.7 Mecanismo de ativação do receptor do fator de crescimento da epiderme (EGF), uma tirosina cinase receptora representativa. O
polipeptídio receptor possui domínios extracelulares e citoplasmáticos, representados acima e abaixo da membrana plasmática. Com a
ligação do EGF(círculo), o receptor, que se encontra em seu estado monomérico inativo (à esquerda), é convertido num estado dimérico
ativo (à direita), em que dois polipeptídios receptores ligam-se de forma não-covalente no plano da membrana. Os domínios citoplasmá-
ticos tornam-se fosforilados (P) em radicais específicos de tirosina (Y), e suas atividades enzimáticas são então ativadas, catalisando a
fosforilação de proteínas substrato (5)

do, assim, a modulação de diversos processos bioquímicos por um mente receptores do fator de crescimento do nervo, desempenha
único tipo de receptor ativado. Por exemplo, a insulina utiliza uma uma função muito diferente. Os receptores internalizados do fator
única classe de receptores para desencadear um aumento na capta- de crescimento do nervo não são rapidamente degradados. Na ver-
ção de glicose e aminoácidos e para regular o metabolismo do gli- dade, esses receptores permanecem intactos e são translocados em
cogênio e dos triglicerídeos na célula. De forma semelhante, cada vesículas endocíticas do axônio distal (onde os receptores são ativa-
um dos fatores de crescimento dá início, em suas células-alvo espe- dos pelo fator de crescimento do nervo liberado do tecido inerva-
cíficas, ao complexo programa de eventos celulares, incluindo des- do) até o corpo celular (onde o sinal é transduzido em fatores de
de alteração do transporte de íons e metabólitos através da mem- transcrição que regulam a expressão de genes envolvidos no con-
brana aré alterações na exptessão de muitos genes. No momento trole da sobrevida celular). Esse processo transporá efetivamente um
atual, foi constatado que alguns compostos produzem efeitos que sinal de sobrevida crítico, que é liberado do tecido-alvo a uma distân-
podem ser devidos à inibição das atividades da tirosina cinase. É cia notavelmente longa - mais de 1 m em alguns neurônios sensi-
fácil imaginar aplicações terapêuticas para inibidores específicos dos tivos. Diversos reguladores do crescimento e da diferenciação, in-
receptores dos fatores de crescimento, particularmente em doenças cluindo o TGF-13, atuam sobre outra classe de enzimas receptoras
neoplásicas, em que se observa freqüentemente uma excessiva sina- transmembranosas, que fosforilam radicais de serina e treonina. O
lização de fatores de crescimento. Por exemplo, um anticorpo mo- ANP, um importante regulador do volume sangüíneo e do tônus
noclonal (trastuzumab), que atua como antagonista na tirosina ci- vascular, atua sobre um receptor transmembranoso, cujo domínio
nase receptora HER2/neu, mostra-se eficaz na terapia do câncer de intracelular - uma guanilil ciclase - gera cGMP (ver adiante).
mama humano associado à expressão excessiva desse receptor de Os receptores em ambos os grupos são, como as tirosina cinases
fatores de crescimento.
receptoras, ativos em suas formas diméricas.
A intensidade e a duração de ação do EGF, do PDGF e de ou-
tros agentes que atuam através das tirosina cinases receptoras são Receptores de Citocinas
limitadas pela infra-regulação dos receptores. A fixação de ligantes
induz uma aceleração da endocitose dos receptores a partir da su- Os receptores de citocinas respondem a um grupo heterogêneo de
perfície celular, seguida de degradação desses receptores (e de seus ligantes peptídicos, incluindo o hormônio do crescimento, a eri-
ligantes ligados). Quando esse processo ocorre numa velocidade mais tropoetina, vários tipos de interferon e outros reguladores do cres-
rápida do que a síntese de novo dos receptores, o número total de cimento e da diferenciação. Esses receptores utilizam um mecanis-
receptores na superfície celular torna-se reduzido (infra-regulação), mo (Fig. 2.8), que se assemelha estreitamente ao das tirosina cina-
com diminuição correspondente da responsividade da célula ao li- ses receptoras, exceto que, neste caso, a atividade de proteína tiro-
gante. Um processo bem estabelecido pelo qual muitas tirosina ci- sina cinase não é intrínseca à molécula receptora. Com efeito, uma
nases sofrem infra-regulação consiste na internalização de recepto- proteína tirosina cinase distinta, da família Janus-cinase QAK, Ja-
res induzida pelos ligantes, seguida de migração até os lisossomos, nus-kinase), liga-se ao receptor de forma não-covalente. Como no
onde os receptores sofrem proteólise. O EGF provoca internalização caso do receptor de EGF, os receptores de citocinas sofrem dimeri-
e infra-regulação proteolítica subseqüente após a sua ligação à pro- zação após ligar-se ao ligante de ativação, permitindo a arivação da
teína tirosina cinase receptora de EGF; as mutações genéticas que JAK e a fosforilação de resíduos de tirosina no receptor. Os fosfatos
interferem nesse processo de infra-regulação produzem prolifera- de tirosina sobre o receptor desencadeiam, então, um complexo
ção celular excessiva induzida pelo fator de crescimento e estão as- processo de sinalização ao ligar-se a outro conjunto de proteínas,
sociadas a um aumento da suscetibilidade a certos tipos de câncer. denominadas STAT (transdutoras de sinais e ativadoras da trans-
A internalização de certas tirosina cinases receptoras, mais notavel- crição [signa! transducers and activators o/ transcriptionJ). A seguir,
RECEPTORES DE DROGAS E FARMACODINÂMICA / 17

Moléculas de citocina

+ Citocina "

d
~p-y~
~y-p~

Fig. 2.8 Os receptores de citocinas, à semelhança das tirosina cinases receptaras, possuem domínios extracelulares e intracelulares e
formam dímeros. Todavia, após ativação par um ligante apropriado, moléculas móveis separadas de proteína tirosina cinase (JAK) são
ativadas, resultando em fosforilação de moléculas de transdução de sinais de ativação da transcrição (STA T, signa/ transducers and activation
of transcription). Os dímeros de STAT seguem então o seu percurso até o núcleo, onde regulam a transcrição.

as STAT ligadas são fosforiladas pelasJAK, duas moléculas de STAT sinapses. Os canais iônicos regulados por ligantes podem ser regula-
sofrem dimerização (fixando-se aos fosfatos de tirosina), e, por fim, dos por múltiplos mecanismos, incluindo fosforilaçãoe internalização.
o dímero STAT/STAT dissocia-se do receptor e segue para o nú- No sistema nervoso central, esses mecanismos contribuem para a
cleo, onde regula a transcrição de genes específicos. pIasticidade sináptica envolvida na aprendizagem e memória.

Canais Regulados por Ligantes Proteínas G e Segundos Mensageiros


Muitos dos fármacos de maior utilidade em clínica média atuam Muitos ligantes extracelulares atuam ao aumentar as concentrações
ao imitar ou ao bloquear as ações de ligantes endógenos que regu- intracelulares de segundos mensageiros, como o 3' -5' monofosfato
lam o fluxo de íons através de canais na membrana plasmática. Os de adenosina cíclico (cAMP), o íon de cálcio e os fosfoinositídios
ligantes naturais incluem acetilcolina, a serotonina, o ácido ')'-ami- (descritos mais adiante). Na maioria dos casos, utilizam um siste-
nobutírico (GABA) e os aminoácidos excitatórios (p.ex., glicina, ma de sinalização transmembranosa com três componentes distin-
aspartato e glutamato). Todos essesagentes são transmissores sináp-
ticos.
Cada um desses receptores transmite seu sinal através da mem- Na'
brana plasmática ao aumentar a condutância transmembranosa do
íon relevante, alterando, assim, o potencial elétrico através da mem-
brana. Por exemplo, a acetilcolina determina a abertura do canal
iônico num receptor nicotínico de acetilcolina (AChR), que per-
mite o fluxo de Na+ ao longo de seu gradiente de concentração para
o interior das células, produzindo um potencial pós-sináptico exci-
tatório localizado - uma despolarização.
O AChR (Fig. 2.9) é um dos receptores de superfície celular para
hormônios ou neurotransmissores mais bem caracterizados. Uma
forma desse receptor consiste em um pentâmero consrituído de
cinco subunidades polipeptídicas (p.ex., duas cadeias a mais uma
cadeia 13,uma'Y e uma 0, todas com pesos moleculares que variam
de 43.000 a 50.000). Esses polipeptídios, cada um dos quais atra-
vessa quatro vezes a dupla camada lipídica, formam uma estrutura
cilíndrica de 8 nm de diâmetro. Quando a acetilcolina liga-se a sí-
tios nas subunidades a, ocorre uma alteração na configuração, que Na'
resulta na abertura transitória de um canal aquoso central, através
Fig. 2.9 O receptar nicotínico de acetilcolina, um canal iônico regu-
do qual os íons de sódio passam do líquido extracelular para o inte- lado por ligante. A molécula receptora é mostrada mergulhada num
rior da célula.
segmento retangular da membrana plasmática, com líquido extra-
O tempo decorrido entre a ligação do agonista a um canal regula- celular acima e citoplasma embaixo. O receptor, composto de cin-
do por ligante e a resposta celular pode muitas vezes ser medido em co unidades (duas a, uma 13,uma 'Y e uma õ), abre um canal iônico
milissegundos. A rapidez desse mecanismo de sinalização é de suma transmembranoso central quando a acetilcolina (ACh) liga-se a síti-
importância para a transferência contínua de informações através das os sobre o domínio extracelular de suas subunidades a.
18 / FARMACOLOGIA

ros. Em primeiro lugar, o ligante extracelular é detectado especifi- macológica, aparecerão receptores de reserva (i.e., uma pequena fra-
camente por um recepror de superfície celular. Por sua vez, o re- ção dos receprores ocupados pelo agonista em determinado momen-
cepror desencadeia a ativação de uma proteína G localizada sobre a ro parecerá produzir uma resposta proporcionalmente maior).
face ciroplasmática da membrana plasmática. A seguir, a proteína A famHia de proteínas G contém diversas subfamílias funcional-
G ativada modifica a atividade de um elemento eferor, geralmente mente distintas (Quadro 2.2), cada uma das quais medeia efeiros
uma enzima ou canal iônico. Esse elemento modifica então a con- de um determinado conjunto de receprores para um grupo distin-
centração do segundo mensageiro intracelular. No caso do cAMP, ro de eferores. Os receprores acoplados à proteína G compreendem
a enzima eferora é a adenilil ciclase, uma proteína transmembranosa uma família de receptores que atravessam sete vezes a membrana
que converte o trifosfaro de adenosina (ATP) intracelular em cAMP. ou em "serpentina", assim denominados pelo faro de a cadeia poli-
A proteína G correspondente, denominada G" estimula a adenilil peprídica do receptor atravessar sete vezes a membrana plasmática
ciclase após ser ativada por hormônios e neurotransmissores que (Fig. 2.11). Os receprores de aminas adrenérgicas, serotonina, ace-
atuam através de um recepror específico (Quadro 2.1). tilcolina (muscarínicos, mas não nicorínicos), muitos hormônios
A G, e outras proteínas G utilizam um mecanismo molecular, peprídicos, odoríferos e até mesmo receprores visuais (nos cones e
que envolve a ligação e a hidrólise do GTP (Fig. 2.10). Esse meca- bastonetes da retina) pertencem todos à família de receptores em
nismo permite a amplificação do sinal transduzido. Por exemplo, serpentina. Todos derivam de um precursor evolutivo comum.
um neurotransmissor, como a noradrenalina, pode entrar em con- Alguns receptores em serpentina existem na forma de dímeros,
taro com seu recepror de membrana por um período de tempo de porém acredita-se que a dimerização não seja habitualmente neces-
apenas alguns milissegundos. Entretanto, quando o contaro gera sária para a sua ativação.
uma molécula de Gs ligada ao GTP, a duração da ativação da ade- Os receptores em serpentina transduzem sinais através da mem-
nilil ciclase depende mais da longevidade da ligação do GTP à G" brana plasmática essencialmente da mesma maneira. Com fre-
do que·da afinidade do recepror pela noradrenalina. Com efeiro, a qüência, o ligante agonista - p.ex., uma catecolamina, acetilco-
exemplo de outras proteínas G, a G, ligada ao GTP pode permane- lina ou cromóforo ativado por fótons dos fotorreceptores retinia-
cer ativa por dezenas de segundos, amplificando enormemente o nos - está ligado a uma bolsa envolvida pelas regiões transmem-
sinal original. Esse mecanismo explica como a sinalização feita por branosas do receptor (como na Fig. 2.11). A conseqüente altera-
proteínas G produz o fenômeno dos receprores de reserva (descriro ção na configuração dessas regiões é transmitida a alças citoplasmá-
anteriormente). Com baixas concentrações do agonista, a propor- ticas do receptor, que, por sua vez, ativam a proteína G apropri-
ção de receprores ligados ao agonista pode ser muiro menor do que ada, promovendo a substituição do GDP pelo GTP, conforme
a proporção de proteínas G no estado ativo (ligadas ao GTP). Se a descrito anteriormente. Consideráveis evidências bioquímicas
proporção de proteínas G ativas se correlacionar com a resposta far- indicam que as proteínas G interagem com aminoácidos na ter-
ceira alça citoplasmática do polipeprídio receptor em serpentina
(mostrada por setas na Fig. 2.11). As extremidades carboxi-ter-
Quadro 2.1 Lista parcial de ligantes endógenos e seus minais desses receptores, que também se localizam no citoplas-
segundos mensageiros secundários ma, podem regular a capacidade do recepror de interagir com
proteínas G, conforme descriro adiante.
Ligante Segundo Mensageiro

Acetilcolina (receptores muscarínicos) Ca", fosfoinositídios


Regulação dos Receptores
Angiotensina Ca2-, fosfoinositídios
......................................................................................................................
As respOStasa drogas e agonistas hormonais mediadas por recepto-
Catecolaminas (receptores cy,-adrenérgicos) Ca2-, fosfoinositídios res freqüentemente sofrem dessensibilização com o decorrer do tem-

Catecolaminas (receptores l3-adrenérgicos) cAMP

Fator de ativação das plaquetas Ca2-,


............................................................•.........•••.......•............•
fosfoinositídios Agonisla

Glucagon cAMP

Gonadotropina coriônica cAMP


R • •. R* GTP
Histamina (receptores H2) cAMP

Hormônio adrenocorticotrópico cAMP


~ E
Hormônio de liberação da tireotropina Ca2-, fosfoinositídios
Hormônio folículo-estimulante cAMP
I G-GTP=>
Hormônio luteinizante cAMP r_GOP\
~
GOP

,'---- -,,- -.- ~


/
, j
E*
Hormônio melanócito-estimulante cAMP
••
Hormônio paratireoidiano cAMP p
Prostaciclina, prostaglandina E2 cAMP
Fig. 2.10 O ciclo de ativação-inativação das proteínas G dependen-
Serotonina (receptores , 5-HT,c e 5-HT2) Ca", fosfoinositídios
............. " . te do nucleotídio de guanina. O agonista ativo ao receptor (R), que
Serotonina (receptores de 5-HT4) cAMP promove a liberação de GDP da proteína G (G) propiciando a en-
trada de GTP no sítio de ligação do nucleotídeo. Em seu estado li-
Tireotropina cAMP
gado ao GTP (G-GTP), a proteína G regula a atividade de uma enzi-
Vasopressina (receptores V,) Ca2-, fosfoinositídios ma efetora ou canal iônico (E). O sinal é interrompido pela hidrólise
do GTP, seguida do retorno do sistema ao estado basal não-esti-
Vasopressina (receptores V2) cAMP
mulado. As setas vazias indicam efeitos reguladores. (Pi, fosfato
Chave: cAMPo monofosfato de adenosina cíclico. inorgânico.)
RECEPTORES DE DROGAS E FARMACODINÂMICA / 19

Quadro 2.2 Proteínas G e seus receptores e efetores

Proteína G Receptores para: Via Efetora/de Sinalização


G, Aminas l3-adrenérgicas, glucagon, histamina, serotonina e t Adeni/i/ ciclase -"> t cAM P
muitos outros hormãnios

Aminas a-adrenérgicas, acetilcolina (muscarínicos), opióides, Várias, incluindo:


serotonina e muitos outros t Adenilil ciclase -"> t cAMP
Outros canais de K+ cardíacos -">

t freqüência cardíaca
Odoríferos (epitélio olfativo) t Adenilil ciclase -"> t cAMP

Neurotransmissores no cérebro (ainda não identificados Ainda não esclarecida


especificamente)
Acetilco/ina (pex., muscarínicos), bombesina, serotonina t Fosfolipase C -"> t IP], diacilglicerol,
(5-HT,c) e muitos outros Ca2+ citoplasmático

Fótons (rodopsina e opsinas de cores nos cones e bastonetes da t cGMP fosfodiesterase -"> t cGMP
retina) . (fototransdução)
Chave: cAMP, monofosfato de adenosina cíelico; cGMP, monofosfato de guanosina c/elico.

po (Fig. 2.12, pane superior). Após atingir um nível inicial eleva- detalhe no caso do receptor l3-adrenérgico (Fig. 2.12, pane infe-
do, a resposta (p.ex., acúmulo celular de cAMP, influxo de Na-, tior). A alteração na configuração do receptor, induzida pela ago-
contratilidade etc.) diminui gradualmente no decorrer de alguns nista, resulta em sua ligação, ativação e atuação como substraro de
segundos ou minutos, mesmo na presença contínua do agonista. uma cinase específica, a cinase do receptor l3-adernérgico (também
Essa dessensibilização é habitualmente reversível; uma segunda ex- denominada I3ARK), [3-adrenoceptor kinase). A seguir, a I3ARKfos-
posição ao agonista, dentro de poucos minutos após o término da forila radicais de serina ou de treonina na cauda carboxi-terminal
primeira, resulta numa resposta semelhante à resposta inicial. do receptor. A presença de fosfosserinas aumenta a afinidade do
Embora muitos tipos de receptores sofram dessensibilização, o receptor para a sua ligação a uma terceira proteína, a l3-arrestina. A
mecanismo permanece, em muitos casos, obscuro. Todavia, um ligação da l3-arrestina a alças citoplasmáticas do receptor diminui a
mecanismo molecular de dessensibilização foi elucidado com algum sua capacidade de interagir com a G" reduzindo, assim, a resposta

OA90nista

Fig. 2.11 Top%gia transmembranosa de um receptor em serpentina típica. A extremidade amino (N)-terminal do receptor é extracelular
(acima do plano da membrana), enquanto a sua extremidade carboxi (C)-terminal é intracelular. As extremidades são conectadas por
uma cadeia polipeptídica que atravessa sete vezes o plano da membrana. Os segmentos transmembranosos hidrofóbicos (cor clara) são
designados por algarismos romanos (I-VII). O agonista (Ag) aproxima-se do receptor a partir do líquido extracelular e liga-se a um sítio
circundado pelas regiões transmembranosas da proteína receptara. As proteínas G (G) interagem com regiões citoplasmáticas do recep-
tor, particularmente com porções da terceira alça citoplasmática entre as regiões transmembranosas V e VI. A cauda terminal citoplasmá-
tica do receptor contém numerosos radicais de serina e treonina, cujos grupos hidroxila (-OH) podem ser fosforilados. Essafosforilação
pode estar associada a uma diminuição da interação receptor-proteína G.
20 / FARMACOLOGIA

agonista (i.e., estimulação da adenilil ciclase). Entretanto, com a intemalização dos receptores. Neste caso, muitos receptores, incluin-
remoção do agonista, as fosfatases celulares removem fosfatos do do o receptor l3-adrenérgico, não sofrem infra-regulação, porém
receptor, e a I3ARKdeixa de recolocá-Ios, de modo que o receptor reciclagem na forma intacta para a membrana plasmática. Essa rá-
retoma a seu estado normal, com conseqüente normalização da pida reciclagem através de vesículas endocíticas promove a desfos-
resposta agonista. Esse mecanismo de dessensibilização, que modula forilação dos receptores, aumentando a taxa de reposição de recep-
rapidamente e de maneira reversível a capacidade do receptor de tores plenamente funcionais na membrana plasmática. Por conse-
emitir sinais à proteína G, regula muitos receptores acoplados à guinte, dependendo do receptor específico e da duração de ativa-
proteína G. Outro processo regulador importante é a infra-regula- ção, a intemalização pode mediar efeitos diferentes sobre a sinali-
ção. A infra-regulação, que diminui o número real de receptores zação e regulação dos receptores.
presentes na célula ou no tecido, ocorre mais lentamente do que a
dessensibilização rápida e é menos prontamente reversível. Isso se
deve ao fato de a infra-regulação envolver a degradação efetiva de
Segundos Mensageiros Bem Estabelecidos
receptores presentes na célula, exigindo a biossíntese de novos re- A. MONOFOSFATO DE ADENOSINA C1CLlCO (cAMP)
ceptores para recuperação, em contraste com a dessensibilização
rápida que envolve a fosforilação reversível dos receptores já exis- o cAMP, que atua como segundo mensageiro intracelular, me-
tentes. Muitos receptores acoplados à proteína G sofrem infra-re- deia diversas respostas hormonais, como a mobilização da ener-
gulação através de endocitose induzi da por ligantes e transporte até gia armazenada (a degradação de carboidratos no fígado ou de tri-
os lisossomos, de modo semelhante à infra-regulação das proteínas glicerídios nas células adiposas, estimulada por catecolaminas 13-
tirosina cinases, como o receptor de EGF. Em geral, a infra-regula- adrenomiméticas), conservação de água pelos rins (mediada pela
ção só ocorre após exposição prolongada ou repetida das células ao vasopressina), homeostasia do Ca2+ (regulada pelo hormônio pa-
agonista (várias horas a dias). A exposição ao agonista por um bre- ratireoidiano) e aumento na freqüência de força de contração do
ve período de tempo (vários minutos) também pode induzir a músculo cardíaco (catecolaminas l3-adrenomiméticas). O cAMP

Agonista I I

Resposta
(cAMP)
,,,

Tempo _

Agonista Agonisla Agonista


N

pARK
ATP

p-arr Pi
I
o I
o
Fig. 2.12 Possível mecanismo de dessensibilização do receptor ~-adrenérgico. A parte superior da figura mostra a resposta a um agonista
dos receptores (3-adrenérgicos (ordenada) versus tempo (abscissa). A interrupção no eixo do tempo indica a passagem do tempo na au-
sência do agonista. A duração temporal da exposição ao agonista está indicada pela barra de cor clara. A parte inferior da figura mostra,
de modo esquemático, a fosforilação (P) induzida pelo agonista dos grupos hidroxila (-OH) carboxi-terminais do receptor (3-adrenérgico
pela cinase do receptor (3-adrenérgico (cinase do receptor (3-adrenérgico, (3ARK). Essafosforilação induz a ligação de uma proteína, a (3-
arrestina ((3-arr), que impede a interação do receptor com a G,. A remoção do agonista por um curto período de tempo permite a disso-
ciação da (3-arr, a remoção do fosfato (Pi) do receptor por fosfatases (P'ase) e a restauração da responsividade normal do receptor ao
agonista.
RECEPTORESDE DROGAS E FARMACODINÂMICA / 21

Agonista Agonista

.Jl==- _
Membrana

R~=G'~ M,mb""

R2·cAMP4

R2C2
ATP T~-P-~-E-' S'-AMP
2C'

s
"'-v~
ATP

n ADP
S-P Resposta

Fig. 2.14 A via de sinalização do Ca2+-fosfoinositídio. As proteínas-


chaves incluem receptores de hormônios (R), uma proteína G (G),
uma fosfolipase C fosfoinositídio-específica (PLC), proteína cinase
Pi p'ase
~ ~~ C substratos da cinase (S), calmodulina (CaM) e enzimas de ligação
Resposta da calmodulina (E), incluindo cinases, fosfodiesterases etc. (PIP2,
fosfatidilinositol-4,5-difosfato; DAG, diacilglicerol. O asterisco indi-
Fig. 2.13 A via do segundo mensageiro cAMPo As proteínas-chaves ca estado ativado. As setas vazias indicam efeitos reguladores.)
incluem receptores hormonais (Rec), uma proteína G estimuladora
(Gs)' adenilil ciclase (AC) catalítica, fosfodiesterases (PDE)que hidro-
lisam o cAMP, cinases cAMP-dependentes, com subunidades regu-
ladoras (R) e catalíticas (C), substratos proteicos (5) das cinases e
fosfatases (P'ase), que removem fosfatos dos substratos proteicos tores fixados às proteínas G, enquanto outros ligam-se a tirosina
As setas vazias indicam efeitos reguladores. cinases receptores. Em todos os casos, a etapa crucial consiste na
estimulação de uma enzima da membrana, a fosfolipase C (PLC),
que cliva um componente fosfolipídico menor da membrana plas-
mática, o fosfatidilinositol-4,5-bifosfato (PIP2), em dois segundos
também regula a produção de esteróides supra-renais e sexuais (em mensageiros, o diacilglicerol e o inositol-1,4,5-trifosfato (IP3 ou
resposta à corticotropina ou ao hormônio folículo-estimulante), InsP 3)' O diacilglicerol tem a sua distribuição limitada à mem-
o relaxamento do músculo liso e muitos outros processos endó- brana, onde ativa uma proteína cinase sensível a fosfolipídios e ao
..
cnnos e neuralS. cálcio, denominada proteína cinase C. O IP3 é hidrossolúvel e
O cAMP exerce a maioria de seus efeitos através da estimulação difunde-se pelo citoplasma para desencadear a liberação de Ca2+
de proteína cinases cAMP-dependentes (Fig. 2.13). Essas cinases a partir das vesículas de armazenamento internas. A presença de
são compostas de um dímero regulador (R) que se liga ao cAMP e concentração citoplasmática elevada de Ca2+ promove a ligação
de duas cadeias catalíticas (C). Quando cAMP liga-se ao dímero R, do Ca2+ à proteína de ligação do cálcio, a calmodulina, que regu-
as cadeias C ativas são liberadas e softem difusão pelo cito plasma e la as atividades de outras enzimas, incluindo proteína cinases cál-
núcleo, onde transferem o fosfato do ATP para substratos protéi- cio-dependentes.
cos apropriados, freqüentemente enzimas. A especificidade dos efei- Com seus múltiplos segundos mensageiros e proteína cinases,
tos reguladores do cAMP reside nos substratos proteicos distintos a via de sinalização do fosfoinositídio é muito mais complexa do
das cinases que são expressas em diferentes células. Por exemplo, o que a via do cAMPo Por exemplo, diferentes tipos de células po-
fígado é rico em fosforilase cinase e glicogênio sintetase - enzimas dem conter uma ou mais cinases especializadas, cálcio- e calmo-
cuja regulação recíproca pela fosforilação cAMP-dependente con- dulina-dependentes, com especificidade de substrato limitado
trola o armazenamento e a liberação dos carboidratos. (p.ex., cinase da cadeia leve de miosina), além de uma cinase ge-
Quando cessa o estímulo hormonal, as ações intracelulares do ral cálcio- e calmodulina-dependente, capaz de fosforilar uma
grande variedade de substratos protéicos. Além disso, já foram
cAMP são interrompidas por uma série elaborada de enzimas. A
identificados pelo menos nove tipos estruturalmente distintos de
fosforilação de substratos enzimáticos estimulada pelo cAMP é ra-
proteína cinase C.
pidamente revertida por um grupo distinto de fosfatases específi-
Como no sistema do cAMP, existem múltiplos mecanismos para
cas e inespecíficas. O próprio cAMP é degradado a 5' -AMP por
amortecer ou interromper a sinalização por essa via. O IP 3 é inati-
várias fosfodiesterases de nucleotídios cíclicos (PDE, Fig. 2.13). A
vado por desfosforilação; o diacilglicerol é fosforilado, produzindo
inibição competitiva da degradação do cAMP é a maneira pela qual
ácido fosfatídico, que é então novamente convertido em fosfolipí-
a cafeína, a teofilina e outras metilxantinas produzem seus efeitos
dios, ou desacilado, produzindo ácido araquidônico. O Ca2+ é ati-
(ver Capo 20).
vamente removido do citoplasma por bombas de Ca2+.
B. CÁLCIO E FOSFOINOSITíOIOS
Esses e outros elementos não-receptores da via de sinalização do
cálcio-fosfoinositídio estão, hoje em dia, tornando-se alvos para o
Outro sistema de segundo mensageiro bem estudado envolve a es- desenvolvimento de fármacos. Assim, por exemplo, os efeitos tera-
timulação hormonal da hidrólise do fosfoinositídio (Fig. 2.14). pêuticos do íon de lítio, um fármaco estabelecido no tratamento
Alguns dos hormônios, neurotransmissores e fatores de crescimen- da doença maníaco-depressiva, podem ser mediados por efeitos
to que desencadeiam essa via (ver Quadro 2.1) ligam-se a recep- sobre o metabolismo dos fosfoinositídios (ver Capo 29).
22 / FARMACOLOGIA

C. MONOFOSFATO DE GUANOSINA CíCLICO (cGMP) dores das proteína cinases têm grande potencial como agentes tera-
pêuticos, particularmente nas doenças neoplásicas. O trastuzumab,
Diferentemente do cAMP, o transportador ubíquo e versátil de
um anticorpo que antagoniza a sinalização dos receptores de fato-
diversas mensagens, o cGMP desempenha um papel estabelecido
res de crescimento, foi discutido anteriormente como agente tera-
na sinalização em apenas alguns tipos de células. Na mucosa in-
pêutico para o câncer de mama. Outro exemplo dessa abordagem
testinal e no músculo liso vascular, o mecanismo de transdução
geral é o imatinib (Gleevec, STI571), uma pequena molécula ini-
de sinais com base no cGMP apresenta um estreito paralelismo
bidora da tirosina cinase BcrlAbl citoplasmática, que é ativada pe-
com o mecanismo de sinalização mediado pelo cAMPo Os ligan- las vias de sinalização dos fatores de crescimento e expressa em ex-
tes detectados por receptores de superfície celular estimulam a cesso na leucemia mielógena crônica (LMC). Esse composto, um
guanilil ciclase ligada à membrana a produzir cGMP, e este últi- agente promissor no tratamento da LMC, foi recentemente apro-
mo atua ao estimular uma proteína cinase cGMP-dependente. As vado para uso clínico pela US Food and Drug Administration
ações do cGMP nessas células são interrompidas pela degradação (FDA).
enzimática do nucleotídio cíclico e por desfosforilação dos subs-
tratos de cinases.
CLASSES DE RECEPTORES E
O aumento na concentração de cGMP produz relaxamento do
músculo liso vascular através de um mecanismo mediado por cina-
DESENVOLVIMENTO DE DROGAS
ses, resultando em desfosforilação das cadeias leves de miosina (ver
A existência de um receptor de drogas específico é habitualmente
Fig. 12.2). Nessas células musculares lisas, a síntese de cGMP pode
estar elevada em decorrência de dois mecanismos diferentes de si- deduzida a partir do estudo da relação de estrutura-atividade de
um grupo de congêneres estruturalmente semelhantes da droga, que
nalização transmembranosa, que utilizam duas guanilil ciclases dis-
imitam ou antagonizam seus efeitos. Por conseguinte, se uma série
tintas. O ANP, um hormônio peptídico transportado pelo sangue,
de agonistas relacionados apresentar potências relativas idênticas na
estimula um receptor transmembranoso através de sua ligação a seu
produção de dois efeitos distintos, é provável que esses dois efeitos
domínio extracelular, com conseqüente ativação da atividade da
sejam mediados por moléculas receptoras semelhantes ou idênti-
guanilil ciclase, que reside no domínio intracelular do receptor. O
cas. Além disso, se os receptores idênticos mediarem ambos os efei-
outro mecanismo medeia as respostas ao NO (ver Capo 19), que é
tos, um antagonista competitivo irá inibir ambas as respostas com
gerado nas células endoteliais vasculares em resposta a agentes va-
a mesma Kj• Um segundo antagonista competitivo irá inibir am-
sodilatadores naturais, como acetilcolina e histamina (o NO é tam-
bém denominado faror de relaxamento derivado do endotélio bas as respostas com sua própria Kj característica. Por conseguinte,
os estudos da relação entre estrutura e atividade de uma série de
[ED RF, entothelium-derived relaxing facto r]). Após penetrar na cé-
agonistas e antagonistas podem identificar uma espécie de receptor
lula-alvo, o NO liga-se a uma guanilil ciclase citoplasmática, ati-
que medeia um conjunto de respostas farmacológicas.
vando-a. Diversos fármacos vasodilatadores úteis atuam ao gerar NO
É possível mostrar, exatamente através do mesmo procedimen-
ou ao imitá-lo, ou ao interferir na degradação metabólica do cGMP
to experimental, que os efeitos observados de uma droga são medi-
pela fosfodiestetase (vet os Caps. 11 e 12).
ados por difirentes receptores. Neste caso, os efeitos mediados por
diferentes receptores podem apresentar ordens distintas de potên-
Interação entre Mecanismos de cia entre agonistas e diferentes valores de Kj para cada antagonista
Sinalização competltlvo.
As vias de sinalização do cálcio-fosfoinositídio e do cAMP opõem- Onde quer que olhemos, a evolução criou numerosos recepto-
se uma à outra em algumas células, enquanto são complementares res diferentes, que atuam ao mediar respostas a qualquer sinal quí-
em outras. Por exemplo, os fármacos vasopressores que contraem o mico individual. Em alguns casos, a mesma substância química atua
músculo liso atuam através da mobilização do Ca2+ mediada pelo sobre classes de receptores estruturais completamente diferentes. Por
IP3, enquanto os fármacos que relaxam a musculamra lisa freqüen- exemplo, a acetilcolina utiliza canais iônicos regulados por ligantes
temente amam através da elevação do cAMP. Em contraste, os se- (AChR nicotínicos) para dar início a um rápido pOtencial excitató-
gundos mensageiros cAMP e fosfoinositídio amam em conjunto rio pós-sináptico (PEPS) nos neurônios pós-ganglionares. A acetil-
para estimular a liberação de glicose pelo fígado. colina também ativa uma classe distinta de receptores acoplados à
proteína G (AChR muscarínicos) que modulam responsividade dos
mesmos neurônios ao PEPS rápido. Além disso, cada classe estru-
Fosforilação: Um Tema Comum
tural geralmente inclui numerosos subtipos de receptores, muitas
Quase toda a sinalização feita por segundos mensageiros envolve vezes com propriedades de sinalização ou regulação significativa-
uma fosforilação reversível, que desempenha duas funções princi- mente diferentes. Por exemplo, a noradrenalina ativa muitos recep-
pais na sinalização: amplificação e regulação flexível. Na amplifi- tores estruturalmente relacionados, incluindo receptores (3-adrenér-
cação, num processo bastante semelhante ao GTP ligado a uma gicos (estimulação da G" aumento da freqüência cardíaca), Cij-adre-
proteína G, a fixação de um grupo fosforil a um radical de serina, nérgicos (estimulação da Gq, vasoconstrição) e Ci2-adrenérgicos (es-
treonina ou tirosina amplifica poderosamente o sinal regulador timulação da Gi, abertura dos canais de K+) (ver Quadro 2.2). A
inicial ao registrar uma memória molecular de ativação da via; a existência de múltiplas classes e subtipos de receptores para o mes-
desfosforilação apaga a memória, levando mais tempo para fazê-Io mo ligante endógeno criou oportunidades importantes para o de-
do que o necessário para a dissociação de um ligante alostérico. Na senvolvimento de fármacos. Assim, por exemplo, o propranolol, um
regulação flexível, diferentes especificidades de subsuato das múl- antagonista seletivo dos receptores (3-adrenérgicos, pode reduzir a
tiplas proteínas cinases reguladas por segundos mensageiros forne- freqüência cardíaca acelerada, sem impedir que o sistema nervoso
cem pontos de ramificação nas vias de sinalização, que podem ser simpático induza vasoconstrição, um efeito mediado pelos recep-
regulados de modo independente. Dessa maneira, o cAMP, o Ca2+ tores Cij•
ou outros segundos mensageiros podem utilizar a presença ou au- O princípio de seletividade das drogas pode até mesmo ser apli-
sência de cinases específicas ou de substraros de cinase para produ- cado a receptores estrumralmente idênticos expressos em diferen-
zir efeitos muito diferentes em diferentes tipos de células. Os inibi- tes células, como, por exemplo, os receptores de esteróides, como o
RECEPTORESDE DROGAS E FARMACODINÂMICA / 23

estrogênio (Fig. 2.6). Diferentes tipos de células expressam diferentes tiva e a eficácia máxima dos fármacos em relação ao efeito terapêu-
proteínas acessórias, que interagem com receptores de esteróides e tico desejado. Esses dois termos importantes, que freqüentem ente
modificam os efeitos funcionais da interação droga-receptor. Por são confusos para estudantes e médicos, podem ser explicados ana-
exemplo, o tamoxifeno atua como antagonista sobre os receptores lisando-se a Fig. 2.15, que mostra as curvas graduadas de dose-res-
de estrogênio expressos no tecido mamário, porém como agonista posta, que relacionam a dose de quatro fármacos diferentes com a
sobre os receptores de estrogênio no osso. Por conseguinte, o ta- magnitude de um efeito terapêutico específico.
moxifeno pode ser útil não apenas para tratamento e profilaxia do
1. Potência - Os fármacos A e B são considerados mais potentes
câncer de mama, mas também para prevenção da osteoporose ao
do que os fármacos C e D, em virtude das posições relativas de suas
aumentar a densidade óssea (ver os Caps. 40 e 42). Entretanto, o
curvas de dose-resposta ao longo do eixo das doses na Fig. 2.15. A
tamoxifeno também pode causar complicações em mulheres após
potência refere-se à concentração (EC5o) ou dose (ED5o) de um fár-
a menopausa, ao exercer uma ação agonista no útero, estimulando
maco necessário para produzir 50% de seu efeito máximo. Por con-
a proliferação das células endometriais.
seguinte, a potência farmacológica do fármaco A na Fig. 2.15 é
O desenvolvimento de novos fármacos não se limita a agentes
menor que a do fármaco B, um agonista parcial, visto que a EC50
que atuam sobre os receptores para sinais químicos extracelulares.
de A é maior que a de B. A potência de um fármaco depende, em
Hoje em dia, os químicos farmacêuticos já estão determinando se
parte, da afinidade (KD) dos receptores pela ligação da droga e, em
os elementos das vias de sinalização distalmente aos receptores tam-
parte, da eficiência com que a interação droga-receptor está acoplada
bém podem atuar como alvos para fármacos seletivos e úteis. Por
à resposta. Observe que algumas doses do fármaco A podem pro-
exemplo, poderiam ser desenvolvidos fármacos clinicamente úteis
duzir efeitos maiores do que qualquer dose do fármaco B, apesar
para atuar de modo seletivo sobre proteínas G específicas, cinases,
do fato de termos apontado o fármaco B como farmacologicamen-
fosfatases ou enzimas que degradam os segundos mensageiros.
te mais importante. A razão disso é que o fármaco A tem maior
eficácia máxima, conforme descrito adiante.
RELAÇÃO ENTRE A DOSE DO Para uso clínico, é importante distinguir entre a potência de um
FÁRMACO E A RESPOSTA CLíNICA fármaco e a sua eficácia. A eficácia clínica de um fármaco não de-
pende de sua potência (EC5o)' porém de sua eficácia máxima (ver
Tratamos dos receptores como moléculas e verificamos como os adiante) e de sua capacidade de atingir os receptores relevantes. Essa
receptores podem explicar quantitativamente a relação entre dose capacidade pode depender de sua via de administração, absorção,
ou concentração de um fármaco e as respostas farmacológicas pro- distribuição pelo corpo e depuração do sangue ou de seu local de
duzidas, pelo menos num sistema idealizado. Ao deparar-se com ação. Ao decidir qual dos dois fármacos deve ser administrado a
um paciente que necessita de tratamento, o médico precisa esco- determinado paciente, o médico geralmente deve considerar mais
lher entre uma variedade de fármacos disponíveis e planejar um a sua eficácia relativa do que a sua potência relativa. A potência far-
esquema de doses capaz de produzir o máximo de benefício e o
macológica pode determinar, em grande parte, a dose administra-
mínimo de toxicidade. Para tomar decisões terapêuticas racionais, da do fármaco escolhido.
o médico precisa saber como as interações droga-receptor constitu- Para fins terapêuticos, a potência de uma droga deve ser expres-
em a base das relações entre dose e resposta nos pacientes, a nature- sa em unidades de dose, geralmente em termos de um parâmetro
za e as causas da variação na responsividade farmacológica e as im- terapêutico específico de avaliação final (p.ex., 50 mg para sedação,
plicações clínicas da seletividade de ação das drogas. 1 f.lg/kg/min para aumento de 25 batimentos/min na freqüência
cardíaca). A potência relativa, isto é, a relação entre doses eqüiefi-
Dose e Resposta nos Pacientes cazes (0,2, 10 ete.) pode ser utilizada para comparar um fármaco
com outro.
A. RELAÇÃO DE DOSE-RESPOSTA GRADUADA
2. Eficácia máxima - Esse parâmetro reflete o limite da relação
Para escolher entre diversos fármacos e estabelecer as doses apro- dose-resposta no eixo da resposta. Os fármacos A, C e D na Fig.
priadas, o médico precisa conhecer a potência farmacológica rela- 2.15 apresentam eficácia máxima igual, e todos têm eficácia máxi-
ma maior do que o fármaco B. A eficácia máxima (algumas vezes

// Q. .-- D
/--
/ 8 I
designada simplesmente como eficácia) de um fármaco é obviamente

/ L_I
a: / fundamental para tomar decisões clínicas quando se necessita ob-

Ii/
<fl
I
Log concentração , /
C /
/ I
A
ter uma grande resposta. Pode ser determinada pelo modo de inte-
ração do fármaco com os receptores (como no caso dos agonistas
parciais, descritos anteriormente)* ou pelas características do siste-
ma receptor-efetor envolvido.
Assim, os diuréticos que atuam sobre uma parte do néfron po-
dem produzir uma excreção muito maior de líquido e eletrólitos
do que aqueles que atuam em outras partes. Além disso, a eficácia
prática de um fármaco na obtenção de um parâmetro terapêutica

*Observe que a "eficácia máxima", quando utilizada num contexto terapêutica, não
possui exatamente o mesmo significado que denota no contexto mais especializado
das inrerações droga-receptor descritas anteriormente neste capítulo. Num sistema
in vitro idealizado, a eficácia refere-se à eficácia máxima relativa de agonistas e ago-
nistas parciais, gue atuam através do mesmo receptor. Na terapêutica, a eficácia re-
fere-se à ex(ensão ou ao grau de um efeiro que pode ser obrido num pacieme imac-
Fig. 2.15 Curvas graduadas de dose-resposta para quatro fárma- ro. Por conseguime, a eficácia (erapêurica pode ser afeeada pelas caracrerís(icas de
COS, ilustrando diferentes potências farmacológicas e eficácias má- determinada interação droga-receptor, mas também depende de numerosos outroS
ximas diferentes (ver o texto). fatores, conforme assinalado no texto.
24 / FARMACOLOGIA

final (p.ex., aumento da contratilidade cardíaca) pode set limitada Percentagem cumulativa
100 apresentando efeito
pela propensão do fármaco a causar algum efeito tóxico (p.ex., ar- terapêutico
ritmia catdíaca fatal), mesmo que o fármaco pudesse produzir um E
O>
"O
maior efeito terapêutico. C
o
Cl.
Vi
~
B. FORMA DAS CURVAS DE DOSE-RESPOSTA O>
::>
o-
Vi
Enquanto as respostas mostradas nas curvas A, B e C da Fig. 2.15 o
::>

aproximam-se da fotma de uma relação simples de Michaelis- :2


> 50 ~------

Menten (transformada numa representação gráfica logarítmica), .s
O>
algumas respostas clínicas não o fazem. As curvas de dose-resposta "O
E
extremamente inclinadas (p.ex., curva D) podem ter conseqüênci- O>
O>
'"
as clínicas importantes se a parte superior da curva representar uma C
O>
extensão indesejável da resposta (p.ex., coma provocado por seda- (j
Q;
tivo-hipnótico). As curvas de dose-resposta inclinadas em pacien- CL

tes podem resultar de interações cooperativas de várias ações dife-


rentes de um fármaco (p.ex., efeitos sobre o cérebro, o coração e os 1,25 2,5 I 5 10 20 40 80 [160 320 640
Dose (mg)
vasos periféricos, contribuindo, todos eles, para a redução da pres-
são arterial).
Fig. 2.16 Gráficos quantais de dose-efeito. Os boxes sombreados
C. CURVAS QUANTAIS DE DOSE-RESPOSTA (e as curvas associadas) indicam a distribuição de freqüência das
doses do fármaco necessárias para produzir um efeito específico,
As curvas graduadas de dose-resposta do tipo descrito anteriormente isto é, a percentagem de animais que precisaram de determinada
têm certas limitações na sua aplicação à tomada de decisões clíni- dose para exibir o efeito. Os boxes vazios (e suas curvas correspon-
cas. Por exemplo, pode ser impossível construir essas curvas, se a dentes) indicam a distribuição de freqüência cumulativa às respos-
resposta farmacológica for um evento disso ou daquilo (quantal), tas, que têm distribuição log normal.
como a prevenção de convulsões, arritmias ou morte. Além disso, a
relevância clínica de uma relação dose-resposta quantitativa num
único paciente, independentemente da precisão de sua definição, drogas em situações experimentais e clínicas. Assim, se as EDso de
pode ser limitada na aplicação a outros pacientes, devido à grande duas drogas na produção de um efeito quantal especificado forem
variabilidade potencial existente entre pacientes no que concerne à de 5 e 500 mg, respectivamente, pode-se dizer que a primeira dro-
gravidade da doença e responsividade a fármacos. ga é 100 vezes mais potente do que a segunda na produção do efei-
Algumas dessas dificuldades podem ser evitadas ao estabelecer- to particular. De forma semelhante, pode-se obter um valioso ín-
se a dose do fármaco necessária para produzir um efeito de magni- dice da seletividade de uma ação da droga ao comparar suas EDso
tude específica em grande número de pacientes ou em animais ex- para dois efeitos quantais diferentes numa população (p.ex., supres-
perimentais, representando graficamente a distribuição de freqüên- são da tosse versus sedação para opiáceos).
cia cumulativa dos indivíduos que respondem versus o log da dose As curvas de dose-efeito quantais também podem ser utilizadas
(Fig. 2.16). O efeito quantal especificado pode ser escolhido com para obter informações a respeito da margem de segurança a ser
base na relevância clínica (p.ex., alívio da cefaléia) ou para preser- esperada de determinada droga para produzir um efeito específico.
vação da segurança dos participantes do experimento (p.ex., uso de Uma dessas medidas é o índice terapêutica, que relaciona a dose
baixas doses de um estimulante cardíaco e especificação de um au- da droga necessária para produzir um efeito desejado com a que
mento de 20 batimentos/min na freqüência cardíaca como efeito produz um efeito indesejado. Em estudos de animais, o índice te-
quantal), ou pode consistir num evento inerentemente quantal rapêutico é habitualmente definido como a relação entre a TDso e
(como, p.ex., morte de um animal experimental). Para a maioria a EDso para algum efeito terapeuticamente relevante. A precisão
das drogas, as doses necessárias para produzir um efeito quantal possível em experimentos realizados com animais pode tornar esse
especificado em indivíduos exibem distribuição log normal, isto é, índice terapêutico útil para avaliar o benefício potencial de deter-
a distribuição de freqüência dessas respostas, plotada contra o log mi~ada droga nos seres humanos. Naturalmente, o índice terapêu-
da dose, produz uma curva de variação normal gaussiana (área co- tico de uma droga nos seres humanos quase nunca é conhecido com
lorida, Fig. 2.16). Quando se somam essas respostas, a conseqüen- precisão efetiva; com efeito, os estudos clínicos realizados e a expe-
te distribuição de freqüência cumulativa constitui uma curva de riência clínica acumulada freqüentem ente revelam uma faixa de
dose-efeito quantal (ou curva de dose-percentual) da proporção ou doses habitualmente eficazes e uma taxa diferente (mas que algu-
percentagem de indivíduos que apresentam o efeito plotado como mas vezes se superpõe) de doses possivelmente tóxicas. O risco de
função do log da dose (Fig. 2.16). toxicidade clinicamente aceitável depende fundamentalmente da
A curva de dose-efeito quantal caracteriza-se, freqüentemente, gravidade da doença que está sendo tratada. Assim, por exemplo, a
pela determinação da dose eficaz mediana (EDso)' isto é, a dose em faixa de doses que proporciona alívio da cefaléia comum na grande
que 50% dos indivíduos apresentam um efeito quantal especifica- maioria dos pacientes deve ser muito menor do que a faixa de doses
do. (Observe que a abreviatura EDso possui um significado dife- que produz toxicidade grave, mesmo se essatoxicidade só for observa-
rente nesse contexto, em comparação com aquele relacionado à da numa pequena minoria de pacientes. Entretanto, para o tratamento
curva de dose-efeito graduada, descrita anteriormente.) De forma de uma doença letal, como o linfoma de Hodgkin, a diferença acei-
semelhante, a dose necessária para produzir um efeito tóxico espe- tável entre doses terapêuticas e tóxicas pode ser menor.
cífico em 50% dos animais é denominada dose tóxica mediana Por fim, é importante observar que a curva de dose-efeito quan-
(TDso)' Se o efeito tóxico for a morte do animal, pode-se definir tal e a curva de dose-resposta graduada resumem conjuntos de in-
experimentalmente uma dose letal mediana (LDso)' Esses valores formações um tanto diferentes, embora ambas pareçam ter uma
fornecem uma maneita conveniente de compatar as potências de forma sigmóide numa plotagem semilogarítmica (comparar as
RECEPTORES DE DROGAS E FARMACODINÂMICA / 25

Figs. 2.15 e 2.16). Podem-se obter informações relevantes de cada a freqüência cardíaca de um paciente cujas catecolaminas endóge-
tipo de curva para a tomada de decisões terapêuticas racionais. nas estão elevadas (como, p.ex., na presença de feocromocitoma),
Ambas as curvas fornecem informações sobre a potência e a sele- enquanto não irá afetar a freqüência cardíaca em repouso de um
tividade dos fármacos. A curva de dose-resposta graduada indica corredor de maratona bem treinado. Um agonista parcial pode exi-
a eficácia máxima de um fármaco, enquanto a curva e dose-efeito bir respostas ainda mais drasticamente diferentes: Por exemplo, a
quantal indica a variabilidade potencial de responsividade entre saralasina, um agonista parcial fraco nos receptores de angiotensi-
indivíduos. na II, reduz a pressão arterial de pacientes com hipertensão causada
pela produção aumentada de angiotensina II, enquanto eleva a pres-
Variação na Responsividade a Drogas são arterial de pacientes que produzem pequenas quantidades de
anglOtensllla.
Os indivíduos podem apresentar considerável variação na sua res-
ponsividade a determinado fármaco; com efeito, até mesmo um C. ALTERAÇÕES NO NÚMERO OU NA FUNÇÃO DOS
único indivíduo pode responder diferentemente ao mesmo fárma- RECEPTORES
co em ocasiões diferentes durante o tratamento. Em cerras ocasiões,
os indivíduos aptesentam uma reação incomum ou idiossincrásica Estudos experimentais documentaram alterações da responsivida-
a uma droga, que raramente é observada na maioria dos pacientes. de a drogas, ocasionadas por aumentos ou diminuições no número
Em geral, as respostas idiossincrásicas são causadas por diferenças de sítios receptores, ou por alterações na eficiência de acoplamento
genéticas no metabolismo da droga ou por mecanismos imunoló- dos receptores a mecanismos efetores distais. Em alguns casos, a
gicos, incluindo reações alérgicas. alteração no número de receptores é causada por outros hormôni-
As variações quantitativas na resposta a drogas são, em geral, mais os; assim, por exemplo, os hormônios tireoidianos aumentam tan-
comuns e mais importantes clinicamente. Um paciente é to o número de receptores r3 no músculo cardíaco do rato quanto a
hiporreativo ou hiper-reativo a determinada droga quando a in- sensibilidade cardíaca às catecolaminas. Alterações semelhantes pro-
tensidade do efeito de uma dose específica da droga apresenta-se vavelmente contribuem para a taquicardia da tireotoxicose em pa-
diminuída ou aumentada em comparação com o efeito observado cientes, podendo explicar a utilidade do propranolol, um antago-
na maioria dos indivíduos. (Nota: O termo hipersensibilidade re- nista dos receptores r3-adrenérgicos, na melhora dos sintomas des-
fere-se, em geral, a respostas alérgicas ou outras respostas imunoló- sa doença.
gicas a drogas.) No caso de algumas drogas, a intensidade da res- Em outras situações, o próprio ligante agonista induz uma re-
posta a determinada dose pode modificar-se durante a terapia; nes- dução no número (p.ex., infra-regulação) ou na eficiência de aco-
ses casos, a sua responsividade habitualmente diminui em conse- plamento (p.ex., dessensibilização) de seus receptores. Esses me-
qüência da administração contínua do fármaco, produzindo um canismos (discutidos anteriormente, em Mecanismos de Sinali-
estado de tolerância relativa aos efeitos da droga. Quando a respon- zação e Ações das Drogas) podem contribuir para dois fenôme-
sividade diminui rapidamente após a administração de um fárma- nos de importância clínica: em primeiro lugar, a taquifilaxia ou
co, diz-se que a resposta está sujeita a taquifilaxia. tolerância aos efeitos de algumas drogas (p.ex., aminas biogênicas
Mesmo antes de administrar a primeira dose de um fármaco, o e seus congêneres), e, em segundo lugar, os fenômenos de "ultra-
médico deve considerar os fatores que podem ajudar a prever a di- passagem de limite", que ocorre após a retirada de certas drogas.
reção e a extensão de possíveis variações na responsividade. Esses Esses fenômenos podem ser observados com agonistas ou anta-
fatores incluem a propensão de determinado fármaco a produzir gonistas. Um antagonista pode aumentar o número de recepto-
tolerância ou taquifilaxia, bem como os efeitos da idade, do sexo, res numa célula ou tecido de importância fundamental ao impe-
do biótipo, do estado mórbido, dos fatores genéticos e da adminis-
dir a infra-regulação produzida por um agonista endógeno. Quan-
tração simultânea de outros medicamentos.
do o antagonista é retirado, o número elevado de receptores pode
Quatro mecanismos gerais podem contribuir para a variação na
produzir uma resposta exagerada a concentrações fisiológicas do
responsividade a fármacos entre pacientes ou no mesmo paciente
em ocasiões diferentes. agonista. Podem ocorrer sintomas de abstinência potencialmente
desastrosos pela razão oposta, quando se interrompe a adminis-
tração de uma droga agonista. Nessa situação, o número de re-
A. ALTERAÇÕES NA CONCENTRAÇÃO DA DROGA QUE
ceptores que foi reduzido pela infra-regulação induzida pela dro-
CHEGA AOS RECEPTORES ga é demasiado baixo para que o agonista endógeno produza uma
estimulação efetiva. Por exemplo, a interrupção da clonidina (um
Os pacientes podem diferir quanto à taxa de absorção de um fár-
maco, distribuição pelos compartimentos corporais ou depuração fármaco cuja atividade de agonista nos receptores cxz-adrenérgi-
cos reduz a pressão arterial) pode produzir crise hipertensiva, pro-
do sangue (ver Capo 3). Ao modificar a concentração do fármaco
que chega aos receptores relevantes, essas diferenças farmacocinéti- vavelmente em virtude da infra-regulação dos receptores cxz-adre-
cas podem alterar a resposta clínica. Algumas diferenças podem ser nérgicos pela droga (ver Capo 11).
previstas com base na idade, no peso corporal, sexo, estado mórbi- Os fatores genéticos também podem desempenhar importante
do, função hepática e renal e através da avaliação específica de dife- papel ao modificar o número ou a função dos receptores específi-
renças genéticas que podem resultar da herança de um complemento cos. Por exemplo, uma variante genética específica do receptor ale
funcionalmente distinto de enzimas envolvidas no metabolismo das adrenérgico - quando herdada juntamente com uma variante es-
drogas (ver os Caps. 3 e 4). pecífica do receptor r31-adrenérgico - confere um risco acentua-
damente elevado de desenvolver insuficiência cardíaca congestiva,
B. VARIAÇÃO NA CONCENTRAÇÃO DE UM LIGANTE que pode ser reduzido através de intervenção precoce com o uso de
ENDÓGENO DO RECEPTOR drogas antagonistas. A identificação desses fatores genéticos, que
constitui parte do campo em rápido desenvolvimento da farmaco-
Esse mecanismo contribui acentuadamente para a variabilidade das genética, é notavelmente promissora para o diagnóstico clínico e
respostas a antagonistas farmacológicos. Assim, o propranolol, um poderá ajudar o médico a planejar a melhor terapia farmacológica
antagonista dos receptores r3-adrenérgicos, reduz significativamente para cada paciente individualmente.
26 / FARMACOLOGIA

D. ALTERAÇÕES NOS COMPONENTES DA RESPOSTA A. EFEITOS BENÉFICOS E TÓXICOS MEDIADOS PELO


DISTAL AO RECEPTOR MESMO MECANISMO RECEPTOR-EFETOR

Apesar de uma droga dar início às suas ações em conseqüência de Grande parte dos efeitos tóxicos graves das drogas na prática clíni-
sua ligação a receptores, a resposta observada num paciente depen- ca representa uma extensão farmacológica direta das ações terapêu-
de da integridade funcional dos processos bioquímicos na célula que ticas da droga. Em alguns desses casos (sangramento causado por
responde, bem como da regulação fisiológica por sistemas de ór- terapia anticoagulante; coma hipoglicêmico devido à insulina), é
gãos interagindo entre si. Do ponto de vista clínico, as alterações possível evitar a toxicidade através de um manejo criterioso da dose
nesses processos pós-receptores constituem a classe maior e mais administrada, orientado por uma cuidadosa monitorização do efeito
importante de mecanismos que produzem variações na responsivi- (medidas da coagulação sangüínea ou dos níveis séricos de glicose)
dade à terapia farmacológica. e ajudado por medidas auxiliares (p.ex., evitar a ocorrência de trau-
Antes de iniciar a terapia farmacológica, o médico deve conhe- matismo tecidual passível de resultar em hemorragia; regulação da
cer as características do paciente capazes de limitar a resposta clíni- ingestão de carboidratos). Em outros casos ainda, é possível evitar
ca. Essas características incluem a idade e o estado de saúde geral a toxicidade ao não administrar a droga, se a indicação terapêutica
do paciente e - o que é mais importante - a gravidade e o meca- não for imperativa, ou se houver outra terapia disponível.
nismo fisiopatológico da doença. A causa potencial mais importante Em outras situações, a droga prescrita é claramente necessária e
de falha na obtenção de uma resposta satisfatória consiste no esta- benéfica, porém produz toxicidade inaceitável quando administra-
belecimento de um diagnóstico incorreto ou fisiologicamente in- da em doses que trazem benefício ótimo. Nesses casos, pode ser
completo. A terapia farmacológica será sempre mais bem-sucedida necessário adicionar outro fármaco ao esquema terapêutico. Por
quando for direcionada precisamente para o mecanismo fisiopato- exemplo, no tratamento da hipertensão, a administração de um
lógico responsável pela doença. segundo fármaco freqüentemente permite ao médico reduzir a dose
Quando o diagnóstico está correto, e o fármaco prescrito é apro- e a toxicidade do primeiro fármaco (ver Capo 11).
priado, a obtenção de uma resposta terapêutica insatisfatória pode
ser freqüentemente atribuída a mecanismos compensatórios no B. EFEITOS BENÉFICOS E TÓXICOS MEDIADOS POR
paciente, que respondem aos efeitos benéficos da droga, opondo- RECEPTORES IDÊNTICOS, PORÉM EM TECIDOS DIFERENTES
se a eles. Assim, por exemplo, os aumentos compensatórios no tô- OU POR VIAS EFETORAS DIFERENTES
nus nervoso simpático e na retenção de líquido pelos rins podem
contribuir para a tolerância aos efeitos anti-hipertensivos de um Muitas drogas produzem tanto seus efeitos desejados quanto efei-
fármaco vasodilatador. Nesses casos, podem ser necessárias outras tos adversos ao atuar em um único tipo de receptor em diferentes
drogas para obter uma resposta terapêutica útil. tecidos. Entre os exemplos discutidos neste livro, podemos citar os
glicosídios digitálicos, que atuam através da inibição da Na+ /K+-
Seletividade Clínica: Efeitos Benéficos ATPase nas membranas celulares; o metotrexato, que inibe a enzi-
ma diidrofolato redutase e os hormônios glicocorticóides.
Versus Tóxicos das Drogas São utilizadas três estratégias terapêuticas para evitar ou dimi-
nuir esse tipo de toxicidade. Em primeiro lugar, o fármaco deve
Apesar de classificarmos as drogas de acordo com suas ações princi-
ser sempre administrado na menor dose capaz de produzir um be-
pais, é evidente que nenhuma droga causa apenas um único efeito
nefício aceitável. Em segundo lugar, fármacos adjuvantes, que atu-
específico. Por que isso ocorre? É extremamente improvável que
am através de mecanismos receptores diferentes e produzem to-
qualquer tipo de molécula de uma droga ligue-se a apenas um tipo
xi cidades diferentes, podem permitir a redução da dose do pri-
de molécula receptora, mesmo porque o número de receptores
meiro fármaco, limitando, assim, a sua toxicidade (p.ex., uso de
potenciais em cada indivíduo é astronomicamente grande. Mesmo
outros agentes imunossupressores adicionados aos glicocorticói-
se a estrutura química de uma droga permitisse a sua ligação a ape-
des no tratamento de distúrbios inflamatórios). Em terceiro lu-
nas um único tipo de receptor, os processos bioquímicos controla-
gar, a seletividade das ações da droga pode ser aumentada ao
dos por esses receptores ocorreriam em múltiplos tipos de células e
manipular as concentrações disponíveis do fármaco a receptores
estariam acoplados a muitas outras funções bioquímicas. Em con-
em diferentes partes do corpo, como, por exemplo, através da
seqüência, o paciente e o médico provavelmente iriam perceber mais
administração de glicocorticóide aos brônquios na forma de ae-
de um efeito da droga. Por conseguinte, as drogas são apenas seleti- rossol no tratamento da asma.
vas- mais do que específicas - em suas ações, visto que se ligam
mais firmemente a um ou a alguns tipos de receptores do que ou- C. EFEITOS BENÉFICOS E TÓXICOS MEDIADOS POR
tros, e visto que esses receptores controlam processos distintos, que
resultam em efeitos também distintos. DIFERENTES TIPOS DE RECEPTORES

É apenas devido à sua seletividade que as drogas são úteis na As vantagens terapêuticas decorrentes de novas entidades químicas
clínica médica. A seletividade pode ser medida ao se compararem com melhor seletividade para receptores já foram mencionadas neste
as afinidades da ligação de uma droga a diferentes receptores ou ao capítulo e são descritas de modo pormenorizado em capítulos sub-
se compararem as EDso a diferentes efeitos de uma droga in vivo. seqüentes. Essas drogas incluem os agonistas e antagonistas dos re-
No desenvolvimento de fármacos e na clínica médica, a seletivida- ceptores adrenérgicos (X- e l3-seletivos, os anti-histamínicos Hj e H2,
de é habitualmente considerada ao separar os efeitos em duas cate- os agentes bloqueadores nicotínicos e muscarínicos e hormônios
gorias: efeitos benéficos ou terapêuticas versus efeitos tóxicos. As esteróides seletivos para receptores. Todos esses receptores são agru-
propagandas farmacêuticas e os médicos algumas vezes utilizam os pados em famílias funcionais, cada uma delas respondendo a uma
termos efeitos colaterais, implicando que o efeito em questão é pequena classe de agonistas endógenos. Os receptores e seus usos
insignificante ou ocorre através de uma via que representa um dos terapêuticos associados foram descobertos ao analisar os efeitos dos
aspectos da ação principal do fármaco; essas implicações são freqüen- sinais químicos fisiológicos - catecolaminas, histamina, acetilco-
temente errôneas. lina e corticosteróides.
RECEPTORES DE DROGAS E FARMACODINÂMICA / 27

Derynck R, Akhurst RJ, Balmain A: TGF-bera signaling in rumor


Várias outras drogas foram descobertas na exploração dos efei-
suppression and cancer progression. Nar Gener 200 I;29: 117.
tos terapêuticos ou tóxicos de fármacos quimicamente semelhan-
Farfel Z, Bourne HR, liri T: The expanding specrrum of G prorein
tes, observados num contexto clínico. Entre os exemplos, destacam- diseases. N Engl J Med 1999;340: 1012.
se a quinidina, as sulfoniluréias, os diuréticos tiazídicos, os antide- Ginry DD, Sega! RA: Retrograde neurotrophin signaling: Trk-ing
pressivos tricíclicos, os opióides e os antipsicóticos fenotiazínicos. along rhe axon. Curr Opin Neurobiol 2002; 12:268.
Com freqüência, descobre-se que os novos fármacos interagem com Hermisron ML er ai: Reciprocal regularion oflymphocyre acrivarion
receptores de substâncias endógenas (p.ex., opióides e fenotiazinas by ryrosine kinases and phospharases. J Clin Invesr 2002;
109:9.
para os receptores de opióides e dopamina endógenos, respectiva-
mente). É provável que, no futuro, sejam encontradas novas dro- Jan LY, Srevens CF: Signalling mechanisms: a decade of signalling.
Curr Opin NeurobioI2000;1O:625.
gas que .atuem dessa maneira, levando, talvez, à descoberta de no-
Kenakin T: Efficacy ar G-prorein-coupled receprors. Nar Rev Drug
vas classes de receptores e ligantes endógenos para o futuro desen- Discov 2002; 1:103.
volvimento de fármacos.
Pierce KL, Premom RT, Lefkowirz RJ: Seven-transmembrane recep-
Por conseguinte, a propensão das drogas a se ligarem a diferen- rors. Narure Rev Moi Cell Biol 2002;3:639.
tes classes de sítios receptores não constitui apenas um problema Mirlak BH, Cohen FJ: Selecrive estrogen r~cepror modularors: A
potencialmente perturbado r no tratamento de pacientes, como tam- look ahead. Drugs 1999;57:653.
bém representa um contínuo desafio para a farmacologia e uma MoghaJ N, Srernberg PW: Mulriple posirive and negarive regularors
oportunidade para o desenvolvimento de fármacos novos e mais of signaling by rhe EGF-recepror. Curr Opin Cell Biol
úteis. 1999;11:190.
Roden DM, George AL Jr: The generic basis of variabiliry in drug
responses. Nar Rev Drug Discov 2002; I :37.
REFERÊNCIAS Rorella DP: Phosphodiesrerase 5 inhibirors: currem starus and
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STAT. Science 2002;296:1653. Schlessinger J: Cell signaling by recepror ryrosine kinases. Cell
2000; 103: 19.3.
Arreaga CL, Moulder SL. Yakes FM: HER (erbB) ryrosine kinase
inhibirors in rhe trearmem of breasr cancer. Semin Oncol Small KM er ai: Synergisric Polymorphisms of~,- and a~cAdrener-
2002;29:4. gic Receprors and rhe Risk of Congesrive Hearr Failure. N
Boorman MD er ai: Calcium signalling-an overview. Semin Cell Engl J Med 2002;347: 1135.
Dev BioI2001;12:3. Tsao P, von Zastrow M: Downregularion Df G prorein-coupled
Bourne HR: How receprors ra1k ro trimeric G prmeins. Curr Opin receprors. Curr Opin Neurobiol 2000; 10:365.
Cell Biol 1997;9: 134. Williams D, Mirchell T: Laresr developmems in crysrallography and
Catrerall WA: From ionic (urrems ro molecular mechanisms: rhe srrucrure-based design of prorein kinase inhibirors as drug
strucrure and funcrion of volrage-gared sodium channels. candidares. Curr Opin Pharmacol 2002;2:567.
Neuron 2000;26: 13.
Civelli O er ai: Novel neurotransmitrers as naruralligands Df orphan
G-prorein-coupled receprors. Trends Neurosci 200 I;24:230.
Farmacocinética e
Farmacodinâmica:. Determinacão
I

Racional das Doses e Seqüência


,Temporal de Ação dos Fármacos
Nicho/as H.G. Ho/ford, MB, ChB, FRACP

o objetivo da terapêutica é obter um efeito benéfico desejado com metros básicos são a depuração, a medida da capacidade do organis-
o mínimo de efeitos adversos. Ao escolher um medicamento para mo de eliminar a droga; e o volume de distribuição, a medida do
um paciente, o médico deve determinar a dose que irá atingir com espaço aparente disponível no organismo para conter a droga. Estes
mais precisão esseobjetivo. Uma abordagem racional para essepro- parâmetros estão ilustrados de modo esquemático na Fig. 3.2, onde
pósito deve reunir os princípios da farmacocinética e da farmaco- o volume dos compartimentos para os quais as drogas se difundem
dinâmica para esclarecer a relação dose-efeito (Fig. 3.1). A farma- representa o volume de distribuição, enquanto o tamanho da "dre-
codinâmica trata da relação concentração-efeito da interação, en- nagem" nas Figs. 3.2B e 3.2D representa a depuração.
quanto a farmacocinética lida com a parte relacionada com a dose-
concentração (Holford e Sheiner, 1981). Os processos farmacoci- Volume de Distribuição
néticos de absorção, distribuição e eliminação determinam a rapi-
dez e o tempo levado para a droga aparecer no órgão-alvo. Os con- O volume de distribuição (Vd) relaciona a quantidade da droga no
ceitos farmacodinâmicos de resposta rápida e sensibilidade deter- organismo com a sua concentração (C) no sangue ou no plasma:
minam a magnitude do efeito de determinada concentração (ver
Em'"e EC5o' Capo 2). (1)
Vd = Quantidade da droga no corpo
C
A Fig. 3.1 ilustra uma hipótese fundamental da farmacologia,
isto é, a existência de uma relação entre um efeito benéfico ou tóxi-
co de uma droga e a sua concentração. Essa hipótese já foi docu- O volume de distribuição pode ser definido em relação ao san-
mentada para muitas drogas, conforme indicado nas colunas de gue, ao plasma ou à água (droga não-ligada), dependendo da con-
Concentrações-alvo e Concentrações Tóxicas no Quadro 3.1. A au- centração utilizada na equação (1) (C = C" Cp' ou Cni).
sência aparente desse tipo de relação para algumas drogas não en- Podemos verificar que o Vd calculado a partir da equação (1) é
fraquece a hipótese básica, porém assinala a necessidade de consi- um volume aparente ao compararmos os volumes de distribuição
derar a seqüência temporal de concentração no local efetivo do efeito de drogas como a digoxina ou a cloroquina (Quadro 3.1) com al-
farmacológico (ver adiante). guns dos volumes físicos do corpo (Quadro 3.2). O volume de dis-
O conhecimento da relação entre a dose, a concentração e os tribuição pode exceder acentuadamente qualquer volume físico do
efeitos de uma droga permite ao médico levar em consideração as corpo, visto que se trata do volume aparentemente necessário para
diversas características fisiológicas e patológicas de determinado conter a quantidade da droga homogeneamente na concentração
paciente, que o tornam diferente do indivíduo médio ao responder encontrada no sangue, no plasma ou na água. As drogas com volu-
a uma droga específica. A importância da farmacocinética e da far- mes de distribuição muito altos apresentam concentrações muito
macodinâmica no atendimento a pacientes baseia-se, portanto, no mais elevadas no tecido extravascular do que no compartimento
aumento do benefício terapêutico e na redução da toxicidade que vascular, isto é, não exibem distribuição homogênea. As drogas que
podem ser obtidos com a aplicação desses princípios. são totalmente retidas no interior do compartimento vascular, por
outro lado, apresentam um possível volume de distribuição míni-
mo igual ao componente sangüíneo onde estão distribuídas, como,
FARMACOCINÉTICA
por exemplo, 0,04 L/kg de peso corporal ou 2,8 L/70 kg (Quadro
A dose-"padrão" de um fármaco baseia-se em estudos clínicos reali- 3.2) para uma droga restrita ao compartimento plasmático.
zados com voluntários sadios e pacientes com capacidade média de
absorção, distribuição e eliminação do fármaco (ver Estudos Clíni- Depuração
cos: IND e NDA, no Capo 5). Essa dose não será apropriada para
Os princípios de depuração das drogas assemelham-se aos conceitos
todos os pacientes. Diversos processos fisiológicos (como, por exem-
de depuração da fisiologia renal. A depuração de uma droga é o fator
plo, a maturação da função de órgãos em lactentes) e processos pato-
lógicos (por exemplo, insuficiência cardíaca, insuficiência renal) exi- que prevê a taxa de eliminação em relação à concentração da droga:
gem que se faça um ajuste da dose em cada paciente. Esses processos
CL - Taxa de eliminação
modificam parâmetros específicos de farmacocinética. Os dois parâ- - C (2)
FARMACOClNÉTICA E FARMACODINÂMICA / 29

DISTRIBUiÇÃO ~ IDroga nos tecidos II Fannacocinética


de distribuição

Droga metabolizada ou excretada

Efeito fannacológico
Farmacodinâmica

( ,pooL;~
Toxicidade Eticácia

Fig. 3.1 A relação entre a dose e o efeito pode ser dividida em componentes farmacocinético (dose-concentração) e farmacodinâmico
(concentração-efeito). A concentração fornece o elo entre a farmacocinética e a farmacodinâmica e representa o foco da abordagem da
concentração-alvo na administração racional das doses. Os três principais processos da farmacocinética são a absorção, distribuição e
eliminação.

A exemplo do volume de distribuição, a depuração pode ser ser estimada ao calcular a área sob a curva (ASC) do perfil de tem-
definida em relação ao sangue (CLs)' ao plasma (CLp) ou a droga po-concentração após a administração de uma dose. A depuração é
não-ligada na água (CLn1), dependendo da concentração medida. calculada a partir da dose dividida pela ASC.
É importante assinalar a natureza aditiva da depuração. A eli-
minação da droga do organismo pode envolver processos que ocor- A. ELIMINAÇÃO DE CAPACIDADE LIMITADA
rem no rim, no pulmão, no fígado e em outros órgãos. Ao dividir a
Para as drogas que apresentam eliminação de capacidade limitada
raxa de eliminação em cada órgão pela concentração da droga, ob-
(por exemplo, feniroína, etanol), a depuração irá variar, dependen-
tém-se a depuração respectiva do órgão em quesrão. Quando so-
do da concentração da droga alcançada (Quadro 3.1). A elimina-
madas, essas depurações separadas são iguais à depuração sistêmica
total: ção de capacidade limitada é também conhecida como eliminação
passível de saturação, dose- ou concentração-dependente, não-linear
(3a)
e de Michaelis-Menten.
Taxa de eliminação,;m
(L~n~ = ( A maioria das vias de eliminação de drogas torna-se saturada se
a dose for suficientemente alta. Quando o fluxo sangüíneo para
Taxa de eliminaçãohepátka (3b)
determinado órgão não limita a eliminação (ver adiante a relação
(Lhepáti,a= (
entre a taxa de eliminação e a concentração (C) é expressa marema-
Taxa de eliminaçãooutms (3c) ticamente pela equação (5):
CLoutros =
Vmá, X (

(3d)
Taxa de eliminação =-vm
(5)
CLsistêmica = CLrenal + CLhepática + CLoutros

Os "outros" tecidos de eliminação podem incluir os pulmões e A capacidade de eliminação máxima corresponde a Vmáx' enquan-
outros locais de metabolismo, como, por exemplo, o sangue ou os to 1<", refere-se à concentração da droga em que a taxa de elimina-
músculos. ção é 50% da Vmáx. Em concentrações que estão elevadas em rela-
Os rins e o fígado constituem os dois principais locais de elimi- ção a 1<"" a taxa de eliminação é quase independente da concentra-
nação de drogas. A depuração da droga inalterada na urina repre- ção - um estado de eliminação de "ordem pseudozero". Se a dose
senta a depuração renal. No fígado, a eliminação das drogas ocorre administrada superar a capacidade de eliminação, não será possível
através da biotransformação do composto original em um ou mais alcançar um estado de equilíbrio dinâmico: a concentração conti-
metabólitos, ou através da excreção da droga inalterada na bile, ou nuará aumentando enquanto continuar a administração da droga.
através de ambos os processos. As vias de biotransformação são dis- Esse padrão de eliminação de capacidade limitada é importante para
cutidas no Capo 4. Para a maioria das drogas, a depuração é cons- três drogas de uso comum: o etanol, a fenitoína e a aspirina. A de-
tante na faixa de concentração encontrada em situações clínicas, isto puração não tem nenhum significado real para drogas com elimi-
é, a eliminação não é passível de saturação, e a taxa de eliminação nação de capacidade limitada, e não se pode utilizar a ASC para
de uma droga é diretamente proporcional à sua concentração (efe- descrever a eliminação dessas drogas.
tuando-se um rearranjo da equação [2]):
B. ELIMINAÇÃO DEPENDENTE DO FLUXO
Taxa de eliminação = (L x ( (4)
Ao contrário da eliminação de drogas de capacidade limitada, al-
Em geral, esse tipo de eliminação é denominado eliminação de gumas drogas são facilmente depuradas pelo órgão de eliminação,
primeira ordem. Quando é de primeira ordem, a depuração pode de modo que, em qualquer concentração clinicamente realista da
30 / FARMACOLOGIA

Quadro 3.1 Parâmetros farmacocinéticos e farmacodinâmicos para drogas selecionadas


(Ver Speight e Holford, 1997, para uma lista mais abrangente.)

Disponibili- Excreção Ligada no Volume de


dade Oral Urinária Plasma Depuração Distribuição Meia-vida Concentra-
Droga (F) (%) (%) (%) (Uh/70 kg)' (U70 kg) (h) ções-alvo

Acetaminofeno 88 3 o 21 67 2

Aciclovir 23 75 15 19,8 48 2,4

Ácido salicílico 100 15 85 0,84 12 13

Ácido valpróico 100 2 93 0,462 9,1 14

Amicacina 98 4 5,46 19 2,3

Amoxicilina 93 86 18 10,8 15 1,7

Ampicilina 62 82 18 16,2 20 1,3

Anfotericina 4 90 1,92 53 18

Aspirina 68 49 39 11 0,25

Atenolol 56 94 5 10,2 67 6,1

Atropina 50 57 18 24,6 120 4,3

Captopril 65 38 30 50,4 57 2,2

Carbamazepina 70 74 5,34 98 15

Cefalexina 90 91 14 18 18 0,9

Cefalotina 52 71 28,2 18 0,57

Ciclosporina 23 93 24,6 85 5,6

Cimetidina 62 62 19 32,4 70 1,9

Ciprofloxacina 60 65 40 25,2 130 4,1

Clonidina 95 62 20 12,6 150 12

Cloranfenicol 80 25 53 10,2 66 2,7

Clordiazepóxido 100 97 2,28 21 10

Cioroquina 89 61 61 45 13.000 214

Clorpropamida 90 20 96 0,126 6,8 33

Diazepam 100 99 1,62 77 43

Digitoxina 90 32 97 0,234 38 161

Digoxina 70 60 25 7 500 50

Diltiazem 44 4 78 50,4 220 3,7

Disopiramida 83 55 2 5,04 41 6

Enalapril 95 90 55 9 40 3

Eritromicina 35 12 84 38,4 55 1,6

Etambutol 77 79 5 36 110 3,1

Fenitoína 90 2 89 Dependente da 45 Dependente da


concentração· concentraçãoS

Fenobarbital 100 24 51 0,258 38 98

Fluoxetina 60 3 94 40,2 2.500 53

Furosemida 61 66 99 8,4 7,7 1,5

Gentamicina 90 10 5,4 18 2,5


FARMACOCINÉTICA E FARMACODINÂMICA / 31

Quadro 3.1 Parâmetros farmacocinéticos e farmacodinâmicos para drogas selecionadas (continuação)


(Ver Speight e Holford, 1997, para uma lista mais abrangente.)

Disponibili- Excreção Ligada no Volume de


dade Oral Urinária Plasma Depuração Distribuição Meia-vida Concentra- Concentra-

Droga (F) (%) (%) (%) (Uh/70 kg)' (U70 kg) (h) ções-alvo ções Tóxicas
..............................•..........................•............................•.........................•............................•................................. ~ , - .......•....................................

Hidralazina 40 10 87 234 105 100 ng/mL


.•• " " •• n •.••..••••••• "" ••••••••..••..••.••.••••••.•••••.•••..••. " •••.••..••.• ~ •..••.•.•.••.••..••.••.•••..••..•••.•..••.••..•• " o••..•••••.•••••••••...••.••.••.••.•••••.•••.••.••..

Imipramina 40 2 90 63 1.600 18 200 ng/mL >1 mg/L


........................... , , ...................•........ , .................•................................ , ............•..................................•.....................•...........................•..................................

Indometacina 98 15 90 8,4 18 2,4 1 mg/L >5 mg/L

Labetalol 18 5 50 105 660 4,9 0,1 mg/L

Lidocaína 35 2 70 38,4 77 1,8 3 mg/L >6 mg/L

Litio 100 95 o 1,5 55 22 0,7 mEq/L >2 mEq/L


........................ , , ~.....................•....................... ~............................•.. , ..........................•.....

Meperidina 52 12 58 72 310 3,2 0,5 mg/L

Metoprolol 38 10 11 63 290 3,2 25 ng/mL

Metotrexato 70 48 34 9 39 7,2 750 ~lM-h3 >950 fLM-h

Metronidazol 99 10 10 5,4 52 8,5 4 mg/L

Midazolam 44 56 95 27,6 77 1,9


....•••.............•••••.•• 1.· .............••..• " •... ~ .............•• " .........••.................•.•••.•........•.••. , •...........•.•••..•..............•..•......•....... " ............••....... "." .•.............•.... " ..••...........••••......•

Morfina 24 8 35 60 230 1,9 60 ng/mL

Nifedipina 50 o 96 29,4 55 1,8 50 ng/mL

Nortriptilina 51 2 92 30 1.300 31 100 ng/mL >500 ng/mL


........................... , .......................•.................. , .......•.................... ~..........................•..................................•.......................... ~ , .............•.................................

Piridostigmina 14 85 36 77 1,9 75 ng/mL

Prazosina 68 95 12,6 42 2,9


.......................•........................... "' ...........................•....................... ~........................•....................... , .......•.......................... ~ , ~ .
Procainamida 83 67 16 3 5 mg/L >14 mg/L

Propranolol 3,9 20 ng/mL

Quinidina 6,2 3 mg/L >8 mg/L


............................ , ~..........................•......... , .......•...............................•....................... , .......•.................. , ........•............................•.................................

Ranitidina 2,1 100 ng/mL

Rifampicina 3,5
...........................•...........................•..........................•............... " ......•..........................•...........................•...........................•...........................•........................... " .....
Sulfametoxazol 10

Teofilina 8,1 10 mg/L >20 mg/L

Terbutalina 14 2 ng/mL
.... , , ~ , ................•.......................•.......................... , .....•................ , ...............•..........................•....................... ~ .
Tetraciclina

Tobramicina

Tocainida

Tolbutamida

Trimetoprima

Tubocurarina

Vancomicina

Warfarina

Verapamil

Zidovudina
32 / FARMACOLOGIA

droga, a maior parte da droga no sangue que perfunde o órgão é O acúmulo é inversamente proporcional à fração da dose perdi-
eliminada durante a sua primeira passagem por ele. Por conseguin- da a cada intervalo entre as doses. A fração perdida é 1 menos a fra-
te, a eliminação dessas drogas irá depender primariamente da taxa ção remanescente imediatamente antes da próxima dose. A fração
de liberação da droga no órgão de eliminação. Essas drogas (ver remanescente pode ser prevista a partir do intervalo entre as doses
Quadro 4.7) podem ser denominadas drogas de "alta extração", visto e da meia-vida. O fator de acumulação constitui um índice conve-
que são quase totalmente extraídas do sangue pelo órgão. O fluxo niente de acúmulo.
sangüíneo para o órgão constitui o principal detetminante da libe-
1
ração de drogas; todavia, a ligação às proteínas plasmáticas e a dis- Fator de acumulação -
tribuição das células sangüíneas também podem ser importantes para Fração perdida num
intervalo entre as doses (7)
drogas extensamente ligadas que apresentam alta extração.
1
Meia-vida 1 - Fração remanescente

A meia-vida (tv,) refere-se ao tempo necessário para reduzit a quan- Para a droga administrada uma vez a cada meia-vida, o fator de
tidade da droga no corpo à metade durante o processo de elimina- acumulação é de 1/0,5 ou 2. O fator de acumulação prevê a relação
ção (ou durante uma infusão constante). No caso mais simples- entre a concentração no estado de equilíbrio dinâmico e aquela
e de maior utilidade no planejamento de esquemas posológicos -, o observada ao mesmo tempo, após a administração da primeira dose.
corpo pode ser considerado um compartimento único (conforme Por conseguinte, as concentrações máximas após a administração
ilustrado na Fig. 3.2B), de tamanho igual ao do volume de distri- de doses intermitentes no estado de equilíbrio dinâmico serão iguais
buição (Vd)' A seqüência temporal da droga no organismo irá de- à concentração máxima após a primeira dose multiplicada pelo fa-
pender tanto do volume de distribuição quanto da depuração: tor de acumulação.

0,7* X Vd
tI'> = (6) Biodisponibilidade
A biodisponibilidade é definida como a fração da droga inalterada
A meia-vida é um parâmetro útil, visto que indica o tempo ne- que alcança a circulação sistêmica após a sua administração por
cessário para atingir 50% do estado de equilíbrio dinâmico - ou qualquer via (Quadro 3.3). A área sob a curva de concentração san-
para diminuir 50% das condições do estado de equilíbrio dinâmi- güínea-tempo (área sob a curva, ASC) é uma medida comum da
co - após uma alteração na taxa de administração de uma droga. extensão da biodisponibilidade de uma droga administrada por
A Fig. 3.3 mostra a seqüência temporal do acúmulo de uma droga qualquer via (Fig. 3.4). Para uma dose intravenosa da droga, a bio-
durante a sua infusão em velocidade constante, bem como a evolu- disponibilidade é considerada igual à unidade. Para uma droga
ção temporal de eliminação da droga após interrupção de uma in- administrada por via oral, a biodisponibilidade pode ser inferior a
fusão que atingiu o estado de equilíbrio dinâmico. 100% por dois motivos principais - grau incompleto de absorção
Os estados mórbidos podem afetar ambos os parâmetros farma- e eliminação de primeira passagem.
cocinéticos primários fisiologicamente relacionados: o volume de
distribuição e a depuração. Uma alteração na meia-vida não irá ne- A. GRAU DE ABSORÇÃO
cessariamente refletir uma alteração na eliminação da droga. Por
exemplo, os pacientes com insuficiência renal crônica apresentam Após administração oral, a droga pode sofrer absorção incompleta;
uma redução da depuração renal de digoxina, mas também uma di- por exemplo, apenas 70% de uma dose de digoxina alcançam a cir-
minuição de seu volume de distribuição; o aumento na meia-vida culação sistêmica. Isso se deve principalmente à falta de absorção
da digoxina não é tão grande quanto se poderia esperar com base pelo intestino. Outras drogas são demasiadamente hidrofílicas (por
na alteração da função renal. A diminuição no volume de distri- exemplo, atenolol) ou lipofílicas (por exemplo, aciclovir) para se-
buição é ocasionada pela redução da massa renal e da massa mus- rem absorvidas facilmente, de modo que a sua baixa biodisponibi-
cular esquelética e da conseqüente diminuição da ligação tecidual lidade deve-se, também, à sua absorção incompleta. Se for excessi-
da digoxina à Na+/K+ ATPase. vamente hidrofílica, a droga será incapaz de atravessar a membrana
Muitas drogas apresentam uma farmacocinética com múltiplos celular lipídica; se for demasiadamente lipofílica, não será suficien-
compartimentos (conforme ilustrado nas Figs. 3.2C e 3.2D). Nes- temente solúvel para atravessar a camada de água adjacente à célu-
sas condições, a "verdadeira" meia-vida terminal, apresentada no la. As drogas podem não ser absorvidas devido a um transportador
Quadro 3.1, será maior do que a calculada pela equação (6). inverso associado à glicoproteína P. Esse processo bombeia ativa-
mente a droga para fora das células da parede intestinal, devolven-
Acumulação das Drogas do-a à luz intestinal. A inibição da glicoproteína P e do metabolis-
mo da parede intestinal, como, por exemplo, com suco de grape-
Sempre que as doses de uma droga são repetidas, ocorre acúmulo ftuit, pode estar associada a um aumento significativo na absorção
da droga no organismo, até a interrupção de sua administração. Isso da droga.
ocorre, devido à necessidade de um tempo infinito (na teoria) para
eliminar toda a dose administrada. Em termos práticos, isso signi- B. ELIMINAÇÃO DE PRIMEIRA PASSAGEM
fica que, se o intervalo entre as doses for mais curto do que quatro Após absorção através da parede intestinal, o sangue da veia porta
meias-vidas, o acúmulo será detectável.
leva a droga até o fígado antes de sua entrada na circulação sistêmi-
ca. A droga pode ser metabolizada na parede intestinal (por exem-
* A constante 0,7 na equação (6) é uma aproximação do logatitmo natural de 2. Como plo, pelo sistema enzimático CYP3A4) ou até mesmo no sangue da
a eliminação de drogas pode set descrira por um processo exponencial, o rempo ne- veia porta; todavia, com mais freqüência, o fígado é o responsável
cessário para uma redução de duas vezes pode ser demonstrado como proporcional pelo metabolismo da droga antes de ela alcançar a circulação sistê-
a In (2). mica. Além disso, o fígado pode excretar a droga na bile. Qualquer
FARMACOCINÉTICA E FARMACODINÂMICA / 33

Quantidade
no sangue

Sangue o Tempo

8
Quantidade
no sangue

Sangue o Tempo

c
Quantidade

Volume Sangue
no sangue

o
~- -
Tempo
extravascular

Quantidade
no sangue

Volume Sangue o Tempo


extravascular

Fig. 3.2 Modelos de distribuição e eliminação das drogas. O efeito da adição de uma droga ao sangue através de injeção intravenosa
rápida é representado pela adição de uma quantidade conhecida do agente num béquer. A seqüência temporal da quantidade da droga
no béquer é mostrada nos gráficos à direita. No primeiro exemplo (A), não há nenhum movimento da droga fora do béquer, de modo
que o gráfico mostra apenas uma acentuada elevação até um valor máximo, seguido de platô. No segundo exemplo (8), existe uma via
de eliminação, e o gráfico mostra um declínio lento após uma acentuada elevação até um valor máximo. Como o nível de material no
béquer diminui, a "pressão" que impulsiona o processo de eliminação também declina, e a inclinação da curva diminui. Trata-se de uma
curva de declínio exponencial. No terceiro modelo (C), a droga colocada no primeiro compartimento ("sangue") equilibra-se rapidamen-
te com o segundo compartimento ("volume extravascular"), e a quantidade da droga no "sangue" declina de modo exponencial até
atingir um novo estado de equilíbrio dinâmico. O quarto modelo (D) ilustra uma combinação mais realista do mecanismo de eliminação
e equilíbrio extravascular. O gráfico resultante mostra uma fase inicial de distribuição, seguida de uma fase de eliminação mais lenta.
34 / FARMACOLOGIA

Quadro 3.2 Volumes físicos (em Ukg de peso corporal) de Quadro 3.3 Vias de administração, biodisponibilidade e
alguns compartimentos corporais nos quais as drogas características gera is
podem distribuir-se
Via Biodisponibilidade (%) Características
Compartimento e Volume Exemplos de Drogas
Intravenosa 100 Início mais rápido
Água (IV) (por definição)
Água corporal total (0,6 Ukg') Pequenas moléculas
hidrossolúveis: por exemplo, Intramuscular 75 a :S 100 Grandes volumes
etanol (1M) freqüentemente
possíveis, pode ser dolorosa
Água extracelular (0,2 Ukg) Moléculas hidrossolúveis
maiores: por exemplo, Subcutânea 75a:s100 Volumes menores do que a
gentamicina (SC) via 1M;pode ser dolorosa

Sangue (0,08 Ukg); Moléculas fortemente ligadas Oral 5a < 100 Mais conveniente; o efeito de
plasma (0,04 Ukg) às proteínas plasmáticas e (VO) primeira passagem pode ser
moléculas muito grandes: significativo
por exemplo, heparina
Retal 30 a < 100 Efeito de primeira passagem
Gordura (0,2-0,35 Ukg) Moléculas altamente (PR) menor do que a via oral
lipossolúveis: por exemplo,
DDT Inalação 5a < 100 Freqüentemente de início
muito rápido
Osso (0,07 Ukg) Certos íons: por exemplo,
chumbo, fluoreto Transdérmica 80 a :S 100 Em geral, absorção muito
lenta; utilizada devido à
'Número médio. A água corporal total num homem jovem e magro pode ser de 0,7
ausência do efeito de
Ukg; numa mulher obesa, de 0,5 Ukg.
primeira passagem; duração
de ação prolongada

um desses locais pode contribuir para essa redução de biodisponi-


bilidade, e o processo global é conhecido como eliminação de pri-
meira passagem. O efeito da eliminação hepática de primeira pas- te do que a droga na forma posológica C. As concentrações de A
sagem sobre a biodisponibilidade é expresso como relação de extra- também irão alcançar um nível mais elevado e permanecer acima
ção (RE): da concentração-alvo por um período mais prolongado. Num es-
quema de múltiplas doses, as fórmulas posológicas A e C irão pro-
(8a) duzir as mesmas concentrações sangüíneasmédias, embora a [or-
RE = CLh,p.,,,,
Q

onde Q é o fluxo sangüíneo hepático, que normalmente é de cerca


de 90 L/h num indivíduo com 70 kg.
A biodisponibilidade sistêmica da droga (F) pode ser prevista a êu
partir do grau de absorção (f) e da relação de extração (RE): E 100
"'·CO
uc /'
F =f x (1 - RE) (8b) ~i5
~ /'
\1
~g 75 \.
ro8
ã.~
,,
Uma droga como a morfina sofre absorção quase completa g

! ",
,g 50
(f = 1), de modo que a sua perda no intestino é insignificante. To- Ü'ClJ
~"O
, \ Acumulação

davia, a relação de extração hepática da morfina é de 0,67, de modo co


~
c-~ 25
que (1 - RE) é de 0,33. Por conseguinte, espera-se que a biodispo-
nibilidade da morfina seja de cerca de 33%, o que está próximo do
000
u'"o -- - --
~,Eliminação
.•....
"O O
valor observado (Quadro 3.1). ;f-
O 2 3 4 5 6 7 8
Tempo (meias-vidas)
C. TAXA DE ABSORÇÃO
Fig. 3.3 A evolução temporal da acumulação e eliminação de uma
A distinção entre a taxa e a extensão da absorção é mostrada na Fig. droga. Linha cheia: Concentrações plasmáticas, refletindo o acú-
3.4. A taxa de absorção é determinada pelo local de administração mulo da droga durante a sua infusão em velocidade constante.
da formulação da droga, Tanto a taxa quanto a extensão de absor- Depois de uma meia-vida, são alcançados 50% da concentração
ção podem influenciar a eficácia clínica de uma droga. Para as três no estado de equilíbrio dinâmico, 75% depois de duas meias-vidas,
formas posológicas diferentes ilustradas na Fig. 3.4, haverá diferenças e mais 90% depois de quatro meias-vidas Linha tracejada: Con-
significativas na intensidade do efeito clínico. A forma posológica centrações plasmáticas refletindo a eliminação de droga após uma
infusão em taxa constante ter alcançado o estado de equilíbrio di-
B apresenta o dobro da dose para atingir concentrações sangüíneas
nâmico. Ocorre perda de 50% da droga depois de uma meia-vida,
equivalentes àquelas obtidas com a forma posológica A. Diferenças 75% depois de duas meias-vidas etc. A "regra prática" de que
na taxa de disponibilidade podem tornar-se importantes para fár- quatro meias-vidas devem transcorrer após o início de um esque-
macos administrados em dose única, como, por exemplo, um hip- ma poso lógico da droga para que sejam observados os efeitos to-
nótico prescrito para a indução do sono. Neste caso, a droga na tais baseia-se na abordagem da curva de acumulação para mais de
forma posológica A atinge sua concen tração-alvo mais rapidamen- 90% da concentração final no estado de equilíbrio dinâmico.
FARMACOCINÉTICA E FARMACODINÂMICA / 35

<l>
::> hepática (para os quais a diferença entre a concentração da droga
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C1i

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o
c
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I ~-.,..,
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e
I
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/-------- I - - - - - - - - - - CA
na entrada e na saída é pequena), a derivação de sangue após a sua
passagem pelo fígado produz pouca alteração na sua disponibilida-
de. Os fármacos relacionados no Quadro 3.1 que apresentam bai-
- -- "O
'"
-.......
xa extração hepática incluem a clorpropamida, o diazepam, a feni-
"O toína, a teofilina, a tolbutamida e a varfarina.
o
,'"
Ü'>

~
C
'"
C Vias Alternativas de Administração
üc A
o B e Efeito de Primeira Passagem
(,)

Tempo Existem várias razões para o uso de diferentes vias de administração na

m medicina clínica (Quadro 3.3) - para maior conveniência (por exem-

D
d
A: Droga rápida e totalmente disponível

B: Apenas metade da disponibilidade

C: Droga totalmente disponível,


de A, porém com taxa igual a A

mas apenas com metade da taxa de A


plo, via oral), para aumentar ao máximo a concentração no local de ação
e reduzi-Ia ao mínimo em outros locais (por exemplo, aplicação tópica),
para prolongar a duração de absorção do fármaco (por exemplo, via trans-
dérmica) ou para evitar o efeito de primeira passagem.
Fig. 3.4 Curvas de concentração sangüínea-tempo, ilustrando como
O efeito de primeira passagem hepática pode ser evitado, em gran-
as alterações na taxa de absorção e extensão da biodisponibilidade de parte, pelo uso de comprimidos sublinguais e preparações
podem influenciar tanto a duração de ação quanto a eficácia da transdérmicas e, em menor grau, pelo uso de supositórios retais. A
mesma dose total de uma droga administrada em três formulações absorção sublingual permite um acesso direto às veias sistêmicas, e
diferentes. A linha tracejada indica concentração-alvo (CA) da dro- não à veia porta. A via transdérmica oferece a mesma vantagem. Os
ga no sangue. fármacos absorvidos a partir de supositórios na parte inferior do reto
penetram nos vasos que drenam na veia cava inferior, evitando, as-
sim, a sua passagem pelo fígado. Todavia, os supositórios tendem a
ascender pelo reto até uma região onde predominam veias que levam
ma A exiba concentrações máximas um pouco maiores e concen-
o fármaco até o fígado. Por conseguinte, pode-se estabelecer que ape-
trações mínimas mais baixas.
nas cerca de 50% de uma dose retal não irão passar pelo fígado.
O mecanismo de absorção das drogas é considerado de ordem
Apesar de os fármacos administrados por inalação evitarem o
zero quando a velocidade independe da quantidade de droga que
efeito de primeira passagem hepática, o pulmão também pode atu-
permanece no intestino, como, por exemplo, quando determinada
ar como local de perda de primeira passagem através da excreção e,
pela taxa de esvaziamento gástrico ou por uma formulação de libe-
possivelmente, do metabolismo das drogas administradas por vias
ração controlada da droga. Por outro lado, quando toda a dose dis-
não-gastrintestinais ("parenterais").
solve-se nos líquidos gastrintestinais, a taxa de absorção é habitual-
mente proporcional à concentração gastrintestinal, sendo conside-
rada de primeira ordem. A SEQÜÊNCIA TEMPORAL DO EFEITO
DAS DROGAS
Relação de Extração e Efeito de Primeira
Os princípios de farmacocinética (discutidos neste capítulo) e os
Passagem
da farmacodinâmica (analisados no Capo 2; Holford e Sheiner,
A depuração sistêmica não é afetada pela biodisponibilidade. En- 1981) proporcionam uma base para compreender a seqüência tem-
tretanto, a depuração pode afetar acentuadamente a extensão da poral do efeito dos fármacos.
disponibilidade, visto que detetmina a relação de extração (equa-
ção [8a]). Naturalmente, as concentrações sangüíneas terapêuticas Efeitos Imediatos
ainda podem ser alcançadas pela administração da droga por via oral
se forem administradas doses maiores. Todavia, nesse caso, as con- No caso mais simples, os efeitos de uma droga estão diretamente
centrações dos metabólitosda droga irão aumentar significativamente relacionados às suas concentrações plasmáticas; todavia, isso não
em relação àquelas que ocorreriam após a administração intrave- significa necessariamente que os efeitos sejam simplesmente para-
nosa. Tanto a lidocaína quanto o verapamil são utilizados no trata- lelos à seqüência temporal das concentrações. Como a relação en-
mento das arritmias cardíacas e apresentam biodisponibilidade in- tre a concentração e o efeito de uma droga não é linear (lembrar o
ferior a 40%. Todavia, a lidocaína nunca é administrada por via modelo de Emá.'descrito no Capo 2), o efeito em geral não será line-
oral, visto que se acredita que seus metabólitos contribuem para a armente proporcional à concentração.
toxicidade do sistema nervoso central. Outros fármacos que apre- Considere o efeito de um inibidor da enzima conversora de an-
sentam alta extração hepática incluem a isoniazida, morfina, pro- giotensina (ECA), como o enalapril, sobre a concentração plasmá-
pranolol, verapamil e vários antidepressivos tricíclicos (Quadro 3.1). tica da ECA. A meia-vida do enalapril é de cerca de 3 horas. De-
As drogas com elevada relação de extração apresentam variações pois de uma dose oral de 10 mg, a concentração plasmática máxi-
pronunciadas na sua biodisponibilidade entre indivíduos, devido a ma dentro de 3 horas é de cerca de 64 ng/mL. O enalapril é admi-
diferenças na função hepática e no fluxo sangüíneo. Essas diferen- nistrado uma vez ao dia, de modo que, do momento em que alcan-
ças podem explicar a acentuada variação que ocorre nas concentra- ça a sua concentração máxima até o final do intervalo entre as do-
ções de drogas entre indivíduos que recebem doses semelhantes de ses vão transcorrer sete meias-vidas. A concentração do enalapril
fármacos de alta extração. Para as drogas que exibem elevada extra- depois de cada meia-vida e o grau correspondente de inibição da
ção hepática, a derivação do sangue além dos locais hepáticos de ECA são mostrados na Fig. 3.5. O grau de inibição da ECA é cal-
eliminação resulta em aumentos significativos na biodisponibilidade culado utilizando-se o modelo de Emá."onde Emáx'o grau máximo
desses compostos, enquanto para os fármacos com baixa extração de inibição, é de 100%, e a ECso' de cerca de 1 ng/mL.
36 / FARMACOLOGIA

Observe que as concentrações plasmáticas de enalapril modifi- mente, e a inibição da enzima está estreitamente relacionada às con-
cam-se por um fator de 16 no decorrer das primeiras 12 horas (qua- centrações plasmáticas do fármaco. Por exemplo, o efeito clínico da
tro meias-vidas) após atingir a concentração máxima, enquanto a varfarina sobre o tempo de protrombina reflete uma diminuição na
inibição da ECA diminui apenas de 20%. Como as concentrações concentração do complexo protrombínico de fatores da coagulação
nesse período são muito elevadas em relação à EC50, o efeito sobre (ver Fig. 34.7). A inibição da vitamina K epoxidase diminui a síntese
a ECA é quase constante. Depois de 24 horas, ainda ocorre inibi- desses fatores da coagulação, porém o complexo apresenta meia-vida
ção de 33% da ECA. Isso explica por que uma droga com meia- longa (cerca de 14 dias), e é essa meia-vida que determina o tempo
vida curta pode ser administrada uma vez ao dia e, mesmo assim, necessário para que a concentração de fatores da coagulação alcance
manter seu efeito durante todo o dia. O fator-chave consiste numa um novo estado de equilíbrio dinâmico e para que um efeito da dro-
elevada concentração inicial em relação à EC50. Embora a concen- ga se manifeste, refletindo a concentração plasmática de varfarina.
tração plasmática dentro de 24 horas seja menos de 1 % de seu va-
lor máximo, essa concentração baixa ainda continua sendo metade Efeitos Cumulativos
da EC50• Isso é muito comum para drogas que atuam sobre enzi-
mas (por exemplo, inibidores da ECA) ou que competem pelos Alguns efeitos farmacológicos estão mais obviamente relacionados
receptores (por exemplo, propranolol). a uma ação cumulativa do que a uma ação rapidamente reversível.
Quando as concentrações encontram-se na faixa entre um quarto A toxicidade renal dos antibióticos aminoglicosídicos (por exem-
e quatro vezes a EC50, a seqüência temporal do efeito é essencial- plo, gentamicina) é maior quando são administrados na forma de
mente uma função linear do tempo - ocorre perda de 13% do infusão constante, em comparação com a sua administração inter-
efeito a cada meia-vida a partir dessa faixa de concentração. Em mitente. Acredita-se que o acúmulo do aminoglicosídio no córtex
concentrações inferiores a um quarto da EC50, o efeito torna-se quase renal seja responsável pela lesão renal. Embora ambos os esquemas
diretamente proporcional à concentração, e a seqüência temporal de doses produzam a mesma concentração média no estado de equi-
do efeito da droga acompanha o declínio exponencial da concen- líbrio dinâmico, o esquema de doses intermitentes produz concen-
tração. Somente quando a concentração apresenta-se baixa em re- trações máximas muito mais elevadas, que saturam um mecanismo
lação à ECso é que o conceito de "meia-vida do efeito da droga" de captação no córtex; por conseguinte, o acúmulo total de amino-
assume algum significado. glicosídios é menor. A diferença na toxicidade é uma conseqüência
previsível dos diferentes padrões de concentração e do mecanismo
Efeitos Tardios de captação passível de saturação.
O efeito de muitas drogas utilizadas no tratamento do câncer
As mudanças nos efeitos de uma droga são freqüentemente tardias também reflete uma ação cumulativa - por exemplo, o grau de
em relaçãD às alterações observadas na concentração plasmática. Esse ligação de uma droga ao DNA é proporcional à sua concentração
retardo pode refletir o tempo necessário para a distribuição da dro- e, em geral, é irreversível. Por conseguinte, o efeito observado so-
ga do plasma para o seu local de ação. Isso ocorre com quase todas bre o crescimento do tumor é uma conseqüência da exposição cu-
as drogas. O retardo devido à distribuição é um fenômeno farma- mulativa ao fármaco. As medidas de exposição cumulativa, como a
cocinético, que pode ser responsável por retardos de alguns minu- ASC, proporcionam uma maneira de individualizar o tratamento
tos. Esse retardo de distribuição pode explicar a demora dos efeitos (Evans etal., 1998).
após injeção intravenosa rápida de fármacos ativos sobre o sistema
nervoso central (SNC), como o tiopental.
A ABORDAGEM DA CONCENTRAÇÃO-ALVO
Uma razão comum para os efeitos mais tardios das drogas -
particularmente aqueles que levam muitas horas ou até mesmo dias .
NO PLANEJAMENTO DE UM ESQUEMA
para se manifestar - é a renovação lenta de uma substância fisioló- POSOLÓGICO RACIONAL
gica envolvida na expressão do efeito da droga Qusko e Ko, 1994).
Por exemplo, a varfarina atua como anticoagulante ao inibir a vita- Um esquema posológico racional baseia-se na pressuposição de que
mina K epoxidase no fígado. Essa ação da varfarina ocorre rapida- existe uma concentração-alvo que irá produzir o efeito terapêutico
desejado. Considerando-se os fatores farmacocinéticos que deter-
minam a relação dose-concentração, é possível individualizar o es-
quema de doses para obter a concentração-alvo. As faixas de con-
100
centração eficazes apresentadas no Quadro 3.1 fornecem uma di-
~/%deinibiçãO
80 retriz para as concentrações medidas quando os pacientes estão sendo
tratados efetivamente. Em geral, deve-se escolher a concentração-
60
alvo inicial na extremidade inferior dessa faixa. Em alguns casos, a
40 concentração-alvo também irá depender do objetivo terapêutico
específico - por exemplo, o controle da fibrilação atrial pela digo-
20
xi na requer freqüentem ente uma concentração-alvo de 2 ng/mL,
o enquanto a insuficiência cardíaca costuma ser adequadamente tra-
o 3 6 9 12 15 18 21 24 tada com uma concentração-alvo de 1 ng/mL.
Tempo (h)

Fig. 3.5 Seqüência temporal das concentrações e efeitos do inibi- Dose de Manutenção
dor da enzima conversora de angiotensina (ECA). A linha preta
Na maioria das situações clínicas, os fármacos são administrados de
mostra as concentrações plasmáticas de enalapril em nanogramas
por mililitro, após uma dose única oral. A linha cinza-clara indica a modo a manter um estado de equilíbrio dinâmico do fármaco no
percentagem de inibição de seu alvo, a ECA. Observe as diferentes organismo, isto é, administra-se em cada dose uma quantidade exa-
formas da curva de concentração-seqüência temporal (diminuição tamente suficiente do fármaco para repor o fármaco eliminado desde
de modo exponencial) e de efeito-seqüência temporal (diminuição a dose anterior. Assim, o cálculo da dose de manutenção apropria-
linear na sua porção central). da constitui um objetivo primordial. A depuração é o termo far-
FARMACOCINÉTICA E FARMACODINÂMICA / 37

macocinético de maior importância a ser considerado na definição macocinético específico. Por outro lado, a determinação das con-
de um esquema posológico racional de uma droga no esrado de centrações máxima e mínima no estado de equilíbrio dinâmico exige
equilíbrio dinâmico. Nesse estado, a taxa de administração ("taxa outras pressuposições sobre o modelo farmacocinético. O fator de
de entrada") deve ser igual à taxa de eliminação ("taxa de saída"). A acumulação (equação [7]) admite que a droga segue um modelo de
substituição da concentração (C) pela concentração-alvo (CA) na compartimento no corpo (Fig. 3.2B), enquanto a previsão da con-
equação (4) permite prever a taxa de dose de manutenção: centração máxima pressupõe que a taxa de absorção é muito mais
rápida do que a taxa de eliminação. Essas suposições são habitual-
Taxa de administração da doseed = Taxa de eliminaçãoed mente razoáveis para o cálculo das concentrações máximas e míni-
=CLxCA ~ mas estimadas numa situação clínica.

Por conseguinte, se a concentração-alvo desejada for conheci- Dose de Ataque


da, a depuração desse paciente irá determinar a taxa de administra-
ção das doses. Se o fármaco for administrado por uma via cuja bio- Quando o tempo levado para atingir o estado de equilíbrio dinâ-
disponibilidade é inferior a 100%, a taxa de administração ptevista mico é apreciável, como no caso de fármacos com meias-vidas lon-
pela equação (9) deve ser modificada. Para a administração de do- gas, pode ser desejável administrar uma dose de ataque capaz de
ses por via oral: elevar imediatamente a concentração plasmática do fármaco até o
nível-alvo. Na teoria, é necessário calcular apenas a quantidade
Taxa de administração Taxa de administração necessária da dose de ataque - e não a taxa de sua administração
de doseo,.' de doses - e, à primeira vista, isso é o que realmente se faz. O volume de
F oral (10)
distribuição constitui o fator de proporcionalidade que relaciona a
quantidade total de fármaco no corpo com a sua concentração plas-
Se forem administradas doses intermitentes, calcula-se a dose de
mática (Cp); para que uma dose de ataque alcance a concentração-
manutenção da seguinte maneira: alvo, obtém, a partir da equação (1):

Dose de manutenção = Quantidade no corpo


Taxa de administração x intervalo entre as doses (11) Dose de ataque = imediatamente após
a dose de ataque
(Ver o Boxe, Exemplo: Cálculo da Dose de Manutenção.) = Vd x CA (12)

Observe que a concentração no estado de equilíbrio dinâmico, No caso do exemplo da teofilina apresentado no Boxe, Exem-
obtida através de infusão contínua, ou a concentração média, após plo: Cálculo da Dose de Manutenção, a dose de ataque seria de 350
doses intermitentes dependem exclusivamente da depuração. Não mg (35 L X 10 mg/L) para uma pessoa de 70 kg. Para a maioria
é necessário conhecer o volume de distribuição nem a meia-vida do dos fármacos, a dose de ataque pode ser administrada em dose úni-
fármaco para determinar a concentração plasmática média espera- ca pela via de administração escolhida.
da a partir de determinada taxa de administração, ou para prever a Até esse ponto, ignoramos o fato de que algumas drogas seguem
taxa de administração para uma concentração-alvo desejada. A Fig. uma farmacocinética mais complexa de múltiplos compartimentos,
3.6 mostra que, em diferentes intervalos entre doses, as curvas de como, por exemplo, o processo de distribuição ilustrado pelo modelo
concentração-tempo terão valores máximos e mínimos diferentes, de dois compartimentos na Fig. 3.2. Isso se justifica na grande maio-
embora o nível médio seja sempre de 10 mg/L. ria dos casos. Todavia, em algumas situações, a fase de distribuição
As estimativas da taxa de administração e das concentrações mé- não pode ser ignorada, particularmente no que diz respeito ao cálculo
dias em estado de equilíbrio dinâmico, que podem ser calculadas das doses de ataque. Se a taxa de absorção for rápida em relação à dis-
com o uso da depuração, não dependem de qualquer modelo far- tribuição, isso sempre ocorre no caso da administração intravenosa na

EXEMPLO: CÁLCULO DA DOSE DE MANUTENÇÃO


.. '-~ --- ---- -- -- - .. - -- - ..- -- -- .. -- - .. - - '-- .. - -- -- - "' .. --- .

Pretende-se obter uma concentração plasmática-alvo de teofilina a infusão intravenosa contínua. De acordo com o Quadro 3.1, Focal
de 10 mg/L para alívio da asma brônquica aguda num paciente. é de 0,96. Quando o intervalo entre as doses for de 12 horas, cada
Se o paciente não for fumante e estiver normal sob os demais as- dose de manutenção deverá ser de:
pectos, à exceção da asma, podemos utilizar a depuração média
apresentada no Quadro 3.1, isto é, 2,8 Uh/70 g. Como o fárma- Dose de - Taxa de administracão x Intervalo entre as doses
co será administrado na forma de infusão intravenosa, F = 1. manutenção - F

Taxa de administração = CL x CA
= 28 mg/h x 12 horas
0,96
= 2,8 Uh/70 kg x 10 mg/L
= 28 mg/h/70 kg = 350 mg

Por conseguinte, nesse paciente, a velocidade de infusão apro- Um comprimido ou cápsula de concentração próxima à dose
priada seria de 28 mg/h/70 kg. ideal de 350 mg seria então prescrito a intervalos de 12 horas. Se
Se a crise de asma for aliviada, o médico poderá desejar man- fosse utilizado um intervalo de 8 horas entre as doses, a dose ide-
ter esse nível plasmático com teofilina por via oral, que poderá ser ai seria de 233 mg; e se o fármaco fosse administrado uma vez ao
administrada a cada 12 horas, utilizando uma formulação de li- dia, a dose seria de 700 mg. Na prática, pode-se omitir F do cál-
beração prolongada para aproximar-se da situação observada com culo, visto que o seu valor é próximo de 1.
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FARMACOLOGIA
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25

Tempo (h)

Fig. 3.6 Relação entre a freqüência de doses e as concentrações plasmáticas máxima e mínima quando se deseja obter o nível plasmático
de teofilina no estado de equilíbrio dinâmico de 10 mg/L. A linha em elevação suave (linha preta cheia) mostra a concentração plasmática
obtida com uma infusão intravenosa de 28 mg/h. As doses para administração a cada 8 horas (linha cinza-clara) são de 224 mg; para
administração a cada 24 horas (linha cinza-escura), de 672 mg. Em cada um desses 3 casos, a concentração plasmática média no estado
de equilíbrio dinâmico é de 10 mg/L.

forma de "bolo", a concentração plasmática do fármaco alcançada com farmacocinéticos é importante para o ajuste correto das doses nesses
uma dose de ataque apropriada - calculada utilizando o volume de casos. (Ver Boxe A Estratégia da Concentração-alvo.)
distribuição - pode ser, em princípio, consideravelmente maior do
que a desejada. Pode ocorrer toxicidade grave, ainda que transitória. Variáveis Farmacocinéticas
Esse aspecto pode ser particularmente importante, como, por exem-
plo, na administração de agentes antiarrítmicos, como a lidocaína, em A. ABSORÇÃO
que pode ocorrer uma resposta tóxica quase imediata. Por conseguin-
A quantidade do fármaco que penetra no organismo depende da
te, enquanto a estimativa da quantidade de uma dose de ataque pode
obediência do paciente ao esquema prescrito e da taxa e extensão
ser muito correta, a taxa de administração pode ser, algumas vezes, de
de sua transferência do local de administração para o sangue.
suma importância para evitar concentrações excessivas da droga, e a
A superdosagem e as doses insuficientes em relação à dose pres-
administração lenta de um fármaco por via intravenosa (no decorrer
crita - constituindo, ambas as situações, aspectos da falta de obedi-
de alguns minutos e não em questões de segundos) é quase sempre
ência ao tratamento - podem ser freqüentemente detectadas atra-
uma prática prudente. No caso das doses intravenosas de teofilina, as
vés da determinação das concentrações quando são obtidos desvios
injeções iniciais devem ser administradas durante um período de 20
significativos em relação aos valores esperados. Se for constatada uma
minutos, a fim de reduzir a possibilidade de concentrações plasmáti-
obediência adequada ao tratamento, a presença de anormalidades na
cas elevadas durante a fase de distribuição.
absorção do intestino delgado pode constituir a causa das concentra-
Quando são administradas doses intermitentes, a dose de ata-
ções anormalmente baixas do fármaco. As variações no grau de bio-
que calculada a partir da equação (12) só irá alcançar a concentra-
disponibilidade raramente são produzidas por irregularidades na fa-
ção média no estado de equilíbrio dinâmico e não irá equivaler à bticação da formulação farmacológica específica. Com mais freqüên-
concentração máxima nesse estado (ver Fig. 3.6). Para correspon- cia, as variações na biodisponibilidade são devidas ao metabolismo
der à concentração máxima em estado de equilíbrio dinâmico, a dose da droga durante a sua absorção.
de ataque pode ser calculada a partir da equação (13):
B. DEPURAÇÃO
Dose de ataque = Dose de manutenção x
Fator de acumulação (13) Pode-se esperar uma depuração anormal na presença de comprome-
timento significativo da função renal, hepática ou cardíaca. A depu-
ração da creatinina fornece um indicador quantitativo útil da função
MONITORIZAÇÃO DE DROGAS
renal. Por outro lado, a depuração de drogas pode constituir um in-
TERAPÊUTICAS: RELACIONANDO A dicador útil das conseqüências funcionais da insuficiência cardíaca,
FARMACOCINÉTICA COM A renal ou hepática, freqüentemente com maior precisão do que os
FARMACODINÂMICA achados clínicos ou outros testes laboratoriais. Por exemplo, quando
a função renal está sofrendo rápida alteração, a estimativa da depura-
Os princípios básicos descritos anteriormente podem ser aplicados à ção dos antibióticos aminoglicosídicos pode constituir um indicador
interpretação das medidas das concentrações de fármacos na clínica, mais acurado da filtração glomerular do que a creatinina sérica.
com base em três variáveis farmacocinéticas principais: absorção, Foi constatado que a doença hepática diminui a depuração e pro-
depuração e volume de distribuição (e a variável derivada, a meia- longa a meia-vida de muitas drogas. Todavia, para muitas outras dro-
vida), e em duas variáveis farmacodinâmicas: o efeito máximo passí- gas comprovadamente eliminadas por processos hepáticos, não foram
vel de ser alcançado no tecido-alvo e a sensibilidade do tecido ao fár- observadas alterações na sua depuração ou meia-vida na presença de
maco. As doenças podem modificar todos esses parâmetros, e a capa- hepatopatia semelhante. Isso reflete o fato de que a presença de doen-
cidade de prever o efeito de estados mórbidos sobre os parâmetros ça hepática nem sempre afeta a depuração hepática intrínseca. No
FARMACOCINÉTICA E FARMACODINÂMICA / 39

A ESTRATÉGIA DA CONCENTRAÇÃO-ALVO
.. -- -- .. -- --- ---- .. --- - -
.. --~-- -~ --- ---- --- --~._--_ .. -- -_ .. - --- ..~-_.. -- .. -- --- --- .

o reconhecimento do papel essencial da concentração na ligação 1. Escolher a concentração-alvo, CA.


entre farmacocinética e farmacodinãmica leva, naturalmente, à 2. Prever o volume de distribuição (Vd) e a depuração (CL), com
estratégia da concentração-alvo. Os princípios de farmacodinãmica base em valores-padrão na população (por exemplo, Quadro
podem ser utilizados para prever a concentração necessária para 3.1), devendo-se proceder a um ajuste para certos fatores,
obter determinado grau de efeito terapêutico. A seguir, essa con- como peso corporal e função renal.
centração-alvo pode ser alcançada ao utilizar os princípios farma- 3. Administrar uma dose de ataque ou dose de manutenção cal-
cocinéticos para definir um esquema posológico apropriado (Hol- culada a partir da CA, Vd e CL.
ford, 1999). A estratégia da concentração-alvo é um processo de 4. Medir a resposta do paciente e a concentração do fármaco.
otimização da dose para o paciente, com base numa resposta subs- 5. Rever a Vd e/ou a CL, com base na concentração medida.
tituta medida, como a concentração da droga: 6. Repetir as etapas 3-5, ajustando a dose prevista para obter a
CA.

momento atual, não existe nenhum marcador confiável da função atinge-se um ponto além do qual não ocorre mais nenhum incre-
hepática de metabolismo das drogas que possa ser utilizado para pre- mento na resposta.
ver alterações na depuração hepática, de modo análogo ao uso da de- Se o aumento da dose em determinado paciente não produzir
puração da creatinina como marcado r da depuração renal de drogas. uma resposta clínica adicional, é possível que se tenha alcançado o
efeito máximo. O reconhecimento máximo é útil para evitar au-
C. VOLUME DE DISTRIBUiÇÃO mentos ineficazes da dose, com seu risco iminente de toxicidade.

O volume aparente de distribuição reflete um equilíbtio entre a B. SENSIBILIDADE


droga nos tecidos, que diminui a sua concenttação plasmática e torna
o volume aparente maior, e sua ligação às proteínas plasmáticas, que A sensibilidade do órgão-alvo à concentração da droga reflete-se na
aumenta a concentração plasmática e torna o volume aparente concentração necessária para produzir 50% do efeito máximo, a
menor. A ocorrência de alterações na ligação do fármaco aos teci- EC5o' A ausência de resposta devido a uma diminuição da sensibi-
dos ou às proteínas plasmáticas pode modificar o volume de distri- lidade à droga pode ser detectada ao determinar - num paciente
buição aparente determinado a partir de medidas da concentração que não estiver apresentando melhora - as concentrações do fár-
plasmática. Os indivíduos idosos apresentam uma redução relativa maco, que habitualmente estão associadas a uma resposta terapêu-
da massa muscular esquelética e tendem a apresentar um volume tica. Isso pode resultar de alguma anormalidade fisiológica - como,
de distribuição aparente menor da digoxina (que se liga às proteí- por exemplo, a hipercalemia, que diminui a responsividade à digo-
nas musculares). O volume de distribuição pode ser superestimado xina - ou antagonismo farmacológico - como, por exemplo, os
em pacientes obesos quando baseado no peso corporal, e quando a bloqueadores dos canais de cálcio que comprometem a resposta
droga não penetra adequadamente os tecidos adiposos, como é o inotrópica à digoxina.
caso da digoxina. Por outro lado, a teofilina apresenta um volume Em geral, a sensibilidade aumentada a determinado fármaco é
de distribuição semelhante ao da água corporal total. O tecido adi- indicada por respostas exageradas a doses pequenas ou moderadas.
A natureza farmacodinâmica dessa sensibilidade pode ser confirma-
poso contém quase tanta água quanto outros tecidos, de modo que
o volume de distribuição total aparente da teofilina é proporcional da pela determinação das concentrações do fármaco, que estão bai-
xas em relação ao efeito observado.
ao peso corporal, mesmo nos pacientes obesos.
O acúmulo anormal de líquido - edema, ascite, derrame pleu-
ral- pode aumentar acentuadamente o volume de distribuição de INTERPRETAÇÃO DAS MEDIDAS DA
fármacos como a gentamicina, que são hidrofílicos e apresentam CONCENTRAÇÃO DE DROGAS
pequenos volumes de distribuição.
Depuração
D. MEIA-VIDA
A depuração constitui o fator mais importante para determinar as
As diferenças entre a depuração e a meia-vida são importantes para concentrações dos fármacos. A interpretação da determinação das
definir os mecanismos subjacentes ao efeito de um estado mórbido concentrações de uma droga depende de uma compreensão clara
sobre o processamento das drogas. Por exemplo, a meia-vida do dia- de três fatores passíveis de influenciar a depuração: a dose, o fluxo
zepam aumenta com a idade. Quando se relaciona a depuração com sangüíneo e a função intrínseca do fígado e dos rins. Cada um des-
a idade, verifica-se que a depuração desse fármaco não se modifica ses fatores deve ser considerado quando se interpreta a depuração
com a idade. O aumento da meia-vida do diazepam resulta, na re- estimada a partir da determinação das concentrações do fármaco.
alidade, de alterações no volume de distribuição com a idade; os Além disso, é preciso reconhecer que as alterações na ligação às pro-
processos metabólicos responsáveis pela eliminação do fármaco são teínas podem levar uma pessoa imprudente a acreditar que ocorre
bastante constantes. alguma alteração da depuração, quando, na verdade, a eliminação
da droga não é alterada (ver Boxe Ligação às Proteínas Plasmáticas:
Variáveis Farmacodinâmicas Isso É Importante?). Os fatores que afetam a ligação às proteínas
incluem os seguintes:
A. EFEITO MÁXIMO
1. Concentração de albumina: Certos fármacos como a fenito-
Todas as respostas farmacológicas devem ter um efeito máximo ína, os salicilatos e a disopiramida, ligam-se extensamente à albu-
(Emáx). Independentemente do grau de concentração do fármaco, mina plasmática. Os níveis de albumina estão baixos em muitos
40 / FARMACOLOGIA

LIGAÇÃO ÀS PROTEíNAS PLASMÁTICAS: ISSO·É IMPORTANTE?

Com freqüência, menciona-se a ligação às proteínas plasmáticas volume de distribuição, de modo que um aumento de 5% na
como um fator que desempenha um papel na farmacocinética, quantidade da droga não-ligada no organismo irá produzir, quan-
na farmacodinâmica e nas interações farmacológicas. Entretan- do muito, um aumento de 5% na droga não-ligada farmacologi-
to, não há exemplos clinicamente relevantes de alterações no pro- camente no local de ação.
cessamento ou nos efeitos das drogas que possam ser claramen- Em segundo lugar, quando a quantidade da droga não-ligada
te atribuídos a alterações na ligação às proteínas plasmáticas (Be- no plasma aumenta, a sua taxa de eliminação também aumenta
net e Hoener 2002). A idéia de que, se uma droga for deslocada (se a depuração da droga não-ligada não for alterada), e, depois
das proteínas plasmáticas, haverá aumento na concentração da de quatro meias-vidas, a concentração não-ligada retornará a seu
droga não-ligada e no seu efeito e, talvez, com produção de toxi- valor anterior no estado de equilíbrio dinâmico. Quando foram
cidade parece constituir um mecanismo simples e óbvio. Infeliz- estudadas interações farmacológicas associadas ao deslocamen-
mente, essa teoria simples, que é apropriada para o tubo de en- to da ligação às proteínas e a efeitos clinicamente importantes,
saio, não funciona no organismo, que é um sistema aberto, ca- foi constatado que a droga deslocadora também é um inibidor
paz de eliminar a droga não-ligada. da depuração, sendo a alteração na depuração da droga não-li-
Em primeiro lugar, uma alteração aparentemente radical na gada o mecanismo relevante para explicar a interação.
fração não-ligada de uma droga, de 1 para 10%, libera menos de A importância clínica da ligação às proteínas plasmáticas serve
5% da quantidade total da droga existente no corpo para o re- apenas para ajudar a interpretação das concentrações medidas dos
servatório não-ligado, visto que menos de um terço da droga no fármacos. Quando as concentrações das proteínas plasmáticas
corpo está ligado às proteínas plasmáticas, mesmo nos casos mais estão abaixo do normal, as concentrações totais do fármaco se-
extremos, como, por exemplo, a varfarina. Naturalmente, a dro- rão mais baixas, porém as concentrações não-ligadas não serão
ga deslocada das proteínas plasmáticas irá se distribuir por todo o afetadas.

estados mórbidos, resultando em concentrações totais mais baixas guinte, é importante evitar coletar uma amostra de sangue até que
do fármaco. a absorção seja completa (cerca de 2 horas após uma dose oral). As
2. Concentração da glicoproteína ácida alfaj: A glicoproteína tentativas de medir as concentrações máximas logo após a adminis-
ácida aI é uma importante proteína de ligação, com sítios de liga- tração oral de um fármaco geralmente não são bem-sucedidas e
ção para fármacos como a quinidina, a lidocaína e o propranolol. comprometem a validade da determinação, visto que não se pode
Apresenta-se aumentada em distúrbios inflamatórios agudos e pro- ter certeza de que a absorção esteja completa.
voca alterações significativas na concentração plasmática total des- Alguns fármacos, como a digoxina e o lítio, necessitam de várias
ses fármacos, embora a sua eliminação não seja alterada. horas para a sua distribuição pelos tecidos. As amostras para deter-
3. Ligação às proteínas de capacidade limitada: A ligação dos fár- minação da digoxina devem ser coletadas pelo menos 6 horas após
macos às proteínas plasmáticas é de capacidade limitada. As concen- a última dose, enquanto as para o lítio devem ser obtidas imediata-
trações terapêuticas de salicilatos e prednisolona apresentam uma li- mente antes da próxima dose (em geral, 24 horas após a última dose).
gação às proteínas que depende da concentração. Como a concentra- Os aminoglicosídios distribuem-se com muita rapidez; entretanto,
ção do fármaco não-ligado é determinada pela sua taxa de adminis- mesmo assim é prudente aguardar 1 hora após a administração de
tração e depuração - que não é alterada, no caso dessas drogas de uma dose para coletar uma amostra.
baixa relação de extração, pela ligaçãoàs proteínas -, os aumentos na A depuração é facilmente estimada a partir da taxa de adminis-
taxa de administração irão produzir alterações correspondentes na tração e da concentração média no estado de equilíbrio dinâmico.
concentração da droga não-ligada farmacodinamicamente importan- As amostras de sangue devem ser obtidas em momentos apropria-
te. A concentração total do fármaco irá aumentar menos rapidamente dos para estimar a concentração no estado de equilíbrio dinâmico.
do que o sugerido pela taxa de administração, visto que a ligação às Contanto que se tenha alcançado um estado de equilíbrio dinâmi-
proteínas aproxima-se da saturação em concentrações mais elevadas. co (pelo menos três meias-vidas de administração constante), uma
amostra obtida próxima ao ponto médio do intervalo entre as do-
ses geralmente estará próxima da concentração média no estado de
História do Esquema Posológico equilíbrio dinâmico.
É essencial obter uma história acurada das doses administradas para
obter proveito máximo da determinação da concentração de um
Previsões Iniciais do Volume de
fármaco. Com efeito, se a história posológica for incompleta ou não Distribuição e Depuração
for conhecida, a determinação das concentrações do fármaco per-
de todo o seu valor preditivo. A. VOLUME DE DISTRIBUiÇÃO

O volume de distribuição em determinado paciente costuma ser


Momento Apropriado de Coleta das calculado, utilizando-se o peso corporal (pressupõe-se um peso de
Amostras para Determinação das 70 kg para os valores fornecidos no Quadro 3.1). Se o paciente for
Concentrações de uma Droga obeso, os fármacos que não penetram facilmente no tecido adiposo
(por exemplo, gentamicina e digoxina) devem ter o seu volume
A informação sobre a taxa e a extensão de absorção de um fármaco calculado a partir do peso corporal ideal, da seguinte maneira:
em determinado paciente raramente apresenta grande importância
Peso corporal ideal (kg) = 52 + 1,9 kg/em altura acima
clínica. Entretanto, a absorção ocorre habitualmente durante as de 1,52 m (homens) (14)
primeiras duas horas após administração do fármaco e varia de acor- = 49 + 1,7 kg/em altura acima
do com a ingestão do alimento, a postura e a atividade. Por conse- de 1,52 m (mulheres)
FARMACOClNÉTICA E FARMACODINÂMICA / 41

Os pacientes com edema, ascite ou derrame pleural proporcio- ente, utilizando-se a equação (1) ou a equação (2). Se a alteração
nam aos antibióticos aminoglicosídicos (por exemplo, gentamici- calculada for um aumento de mais 100% ou uma redução de mais
na) um volume de distribuição maior do que o previsto pelo peso de 50% no Vd ou na CL, deve-se proceder a um exame criterioso
corporal. Nesses pacientes, deve-se corrigir o peso corporal da se- das pressuposições feitas sobre o momento apropriado de coleta das
guinte maneira: subtrair o excesso estimado de líquido acumulado amostras e história do esquema de doses.
do peso corporal medido. Utilizar o peso corporal "normal" resul- Por exemplo, se um paciente estiver tomando 0,25 mg de digo-
tante para calcular o volume de distribuição normal. Por fim, esse xina ao dia, o médico pode esperar uma concentração do fármaco
volume normal deve ser aumentado de 1 L para cada quilograma de cerca de 1 ng/mL. Essa previsão baseia-se em valores típicos para
de excesso de líquido estimado. Essa correção é importante, devido a biodisponibilidade de 70% e a depuração total de cerca de 7 L/h
aos volumes de distribuição relativamente pequenos dessas drogas (CL"nalde 4 L/h, CLnão."nalde3 L/h). Se o paciente tiver insuficiên-
hidrossolúveis. cia cardíaca, a depuração não-renal (hepática) pode estar reduzida
à metade, devido à congestão hepática e hipoxia, de modo que a
B. DEPURAÇÃO depuração esperada passa a ser de 5,5 L/h. A concentração espera-
da é, então, de cerca de 1,3 ng/mL. Suponhamos que a concentra-
As drogas depuradas por via renal freqüentem ente exigem um ajuste ção realmente medida seja de 2 ng/mL. O bom senso deve sugerir
da depuração proporcional à função renal. Isso pode ser conveni- a necessidade de reduzir a dose diária à metade para obter uma con-
entemente estimado a partir da depuração da creatinina, calculada centração-alvo de 1 ng/mL. Essa abordagem implica uma depura-
a partir de uma única determinação dos níveis séricos da creatinina ção revista de 3,5 L/h. A depuração menor em comparação com o
e da taxa de produção prevista da creatinina. valor esperado de 5,5 L/h pode refletir um comprometimento adi-
A taxa de produção prevista de creatinina em mulheres é de 85% cional da função renal, devido à insuficiência cardíaca.
do valor calculado, visto que possuem menor massa muscular por Com freqüência, essa técnica é enganosa se não for alcançado
quilograma, sendo a massa muscular o fator que determina a pro- um estado de equilíbrio dinâmico. É necessário que transcorra pelo
dução de creatinina. A massa muscular como fração do peso cor- menos uma semana de administração regular (três a quatro meias-
poral diminui com a idade, razão pela qual a idade aparece na equa- vidas) para que o método implícito seja confiável.
ção de Cockcrott-Gault.*
A diminuição da função renal com a idade independe da re- REFERÊNCIAS
dução na produção de creatinina. Devido à dificuldade em obter
coletas completas de urina, a depuração de creatinina calculada Bener LZ, Hoener B: Changes in plasma prorein binding have lirrle
clinical relevance. Clin Pharmacol Ther 2002;71:] ] 5.
dessa maneira é, pelo menos, tão confiável quanto as estimativas
Evans WE et ai: Conventional compared wirh individualized
baseadas nas coletas de urina. Deve-se utilizar o peso corporal
chemorherapy for childhood acure Iymphoblasric leukemia. N
ideal para pacientes obesos, devendo-se proceder à devida corre- EngI J Med 1998;338:499.
ção para a debilitação muscular observada em pacientes grave- Holford NHG: Pharmacokineric and pharmacodynamic principies.
mente doentes. 2003; http://www.healrh.auckland.ac.nz/courses/Human -
bi02511.
Revisão das Estimativas Individuais do Holford NHG, Sheiner LB: Undersranding rhe dose-effect relarion-
ship. Clin Pharmacokiner 1981 ;6:429.
Volume de Distribuição e da Depuração Holford NHG: Targer concentrarion intervention: Beyond Y2K. Br
J C1in PharmacoI 1999;48:9.
A abordagem criteriosa para a interpretação das concentrações de Jusko WJ, Ko He Physiologic indirect response models character-
fármacos compara as previsões de parâmetros farmacocinéticos e ize diverse rypes of pharmacodynamic effecrs. Clin Pharmacol
concentrações esperadas com os valores medidos. Quando as con- Ther 1994;56:406.
centrações medidas diferem em mais de 20% dos valores previstos, Speighr T. Holford NHG: Avais Drug Treatment, 4rh ed. Adis
devem-se calcular estimativas revistas do Vd ou da CL para o paci- Internarional, ]997.

* A equação de Cockcroft-Gault é fornecida no Capo 61.


B,iotransformação das DJogas
Maria A/mira Correia, PhD

Os seres humanos são constantemente expostos a uma ampla vari- O PAPEL DA BIOTRANSFORMAÇÃO NO
edade de compostos estranhos, denominados xenobióticos - subs- PROCESSAMENTO DAS DROGAS
tâncias absorvidas pelos pulmões ou pela pele ou, mais comumen-
te, ingeridas de modo involuntário na forma de compostos presen- As biotransformações metabólicas ocorrem, em sua maioria, em
tes em alimentos e líquidos ou, deliberadamente, como drogas para algum ponto entre a absorção da droga na circulação geral e a sua
fins terapêuticos ou "recreativos". A exposição a xenobióticos am- eliminação renal. Algumas transformações são observadas na luz
bientais pode ser inadvertida e acidental ou - quando presentes intestinal ou na parede do intestino. Em geral, todas essas reações
como componentes do ar, da água e dos alimentos - inevitável. podem ser classificadas em duas grandes categorias, denominadas
Alguns xenobióticos são inócuos, porém muitos deles podem pro- reações de fase I e de fase 11 (Fig. 4.1).
vocar respostas biológicas. Com freqüência, essas respostas bioló- Em geral, as reações de fase I convertem a droga original num
gicas dependem da conversão da substância absorvida num meta- metabólito mais polar ao introduzir ou expor um grupo funcional
bólito ativo. A discussão seguinte aplica-se aos xenobióticos de modo (-OH, -NH2, -SH). Com freqüência, esses metabólitos são inati-
geral (incluindo as drogas) e, em certo grau, a compostos endógenos. vos, embora, em alguns casos, a atividade seja apenas modificada.
Se os metabólitos de fase I forem polares o suficiente, podem
ser facilmente excretados. Entretanto, muitos produtos de fase I não
POR QUE A BIOTRANSFORMAÇÃO DAS
são rapidamente eliminados e sofrem uma reação subseqüente, em
DROGAS É NECESSÁRIA?
que um substrato endógeno, como ácido glicurônico, ácido sulfú-
rico, ácido acético ou aminoácido, combina-se com o grupo funcio-
A excreção renal desempenha um papel fundamental na interrup-
nal recém-incorporado, formando um conjugado altamente polar.
ção da atividade biológica de algumas drogas, particularmente das
Essas reações de conjugação ou sintéticas constituem a característi-
que possuem pequenos volumes moleculares ou características po-
ca básica do metabolismo de fase lI. Uma grande variedade de dro-
lares, como grupos funcionais que são totalmente ionizados em
gas sofre reações seqüenciais de biotransformação, embora, em al-
pH fisiológico. Entretanto, muitas drogas não apresentam essas
guns casos, a droga original já possa ter um grupo funcional capaz
propriedades físico-químicas. As moléculas orgânicas farmacolo-
de formar diretamente um conjugado. Assim, por exemplo, sabe-
gicamente ativas tendem a ser lipofílicas e permanecem não-ioni-
se que a porção hidrazida da isoniazida forma um conjugado N-
zadas ou apenas parcialmente ionizadas em pH fisiológico. Com
acetil numa reação de fase n. A seguir, esse conjugado atua como
freqüência, ligam-se fortemente às proteínas plasmáticas. Essas
substrato para uma reação de fase 1, isto é, hidrólise a ácido
substâncias não são facilmente filtradas no glomérulo. A nature-
isonicotínico (Fig. 4.2). Por conseguinte, as reações de fase n po-
za lipofílica das membranas tubulares renais também facilita a re-
dem, na verdade, preceder as reações de fase I.
absorção de compostos hidrofóbicos após a sua filtração glome-
rular. Em conseqüência, a maioria das drogas teria uma duração
de ação prolongada, se o término de sua ação dependesse exclusi- ONDE OCORREM AS BIOTRANSFORMAÇÔES
vamente da excreção renal. DAS DROGAS?
O metabolismo é um processo alternativo, que pode levar ao
término da atividade biológica ou à sua alteração. Em geral, os xe- Embora todos os tecidos tenham alguma capaCidade de metaboli-
nobióticos lipofílicos são transformados em produtos mais polares zar drogas, o fígado é o principal órgão de metabolismo das drogas.
e, portanto, passíveis de excreção mais fácil. O papel que o meta- Outros tecidos que apresentam considerável atividade incluem o
bolismo pode desempenhar na inativação das drogas lipossolúveis trato gastrintestinal, os pulmões, a pele e os rins. Após administra-
pode ser notável. Assim, por exemplo, os barbitúricos lipofílicos, ção oral, muitas drogas (por exemplo, isoproterenol, meperidina,
como o tiopental e o pentobarbital, teriam meias-vidas extremamen- pentazocina, morfina) são absorvidas intactas a partir do intestino
te longas, não fosse a sua conversão metabólica em compostos mais delgado transportadas inicialmente pelo sistema porta até o fígado,
hidrossolúveis. onde sofrem extenso metabolismo. Esse processo foi denominado
Com freqüência, os produtos metabólicos apresentam menos efeito de primeira passagem (ver Capo 3). Alguns fármacos admi-
atividade farmacodinâmica do que a droga original e podem até mes- nistrados por via oral (por exemplo, clonazepam, clorpromazina)
mo ser inativos. Todavia, alguns produtos de biotransformação apre- são metabolizados mais extensamente no intestino do que no fíga-
sentam atividade aumentada ou propriedades tóxicas. É interessante do. Por conseguinte, o metabolismo intestinal pode contribuir para
assinalar que a síntese de substratos endógenos, como os hormôni- o efeito global de primeira passagem. Os efeitos de primeira passa-
os esteróides, o colesterol, os congêneres ativos da vitamina D e os gem podem limitar tão acentuadamente a biodisponibilidade de
ácidos biliares, envolve muitas vias catalisadas por enzimas associa- fármacos administrados por via oral, que é necessário recorrer a vias
das ao metabolismo de xenobióticos. Por fim, as enzimas envolvi- alternativas de administração para a obtenção de níveis sangüíneos
das no metabolismo de drogas foram exploradas no desenvolvimen- terapeuricamente eficazes. A parte inferior do intestino abriga mi-
to de pró-drogas farmacologicamente inativas, que são convertidas crorganismos intestinais, que são capazes de efetuar muitas reações
em moléculas ativas no organismo. de biotransformação. Além disso, as drogas podem ser metaboliza-
BIOTRANSFORMAÇÃO DAS DROGAS / 43

ABSORÇÃO METABOLISMO ELIMINAÇÃO 10 endoplasmático rugoso (carregados de ribossomos) e liso (des-


provido de ribossomos). Enquanto os microssomos rugosos tendem
a dedicar-se à síntese de proteínas, os microssomos lisos são relati-
Fase I Fase II
vamente ricos em enzimas responsáveis pelo metabolismo oxidati-
Droga --.:..-------------'- .•••
- Conjugado vo das drogas. Em particular, contêm a importante classe de enzi-
mas conhecidas como oxidases de função mista (OFM) ou monoo-
I Metabólico da droga •• Conjugado .. xigenases. A atividade dessas enzimas requer tanto um agente re-
I modificada
dutor (NADPH) quanto oxigênio molecular; numa reação típica,
Droga

--<: com atividade


Metabólilo inativo
da droga
•• Conjugado ••
ocorre consumo (redução) de uma molécula de oxigênio por molé-
cula de substrato, aparecendo um átomo de oxigênio no produto, e
o outro, na forma de água:
Droga .. Nesse processo de oxidação-redução, duas enzimas microssômi-
cas desempenham um papel-chave. A primeira é uma flavoproteí-
na, a NADPH-citocromo P450 redutase. Um moI dessa enzima
Lipofilica •. Hidrofilica contém 1 moI de flavina mononucleotídio (FMN) e de flavina ade-
nina dinucleotídio (FAD). A segunda enzima microssômica é uma
Fig. 4.1 Reações de fase I e de fase 11no bioprocessamento das
drogas, As reações de fase II também podem preceder as reações hemo proteína, denominada cito cromo P450, que atua como oxi-
de fase I. dase terminal. De fato, a membrana microssômica contém múlti-
plas formas dessa hemoproteína, sendo essa multiplicidade aumen-
tada pela administração repetida de substâncias químicas exógenas
(ver adiante). O termo citocromo P450 (abreviado como CYP ou
das pelo ácido gástrico (por exemplo, penicilina), por enzimas di- P450) deriva das propriedades espectrais dessa hemoproteína. Em
gestivas (por exemplo, polipeptídios, como a insulina) ou por enzi- sua forma reduzida (ferrosa), liga-se ao monóxido de carbono, pro-
mas existentes na parede intestinal (por exemplo, catecolaminas duzindo um complexo que absorve luz ao máximo em 450 nm. A
simpaticomiméticas). abundância relativa do P450, em comparação com a redutase no
Embora a biotransformação de drogas in vivo possa ocorrer fígado, contribui para tornar a redução do heme do P450 uma eta-
através de reações químicas espontâneas e não-catalisadas, a grande pa de limitação da taxa nas oxidações hepáticas de drogas.
maioria das transformações é catalisada por enzimas celulares es- As oxidações microssômicas de drogas apresentam a presença do
pecíficas. Em nível subcelular, essas enzimas podem localizar-se P450, da P450 redutase, do NADPH e do oxigênio molecular. A
no retículo endoplasmático, nas mitocôndrias, no citosol, nos li- Fig. 4.3 fornece um esquema simplificado do ciclo oxidativo. Em
sossomos ou até mesmo no envoltório nuclear ou na membrana resumo, o P450 oxidado (Fe3+) combina-se com uma droga subs-
plasmática. trato, formando um complexo binário (etapa 0)). O NADPH doa
um elétron à flavoproteína redutase que, por sua vez, reduz o com-
SISTEMA MICROSSÔMICO DE OXIDASES DE plexo P450 oxidado-droga (etapa 0). Um segundo elétron é intro-
duzido a partir do NADPH através da mesma flavoproteína redu-
FUNÇÃO MISTA E REAÇÕES DE FASE I
tase, que atua para reduzir o oxigênio molecular e formar um com-
Muitas enzimas envolvidas no metabolismo de drogas estão locali- plexo de "oxigênio ativado" -P450-substrato (etapa Q». Por sua vez,
zadas nas membranas lipofílicas do retículo endoplasmático do fí- esse complexo transfere o oxigênio ativado para a droga substrato,
gado e de outros tecidos. Quando essas membranas lamelares são com formação do produto oxidado (etapa ®).
isoladas por homogeneização e fracionamento da célula, elas se re- As potentes propriedades oxidantes desse oxigênio ativado per-
organizam em vesículas denominadas microssomos. Os microsso- mitem a oxidação de grande número de substratos. A especificida-
mos conservam a maioria das características morfológicas e funcio- de de substrato desse complexo enzimático é muito baixa. A eleva-
nais das membranas intactas, incluindo as características do retícu- da lipossolubilidade constitui a única característica estrutural co-
mum à grande variedade de drogas e substâncias químicas estrutu-
ralmente não-relacionadas, que atuam como substratos nesse siste-
o H
ma (Quadro 4.1).
N
Gil C-N-NH2
I
IINH)
Indução Enzimática
~ j O
[I . F••• " ,."tiI.,,",
H H O
Alguns desses substratos farmacológicos quimicamente distintos,
com administração repetida, "induzem" o P450 ao aumentar a taxa
N C-N-N-C- CH3 (N-acetiIINH)
de sua síntese ou ao reduzir a sua taxa de degradação. A indução
GIIIIII
~ IÍ I I Fase I (hidrólise) I
leva a uma aceleração do metabolismo do substrato e, em geral, a
uma redução da ação farmacológica do indutor, bem como das

G~~
drogas co-administradas. Todavia, no caso de drogas transforma-
O H
das metabolicamente em metabólitos reativos, a indução enzimáti-
C-OH+CH3-C-N N2 ca pode exacerbar a toxicidade mediada pelos metabólitos.
11 1- H (acetil-hidrazina)
Diversos substratos parecem induzir isoformas do P450 com
\\ . I~ . 'macromoléculas (protelnas massas moleculares diferentes, que apresentam especificidades de
N~ j,
Ácido isomcotlnlco I.,
, } Acetilação de
Hepatotoxlcldade
') substratos e características imunoquímicas e espectrais diferentes.
As isoformas que foram mais extensamente estudadas incluem a
Fig. 4.2 Ativação de fase II da isoniazida (INH) em metabólito hepa- CYP2Bl (antigamente P450b), induzida pelo tratamento com fe-
totóxico. nobarbital; a CYPIAl (Pj450 ou P448), que é induzida por hidro-
44 / FARMACOLOGIA

NAOPH
na) no fígado e na mucosa intestinal. Foi identificado um receptot
semelhante, o receptor de androstano constitutivo (CAR, constitu-
tive androstane receptor) para a classe de indutores do fenobarbital
(Sueyoshi, 2001; Willson, 2002).
As enzimas P450 também podem ser induzidas por "estabiliza-
Flavoprotelna Flavoprotelna
ção do substrato", isto é, redução da degradação, como no caso da
(reduzida) (oxidada)
indução das enzimas CYP3A mediada pela troleandomicina ou clo-
trimazol e a indução da CYP2El mediada pelo etanol.

e-
Inibição Enzimática
Certos substratos farmacológicos podem inibir a atividade enzimá-
tica do citocromo P450. As drogas que contêm imidazol, como a
cimetidina e o cetoconazol, ligam-se firmemente ao ferro hêmico
do citocromo P450 e reduzem efetivamente o metabolismo de subs-
RH~
tratos endógenos (testosterona) ou de outras drogas co-administra-
das, através de inibição competitiva. Todavia, os antibióticos ma-
crolídios, como a troleandomicina, a eritromicina e outros deriva-
dos da eritromicina, são metabolizados aparentemente pela CYP3A
a metabólitos que formam um complexo com o ferro hêmico do
citocromo, tornando-o cataliticamente inativo. Outro composto
que atua através desse mecanismo é o inibido r bem conhecido,
proadifeno (SKF-525-A), que se liga firmemente ao ferro hêmico e
inativa a enzima de modo quase irreversível, inibindo, assim, o
metabolismo de substratos potenciais.
Alguns substratos inibem irreversivelmente o P450 através da
Fig. 4.3 Ciclo do citocromo P450 nas oxidações de drogas. (R-H, interação covalente com um intermediário reativo produzido me-
droga original; R-OH, metabólito oxidado; e-, elétron.) tabolicamente, que pode reagir com a apoproteína ou o heme do
P450, ou até mesmo causar fragmentação do heme, modificando
de modo irreversível a apoproteína. O antibiótico cloranfenicol é
carboneros aromáticos policíclicos ("PAH" [polycyclic aromatic metabolizado pela CYP2B 1 a uma espécie que modifica a sua pro-
hydrocarbons], como o benzo[a]pireno e o 3-metil-colantreno); a teína, inativando também a enzima. Uma lista crescente de "inibi-
CYPs3A (incluindo as CYP 3A4 e 3A5, as principais isoformas do dores suicidas" - inativadores que atacam o heme ou a proteína
fígado humano), que é induzida por glicocorticóides, antibióticos - inclui os esteróides etinil estradiol, noretindrona e espironolac-
macrolídios, anticonvulsivantes e alguns esteróides. A administra- tona; o agente anestésico fluroxeno, o barbitúrico alobarbital; os
ção crônica de isoniazida ou o uso crônico de etanol induzem uma sedativos analgésicos alilisopropilacetiluréia, dietilpentenamida e
isoforma diferente, a CYP2El, que oxida o etanol e ativa nitrosa- etclorvinol; o solvente dissulfeto de carbono; e o propiltiouracil. Por
minas carcinogênicas. A droga que reduz as VLDL, o clofibraro, outro lado, foi constatado que o barbitúrico secobarbital inativa a
induz outras enzimas distintas da classe CYP4A, que são responsá- CYP2B 1 através da modificação de ambos os componentes heme e
veis pela w-hidroxilação de vários ácidos graxos, leucotrienos e pros- proteína.
taglandinas.
Os poluentes ambientais também são capazes de induzir as en- Enzimas P450 do Fígado Humano
zimas do P450. Conforme assinalado anteriormente, a exposição
ao benzo[a]pireno e a outros hidrocarboneros aromáticos policícli- As análises por imunoblot - acopladas ao uso de marcadores fun-
cos, que estão presentes na fumaça do tabaco, em carnes assadas na cionais relativamente seletivos e a inibidores seletivos do P450 -
brasa e outros produtos orgânicos de pirólise, induz as enzimas identificaram numerosas isoformas do P450 (CYP lAl, 2A6, 2B6,
CYPIA e altera o metabolismo das drogas. Outras substâncias quí- 2C9, 2C19, 2D6, 2EI, 3A4, 3A5, 4All e 7) em preparações mi-
micas ambientais, que reconhecidamente induzem P450 específi- crossômicas de fígado humano. Entre essas isoformas, as CYP lAl,
cos, incluem os bifenis policlorados (PCB, polychlorinated biphenyls), 2A6, 2C9, 2D6, 2El e 3A4 parecem constituir as principais for-
que eram amplamente empregados na indústria como materiais mas, sendo responsáveis por cerca de 12,4,20,4,6 e 28 por cento,
isolantes e plastificadores, e a 2,3,7,8-tetraclorodibenzeno-p-dioxi- respectivamente, do conteúdo total de P450 do fígado humano. Em
na (dioxina, TCDD), um subproduto da síntese química do desfo- seu conjunto, são responsáveis por catalisar a maior parte do meta-
lhante 2,4,5-T (ver Capo 57). bolismo hepático de drogas e xenobióticos (Quadro 4.2). É inte-
O aumento da síntese do P450 requer um aumento da transcri- ressante assinalar que a CYP3A4 por si só é responsável pelo meta-
ção e tradução. Foi identificado um receptor citoplasmático (de- bolismo de mais de 50% dos fármacos clinicamente prescritos, que
nominado AhR) para os hidrocarbonetos aromáticos policíclicos são metabolizados pelo fígado. A participação de cada P450 indivi-
(por exemplo, benzo[a]pireno, dioxina), e foi documentada a ocor- dualmente no metabolismo de determinada droga pode ser rastre-
rência de translocação do complexo indutor-receptor para o núcleo, ada in vitro através de marcadores funcionais seletivos, inibidores
com ativação subseqüente de elementos reguladores de genes. Re- químicos seletivos do P450 e anticorpos anti-P450. In vivo, esse
centemente, foi constatado que um receptor X de pregnano (PXR, rastreamento pode ser efetuado através de marcadores não-invasi-
pregnane X receptor), um membro da família de receptores de hor- vos relativamente seletivos, que incluem testes de análise respirató-
mônios esteróides-retinóides-tireoidianos, medeia a indução da ria ou exames de urina de metabóliros específicos após a adminis-
CYP3A por várias substâncias químicas (dexametasona, rifampici- tração de uma sonda de substrato P450-seletiva.
BIOTRANSFORMAÇÃO DAS DROGAS / 45

Quadro 4.1 Reações de fase I

I Classe de Reação

Oxidações
Oxidações citocromo P450-dependentes: Acetanílída, propranolol, fenobarbítal,
Hidroxilações aromáticas fenitoína, fenilbutazona, anfetamina,
varfarina, 17a-etinil estradiol,
naftaleno, benzopireno

_______________________________________ J 1 --------------

Hidroxilações alífáticas RCH2CH3 --7 RCH2CH20H Amobarbital, pentobarbital, secobarbital,


RCH2CH3 --7 RCHCH3 c1orpropamída, ibuprofeno, meprobamato,
I glutetimida, fenilbutazona, digitoxina
OH
---------------------------------------1---------------------------------------------------------------------------------.

Epoxidação H O H Aldrin

RCH=CHR --7
\ /\ /
R-C-C- R
--------------------------------- -1-------------- -------------

Desalquilação oxidativa Morfina, etilmorfina, benzofetamina,


N-Desalquilação aminopirina, cafeína, teofilina
_______________________________________ 1 J --------------.

O-Desalquilação Codeína, p-nitroanisol


_______________________________________ ~ -------------------------1-----------------------------------------

S-Desalquilação I
RSCH3 --7 RSH + CH20 I 6-Metiltiopurina, metitural
---------------------------------------~---------------------------------------~---------------------------------------

N-Oxidação
Aminas primárias I RNH2 --7 RNHOH I Anilina, clorfentermina
______________________________________________________ -------------------------1-----------------------------------------

Aminas secundárias 2-Acetilaminofluoreno, acetaminofeno

Aminas terciárias Nicotina, metaqualona

\
R2-
/ N --7

R3

S-Oxidação Tioridazina, cimetidina, clorpromazina

--------------------------------- -1-------------- 1 --------------0

Desaminação OH Anfetamina, diazepam


I
RCHCH3 --7 R- C- CH3 --7 R- CCH3 + NH3
I I II
NH2 NH2 o
--------------------------------- --1-------------- -------------

Dessulfuração Tiopental

Paration

(continua)
46 / FARMACOLOGIA

Quadro 4.1 Reações de fase I (continuação)

r Classe de Reação
- - -._- ---~ - -- - -~-~ - ----.- ---- - -.- J- - ~_ - - Alteração Estrutural
~ .c_. ._::_.,-,-...;;.;~_~
•••~_.,,-.. '- __ •••_ •. Drogas Substratos
• ,, _

Descloração Tetracloreto de carbono

Oxidações citocromo P450-independentes:


Flavina monooxigenase Clorpromazina, amitriptilina,
(enzima de Ziegler) benzofetamina

Desipramina, nortriptilina
RCH2N- CH2R ---> RCH2- N- CH2R--->
I I
H OH

RCH=N-CH2R
I
0-

Metimazol, propiltiouracil

------------------------------------~---------------------------------------1------------------------------- _

Amina oxidases Feniletilamina, adrenalina

------------------------------------~---------------------------------------1------------------------------- _

Desidrogenações RCH20H --->RCHO Etanol


----------------------------------------~---------------------------------------1--------------------------- _

Reduções
Azo-reduções RN = NR1 ---> RNH- NHR1 --->RNH2 + R1NH2 Prontosil, tartrazina
------------------------------------~---------------------------------------1------------------------------- _

Nitro-reduções RN02 ---> RNO ---> RNHOH -4 RNH2 Nitrobenzeno, c1oranfenicol, c1onazepam,
dantroleno

Carbonil-reduções RCR'---> RCHR' Metirapona, metadona, naloxona


II I
O OH

Hidrólises
tsteres R1COOR2 ---> R1COOH + R20H Procaína, succinilcolina, aspirina, c1ofibrato,
metilfenidato
-------------------------------------~---------------------------------------1 ------------------------ _

Amidas Procainamida, lidocaína, indometacina


RCONHR1 ---> RCOOH + R1NH2

REAÇÕES DE FASE 11 radas reações de "verdadeira desintoxicação". Entretanto, esse


conceito precisa ser modificado, visto que, hoje em dia, sabe-se que
As drogas originais ou seus metabólitos de fase I que contêm grupos certas reações de conjugação (acil glicuronidação de antiinflamató-
químicos apropriados freqüentem ente sofrem reações de acoplamento rios não-esteróides, O-sulfatação do Nhidroxiacetilaminofluoreno
ou conjugação com uma substância endógena, produzindo conjuga- e N-acetilação da isoniazida) podem levar à formação de espécies
dos de drogas (Quadro 4.3). Em geral, os conjugados são moléculas reativas, responsáveis pela hepatotoxicidade das drogas. Além dis-
polares, que são facilmente excretadas e, com freqüência, inativas. A so, sabe-se que a sulfatação ativa a pró-droga ativa por via oral, o
formação de conjugados envolve intermediários de alta energia e minoxidil, num composto vasodilatador muito eficaz.
enzimas de transferência específicas. Essas enzimas (transferases) po-
dem localizar-se nos microssomos ou no citosol. Catalisam o acopla- METABOLISMO DE DROGAS A
mento de uma substância endógena ativada (como o derivado do ácido PRODUTOS TÓXICOS
glicurônico uriclina 5' -clifosfato [UDP] com uma droga (ou composto
endógeno), ou de uma droga ativada (como o derivado do ácido ben- Tornou-se evidente que o metabolismo de drogas e outras substân-
zóico S-CoA ) com um substrato endógeno. Como os substratos cias químicas estranhas nem sempre pode representar um evento
endógenos originam-se na dieta, a nutrição desempenha papel nm- bioquímico inócuo, com desintoxicação e eliminação do compos-
damental na regulação das conjugações das drogas. to. Com efeito, foi constatado que diversos compostos sofrem trans-
Antigamente, acreditava-se que as conjugações das drogas repre- formação metabólica a intermediários reativos, que são tóxicos para
sentavam eventos terminais de inativação; por isso, eram conside- vários órgãos. Essas reações tóxicas podem ser aparentes com bai-
BIOTRANSFORMAÇÃO DAS DROGAS / 47

Quadro 4.2 P450 (CYP) do fígado humano e algumas das drogas metabolizadas (substratos), indutores e drogas utilizadas
para rastreamento (marcadores não-invasivos)

Cyp Substratos Indutores Marcadores Não-Invasivos

1A2 Acetaminofeno, antipirina, cafeína, c1omipramina, fenacetina, Fumo de cigarros, alimentos Cafeína
tamoxifeno, teofilina, varfarina grelhados com carvão,
vegetais crucíferos,
omeprazol

2A6 Cumarínicos Cumarínicos

2B6 Artemisinina, bupropiona, ciclofosfamida, 5-mefobarbital, Fenobarbital, 5-mefenitoína


5-mefenitoína (N-desmetilação a nirvanol), propofol, ciclofosfamida
selegilina, sertralina

2C9 Hexobarbital, ibuprofeno, fenitoína, tolbutamida, Barbitúricos, rifampicina Tolbutamida, varfarina


trimetadiona, sulfafenazol, 5-varfarina, ticrinafeno

2C19 Oiazepam, 5-mefenitoína, naproxeno, nirvanol, omeprazol, Barbitúricos, rifampicina 5-mefenitoína


propranolol

206 Bufuralol, bupranolol, c1omipramina, clozapina, codeína, Nenhum conhecido Oebrisoquina, dextrometorfano
debrisoquina, dextrometorfano, encainida, flecainida,
fluoxetina, guanoxano, haloperidol, hidrocodona,
4-metoxi-anfetamina, metoprolol, mexiletina, oxicodona,
paroxetina, fenformina, propafenona, propoxifeno,
risperidona, selegilina (deprenil), esparteína, tioridazina,
timolol, antidepressivos tricíclicos

2E1 Acetaminofeno, c1orzoxazona, enflurano, halotano, Etanol, isoniazida Clorzoxazona


etanol (via menor)

3A4 Acetaminofeno, anfentanil, amiodarona, astemizol, cocaína, Barbitúricos, carbamazepina, Eritromicina,


cortisol, ciclosporina, dapsona, diazepam, diidroergotamina, macrolídios, glicocorticóides, 6(3-hidroxicortisol
diidropiridinas, diltiazem, etinil estradiol, gestodeno, indinavir, pioglitazona, fenitoína,
lidocaína, lovastatina, macrolídios, metadona, miconazol, rifampicina
midazolam, mifepristona (RU 486), paclitaxel, progesterona,
quinidina, rapamicina, ritonavir, saquinavir, espironolactona,
sulfametoxazol, sufentanil, tracrolimo, tamoxifeno,
terfenadina, testosterona, tetraidrocanabinol, triazolam,
troleandomicina, verapamil

xos níveis de exposição ao composto original, quando os mecanis- A caracterização química e toxicológica da natureza eletrofílica do
mos alrernativos de desintoxicação ainda não esrão saturados ou metabólito reativo do acetaminofeno levou ao desenvolvimento de
comprometidos, e a disponibilidade de co-subsrratos endógenos antídotos efi=es - a cisteamina e a Nacetilcisteína. A administra-
desintoxicantes (glutation [GSHJ, ácido glicurônico, sulfaro) não ção de N-acetilcisteína (o mais seguro dos dois antídotos) dentro de
é limitada. Entretanto, quando esses recursos são esgotados, pode 8-16 horas após uma superdosagem de acetaminofeno protege as
prevalecer a via tóxica, resultando em toxicidade orgânica manifes- vítimas da heparoroxicidade fulminante e morte (ver Capo 59).
ta ou carcinogênese. O número de exemplos específicos dessa roxi-
cidade induzida por drogas está aumentando rapidamente. Um RELEVÂNCIA CLrNICA DO METABOLISMO
exemplo é a hepatoroxicidade induzida pelo acetaminofeno (para- DAS DROGAS
cetamol) (Fig. 4.4). Esse fármaco antipirético analgésico é muito
seguro em doses terapêuticas (1,2 g/dia para um adulro). Normal- A dose e a freqüência de administração necessárias para atingir ní-
mente, o aceraminofeno sofre glicuronidação e sulfatação aos con- veis sangüíneos e teciduais terapêuticos eficazes variam em diferen-
jugados correspondentes que, em seu conjunto, representam 95% tes pacientes, devido a diferenças individuais na distribuição e me-
dos metabóliros rotais excretados. A via alternariva de conjugação tabolismo e taxa de eliminação das drogas. Essas diferenças são de-
do glutation P450-dependente é responsável pelos 5% remanescen- terminadas por fatores genéticos e por variáveis não-genéticas, como
tes. Quando a ingestão de acetaminofeno ultrapassa as doses tera- idade, sexo, tamanho do fígado, função hepática, ritmo circadia-
pêuticas, as vias de glicuronidação e de sulfatação rornam-se satu- no, temperatura corporal e fatores nutricionais e ambientais, como
radas, e a via P450-dependente assume importância cada vez mai- exposição concomitante a indutores ou inibidores do metabolismo
or. Enquanro houver disponibilidade de glutation para conjugação, de drogas. A discussão a seguir fornece um resumo das variáveis mais
ocorre pouca ou nenhuma hepatoroxicidade. Entretanto, com o importantes.
decorrer do tempo, a depleção de glutation hepático roma-se mais
rápida do que a sua regeneração, e verifica-se o acúmulo de meta- Diferenças Individuais
bólito reativo e tóxico. Na·ausência de nucleófilos intracelulares,
como o glutation, esse metabólito reativo (Nacerilbenzoiminoqui- As diferenças individuais no metabolismo dependem da natureza
nona) reage com grupos nucleofílicos existentes nas proteínas celu- da própria droga. Assim, numa mesma população, os níveis plas-
lares, com conseqüente hepatotoxicidade (Fig. 4.4). máticos em estado de equilíbrio dinâmico podem refletir uma va-
48 / FARMACOLOGIA

Quadro 4.3 Reações de fase 11

Tipo de Transferase Tipos de


Conjugação Reagente Endógeno (Localização) Substratos Exemplos
~ •• ' •••• _ ••.•.•.•• 0_••••••••••••••••••••• 0_'_ •• _._u •••• _u •.••• _.••••••.••••••••••• _•• _ •••••••• _•••• _.u .••• _••••••••••••••••.••• _•••....••...••• ~ .••• _•••••••••••• ~._._ •• _._•.••••••.•.••••••.• _••••••• ~ ••• -. 'H_' '_o_'U •.•••.••••••• '_u, ••••••••••••••• ·•·••••• u •.•• -••••••••••••••••••.•.•.••.•••••••••••••••••• ,-.- •••.••••

Glicuronidação UDP-ácido glicurônico UDP-glicuronosil Fenóis, alcoóis, ácidos Nitrofenol, morfina,


transferase (microssomos) carboxílicos, acetaminofeno, diazepam,
hidroxilaminas, N-hidroxidapsona,
sulfonamidas sulfatiazol, meprobamato,
digitoxina, digoxina

Acetilação Acetil-CoA N-Acetiltransferase (citosol) Aminas Sulfonamidas, isoniazida,


c1onazepam, dapsona,
mescalina

Conjugação Glutation GSH-S-transferase (citosol, Epóxidos, arenóxidos, Acido etacrínico,


com glutation microssomos) grupos nitro, bromobenzeno
hidroxilaminas

Conjugação com Glicina Acil-CoA glicina- Derivados acil-CoA de Acido salicílico, ácido
glicina transferase (mitocôndrias) ácidos carboxílicos benzóico, ácido
nicotínico, ácido
cinãmico, ácido cólico,
ácido desoxicólico

Conjugação com Fosfoadenosil Sulfotransferase Fenóis, alcóois, aminas Estrona, anilina, fenol,
sulfato fosfossulfato (citosol) aromáticas 3-hidroxicumarina,
acetaminofeno, metildopa

Metilação S-adenosil metionina Transmetilases (citosol) Catecolaminas, fenóis, Dopamina, epinefrina,


aminas piridina, histamina, tiouracil

Conjugação com Agua Epóxido hidrolase Arenóxidos, oxiranos Benzopireno 7,8-epóxido,


água (microssomos) cis-dissubstituídos e estireno l,2-óxido,
monossubstituídos carbamazepina epóxido

(citosol) Alquenóxidos, epóxidos de Leucotrieno A4


ácidos graxos

riação de 30 vezes no metabolismo de uma droga e uma variação Dentre as diversas variações genéticas reconhecidas de polimor-
de apenas duas vezes no metabolismo de outra. fismos do metabolismo de drogas, três foram particularmente bem
caracterizadas e proporcionaram algum esclarecimento sobre os
Fatores Genéticos possíveis mecanismos subjacentes. O primeiro tipo é o polimorfis-
mo da oxidação da debrisoquina-esparteína, que ocorre aparente-
Os fatores genéticos que influenciam os níveis enzimáticos são res- mente em 3-10% dos indivíduos brancos, sendo herdado como
ponsáveis por algumas dessas diferenças. Por exemplo, nos indi-
víduos com defeitos geneticamente determinados da pseudocoli-
nesterase, a succinilcolina é metabolizada apenas com metade da Ac-glicuronídio I( Ac ~ Ac-sulfato
rapidez com que é metabolizada nos indivíduos cuja enzima é fun-
cionalmente normal. São observadas diferenças farmacogenéticas Citocromo P450
análogas na acetilação da isoniazida (Fig. 4.5) e na hidroxilação
da varfarina. O defeito nos acetiladores lentos (da isoniazida e
aminas semelhantes) parece ser causado pela síntese de menores Composto eletrofílíco
reativo
quantidades da enzima, e não por uma forma anormal da própria
(Ac')
enzima. O fenótipo do acetilador lento, que é herdado como ca-
f \
ráter autossômico recessivo, ocorre em cerca de 50% dos indiví- I \
I
GSH Macromoléculas
duos negros e brancos nos Estados Unidos, mais freqüentemente
em europeus que vivem em altas altitudes ao norte e, com freqüên-
\
\celulares (proteínas)

Gs-Ac' Ac'-proteína
cia muito menor, em asiáticos e inuits (esquimós). De forma se-
melhante, foram relatados defeitos geneticamente determinados \
no metabolismo oxidativo da debrisoquina, fenacetina, guanoxa-
no, esparteína, fenformina, varfarina e outras drogas (Quadro 4.4) . .,.
\
Ac-mercaptopurina Morte das células hepáticas
Os defeitos são, aparentemente, transmitidos como caráter autos-
sômico recessivo e podem ser expressos em qualquer uma das Fig. 4.4 Metabolismo do acetaminofeno (Ac) a metabólitos hepa-
múltiplas transformações metabólicas que uma substância química totóxicos (GSH, glutation; GS, grupo glutation; Ac*, intermediário
deve sofrer. reativo.)
BIOTRANSFORMAÇÃO DAS DROGAS / 49

E
.;;
"O
~:J 25 em série. Esse genótipo é mais comum em etÍopes e árabe-sauditas
~~
Q) 15
Q) 20 O 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12
Concentração de isoniazida (J.L.gImL) - populações que apresentam o genótipo em até um terço dos
indivíduos. Em conseqüência, esses indivíduos necessitam de do-

1':[IIIIIIII'IIIIIIIIIIIMI.
u: I I I I , I I
ses diárias de nortriptilina (um substrato 2D6) duas a três vezes
maiores para atingir níveis plasmáticos terapêuticos. Por outro lado,
nessas populações com metabolismo ultra-rápido, a pró-droga co-
deína (outro substrato 2D6) é metabolizada muito mais rapidamen-
te do que a morfina, resultando, com freqüência, em efeitos colate-
rais indesejáveis da morfina, como dor abdominal intensa.
Um segundo polimorfismo genético de drogas bem estudado
envolve a (4)-hidroxilação aromática estereosseletiva do anticon-
vulsivante mefenitoína, catalisada pela CYP2C19. Esse polimor-
Fig. 4.5 Polimorfismo genético no metabolismo de drogas. O grá- fismo, que também é herdado como caráter autossômico recessi-
fico mostra a distribuição das concentrações plasmáticas de isonia- vo, é observado em 3-5% dos caucasianos e em 18-23% das po-
zida em 267 indivíduos dentro de 6 horas após uma dose oral de pulações japonesas. É geneticamente independente do polimor-
9,8 mg/kg. Essa distribuição é claramente bimodal. Os indivíduos fismo da debrisoquina-esparteina. Nos "metabolizadores exten-
com concentração plasmática superior a 2,5 mg/mL dentro de 6 sos" normais, a (5)-mefenitoína é extensamente hidroxilada pela
horas são considerados acetiladores lentos. (Redesenhado, com per- CYP2C 19 na posição 4 do anel fenil, antes de sua glicuronidação
missão, de Evans DAP, Manley KA, McKusick VA: Genetic control of isoniazid
metabolism in mano Br Med J 1960;2:485.) e rápida excreção na urina, enquanto a (R)-mefeniroína sofre N-
desmetilação lenta a nirvanol, um metabólito ativo. Todavia, os
"metabolizadores deficientes" parecem ser totalmente desprovi-
dos da atividade da (5)-mefenitoína hidroxilase estereoespecífica,
caráter autossômico recessivo. Nos indivíduos afetados, verifica-se de modo que ambos os enantiômeros (5)- e (R)-mefenitoína são
um comprometimento nas oxidações CYP2D6-dependentes da N-desmetilados a nirvanol, que se acumula em concentrações
debrisoquina e de outras drogas (ver Quadro 4.2). Esses defeitos muito maiores. Por conseguinte, os metabolizadores deficientes
no metabolismo oxidativo de drogas são provavelmente co-herda- da mefenitoína apresentam sinais de sedação profunda e ataxia
dos. A base molecular exata do defeito parece consistir na expres- após doses do fármaco que são bem toleradas pelos metaboliza-
são deficiente da proteína do P450, resultando em pouco ou ne- dores normais. A base molecular desse defeito reside na mutação
nhum metabolismo de drogas catalisadas pela isoforma. Todavia, de um único par de bases no exon 5 do gene CYP2C19, que cria
mais recentemente, foi relatado outro genótipo polimórfico, que um sÍtio de junção aberrante, uma estrutura de leitura correspon-
resulta em metabolismo ultra-rápido de drogas importantes, devi- dentemente alterada do mRNA e, por fim, uma proteína não-
do à presença de variantes alélicas 2D6 com até 13 cópias gênicas funcional truncada. É clinicamente importante reconhecer que a

Quadro 4.4 Alguns exemplos de polimorfismos genéticos no metabolismo de drogas

,.-
Defeito
-- - Droga e Uso Terapêutico Conseqüências. Clínicas' .

Oxidação Bufuralol (bloqueador dos receptores 13-adrenérgicos) Exacerbação do bloqueio 13.náusea

Oxidação Codeína (analgésico)' Redução da analgesia

Oxidação Debrisoquina (anti-hipertensivo) Hipotensão ortostática


...................
N-Desmetilação Etanol Rubor facial, sintomas cardiovasculares
....................... ,

Oxidação Etanol Rubor facial. sintomas cardiovasculares

N-Acetilação Hidralazina (anti-hipertensiva) Síndrome semelhante ao lúpus eritematoso

N-Acetilação Isoniazida (tuberculostática) Neuropatia periférica

Oxidação Mefenitoína (agente antiepiléptico) Toxicidade por superdosagem

Tiopurina metiltransferase Mercaptopurinas (antileucêmicas) Mielotoxicidade

Oxidação Nicotina (estimulante) Dependência menor

Oxidação Nortriptilina (antidepressivo) Toxicidade


........... , .

O-Desmetilação Omeprazol (antiúlcera) Aumento da eficácia terapêutica

Oxidação Esparteína Sintomas oxitócicos


..................
Hidrólise de éster Succinilcolina (bloqueador neuromuscular) Apnéia prolongada

Oxidação S-varfarina (anticoagulante) Sangramento

Oxidação Tolbutamida (hipoglicemiante) Cardiotoxicidade

'Observadasou previsíveis.
'Pró-droga.
50 / FARMACOLOGIA

segurança de um fármaco pode ser notavelmente reduzida em tos. Essas diferenças dificultam a determinação das doses eficazes e
indivíduos que são metabolizadores deficientes. seguras de fármacos que apresentam índices terapêuticos estreitos.
O terceiro polimorfismo genético recém-caracterizado é da
CYF2C9. Existem duas variantes bem caracterizadas dessa enzima, Idade e Sexo
cada uma com mutações de aminoácidos que resultam em altera-
ção do metabolismo: o alelo CYF2C9*2 codifica uma mutação Foi relatada uma suscetibilidade aumentada à atividade farmacoló-
Argl44Cys, apresentando interações funcionais alteradas com a gica ou tóxica das drogas em pacientes muito jovens e muito ido-
P450 redutase. A outra variante alélica, CYF2C9*3, codifica uma sos, em comparação com adultos jovens (ver os Caps. 60 e 61).
enzima com uma mutação Ile359Leu, apresentando afinidade re- Embora isso possa refletir diferenças na absorção, distribuição e
duzida por muitos substratos. Por conseguinte, os indivíduos que eliminação, as diferenças no metabolismo das drogas também po-
exibem o fenótipo CYF2C9*3 apresentam acentuada redução da dem desempenhar um papel. O metabolismo mais lento pode ser
tolerância ao amicoagulante varfarina. A depuração da varfarina nos devido a uma redução da atividade das enzimas metabólicas ou a
indivíduos homozigotos para CYF2C9*3 é de apenas IO% dos va- uma menor disponibilidade de co-fatores endógenos essenciais.
lores normais, e esses indivíduos podem tolerar doses diárias muito As variações no metabolismo de drogas associadas ao sexo fo-
menores do fármaco do que aqueles que são homozigotos para o ram bem documentadas em ratos, mas não em outros roedores. Os
alelo normal de tipo selvagem. Esses indivíduos também correm ratos machos adultos jovens metabolizam drogas com muito mais
risco muito maior de apresentar efeitos adversos com a varfarina (por rapidez do que as fêmeas maduras ou os ratos machos pré-pube-
exemplo, sangramento) e com outros substratos da CYF2C9, como rais. Essas diferenças no metabolismo de drogas foram claramente
fenitoína, losartan, tolbutamida e alguns AINE. associadas a hormônios androgênicos. Alguns relatos clínicos suge-
Foram também identificadas variantes alélicas de CYF3A4, po- rem que, nos seres humanos, existem também diferenças semelhan-
rém a sua contribuição para a variabilidade interpessoal bem co- tes dependentes do sexo no metabolismo de drogas, como, por
nhecida no metabolismo de drogas é aparentemente limitada. Por exemplo, para o etanol, o propranolol, alguns benzodiazepínicos,
outro lado, a expressão da CYF3A5, outra isoforma do fígado hu- os estrogênios e salicilatos.
mano, é acentuadamente polimórfica, variando de O a IOO% do
conteúdo hepático total de CYF3A. Hoje em dia, sabe-se que esse Interações entre Drogas Durante o
polimorfismo de proteína CYF3A5 resulta de um polimorfismo Metabolismo
de um único nucleotídio (SNIP, single nucleotide polymorphism)
dentro do íntron 3, que permite transcrições de CYF3A5 de fun- Muitos subsrratos, em virtude de sua lipofilicidade relativamente
ção normal em 5% dos caucasianos, 29% dos japoneses, 27% dos alta, são retidos não apenas no local ativo da enzima, como tam-
chineses, 30% dos coreanos e 73% dos afro-americanos. Por con- bém permanecem ligados inespecificamente à membrana lipídica
seguinte, pode contribuir significativamente para as diferenças do retículo endoplasmático. Nesse estado, podem induzir as enzi-
interpessoais no metabolismo de substratos preferenciais da mas microssômicas; dependendo dos níveis residuais da droga no
CYP3A5, como o midazolam. local ativo, podem inibir também competitivamente o metabolis-
Estão sendo descobertos outros polimorfismos genéticos no me- mo de uma droga administrada simultaneamente.
tabolismo de drogas, que são herdados independentemente daqueles As drogas indutoras de enzimas incluem diversos sedativo-hip-
já descritos. Os estudos do metabolismo da teofilina em gêmeos nóticos, tranqüilizantes, anticonvulsivantes e inseticidas (Quadro
monozigóticos e dizigóticos, incluindo a análise do heredograma de 4.5). Os pacientes que ingerem rotineiramente barbitúricos, outros
várias famílias, revelaram a possível existência de um polimorfismo sedativo-hipnóticos e tranqüilizantes podem necessitar de doses
distinto para essa droga, que pode ser herdado como caráter genético consideravelmente maiores de varfarina (um anticoagulante oral)
recessivo. Parece haver também polimorfismos genéticos do meta- para manter um tempo de protrombina prolongado. Por outro lado,
bolismo de drogas para as oxidações da aminopirina e carbocisteína. a suspensão do sedativo pode resultar em diminuição do metabo-
Pode-se ter acesso a informacões regularmente atualizadas sobre os lismo .do anticoagulante e sangramento - um efeito tóxico dos
polimorfismos P450 humanos em www.imm.ki.se/CYFalleles/. níveis plasmáticos aumentados do anticoagulante. Foram observa-
Embora os polimorfismos genéticos nas oxidações de drogas fre- das interações semelhantes em indivíduos que receberam vários
qüentemente envolvam enzimas específicas do P450, essas variações esquemas de combinação, como antipsicóticos ou sedativos com agen-
genéticas podem ocorrer em outros locais. As descrições recentes tes anticoncepcionais, sedativos com agentes anticonvulsivantes e até
de um polimorfismo na oxidação da trimetilamina, que se acredita mesmo álcool com agentes hipoglicemiantes (tolbutamida).
seja metabolizada, em grande parte, pela flavina monooxigenase (en- Além disso, é preciso assinalar que o indutor pode aumentar não
zima de Ziegler), sugerem que as variantes genéticas de outras enzi- apenas o metabolismo de outras drogas, como também o seu pró-
mas oxidativas não-P450-dependentes também podem contribuir prio metabolismo. Por conseguinte, o uso contínuo de algumas
para esses polimorfismos. drogas pode levar a um tipo farmacocinético de tolerância - eficá-
cia progressivamente reduzida, devido a um aumento do próprio
Dieta e Fatores Ambientais metabolismo.
Por outro lado, a administração simultânea de duas ou mais
A dieta e os fatores ambientais também contribuem para variações drogas pode levar a uma redução na eliminação da droga metabo-
individuais observadas no metabolismo de drogas. Sabe-se que os lizada mais lentamente e a um prolongamento ou potencialização
alimentos grelhados com carvão e os vegetais crucíferos induzem as de seus efeitos farmacológicos (Quadro 4.6). Tanto a inibição com-
enzimas CYF IA, enquanto o suco de grapefruit inibe o metabolis- petitiva do substrato quanto a inativação enzimática irreversível
mo de substratos de drogas co-administradas pela CYF3A. Os fu- mediada pelo substrato podem aumentar os níveis plasmáticos de
mantes metabolizam algumas drogas mais rapidamente do que os drogas e resultar em efeitos tóxicos com drogas que apresentam
não-fumantes, devido à indução enzimática (ver anteriormente). Os índices terapêuticos estreitos. De forma semelhante, o alopurinol
operários de indústrias expostos a alguns pesticidas metabolizam prolonga a duração e aumenta a ação quimioterápica da mercapto-
certas drogas mais rapidamente do que os indivíduos não-expos- purina através da inibição competitiva da xantina-oxidase. Assim,
BIOTRANSFORMAÇÃO DAS DROGAS / 51

Quadro 4.5 Lista parcial de drogas que aumentam o algumas drogas. Entre essas doenças estão a hepatite alcoólica, a
metabolismo de outras drogas nos seres humanos cirrose alcoólica ativa ou inativa, a hemocromatose, a hepatite crô-
nica ativa, a cirrose biliar e a hepatite viral aguda ou induzida por
Droga cujo Metabolismo
Indutor É Aumentado
drogas. Dependendo de sua gravidade, essas-condições podem com-
prometer significativamente as enzimas hepáticas envolvidas no
Benzo[a]pireno Teofilina metabolismo de drogas, particularmente as oxidases microssômicas,
............. , .
afetando acentuadamente a eliminação das drogas. Por exemplo, as
Clorciclizina Hormônios esteróides
meias-vidas do clordiazepóxido e do diazepam em pacientes com
Etclorvinol Varfarina cirrose hepática ou hepatite viral aguda estão acentuadamente au-
Glutetimida mentadas, com prolongamento correspondente de seus efeitos. Em
Antipirina, glutetimida, varfarina
conseqüência, esses fármacos podem causar coma em pacientes com
Griseofulvina Varfarina hepatopatia, quando administrados nas doses habituais.
Fenobarbital e outros barbitúricos' Barbitúricos, c1oranfenicol, Algumas drogas são metabolizadas tão rapidamente que até
clorpromazina, cortisol, mesmo a presença de acentuada redução da função hepática não
anticoagulantes cumarínicos, prolonga significativamente a sua ação. Entretanto, a cardiopatia,
desmetilimipramina, digitoxina, ao limitar o fluxo sangüíneo para o fígado, pode comprometer o
doxorrubicina, estradiol,
fenilbutazona, fenitoína, quinina, processamento das drogas cujo metabolismo é limitado pelo fluxo
testosterona (Quadro 4.7). Essas drogas são metabolizadas tão rapidamente pelo
fígado que a depuração hepática é praticamente igual ao fluxo san-
Fenilbutazona Aminopirina, cortisol, digitoxina
............................•..............•••.........••..•.................................... güíneo hepático. A doença pulmonar também pode afetar o meta-
Fenitoína Cortisol, dexametasona, digitoxina, bolismo de drogas, conforme indicado pela hidrólise reduzida da
teofilina
procainamida e da procaína em pacientes com insuficiência respi-
Rifampicina Anticoagulantes cumarínicos, ratória crônica, bem como pelo aumento da meia-vida da antipirina
digitoxina, glicocorticóides, em pacientes com câncer de pulmão. O comprometimento da ati-
metadona, metoprolol, vidade enzimática ou a formação deficiente de enzimas associadas
anticoncepcionais orais,
ao envenenamento por metais pesados ou porfiria também resul-
prednisona, propranolol,
quinidina tam em diminuição do metabolismo hepático de drogas.
'O secobarbitalé uma exceção.Vero Quadro4.6 e o texto. Embora os efeitos da disfunção endócrina sobre o metabolismo
de drogas tenham sido bem explorados em modelos animais expe-
rimentais, os dados correspondentes para seres humanos com dis-
para evitar a toxicidade da medula óssea, a dose de mercaptopurina
é habitualmente reduzida em pacientes em uso de alopurinol. Foi
constatado que a cimetidina, um fármaco utilizado no tratamento Quadro 4.6 Lista parcial de drogas que inibem o
da úlcera péptica, potencializa as ações farmacológicas de anticoa- metabolismo de outras drogas em seres humanos
gulantes e sedativos. Verificou-se que o metabolismo do sedativo
clordiazepóxido é inibido em 63% após dose única de cimetidina; Droga cujo Metabolismo
Inibidor É Inibido
esses efeitos são revertidos dentro de 48 horas após a suspensão da
cimetidina.
Alopurinol, cloranfenicol, Antipirina, dicumarol, probenecida,
Além disso, pode ocorrer comprometimento do metabolismo isoniazida tolbutamida
quando uma droga administrada simultaneamente inativa de modo
Cimetidina Clordiazepóxido, diazepam, varfarina,
irreversível uma enzima de metabolismo comum. Esses inibidores,
outros fármacos
no decorrer de seu metabolismo pelo citocromo P450, inativam a
enzima e provocam comprometimento de seu próprio metabolis- Dicumarol Fenitoína
mo, bem como de outros co-substratos. Dietilpentenamida Dietilpentenamida
Dissulfiram Antipirina, etanol, fenitoína, varfarina
Interações entre Drogas e Compostos
Endógenos Etanol Clordiazepóxido (7), diazepam (1),
metanol
Diversas drogas necessitam de conjugação com substratos endóge- Suco de grapefruit' Alprazolam, atorvastatina, cisaprida,
nos, como o glutation, o ácido glicurônico e o sulfato, para a sua ciclosporina, midazolam, triazolam
inativação. Em conseqüência, diferentes drogas podem competir Cetoconazol Ciclosporina, astemizol, terfenadina
pelos mesmos substratos endógenos, e a droga de reação mais rápi-
da pode, efetivamente, produzir depleção dos níveis do substrato Nortriptilina Antipirina
endógeno e comprometer o metabolismo da droga de reação mais Anticoncepcionais orais Antipirina
lenta. Se esta última apresentar acentuada curva de dose-resposta
ou uma estreita margem de segurança, pode ocorrer potencializa- Fenilbutazona Fenitoína, tolbutamida
ção de seus efeitos farmacológicos e tóxicos. Secobarbital Secobarbital

Troleandomicina Teofilina, metilprednisolona


Doenças que Afetam o Metabolismo de
'Oscomponentesativosnosucode grapefruit incluemfuranocumarinicos,
comoa 6' ,7'-
Drogas diidroxibergamotina(que sabemosinativara CYP3A4tanto intestinalquanto hepáti-
ca).bem comooutros componentesdesconhecidos,que inibemo efluxointestinalde
As doenças agudas ou crônicas que afetam a arquitetura ou a fun- drogas mediadopela P-glicoproteínae, conseqüentemente,aumentam ainda maisa
ção do fígado alteram acentuadamente o metabolismo hepático de biodisponibilidadede certosfármacos,como a ciclosporina.
52 / FARMACOLOGIA

Quadro 4.7 Drogas rapidamente metabolizadas, cuja Gonzalez F: The molecular biology of cytochrome P450s. Pharma-
col Rev 1989;40:243.
depuração hepática é limitada pelo fluxo sangüíneo
Guengerich FP: Human cytochrome P450 enzymes. In: Ortiz de
Alprenolol Lidocaína Montellano P (ediror). Cytochrom, P450: Srructur(, Muha-
Amitriptilina Meperidina nism and Biochtmistry, 2nd ed. Plenum Press, 1995.
Clometiazol Morfina Guengerich FP: Role of cytochrome P450 enzymes in drug-drug
Desipramina Pentazocina interactions. Adv PharmacoI1997;43:7.
Imipramina Propoxifeno Guengerich FP: Cyrochrome P-450 3A4: Regulation and role in
Isoniazida Propranolol drug merabolism. Annu Rev Pharmacol Toxicol 1999;39: 1.
Labetalol Verapamil Ingelman-Sundberg M: Pharmacogenetics: an opporruniry for a
safer and more efficient pharmacotherapy. J lutem Med
2001 ;250: 186.
Jenner P,Testa B (editors): Conaprs in Drug Mnabolism. Part B of:
DrugJ and th, Pharmaautical Scima S.rÚJ, vol 10. Marcel
túrbios endócrinos são escassos. A disfunção da tireóide tem sido Dekker, 1981.
associada a uma alteração do metabolismo de algumas drogas e de Kroemer HK. Klorz U: Glucuronidation of drugs: A reevaluation of
alguns composros endógenos também. O hipotireoidismo aumen- me pharmacologica! significance of me conjugates and modu-
ta a meia-vida da antipirina, da digoxina, do metimazol e do lating factors. Clin Pharmacokinet 1992;23:292.
pracrolol, enquanro o hipertireoidismo exerce o efeiro oposro. Al- Meyer UA: Pharmacogenetics and adverse drug reactions. Lancet
2000;356:1667.
guns estudos clínicos em pacientes diabéticos não indicam nenhum
comprometimenro aparente no metabolismo de drogas, embora se Miller LG: Recent developments in the study of me effeccs of ciga-
rerre smoking on clinica! pharmacokinetics and clinica! phar-
tenha observado a ocorrência de comprometimento em raros dia- macodynamics. Clin Pharmacokinet 1989;17:90.
béticos. As disfunções da hipófise, do córtex supra-renal e das gô- Murray M: P450 enzymes: Inhibition mechanisms, genetic regula-
nadas comprometem acentuadamente o metabolismo hepático de tion, and effects of liver disease. Clin Pharmacokinet
drogas em raros. Com base nesses achados, pode-se supor que esses 1992;23: 132.
distúrbios poderiam afetar significativamente o metabolismo de Nelson DR et ai: The P450 superfamily: Update on new sequences.
drogas nos seres humanos. Todavia, até que sejam obtidas evidên- gene mapping. accession numbers. and nomenclature. Phar-
cias suficientes a partir de escudos clínicos realizados em pacientes, macogenetics 1996;6: 1.
Nelson DR et ai: Updared human P450 sequences available at
essas extrapolações devem ser consideradas experimentais.
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Ortiz de Montellano PR. Correia MA: Inhibition of cytochrome
REFERÊNCIAS P450 enzymes. In: Ocriz de Montellano P (editor).
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pharmacokinetics of propranolol. J Pharmacol Exp Ther
1992;261:1181.
Avaliacão
I Básica e Clínica
de Novas Drogas
Barry A. Berkowitz, PhD*

o desenvolvimento de novas drogas revolucionou a prática da dólares em 2001. Além disso, foi calculado que, durante a segunda
medicina, transformando muitas doenças outrora fatais ou debili- metade do século 20, as medicações produzidas pela indústria far-
tantes num exercício terapêutico quase rotineiro. Por exemplo, as macêutica salvaram mais de 1,5 milhão de vidas e economizaram
mortes por doença cardiovascular e acidente vascular cerebral di- 140 bilhões de dólares nos custos de tratamento para tuberculose,
minuíram em mais de 50% nos Estados Unidos no decorrer dos poliomielite, coronariopatia e doença vascular cerebral apenas. Nos
últimos 30 anos. Esse declínio deve-se - em parte - à descoberta e Estados Unidos, cerca de 10% da disponibilidade para a assistên-
ao uso disseminado de agentes anti-hipertensivos, inibidores da cia à saúde são atualmente gastos em fármacos adquiridos com pres-
síntese do colesterol e fármacos capazes de dissolver os coágulos crição médica.
sangüíneos ou impedir a sua formação. O processo de descoberta e
desenvolvimento de drogas foi enormemente influenciado pelo DESCOBERTA DE DROGAS
investimento em novas tecnologias e pelo apoio dos governos às
pesquisas médicas. As novas drogas candidatas são lançadas, em sua maioria, através
Na maioria dos países, a avaliação de agentes terapêuticos é atu- de uma ou mais das cinco abordagens seguidas:
almente regulada pela legislação e rigorosamente monitorizada por
repartições governamentais. Este capítulo fornece um resumo do 1. Identificação e elucidação de um novo alvo para a droga;
processo pelo qual novos fármacos são descobertos, desenvolvidos 2. Planejamento racional da droga, com base no conhecimento dos
e regulados. Apesar de os exemplos fornecidos refletirem a experi- mecanismos biológicos, estrutura dos receptores da droga e es-
ência dos Estados Unidos, o caminho para o desenvolvimento de trutura da droga;
novos fármacos é geralmente o mesmo em todo o mundo. 3. Modificação química de uma molécula conhecida;
Uma das primeiras etapas no desenvolvimento de uma nova 4. Triagem de grande número de produtos naturais à procura de
droga é a descoberta ou síntese de uma molécula de nova droga atividade biológica; bancos de entidades químicas previamente
em potencial e a sua correlação com um alvo biológico apropria- descobertas; e grandes bancos de peptídios, ácidos nucleicos e
do. A aplicação repetida dessa abordagem leva ao desenvolvimento outras moléculas orgânicas;
de compostos com maior potência e seletividade (Fig. 5.1). Por 5. Biotecnologia e clonagem utilizando genes para produzir peptí-
lei, a segurança e a eficácia dos fármacos devem ser definidas an- dios e proteínas maiores. Além disso, a automatização, a minia-
tes de sua comercialização. Além dos estudos in vitro, os efeitos turização e a informática facilitaram o processo conhecido como
biológicos da molécula devem ser caracterizados, em sua maio- "triagem direta de alta conclusão", que permite milhões de en-
ria, em animais antes que possam ser iniciados estudos clínicos saios por mês.
da droga em seres humanos. A seguir, a avaliação nos seres hu-
Uma grande atenção está sendo atualmente dedicada à desco-
manos é efetuada em três fases convencionais para que o fármaco
berta de alvos totalmente novos para a farmacoterapia. Esses alvos
possa ser submetido à aprovação para uso geral. Segue-se uma
estão aparecendo a partir de estudos de genômica, proteômica e
quarta fase de coleta de dados e monitorização da segurança após
farmacologia molecular, e espera-se que possam aumentar em 10
aprovação para uso geral.
vezes o número de alvos biológicos ou mórbidos úteis, constituin-
A pesquisa e o desenvolvimento bem-sucedido de uma nova
do, assim, um impulso positivo para drogas novas e aprimoradas.
droga envolve custos enormes, da ordem de 150 a mais de 800
milhões de dólares. Milhares de compostos podem ser sintetizados
e centenas de milhares testados a partir de bancos já existentes de Triagem de Drogas
compostos para cada nova droga bem-sucedida que chega ao mer-
cado. É principalmente devido ao investimento econômico e aos Independentemente da origem ou da idéia-chave que leva a uma
riscos envolvidos, bem como a necessidade de múltiplas tecnologi- molécula candidata a droga, os testes efetuados envolvem uma se-
as interdisciplinares, que as drogas novas são desenvolvidas, em sua qüência de experimentos e caracterização, denominada triagem
maioria, nos laboratórios das companhias farmacêuticas. Ao mes- de drogas. São utilizados diversos ensaios biológicos em nível mo-
mo tempo, os incentivos ao êxito no desenvolvimento de fármacos lecular, celular, orgânico e de animais integrais para definir a ati-
são igualmente enormes. O mercado mundial de compostos far- vidade e a seletividade da droga. O tipo e o número de testes ini-
macêuticos éticos (com prescrição) foi da ordem de 364 bilhões de ciais de triagem dependem do objetivo farmacológico. Em geral,
os fármacos antiinfecciosos são testados inicialmente contra uma
variedade de microrganismos infecciosos, enquanto os fármacos
*Agradecimentos: Agradeço ao Wallace Oairman pelos comentários, bem como a hipoglicemiantes são testados na sua capacidade de reduzir o ní-
Kevin Abbey e Sema Ashkouri pela sua pesquisa e auxílio administrativo. vel de glicemia etc. Além disso, a molécula também será estudada
54 / FARMACOLOGIA

Estudos Testes em Testes


in vitro animais clínicos Comercialização

Fase 1 (A droga é segura,


Disponi-
Produtos farmacocinética?) bilidade de
biológicos genéricos
Fase 2 (A droga atua
em pacientes?)
1 Eficácia
Fase 3
Composto líder Seletividade
Mecanismo (A droga atua
em duplo-cego?) Fase 4

r (Vigilância após
Síntese
comercialização)
química
Metabolismo da droga, avaliaçâo da segurança

o 2 4 8-9 20
Anos (média) IND NDA (Expiraçâo da
(Investigatíonal (NewDrug patente 20 anos
New Drug, Nova Droga Application, após requerimento)
Investigacional) Requerimento de
Novas Drogas)

Fig. 5.1 O processo de desenvolvimento e testes necessários para levar uma droga ao mercado nos Estados Unidos. Algumas das exigên-
cias podem ser diferentes para drogas utilizadas em doenças potencialmente fatais.

à procura de uma ampla variedade de outras ações, a fim de esta- narmais. No casa da droga anti-hipertensivahipatética, animais com
belecer a mecanismo. de ação. e a seletividade da droga. Isso. tem a hipertensão. seriam então. tratadas para verificar a acarrência de re-
vantagem de demonstrar efeitas tóxicas insuspeitados e, em cer- dução. da pressão. arterial e caracterizar autros efeitos do campasta.
tas acasiões, revelar uma ação. terapêutica não. prevista anteriar- Seriam abtidas evidências sabre a duração. de ação. e a eficácia da
mente. A seleção. de maléculas para estuda adicianal é efetuada droga apó~ administração. aral e parenteral. Se a fármaca tivesse
cam mais eficiência em ma delas animais de daenças humanas. alguma atividade útil, seria estudada de moda mais parmenoriza-
Onde existem bans madelas preditivas (por exemplo., hiperten- do. à pracura de passíveis efeitos adversas sabre autros sistemas de
são. au doença trambótica), temas geralmente fármacas adequa- órgãas impartantes, incluindo. as sistemas respiratório, gastrintes-
das. A ausência de baas drogas é evidente para daenças cujas .tinal, endócrina e nervosa central.
modelas são. deficiêntes au ainda não dispaníveis, cama, par exem- Esses estudos podem sugerir a necessidade de madificações quí-
plo., a daença de Alzheimer.' micas adicianais para obter propriedades farmacocinéticas au far-
Alguns dos estudas realizados durante a triagem de dragas estão macodinâmicas mais desejáveis. Por exemplo., as estudos de admi-
relacianadas na Quadra 5.1 e definem a perfil farmacológico da nistração. aral padem revelar se a droga é pauca absorvida au rapi-
draga. Par exemplo., uma droga desenvalvida para atuar cama an- damente metabalizada na fígado.; pade-se indicar a necessidade de
taganista das receptores a-adrenérgicas vasculares para a tratamento. madificaçãa para melharar a biadisponibilidade. Se hauver neces-
da hipertensão deve ser submetida a uma ampla variedade de tes- sidade de administrar a droga a langa prazo., deve-se proceder a uma
tes. Em nível malecular, a campasto seria avaliada quanta a sua avaliação. da desenvalvimenta de tolerância. Para campastos rela-
afinidade de ligação. a receptores nas membranas celulares canten- cianadas a drogas que recanhecidamente causam dependência quí-
da receptores a, receptores humanas passivelmente clanadas, au- mica, deve-se estudar também a patencial de abusa. Par fim, para
tras receptores e sítias de ligação. em enzimas. Os estudas prelimi- cada ação. impartante, é precisa investigar um mecanismo. farma-
nares seriam efetuados com enzimas do citocroma P450 do fígado. cológico.
para determinar se a malécula em questão. pade ser um substrato O resultada desse pracedimento (que pode ter de ser repetida
ou inibida r dessas enzimas. várias vezes cam variantes das maléculas originais) é denaminada
Os efeitos sabre a função. celular seriam estudadas para deter- composta líder, isto é, um candidato líder a uma nava droga bem-
minar a eficácia do campasto. Seriam obtidas evidências quanto ao sucedida. Pade-se requerer então uma patente para um navo cam-
fato de a droga ser um aganista, aganista parcial au antaganista das posto (campasiçãa de patente de substâncias) que seja eficaz au para
receptores a. Seriam utilizadas tecidas isaladas para caracterizar a um nava usa terapêutica nãa-óbvia (patente de usa) de uma enti-
atividade farmacalógica e a seletividade da nava compasto em cam- dade química previamente canhecida.
paraçãa com campastos de referência. A camparaçãa cam autras Os avanças na bialagia malecular e na biatecnalagia introdu-
drogas também seria efetuada em autras preparações in vitro, cama ziram navas abardagens e navos problemas no pracessa de desen-
músculo. lisa gastrintestinal e brônquica. Em cada etapa desse pro- valvimento de drogas. As navas infarmações acerca das estrutu-
cessa, o campasto teria de preencher critérias de desempenho es- ras das alvos das drogas, como os receptores, estão permitindo um
pecíficas para seguir adiante. planejamento. mais racianal de drogas. O maiar canhecimento dos
Em geral, é necessária realizar estudas integrais em animais para processos de segundos mensageiras está revelando a existência de
estabelecer a efeito da droga sabre as sistemas de órgãas e madelas receptores desses segundas mensageiros coma nava classe de al-
de daença. Os estudos da função cardiavascular e renal para todas vos para drogas. A inserção das genes para proteínas ou peptídios
as navas drogas são. as primeiros a serem realizadas em animais ativas em bactérias, leveduras au células de mamíferos permite a
AVALIAÇÃO BÁSICA E CLíNICA DE NOVAS DROGAS / 55

Quadro 5.1 Testes de perfil farmacológico

Método Experimental ou Vias de


Órgão-alvo Espécie ou Tecido Administração Medida
Molecular
Ligação a receptores (exemplo: Frações de membrana celular In vitro Afinidade pelo receptor e seletividade
receptores ~-adrenérgicos) de órgãos ou células em cultura;
receptores clonados

Atividade enzimática (exemplos: Nervos simpáticos, glândulas In vitro Inibição enzimática e seletividade
tirosina hidroxilase, dopamina supra-renais; enzimas purificadas
3-hidroxilase, monoamina oxidase)
(itocromo P450 Fígado In vitro Inibição enzimática; efeitos sobre o
metabolismo de drogas

Celular
Função celular Células em cultura In vitro Evidências de atividade dos receptores
- agonismo ou antagonismo
(exemplo: efeitos sobre nucleotídios
cíclicos)

Tecido isolado Vasos sangüíneos, coração, pulmão, In vitro Efeitos sobre a contração e o
í1eo(rato ou cobaia) relaxamento vasculares; seletividade
para receptores vasculares; efeitos
sobre outros músculos lisos

Sistema/modelos de doença
Pressão arterial Cão, gato (anestesiado) Parenteral Alterações sistólicas-diastólicas

Rato hipertenso (consciente) Oral Efeitos anti-hipertensivos

Efeitos cardíacos Cão (consciente) Oral Eletrocardiografia

Cão (anestesiado) Parenteral Efeitos inotrópicos, cronotrópicos,


débito cardíaco, resistência periférica
total

Sistema nervoso autõnomo periférico Cão (anestesiado) Parenteral Efeitos sobre a resposta a drogas
conhecidas e estimulação elétrica de
nervos autônomos centrais e
periféricos

Efeitos respiratórios Cão, cobaia Parenteral Efeitos sobre a freqüência e amplitude


respiratórias, tônus brônquico
Atividade diurética Cão Oral, parenteral Natriurese, caliurese, diurese aquosa,
fluxo sangüíneo renal, taxa de
filtração glomerular

Efeitos gastrintestinais Rato Oral Motilidade e secreções gastrintestinals

Hormõnios circulantes, colesterol, Rato, cão Parenteral, oral Concentração sérica


glicemia
Coagulação sangüínea Coelho Oral Tempo de coagulação, retração do
coágulo, tempo de protrombina
Sistema nervoso central Camundongo, rato Parenteral, oral Grau de sedação, relaxamento
muscular, atividade locomotora,
estimulação

preparação de grandes quantidades de moléculas, cuja síntese é TESTES PRÉ-CLíNICOS DE


impraticável no tubo de ensaio. Na atualidade, já se dispõe, para SEGURANÇA E TOXICIDADE
uso clínico geral, de insulina humana, hormônio do crescimento
humano, interferon, vacinas para a hepatite, ativadot do plasmi- As drogas candidatas que passam com sucesso pelos procedimentos
nogênio tecidual, erirropoetina, fator anti-hemofílico e fatotes de iniciais de triagem e estabelecimento do perfil farmacológico devem
crescimento da medula óssea produzidos por essas abordagens ser cuidadosamente avaliadas quanto aos riscos potenciais antes e
biotecnológicas. Os anticorpos utilizados como drogas estão cada no decorrer dos testes clínicos. Dependendo do uso proposto da
vez mais aprimorados. droga, os testes pré-clínicos de toxicidade incluem a maioria ou a
56 / FARMACOLOGIA

totalidade dos procedimentos relacionados no Quadro 5.2. Embo- É importante reconhecer as limitações dos testes pré-clínicos.
ra nenhuma substância química possa ser considerada totalmente Incluem as seguintes:
"segura" (desprovida de riscos), visto que todo composto químico
1. O teste de toxicidade é demorado e dispendioso. Nessa última
é tóxico em alguma dosagem, é geralmente possível associar o risco
década, o custo total dos estudos pré-clínicos de farmacologia e
à exposição à substância química em condições especificadas atra-
toxicologia foi estimado em pelo menos 41 milhões de dólares
vés da realização de testes apropriados.
por cada droga bem-sucedida. Podem ser necessários 2 a 5 anos
Os estudos pré-clínicos de toxicidade têm por objetivo identifi-
para coletar e analisar os dados antes que a droga possa ser con-
car todas as toxicidades potenciais para os seres humanos, planejar
siderada apta a ser testada nos seres humanos.
testes para definir mais detalhadamente os mecanismos tóxicos e
2. É necessário um grande número de animais para a obtenção de
prever as toxicidades específicas e mais relevantes que precisam ser
monitorizadas nos estudos clínicos. Os principais tipos de informa- dados pré-clínicos válidos; os cientistas preocupam-se particular-
mente com essa situação, e foram feitos progressos no sentido de
ção que precisam ser obtidos dos estudos pré-clínicos de toxicidade
reduzir o número necessário de animais e, ao mesmo tempo, ob-
incluem: (1) toxicidade aguda - efeito de doses únicas elevadas até
ter dados válidos. Os métodos de cultura de células e tecidos in
o nível letal; (2) toxicidade subaguda e crônica - efeitos de doses
vitro estão sendo cada vez mais utilizados, porém seu valor preditivo
múltiplas, que são particularmente importantes quando a droga se
ainda é extremamente limitado. Apesar disso, alguns segmentos da
destina a usos prolongados em seres humanos; (3) efeitos sobre as
população procuram fazer cessar todos os testes com animais na crença
funções reprodutivas, incluindo teratogenicidade e desenvolvimento
improcedente de que eles se tornaram desnecessários.
pós-natal; (4) carcinogenicidade; (5) mutagenicidade; e (6) toxico-
3. A extrapolação dos dados de toxicidade obtidos de animais para
logia de investigação. Além dos estudos relacionados no Quadro 5.2,
os seres humanos não é totalmente confiável. Para determinado
é conveniente efetuar várias estimativas quantitativas. Essas estima-
composto, os dados totais de toxicidade obtidos de todas as es-
tivas incluem a dose "sem efeito" - a dose máxima em que não se
pécies têm um valor preditivo muito alto em relação à sua toxi-
observa um efeito tóxico especificado; a dose letal mínima - a menor
cidade nos seres humanos. Entretanto, existem limitações quanto
dose observada que mata qualquer animal e, se necessário, a dose
à quantidade de informações de fácil obtenção.
letal mediana (LD50) - a dose que mata cerca de 50% dos animais.
4. Por motivos estatísticos, é pouco provável a detecção de efeitos
Historicamente, a LD50 foi determinada com alto grau de precisão
adversos raros.
e era utilizada para comparar a toxicidade de compostos em relação
às suas doses terapêuticas. Na atualidade, a LD50 é estimada com o
menor número possível de animais. Essas doses são utilizadas para AVALIAÇÃO NOS SERES HUMANOS
calcular a dose inicial a ser administrada experimentalmente a seres
humanos, tomada geralmente de um centésimo a um décimo da Menos de um terço das drogas testadas em estudos clínicos chega
dose semefeito em animais. ao mercado. Nos Estados Unidos, uma lei federal exige que o es-

Quadro 5.2 Testes de segurança

Tipo de Teste Abordagem Comentário

Toxicidade aguda Dose aguda, que é letal em cerca de 50% dos Comparar com a dose terapêutica.
animais e dose tolerada máxima. Em geral, duas
espécies, duas vias, dose única.
Toxicidade subaguda Três doses, duas espécies. Pode ser necessário um Química clínica, sinais fisiológicos, estudos de necropsía,
período de 4 semanas a 3 meses antes do estudo hematologia, histologia, estudos de microscopia
clínico. Quanto maior a duração do uso clínico eletrônica. Identificar os órgãos-alvo de toxicidade.
esperado, mais demorado o teste subagudo.

Toxicidade crônica Espécies de roedores e não-roedores. 6 meses ou mais. Os objetivos dos testes subagudos e crônicos consistem
Necessária quando a droga é desenvolvida para em estabelecer os órgãos suscetíveis à toxicidade da
uso em seres humanos por períodos prolongados. droga. Os testes são efetuados conforme mencionado
Em geral, efetuada concomitantemente com anteriormente para o teste subagudo. Três níveis de doses
estudos clínicos. e uso de controles.

Efeito sobre o desempenho Efeitos sobre o comportamento de acasalamento em Examina a fertilidade, a teratologia, os efeitos perinatais e
reprodutivo animais, reprodução, parto, progênie, defeitos pós-natais, a lactação.
congênitos, desenvolvimento pós-natal.

Potencial carcinogênico Dois anos, duas espécies. Necessário quando a droga Hematologia, histologia, estudos de necropsia. Os testes
se destina a uso em seres humanos por períodos em camundongos transgênicos por períodos mais curtos
prolongados. podem ser permitidos em uma espécie.

Potencial mutagênico Efeitos sobre a estabilidade genética e mutações de Interesse crescente por este problema potencial.
bactérias (teste de Ames) ou células de mamíferos
em cultura; teste letal dominante e clastogenicidade
em camundongos.
Toxicologia de investigação Determinar a seqüência e os mecanismos de ação Poder permitir um planejamento racional e mais precoce
tóxica. Descobrir os genes, as proteínas e vias das drogas mais seguras, bem como a sua identificação.
envolvidas. Desenvolver novos métodos de avaliação Possivelmente efetuado em triagem direta de alta
para a toxicidade. conclusão.
AVALIAÇÃO BÁSICA E ClÍNICA DE NOVAS DROGAS / 57

tudo de novas drogas em seres humanos seja conduzido de acor- Quadro 5.3 Planejamento cruzado típico para a comparação
do com diretrizes rígidas. Todavia, o simples cumprimento das de um suposto analgésico novo, "Novent", com placebo e
regulações governamentais não garante a obtenção de resultados uma droga ativa conhecida, a aspirina. no controle da dor
científicos válidos, e tanto o planejamento quanto a execução de crônica. Cada período terapêutico tem duração de 7 dias
um bom estudo clínico exigem os esforços de cientistas médicos com 1 semana entre cada período de tratamento para a
ou farmacologistas clínicos, estatísticos e, com freqüência, outros eliminação (washout) da medicação anterior
profissionais. A necessidade de um cuidadoso planejamento e Medicação Administrada
execução baseia-se em três fatores complexos principais inerentes
Grupo de Pacientes Semana 1 Semana 3 Semana S
ao estudo de qualquer medida terapêutica - seja ela farmacológi-
ca ou não - nos seres humanos. Placebo "Novent"
Aspirina

Placebo "Novent" Aspirina


Fatores Complexos nos Estudos Clínicos
111 "Novent" Aspirina Placebo
A. A HISTÓRIA NATURAL VARIÁVEL DA MAIORIA

DAS DOENÇAS

Muitas doenças tendem a sofrer exacerbações e remissões e, em certas


ocasiões, algumas desaparecem espontaneamente com o decorrer do
tante constante, sendo observada em 20-40% dos pacientes em
tempo; em certas ocasiões, até mesmo neoplasias malignas podem
sofrer remissões espontâneas. Assim, um bom planejamento expe- quase todos os estudos. Ocorre também "toxicidade" do placebo,
embora isso envolva habitualmente efeitos subjetivos, como descon-
rimental precisa levar em consideração a história natural da doença
alvo do estudo ao avaliar uma população de indivíduos suficiente- forto gástrico, insônia, sedação etc.
Os efeitos da tendenciosidade dos pacientes podem ser quan-
mente representativa, durante um período de tempo suficiente. O
uso de um planejamento cruzado, que consiste em alternar perío- ti ficados - e descontados da resposta medida durante a terapia ativa
dos de administração da droga do teste, uma preparação placebo (o - pelo plano simples-cego. Isso envolve o uso de um placebo ou
controle) e tratamento-padrão (controle positivo), quando dispo- medicação simulada, conforme descrito anteriormente, que é ad-
ministrado aos mesmos indivíduos num ensaio cruzado, se possí-
nível em cada indivíduo, proporciona uma proteção adicional contra
erros de interpretação ocasionados por flutuações na intensidade das vel, ou a um grupo de controle separado de indivíduos. A
manifestações da doença. Essas seqüências são sistematicamente tendenciosidade do observador pode ser levada em consideração
alteradas, de modo que os diversos subgrupos de paciente recebem ao ocultar a identidade da medicação utilizada - placebo ou for-
cada uma das seqüências possível de tratamento. O Quadro 5.3 ma ativa - tanto dos pacientes quanto do pessoal que está avali-
fornece um exemplo desse tipo de planejamento. ando suas respostas (plano duplo-cego). Nesse planejamento, uma
terceira pessoa detém o código que identifica cada embalagem de
medicação, e este só pode ser revelado após a coleta de todos os
B. PRESENÇA DE OUTRAS DOENÇAS E FATORES DE RISCO
dados clínicos.
A presença de doenças conhecidas e desconhecidas e os fatores de
risco (incluindo o estilo de vida dos indivíduos) podem influenciar
A Food and Drug Administration
os resultados de um estudo clínico. Assim, por exemplo, algumas
doenças alteram a farmacocinética de determinadas drogas (ver os A FDA é o órgão administrativo nos Estados Unidos que supervi-
Caps. 3 e 4). As concentrações de um componente sangüíneo que siona o processo de avaliação de drogas e a aprovação para a comer-
está sendo monitorizado como medida do efeito do novo fármaco cialização de novos produtos farmacológicos. A autoridade da FDA
podem ser influenciadas por outras doenças ou outras drogas. As na regulação da comercialização de drogas deriva de diversos arti-
tentativas de evitar este risco geralmente envolvem a técnica cruza- gos da legislação (Quadro 5.4). Se uma droga, através de testes ade-
da (quando exeqüível) e a seleção e distribuição apropriadas dos quadamente controlados, não demonstrou ser "segura e eficaz" para
pacientes em cada um dos grupos do estudo. Isso requer a cuida- determinado uso específico, ela não pode ser comercializada no
dosa obtenção das histórias clínica e farmacológica (incluindo o uso mercado interestadual para essa aplicação.* Infelizmente, o termo
de drogas recreativas), bem como a utilização de métodos de ran- "seguro" significa coisas diferentes para o paciente, o médico e a
domização estatisticamente válidos na distribuição dos indivíduos sociedade. Conforme assinalado anteriormente, é impossível de-
em grupos particulares do estudo. monstrar a ausência total de risco (que provavelmente nunca ocor-
re), porém esse fato não é bem entendido pelo cidadão comum, que
C. TENDENClOSIDADE DOS PACIENTES E DOS supõe que qualquer medicação vendida com aprovação da FDA deve
OBSERVADORES ser efetivamente desprovida de "efeitos colaterais" graves. Essa con-
fusão continua sendo uma importante causa de questões judiciais e
A maioria dos pacientes tende a responder de maneira positiva a insatisfação com o atendimento médico.
qualquer intervenção terapêutica por uma equipe médica interes- A história do regulamento das drogas reflete diversos aconteci-
sada, atenciosa e entusiasmada. A manifestação desse fenômeno no
mentos médicos e de saúde pública que acarretaram mudanças sig-
paciente constitui a denominada resposta placebo (do latim "vou nificativas na opinião pública. O Pure Food and Drug Act de 1906
agradar") e pode envolver alterações fisiológicas e bioquímicas ob- (Quadro 5.4) tor~ou-se lei, principalmente em resposta a revela-
jetivas, bem como modificação nas queixas subjetivas associadas à
doença. Em geral, a resposta placebo é quantificada pela adminis-
tração de um material inerte, que apresenta exatamente a mesma
aparência física, odor, consistência etc. da forma posológica ativa. *Apesar de a FDA não controlar diretamente o comércio de drogas nos estados dos
A magnitude da resposta varia de modo considerável de um paci- Estados Unidos, diversas leis estaduais e federais controlam a produção e comercia-
ente para outro. Todavia, a incidência da resposta placebo é bas- lização interestaduais de drogas.
58 / FARMACOLOGIA

Quadro 5.4 Principais legislações relativas a drogas nos Estados Unidos


Lei Propósito e Efeito
Pure Food and Drug Act, de 1906 Proibiu a rotulagem incorreta e a adulteração de droga.
Opium Exclusion Act, de 1909 Proibiu a importação de ópio.
Amendment (1912) do Pure Food and Drug Act Proibiu declarações falsas ou fraudulentas na propaganda.
Harrison Narcotic Act, de 1914 Estabeleceu regulamentos para o uso do ópio, dos opiáceos e da cocaína (com a inclusão
da maconha em 1937).
Food, Drug, and Cosmetic Act, de 1938 Exigiuque os novos fármacos fossem seguros e puros (mas não exigiu provas de sua
eficácia). Cumprimento pela FDA.
Durham-Humphrey Act, de 1952 Conferiu a FDAo poder de determinar quais os produtos que podem ser vendidos sem
prescrição.
Kefauver-Harris Amendments (1962) do Food, Exigiuprovas de eficácia, bem como de segurança para novas drogas e para drogas
Drug, and Cosmetic Act liberadas desde 1938; estabeleceu diretrizes para o relato de informações sobre reações
adversas, testes clínicos.. ,e propaganda de novos fármacos
...................................................
" " "
. , .
Comprehensive Drug Abuse Prevention and Control Delineou controle estrito na fabricação, distribuição e prescrição de drogas produtoras de
Act (1970)
dependência; estabeleceu programas para prevenção e tratamento da adicção de drogas.
Orphan Drug Amendments, de 1983 Emendou o Food, Drug, and Cosmetic Act, de 1938, proporcionando incentivos ao
desenvolvimento de drogas para o tratamento de doenças em menos de 200.000
pacientes nos Estados Unidos.
................. , ,." " .
Drug Price Competition and Patent Restoration Act, Abreviou os requerimentos de novas drogas no caso de genéricos. Exigiudados de
de 1984 bioequivalência. A validade das patentes é ampliada pelo tempo de demora em
decorrência do processo de revisão pela FDA.Não pode ultrapassar 5 anos adicionais
nem se estender por mais de 14 anos após aprovação da NDA.
Expedited Drug Approval Act (1992) Permitiu a aprovação acelerada pela FDAde fármacos de extrema necessidade médica.
Exigiu uma vigilãncia detalhada dos pacientes após comercialização do fármaco.
Prescription Drug User Fee Act (1992) Os fabricantes pagam uma taxa de uso para certos requerimentos de novas drogas. A FDA
Reautorizado em 1997 e 2002 reivindica um tempo de revisão para novas entidades clínicas, que diminuiu de 30 meses,
em 1992, para 20 meses, em 1994 .
........................ .

Dietary Supplement Health and Education Act (1994) Emendou o Federal Food, Drug, and Cosmetic Act, de 1938, para estabelecer padrões
relativos a suplementos dietéticos. Exigiuo estabelecimento de rótulos com informações
específicas sobre ingredientes e nutrição, definindo os suplementos dietétícos e
classificando-os como parte do suprimento aíimentar.
Bioterrorism Act, de 2002 Aumento dos controles de agentes biológicos perigosos e toxinas. Procura proteger a
segurança do suprimento de alimentos, água e drogas.

ções de práticas não-sanitárias e antiéticas na indústria de embala- cidade fetal, a talidomida é um fármaco relativamente seguro para
gens de carnes. O Federal Food, Drug, and CosmeticAct, de 1938, uso em seres humanos após o nascimento. Até mesmo os riscos mais
representou, em gtande parte, reação a uma série de mortes associ- graves de toxicidade podem ser evitados ou controlados, quando
adas ao uso de uma preparação de sulfanilamida, que foi comerci- reconhecidos, e, apesar de sua toxicidade, a talidomida é atualmen-
alizada antes que a droga e seu veículo fossem adequadamente tes- te disponível nos Estados Unidos para uso limitado como potente
tados. A talidomida é outro exemplo de droga que alterou os méto- agente imunorregulador e no tratamento da lepra.
dos de avaliação de drogas e estimulou uma legislação de regula- Naturalmente, é impossível- conforme assinalado anteriormente
mentação das drogas. Esse fármaco foi introduzido na Europa, em - certificar-se de que uma droga seja absolutamente segura, isto é,
1957 e 1958, e, com base em testes animais comumente utilizados desprovida de qualquer risco. Todavia, é possível identificar a mai-
na época, foi promovido como hipnótico "atóxico". Em 1961, fo- or parte dos riscos passíveis de estar associados ao uso de uma nova
ram publicados os primeiros relatos sugerindo que a talidomida era droga e estabelecer alguns limites estatísticos sobre a freqüência de
responsável por um aumento dramático da incidência de um raro ocorrência desses eventos na população estudada. Em conseqüên-
defeito congênito, denominado focomelia, uma condição que con- cia, pode-se geralmente chegar a uma definição operacional e prag-
siste no encurtamento ou na ausência total dos membros. Os estu- mática de "segurança", que se baseie na natureza e na incidência
dos epidemiológicos logo forneceram fortes evidências da associa- dos riscos associados à droga, em comparação com o risco de não-
ção desse defeito com o uso da talidomida por mulheres durante o tratamento da doença-alvo.
primeiro trimestte de gravidez e a droga foi retirada do mercado no
mundo inteiro. Estima-se que 10.000 ctianças tenham nascido com Estudos Clínicos: INO e NOA
defeitos congênitos em decorrência da exposição materna a esse
fármaco. A tragédia levou à exigência de testes mais extensos de O processo de aprovação de uma nova droga envolve uma série sis-
drogas novas quanto aos efeitos teratogênicos e teve um importan- temática de etapas (Guarino, 2000). Nos Estados Unidos, quando
te papel ao estimular a promulgação dos Kefauver-Harris uma droga é considerada apta a ser estudada em seres humanos,
Amendments, de 1962, embora o fármaco não tivesse sido aprova- deve-se registrar uma Notice of Claimed lnvestigational Exemption
do para uso nos Estados Unidos. A despeito de sua desastrosa toxi- for a New Drug(IND) na FDA (Fig. 5.1). O IND inclui: (1) infor-
AVALIAÇÃO BÁSICA E CLíNICA DE NOVAS DROGAS / 59

mações sobre a composição e origem da droga; (2) informações sobre A solicitação inclui, com freqüência, centenas de volumes, relatóri-
a sua fabricação; (3) todos os dados obtidos de estudos de animais; os completos de todos os dados pré-clínicos e clínicos relativos à
(4) planos e protocolos clínicos, e (5) os nomes e credenciais dos droga que está sendo analisada. A revisão desse material pela FDA
médicos que irão conduzir os estudos clínicos. e a decisão de aprovação do fármaco podem levar 3 anos ou mais.
Com freqüência, são necessários 4-6 anos de testes clínicos para Nos casos em que se percebe uma necessidade urgente (por exem-
reunir todos os dados exigidos. Os testes em seres humanos são plo, quimioterapia do câncer), o processo de testes pré-clínicos e
iniciados após a conclusão de um número suficiente de estudos de clínicos e a revisão pela FDA podem ser acentuadamente acelera-
toxicidade aguda e subaguda em animais. Os testes de segurança dos. Para doenças graves, a FDA pode permitir a comercialização
crônica em animais em geral são efetuados concomitantemente com extensa, porém controlada, de um fármaco novo antes da conclu-
os estudos clínicos. Em cada uma das três fases formais dos estudos são dos estudos de fase 3; no caso de doenças potencialmente fa-
clínic9s, os voluntários ou pacientes devem ser informados a res- tais, pode permitir a comercialização controlada até mesmo antes
peito do estado da investigação da droga, bem como dos possíveis da conclusão dos estudos de fase 2.
riscos, e devem ter a liberdade de consentir em participar do estu- Uma vez aprovada a comercialização de um fármaco, inicia-se a
do e receber a droga ou recusar-se a isso. Esses regulamentos basei- fase 4. Essa fase consiste na monitorização da segurança do novo
am-se nos princípios éticos formulados na Declaração de Helsinki fármaco em condições efetivas de uso em grande número de paci-
(Editor's Page, 1966). Além da aprovação da organização patroci- entes. A importância dos relatos cuidadosos e completos de toxici-
nadora e da FDA, um comitê interdisciplinar de revisão insritucio- dade fornecidos pelos médicos após a comercialização do fármaco
nal no local onde será conduzido o estudo clínico com a droga deve pode ser percebida ao verificar-se que muitos efeitos importantes
rever e aprovar os planos para testes em seres humanos. induzidos por drogas têm uma incidência de 1 em 10.000 ou me-
N a fase 1, são estabelecidos os efeitos da droga em função da dose nos. O tamanho da amostra necessário para revelar eventos induzi-
num pequeno número (25-50) de voluntários sadios. (Se houver dos por drogas ou toxicidades é muito grande para esses eventos
expectativa de que a droga tenha alguma toxicidade significativa, como raros. Por exemplo, pode ser necessária a exposição de várias cente-
ocorre freqüentemente na terapia do câncer e da AIDS, são utiliza- nas de milhares de pacientes antes da observação do primeiro caso
dos pacientes voluntários portadores da doença na fase 1, em lugar de toxicidade, com incidência média de 1 em 10.000. Por conse-
de voluntários normais.) Os estudos clínicos de fase 1 são efetuados guinte, os efeitos farmacológicos de baixa incidência geralmente não
para determinar se os seres humanos e os animais apresentam respos- são detectados antes da fase 4, independentemente do cuidado com
tas significativamente diferentes à droga e para estabelecer os limites que são executados os estudos. A fase 4 não tem duração fixa.
prováveis da faixa poso lógica clínica segura. Esses esrudos clínicos são O tempo decorrido entre o requerimento de uma patente e a
"abertos" ou não-cegos, isto é, tanto os investigadores quanto os par- aprovação de um novo fármaco para comercialização pode ser de 5
ticipantes sabem o que está sendo dado. Muitas toxicidades previsí- anos ou muito mais. Como o tempo de validade de uma patente
veis são detectadas nesta fase. As medidas farmacocinéticas de absor- nos Estados Unidos é de 20 anos, o detentor da patente (em geral,
ção, meia-vida e metabolismo são freqüentemente efetuadas na fase uma companhia farmacêutica) tem direitos exclusivos de comerci-
1. Em geral, os estudos da fase 1 são conduzidos em centros de pes- alização do produto apenas por um período limitado após a apro-
quisa por farmacologistas clínicos especialmente treinados. vação da NDA. Como o processo de revisão pela FDA pode ser
Na fase 2, a droga é estudada pela primeira vez em pacientes com demorado, o tempo despendido pelo processo de revisão é algumas
a doença-alvo, a fim de determinar a sua eficácia. Estuda-se de modo vezes somado à validade da patente. Todavia, a extensão (até 5 anos)
mais detalhado um pequeno número de pacientes (100-200). Com não pode aumentar a validade total da patente em mais de 14 anos
freqüência, utiliza-se um plano simples-cego, com uma medicação após aprovação da NDA. Uma vez expirada a patente, qualquer
placebo inerte e uma droga ativa mais antiga (controle positivo), companhia pode produzir e comercializar o fármaco como produ-
além do fármaco em investigação. Os estudos clínicos de fase 2 são to genérico, sem pagar taxas de licença ao detentor original da pa-
habitualmente realizados em centros clínicos especiais (por exem- tente. Entretanto, uma marca registrada (nome comercial do fár-
plo, hospitais universitários). Nessa fase, é possível detectar uma maco original) pode ser legalmente protegida por tempo ilimitado.
gama mais ampla de toxicidades. Por conseguinte, as companhias farmacêuticas são fortemente mo-
Na fase 3, a droga é avaliada em número muito maior de paci- tivadas a dar nomes comerciais facilmente lembrados às suas novas
entes - algumas vezes, milhares - para estabelecer melhor a sua se- drogas. Por exemplo, "Prilosec" é o nome comercial do "omepra-
gurança e eficácia. Ao utilizar as informações reunidas nas fases 1 e zol", um fármaco utilizado no tratamento da úlcera e pirose (ver
2, os estudos clínicos de fase 3 são planejados de modo a reduzir ao Boxe, Estudo de Caso: Descoberta e Desenvolvimento de uma
máximo os erros ocasionados por efeito placebo, pela evolução va- Droga Revolucionária - o Omeprazol). Pela mesma razão, o mate-
riável da doença etc. Por conseguinte, são freqüentemente utiliza- rial de propaganda da companhia enfatiza o nome comercial. A
das técnicas duplo-cegas e cruzadas (como aquelas mostradas no prescrição de genéricos é descrita no Capo 66.
Quadro 5.3). Em geral, os estudos clínicos de fase 3 são conduzi- O processo de aprovação de fármacos pela FDA representa um
dos em contextos semelhantes aos previstos para uso final da dro- dos fatores que limita o tempo levado para a comercialização de um
ga. Pode ser difícil planejar e executar os estudos de fase 3, que são fármaco e seu uso pelos pacientes. O Prescription Drug User Fee Act
habitualmente de elevado custo, devido ao grande número de pa- (PDUFA) de 1992, reautorizou, em 1997 e em 2002, os empreendi-
cientes recrutados e às quantidades de dados que precisam ser cole- mentos para tornar o processo de aprovação de drogas mais eficiente
tados e analisados. Em geral, os investigadores são especialistas na ao colerar fundos das companhias farmacêuticas que produzem cer-
doença que está sendo tratada. Alguns efeitos tóxicos - particular- tas drogas e produtos biológicos para uso em seres humanos.
mente aqueles causados por processos imunológicos - podem ma-
nifestar-se pela primeira vez na fase 3. Drogas Órfãs
Se os resultados dos estudos de fase 3 corresponderem às expec-
tativas, solicita-se a permissão para comercializar o novo fármaco. Pode ser difícil pesquisar, desenvolver e comercializar drogas para
O processo de requerimento para aprovação da comercialização doenças raras - as denominadas drogas órfãs. É preciso obter pro-
exige a apreciação e uma New Drug Application (NDA) pela FDA. vas da segurança e eficácia da droga em pequenas populações, po-
60 / FARMACOLOGIA

ESTUDO DE CASO: DESCOBERTA E DESENVOLVIMENTO DE UMA DROGA REVOLUCIONÁRIA - O OMEPRAZOL


• •••• a_ •• . •••••••••• •••• __ •••••••••• •••••••• __ •••••• _ ••••••••••• •••• __ •••••••••••••• •••••••••••• •••••••••••••••••••••••••••••••••• ••• •• __ •• _•••••• •••••••••••• __ ••••••••••••

Antecedentes pelo fato de a cimetidina (como a histamina) ser um imidazol. Ao


Foi obtido um considerável sucesso clínico no tratamento da gas- adicionar um benzimidazol à piridina-2-tioacetamida, um agente
anti-secretor conhecido, foi criada uma nova classe de benzimi-
trite, pirose e úlcera duodenal com a introdução da cimetidina,
dazóis substitutos, que mais tarde levaria ao desenvolvimento do
um antagonista dos receptores H2' e fármacos que a seguiram,
como a ranitidina. O Dr. George Sachs aventou a hipótese de que omeprazol (Fellenius, 1981). Essescongêneres eram suficiente-
o controle da secreção ácida era efetuado através de diversas vias mente novos para que fosse possível a aprovação de sua patente,
(incluindo a dos receptores histamínicos H2), que convergiam para um componente necessário do projeto, se fosse comprovada a uti-
um alvo comum - a bomba de ácido (de prótons). Sugeriu a pos- lidade dos compostos.
sibilidade de controlar farmacologicamente a bomba de prótons
e ofereceu um novo alvo de droga (Berkowitz e Sachs, 2002). En- Pesquisa, Desenvolvimento e Comercialização
tretanto, devido ao sucesso da cimetidina, seu fabricante reduziu Os resultados iniciais produziram drogas que demonstraram su-
a prioridade para a pesquisa do controle direto da bomba de pró- primir a secreção ácida, mas que eram demasiadamente instáveis
tons. Sachs prosseguiu a sua pesquisa básica sobre a biologia e tóxicas, ou cuja seletividade era insuficiente. Entretanto, a apli-
molecular desse alvo potencial de drogas e, mais tarde, começou cação do processo de desenvolvimento de drogas descrito anterior-
a investir nesse projeto com cientistas, numa pequena companhia mente levou, por fim, ao desenvolvimento de moléculas melho-
farmacêutica na Suécia. res, e o omeprazol (Prilosec) foi descoberto em 1978. Os testes
O sucesso dos fármacos antagonistas do receptor H2 melho- em seres humanos começaram em 1983 e 1984 (Lind et ai., 1983
rou significativamente a terapia, permitiu melhor regulação do áci- e Lambers et ai., 1984), e a aprovação do fármaco para a sua co-
do gástrico e aumentou o estabelecimento do diagnóstico de dis- mercialização ocorreu em 1989. Assim, 12 anos transcorreram
túrbios associados ao ácido gástrico. Todavia, os bloqueadores H2 entre a apresentação do projeto e a aprovação do fármaco para
exigiam a administração de doses várias vezes ao dia, estavam as- uso em pacientes.
sociados a flutuações indesejáveis nos níveis de ácido gástrico e Em 1999, as vendas do omeprazol alcançaram 5,9 bilhões de
não conseguiam tratar apropriadamente distúrbios mais graves, dólares no mundo inteiro. Em 2001, as vendas foram de 5,7 bi-
como a doença por refluxo gastroesofágico (DRGE) e a síndrome lhões de dólares.e o mercado mundial relativo a fármacos no tra-
de Zollinger-Ellison. tamento das úlceras excedeu a 14 bilhões de dólares. Na atuali-
Sachs e seus colaboradores iniciaram um trabalho que iria de- dade, dispõem-se de cinco compostos benzimidazóis comerciali-
monstrar que a W/K+-ATPase, como bomba de prótons, impele zados por várias companhias. A validade da patente do omepra-
o ácido através das membranas das células parietais gástricas (Blum zol expirou em 2001 e, hoje em dia, o fármaco é disponível como
et ai., 1971). Os cientistas na companhia sueca estavam investi- genérico.
gando os imidazóis e, especificamente, os benzimidazóis, em parte

rém a sua implementação efetiva representa um processo comple- em alguns grupos de drogas, conforme assinalado em outra parte
xo. Por exemplo, os testes clínicos de drogas em crianças são rigo- deste livro. Ocorrem reações potencialmente fatais provavelmente
rosamente restritos, mesmo para doenças comuns, e os indivíduos em menos de 2% dos pacientes internados em enfermarias médi-
muito jovens são acometidos por diversas doenças raras. Além dis- cas. Os mecanismos dessas reações podem ser divididos em duas
so, como as pesquisas básicas da fisiopatologia e dos mecanismos categorias principais. As reações no primeiro grupo representam,
das doenças raras tendem a receber pouca atenção ou poucos re- com freqüência, extensões dos efeitos farmacológicos conhecidos
cursos financeiros tanto no contexto acadêmico quanto industrial, e, portanto, são previsíveis. Em geral, essas toxicidades são desco-
os alv9s racionais reconhecidos para ação de drogas podem ser rela- bertas por farmacologistas, toxicologistas e médicos envolvidos nos
tivamente poucos. Além disso, o custo relativo ao desenvolvimen- testes de fases 1-3. As reações no segundo grupo, que podem ser
to de droga pode influenciar acentuadamente as prioridades quan- imunológicas ou de mecanismo desconhecido (Rawlins, 1981), são
do a população-alvo é relativamente pequena. geralmente inesperadas e podem não ser reconhecidas muitos anos
O Orphan Drug Act, de 1983, que emendou o Federal Food, após a comercialização da droga. Por conseguinte, essas toxicida-
Drug, and Cosmetic Act, de 1938, fornece incentivos para o desen- des são habitualmente detectadas por médicos. Assim, é importan-
volvimento de drogas destinadas ao tratamento de doenças que afe- te que os médicos tenham conhecimento dos vários tipos de reação
tam menos de 200.000 pacientes nos Estados Unidos. A FDA alérgica a fármacos. Essas reações incluem: reações mediadas por IgE,
mantém um escritório do Orphan Product Development para dar como anafilaxia, urticária e angioedema; reações mediadas por IgG
assistência especial e subsídios a cientistas que demonstrem interesse ou IgM do tipo do lúpus eritematoso; respostas mediadas por IgG
nesses produtos. Além disso, podem-se obter informações sobre do tipo doença do soro, que envolvem vasculite; e alergias media-
drogas órfãs do National Organization for Rdre Disorders. das por células, envolvidas na dermatite de contato. Essas reações
Até 1999, foram registrados mais de 500 produtos biológicos são discutidas no Capo 56.
ou farmacológicos na FDA como drogas órfãs, cuja maioria era
produtos em fase de desenvolvimento. Desde 1983, a FDA apro- Avaliação de um Estudo Clínico de Drogas
vou os requerimentos de comercialização de 120 drogas órfãs para
o tratamento de mais de 82 doenças raras. As publicações periódicas constituem a principal fonte de informa-
ções clínicas a respeito de novas drogas, particularmente aquelas
Reações Adversas a Drogas recentemente liberadas para uso geral. Essas informações podem
incluir novas indicações ou novas toxicidades e contra-indicações
As reações adversas graves a drogas comercializadas são raras, em- importantes. Por conseguinte, os profissionais de saúde devem es-
bora seja freqüente a observação de efeitos tóxicos menos perigosos tar familiarizados com as fontes dessas informações (assinaladas no
AVALIAÇÃO BÁSICA E CLíNICA DE NOVAS DROGAS / 61

Capo 1) e devem estar preparados para avaliá-Ias.Alguns princípios Jelovsek FR, Marrison OR, Chen JJ: Prediction of risk for human
developmemal roxicity: How imporranr are animal srudies'
gerais, que podem ser aplicados a essas avaliações, são discutidos de Obsret Gynecol 1989;74:624.
modo pormenorizado nas referências de Cohen (1994) e Nowak
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".,.

SECAO
I 11
Drogas Autônomas

Introdução à Farmacologia
Autônoma
Bertram G. Katzung, MD, PhD

A pane motora (eferente) do sisrema nervoso pode ser dividida em duas pática (toracolombar) e a divisão parassimpática (craniossacral)
subdivisões principais: a autônoma e a somática. O sistema nervoso (Fig. 6.1). Ambas as divisões têm a sua origem em núcleos situados
autônomo (SNA) é, em grande pane, aurônomo (independenre), visto dentro do sistema nervoso central e enviam fibras eferentes pré-
que suas arividades não estão sob conrrole conscienre direto. O SNA ganglionares, que saem do tronco encefálico ou da medula espinhal
atua primariamente nas funções viscerais - débito cardíaco, fluxo san- e terminam em gânglios motores. As fibras pré-ganglionares sim-
güíneo para diversos órgãos, digestão etc. -, que são necessárias à vida. páticas saem do sistema nervoso central através dos nervos espinhais
A divisão somática está, em grande pane, envolvida com funções de torácicos e lombares. As fibras pré-ganglionares parassimpáticas
controle consciente, como o movimento, a respiração e a posrura. Ambos saem do sistema nervoso central através dos nervos cranianos (par-
os sistemas apresentam impulsos aferenres (sensitivos) importantes, que ticularmente o terceiro, sétimo, nono e décimo) e da terceira e quarta
proporcionam as sensações e modificam o débito motor através de ar- raízes espinhais sacrais.
cos reflexos de tamanho e complexidade variáveis. As fibras pré-ganglionares simpáticas terminam, em sua maioria,
O sistema nervoso apresenta várias propriedades em comum com em gânglios localizados nas cadeias paravertebrais, situadas em cada
o sistema endócrino, o outro sistema importante no controle das lado da coluna vertebral. As fibras pré-ganglionares simpáticas rema-
funções corporais. Essas propriedades incluem integração de alto nescentes terminam em gânglios pré-vertebrais, localizados em fren-
nível no cérebro, capacidade de influenciar processos em regiões dis- te das vértebras. A partir dos gânglios, as fibras simpáticas pós-gan-
tantes do corpo e extensa utilização do processo de retroalimenta- glionares dirigem-se para os tecidos inervados. Algumas fibras paras-
ção negativa. Ambos os sistemas utilizam substâncias químicas para simpáticas pré-ganglionares terminam em gânglios parassimpáticos,
a transmissão da informação. No sistema nervoso, a transmissão quí- localizados fora dos ótgãos inervados: os gânglios ciliar, pterigopala-
mica ocorre entre células nervosas, bem como entre células nervo- tino, submandibular, ótico e vários gânglios pélvicos. As fibras pré-
sas e suas células efetoras. A transmissão química é efetuada através ganglionares parassimpáticas terminam, em sua maioria, em células
da liberação de pequenas quantidades de substâncias transmissotas ganglionares que se distribuem difusamente, ou em redes nas pare-
das terminações nervosas para a fenda sináptica. O transmissor atra- des dos órgãos inervados. Observe que os termos "simpático" e "pa-
vessa a fenda por difusão e ativa ou inibe a célula pós-sináptica atra- rassimpático" são anatômicos e não dependem do tipo de transmis-
vés de sua ligação a uma molécula receptora especializada. sor químico liberado pelas terminações nervosas, nem do tipo de efeito
Ao utilizar drogas que imitam ou que bloqueiam as ações dos - excitatório ou inibitório - produzido pela atividade do nervo.
transmissores químicos, é possível modificar seletivamente muitas Além dessas partes motoras periféricas claramente definidas do
funções autônomas. Essas funções envolvem uma variedade de te- sistema nervoso autônomo, existe grande número de fibras aferen-
cidos efetores, incluindo o músculo cardíaco, o músculo liso, o tes que se estendem da periferia até os centros integradores, inclu-
endotélio vascular, as glândulas exócrinas e as terminações nervo- indo os plexos entéricos no trato digestivo, os gânglios autônomos
sas pré-sinápticas. As drogas autônomas mostram-se úteis em nu- e o sistema nervoso central. Muitos dos neurônios sensitivos que se
merosas condições clínicas. Por outro lado, um número muito gran- estendem até o sistema nervoso central terminam nos centros
de de drogas utilizadas para outros propósitos exerce efeitos inde- integradores do hipotálamo e da medula oblonga, induzindo uma
sejáveis sobre a função autônoma. atividade motora reflexa, que é levada até as células efetoras pelas
fibras eferentes anteriormente descritas. Há evidências crescentes de
ANATOMIA DO SISTEMA NERVOSO que algumas dessas fibras sensitivas também desempenham impor-
AUTÔNOMO tantes funções motoras periféricas (ver Neurônios Não-adrenérgi-
cos, Não-colinérgicos, mais adiante).
Com base na sua anatomia, o sistema nervoso autônomo pode ser O sistema nervoso entérico (SNE) é constituído por um con-
apropriadamente dividido em duas partes principais: a divisão sim- junto grande e altamente organizado de neurônios localizados nas
64 / FARMACOLOGIA

ACh ACh
Parassimpático
Músculo cardíaco e músculo liso, células
Medula
glandulares, terminações nervosas
oblonga ~

Simpático
ACh Glândulas sudoríparas
M

NE
u,i3 Simpático
Músculo cardíaco e músculo liso, células
glandulares, terminações nervosas
Medula
espinhal

Simpático
Músculo liso vascular renal

Somático
Músculo esquelétlco
Nervo motor voluntário

Fig, 6.1 Diagrama esquemático comparando algumas características anatômicas e dos neurotransmissores de nervos autônomos e mo-
tores somáticos. A figura mostra apenas as substâncias transmissoras primárias. Os gânglios parassimpáticos não estão indicados, visto
que a maioria localiza-se na parede do órgão inervado ou nas suas proximidades. Observe que algumas fibras pós-ganglionares simpáti-
cas liberam acetilcolina ou dopamina, mais do que noradrenalina. A medula supra-renal, que é um gânglio simpático modificado, recebe
fibras pré-ganglionares simpáticas e libera adrenalina e noradrenalina no sangue. (ACh, acetilcolina; D, dopamina; Epi, adrenalina; NE,
noradrenalina; N, receptores nicotínicos; M, receptores muscarínicos.)

paredes do sistema gastrintestinal (Fig. 6.2). É algumas vezes,con- rodas as fibras eferentes que deixam o sistema nervoso central são
siderado a terceira divisão do SNA. O sistema nervoso entérico colinérgícas. Além disso, a maioria das fibras parassimpáticas pós-
inclui o plexo mioentérico (plexo de Auerbach) e o plexo submu- ganglionares e algumas fibras simpáticas pós-ganglionares são coli-
coso (plexo de Meissner). Essas redes neuronais recebem fibras pré- nérgicas. Um número significativo de neurônios pós-ganglionares
ganglionares do sistema parassimpático, bem como axônios sim- parassimpáticos utiliza óxido nítrico ou peptídios para a transmis-
páticos pós-ganglionares. Além disso, recebem impulsos sensiti- são. As fibras simpáticas pós-ganglionares liberam, em sua maioria,
vos provenientes da parede intestinaL As-fibras dos corpos celula- norepinefrina (noradrenalina); trata-se das fibras noradrenérgicas
res nesses plexos seguem um percurso até o músculo liso do traro (quase sempre denominadas simplesmente "adrenérgicas") - isro
digestivo, controlando a sua motilidade. Outras fibras mororas é, que atuam através da liberação de noradrenalina. Essas caracte-
dirigem-se para as células secreroras. As fibras sensitivas transmi- rísticas dos transmissores são apresentadas de modo esquemático
tem informações da mucosa e dos receprores de estiramento a na Fig. 6.1. ,Conforme assinalado anteriormente, algumas fibras
neurônios motores nos plexos e a neurônios pós-ganglionares nos simpáticas liberam acetilcolina. A dopamina é um transmissor muito
gânglios simpáticos. As fibras parassimpáticas e simpáticas que importante no sistema nervoso central e há evidências de que ela é
fazem sinapse nos neurônios do plexo entérico parecem desem- liberada por algumas fibras simpáticas periféricas. As células da
penhar um papel modulado r, conforme indicado pela observação medula supra-renal, que são embriologicamente análogas aos neu-
de que a privação de impulsos de ambas as divisões do SNA não rónios simpáticos pós-ganglionares, liberam uma mistura de adre-
interrompe por complero a atividade nos plexos, nem no múscu- nalina e noradrenalina. Por fim, a maioria dos nervos autônomos
lo liso nem nas glândulas inervadas por elas. também libera várias substâncias transmissoras ou co-transmissores,
além do transmissor primário.
QUíMICA DOS NEUROTRANSMISSORES DO ' Cinco características chaves da função dos neurotransmissores
SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO constituem alvos potenciais da terapia farmacológica: a síntese, o
armazenamenro, a liberação e a ativação dos receptores e o término
Uma importante classificação tradicional dos nervos autônomos da ação. Esses processos são discutidos adiante, de modo porme-
baseia-se nas moléculas transmissoras primárias - acetilcolina ou norizado.
noradrenalina - liberadas de seus botões terminais e varicosida-
des. Um grande número de fibras do sistema nervoso periférico sin- Transmissão Colinérgica
tetiza e libera acetilcolina; trata-se das fibras colinérgicas, isro é, que
atuam através da liberação de acetilcolina. Conforme ilustrado na As terminações dos neurônios colinérgicos contêm grande número
Fig. 6.1, essas fibras incluem rodas as fibras eferentes autônomas de pequenas vesículas delimitadas por membrana, que se concen-
pré-ganglionares, bem como as fibras mororas somáticas (não-au- tram nas proximidades da porção sináptica da membrana celular
tônomas) para os músculos esqueléticos. Por conseguinte, quase (Fig. 6.3), bem como um número menor de grandes vesículas de
INTRODUÇÃO À FARMACOLOGIA AUTÔNOMA / 65

cerne denso, localizadas a uma distância maior da membrana sináp- brana associadas a vesículas, VAMP [vesicle-associated membrane
tica. As grandes vesículas contêm elevada concentração de co-trans- proteins]), como, por exemplo, a sinaptotagmina e a sinaptobrevi-
missores peptídicos (Quadro 6.1), enquanto as vesículas menores e na, com várias proteínas da membrana terminal (proteínas associ-
claras contêm a maior parte da acetilcolina. As vesículas são inicial- adas ao sinaptossomo, SNAP [synaptosome-associated proteins]),
mente sintetizadas no soma neuronal e, a seguir, transportadas até como, por exemplo, a SNAP-25 e a sintaxina. A fusão das mem-
a sua extremidade. Além disso, podem ser recicladas várias vezes na branas resulta na expulsão exocitótica - no caso dos nervos moto-
terminação nervosa. res somáticos - de várias centenas de quanta de acetilcolina na fenda
A acetilcolina é sintetizada no citoplasma, a partir da acetil-CoA sináptica. A quantidade de transmissores liberada pela despolariza-
e colina através da ação catalítica da enzima colina acetiltransferase ção de uma terminação nervosa pós-ganglionar autônoma é prova-
(ChAT). A acetil-CoA é sintetizada nas mitocôndrias, que estão velmente menor. Além da acetilcolina, ocorre liberação simultânea
presentes em grande número nas terminações nervosas. A colina é de vários co-transmissores (Quadro 6.1). O processo de liberação
transportada do líquido extracelular para a terminação neuronal por da ACh das vesículas é bloqueado pela toxina borulínica através da
um transportador de membrana sódio-dependente (Fig. 6.3, trans- remoção enzimática de dois aminoácidos de uma ou mais proteí-
portador A). Esse transportador pode ser bloqueado por um grupo nas de fusão.
de drogas, denominadas hemicolínios. Uma vez sintetizada, a ace- Após a sua liberação da terminação pré-sináptica, as moléculas
tilcolina é transportada do citoplasma dentro das vesículas por um de acetilcolina podem ligar-se ao receptor de acetilcolina (colinor-
antiportadcir que remove prótons (Fig. 6.3, transportador B). Esse receptor) e ativá-lo. Por fim (e, em geral, muito rapidamente), toda
transportador pode ser bloqueado pelo vesamicol. A síntese de ace- a acetilcolina liberada difunde-se dentro de uma faixa de alcance
tilcolina é um processo rápido, capaz de sustentar uma taxa muito de uma molécula acetilcolinesterase (AChE). A AChE cliva com
elevada de liberação do transmissor. O armazenamento da acetil- muita eficiência a acetilcolina em colina e acetato; ambos carecem
colina é efetuado pelo agrupamento de "quanta" de moléculas de de efeito transmissor significativo, resultando na interrupção da ação
acetilcolina (em geral, 1.000-50.000 moléculas em cada vesícula). do transmissor (Fig. 6.3). As sinapses colinérgicas são, em sua maio-
A liberação do transmissor depende da presença de cálcio extra- ria, ricamente supridas de acetilcolinesterase; por conseguinte, a
celular e ocorre quando o potencial de ação atinge seu fim e desen- meia-vida da acetilcolina na sinapse é muito curta. A acetilcolines-
cadeia um influxo suficiente de íons de cálcio. A concentração au- terase também é encontrada em outros tecidos, como, por exem-
mentada de Ca2+ "desestabiliza" as vesículas de armazenamento ao plo, os eritrócitos. (Outra colinesterase com menor especificidade
interagir com proteínas especiais associadas à membrana vesicular. para a acetilcolina, a butirilcolinesterase [pseudocolinesterase] é
Ocorre fusão das membranas vesiculares com a membrana termi- encontrada no plasma sangüíneo, no fígado, na glia e em muitos
nal através da interação de proteínas vesiculares (proteínas de mem- outros tecidos.)

Fibras Fibras
Fibras pós-ganglionares pré-ganglionares
sensitivas simpáticas parassimpáticas

Mucosa

Fig. 6.2 Diagrama altamente simplificado da parede intestinal e de parte do circuito do sistema nervoso entérico (SNE) SNE recebe °
impulsos do sistema tanto simpático quanto parassimpático e envia impulsos aferentes para os gânglios simpáticos e o sistema nervoso
central. Foram identificadas muitas substâncias transmissoras ou neuromoduladoras no SNE;ver Quadro 6.1. (ML, camada muscular lon-
gitudinal; PM, plexo mioentérico; MC, camada muscular circular; PSM, plexo submucoso; ACh, acetilcolina; NE, noradrenalina; NO, óxido
nítrico; NP, neuropeptídios; SP, substância P; 5-HT, serotonina.)
66 / FARMACOLOGIA

Hemicolfnios
Axônio

Colina

AcCoA + Colina

Terminação
11 C",T I

nervosa ACh

Vesamicol

Hetero-
receptor

Toxina
botulfnica

Colina

Acetilcolinesterase
~ Acetato
~

Célula pós-sináptica Outros receptores


Receptores colinérgicos

Fig. 6.3 Ilustração esquemática de uma junção colinérgica generalizada (não representada na escala). A colina é transportada até a ter-
minação nervosa pré-sináptica por um transportador sódio-dependente (A). Essetransporte pode ser inibido por drogas como o hemico-
línio. A ACh é transportada na vesícula de armazenamento por um segundo transportador (8), que pode ser inibido pelo vesamicol. São
também armazenados peptídios (P), ATP e proteoglicano na vesícula. Ocorre liberação do transmissor quando os canais de cálcio sensí-
veis à voltagem abrem-se na membrana da terminação nervosa, permitindo o influxo de cálcio. A conseqüente elevação do cálcio intra-
celular provoca a fusão das vesículas da membrana de superfície e a expulsão exocitótica de ACh e co-transmissores para a fenda junci-
onal. Essaetapa é bloqueada pela toxina botulínica. A ação da acetilcolina é interrompida em seu metabolismo pela enzima acetilcolines-
terase. Os receptores na terminação nervosa pré-sináptica regulam a liberação do transmissor. (SNAP,proteínas associadasao sinaptossomo;
VAMP, proteínas da membrana associadas à vesícula.)
INTRODUÇÃO À FARMACOLOGIA AUTÔNOMA / 67

Quadro 6.1 Algumas das substâncias transmissoras encontradas no sistema nervoso autônomo (SNA), no sistema nervoso
entérico (SNE) e em neurônios não-adrenérgicos, não-colinérgicos

Substância Prováveis Funções


Acetilcolina (ACh) o transmissor primário nos gânglios do SNA, na junção neuromuscular somática e nas
terminações nervosas pós-ganglionares parassimpáticas. Transmissor excitatório primário para
as células musculares lisas e secretoras no SNE. Provavelmente também o principal transmissor
neurõnio-neurônio ("ganglionar") no SNE

Colecistocinina (CCK) Pode atuar como co-transmissor em alguns neurônios neuromusculares excitatórios do SNE

Dopamina Possível transmissor simpático pós-gangíionar nos vasos sangüíneos renais. Provavelmente um
transmissor modulador em alguns gânglios e no SNE

Encefalina e peptídios opióides relacionados Presentes em alguns neurônios secretomotores e interneurônios do SNE. Parecem inibir a
liberação de ACh e, portanto, o peristaltismo. Podem estimular a secreção

GABA (ácido ')'-aminobutírico) Pode exercer efeitos pré-sinápticos sobre as terminações nervosas excitatórias do SNE. Possui
algum efeito relaxante no intestíno Provavelmente não é um transmíssor importante no SNE.

Galanina Presente em neurônios secretomotores; pode desempenhar um papel nos mecanismos de


apetite-saciedade

Neuropeptídio Y (NPY) Presente em alguns neurônios secretomotores do SNE; pode inibir a secreção de água e
eletrólitos pelo intestino. Provoca vasoconstrição de longa duração. Trata-se também de um co-
transmissor em muitos neurônios pós-ganglionares parassimpáticos e neurônios
vasculares noradrenérgicos pós-ganglionares simpáticos

Noradrenalina (NE) Transmissor primário na maioria das terminações nervosas pós-ganglionares simpáticas

Óxido nítrico (NO) Co-transmissor nas junções neuromusculares inibitórias do SNE; particularmente importante nos
esfíncteres. Provável transmissor para vasodilatação parassimpática

Peptídio de liberação da gastrina (GRP) Transmissor excitatório extremamente potente das céluías de gastrina. Também conhecido como
bombesina de mamíferos

Peptídio intestinal vasoativo (VIP) Transmissor secretomotor excitatório no SNE; pode ser também um co-transmissor
neuromuscular inibitório do SNE. Co-transmissor provável em muitos neurônios colinérgicos.
Vasodiíatador (encontrado em muitos neurônios perivasculares) e estimulante cardíaco
...............................................................................................................................
Peptídio relacionado ao gene da calcitonina encontrado com a substância P em fibras nervosas sensitivas cardiovasculares. Presente em
(CGRP) alguns neurônios secretomotores e interneurônios do SNE. Estimulante cardíaco

Serotonina (S-HT) Importante transmissor nas junções neurõnio-neurônio excitatórias no SNE

Substância P (e "taquicininas" relacionadas) A substância P é um importante transmissor de neurônios sensitivos no SNE e em outros locais.
As taquicininas parecem ser co-transmissores excitatórios com a ACh nas junções
neuromusculares no SNE. Encontrada com o CGRP em neurõnios sensitivos cardiovasculares. A
substância P é um vasodilatador (provavelmente através da liberação de óxido nítrico)
Trifosfato de adenosina (ATP) Pode atuar como co-transmissor nas junções neuromusculares inibitórias do SNE. Inibe a liberação
de ACh e de noradrenalina das terminações nervosas do SNA. Transmissor excitatório nas
sinapses simpáticas-múscuío liso

Transmissão Adrenérgica mento, pode ser inibido pelos alcalóides da reserpina (Fig. 6.4, trans-
portador B). Em conseqüência, ocorre depleção das reservas do
Os neurônios adrenérgicos (Fig. 6.4) também transportam uma transmissor. Outro transportador efetua o transporte da noradre-
molécula precursora até a terminação nervosa; a seguir, sintetizam nalina e de moléculas semelhantes no citoplasma da célula (Fig. 6.4,
o transmissor catecolamínico e, por fim, o armazenam em vesícu- transportador 1, comumente denominado captação 1 ou recapta-
Ias delimitadas por membrana. Todavia, conforme ilustrado na Fig. ção 1). Pode ser inibido pela cocaína e pelos antidepressivos tricí-
6.5, a síntese dos transmissores catecolamínicos é mais complexa dicos, resultando em aumento da atividade do transmissor na fen-
que a da acetilcolina. Na maioria dos neurônios pós-ganglionares da sináptica.
simpáticos, a noradrenalina constitui o produto final. Na medula A liberação da reserva de transmissor vesicular das terminações
supra-renal e em certas áreas do cérebro, a noradrenalina é ainda nervosas noradrenérgicas assemelha-se ao processo cálcio-dependen-
convertida em adrenalina. Por outrO lado, a síntese termina com a te descrito anteriormente para as terminações colinérgicas. Além do
dopamina nos nemônios dopaminérgicos do sistema nervoso cen- transmissor primário (noradrenalina), ocorre também liberação de
tral. Vários processos importantes nessas terminações nervosas cons- ATP, dopamina (3-hidroxilase eco-transmissores peprídicos na fen-
tituem sítios potenciais de ação de drogas. Um deles, a conversão da sináptica. Os fármacos simpaticomiméticos de ação indireta -
da tirosina em dopa, é a etapa que limita a velocidade de síntese de por exemplo, tiramina e anfetaminas - são capazes de liberar o
transmissor catecolamínico. Pode ser inibida pela metirosina, um transmissor armazenado das terminações nervosas noradrenérgicas.
análogo da tirosina (Fig. 6.4). Um transportador de alta afinidade Essas drogas são agonistas fracos (alguns são inativos) nos recepto-
das catecolaminas, localizado na parede das vesículas de armazena- res adrenérgicos; todavia, são captadas nas terminações nervosas
68 / FARMACOLOGIA

Axônio

Tirosina

Tirosina

Terminação
\~
hidroxilase I'
II Metírosína
nervosa

Reserpina

Canal de
cálcio
Receptores
ré-sínápticos

Bretílio,
guanetidina
Cocaína,
antidepressivos
triciclicos

Difusão

Célula pós-sináptica

Fig. 6.4 Diagrama esquemático de uma junção noradrenérgica generalizada (não representada na escala). A tirosina é transportada até
a terminação noradrenérgica ou varicosidade por um transportador sódio-dependente (A). A tirosina é convertida emdopamina (ver Fig.
6.5 para maiores detalhes), que é transportada até a vesícula por um transportador (8), que pode ser bloqueado pela reserpina. O mesmo
transportador efetua o transporte da noradrenalina (NE) e de várias outras aminas para o interior desses grânulos. A dopamina é conver-
tida em NE na vesícula pela dopamina [3-hidroxilase. Ocorre liberação do transmissor quando um potencial de ação abre os canais de
cálcio sensíveis à voltagem e aumenta o cálcio intracelular. A fusão das vesículas com a membrana de superfície resulta na expulsão de
noradrenalina, co-transmissores e dopamina [3-hidroxilase. A liberação pode ser bloqueada por drogas, como a guanetidina e o bretílio.
Uma vez liberada, a noradrenalina difunde-se para fora da fenda, ou é transportada para o citoplasma da terminação (captação 1 [1J,
bloqueada pela cocaína e por antidepressivos tricíclicos) ou para a célula pós-juncional (captação 2 [2]). Existem receptores reguladores
na terminação pré-sináptica. (SNAP, proteínas associadas ao sinaptossomo; VAMP, proteínas da membrana associadas à vesícula.)
INTRODUÇÃO À FARMACOLOGIA AUTÔNOMA / 69

noradrenérgicas pela captação 1. Na terminação nervosa, podem Co-transmissores nos Nervos


deslocar a noradrenalina das vesículas de armazenamento, inibir a
Colinérgicos e Adrenérgicos
monoamina oxidas e e exercer outros efeitos que resultam em au-
mento da atividade da noradrenalina na sinapse. Sua ação não exi- Conforme assinalado anteriormente, as vesículas dos nervos tanto
ge a exocitos~ das vesículas e não depende do cálcio. colinérgicos quanto adrenérgicos contêm outras substâncias além
A noradrenalina e a adrenalina podem ser metabolizadas por do transmissor primário. Algumas das substâncias identificadas até
várias enzimas, como mostra a Fig. 6.6. Devido à elevada atividade o momento estão relacionadas no Quadro 6.1. Muitas dessas subs-
da monoamina oxidase das mitocôndrias nas terminações nervo- tâncias também atuam como transmissores primários nos nervos
sas, ocorre renovação significativa da noradrenalina, mesmo nas não-adrenérgicos, não-colinérgicos descritos adiante. Seu papel na
terminações em repouso. Como os produtos metabólicos são ex- função dos nervos que liberam acetilcolina ou noradrenalina ainda
cretados na urina, pode-se obter uma estimativa da renovação das não está totalmente elucidado. Em alguns casos, podem proporci-
catecolaminas a partir da análise laboratorial dos metabólitos totais onar uma ação mais rápida ou mais lenta para suplementar ou
(algumas vezes denominados "VMA e metanefrinas") numa amos- modular os efeitos do transmissor primário. Além disso, participam
tra de urina de 24 horas. Todavia, o metabolismo não constitui o na inibição por retroalimentação das mesmas terminações nervo-
mecanismo primário para o término da ação da noradrenalina li- sas ou de terminações vizinhas.
berada fisiologicamente dos nervos noradrenérgicos. O término da
transmissão noradrenérgica resulta de vários processos, incluindo RECEPTORES AUTÔNOMOS
difusão simples para fora do sítio receptor (com metabolismo final
no plasma ou no fígado) e recaptação na terminação nervosa (cap- Historicamente, as análises de estrutura-atividade, com cuidadosas
tação 1) ou na glia perissináptica ou nas células musculares lisas comparações da potência de uma série de análogos agonistas e an-
(captação 2) (Fig. 6.4). tagonistas autônomos, levaram à definição de diferentes subtipos

OH
H
/
C=O

HoOH-NH'--~~~~~~~----i
H H I
Tirosina I

Metirosina --e---.! Tirosina hidroxilase [

HO~ >+(:H'
H H HO-{• >-i-i-NH'
H H
DOPA Tiramina

-COOH ---1 IDopa descarboxilaseI i

:~~~~~~~~~---n~Ho~
>-H-NH' 1~ H
: IDopamina ~-hidroxilase I . H H
I
i
~-------
Dopa!m_in_a_H __ H HoOH-NH'
Octopamma
I

~ -'->-i-P::
HO H H HO
~ >-t-i-NH'
H H ~n ~---__nn!
Epinina Noradrenalina

: ! Fenilelanolamina-N-melinransferase

~~~~~~~~~~~~~HO~
>-t-i-!:'
H H
Adrenalina

Fig. 6.5 Biossíntese das catecolaminas. A etapa que limita a velocidade - a conversão da tirosina em dopa - pode ser inibida, pela
metirosina (a-metiltirosina), As vias alternativas indicadas pelas setas tracejadas não demonstraram ter importãncia fisiológica nos seres
humanos. Entretanto, pode ocorrer acúmulo de tiramina e de octopamina em pacientes tratados com inibidores da monoamina oxidase.
(Reproduzido, com permissão, de Greenspan FS, Gardner DG (editors): Basie and Oinical Endocrinologr, 7th ed. MeGraw-Hill, 2003.)
70 / FARMACOLOGIA

CH CH

HoOlH
HO '- ,-, I I
CH2
I
HO
HOO/H
~
I I
CH2
I
NHCH3 NH2
Adrenalina Noradrenalina Dopamina

OH

COMT COMT

HO
HOO{Hf=o
~ I
OH
H001 c=o
HO
iH2
~
I
OH

Ácido diidroximandélico Ácido diidroxifenilacético

COMT

Metanefrina Normetanefrina Ácido homovanílico

~"10'" OH
4~
I I
CH300{H
HO ~ C=O
I
OH

Ácido 3-metoxi-
4-hidroximandélico
(VMA)

Fig. 6.6 Metabolismo das catecolaminas pela catecol-O-metiltransferase (COMT) e pela monoamina oxidase (MAO). (Modificado e repro-
duzido, com permissão, de Greenspan FS,Gardner DG (editors): Basic and Clinica! Endocrino!ogy, 7th ed. McGraw-Hill, 2003)

de receptores autônomos, incluindo os receptores colinérgicos de de agonistas e antagonistas. O desenvolvimento de drogas blo-
muscarínicos e nicotínicos e os receptores adrenérgicos a, ~ e do- queadoras mais seletivas levou à designação de subclasses dentro
pamínicos (Quadro 6.2). Na atualidade, a biologia molecular for- desses tipos principais; assim, por exemplo, dentro da classe dos
nece técnicas para a descoberta e expressão de genes que codificam receptores a-adrenérgicos, os receptores a) e a2 diferem na sua se-
receptores relacionados nesses grupos. (Ver Capo 2 Boxe: Como São letividade tanto para agonistas quanro para antagonistas. São apre-
Descobertos Novos Receptores?) sentados exemplos específicos dessas drogas seletivas nos capítulos
Os subtipos do receptor primário de acetilcolina foram desig- que se seguem.
nados de acordo com os alcalóides originalmente utilizados na sua
identificação: a muscarina e a nicotina. Esses termos são facilmente NEURÔNIOS NÃO-ADRENÉRGICOS,
convertidos em adjetivos - assim, receptores muscarínicos e ni- NÃO-COLlNÉRGICOS
cotínicos. No caso dos receprores associados a nervos não-adrenér-
gicos, a designação com adjetivos simples derivados dos nomes dos Sabe-se, há muiros anos, que os tecidos efetores autônomos (por
agonistas (noradrenalina, fenilefrina, isoproterenol etc.) não foi exemplo, intestino, vias aéreas, bexiga) contêm fibras nervosas que
possível. Por conseguinte, o termo adrenorreceptor é amplamente não apresentam as características hisroquímicas de fibras colinérgi-
utilizado para descrever os receptores que respondem às catecola- cas ou adrenérgicas. Verifica-se a presença de fibras não-adrenérgi-
minas, como a noradrenalina. Por analogia, o termo colinorrecep- cas, não-colinérgicas tanto mororas quanto sensitivas. Embora os
tor refere-se a receptores (tanto muscarínicos quanto nicotínicos) peptídios sejam as substâncias transmissoras mais comuns encon-
que respondem à acetilcolina. Na América do Norte, os receptores tradas nessas terminações nervosas, outras substâncias, como, por
foram coloquialmente designados de acordo com os nervos que ha- exemplo, a óxido nítrico sintetase e as purinas, também estão pre-
bitualmente os suprem; assim, temos os receptores adrenérgicos (ou sentes em muitas terminações nervosas (Quadro 6.1). Hoje em dia,
noradrenérgicos) e os receptores colinérgicos. Os adrenorrecepto- os métodos aprimorados de ensaio imunológico permitem a iden-
res podem ser subdivididos em dois tipos - os receptores a-adre- tificação e quantificação precisas de peptídios armazenados nas ter-
nérgicos e os receptores ~-adrenérgicos - com base na seletivida- minações nervosas e liberados por elas. A capsaicina, uma neuroro-
INTRODUÇÃO À FARMACOLOGIA AUTÔNOMA / 71

Quadro 6.2 Tipos de receptores autônomos com efeitos documentados ou prováveis em tecidos efetores autônomos
periféricos

Nome do Receptor localizações Típicas


..............................................................................................................................................................................................
~~.s.~.~~~.~.~ ..~.~..~i~~~~.~..~.~..~i.~.~~~~ .
Receptores Colinérgicos
Muscarínicos M, Neurõnios do SNc. neurõnios pós-ganglionares Formação de IP, e OAG, aumento do cálcio
simpáticos, alguns locais pré-sinápticos intracelular

Muscarínicos M, Miocárdio, músculo liso, alguns locais pré-sinápticos Abertura dos canais de potássio, inibição da adenilil
ciclase

Muscarínicos M, Glãndulas exócrinas, vasos (músculo liso e endotélio) Formação de IP, e OAG, aumento do cálcio intracelular

Nicotínicos NN Neurõnios pós-ganglionares, algumas terminações Abertura dos canais de Na+, K+,despolarização
colinérgicas pré-sinápticas

Nicotínicos NM Placas terminais neuromusculares do músculo Abertura dos canais de Na+, K+,despolarização
esquelético ........................... , , " .

Receptores Adrenérgicos
Alfa, Células efetoras pós-sinápticas, particularmente do Formação de IP, e DAG, aumento do cálcio intracelular
músculo liso
................... " " " " " ,

Alfa, Terminações nervosas adrenérgicas pré-sinápticas, Inibição da adenilil ciclase, diminuição do cAMP
plaquetas, lipócitos, músculo liso

Seta, Células efetoras pós-sinápticas, particularmente no Estimulação da adenilil ciclase, aumento do cAMP
coração, lipócitos, cérebro; terminações nervosas
pré-sinápticas adrenérgicas e colinérgicas
................... , " " " " .

Seta, Células efetoras pós-sinápticas, particularmente no Estimulação da adenilil ciclase e aumento do cAMPo
músculo liso e músculo cardíaco Ativa o G, cardíaco em algumas condições

Seta, Células efetoras pós-sinápticas, particularmente Estimulação da adenilil ciclase e aumento do cAMP
lipócitos
Receptores dopamínicos
O, (OA,), 05 Cérebro; tecidos efetores, particularmente o músculo Estimulação da adenilil ciclase e aumento do cAMP
liso e o leito vascular renal

O,(OA,) Cérebro; tecidos efetores, particularmente o músculo Inibição da adenilil ciclase; aumento da condutãncia do
liso; terminações nervosas pré-sinápticas potássio
................... " ", " " "." ".. , " .

O, Cérebro Inibição da adenilil ciclase


................................................................ " "" , " " "." .
Cérebro, sistema cardiovascular Inibição da adenilil ciclase

xi na derivada da pimenra-malagueta, pode induzir a liberação do transmissores da própria terminação sensorial, de ramos axonais
transmissor (particularmenre a substância P) desses neurônios, com locais e de colaterais que terminam nos gânglios autônomos. Esses
destruição do neurônio quando administrada em altas doses. peptídios atuam como potentes agonistas em muitos tecidos efeto-
O sistema enrérico na parede inrestinal (Fig. 6.2) é o sistema mais res autônomos.
extensamente estudado, que contém neurônios não-adrenérgicos
não-colinérgicos, além das fibras colinérgicas e adrenérgicas. No
ORGANIZAÇÃO FUNCIONAL DA ATIVIDADE
intestino delgado, por exemplo, esses neurônios conrêm uma ou
mais das seguintes substâncias: óxido nítrico sintetase, peptídio re-
AUTÔNOMA
lacionado ao gene da calcitonina, colecistocinina, dinorfina, ence-
É essencial adquirir um conhecimenro básico das interações dos
falinas, peptídio de liberação da gastrina, S-hidroxitriptamina (se-
nervos autônomos entre si e com seus órgãos efetores para enren-
rotonina), neuropeptídio Y, somatostatina, substância P e peptídio
der as ações das drogas autônomas, particularmenre devido aos efei-
intestinal vasoativo. Alguns neurônios conrêm até cinco transmis-
sores diferenres. O SNE funciona de modo semi-autônomo, utili- tos reflexos (compensatórios) significativos que podem ser desen-
zando os impulsos da descarga motora do SNA para'a modulação cadeados por esses fármacos.
da atividade gastrinrestinal e enviando informações sensoriais de
volta ao sistema nervoso cenrral. O SNE proporciona a sincroniza- Integração Central
ção necessária dos impulsos que, por exemplo, assegura a propul-
são para dianre, e não para trás, do conreúdo inrestinal, bem como Em seu nível mais elevado - mesencéfalo e medula oblonga - ,
relaxamento dos esfíncteres quando ocorre conrração da parede in- as duas divisões do sistema nervoso autônomo e do sistema endó-
testinal. crino estão inregradas entre si e com os impulsos sensoriais e as in-
As fibras sensoriais nos neurônios não-adrenérgicos não-colinér- formações provenienres dos cenrros superiores do sistema nervoso
gicos são mais provavelinenre designadas como fibras "sensoriais cenrral. Essas inrerações são tão estreitas que os primeiros pesqui-
eferentes" ou "sensoriais-efetoras locais", visto que, quando ativa- sadores designaram o sistema parassimpático de sistema trofotr6-
das por um impulso sensorial, são capazes de liberar peptÍdios pico (isto é, resultando em crescimenro), utilizado para "repousar e
72 / FARMACOLOGIA

digerir", e o sistema simpático, de sistema ergotr6pico (isto é, re- produzidas por descarga simpática, que são apropriadas para lutar
sultando em consumo de energia), ativado para a "luta ou fuga". ou sobreviver a um ataque.
Apesar de esses termos oferecerem pouco esclarecimento quanto Em nível mais sutil de interações no tronco encefálico, na me-
aos mecanismos envolvidos; proporcionam descrições simples apli- dula oblonga e medula espinhal, existem interações cooperativas
cáveis a muitas das ações desses sistemas (Quadro 6.3). Assim, por importantes entre os sistemas parassimpático e simpático. Para al-
exemplo, a redução dos batimentos cardíacos e a estimulação da guns 6rgãos, as fibras sensitivas associadas ao sistema parassimpáti-
atividade digestiva são ações típicas de conservação da energia do co exercem um controle reflexo sobre a descarga motora no siste-
sistema parassimpático. Por outro lado, a estimulação cardíaca, o ma simpático. Por conseguinte, as fibras sensitivas dos barorrecep-
aumento da glicemia e a vasoconstrição cutânea constituem respostas tores do seio carótico no nervo glossofaríngeo exercem importante

Quadro 6.3 Efeitos diretos da atividade nervosa autônoma sobre alguns sistemas de órgãos
Efeitos da
Atividade Simpática
....................................................................................
Atividade Parassimpática
, ......................................... , .
Órgão Ação' Receptor> Ação Receptor>

Olho
íris
Músculo radial Contração
Músculo circular Contração
Músculo ciliar [Relaxamento] Contração

Coração
Nó sinoatrial Aceleração Desaceleração M2
Marca-passos ectópicos Aceleração
Contratilidade Aumento Diminuição (átrios) M2

Vasos sangüíneos
Pele, vasos esplâncnicos Contração
Vasos do músculo esquelético Relaxamento
[Contração]
Relaxamento
Endotélio Liberação de EDRF

Músculo liso bronquiolar Relaxamento Contração

Trato gastrintestinal
Músculo liso
Paredes Relaxamento Contração
Esfíncteres Contração Relaxamento
Secreção Aumento
Plexo mioentérico Ativação

Músculo liso genitourinário


Bexiga Relaxamento Contração
Esfíncter Contração Relaxamento
Útero, grávido Relaxamento
Contração Contração
Pênis, vesículas seminais Ejaculação Ereção
Pele
Músculo liso pilomotor Contração
Glândulas sudoríparas
Termo-reguladoras Aumento M
Apócrinas (estresse) Aumento

Funções metabólicas
Fígado Gliconeogênese
Fígado Glicogenólise
Células adiposas Lipólise
Rins Liberação de reninas

Terminações nervosas autônomas


Simpática Diminuição da
liberação de NE
Parassimpática Diminuição da
liberação de ACh
'As açóes menos importantes estão indicadas entre colchetes.
'Tipos de receptores específicos: ct ~ alfa, í3 = beta, M ~ muscarínico.
30 músculo liso vascular do músculo esquelético possui fibras dilatadoras colinérgicas simpáticas.
'O endotéíio da maioria dos vasos sangüíneos libera EDRF (fator de relaxamento derivado do endotélio, endothelium-derived relaxing factor), que provoca acentuada vasodila-
tação, em resposta a estímulos muscarínicos. Todavia, ao contrário dos receptores inervados por fibras colinérgicas símpáticas nos vasos sangüíneos do múscuío esquelético,
esses receptores muscarínicos não são inervados e respondem apenas a agonistas muscarínicos circulantes.
5Provavelmente através da inibição pré-sináptica da atividade parassimpátíca.
I
INTRODUÇÃO À FARMACOLOGIA AUTÔNOMA / 73

\ Sistema nervoso
autônomo
Sistema nervoso simpático
autônomo

!
CENTRO VASOMOTOR "'-

OOrorr,~'"'' "~~")
Freqüência
1 Força Tônus

/
contrátil venoso

o
~
)ro,,~ I
,'"
o-
c'"<D- cardíaco
Débito •• Volume
sistólico Retorno
venoso sangüineo
Volume ~ \
E'"c
._ Aldosterona

~~
Zo
~.<:
<D
"O F1~ "ogOio,"----- Reo;"
renal/pressao
• Aog;"""'" ~
'"
o-
«
Fig. 6.7 Controle autônomo e hormonal da função cardiovascular. Observe a presença de duas alças de retroalimentação: a alça do
sistema nervoso autônomo e a alça hormonal. O sistema nervoso simpático influencia diretamente quatro variáveis importantes: a resis-
tência vascular periférica, a freqüência cardíaca, a força cardíaca e o tônus venoso. Além disso, modula diretamente a produção de renina
(não mostrada). O sistema nervoso parassimpático influencia diretamente a freqüência cardíaca. A angiotensina II aumenta diretamente
a resistência vascular periférica e facilita os efeitos simpáticos (não mostrados). O efeito efetivo de retroalimentação de cada alça consiste
em compensar as alterações na pressão arterial. Por conseguinte, a redução da pressão arterial devido à perda de sangue provocaria um
aumento da descarga simpática e a liberação de renina. Por outro lado, a elevação da pressão arterial em decorrência da administração de
um agente vasoconstritor causaria a redução da descarga simpática e liberação de renina e aumento da descarga parassimpática (vagal).

influência sobre a descarga simpática do centro vasomotor. Esse retroalimentação negativa à elevação da pressão arterial média pro-
exemplo é descrito adiante, de modo mais pormenorizado. De for- voca uma redução da descarga simpática para o coração e um po-
ma semelhante, as fibras sensitivas parassimpáticas na parede da deroso aumento da descarga parassimpática (nervo vago) no mar-
bexiga influenciam significativamente a descarga inibitória simpá- ca-passo cardíaco. Em conseqüência, o efeito efttivo de doses pres-
tica desse órgão. No sistema nervoso entérico, as fibras sensitivas soras usuais de noradrenalina consiste em produzir um acentuado
da patede intestinal fazem sinapse em células motoras tanto pré- aumento da resistência vascular periférica, elevação da pressão ar-
ganglionares quanto pós-ganglionares, que controlam o músculo terial média e redução consistente da freqüência cardíaca. A bradi-
liso e as células secretoras intestinais (Fig. 6.2). cardia, resposta compensatória reflexa induzida por esse fármaco, é
exatamente oposta à ação direta da droga; entretanto, é totalmente
Integração da Função Cardiovascular previsível, se entendermos a integração da função cardiovascular do
sistema nervoso autônomo.
Os reflexos autônomos são particularmente importantes para en-
tender as respostas cardiovasculares às drogas autônomas. Confor- Regulação Pré-sináptica
me ilustrado na Fig. 6.7, a variável controlada primária na função
cardiovascular é a pressão arterial média. Alterações em qualquer O princípio de controle por retroalimentação negativa também é
variável passível de contribuir para a pressão arterial média (por encontrado em nível pré-sináptico da função autônoma. Foi cons-
exemplo, aumento da resistência vascular periférica induzido por tatada a existência de importantes mecanismos pré-sinápticos de
drogas) irão desencadear poderosas respostas homeostáticas secun- controle inibitório por retroalimentação na maioria das termina-
dárias, que tendem a compensar a alteração diretamente induzida. ções nervosas. Um mecanismo bem documentado envolve a exis-
A resposta homeostática pode ser suficiente para reduzir a altera- tência de um receptor (X2 localizado nas terminações nervosas no-
ção da pressão arterial média e para reverter os efeitos da droga so- radrenérgicas. Esse receptor é ativado pela noradrenalina e por
bre a freqüência cardíaca. A infusão lenta de noradrenalina fornece moléculas semelhantes; a sua ativação diminui a liberação posterior
um exemplo útil. Esse fármaco produz efeitos diretos sobre o mús- de noradrenalina por essas terminações nervosas (Quadro 6.4). Por
culo tanto vascular quanto cardíaco. Trata-se de um poderoso va- outro lado, um receptor (3-pré-sináptico parece facilitar a liberação
soconstritor que aumenta a pressão arterial média ao elevar a resis- da noradrenalina. Os receptores pré-sinápticos que respondem às
tência vascular periférica. Na ausência de controle reflexo - num substâncias transmissoras liberadas pelas terminações nervosas são
paciente que foi submetido a transplante de coração, por exemplo denominados auto-receptores. Em geral, os auto-receptores são
-, o efeito da droga sobre o coração também é estimulado r, isto é, inibitórios, porém muitas fibras colinérgicas, particularmente as
aumenta a freqüência cardíaca e a força de contração. Todavia, no fibras motoras somáticas, apresentam auto-receptores nicotínicos
indivíduo com reflexos intactos, a resposta dos barorreceptores de excitatórios.
74 / FARMACOLOGIA

Quadro 6.4 Efeitos dos auto-receptores, hetero-receptores e moduladores em sinapses periféricas'

Transmissor/Modulador Tipo de Receptor Terminações Neuronais Onde São Encontrados


Efeitos inibitórios
Acetilcolina Adrenérgicas, sistema nervoso entérico
Noradrenalina Adrenérgicas

Dopamina D,; menos evidência de D, Adrenérgicas

Serotonina (5-HT) 5-HT" 5-HT" 5-HT3 Pré-ganglionares colinérgicas


••••••••••••••••••• o ••••••••••••••

ATPe adenosina P, (ATP),P, (adenosina) Neurônios autônomos adrenérgicos e colinérgicos do SNE


Histamina H3'possivelmente H, Tipo H3identificado em neurônios adrenérgicos e serotoninérgicos
do SNC

Encefalina Delta (também mu, kappa) Adrenérgicas, colinérgicas do SNE

Neuropeptídio Y NPY Adrenérgicas, algumas colinérgicas


••••••••••••••• o ••••••••••••••••••••••••••••••••••••

Prostaglandina E" E, Adrenérgicas


Efeitos excitatórios
Adrenalina Adrenérgicas, colinérgicas motoras somáticas
Acetilcolina Colinérgicas motoras somáticas, colinérgicas do SNA

Angiotensina 11 AT, Adrenérgicas


'Lista provisória. O número de transmissores e seus locais irão sem dúvida aumentar com as futuras pesquisas.

o controle da liberação do transmissor não se limita à modulação Regulação Pós-sináptica


pelo próprio transmissor. As terminações nervosas também possuem
receptores reguladores, que respondem a muitas outras substâncias. A regulação pós-sináptica pode ser considerada sob duas perspecti-
Esses hetero-receptores podem ser ativados por substâncias libera- vas: modulação pela história anterior de atividade no receptor pri-
das de outras terminações nervosas, que fazem sinapse com a termi- mário (que pode determinar a supra-regulação ou infra-regulação
nação nervosa. Por exemplo, algumas fibras vagais no miocárdio fa- do número de receptores ou dessensibilizar os receptores; Capo 2) e
zem sinapse com terminações nervosas noradrenérgicas simpáticas e modulação por outros eventos cronologicamente associados.
inibem a liberação de noradrenalina. Alternativamente, os ligantes O primeiro mecanismo já está bem documentado em diversos
desses receptores podem difundir-se do sangue ou de tecidos vizinhos sistemas de receptor-efetor. Sabe-se que tanto a supra-regulação
para eles. Alguns dos transmissores e receptores identificados até o quanto a infra-regulação ocorrem em resposta a uma redução ou
momento estão relacionados no Quadro 6.4. Em todas as fibras ner- aumento de ativação dos receptores, respectivamente. Uma for-
vosas ocorre provavelmente uma regulação pré-sináptica através de ma extrema de supra-regulação é observada após a desnervação de
uma variedade de substâncias químicas endógenas. alguns tecidos, com conseqüente supersensibilidade de desner-

Axõnio Potencial de
pré-ganglionar membrana
• Espicula
o I

1l mV
. \ PEPS PEPS tardio,

~-::
;P~ ~II \ PIPS leto let
r'----../ . 11 .~ r·...---'''-
N N \ '- ~ ~ M1 ..
Peptldlos

-100 M2 (Tipos de receptores)


Axõnio
pós-ganglionar _Mílissegundos __ Segundos ) _ Minutos--

Tempo

Fig. 6.8 Potenciais excitatórios e inibitórios pós-sinápticos (PEPS e PIPS) numa célula ganglionar autônoma. O neurônio pós-ganglionar
à esquerda, com um eletrodo de registro, pode sofrer as alterações de potencial de membrana mostradas esquematicamente no traça-
do. A resposta começa com duas respostas de PEPSà ativação do receptor nicotínico (N), em que a primeira não atinge o limiar. O
potencial de ação é seguido de PIPS,provavelmente produzido pela ativação do receptor M, (com possível participação da atividade do
receptor de dopamina). Por sua vez, o PIPSé seguido de um PEPSmais lento e M,-dependente, que é algumas vezes seguido de um
potencial excitatório pós-sináptico ainda mais lento, induzido por peptídios.
INTRODUÇÃO À FARMACOLOGIA AUTÔNOMA / 75

Quadro 6.5 Etapas na transmissão autônoma: efeitos de drogas

Processo Exemplo de Drogas Local Ação

Propagação do potencial de Anestésicos locais, Axônios dos nervos Bloqueio dos canais de sódio;
ação tetrodotoxina,' saxitoxina' bloqueio da condução

Síntese de transmissores Hemicolínio Terminações nervosas colinérgicas: Bloqueio da captação de


membrana colina e redução da síntese

cx-Metiltirosina (metirosina) Terminações nervosas adrenérgicas Bloqueio da síntese


e medula supra-renal: citoplasma

Armazenamento do transmissor Vesamicol Terminações colinérgicas: vesículas Impede o armazenamento, depleção

Reserpina Terminações adrenérgicas: vesículas Impede o armazenamento, depleção

Liberação do transmissor Muitas3 Receptores de membrana das Modula a liberação


terminações nervosas

w-Conotoxina GVIA' Canais de cálcio das terminações Bloqueio dos canais de cálcio,
nervosas redução da liberação do transmissor

Toxina botulínica Vesículas colinérgicas Impede a liberação

Alfa-latrotoxina5 Vesículas colinérgicas e adrenérgicas Causa liberação explosiva

Tiramina, anfetamina Terminações nervosas adrenérgicas Promove a liberaçâo do transmissor

Captação do transmissor Cocaína, antidepressivos Terminações nervosas adrenérgicas Inibição da captação; aumento do
após liberação tricíclicos efeito do transmissor sobre os
receptores pós-sinápticos

6-Hidroxidopamina Terminações nervosas adrenérgicas Destruição das terminações

Ativação ou bloqueio dos Noradrenalina Receptores nas junções adrenérgicas Ligação a receptores cx;provoca
receptores ativação

Fentolamina Receptores nas junções adrenérgicas Ligação a receptores cx; impede a


ativação

Isoproterenol Receptores nas junções adrenérgicas Ligação a receptores [3; ativa a adenilil
ciclase

Propranolol Receptores nas junções adrenérgicas Ligação a receptores [3; impede a


ativação

Nicotina Receptores nas junções colinérgicas Ligação a receptores nicotínicos;


nicotínicas (gânglios autônomos, abertura dos canais iônicos na
placas terminais neuromusculares) membrana pós-sináptica

Tubocurarina Placas terminais neuromusculares Impede a ativação

Betanecol Receptores, células efetoras Ligação e ativação dos receptores


parassimpáticas (músculo liso, muscarínicos
glândulas)

Atropina Receptores, células efetoras Ligação a receptores muscarínicos;


parassimpáticas impede a ativação

Inativação enzimática do Neostigmina Sinapses colinérgicas Inibição da enzima; prolongamento e


transmissor (acetilcol inesterase) intensificação da ação do
transmissor

Tranilcipromina Terminações nervosas adrenérgicas Inibição da enzima; aumento do


(monoamina oxidase) reservatório de transmissão
armazenada
'Toxina do peixe baiacu,salamandrada Califórnia.
'Toxina de Gonyaulax (microrganismoresponsávelpela maré vermelha)
3Noradrenalina,dopamina, acetilcolina,peptidios, váriasprostaglandinasete.
'Toxina de moluscosmarinhosdo gênero Conus.
'Veneno da aranha viúva-negra.
76 / FARMACOLOGIA

FARMACOLOGIA DO OLHO

O olho é um bom exemplo de órgão com múltiplas funções do cação por inibidores da colinesterase, é denominada cicloespasmo.
SNA, que são controladas por vários receptores autônomos di- A contração do músculo ciliar também produz tensão sobre a rede
ferentes. Conforme ilustrado na Fig. 6.9, a câmara anterior cons- trabecular, abrindo seus poros e facilitando o efluxo de humor aquo-
titui o local de vários tecidos controlados pelo SNA. Essesteci- so para o canal de Schlemm. O aumento do fluxo reduz a pressão
dos incluem três músculos diferentes (músculos dilatador e cons- intra-ocular, um resultado muito útil em pacientes com glaucoma.
tritor da pupila na íris e músculo ciliar) e o epitélio secreto r do Todos essesefeitos são evitados ou revertidos por agentes bloque-
corpo ciliado. adores muscarínicos, como a atropina.
Os colinomiméticos muscarínicos medeiam a contração do mús- Os receptores alfa-adrenérgicos medeiam a contração das fi-
culo constritor pupilar circular e do músculo ciliado. A contração bras do músculo dilatador pupilar de orientação radial na íris, re-
do músculo constritor da pupila provoca miose, uma redução no sultando em midríase. Isso ocorre durante a descarga simpática
tamanho das pupilas. Em geral, verifica-se a ocorrência de miose e quando são colocadas drogas agonistas alfa, como a fenilefri-
em pacientes expostos a grandes doses sistêmicas ou a pequenas na, no saco conjuntival. Os receptores beta-adrenérgicos no epi-
doses tópicas de agentes colinomiméticos, particularmente inibido- télio ciliar facilitam a secreção do humor aquoso. O bloqueio
res organofosforados da colinesterase. A contração do músculo ciliar desses receptores (com agentes beta-bloqueadores) reduz a ati-
provoca acomodação do foco para visão de perto. A acentuada vidade secretora e a pressão intra-ocular, proporcionando outra
contração do músculo ciliar, que ocorre freqüentemente na intoxi- forma de terapia para o glaucoma.

Canal de Schlemm
Câmara
anterior

Músculo ciliar (M)

Fig. 6.9 Estruturas da câmara anterior do olho. Esse diagrama esquemático mostra os tecidos com funções autônomas significativas
e os receptores do SNA associados. O humor aquoso, que é secreta do pelo epitélio do corpo ciliar, flui através da câmara anterior e sai
pelo canal de Schlemm (seta). O bloqueio dos receptores l3-adrenérgicos associados ao epitélio ciliado provoca uma redução da secre-
ção de humor aquoso. Os vasos sangüíneos (não mostrados) na esclera também estão sob controle autônomo e influenciam a drena-
gem aquosa.
INTRODUÇÃO À FARMACOLOGIA AUTÔNOMA / 77

vação do tecido a ativadores desse tipo de receptor. Por exemplo, REFERÊNCIAS


no músculo esquelético, os receptores nicotínicos estão normal- Alrman JO er aI: Abnormal regularion of the sympathetic nervous
mente restritos às regiões da placa terminal subjacentes às termi- system in alpha2A-adrenergic receptor knockour mice. Moi
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hearr rransplamation by carorid baroref1ex modulation of RR
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em tecidos autônomos efetores após a administração de drogas que Bernstein o: Cardiovascular and metabolic alterations in mice lack-
causam depleção das reservas de transmissores e impedem a ati- ing beta\- and beta2-adrenergic receptors. Trends Cardiovasc
vação dos receptores pós-sinápticos por um período de tempo sig- Med 2002;12:287.
nificativo. Por exemplo, a administração de grandes doses de re- Boehm S, Kubisra H: Fine tuning of sympathetic transmitter release
serpina, um agente que provoca depleção da noradrenalina, pode via ionotropic and metabotropic presynaptic receptors. Phar-
causar aumento da sensibilidade das células efetoras do músculo macal Rev 2002;54:43.
Burnstock G, Hoyle CHV: Auronomic Neuroe./fictor Mechanisms.
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O segundo mecanismo envolve a modulação do evento primá- modulators. J Physiol Pharmacol 1995;46:365.
rio transmissor-receptor por eventos induzidos pelo mesmo trans- Chang HY, Mashimo H, Goyal RK: Musings on the wanderer:
missor ou por outros transmissores, atuando sobre diferentes recep- What's new in our understanding of the vago-vagal ref1ex? IV.
tores pós-sinápticos. A transmissão ganglionar fornece um bom Curtem conceprs of vagal efferem projecrions to the gut. Am J
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exemplo desse fenômeno (Fig. 6.8). As células pós-ganglionares são
Chen O et aI: Rat sromach ECL cells up-date ofbiology and physiol-
ativadas (despolarizadas) em conseqüência da ligação de um ligan-
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te apropriado a um receptor nicotínico (NN) de acetilcolina. O con-
deGroat WC, Yoshimura N: Pharmacology of the lower urinary
seqüente potencial excitatório pós-sináptico (PEPS) rápido provo- rract. Annu Rev Pharmacol ToxicoI2001;41:691.
ca um potencial de ação propagado se for alcançado o limiar. Com Oocheny JR: Age-related changes in adtenetgic neuroeffector rrans-
freqüência, esse evento é seguido de um pós-potencial hiperpolari- mission. Auton Neurosci 2002;96:8.
zante pequeno e de desenvolvimento lento, porém de longa dura- Eglen RJvl, Hegde SS, Watson N: Muscatinic recepror subrypes and
ção - um potencial inibitório pós-sináptico (PIPS) lento. A hiper- smooth muscle function. Pharmacol Rev 1996;48:531.
polarização envolve a abertura dos canais de potássio pelos recep- Fetscher C et ai: M J muscarinic receprors mediate conuaction of
tores colinérgicos M2• O PIPS é seguido de um pequeno potencial human urinary bladder. Br J Pharmacol 2002; 136:641.
excitatório pós-sináptico lento, causado pelo fechamento dos canais Furchgorr RF: Role of endothelium in responses of vascular smooth
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de potássio ligados aos receptores colinérgicos MI. Por fim, um
Furness JB et ai: Roles of peptides in transmission in the emeric ner-
PEPS tardio e muito lento pode ser produzido por peptídios libe-
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rados de outras fibras. Esses potenciais lentos servem para modular
Galligan JJ: Ligand-gated ion channels in the emeric nervous system.
a responsividade da célula pós-sináptica à atividade nervosa excita- Neurogastroemerol Motil 2002; 14:611.
tória pré-sináptica primária subseqüente. (Ver o Capo 21 para exem- Gershon MO, Kirchgessner AL, Wade PR: Functional anatomy of
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Como a transmissão envolve diferentes mecanismos em segmen- Hallerr M: One man's poison-C1inical applications of borulinum
tos distintos do sistema nervoso autônomo, algumas drogas pro- toxin. (Editorial.) N Engl J Med 1999;341: 118.

duzem efeitos altamente específicos, enquanto outras são muito Hansen G et al: Absence of muscarinic cholinergic airway responses
in mice deficiem in rhe cyclic nucleotide phosphodiesrerase
menos seletivas nas suas ações. O Quadro 6.5 fornece um resumo POE40. Proc Narl Acad Sci USA 2000;97:6751.
das etapas na transmissão de impulsos, do sistema nervoso cen- Huikuri HV, Makikallio TH: Hean rate variabiliry in ischemic hean
tral para as células efetoras autônomas. As drogas que bloqueiam disease. Auton Neurosci 2001;90:95.
a propagação do potencial de ação (anestésicos locais) não são Jarvis SE, Zamponi GW: Imeractions between presynaptic Ca2•
seletivas na sua ação, visto que atuam sobre um processo que é channels, cyroplasmic messengers and proteins of the synaptic
comum a todos os neurônios. Por outrO lado, as drogas que atu- vesicle complex. Trends Pharmacol Sci 2001;22:519.
Kellogg OL Jr et ai: Cutaneous active vasodilation in humans is
am sobre os processos bioquímicos envolvidos na síntese e no ar-
mediated by cholinergic nerve catransmission. Circ Res 1995;
mazenamento de transmissores apresentam mais seletividade, visto 77:1222.
que a bioquímica da transmissão adrenérgica é muito diferente Kumada M, Terui N, Kuwaki T: Arterial baroreceptor ref1ex:Its cen-
daquela da transmissão colinérgica. A ativação ou o bloqueio dos tral and peripheral neural mechanisms. Prog Neurobiol 1990;
receptores das células efetoras oferecem o máximo de flexibilida- 35:331.

de e seletividade de efeito: os receptores adrenérgicos são facilmen- Lee TJF, Liu J, Evans S: Cholinergic-niuergic uansmitter mecha-
nisms in the cerebral circulation. Microsc Res Tech 2001;
te distinguidos dos receptores colinérgicos. Além disso, alguns 53:119.
subgrupos freqüentem ente podem ser ativados ou bloqueados
Lepori L et al: Interaction between cholinergic and niuergic vasodila-
seletivamente dentro de cada tipo principal. Alguns exemplos são tion: a nove! mechanism of blood pressure camro!. Cardiovasc
fornecidos no Boxe: Farmacologia do Olho. Res 2001;51:767.
Os quatro capítulos que se seguem fornecem muito mais exem- Lundberg JM: Pharmacology of cauansmission in the autonomic
plos dessa diversidade útil de processos de controle autônomo. nervous system: Integrative aspects on amines, neuropeptides,
78 / FARMACOLOGIA

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Drogas Ativadoras dos Receptores
Colinérgicos e Inibidores da
Colinesterase
Achílles J. Pappano, PhD

Os estimulantes dos receptores de acetilcolina e os inibidores da co- as células efetoras autônomas. Em conseqüência, os receptores gan-
linesterase formam, em seu conjunto, um grande grupo de subs- glionares e dos músculos esqueléticos foram denominados nicotí-
tâncias que imitam a acetilcolina (agentes colinomiméricos) (Fig. nicos. Quando a acetilcolina foi posteriormente identificada como
7.1). Os estimulantes dos receptores colinérgicos são classificados transmissor fisiológico nos receptores tanto muscarínicos quanto
farmacologicamente pelo seu espectro de ação, dependendo do tipo nicotÍnicos, ambos os receptores foram reconhecidos como subti-
de receptor ativado - muscarínico ou nicotÍnico. Além disso, são pos de receptores colinérgicos.
classificados com base no seu mecanismo de ação, visto que alguns Os receptores colinérgicos são membros das famílias ligadas a
agentes colinomiméticos ligam-se diretamente aos receptores coli- proteínas G (receptores muscarínicos) ou de canais iônicos (recep-
nérgicos (e os ativam), enquanto outros atuam de modo indireto, tores nicotínicos), com base nos seus mecanismos de sinalização
inibindo a hidrólise da acetilcolina endógena. transmembranosa. Os receptores muscarínicos contêm sete domí-
nios transmembranosos, cuja terceira alça citoplasmática está aco-
piada a proteínas G que atuam como transdutores intramembra-
ESPECTRO DE AÇÃO DOS AGENTES nosos (ver Fig. 2.11). Em geral, esses receptores regulam a produ-
COLlNOMIMÉTICOS ção de segundos mensageiros intracelulares. A seletividade dos ago-
nistas é determinada pelos subripos de receptores muscarínicos e
Os primeiros estudos sobre o sistema nervoso parassimpático mos- das proteínas G que estão presentes em determinada célula (Qua-
traram que o alcalóide muscarina imitava os efeitos da descarga dro 7.1). Os receptores muscarínicos localizam-se nas membranas
nervosa parassimpárica, isto é, os efeitos eram parassimpaticomi- plasmáricas de células no sistema nervoso central, em órgãos iner-
méticos. A aplicação da muscarina a gânglios e a tecidos efetores vados por nervos parassimpáticos, bem como em alguns tecidos que
autônomos (músculo liso, coração, glândulas exócrinas) mostrou não são inervados por esses nervos, como, por exemplo, as células
que a ação parassimpaticomimérica do alcalóide ocorria através de endoteliais (Quadro 7.1), e em tecidos inervados por nervos sim-
uma ação sobre receptores presentes nas células efetoras, e não nos páticos colinérgicos pós-ganglionares.
gânglios. Os efeitos da própria acetilcolina e de outrOS agentes co- Os receptores nicotínicos fazem parte de um polipeptídio trans-
linomiméticos nas junções neuroefetoras autônomas são denomi- membranoso, cujas subunidades formam canais iônicos seletivos
nados efeitos patassimpaticomiméricos e são mediados por recep- para cátions (ver Fig. 2.9). Esses receptores localizam-se nas mem-
tores muscarínicos. Por outro lado, foi constatado que o alcalóide branas plasmáticas de células pós-ganglionares em todos os gângli-
nicotina, em baixas concentrações, estimulava os gânglios autôno- os autônomos, dos músculos inervados por fibras motoras somáti-
mos e as junções neuromusculares do músculo esquelético, mas não cas e de alguns neurônios do sistema nervoso central (ver Fig. 6.1).

Estimulantes dos receptores colinérgicos

Coração e Glândulas e
Nervo músculo liso endotélio

Alcalóides

I
I
Ésteres de colina
ação
Drogas
direta
de
Receptores
-cMuscarínic0J-
Nicotínicos
lACh- D~ogasde
açao indireta
I -1"ReverSiveiS"
"Irreversíveis"

]
Placa terminal Células
neuromuscular, músculo ganglionares
esquelético autônomas

Fig. 7.1 Os principais grupos de drogas ativadoras dos receptores colinérgicos, receptores e tecidos-alvo.
80 / FARMACOLOGIA

Quadro 7.1 Subtipos e características dos receptores colinérgicos

Tipo de Outros Características Mecanismo


Receptor Nomes Localização Estruturais Pós-receptor

M, M" Nervos Sete segmentos transmembranosos, Cascata de IP3,DAG


ligados à proteína G

M2 M2" M2 cardíaco Coração, nervos, Sete segmentos transmembranosos, Inibição da produção de


músculo liso ligados à proteína G cAMP, ativação dos canais
de K+

M3 M'b' M2 glandular Glândulas, músculo liso, Sete segmentos transmembranosos, Cascata de IP3,DAG
endotélio ligados à proteína G

mJ ?SNC Sete segmentos transmembranosos, Inibição da produção de


ligados à proteína G cAMP

mJ ?SNC Sete segmentos transmembranosos, Cascata de IP3,DAG


ligados à proteína G

Tipo muscular, Junção neuromuscular Pentâmero (a2~8'Y)2 Canal iônico despolarizante


receptor da placa do músculo esquelético de Na+, K+
terminal

Tipo neuronal, Corpo celular Subunidades a e ~ apenas, como Canal iônico despolarizante
receptor ganglionar pós-ganglionar, a2~2 ou a3~3 de Na+, K+
dendritos

'Foram clonados genes, porém os receptores funcionais ainda não foram identificados de modo definitivo.
'Estrutura no órgão elétrico do Torpedo e no músculo fetal de mamífero. No músculo do adulto, a subunidade 'Y é substituída por uma subunidade e. Foram identifícadas várias
subunidades Cl e i3 diferentes em diferentes tecidos de mamíferos (Lukas et aI., 1999).

Os estimulantes não-seletivos dos receptores colinérgicos, Alguns inibidores da colinesterase também inibem a butirilcoli-
quando administrados em dose suficiente, podem produzir altera- nesterase (pseudocolinesterase). Todavia, a inibição da butirilcoli-
ções muito difusas e acentuadas na função de sistemas orgânicos, nesterase só desempenha um pequeno papel na ação dos agentes
visto que a acetilcolina apresenta múltiplos sítios de ação, onde colinomiméticos de ação indireta, visto que essa enzima não é im-
dá início a efeitos tanto excitatórios quanto inibitórios. Felizmente, portante na interrupção fisiológica da ação da acetilcolina sinápti-
dispõe-se de drogas que apresentam certo grau de seletividade, de ca. Alguns inibidores quaternários da colinesterase também exer-
modo que os efeitos desejados freqüentemente podem ser obti- cem ação direta moderada, como, por exemplo, a neostigmina, que
dos, enquanto é possível evitar ou minimizar os efeitos adversos, ativa diretamente os receptores colinérgicos nicotínicos neuromus-
A seletividade de ação baseia-se em diversos fatores. Algumas dro- culares, além de bloquear a colinesterase.
gas estimulam seletivamente os receptores muscarínicos ou os
receptores nicotínicos, Alguns fármacos estimulam preferencial-
mente os receptores nicotínicos nas junções neuromusculares e
exercem menos efeitos sobre os receptores nicotínicos nos gângli- I. FARMACOLOGIA BÁSICA DOS
os. A seletividade no que concerne aos órgãos também pode ser
obtida com o uso de vias de administração apropriadas ("seletivi- ESTIMULANTES DOS
dade farmacocinética"). Assim, por exemplo, os estimulantes
muscarínicos podem ser administrados topicamente à superfície
RECEPTORES COLINÉRGICOS DE
do olho para modificar a função ocular, minimizando, assim, os
efeitos sistêmicos. AÇÃO DIRETA
As drogas colinomiméticas de ação direta podem ser divididas, com
base na sua estrutura química, em ésteres de colina (incluindo a
MODO DE AÇÃO DOS AGENTES acetilcolina) e alcalóides (como a muscarina e a nicotina). Alguns
COLlNOMIMÉTICOS desses fármacos apresentam alta seletividade para os receptores
muscarínicos ou nicotínicos. Muitos possuem efeitos sobre ambos
Os fármacos colinomiméticos de ação direta podem ligar-se direta- os receptores, como a acetilcolina.
mente aos receptores muscarínicos ou nicotínicos e ativá-Ias (Fig.
7.1). Os fármacos de ação indireta produzem seus efeitos primári- Química e Farmacocinética
os ao inibir a acetilcolinesterase, que hidrolisa a acetilcolina a coli-
A. ESTRUTURA
na e a ácido acético (ver Fig. 6.3). Ao inibir a acetilcolinesterase, as
drogas de ação indireta aumentam a concentração de acetilcolina A Fig, 7.2 mostra quatro ésteres de colina importantes, que foram
endógena nas fendas sinápticas e nas junções neuroefetoras; por sua extensamente estudados. Apresentam um grupo amônia quaternário
vez, o excesso de acetilcolina estimula os receptores colinérgicos a de carga elétrica permanente, que os torna relativamente insolúveis
produzir respostas aumentadas. Essas drogas atuam primariamen- em lipídios. Foram identificados muitos fármacos colinomiméti-
te nos locais onde a acetilcolina é liberada fisiologicamente e se cons- cos de ocorrência natural e sintéticos, que não são ésteres de colina;
tituem em amplificadores da acetilcolina endógena. alguns deles são apresentados na Fig. 7.3. O receptor muscarínico
DROGAS ATIVADORAS DOS RECEPTORES COLlNÉRGICOS E INIBIDORES DA COLlNESTERASE / 81

Os alcalóides colinomiméticos terciários naturais (pilocarpina,


nicotina, lobelina; Fig. 7.3) são bem absorvidos pela maior parte
das vias de administração. A nicotina, um líquido, é suficiente-
mente lipossolúvel para ser absorvida através da pele. A muscari-
Acetilcolina
na, uma amina quaternária, não é absorvida tão completamente
pelo trato gastrintestinal quanto as aminas terciárias, mas, mes-
mo assim, é tóxica quando ingerida, por exemplo, em certos co-
gumelos, podendo até penetrar no cérebro. A lobelina é um deri-
vado vegetal semelhante à nicotina. Essas aminas são excretadas
principalmente pelos rins. A acidificação da urina acelera a depu-
ração das aminas terciárias.

Metacolina
(aceti I-!l -meti Ico lina)
Farmacodinâmica

A. MECANISMO DE AçÃO
o
II A ativação do sistema nervoso parassimpático modifica a função
H2N-C-O-H dos órgãos através de dois mecanismos principais. Em primeiro
Ácido carbâmico lugar, a acetilcolina liberada dos nervos parassimpáticos ativa os
receptores muscarínicos presentes nas células efetoras, alterando
diretamente a função dos órgãos. Em segundo lugar, a acetilcoli-
na liberada dos nervos parassimpáticos interage com os recepto-
res muscarínicos nas terminações nervosas, inibindo a liberação
de seu neurotransmissor. Através desse mecanismo, a liberação de
acetilcolina e os agonistas muscarínicos circulantes alteram indi-
retamente a função dos órgãos ao modular os efeitos dos sistemas
Carbacol
(carbamoilcolinal nervosos parassimpático e simpático e, talvez, dos sistemas não-
adrenérgicos, não-colinérgicos.
Os mecanismos pelos quais os estimulantes muscarínicos alte-
ram a função celular continuam sendo investigados. Conforme
assinalado no Capo 6, foram caracterizados subtipos de recepto-
res muscarínicos através de estudos de ligação e clonagem. Ocor-
rem vários eventos celulares quando os receptores muscarínicos
são ativados, podendo um ou mais deles atuar como segundos-
Betanecol
(carbamoi I-!l-meti Ico Iina)
mensageiros para a ativação muscarínica. Todos os receptores
muscarínicos parecem ser do tipo acoplado à proteína G (ver Capo
Fig. 7.2 Estruturas moleculares de quatro ésteres de colina e do ácido 2 e Quadro 7.1). A ligação de agonistas muscarínicos ativa a cas-
carbâmico. A acetilcolina e a metacolina são ésteres de ácido acéti- cata de IP3, DAG. Algumas evidências implicam a atuação do
co da colina e [3-metilcolina, respectivamente O carbacol e o beta- DAG na abertura dos canais de cálcio dos músculos lisos; o IP3
necol são ésteres de ácido carbâmico dos mesmos alcoóis.
libera o cálcio do retículo endoplasmático e sarcoplasmático. Os
agonistas muscarínicos também aumentam as concentrações ce-
lulares de cGMP. A ativação dos receptores muscarínicos também
é fortemente estéreosseletivo: o (S)-betanecol é quase 1.000 vezes aumenta o fluxo de potássio através das membranas celulares car-
díacas e o diminui nas células dos gânglios e dos músculos lisos.
mais potente do que o (R)-betanecol.
Esse efeito é mediado pela ligação de uma proteína G ativada di-
retamente ao canal. Por fim, a ativação dos receptores muscaríni-
B. ABSORÇÃO, DISTRIBUiÇÃO E METABOLISMO
cos em alguns tecidos (por exemplo, coração e intestino) inibe a
Os ésteres de colina são pouco absorvidos e apresentam distribui- atividade da adenilil ciclase. Além disso, os agonistas muscaríni-
ção inadequada no sistema nervoso central, em virtude de sua na- cos podem atenuat a ativação da adenilil ciclase e modular o au-
tureza hidrofílica. Embora todos sejam hidrolisados no trato gas- mento dos níveis de cAMP induzido por hormônios, como as
trintestinal (e sejam menos ativos por via oral), diferem acentuada- catecolaminas. Esses efeitos muscarínicos sobre a geração de cAMP
mente na sua suscetibilidade à hidrólise pela colinesterase no orga- provocam uma redução da resposta fisiológica do órgão aos hor-
nismo. A acetilcolina sofre hidrólise muito rápida (ver Capo 6); é mônios estimuladores.
necessária a infusão intravenosa de grandes quantidades de acetil- O mecanismo de ativação dos receptores nicotínicos foi estuda-
colina para obter concentrações suficientemente altas que produ- do de modo pormenorizado, recorrendo, para isso, a três fatores:
zam efeitos detecráveis. Uma grande injeção intravenosa na forma (1) o receptor é encontrado em concentrações extremamente ele-
de "bolo" exerce efeito de curta duração, tipicamente de 5-20 se- vadas nas membranas dos.órgãos elétricos do peixe elétrico; (2) a
gundos, enquanto as injeções intramusculares e subcutâneas pro- a-bungarotoxina, um componente do veneno de certas cobras, liga-
duzem apenas efeitos locais. A metacolina é mais resistente à hidró- se fortemente aos receptores e é facilmente utilizada como marca-
lise, e os és teres do ácido carbâmico - carbacol e betanecol- são dor para procedimentos de isolamento; e (3) a ativação do receptor
ainda mais resistentes à hidrólise pela colinesterase e apresentam resulta em alterações elétricas e iônicas facilmente medidas nas cé-
duração de ação correspondentemente mais prolongada. A presen- lulas envolvidas. O receptor nicotínico nos tecidos musculares é um
ça do grupo l3-metil (metacolina, betanecol) reduz a potência des- pentâmero de quatro tipos de subunidades glicoproteicas (um
sas drogas nos receptores nicotínicos (Quadro 7.2). monômero ocorre duas vezes), com peso molecular total de cerca
82 / FARMACOLOGIA

AÇÃO PRINCIPALMENTE AÇÃO PRINCIPALMENTE


MUSCARíNICA NICOTíNICA

Muscarina Nicotina

II
C--CH2
O
I
CSHS
-O N
I
I
CH2-CH OH
I
CSHS
CH3

Pilocarpina Lobelina

Fig. 7.3 Estruturas de alguns alcalóides colinomiméticos.

de 250.000 (ver Fig. 2.9). O receptor nicotÍnico neuronal consiste 2. Sistema cardiovascular - Os efeitos cardiovasculares primários
apenas em subunidades Ci e [3 (Quadro 7.1). Cada subunidade apre- dos agonistas muscarínicos consistem em redução da resistência
senta quatro segmentos transmembranosos. Cada subunidade Ci vascular periférica e alterações na freqüência cardíaca. Os efeitos
possui um sítio receptor que, quando ocupado por um agonista diretos, que estão relacionados no Quadro 7.3, são modificados por
nicotínico, provoca uma alteração na configuração da proteína (aber- reflexos homeostáticos importantes, conforme descrito no Capo 6
tura dos canais), permitindo a rápida difusão de íons de sódio e e ilustrado na Fig. 6.7. Nos seres humanos, a infusão intravenosa
potássio ao longo de seus gradientes de concentração. Enquanto a de doses efetivas mínimas de acetilcolina (por exemplo, 20-50 fLg/
ligação de uma molécula de agonista por um dos dois sítios recep- min) provoca vasodilatação, com conseqüente redução da pressão
tores da subunidade Ci aumenta apenas moderadamente a probabi- arterial, freqüentem ente acompanhada de aumento refl~xo na fre-
lidade de abertura dos canais, a ligação simultânea do agonista por qüência cardíaca. A acetilcolina administrada em doses mais altas
ambos os sítios receptores aumenta acentuadamente a probabilida- produz bradicardia e diminuição da velocidade de condução atra-
de de abertura. O efeito primário da ativação dos receptores nico- vés do nó atrioventricular, além do efeito hipotensor.
tÍnicos consiste na despolarização da célula nervosa ou da membra- As ações cardíacas diretas dos estimulantes muscarínicos inclu-
na da placa terminal neuromuscular.
em as seguintes: (1) aumento numa corrente de potássio (IK(Ach))
A ocupação prolongada do receptor nicotínico por um agonista nas células musculares atriais, bem como nas células dos nós sino-
anula a resposta efetora, isto é, o disparo do neurônio pós-ganglio- arrial e atrioventricular; (2) diminuição na corrente de cálcio lenta
nar cessa (efeito ganglionar), e a célula do músculo esquelético re-
internamente dirigida (IcJ nas células cardíacas; e (3) redução na
laxa (efeito da placa terminal neuromuscular). Além disso, a pre-
corrente ativada por hiperpolarização (I,), subjacente à despolari-
sença contínua do agonista nicotínico impede a recuperação elétri-
zação diastólica. Todas essas ações são mediadas pelos receptores
ca da membrana pós-juncional. Dessa maneira, verifica-se a indu-
M2 e contribuem para reduzir a freqüência do marca-passo. Os efei-
ção de um estado de "bloqueio despolarizante", que é refratário à
tos (1) e (2) provocam hiperpolarização e diminuição da contrati-
reversão por outros agonistas. Conforme assinalado adiante, esse lidade das células atriais.
efeito pode ser explorado para a produção de paralisia muscular.
A redução direta da freqüência sinoatrial e da condução atrio-
B. EFEITOS SOBRE SISTEMAS DE ÓRGÃOS
ventricular, que é produzida por agonistas muscarínicos, é freqüen-
temente contrabalançada pela descarga simpática reflexa, produzi-
Os efeitos diretos dos estimulantes dos receptores colinérgicos da pela redução da pressão arterial. A conseqüente interação sim-
muscarínicos sobre sistemas de órgãos são, em sua maioria, facil-
mente previstos a partir do conhecimento dos efeitos da estimula-
ção dos nervos parassimpáticos (ver Quadro 6.3) e da distribuição
Quadro 7.2 Propriedades dos ésteres de colina
dos receptores muscarínicos. O Quadro 7.3 fornece uma relação
dos efeitos de um agente típico, como a acerilcolina. De forma se- Éster de Suscetibilidade Ação Ação
melhante, os efeitos dos agonistas nicotínicos são previsíveis com Colina à Colinesterase Muscarínica Nicotínica
base no conhecimento da fisiologia dos gânglios autônomos e da Cloreto de ++++ +++ +++
placa terminal motora do músculo esquelético. acetilcolina
1. Olho - A instilação de agonistas muscarínicos no saco conjun- Cloreto de + ++++ Nenhuma
rival provoca contração do músculo liso do esfíncter da íris (resul- metacolina
tando em miose) e do músculo ciliar (produzindo acomodação). Em
Cloreto de Insignificante ++ +++
conseqüência, a íris é afastada do ângulo da câmara anterior e a rede carbacol
trabecular na base do músculo ciliar é aberta. Ambos os efeitos fa-
cilitam o efluxo do humor aquoso para o canal de Schlemm, que Clmeto de Insignificante ++ Nenhuma
drena a câmara anterior. betanecol
DROGAS ATIVADORAS DOS RECEPTORES COLlNÉRGICOS E INIBIDORES DA COLlNESTERASE / 83

Quadro 7.3 Efeitos dos estimulantes dos receptores claramente evidentes, devido à modulação muscarínica dos efeitos
colinérgicos de ação direta. Estão indicados apenas os simpáticos ("antagonismo acentuado"; Levy et a/., 1994).
efeitos diretos; as respostas homeostáticas a essas ações No organismo intacto, os agonistas muscarínicos produzem
diretas podem ser importantes (ver o texto) vaso dilatação acentuada. Todavia, nos estudos preliminares, os va-
sos sangüíneos isolados freqüentemente apresentaram uma respos-
Órgão Resposta ta contrátil a esses fármacos. Hoje em dia, sabe-se que a vaso dilata-
Olho ção induzi da pela acetilcolina exige a presença de endotélio intacto
Músculo esfíncter da iris Contração .................
(miose) (Fig. 7.4). Os agonistas muscarínicos liberam uma substância (fa-
tor de relaxamento derivado do endotélio ou EDRF [endothelium-
Músculo ciliar Contração para visão de perto
.............................. , derived relaxingjàctor]) das células endoteliais, que produz relaxa-
Coração mento do músculo liso. Vasos isolados preparados com o endoté-
Nó sinoatrial Diminuição da freqüência lio preservado reproduzem de modo consistente a vasodilatação
(cronotropismo
negativo) .
............................... "" observada no organismo intacto. O EDRF parece ser, em grande
Átrios Diminuição da força de contração parte, o óxido nítrico (NO). Essa substância ativa a guanilil ciclase
(inotropismo negativo). Diminuição e aumenta o cGMP no músculo liso, resultando em relaxamento
do período refratário (ver Fig. 12.2).
Os efeitos cardiovasculares de todos os és teres de colina asseme-
Nó atrioventricular Diminuição da velocidade de
condução (dromotropismo lham-se aos da acetilcolina, sendo as principais diferenças represen-
negativo). Aumento do período tadas pela sua potência e duração de ação. Devido à resistência da
refratário
metacolina, do carbacol e do betanecol à acetilcolinesterase, a ad-
Ventrículos Pequena diminuição na força de ministração intravenosa de doses mais baixas é suficiente para pro-
contração duzir efeitos semelhantes aos da acetilcolina, e a duração de ação
desses ésteres de colina sintéticos é maior. Os efeitos cardiovascula-
Vasos sangüíneos
Artérias Dilatação (através do EDRF). res da maioria dos alcalóides naturais e análogos sintéticos colino-
Constrição (efeito direto de altas mim éticos também são, em geral, semelhantes aos da acetilcolina.
doses) A pilocarpina representa uma exceção interessante à afirmação
Veias Dilatação (através do EDRF). anterior. Quando administrada por via intravenosa (exercício ex-
Constrição (efeito direto de altas perimental), pode produzir hipertensão depois de uma breve res-
doses) posta hipotensora inicial. O efeito hipertensivo mais duradouro
Pulmão pode ser atribuído à descarga ganglionar simpática causada pela
Músculo brônquico Contração (broncoconstrição) ativação dos receptores Mj da membrana celular pós-ganglionar,
que fecham os canais de K+ e induzem potenciais excitatórios (des-
Glãndulas brônquicas Estimulação
polarizantes) pós-sinápticos lentos. Esse efeito, a exemplo do efeito
Trato gastrintestinal hipotensor, pode ser bloqueado pela atropina, um agente anti-
Motilidade Aumento m uscarínico.
Esfincteres Relaxamento
3. Sistema respiratório - Os estimulantes muscarínicos produzem
Secreção Estimulação contração do músculo liso da árvore brônquica. Além disso, as glân-
dulas da mucosa traqueobrônquica são estimuladas a secretar. Essa
Bexiga combinação de efeitos pode, em certas ocasiões, provocar sintomas,
Detrusor Contração
particularmente em indivíduos com asma.
Trígono e esfíncter Relaxamento
4. Trato gastrintestinal- A exemplo da estimulação do sistema
Glândulas nervoso parassimpático, a administração de agonistas muscaríni-
Sudoriparas, saiivares, Secreção
cos aumenta a atividade secretora e motora do trato digestivo.
lacrimais, nasofaringeas
Ocorre acentuada estimulação das glândulas salivares e gástricas,
enquanto o pâncreas e as glândulas do intestino delgado sofrem
menos estimulação. A atividade peristáltica aumenta em todo o
trato digestivo, e ocorre relaxamento da maioria dos esfíncteres.
pática-parassimpática é complexa, devido à modulação muscaríni- A estimulação da contração nesse sistema de órgãos envolve a
ca das influências simpáticas que ocorre através da inibição da libe- despolarização da membrana das células musculares lisas e aumen-
ração de noradrenalina e dos efeitos celulares pós-juncionais. Exis- to do influxo de cálcio.
tem receptores muscarínicos nas terminações nervosas parassimpá-
ticas pós-ganglionares, que permitem que a acetilcolina neuralmente 5. Trato geniturinário - Os agonistas muscarínicos estimulam o
liberada iniba a sua própria secreção. Os receptores muscarínicos músculo detrusor e relaxam os músculos trígono e esfíncter da be-
neuronais não precisam ser do mesmo subtipo encontrado nas cé- xiga, promovendo, assim, o seu esvaziamento. O útero na mulher
lulas efetoras. Por conseguinte, o efeito final sobre a freqüência car- não é notadamente sensível aos agonistas muscarínicos.
díaca depende das concentrações locais do agonista no coração e 6. Outras glândulas secretoras - Os agonistas muscarínicos esti-
nos vasos, bem como do nível de resposta reflexa. mulam a secreção das glândulas sudoríparas termorreguladoras, la-
A inervação parassimpática dos ventrículos é muito menos ex-
crimais e nasofaríngeas.
tensa que a dos átrios, e a ativação dos receptores muscarínicos ven-
triculares resulta em efeito fisiológico muito menor do que aquele 7. Sistema nervoso central- O sistema nervoso central contém
observado nos átrios. Entretanto, durante a estimulação simpática, receptores tanto muscarínicos quanto nicotínicos, sendo o cérebro
os efeitos dos agonistas muscarínicos sobre a função ventricular são relativamente mais rico em sítios muscarínicos, enquanto a medu-
84 / FARMACOLOGIA

Não-raspado Raspado

~~~1~6r-1\
II '
-----!
rChJ1
NA-8
-1,5

-7
-8
,5
-8
-~
NA-8
-1-6,5 W\
\
~

Fig. 7.4 A ativação dos receptores muscarínicos das células endoteliais pela acetilcolina libera o fator de relaxamento derivado do endo-
télio (óxido nítrico) (EDRF[NO]), que produz relaxamento do músculo liso vascular anteriormente contraído com noradrenalina. A remo-
ção do endotélio por raspagem elimina o efeito relaxante e revela contração causada pela ação direta da acetilcolina sobre o músculo liso
vascular. (Modificado e reproduzido, com permissão, de Furchgott RF, Zawadzki JV: The obligatory role of endothelial cells in the relaxation of arterial
smooth muscle by acetylcholine. Nature 1980;288:373.)

Ia espinhal contém uma preponderância de sítios nicorínicos. O nas células do glomo. A ativação desses receptores por estimulantes
papel fisiológico desses receptores é discutido no Capo 21. nicorínicos e a dos receptores muscarínicos nas células do glomo
A função dos receptores muscarínicos no sistema nervoso cen- por estimulantes muscarínicos produzem respostas medulares com-
tral foi confirmada por experimentos realizados em camundongos plexas, incluindo alterações respiratórias e descarga vagal.
knockout(ver Capo 1). Previsivelmente, o carbacol não inibe a fre-
qüência atrial em animais com mutação dos receptores M2• Os efei- 9. Junção neuromuscular - Os receptores nicotÍnicos encontra-
tos da oxotremorina, um agonista muscarínico sintético, sobre o dos no aparelho da placa terminal neuromuscular são semelhantes,
sistema nervoso central (tremor, hipotermia e antinocicepção) tam- porém não idênticos aos receptores localizados nos gânglios autô-
pouco foram observados em camundongos com mutação homozi- nomos (ver Quadro 7.1). Ambos os tipos respondem à acetilcolina
gótica dos receptores M2• O knockoutdos receptores MI está asso- e nicotina. (Entretanto, conforme discutido no Capo 8, os recepto-
ciado a diferentes alterações no sistema nervoso periférico e sistema res diferem nas suas exigências estruturais no que concerne a dro-
nervoso central. A oxotremorina não suprimiu a corrente M nos gas bloqueadoras nicotínicas.) Quando se aplica diretamente um
gânglios simpáticos, e a pilocarpina não induziu convulsões epilép- agonista nicotínico (por iontoforese ou por injeção intra-arterial),
ticas nos camundongos com mutação de MI. ocorre despolarização imediata da placa terminal, causada por um
Apesar da menor relação entre receptores nicotÍnicos e muscarí- aumento da permeabilidade a íons de sódio e potássio. Dependen-
nicos no cérebro, a nicotina e a lobelina (Fig. 7.3) exercem efeitos do da sincronização da despolarização das placas terminais através
importantes sobre o tronco encefálico e o córtex. A leve ação da do músculo, a resposta contrátil varia desde fasciculações desorga-
nicotina absorvida proveniente da fumaça de tabaco sobre o estado nizadas de unidades motoras independentes até uma forte contra-
de alerta é o mais conhecido desses efeitos. Em concentrações maio- ção de todo o músculo. Os agentes nicorínicos despolarizantes que
res, a nicotina induz tremor, vômitos e estimulação do centro res- não sofrem hidrólise rápida (como a própria nicotina) provocam o
piratório. Em níveis ainda mais elevados, provoca convulsões, que rápido desenvolvimento de bloqueio despolarizante; o bloqueio da
podem terminar em coma fatal. Os efeitos letais sobre o sistema transmissão persiste, mesmo quando a membrana já está repolari-
nervoso central e o fato de a nicotina ser prontamente absorvida zada (esse tema é discutido de forma mais detalhada nos Caps. 8 e
constituem a base de seu uso como inseticida. O dimetilfenilpipe- 27). No caso do músculo esquelético, esse bloqueio manifesta-se
razínio (DMPP), um estimulante nicorínico sintético utilizado em na forma de paralisia flácida.
pesquisa, é relativamente desprovido desses efeitos centrais, visto
que ele não atravessa a barreira hematoencefálica.

8. Sistema nervoso periférico - Os gânglios autônomos represen- 11.FARMACOLOGIA BÁSICA DOS


tam importantes locais de ação sináptica nicotínica. Os agentes ni-
corínicos apresentados na Fig. 7.3 produzem acentuada ativação COLINOMIMÉTICOS DE AÇÃO
desses receptores nicotínicos e dão início a potenciais de ação nos
neurônios pós-ganglionares. A própria nicotina possui afinidade
INDIRETA
levemente maior pelos receptores nicotÍnicos neuronais do que pelos
As ações da acetilcolina liberada dos nervos autônomos e motores
musculares esqueléticos. A ação é a mesma nos gânglios tanto sim-
somáticos são interrompidas com a destruição enzimática da molé-
páticos quanto parassimpáticos. Por conseguinte, a resposta inicial
assemelha-se, com freqüência, à descarga simultânea de ambos os cula. A hidrólise é efetuada pela ação da acetilcolinesterase, presenc
sistemas nervosos simpático e parassimpático. No caso do sistema te em altas concentrações nas sinapses colinérgicas. Os colinomi-
méticos de ação indireta exercem seu efeito primário sobre o sítio
cardiovascular, os efeitos da nicotina são principalmente simpati-
comiméticos. A injeção parenteral de nicotina provoca acentuada ativo dessa enzima, embora alguns também possuam ações diretas
hipertensão; a taquicardia simpática pode alternar com bradicardia nos receptores nicotÍnicos. As principais diferenças entre os mem-
mediada vagalmente. Tanto no trato gastrintestinal quanto no tra- bros do grupo são químicas e farmacocinéticas - suas proprieda-
to urinário, os efeitos são, em grande parte, parassimpaticomiméti- des farmacodinâmicas são quase idênticas.
cos: é comum a ocorrência de náusea, vômitos, diarréia e elimina-
ção de urina. A exposição prolongada pode resultar em bloqueio Química e Farmacocinética
despolarizante dos gânglios.
A. ESTRUTURA
Verifica-se a presença de receptores nicotÍnicos neuronais nas
terminações nervosas sensoriais - particularmente em nervos afe- Os inibidores da colinesterase comumente utilizados são divididos
rentes nas artérias coronárias e corpos carótico e aórtico, bem como em três grupos químicos: (1) alcoóis simples, que possuem um grupo
DROGAS ATIVADORAS DOS RECEPTORES COLlNÉRGICOS E INIBIDORES DA COLlNESTERASE / 85

o
11

H3C-NH-C-O~ ~
Neosligmina Carbaril

Fisosligmina Edrofônio

Fig. 7.5 Inibidores da colinesterase. A neostigmina exemplifica o composto típico, que é um éster de ácido carbâmico ([1]) e um fenol
com grupo de amônio quaternário ([2]) A fisostigmina, um carbamato de ocorrência natural, é uma amina terciária. O edrofônio não é
um éster, mas liga-se ao sítio ativo da enzima.

de amônio quaternário, como, por exemplo, o edrofônio; (2) éste- Os inibidores da colinesterase organofosforados (à exceção do
res do ácido carbâmico de alcoóis, que possuem grupos de amônio ecotiofato) são bem absorvidos pela pele, pulmões, trato digestivo
quaternário ou terciário (carbamatos, como, por exemplo, a neos- e conjuntiva - tornando-os, assim, perigosos para os seres huma-
tigmina); e (3) derivados orgânicos do ácido fosfórico (organofos- nos e altamente eficazes como inseticidas. São relativamente me-
forados, como, por exemplo, o ecotiofato). A Fig. 7.5 fornece exem- nos estáveis do que os carbamatos quando dissolvidos em água e,
plos dos primeiros dois grupos. O edrofônio, a neostigmina e o portanto, apresentam meia-vida limitada no ambiente (em compa-
ambenônio são fármacos de amônio quaternário sintéticos, que são ração com a outra classe importante de inseticidas, os hidrocarbo-
utilizados em medicina. A fisostigmina (eserina) é uma amina ter- netos halogenados, como, por exemplo, o DDT). O ecotiofato é
ciária de ocorrência natural, de maior lipossolubilidade, que tam- altamente polar e mais estável do que a maioria dos outros organo-
bém é utilizada em terapêutica. O carbaril é típico de um grande fosforados. Pode ser preparado em solução aquosa para uso oftál-
grupo de inseticidas do carbamato, desenvolvido pela sua liposso- mico e retém a sua atividade durante várias semanas.
lubilidade muito elevada, de modo que sua absorção pelo inseto e
distribuição no seu sistema nervoso central são muito rápidas.
A Fig. 7.6 apresenta alguns dos cerca de 50.000 compostos or-
ganofosforados. Muitos dos organofosforados (o ecotiofato é uma o
exceção) são líquidos altamente lipossolúveis. O ecotiofato, um H5c2-o,,1I : ./ CH3
derivado da tiocolina, tem valor clínico, visto que conserva a dura- /p+ S-CH2-CH2-N- CH3
ção de ação muito longa de Outros organofosforados, porém é mais H5C2- O : "- CH3
Ecoliofalo Soman
estável em solução aquosa. O soman é um "gás de nervos" extre-
mamente potente. O paration e o malation são inseticidas tiofosfo-
rados, que são inativos como tais; são convertidos em derivados de
fosfato em animais e plantas e são utilizados como inseticidas.

B. ABSORÇÃO, DISTRIBUiÇÃO E METABOLISMO


Paralion Paraoxon
A absorção dos carbamatos quaternários pela conjuntiva, pele e
pulmões é previsivelmente baixa, visto que a sua carga perma~ente
os torna relativamente insolúveis em lipídios. De forma semelhan- o
te, são necessárias doses muito mais altas para administração oral ,,11:
do que para injeção parenteral. A distribuição no sistema nervoso •. /P+S-
I
I
central é insignificante. Por outro lado, a fisostigmina é bem absor-
vida por todas as vias e pode ser utilizada topicamente no olho
(Quadro 7.4). Distribui-se no sistema nervoso central e é mais tó-
Malalion Malaoxon
xica do que os carbamatos quaternários mais polares. Os carbama-
tos são relativamente estáveis em solução aquosa, mas podem ser Fig. 7.6 Estruturas de alguns inibidores da colinesterase organofos-
metabolizados no organismo por esterases inespecíficas, bem como forados. As linhas tracejadas indicam a ligação que é hidrolisada na
pela colinesterase. Todavia, a duração de seu efeito é determinada ligação à enzima. As ligações éster sombreadas no malation repre-
principalmente pela estabilidade do complexo inibidor-enzima (ver sentam os pontos de desintoxicação da molécula nos mamíferos e
Mecanismo de Ação, adiante), e não pelo metabolismo ou excreção. nas aves.
86 / FARMACOLOGIA

Os inseticidas tiofosfatados (paration, malation e compostos colinesterase" para os casos de envenenamento por inseticidas or-
relacionados) são muito lipossolúveis e sofrem rápida absorção por ganofosforados (ver Capo 8). Uma vez ocorrido o envelhecimento,
todas as vias. Devem ser ativados no organismo através de sua con- o complexo enzima-inibidor é ainda mais estável, e a sua clivagem
versão em análogos oxigenados (Fig. 7.6), um processo que ocorre torna-se mais difícil, mesmo com compostos regeneradores de
rapidamente tanto nos insetos quanto nos vertebrados. O malati- oXlma.
on e alguns outros inseticidas organofosforados também são rapi- Devido a acentuadas diferenças na duração de ação, os inibido-
damente metabolizados por outras vias a produtos inativos nas aves res organofosforados são algumas vezes designados inibidores "ir-
e nos mamíferos, mas não nos insetos. Por conseguinte, esses agen- reversíveis" da colinesterase, enquanto o edrofônio e os carbamatos
tes são considerados suficientemente seguros para venda ao públi- são considerados inibidores "reversíveis". Todavia, os mecanismos
co geral. Infelizmente, os peixes são incapazes de desintoxicar o moleculares de ação dos três grupos não sustentam essa descrição
malation, e um número significativo desses animais tem morrido simplista.
em decorrência do uso maciço desse agente em vias aquáticas ou
nas suas proximidades. O paration não é desintoxicado efetivamente B. EFEITOS SOBRE SISTEMAS DE ÓRGÃOS
nos vertebrados; por conseguinte, é consideravelmente mais peri-
Os efeitos farmacológicos mais proeminentes dos inibidores da
goso do que o malation nos seres humanos que no gado e não está
disponível para uso público geral. colinesterase são observados nos sistemas cardiovascular e gastrin-
Todos os organofosforados, com exceção do ecotiofato, distri- testinal, no olho e na junção neuromuscular dos músculos esque-
buem-se por todas as partes do corpo, incluindo no sistema nervo- léticos. Como a ação primária consiste em amplificar as ações da
acetilcolina endógena, os efeitos são semelhantes (mas nem sem-
so central. Por conseguinte, o envenenamento por esses agentes
inclui um importante componente de toxicidade do sistema ner- pre idênticos) aos efeitos dos agonistas colinomiméticos de ação
voso central. direta.

1. Sistema nervoso central - Em baixas concentrações, os inibi-


Farmacodinâmica dores da colinesterase lipossolúveis causam ativação difusa do ele-
troencefalograma e resposta subjetiva do estado de alerta. Em con-
A. MECANISMO DE AçÃO
centrações mais elevadas, provocam convulsões generalizadas, que
A acetilcolinesterase constitui o alvo primário dessas drogas e a podem ser seguidas de coma e parada respiratória.
butirilcolinesterase também é inibida. A acetilcolinesterase é uma
2. Olho, trato respiratório, trato gastrintestinal e trato urinário
enzima extremamente ativa. Na etapa inicial, a acetilcolina liga-se - Os efeitos dos inibidores da colinesterase sobre esses sistemas de
ao sítio ativo da enzima e é hidrolisada, com produção de colina
órgãos, todos eles bem inervados pelo sistema nervoso parassimpá-
livre e de enzima acetilada. Na segunda etapa, a ligação covalente tico, são, do ponto de vista qualitativo, muito semelhantes aos dos
da acetilenzima é clivada, com adição de água (hidratação). Todo o colinomiméticos de ação direta.
processo leva cerca de 150 microssegundos.
Todos os inibidores da colinesterase aumentam a concentração 3. Sistema cardiovascular - Os inibidores da colinesterase podem
de acetilcolina endógena nos receptores colinérgicos através da ini- aumentar a ativação tanto nos gânglios simpáticos quanto paras-
bição da acetilcolinesterase. Entretanto, os detalhes moleculares de simpáticos que suprem o coração, bem como nos receptores de
sua interação com a enzima variam de acordo com os três subgru- acetilcolina nas células neuroefetoras (músculo cardíaco e músculo
pos químicos mencionados anteriormente. - liso vascular) que recebem inervação colinérgica.
O primeiro grupo, do qual o edrofônio é o principal exemplo, No coração, predominam os efeitos da divisão parassimpática.
consiste em alcoóis quaternários. Esses agentes ligam-se reversivel- Assim, os inibidores da colinesterase, como edrofônio, fisostigmi-
mente ao sítio ativo, de modo eletrostático ou através de ligações na ou neostigmina, imitam os efeitos da ativação nervosa vagal so-
de hidrogênio, impedindo, dessa maneira, o acesso da acetilcolina. bre o coração. São produzidos efeitos cronotrópicos, dromotrópicos
O complexo enzima-inibidor não envolve uma ligação covalente e e inotrópicos negativos e o débito cardíaco cai. Essa queda é atri-
apresenta vida correspondentemente curta (da ordem de 2-10 minu- buível à bradicardia, redução da contratilidade atrial e alguma re-
tos). O segundo grupo consiste em ésteres de carbamato, como, por dução da contratilidade ventricular. Este último efeito ocorre em
exemplo, a neostigmina e a fisostigmina. Esses agentes sofrem hi- conseqüência da inibição pré-juncional da liberação de noradrena-
drólise seqüencial em duas etapas, análoga àquela descrita para a ... bem como da inibição dos efeitos simpáticos celulares pós-
lina,
acetilcolina. Entretanto, a ligação covalente da enzima carbamila- )UnClOnalS.
da é consideravelmente mais resistente ao segundo processo (hidra- Os inibidores da colinesterase exercem efeitos menos pronunci-
tação), de modo que essa etapa é correspondente mente prolongada ados sobre o músculo liso vascular e sobre a pressão arterial do que
(da ordem de 30 minutos a 6 horas). O terceiro grupo é constituí- os agonistas muscarínicos de ação direta. Isso se deve à capacidade
do pelos organofosforados. Esses agentes são também inicialmente das drogas de ação indireta de modificar o tônus dos vasos inerva-
ligados e hidrolisados pela enzima, resultando num sítio ativo fos- dos por nervos colinérgicos, bem como ao fato de que os efeitos finais
forilado. A ligação covalente fósforo-enzima é extremamente está- sobre o tônus vascular podem refletir a ativação de ambos os siste-
vel e sofre hidrólise em água, numa taxa muito lenta (centenas de mas nervosos simpático e parassimpático. O efeito colinomimético
horas). Após a etapa inicial de ligação-hidrólise, o complexo enzi- é mínimo no tecido efetor muscular liso, visto que poucos leitos
mático fosforilado pode sofrer outro processo, denominado enve- vasculares recebem inervação colinérgica. A ativação dos gânglios
lhecimento. Aparentemente, esse processo envolve a ruptura de uma simpáticos pode aumentar a resistência vascular.
das ligações de oxigênio-fósforo do inibidor, com maior fortaleci- Por conseguinte, os efeitos cardiovasculares finais de doses mo-
mento da ligação fósforo-enzima. A taxa de envelhecimento varia deradas de inibidores da colinesterase consistem em bradicardia
de acordo com o composto organofosforado específico. Quando moderada, queda do débito cardíaco e ausência de alteração ou re-
administrados antes da ocorrência do envelhecimento, os nucleófi- dução moderada da pressão arterial. Essas drogas, quando adminis-
los fortes, como a pralidoxima, são capazes de clivar a ligação fósfo- tradas em doses elevadas (tóxicas), causam bradicardia (em certas
ro-enzima, podendo ser utilizados como drogas "regeneradoras de ocasiões, taquicardia) e hipotensão mais acentuadas.
DROGAS ATIVADORAS DOS RECEPTORES COLlNÉRGICOS E INIBIDORES DA COLlNESTERASE / 87

4. Junção neuromuscular - Os inibidores da colinesterase exercem zes diagnosticada e tratada com agonistas colinomiméticos. A dose
importantes efeitos terapêuticos e tóxicos no nível da junção neuro- é semelhante àquela utilizada para o glaucoma, ou maior.
muscular dos músculos esqueléticos. As concentrações baixas (tera-
pêuticas) prolongam e intensificam moderadamente as ações da ace- B. TRATO GASTRINTESTlNAL E TRATO URINÁRIO
tilcolina fisiologicamente liberada. Isso aumenta a força de contra-
Nos distúrbios clínicos que envolvem a depressão da atividade do
ção, particularmente nos músculos enfraquecidos por agentes bloque-
adores neuromusculares curariformes ou pela miastenia grave. Em músculo liso sem obstrução, os agentes colinomiméticos com efei-
concentrações mais altas, o acúmulo de ãcetilcolina pode resultar em toS muscarínicos diretos ou indiretos podem ser úteis. Esses distúr-
fibrilação de fibras musculares. Pode ocorrer também disparo anti- bios incluem íleo paralítico pós-operatório (atonia ou paralisia do
drômico do neurônio motor, resultando em fasciculações que envol- estômago ou do intestino após manipulação cirúrgica) e megacó-
vem toda a unidade motora. Com a inibição acentuada da acetilco- lon congênito. Pode ocorrer retenção urinária no pós-operatório ou
linesterase, ocorre bloqueio neuromuscular despolarizante, que pode pós-parto, podendo ser também secundária a uma lesão ou doença
ser seguido de uma fase de bloqueio não-despolarizante, conforme da medula espinhal (bexiga neurogênica). Algumas vezes, os fárma-
observado com a succinilcolina (ver Quadro 27.2 e Fig. 27.6). cos colinomiméticos também são utilizados para aumentar o tônus
Alguns inibidores da colinesterase de carbamato quaternário, do esfíncter esofágico inferior em pacientes com esofagite de reflu-
xo. Dentre os ésteres de colina, o betanecol é o mais amplamente
como, por exemplo, neostigmina, exercem um efeito agonista ni-
cotínico direto adicional na junção neuromuscular. Isso pode con- utilizado para o tratamento desses distúrbios. Para problemas gas-
tribuir para a eficácia desses agentes na terapia da miastenia. trintestinais, é habitualmente administrado por via oral, numa dose
de 10-25 mg, 3 ou 4 vezes ao dia. Em pacientes com retenção uri-
nária, o betanecol pode ser administrado por via subcutânea, numa
dose de 5 mg, repetindo-se a dose em 30 minutos, se necessário.
Entre os inibidores da colinesterase, a neostigmina é a mais ampla-
111.FARMACOLOGIA CLíNICA mente utilizada para essas aplicações. Na presença de íleo paralíti-
DOS COLINOMIMÉTICOS co ou atonia da bexiga, a neostigmina pode ser administrada por
via subcutânea, numa dose de 0,5-1 mg. Se os pacientes forem ca-
Os principais usos terapêuticos dos colinomiméticos incluem do- pazes de tomar o fármaco por via oral, a neostigmina pode ser ad-
enças dos olhos (glaucoma, esotropia acomodativa), do trato gas- ministrada numa dose de 15 mg por via oral. Em todas essas situ-
trintestinal e trato urinário (atonia pós-operatória, bexiga neurogê- ações, o médico deve ter certeza de que não existe nenhuma obs-
nica), da junção neuromuscular (miastenia grave, paralisia neuro- trução mecânica ao fluxo antes de prescrever o colinomimético. Caso
muscular induzi da por curare) e, raramente, do coração (certas ar- contrário, o fármaco pode exacerbar o problema e até mesmo cau-
ritmias atriais). Em certas ocasiões, são utilizados inibidores da co- sar perfuração, em conseqüência do aumento de pressão.
linesterase para o tratamento da superdosagem de atropina. Vários A pilocarpina tem sido utilizada há muito tempo para aumen-
inibidores da colinesterase mais recentes estão sendo utilizados no tar a secreção salivar. A cevimelina é um novo agonista muscaríni-
tratamento de pacientes com doença de Alzheimer. co de ação direta utilizado no tratamento do ressecamento da boca
associado à síndrome de Sjogren.
Usos Clínicos
C. JUNÇÃO NEUROMUSCULAR
A. OLHO
A miastenia grave é uma doença que afeta as junções neuromuscu-
O glaucoma é uma doença caracterizada por aumento da pressão lares dos músculos esqueléticos. Um processo auto-imune leva à
intra-ocular. Os estimulantes muscarínicos e os inibidores da coli- produção de anticorpos, diminuindo o número de receptores ni-
nesterase reduzem a pressão intra-ocular ao produzir contração do cotínicos funcionais nas placas terminais pós-juncionais. Os acha-
corpo ciliar, de modo a facilitar o efluxo de humor aquoso e, ral- dos freqüentes incluem ptose, diplopia, dificuldade na fala e deglu-
vez, ao diminuir também a sua taxa de secreção (ver Fig. 6.9). No tição e fraqueza dos membros. A doença grave pode acometer to-
passado, o glaucoma era tratado com agonistas diretos (pilocarpina, dos os músculos, incluindo aqueles necessários à respiração. A do-
metacolina, carbacol) ou com inibidores da colinesterase (fisostig- ença assemelha-se à paralisia neuromuscular produzida pela d-
mina, demecário, ecotiofato, isoflurofato). No caso do glaucoma tubocurarina e por bloqueadores neuromusculares não-despolari-
crônico, esses fármacos foram substituídos, em grande parte, por zantes semelhantes (ver Capo 27). Os pacientes com miastenia
i3-bloqueadores tópicos e derivados das prostaglandinas. mostram-se extremamente sensíveis à ação de drogas curariformes
O glaucoma de ângulo fechado agudo é uma emergência médi- e outros fármacos capazes de interferir na transmissão neuromus-
ca, que freqüentemente é trarada a princípio com fármacos, mas que, cular, como, por exemplo, os antibióticos aminoglicosídicos.
em geral, exige cirurgia para correção permanente. Com freqüên- Os inibidores da colinesterase - mas não os agonistas dos re-
cia, a terapia inicial consiste numa associação de agonista muscarí- ceptores de acetilcolina de açãddireta - são extremamente valio-
nico direto e inibidor da colinesterase (por exemplo, pilocarpina sos na terapia da miastenia. Quase todos os pacientes são também
mais fisostigmina), bem como outros fármacos. Uma vez controla- ..
tratados com agentes imunossupressores e alguns são submetidos à
da a pressão intra-ocular e diminuído o risco de perda da visão, pode- nmectomla.
se preparar o paciente para cirurgia corretiva (iridectomia). O glau- O edrofônio é algumas vezes utilizado como teste diagnóstico
coma de ângulo aberto e alguns casos de glaucoma secundário são para a miastenia. Uma dose de 2 mg é injetada por via intravenosa
doenças crônicas que não são passíveis de correção cirúrgica tradi- após determinação basal da força muscular. Se não houver nenhu-
cional, embora as mais novas técnicas com laser pareçam ser úteis. ma reação depois de 45 segundos, pode-se injetar uma dose adici-
Outros tratamentos para o glaucoma são descritos no Boxe, Trata- onal de 8 mg. Alguns médicos dividem a dose de 8 mg em duas
mento do Glaucoma no Capo 10. doses de 3 e 5 mg, administradas em intervalo de 45 segundos. Se
A esotropia acomodativa (estrabismo causado por erro de aco- o paciente tiver miastenia grave, observa-se habitualmente uma
modação hipermétrope) em crianças de pouca idade é algumas ve- melhora da força muscular, que dura cerca de 5 minutos.
88 / FARMACOLOGIA

o edrofônio também é utilizado para avaliar a suficiência do Quadro 7.4 Usos terapêuticas e duração de ação dos
tratamento com os inibidores da colinesterase de ação mais prolon- inibidores da colinesterase
gada em pacientes com miastenia grave. Se quantidades excessivas
Duração de Ação
de inibidor da colinesterase tiverem sido utilizadas, o paciente pode Usos Aproximada
tornar-se paradoxalmente fraco, devido ao bloqueio despolarizante
nicotínico da placa terminal motora. Esses pacientes também po- Alcoóis
dem apresentar sintomas de estimulação excessiva dos receptores Edrofônio Miastenia grave, íleo 5-15 minutos
muscarínicos (cólicas abdominais, diarréia, aumento da salivação, paralítico, arritmias

secreções brônquicas excessivas, miose, bradicardia). O edrofônio Carbamatos e fármacos relacionados


em pequenas doses (1-2 mg por via intravenosa) não produz alívio Neostígmina Miastenia grave, íleo 0,5-2 horas
paralítico
ou até mesmo agrava a fraqueza, se o paciente estiver recebendo
terapia com inibidores da colinesterase em doses excessivas. Por Piridostigmina Miastenia grave 3-6 horas
outro lado, se houver melhora do paciente com edrofônio, pode-se Fisostígmina Glaucoma 0,5-2 horas
indicar um aumento na dose do inibidor da colinesterase. Em ge-
Ambenônio Miastenia grave 4-8 horas
ral, ocorrem siruações clínicas em que a miastenia grave (crise mi-
astênica) deve ser diferenciada da terapia farmacológica excessiva Demecário Glaucoma 4-6 horas
(crise colinérgica) em pacientes miastênicos muito doentes; esses Organofosforados
eventos devem ser tratados no hospital com disponibilidade de sis- Ecotiofato Glaucoma 100 horas
temas adequados de suporte de emergência (por exemplo, ventila-
ção mecânica).
A terapia a longo prazo da miastenia grave é habirualmente efe-
tuada com neostigmina, piridostigmina ou ambenônio. As doses O bloqueio dos receptores muscarínicos produzido por todos esses
são tituladas para níveis ótimos, com base em mudanças da força fármacos é de natureza competitiva e pode ser superado ao aumen-
muscular. Esses agentes são de ação relativamente curta e, por tar-se a quantidade de acetilcolina endógena presente nas junções
conseguinte, exigem doses freqüentes (a cada 4 horas para a neos- neuroefetoras. Teoricamente, pode-se utilizar um inibidor da coli-
tigmina e a cada 6 horas para a piridostigmina e o ambenônio; nesterase para reverter esses efeitos. A fisostigmina tem sido utiliza-
Quadro 7.4). Dispõe-se de preparações de liberação prolongada; da com esse propósito, uma vez que penetra no sistema nervoso
todavia, essas preparações só devem ser utilizadas à noite e quando central para reverter tanto os sinais centrais quanto periféricos do
necessário. Os inibidores da colinesterase de ação mais prolonga- bloqueio muscarínico. Todavia, conforme assinalado anteriormente,
da, como os agentes organofosforados, não sãó utilizados, visto que a própria fisostigmina pode produzir efeitos perigosos no sistema
as necessidades posológicas nessa doença modificam-se com dema- nervoso central, de modo que essa terapia só é utilizada para paci-
siada rapidez para permitir um controle preciso com fármacos de entes com elevação perigosa da temperatura corporal ou taquicar-
ação longa. dia supraventricular muito rápida.
Se os efeitos muscarínicos dessa terapia forem proeminentes,
podem ser controlados pela administração de agentes antimuscarí- F. SISTEMA NERVOSO CENTRAL
nicos, como a atropina. Com freqüência, verifica-se o desenvolvi-
mento de tolerância aos efeitos muscarínicos dos inibidores da co- A tacrina é um fármaco com ação anticolinesterásica e outras ações
linesterase, de modo que não há necessidade de tratamento com colinomiméticas, que tem sido utilizado no tratamento da doença
de Alzheimer leve a moderada. As evidências da eficácia da tacrina
atropma.
Com freqüência, o bloqueio neuromuscular é produzido como são moderadas, e a sua hepatotoxicidade é significativa. O donepezil,
adjuvante da anestesia cirúrgica, utilizando-se relaxantes neuromus- a galantamina e a rivastigmina são inibidores da acetilcolinesterase
culares não-despolarizantes, como pancurônio e fármacos mais mais seletivos e mais recentes, que parecem produzir o mesmo be-
novos (ver Capo 27). Após a cirurgia, é habitualmente desejável nefício clínico moderado da tacrina no tratamento da disfunção
reverter imediatamente essa paralisia farmacológica. Essa reversão cognitiva de pacientes com doença de Alzheimer. O donepezil pode
ser administrado uma vez ao dia em virtude de sua meia-vida lon-
pode ser facilmente efetuada com inibidores da colinesterase, e os
fármacos de escolha consistem em neostigmina e edrofônio. Esses ga. Esse fármaco carece do efeito hepatotóxico da tacrina. Entre-
fármacos são administrados por via intravenosa ou por via intra- tanto, ainda não foram efetuados estudos clínicos comparativos
muscular para efeito imediato. desses fármacos mais recentes e da tacrina. Essas drogas são discu-
tidas no Capo 61.
D. CORAÇÃO
Toxicidade
O edrofônio, um inibidor da colinesterase de ação curta, tem sido
utilizado no tratamento das taquiarritmias supraventriculares, parti- O potencial tóxico dos estimulantes dos receptores colinérgicos varia
cularmente a taquicardia supraventricular paroxística. Para essa indi- acentuadamente, dependendo de sua absorção, acesso ao sistema
cação, o edrofônio foi substituído por fármacos mais novos (adeno- nervoso central e metabolismo.
sina e os bloqueadores dos canais de cálcio, verapamil e diltiazem).
A. ESTIMULANTES MUSCARíNICOS DE AçÃO DIRETA
E. INTOXICAÇÃO POR FÁRMACOS ANTIMUSCARíNICOS
As drogas como a pilocarpina e os ésteres de colina causam sinais
A intoxicação pela atropina é potencialmente letal em crianças (ver previsíveis de excesso muscarínico quando administrados em super-
Capo 8) e pode causar distúrbios graves e prolongados do compor- dosagem. Esses efeitos consistem em náusea, vômitos, diarréia,
tamento e arritmias em adultos. Os antidepressivos tricíclicos, quan- salivação, sudorese, vaso dilatação cutânea e constrição brônquica.
do tomados em superdosagem (freqüentemente com intenção sui- Todos os efeitos são bloqueados competitivamente pela atropina e
cida), também provocam grave bloqueio muscarínico (ver Capo 30). seus congêneres.
DROGAS ATIVADORAS DOS RECEPTORES COLlNÉRGICOS E INIBIDORES DA COLlNESTERASE / 89

Certos cogumelos, particularmente os do gênero lnocybe, con- Felizmente, a nicotina é metabolizada e excretada de modo re-
têm alcalóides muscarínicos. A ingestão desses cogumelos provoca lativamente rápido. Os pacientes que sobrevivem às primeiras 4
sinais típicos de excesso muscarínico dentro de 15-30 minutos. O horas geralmente se recuperam por completo, se não houver hipo-
tratamento consiste na administração parenteral de atropina, na dose xia e lesão cerebral.
de 1-2 mg. (O cogumelo Amanita muscaria, a primeira fonte de 2. T oxicidade cr6nica da nicotina - Os custos do tabagismo em
muscarina, contém concentrações muito baixas do alcalóide.)
termos de saúde para o fumante e seu custo socioeconômico para a
população em geral ainda não estão completamente estabelecidos.
B. ESTIMULANTES NICOTíNICOS DE AçÃo DIRETA
Entretanto, o Surgeon Generais Report on Health Promotion and
A própria nicotina constitui a única causa comum desse tipo de Disease Prevention, de 1979, declarou que "o fumo de cigarros cons-
envenenamento. A toxicidade aguda do alcalóide já está bem defi- titui, claramente, a maior causa isolada de doença e morre prema-
nida, porém é muito menos importante do que os efeitos crônicos tura passível de prevenção nos Estados Unidos". Essa declaração foi
associados ao fumo. Além dos produtos do tabaco, a nicotina tam- apoiada por numerosos estudos. Infelizmente, o fato de as doenças
bém é utilizada em inseticidas. mais importantes associadas ao tabaco terem início tardio reduz o
incentivo de abandonar o fumo.
1. T oxicidade aguda - A dose fatal de nicotina é de cerca de 40 É evidente que o potencial de dependência do cigarro está cla-
mg ou 1 gota do líquido puro. Esta é a quantidade de nicotina pre- ramente relacionado ao seu conteúdo de nicotina. Não se sabe até
sente em dois cigarros comuns. Felizmente, a maior parte da nico- que ponto a nicotina em si contribui para os outros efeitos adver-
tina nos cigarros é destruída ao ser queimada ou escapa pela fuma- sos bem documentados do uso cr6nico do tabaco. Parece altamen-
ça "lateral". A ingestão de inseticidas à base de nicotina ou de taba- te provável que a nicotina possa contribuir para o risco aumentado
co por lactentes e crianças é habitualmente seguida de vômitos, li- de doenças vasculares e morre coronariana súbita associadas ao fumo.
mitando a quantidade do alcalóide absorvido. É também provável que a nicotina contribua para a elevada inci-
Os efeitos tóxicos de uma grande dose de nicotina consistem dência de recidivas de úlceras em fumantes com úlcera péptica.
simplesmente na extensão dos efeitos anteriormente descritos. Os
mais perigosos incluem: (1) ações estimulantes centrais, que pro- C. INIBIDORES DA COLlNESTERASE
vocam convulsões, podendo evoluir para coma e parada respirató-
ria; (2) despolarização da placa terminal dos músculos esqueléticos, Os efeitos tóxicos agudos dos inibidores da colinesterase, à seme-
podendo resultar em bloqueio despolarizante e paralisia respirató- lhança daqueles dos agentes de ação direta, representam uma ex-
ria; e (3) hipertensão e arritmias cardíacas. tensão direta de suas ações farmacológicas. A principal fonte dessas
O tratamento do envenenamento agudo pela nicotina é, em intoxicações consiste no uso de pesticidas na agricultura e no lar.
grande parte, sintomático. O excesso muscarínico resultante da Nos Estados Unidos, existem cerca de 100 organofosforados e 20
estimulação dos gânglios parassimpáticos pode ser controlado com carbamatos inibidores da colinesterase disponíveis em pesticidas e
atropina. Em geral, a estimulação central é tratada com anticon- vermífugos veterinários.
vulsivantes por via parenteral, como o diazepam. O bloqueio neu- A intoxicação aguda deve ser reconhecida e tratada prontamen-
romuscular não responde ao tratamento farmacológico, podendo te em pacientes com exposição maciça. Os sinais iniciais predomi-
exigir respiração mecânica. nantes são aqueles do excesso muscarínico: miose, salivação, sudo-

___ m n !_~_~!_~~~_ç~~~_P.~~~~~~~~~~
-- ou - - - __ n -- - - - -----

COLlNOMIMÉTlCOS DE AÇÃO DIRETA Demecário (Humorsol)


Acetilcolina (Miochol-E) Oftálmico: gotas a 0,125,0,25%
Oftálmica: solução intra-ocular a 1: 100 (10 mg/mL) Donepezil (Aricept)
Betanecol (genérico, Urecholine) Oral: comprimidos de 5, 10 mg
Oral: comprimidos de 5, 10, 25, 50 mg Ecotiofato (Phospholine)
Parenteral: 5 mg/mL para injeção SC Oftálmico: pó para reconstituição para gotas a 0,03, 0,06,
Carbacol 0,125,0,25%
Oftálmico (tópico, Isopto Carbachol, Carboptic): gotas a Edrofônio (genérico, Tensilon)
0,75, 1,5,2,25,3% Parenteral: 10 mg/mL para injeção 1M ou IV
Oftálmico (intra-ocular, Miostat, Carbastat): solução a Fisostigmina. eserina (genérico)
0,01% Parenteral: 1 mg/mL para injeção 1M ou IV lenta
Cevimelina (Evoxac) Galantamina (Reminyl)
Oral: cápsulas de 30 mg Oral: cápsulas de 4, 8, 12 mg; solução de 4 mg/mL
Pilocarpina (genérico, Isopto Carpine) Neostigmina (genérico, Prostigmin)
Oftálmica (tópica): soluções a 0,25, 0,5, 1, 2, 3, 4, 6, 8, Oral: comprimidos de 15 mg
Parenteral: 1:1.000 em 10 mL; 12.000, 1:4.000 em 1 mL
10%, gel a 4%
Inserções oftálmicas de liberação prolongada (Ocusert Pilo- Piridostigmina (Mestinon, Regonol)
20, Ocusert Pilo-40): liberação de 20 e 40 fLg de Oral: comprimidos de 60 mg; comprimidos de liberação
pilocarpina por hora, durante 1 semana, respectivamente prolongada de 180 mg; xarope a 15 mg/mL
Oral (Salagen): comprimidos de 5 mg Parenteral: 5mg/mL para injeção 1M ou IV lenta
Rivastigmina (Exelon)
Oral: comprimidos de 1,5, 3, 4,5, 6 mg; solução de 2 mg/mL
INIBIDORES DA COLlNESTERASE Tacrina (Cognex)
Ambenônio (Mytelase) Oral: comprimidos de 10, 20, 30, 40 mg
Oral: comprimidos de 10 mg
90 / FARMACOLOGIA

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Receptores Colinérgicos
Achilles J. Pappano, PhO, e Bertram G. Katzung, MO, PhO

A exemplo dos agonistas, os antagonistas dos receptores colinérgicos são atropina (hiosciamina) é encontrada na planta Atropa belladonna,
divididos em subgrupos muscarínico e nicotínico, com base em suas também conhecida como beladona, e na Datura stramonium, tam-
afinidades por receptores específicos. As drogas antinicotínicas consis- bém conhecida como figueira-do-inferno. A escopalamina (hiosci-
tem em bloqueadores ganglionares e bloqueadores da junção neuromus- na) ocorre em Hyoscyamus nigerou meimendro negro, na forma do
cular. Os agenres bloqueadores ganglionares têm pouca aplicação clíni- estereoisômero l( -). A atropina de ocorrência natural é a l( - )-hi-
ca e são discutidos no final deste capítulo. Os bloqueadores neuromus- osciamina, porém o composto sofre rápida racemização, de modo
culares são descritos no Capo 27. O presenre capítulo é dedicado às dro- que o material comercial consiste em d,l-hiosciamina. Os isômeros
gas que bloqueiam os receptores colinérgicos muscarínicos. 1(-) de ambos os alcalóides são pelo menos 100 vezes mais potentes
Conforme assinalado nos Caps. 6 e 7, foram descritos cinco do que os isômeros d( +).
subtipos de receptores muscarínicos, baseando-se, primariamente, Diversas moléculas semi-sintéticas e totalmente sintéticas apre-
em dados de experimentos de ligação de liganres e clonagem do sentam efeitos anrimuscarínicos.
cDNA. Na atualidade, utiliza-se comumente uma terminologia- Os membros terciários dessas classes (Fig. 8.2) são freqüentemen-
padrão para esses subtipos (M) a M,), e as evidências, baseadas em te utilizados, devido a seus efeitos sobre o olho ou o sistema nervo-
sua maior parte em agonistas e antagonistas seletivos, indicam a so central. Muitos fármacos anti-histamínicos (ver Capo 16), anti-
existência de diferenças funcionais enrre vários desses subtipos. psicóticos (ver Capo 29) e antidepressivos (ver Capo 30) exibem es-
Conforme sugerido no Capo 6, o receptor do subtipo M) parece truturas semelhantes e, de modo previsível, efeitos antimuscaríni-
estar localizado em neurônios do sistema nervoso central, nos cor- cos significativos.
pos celulares pós-ganglionares simpáticos e em muitos locais pré- Foram desenvolvidos fármacos antimuscarínicos de amina qua-
sinápticos. Os receptores M210calizam-se no miocárdio, em órgãos ternária (Fig. 8.2) para obter efeitos mais periféricos, com redução
com musculatura lisa e alguns locais neuronais. Os receptores M3 dos efeitos sobre o sistema nervoso central.
são mais comuns nas membranas das células efetoras, particularmen-
te das células glandulares e células musculares lisas. B. ABSORÇÃO
Os alcalóides naturais e a maioria dos fármacos antimuscarínicos ter-
ciários são bem absorvidos pelo trato digestivo e pela membrana con-
juntival. Quando aplicados num veículo apropriado, alguns deles (por
I. FARMACOLOGIA BÁSICA DOS exemplo, escopalamina) são até mesmo absorvidos pela pele (via trans-
dérmica). Por outro lado, apenas 10-30% da dose de uma droga
FÁRMACOS BLOQUEADORES DOS
antimuscarínica quaternária são absorvidos após administração oral,
RECEPTORES MUSCARíNICOS refletindo a lipossolubilidade diminuída da molécula carregada.

Os antagonistas muscarínicos são freqüentemente denominados C. DISTRIBUiÇÃO


drogas parassimpaticolíticas, em virtude de sua capacidade de blo-
A atropina e as outras drogas terciárias apresentam ampla distribui-
quear os efeitos da descarga autônoma parassimpática. Entretanto,
não "lisam" os nervos parassimpáticos e exercem alguns efeitos que ção no corpo. São alcançados níveis significativos no sistema ner-
não podem ser previstos com base no bloqueio do sistema nervoso
parassimpático. Por essas razões, é preferível utilizar o termo "anti-
muscarínico" .
Os compostos de ocorrência natural com efeitos anrimuscaríni-
cos já são conhecidos e utilizados há milênios como remédios, ve-
nenos e cosméticos. O protótipo dessas drogas é a atropina. São
conhecidos muitos alcalóides vegetais semelhantes, e já foram pre-
paradas centenas de compostos antimuscarínicos sintéticos.
~-----y------}\ Y )
Química e Farmacocinética Ácido trópico Base

A. ORIGEM E QUíMICA Fig. 8.1 A estrutura da atropina (sem o oxigênio em [1]) ou da es-
copolamina (presença do oxigênio), Na homatropina, o grupo hi-
A atropina e seus congêneres de ocorrência natural consistem em droximetil em [2] é substituído por um grupo hidroxila, e o oxigê-
ésteres alcalóides de amina terciária do ácido trópico (F ig. 8.1). A nio em [1] está ausente.
92 / FARMACOLOGIA

Aminas quaternárias para aplicações gastrintestinais (doença péptica, hiparmotilidadel:

Propanteli na Glicopirrolato

Aminas terciárias para aplicações periféricas:

R'\
O

II / C2H5

COCH2CH2N
O - ~ !\N-CH3 ""-C2H5

~ N-C-CH,-N~

~ ;N p,,,"".,", Diciclomina
(doença péptica) (doença .péptica, hipermotilidade)

Tropicamida
(midriática, cicloplégica)

Amina quaternária para uso na asma: Amina terciária para a doença de Parkinson:

Q HH,

Fig.
Ipratrópio

8.2 Estruturas de algumas drogas antimuscarínicas semi-sintéticas e sintéticas.


Ó -CH~

Benztropina

voso central dentro de 30 minutos a 1 hora, o que pode limitar a tados em sua forma inalterada na urina. A maior parte do restante
dose tolerada quando o fármaco é tomado pelos seus efeitos perifé- aparece na urina como produtos de hidrólise e de conjugação. 6
ricos. A escopalamina distribui-se rapidamente e de modo comple- efeito da droga sobre a função parassimpática declina rapidamente
to no sistema nervoso central, onde exerce efeitos mais acentuados em todos os órgãos, à exceção do olho. Os efeitos sobre a íris e o
do que a maioria dos outros fármacos antimuscarínicos. Em con- músculo ciliar persistem por 2:: 72 horas.
traste, os derivados quaternários são pouco captados pelo cérebro
e, portanto, relativamente desprovidos de efeitos sobre o sistema Farmacodinâmica
nervoso central quando administrados em baixas doses.
A. MECANISMO DE AçÃo
D. METABOLISMO E EXCREÇÃO
A atropina provoca bloqueio reversível (superável) das ações dos
A atropina desaparece rapidamente do sangue após a sua adminis- colinomiméticos nos receptores muscarínicos - isto é, o bloqueio
tração, com meia-vida de 2 horas. Cerca de 60% da dose são excre- por uma pequena dose de atropina pode ser superado pela concen-
AGENTES BLOQUEADORES DOS RECEPTORES COLlNÉRGICOS / 93

tração mais elevada de acetilcolina ou de agonista muscarínico equi- rínicos terciários, resultando em atividade dilatadora simpática não-
valente. Experimentos de mutação sugerem a necessidade de um regulada e midríase (Fig. 8.3). As pupilas dilatadas eram considera-
aminoácido específico no receptor para formar a ligação caracterís- das esteticamente desejáveis durante a renascença, explicando o
tica com o átomo de hidrogênio da acetilcolina; esse aminoácido nome beladona (em italiano, "mulher bonita") dado à planta e a
também é necessário para a ligação de drogas antimuscarínicas. seu extrato ativo, devido ao uso do extrato como gotas oftálmicas
Quando a atropina liga-se ao receptor muscarínico, ela impede as naquela época.
ações descritas no Capo 7, como a liberação de inositol trifosfato O segundo efeito ocular importante das drogas antimuscaríni-
(IP3) e a inibição da adenilil ciclase, que são produzidas por agonis- cas consiste no enfraquecimento da contração do músculo ciliar ou
tas muscarínicos. cicloplegia. O resultado da cicloplegia consiste na perda da capaci-
A eficácia das drogas antimuscarínicas varia de acordo com o dade de acomodação; o olho totalmente atropinizado é incapaz de
tecido em estudo e com a origem do agonista. Os tecidos mais sen- focar para a visão de perto (Fig. 8.3).
síveis à atropina incluem as glândulas salivares, brônquicas e sudo- Tanto a midríase quanto a cicloplegia mostram-se úteis em
ríparas. A secreção de ácido pelas células parietais gástricas é a que oftalmologia. Todavia, são também potencialmente perigosas, vis-
apresenta menor sensibilidade. Na maioria dos tecidos, os fárma- to que é possível precipitar glaucoma agudo em pacientes com ân-
cos antimuscarínicos são mais eficazes no bloqueio de agonistas dos gulo estreito da câmara anterior.
receptores colinérgicos de administração exógena do que a acetil- Um terceiro efeito ocular dos agentes antimuscarínicos consiste
colina liberada endogenamente. na redução da secreção lacrimal. Em certas ocasiões, os pacientes
A atropina apresenta alta seletividade para os receptores musca- queixam-se de olhos secos ou "cheios de areia" quando recebem
rínicos. Sua potência nos receptores nicotínicos é muito menor e, grandes doses de fármacos antimuscarínicos.
em geral, as ações em receptores não-muscarínicos são clinicamen- 3. Sistema cardiovascular - O nó sinoatrial mostra-se muito sensí-
te indetectáveis.
vel ao bloqueio dos receptores muscarínicos. O efeito de doses te-
A atropina não distingue os subgrupos Mp M2 e M3 de recepto-
res muscarínicos. Por outro lado, outros fármacos antimuscaríni- rapêuticas moderadas a elevadas de atropina sobre o coração iner-
vado e com batimento espontâneo consiste em bloqueio da redu-
cos apresentam seletividade moderada para um ou outro desses
ção vagal e taquicardia relativa. Entretanto, a administração de doses
subgrupos (Quadro 8.1). As drogas antimuscarínicas sintéticas são,
menores freqüentemente resulta em bradicardia inicial antes da
em sua maioria, consideravelmente menos seletivas do que a atro-
manifestação dos efeitos do bloqueio vagal periférico (Fig. 8.4). Essa
pina em suas interações com receptores não-muscarínicos. Por exem-
redução pode ser devida ao bloqueio dos receptores muscarínicos
plo, alguns fármacos antimuscarínicos de amina quaternária exer-
pré-sinápticos nas fibras pós-ganglionares vagais, que normalmen-
cem ações bloqueadoras ganglionares significativas, enquanto ou-
te limitam a liberação de acetilcolina no nó sinusal e em outros te-
tros são potentes bloqueadores dos receptores de histamina. Já fo- cidos. Os mesmos mecanismos atuam no controle da função do nó
ram mencionados os efeitos antimuscarínicos de outros grupos,
atrioventricular; na presença de tônus vagal elevado, a administra-
como, por exemplo, agentes antipsicóticos e antidepressivos. Sua
ção de atropina pode reduzir significativamente o intervalo PR do
seletividade relativa pelos subtipos de receptores muscarínicos ain-
da não foi estabeleci da. ECG ao bloquear os receptores muscarínicos no nó atrioventricu-
lar. De forma semelhante, ocorre bloqueio dos efeitos muscaríni-
cos sobre o músculo atrial; todavia, esses efeitos carecem de signifi-
B. EFEITOS SOBRE SISTEMAS DE ÓRGÃOS
cado clínico, exceto no flutter e na fibrilação atriais. Devido a um
1. Sistema nervoso central- Nas doses habitualmente utilizadas, a menor grau de controle muscarínico, os ventrículos são menos afe-
atropina exerce efeitos estimulantes mínimos sobre o sistema ner- tados pelos fármacos antimuscarínicos em níveis terapêuticos. Em
voso central, particularmente os centros medulares parassimpáticos, concentrações tóxicas, essas drogas podem causar bloqueio da con-
com efeito sedativo mais lento e mais duradouro sobre o cérebro. A dução intraventricular através de um mecanismo desconhecido.
escopalamina possui efeitos centrais mais pronunciados, produzin- Os vasos sangüíneos não recebem inervação direta do sistema
do sonolência quando administrada nas doses recomendadas, bem nervoso parassimpático. Entretanto, a estimulação nervosa paras-
como amnésia nos indivíduos sensíveis. Em doses tóxicas, a simpática dilata as artérias coronárias, e os nervos colinérgicos sim-
escopalamina e, em menor grau, a atropina podem causar excita- páticos causam vaso dilatação no leito vascular dos músculos esque-
ção, agitação, alucinações e coma. léticos (ver Capo 6). A atropina tem a capacidade de bloquear essa
O tremor da doença de Parkinson é reduzido pelos fármacos vasodilatação. Além disso, quase todos os vasos contêm receptores
antimuscarínicos de ação central, e a atropina - na forma de extra- muscarínicos endoteliais, que medeiam a vasodilatação (ver Capo
to de beladona - foi uma das primeiras drogas utilizadas na terapia 7). Esses receptores são prontamente bloqueados pelos fármacos
dessa doença. Conforme discutido no Capo 28, o tremor e a tigidez antimuscarínicos. Em doses tóxicas e, em alguns indivíduos, em
do parkinsonismo parecem resultar de um excesso relativo de ativi- doses normais, os fármacos antimuscarínicos provocam vasodilata-
dade colinérgica, devido a uma deficiência de atividade dopaminér- ção cutânea, particularmente na porção superior do corpo. O me-
gica no sistema de gânglios da base-estriado. A associação de um canismo envolvido permanece desconhecido.
fármaco antimuscarínico com uma droga precursora da dopamina Os efeitos cardiovasculares efetivos da atropina em pacientes com
(levodopa) pode proporcionar uma terapia mais eficaz do que am- hemodinâmica normal não são drásticos: pode ocorrer taquicardia,
bas as drogas administradas isoladamente. porém verifica-se pouco efeito sobre a pressão arterial. Entretanto,
Os distúrbios vestibulares, particularmente a cinetose, parecem é fácil evitar os efeitos cardiovasculares da administração de estimu-
envolver a transmissão colinérgica muscarínica. Com freqüência, a lantes muscarínicos de ação direta.
escopalamina mostra-se eficaz na prevenção ou na reversão desses
4. Sistema respiratório - Tanto o músculo liso quanto as glându-
distúrbios.
las secretoras das vias aéreas recebem inervação vagal e contêm re-
2. Olho - O músculo constritor da pupila (ver Fig. 6.9) depende ceptores muscarínicos. Mesmo nos indivíduos normais, é possível
da ativação dos receptores colinérgicos muscarínicos. Essa ativação detectar a ocorrência de alguma bronco dilatação e diminuição das
é bloqueada pela atropina tópica e por outros fármacos antimusca- secreções após a administração de atropina. O efeito é muito mais
94 / FARMACOLOGIA

Quadro 8.1 Subgrupos de receptores muscarínicos e seus antagonistas (Os acrônimos identificam antagonistas seletivos
utilizados apenas em estudos de pesquisas.)

Subgrupo
Propriedade M, M.
Localizações primárias Nervos Coração, nervos, músculo liso Glândulas, músculo liso, endotélio

Sistema efetor dominante t IP3, t DAG t cAMP, t corrente de canal "de K+


................................................... "
t IP3, t DAG
.
Antagonistas Pirenzepina, telenzepína, Galamina,' metoctramina, 4-DAMP, HHSD, darífenacina
diciclomina,2 tri-hexifenidil3 AF-DX 116

Constante de dissociação aproximada4


Atropina

Pirenzepina 10 50 200

AF-DX 116 800 100 3.000

HHSD 40 200 2

'Em uso clínico como agente bloqueador neuromuscular.


'Em uso clínico como agente antiespasmódico intestinal.
3Em uso clinico no tratamento da doença de Parkinson.
'Relativo à atropina. Os números menores indicam maior afinidade.
AF-DX 116, 11-({2-[(Dietilamino)metil]-1-piperidinil}acetil)-5, l1-diidro-6H-pirido-[2,3-b](1 ,4)benzodiazepin-6-ona; DAG, Diacilglicerol; IP3, inositol trifosfato; 4-DAMP, 4-
Difenilacetóxi-N-metilpiperidina; HHSD, Hexa-hídrosiladifenidol.

significativo em pacientes com doença das vias aéreas, embora os cretoras do trato digestivo. Todavia, até mesmo o bloqueio muscarí-
fármacos antimuscarínicos não sejam tão úteis quanto os estimu- nico completo é incapaz de abolir totalmente a atividade nesse siste-
lantes dos receptores f?,-adrenérgicos no tratamento da asma (ver ma de órgãos, visto que os hormônios locais e os neurônios não-co-
Cap_ 20). A eficácia dos fármacos antimuscarínicos não-seletivos no linérgicos no sistema nervoso entérico (ver os Caps. 6 e 63) também
tratamento da doença pulmonar obsuutiva crônica (DPOC) é li- modulam a função gastrintestinal. Como em outros tecidos, os esti-
mitada, visto que o bloqueio dos receptores Mz auto-inibitórios nos mulantes muscarínicos de administração exógena são mais eficazmen-
nervos parassimpáticos pós-ganglionares pode opor-se à broncodi- te bloqueados do que os efeitos da atividade nervosa parassimpática
latação causada por bloqueio dos receptores M3 no músculo liso das (vagal). A remoção da auto-inibição - um mecanismo de retroalimen-
vias aéreas. Todavia, os fármacos antimuscarínicos são valiosos em tação negativa através do qual a acetilcolina neural suprime a sua
alguns pacientes com asma e DPOC própria liberação - poderia explicar a maior eficácia dos fármacos
Com freqüência, são utilizados fármacos antimuscarínicos antes antimuscarínicos contra estimulantes muscarínicos exógenos.
da administração de anestésicos inalatórios, a fim de diminuir o acú- As drogas antimuscarínicas exercem efeitos acentuados sobre a
mulo de secreções na traquéia e a possibilidade de laringoespasmo. secreção salivar; com freqüência, ocorre ressecamento da boca em
pacientes que fazem uso de fármacos antimuscarínicos para a do-
5. Trato gastrintestinal - O bloqueio dos receptores muscarínicos ença de Parkinson ou distúrbios urinários (Fig. 8.5). A secreção
possui efeitos notáveis sobre a motilidade e algumas das funções se- gástrica é bloqueada com menos eficácia: ocorre redução do volu-

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I
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o 15 30 45 60 90 1 2 4 6 8 10
Tempo (minutos) (dias)

Fig. 8.3 Efeitos de gotas tópicas de escopolamina sobre o diâmetro pupilar (mm) e a acomodação (dioptrias) no olho humano normal.
Uma gota de solução da droga a 0,5% foi aplicada no tempo zero, e foi administrada uma segunda gota 30 minutos depois (setas). Foi
obtida a média das respostas de 42 olhos. Observe a recuperação extremamente lenta. (Redesenhado de Marron J Cycloplegia and mydriasis
by use of atropine, scopolamine, and homatropine-paredrine. Arch Ophthalmol 1940;23:340.)
AGENTES BLOQUEADORES DOS RECEPTORES COLlNÉRGICOS / 95

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20
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0,5 1,0 2,0 mg

Dose de a/rapina (escala log)

Fig. 8.5 Efeitos da injeção subcutânea de atropina sobre a salivação,


a velocidade de micção, a freqüência cardíaca e a acomodação em
adultos normais. Observe que a salivação é a mais sensível dessas
variáveis, e a acomodação, a menos sensível. (Dados de Herxheimer
A: Br J Pharmacol 1958; 13: 184.)

I _, I
1,6
/ \ Efeito
to gástrico é prolongado, e ocorre aumento do tempo de trânsito
o
intestinal. A diarréia causada por superdosagem de fármacos paras-
:s 1,2
simpaticomiméticos é facilmente interrompida, e até mesmo aque-

.9 Ocupação _ la causada por agentes não-autônomos pode, em geral, ser tempo-
êii
> do receptor
rariamente controlada. Entretanto, a "paralisia" intestinal induzi-
~ 0,8
<FI

o da por fármacos antimuscarínicos é temporária; os mecanismos


x 0,5
:;o locais no sistema nervoso entérico restabelecem habitualmente pelo
li: o
-o menos pane do peristalrismo depois de 1-3 dias de terapia com
0,4 .o",<> fármacos antimuscarínicos .
'"
o.
:;o
ü 6. Trato geniturinário - A ação antimuscarínica da atropina e seus
O
o J 1,0
O 0,1 10 100 análogos relaxa o músculo liso dos ureteres e da parede vesical e
B diminui a micção (Fig. 8.5). Essa ação mostra-se útil no tratamen-
Dose de atropina (jJ.g/kg)
to do espasmo induzido por inflamação leve, cirurgia e cenas con-
Fig. 8.4 Efeitos de doses crescentes de atropina sobre a freqüência dições neurológicas; entretanto, pode precipitar retenção urinária
cardíaca (A) e o fluxo salivar (8) em comparação com a ocupação em homens idosos, que podem apresentar hipenrofia prostática (ver
dos receptores muscarínicos nos seres humanos. O efeito parassim- seção adiante, Farmacologia Clínica dos Fármacos Bloqueadores dos
paticomimético da atropina em baixas doses é atribuído ao bloqueio Receptores Muscarínicos). As drogas antimuscarínicas não exercem
dos receptores muscarínicos pré-juncionais que suprimem a libera- efeito significativo sobre o útero.
ção de acetilcolina. (Modificado e reproduzido, com permissão, de We-
Ilstein A, Pitschner HF: Complex dose-response curves of atropine in man 7. Gli'indulas sudoríparas - A arropina suprime a sudorese termor-
explained by different functions of M, and M2 cholinoceptors. Naunyn Sch- reguladora. As fibras colinérgicas simpáticas inervam as glândulas
miedebergs Arch PharmacoI1988;338: 19.)
sudoríparas écrinas, e seus receptores muscarínicos são de fácil acesso
às drogas antimuscarínicas. Nos adultos, a temperatura corporal é
elevada por esse efeito apenas quando são administradas altas do-
ses; todavia, em lactentes e crianças, até mesmo doses habituais
me e da quantidade de ácido, pepsina e mucina; todavia, podem podem causar "febre auopínica".
ser necessárias grandes doses de atropina. A secreção basal é bloque-
ada mais efetivamente do que a estimulada por alimento, nicotina
ou álcool. A pirenzepina e um análogo mais potente, a telenzepina,
reduzem a secreção de ácido gástrico com menos efeitos adversos 11.FARMACOLOGIA CLíNICA DOS
do que a atropina e outros fármacos menos seletivos. Isso resulta de
um bloqueio seletivo dos receptores muscarínicos excitatórios pré- FÁRMACOS BLOQUEADORES
sinápticos nas terminações nervosas vagais, conforme sugerido pela DOS RECEPTORES
elevada relação de afinidade entre M, e M3 (Quadro 8.1). A piren-
zepina e a telenzepina encontram-se em fase de investigação nos MUSCARíNICOS
Estados Unidos. As secreções pancreática e intestinal são pouco
afetadas pela atropina; esses processos estão primariamente sob con-
trole hormonal, mais do que sob controle vagal.
Aplicações Terapêuticas
A motilidade do músculo liso gastrintestinal é afetada desde o A. DISTÚRBIOS DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL
estômago até o cólon. Em geral, as paredes das vísceras encontram-
se relaxadas, e tanto o tônus quanto os movimentos propulsivos en- 1. Doença de Parkinson - Conforme descrito no Capo 28, o trata-
contram-se diminuídos. Por conseguinte, o tempo de esvaziamen- mento da doença de Parkinson constitui, com freqüência, um exer-
96 / FARMACOLOGIA

dcio de polifarmácia, visto que não existe nenhum fármaco isola- Quadro 8.2 Fármacos antimuscarínicos utilizados em
do totalmente eficaz durante toda a evolução da doença. Os agen- oftalmologia
tes antimuscarínicos promovidos para essa aplicação (ver Quadro
28.1) foram desenvolvidos, em sua maioria, antes da disponibili- Duração do Concentração
Fármaco Efeito (dias) Habitual (%)
dade da levodopa. Seu uso é acompanhado de todos os efeitos ad-
versos descritos adiante; todavia, esses fármacos continuam sendo Atropina 7-10 0,5-1
úteis como terapia adjuvante em alguns pacientes. 3-7
Escopolamina 0,25
2. Cinetose - Alguns distúrbios vestibulares respondem às drogas Homatropina 1-3 2-5
antimuscarínicas (e a fármacos anti-histamínicos com efeitos anti-
Ciclopentolato 0,5-2
muscarínicos). A escopalamina é um dos remédios mais antigos para
o enjôo no mar e é tão eficaz quanto qualquer fármaco mais recen- Tropicamida 0,25 0,5-1
temente introduzido. Pode ser administrada por injeção, por via oral
ou na forma de emplastro transdérmico. A formulação transdérmi-
ca produz níveis sangüíneos significativos durante 48-72 horas.
Infelizmente, as doses úteis por qualquer via de administração ge-
Conforme descrito no Capo 20, o reflexo broncoconstritor neu-
ralmente provocam sedação significativa e boca seca.
ral hiperativo, presente na maioria dos indivíduos portadores de
asma, é mediado pelo vago, atuando sobre os receptores muscarí-
B. DISTÚRBIOS OFTALMOLÓGICOS
nicos presentes nas células musculares lisas brônquicas. O ipratr6-
A determinação acurada do erro de refração em pacientes que não pio (Fig. 8.2), um análogo sintético da atropina, é utilizado como
cooperam, como, por exemplo, crianças de pouca idade, exige pa- fármaco inalado na asma. A administração por aerossol tem a van-
ralisia ciliar. Além disso, o exame oftalmológico da retina é enor- tagem de concentração máxima no tecido-alvo brônquico, com
memente facilitado com a midríase. Por conseguinte, os fármacos efeitos sistêmicos reduzidos. Essa aplicação é considerada de modo
antimuscarínicos, quando administrados topicamente na forma de mais pormenorizado no Capo 20. O ipratrópio também mostrou-
gotas oculares ou pomada, são extremamente úteis para a realiza- se útil na DPOC, uma condição que ocorre com maior freqüência
ção de um exame completo. Para adultos e crianças de mais idade, em pacientes idosos, particularmente fumantes crônicos. Os paci-
preferem-se as drogas de ação mais curta (Quadro 8.2). Para crian- entes com DPOC beneficiam-se com o uso de broncodilatadores,
ças menores, é algumas vezes necessária a maior eficácia da atropi- particularmente fármacos antimuscarínicos, como o ipratrópio. Os
na; entretanto, a possibilidade de envenenamento antimuscarínico fármacos dessa categoria em fase de investigação incluem o tiotr6pio,
também aumenta correspondentemente. A perda da droga do saco um fármaco antimuscarínico quaternário de ação prolongada, ad-
conjuntival para a nasofaringe através do ducto nasolacrimal pode ministrado por aerossol.
ser reduzida mediante o uso da pomada, em lugar das gotas. No
passado, foram selecionados fármacos antimuscarínicos oftálmicos D. DISTÚRBIOS CARDIOVASCULARES
do subgrupo das aminas terciárias para garantir uma boa penetra-
A dor do infarto do miocárdio é algumas vezes acompanhada de
ção após a aplicação à conjuntiva. Entretanto, experimentos recen-
acentuada descarga vagal reflexa, podendo resultar em depressão
tes em animais sugerem que o glicopirrolato, um fármaco quater- suficiente da função do nó sinoatrial ou atrioventricular, compro-
nário, possui início de ação tão rápido quanto a atropina, com igual metendo o débito cardíaco. A atropina ou um fármaco antimusca-
duração de ação.
rínico semelhante por via parenteral constituem terapia apropriada
Os fármacos antimuscarínicos nunca devem ser utilizados para nessa situação. Raramente, indivíduos sem outra cardiopatia detec-
midríase, a não ser que haja necessidade de cicloplegia ou ação pro- tável apresentam reflexos do seio carótico hiperativos, podendo
longada. As drogas estimulantes dos receptores cx-adrenérgicos, sofrer desfalecimento ou até mesmo síncope, em conseqüência da
como, por exemplo, a fenilefrina, produzem midríase de curta du- descarga vagal em resposta à pressão exercida no pescoço, como, por
ração, que é habitualmente suficiente para exame de fundo de olho exemplo, por um colarinho apertado. Esses indivíduos podem be-
(ver Capo 9). neficiar-se do uso criterioso de atropina ou de um fármaco antimus-
Um segundo uso oftálmico consiste na prevenção da formação carínico relacionado.
de sinéquias (aderências) na uveíte e irite. As preparações de ação A fisiopatologia também pode influenciar a atividade muscarí-
mais prolongada, em particular a homatropina, são valiosas para essa nica de outras maneiras. Foram detectados auto-anticorpos circu-
indicação. lantes contra a segunda alça extracelular dos receptores muscaríni-
cos cardíacos em alguns pacientes com miocardiopatia dilatada idi-
C. DISTÚRBIOS RESPIRATÓRIOS opática. Esses anticorpos exercem ações parassimpaticomiméticas
sobre o coração, que são evitadas com a administração de atropina.
O uso da atropina tornou-se parte da medicação pré-operatória de
Embora se desconheça o seu papel na patologia da insuficiência
rotina quando eram utilizados anestésicos como o éter, visto que
esses anestésicos irritantes causavam acentuado aumento nas secre- cardíaca, pode fornecer indícios sobre a base molecular da ativação
dos receptores.
ções das vias aéreas e estavam associados a freqüentes episódios de
laringoespasmo. Esses efeitos perigosos podiam ser evitados com
E. DISTÚRBIOS GASTRINTESTINAIS
uma injeção pré-anestésica de atropina ou escopolamina. Além disso,
a escopolamina provoca amnésia significativa para eventos associa- Na atualidade, os agentes antimuscarínicos são raramente utiliza-
dos à cirurgia e parto obstétrico, um efeito colateral que era consi- dos para a úlcera péptica nos Estados Unidos (ver Capo 63). Os
derado desejável. Por outro lado, a retenção urinária e a hipomoti- fármacos antimuscarínicos podem proporcionar algum alívio no
lidade intestinal após a cirurgia eram freqüentemente exacerbadas tratamento da diarréia do viajante e de outras condições de hiper-
pelos fármacos antimuscarínicos. Os mais novos anestésicos inala- motilidade leves ou autolimitadas. Com freqüência, os fármacos
tórios são muito menos irritantes para as vias aéreas. antimuscarínicos são associados a uma droga antidiarréica opióide,
AGENTES BLOQUEADORES DOS RECEPTORES COLlNÉRGICOS / 97

constituindo uma terapia extremamente eficaz. Todavia, nessa as- atropina ao dia durante um período de 1 mês, a fim de obter um
sociação, a dose muito baixa do fármaco antimuscarínico atua pri- controle total do excesso muscarínico.
mariamente para desencorajar o abuso do fármaco opióide. A asso-
2. Compostos regeneradores da colinesterase - Dispõe-se também
ciação clássica de atropina com difenoxilato, um congênere não-
de uma segunda classe de compostos, capazes de regenerar a enzi-
analgésico da meperidina, é disponível com muitos nomes (por
ma ativa a partir do complexo organofosforado-colinesterase, para
exemplo, Lomotil), tanto em comprimidos quanto na forma líqui-
o tratamento do envenenamento por organofosforados. Esses fár-
da (ver Capo 63).
macos oxímicos incluem a pralidoxima (PAM), a diacetilmonoxi-
ma (DAM) e outros.
F. DISTÚRBIOS URINÁRIOS

A atropina e outras drogas antimuscarínicas têm sido utilizadas para


proporcionar alívio sintomático no tratamento da urgência uriná-
ria causada por distúrbios vesicais inflamatórios de pouca gravida-
de (Quadro 8.3). Todavia, a terapia antimicrobiana específica é
essencial na cistite bacteriana.
A oxibutinina é freqüentemente utilizada para aliviar o espasmo Pralidoxima Oiacetilmonoxima
vesical após cirurgia urológica, como, por exemplo, prostatecwmia.
Além disso, mostra-se valiosa para reduzir a micção involuntária em
O grupo oxima (=NOH) possui afinidade muito elevada pelo
pacientes com doença neurológica, como, por exemplo, crianças com átomo de fósforo, e essas drogas têm a capacidade de hidrolisar a
meningomielocele. Nesses pacientes, a oxibutinina oral ou a instila- enzima fosforilada, se o complexo não estiver "envelhecido" (ver
ção do fármaco na bexiga através de cateter parecem melhorar a ca-
Capo 7). A pralidoxima é a mais extensamente estudada - nos seres
pacidade e a continência da bexiga, além de reduzir a infecção e a lesão humanos - dentre os fármacos apresentados, sendo a única dispo-
renal. A tolterodina, um fármaco antimuscarínico M3-seletivo, é dis-
nível para uso clínico nos Estados Unidos. É extremamente efici-
ponível para uso em adultos com incontinência urinária.
ente na regeneração da colinesterase associada às junções neuromus-
A imipramina, um antidepressivo tricíclico com fortes ações
culares dos músculos esqueléticos. Em virtude de sua carga positi-
antimuscarínicas, tem sido utilizada, há muito tempo, para a in-
va, a pralidoxima não penetra o sistema nervoso central e é ineficaz
continência em indivíduos idosos internados em asilos. Mostra-se
na reversão dos efeitos centrais do envenenamento por organofos-
moderadamente eficaz, porém provoca toxicidade significativa do forados. Por outro lado, a diacetilmonoxima atravessa a barreira
sistema nervoso central. A propiverina, um fármaco antimuscarí- hematoencefálica e, em animais eXperimentais, pode regenerar parte
nico mais novo, foi aprovada para essa finalidade. da colinesterase do sistema nervoso central.
Os fármacos antimuscarínicos também têm sido utilizados na
urolitíase, para aliviar o espasmo do músculo liso ureteral causado
pela passagem de cálculo. Todavia, sua utilidade nessa condição é
questionável. Quadro 8.3 Fármacos antimuscarínicos utilizados em
condições gastrintestinais e geniturinárias
G. ENVENENAMENTO COLlNÉRGICO
Fármaco Dose Habitual
A ocorrência de acentuado excesso colinérgico constitui uma emer-
Aminas quaternárias
gência médica, particularmente em comunidades rurais onde é co- 50 mg, 3 vezes ao dia
Anisotropina
mum o uso de inseticidas inibidores da colinesterase, bem como
em culturas nas quais é comum a ingestão de cogumelos silvestres. Clidínio 2,5 mg, 3-4 vezes ao dia
O uso potencial de inibidores da colinesterase como "gases de ner- Glicopirrolato 1 mg, 2-3 vezes ao dia
.....................
vos" para guerra química também exige que se conheçam os méto-
Isopropamida 5 mg, 2 vezes ao dia
dos para tratamento do envenenamento agudo (ver Capo 59).
Mepenzolato 2,5-50 mg, 4 vezes ao dia
1. Terapia antimuscarínica- Conforme assinalado no Capo 7, tanto ....................
os efeitos nicotínicos quanto os efeitos muscarínicos dos inibidores Metantelina 50-100 mg, 4 vezes ao dia
da colinesterase podem ser potencialmente fatais. Infelizmente, não Metescopolamina 2,5 mg, 4 vezes ao dia
se dispõe de nenhum método eficaz para bloquear diretamente os
Oxifenônio 5-10 mg, 4 vezes ao dia
efeitos nicotínicos da inibição da colinesterase, visto que os agonis-
tas ebloqueadores nicotínicos causam bloqueio da transmissão (ver Propantelina 15 mg, 4 vezes ao dia
Capo 27). Para reverter os efeitos muscarínicos, deve-se utilizar uma
Aminas terciárias
droga de amina terciária (e não quaternária) (de preferência a atro- Atropina 0,4 mg, 3-4 vezes ao dia
................................................................. " ...
pina), visto que é necessário tratar tanto os efeitos dos inibidores
Diciclomina 10-20 mg, 4 vezes ao dia
organofosforados sobre o sistema nervoso central quanto os efeitos
periféricos. Podem ser necessárias grandes doses de atropina para Escopolamina 0,4 mg, 3 vezes ao dia
combater os efeitos muscarínicos de agentes extremamente poten-
Oxibutinina 5 mg, 3 vezes ao dia
tes, como o paration e os gases de nervos da guerra química: po-
dem-se administrar 1-2 mg de atropina por via intravenosa, a cada Oxifenciclimina 10 mg, 2 vezes ao dia
5-15 minutos, até o aparecimento de sinais de seu efeito (boca seca,
Propiverina 15 mg, 2-3 vezes ao dia
reversão da miose). É possível que haja necessidade de repetir mui-
tas vezes a droga, visto que os efeitos agudos do agente anticolines- Tolterodina 2 mg, 2 vezes ao dia
terásico podem durar 24-48 horas ou mais. Nessa situação poten- Tridiexetil 25-50 mg, 3-4 vezes ao dia
cialmente fatal, pode ser necessária a administração de até 1 g de
98 / FARMACOLOGIA

A pralidoxima é administrada na forma de infusão intravenosa, cardia, pele quente e ruborizada, agitação e delírio por um período
1-2 g durante 15-30 minutos. A despeito da possibilidade de enve- de até uma semana. Com freqüência, ocorre elevação da tempera-
lhecimento do complexo fosfato-enzima, relatos recentes sugerem tura corporal. Esses efeitos estão ilustrados no ditado "seco como
que a administração de múltiplas doses de pralidoxima durante um osso, cego como um morcego, vermelho como uma beterraba,
vários dias pode ser útil em caso de envenenamento grave. Em do- louco como um chapeleiro".
ses excessivas, a pralidoxima pode induzir fraqueza neuromuscular Infelizmente, as crianças, em particular os lactentes, são muito
e outros efeitos adversos. A pralidoxima não é recomendada para sensíveis aos efeitos hipertérmicos da atropina. Embora a adminis-
reverter a inibição da acetilcolinesterase por inibidores de carbamato. tração acidental de mais de 400 mg tenha sido seguida de recupera-
O Capo 59 fornece mais detalhes sobre o tratamento da toxicidade ção, já ocorreram mortes com doses tão pequenas quanto 2 mg. Por
dos anticolinesterásicos. conseguinte, a atropina deve ser considerada uma droga altamente
Uma terceira abordagem na proteção contra a inibição excessi- perigosa quando ocorre superdosagem em lactentes ou crianças.
va da AChE consiste em pré-tratamento com inibidores reversíveis As superdosagens de atropina ou seus congêneres são, em geral,
da enzima, a fim de impedir a ligação do inibido r organofosforado tratadas de modo sintomático (ver Capo 59). No passado, recomen-
irreversível. Essa profilaxia pode ser efetuada com piridostigmina dava-se o uso de fisostigmina ou de outro inibidor da colinesterase;
ou fisostigmina, porém é reservada para situações nas quais se pre- todavia, a maioria dos especialistas no controle de envenenamen-
vê um envenenamento yossivelmente letal, como, por exemplo, tos considera atualmente a fisostigmina mais perigosa e menos efi-
numa guerra química. E necessário o uso simultâneo de atropina caz do que o tratamento sintomático na maioria dos pacientes.
para controlar o excesso muscarínico. Quando a fisostigmina é considerada necessária, são administradas
O envenenamento por cogumelos tem sido tradicionalmente pequenas doses lentamente por via intravenosa (1-4 mg em adultos,
dividido em tipos de início rápido e de início tardio. O tipo de iní- 0,5-1 mg em crianças). O tratamento sintomático pode exigir con-
cio rápido torna-se habitualmente aparente dentro de 15-30 minu- trole da temperatura com cobertores térmicos e controle das con-
tos após a ingestão dos cogumelos. Com freqüência, caracteriza-se vulsões com diazepam.
inteiramente por sinais de excesso muscarínico: náusea, vômitos, O envenenamento causado por altas doses de drogas antimus-
diarréia, vasodilatação, taquicardia reflexa (em certas ocasiões, bra- carínicas quaternárias está associado a todos os sinais periféricos de
dicardia), sudorese, salivação e, algumas vezes, broncoconstrição. bloqueio parassimpático, porém há poucos efeitos da atropina ou
Embora a Amanita muscaria contenha muscarina (o alcalóide que até mesmo nenhum sobre o sistema nervoso central. Entretanto,
recebeu este nome devido ao cogumelo), são encontrados numero- essas drogas mais polares podem causar bloqueio ganglionar signi-
sos outros alcalóides nesse fungo, incluindo agentes antimuscaríni- ficativo, com acentuada hipotensão ortostática (ver adiante). Se
cosoDe fato, a ingestão de A. muscaria pode provocar sinais de en- houver necessidade, pode-se efetuar o tratamento dos efeitos anti-
venenamento por atropina, e não de excesso muscarínico. Outros muscarínicos com um inibidor da colinesterase quaternário, como
cogumelos, particularmente do gênero lnocybe, causam envenena- a neostigmina. O controle da hipotensão pode exigir a administra-
mento de início rápido, do tipo com excesso muscarínico. A atro- ção de um fármaco simpaticomimético, como a fenilefrina.
pina por via parenteral, na dose de 1-2 mg, constitui um tratamen-
to eficaz nessas intoxicações.
Contra-indicações
O envenenamento por cogumelos de início tardio, habitualmen-
te causado por Amanita phalloides, A. virosa, Galerina autumnalis ou As contra-indicações para o uso de fármacos antimuscarínicos são
G. marginata, manifesta-se dentro de 6-12 horas após a sua ingestão. relativas, e não absolutas. O excessomuscarínico óbvio, particularmente
Embora os sintomas iniciais incluam habitualmente náusea e vômi-
aquele causado por inibidores da colinesterase, pode ser sempre tratado
tos, a principal toxicidade envolve lesão celular hepática e renal por com atropina.
amatoxinas, que inibem a RNA polimerase. A atropina carecede valor As drogas antimuscarínicas estão contra-indicadas para pacien-
nessa forma de envenenamento por cogumelos (ver Capo 59). tes com glaucoma, particularmente glaucoma de ângulo fechado.
Até mesmo o uso sistêmico de doses moderadas pode precipitar o
H. OUTRAS APLICAÇÕES fechamento do ângulo (e glaucoma agudo) em pacientes com câ-
A hiperidrose é algumas vezes reduzida através do uso de fármacos maras anteriores superficiais.
Nos homens idosos, os fármacos antimuscarínicos devem ser
antimuscarínicos. Todavia, o alívio é, quando muito, incompleto,
talvez devido ao comprometimento freqüente das glândulas apó- sempre utilizados com cautela, e sua administração deve ser evita-
crinas, mais do que das glândulas écrinas. da àqueles que apresentam história de hiperplasia prostática.
Como as drogas antimuscarínicas retardam o esvaziamento gás-
Efeitos Adversos trico, podem aumentar os sintomas em pacientes com úlcera gás-
trica. Os fármacos antimuscarínicos não-seletivos nunca devem ser
O tratamento com atropina ou seus congêneres, dirigido para de- prescritos para tratamento da doença ácido-péptica (ver Capo 63).
terminado sistema de órgãos, quase sempre induz efeitos indesejá-
veis em outros sistemas orgânicos. Assim, a midríase e a cicloplegia
constituem efeitos adversos quando se utiliza um fármaco antimus-
carínico para reduzir a secreção ou motilidade gastrintestinais, 111.FARMACOLOGIA BÁSICA E
embora constituam efeitos terapêuticos quando o fármaco é utili-
zado em oftalmologia. CLíNICA DOS FÁRMACOS
Em concentrações mais elevadas, a atropina provoca bloqueio BLOQUEADORES
de todas as funções parassimpáticas. Todavia, a atropina é um fár-
maco notavelmente seguro em adultos. O envenenamento por atro- GANGLIONARES
pina tem ocorrido em conseqüência de tentativa de suicídio; toda-
via, a maioria dos casos deve-se a tentativas de induzir alucinações. Esses fármacos bloqueiam a ação da acetilcolina e de agonistas se-
Os indivíduos envenenados apresentam boca seca, midríase, taqui- melhantes nos receptores nicotínicos dos gânglios autônomos tan-
AGENTES BLOQUEADORES DOS RECEPTORES COLlNÉRGICOS / 99

to simpáticos quanto parassimpáticos. Alguns membros do grupo tecido, o bloqueio ganglionar provoca, em geral, dilatação mode-
também bloqueiam o canal iônico regulado pelo receptor colinér- rada da pupila.
gico nicotínico. As drogas bloqueadoras ganglionares continuam
3. Sistema cardiovascular - Os vasos sangüíneos recebem princi-
sendo importantes e úteis em pesquisas farmacológicas e fisiológi-
palmente fibras vasoconstritoras do sistema nervoso simpático; por
cas, em virtude de sua capacidade de bloquear roda a descarga au-
conseguinte, o bloqueio ganglionar provoca uma redução muito
tônoma. Entretanto, a sua falta de seletividade acarreta uma gama
importante no tônus arteriolar e venomotor. Pode ocorrer queda
tão ampla de efeitos indesejáveis que seu uso clínico foi abandonado.
abrupta da pressão arterial, devido à redução da resistência vascular
periférica e do retorno venoso (Fig. 6.7). A hipotensão é particu-
Química e Farmacocinética larmente acentuada na posição ortostática (hipotensão ortostática
ou postural), em virtude do bloqueio dos reflexos posturais que
Todos os agentes bloqueadores ganglionares de interesse consistem
normalmente impedem o acúmulo venoso.
em aminas sintéticas. A primeira a ser reconhecida por esta ação foi
Os efeitos cardíacos consistem em diminuição da contratilida-
o tetraetilamônio (TEA). Em virtude da duração de ação muito
de e em taquicardia moderada, visto que o nó sinoatrial é habitual-
curta do TEA, foi desenvolvido o hexametônio ("C6"), que foi logo
mente dominado pelo sistema nervoso parassimpático.
introduzido na clínica médica como primeiro fármaco eficaz no tra-
tamento da hipertensão. Como mostra a Fig. 8.6, existe uma rela- 4. Trato gastrintestinal- A secreção é reduzida, porém não o sufi-
ção óbvia entre as estruturas do agonista acetilcolina e dos antago- ciente para o tratamento efetivo da doença péptica. A motilidade
nistas nicotínicos, tetraetilamônio e hexametônio. O decametônio, encontra-se profundamente inibida, e a constipação pode ser acen-
o análogo "CIO" do hexametônio, é um fármaco bloqueado r des- tuada.
polarizante neuromuscular eficaz.
5. Outros sistemas - O músculo liso geniturinário depende parci-
Como os compostos bloqueadores ganglionares de amina quater-
almente da inervação autônoma para sua função normal. Por con-
nária eram absorvidos precariamente e de modo irregular após a sua
seguinte, o bloqueio ganglionar provoca hesitação miccional e pode
administração oral, foi desenvolvida a mecamilamina, uma amina
precipitar retenção urinária em homens com hiperplasia prostáti-
secundária, para melhorar o grau e a extensão de absorção pelo traro
ca. A função sexual é afetada, visro que tanto a ereção quanto a eja-
gastrintestinal. O trimetafan, um bloqueador ganglionar de ação
culação podem ser impedidas com doses moderadas.
curta, é inativo por via oral e administrado por infusão intravenosa.
A sudorese termorreguladora é bloqueada pelos agentes bloque-
adores ganglionares. Entretanto, a hipertermia não representa um
Farmacodinâmica problema, exceto em ambientes muito quentes, visto que a vasodi-
latação cutânea é habitualmente suficiente para manter a tempera-
A. MECANISMO DE AçÃO tura corporal normal.
Os receptores nicotínicos ganglionares, a exemplo daqueles da jun- 6. Resposta a drogas autônomas - Como os receptores nas células
ção neuromuscular do músculo esquelético, estão sujeiros a bloqueio efetoras (muscarínicos, Ci e [:)) não são bloqueados, os pacientes em
tanto despolarizante quanto não-despolarizante (ver os Caps. 7 e uso de fármacos bloqueadores ganglionares respondem integralmen-
27). A própria nicotina, a carbamilcolina e até mesmo a acetilcoli- te a drogas autônomas que atuam sobre esses receptores. De fato,
na (quando amplificada com um inibidor da colinesterase) podem as respostas podem ser exageradas ou até mesmo revertidas (por
produzir bloqueio ganglionar despolarizante. exemplo, a noradrenalina pode causar taquicardia, mais do que
As drogas atualmente utilizadas como agentes bloqueadores gan- bradicardia), devido à ausência dos reflexos homeostáticos, que
glionares são classificadas como agonistas competitivos não despo- normalmente moderam as respostas autônomas.
larizantes. Entretanto, as evidências sugerem que, na realidade, o
hexametônio produz a maior parte de seu bloqueio ao ocupar lo-
cais no interior ou na superfície do canal iônico, que é controlado
pelo receptor de acetilcolina, mas não ao ocupar o próprio receptor
colinérgico. Em contraste, o trimetafan parece bloquear o receptor
nicotínico, e não o canal. O bloqueio pode ser pelo menos parcial-
mente superado ao aumentar-se a concentração de agonistas nor-
mais, como, por exemplo, a acetilcolina. Hexametônio

B. EFEITOS SOBRE SISTEMAS DE ÓRGÃOS

1. Sistema nervoso central- Os fármacos de amina quaternária e CH3


o trimetafan carecem de efeitos centrais, uma vez que não atraves- CH3

sam a barreira hematoencefálica. Todavia, a mecamilamina pene- QrCH3


NH-CH3
tra facilmente no sistema nervoso central. Os efeitos relatados des- Mecamilamina Tetraetilamônio
ta última droga consistem em sedação, tremor, movimentos
coreiformes e aberrações mentais.

2. Olho - Como o músculo ciliar recebe a sua inervação primaria-


mente do sistema nervoso parassimpático, os fármacos bloqueado-
res ganglionares provocam cicloplegia previsível, com perda da aco-
modação. O efeito sobre a pupila não é fácil de prever, visro que a Acetilcolina
íris recebe inervação simpática (mediando a dilatação pupilar), bem
como inervação parassimpática (mediando a constrição pupilar). Fig. 8.6 Alguns fármacos bloqueadores ganglionares. A acetilcoli-
Como o tônus parassimpático é habitualmente dominante nesse na é mostrada como referência.
100 / FARMACOLOGIA

PREPARAÇÕES DISPONíVEIS

AGENTES ANTICOLlNÉRGICOS ANTIMUSCARíNICOS * Ipratrópio (genérico, Atrovent)


Atropina (genérico) Aerossol: inalador dosimetrado com 200 doses
Oral: comprimidos de 0,4 mg Solução para nebulizador: 0,02 %
Parenteral: O,OS,0,1,0,3, 0,4, 0,5, 0,8, 1 mg/mL para 5pray nasal: 0,03, 0,06%
injeção Mepenzolato (Cantil)
Oftálmica (genérico, Isopto Atropine): gotas a 0,5, 1,2%; Oral: comprimidos de 25 mg
pomadas a 1% Metantelina (Banthine)
Alcalóides da beladona, extrato ou tintura (genérico) Oral: comprimidos de SO mg
Oral: líquido de 0,27-0,33 mg/mL Metescopalamina (Pamine)
Ciclopentolato (genérico, Cyclogyl, outros) Oral: comprimidos de 2,S mg
Oftálmico: gotas a O,S, 1,2% Oxibutinina (genérico, Ditropan)
Clidínio (Quarzan) Oral: comprimidos de 5 mg; comprimidos de liberação
Oral: cápsulas de 2,5, 5 mg prolongada de S, 10, 1S mg; xarope a S mg/S mL
Diciclomina (genérico, Bentyl, outros) Propantelina (genérico, Pro-Banthine)
Oral: cápsulas de 10, 20 mg; comprimidos de 20 mg; xarope Oral: comprimidos de 7,S, 1S mg
de 10 mg/5 mL Tolterodina (Detrol)
Parenteral: 10 mg/mL para injeção Oral: comprimidos de 1, 2 mg; cápsulas de liberação
Escopolamina (genérico) prolongada de 2, 4 mg
Oral: comprimidos de 0,4 mg Tridiexetil (Pathilon)
Parenteral: 0,3, 0,4, 0,65, 0,86, 1 mg/mL para injeção Oral: comprimidos de 2S mg
Oftálmica (Isopto Hyoscine): solução a 0,25% Tropicamida (genérico, Mydriacyl Ophthalmic, outros)
Transdérmica (Transderm Scop): emplastro de 1,5 mg Oftálmica: gotas a O,S, 1%
(fornece O,S mg)
Flavoxato (Urispas) BLOQUEADORES GANGLlONARES
Oral: comprimidos de 100 mg Mecamilamina (Inversine)
Glicopirrolato (genérico, Robinul) Oral: comprimidos de 2,S mg
Oral: comprimidos de 1, 2 mg Trimetafan (Arfonad)
Parenteral: 0,2 mg/mL para injeção Parenteral: SO mg/mL
I-Hiosciamina (Anaspaz, Cystospaz-M, Levsinex)
Oral: comprimidos de 0, 12S, 0,15 mg; cápsulas de liberação REGENERADOR DA COLlNESTERASE
programada de 0,375 mg; elixir e solução orais a 0,125
Pralidoxima (genérico, Protopam)
mg/5 mL
Parenteral: 0,5 mg/mL para injeção Parenteral: frasco de 1 9 com 20 mL de diluente para
Homatropina (genérico, Isopto Homatropine) administração IV; 600 mg em auto-injetor de 2 mL
Oftálmica: gotas a 2, S%

*Os fármacos antimuscarínicos utilizados no parkinsonismo estão relacionados no Capo 28.

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Drog~s Ativadoras dos Receptores
Adrenérgicos e Outras Drogas
Simpaticomiméticas
Brian B. Hoffman, MD

o sistema nervoso simpático é um importante regulador das ativida- Muito se deve, em termos conceituais, aos trabalhos realizados por
des de vários órgãos, como o coração e a vasculatura periférica, parti- John Langley e Paul Ehrlich, há 100 anos, ao formularem a hipó-
cularmente em resposta ao estresse (ver Capo 6). Os efeitos finais da tese de que as drogas exercem seus efeitos através da interação com
estimulação simpática são mediados pela liberação de noradrenalina substâncias "receptivas" específicas. Em 1948, Raymond Ahlquist
das terminações nervosas, que servem para ativar os receptores adre- racionalizou inúmeras observações ao conceituar que as cate cola-
nérgicos em locais pós-sinápticos. Além disso, em resposta a uma minas atuavam através de dois receptores principais. A esses re-
variedade de estímulos, como estresse, a medula supra-renal libera ceptores, deu os nomes de a e 13. Os receptores a são aqueles que
adrenalina, que é transportada pelo sangue até os tecidos-alvo - em apresentam as potências comparativas da adrenalina 2: noradre-
outras palavras, a adrenalina atua como hormônio. Assim, é de espe- nalina > > isoproterenol. Os receptores 13possuem as seguintes
rar que as drogas que imitam as ações da adrenalina ou da noradre- potências comparativas: isoproterenol > adrenalina 2: noradre-
nalina - drogas simpaticomiméticas - apresentem uma ampla gama nalina. A hipótese de Ahlquist foi notavelmente confirmada com
de efeitos. Por conseguinte, o conhecimento da farmacologia desses o desenvolvimento de drogas que antagonizam seletivamente os
agentes constitui uma extensão lógica do que sabemos a respeito do receptores 13, mas não os receptores a (ver Capo 10). Evidências
papel fisiológico das catecolaminas. mais recentes sugerem que os receptores a são constituídos por
duas grandes famílias. Assim, no momento atual, parece apropri-
Modo e Espectro de Ação dos Fármacos ado classificar os receptores adrenérgicos em três grandes grupos:
Simpaticomiméticos os receptores 13, aI e a2• Cada um desses grandes grupos de re-
ceptores também apresenta três subtipos.
À semelhança das drogas colinomiméticas, os fármacos simpatico-
mim éticos podem ser agrupados com base no seu modo de ação e A. RECEPTORES BETA-ADRENÉRGICOS

no espectro de receptores que eles ativam. Algumas dessas drogas


Pouco depois da demonstração de receptores a e 13distintos, foi
(por exemplo, noradrenalina, adrenalina) atuam de modo direto,
descoberto que existem pelo menos dois subtipos de receptores 13,
isto é, interagem diretamente com os receptores adrenérgicos, ati-
designados como 131e 132' Em termos operacionais, os receptores
vando-os. Outras atuam de modo indireto; suas ações dependem
131e 132são definidos pelas suas afinidades pela adrenalina e nora-
da liberação de catecolaminas endógenas. Esses fármacos de ação
drenalina: os receptores 131apresentam afinidade aproximadamen-
indireta podem atuar através de dois mecanismos diferentes: (1)
te igual pela adrenalina e noradrenalina, enquanto os receptores 13z
deslocamento das catecolaminas armazenadas da terminação ner-
possuem maior afinidade pela adrenalina do que pela noradrenali-
vosa adrenérgica (por exemplo, anfetamina e tiramina) ou (2) ini-
na. Subseqüentemente, foram identificados os receptores 133como
bição da recaptação das catecolaminas já liberadas (por exemplo,
um terceiro subtipo novo e distinto de receptores 13-adrenérgicos.
cocaína e antidepressivos tricíclicos). Algumas drogas exercem ações
O Quadro 9.1 fornece uma lista de algumas das propriedades de
tanto diretas quanto indiretas. Ambos os tipos de fármacos simpa-
cada um desses tipos de receptores.
ticomiméticos, tanto diretos quanto indiretos, causam, em última
análise, a ativação dos receptores adrenérgicos, resultando em al- B. RECEPTORES ALFA-ADRENÉRGICOS
guns dos efeitos característicos das catecolaminas ou em todos eles.
A seletividade dos diferentes simpaticomiméticos para vários tipos Após a demonstração dos subtipos 13,foi constatada a existência de
de receptores adrenérgicos é discutida adiante. dois grandes grupos de receptores a: aI e az. A princípio, esses re-
ceptores foram identificados com drogas antagonistas, que os dis-
tinguiram entre receptores aI e az. Por exemplo, os receptores a
adrenérgicos foram identificados numa variedade de tecidos ao
I. FARMACOLOGIA BÁSICA DOS medir a ligação de compostos antagonistas marcados com isótopos
radioativos, que são considerados como tendo grande afinidade por
FÁRMACOS SIMPATICOMIMÉTICOS esses receptores, como, por exemplo, a diidroergocriptina (ai e az),
a prazosina (ai) e a ioimbina (az). Esses radioligantes foram utili-
IDENTIFICAÇÃO DOS RECEPTORES zados para medir o número de receptores nos tecidos e determinar
ADRENÉRGICOS a afinidade (por deslocamento do ligante marcado com isótopo
radioativo) de outras drogas que interagem com os receptores.
O empenho para desvendar os mecanismos moleculares através O conceito de subtipos dentro do grupo aI surgiu de experimen-
dos quais as catecolaminas atuam tem uma história longa e rica. tos farmacológicos que demonstraram a existência de curvas de dose
DROGAS ATIVADORAS DOS RECEPTORES ADRENÉRGICOS E OUTRAS DROGAS SIMPATICOMIMÉTICAS / 103

Quadro 9.1 Tipos e subtipos de receptores adrenérgicos


Geneno
Receptor Agonista Antagonista Efeitos Cromossomo

Tipo Ol, Fenilefrina, metoxamina Prazosina, corinantina t IP3, DAG comum a todos

WB41 01, prazosina C5

CEC (irreversível) C8
•••••••••••• H ••••••••• H •• H •• H ••••• H •••• Vi;iS4.i .O.f ... ·.·H. H •••• H. H •••• H ••• ••• ••••• H. H ••••• H H H •••••••• H ••••••••• H ••••• H •••••••••• H

Tipo 0z Rauwolscina, ioimbina t cAMP comum a todos C20

CiZA Clonidina, BHT920 t cAMP; t canais de K+; t canais de Ca2+ Cl0


Oximetazolina

Prazosina t cAMP; t canais de Ca'+ C2

Prazosina t cAMP C4

Tipo 13 Isoproterenol Propranolol t cAMP comum a todos

Dobutamina Betaxolol t cAMP Cl0


13,

Procaterol, terbutalina Butoxamina t cAMP C5

BRL37344 t cAMP C8

Tipo dopamínico Dopamina

Fenoldopam t cAMP C5

Bromocriptina t cAMP; t canais de K+; t canais de Ca'+ Cll

Quimpirol AJ76 t cAMP; t canais de K+; t canais de Ca'+ C3

Clozapina t cAMP Cll

i CAMP C4

Chave: BRL37344 = Sódio-4-(2 -[2 -hidróxi-{3-clorofenil}etilamino]propil)fenóxi-acetato


BHT920 = 6-Alil- 2-amino-5, 6, 7,8-tetra-hidro-4H- tiazolo-[4, 5-dj-azepina
CEC = Cloroetilclonidina
DAG = Diacilglicerol
IP, = Inositol trifosfato
WB4101 = N-[2-(2,6-dimetoxifenoxi)etilj-2,3-diidro-1 ,4-benzodioxano-2-metanamina

de agonistas-resposta de formas complexas para a contração do nica e renal. Hoje em dia, há consideráveis evidências sobre a exis-
músculo liso, bem como de diferenças nas afinidades de antagonis- tência de pelo menos cinco subtipos de receptores dopamínicos. Os
tas na inibição da resposta contrátil em vários tecidos. Esses experi- subtipos de receptores dopamínicos farmacologicamente distintos,
mentos demonstraram a existência de dois subtipos de receptores denominados DI e D" já são conhecidos há algum tempo. A clo-
aI' que podem ser diferenciados com base nas suas afinidades re- nagem molecular identificou vários genes distintos, que codificam
versíveis por uma variedade de drogas e compostos experimentais. cada um desses subtipos. Existe ainda maior complexidade, devido
Subseqüentemente, foi identificado um terceiro subtipo de recep- à presença de íntrons na região de codificação dos genes dos recep-
tor ai por técnicas de clonagem molecular. Esses receptores ai são tores semelhantes a D" permitindo uma junção (spliciniJ alternati-
denominados receptores alA> alB e a1O. Há evidências de que o va dos éxons nesse importante subtipo. Existe uma extensa varia-
receptor alA possua variantes de junção (splice). Uma importante ção polimórfica no gene do receptor humano D4' A terminologia
área atual de investigação consiste em estabelecer a importância de dos vários subtipos é a seguinte: DI' D2, D~, D4 e Ds, incluindo dois
cada um desses vários subtipos para mediar respostas aos recepto- receptores semelhantes a DI (DI e Ds) e três receptores semelhan-
res ai numa variedade de órgãos. tes a D, (D2, D3 e D4). Esses subtipos podem ser importantes para
entender-se a eficácia e os efeitos adversos de novos fármacos an-
A hipótese de que existem subtipos de receptores a, surgiu de
experimentos farmacológicos e clonagem molecular. Hoje em dia, tipsicóticos (ver Capo 29).
sabe-se que existem três subtipos de receptores a" denominados alA'
a'B e a,o que são produtos de genes distintos, Seletividade dos Receptores
O Quadro 9.2 fornece exemplos de agonistas simpaticomiméticos
C. RECEPTORES DE DOPAMINA
de utilidade clínica, que são relativamente seletivos para os subgru-
A dopamina, uma catecolamina endógena, produz uma variedade pos de receptores al-, a,- e r3 adrenérgicos, em comparação com
de efeitos biológicos, que são mediados por interações com recep- alguns fármacos não-seletivos. A seletividade significa que uma droga
tores específicos de dopamina (Quadro 9.1). Esses receptores são pode ligar-se preferencialmente a determinado subgrupo de recep-
distintos dos receptores a e r3 e são particularmente importantes tores em concentrações demasiadamente baixas para interagir ex-
no cérebro (ver os Caps. 21 e 29), bem como na vasculatura esplânc- tensamente com outro subgrupo. Por exemplo, a noradrenalina ativa
104 / FARMACOLOGIA

Quadro 9.2 Seletividade relativa dos agonistas dos receptores a à fosfolipase C. A ativação dos receptores acoplados às
receptores adrenérgicos proteínas G pelas catecolaminas promove a dissociação do GDP da
subunidade a da proteína G apropriada. A seguir, o GTP liga-se a
essa proteína G, e a subunidade a dissocia-se da unidade 13-"1.A se-
dos Receptores
Afinidades Relativasj .
...........•... _ _.. ·.......•...... _.·.. _
n._ .. _..•. ·.n.·."
guir, a subunidade a ativada ligada ao GTP regula a atividade de seu
Agonistas alfa efetor. Os efetores das subunidades a ativadas por receptores adre-
Fenilefrina, metoxamina nérgicos incluem a adenilil ciclase, a cGMP fosfodiesterase, a fosfoli-
Clonidina, metilnoradrenalina Cl, > Cl, »»> ~ pase C e canais iônicos. A subunidade a é inativada pela hidrólise do
GTP ligado à GDP e Pi e pela reassociação subseqüente da subuni~
Agonistas alfa e beta mistos dade a com a subunidade 13-"1.As subunidades13--y podem exercer
Noradrenalina
efeitos independentes adicionais, atuando numa variedade de efeto-
Adrenalina res, como canais iônicos e enzimas.

Agonistas beta Tipos de Receptores


Dobutamina'

Isoproterenol 13, = 13, »» Cl


A. RECEPTORES ALFA

Terbutalina, metaproterenol, albuterol, 13, » 13, »» Cl Os receptores aI estimulam a hidrólise de polifosfoinositídios, com
ritodrina conseqüente formação de inositol 1,4,5-trifosfato (IP3)e diacilgli-
cerol (DAG) (Fig. 9.1). As proteínas G da família Gq acoplam os
Agonistas dopaminicos
Dopamina D, = D, » 13» Cl
receptores aI com a fosfolipase C. O IP3 promove a liberação do
Ca2+ seqüestrado das reservas intracelulares, com conseqüente au-
Fenoldopam mento na concentração citoplasmática de Ca2+ livre e ativação de
'Ver o texto. várias proteína cinases cálcio-dependentes. A ativação desses recep-
tores também pode aumentar o influxo de cálcio através da mem-
brana plasmática da célula. O inositol1 ,4,5-trifosfato sofre desfos-
forilação seqüencial, levando, em última análise, à formação de ino-
preferencialmente os receptores 131> em comparação com os recep- sitollivre. O DAG ativa a proteína cinase C, que modula a ativida-
tores 132'Entretanto, a seletividade não costuma ser absoluta (a se- de de muitas vias de sinalização. Além disso, os receptores aI ati-
letividade quase absoluta foi denominada "especificidade") e, em vam vias de transdução de sinais originalmente descritas para re-
concentrações mais elevadas, outras classes relacionadas de recep- ceptores de fatores de crescimento peptídicos que ativam tirosina
tores também podem interagir com a droga. Em conseqüência, a cinases. Por exemplo, foi constatado que os receptores aI ativam
subclassificação "numérica" dos receptores adrenérgicos tem impor- cinases ativadas por mitógenos (MAP cinases) e polifosfoinositol-
tância clínica principalmente para drogas que apresentam seletivi- 3-cinase (PI-3 cinase). Essas vias podem ser importantes para a es-
dade relativamente grande. Devido a variações na cinética e dinâ- timulação do crescimento e proliferação celulares mediadas pelos
mica das drogas entre pacientes, a extensão da seletividade de uma receptores aI> através da regulação da expressão gênica. A impor-
droga deve ser considerada, se essapropriedade for identificada como tância fisiológica dessa "comunicação cruzada" entre importantes
clinicamente importante no tratamento de determinado paciente. vias de sinalização ainda não foi estabeleci da.
O número exato de subtipos de receptores adrenérgicos que são Os receptores a2 inibem a atividade da adenilil ciclase e produ-
realmente expressos nos tecidos humanos é incerto; todavia, foi zem redução dos níveis intracelulares de cAMPo Além desse efeito
demonstrada a expressão de subtipos em tecidos nos quais ainda bem documentado, a ativação dos receptores a2 utiliza vias de si-
não foi estabelecida a importância fisiológica ou farmacológica do nalização adicionais, incluindo a regulação das atividades dos ca-
subtipo em questão. Esses resultados sugerem a possibilidade de nais iônicos e as atividades de enzimas importantes envolvidas na
desenvolvimento de novas drogas para explorar a expressão de de- transdução de sinais. A inibição da atividade da adenilil ciclase,
terminado subtipo de receptor num único tecido-alvo. Por exem- mediada pelos receptores a2, é transduzida pela proteína regulado-
plo, a determinação dos vasos sangüíneos específicos que expres- ra inibitória, Gi, que acopla os receptores a, à inibição da adenilil
sam os subtipos de aI e a2 poderia levar ao desenvolvimento de ciclase (Fig. 9.2). Ainda não foi esclarecido como a ativação da Gi
fármacos com seletividade para certos leitos vasculares, como os leva à inibição da adenilil ciclase, mas é provável que ambas as su-
vasos esplâncnicos ou coronários. De forma semelhante, tem havi- bunidades a e 13-"1da Gi contribuam para essa resposta. Além dis-
do sempre uma extensa pesquisa dos subtipos de receptores aI que so, alguns dos efeitos dos receptores a2 adrenérgicos independem
medeiam respostas farmacológicas na próstata humana. de sua capacidade de inibir a adenilil ciclase; por exemplo, os ago-
nistas dos receptores a, provocam agregação plaquetária e diminui-
MECANISMOS MOLECULARES DA AÇÃO ção dos níveis plaquetários de cAMP, porém ainda não foi esclare-
SIMPA TICOMIMÉTICA cido se a agregação resulta da diminuição do cAMP ou de outros
mecanismos envolvendo efetores regulados pela proteína Gi.
Os efeitos das catecolaminas são mediados por receptores da superfí-
cie celular. Conforme descrito no Capo 2, esses receptores estão aco- B. RECEPTORES BETA
piados por proteínas G às várias proteínas efetoras, cujas atividades
são reguladas por esses receptores. Cada proteína G é um heterotrí- O mecanismo de ação dos agonistas 13foi estudado com conside-
mero, que consiste em subunidades a, 13e "I. As proteínas G são clas- ráveis detalhes. A ativação de todos os três subtipos de receptores
sificadas com base nas suas subunidades a distintas. As proteínas G (131)132e 133)resulta em ativação da adenilil ciclase e aumento da
de importância particular para a função dos receptores adrenérgicos conversão do ATP em cAMP (Fig. 9.2). A ativação da enzima
incluem: Gs, a proteína G estimuladora da adenilil ciclase; Gi, a pro- ciclase é mediada pela proteína de acoplamento estimuladora, Gs•
teína G inibitória da adenilil ciclase; e Gq, a proteína que acopla os O cAMP constitui o principal segundo mensageiro da ativação
DROGAS ATIVADORAS DOS RECEPTORES ADRENÉRGICOS E OUTRAS DROGAS SIMPATICOMIMÉTICAS / 105

o Agonista

PKC
ativada

Fosto-
lipase C IP3

Ca2+-dependente
Proteína cinase ~

tI ~
~ ~ Cálcio
livre O:<----armazenado
..• Cálcio
Proteína
cinase ativada

Fig. 9.1 Ativação das respostas al. A estimulação dos receptores al pelas catecolaminas resulta em ativação de uma proteína de aco-
plamento Gq. A subunidade a dessa proteína G ativa o efetor, a fosfolipase C, o que determina a liberação de IP3 (inositol 1,4,5-
trifosfato) e DAG (diacilglicerol) do fosfatidilinositoI4,5-difosfato (Ptdlns 4,S-PJ O IP3 estimula a liberação das reservas seqüestradas
de cálcio, resultando em aumento na concentração citoplasmática de Cal+. A seguir, o Ca2+ pode ativar proteína cinases Ca2+-depen-
dentes que, por sua vez, fosforilam seus substratos. O DAG ativa a proteína cinase C. Ver o texto para efeitos adicionais da ativação
dos receptores al.

D Agonista Adenilil ciclase

1(\ =:rJ
I
il~II
GDP
as
GDP + GTP
GTP GDP

ATP cAMP

t
r-
Enzlma
. ciJ

ADP
ATP =1---0- 2C t
2R
Enzima P04

~
Efeito biológico

Fig. 9.2 Ativação e inibição da adenilil ciclase por agonistas que se ligam aos receptores de catecolaminas. A ligação aos receptores 13
adrenérgicos estimula a adenilil ciclase ao ativar a proteína G estimuladora, G" resultando em dissociação de sua subunidade a carregada
com GTP. Essasubunidade as ativa diretamente a adenilil ciclase, produzindo aumento na síntese de cAMPo Os ligantes dos receptores a2
adrenérgicos inibem a adenilil ciclase ao provocar a dissociação da proteína G inibitória, Gi, em suas subunidades, isto é, uma subunidade
ai carregada com GTP e uma subunidade 13-)'. O mecanismo pelo qual essas subunidades inibem a adenilil ciclase permanece incerto. O
cAMP liga-se à subunidade reguladora (R) da proteína cinase cAMP-dependente, com conseqüente liberação de subunidades catalíticas
ativas (C) que fosforilam substratos protéicos específicos e modificam sua atividade. Essasunidades catalíticas também fosforilam a pro-
teína de ligação de elementos de resposta do cAMP (CREB,cAMP response element binding protein), que modifica a expressão gênica.
Ver o texto para outras ações dos receptores adrenérgicos 13 e a2·
106 / FARMACOLOGIA

dos receptores 13.Por exemplo, no fígado de muitas espécies, a.ati- ra por determinada droga. A dessensibilização heteróloga refere-se à
vação dos receptores 13aumenta a síntese de cAMP, determinando perda de responsividade de alguns receptores de superfície celular
uma cascata de eventos que culmina na ativação da glicogênio fos- que não foram diretamente ativados pela droga em questão.
forilase. No coração, a ativação dos receptores 13aumenta o influxo Um importante mecanismo de dessensibilização que ocorre ra-
de cálcio através da membrana celular e seu seqüestro no interior pidamente envolve a fosforilação de receptores por membros da
da célula. A ativação dos receptores 13também promove o relaxa- família de cinases receptoras acopladas à proteína G (GRK) , dos
mento do músculo liso. Apesar de o mecanismo envolvido não es- quais existem, pelo menos, sete membros. Receptores adrenérgicos
tar bem estabelecido, pode incluir a fosforilação da cinase das ca- específicos atuam como substratos dessas cinases apenas quando
deias leves de miosina numa forma inativa (ver Fig. 12.1). Os re- estão ligados a um agonista. Esse mecanismo fornece um exemplo
ceptores 13adrenérgicos podem ativar os canais de cálcio sensíveis à de dessensibilização homóloga, visto que envolve especificamente
voltagem no coração através de aumento mediado pela Gs' inde- apenas receptores ocupados por agonistas.
pendentemente de alterações na concentração de cAMPo Em cer- A fosforilação desses receptores aumenta a sua afinidade pelas
tas circunstâncias, os receptores 132podem acoplar-se a proteínas Gi. l3-arrestinas; através de sua ligação a uma molécula de ~-arrestina,
Foi demonstrado que esses receptores ativam cinases adicionais, diminui a capacidade do receptor de ativar proteínas G, presumi-
como MAP cinases, através da formação de complexos de múlti- velmente devido a um impedimento estérico (ver Fig. 2.12). As
plas subunidades encontrados no interior das células, contendo arrestinas constituem outra grande família de proteínas amplamente
múltiplas moléculas de sinalização. Além disso, evidências recentes expressas. A fosforilação dos receptores, seguida de ligação da
sugerem que a formação de dímeros dos próprios receptores 13(tanto l3-arrestina, tem sido associada à endocitose subseqüente do recep-
homodímeros quanto heterodímeros dos receptores 131e (32)está tor. Essa resposta pode ser facilitada pela capacidade das l3-arresti-
significativamente envolvida nos seus mecanismos de sinalização. nas de ligar-se à proteína estrutural, clatrina. Além de atenuar as res-
postas que exigem a presença do receptor na superfície celular, esses
C. RECEPTORESDE DOPAMINA processos reguladores também podem contribuir para novos meca-
nismos de sinalização de receptores através de vias intracelulares.
Tipicamente, o receptor DI está associado à estimulação da adeni-
A dessensibilização dos receptores também pode ser mediada por
lil ciclase (Quadro 9.1). Por exemplo, o relaxamento do músculo retroalimentação de segundos mensageiros. Por exemplo, os recep-
liso induzido pelo receptor DI é presumivelmente devido ao acú- tores 13adrenérgicos estimulam o acúmulo de cAMP, levando à
mulo de cAMP no músculo liso dos leitos vasculares onde a dopa- ativação da proteína cinase A; a proteína cinase A pode fosforilar
mina atua como vasodilatado r. Foi constatado que os receptores D2
resíduos nos receptores 13,com conseqüente inibição da função do
inibem a atividade da adenilil ciclase, abrem os canais de potássio e
diminuem o influxo de cálcio. receptor. Por exemplo, para o receptor 132'a fosforilação ocorre em
resíduos serina na terceira alça citoplasmática, bem como na extre-
midade carbóxi-terminal do receptor. De forma semelhante, a ati-
Regulação dos Receptores
vação da proteína cinase C por receptores acoplados à Gq pode re-
As respostas mediadas pelos receptores adrenérgicos não são fixasnem sultar em fosforilação dessa classe de receptores acoplados à prote-
estáticas. O número e a função dos receptores adrenérgicos na super- ína G. Esse mecanismo de retroalimentação de segundo mensagei-
fície celular e suas respostas podem ser regulados pelas próprias cate- ro foi denominado dessensibilização heteróloga, visto que a proteí-
colaminas, por outros hormônios e drogas, pela idade e por diversos na cinase A ou a proteína cinase C ativadas podem fosforilar qual-
estados mórbidos. Essas alterações podem modificar a magnitude da quer receptor estruturalmente semelhante com sítios apropriados
resposta fisiológica de um tecido às catecolaminas e podem ser clini- para fosforilação por essas enzimas.
camente importantes durante o curso do tratamento. Um dos exem-
plos mais bem estudados da regulação dos receptores é a dessensibi- POLlMORFISMOS DOS RECEPTORES
lização dos receptores adrenérgicos, que pode ocorrer após exposição ADRENÉRGICOS
a catecolaminas e outros fármacos simpaticomiméticos. Após expo-
sição de uma célula ou tecido a determinado agonista por um certo Desde a elucidação das seqüências dos genes que codificam os sub-
período de tempo, esse tecido freqüentemente torna-se menos res- tipos al' a2 e 13de receptores adrenérgicos, ficou evidente que exis-
ponsivo à estimulação posterior por esse mesmo fármaco. Outros tem polimorfismos genéticos relativamente comuns para muitos
termos, como tolerância, refratariedade e taquifilaxia, também têm desses subtipos de receptores nos seres humanos. Alguns deles po-
sido utilizados para referir-se ao fenômeno da dessensibilização. Esse dem determinar alterações em seqüências de aminoácidos críticas
processo possui importância clínica potencial, visto que pode limitar que possuem importância farmacológica. Há evidências de que al-
a resposta terapêutica aos agentes simpaticomiméticos. guns desses polimorfismos podem modificar a suscetibilidade a
Foi constatada a contribuição de muitos mecanismos no pro- determinadas doenças, como a insuficiência cardíaca, alterar a pro-
cesso de dessensibilização. Alguns mecanismos, operando em níveis pensão de um receptor a sofrer dessensibilização e alterar as respos-
de transcrição, tradução e de proteínas, atuam de modo relativa- tas terapêuticas a fármacos em doenças como a asma.
mente lento - no decorrer de várias horas ou dias. Outros mecanis-
mos de dessensibilização ocorrem rapidamente, em questão de QUíMICA E FARMACOCINÉTICA DAS
minutos. A rápida modulação da função dos receptores nas células DROGAS SIMPATICOMIMÉTICAS
dessensibilizadas pode envolver uma modificação covalente crítica
do receptor, particularmente através de fosforilação de radicais de A feniletilamina pode ser considerada o composto original do qual
aminoácidos específicos, associação desses receptores a outras pro- derivam as drogas simpaticomiméticas (Fig. 9.3). Esse composto
teínas ou alterações na sua localização subcelular. consiste num anel de benzeno com uma cadeia lateral de etilamina.
Existem duas grandes categorias de dessensibilização de respos- Podem-se efetuar substituição: (1) no grupo amino terminal, (2)
tas mediadas por receptores acoplados à proteína G. A dessensibili- no anel de benzeno, e (3) nos carbonos a e 13.A substituição por
zação homóloga refere-se à perda de responsividade exclusivamente grupos -OH nas posições 3 e 4 produz drogas simpaticomiméticas
dos receptores que foram expostos à ativação repetida ou duradou- conhecidas coletivamente como catecolaminas. Os efeitos da mo-
DROGAS ATIVADORAS DOS RECEPTORES ADRENÉRGICOS E OUTRAS DROGAS SIMPATICOMIMÉTICAS / 107

eatecol Feniletilamina

HO

Noradrenalina
h
HO~~H-CH2-NH-CH3
OH

Adrenalina

HO

HO 1 ~
-o-HO -
~H-CH2-NH-~
OH
Isoproterenol
CH3
CH3
HO\Jh CH2-CH2-NH2
Dopamina

Fig. 9.3 Feniletilamina e algumas catecolaminas importantes. O catecol é mostrado para referência.

dificação da feniletilamina consistem em alterar a afinidade das efeitos sobre o sistema nervoso central que tipicamente não são
drogas pelos receptores a e 13, além de influenciar a capacidade observados com as catecolaminas.
intrínseca de ativar os receptores. Além disso, a estrutura química
determina as propriedades farmacocinéticas dessas moléculas. As C. SUBSTITUiÇÃO NO CARBONO ALFA
drogas simpaticomiméticas podem ativar os receptores tanto a
As substituições no carbono a bloqueiam a oxidação pela monoami-
quanto 13; todavia, a atividade relativa nos receptores a versus re-
na oxidase (MAO) e prolongam a ação dessas drogas, particularmen-
ceptores 13varia desde uma atividade a quase pura (metoxamina)
te das não-catecolaminas. A efedrina e a anfetamina são exemplos de
até uma atividade 13quase pura (isoproterenol).
compostos a-substituídos (Fig. 9.4). Os compostos a-metílicos são
também denominados fenilisopropilaminas. Além de sua resistência
A. SUBSTITUiÇÃO NO GRUPO AMINO
à oxidação pela MAO, algumas fenilisopropilaminas apresentam maior
O aumento do tamanho dos substituintes alquílicos no grupo ami- capacidade de deslocar as catecolaminas dos sítios de armazenamento
no tende a aumentar a atividade dos receptores 13.Por exemplo, a nos nervos noradrenérgicos. Por conseguinte, parte de sua atividade
substituição de meti I na noradrenalina, produzindo adrenalina, depende da presença de reservas normais de noradrenalina no orga-
intensifica a atividade nos receptores 132'A atividade 13é ainda mais nismo; trata-se de simpaticomiméticos de ação indireta.
aumentada com a substituição de isopropil no nitrogênio amínico
(isoproterenol). Em geral, os agonistas 132-seletivos exigem um gran- D. SUBSTITUiÇÃO NO CARBONO BETA
de grupo substituinte amínico. Quanto maior o substituinte no
grupo amínico, menor a atividade nos receptores a; por exemplo, Tipicamente, os agonistas de ação direta possuem um grupo ~-hi-
o isoproterenol é muito fraco nos receptores a. droxílico, o que não ocorre com a dopamina. Além de ativar os
receptores adrenérgicos, esse grupo hidroxílico pode ser importan-
B. SUBSTITUiÇÃO NO ANEL DE BENZENO te para o armazenamento de aminas simpaticomiméticas em vesí-
culas neurais.
Observa-se uma atividade a e 13máxima com as catecolaminas
(drogas que possuem grupos -OH nas posições 3 e 4). A ausên- EFEITOS DOS FÁRMACOS
cia de um ou outro desses grupos, particularmente do grupo hi- SIMPATICOMIMÉTICOS SOBRE SISTEMAS
droxila em C3, sem outras substituições no anel, pode reduzir dras-
DE ÓRGÃOS
ticamente a potência das drogas. Por exemplo, a fenilefrina (Fig.
9.4) é muito menos potente do que a adrenalina; na verdade, a
Os Quadros 6.3 e 9.3 fornecem um resumo geral das ações celula-
afinidade pelo receptor a é cerca de 100 vezes menor, e a ativida-
res dos agentes simpaticomiméticos. O efeito final de determinada
de 13é quase insignificante, exceto em concentrações muito ele-
droga no organismo intacto depende de sua afinidade relativa pe-
vadas. Todavia, as catecolaminas estão sujeitas à inativação pela
los receptores (a ou 13), de sua atividade intrínseca e dos reflexos
catecol- O-metiltransferase (COMT), uma enzima encontrada no
compensatórios provocados por suas ações diretas.
trato digestivo e no fígado (ver Capo 6). Por conseguinte, a au-
sência de um ou de ambos os grupos -OH no anel fenílico au-
Sistema Cardiovascular
menta a biodisponibilidade após administração oral e prolonga a
duração de ação. Além disso, a ausência de grupos -OH no anel A.VASOSSANGÜ~EOS
tende a aumentar a distribuição da molécula no sistema nervoso
central. Por exemplo, a efedrina e a anfetamina (Fig. 9.4) são ati- O tônus do músculo liso vascular é regulado por receptores adre-
vas por via oral, possuem duração de ação prolongada e exercem nérgicos. Por conseguinte, as catecolaminas são importantes no
108 / FARMACOLOGIA

CH30
HO

h
\JOH [H~CH,-NH-CH,
Fenilefrina
Q-\( -
OCH3
I
OH
CH-
I
CH3
CH-

Metoxamina
NH2

O\( - OH
I I
CH-CH-NH-CH3
CH3
Efedrina

Fig. 9.4 Alguns exemplos de fármacos



\(
simpaticomiméticos
-
CH2-TH-NH2
CH3
Anfetamina

não-catecolamínicos.

controle da resistência vascular periférica e da capacitância veno- vasos esplâncnicos. Os vasos no músculo esquelético podem con-
sa. Os receptores a aumentam a resistência arterial, enquanto os trair-se ou dilatar-se, dependendo da ativação dos receptores a ou
receptores 132promovem o relaxamento do músculo liso. Existem 13.Por conseguinte, os efeitos globais de um agente simpaticomi-
diferenças importantes nos tipos de receptores encontrados nos mético sobre os vasos sangüíneos dependem das atividades relati-
vários leitos vasculares (Quadro 9.4). Os vasos cutâneos apresen- vas da droga nos receptores a e 13e dos locais anatômicos dos vasos
tam receptores predominantemente a e sofrem contração na pre- afetados. Além disso, os receptores Dj promovem a vasodilatação
sença de adrenalina e noradrenalina, o mesmo ocorrendo com os dos vasos renais, esplâncnicos, coronários, cerebrais e, talvez, de
outros vasos de resistência. A ativação dos receptores Di na vas-
culatura renal pode desempenhar um importante papel na natriu-
Quadro 9.3 Distribuição dos subtipos de receptores rese induzida pela administração farmacológica de dopamina.
adrenérgicos
B. CORAÇÃO
Tipo Tecido Ações
Os efeitos diretos sobre o coração são determinados, em grande
A maioria dos músculos lisos Contração parte, pelos receptores 13l> embora estejam também envolvidos os
vasculares (inervados)
receptores 132e, em menor grau, os receptores a. A ativação dos
Músculo dilatador pupilar Contração (dilatação da receptores 13resulta em aumento do influxo de cálcio nas células
pupila) cardíacas. Isso possui conseqüências tanto elétricas (Fig. 9.5) quan-
Músculo liso pilomotor
to mecânicas. Ocorre aumento da atividade marca-passo, tanto
Ereção dos pêlos
normal (nó sinoatrial) quanto anormal (por exemplo, fibras de
Próstata Contração Purkinje) (efeito cronotrópico positivo). A velocidade de condu-
Coração Aumenta a força de ção no nó atrioventricular aumenta, e verifica-se uma diminui-
contração ção do período refratário. A contratilidade intrínseca apresenta-
se aumentada (efeito inotrópico positivo), enquanto o relaxamento
Receptores adrenérgicos pós- Provavelmente múltiplas
sinápticos do SNC é acelerado. Em conseqüência, a resposta de contração do mús-

Plaquetas Agregação

Terminações nervosas Inibição da liberação de


adrenérgicas e colinérgicas transmissores

Alguns músculos lisos Contração o


vasculares

Células adiposas Inibição da lipólise


mV
13, Coração Aumenta a força e a
freqüência de contração

13, Músculo liso respiratório, Promove o relaxamento dos


uterino e vascular músculos lisos -70
1 segundo
Músculo esquelético Promove a captação de
potássio Fig. 9.5 Efeito da adrenalina sobre o potencial transmembranoso
Fígado humano de uma célula marca-passo no coração de rã. O traçado indicado
Ativa a glicogenólise
com seta foi registrado após a adição de adrenalina. Observe a in-
Células adiposas Ativa a lipólise clinação aumentada da despolarização diastólica e o intervalo di-
minuído entre os potenciais de ação. Essa aceleração do marca-
D, Músculo liso Dilata os vasos sangüíneos
renais passo é típica das drogas f3,-estimulantes. (Modificado e reproduzi-
do, com permissão, de Brown H, Giles W, Noble S: Membrane currents
D, Terminações nervosas Modula a liberação de underlying rhythmic activity in frog sinus venosus. In: The Sinus Nade:
transmissor Structure, Functian, and Clinical Relevance. Bonke FIM [editor], Martinus
Nijhoff, 1978)
DROGAS ATIVADORAS DOS RECEPTORES ADRENÉRGICOS E OUTRAS DROGAS SIMPATICOMIMÉTICAS / 109

culo cardíaco isolado tem a sua tensão aumentada, porém a sua visto que, nessa situação, a pressão arterial está retomando a seu va-
duração abreviada. No coração intacto, a pressão inrravenrricular lor normal, e não ultrapassando o normal.
aumenta e cai mais rapidamente, e ocorre redução do tempo de A resposta da pressão arterial a um agonista puro dos receptores
ejeção. Esses efeitos diretos são facilmente demonstrados na au- 13adrenérgicos é muito diferente. A estimulação dos receptores 13
sência de reflexos provocados por alterações da pressão arterial, no coração aumenta o débito cardíaco. Um agonista 13relativamente
como, por exemplo, em preparações de miocárdio isolado e em puro, como o isoproterenol, também diminui a resistência perifé-
pacientes com bloqueio ganglionar. Na presença de atividade re- rica ao ativar os receptores 132'produzindo vasodilaração em certos
flexa normal, os efeitos diretos sobre a freqüência cardíaca podem leitos vasculares (Quadro 9.4). O efeito final consiste em manter
ser dominados por uma resposta reflexa a alterações da pressão ou elevar levemente a pressão sistólica, permitindo, ao mesmo tem-
arterial. A estimulação fisiológica do coração pelas catecolaminas po, uma queda da pressão diastólica, devido à maior vazão diastó-
tende a aumentar o fluxo sangüíneo coronariano. lica (Fig. 9.6). As ações das drogas com efeitos tanto C\' quanto 13
(por exemplo, adrenalina e noradrenalina) são discutidas adiante.
C. PRESSÃO ARTERIAL
Olho
Os efeitos das drogas simpaticomiméticas sobre a pressão arterial
podem ser explicados com base nos seus efeitos sobre o coração, a O músculo dilatado r da pupila da íris contém receptores C\', e a sua
resistência vascular periférica e o retorno venoso (ver Fig. 6.7 e Qua- ativação por drogas como a fenilefrina provoca midríase (Fig. 6.9).
dro 9.4). Um agonista C\' relativamente puro, como a fenilefrina, Os estimulantes C\' e 13também exercem efeitos importantes sobre
aumenta a resistência arterial periférica e diminui a capacitância ve- a pressão intra-ocular. Evidências atuais sugerem que os agonistas
nosa. Em geral, o aumento da resistência arterial resulta em elevação C\' aumentam o efluxo de humor aquoso do olho, enquanto os an-
da pressão arterial dose-dependente (Fig. 9.6). Na presença de refle- ragonistas 13diminuem a produção de humor aquoso. Esses efeitos
xos cardiovasculares normais, a elevação da pressão arterial provoca são importantes no tratamento do glaucoma (ver Capo 10), uma
aumento do tônus vagal mediado por barorreceptores, com redução importante causa de cegueira. Os estimulantes 13relaxam o múscu-
da freqüência cardíaca, que pode ser muito acentuada. Entretanto, o lo ciliar em menor grau, causando redução insignificante na aco-
débito cardíaco pode não diminuir de modo proporcional a essa re- modação. Além disso, os agentes adrenérgicos podem proteger di-
dução da freqüência, visto que o aumento do retorno venoso pode retamente as células neuronais na retina.
aumentar o volume sistólico. Além disso, a estimulação direta dos
receptores C\' adrenérgicos do coração pode exercer uma ação inorró- Trato Respiratório
pica positiva moderada. Apesar de serem os efeitos esperados de ago-
nistas C\' puros nos indivíduos normais, o uso dessas drogas em paci- O músculo liso brônquico contém receptores 132que causam rela-
entes hipotensos geralmente não leva a uma resposta reflexa rápida, xamento. A ativação desses receptores resulta em broncodilatação

FC

PA

FC

Fig. 9.6 Efeitos de um simpaticomimético a-seletivo (fenilefrina), [3-seletivo (isoproterenol) e não-seletivo (adrenalina), administrado na
forma de injeção intravenosa "em bolo" a um cão. (PA, pressão arterial; FC, freqüência cardíaca.) Os reflexos estão atenuados, porém
não eliminados nesse animal anestesiado.
110 / FARMACOLOGIA

Quadro 9.4 Respostas cardiovasculares a aminas Glândulas Exócrinas


simpaticomiméticas1
As glândulas salivares contêm receptores adrenérgicos que regulam
Fenile- Adrena- Isoprote- a secreção de amilase e de água. Todavia, certos fármacos simpati-
frina lina renol
comiméticos, como, por exemplo, a clonidina, produzem sintomas
Resistência vascular (tônus) de boca seca. O mecanismo desse efeito permanece incerto; é pro-
Cutânea, membranas 11 11 o vável que os efeitos sobre o sistema nervoso central sejam responsá-
mucosas «(X)
veis, embora possa haver contribuição de efeitos periféricos.
Músculo esquelético (13" (X) 1 t ou t
Renal «(X, 13) 1 t As glândulas sudoríparas apócrinas, que se localizam nas palmas
11 t ou I' das mãos e em algumas outras áreas, respondem a estimulantes dos
Esplâncnica «(X)
Resistência periférica total 111
1
t ou
1
I' receptores adrenérgicos, com aumento na produção de suor. Tra-
Tônus venoso «(X, 13) ta-se de glândulas apócrinas não envolvidas na termorregulação, que
Cardíaca estão habitualmente associadas a estresse psicológico. (As glându-
Contratilidade (131) o ou 1 111 111 las sudoríparas écrinas termorreguladoras, de distribuição difusa, são
Freqüência cardíaca t t (reflexo 1 ou t 111 reguladas por nervos pós-ganglionares colinérgicos simpdticos, que
(predominantemente 13,)
Volume sistólico t, 1
O,vaga I) t 1 ativam os receptores colinérgicos muscarínicos; ver Capo 6.)
Débito cardíaco t 1 11
Pressão arterial
Efeitos Metabólicos
Média t 1 t t
Diastólica 11 t ou t' t t Os agentes simpaticomiméticos exercem efeitos importantes sobre
Sistólica 11 t 1 O ou t o metabolismo intermediário. A ativação dos receptores 13adrenér-
Pressão do pulso O t 1 11 gicos nas células adiposas resulta em aumento da lipólise, com libe-
'i = aumento; t = diminuição;
O = nenhuma alteração. ração aumentada de ácidos graxos livres e glicerol no sangue. Os
'Pequenas doses produzem uma redução, enquanto doses altas causam aumento. receptores 133-adrenérgicos desempenham um papel na mediação
dessa resposta. Surgiu considerável interesse no desenvolvimento de
agonistas seletivos dos receptores 133' que poderiam ser úteis em
(ver Capo 20 e Quadro 9.3). Os vasos sangüíneos da mucosa das algumas doenças metabólicas. Os lipócitos humanos também con-
vias respiratórias superiores contêm receptores a; a ação desconges- têm receptores a2, que inibem a lipólise ao diminuir o cAMP in-
tionante dos estimulantes dos receptores adrenérgicos é clinicamente tracelular. Os agentes simpaticomiméticos intensificam a glicoge-
útil (ver Farmacologia Clínica). nólise no fígado, com conseqüente aumento da liberação de glico-
se na circulação. No fígado humano, os efeitos das catecolaminas
Trato Gastrintestinal são provavelmente mediados, em grande parte, pelos receptores 13,
embora os receptores al também possam desempenhar algum pa-
É possível produzir relaxamento do músculo liso gastrintestinal com pel. As catecolaminas em altas concentrações também podem cau-
agentes a e l3-estimulantes. Os receptores 13, que parecem estar sar acidose metabólica. A ativação dos receptores 132-adrenérgicos
localizados diretamente nas células musculares lisas, medeiam o pela adrenalina endógena ou por agentes simpaticomiméticos pro-
relaxamento através de hiperpolarização e diminuição da atividade move a captação de potássio no interior das células, resultando em
em espícula nessas células. Os estimulantes a, particularmente os queda do potássio extracelular. Isso pode produzir queda da con-
agonistas az-seletivos, diminuem a atividade muscular indiretamente centração plasmática de potássio durante situações de estresse, ou
através da redução pré-sináptica da liberação de acetilcolina e, pos- proteger o organismo contra uma elevação do potássio plasmático
sivelmente, de outros estimulantes no sistema nervoso entérico (ver durante o exercício. O bloqueio desses receptores pode acentuar a
Capo 6). A resposta mediada pelos receptores a tem, provavelmen- elevação do potássio plasmático que ocorre durante o exercício físi-
te, maior significado farmacológico do que a resposta a estimulan- co. Os receptores 13e os receptores a2 expressos nas ilhotas pancre-
tes 13.Os receptores a2 também podem diminuir o fluxo de água e áticas tendem a aumentar e a diminuir a secreção de insulina, res-
de sal para a luz do intestino. pectivamente, embora o principal regulador da liberação de insuli-
na seja a concentração plasmática de glicose.
Trato Geniturinário
Efeitos sobre a Função Endócrina
O útero humano contém receptores a e 132'A capacidade dos re- ea Leucocitose
ceptores 13 de mediar o relaxamento pode ser clinicamente útil
durante a gravidez (ver Farmacologia Clínica). A base da bexiga, o As catecolaminas atuam como importantes reguladores endógenos
esfíncter uretral e a próstata contêm receptores a, que medeiam a da secreção hormonal de diversas glândulas. Conforme assinalado
contração e, portanto, promovem a continência urinária. O subti- anteriormente, a secreção de insulina é estimulada pelos receptores
po específico de receptor aI envolvido na mediação da constrição 13e inibida pelos receptores a2• De forma semelhante, a secreção
da base da bexiga e da próstata permanece incerto; todavia, é pro- de renina é estimulada pelos receptores 13, e inibida pelos recepto-
vável que os receptores alA possam desempenhar um papel impor- res a2; com efeito, os antagonistas dos receptores 13podem dimi-
tante. Os receptores 132da parede vesical medeiam um relaxamen- nuir a renina plasmática e a pressão arterial em pacientes com hi-
to. A ejaculação depende da ativação normal dos receptores a (e, pertensão, pelo menos em parte, através desse mecanismo. Os re-
possivelmente, do receptor purinérgico) no dueto deferente, nas ceptores adrenérgicos também modulam a secreção de hormônio
vesículas seminais e na próstata. A detumescência do tecido erétil paratireoidiano, calcitonina, tiroxina e gastrina; todavia, a impor-
que normalmente ocorre após a ejaculação também é produzida pela tância fisiológica desses mecanismos de controle é provavelmente
noradrenalina (e, possivelmente, pelo neuropeptídio Y) liberada dos limitada. A adrenalina e agentes relacionados em altas concentra-
nervos simpáticos. A ativação a parece exercer um efeito de de tu- ções causam leucocitose, em parte, ao promover a desmarginação
mescência semelhante sobre o tecido erétil em fêmeas de animais. dos leucócitos seqüestrados da circulação geral.
DROGAS ATIVADORAS DOS RECEPTORES ADRENÉRGICOS E OUTRAS DROGAS SIMPATICOMIMÉTICAS / 111

Efeitos sobre o Sistema Nervoso Central liberação de noradrenalina, contribui para esses efeitos. Além dis-
so, a dopamina ativa os receptores 131no coração. Em doses baixas,
A ação dos agentes simpaticomiméticos sobre o sistema nervoso pode ocorrer diminuição da resistência periférica. Com taxas mais
central varia acentuadamente, dependendo de sua capacidade de altas de infusão, a dopamina ativa os receptores a vasculares, resul-
atravessar a barreira hematoencefálica. As catecolaminas são quase tando em vasoconstrição, incluindo no leito vascular renal. Por
totalmente excluídas por essa barreira, e são observados efeitos sub- conseguinte, em elevada taxa de infusão, a dopamina pode imitar
jetivos sobre o sistema nervoso central apenas com taxas máximas as ações da adrenalina.
de infusão. Esses efeitos incluem desde "nervosismo" até "uma sen- O fenoldopam é um agonista dos receptores DI> que provoca
sação de desastre iminente", isto é, sensações consideradas indese- seletivamente vasodilatação periférica em alguns leitos vasculares.
jáveis. Além disso, os efeitos periféricos de agonistas dos receptores A indicação primária do fenoldopam consiste na administração
13adrenérgicos, como taquicardia e tremor, assemelham-se às ma- intravenosa do fármaco para tratamento da hipertensão grave (Cap.
nifestações somáticas da ansiedade. Em contraste, as não-catecola- ll). As infusões contínuas do fármaco exercem efeitos imediatos
minas com ações indiretas, como as anfetaminas, que penetram sobre a pressão arterial.
facilmente no sistema nervoso central a partir da circulação, pro- Os agonistas da dopamina com ações centrais possuem valor
duzem efeitos qualitativamente muito diferentes sobre o sistema considerável no tratamento da doença de Parkinson e prolactine-
nervoso central. Essas ações incluem desde leve estado alerta, com mia. Esses fármacos são discutidos nos Caps. 28 e 37.
maior atenção para tarefas monótonas, elevação do humor, insô- A dobutamina é uma catecolamina sintética relativamente
nia, euforia e anorexia até um comportamento psicótico totalmen- 13I-seletiva. Conforme discutido adiante, a dobutamina também
te desenvolvido. Esses efeitos não são facilmente atribuídos a ações atIva os receptores aI'
mediadas pelos receptores a ou 13e podem representar uma inten-
sificação dos processos mediados pela dopamina ou outrOS efeitos Outros Simpaticomiméticos
dessas drogas no sistema nervoso central.
Esses fármacos são de interesse, em virtude de suas características
DROGAS SIMPATICOMIMÉTICAS ESPECíFICAS farmacocinéticas (atividade oral, distribuição no sistema nervoso
central) ou de sua seletividade relativa por subclasses específicas de
Catecolaminas receptores.
A fenilefrina foi anteriormente descrita como exemplo de ago-
A epinefrina (adrenalina) é um vasoconstritor e estimulante cardía-
nista a relativamente puro (Quadro 9.2). Atua diretamente sobre
co muito potente. A elevação da pressão arterial sistólica, que ocorre
os receptores. Como não se trata de um derivado catecólico (Fig.
após a liberação ou administração de adrenalina, é causada pelas suas
9.4), a fenilefrina não é inativada pela COMT e apresenta duração
ações inotrópica e cronotrópica positivas sobre o coração (predomi-
de ação muito mais prolongada que as catecolaminas. Trata-se de
nantemente pelos receptores 131)e pela vasoconsuição induzida em
um midriático e descongestionante eficaz, que pode ser utilizado
muitos leitos vasculares (receptores a). A adrenalina também ativa
para elevar a pressão arterial (Fig. 9.6).
os receptores 132em alguns vasos (por exemplo, vasos sangüíneos dos
A metoxamina atua farmacologicamente como a fenilefrina, visto
músculos esqueléticos), resultando em sua dilatação. Por conseguin-
que se trata predominantemente de um agonista dos receptores aI
te, a resistência periférica total pode diminuir, explicando a queda da
de ação direta. Pode causar elevação prolongada da pressão arterial,
pressão diastólica que algumas vezes é observada com a injeção de
devido à vasoconstrição; além disso, provoca bradicardia mediada
adrenalina (Fig. 9.6; Quadro 9.4). A ativação desses receptores 132no
músculo esquelético contribui para o aumento do fluxo sangüíneo vagalmente. A metoxamina é disponível para uso parenteral; toda-
durante o exercício físico. Em condições fisiológicas, a adrenalina atua, via, as aplicações clínicas do fármaco são raras e limitam-se a esta-
em grande parte, como hormônio; após a sua liberação da medula dos hipotensivos.
supra-renal no sangue, a adrenalina atua sobre células distantes. A midodrina é uma pró-droga, que é enzimaticamente hidroli-
A norepinefrina (levarterenol, noradrenalina) e a adrenalina sada a desglimidodrina, um agonista seletivo dos receptores aI' A
apresentam efeitos semelhantes sobre os receptores 131do coração, concentração máxima de desglimidodrina é alcançada cerca de 1
com potência também semelhante nos receptores a. A noradrena- hora após a administração de midodrina. A midodrina é principal-
lina tem relativamente pouco efeito sobre os receptores 132' Por mente indicada para tratamento da hipotensão postural, tipicamente
conseguinte, a noradrenalina aumenta a resistência periférica e a causada por comprometimento da função do sistema nervoso au-
pressão arterial tanto sistólica quanto diastólica. Os reflexos vagais tônomo. Enquanto o fármaco é eficaz na redução da queda da pres-
compensatórios tendem a superar os efeitos cronotrópicos positi- são arterial quando o paciente está em posição ortostática, pode
vos diretos da noradrenalina; todavia, os efeitos inotrópicos positi- causar hipertensão com o indivíduo em decúbito.
vos sobre o coração são mantidos (Quadro 9.4). A efedrina é encontrada em várias plantas e vem sendo utilizada
na China há mais de 2.000 anos. Foi introduzida na medicina oci-
O isoproterenol (isoprenalina) é um agonista muito potente dos
receptores 13,que exerce pouco efeito sobre os receptores a. A dro- dental em 1924 como primeira droga simpaticomimética ativa por
ga possui ações cronotrópica e inotrópica positivas. Como o iso- via oral. É encontrada no Ma-huang, um fitoterápico popular (ver
proterenol ativa quase exclusivamente os receptores 13,trata-se de Capo 65). O Ma-huang contém múltiplos alcalóides semelhantes à
um potente vaso dilatado r. Essas ações determinam uma acentuada efedrina, além da própria efedrina. Como se trata de uma
elevação do débito cardíaco associada a uma queda da pressão dias- fenilisopropilamina não-catecólica (Fig. 9.4), a efedrina possui alta
tólica e arterial média e menor redução ou leve elevação da pressão biodisponibilidade e duração de ação relativamente longa - de vá-
sistólica (Quadro 9.4; Fig. 9.6). rias horas, em lugar de minutos. Como no caso de muitas outras
A dopamina, o precursor metabólico imediato da noradrenali- fenilisopropilaminas, uma fração significativa da droga é excretada
na, ativa os receptores DI em vários leitos vasculares, resultando em em sua forma inalterada na urina. Por ser uma base fraca, a sua
vasodilatação. O efeito sobre o fluxo sangüíneo renal pode ter va- excreção pode ser acelerada mediante acidificação da urina.
lor clínico, embora não se tenha certeza disso. Não se sabe até que A efedrina não tem sido extensamente estudada em seres huma-
ponto a ativação dos receptores D2 pré-sinápticos, que suprimem a nos, a despeito de sua longa história de uso. A sua capacidade de
112 / FARMACOLOGIA

ativar os receptores 13é provavelmente responsável pelo seu uso como medicamento adquirido sem receita médica em numerosas
anterior na asma. Devido a seu acesso ao sistema nervoso central, medicações para redução do peso corporal e resfriado. Nos Esta-
atua como estimulante leve. A ingestão de alcalóides da efedrina dos Unidos, teve a sua venda proibida sem prescrição médica,
contidos no Ma-huang tem levado a uma preocupação quanto à devido a preocupações quanto a sua associação a casos de aciden-
segurança desse fitoterápico. A pseudo-efedrina, um dos quatro te vascular cerebral hemorrágico.
enantiômeros da efedrina, é disponível sem prescrição médica como
componente de muitas misturas descongestionantes. Drogas Simpaticomiméticas com
A xilometazolina e a oximetazolina são agonistas a de ação di- Seletividade para Receptores
reta. Essas drogas têm sido utilizadas como descongestionantes tó-
picos, em virtude de sua capacidade de promover constrição da Os agonistas a2-seletivos têm a importante capacidade de reduzir a
mucosa nasal. Quando tomada em altas doses, a oximetazolina pode pressão arterial através de ações no sistema nervoso central, embora
causar hipotensão, presumivelmente devido a um efeito central se- sua aplicação local direta a um vaso sangüíneo possa causar vaso-
melhante ao da clonidina (Cap. 11). (Conforme mostrado no constrição. Esses fármacos (por exemplo, clonidina, metildopa,
Quadro 9.1, a oximetazolina possui afinidade significativa pelos guanfacina, guanabenz) mostram-se úteis no tratamento da hiper-
receptores a2A-) tensão (e de algumas outras condições) e são discutidos no Capo 11.
A anfetamina é uma fenilisopropilamina (Fig. 9.4), cuja im- A dexmedetomidina é um agonista a2-seletivo de ação central, in-
portância principal decorre de seu uso e abuso como estimulante dicado para sedação de pacientes inicialmente intubados e subme-
do sistema nervoso central (ver Capo 32). Sua farmacocinética as- tidos a ventilação mecânica durante o tratamento numa unidade
semelha-se à da efedrina; todavia, a anfetamina penetra com muita de tratamento intensivo.
facilidade no sistema nervoso central, onde exerce efeitos estimu- Os agonistas l3-seletivos são muito importantes, devido à sepa-
lantes acentuados sobre o humor e o estado de alerta, com efeito ração que foi obtida dos efeitos 131e 132(Quadro 9.2). Embora seja
depressor sobre o apetite. Suas ações periféricas são mediadas pri- incompleta, essa separação é suficiente para diminuir os efeitos
mariamente pela liberação de catecolaminas. A metanfetamina (N adversos em várias aplicações clínicas.
metilanfetamina) é muito semelhante à anfetamina, com relação Os agentes 131-seletivosincluem a dobutamina e um agonista
ainda maior entre ações centrais e periféricas. A fendimetrazina parcial, o prenalterol (Fig. 9.7). Como são menos eficazes na ativa-
(ver Fig. 32.1) é uma variante da fenilisopropilamina, com efei- ção dos receptores 132vasodilatadores, podem aumentar o débito
tos semelhantes aos da anfetamina. Foi promovida como anore- cardíaco, com taquicardia reflexa menos intensa do que a que ocorre
xígeno, bem como droga popular de abuso. O metilfenidato e a com agonistas 13não-seletivos, como o isoproterenol. A dobutami-
pemolina são variantes da anfetamina, cujos principais efeitos far- na consiste em dois isômeros, administrados na forma de mistura
macológicos e potencial de abuso assemelham-se aos da anfeta- racêmica. O isômero (+) é um potente agonista 131e antagonista
mina. Essas duas drogas parecem ser eficazes em algumas crian- dos receptores aI' O isômero (-) é um potente agonista aI' capaz
ças com distúrbio de hiperatividade e déficit de atenção (ver Far- de produzir vasoconstrição significativa quando administrado iso-
macologia Clínica). A pemolina deve ser utilizada com muita cau- ladamente. Essa ação tende a reduzir a vasodilatação e também pode
tela, devido à sua associação à insuficiência hepática potencialmen- contribuir para a ação inotrópica positiva causada pelo isômero com
te fatal. O modafinil é uma nova droga com semelhanças e dife- atividade predominante nos receptores 13.Uma importante limita-
renças em relação à anfetamina. Exerce efeitos significativos so- ção dessas drogas - bem como de outros fármacos simpaticomimé-
bre os receptores alE centrais; todavia, além disso, parece afetar ticos de ação direta - consiste no possível desenvolvimento de tole-
as sinapses GABAérgica, glutaminérgica e serotoninérgica (ver Far- rância a seus efeitos com uso prolongado e probabilidade de que a
macologia Clínica). A fenilpropanolamina (PPA) é uma droga estimulação cardíaca crônica em pacientes com insuficiência cardí-
simpaticomimética que tem sido utilizada durante muitos anos aca possa agravar a evolução a longo prazo.

BETA,·SElETIVOS

HO
-o~ -
2 I
O-CH -CH-CH2-NH-CH(CH3f2
OH

Prenalterol

BETAz·SELETIVOS

Ritodrina Terbutalina

Fig. 9.7 Exemplos de agonistas [3, e [32·seletivos.


DROGAS ATIVADORAS DOS RECEPTORESADRENÉRGICOS E OUTRAS DROGAS SIMPATICOMIMÉTICAS / 113

Quadro 9.5 Alimentos aos quais se atribui elevado teor de concentrações em alimentos fermentados, como queijos (Quadro
tiramina ou outros agentes simpaticomiméticos. Num 9.5). A tiramina é rapidamente metabolizada pela MAO no fíga-
paciente em uso de inibidor irreversível da MAO, a presença do, sendo normalmente inativa quando tomada por via oral, em
de 20-50 mg de tiramina numa refeição pode elevar virtude do efeito de primeira passagem muito elevado, isto é, com
significativamente a pressão arterial (ver também Capo 30). baixa biodisponibilidade. Quando administrada por via parenteral,
Observe que apenas o queijo, a salsicha, o peixe em possui ação simpaticomimética indireta, causada pela liberação de
conserva e os suplementos de levedura contêm tiramina catecolaminas armazenadas. Por conseguinte, seu espectro de ação
suficiente para serem consistentemente perigosos. Isso não assemelha-se ao da noradrenalina. Em pacientes tratados com ini-
afasta a possibilidade de que algumas preparações de bidores da MAO - particularmente inibidores da isoforma MAO-
outros alimentos possam conter quantidades de tiramina A -, esse efeito da tiramina pode ser acentuadamente intensifica-
significativamente acima da média do, resultando em elevações pronunciadas da pressão arterial. Isso
Conteúdo de Tiramina ocorre devido ao aumento da biodisponibilidade da tiramina e das
Alimento reservas neuronais de catecolaminas. Os pacientes em uso de inibi-
de uma Porção Média
dores da MAO devem ter muita cautela para evitar o consumo de
Cerveja (Nenhum dado) alimentos contendo tiramina. Existem diferenças nos efeitos de
vários inibidores da MAO sobre a biodisponibilidade da tiramina,
Feijão em geral, feijão tipo fava Desprezível (mas contém
dopamina) e os antagonistas específicos de isoformas ou reversíveis podem ser
..... , " .
mais seguros (ver Caps. 28 e 30) .
Queijo natural ou curado Zero a 130 mg (o Cheddar,
Gruyére e Stilton
apresentam conteúdo
particularmente alto)

Fígado de galinha Zero a 9 mg


11.FARMACOLOGIA CLíNICA
Chocolate Desprezível (mas contém DOS FÁRMACOS
feniletilamina)
SIMPATICOMIMÉTICOS
Salsicha, fermentada (por exemplo, Zero a 74 mg
salame, pepperoni, salsicha
de verão) O princípio racional para o uso das drogas simpaticomiméticas na
terapia baseia-se no conhecimento dos efeitos fisiológicos das cate-
Peixe defumado ou em conserva Zero a 198 mg colaminas sobre os tecidos. A seleção de determinado fármaco sim-
(por exemplo, arenque em
conserva) paticomimético entre a enorme variedade de compostos disponí-
veis depende de diversos fatores, como necessidade de ativação dos
Escargot (Nenhum dado) receptores a, 131ou 132;duração de ação desejada; e via de adminis-
tração preferida. As drogas simpaticomiméticas são muito poten-
Vinho (tinto) Zero a 3 mg
tes e podem exercer efeitos profundos numa variedade de sistemas
Levedura (por exemplo, suplementos 2-68 mg de órgãos, particularmente o coração e a circulação periférica. Por
de levedura de cerveja dietética) conseguinte, recomenda-se muita cautela quando esses agentes são
administrados por via parenteral. Na maioria dos casos, é necessá-
rio proceder a uma cuidadosa monitorização da resposta farmaco-
lógica para determinar a dose apropriada, em vez de utilizar doses
Os agentes 132-seletivos conquistaram um importante lugar de fixas do fármaco, particularmente quando este estiver sendo infun-
destaque no tratamento da asma e são discutidos no Capo 20. Ou- dido. Em geral, é desejável utilizar a dose mínima necessária para
tra aplicação consiste na produção de relaxamento uterino no tra- obter a resposta desejada. Os efeitos adversos dessas drogas geral-
balho de parto prematuro (ritodrina; ver adiante). As Figs. 9.7 e 20.4 mente podem ser compreendidos em termos de seus efeitos fisioló-
fornecem alguns exemplos de drogas 132-seletivas de uso atual; muitas gicos conhecidos.
outras já estão disponíveis ou encontram-se em fase de pesquisa.
Apl icações Cardiovascu lares
Simpaticomiméticos Especiais
A. CONDiÇÃO EM QUE É NECESSÁRIO AUMENTAR O
A cocaína é um anestésico local com ação simpaticomimética peri-
FLUXO SANGüíNEO OU A PRESSÃO ARTERIAL
férica, que resulta da inibição da recaptação do transmissor nas si-
napses noradrenérgicas (ver Capo 6). Penetra rapidamente no siste- Pode ocorrer hipotensão numa variedade de contextos, como re-
ma nervoso central e produz um efeito semelhante ao da anfetami- dução do volume sangüíneo, arritmias cardíacas, doença neuroló-
na, de duração mais curta e de maior intensidade. A principal ação gica, reações adversas a medicações, como agentes anti-hipertensi-
da cocaína sobre o sistema nervoso central consiste em inibir a re- vos e infecção. Se for mantida a perfusão cerebral, renal e cardíaca,
captação da dopamina em neurônios dos "centros do prazer" do a hipotensão em si geralmente não exige tratamento direto vigoro-
cérebro. Essas propriedades, e o fato de que a cocaína pode ser fu- so. Com efeito, a estratégia correta consiste habitualmente em co-
mada, "cheirada" ou injetada para obter um rápido início de seus locar o paciente em decúbito e em assegurar um volume de líquido
efeitos, fizeram dela uma droga de acentuado abuso (ver Capo 32). adequado, enquanto o problema primário está sendo determinado
É interessante assinalar que camundongos com knockout para o e tratado. O uso de agentes simpaticomiméticos simplesmente para
transportador de dopamina ainda auto-administram cocaína, su- elevar uma pressão arterial que não representa uma ameaça imedi-
gerindo que a droga pode ter alvos farmacológicos adicionais. ata ao paciente pode aumentar a morbidade (ver Toxicidade das
A tiramina (ver Fig. 6.5) é um subproduto normal do metabo- Drogas Simpaticomiméticas, adiante). Pode-se utilizar agentes sim-
lismo da tirosina no organismo. É também encontrada em altas paticomiméticos numa emergência hipotensiva para preservar o
114 / FARMACOLOGIA

fluxo sangüíneo cerebral e coronariano. Essas situações podem sur- A hemostasia farmacológica eficaz, que é freqüentemente ne-
gir em hemorragias graves, lesão da medula espinhal ou superdosa- cessária para cirurgias da face, orais e nasofaríngeas, exige fárma-
gem de agentes anti-hipertensivos ou depressores do sistema ner- cos de alta eficácia que possam ser administrados em alta concen-
voso central. Em geral, o tratamento é de curta duração, enquanto tração por aplicação local. Em geral, a adrenalina é aplicada topi-
está sendo administrado sangue ou o líquido intravenoso apropri- camente em compressas nasais (para a epistaxe) ou em fio dental
ado. Nessa situação, se houver necessidade de vasoconstrição, po- (para gengivectomia). A cocaína é ainda utilizada algumas vezes
dem ser utilizados agonistas a de ação direta, como noradrenalina, na cirurgia nasofaríngea, visto que combina um efeito hemostáti-
fenilefrina ou metoxamina. Para o tratamento da hipotensão ortos- co com anestesia local. Em certas ocasiões, a cocaína é misturada
tática crônica, a efedrina oral tem sido a terapia tradicional. A mi- com adrenalina para obter-se um grau máximo de hemostasia e
dodrina, um agonista a ativo por via oral, pode constituir o simpa- anestesia local.
ticomimético preferido nessa situação, se estudos adicionais con- A associação de agonistas a com alguns anestésicos locais pro-
firmarem a sua segurança e eficácia a longo prazo. longam acentuadamente a duração do bloqueio nervoso por infil-
O choque é uma complexa síndrome cardiovascular aguda, que tração; assim, é possível reduzir a dose total de anestésico local (e a
resulta em redução crítica da perfusão dos tecidos vitais e numa probabilidade de roxicidade). O agente preferido para essa aplica-
ampla gama de efeitos sistêmicos. Em geral, o choque está associa- ção é a adrenalina, 1:200.000; todavia, a noradrenalina, a fenilefri-
do à hipotensão, alteração do estado mental, oligúria e acidose na e outros agonistas a também têm sido utilizados. Podem ocor-
metabólica. Quando não tratado, o choque geralmeme progride rer efeitos sistêmicos sobre o coração e a vasculatura periférica,
para um estado de deterioração refratária e para morte. Os três prin- mesmo com a administração local dessas drogas.
cipais mecanismos responsáveis pelo choque consistem em hipo- Os descongestionantes das mucosas consistem em agonistas a
volemia, insuficiência cardíaca e alteração da resistência vascular. A que reduzem o desconforto da febre do feno e, em menor grau, o
reposição de volume e o tratamento da doença subjacente consti- resfriado comum ao diminuir o volume da mucosa nasal. Esses efei-
tuem a base do tratamento do choque. Embora as drogas simpati- ros são provavelmente mediados por receptores a]. Infelizmente, o
comiméticas tenham sido utilizadas no tratamento de praticamen- uso desses fármacos pode ser acompanhado de hiperemia de rebo-
te todas as formas de choque, a sua eficácia continua sendo incerta. te, e o uso tópico repetido de altas concentrações pode resultar em
Na maioria das formas de choque, a vasoconstrição mediada pelo alterações isquêmicas das mucosas, provavelmente em conseqüên-
sistema nervoso simpático já é intensa. Com efeiro, o empenho para cia da vasoconstrição das artérias nutrícias. A constrição desses va-
reduzir em lugar de aumentar a resistência periférica pode ser mais sos pode envolver a ativação dos receptores 0'2' Por exemplo, a fe-
produtivo se for melhorada a perfusão cerebral, coronariana e re- nilefrina é freqüentemente utilizada em descongestionantes nasais
nal. A decisão quanto ao uso de vasoconstrirores ou de vaso dilata- na forma de spray. Pode-se obter uma duração de ação mais pro-
dores deve ser romada com base nas informações sobre a causa sub- longada - à custa de concentrações locais muito menores e efeitos
jacente, o que pode exigir monitorização invasiva. potenciais maiores sobre o coração e o sistema nervoso central- pela
O choque cardiogênico, que habitualmente é causado por in- administração oral de fármacos como a efedrina ou um de seus isô-
farto maciço do miocárdio, possui prognóstico sombrio. Em algu- meros, a pseudo-efedrina. Os descongestionantes tópicos de ação
mas circunstâncias, tem sido utilizada a perfusão mecanicamente prolongada incluem a xilometazolina e a oximetazolina. Todos es-
assistida, bem como a cirurgia cardíaca de emergência. A reposição ses descongestionantes das mucosas são disponíveis como produ-
líquida ideal exige a monirorização da pressão capilar pulmonar em ros adquiridos sem receita médica.
cunha e outros parâmetros da função cardíaca. Os agentes inotró-
picos positivos, como a dopamina ou a dobutamina, podem desem- C. APLICAÇÕES CARDíACAS
penhar algum papel nessa situação. Quando administradas em do-
ses baixas a moderadas, essas drogas podem aumentar o débito car- As catecolaminas, como o isoproterenol e a adrenalina, têm sido
díaco e, em comparação com a noradrenalina, causam relativamente utilizadas no tratamento de emergência temporário do bloqueio
pouca vasoconstrição periférica. O isoproterenol aumenta a freqüên- cardíaco complero e parada cardíaca. A adrenalina pode ser útil na
cia e o trabalho cardíacos mais do que a dopamina ou a dobutami- parada cardíaca, em parte devido à redistribuição do fluxo sangüí-
na. Ver o Capo 13 e o Quadro 13.6 para uma discussão do choque neo durante a reanimação cardiopulmonar para as coronárias e o
associado ao infarto do miocárdio. cérebro. Todavia, os marca-passos eletrônicos são mais seguros e
Infelizmente, o paciente em estado de choque pode não respon- também mais eficazes no bloqueio cardíaco, devendo ser colocados
der a nenhuma dessas manobras terapêuticas; nesse contexro, é gran- o mais rápido possível se houver qualquer indicação de bloqueio
de a tentação de usar vasoconstritores para manter a pressão arteri- de alro grau contínuo.
al adequada. Embora se possa melhorar a perfusão coronariana, esse A insuficiência cardíaca pode responder aos efeitos inotrópicos
ganho pode ser anulado pelo aumento das demandas de oxigênio positivos de fármacos como a dobutamina. Essas aplicações são
do miocárdio, bem como por uma vasoconstrição mais acentuada discutidas no Capo 13. O desenvolvimento de tolerância ou de des-
dos vasos sangüíneos nas vísceras abdominais. Por conseguinte, a sensibilização constitui uma importante limitação ao uso das cate-
terapia no choque deve ter por objetivo melhorar ao máximo a colaminas na insuficiência cardíaca.
perfusão tecidual, e não a pressão arterial.
Aplicações Pulmonares
B. CONDiÇÕES NAS QUAIS É NECESSÁRIO REDUZIR O
FLUXO SANGüíNEO Um dos usos mais importantes dos agentes simpaticomiméticos
consiste na terapia da asma brônquica. Esse uso é discutido no Capo
A redução do fluxo sangüíneo regional é desejável para obter uma 20. Para essa indicação, dispõem-se de drogas não-seletivas (adre-
hemostasia na cirurgia, para reduzir a difusão de anestésicos locais nalina), de agentes 13-seletivos (isoproterenol) e de agentes 132-sele-
fora do local de administração e para diminuir a congestão das tivos (metaproterenol, terbutalina, albuterol). Na atualidade, os
mucosas. Em todos esses casos, a ativação dos receprores aé dese- outros simpaticomiméticos além dos agentes 132-seletivos são rara-
jável, e a escolha do fármaco depende da eficácia máxima necessá- mente utilizados, devido à sua tendência a produzir mais efeitos
ria, da duração de ação desejável e da via de administração. adversos do que as drogas seletivas.
DROGAS ATIVADORAS DOS RECEPTORES ADRENÉRGICOS E OUTRAS DROGAS SIMPATICOMIMÉTICAS / 115

,-- ---- -- -
APLICAÇÃO
--- --- -- .. -- -- DA
-- FARMACOLOGIA
-- ---
BÁSICA
- .. -- A UM PROBLEMA-- CLíNICO
---- --- --- ---- -- ----

A síndrome de Horner é uma condição - geralmente unilateral - catecolaminas nelas armazenadas. Como os simpaticomiméticos
que resulta da interrupção dos nervos simpáticos da face. Os efei- de ação indireta necessitam de reservas normais de catecolami-
tos consistem em vasodilatação, ptose, miose e perda da sudore- nas, essas drogas podem ser utilizadas para testar a presença de
se do lado afetado. A síndrome pode ser causada por lesão pré- terminações nervosas adrenérgicas normais. A íris, por ser facil-
ganglionar ou pós-ganglionar, como um tumor. O conhecimento mente visível e responder aos simpaticomiméticos tópicos, cons-
do local da lesão (pré- ou pós-ganglionar) ajuda a determinar a titui um tecido de análise conveniente no paciente.
melhor terapia. Se a lesão da síndrome de Horner for pós-ganglionar, os sim-
A compreensão dos efeitos da desnervação sobre o metabolis- paticomiméticos de ação indireta (por exemplo, cocaína, hidróxi-
mo dos neurotransmissores permite ao médico utilizar drogas para anfetamina) não irão dilatar a pupila anormalmente contraída -
localizar a lesão. Na maioria das situações, uma lesão localizada devido à perda das catecolaminas das terminações nervosas na
num nervo irá provocar degeneração da porção dista I dessa fibra íris. Por outro lado, ocorrerá dilatação da pupila em resposta à fe-
e perda do transmissor contido na terminação nervosa degenera- nilefrina, que atua diretamente sobre os receptores a no músculo
da - sem afetar os neurônios inervados pelas fibras. Por conseguin- liso da íris. Um paciente com lesão pré-ganglionar, por outro lado,
te, uma lesão pré-ganglionar deixa o neurônio adrenérgico pós- irá apresentar uma resposta normal a ambas as drogas, visto que
ganglionar intacto, enquanto uma lesão pós-ganglionar resulta em as fibras pós-ganglionares e suas reservas de catecolaminas per-
degeneração das terminações nervosas adrenérgicas e perda das manecem intactas nessa situação.

Anafilaxia Aplicações Geniturinárias


o choque anafllático e as reações imediatas (tipo I) relacionadas, Conforme assinalado anteriormente, os agentes 132-seletivos relaxam
mediadas por IgE, afetam tanto o sistema respiratório quanto o o útero grávido. A ritodrina, a terbutalina e drogas semelhantes têm
cardiovascular. A síndrome de broncoespasmo, congestão das mu- sido utilizadas para suprimir o trabalho de parto prematuro. O
cosas, angioedema e hipotensão grave em geral respondem rapida- objetivo é retardar o parto por um tempo suficiente para assegurar
mente à administração parenteral de adrenalina, na dose de 0,3- a maturação adequada do feto. Essas drogas podem retardar o tra-
0,5 mg (0,3-0,5 mL de solução de adrenalina aI: 1.000). A injeção balho de parto em vários dias, podendo proporcionar tempo sufi-
intramuscular pode constituir a via de administração preferida, visto ciente para a administração de corticosteróides, que diminuem a
que o fluxo sangüíneo cutâneo (e, portanto, a absorção sistêmica incidência da síndrome de angústia respiratória neonatal. Todavia,
da droga a partir de sua injeção subcutânea) pode ser imprevisível a metanálise de estudos clínicos mais antigos e um estudo rando-
nos pacientes hipotensos. Em alguns pacientes com comprometi- mizado sugerem que a terapia com agonistas 13pode não ter bene-
mento da função cardiovascular, pode ser necessária a injeção in- fício significativo sobre a mortalidade perinatal de lactentes, poden-
travenosa muito cautelosa de adrenalina. A adrenalina constitui o do aumentar a morbidade materna.
agente de escolha devido à extensa experiência experimental e clí- Em certas ocasiões, a terapia oral com simpaticomiméticos
nica com a droga na anafilaxia, e pela sua propriedade de ativar os mostra-se útil para o tratamento da incontinência por estresse. Pode-
receptores a, 131e 132'que podem ser rodos importantes para rever- se recorrer à efedrina ou pseudo-efedrina.
ter o processo fisiopatológico subjacente à anafllaxia. Os glicocor-
ticóides e os anti-histamínicos (agonistas dos receptores tanto Hj Aplicações para o Sistema Nervoso Central
quanto H2) podem ser úteis como terapia secundária na anafllaxia;
todavia, o tratamento inicial consiste em adrenalina. Conforme assinalado anteriormente, as anfetaminas têm o efeito
de melhorar o humor (efeito euforizante). Esse efeito é responsá-
Aplicações Oftálmicas vel pelo abuso disseminado dessa droga e de alguns de seus análo-
gos (ver Capo 32). As anfetaminas também têm a ação de estimu-
A fenilefrina é um agente midriático eficaz freqüentemente utiliza- lar o estado de vigília e adiar o sono, manifestando-se por maior
do para facilitar o exame da retina. Trata-se também de um des- atenção a tarefas repetitivas e pela aceleração e dessincronização
congestionante útil na hiperemia alérgica discreta e no prurido das do EEG. Uma aplicação terapêutica desse efeito é no tratamento
membranas conjuntivais. Os simpaticomiméticos administrados na da narcolepsia. O modafinil, um novo substituto da anfetamina,
forma de gotas oftálmicas também são úteis para localizar a lesão foi aprovado para uso na narcolepsia, e sustenta-se que esse fár-
na síndrome de Horner. (Ver o Boxe, Aplicação da Farmacologia maco tem menos inconvenientes (alterações excessivas do humor,
Básica a um Problema Clínico.) insônia, potencial de abuso) do que a anfetamina nessa condição.
O glaucoma responde a uma variedade de fármacos simpati- O efeito desses fármacos como supressores do apetite é facilmen-
comiméticos e simpaticoplégicos. (Ver o boxe no Capo 10: Trata- te demonstrado em animais experimentais. Em seres humanos obe-
mento do Glaucoma.) A adrenalina e sua pró-droga, a dipivefri- sos, pode-se observar uma resposta inicial alentadora; todavia, não
na, são raramente utilizadas hoje em dia, enquanto os agentes 13- há evidências de que se possa obter uma melhora a longo prazo
bloqueadores estão entre as terapias mais importantes. A apraclo- no controle do peso apenas com o uso de anfetaminas, particu-
nidina e a brimonidina são agonistas a2-seletivos, que também larmente quando administradas por um período de tempo relati-
reduzem a pressão intra-ocular e que foram aprovados para uso vamente curto. Uma aplicação final dos simpaticomiméticos ati-
no glaucoma. O mecanismo de ação dessas drogas no tratamento vos no SNC é no distúrbio de hiperatividade com déficit de aten-
do glaucoma permanece incerto; efeitos neuroprotetores diretos ção (DHDA) de crianças, uma síndrome comportamental pouco
podem estar envolvidos, além dos benefícios de reduzir a pressão definida e excessivamente diagnosticada, que consiste em curta
intra-ocular. duração da atenção, comportamento físico hipercinético e pro-
116 / FARMACOLOGIA

blemas de aprendizado. Alguns pacientes com essa síndrome res- Os efeitos adversos cardiovasculares observados com fármacos
pondem de modo satisfatório a baixas doses de metilfenidato e pressores administrados na forma de infusão intravenosa consistem
agentes relacionados ou à clonidina. As formulações de liberação em acentuada elevação da pressão arterial, que pode causar aumen-
prolongada do metilfenidato podem simplificar os esquemas po- to do trabalho cardíaco que, por sua vez, pode precipitar isquemia
sológicos e aumentar a obediência do paciente à terapia, particu- e insuficiência cardíacas. As drogas estimulantes dos receptores 13
larmente a crianças de idade escolar. As evidências de vários estu- de administração sistêmica podem causar taquicardia sinusal e até
dos clínicos sugerem que o modafinil também pode ser útil no mesmo provocar arritmias ventriculares graves. Os fármacos sim-
OHOA. paticomiméticos podem provocar lesão do miocárdio, particular-
mente após infusão prolongada. Recomenda-se ter cautela especial
Outros Usos Terapêuticas em pacientes idosos ou naqueles com hipertensão ou coronariopa-
tia. Para evitar respostas farmacológicas excessivas, é essencial mo-
Embora o agonista (Xl clonidina seja utilizado primariamente no nitorizar a pressão arterial quando se administram fármacos simpa-
tratamento da hipertensão (Cap. 11), foi constatada a eficácia do ticomiméticos por via parenteral.
fármaco no tratamento da diarréia em diabéticos com neuropatia Se um efeito simpaticomimético adverso exigir a sua reversão
autônoma, talvez devido à sua capacidade de aumentar a absorção urgente, pode-se utilizar um antagonista específico dos receptores
de sal e de água pelo intestino. Além disso, a clonidina mostra-se adrenérgicos (ver Capo 10).
eficaz ao reduzir o desejo mórbido de narcóticos e álcool durante a Raramente, observa-se a ocorrência de toxicidade do sistema
abstinência e também pode facilitar a interrupção do fumo de ci- nervoso central com o uso de catecolaminas ou drogas como a fe-
garros. A clonidina também tem sido utilizada para diminuir as nilefrina. Em doses moderadas, as anfetaminas provocam comu-
ondas de calor da menopausa e está sendo usada experimentalmen- mente agitação, tremor, insônia e ansiedade; em altas doses, pode
te para reduzir a instabilidade hemodinâmica durante a anestesia ser induzido um estado paranóide. A cocaína pode precipitar con-
geral. A dexmedetomidina está indicada para sedação em situações vulsões, hemorragia cerebral, arritmias ou infarto do miocárdio. A
de tratamento intensivo. terapia é discutida no Capo 59.

TOXICIDADE DAS DROGAS


SIMPATICOMIMÉTICAS

Os efeitos adversos dos agonistas dos receptores adrenérgicos cons-


tituem, basicamente, extensões de seus efeitos farmacológicos no
sistema cardiovascular e no sistema nervoso central.
DROGAS ATIVADORAS DOS RECEPTORESADRENÉRGICOS E OUTRAS DROGAS SIMPATICOMIMÉTICAS / 117

___________
-- --__
._-_---~~~-~~~çQ~-~-~!~~~-~!Y_~I_~~
. ------ _
Adrenalina (genérico, Adrenalin Chloride, outros) Fenoldopam (Corlopam)
Parenteral: 1:1.000 (1 mg/mL), 1:2.000 (0,5 mg/mL), 1:10.000 Parenteral: 10 mg/mL para infusão IV
(0,1 mg/mL), 1: 100.000 (0,01 mg/mL) para injeção Hidróxi-anfetamina (Paredrine)
Auto-injetor parenteral (Epipen): 1:2000 (0,5 mg/mL) Oftálmica: gotas a 1%
Oftálmica: gotas aO, 1,0,5, 1,2% Isoproterenol (genérico, Isuprel)
Nasal: gotas e spray a 0,1% Parenteral: 1:5.000 (0,2 mg/mL), 1:50.000 (0,02 mg/mL) para
Aerossol para broncoespasmo (Primatene Mist, Bronkaid injeção
Mist): 0,16, 0,2 mg/spray Mefentermina (Wyamine Sulfate)
Solução para aerossol: 1: 100 Parenteral: 15, 30 mg/mL para injeção
Anfetamina, mistura racêmica (genérico) Metanfetamina (Desoxyn)
Oral: comprimidos de 5, 10 mg Oral: comprimidos de 5 mg
Oral (Adderall): misturas 1:1: 1: 1 de sulfato de anfetamina, Metaraminol (Aramine)
aspartato de anfetamina, sulfato de dextro-anfetamina e Parenteral: 10 mg/mL para injeção
sacarato de dextro-anfetamina, formuladas para conter um Metilfenidato (genérico, Ritalin, Ritalin-SR)
total de 5, 7,5, 10, 12,5, 15,20 ou 30 mg em comprimidos; Oral: comprimidos de 5, 10, 20 mg
ou 10, 20 ou 30 mg em cápsulas Oral de liberação prolongada: comprimidos de 10, 18, 20, 27,
Apraclonidina (Iopidine) 36, 54 mg; cápsulas de 20, 30, 40 mg
Tópica: soluções a 0,5, 1% Metoxamina (Vasoxyl)
Brimonidina (Alphagan) Parenteral: 20 mg/mL para injeção
Tópica: solução a 0,15,0,2% Midodrina (ProAmatine)
Dexmedetomidina (Precedex) Oral: comprimidos de 2,5, 5 mg
Parenteral: 100 fl-g/mL Modafinil (Provigil)
Dexmetilfenidato (rocalin) Oral: comprimidos de 100, 200 mg
Oral: Comprimidos de 2,5, 5, 1 mg ° Nafazolina (Privine)
Dextroanfetamina (genérico, Dexedrine) Nasal: gotas e spray a 0,05%
Oral: comprimidos de 5, 10 mg Oftálmica: gotas a 0,012, 0,02, 0,03%
Oral de liberação prolongada: cápsulas de 5, 10, 15 mg Noradrenalina (genérico, Levophed)
Misturas orais com anfetamina: ver Anfetamina (Adderall) Parenteral: 1 mg/mL para injeção
Dipivefrina (genérico, Propine) Oximetazolina (genérico, Afrin, Neo-Synephrine 12 Hour,
Tópica: solução oftálmica a 0,1% outros)
Dobutamina (genérico, Dobutrex) Nasal: spraya 0,025, 0,05%
Parenteral: 12,5 mg/mL em frascos de 20 mL para injeção Oftálmica: gotas a 0,025%
Dopamina (genérico, Intropin) Pemolina (genérico, Cylert)
Parenteral: 40, 80, 160 mg/mL para injeção; 80, 160, 320 mg/ Oral: comprimidos de 18,75, 37,5, 75 mg; comprimidos
100 mL em soro glicosado a 5% para injeção mastigáveis de 37,5 mg
Efedrina (genérico) Pseudo-efedrina (genérico, Sudafed, outros)
Oral: cápsulas de 25 mg Oral: comprimidos de 30, 60 mg; cápsulas de 60 mg; xarope
Parenteral: 50 mg/mL para injeção de 15,30 mg/5 mL; gotas de 7,5 mg/0,8 mL
Nasal: spray a 0,25% Oral de liberação prolongada: comprimidos, cápsulas de 120,
Fendimetrazina (genérico) 240 mg
Oral: comprimidos, cápsulas de 35 mg; cápsulas de liberação Tetraidrozolina (genérico, Tyzine)
prolongada de 105 mg Nasal: gotas a 0,05, 0,1%
Fenilefrina (genérico, Neo-Synephrine) Oftálmica: gotas a 0,05%
Oral: comprimidos mastigáveis de 1 mg ° Xilometazolina (genérico, Otrivin, Neo-Synephrine Long-
Parenteral: 10 mg/mL para injeção Acting, Chlorohist LA)
Nasal: gotas e spray aO, 125,0,16,0,25,0,5, 1%; creme a 0,5% Nasal: gotas a 0,05, gotas e spray aO, 1%

'os agonistas ", utilizados na hipertensão estão relacionados no Capo 11 Os agonistas 13, utilizados na asma estão relacionados no Capo 20.

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Drogas Antagonistas dos Receptores
Adrenérgicos
Brian B. Hoffman, MD

Como as catecolaminas desempenham um papel numa variedade covalente aos receptores a, resultando em bloqueio irreversível. A
de respostas fisiológicas e fisiopatológicas, as drogas que bloqueiam Fig. 10.2 ilustra os efeitos de uma droga reversível em comparação
os receptores adrenérgicos exercem efeitos importantes, alguns dos com os de um fámaco irreversível.
quais apresentam grande utilidade clínica. Esses efeitos variam ra- A duração de ação de um antagonista reversível depende, em
dicalmente de acordo com a seletividade da droga em relação aos grande parte, da meia-vida da droga no corpo e da velocidade com
receptores a e 13. A classificação dos receptores adrenérgicos em que ela se dissocia de seu receptor: quanto mais curta a meia-vida
subtipos al' a2 e 13 e os efeitos de ativação desses receptores são as- da droga no organismo ou a sua ligação ao receptor, menor o tem-
suntos tratados nos Caps. 6 e 9. O bloqueio dos receptores dopa- po necessário para o desaparecimento de seus efeitos. Todavia, os
mínicos periféricos não tem, por enquanto, nenhuma importância efeitos de um antagonista irreversível podem persistir por muito
clínica reconhecida. Por outro lado, o bloqueio dos receptores do- tempo após a droga ter sido depurada do plasma. No caso da feno-
pamínicos do sistema nervoso central é muito importante; as dro- xibenzamina, a restauração da responsividade [ecidual após bloqueio
gas que atuam sobre esses receptores são discutidas nos Caps. 21 e ex[enso dos receptores a depende da síntese de novos receptores, o
29. Este capítulo trata das drogas antagonistas farmacológicas, cujo que pode levar vários dias. A velocidade de retorno do efeito da droga
principal efeito consiste em ocupar os receptores al' a2 ou 13 fora nos receptores aI adrenérgicos pode ser particularmente importante
do sisrema nervoso central e impedir a sua ativação por catecolami- em pacientes que apresentam um evento cardiovascular súbito ou
nas e agonistas relacionados. que são candidatos à cirurgia de urgência.
Antagonistas dos receptores al- e a2-adrenérgicos têm sido muito
úteis na exploração experimental da função do sistema nervoso Efeitos Farmacológicos
autônomo. Na terapêutica clínica os antagonistas a não-seletivos
têm sido utilizados no tratamento do feocromocitoma (tumores que A. EFEITOS CARDIOVASCULARES
secretam catecolaminas), enquanto os antagonistas aI-seletivos são Como o tônus das arteríolas e das veias é determinado, em grande
utilizados na hipertensão primária e hiperplasia prostática benig-
parte, pelos receptores a no músculo liso vascular, as drogas anta-
na. Os antagonistas dos receptores beta mostraram-se úteis numa gonis[as dos receptores a produzem redução da resistência vascular
variedade muito mais ampla de situações clínicas, e seu uso está fir-
periférica e da pressão arterial (Fig. 10.3). Esses fármacos podem
memente estabelecido no tratamento da hipertensão, da cardiopa- impedir os efeitos pressores de doses habituais de agonistas a; com
tia isquêmica, das arritmias, dos distúrbios endocrinológicos e neu- efeito, no caso de agonistas com efeitos tanto a quanto 132 (por
rológicos e outras condições. exemplo, adrenalina), o antagonismo seletivo dos receptores aI pode
converter uma resposta pressora em resposta depressora (Fig. 10.3).
Essa alteração da resposta é denominada reversão da adrenalina;
ilustra como a ativação dos receptores tanto a quanto 13 no mesmo
I. FARMACOLOGIA BÁSICA DOS tecido pode resultar em respostas opostas. Os antagonistas dos re-
ceptores a podem causar hipotensão postural e taquicardia reflexa.
FÁRMACOS ANTAGONISTAS DOS A hipotensão postural é devida ao antagonismo da estimulação dos
RECEPTORES ALFA receptores aI pelo sistema nervoso simpático no músculo liso ve-
noso; a contração das veias constitui um importante componente
da capacidade de manter a pressão arterial na posição ortostática,
Mecanismo de Ação visto que diminui o acúmulo venoso na periferia. A constrição das
arteríolas nas pernas também pode contribuir para a resposta pos-
Os antagonistas dos receptores alfa podem ser reversíveis ou irre- tural. A taquicardia pode ser mais pronunciada com agentes que
versíveis em sua interação com esses receptores. Os antagonistas bloqueiam os receptores a2 pré-sinápticos no coração (Quadro
reversíveis dissociam-se dos receptores, o que não ocorre com as 10.1), visto que a liberação aumentada de noradrenalina irá esti-
drogas irreversíveis. A fentolamina (Fig. 10.1) e a tolazolina são mular ainda mais os receptores 13 no coração.
exemplos de antagonistas reversíveis. A prazosina (e análogos) e o
labetalol- fármacos utilizados principalmente em virtude de seus B. OUTROS EFEITOS
efeitos anti-hipertensivos -, bem como vários derivados do espo-
rão do centeio (ergot) (ver Capo 16), também são antagonistas re- Os efeitos de menor importância que indicam bloqueio dos recep-
versíveis dos receptores a-adrenérgicos. A fenoxibenzamina, um tores a em outros tecidos incluem miose e congestão nasal. O blo-
agente relacionado com as mostardas nitrogenadas, forma um in- queio dos receptores aI da base da bexiga e da próstata está associ-
termediário reativo etilenoimônio (Fig. 10.1), que se liga de forma ado a uma redução da resistência ao fluxo de urina. Cada fármaco,
120 / FARMACOLOGIA

Tansulosina

Fentolamina Fenoxibenzamina Intermediário ativo


(etilenoimônio)

," I ~N
I \---.I
CH30a;N~Nr-\N-~-O~
CH30 '- O

NH2

Prazosina

Fig. 10.1 Estrutura de várias drogas bloqueadoras dos receptores a,

em particular, pode exercer outros efeitos importantes, além do fentolamina é devida à ativação da estimulação simpática do coração
antagonismo dos receptores a
(ver adiante). em resposta a mecanismos barorreflexos. Além disso, como a fen-
tolamina bloqueia poderosamente os receptores az, o antagonismo
FÁRMACOS ESPECíFICOS dos receptores az pré-sinápticos pode provocar aumento da libera-
ção de noradrenalina dos nervos simpáticos. A liberação aumenta-
A fentolamina, derivado imidazolínico, é um potente antagonista da de noradrenalina pode contribuir para a estimulação cardíaca
competitivo no nível dos receptores tanto aI' quanto a2 (Quadro através dos receptores l3-adrenérgicos não-bloqueados, particular-
10.1). A fentolamina produz redução da resistência periférica atra- mente após injeção intravenosa. Além de atuar como antagonista
vés do bloqueio dos receptores aI e, possivelmente, dos receptores dos receptores aI e a2, a fentolamina também inibe as respostas à
az no músculo liso vascular. A estimulação cardíaca induzida pela serotonina e pode ser um agonista nos receptores muscarínicos e

1
1
50
I/
50 160
II100 80 /
10 Controle
20 ,/ /
I // /
0,4 Ilmol/L (oL
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1,2
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/'" E2'""O"'"'"OlcNoradrenalina
o'x
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_ (~mol/L) I
/
1

/'
""i
• 100 I

Fig. 10.2 Curvas de dose-resposta à adrenalina na presença de dois agentes bloqueadores dos receptores a-adrenérgicos diferentes. A
tensão produzida em tiras isoladas e baço de gato, um tecido rico em receptores a, foi medida em resposta a doses graduadas de nora-
drenalina. Esquerda: A tolazolina, um bloqueador reversível, desvia a curva para a direita, sem diminuir a resposta máxima, quando
presente em concentrações de 10 e 20 J.Lmol/L. Direita: A dibenamina, um análogo da fenoxibenzamina, de ação irreversível, reduziu a
resposta máxima alcançada em ambas as concentrações testadas. (Modificado e reproduzido, com permissão, de Bickerton RK: The response of
isolated strips of cat spleen to sympathomimetic drugs and their antagonists. J Pharmacol Exp Ther 1963;142:99,)
DROGAS ANTAGONISTAS DOS RECEPTORES ADRENÉRGICOS / 121

PA 135/85 128/50

FC

190/124 160/82 175/110

PA 135/90

FC 180

L Adrenalina antes da fentolamma 210

PA 125/85
100/35

FC

L Adrenalina depois da210


fentolamina

Fig. 10.3 Em cima: Efeitos da fentolamina, um fármaco bloqueador dos receptores a, sobre a pressão arterial em cão anestesiado. A
reversão da adrenalina é demonstrada por traçados que mostram a resposta à adrenalina antes (meio) e depois (embaixo) da adminis-
tração de fentolamina. Todas as drogas foram administradas por via intravenosa. (PA, pressão arterial; FC, freqüência cardíaca.)

receptores histamínicos H] e H2• Por conseguinte, a fentolamina ção da noradrenalina liberada pelas terminações nervosas adrenér-
exerce múltiplas ações potenciais, embora ainda não se tenha escla- gicas pré-sinápticas. A fenoxibenzamina bloqueia os receptores his-
recido se algumas delas são clinicamente significativas. tamínicos (H]), de acetilcolina e de serotonina, bem como os re-
A fentolamina sofre absorção limitada após administração Otal. ceptores a (Cap. 16).
Suas propriedades farmacocinéticas não estão bem estabelecidas; As ações farmacológicas da fenoxibenzamina estão primariamen-
pode atingir concentrações máximas dentro de uma hora após sua te relacionadas ao antagonismo dos eventos mediados pelos recep-
administração oral e apresenta meia-vida de cerca de 5-7 horas. Os tores a. O aspecto mais importante consiste na capacidade da fe-
principais efeitos adversos estão relacionados à esrimulação cardía- noxibenzamina de atenuar a vasoconstrição induzida pelas cateco-
ca, que pode causar taquicardia intensa, arritmias e isquemia do laminas. Enquanto a fenoxibenzamina provoca uma redução rela-
miocárdio, particularmente após administração intravenosa. Com tivamente pequena da pressão arterial em indivíduos em decúbito,
a sua administração oral, os efeitos adversos consistem em taqui- ela reduz a pressão arterial quando o tônus simpático encontra-se
cardia, congestão nasal e cefaléia.
A fentolamina tem sido utilizada no tratamento do feocromoci-
toma - particularmente no intra-operatório -, bem como da
Quadro 10.1 Seletividade relativa dos antagonistas pelos
disfunção erétil masculina através de injeção intracavernosa e ad-
receptores adrenérgicos
ministração oral (ver adiante).
A tolazolina assemelha-se à fentolamina. A tolazolina possui Afinidade pelos Receptores
aplicações clínicas muito limitadas no tratamento da hipertensão
Antagonistas a
pulmonar em recém-nascidos com síndrome de angústia respirató- Prazosina, terazosina, doxazosina <X, »» <x,

ria. Sua eficácia nesse contexto é duvidosa, e a droga é raramente Fenoxibenzamina <X, > <X,

utilizada. Fentolamina (Yl = ct2

Os derivados do esporão do centeio - por exemplo, ergotami-


Rauwolscina, ioimbina, tolazolina <X, » <X,

na, diidroergotamina - causam bloqueio reversível dos receptores Antagonistas mistos


u. Entretanto, os efeitos clinicamente significativos dessas drogas Labetalol, carvedilol 13, = 13, 2: <x, > <X2

resultam, em sua maioria, de outras ações. Por exemplo, a ergo ta-


Antagonistas ~
mina atua provavelmente no nível dos receptores de serotonina no Metoprolol, acebutolol, alprenolol, 13, »> 132
tratamento da enxaqueca (Cap. 16). atenolol, betaxolol, celiprolol,
A fenoxibenzamina liga-se de forma covalente aos receptores u, esmolol
causando bloqueio irreversível de longa duração (14-48 horas ou Propranolol, cartelol, pembutolol,
pindolol, timolol
mais). É um tanto seletiva para os receptores aI' porém menos do Butoxamina
que a prazosina (Quadro 10.1). A droga também inibe a recapta-
122 / FARMACOLOGIA

elevado, como, por exemplo, em conseqüência da postura ereta ou Além disso, quando comparada com outros antagonistas, a tansu-
devido à redução do volume sangüíneo. O débito cardíaco pode losina exerce menos efeitos sobre a pressão arterial do paciente em
aumentar, devido aos efeitos reflexos e a algum bloqueio dos recep- posição ortostática. Todavia, é conveniente ter cautela na prescri-
tores 0'2 pré-sinápticos nos nervos simpáticos cardíacos. ção de qualquer antagonista o' a pacientes com redução da função
A fenoxibenzamina é absorvida após administração oral, embo- do sistema nervoso simpático.
ra a sua biodisponibilidade seja baixa, e suas propriedades cinéticas
não estejam bem elucidadas. Em geral, a droga é administrada por OUTROS ANTAGONISTAS DOS RECEPTORES
via oral, começando com doses baixas de 10-20 mg/dia e aumen- ALFA-ADRENÉRGICOS
tando-se progressivamente a dose até obter-se o efeito desejado. Em
geral, uma dose de menos de 100 mg/dia é suficiente para obter A alfuzosina é um derivado da quinazolina aI-seletiva que também
um bloqueio adequado dos receptores 0'. O principal uso da fenoxi- demonstrou ser eficaz na HPB. Possui biodisponibilidade de cerca
benzamina é encontrado no tratamento do feocromocitoma (ver de 60%, é extensamente metabolizada e apresenta meia-vida de
adiante).
eliminação de cerca de 5 horas. No momento atual, esse fármaco
Muitos dos efeitos adversos da fenoxibenzamina derivam de sua
ainda não é disponível nos Estados Unidos, A indoramina é outro
ação de bloqueio dos receptores 0'; os mais importantes consistem antagonista aI-seletivo que também possui eficácia como anti-hi-
em hipotensão postural e taquicardia. Além disso, ocorrem conges- pertensivo. O urapidil é um antagonista aI (seu efeito primário)
tão nasal e inibição da ejaculação. Como a fenoxibenzamina pene- que também apresenta ações fracas como agonista a2 e agonista dos
tra o sistema nervoso central, ela pode causar efeitos menos especí- receptores 5-HTIA' atuando como antagonista fraco nos receptores
ficos, incluindo fadiga, sedação e náusea. Por ser um agente alqui- [31' É utilizado na Europa como fármaco anti-hiperten,sivo e para
!ante, a fenoxibenzamina pode ter outros efeitos adversos que ain- tratamento da hiperplasia prostática benigna. O labetalol exerce
da nã~ foram caracterizados. A fenoxibenzamina produz tumores efeitos tanto aI-seletivos quanto [3-bloqueadores. Esse fármaco é
em animais, porém, as implicações clínicas dessa observação per- discutido mais adiante. As drogas neurolépticas, como a c1orpro-
manecem desconhecidas.
mazina e o haloperidol, são potentes antagonistas dos receptores
A prazosina é uma piperazinil quinazolina eficaz no tratamento dopamínicos, mas também podem atuar como antagonistas nos
da hipertensão (ver Capo 11). É altamente seletiva para os recepto- receptores a. Seu antagonismo nos receptores a provavelmente
res 0'1' com afinidade relativamente baixa pelos receptores 0'2 (tipi- contribui para alguns dos efeitos adversos, particularmente a hipo-
camente, 1.000 vezes menos potente). Isso pode explicar, em par- tensão. De forma semelhante, o antidepressivo trazodona tem a
te, a ausência relativa de taquicardia observada com o uso da pra- capacidade de bloquear os receptores a I'
zosina, em comparação com a relatada com a fentolamina e a feno- A ioimbina, um alcalóide indólico, é antagonista a2-seletivo.
xibenzamina. A prazosina provoca relaxamento do músculo liso Não tem nenhuma função clínica estabelecida. Teoricamente,
tanto arterial quanto venoso, devido ao bloqueio dos receptores 0'1' poderia ser útil na insuficiência autônoma, ao promover a libera-
A prazosina é extensamente metabolizada nos seres humanos; em ção de neurotransmissores através do bloqueio dos receptores a2
virtude de sua degradação metabólica pelo fígado, apenas cerca de pré-sinápticos. Foi sugerido que a ioimbina melhora a função se-
50% do fármaco estão disponíveis após administração oral. Nor- xual masculina; entretanto, as evidências desse efeito nos seres
malmente, a meia-vida desse fármaco é de cerca de três horas.
humanos são limitadas. A ioimbina pode reverter abruptamente
A terazosina é outro antagonista aI-seletivo e reversível, que se os efeitos anti-hipertensivos de um agonista dos receptores a2-
mostra eficaz na hipertensão (Cap. 11), Foi também aprovada para adrenérgicos, como a c10nidina - uma interação farmacológica
uso em homens com sintomas urinários causados por hiperplasia adversa potencialmente grave.
prostática benigna (HPB), A terazosina possui alta biodisponibili-
dade, porém é extensamente metabolizada no fígado, e apenas uma
pequena fração da droga original é excretada na urina. A meia-vida
da terazosina é de 9-12 horas.
A doxazosina mostra-se eficaz no tratamento da hipertensão e
11.FARMACOLOGIA CLíNICA DAS
da HPB. Difere da prazosina e da terazosina, pela sua meia-vida mais DROGAS BLOQUEADORAS DOS
prolongada, de cerca de 22 horas. Possui biodisponibilidade mo-
derada e é extensamente metabolizada, com excreção de uma quan-
RECEPTORES ALFA
tidade muito pequena da droga original na urina ou nas fezes. A
doxazosina possui metabólitos ativos, porém a sua contribuição para Feocromocitoma
os efeitos do fármaco é provavelmente pequena.
A tansulosina é um antagonista aI competitivo, cuja estrutura O principal uso clínico da fenoxibenzamina e da fentolamina é no
difere acentuadamente da estrutura da maioria dos outros bloque- tratamento do feocromocitoma. O feocromocitoma é um tumor
adores dos receptores aI' Possui alta biodisponibilidade e meia-vida geralmente encontrado na medula supra-renal, que libera uma
prolongada de 9-15 horas. É metabolizada extensamente no fíga- mistura de adrenalina e noradrenalina. Os pacientes apresentam
do. A tansulosina apresenta maior seletividade para os receptores muitos sinais e sintomas de excesso catecolamínico, incluindo hi-
aIA e aIO do que o subtipo alB• A eficácia dessa droga na HPB su- pertensão intermitente ou sustentada, cefaléias, palpitações e aumen-
gere que o subtipo aIA pode ser o subtipo a mais importante que to da sudorese.
medeia a contração do músculo liso da próstata, As evidências su- O diagnóstico de feocromocitoma é habitualmente estabeleci-
gerem que a tansulosina apresenta uma potência relativamente maior do com base no ensaio químico das catecolaminas circulantes e da
na inibição da contração do músculo liso da próstata versus múscu- excreção urinária de seus metabólitos, especialmente o ácido 3-
lo liso vascular, em comparação com outros antagonistas aI-seleti- hidroxi-4-metoximandélico, metanefrina e normetanefrina. A de-
vos, que exercem efeitos iguais ou maiores no músculo liso vascu- terminação dos níveis plasmáticos de metanefrinas mostrou-se pro-
lar. Esse achado sugere que os receptores aIA são menos importan- missora como instrumento diagnóstico eficaz. Dispõe-se de uma
tes na indução da contração das artérias e veias dos seres humanos. variedade de técnicas diagnósticas para localizar um feocromocito-
DROGAS ANTAGONISTAS DOS RECEPTORES ADRENÉRGICOS / 123

l \
240
ma diagnosticado bioquimicamente, incluindo TC e IRM, bem
0-0 Em decúbilo
como cintilografia com vários isótopos radioativos.
220
200 6~ Posição ortostática
A infusão de fentolamina foi recomendada no passado como 180 0-0/\
teste diagnóstico em casos de suspeita de feocromocitoma, visto 160 I-
que os pacientes portadores desse tumor freqüentemente apresen-
tam maior queda da pressão arterial em resposta a fármacos a-
bloqueadores do que os pacientes com hipertensão primária. Em
certas ocasiões, o teste provocativo com infusão de histamina era
utilizado, visto que esse vasodilatador pode produzir uma acen- IOl
tuada elevação reflexa da pressão em pacientes com feocromoci- E 140
.S-
toma. Esses testes são obsoletos, visto que a determinação das e;;
catecolaminas circulantes e das catecolaminas e seus metabólitos 2 120

na urina constitui uma abordagem diagnóstica mais segura e muito o
mais confiável. 't)l
<fJ
100
'"
Algumas vezes, ocorre liberação inevitável de catecolaminas ar- à:
80
mazenadas durante a manipulação operatória do feocromocitoma;
a hipertensão resultante pode ser controlada com fentolamina ou 60
nitroprussiato. O nitroprussiato possui muitas vantagens, particu-
larmente em virtude de sua duração de ação mais curta e porque Dibenzyline
40
seus efeitos podem ser mais facilmente titulados.
Os antagonistas dos receptores alfa são mais úteis no tratamen- 20
to pré-operatório de pacientes portadores de feocromocitoma (Fig.
10.4). A administração de fenoxibenzamina no período pré-opera- o
2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 131415
tório ajuda a controlar a hipertensão e tende a reverter as alterações
Semanas
crônicas decorrentes da secreção excessiva de catecolaminas, como
redução do volume plasmático, quando presente. Além disso, a Fig. 10.4 Efeitos da fenoxibenzamina (Dibenzyline) sobre a pres-
evolução operatória do paciente pode ser simplificada. As doses orais são arterial em paciente com feocromocitoma. A administração
de 10-20 mg/dia podem ser aumentadas a intervalos de vários dias da droga foi iniciada na terceira semana, como mostra a barra
até obter-se o controle da hipertensão. Alguns médicos prescrevem sombreada. As pressões sistólica e diastólica em decúbito estão
fenoxibenzamina a pacientes com feocromocitoma durante 1-3 indicadas pelos círculos; as pressões na posição ortostática, por
semanas antes da cirurgia. Outros cirurgiões preferem operar paci- triângulos e pela área hachurada Observe que a droga a-bloque-
entes na ausência de tratamento com fenoxibenzamina, recorren- adora reduziu drasticamente a pressão arterial. A redução na hi-
do a técnicas anestésicas modernas para controlar a pressão arterial potensão ortostática, que era acentuada antes do tratamento, é
e a freqüência cardíaca durante a cirurgia. A fenoxibenzamina pode provavelmente devida à normalização do volume sangüíneo, uma
ser muito útil no tratamento crônico do feocromocitoma inoperá- variável que algumas vezes está acentuadamente reduzida em
vel ou metastático. Embora haja menos experiência com drogas pacientes com hipertensão prolongada induzida por feocromoci-
alternativas, a hipertensão em pacientes com feocromocitoma tam- toma. (Redesenhadoe reproduzido, com permissão,de EngelmanE.Sjo-
bém pode responder a antagonistas aI-seletivos reversíveis ou a erdsma A: Chronic medical therapy for pheochromocytoma. Ann Intern
Med 1961;61229.)
antagonistas convencionais dos canais de cálcio. Pode ser necessá-
ria a administração de antagonistas dos receptores 13após a insti-
tuição do bloqueio dos receptores a para reverter os efeitos cardía-
cos do excesso de catecolaminas. Os antagonistas beta não devem
te, os antagonistas dos receptores a-adrenérgicos são mais úteis
ser empregados antes de se estabelecer um bloqueio eficaz dos re-
quando a elevação da pressão arterial reflete concentrações circu-
ceptores a, visto que o bloqueio dos receptores 13sem oposição pode,
teoricamente, produzir elevação da pressão arterial, devido ao au- lantes excessivas de agonistas a. Nessa circunstância, que pode re-
mento da vasoconstrição. sultar da presença de feocromocitoma, de superdosagem de simpa-
Raramente, o feocromocitoma é tratado com metirosina (a- ticomimético ou da abstinência de clonidina, pode-se utilizar fen-
metirosina), o análogo a-metilado da tirosina. Esse fármaco atua tolamina para controlar a pressão arterial elevada. Entretanto, ou-
como inibidor competitivo da tirosina hidroxilase e, em doses orais tras drogas são geralmente preferíveis (ver Capo 11), visto que é
de 1-4 g/dia, interfere na síntese de dopamina (ver Fig. 6.5), dimi- necessária uma experiência considerável para utilizar a fentolamina
nuindo, assim, as quantidades de noradrenalina e adrenalina secre- com segurança nessas situações, sendo essa experiência comparti-
tadas pelo tumor. A metirosina, apesar de não ser um antagonista lhada por poucos médicos.
dos receptores a-adrenétgicos, pode atuar de modo aditivo com a
fenoxibenzamina e um antagonista dos receptores l3-adtenérgicos Hipertensão Crônica
no tratamento do feocromocitoma. A metirosina é particularmen-
te útil em pacientes sintomáticos com feocromocitoma inoperável Os membros da família de antagonistas aI-seletivos à qual perten-
ou metastático. ce a prazosina são drogas eficazes no tratamento da hipertensão sis-
têmica leve a moderada. Em geral, esses fármacos são bem tolera-
dos pela maioria dos pacientes. Entretanto, sua eficácia na preven-
Emergências Hipertensivas
ção da insuficiência cardíaca quando utilizados como monoterapia
Os fármacos antagonistas dos receptores a-adrenérgicos possuem para a hipertensão tem sido questionada. Seu principal efeito ad-
aplicação limitada no tratamento das emergências hipertensivas, verso consiste em hipotensão postural, que pode ser grave após a
embora o labetalol tenha sido utilizado nesse contexto. T eoricamen- primeira dose, embora seja comum (ver Capo 11). Os antagonistas
124 / FARMACOLOGIA

a não-seletivos não são utilizados na hipertensão sistêmica primá- Disfunção Erétil


ria. A prazosina e fármacos relacionados também podem estar as-
sociados a uma sensação de tontura. Esse sintoma pode não ser Uma associação do antagonista dos receptores a-adrenérgicos fen-
devido a uma queda da pressão arterial; todavia, convém avaliar tolamina com o vasodilatador inespecífico papaverina, quando in-
rotineiramente a ocorrência de alterações posturais da pressão arte- jetada diretamente no pênis, pode produzir ereção em homens com
rial em todo paciente tratado de hipertensão. disfunção sexual. Podem ocorrer reações fibróticas, particularmen-
Um aspecto interessante é a constatação de que o uso de anta- te com a administração a longo prazo. A absorção sistêmica pode
gonistas dos receptores a-adrenérgicos, como a prazosina, está as- resultar em hipotensão ortostática; o priapismo pode exigir trata-
sociado a uma ausência de alteração dos lipídios plasmáticos ou a mento direto com um agonista dos receptores a-adrenérgicos, como
aumentos nas concentrações de HDL, podendo constituir uma a fenilefrina. A fentolamina administrada por via oral está sendo
alteração favorável. O mecanismo desse efeito permanece desco- investigada para pacientes com disfunção erétil (e em mulheres com
nhecido. distúrbios de excitação). Outros tratamentos incluem prostaglan-
dinas (ver Capo 18), sildenafil, um inibidor da cGMP fosfodieste-
Doença Vascular Periférica rase (ver Capo 12) e apomorfina.

Embora se tenha tentado o uso de drogas bloqueadoras dos recep- Aplicações dos Antagonistas Alfa2
tores a no tratamento da doença vascular periférica oclusiva, não
há evidências de que os efeitos sejam significativos na presença de Os antagonistas alfaz têm relativamente pouca utilidade clínica. Tem
alterações morfológicas que limitam o fluxo nos vasos. Em certas havido interesse experimental no desenvolvimento de antagonistas
ocasiões, os indivíduos com fenômeno de Raynaud e outras condi- altamente seletivos para uso no fenômeno de Raynaud, a fim de
ções que envolvem vasoespasmo excessivo e reversível na circula- inibir a contração do músculo liso, bem como para uso no diabete
ção periférica obtêm benefício com o uso de fentolamina, prazosi- tipo 2 (os receptores (X2inibem a secreção de insulina) e na depres-
na ou fenoxibenzamina, embora os bloqueadores dos canais de cál- são psiquiátrica. Não se sabe até que ponto o reconhecimento de
cio possam ser preferíveis para muitos pacientes. múltiplos subtipos de receptores a2 levará ao desenvolvimento de
novas drogas clinicamente úteis e seletivas para esses subtipos.
Excesso de Vasoconstritor Local
A fentolamina tem sido utilizada para reverter a vasoconstrição lo-
cal intensa causada por infiltração inadvertida de agonistas a (por 111.FARMACOLOGIA BÁSICA DAS
exemplo, noradrenalina) no tecido subcutâneo durante a adminis-
tração intravenosa. O antagonista a é administrado por infiltração DROGAS ANTAGONISTAS DOS
local no tecido isquêmico.
RECEPTORES BETA
Obstrução Uriná ria As drogas incluídas nessa categoria compartilham a característica
de antagonizar os efeitos das catecolaminas nos receptores [3-adre-
A hiperplasia prostática benigna é um distúrbio prevalente em ho-
nérgicos. As drogas beta-bloqueadoras ocupam os receptores [3 e
mens idosos. Dispõe-se de uma variedade de tratamentos cirúrgi-
reduzem competitivamente a ocupação desses receptores pelas ca-
cos que são eficientes para alívio dos sintomas urinários da HPB;
tecolaminas e por outros agonistas [3. (Alguns membros desse gru-
entretanto, a terapia farmacológica mostra-se eficaz em muitos pa-
po, utilizados apenas para fins experimentais, ligam-se de modo
cientes. Foi constatada pela primeira vez a utilidade do bloqueio
irreversível aos receptores [3.) A maioria das drogas [3-bloqueado-
dos receptores alfa na HPB com o uso da fenoxibenzamina em
ras de uso clínico consiste em antagonistas puros, isto é, a ocupa-
pacientes selecionados com alto risco cirúrgico. O mecanismo de
ção de um receptor [3 por uma dessas drogas não provoca ativação
ação na melhora do fluxo urinário envolve a teversão parcial da
do receptor. Entretanto, algumas são agonistas parciais, isto é, pro-
contração do músculo liso na próstata aumentada e na base da be-
duzem ativação parcial do receptor, ainda que em menor grau que
xiga. Foi sugerido que alguns antagonistas dos receptores ai podem a causada pelos agonistas integrais, epinefrina e isoproterenol. Con-
exercer efeitos adicionais sobre células da próstata que ajudam a f€lrme descrito no Capo 2, os agonistas parciais inibem a ativação
melhorar os sintomas.
dos receptores [3 na presença de altas concentrações de catecolami-
Diversos estudos bem controlados demonstraram a eficácia re-
nas, porém ativam moderadamente os receptores na ausência de
produzível de vários antagonistas dos receptores ai em pacientes agonistas endógenos. Outra grande diferença entre as numerosas
com HPB - de vários anos de duração em muitos casos. A prazo- drogas bloqueadoras dos receptores [3 diz respeito à sua afinidade
sina, a doxazosina e a terazosina são eficazes. Essas drogas mostram- relativa pelos receptores [31e [32 (Quadro 10.1). Alguns desses an-
se particularmente úteis em pacientes que também apresentam hi- tagonistas têm maior afinidade pelos receptores [31do que pelos re-
pertensão. Tem havido considerável interesse quanto ao subtipo de ceptores [32' e essa seletividade pode ter implicações clínicas rele-
receptor ai mais importante na contração do músculo liso na prós- vantes. Como nenhum dos antagonistas dos receptores [3 clinica-
tata: os antagonistas dos receptores alA com seletividade para subti- mente disponíveis é absolutamente específico para os receptores [3]>
pos podem resultar em melhor eficácia e segurança no tratamento a seletividade está relacionada à dose, isto é, tende a diminuir com
dessa doença. Conforme assinalado anteriormente, a tansulosina concentrações mais elevadas da droga. Outras diferenças importan-
também é eficaz na HPB e exerce pouco ou nenhum efeito sobre a tes entre os antagonistas [3 estão relacionadas às suas características
pressão arterial. Essa droga pode ser preferida para pacientes que farmacocinéticas e aos efeitos anestésicos locais estabilizadores das
apresentaram hipotensão postural com outros antagonistas dos re- membranas
ceptores ai' Algumas evidências sugerem que a eficácia dos anta- Do ponto de vista químico, os antagonistas dos receptores [3
gonistas dos receptores ai é superior àquela da finasterida, o inibi- (Fig. 10.5) assemelham-se ao isoproterenol (ver Fig. 9.3), um po-
dor da 5a-redutase (ver Capo 40). tente agonista dos receptores [3.
DROGAS ANTAGONISTAS DOS RECEPTORES ADRENÉRGICOS / 125

CH2- CH2- 0- CH3


Propranolol Metoprolol

0- CH2- CH- CH2- NH- CICH3)3

HO~
HO~ lH
Nadolol Timolol

Pindolol Atenolol

o
II O-CH2-CH-CH
/'//' OH 3,2

I
~ O
CH3-CQ II I 2-NH-CHICH \
NH-C-CH 2-CH2-CH3
Acebutolol labetalol

Fig. 10.5 Estruturas de alguns antagonistas dos receptores [3.

Propriedades Farmacocinéticas dos antagonistas 0, à exceção do betaxolo\' pembutolo!, pindolol e


sotaloL -
Antagonistas dos Receptores Beta

A. ABSORÇÃO C. DISTRIBUiÇÃO E DEPURAÇÃO

As drogas pertencentes a essa classe são, em sua maioria, bem ab- OS antagonistas 0 distribuem-se rapidamente e apresentam gran-
sorvidas após administração oral, com obtenção de concentrações des volumes de distribuição, O propranolol e o pembutolol são
máximas dentro de 1-3 horas após a sua ingestão, Dispõe-se de muito lipofílicos e atravessam facilmente a barreira hematoencefá-
preparações de liberação prolongada de propranolol e meto- lica (Quadro 10.2). Os antagonistas 0 apresentam, em sua maio-
prolol. ria, meias-vidas na faixa de 3-10 horas. Uma exceção importante é
o esmolo!, que sofre rápida hidrólise e possui meia-vida de cerca de
B. BIODISPONIBILlDADE 10 minutos. O propranolol e o metoprolol são extensamente me-
tabolizados no fígado, com aparecimento de apenas uma pequena
o propranolol sofre extenso metabolismo hepático (de -primeira quantidade da droga inalterada na urina. O genótipo 2D6
passagem), e sua biodisponibilidade é relativamente baixa (Quadro (CYP2D6) do cito cromo P450 constitui um importante determi-
10.2). A pr'oporção da droga que alcança a circulação sistêmica nante das diferenças individuais na depuração plasmática do meto-
aumenta à medida que se aumenta a dose, sugerindo que os meca- prolol (Cap, 4). Os metabolizadores deficientes exibem concentra-
nismos hepáticos de extração podem ficar saturados. Uma impor- ções plasmáticas três a dez vezes maiores após a administração de
tante conseqüência da baixa biodisponibilidade do propranolol é metoprolol do que os metabolizadores extensos. O atenolo\' o celi-
que a administração oral dessa droga resulta em concentrações muito prolol e o pindolol não são metabolizados de forma tão completa.
menores do que as obtidas após injeção intravenosa da mesma dose. O nadolol é excretado de modo inalterado na urina e possui a meia-
Como o efeito de primeira passagem varia de um indivíduo para vida mais prolongada entre todos os antagonistas 0 disponíveis (até
outro, existe uma grande variabilidade individual na concentração 24 horas). A meia-vida do nadolol prolonga-se na presença de in-
plasmática obtida após a administração oral de propranolol. A bio- suficiência renal. A eliminação de drogas como o propranolol pode
disponibilidade é limitada, em grau variáve\' para a maioria dos prolongar-se na presença de hepatopatia, redução do fluxo sangüí-
126 / FARMACOLOGIA

Quadro 10.2 Propriedades de diversos fármacos bloqueadores dos receptores beta

Atividade Ação
Agonista Anestésica Lipossolu- Meia-vida de Biodisponibilidade
Seletividade Parcial Local bilidade Eliminação Aproximada
Acebutolol ~, Sim Sim Baixa 3-4 horas 50
Atenolol ~, Não Não Baixa 6-9 horas 40
Betaxolol ~, Não Leve Baixa 14-22 horas 90

Bisoprolol ~, Não Não Baixa 9-12 horas 80


Carteolol Nenhuma Sim Não Baixa 6 horas 85
•••••••• o ••••••••

Carvedilol' Nenhuma Não Não Ausência de dados 6-8 horas 25-35

Celiprolol ~, Sim' Não Ausência de dados 4-5 horas 70


Esmolol
.................
~, Não Não Baixa 10 minutos -O
Labetalol' Nenhuma Sim' Sim Moderada 5 horas 30
......•..........

Metoprolol ~, Não Sim Moderada 3-4 horas 50


Nadolol Nenhuma Não Não Baixa 14-24 horas 33
Pembutolol
..................
Nenhuma Sim Não Alta 5 horas > 90
Pindolol Nenhuma Sim Sim Moderada 3-4 horas 90

Propranolol Nenhuma Não Sim Alta 3,5-6 horas 303

Sotalol Nenhuma Não Não Baixa 12 horas 90


Timolol Nenhuma Não Não Moderada 4-5 horas 50
'O carvedilol e o labetalol também causam bloqueio dos receptores c<,-adrenérgicos.
'Efeitos agonistas parciais nos receptores 13,.
3A biodisponibilidade é dependente da dose..

neo hepático ou inibição das enzimas hepáticas. É interessante as- condução atrioventricular, com aumento do intervalo PR, é uma
sinalar que os efeitos farmacodinâmicos dessas drogas estão freqüen- conseqüência do bloqueio dos receprores adrenérgicos no nó atri-
temente prolongados além do período previsto, com base nos da- oventricular. Esses efeiros podem ser clinicamente valiosos para al-
dos de suas meias-vidas. guns pacientes, porém são potencialmente perigosos para outros.
No sistema vascular, o bloqueio dos receptores 13opõe-se à vasodi-
Farmacodinâmica das Drogas Antagonistas latação mediada por 132' Isso pode levar agudamente a um aumen-
dos Receptores J3 ro da resistência periférica, devido a efeitos mediados por recepto-
res <X não-bloqueados, à medida que ocorre descarga do sistema
Os efeitos dessas drogas são devidos, em sua maior parte, à ocupa- nervoso simpático em resposta à pressão arterial baixa. As drogas
ção e ao bloqueio dos receptores 13.Entretanto, algumas ações po- 13-bloqueadoras antagonizam a liberação da renina induzi da pelo
dem resultar de outros efeitos, incluindo atividade de agonista par- sistema nervoso simpático. Conforme assinalado no Capo 11, a re-
cial nos receptores 13e ação anestésica local, que diferem entre os lação entre os efeiros sobre a liberação de renina e os efeiros sobre a
13-bloqueadores (Quadro 10.2). pressão arterial não está bem esclarecida. De qualquer modo, en-
quanto os efeiros agudos dessas drogas podem incluir um aumento
A. EFEITOS SOBRE O SISTEMA CARDIOVASCULAR da resistência periférica, a sua administração crônica resulta em
queda da resistência periférica em pacientes com hipertensão. Ain-
Os fármacos 13-bloqueadores, quando administrados de forma crô- da não foi esclarecido como esse ajuste ocorre.
nica, reduzem a pressão arterial em pacientes com hipertensão. Os
mecanismos envolvidos podem incluir efeitos sobre o coração e os B. EFEITOS SOBRE O TRATO RESPIRATÓRIO
vasos sangüíneos, supressão do sistema de renina-angiotensina e,
talvez, efeitos sobre o sistema nervoso central. Os agentes bloquea- O bloqueio dos receptores 132no músculo liso brônquico pode de-
dores dos receprores 13-adrenérgicos possuem grande importância terminar um aumento da resistência das vias aéreas, particularmente
clínica no tratamento da hipertensão (ver Capo 11). Em contraste, em pacientes com asma. Os antagonistas dos receprores 131>como
essas drogas, quando administradas em doses convencionais, geral- o meroprolol ou o atenolol, podem ter alguma vantagem sobre os
mente não causam hipotensão em indivíduos sadios com pressão antagonistas 13não-seletivos quando se deseja um bloqueio dos re-
arterial normal. ceprores 131no coração, enquanto o bloqueio dos receptores 132não
Os antagonistas dos receprores 13exercem efeiros proeminentes é desejável. Todavia, nenhum dos antagonistas 13j-seletivos atual-
sobre o coração (Fig. 10.6). Os efeitos inotrópicos e cronotrópicos mente disponíveis é específico para evitar totalmente as interações
negativos são previsíveis, com base no papel desempenhado pelos com os receprores 132-adrenérgicos. Em conseqüência, esses fárma-
receptores adrenérgicos na regulação dessas funções. A redução da cos devem ser geralmente evitados em pacientes com asma. Por
DROGAS ANTAGONISTAS DOS RECEPTORES ADRENÉRGICOS / 127

0,5 mg/kg de
propranolol

1 I-Lglkg de adrenalina 1 /.Lg/kg de adrenalina

Força de
contração
cardíaca

Pressão

~r
arterial 100
(mmHg)
200O t -- Fluxo aórtico
(Umin)
200

[----1~-
Freqüência 1 min
cardíaca L-J
(batimentos/min) 100

Fig. 10.6 O efeito da injeção de adrenalina antes e depois do propranolol em cão anestesiado. Na presença de um agente bloqueador
dos receptores [3,a adrenalina não aumenta mais a força de contração (medida por um calibrador de tensão fixado à parede ventricular)
nem aumenta a freqüência cardíaca. A pressão arterial ainda está elevada pela adrenalina, visto que a vasoconstrição não é bloqueada.
(Reproduzido, com permissão, de Shanks RG:The pharmacology of [3sympathetic blockade. Am J CardioI1966;18:312.)

outro lado, alguns pacientes com doença pulmonar obstrutiva crô- cos com reserva inadequada de glucagon e em pacientes submeti-
nica (DPOC) podem tolerar muito bem esses fármacos. dos a pancreatectomia, visto que as catecolaminas podem consti-
tuir os principais fatores na estimulação da liberação da glicose pelo
C. EFEITO SOBRE O OLHO fígado, em resposta à hipoglicemia. As drogas seletivas dos recepto-
res [31podem ter menos tendência a inibir a recuperação da hipo-
Vários agentes [3-bloqueadores reduzem a pressão inrra-ocular,
glicemia. Os antagonistas dos receptores [3são muito mais seguros
particularmente em olhos com glaucoma. Em geral, o mecanismo
em pacientes com diabete tipo 2 que não apresentam episódios de
relatado consiste em diminuição da produção de humor aquoso.
hipoglicemia.
(Ver Farmacologia Clínica e o Boxe: O Tratamemo do Glaucoma.) O uso crônico de antagonistas dos receptores [3-adrenérgicos
tem sido associado a um aumento das concentrações plasmáticas
D. EFEITOS METABÓLICOS E ENDÓCRINOS
de colesterol das VLDL e a uma redução das concentrações de co-
Os antagonistas [3, como o propranolol, inibem a estimulação da lesterol das HDL. Ambas as alterações são potencialmente desfa-
lipólise pelo sistema nervoso simpático. Os efeitos sobre o metabo- voráveis em termos de risco de doença cardiovascular. Embora as
lismo dos carboidratos não estão tão bem esclarecidos, embora a concentrações de LDL geralmente não sofram qualquer alteração,
glicogenólise no fígado humano seja, pelo menos parcialmente, observa-se um declínio variável na relação do colesterol das HDLI
inibida após bloqueio dos receptores [32' Entretamo, o glucagon é colesterol das LDL, que pode aumentar o risco de coronariopatia.
o principal hormônio utilizado no combate à hipoglicemia. Não Essas alterações tendem a ocorrer com bloqueadores [3 tanto sele-
foi esclarecido até que ponto os antagonistas [3 comprometem a tivos quanto não-seletivos, embora talvez tenham menos proba-
recuperação da hipoglicemia; todavia, devem ser utilizados com bilidade de ocorrer com o uso de [3-bloqueadores com atividade
muita cautela em pacientes diabéticos insulino-dependentes. Esse simpaticomimética intrínseca (agonistas parciais). Os mecanismos
aspecto pode ser particularmente importante em pacientes diabéti- através dos quais os antagonistas dos receptores [3 produzem essas

o TRATAMENTO DO GLAUCOMA

o glaucoma constitui uma importante causa de cegueira e possui grande líquido e a sua drenagem fora do globo ocular, as estratégias para o trata-
interesse farmacológico, vistoque, em sua forma crônica, responde freqüen- mento do glaucoma de ângulo aberto podem ser divididas em duas clas-
temente à terapia farmacológica. A principal manifestação consiste em ele- ses: redução da secreção de humor aquoso e aumento do fluxo aquoso.
vação da pressão intra-ocular, que inicialmente não está associada a qual- Foiconstatada a utilidade de cinco grupos gerais de fármacos - colinomi-
quer sintoma. Sem tratamento, o aumento da pressão intra-ocular resulta méticos,agonistas a, [3-bloqueadores, análogos da prostaglandina F'a e
em lesão da retina e do nervo óptico, com restrição dos campos visuais e, diuréticos - na redução da pressão intra-ocular, que podem estar relacio-
por fim, cegueira. A pressão intra-ocular é facilmente medida como parte nados a essas estratégias, conforme mostrado no Quadro 10.3. Dos cinco
do exame oftalmológico de rotina. São reconhecidos dois tipos principais grupos de fármacos relacionados no Quadro 10.3, os análogos da prosta-
de glaucoma: de ângulo aberto e de ângulo fechado (ou de ângulo estrei- glandina e os [3-bloqueadores são os mais populares. Essapopularidade de-
to). A forma de ângulo fechado está associada a uma câmara anterior su- corre da conveniência (administração uma ou duas vezes ao dia) e da au-
perficial, em que a íris dilatada pode ocluir a via de drenagem de fluxo no sência relativa de efeitos adversos (exceto em pacientes com asma ou mar-
ângulo entre a córnea e o corpo ciliar (Fig.6.9). Essaforma está associada a ca-passo cardíaco ou com doença das vias de condução no caso dos [3-blo-
elevações agudas e dolorosas da pressão, que devem ser controladas numa queadores). Outras drogas que se mostraram capazes de reduzir a pressão
base emergencial com fármacos, ou impedidas através da remoção cirúrgi- intra-ocular incluem a prostaglandina E,e a maconha. O uso de drogas no
ca de parte da íris (iridectomia). A forma de glaucoma de ângulo aberto é glaucoma de ângulo fechado agudo limita-se aos colinomiméticos, à ace-
uma condição crônica, cujo tratamento é, em grande parte, farmacológico. tazolamida e aos fármacos antes da cirurgia. O início de ação dos outros
Como a pressão intra-ocular é uma função do equilíbrio entre a entrada de fármacos é demasiado lento nessa situação.
128 / FARMACOLOGIA

Quadro 10.3 Fármacos utilizados no glaucoma de ângulo aberto

•••••••.••••.•• -•••••••••••••••••• ' ••••••.••••••••••••• n ••••••••••.•••• ~. o-o••••••••••••••.•••••••••••••••••••••••••• ,_ ••.•• _.',.


Mecanismo
,_u •• 0.0 ,_••••••.• o-o••••••••••.••••••• ~••••••••••••••••••••••••••••••••••••••• _•••••
Métodos de Administração
_••••••• _,n •••• Ou, ••• _, •••• n ••••• n' •••••••••••••••••••••••••••••••••••••••

Colinomiméticos
Pilocarpina, carbacol, fisostigmina, Contração do músculo ciliar, abertura Gotas ou gel tópicos; inserção de película de
ecotiofato, demecário da rede trabecular; aumento do efluxo plástico de liberação prolongada
Agonistas alfa
Não-seletivos Aumento do efluxo Gotas tópicas
Adrenalina, dipivefrina

Alfa,-seletivos Diminuição da secreção aquosa


Apraclonidina Tópica, apenas após laser
Brimonidina Tópica
Beta-bloqueadores
Timolol, betaxolol, carteolol, levobunolol, Diminuição da secreção aquosa do epitélio ciliar Gotas tópicas
metipranolol
Diuréticos
Dorzolamida, brinzolamida Diminuição da secreção devido à falta de HC03- Tópica

Acetazolamida, diclorfenamida, Oral


metazolamida

Prostaglandinas
Latanoprost, unoprostona Aumento do efluxo Tópica

alterações ainda não foram esclarecidos, embora a alteração na sen- metabolismo de primeira passagem no fígado. Dispõe-se de uma
sibilidade à ação da insulina possa contribuir. forma de propranolol de ação prolongada; pode ocorrer absorção
prolongada do fármaco no decorret de um período de 24 horas. O
E. EFEITOS NÃO~RELACIONADOS AO BLOQUEIO BETA propranolol possui efeitos desprezíveis nos receptores e nos re- a
ceptores muscarínicos; entretanto, pode bloquear alguns recepto-
A atividade [3-agonista parcial era significativa na primeira droga
res da serownina no cérebro, embora a importância clínica desse
[3-bloqueadora sintetizada, o dicloroisoproterenol. Foi suger:ido que
efeito não esteja bem estabelecida. A droga não possui nenhuma ação
a preservação de alguma atividade simpaticomimética intrínseca é
agonista parcial detectável nos receptores [3.
desejável para evii:ar efeitos adversos, como precipitação de asma ou
O metoprolol, o atenolol e vários outros fármacos (ver Quadro
bradicardia excessiva. O pindolol e outros agonistas parciais estão
10.2) são membros do grupo [31-seletivo. Esses fármacos podem ser
relacionados no Quadro 10.2. Ainda não ficou claro até que ponto
mais seguros para pacientes que apresentam broncoconstrição em
o agonismo parcial é clinicamente valioso. Além disso, esses agen-
resposta ao propranolol. Como a sua seletividade [31é bastante li-
tes podem não ser tão eficazes quanto os antagonistas puros na pre-
mitada, esses fármacos devem ser utilizados com muita cautela, ou
venção secundária do infarto do miocárdio. Todavia, podem ser
úteis em pacientes que desenvolvem bradicardia ou broncoconstri- até mesmo ser evitados em pacientes com história de asma. T oda-
via, em pacientes selecionados com doença pulmonar obstrutiva
ção sintomática em tesposta a drogas antagonistas puras dos recep-
crônica - por exemplo, com infarto do miocárdio -, os benefíci-
tores [3-adrenérgicos, porém apenas se forem claramente indicados
pata uma situação clínica específica. os podem superar os riscos. Os antagonistas [31-seletivos podem ser
A ação anestésica local, também conhecida como ação "estabili- preferíveis em pacientes com diabete ou com doença vascular peri-
zadoradas membranas", constitui um efeito proeminente de vári- férica, quando há necessidade de terapia com [3-bloqueador, visto
os [3-bloqueadores (Quadro 10.2). Essa ação resulta do bloqueio que os receptores [32são provavelmente importantes no fígado (re-
anestésico local típico dos canais de sódio e pode ser demonstrada cuperação da hipoglicemia) e nos vasos sangüíneos (vasodilatação).
experimentalmente em neurônios isolados, no músculo cardíaco e O nadolol é notável pela sua duração de ação muito longa; seu
em membranas do músculo esquelético. Todavia, é pouco prová- espectro de ação assemelha-se ao do timolol. O timolol é um fár-
vel que esse efeito seja importante após administração sistêmica maco não-seletivo desprovido de atividade anestésica local. Possui
desses fármacos, visto que a concentração plasmática habitualmen- excelentes efeitos hipotensores oculares quando administrado to-
te obtida por essas vias é demasiado baixa para a manifestação dos picamente no olho. O levobunolol (não-seletivo) e o betaxolol ([31-
efeitos anestésicos. Essas drogas não são utilizadas topicamente no seletivo) são utilizados para aplicação oftálmica tópica no glauco-
olho, onde a anestesia local da córnea setia altamente indesejável. ma. Esta última droga pode ter menos probabilidade de induzir
O sotalol é um antagonista não-seletivo dos receptores [3, que care- broncoconstrição do que os antagonistas não-seletivos. O carteolol
ce de ação anestésica local, mas que possui efeitos antiarrítmicos de é um antagonista não-seletivo dos receptores [3.
classe lU pronunciados, refletindo um bloqueio dos canais de po- O pindolol, o aceburolol, o carteolol, o bopindolol, * o oxpre-
tássio (ver Capo 14). nolol, * o celiprolol e o pembutolol são de interesse, por apresenta-
rem atividade [3-agonista parcial.
FÁRMACOS ESPECíFICOS Mostram-se eficazes nas principais aplicações cardiovasculares do
grupo [3-bloqueador (hipertensão e angina). Embora esses agonis-
(Ver Quadro 10.2)
O propranolol é o protótipo das drogas [3-bloqueadoras. Sua bio-
disponibilidade é baixa e dose-dependente, em virtude do extenso *Não disponível nos Estados Unidos.
DROGAS ANTAGONISTAS DOS RECEPTORES ADRENÉRGICOS / 129

tas parciais possam ter menos tendência a causar bradicardia e anor- também parece atenuar a peroxidação dos lipídios iniciada por radi-
malidades nos lipídios plasmáticos do que os antagonistas, a im- cais livres de oxigênio, além de inibir a mito gênese do músculo liso
portância clínica global da atividade simpaticomimética intrínseca vascular, independentemente do bloqueio dos receptores adrenérgi-
ainda não foi claramente estabelecida. O pindolol, talvez em con- coso Esses efeitos podem contribuir para os benefícios clínicos do fár-
seqüência de suas ações sobre a sinalização da serotonina, pode maco na insuficiência cardíaca congestiva (ver Capo 13).
potencializar a ação de medicações antidepressivas tradicionais. O O esmolol é um antagonista dos receptores adrenérgicos ~j-se-
celiprolol* é um antagonista ~j-seletivo com a capacidade mode- letivos de ação ultracurta. A estrutura do esmolol contém uma li-
rada de ativar os receptores ~2' gação éster; as esterases dos eritrócitos metabolizam rapidamente o
Há evidências limitadas sugerindo que o celiprolol pode ter esmolol a um metabólito que apresenta baixa afinidade pelos re-
menos efeitos adversos broncoconstrirores na asma, podendo até ceptores f3. Em conseqüência, o esmolol possui meia-vida curta
mesmo promover uma broncodilatação. O acebutolol também é um (cerca de 10 minutos). Portanto, durante infusões contínuas do
antagonista ~j-seletivo. fármaco, as concentrações em estado de equilíbrio dinâmico são
O labetalol é um antagonista reversível dos receptores adrenér- alcançadas prontamente, e as ações terapêuticas da droga cessam
gicos, disponível como mistura racêmica de dois pares de isômeros rapidamente quando se interrompe a infusão. O esmolol é poten-
quirais (a molécula possui dois centros de assimetria). Os isômeros cialmente muito mais seguro do que os antagonistas de ação mais
(5,5) e (R,5) são inativos, o isômero (5,R) é um potente bloquea- longa para pacientes criticamente enfermos que necessitam de an-
dor a, e o isômero (R,R), um potente bloqueador [3. A afinidade tagonista dos receptores ~-adrenérgicos. O esmolol pode ser útil no
do labetalol pelos receptores a é menor que a da fentolamina; to- controle das arritmias supraventriculares, das arritmias associadas à
davia, o labetalol é aj-seletivo. 5ua potência ~-bloqueadora é um tireotoxicose, da hipertensão perioperatória e da isquemia do mio-
pouco menor que a do propranolol. A hipotensão induzida pelo cárdio em pacientes agudamente doentes.
labetalol é acompanhada de taquicardia menos intensa do que a que A butoxamina é seletiva para os receptores f32' As drogas blo-
ocorre com o uso de fentolamina e a-bloqueadores semelhantes. que adoras f32-seletivas não têm sido ativamente pesquisadas, visto
O carvedilol, o medroxalol* e o bucindolol* são antagonistas não haver nenhuma aplicação clínica óbvia para seu uso.
não-seletivos dos receptores [3, que têm alguma capacidade de blo-
quear os receptores aj-adrenérgicos.
O carvedilol antagoniza as ações das catecolaminas com mais
potência nos receptores ~ do que nos receptores a. A droga possui IV. FARMACOLOGIA CLíNICA
meia-vida de cerca de 6-8 horas. O carvedilol é extensamente meta-
bolizado no fígado, e observa-se um metabolismo estereosseletivo de DAS DROGAS BLOQUEADORAS
seus dois isômeros. Como o metabolismo do (R)-carvedilol é influ-
DOS RECEPTORES BETA
enciado por polimorfismos na atividade do citocromo P450 2D6 e
por drogas que inibem a atividade dessa enzima (como a quinidina e
a fluoxetina), podem ocorrer interações farmacológicas. O carvedilol Hipertensão
As drogas bloqueadoras dos receptores f3-adrenérgicos mostraram-
'Não disponível nos Estados Unidos. se eficazes e bem toleradas na hipertensão. Embora muitos pacien-

Drama Comédia Documentário

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Tempo (min)

Fig. 10.7 Freqüência cardíaca num paciente com cardiopatia isquêmica, medida por telemetria enquanto ele está assistindo a televisão.
As medidas foram iniciadas uma hora após a administração de placebo (linha preta, superior) ou 40 mg de oxprenolol, um antagonista
~ não-seletivo com atividade agonista parcial. A freqüência cardíaca não apenas foi reduzida pela droga nas condições do experimento,
como também variou muito menos em resposta a estímulos. (Modificado e reproduzido,com permissão,de TaylorSH:Oxprenololin clinicalprac-
tice. Am J CardioI1983;52:34D)
130 / FARMACOLOGIA

Arritmias Cardíacas
Os antagonistas 13mostram-se eficazes no tratamento das arritmias
tanto ventticulares quanto supraventriculates (ver Capo 14). Foi
sugerido que a melhora da sobrevida após infarto do miocárdio em
pacientes que utilizam antagonistas 13(Fig. 10.8; ver anteriormen-
te) é devida à supressão das arritmias, embora esse fato não tenha
sido comprovado. Ao aumentar o período refratário do nó atrio-
ventricular, os antagonistas 13 reduzem a freqüência da resposta
ventricular no fluttere na fibrilação atriais. Esses fármacos também
podem reduzir os batimentos ectópicos ventriculares, particularmen-
I I I I I I ! I I I I I I I I I t

te se a atividade ectópica tiver sido precipitada pelas catecolaminas.


24 36 48 60 72
O sotalol possui efeitos antiarrítmicos adicionais envolvendo o blo-
Tempo (meses) queio dos canais iônicos, além de sua ação i3-bloqueadora; esses
efeitos são discutidos no Capo 14.
Fig. 10.8 Efeitos da terapia com f3-bloqueador sobre as taxas de
mortalidade cumulativa por todas as causas durante seis anos em
1.884 pacientes que sobreviveram a infartos do miocárdio. Os pa- Outros Distúrbios Cardiovasculares
cientes foram randomicamente distribuídos em grupos que rece-
beram tratamento com placebo (linha tracejada) ou timolol (linha
Foi constatado que os antagonistas dos receptores 13aumentam o
cheia). (Reproduzido, com permissão, de Pederson TR: Six-year follow-up volume sistólico em alguns pacientes com miocardiopatia obstru-
of the Norwegian multicenter study on timolol after acute myocardial in- tiva. Acredita-se que esse efeito benéfico decorra da redução da eje-
farction. N Engl J Med 1985;313: 1055.) ção ventricular e diminuição da resistência ao fluxo. Os antagonis-
tas 13mostram-se úteis no aneurisma dissecante da aorta para dimi-
nuir a taxa de desenvolvimento da pressão sistólica. Estudos clíni-
cos demonstraram que pelo menos três antagonistas 13- metopro-
tes hipertensos respondam ao uso de apenas um i3-bloqueador, o 101, bisoprolol e carvedilol- são eficazes no tratamento da insufi-
fármaco é freqüentemente utilizado em associação a um diurético ciência cardíaca crônica em pacientes selecionados. Embota a ad-
ou a um vasodilatador. A despeito da meia-vida curta de muitos ministração desses fármacos possa produzir agravamento agudo da
antagonistas 13,essas drogas podem ser administradas uma ou duas insuficiência cardíaca congestiva, seu uso prolongado e cauteloso
vezes ao dia e ainda exercer efeito terapêutico adequado. O labeta- com incremento gradual das doses em pacientes que os toleram pode
101, um antagonista cx e 13competitivo, mostra-se eficaz na hiper- prolongar a vida. Embora os mecanismos envolvidos permaneçam
tensão, embora seu papel efetivo ainda não tenha sido estabeleci- incertos, esses fármacos parecem exercer efeitos benéficos sobre a
do. O uso desses fármacos é discutido de modo pormenorizado no remodelagem miocárdica e diminuição do risco de morre súbita (ver
Capo 11. Há algumas evidências de que alguns fármacos dessa clas- Cap.13).
se podem set menos eficazes em indivíduos negros e indivíduos
idosos. Todavia, essas diferenças são relativamente pequenas e po- Glaucoma
dem não se aplicar a um paciente específico. De fato, como os efei-
(Ver Boxe, O Tratamento do Glaucoma)
tos sobre a pressão arterial são facilmente medidos, o resultado te-
rapêutico para essa indicação pode set prontamente detectado em Verificou-se casualmente que a administração sistêmica de l3-blo-
qualquer paciente. queadores para outras indicações reduz a pressão intra-ocular em
pacientes com glaucoma. Posteriormente, foi constatado que a ad-
Cardiopatia Isquêmica ministração tópica também reduz a pressão intra-ocular. O meca-
nismo parece envolver uma diminuição da produção de humor
Os bloqueadores dos receptores i3-adrenérgicos reduzem a fre- aquoso pelo corpo ciliar, que é fisiologicamente ativada pelo cAMPo
qüência dos episódios de angina e melhoram a tolerância ao exer- O timolol e antagonistas 13relacionados mostram-se apropriados
cício em muitos pacientes com angina (ver Capo 12). Essas ações para uso local no olho, visto que carecem de propriedades anestési-
estão relacionadas ao bloqueio dos receptores 13cardíacos, resul- cas locais. Os antagonistas 13parecem ter uma eficácia comparável
tando em diminuição do trabalho cardíaco e da demanda de oxi- à da adrenalina ou pilocarpina no glaucoma de ângulo aberto e são
gênio. A redução da freqüência cardíaca e a sua regularização mais bem tolerados pela maioria dos pacientes. Embora a dose di-
podem contribuir para os benefícios clínicos observados (Fig. ária máxima aplicada localmente O mg) seja pequena em compa-
10.7). Múltiplos estudos prospectivos em larga escala indicam que ração com as doses sistêmicas comumente utilizadas no tratamento
o uso prolongado de timolol, propranolol ou metoprolol em pa- da hipertensão ou da angina 00-60 mg), pode ocorrer absorção do
cientes que sofreram infarro do miocárdio prolonga a sobrevida timolol pelo olho em quantidades suficientes para causar graves
(Fig. 10.8). No momento atua!, existem dados menos favoráveis efeitos adversos sobre o coração e as vias aéreas de indivíduos susce-
para o uso de outros fármacos além dos três antagonistas dos re- tíveis. O timolol tópico pode interagir com o verapamil adminis-
ceptores i3-adrenérgicos mencionados para essa indicação. É im- trado por via oral e aumentar o risco de bloqueio cardíaco.
portante assinalar que os levantamentos eferuados em muitas O betaxolol, o carreolo!, o levobunolol e o metipranolol são os
populações revelaram que os antagonistas dos receptores 13são antagonistas dos receptores 13mais recentes aprovados para o trata-
insuficientemente utilizados, resultando em morbidade e morta- mento do glaucoma. O betaxolol possui a vantagem potencial de
lidade desnecessárias. Os estudos em animais experimentais su- ser i3!-seletivo; ainda que não tenha sido determinado até que pon-
gerem que o uso de antagonistas dos teceptores 13durante a fase to essa vantagem potencial possa diminuir os efeitos sistêmicos
aguda de um infarro do miocárdio pode limitar o seu tamanho. adversos. Aparentemente, o fármaco provocou agtavamento dos
Todavia, essa aplicação é ainda controvertida. sintomas pulmonares em alguns pacientes.
DROGAS ANTAGONISTAS DOS RECEPTORES ADRENÉRGICOS / 131

Hipertireoidismo a ocorrência de infarto do miocárdio, em comparação com anta-


gOnIstas puros.
A ação excessiva das catecolaminas constitui um importante aspec-
to da fisiopatologia do hipertireoidismo, particularmente em rela- TOXICIDADE CLíNICA DAS DROGAS
ção ao coração (ver Capo 38). Os antagonistas (3 possuem efeitos ANTAGONISTAS DOS RECEPTORES BETA
salutares nessa condição. Esses efeitos benéficos estão presumivel-
mente relacionados ao bloqueio dos teceptores adrenérgicos e, tal- Foram relatados diversos efeitos tóxicos de menor importância as-
vez em parte, à inibição da conversão periférica da tiroxina em trii- sociados ao propranolol. É rara a ocorrência de erupções cutâneas,
odotironina. Esta última ação pode variar de um antagonista (3para febre e outras manifestações de alergia medicamentosa. Os efeitos
outro. O propranolol tem sido utilizado extensamente em pacien- relacionados ao sistema nervoso central incluem sedação, distúrbi-
tes com tempestade tireoidiana (hipertireoidismo grave); é utiliza- os do sono e depressão. Em raros casos, podem ocorrer reações psi-
do com cautela em pacientes com essa condição, a fim de controlar cóticas. Deve-se considerar seriamente a suspensão, quando clini-
as taquicardias supraventriculares e freqüentem ente precipitam in- camente viável, do uso de (3-bloqueadores em qualquer paciente que
suficiência cardíaca. venha a apresentar depressão. Foi sugerido que as drogas antago-
nisras dos receptores (3 com baixa lipossolubilidade estão associa-
Doenças Neurológicas das a menor incidência de efeitos adversos sobre o sistema nervoso
central do que os compostos com maior lipossolubilidade (Quadro
Vários estudos demonstraram um efeito benéfico do propranolol 10.2). São necessários estudos adicionais com o objetivo de com-
na redução da freqüência e da intensidade da enxaqueca. Outros parar os efeitos adversos de várias drogas sobre o sistema nervoso
antagonistas dos receptores (3 com eficácia preventiva incluem o central antes que possam ser feitas recomendações específicas, em-
metoprolol e, provavelmente, também o atenolo!, o timolol e o bora pareça razoável tentar o uso dos fármacos hidrofílicos nadolol
nadolol. O mecanismo envolvido permanece desconhecido. Como ou atenolol num paciente que apresenta efeitos desagradáveis do
a atividade simpática pode aumentar o tremor do músculo esque- sistema nervoso central com outros ~-bloqueadores.
lético, não é surpreendente que se tenha constatado que os antago- Os principais efeitos adversos das drogas antagonistas dos recep-
nistas (3 teduzem certos tremores (ver Capo 28). As manifestações tores (3 estão relacionados às conseqüências previsíveis do bloqueio
somáticas da ansiedade podem responder notavelmente a doses (3. O bloqueio dos receptores (32 associado ao uso de agentes não-
baixas de propranolo!, sobretudo quando tomadas profilaticamen- selerivos geralmente provoca agravamento da asma preexistente e
te. Por exemplo, foi constatado um efeito benéfico para músicos de outras formas de obstrução das vias aéreas, sem que ocorram essas
com ansiedade de desempenho ("medo do palco"). O propranolol conseqüências em indivíduos normais. Com efeito, uma asma re-
pode contribuir para o tratamento sintomático da abstinência do lativamente rrivial pode ser agravada após bloqueio (3. Entretanto,
álcool em alguns pacientes. devido à possibilidade de salvar a vida do paciente com doença car-
diovascular, deve-se considerar fortemente a rêatização de provas
Outras Condições rerapêuticas individualizadas em alguns grupos de pacientes, como,
por exemplo, aqueles com doença pulmonar obstrutiva crônica que
Foi constatado que os antagonistas dos receptores (3 diminuem a apresentam indicações favoráveis para (3-bloqueadores. Embora as
pressão da veia porta em pacientes com cirrose. Há evidências de drogas (3j-seletivas possam ter menos efeito sobre as vias aéreas do
que tanto o propranolol quanto o nadolol diminuem a incidência que os antagonistas (3 não-seletivos, elas devem ser utilizadas com
do primeiro episódio de sangramento de varizes esofágicas, bem muita cautela, ou até mesmo evitadas, em pacientes com vias aére-
como a taxa de mortalidade associada a sangramento em pacientes as reativas. Apesar de os antagonistas (3j-seletivos serem, em gera!,
com cirrose. O nadolol em associação ao mono nitrato de isossor- bem tolerados por pacientes com doença vascular periférica leve a
bida parece ser mais eficaz do que a escleroterapia na prevenção de moderada, é necessário ter muita cautela quanto a seu uso em paci-
novo sangramento em pacientes que sofreram episódios anteriores entes com doença vascular periférica ou distúrbios vasoespásticos
de varizes esofágicas. graves.
O bloqueio dos receptores (3 deprime a contratilidade e a exci-
ESCOLHA DE UM FÁRMACO ANTAGONISTA tabilidade do miocárdio. Em pacientes com função miocárdica
DOS RECEPTORES BETA-ADRENÉRGICOS anormal, o débito urinário pode depender da estimulação simpáti-
ca. Se esse estÍmulo for removido por bloqueio (3, pode sobrevir uma
O propranolol é o padrão que tem sido utilizado para compara- descompensação cardíaca. Por conseguinte, deve-se ter cautela com
ção no desenvolvimento de novos antagonistas (3 para uso sistê- o uso de antagonistas dos receptores (3 em pacientes com insufici-
mico. Durante muitos anos de seu uso disseminado, foi constata- ência cardíaca compensada, embora o uso a longo prazo desses fár-
do ser uma droga segura e eficaz para muitas indicações. Como é macos nesses pacientes possa prolongar a vida. Um efeito cardíaco
possível que algumas das ações de um antagonista dos receptores adverso potencialmente fatal de um antagonista ~ pode ser direta-
(3 possam estar relacionadas a algum outrO efeito do fármaco, es- mente superado com isoproterenol ou com glucagon (o glucagon
sas drogas não devem ser consideradas intercambiáveis para todas estimula o coração através dos receptores de glucagon, que não são
as aplicações. Por exemplo, apenas os antagonistas (3 com eficácia bloqueados pelos antagonistas (3), porém nenhum desses métodos
reconhecida no hipertireoidismo ou na terapia profilática após é isento de risco. Uma dose muito pequena de um antagonista (3
infarto do miocárdio devem ser utilizados para essas indicações. (por exemplo, 10 mg de propranolol) pode provocar insuficiência
É possível que os efeitos benéficos de uma droga nessas situações cardíaca grave em indivíduos suscetÍveis. Os (3-bloqueadores podem
possam não ser compartilhados por outra droga da mesma classe. interagir com o antagonista do cálcio, verapamil; foi descrita a ocor-
As possíveis vantagens e desvantagens dos antagonistas dos recep- rência de hipotensão grave, bradicardia, insuficiência cardíaca e
tores (3 que são agonistas parciais não foram claramente definidas anormalidades da condução cardíaca. Esses efeitos adversos também
em contextos clínicos, embora as evidências atuais sugiram que, podem surgir em pacientes suscetíveis que fazem uso de (3-bloque-
provavelmente, sejam menos eficazes na prevenção secundária após ador tópico (oftálmico) e verapamil oral.
132 / FARMACOLOGIA

PREPARAÇÕES DISPONíVEIS
- - -~,- n _ n _. n u __ u. __ . n U Uu n _. U __ u .__ ._._. .__ U _ U u _._n .__ ._. . U U •

AlFA-BLOQUEADORES labetalol (genérico, Normodyne, Trandate)


Doxazosina (genérico, Cardura) Oral: comprimidos de 100,200, 300 mg
Oral: comprimidos de 1, 2, 4, 8 mg Parenteral: 5 mg/mL para injeção
Fenoxibenzamina (Dibenzyline) levobunolol (Betagan Liquifilm, outros)
Oral: cápsulas de 10 mg Oftálmico: gotas a 0,25, 0,5%
Fentolamina (genérico, Regitine) Metipranolol (Optipranolol)
Parenteral: 5 mg/ampola para injeção Oftálmico: gotas a 0,3%
Prazosina (genérico, Minipress) Metoprolol (genérico, Lopressor, Toprol)
Oral: cápsulas de 1, 2, 5 mg Oral: comprimidos de 50, 100 mg
Tansulosina (Flomax) Oral de liberação prolongada: comprimidos de 25, 50, 100,
Oral cápsula de 0,4 mg 200 mg
Terazosina (genérico, Hytrin) Parenteral: 1 mg/mL para injeção
Oral: comprimidos, cápsulas de 1, 2, 5, 10 mg Nadolol (genérico, Corgard)
Tolazolina (Priscoline) Oral: comprimidos de 20, 40, 80, 120, 160 mg
Parenteral: 25 mg/mL para injeção Pembutolol (Levatol)
Oral: comprimidos de 20 mg
BETA-BLOQUEADORES Pindolol (genérico, Visken)
Acebutolol (genérico, Sectral) Oral: comprimidos de 5, 10 mg
Oral: cápsulas de 200, 400 mg Propranolol (genérico, Inderal)
Atenolol (genérico, Tenormin) Oral: comprimidos de 10, 20, 40, 60, 80, 90 mg; soluções a
Oral: comprimidos de 25, 50, 100 mg 4, 8, 80 mg/mL
Parenteral: 0,5 mg/mL para injeção IV Oral de liberação prolongada cápsulas de 60, 80, 120, 160
Betaxolol mg
Oral: comprimidos de 10, 20 mg (Kerlone) Parenteral: 1 mg/mL para injeção
Oftálmico: gotas a 0,25%, 0,5% (genérico, Betoptic) Sotalol (genérico, Betapace)
Bisoprolol (Zebeta) Oral: comprimidos de 80, 120, 160, 240 mg
Oral: comprimidos de 5, 10 mg Timolol
Carteolol Oral: comprimidos de 5, 10, 20 mg (genérico, Blocadren)
Oral: comprimidos de 2,5, 5 mg (Cartrol) Oftálmico: gotas, gel a 0,25, 0,5% (genérico, Timoptic)
Oftálmico: gotas a 1% (genérico, Ocupress)
Carvedilol (Coreg) INIBIDOR DA SíNTESE

Oral: comprimidos de 3,125, 6,25, 12,5,25 mg Metirosina (Demser)


Esmolol (Brevibloc) Oral: cápsulas de 250 mg
Parenteral: 10 mg/mL para injeção IV; 250 mg/mL para
infusão IV

A interrupção abrupta da terapia com antagonistas 13após uso REFERÊNCIAS


crônico possui certos riscos. As evidências sugerem que os pacien- Alward WlM: Medical management of glaucoma. N Engl ] Med
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SECAO
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Fármacos Cardiovasculares e Renais

Fármacos Anti-hipertensivos
Neal L. Benowitz, MO
m
A hipertensão é a doença cardiovascular mais comum. Assim, o ter- É preciso assinalar que o diagnóstico de hipertensão depende
ceiro National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES da medida da pressão arterial, e não dos sintomas relatados pelo
III), conduzido de 1992 a 1994, constatou que 27% da população paciente. Com efeito, a hipertensão é habitualmente assintomá-
adulta nos Estados Unidos apresentam hipertensão. A prevalência tica, até que a lesão de órgãos-alvo seja iminente ou já tenha ocor-
varia com a idade, a raça, a educação e muitas outras variáveis. A rido.
hipertensão arterial, quando persistente, danifica os vasos sangüí-
neos renais, cardíacos e cerebrais e resulta em aumento na incidên- Etiologia da Hipertensão
cia de insuficiência renal, coronariopatia, insuficiência cardíaca e
acidente vascular cerebral. Foi constatado que a redução farmaco- É possível estabelecer uma causa específica para a hipertensãoem
lógica efetiva da pressão artetial impede a lesão dos vasos sangüíne- apenas 10-15% dos pacientes. Entretanto, é importante conside-
os e diminui significativamente as taxas de morbidade e de morta- rar causas específicas em cada caso, visto que algumas delas são
lidade. Dispõe-se de muitos fármacos eficazes. O conhecimento de passíveis de tratamento citúrgico definitivo, como constrição da
seus mecanismos anti-hipertensivos e de seus locais de ação permi- artéria renal, coarctação da aorta, feocromocitoma, doença de
te uma previsão correta de sua eficácia e toxicidade. Em conseqüên- Cushing e aldosteronismo primário.
cia, o uso racional desses fármacos, isoladamente ou em associações, Os pacientes nos quais não se pode identificar nenhuma causa
pode reduzir a pressão arterial com risco mínimo de toxicidade na específica para a hipertensão são considerados portadores de hiper-
maioria dos pacientes. tensão essencial. *
Na maioria dos casos, a elevação da pressão arterial está associa-
da a um aumento global da resistência ao fluxo sangüíneo através
HIPERTENSÃO E REGULAÇÃO DA das artedolas, enquanto o débito cardíaco está habitualmente nor-
PRESSÃO ARTERIAL mal. A investigação meticulosa da função do sistema nervoso autô-
nomo, dos reflexos barorreceptores, do sistema de renina-angioten-
Diagnóstico sina-aldosterona e do rim não conseguiu identificar qualquer anor-
malidade primária como causa do aumento da resistência vascular
O diagnóstico de hipertensão baseia-se em medidas repetidas e te- periférica na hipertensão essencial.
produzíveis de elevação da pressão arterial. O diagnóstico serve Em geral, a elevação da pressão arterial é causada por uma com-
principalmente para prever as conseqüências do distúrbio para o binação de várias anormalidades (múltifatorial). Evidências epide-
paciente; raramente inclui um relato sobre a causa da hipertensão. miológicas indicam que a herança genética, o estresse psicológico e
Estudos epidemiológicos indicam que os riscos de lesão renal, fatores ambientais e dietéticos (maior ingestão de sal e ingestão di-
cardíaca e cerebral estão diretamente relacionados com o grau de minuída de potássio ou de cálcio) podem talvez contribuir para o
elevação da pressão arterial. Até mesmo uma hipertensão leve (pres- desenvolvimento da hipertensão. Não ocorre aumento da pressão
são arterial 2: 140/90 mm Hg) em adultos jovens ou de meia-ida- arterial com a idade em populações com baixa ingestão diária de
de aumenta o risco de possível lesão de órgãos-alvo. Os riscos - e, sódio. Os pacientes com hipertensão lábil parecem ter maior ten-
portanto, a urgência da instituição da terapia - aumentam pro- dência a apresentar elevações da pressão arterial após uma carga de
porcionalmente com a magnitude da elevação da pressão arterial. sal do que controles normais.
O risco de lesão de órgãos-alvo em qualquer nível de pressão arteri-
al ou idade é maior nos indivíduos negros e relativamente menor
nas mulheres pré-menopáu.sicas do que nos homens. OutroS fato-
res de risco positivos incluem o tabagismo, a hiperlipidemia, o di- *0 adjetivo pretendia, originalmente, transmitir a idéia hoje abandonada de que a
abete, a presença de manifestações de lesão de órgãos-alvo por oca- elevação da pressão arterial era essencial para uma petfusão adequada dos tecidos
doentes.
sião do diagnóstico e uma história familiar de doença cardiovascular.
136 / FARMACOLOGIA

A hereditariedade da hipertensão essencial é estimada em cerca


de 30%. Mutações em vários genes têm sido associadas a diversas 3. DÉBITO DA BOMBA
Coração
causas raras de hipertensão. As variações funcionais dos genes do
angiotensinogênio, da enzima conversora de angiotensina (ECA) e
do receptor 132-adrenérgico parecem contribuir para alguns casos
de hipertensão essencial.

Regulação Normal da Pressão Arterial


De acordo com a equação hidráulica, a pressão arterial (PA) é dire-
tamente proporcional ao produto do fluxo sangüíneo (débito car-
díaco, DC) pela resistência à passagem do sangue através das arte-
~
ríolas pré-capilares (resistência vascular periférica, RVP): Renina

PA = De x RVP J

Fisiologicamente, tanto em indivíduos normais quanto nos hi-


pertensos, a pressão arterial é mantida pela regulação contínua do
débito cardíaco e da resistência vascular periférica, exercida em três Fig. 11.1 Locais anatômicos de controle da pressão arterial.
locais anatômicos (Fig. 11.1): arteríolas, vê nulas pós-capilares (va-
sos de capacitância) e coração. Um quarto local anatômico de con-
trole, o rim, contribui para a manutenção da pressão arterial ao de uma postura em decúbito para a postura ereta. Os neurônios
regular o volume do líquido intravascular. Os barorreflexos, medi- simpáticos centrais que surgem da área vasomotora da medula
ados por nervos autônomos, atuam em combinação com mecanis- oblonga são tonicamente ativos. Os barorreceptores caróticos são
mos humorais, incluindo o sistema de renina-angiotensina-aldos- estimulados pelo estiramento das paredes vasculares produzido
terona, coordenando a função desses quatro locais de controle e pela pressão interna (pressão arterial). A ativação dos barorrecep-
mantendo a pressão arterial normal. Por fim, a liberação local de
tores inibe a descarga simpática central. Por outro lado, a redu-
hormônios do endotélio vascular também pode estar envolvida na ção do estiramento determina uma diminuição na atividade ba-
regulação da resistência vascular. Por exemplo, o óxido nítrico (ver
rorreceptora. Assim, no caso de uma transição para a postura ere-
Capo 19) dilata os vasos sangüíneos, enquanto a endotelina-1 (ver
ta, os barorreceptores percebem a redução da pressão arterial, que
Capo 17) causa a sua constrição.
resulta do acúmulo de sangue nas veias abaixo do nível do coração,
A pressão arterial em um paciente hipertenso é controlada pelos
como uma redução do estiramento das paredes, liberando a ini-
mesmos mecanismos que atuam nos indivíduos normotensos. A
bição da descarga simpática. O aumento reflexo na descarga sim-
regulação da pressão arterial nos hipertensos difere daquela de in-
pática atua através das terminações nervosas, aumentando a resis-
divíduos sadios, pelo fato de que os barorreceptores e os sistemas
tência vascular periférica (constrição das arteríolas) e o débito
de controle renais de volume sangüíneo-pressão parecem estar "ajus-
cardíaco (estimulação direta do coração e constrição dos vasos de
tados" em um nível mais elevado de pressão arterial. Todas as dro-
gas anti-hipertensivas atuam ao interferir nesses mecanismos nor- capacitância, o que aumenta o retorno venoso ao coração), res-
taurando, assim, a pressão arterial normal. O mesmo barorrefle-
mais, que são revistos a seguir.
xo atua em resposta a qualquer evento capaz de baixar a pressão
A. BARORREFLEXO POSTURAL (FIG. 11.2) arterial, incluindo redução primária na resistência vascular peri-
férica (por exemplo, causada por um fármaco vasodilatador) ou
Os barorreflexos são responsáveis por ajustes rápidos, de momento redução do volume intravascular (por exemplo, devido à hemor-
a momento, na pressão arterial, como, por exemplo, na transição ragia ou à perda de sal e de água pelos rins).

2. Núcleo do trato solitário

Tronco
Fibra sensitiva
encefálico

Pressão arterial

Medula
espinhal
4. Gânglio 5. Terminação
autônomo nervosa simpática

Fig. 11.2 Arco reflexo barorreceptor.


FÁRMACOS ANTI-HIPERTENSIVOS / 137

B. RESPOSTA RENAL À REDUÇÃO DA PRESSÃO ARTERIAL ainda que modesta, produz redução da pressão arterial (mesmo que
em graus variáveis) em muitos indivíduos hipertensos.
Ao controlar o volume sangüíneo, o rim é o principal responsável
pelo controle a longo prazo da pressão arterial. Assim, uma redu-
Mecanismos de Ação e Efeitos
ção da pressão de perfusão renal determina a redistribuição intra-
Hemodinâmicos dos Diuréticos
renal do fluxo sangüíneo, com aumento na reabsorção de sal e de
água. Além disso, tanto a diminuição da pressão nas arteríolas re- Os diuréticos reduzem a pressão arterial, sobretudo ao produzir
nais quanto a redução da atividade neural simpática (através dos
depleção das reservas corporais de sódio. Inicialmente, reduzem a
receptores ~-adrenérgicos) estimulam a produção de renina, o que
pressão arterial ao diminuir o volume sangüíneo e o débito cardía-
aumenta a produção de angiotensina II (ver Fig. 11.1 e Capo 17). A
co; pode ocorrer aumento da resistência vascular periférica. Depois
angiotensina II causa: (1) constrição direta dos vasos de resistência e de 6-8 semanas, o débito cardíaco normaliza-se, enquanto a resis-
(2) estimulação da síntese de aldosterona no córtex renal, aumentan-
tência vascular periférica declina. Acredita-se que o sódio possa
do a absorção renal de sódio e o volume sangüíneo intravascular. A
contribuir para a resistência vascular, ao aumentar a rigidez dos vasos
vasopressina liberada da neuro-hipófise também desempenha um
e a reatividade neural, o que está possivelmente relacionado a um
papel na manutenção da pressão arterial em virtude de sua capacida-
aumento da troca de sódio-cálcio, com conseqüente aumento do
de de regular a reabsorção de água pelo rim (ver Capo 17).
cálcio intracelular. Esses efeitos são revertidos pelos diuréticos ou
pela restrição de sódio.
Alguns diuréticos exercem efeitos vasodilatadores diretos, além
de sua ação diurética. A indapamida é um diurético não-tiazídico
I. FARMACOLOGIA BÁSICA DOS do grupo das sulfonamidas, com atividade tanto diurética quanto
FÁRMACOS ANTI-HIPERTENSIVOS vasodilatadora. Em conseqüência da vasodilatação, o débito cardí-
aco permanece inalterado ou aumenta levemente. A amilorida ini-
be as respostas do músculo liso a estímulos contráteis, provavelmente
Todos os agentes anti-hipertensivos atuam em um ou mais dos através de efeitos sobre o movimento transmembranoso de cálcio e
quatro locais anatômicos de controle mostrados na Fig. 11.1, pro- intracelular, que independem de sua ação sobre a excreção de sódio.
duzindo seus efeitos ao interferir nos mecanismos normais de re-
Os diuréticos são eficazes para reduzir a pressão arterial em 10-
gulação da pressão arterial. Uma classificação útil desses fármacos 15 mm Hg na maioria dos pacientes e, quanto utilizados isolada-
consiste em dividi-Ios de acordo com o principal local regulador ou
mente, proporcionam freqüentemente um tratamento adequado
mecanismo sobre o qual atuam (Fig. 11.3). Em virtude de seu
para a hipertensão essencial leve ou moderada. Nos casos mais gra-
mecanismo de ação comum, as drogas em cada categoria tendem a
ves de hipertensão, os diuréticos são utilizados em associação com
produzir um espectro semelhante de toxicidades. As categorias in-
agentes simpaticoplégicos e vasodilatadores para controlar a tendên-
cluem as seguintes:
cia à retenção de sódio causada por esses fármacos. A responsivida-
(1) Diuréticos, que reduzem a pressão arterial através da deple- de vascular - isto é, a capacidade de constrição ou de dilatação -
ção do sódio COtPOtal, diminuição do volume sangüíneo e, talvez, é diminuída pelas drogas simpaticoplégicas e vasodilatadoras, de
outros mecanismos. modo que a vasculatura comporta-se como um tubo rígido. Em
(2) Agentes simpaticoplégicos, que baixam a pressão arterial conseqüência, a pressão torna-se enormemente sensível ao volume
através da redução da resistência vascular periférica, inibição da sangüíneo. Assim, nos casos de hipertensão grave, quando são uti-
função cardíaca e aumento do acúmulo venoso de sangue nos va- lizados múltiplos fármacos, a pressão arterial pode ser bem contro-
sos de capacitância. (Os dois últimos efeitos reduzem o débito car- lada quando o volume sangüíneo estiver dentro de 95% do nor-
díaco.) Essas drogas são ainda subdivididas de acordo com seus mal; porém, torna-se demasiado elevada, se o volume sangüíneo
supostos locais de ação no arco reflexo simpático (ver adiante). atingir 105% do normal.
(3) Vasodilatadores diretos, que reduzem a pressão ao relaxar o
músculo liso vascular, dilatando, assim, os vasos de resistência e- Uso dos Diuréticos
em graus variáveis - aumentando também a capacitância.
(4) Agentes que bloqueiam a produção ou a ação da angioten- Os locais de ação no rim e a farmacocinética de diversos agentes
sina e, portanto, reduzem a resistência vascular periférica e (poten- diuréticos são discutidos no Capo 15. Os diuréticos tiazídicos mos-
cialmente) o volume sangüíneo. tram-se apropriados para a maioria dos pacientes com hipertensão
leve ou moderada e normalidade da função renal e cardíaca. São
O fato de esses grupos de fármacos atuarem por diferentes me-
necessários diuréticos mais potentes (como, por exemplo, os que
canismos permite a associação de drogas de dois ou mais grupos com
atuam sobre a alça de Henle) na hipertensão grave, quando são
aumento da eficácia e, em alguns casos, diminuição da toxicidade.
(Ver o Boxe: Monoterapia Versus Polifarmácia na Hipertensão.) utilizados múltiplos fármacos com propriedades de retenção de
sódio; na insuficiência renal, quando a taxa de filtração glomerular
é inferior a 30 ou 40 mL/min; e na insuficiência cardíaca ou cirro-
FÁRMACOS QUE ALTERAM O se, em que a retenção de sódio é acentuada.
EQUILíBRIO DE SÓDIO E DE ÁGUA Os diuréticos poupadores de potássio são úteis tanto para evitar
a depleção excessiva de potássio, particularmente em pacientes que
Sabe-se, há muitos anos, que a restrição dietética de sódio diminui fazem uso de digitálicos, quanto para aumentar os efeitos natriuré-
a pressão arterial em pacientes hipertensos. Com o advento dos ticos de outrOS diuréticos.
diuréticos, a restrição de sódio passou a ser considerada menos Algumas características farmacocinéticas da hidroclorotiazida,
importante. Entretanto, hoje em dia, existe um consenso geral de bem como as suas doses iniciais e de manutenção habituais, estão
que o controle dietético da pressão arterial constitui uma medida indicadas no Quadro 11.1. Apesar de os diuréticos tiazídicos serem
terapêutica relativamente atóxica, que até mesmo pode ser preven- mais natriuréticos em doses mais elevadas (até 100-200 mg de hi-
tiva. Diversos estudos mostraram que a restrição dietética de sódio, droclorotiazida), quando utilizados como fármacos isolados, a ad-
138 I FARMACOLOGIA

Centro vasomotor

Metildopa
Clonidina
Guanabenzo
Guanfacina

Terminações nervosas simpáticas


Guanetidina
Guanadrel
Reserpina

Gânglios simpáticos
Receptores i3 cardfacos Trimetafan
Propranolol e outros
i3-bloqueadores

Receptores de angiotensina Receptores C< dos vasos Músculo liso vascular


dos vasos
Prazosina e outros Hidralazina Verapamil e outros
Losartan e outros bloqueadores C<1 Minoxidil bloqueadores dos
bloqueadores dos N~roprussiato canais de cálcio
receptores de Diazóxido Fenoldopam
angiotensina

Receptores i3 de células
justaglomerulares que
Túbulos renais liberam renina
Tiazfdicos etc. Propranolol e outros
i3-bloqueadores

Enzima
conversora de
angiotensina Renina
Angiotensina 1I----'1(---Angiotensina I c Angiotensinogênio

t
Captoprii e outros
inibidores da ECA

Fig. 11.3 Locais de ação das principais classes de agentes anti-hipertensivos.

ministração de doses mais baixas (25-50 mg) exerce efeito anti-hiper- e podem precipitar a gota. O uso de doses baixas minimiza esses
tensivo tão acentuado quanto as doses mais altas. Em contraste com efeitos metabólicos adversos, sem comprometer a ação anti-hiper-
os tiazídicos, a resposta da pressão arterial aos diuréticos de alça tensiva. Vários estudos de controle de casos relataram um risco
continua aumentando com doses muitas vezes acima da dose tera- pequeno, porém significativo, de carcinoma de células renais asso-
pêutica habitual. ciado ao uso de diuréticos.

Toxicidade dos Diuréticos


FÁRMACOS QUE ALTERAM A
No tratamento da hipertensão, a depleção de potássio constitui o
efeito adverso mais comum dos diuréticos (exceto os diuréticos FUNÇÃO DO SISTEMA NERVOSO
poupadores de potássio). Embora graus leves de hipocalemia sejam SIMPÁTICO
bem tolerados por muitos pacientes, a hipocalemia pode ser peri-
gosa em indivíduos em uso de digitálicos, naqueles que apresentam Em pacientes com hipertensão moderada a grave, os esquemas far-
arritmias crônicas ou que sofreram infarto agudo do miocárdio ou macológicos mais eficazes incluem um fármaco que inibe a ação do
que possuem disfunção ventricular esquerda. A perda de potássio sistema nervoso simpático. As drogas nesse grupo são classificadas
está associada à reabsorção de sódio, de modo que a restrição da de acordo com o local em que comprometem o arco reflexo simpá-
ingestão dietética de sódio irá minimizar a perda de potássio. Os tico (Fig. 11.2). Essa classificação neuroanatômica explica as dife-
diuréticos também podem causar depleção de magnésio, compro- renças proeminentes nos efeitos cardiovasculares das drogas e per-
meter a tolerância à glicose e aumentar as concentrações séricas de mite ao médico prever as interações dessas drogas entre si e com
lipídios. Os diuréticos aumentam as concentrações de ácido úrico outros fármacos.
FÁRMACOS ANTI-HIPERTENSIVOS / 139

Quadro 11.1 Características farmacocinéticas e doses de fármacos anti-hipertensivos orais selecionados

Redução da
Faixa Posológica Dose Necessária
Biodisponibilidade Dose Inicial de Manutenção na Insuficiência
Fármaco Meia-vida (h) (porcentagem) Sugerida Habitual Renal Moderada'

Atenolol 6 60 50 mg/dia 50-100 mg/dia Sim


.....................

Captopril 2,2 65 50-75 mg/dia 75-150 mg/dia Sim

Clonidina 8-12 95 0,2 mg/dia 0,2-1,2 mg/dia Sim

Guanetidina 5 dias 3-50 10 mg/dia 25-50 mg/dia Sim

Hidralazina 25 100 mg/dia 40-200 mg/dia Não

Hidroclorotiazida 12 70 25 mg/dia 25-50 mg/dia Não

Lisinopril 12 25 10 mg/dia 10-80 mg/dia Sim


.........................
Losartan 36 50 mg/dia 2,5-100 mg/dia Não

Metildopa 2 25 1 g/dia 1-2 g/dia Não

M.inoxidil 4 90 5-10 mg/dia 40 mg/dia Não

Nifedipina 2 50 30 mg/dia 30-90 mg/dia Não

Prazosina 3-4 70 3 mg/dia 10- 30 mg/dia Não

Propranolol 3-6 25 80 mg/dia 80-480 mg/dia Não

Reserpina 24-48 NA 0,25 mg/dia 0,25 mg/dia Não

Verapamil 4-6 22 180 mg/dia 240-480 mg/dia Não

'Depuração da creatinina :,. 30 mUmin. Muitos desses farmacos exigem ajuste da dose se a depuraçao da creatinina cair para menos de 30 mUmin.
'O metabólitoativo do losartan apresenta meia-vida de 3-4 horas.

o aspecto mais importante é que as subclasses de drogas apre- tor. Por conseguinte, as ações anti-hipertensivas e tóxicas dessas dro-
sentam diferentes padrões de toxicidade porencial. Os fármacos que gas geralmente dependem menos da postura do que dos efeitos de
reduzem a pressão arterial através de suas ações sobre o sistema drogas que amam diretamente sobre neurônios simpáticos periféricos.
nervoso central tendem a causar sedação e depressão mental, po- A metildopa (L-a-metil-3,4-diidroxifenilalanina) é um análogo
dendo produzir distúrbios do sono, incluindo pesadelos. As drogas da L-dopa, que é convertida em a-metildopamina e a-metilnora-
que atuam ao inibir a transmissão através dos gânglios autônomos drenalina; essa via é diretamente paralela à síntese de noradrenali-
produzem toxicidade, devido à inibição da regulação parassimpáti- na a partir da dopa, ilustrada na Fig. 6.5. A a-metilnoradrenalina é
ca, além de um bloqueio simpático profundo. As drogas que am- armazenada em vesículas de nervos adrenérgicos, onde substimi
am principalmente ao diminuir a liberação de noradrenalina das estequiometricamente a noradrenalina, sendo liberada pela estimu-
terminações nervosas simpáticas produzem efeitos que se asseme- lação nervosa para interagir com receptores adrenérgicos pós-sináp-
lham aos da simpatectomia cirúrgica, incluindo inibição da ejacu- ticos. Entretanto, essa substituição da noradrenalina por um falso
lação e hipotensão que aumenta com a posmra ereta e após o exer- transmissor nos neurônios periféricos não é responsável pelo efeito
cício. Os fármacos que bloqueiam os receptores adrenérgicos pós- anti-hipertensivo da metildopa, visto que a a-metilnoradrenalina
sinápticos produzem um espectro mais seletivo de efeitos, depen- liberada é um agonista eficaz nos receptores a-adrenérgicos que
dendo da classe de receptores aos quais se ligam. medeiam a constrição simpática periférica das artedolas e vênulas.
Por fim, convém assinalar que todos os agentes que reduzem a A estimulação elétrica direta dos nervos simpáticos em animais tra-
pressão arterial ao alterar a função simpática podem produzir efei- tados com metildopa produz respostas simpáticas semelhantes àque-
tos compensatórios através de mecanismos que não dependem dos las observadas em animais não-tratados.
nervos adrenérgicos. Assim, o efeito anti-hipertensivo desses fárma- Com efeito, a ação anti-hipertensiva da metildopa parece ser de-
cos, quando utilizados isoladamente, pode ser limitado pela reten- vida à estimulação dos receptores a-adrenérgicos centrais pela a-
ção de sódio pelos rins e expansão do volume sangüíneo. Por esses metilnoradrenalina ou a-metildopamina, com base nas seguintes evi-
motivos, os agentes anti-hipertensivos simpaticoplégicos são mais dências: (1) São necessárias doses muito mais baixas de metildopa para
eficazes quando utilizados concomitantemente com um diurético. reduzir a pressão arterial em animais quando a droga é administrada
centralmente por injeção intraventricular cerebral do que por via
DROGAS SIMPATICOPLÉGICAS DE AÇÃO intravenosa. (2) Os antagonistas dos receptores a, sobretudo os an-
CENTRAL tagonistas al-seletivos, quando administrados centralmente, bloquei-
am o efeito anti-hipertensivo da metildopa, seja ela administrada
Mecanismos e Locais de Ação centralmente ou por via intravenosa. (3) Os inibidores potentes da
dopa descarboxilase, quando administrados centralmente, bloqueiam
Esses fármacos reduzem a descarga simpática dos centros vasopresso- o efeito anti-hipertensivo da metildopa, mostrando, assim, que o
res no tronco encefálico, mas permitem que esses centros conservem metabolismo da droga original no sistema nervoso central é necessá-
ou até mesmo aumentem a sua sensibilidade ao controle barorrecep- no para a sua ação.
140 / FARMACOLOGIA

A ação anti-hipertensiva da clonidina, um derivado 2-imidazo- Farmacocinética e Posologia


línico, foi descoberta enquanto se testava a droga para uso como
descongestionante nasal de aplicação tópica. As características farmacocinéticas da metildopa estão relaciona-
Após injeção intravenosa, a clonidina produz uma breve eleva- das no Quadro 11.1. A metildopa penetra no cérebro através de
ção da pressão arterial, seguida de hipotensão mais prolongada. A um transportador de aminoácidos aromáticos. Uma dose oral de
resposta pressora é devida à estimulação direta dos receptores a- metildopa produz seu efeito anti-hipertensivo máximo em 4-6 ho-
adrenérgicos nas arteríolas. A droga é classificada como agonista ras, podendo o efeito persistir por um período de até 24 horas.
parcial dos receptores a, visto que ela rambém inibe os efeitos pres- Como o efeito depende do acúmulo e armazenamento de um
sores de outros agonistas a. metabólito (a a-metilnoradrenalina) nas vesículas das terminações
Evidências consideráveis indicam que o efeito hipotensor da clo- nervosas, a ação persiste após desaparecimento da droga original
nidina é exercido sobre os receptores a-adrenérgicos na medula da circulação.
oblonga. Nos animais, o efeito hipotensor da clonidina é impedido
pela administração central de antagonistas a. A clonidina reduz o Toxicidade
tônus simpático e aumenta o tônus parassimpático, resultando em
diminuição da pressão arterial e bradicardia. A redução da pressão O efeito indesejável mais freqüente da metildopa consiste em seda-
é acompanhada de um declínio nos níveis circulantes de catecola- ção franca, particularmente no início do tratamento. Com a tera-
minas. Essas observações sugerem que a clonidina sensibiliza os pia a longo prazo, os pacientes podem queixar-se de cansaço men-
centros pressores do tronco encefálico à inibição por barorreflexos. tal persistente e comprometimento da concentração mental. Podem
Assim, os estudos da clonidina e da metildopa sugerem que a ocorrer pesadelos, depressão mental, vertigem e sinais extrapirami-
regulação normal da pressão arterial envolve neurônios adrenérgi- dais, apesar de serem relativamente raros. Tanto em homens quan-
cos centrais que modulam os reflexos barorreceptores. Tanto a clo- to em mulheres tratados com metildopa, pode ocorrer lactação as-
nidina quanto a a-metilnoradrenalina ligam-se mais firmemente aos sociada a um aumento da secreção de prolactina. Essa toxicidade é
receptores a2-adrenérgicos do que aos aI' Conforme assinalado no provavelmente mediada por uma ação inibitória sobre os mecanis-
Capo 6, os receptores a2 estão localizados em neurônios adrenérgi- mos dopaminérgicos no hipotálamo.
cos pré-sinápticos, bem como em alguns locais pós-sinápticos. É Outros efeitos adversos importantes da metildopa consistem na
possível que a clonidina e a a-metilnoradrenalina atuem no cére- obtenção de um teste de Coombs positivo (que ocorre em 10-20%
bro ao diminuir a liberação de noradrenalina nos sítios receptores dos pacientes tratados durante mais de 12 meses), que algumas vezes
relevantes. Alternativamente, essas drogas podem atuar sobre os dificulta a realização de uma reação cruzada para transfusão e rara-
receptores a2-adrenérgicos pós-sinápticos, inibindo a atividade de mente está associada a anemia hemolítica, bem como a hepatite e
neurônios apropriados. Por fim, a clonidina liga-se também a um febre medicamentosa. A interrupção da droga geralmente resulta
sítio não-receptor adrenérgico, o receptor de imidazolina, que tam- na regressão imediata dessas anormalidades.
bém pode mediar efeitos anti-hipertensivos.
A metildopa e a clonidina produzem efeitos hemodinâmicos CLONIDINA
levemente diferentes: a clonidina diminui mais a freqüência cardí-
aca e o débito cardíaco do que a metildopa. Essa diferença sugere Os estudos hemodinâmicos realizados indicam que a redução da
que os dois fármacos não possuem o mesmo local de ação. Podem pressão arterial pela clonidina decorre de uma diminuição do débi-
atuar principalmente sobre diferentes populações de neurônios nos to cardíaco, devido à freqüência cardíaca diminuída e ao relaxamento
centros vasomotores do tronco encefálico. dos vasos de capacitância, com redução da resistência vascular peri-
O guanabenzo e a guanfacina são drogas anti-hipertensivas de férica, sobretudo quando os pacientes estão em posição ereta (quan-
ação central, que compartilham os efeitos da clonidina na estimu- do o tônus simpático normalmente está aumentado).
lação dos receptores a-adrenérgicos centrais. Não parecem ofere- A redução da pressão arterial pela clonidina é acompanhada de
cer qualquer vantagem em relação à clonidina. diminuição da resistência vascular renal e manutenção do fluxo
sangüíneo renal. À semelhança da metildopa, a clonidina reduz a
METILDOPA pressão arterial em decúbito e apenas raramente provoca hipoten-
são postural. Os efeitos pressores da clonidina não são observados
A metÍldopa mostra-se útil no tratamento da hipertensão leve a após a ingestão de doses terapêuticas da droga, mas a superdosa-
moderadamente grave. Baixa a pressão arterial, principalmente ao gem pode ser complicada por hipertensão grave.
diminuir a resistência vascular periférica, com redução variável na
freqüência cardíaca e no débito cardíaco.
A maioria dos reflexos cardiovasculares permanece intacta após
a administração de metildopa, e a redução da pressão arterial não
depende tanto da manutenção da postura ereta. Algumas vezes,
ocorre hipotensão postural (ortostática), particularmente nos paci-
entes com depleção de volume. Uma vantagem potencial da metil-
dopa é que ela causa redução da resistência vascular renal. Clonidina

Farmacocinética e Posologia
As características farmacocinéticas típicas da clonidina estão indi-
cadas no Quadro 11.1.
n-Metildopa A clonidina é lipossolúvel e penetra rapidamente no cérebro a
(CH3 = grupo ,,·metilal partir da circulação. Devido à sua meia-vida relativamente curta e
FÁRMACOS ANTI-HIPERTENSIVOS / 141

ao fato de que seu efeito anti-hipertensivo está diretamente relaci- FÁRMACOS BLOQUEADORES DOS
onado com a concentração sangüínea, a clonidina oral deve ser NEURÔNIOS ADRENÉRGICOS
administrada duas vezes ao dia, para manter um controle uniforme
da pressão arterial. Entretanto, ao contrário da metildopa, a curva Essas drogas reduzem a pressão arterial, ao interromper a liberação
de dose-resposta da clonidina é tal que as doses crescentes são mais fisiológica normal de noradrenalina dos neurônios simpáticos pós-
eficazes (porém, também mais tóxicas). ganglionares.
Dispõe-se também de uma preparação transdérmica de clonidi-
na, que reduz a pressão arterial durante sete dias após uma única GUANETIDINA
aplicação. Essa preparação parece produzir menos sedação do que
os comprimidos de clonidina; todavia, está freqüentemente associ- A guanetidina, em doses suficientemente altas, pode produzir sim-
ada a reações cutâneas locais. patoplegia profunda. Em virtude de sua elevada eficácia máxima, a
guanetidina tornou-se a base da terapia ambulatorial da hiperten-
Toxicidade são grave durante muitos anos. Pela mesma razão, a guanetidina
pode produzir todos os efeitos tóxicos esperados da "simpatecto-
o ressecamento da boca e a sedação são freqüentes e podem ser mia farmacológica", incluindo hipotensão postural pronunciada,
intensos. Ambos os efeitos são mediados centralmente, dependem diarréia e distúrbio da ejaculação. Em virtude desses efeitos adver-
da dose e coincidem cronologicamente com o efeito anti-hiperten- sos, a guanetidina é, hoje em dia, raramente utilizada.
sivo do fármaco.
A clonidina não deve ser administrada a pacientes que correm NH

risco de depressão mental, e a sua administração deve ser inter- H II


rompida se ocorrer depressão durante a terapia. O tratamento con-
comitante com antidepressivos tricíclicos pode bloquear o efeito O-CH2-CH2-N-r NH2

anti-hipertensivo da clonidina. Acredita-se que a interação seja Guanetídina


devida às ações bloqueadoras dos agentes tricíclicos nos recepto-
res a-adrenérgicos A guanetidina é excessivamente polar para penetrar no sistema
A interrupção da clonidina após uso prolongado, particular- nervoso central. Em conseqüência, ela carece dos efeitos centrais
mente em doses altas (mais de 1 mg/dia), pode resultar em crise observados em muitos dos outros fármacos anti-hipertensivos des-
hipertensiva potencialmente fatal, mediada por um aumento da critos neste capítulo.
atividade nervosa simpática. Os pacientes apresentam nervosismo,
O guanadrel é uma droga semelhante à guanetidina, que tam-
taquicardia, cefaléia e sudorese após a omissão de uma ou duas bém é disponível nos Estados Unidos. A betanidina e a debriso-
doses do fármaco. Embora não se conheça a incidência da crise quina, que são agentes anti-hipertensivos não disponíveis para uso
hipertensiva grave, ela é alta o suficiente para exigir que todos os clínico nos Estados Unidos, assemelham-se à guanetidina no seu
pacientes em uso de clonidina sejam cuidadosamente avisados mecanismo'de ação anti-hipertensiva.
quanto a essa possibilidade. Se houver necessidade de interrom-
per a droga, a suspensão deve ser feita de modo gradual, enquan-
Mecanismo e Locais de Ação
to se introduz outro agente anti-hipertensivo em seu lugar. O tra-
tamento da crise hipertensiva consiste em reinstituição da terapia A guanetidina inibe a liberação de noradrenalina das terminações
com clonidina ou administração de agentes bloqueadores dos re- nervosas simpáticas (Fig. 11.4). Esse efeito é provavelmente respon-
ceptores a e ~-adrenérgicos. sável pela maior parte da simpatoplegia que ocorre nos pacientes.
A guanetidina é transportada através da membrana dos nervos sim-
FÁRMACOS BLOQUEADORES páticos pelo mesmo mecanismo que transporta a própria noradre-
GANGLIONARES nalina (captação 1), sendo a captação essencial para a ação da dro-
ga. Após penetrar o nervo, a guanetidina concentra-se em vesículas
Historicamente, as drogas que bloqueiam a estimulação dos neu- transmissoras, onde substitui a noradrenalina. Em virtude de subs-
rônios autônomos pós-ganglionares pela acetilcolina estavam entre tituir a noradrenalina, a droga causa depleção gradual das reservas
os primeiros fármacos utilizados no tratamento da hipertensão. A de noradrenalina na terminação nervosa.
maioria dessas drogas não está mais disponível clinicamente, devi- A inibição da liberação de noradrenalina é provavelmente cau-
do aos efeitos tóxicos intoleráveis relacionados à sua ação primária sada pelas propriedades anestésicas locais da guanetidina sobre
(ver adiante). as terminações nervosas simpáticas. Apesar de a droga não com-
Os bloqueadores ganglionares bloqueiam competitivamente os prometer a condução axonal nas fibras simpáticas, pode ocorrer
receptores colinérgicos nicotínicos dos neurônios pós-ganglionares bloqueio local da atividade elétrica da membrana nas termina-
nos gânglios tanto simpáticos quanto parassimpáticos. Além disso, ções nervosas, visto que elas captam especificamente a droga e a
essas drogas podem bloquear diretamente o canal de acetilcolina concentram.
nicotínico, de maneira idêntica aos bloqueadores nicotínicos neu- Como a captação neuronal é necessária para a atividade hipo-
romusculares (ver Fig. 27.5). tens ora da guanetidina, as drogas que bloqueiam o processo de cap-
Os efeitos adversos dos bloqueadores ganglionares consistem tação das catecolaminas ou que deslocam aminas da terminação
nas extensões diretas de seus efeitos farmacológicos. Esses efeitos nervosa (ver Capo 6) bloqueiam seus efeitos. Essas drogas incluem
incluem tanto simpatoplegia (hipotensão ortostática excessiva e a cocaína, a anfetamina, os antidepressivos tricíclicos, as fenotiazi-
disfunção sexual) quanto parassimpatoplegia (constipação, reten- nas e a fenoxibenzamina.
ção urinária, precipitação de glaucoma, visão turva, boca seca A guanetidina aumenta a sensibilidade aos efeitos hipertensivos
etc.). Essas toxicidades graves constituíram o principal motivo de aminas simpaticomiméticas administradas exogenamente. Isso
para o abandono dos bloqueadores ganglionares na terapia da hi- resulta da inibição da captação neurona! dessas aminas e, após tra-
pertensão. tamento prolongado com guanetidina, da supersensibilidade das
142 / FARMACOLOGIA

G 3. A cocafna e os ATC bloqueiam


o transporte de G através da membrana

Varicosldade
noradrenérgica ou
terminação nervosa

"~- ~ 2. vesfculas
A
dasG reservas
desloca NE das
e causa depleção

Canal
de Na+

1. A G bloqueia a liberação
Fenda
fisiológica de NE
juncional

Fig. 11.4 Ações da guanetidina e interações farmacológicas envolvendo o neurônio adrenérgico. (G, guanetidina; NE, noradrenalina;
ATe, antidepressivos tricíclicos.)

células musculares lisas efetoras, de modo análogo ao processo que mesmo choque franco. Nos homens, a simpatoplegia induzida pela
ocorre após simpatectomia cirúrgica (ver Capo 6). guanetidina pode estar associada a uma ejaculação tardia ou retrógrada
A ação hipotensora da guanetidina no início da terapia está associ- (na bexiga). A guanetidina causa comumente diarréia, em conseqüên-
ada a uma redução do débito cardíaco, devido à bradicardia e ao rela- cia do aumento da motilidade gastrintestinal devida ao predomínio pa-
xamento dos vasos de capacitância. Com a terapia crônica, a resistên- rassimpático no controle da atividade do músculo liso intestinal.
cia vascular periférica diminui. A retenção compensatória de sódio e As interações com ouuos fármacos podem complicar a terapia com
de água pode ser pronunciada durante a terapia com guanetidina. guanetidina. Os agentes simpaticomiméticos, nas doses disponíveis
em preparações conua o resfriado adquiridas sem receita médica,
Farmacocinética e Posologia podem produzir hipertensão nos pacientes em uso de guanetidina.
De forma semelhante, a guanetidina pode produzir crise hipertensi-
Em virtude de sua meia-vida longa (5 dias) o início da sim pato ple- va através da liberação de catecolaminas nos pacientes portadores de
gia é gradual (efeito máximo dentro de 1-2 semanas), e a simpato- feocromocitoma. Quando são administrados antidepressivos tricícli-
plegia persiste por um período comparável de tempo após a inter- cos a pacientes em uso de guanetidina, o efeito anti-hipertensivo da
rupção da terapia. Normalmente, a dose não deve ser aumentada a droga é atenuado, podendo ocorrer hipertensão grave.
intervalos de menos de 2 semanas.
RESERPINA
Toxicidade
A reserpina, um alcalóide extraído das raízes de uma planta india-
o uso terapêutico da guanetidina está &eqüentemente associado a hi- na, Rauwoifia serpentina, foi uma das primeiras drogas eficazes uti-
potensão postural sintomática e hipotensão após exercício, sobretudo lizadas em grande escala no tratamento da hipertensão. Atualmen-
quando o fármaco é administrado em altas doses, e pode produzir uma te, é considerada uma droga eficaz e relativamente segura para tra-
redução perigosa do fluxo sangüíneo para o coração e o cérebro, ou até tamento de casos de hipertensão leve a moderada.

o
I
CH3
Reserpioa
FÁRMACOS ANTI-HIPERTENSIVOS / 143

Mecanismo e Locais de Ação pítulo, iremos nos concentrar em duas drogas-protótipo, o propra-
nolol e a prazosina, principalmente no que concerne a seu uso no
A reserpina bloqueia a capacidade de captação e armazenamento das tratamento da hipertensão. Outros antagonistas dos receptores adre-
aminas biogênicas pelas vesículas transmissoras aminérgicas, prova- nérgicos serão considerados apenas de modo sucinto.
velmente ao interferir num mecanismo de captação que depende de
Mg2+ e ATP (Fig. 6.4, transportador B). Esse efeito é observado em PROPRANOLOL
todo o corpo, resultando em depleção de noradrenalina, dopamina e
serotonina em neurônios tanto centrais quanto periféricos. Ocorre O propranolol foi o primeiro bloqueado r 13cuja eficácia foi reco-
também depleção das catecolaminas dos grânulos cromafins da me- nhecida na hipertensão e cardiopatia isquêmica. Na atualidade, sabe-
dula supra-renal, embora em menor grau do que nas vesículas dos se que todos os agentes bloqueadores dos receptores 13-adrenérgi-
neurônios. Os efeitos da reserpina sobre as vesículas adrenérgicas cos são muito úteis para reduzir a pressão arterial na hipertensão
parecem ser irreversíveis; quantidades muito pequenas da droga per- leve a moderada. Na hipertensão grave, os bloqueadores 13mostram-
manecem ligadas às membranas vesiculares durante muitos dias. se particularmente úteis para impedir a taquicardia reflexa que ocorre
Embora a reserpina administrada em doses suficientemente altas a freqüentemente em conseqüência do tratamento com vasodilata-
animais possa reduzir as reservas de catecolaminas para zero, as doses dores diretos. Foi constatado que os bloqueadores 13reduzem a taxa
mais baixas causam inibição da neurotransmissão, que é aproxima- de mortalidade em pacientes com insuficiência cardíaca, podendo
damente proporcional ao grau de depleção de aminas. ser particularmente valiosos no tratamento da hipertensão nessa
A depleção das aminas periféricas é provavelmente responsável população (ver Capo 13).
por grande parte do efeito anti-hipertensivo benéfico da reserpina,
embora não se possa afastar um componente central. Os efeitos de Mecanismo e Locais de Ação
doses baixas, porém clinicamente eficazes, assemelham-se àqueles
de fármacos de ação central (por exemplo, metildopa), uma vez que A eficácia do propranolol no tratamento da hipertensão e a maio-
os reflexos simpáticos permanecem, em grande parte, intactos; a ria de seus efeitos tóxicos resultam de bloqueio 13não-seletivo. O
pressão arterial é reduzida tanto em decúbito quanto na posição propranolol diminui a pressão arterial, principalmente em decor-
ereta, e a hipotensão postural é leve. A reserpina penetra facilmente rência de uma redução do débito cardíaco. Outros bloqueadores 13
no cérebro e a depleção das reservas cerebrais de aminas provoca podem diminuir o débito cardíaco ou reduzir em vários graus a
sedação, depressão mental e sintomas de parkinsonismo. resistência vascular periférica, dependendo da cardiosseletividade e
Nas doses mais baixas empregadas para o tratamento da hiper- das atividades agonistas parciais.
tensão leve, a reserpina diminui a pressão arterial através de uma O bloqueio 13no cérebro, no rim e em neurônios adrenérgicos
redução do débito cardíaco e da resistência vascular periférica. periféricos foi proposto como fator contribuinte para o efeito anti-
hipertensivo observado com os bloqueadores dos receptores 13.A
Farmacocinética e Posologia despeito das evidências conflitantes, parece pouco provável que o
cérebro seja o local primário da ação hipotensora desses fármacos,
Ver Quadro 11.1. visto que alguns 13-bloqueadores que não atravessam facilmente a
barreira hematoencefálica (como, por exemplo, o nadolol, descrito
Toxicidade adiante) são, mesmo assim, agentes anti-hipertensivos eficazes.
O propranolol inibe a estimulação da produção de renina pelas
Nas doses baixas habitualmente administradas, a reserpina produz catecolaminas (mediada pelos receptores 131)'É provável que o efeito
pouca hipotensão postural. A maior parte dos efeitos indesejáveis do propranolol se deva, em parte, à depressão do sistema de renina-
da reserpina decorre de suas ações sobre o cérebro ou o trato gas- angiotensina-aldosterona. Apesar de ser mais eficaz para pacientes com
trintestinal. atividade elevada da renina plasmática, o propranolol também reduz
A reserpina em doses elevadas provoca tipicamente sedação, fa- a pressão arterial em pacientes hipertensos com atividade da renina
diga, pesadelos e intensa depressão mental; em certas ocasiões, es- normal ou até mesmo baixa. É possível que os 13-bloqueadores tam-
ses efeitos são observados até mesmo nos pacientes em uso de doses bém atuem sobre os receptores 13-adrenérgicos pré-sinápticos, redu-
baixas (0,25 mg/dia). Com muito menos freqüência, a reserpina nas zindo a atividade nervosa simpática vasoconstritora.
doses baixas habituais produz efeitos extrapiramidais que se asse- Em casos de hipertensão leve a moderada, o propranolol pro-
melham aos da doença de Parkinson, provavelmente em conseqüên- duz uma redução significativa da pressão arterial, sem hipotensão
cia da depleção de dopamina no corpo estriado. Embora esses efei- postural proeminente.
tos centrais sejam incomuns, convém ressaltar que eles podem ocor-
rer a qualquer momento, mesmo depois de vários meses de trata-
Farmacocinética e Posologia
mento sem incidentes. Os pacientes com história de depressão
mental não devem receber reserpina, e a droga deve ser interrom- Ver o Quadro 11.1. A bradicardia em repouso e a redução da fre-
pida, caso apareça depressão. qüência cardíaca durante o exercício constituem indicadores do
Com bastante freqüência, a reserpina provoca diarréia leve e efeito 13-bloqueador do propranolol. As medidas dessas respostas
cólicas gastrintestinais, além de aumentar a secreção gástrica de podem ser empregadas como diretrizes para regular a posologia. O
ácido. A droga provavelmente não deve ser administrada a pacien- propranolol pode ser administrado uma ou duas vezes ao dia.
tes com história de úlcera péptica.
Toxicidade
ANTAGONISTAS DOS RECEPTORES
ADRENÉRGICOS . Os principais efeitos tóxicos do propranolol resultam do bloqueio
dos receptores 13cardíacos, vasculares ou brônquicos e são descri-
A farmacologia das drogas que antagonizam as catecolaminas nos tos com mais detalhes no Capo 10. Dessas extensões previsíveis da
receptores ae 13-adrenérgicos é apresentada no Capo 10. Neste ca- ação 13-bloqueadora, as mais importantes ocorrem em pacientes com
144 / FARMACOLOGIA

bradicardia ou doença de condução cardíaca, asma, insuficiência Reduzem a pressão arterial ao diminuir a resistência vascular, e
vascular periférica e diabete. parecem deprimir menos o débito cardíaco ou a freqüência cardía-
Quando se suspende o propranolol depois de seu uso regular ca do que outros [3-bloqueadores, talvez devido a efeitos agonistas
prolongado, alguns pacientes apresentam uma síndrome de absti- significativamente maiores do que os efeitos antagonistas nos re-
nência, que se manifesta por nervosismo, taquicardia, aumento da ceptores [3z. Isso pode ser particularmente benéfico para pacientes
intensidade da angina ou elevação da pressão arterial. Foi rei arada com bradiarritmias ou doença vascular periférica. As doses diárias
a ocorrência de infarto do miocárdio em alguns pacientes. Apesar de pindolol começam com 10 mg; de acebutolol, com 400 mg; e
de a incidência dessas complicações ser provavelmente baixa, não de pembutolo\' com 20 mg.
se deve suspender abruptamente o uso do propranolo!. A síndrome
de abstinência pode envolver uma supra-regulação ou supersensi- 4. Labetalol e Carvedilol
bilidade dos receptores [3-adrenérgicos.
O labetalol é formulado numa mistura racêmica de quatro isô-
OUTROS FÁRMACOS BLOQUEADORES DOS meros (possui dois centros de assimetria). Dois desses isômeros
RECEPTORES BETA-ADRENÉRGICOS - os isômeros (5,5) e (R,5) - são inativos; um terceiro (5,R) é
um potente bloqueado r a, e o último (R,R) é um potente blo-
Dentre o grande número de [3-bloqueadores testados, foi constata- queador [3. Acredita-se que o isômero [3-bloqueador possua ação
da a eficácia da maioria na redução da pressão arterial. As proprie- agonista [32-seletiva e antagonista [3 não-seletiva. A relação do an-
dades farmacológicas de vários desses agentes diferem daquelas do tagonismo [3:a do labetalol é de 3: 1 após administração oral. A
propranolol em certos aspectos que podem conferir benefícios te- . redução da pressão arterial deve-se à diminuição da resistência vas-
rapêuticos em determinadas situações clínicas. cular sistêmica, sem alteração significativa na freqüência cardíaca
ou no débito cardíaco. Em virtude de sua atividade a e [3-bloque-
1. Metoprolol adora combinada, o labetalol mostra-se útil no tratamento da hi-
pertensão do feocromocitoma e nas emergências hipertensivas. As
o metoprolol é aproximadamente equipotente ao propranolol na doses orais diárias de labetalol variam de 200 a 2.400 mg/dia. O
inibição da estimulação dos receptores [31-adrenérgicos, como aque- labetalol é administrado em injeções intravenosas repetidas de 20-
les existentes no coração, porém tem uma potência 50 a 100 vezes 80 mg na forma de "bolo" para o tratamento das emergências hi-
menor do que o propranolol no bloqueio dos receptores [32'Apesar pertenSlvas.
de o metoprolol ser muito semelhante ao propranolol em outros O carvedilo\' à semelhança do labetalo\' é administrado como
aspectos, sua cardiosseletividade relativa pode ser vantajosa no tra- mistura racêmica. O isômero S( -) é um bloqueador dos recepto-
tamento de pacientes hipertensos que também são portadores de res [3-adrenérgicos não-seletivo, enquanto ambos os isômeros S( - )
asma, diabete ou doença vascular periférica. Estudos de pequenos e R( +) possuem potência a-bloqueadora aproximadamente igua!.
números de pacientes asmáticos mostraram que o metoprolol pro- Os isômeros são metabolizados estereosseletivamente no fígado, o
voca menos consrrição brônquica do que o propranolol em doses que significa que as suas meias-vidas de eliminação podem diferir.
que produzem inibição igual das respostas dos receptores [31-adre- A meia-vida média é de 7-10 horas. A dose inicial habitual de car-
nérgicos. Entretanto, a cardiosseletividade não é completa, e o vedilol para a hipertensão comum é de 6,25 mg, duas vezes ao dia.
metoprolol tem exacerbado os sintomas asmáticos. As doses anti-
hipertensivas habituais de metoprolol variam de 100 a 450 mg/ dia. 5. Esmolol

2. Nadolol, Carteolol, Atenolol, Betaxolol e O esmolol é um bloqueador [31-seletivo, que é rapidamente meta-
Bisoprolol bolizado por esterases eritrocitárias através de sua hidrólise. Possui
meia-vida curta (9 minutos) e é administrado na forma de infusão
o nadolol e o carteolo\' antagonistas não-seletivos dos receptores intravenosa constante. Em geral, o esmolol é administrado numa
[3, e o atenolo\' um bloqueado r [3l-seletivo, não são apreciavel- dose de ataque (0,5-1 mg/kg), seguida de infusão constante. Tipi-
mente metabolizados e são excretados, em grau considerável, na camente, a infusão é iniciada com 50-150 ILg/kg/min, sendo a dose
urina. O betaxolol e o bisoprolol são bloqueadores [3l-seletivos, aumentada a cada 5 minutos, até 300 ILg/kg/min, de acordo com a
que são metabolizados primariamente no fígado, mas que apre- necessidade de atingir o efeito terapêutico desejado. O esmolol é
sentam meias-vidas prolongadas. Essas drogas podem ser admi- utilizado no controle da hipertensão intra e pós-operatória e, algu-
nistradas uma vez ao dia, devido à sua meia-vida plasmática rela- mas vezes, para emergências hipertensivas, particularmente quan-
tivamente longa. Em gera\' o nadolol é iniciado numa dose de 40 do a hipertensão está associada à taquicardia.
mg/dia; o atenolol, numa dose de 50 mg/dia; o carteolo\' numa
dose de 2,5 mg/ dia; o betaxolo\' 10 mg/ dia; e o bisoprolo\' 5 mg/ PRAZOSINA E OUTROS BLOQUEADORES' ALFA1
dia. Os aumentos efetuados nas doses para obter um efeito tera-
pêutico satisfatório não devem ser feitos a intervalos de menos de Mecanismo e Locais de Ação
quatro ou cinco dias. Os pacientes com redução da função renal
devem receber doses correspondentemente reduzidas de nadolo\' A prazosina, a terazosina e a doxazosina produzem a maior parte de
carteolol e atenolo!. Afirmou-se que o atenolol produz menos efei- seu efeito anti-hipertensivo através do bloqueio dos receptores ai
tos relacionados ao sistema nervoso central do que outros anta- nas arteríolas e vênulas. A seletividade pelos receptores aI pode
gonistas [3 mais lipossolúveis. explicar a razão pela qual esses fármacos produzem menos taqui-
cardia reflexa do que os antagonistas a não-seletivos, como a fen-
3. Pindolol, Acebutolol e Pembutolol tolamina. Essa seletividade quanto ao receptor permite à noradre-
nalina exercer uma retroalimentação negativa (mediada por recep-
O pindolo\' o acebutolol e o pembutolol são agonistas parciais, isto tores az pré-sinápticos) sem qualquer oposição sobre a sua própria
é, [3-bloqueadores com atividade simpaticomimética intrínseca. liberação (ver Capo 6). Em contraste, a fentolamina bloqueia os re-
FÁRMACOS ANTI-HIPERTENSIVOS / 145

ceptares a tanto pré-sinápticos quanto pós-sinápticos, de modo que hipertensivas; e os bloqueadores dos canais de cálcio, usados em
a estimulação reflexa dos neurônios simpáticos produz maior libe- ambas as circunstâncias.
ração do transmissor nos receptores ~ e cardioaceleração correspon- O Capo 12 fornece uma análise geral dos vasodilatadores. To-
dentemente maior. dos os vasodilatadores úteis na hipertensão relaxam a musculatura
Os bloqueadores a reduzem a pressão arterial através da dilata- lisa das arteríolas, diminuindo, assim, a resistência vascular sistê-
ção dos vasos de resistência e de capacitância. Como seria de espe- mica. O nitroprussiato de sódio também relaxa as veias. A dimi-
rar, a pressão arterial é reduzida mais na posição ortostática do que nuição da resistência arterial e da pressão arterial média desenca-
em decúbito dorsal. Ocorre retenção de sal e de líquido quando essas deia respostas compensatórias, que são mediadas por barorrecepto-
drogas são administradas sem diurético. Esses fármacos são mais res e pelo sistema nervoso simpático (Fig. 11.5), bem como pela
eficazes quando utilizados em associação com outros fármacos, como renina, angiotensina e aldosterona. Como os reflexos simpáticos
um ~-bloqueador ou um diurético, do que quando administrados estão intactos, a terapia vasodilatadora não provoca hipotensão or-
isoladamente. tostática nem disfunção sexual.
Os vasodilatadores atuam melhor em associação com outras
Farmacocinética e Posologia drogas anti-hipertensivas que se opõem às respostas cardiovascula-
res compensatórias. (Ver Boxe: Monoterapia Versus Polifarmácia na
As características farmacocinéticas da prazo sina são apresentadas no Hipertensão.)
Quadro 11.1. A terazosina também é extensamente metabolizada,
mas sofre muito pouco metabolismo de primeira passagem e pos- HIDRALAZINA
sui meia-vida de 12 horas. A doxazosina apresenta biodisponibili-
dade intermediária e meia-vida de 22 horas. A hidralazina, um derivado da hidrazina, dilata as arteríolas, mas
Com freqüência, a terazosina pode ser administrada uma vez ao não as veias. Está disponível há muitos anos, embora, a princípio,
dia, em doses de 5-20 mg/dia. Em geral, a doxazosina é adminis- se tenha acreditado que não era particularmente eficaz, devido ao
trada uma vez ao dia, começando com 1 mg/dia e progredindo até rápido desenvolvimento de taquifilaxia aos efeitos hipertensivos.
4 mg/dia ou mais, quando necessário. Apesar de o tratamento a Hoje em dia, os benefícios da terapia associada já são reconheci-
longo prazo com esses a-bloqueadores causar relativamente pouca dos, e a hidralazina pode ser utilizada com mais eficiência, particu-
hipotensão postural, diversos pacientes sofrem uma queda abrupta larmente na hipertensão grave.
da pressão arterial na posição ereta, pouco depois da absorção da
primeira dose. Por esse motivo, a primeira dose deve ser pequena e
administrada ao deitar. Embora o mecanismo desse fenômeno de
primeira dose não esteja bem esclarecido, ele é observado mais co-
mumente em pacientes com depleção de sal e de volume.
À exceção do fenômeno de primeira dose, os efeitos tóxicos re-
latados dos bloqueadores aI são relativamente infreqüentes e le-
ves. Incluem tonteira, palpitações, cefaléia e fadiga. Alguns paci- Hidralazina

entes apresentam teste positivo para o fator antinuclear sé rico du-


rante a terapia com prazosina; todavia, esse achado não tem sido
Farmacocinética e Posologia
associado a sintomas reumáticos. Os bloqueadores aI não afetam
adversamente os perfis dos lipídios plasmáticos e até mesmo po- A hidralazina é bem absorvida e rapidamente metabolizada pelo
dem ter um efeito benéfico sobre eles; todavia, não foi constata- fígado durante a sua primeira passagem, de modo que a biodispo-
do que essa ação possa conferir qualquer benefício em termos de nibilidade é baixa (25%, em média) e variável de um indivíduo para
resultados clínicos.
outro. É metabolizada, em parte, por acetilação, numa taxa que
parece apresentar distribuição bimodal na população (ver Capo 4).
OUTROS FÁRMACOS BLOQUEADORES DOS Em conseqüência, nos acetiladores rápidos, a hidralazina apresenta
RECEPTORES ALFA-ADRENÉRGICOS maior metabolismo de primeira passagem, menor biodisponibili-
dade e produz menos benefício anti-hipertensivo em determinada
Os bloqueadores aI-seletivos em fase de investigação incluem o dose do que nos acetiladores lentos. A meia-vida da hidralazina varia
pinacidil, o urapidil e a cromacalima. Os fármacos não-seletivos, de 2 a 4 horas, porém os efeitos vasculares parecem persistir por mais
fentolamina e fenoxibenzamina, são úteis no diagnóstico e trata- tempo do que as concentrações sangüíneas, possivelmente devido
mento do feocromocitoma, bem como em outras situações clínicas à ligação ávida ao tecido vascular.
associadas a uma liberação exagerada de catecolaminas (por exem- A posologia habitual varia de 40 a 200 mg/dia. A dose mais alta
plo, pode-se associar a fentolamina ao propranolol no tratamento foi escolhida como aquela em que existe uma pequena probabili-
da síndrome de abstinência da clonidina descrita anteriormente).
dade de desenvolvimento de síndrome semelhante ao lúpus erite-
Sua farmacologia é apresentada no Capo 10.
matoso, descrita na próxima seção. Entretanto, as doses mais eleva-
das resultam em maior vaso dilatação e podem ser prescritas, se ne-
VASODILATADORES cessário. A administração do fármaco duas ou três vezes ao dia pro-
porciona um controle uniforme da pressão arterial.

Mecanismo e Locais de Ação


Toxicidade
A essa classe de drogas pertencem os vasodilatadores orais, hidrala-
zina e minoxidil, utilizados na terapia ambulatorial a longo prazo Os efeitos adversos mais comuns da hidralazina consistem em ce-
da hipertensão; os vasodilatadores parenterais, nitroprussiato, dia- faléia, náusea, anorexia, palpitações, sudorese e rubor. Em pacien-
zóxido e fenoldopam, utilizados no tratamento das emergências tes com cardiopatia isquêmica, a taquicardia reflexa e a estimula-
146 / FARMACOLOGIA

FÁRMACOS
VASODILATADORES

~
Diminuição da
resistência
vascular
sistêmica

~
Diminuição (;\ Diminuição da Aumento da
darenal
excreção pressão •• descarga
de c ~
arterial do sistema nervoso
sódio

~ _ simpático
Aumentada
liberação
de renina

l Aumento da Aumento da Aumento da Diminuição da


Aumento da Aumento da resistência freqüência contratilidade capacitância

,
Retenção de sódio,
aumento do volume
"d~"ro",~ '~Io"",i"," • ~ro~c)=
T~~
Elevação da
••• pressão ••
Aumento do
débito
plasmático arterial cardíaco

Fig. 11.5 Respostas compensatórias a vasodilatadores; base da terapia de associação a (3-bloqueadores e diuréticos. (j) Efeito bloqueado
por diuréticos. @ Efeito bloqueado por (3-bloqueadores.

MONOTERAPIA VERSUS POLI FARMÁCIA NA HIPERTENSÃO


---- -- -- -- -- .. -- -- --- -- --- .. -- ----- -- -- .•.-_ --- .•. ------- --- -- --- .•. ---- ------------ -- .

A monoterapia da hipertensão (tratamento com uma única dro- pática para o coração) aumenta o efeito anti-hipertensivo do dis-
ga) tornou-se mais popular, visto que a obediência ao tratamento túrbio da regulação por outro mecanismo (resistência vascular pe-
tende a ser melhor, e, em alguns casos, os efeitos adversos são riférica). Por fim, em algumas circunstâncias, verifica-se uma res-
menores. Entretanto, a hipertensão moderada a grave ainda é co- posta compensatória normal que é responsável pela toxicidade de
mumente tratada com uma associação de dois ou mais fármacos, um agente anti-hipertensivo, podendo esse efeito tóxico ser evi-
atuando cada um deles através de um mecanismo diferente (po- tado pela administração de um segundo tipo de droga. No caso
lifarmácia). A base racional da polifarmácia reside no fato de que da hidralazina, a taquicardia compensatória e o aumento do dé-
cada uma das drogas atua sobre um conjunto de mecanismos re- bito cardíaco podem precipitar angina em pacientes com ateros-
guladores para a manutenção da pressão arterial, que se intera- clerose coronária. A adição do (3-bloqueador e do diurético pode
gem e são mutuamente compensatórios (ver Figs. 6.7 e 11.1). impedir essa toxicidade em muitos pacientes.
Por exemplo, como uma dose adequada de hidralazina pro- Na prática, quando a hipertensão não responde adequada-
duz redução significativa da resistência vascular periférica, haverá mente ao esquema de apenas uma droga, adiciona-se uma se-
inicialmente uma queda da pressão arterial média, desencadean- gunda droga de classe diferente, com mecanismo de ação dis-
do acentuada resposta na forma de taquicardia compensatória e tinto e padrão diferente de toxicidade. Se a resposta ainda for
retenção de sal e de água (Fig. 11.5). O resultado consiste em au- inadequada, e a obediência ao tratamento for reconhecidamente
mento do débito cardíaco, capaz de reverter quase por completo satisfatória, pode-se adicionar uma terceira droga. As drogas que
o efeito da hidralazina. A adição de um (3-bloqueador impede a têm menor probabilidade de ser bem-sucedidas como monote-
taquicardia; a adição de um diurético (por exemplo, hidrocloroti- rapia são os vasodilatadores hidralazina e minoxidil. Ainda não
azida) impede a retenção de sal e de água. Com efeito, todas as foi totalmente esclarecido por que outros vasodilatadores, como
três drogas aumentam a sensibilidade do sistema cardiovascular os bloqueadores dos canais de cálcio, produzem respostas com-
às ações de cada uma das outras drogas. Por conseguinte, o com- pensatórias menos pronunciadas para o mesmo grau de redu-
prometimento parcial de um mecanismo regulador (descarga sim- ção da pressão arterial.
FÁRMACOS ANTI-HIPERTENSIVOS / 147

ção simpática podem provocar angina ou arritmias isquêmicas. Com ação ocorre em conseqüência da ativação da guanilil ciclase, através
o uso de doses de 400 mg/dia ou mais, verifica-se uma incidência da liberação de óxido nítrico ou através da estimulação direta da
de 10-20% - principalmente em indivíduos que acetilam lenta- enzima. Em conseqüência, ocorre aumento do cGMP intracelular,
mente a droga - de uma síndrome caracterizada por artralgia, relaxando o músculo liso vascular.
mialgia, erupções cutâneas e febre, que se assemelha ao lúpus erite- N a ausência de insuficiência cardíaca, a pressão arterial diminui,
matoso. A síndrome não está associada à lesão renal e é revertida devido à redução da resistência vascular, enquanto o débito cardí-
com a suspensão da hidralazina. A neuropatia periférica e a febre . aco não é alterado, ou diminui ligeiramente. Em pacientes com
medicamentosa constituem outros efeitos adversos graves, porém insuficiência cardíaca e baixo débito cardíaco, o aumento do débi-
raros. to freqüentemente resulta da redução da pós-carga.

MINOXIDIL

o minoxidil é um vaso dilatado r muito eficaz e ativo por via oral.


O efeito parece resultar da abertura dos canais de potássio nas mem-
branas musculares lisas pelo sulfato de minoxidil, o metabólito ati-
vo. Essa ação estabiliza a membrana em seu potencial de repouso e
torna menos provável a contração. À semelhança da hidralazina, o
minoxidil dilata as arteríolas, mas não as veias. Em virtude de seu
maior efeito anti-hipertensivo potencial, o minoxidil deve substi-
tuir a hidralazina nos casos em que esta última, quando adminis-
trada em doses máximas, não é eficaz, ou nos pacientes com insu- cw
ficiência renal e hipertensão grave, que não respondem adequada- Nitroprussiato
mente à hidralazina.

Farmacocinética e Posologia
O nitroprussiato é um complexo de ferro, grupos cianeto e com-
ponente nitroso. É rapidamente metabolizado através de sua cap-
tação nos eritrócitos, com liberação de cianeto. Por sua vez, o cianeto
é metabolizado pela enzima mitocondrial rodanase, na presença de
doador de enxofre, em tiocianato menos tóxico. O tiocianato é dis-
tribuído no líquido extracelular e lentamente eliminado pelo rim.
O nitroprussiato reduz rapidamente a pressão arterial, porém seus
efeitos desaparecem dentro de 1-10 minutos após a suspensão do
fármaco. É administrado por infusão intravenosa. O nitroprussia-
Minoxidil
to de sódio em solução aquosa é sensível à luz; portanto, deve ser
preparado logo antes de cada administração e coberto com papel
Farmacocinética e Posologia de alumínio opaco. As soluções de infusão devem ser mudadas de-
pois de várias horas. Tipicamente, a terapia é iniciada com uma dose
Os parâmetros farmacocinéticos do minoxidil estão relacionados no de 0,5 fLg/kg/min, que pode ser aumentada até 10 fLg/kg/min, se
Quadro 11.1. necessário, para o controle da pressão arterial. As velocidades mai-
O uso do minoxidil está associado a uma estimulação simpática ores de infusão, se forem mantidas por mais de uma hora, podem
reflexa e a uma retenção de sódio e de líquido em maior grau do resultar em efeitos tóxicos. Em virtude de sua eficácia e do rápido
que com a hidralazina. O minoxidil deve ser utilizado em associa- início de seu efeito, o nitroprussiato deve ser administrado através
ção a um ~-bloqueador e um diurético de alça. de uma bomba de infusão, sendo a pressão arterial continuamente
monitorizada através de registro intra-arterial.
Toxicidade
Toxicidade
Observa-se a ocorrência de taquicardia, palpitações, angina e ede-
ma, quando são utilizadas doses inadequadas de ~-bloqueadores e Além da excessiva redução da pressão arterial, a toxicidade mais grave
diuréticos. A cefaléia, a sudorese e o hirsutismo, que é particular- está relacionada ao acúmulo de cianeto; em conseqüência disso, foi
mente incômodo nas mulheres, são relativamente comuns. O mi- relatada a ocorrência de acidose metabólica, arritmias, hipotensão
noxidil ilustra como a toxicidade numa pessoa pode transformar- excessiva e morte. Em alguns casos, a ocorrência de efeitos tóxicos
se em terapia para outra pessoa. Atualmente, o minoxidil tópico após doses relativamente baixas de nitroprussiato sugere um defei-
(Rogaine) é utilizado como estimulante do crescimento capilar para to no metabolismo do cianeto. A administração de tiossulfato de
correção da calvície. sódio como doador de enxofre facilita o metabolismo do cianeto.
A hidroxicobalamina combina-se com o cianeto, formando ciano-
NITROPRUSSIATO DE SÓDIO cobalamina atóxica. Ambos têm sido indicados para a profilaxia ou
o tratamento do envenenamento por cianeto durante a infusão de
O nitroprussiato de sódio é um poderoso vasodilatador adminis- nitroprussiato. O tiocianato pode acumular-se durante a adminis-
trado por via parenteral, utilizado no tratamento de emergências tração prolongada, geralmente por uma semana ou mais, sobretu-
hipertensivas, bem como na insuficiência cardíaca grave. O nitro- do em pacientes com insuficiência renal que não excretam o
prussiato dilata os vasos tanto arteriais quanto venosos, produzin- tiocianato em taxa normal. A toxicidade do tiocianato manifesta-
do redução da resistência vascular periférica e do retorno venoso. A se na forma de fraqueza, desorientação, psicose, espasmos muscu-
148 / FARMACOLOGIA

lares e convulsões, e o diagnóstico é confirmado pelo achado de e é utilizado no tratamento da hipoglicemia secundária ao insuli-
concentrações séricas acima de 10 mgl dL. Raramente, ocorre hi- noma. Em certas ocasiões, o uso do fármaco é complicado por hi-
potireoidismo tardio, devido à inibição da captação de iodeto pela perglicemia, sobretudo em indivíduos com insuficiência renal.
tireóide causada pelo tiocianato. Foi também relatada a ocorrência Ao contrário dos diuréticos tiazídicos estruturalmente relacio-
de metemoglobinemia durante a infusão de nitroprussiato. nados, o diazóxido provoca retenção renal de sal e de água. Entre-
tanto, isso raramente representa um problema, visto que o fármaco
DIAZÓXIDO é apenas utilizado por curtos períodos de tempo.

o diazóxido é um dilatador arteriolar eficaz e de ação relativamen- FENOLDOPAM


te longa, administrado por via parenteral, que é utilizado algumas
vezes no tratamento de emergências hipertensivas. A injeção de O fenoldopam é um dilatado r arteriolar periférico mais moderno
diazóxido resulta em rápida queda da resistência vascular sistêmica para uso em emergências hipertensivas e na hipertensão pós-opera-
e da pressão arterial média, associada à taquicardia significativa e tória. Atua primariamente como agonista dos receptores D}-dopa-
ao aumento do débito cardíaco. Estudos sobre o mecanismo do mínicos, resultando em dilatação das artérias periféricas e natriure-
diazóxido sugerem que o fármaco impede a contração do músculo se. O produto comercial consiste numa mistura racêmica, em que
vascular ao abrir os canais de potássio e estabilizar o potencial de a atividade farmacológica é mediada pelo (R)-isômero.
membrana em repouso. O fenoldopam é rapidamente metabolizado, principalmente por
conjugação. Possui meia-vida de 10 minutos. A droga é adminis-
trada por infusão intravenosa contínua. O fenoldopam é iniciado
em baixa dose (0,1 J.1g/kg/min), que é então titulada a cada 15 ou
20 minutos, até uma dose máxima de 1,6 J.1g/kg/min ou a obten-
ção da redução desejada da pressão arterial.
A exemplo de outros vasodilatadores diretos, os principais efei-
Diazóxido tos tóxicos consistem em taquicardia reflexa, cefaléia e rubor. O
fenoldopam também aumenta a pressão intra-ocular e deve ser evi-
tado em pacientes com glaucoma.
Farmacocinética e Posologia
o diazóxido é quimicamente semelhante aos diuréticos tiazídicos, BLOQUEADORES DOS CANAIS DE CÁLCIO
porém não tem nenhuma atividade diurética. Liga-se extensamen-
te à albumina sérica e aos tecidos vasculares. O diazóxido é tanto Além de seus efeitos antianginosos (ver Capo 12) e antiarrítmicos
metabolizado quanto excretado de modo inalterado, mas as suas (ver Capo 14), os bloqueadores dos canais de cálcio também dila-
vidas metabólicas ainda não estão bem caracterizadas. Possui meia- tam as arteríolas periféricas e reduzem a pressão arterial. O meca-
vida de cerca de 24 horas, porém a relação entre a concentração nismo de ação na hipertensão (e, em parte, na angina) consiste na
sangüínea e a ação hipotensora não está bem estabelecida. O efeito inibição do influxo de cálcio nas células musculares lisas arteriais.
de redução da pressão arterial após uma injeção rápida está estabe- O verapamil, o diltiazem e a família da diidropiridina (amlo-
lecido dentro de 5 minutos e persiste por 4-12 horas. dipina, felodipina, isradipina, nicardipina, nifedipina e
Quando o diazóxido começou a ser comercializado, recomen- nisoldipina) são todos igualmente eficazes para reduzir a pressão
dava-se uma dose de 300 mg por injeção rápida. Entretanto, pare- arterial. Atualmente, diversas formulações já estão aprovadas para
ce que é possível evitar a ocorrência de hipotensão excessiva ao co- uso nos Estados Unidos. Várias outras estão em fase de estudo. As
meçar com doses menores (50-150 mg). Se necessário, doses de 150 diferenças hemodinâmicas entre os bloqueadores dos canais de cál-
mg podem ser repetidas a cada 5 minutos, até obter uma redução cio podem influenciar a escolha de determinado fármaco. A nifedi-
satisfatória da pressão arterial. Quase todos os pacientes respondem pina e os outros agentes diidropiridínicos são mais seletivos como
a uma quantidade máxima de três ou quatro doses. Alternativamen- vasodilatadores e exercem menos efeito depressor cardíaco do que
te, o diazóxido pode ser administrado por infusão intravenosa, nas o verapamil e o diltiazem. A ativação simpática reflexa, com leve
taxas de 15-30 mg/min. Devido à ligação diminuída às proteínas, taquicardia, mantém ou aumenta o débito cardíaco na maioria dos
ocorre hipotensão após doses mais baixas em indivíduos com insu- pacientes que fazem uso de diidropiridinas. O verapamil é o que
ficiência renal crônica; por conseguinte, devem-se administrar do- apresenta maior efeito depressor sobre o coração, podendo dimi-
ses menores a esses pacientes. Os efeitos hipotensores do diazóxido nuir a freqüência e o débito cardíacos. O diltiazem possui ações in-
também são maiores, se os pacientes forem previamente tratados termediárias. A farmacologia e a toxicidade dessas drogas são dis-
com ~-bloqueadores para evitar a taquicardia reflexa e o aumento cutidas, de modo mais pormenorizado, no Capo 12. As doses de blo-
associado do débito cardíaco. que adores dos canais de cálcio utilizadas no tratamento da hiper-
tensão assemelham-se às recomendadas para tratamento da angina.
Toxicidade Alguns estudos epidemiológicos relataram um aumento no risco de
infarto do miocárdio ou da mortalidade em pacientes em uso de
O efeito tóxico mais significativo do diazóxido tem sido a hipoten- nifedipina de ação curta para tratamento da hipertensão. Embora
são excessiva,em conseqüência da recomendação do uso de uma dose exista ainda alguma controvérsia quanto à causa, recomenda-se que
fixa de 300 mg em todos os pacientes. Essa hipotensão tem produzi- as diidropiridinas de ação curta não sejam utilizadas para a hiper-
do acidentes vasculares cerebrais e infarro do miocárdio. A resposta tensão. Os bloqueadores dos canais de cálcio de liberação prolon-
simpática reflexa pode provocar angina, evidências eletrocardiográfi- gada ou aqueles com meias-vidas longas proporcionam um controle
cas de isquemia e insuficiência cardíaca em pacientes com cardiopa- mais uniforme da pressão arterial e são mais apropriados para o tra-
tia isquêmica, devendo-se evitar o uso de diazóxido nessa situação. tamento da hipertensão crônica. A nicardipina intravenosa é dis-
O diazóxido inibe a liberação de insulina do pâncreas (prova- ponível para o tratamento da hipertensão quando a terapia oral não
velmente ao abrir os canais de potássio na membrana das células ~) é possível, embora o verapamil e o diltiazem por via parenteral pos-
FÁRMACOS ANTI-HIPERTENSIVOS / 149

sam ser utilizados para a mesma indicação. Tipicamente, a nicardi- na rlI estimulam a liberação de aldosterona. A angiotensina pode
pina é administrada na forma de infusão, numa taxa de 2-15 mg/h. contribuir para manter a resistência vascular elevada nos estados
A nifedipina de ação curta oral tem sido utilizada no tratamento de hipertensivos associados a uma atividade elevada da renina plasmá-
emergência da hipertensão grave. tica, como estenose da artéria renal, alguns tipos de doença renal
intrínseca e hipertensão maligna, bem como na hipertensão essen-
INIBIDORES DA ANGIOTENSINA cial, após tratamento com restrição de sódio, diuréticos ou vasodi-
latadores. Todavia, até mesmo nos estados hipertensivos com bai-
xos níveis de renina, esses fármacos podem reduzir a pressão arteri-
Embora ainda haja controvérsia quanto ao papel etiológico da re-
al (ver adiante).
nina, da angiotensina e da aldosterona na hipertensão essencial,
parece haver diferenças na atividade desse sistema entre os indiví- Existe um sistema paralelo para produção de angiotensina em
vários outros tecidos (por exemplo, coração), que pode ser respon-
duos. Cerca de 20% dos pacientes com hipertensão essencial apre-
sentam uma atividade da renina plasmática inapropriadamente sável por alterações tróficas, como hipertrofia cardíaca. A enzima
baixa, enquanto 20% apresentam uma atividade excessivamente alta. conversora envolvida na síntese tecidual de angiotensina II também
A pressão arterial de pacientes hipertensos com renina elevada res- é inibida pelos inibidores da ECA.
ponde de modo satisfatório a bloqueadores dos receptores l3-adre- Duas classes de drogas atuam especificamente sobre o sistema
nérgicos, que reduzem a atividade da renina plasmática, e a inibi- de renina-angiotensina: os inibidores da ECA e os inibidores com-
dores da angiotensina - apoiando o conceito de que o excesso de petitivos da angiotensina no nível de seus receptores, incluindo 10-
renina e angiotensina nessa população desempenha um papel. sartan e outros antagonistas não-peptídicos e o peptídio saralasina.
(A saralasina não é mais utilizada clinicamente.)

Mecanismo e Locais de Ação


INIBI DORESDA ENZIMA CONVERSORA DE
A liberação de renina pelo córtex renal é estimulada pela redução ANGIOTENSINA (ECA)
da pressão arterial renal, estimulação neural simpática e diminui-
ção do aporte de sódio ou aumento da concentração de sódio no o captapril (ver Fig. 17.2) e outras drogas nessa classe inibem a
túbulo renal distal (ver Capo 17). A renina atua sobre o angiotensi- enzima conversora peptidil dipeptidase, que hidrolisa a angiotensi-
nogênio, clivando o decapeptídio inativo, a angiotensina r. A se- na r em angiotensina II e (com a designação de cininase plasmáti-
guir, a angiotensina r é convertida, primariamente pela ECA endo- cal inativa a bradicinina, um potente vasodilatador, que atua, pelo
telial, no octapeptídio vasoconsrritor arterial, a angiorensina II (Fig. menos em parte, ao estimular a liberação de óxido nítrico e de pros-
11.6) que, por sua vez, é convertida em angiotensina rlI na glându- taciclina. A atividade hipotensora do captopril resulrade uma ação
la supra-renal. A angiotensina II possui atividade vasoconstritora e inibitória sobre o sistema de renina-angiotensiná: e de uma ação
de retenção de sódio. Tanto a angiotensina II quanto a angiotensi- estimulante sobre o sistema de calicreína (Fig. 11.6). Este último

Angiotensinogênio

j~
Angiotensina I
-----~ ••
- Aumento da
síntese de
prostaglandinas

Enzima conversora
(cininase 11)

0=} Angiotensina II Inativa

Vasoconstrição Secreção de Vasodilatação


aldosterona

I
Aumento da resistência Aumento da retenção
I
Diminuição da resistência
vascular periférica de sódio e de água vascular periférica

~/ Elevação da
pressão arterial
j
Redução da
pressão arterial

Fig. 11.6 Locais de ação dos inibidores da ECA e bloqueadores do receptor da angiotensina 11.(j) Local de bloqueio da ECA. @ Local de
bloqueio do receptor.
150 / FARMACOLOGIA

mecanismo foi demonstrado ao verificar-se que um antagonista A bradicinina e a substância P parecem ser responsáveis pela tosse e
experimental do receptor de bradicinina, o icatibant, atenua o efei- pelo angioedema observados com a inibição da ECA.
to de redução da pressão arterial do captopril. O uso dos inibidores da ECA é contra-indicado durante o se-
O enalapril (ver Fig. 17.2) é uma pró-droga, que é convertida gundo e o terceiro trimestres de gravidez, devido ao risco de hipo-
por desesterificação num inibidor da enzima conversora, o tensão fetal, anúria e insuficiência renal, algumas vezes associadas a
enalaprilat, com efeitos semelhantes aos do captopril. O enalaprilat malformações ou morte do feto. O captopril, sobretudo quando
propriamente dito só está disponível para uso intravenoso, sobre- administrado em altas doses a pacientes com insuficiência renal,
tudo para emergências hipertensivas. O lisinopril é um derivado pode causar neutropenia ou proteinúria. Os efeitos tóxicos de me-
de lisina do enalaprilat. O benazepril, o fosinopril, o moexipril, o nor gravidade mais tipicamente observados consistem em alteração
perindopril, o quinapril, o ramipril e o trandolapril são outros do paladar, erupções cutâneas alérgicas e febre medicamentosa, que
membros de ação longa. Todos são pró-drogas, como o enalapril, e podem ocorrer em até 10% dos pacientes. A incidência desses efei-
são convertidos em fármacos ativos por hidrólise, principalmente tos adversos pode ser menor com os inibidores da ECA de ação
no fígado. prolongada.
Os inibidores da angiotensina II produzem redução da pressão As interações farmacológicas importantes incluem aquelas com
arterial, principalmente ao diminuir a resistência vascular periféri- suplementos de potássio ou diuréticos poupadores de potássio, que
ca. Não ocorre alteração significativa do débito cardíaco e da fre- podem resultar em hipercalemia. Os antiinflamatórios não-esterói-
qüência cardíaca. Ao contrário dos vasodilatadores diretos, esses des podem comprometer os efeitos hipotensores dos inibidores da
fármacos não produzem ativação simpática reflexa e podem ser uti- ECA, ao bloquear a vasodilatação mediada pela bradicinina que,
lizados com segurança em indivíduos portadores de cardiopatia is- pelo menos em parte, é mediada pelas prostaglandinas.
quêmica. A ausência de taquicardia reflexa pode ser devida a um
reajuste para baixo dos barorreceptores ou a um aumento da ativi- AGENTES BLOQUEADORES DOS RECEPTORES
dade parassimpática. DE ANGIOTENSINA
Apesar de os inibidores da enzima conversora serem mais efica-
zes em situações associadas a uma atividade elevada da renina plas- O losartan e o valsartan foram os primeiros bloqueadores comer-
mática, não existe uma boa correlação entre a atividade da renina cializados do receptor de angiotensina II tipo 1 (AT1). Mais re-
plasmática e a resposta anti-hipertensiva. Por conseguinte, a deter- centemente, o candesartan, o eprosartan, o irbesartan e o telmi-
minação da renina é desnecessária. sartan foram também aprovados. Não exercem nenhum efeito so-
Os inibidores da ECA desempenham um papel particularmen- bre o metabolismo da bradicinina e, portanto, são bloqueadores
te útil no tratamento de pacientes com nefropatia diabética, visto mais seletivos dos efeitos da angiotensina do que os inibi dores da
que diminuem a proteinúria e estabilizam a função renal (mesmo ECA. Possuem também o potencial de exercer uma inibição mais
na ausência de redução da pressão arterial). Esses benefícios prova- completa da ação da angiotensina, em comparação com os inibi-
velmente resultam da melhora da hemodinâmica intra-renal, com dores da ECA, visto que existem outras enzimas, além da ECA,
diminuição da resistência das artedolas eferentes glomerulares e que são capazes de gerar angiotensina 11. Os parâmetros farmaco-
conseqüente redução da pressão capilar intraglomerular. Os inibi- cinéticos do losartan estão relacionados no Quadro 11.1. Os efeitos
dores da ECA também se mostraram extremamente úteis no trata- adversos assemelham-se àqueles descritos para os inibidores da
mento da insuficiência cardíaca, bem como após infarto do mio- ECA, incluindo risco de uso durante a gravidez. Pode haver tosse
cárdio (ver Capo 13). e angioedema, porém a sua ocorrência é menos comum com os
bloqueadores dos receptores de angiotensina do que com os ini-
bidores da ECA.
Farmacocinética e Posologia
Os parâmetros farmacocinéticos e as recomendações das doses de
captopril são apresentados no Quadro 11.1.
As concentrações máximas de enalaprilat, um metabólito ativo, 11.FARMACOLOGIA CLíNICA DOS
são observadas dentro de 3-4 horas após a administração do enala-
pril. A meia-vida do enalaprilat é de cerca de 11 horas. As doses AGENTES ANTI-HIPERTENSIVOS
típicas de enalapril são de 10-20 mg, uma ou duas vezes ao dia.
O lisinopril tem meia-vida de 12 horas. As doses de 10-80 mg, A hipertensão representa um problema singular na terapêutica. Em
uma vez ao dia, são eficazes na maioria dos pacientes. geral, trata-se de doença permanente, que causa poucos sintomas
Todos os inibidores da ECA, à exceção do fosinopril e do moe- até um estágio avançado. Para um tratamento eficaz, é necessário
xipril, são eliminados primariamente pelos rins; é necessário redu- consumir diariamente medicamentos que podem ser de alto custo
zir as doses desses fármacos em pacientes com insuficiência renal. e que freqüentem ente produzem efeitos adversos. Assim, o médico
deve estabelecer, com certeza, se a hipertensão é persistente e exige
Toxicidade tratamento, e deve excluir as causas secundárias de hipertensão que
poderiam ser tratadas através de procedimentos cirúrgicos definiti-
Pode ocorrer hipotensão grave após a administração inicial de do- vos. A persistência da hipertensão, sobretudo em indivíduos com
ses de qualquer inibido r da ECA a pacientes com hipovolemia de- leve elevação da pressão arterial, deve ser estabelecida pelo achado
vida a diuréticos, restrição de sal ou perda de líquido gastrintesti- de pressão arterial elevada em pelo menos três consultas diferentes.
nal. Outros efeitos adversos comuns a todos os inibidores da ECA A monitorização ambulatorial da pressão arterial pode constituir o
incluem insuficiência renal aguda (particularmente em pacientes melhor indicador de risco e, portanto, da necessidade de tratamen-
com estenose da artéria renal bilateral, ou estenose da artéria renal to na hipertensão leve. A hipertensão sistólica isolada e a hiperten-
de um rim solitário), hipercalemia, tosse seca algumas vezes acom- são em indivíduos idosos também se beneficiam com a terapia.
panhada de sibilos e angioedema. A hipercalemia tem maior ten- Uma vez estabelecida a presença de hipertensão, deve-se consi-
dência a ocorrer em pacientes com insuficiência renal ou diabete. derar a questão da necessidade ou não de tratamento, bem como a
FÁRMACOS ANTI-HIPERTENSIVOS / 151

escolha das drogas a serem utilizadas. O nível de pressão arterial, a na prevenção do acidente vascular cerebral (ALLHA T Collaborati-
idade e o sexo do paciente, a gravidade da lesão orgânica (quando ve Research Group, 2002).
presente) em conseqüência da pressão arterial elevada e a presença Outras escolhas para a monoterapia inicial incluem bloqueado-
de fatores de risco cardiovasculares devem ser todos considerados. res dos receptores de angiotensina, bloqueadores dos canais de cál-
Nesse estágio, o paciente deve ser orientado quanto à natureza da cio, associação de bloqueadores a e f3 (labetalol ou carvedilol) e
hipertensão e importância do tratamento, de modo que possa to- agentes simpatoplégicos centrais (por exemplo, clonidina). Os blo-
mar uma decisão quanto à terapia. queadores a não devem ser considerados terapia de primeira linha
Uma vez tomada a decisão de tratar, deve-se elaborar um esque- (ALLHAT, 2000). A presença de doença concomitante deve influ-
ma terapêutico. A escolha das drogas é determinada pelo nível de enciar a escolha das drogas anti-hipertensivas, visto que duas doen-
pressão arterial, pela presença e gravidade das lesões dos órgãos-alvo ças podem beneficiar-se com o uso de uma única droga. Assim, por
e presença de outras doenças. A pressão arterial elevada e grave com exemplo, os inibidores da ECA são particularmente úreis para pa-
complicações potencialmente fatais exige um tratamento mais rá- cientes diabéticos com evidências de doença renal. Os f3-bloquea-
pido com drogas mais potentes. Entretanto, a maioria dos pacien- dores ou os bloqueadoresdos canais de cálcio são úteis em pacien-
tes com hipertensão essencial apresenta pressão arterial elevada tes que também apresentam angina; os diuréticos, os inibidores da
durante meses ou anos, sendo mais apropriado iniciar a terapia de ECA ou os f3-bloqueadores são úteis em pacientes que rambém
modo gradual. apresentam insuficiência cardíaca; e os bloqueadores aI são valio-
É essencial instruir o paciente sobre a história natural da hiper- sos em homens com hiperplasia prostática benigna. A raça também
tensão e a importância de sua obediência ao tratamento, bem como afeta a escolha das drogas: os negros respondem melhor a diuréti-
sobre os efeitos colaterais potenciais das drogas. As consultas de cos e bloqueadores dos canais de cálcio do que a f3-bloqueadores e
acompanhamento devem ser freqüentes o suficiente para conven- inibidores da ECA. Os chineses são mais sensíveis aos efeitos dos
cer o paciente de que o médico considera grave a doença. A cada f3-bloqueadores e podem exigir doses mais baixas.
consulta de acompanhamento, deve-se reforçar a importância do Se uma única droga não conseguir controlar adequadamente a
tratamento e estimular o paciente a fazer perguntas, particularmente pressão arterial, drogas com diferentes locais de ação podem ser asso-
no que concerne às doses ou aos efeitos colaterais dos medicamen- ciadas para reduzir efetivamente a pressão arterial e, ao mesmo tem-
tos. Outros fatores que podem melhorar a obediência ao tratamen- po, minimizar os efeitos tóxicos ("cuidados por etapas"). Se não for
to consistem em simplificar os esquemas posológicos e fazer com utilizado inicialmente um diurético, ele muitas vezes passa a ser o
que os pacientes procedam à monitorização de sua pressão arterial segundo fármaco escolhido. Se houver necessidade de três drogas, a
em casa. associação de um diurético, um agente simpatoplégico ou um inibi-
dor da ECA e um vasodilatador direto (por exemplo, hidralazina ou
TERAPIA AMBULATORIAL DA HIPERTENSÃO bloqueado r dos canais de cálcio) é freqüentemente eficaz. Nos Esta-
dos Unidos, dispõe-se de associações de drogas em doses fixas con-
A etapa inicial no tratamento da hipertensão pode não ser farma- tendo um f3-bloqueador mais um tiazídico, um inibidor da ECA mais
cológica. Conforme discutido anteriormente, a restrição de sódio um tiazídico, um bloqueado r dos receptores de angiotensina mais um
pode constituir um tratamento eficaz para muitos pacientes com diurético, e um bloqueado r dos canais de cálcio mais um inibidor da
hipertensão leve. A dieta norte-americana média contém cerca de ECA. As associações em doses fixas têm o inconveniente de não per-
200 mEq de sódio por dia. Um objetivo dietético razoável no tra- mitir uma titulação das doses de cada fármaco, porém têm a vanta-
tamento da hipertensão consiste no consumo diário de 70-100 gem de um menor número de comprimidos a tomar, melhorando
mEq de sódio, uma quantidade que pode ser mantida se os ali- potencialmente a obediência do paciente ao tratamento.
mentos não forem salgados durante ou após o seu cozimento, A avaliação da pressão arterial durante as consultas deve incluir
evitando-se a ingestão de alimentos processados contendo gran- a medida da pressão em decúbito, na posição sentada e na posição
des quantidades de sódio. ortostática. Deve-se procurar normalizar a pressão arterial na pos-
Foi constatado que a redução do peso, mesmo sem restrição de tura ou no nível de atividade habituais para o paciente. O recente
sódio, normaliza a pressão arterial em até 75% dos pacientes acima estudo de grande porte Hypertension Optimal Treatmentsugere que
do peso normal com hipertensão leve a moderada. Em alguns estu- o alvo final ideal para a pressão arterial deve ser de 138/83 mm Hg.
dos, mas não em todos eles, verificou-se que a prática regular de A redução da pressão arterial abaixo desse nível não produz nenhum
exercício físico reduz a pressão arterial em pacientes hipertensos. benefício adicional (Hansson et aI., 1998). Todavia, em pacientes
Para o tratamento farmacológico da hipertensão leve, é possível diabéticos, existe uma redução contínua das taxas de eventos com
normalizar a pressão arterial da maioria dos pacientes com uma única pressões arteriais progressivamente mais baixas. Além da não-obe-
droga. Essa "monoterapia" também é suficiente para alguns paci- diência à medicação, as causas de ausência de resposta à terapia far-
entes com hipertensão moderada. Foi constatado que os diuréticos macológica incluem ingestão excessiva de sódio e terapia diurética
tiazídicos, os f3-bloqueadores e os inibidores da ECA reduzem tan- inadequada com volume sangüíneo excessivo (que pode ser medi-
to a morbidade quanto a mortalidade, sendo o seu uso recomenda- do diretamente) e drogas como os antidepressivos tricíclicos, an-
do como terapia farmacológica inicial nesses pacientes. Tem havi- tiinflamatórios não-esteróides, simpaticomiméticos adquiridos sem
do preocupação quanto à possibilidade de os diuréticos aumenta- receita médica, abuso de estimulantes (anfetamina ou cocaína) ou
rem o risco de coronariopatia, ao afetar adversamente o perfil dos doses excessivas de cafeína e anticoncepcionais orais, que podem
lipídios séricos ou ao comprometer a tolerância à glicose, contraba- interferir nas ações de algumas drogas anti-hipertensivas ou podem
lançando, assim, o benefício da redução da pressão arterial. Entre- elevar diretamente a pressão arterial.
tanto, um grande estudo clínico recente comparando diferentes
classes de agentes anti-hipertensivos para terapia inicial constatou TRATAMENTO DAS EMERGÊNCIAS
que a clortalidona (um diurético tiazídico) mostra-se tão eficaz HIPERTENSIVAS
quanto outros agentes na redução da morte por coronariopatia e
infarto do miocárdio não-fatal, sendo superior à amlodipina na Apesar do grande número de pacientes com hipertensão crônica, as
prevenção da insuficiência cardíaca e também superior ao lisinopril emergências hipertensivas são relativamente raras. Entretanto, a ele-
152 / FARMACOLOGIA

vação pronunciada ou súbita da pressão arterial pode constituir uma registro contínuo da pressão arterial. A ingestão e o débito de líqui-
séria ameaça à vida, e indica-se o controle imediato da pressão arteri- dos devem ser monitorizados cuidadosamenre, e o peso corporal
al. Com mais freqüência, ocorrem emergências hipertensivas em pa- medido diariamenre como indicador do volume de líquido corpo-
cientes cuja hipertensão é grave e pouco controlada, bem como na- ral total durante a terapia.
queles que interrompem subitamenre a medicação anri-hipertensiva. São utilizadas medicações anti-hipertensivas parenterais para
baixar rapidamente a pressão arterial (dentro de algumas horas); tão
Manifestações Clínicas e Fisiopatologia logo se obtenha um controle razoável da pressão arterial, deve-se
passar para a terapia anri-hipertensiva oral, visto que permite um
As emergências hipertensivas incluem hipertensão associada a le-
tratamento prolongado mais uniforme da hipertensão. Nas primei-
são vascular (denominada hipertensão maligna) e hipertensão as-
ras horas ou dias, o objetivo do tratamento não consiste em nor-
sociada a complicações hemodinâmicas, como insuficiência cardí-
malizar por completo a pressão arterial, visto que a hipertensão crô-
aca, acidenre vascular cerebral ou aneurisma dissecanre. O proces-
nica está associada a alterações auto-reguladoras no fluxo sangüí-
so patológico subjacenre na hipertensão maligna consiste em arte-
neo cerebral. Por conseguinte, a rápida normalização da pressão
riopatia progressiva, com inflamação e necrose das arteríolas. Ocor-
arterial pode resultar em hipoperfusão e lesão cerebrais. Com efei-
rem lesões vasculares no rim, que libera renina. Por sua vez, a reni-
to, a pressão arterial deve ser reduzida em cerca de 25%, manten-
na estimula a produção de angiotensina e aldosterona, o que au-
do-se a pressão diastólica não inferior a 100-110 mm Hg. Subse-
menra ainda mais a pressão arterial.
qüenremenre, a pressão arterial pode ser reduzida para níveis nor-
A encefalopatia hipertensiva constitui manifestação clássica da
mais, utilizando-se medicações orais durante várias semanas. As
hipertensão maligna. Suas manifestações clínicas incluem cefaléia
drogas mais comumenre empregadas no tratamento das emergên-
inrensa, confusão menral e apreensão. É comum a ocorrência de
cias hipertensivas consistem no vasodilatador nitroprussiato de Só-
visão turva, náuseas, vômitos e déficits neurológicos focais. Se não
for tratada, a síndrome pode evoluir, num período de 12-48 horas, dio. Outras drogas parenrerais que podem ser eficazes incluem fe-
para um quadro de convulsões, torpor, coma e até morte. noldopam, nitroglicerina, labetalol, bloqueadores dos canais de
cálcio, diazóxido e hidralazina. Com freqüência, o esmolol é utili-
Tratamento das Emergências Hipertensivas zado no tratamento da hipertensão intra e pós-operatória. São ad-
ministrados diuréticos, como a furosemida, para impedir a expan-
O tratamenro geral das emergências hipertensivas exige a monito- são do volume, que tipicamenre ocorre durante a administração de
rização do pacienre numa unidade de tratamenro inrensivo, com vasodilatadores potentes.

PREPARAÇÕES DISPONíVEIS

BlOQUEADORES DOS RECEPTORES BETA-ADRENÉRGICOS Oral comprimidos de 10, 20, 40, 60, 80, 90 rrig; solução
Acebutolol (genérico, Sectral) oral a 4,8 mg/mL; Intensol, solução a 80 mg/niL
Oral: cápsulas de 200, 400 mg Oral de liberação prolongada (genérico, Inderal LA) cápsulas
Atenolol (genérico, Tenormin) de 60, 80, 120, 160 mg
Oral: comprimidos de 25,50,100 mg Parenteral: 1 mg/mL para injeção
Timolol (genérico, Blocadren)
Parenteral: 0,5 mg/mL para injeção
Betaxolol (Kerlone) Oral comprimidos de 5, 10, 20 mg
Oral: comprimidos de 10, 20 mg DROGAS SIMPATOPlÉGICAS DE AÇÃO CENTRAL
Bisoprolol (Zebeta)
Clonidina (genérico, Catapres)
Oral: comprimidos de 5, 10 mg
Oral: comprimidos de 0,1, 0,2, 0,3 mg
Carteolol (Cartrol)
Transdérmica (Catapres- TIS): emplastros que liberam 0,1,
Oral: comprimidos de 2,5, 5 mg
0,2, 0,3 mg/24 h
Carvedilol (Coreg)
Guanabenzo (genérico, Wytensin)
Oral: comprimidos de 3,125, 6,25, 12,5, 25 mg
Oral: comprimidos de 4,8 mg
Esmolol (BreviBloc) Guanfacina (Tenex)
Parenteral: 10, 250 mg/mL para injeção Oral: comprimidos de 1, 2 mg
labetalol (genérico, Normodyne, Trandate) Metildopa (genérico)
Oral: comprimidos de 100, 200, 300 mg Oral: comprimidos de 250, 500 mg
Parenteral: 5 mg/mL para injeção Parenteral 50 mg/mL para injeção
Metoprolol (genérico, Lopressor)
Oral: comprimidos de 50, 100 mg BlOQUEADORES DAS TERMINAÇÕES NERVOSAS SIMPÁTICAS PÓS-GANGlIONARES
Oral de liberação prolongada (Toprol-XL): comprimidos de Guanadrel (Hylorel)
25, 50, 100, 200 mg Oral: comprimidos de 10, 25 mg
Parenteral: 1 mg/mL para injeção Guanetidina (Ismelin)
Nadolol (genérico, Corgard) Oral: comprimidos de 10, 25 mg
Oral: comprimidos de 20, 40, 80, 120, 160 mg Reserpina (genérico)
Pembutolol (Levatol) Oral comprimidos de 0,1, 0,25 mg
Oral: comprimidos de 20 mg
Pindolol (genérico, Visken) BLOQUEADORES DOS RECEPTORES ADRENÉRGICOS AlFA1-SElETIVOS
Oral: comprimidos de 5, 10 mg Doxazosina (genérico, Cardura)
Propranolol (genérico, Inderal) Oral: comprimidos de 1, 2, 4, 8 mg

(continua)
FÁRMACOS ANTI-HIPERTENSIVOS / 153

Prazosina (genérico, Minipress) Nisoldipina (Sular)


Oral: cápsulas de 1, 2, 5 mg Oral: comprimidos de liberação prolongada de 10, 20, 30,
Terazosina (genérico, Hytrin) 40 mg
Oral: cápsulas e comprimidos de 1, 2, 5, 10 mg Verapamil (genérico, Calan, Isoptin)
Oral: comprimidos de 40, 80, 120 mg
AGENTES BlOQUEADORES GANGlIONARES Oral de liberação prolongada (genérico, Calan SR, Verelan):
Mecamilamina (Inversine) comprimidos de 120, 180, 240 mg; cápsulas de 100, 120,
Oral: comprimidos de 2,5 mg 180, 200, 240, 300 mg
Parenteral: 2,5 mg/mL para injeção
V ASODILATADORES UTILIZADOS NA HIPERTENSÃO

Diazóxido (Hyperstat IV) INIBI DORES DA ENZIMA CONVERSORA DE ANGIOTENSINA

Parenteral: ampola de 15 mg/mL Benazepril (Lotensin)


Oral (Proglycem): cápsula de 50 mg; suspensão oral de 50 Oral: comprimidos de 5,10,20,40 mg
mg/mL Captopril (genérico, Capoten)
Fenoldopam (Corlopam) Oral: comprimidos de 12,5, 25, 50, 100 mg
Parenteral: 10 mg/mL para infusão IV Enalapril (Vasotec)
Hidralazina (genérico, Apresoline) Oral: comprimidos de 2,5,5,10,20 mg
Oral: comprimidos de 10, 25, 50, 100 mg Parenteral (Enalaprilat) 1,25 mg/mL para injeção
Parenteral: 20 mg/mL para injeção Fosinopril (Monopril)
Minoxidil (genérico, Loniten) Oral: comprimidos de 10, 20, 40 mg
Oral: comprimidos de 2,5, 10 mg Lisinopril (Prinivil, Zestril)
Tópico (Rogaine etc.): loção a 2% Oral: comprimidos de 2,5, 5, 10, 20, 40 mg
Nitroprussiato (genérico, Nitropress) Moexipril (Univasc)
Parenteral: 50 mg/frasco Oral: comprimidos de 7,5, 15 mg
Perindopril (Aceon)
BlOQUEADORES DOS CANAIS DE CÁLCIO Oral: comprimidos de 2, 4, 8 mg
Amlodipina (Norvasc) Quinapril (Accupril)
Oral: comprimidos de 2,5,5,10 mg Oral: comprimidos de 5, 10, 20, 40 mg
Diltiazem (genérico, Cardizem) Ramipril (Altace)
Oral: comprimidos de 30, 60, 90, 120 mg (não rotulados na Oral: cápsulas de 1,25, 2,5, 5, 1 mg °
hipertensão) Trandolapril (Mavik)
Oral de liberação prolongada (Cardizem CD, Cardizem SR, Oral: comprimidos de 1, 2, 4 mg
Dilacor XL): cápsulas de 60, 90, 120, 180, 240, 300, 360,
420 mg BLOQUEADORES DOS RECEPTORES DE ANGIOTENSINA

Parenteral: 5 mg/mL para injeção Candesartan (Atacand)


Felodipina (Plendil) Oral: comprimidos de 4, 8, 16, 32 mg
Oral de liberação prolongada: comprimidos de 2,5, 5, 10 mg Eprosartan (Teveten)
Isradipina (DynaCirc) Oral: comprimidos de 400, 600 mg
Oral: cápsulas de 2,5, 5 mg; comprimidos de liberação Irbesartan (Avapro)
controlada de 5, 10 mg Oral: comprimidos de 75, 150, 300 mg
Nicardipina (genérico, Cardene) Losartan (Cozaar)
Oral: cápsulas de 20, 30 mg Oral de liberação prolongada Oral: comprimidos de 25, 50, 100 mg
(Cardene SR): cápsulas de 30, 45, 60 mg Olmisartan (Benicar)
Parenteral (Cardene IV): 2,5 mg/mL para injeção Oral: comprimidos de 5, 20, 40 mg
Nifedipina (genérico, Adalat, Procardia) Telmisartan (Micardis)
Oral: cápsulas de 10, 20 mg (não rotuladas na hipertensão) Oral: comprimidos de 20, 40, 80 mg
Oral de liberação prolongada (Adalat CC, Procardia-XL): Valsartan (Diovan)
comprimidos de 30, 60, 90 mg Oral: comprimidos de 40, 80, 160,320 mg

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Vasodilatadores e Tratamento
da Angina de Peito
Bertram G. Katzung, MO, PhO, e Kanu Chatterjee, MB, FRCP

A angina de peito é a mais comum das condições associadas à isque- se a redução da demanda de oxigênio não conseguir controlar os
mia tecidual, em que são utilizados agentes vasodilatadores. A angina sintomas. Por outro lado, na angina variante, o espasmo dos vasos
(dor) é causada pelo acúmulo de metabólitos no músculo estriado; a coronários pode ser revertido por nitritos ou por bloqueadores dos
angina de peito refere-se à dor torácica intensa, que ocorre quando o canais de cálcio. Nunca é demais ressaltar que nem todos os vaso-
fluxo sangüíneo coronário é inadequado para suprir o oxigênio neces- dilatadores são eficazes na angina e que, por outro lado, alguns fár-
sário ao coração. Os nitratos orgânicos, como, por exemplo, a nitro- macos úteis na angina (por exemplo, propranolol) não são vasodi-
glicerina, constitu~m a base da terapia para o alívio imediato da angi- latadores. Os fármacos que reduzem os lipídios, particularmente as
na. Outro grupo de vasodilatadores, os bloqueadores dos canais de "estatinas", tornaram-se extremamente importantes no tratamen-
cálcio, também é importante, particularmente na profilaxia, enquan- to a longo prazo da doença aterosclerótica (ver Capo 35).
to os p-bloqueadores, que não são vasodilatadores, também são úteis Considera-se a presença de angina instável, uma síndrome co-
para profrlaxia. Um novo grupo de drogas (inibidores da oxidação de ronariana aguda, quando surgem episódios de angina em repouso
ácidos graxos) que estão em fase de intensa pesquisa não são agentes e quando ocorre uma alteração na natureza, freqüência e duração
vasodilatadores, porém alteram o metabolismo do miocárdio. da dor torácica, bem como fatores precipitantes em pacientes com
A cardiopatia isquêmica consritui o mais comum dos problemas angina previamente estável. A angina instável é causada por episó-
graves de saúde em muitas sociedades ocidentais. Sem dúvida algu- dios de aumento do tônus da artéria coronária epicárdica ou por
ma, a causa mais freqüente da angina consiste na obstrução atero- pequenos coágulos plaquetários que se formam nas proximidades
matosa dos grandes vasos coronários (angina aterosclerótica, angi- de uma placa aterosclerótica. Na maioria dos casos, a formação de
na clássica). Entretanto, o espasmo transitório de partes localiza- trombos não-oclusivos lábeis no local de uma placa fissurada ou
das desses vasos, que habitualmente está associado a ateromas sub- ulcerada constitui o mecanismo responsável pela redução do fluxo.
jacentes, também pode causar isquemia significativa do miocárdio A evolução e o prognósrico da angina instável são variáveis, porém
e dor (angina variante ou angioespástica). esse subgrupo de síndrome coronariana aguda está associado a um
elevado risco de infarto do miocárdio e morte.
A causa primária da angina de peito consiste num desequilíbrio
entre a necessidade de oxigênio do coração e o oxigênio suprido pelos
vasos coronários. Na angina clássica, o desequilíbrio ocorre quan- FISIOPATOLOGIA DA ANGINA
do aumenta a necessidade de oxigênio do miocárdio como, por
eXemplo, durante o exercício e o fluxo sangüíneo coronário não
aumenta de modo proporcional. A conseqüente isquemia leva ha-
Determinantes das Demandas de Oxigênio
do Miocárdio
bitualmente ao aparecimento de dor. Por conseguinte, a angina
clássica é uma "angina de esforço". (Em alguns indivíduos, a isque- Os determinantes principais e secundários da necessidade de oxi-
mia nem sempre é acompanhada de dor, resulrando em isquemia gênio do miocárdio estão relacionados no Quadro 12.1. Ao con-
"silenciosa" ou "deambulatória".) Na angina variante, o suprimen- trário do músculo esquelético, o músculo cardíaco humano não pode
to de oxigênio diminui em conseqüência do vasoespasmo coroná- desenvolver um débito apreciável de oxigênio durante o estresse e
rio reversível. A angina variante é também denominada angina va- recuperá-lo posteriormente. Em conseqüência da atividade contí-
soespástica ou de Prinzmetal. nua do coração, suas necessidades de oxigênio são relativamente
Teoricamente, o desequilíbrio entre o fornecimento de oxigê- grandes e esse órgão extrai cerca de 75% do oxigênio disponível,
nio e a sua demanda pelo miocárdio pode ser corrigido através de mesmo em condições de ausência de estresse. A necessidade de oxi-
diminuição da demanda de oxigênio ou aumento do suprimento gênio do miocárdio aumenta quando ocorrem aumentos da freqüên-
(aumentando o fluxo coronariano). A demanda de oxigênio pode cia e contratilidade cardíacas, da pressão arterial ou do volume ven-
ser reduzida diminuindo-se o trabalho cardíaco ou, de acordo com tricular. Essas alterações hemodinâmicas surgem freqüentemente
estudos recentes, desviando-se o metabolismo do miocárdio para durante o exercício físico e a descarga simpática, o que muitas ve-
substratos que exigem menos oxigênio por unidade de ATP pro- zes precipita angina em pacientes com coronariopatia obstrutiva.
duzido. Na angina de esforço, a redução aguda da demanda tem As contribuições relativas do metabolismo basal e da ativação da
sido tradicionalmente obtida através do uso de nitratos orgânicos contração para o consumo global de oxigênio pelo miocárdio pare-
- vasodilatadores potentes - e várias outras classes de fármacos, cem ser pequenas; todavia, em condições patológicas, esses deter-
que diminuem o trabalho cardíaco. É difícil obter rapidamente um minantes aparentemente insignificantes do consumo de oxigênio
aumento do suprimento através do aumento do fluxo coronário por pelo miocárdio podem tornar-se relevantes.
meios farmacológicos, quando o fluxo é limitado pela presença de O coração tem preferência pelos ácidos graxos como substratos
placas ateromatosas fixas. Nessa situação, pode ser necessário recorrer para a produção de energia. Entretanto, a oxidação dos ácidos gra-
a medidas invasivas (enxertos de bypass coronário ou angioplastia), xos necessita de mais oxigênio por unidade de ATP produzido do
156 / FARMACOLOGIA

Quadro 12.1 Determinantes do consumo de oxigênio pelo Canais de Ca2 1


miocárdio

Principais
Estresse da parede
Pressão intraventricular
dos canais
de Ca21
Bloqueadores ~l ATP

Raio (volume) ventricular


Espessura da parede
Freqüência cardíaca
Contratilidade Complexo
r Calmodulina
Ca21 (intracelular)
de Ca2' -calmodulina
I
cAMP
-2)- Agonislas 132

Secundários
Energia da ativação MLCK' ---
~ Cinase da CL da _
7 MLCK-(P04)2
Metabolismo em repouso
Cadeia leve ~
da miosina ~
t. miosina (CCLM)
CL da miosina-P04_ CL da miosina

que a oxidação dos carboidratos. Por conseguinte, os fármacos que


(CL da miosina) Actina -l
Contração
~
Relaxamento
desviam o metabolismo do miocárdio para maior utilização da gli-
cose (inibidores da oxidação dos ácidos graxos) têm o potencial de Fig. 12.1 Controle da contração do músculo liso e local de ação das
reduzir a demanda de oxigênio, sem alterar a hemodinâmica. Mo- drogas bloqueadoras dos canais de cálcio. A contração é desenca-
delos experimentais sugerem que a ranolazina e a trimetazidina deada pelo influxo de cálcio (que pode ser bloqueado por bloque-
adores dos canais de cálcio) através de canais de cálcio transmem-
podem exercer esse efeito. Os estudos clínicos preliminares forne-
ceram resultadós favoráveis. branosos. O cálcio combina-se com a calmodulina, formando um
complexo que converte a enzima cinase das cadeias leves de miosi-
na em sua forma ativa (MLCK*, myosin /ight chain kinase). Esta úl-
Determinantes do Fluxo Sangüíneo tima fosforila cadeias leves de miosina, dando início à interação da
Coronário e do Suprimento de Oxigênio miosina com a actina. Os agonistas betaz (e outras substâncias que
do Miocárdio aumentam o cAMP) podem causar relaxamento do músculo liso ao
acelerar a inativação da MLC K (setas mais espessas) e ao facilitar a
expulsão do cálcio da célula (não mostrada).
O aumento das demandas de oxigênio pelo miocárdio no coração
normal é suprido através de um aumento do fluxo sangüíneo coro-
nário. O fluxo sangüíneo coronário está diretamente relacionado à
pressão de perfusão (pressão diastólica aórtica) e à duração da diás- res importantes do óxido nítrico incluem o nitroprussiato (ver Capo
tole. Como o fluxo coronário cai para valores desprezíveis durante 11) e os nitratos orgânicos utilizados na angina.
a sístole, a duração da diástole torna-se um fator limitante para a 2. Diminuição do Ca2+ intracelular - Os bloqueadores dos ca-
perfusão do miocárdio durante a taquicardia. O fluxo sangüíneo nais de cálcio causam previsivelmente vaso dilatação, visto que re-
coronário é inversamente proporcional à resistência do leito vascu- duzem o Ca2+ intracelular, um importante modulador da ativação
lar coronário. A resistência é determinada principalmente por fato- da cinase das cadeias leves de miosina. (Os beta-bloqueadores e
res intrínsecos, incluindo produtos do metabolismo e atividade bloqueadores dos canais de cálcio diminuem o influxo de Ca2+ no
autônoma, bem como por diversos fármacos. Foi constatado que a músculo cardíaco, reduzindo, assim, a taxa, a contratilidade ea
lesão do endotélio dos vasos coronários altera a sua capacidade de necessidade de oxigênio, a não ser que esses efeitos sejam revertidos
dilatação e aumenta a resistência vascular coronária. por respostas compensatórias.)

Determinantes do Tônus Vascular


Nitratos Células endoteliais
O tônus (tensão do músculo liso) pode desempenhar um papel
no estresse da parede miocárdica (Quadro 12.1). O tônus arteri- ~NO~

olar controla diretamente a resistência vascular periférica e, por-


tanto, a pressão arterial. Durante a sístole, a pressão intraventri- cr
cular pode exceder a pressão aórtica, com a conseqüente ejeção Guanilil cicias e" ~ Guanilil ciclase
de sangue; assim, a pressão arterial determina de forma importante
o estresse sistólico da parede. O tônus venoso determina a capaci- ~ ~Sildenafil
GTP • cGMP •••. GMP
dade da circulação venosa e controla a quantidade de sangue se-
qüestrado no sistema venoso versus a quantidade que retoma ao
coração. Por conseguinte, o tônus venoso determina o estresse +[2]
diastólico da parede.
A regulação da contração e do relaxamento do músculo liso é CL da miosina
IMLCK'I
» CL da miosina-P04 t .
••••••••. CL da miosina

mostrada esquematicamente na Fig. 12.1. Conforme ilustrado nas


Figs. 12.1 e 12.2, as drogas podem relaxar o músculo liso vascular Actina--) +
de várias maneiras: Contração Relaxamento

Fig. 12.2 Mecanismo de ação dos nitratos, nitritos e outras subs-


1. Aumento do cGMP - Conforme indicado na Fig. 12.2, o tâncias que aumentam a concentração de óxido nítrico (NO) nas
cGMP facilita a desfosforilação das cadeias leves de miosina, impe- células musculares lisas. (MLC K*, cinase das cadeias leves de miosi-
dindo a interação da miosina com a actina. O óxido nítrico é um na ativada [ver Fig. 12.1]; guanilil ciclase*, guanilil ciclase ativada;
ativado r efetivo da guanilil ciclase solúvel, que provavelmente atua, ?, etapas intermediárias desconhecidas. As etapas que levam ao
em grande parte, através desse mecanismo. Os doadores molecula- relaxamento estão indicadas com setas espessas.)
VASODILATADORES E TRATAMENTO DA ANGINA DE PEITO / 157

3. Estabilização ou prevenção da despolarização da membrana Farmacocinética


celular do músculo liso vascular - O potencial de membrana de
células excitáveis é estabilizado próximo ao potencial de repouso O fígado contém uma redutase de nitratos orgânicos de alta capa-
através de um aumento da permeabilidade ao potássio. As drogas cidade, que remove grupos de nitrato de modo gradativo a partir
que abrem os canais de potássio, como o sulfato de minoxidil (ver da molécula original, inativando, por fim, a droga. Por conseguin-
Capo 11), aumentam a permeabilidade dos canais de K+, provavel- te, a biodisponibilidade oral dos nitratos orgânicos tradicionais (por
mente dos canais de K+ATP-dependentes. Certos agentes mais re- exemplo, nitroglicerina e dinitrato de isossorbida) é muito baixa
centes em fase de investigação para uso na angina (por exemplo, (tipicamente < 10-20%). Por conseguinte, prefere-se a via sublin-
nicorandil) podem atuar, em parte, através desse mecanismo. gual, que evita o efeito de primeira passagem, para a rápida obten-
4. Aumento da cAMP nas células vasculares - Conforme ilus- ção de um nível sangüíneo terapêutico. Tanto a nitroglicerina quan-
trado na Fig. 12.1, um aumento do cAMP aumenta a taxa de ina- to o dinitrato de isossorbida são absorvidos eficientemente por essa
tivação da cinase das cadeias leves de miosina, a enzima responsá- via e alcançam níveis sangüíneos terapêuticos dentro de poucos
vel por induzir a interação da actina com a miosina nessas células. minutos. Todavia, a dose total administrada por essa via deve ser
Isso parece constituir o mecanismo de vaso dilatação de agonistas limitada, a fim de evitar efeitos excessivos; portanto, a duração to-
132- drogas que não são utilizadas na angina. tal do efeito é curta (15-30 minutos). Quando é necessária uma ação
de duração muito mais prolongada, podem-se administrar prepara-
ções orais que contêm uma quantidade de droga suficiente para pro-
duzir níveis sangüíneos sistêmicos duradouros da droga original e de
I. FARMACOLOGIA BÁSICA seus metabólitos ativos. Outras vias de administração disponíveis para
a nitroglicerina incluem absorção transdérmica e bucal de prepara-
DAS DROGAS UTILIZADAS NO ções de liberação prolongada, que são descritas mais adiante.
TRATAMENTO DA ANGINA O nitrito de amila e nitritos relacionados são líquidos altamente
voláteis. O nitrito de amila está disponível em ampolas de vidro
frágeis, envolvidas por uma cobertura protetora de tecido. A am-
'Ação das Drogas na Angina pola pode ser quebrada com os dedos, resultando na rápida libera-
ção de vapores inaláveis através da cobertura de tecido. A via inala-
Todos os três grupos de fármacos atualmente aprovados para uso tória proporciona uma absorção muito rápida e, à semelhança da
na angina (nitratos orgânicos, bloqueadores dos canais de cálcio e via sublingual, evita o efeito hepático de primeira passagem. Devi-
l3-bloqueadores) diminuem a necessidade de oxigênio do miocárdio, do a seu odor desagradável e curta duração de ação, o nitriro de amila
ao diminuir os determinantes da demanda de oxigênio (freqüência tornou-se obsoleto para uso na angina.
cardíaca, volume ventricular, pressão arterial e contratilidade). Em Uma vez absorvidos, os compostos 'de nitrato inalterados pos-
alguns pacientes, uma redistribuição do fluxo coronário pode au- suem meias-vidas de apenas 2-8 minutos. Os metabólitos parcial-
mentar o fornecimento de oxigênio ao tecido isquêmico. Na angi- mente desnitratados têm uma meia-vida muito mais prolongada (de
na variante, os nitratos e os bloqueadores dos canais de cálcio tam- até 3 horas). Dentre os metabólitos da nitroglicerina (duas dinitro-
bém podem aumentar o suprimento de oxigênio ao miocárdio, ao re- glicerinas e duas formas mononitro), os derivados dinitro possuem
verter o espasmo arterial coronariano. eficácia vasodilatadora significativa; são eles que provavelmente
proporcionam a maior parte do efeito terapêutico da nitroglicerina
NITRATOS E NITRITOS
administrada por via oral. O metabólito 5-mononitrato do dini-
trato de i~ossorbida é um metabólito ativo, disponível para uso clí-
Química nico na forma de mononitrato de isossorbida. Possui biodisponibi-
lidade de 100%.
Esses fármacos consistem em ésteres simples de ácido nítrico e ni-
A excreção, que ocorre primariamente na forma de derivados
troso de poliálcoois. A nitroglicerina pode ser considerada o protó-
glicuronídios dos metabólitos desnitratados, é efetuada, em grande
tipo do grupo. Apesar de ser utilizada na fabricação da dinamite, as
parte, pelo rim.
formulações de nitroglicerina empregadas em medicina não são
explosivas. A forma convencional de comprimido sublingual de Farmacodinâmica
nitroglicerina pode perder a sua potência quando armazenada, de-
vido à volatilização e adsorção a superfícies de plástico. Por conse- A. MECANISMO DE AçÃO NO MÚSCULO LISO
guinte, deve ser mantida em recipientes de vidro hermeticamente
fechados. Não é sensível à luz. A nitroglicerina é desnitratada pela glutation S-transferase. Ocorre
liberação de íon de nitrito livre, que é então convertido em óxido
nítrico (ver Capo 19). Uma reação enzimática diferente, porém ainda
H2C-O-N02 desconhecida, libera óxido nítrico diretamente a partir da molécu-
I
la original. Conforme ilustrado na Fig. 12.2, o óxido nítrico (ou
HC-O-N02
I um derivado S-nitrosotiol) causa a ativação da guanilil ciclase e
H2G-O-N02 aumento do cGMP, que constituem as primeiras etapas que levam
Nitroglicerina ao processo de relaxamento do músculo liso. A produção de pros-
(trinitrato de gliceril) taglandina E ou de prostaciclina (PGIz) e a hiperpolarização da
membrana também podem estar envolvidas. Não há evidências de
Todos os fármacos terapeuticamente ativos no grupo dos nitra- que os receptores autônomos estejam envolvidos na resposta pri-
tos apresentam mecanismos idênticos de ação e efeitos tóxicos se- mária aos nitratos (embora sejam induzi das respostas autônomas
melhantes. Por conseguinte, os fatores farmacocinéticos é que de- rtflexas quando se administram doses hipotensoras).
terminam a escolha do fármaco e a modalidade de terapia quando Conforme descrito adiante, a tolerância é uma consideração
se utilizam os nitratos. importante no uso de nitratos. Enquanto a tolerância pode ser pro-
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158FARMACOLOGIA"--
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Fig. 12.3 Efeitos de vasodilatadores sobre as contrações de segmentos venosos em seres humanos estudados in vitro. O painel A mostra
as contrações induzidas por dois fármacos vasoconstritores, a noradrenalina (NE) e o potássio (K+). O painel B mostra o relaxamento
induzido pela nitroglicerina (NTG), 4 J.Lmol/L. O relaxamento é imediato. O painel C mostra o relaxamento induzido pelo verapamil, 2,2
J.Lmol/L. O relaxamento é mais lento, porém mais prolongado. (Modificado e reproduzido, com permissão, de Mikkelsen E, Andersson KE, Bengtsson
B: Effects of verapamil and nitroglycerin on contractile responses to potassium and noradrenaline in isolated human peripheral veins. Acta Pharmacol
ToxicoI1978;42:14.)

duzida, em parte, por uma diminuição dos grupos sulfidrila dos aumento da sua complacência. Os efeitos freqüentes da nitroglice-
tecidos, pode ser apenas parcialmente evitada ou revertida com um rina e do nitrato de amila consistem em pulsações da artéria tem-
agente regenerado r de sulfidrila. Essa tolerância celular pode estar poral e cefaléia pulsá til associada a pulsações da artéria meníngea.
localizada na reação desconhecida responsável pela liberação de Na presença de insuficiência cardíaca, a pré-carga quase sempre está
óxido nítrico a partir do nitrato, visto que outros agentes, como, anormalmente elevada. Os nitratos e outros vasodilatadores, ao
por exemplo, acetilcolina, que causam vasodilatação através da li- reduzirem a pré-carga, podem ter efeito benéfico sobre o débito
beração de óxido nítrico a partir de substratos endógenos, não apre- cardíaco nessa condição (ver Capo 13).
sentam tolerância cruzada com os nitratos. Os efeitos indiretos da nitroglicerina consistem nas respostas
O nicorandil e vários outros fármacos antianginosos em fase de compensatórias desencadeadas pelos barorreceptores e nos meca-
investigação parecem combinar a atividade de liberação do óxido nismos hormonais que respondem à diminuição da pressão arterial
nítrico com uma ação de abertura dos canais de potássio, proporci- (ver Fig. 6.7); isso resulta consistentemente em taquicardia e au-
onando, assim, outro mecanismo para produzir vasodilatação. mento da contratilidade cardíaca. A retenção de sal e de água tam-
bém pode ser significativa, particularmente com o uso de nitratos
B. EFEITOS SOBRE SISTEMAS DE ÓRGÃOS de ação intermediária e longa. Essas respostas compensatórias con-
tribuem para o desenvolvimento de tolerância.
A nitroglicerina relaxa todos os tipos de músculo liso, independen-
Nos indivíduos normais sem coronariopatia, a nitroglicerina
temente da causa do tônus muscular preexistente (Fig. 12.3). Ela pode induzir um aumento significativo, ainda que transitório, no
praticamente não exerce nenhum efeito direto sobre o músculo fluxo sangüíneo coronário total. Em contraste, não há evidências
cardíaco ou esquelético. de que o fluxo coronário total esteja aumentado em pacientes com
1. Músculo liso vascular - Todos os segmentos do sistema vascu- angina causada por coronariopatia obstrutiva aterosclerótica. En-
lar, desde as artérias de grande calibre até as grandes veias, sofrem tretanto, alguns estudos sugerem que a redistribuição do fluxo co-
relaxamento em resposta à nitroglicerina. As veias respondem às ronário de regiões normais para áreas isquêmicas pode desempenhar
concentrações mais baixas, enquanto as artérias são sensíveis a con- algum papel no efeito terapêutico da nitroglicerina. A nitrogliceri-
centrações levemente mais altas. As arte doIas e os esfincteres pré- na também exerce um efeito inotrópico negativo fraco través do
óxido nítrico.
capilares dilatam-se menos do que as grandes artérias e as veias, em
parte devido a resposta reflexa e, em parte, devido ao fato de os 2. Outros órgãos musculares lisos - Foi demonstrado experimen-
diferentes vasos variarem na sua capacidade de liberar óxido nítrico talmente o relaxamento do músculo liso dos brônquios, do trato
(ver Boxe: O Fenômeno do Seqüestro Coronariano). O principal gastrintestinal (incluindo o sistema biliar) e do trato geniturinário.
resultado direto de uma dose eficaz de nitroglicerina consiste em Em virtude de sua breve duração, essas ações dos nitratos raramen-
acentuado relaxamento das veias, com aumento da capacitância te têm qualquer valor clínico. Nos últimos anos, o uso do nitrito
venosa e diminuição da pré-carga ventricular. Ocorre uma redução de amila e do nitrito de isobutila por inalação como drogas supos-
significativa das pressões vasculares pulmonares e do tamanho do tamente recreativas (estimulantes sexuais) tornou-se popular em
coração. Na ausência de insuficiência cardíaca, o débito cardíaco alguns segmentos da população. Os nitritos liberam óxido nítrico
apresenta-se reduzido. Como a capacitância venosa está aumenta- no tecido erétil, bem como no músculo liso vascular, e ativam a
da, a hipotensão ortostática pode ser pronunciada, podendo resul- guanilil ciclase. O conseqüente aumento do cGMP produz desfos-
tar em síncope. A dilatação de algumas artérias de grande calibre forilação das cadeias leves de miosina e relaxamento (Fig. 12.2),
(incluindo a aorta) pode ser significativa, devido a um acentuado aumentando a ereção. As drogas utilizadas no tratamento da dis-
VASODILATADORES E TRATAMENTO DA ANGINA DE PEITO / 159

o FENÔMENO DO SEQÜESTRO CORONARIANO

o desenvolvimento de vasodilatadores úteis para o tratamento da capaz de sofrer dilatação e contração em resposta a mudanças
angina foi marcado por episódios frustrantes, quando os farma- nas demanas de oxigênio, enquanto o outro ramo está significa-
cologistas constataram que as novas drogas, que eram vasodila- tivamente obstruído e apresenta dilatação arteriolar acentuada,
tadores extremamente eficazes em animais normais, eram inefi- mesmo quando a demanda cardíaca de oxigênio está baixa, devi-
cazes ou até mesmo causavam aumento dos sintomas de angina do ao acúmulo de metabólitos no tecido isquêmico. A perfusão
em pacientes. Hoje em dia, ficou claro que os potentes dilatado- na região obstruida pode ser adequada em repouso, visto que a
res arteriolares (por exemplo, hidralazina, dipiridamol) são geral- pressão de perfusão é bem mantida na artéria coronária princi-
mente ineficazes na angina e podem diminuir a perfusão das áre- pal. Sefor administrado um poderoso agente dilatador arteriolar,
as isquêmicas. Com efeito, o dipiridamol é freqüentemente utili- as arteríolas no vaso não-obstruído serão forçadas a dilatar-se,
zado em estudos de imageamento da circulação coronária para diminuindo a resistência nessaárea e aumentando acentuadamen-
demonstrar regiões de perfusão deficiente. Por outro lado, as dro- te o fluxo através do tecido que já está adequadamente perfundi-
gas que são dilatadoras mais eficazes de veias e artérias de gran- do. Em conseqüência da redução da resistência no ramo normal,
de calibre e dilatadoras relativamente ineficazes dos vasos de re- a pressão de perfusão no vaso coronário principal irá diminuir, e
sistência (por exemplo, nitratos) são muito úteis na angina. A ra- o fluxo através do ramo obstruído sofrerá uma redução, com
zão dessa aparente anomalia foi denominada "fenômeno do se- possível agravamento da angina.
qüestro coronariano". Foi sugerido que a menor potência dos nitratos na dilatação
Ocorre seqüestro coronariano quando dois ramos de um vaso das arteríolas resulta da menor capacidade desses vasos de libe-
coronário principal apresentam graus distintos de obstrução. As- rar óxido nítrico a partir da molécula de nitrato original.
sim, por exemplo, um ramo pode estar relativamente normal e ser

função erétil são discutidas no Boxe: Fármacos Utilizados no Tra- 4. Outros efeitos - O íon de nitrito reage com a hemoglobina (que
tamemo da Disfunção Erétil. contém ferro ferroso), produzindo metemoglobina (que contém
ferro férrico). Como a metemoglobina possui afinidade muito bai-
3. Ação sobre as plaquetas - O óxido nítrico liberado pela nitro- xa pelo oxigênio, os nitritos em altas doses podem causar pseudoci-
glicerina estimula a guanilil ciclase nas plaquetas, como no múscu- anose, hipoxia tecidual e morte. Felizmente, o nível plasmático de
lo liso. O aumemo resultante do cGMP é responsável por uma di- nitrito em decorrência do uso de nitratos orgânicos e inorgânicos,
minuição da agregação plaquetária. Infelizmeme, estudos clínicos mesmo em doses elevadas, é demasiado baixo para causar metemo-
prospectivos recentes não estabeleceram qualquer benefício em ter- globinemia significativa em adultos. Entretanto, o nittito de sódio
mos de sobrevida quando a nitroglicerina é utilizada no infarto é utilizado como agente para defumar carnes. Em lactentes em
agudo do miocárdio. amamentação, a flora intestinal é capaz de converter quantidades

A disfunção erétil nos homens vem sendo, há muito tempo, obje- disfunção erétil na presença de inervação normal. O sildenafil (Vi-
to de pesquisa (tanto por amadores quanto por cientistas profis- agra) atua ao aumentar o cGMP, inibindo a sua degradação pela
sionais). Entre as substâncias usadas no passado e geralmente isoforma 5 da fosfodiesterase. A droga tem sido bem-sucedida no
desacreditadas, destacam-se a "Mosca Espanhola" (um irritante mercado, uma vez que pode ser tomada por via oral. Todavia, o
vesical e uretral), a ioimbina (um antagonista 0:2; ver Capo 10), a sildenafil tem pouco ou nenhum valor para homens com perda
noz-moscada e misturas contendo chumbo, arsênico ou estricnina. da potência devido à lesão da medula espinhal ou outra lesão de
As substâncias indicadas pelos atuais especialistas em fitoterapia inervação, bem como para homens que carecem de libido. Além
incluem o ginseng e a cava-cava (ver Capo 65) disso, o sildenafil potencializa a ação dos nitratos utilizados para
Estudos científicos do processo mostraram que a ereção requer a angina, e foi relatada a ocorrência de hipotensão grave e de
o relaxamento do músculo liso não-vascular dos corpos caverno- alguns casos de infarto do miocárdio em homens que fazem uso
sos. Esserelaxamento permite o influxo de sangue numa pressão de ambas as drogas. Recomenda-se um intervalo de pelo menos
quase igual à pressão arterial nos seios dos corpos cavernosos, seis horas entre o uso de um nitrato e a ingestão de sildenafil. O
sendo a ereção produzida pela pressão do sangue. Ocorre ereção sildenafil também possui efeito sobre a visão para cores, causan-
fisiológica em resposta à liberação de óxido nítrico dos nervos não- do dificuldade na discriminação do azul e do verde. Dois inibido-
adrenérgicos não-colinérgicos (Cap. 6) associada à descarga pa- res semelhantes da PDE-5, o tadalafil e o vardenafil, foram li-
rassimpática. Por conseguinte, a inervação parassimpática deve berados em 2003.
estar intacta, e a síntese de óxido nítrico deve ser ativa. (Parece A droga mais comumente utilizada em pacientes que não res-
que ocorre um processo semelhante nos tecidos eréteis femini- pondem ao sildenafil é o alprostadil, um análogo da PGE, (ver
nos.) Alguns outros relaxantes do músculo liso - por exemplo, Cap. 18), que pode ser injetado diretamente nos corpos caverno-
análogos da PGE" antagonistas o: -, quando presentes em con- sos ou colocado na uretra na forma de minissupositório, a partir
centrações suficientemente altas, podem causar, independente- da qual se difunde para o tecido cavernoso. A fentolamina pode
mente, um relaxamento suficiente dos corpos cavernosos para ser utilizada por injeção nos corpos cavernosos. Essasdrogas pro-
resultar em ereção. Conforme assinalado no texto, o NO ativa a duzem ereção na maioria dos homens que não respondem ao sil-
guanilil ciclase, aumenta a concentração de cGMP, e esse último denafil.
mensageiro estimula a desfosforilação das cadeias leves de miosi- Outra droga oral, a apomorfina, que atua através da liberação
na (ver Fig. 12.2) e o relaxamento do músculo liso. Por conseguinte, de dopamina no sistema nervoso central, encontra-se em fase de
qualquer droga capaz de aumentar o cGMP pode ser valiosa na investigação para a disfunção erétil.
160 / FARMACOLOGIA

significativas de nitrato inorgânico, como, por exemplo, a partir da aparentemente devido à sua conversão em derivados muito reati-
água de poço, em íon de nitrito. Por conseguinte, pode ocorrer vos. Embora não haja provas diretas de que esses fármacos possam
exposição inadvertida a grandes quantidades de nitrito, capaz de causar câncer em seres humanos, existe uma forte correlação epide-
produzir grave toxicidade. miológica entre a incidência de carcinoma esofágico e gástrico e o
Foi descoberta uma aplicação terapêutica desse efeito tóxico do conteúdo de nitratos dos alimentos em diferentes culturas. As ni-
nitrito. O envenenamento por cianeto resulta da formação de um trosaminas também são encontradas no tabaco e na fumaça de ci-
complexo de ferro citocromo com o íon CN-. O ferro da metemo- garro. Não há evidências de que as pequenas doses de nitratos uti-
globina possui afinidade muito alta pelo CN-; portanto, a admi- lizadas no tratamento da angina possam produzir níveis corporais
nistração de nitrito de sódio (NaNOz) logo após a exposição ao significativos de nitrosaminas.
cianeto regenera o citocromo ativo. A cianometemoglobina produ-
zida pode ser ainda desintoxicada pela administração intravenosa Mecanismos do Efeito Clínico
de tiossulfato de sódio (Na2S203); isso leva à formação do íon de
tiocianato (SCN-), um íon menos tóxico que é facilmente excreta- Os efeitos benéficos e prejudiciais da vasodilatação induzida por
do. A metemoglobinemia, quando excessiva, pode ser tratada atra- nitratos encontram-se resumidos no Quadro 12.2.
vés da administração intravenosa de azul-de-metileno.
A. EFEITOS DOS NITRATOS NA ANGINA DE ESFORÇO
Toxicidade e Tolerância
Os principais efeitos hemo dinâmicos consistem em diminuição
A. EFEITOS ADVERSOS AGUDOS do retorno venoso ao coração e conseqüente redução do volume
intracardíaco. A pressão arterial também diminui. A redução da
A principal toxicidade aguda dos nitratos orgânicos consiste numa pressão intraventricular e do volume ventricular esquerdo está as-
extensão direta da vasodilatação terapêutica: hipotensão ortostáti- sociada a uma diminuição da tensão da parede (relação de Lapla-
ca, taquicardia e cefaléia pulsátil. O glaucoma, antigamente consi- ce) e da necessidade de oxigênio do miocárdio. Em casos raros,
derado contra-indicação, não se agrava, e os nitratos podem ser pode ocorrer aumento paradoxal na demanda de oxigênio do mi-
utilizados com segurança na presença de elevação da pressão intra- ocárdio, em conseqüência de taquicardia reflexa excessiva e au-
ocular. Entretanto, os nitratos estão contra-indicados se a pressão mento da contratilidade.
intracraniana estiver elevada. A administração intracoronariana, intravenosa ou sublingual de
nitratos aumenta consistentemente o calibre das artérias coronárias
B. TOLERÂNCIA epicárdicas. A resistência arteriolar coronária tende a diminuir,
embora em menor grau. Todavia, os nitratos administrados pelas
Com a exposição contínua a nitratos, o músculo liso isolado pode vias sistêmicas habituais também diminuem consistentemente o flu-
desenvolver tolerância completa (taquifilaxia), enquanto o múscu-
xo sangüíneo coronário global, bem como o consumo de oxigênio
lo liso humano intacto torna-se progressivamente mais tolerante,
pelo miocárdio. A redução no consumo de oxigênio constitui o
quando são utilizadas preparações de ação prolongada (por via oral,
principal mecanismo para alívio da angina.
transdérmica), ou infusão intravenosa contínua por algumas horas
de modo ininterrupto.
B. EFEITOS DOS NITRATOS NA ANGINA VARIANtE
Pode ocorrer exposição contínua em níveis elevados de nitratos
na indústria química, sobretudo na fabricação de explosivos. Quan- Os nitratos beneficiam os pacientes com angina variante, ao rela-
do a contaminação do local de trabalho por compostos de nitratos xar o músculo liso das artérias coronárias epicárdicas e ao aliviar o
orgânicos voláteis é pronunciada, os operários verificam que, ao espasmo das artérias coronárias.
iniciar a semana de trabalho (segunda-feira), apresentam cefaléia e
tonteira transitória. Depois de um dia, aproximadamente, os sin- C. EFEITOS DOS NITRATOS NA ANGINA INSTÁVEL
tomas desaparecem, devido ao desenvolvimento de tolerância. No
Os nitratos também são úteis no tratamento dessa síndrome co-
fim de semana, quando a exposição aos compostos químicos dimi-
nui, a tolerância desaparece, de modo que os sintomas sofrem reci- ronariana aguda, porém o mecanismo preciso de seus efeitos bené-
ficos ainda não está bem esclarecido. Como tanto o aumento do
diva todas as segundas-feiras. Foram relatados outros riscos associ-
ados à exposição industrial, incluindo dependência. Não há evidên- tônus vascular coronariano quanto a demanda aumentada de oxi-
cias de que possa ocorrer dependência física em conseqüência do gênio pelo miocárdio podem precipitar angina em repouso nesses
uso terapêutico de nitratos de ação curta para angina, mesmo em pacientes, os nitratos podem exercer seus efeitos benéficos através
grandes doses. da dilatação das artérias coronárias epicárdicas e redução simultâ-
Os mecanismos pelos quais a tolerância se desenvolve não estão nea da demanda de oxigênio do miocárdio. Conforme assinalado
totalmente elucidados. Conforme assinalado anteriormente, a libe- anteriormente, a nitroglicerina também diminui a agregação pla-
ração diminuída de óxido nítrico pode ser, em parte, responsável quetária, podendo esse efeito ser importante na angina instável.
pela tolerância à nitroglicerina. A compensação sistêmica também
desempenha um papel na tolerância observada em seres humanos Uso Clínico dos Nitratos
intactos. A princípio, ocorre descarga simpática significativa e, de-
pois de um ou mais dias de terapia com nitratos de ação prolonga- Algumas das formas de nitroglicerina e seus congêneres estão rela-
da, a retenção de sal e de água pode reverter as alterações hemodi- cionados no Quadro 12.3. Em virtude de seu rápido início de ação
nâmicas favoráveis normalmente produzidas pela nitroglicerina. (1-3 minutos), a nitroglicerina por via sublingual constitui o fár-
maco mais freqüentemente utilizado para tratamento imediato da
C. CARClNOGENICIDADE DO NITRATO E DE SEUS DERIVADOS angina. Devido à curta duração de ação (que não ultrapassa 20-30
minutos), não é apropriada para a terapia de manutenção. O início
As nitrosaminas são pequenas moléculas com estrutura RcN-NO, de ação da nitroglicerina intravenosa também é rápido (minutos),
formadas a partir da combinação de nitratos e nitritos com aminas. porém seus efeitos hemodinâmicos são prontamente revertidos com
Algumas nitrosaminas são poderosos carcinógenos em animais, a interrupção de sua infusão. Por conseguinte, a aplicação clínica
VASODILATADORES E TRATAMENTO DA ANGINA DE PEITO / 161

Quadro 12.2 Efeitos benéficos e deletérios dos nitratos no nar níveis sangüíneos de nitroglicerina durante 24 horas ou mais,
tratamento da angina os efeitos hemo dinâmicos totais geralmente não persistem por mais
de 6-8 horas. A eficácia clínica das formas de liberação prolongada
Efeito Resultado
de nitroglicerina na terapia de manutenção da angina é, portanto,
Efeitos benéficos potenciais limitada pelo desenvolvimento de tolerância significativa. Por con-
seguinte, deve-se estabelecer um intervalo sem nitrato de pelo me-
Diminuição do volume ventricular Diminuição da necessidade de
oxigênio do miocárdio nos 8 horas entre as doses para reduzir ou impedir a tolerância.
Diminuição da pressão arterial
FÁRMACOS BLOQUEADORES DOS
Diminuição do tempo de ejeção
CANAIS DE CÁLCIO
Vasodilatação das artérias coronárias Alíviodo espasmo da artéria
epicárdicas coronária Desde o final da década de 1800, sabe-se que é necessário haver um
Aumento do fluxo colateral influxo de cálcio para contração do músculo liso e do músculo car-
Melhora da perfusão para o
díaco. A descoberta de um canal de cálcio no músculo cardíaco foi
miocárdio isquêmico
seguida do achado de vários tipos distintos de canais de cálcio em
Redução da pressão diastólica Melhora da perfusão diferentes tecidos (Quadro 12.4). Como resultado da descoberta
ventricular esquerda subendocárdica
desses canais, tornou-se possível desenvolver fármacos bloqueado-
Efeitos deletérios potenciais res de utilidade clínica. Embora os bloqueadores terapêuticos bem-
sucedidos desenvolvidos até o momento tenham sido exclusivamen-
Taquicardia reflexa Aumento da necessidade de
te bloqueadores dos canais do tipo L, os bloqueadores seletivos de
oxigênio do miocárdio
Aumento de reflexo na contratilidade outros tipos de canais de cálcio estão em fase de intensa pesquisa.

Diminuição do tempo de perfusão Diminuição da perfusão do Química e Farmacocinética


diastólica devido à taquicardia miocárdio
O verapamil, primeiro membro desse grupo clinicamente útil, foi
o resultado de tentativas de síntese de análogos mais ativos da pa-
paverina, um alcalóide vaso dilatado r encontrado na papoula. Des-
da nitroglicerina intravenosa restringe-se ao tratamento da angina de então, constatou-se que dezenas de drogas de estrutura variável
em repouso, quando grave e recorrente. As preparações de nitrogli- tinham a mesma ação farmacológica fundamental (Quadro 12.5).
cerina de absorção lenta incluem uma forma bucal, preparações orais A Fig. 12.4 mostra três bloqueadores dos canais de cálcio quimica-
e várias formas transdérmicas. Foi constatado que essas formulações mente diferentes. A nifedipina é o protótipo da família da diidro-
proporcionam concentrações sangüíneas do fármaco por períodos piridina dos bloqueadores dos canais de cálcio; já foram investiga-
prolongados; todavia, conforme ressaltado anteriormente, isso leva das dezenas de moléculas nessa família, e oito já foram aprovadas
ao desenvolvimento de tolerância. nos Estados Unidos para a angina e outras indicações. A nifedipina
Os efeitos hemodinâmicos de preparações sublinguais ou mas- é a mais extensamente estudada desse grupo, porém as proprieda-
tigáveis de di nitrato de isossorbida e outros nitratos orgânicos asse- des das outras diidropiridinas podem ser consideradas semelhan-
melham-se aos da nitroglicerina. Os esquemas posológicos recomen- tes, a não ser que indicado de outro modo.
dados das preparações de nitrato de ação prolongada de uso comum, Os bloqueadores dos canais de cálcio são fármacos ativos por
juntamente com sua duração de ação, estão relacionados no Qua- via oral, que se caracterizam por um acentuado efeito de primeira
dro 12.3. Embora a administração transdérmica possa proporcio- passagem, elevada ligação às proteínas plasmáticas e metabolismo

Quadro 12.3 Drogas de nitrato e nitrito utilizadas no tratamento da angina


Droga Dose Duraçãoda Ação
"De ação curta"
Nitroglicerina, sublingual 0,15-1,2 mg 10-30 minutos

Dinitrato de isossorbida, sublingual 2,5-5 mg 10-60 minutos

Nitrito de amilo, inalado 0,18-0,3 mL 3-5 minutos

"De ação longa"


Nitroglicerina, oral de ação prolongada 6,5-13 mg por 6-8 horas 6-8 horas

Nitroglicerina, pomada a 2%, transdérmica 2,5-3,75 cm por 4 horas 3-6 horas

Nitroglicerina, de liberação lenta, bucal 1-2 mg por 4 horas 3-6 horas

Nitroglicerina, emplastro de liberação lenta, transdérmica 10-25 mg por 24 horas (um emplastro por dia) 8-10 horas

Dinitrato de isossorbida, sublingual 2,5-10 mg por 2 horas 1,5-2 horas

Dinitrato de isossorbida, oral 10-60 mg por 4-6 horas 4-6 horas

Dinitrato de isossorbida, oral mastigável 5-10 mg por 2 -4 horas 2-3 horas

Mononitrato de isossorbida oral 20 mgpor 12 horas 6-10 horas


162 / FARMACOLOGIA

Quadro 12.4 Propriedades de vários canais de cálcio reconhecidos ativados por voltagem

Propriedades da Corrente
Tipo Localização de Cálcio Bloqueado por
L Músculo, neurônios Longa, grande, de alto limiar Verapamil, DHP, Cd2+

T Coração, neurônios Curta, pequena, de baixo limiar sFTX, flunarizina', Ni2+


.........................
N Neurônios Curta, de alto limiar w-CTX-GVIA, Cd2+

P Neurônios de Purkinje cerebelares Longa, de alto limiar w-CTX-MVIIC, w-Aga-IVA

DHP, diidropiridinas (por exemplo, nifedipina); sFTX, toxina sintética da aranha de teia em funil; w-(TX, conotoxinas extraídas de várias lesmas marinhas do gênero (onus;
w-Aga-IV A toxina da aranha da teia em funil. Agelenopsis aperta.
'Bloqueador dos canais de cálcio orgânico.

extenso. O verapamil e o diltiazem também são utilizados por via B. EFEITOS SOBRE SISTEMAS DE ÓRGÃOS
intravenosa.
1. Músculo liso - Muitos tipos de músculo liso dependem do
influxo de cálcio transmembranoso para o tônus normal em repouso
Farmacodinâmica
e as respostas contráteis. Essas células são relaxadas pelos bloquea-
A. MECANISMO DE AçÃo dores dos canais de cálcio (Fig. 12.3). O músculo liso vascular pa-
rece ser o mais sensível; entretanto, pode-se verificar um relaxamento
O canal de cálcio do tipo L é o tipo dominante no músculo cardí- semelhante para o músculo liso bronquiolar, gastrintestinal e me-
aco e no músculo liso, e sabe-se que ele possui receptores para di- rino. No sistema vascular, as arteríolas parecem ser mais sensíveis
versas drogas. Foi demonstrado que a nifedipina e outras diidropi- do que as veias; a hipotensão ortostática não constitui um efeito
ridinas ligam-se a um local, enquanto o verapamil e o diltiazem adverso comum. A pressão arterial é reduzida com todos os bloque-
parecem ligar-se a receptores estreitamente relacionados, porém não adores dos canais de cálcio. As mulheres podem ser mais sensíveis
idênticos, situados em outra região. A ligação de uma droga aos do que os homens à ação hipotensora do diltiazem. A redução na
receptores de verapamil ou diltiazem também afeta a ligação das resistência vascular periférica constitui um mecanismo pelo qual
diidropiridinas. Essas regiões receptoras são estereosseletivas, visto esses fármacos podem beneficiar pacientes com angina de esforço.
que são observadas diferenças acentuadas tanto na afinidade pela Foi demonstrada uma redução do tônus da artéria coronária em
ligação de estereoisômeros quanto na potência farmacológica em pacientes com angina variante.
enantiômeros do verapamil, diltiazem e congêneres opticamente Existem importantes diferenças entre os bloqueadores dos ca-
ativos da nifedipina. nais de cálcio quanto à seletividade vascular. Em geral, as diidropi-
O bloqueio por essas drogas assemelha-se ao dos canais de sódio ridinas apresentam maior relação entre efeitos sobre o músculo liso
por anestésicos locais (ver Caps. 14 e 26). As drogas atuam pelo lado vascular e efeitos cardíacos do que o bepridil, o diltiazem e o vera-
interno da membrana e ligam-se mais efetivamente a canais em pamil (Quadro 12.6). Além disso, as diidropiridinas podem dife-
membranas despolarizadas. A ligação da droga reduz a freqüência rir, quanto à sua potência, em diferentes leitos vasculares. Assim,
de abertura em resposta à despolarização. Em conseqüência, obser- por exemplo, a nimodipina é apontada como particularmente sele-
va-se acentuada redução na corrente de cálcio transmembranosa tiva para os vasos sangüíneos cerebrais.
associada, no músculo liso, a um relaxamento prolongado (Fig. 12.3)
e, no músculo cardíaco, a uma redução da contratilidade em todo 2. Músculo cardíaco - O músculo cardíaco depende muito do
o coração e diminuição na freqüência do marca-passo do nó sinu- influxo de cálcio para seu funcionamento normal. A geração de
sal e na velocidade de condução no nó atrioventricular.* impulsos no nó sinoatrial e a condução do nó atrioventricular -
As respostas do músculo liso ao influxo de cálcio através dos os denominados potenciais de ação de resposta lenta ou cálcio-de-
canais de cálcio operados por receptores também são reduzidas por pendentes - podem ser reduzidas ou bloqueadas por todos os blo-
essas drogas, porém não em grau tão pronunciado. O bloqueio pode queadores dos canais de cálcio. O acoplamento excitação-contra-
ser parcialmente revertido pela elevação da concentração de cálcio, ção em todas as células cardíacas exige o influxo de cálcio, de modo
embora os níveis de cálcio necessários não sejam facilmente alcan- que essas drogas reduzem a contratilidade cardíaca de forma dose-
çáveis. O bloqueio também pode ser revertido parcialmente pelo dependente. Em alguns casos, o débito cardíaco também pode di-
uso de drogas que aumentam o fluxo de cálcio transmembranoso, minuir. Essa redução da fUnção mecânica cardíaca constitui outro
como os simpaticomiméticos. mecanismo pelo qual os bloqueadores dos canais de cálcio podem
Outros tipos de canais de cálcio são menos sensíveis ao bloqueio reduzir a necessidade de oxigênio em pacientes com angina.
por esses bloqueadores dos canais de cálcio (Quadro 12.4). Por As diferenças importantes observadas entre os bloqueadores dos
conseguinte, os tecidos em que esses tipos de canais desempenham canais de cálcio disponíveis provêm dos detalhes de suas interações
um papel importante - neurônios e a maioria das glândulas secre- com os canais iônicos cardíacos e, conforme assinalado anteriormen-
toras - são muito menos afetados por essas drogas do que os mús- te, de diferenças nos seus efeitos relativos sobre o músculo liso versus
culos cardíaco e liso. músculo cardíaco. Os canais de sódio cardíacos são bloqueados pelo
bepridil, porém de forma levemente menos eficaz do que os canais
de cálcio. O bloqueio dos canais de sódio é moderado com o uso de
verapamil e ainda menos acentuado com o diltiazem. É insignifican-
*Em doses muito baixas e em cenas circunstâncias, algumas diidropiridinas au-
mentam o influxo de cálcio. Algumas diidropiridinas especiais, como, por exem-
te com o uso de nifedipina e outras diidropiridinas. O verapamil e o
plo, Bay K 8644, aumentam realmente o influxo de cálcio na maior pane de sua diltiazem interagem cineticamente com o receptor dos canais de cál-
faixa posológica. cio de modo diferente das diidropiridinas; ambos bloqueiam as ta-
VASODILATADORES E TRATAMENTO DA ANGINA DE PEITO / 163

Quadro 12.5 Farmacocinética de alguns fármacos bloqueadores dos canais de cálcio

Biodisponibilidade Início de Meia-vida


Droga Oral Ação (via) Plasmática (horas) Processamento

Diidropiridinas
Amlodipina 65-90% Nenhum dado 30-50 > 90% ligados às proteínas plasmáticas;
disponível extensamente metabolizada.

Felodipina 15-20% 2-5 horas (oral) 11-16 > 99% ligados às proteínas plasmáticas;
extensamente metabolizada.

lsradipina 15-25% 2 horas (oral) 8 95% ligados às proteínas plasmáticas;


extensamente metabolizada.

Nicardipina 35% 20 minutos (oral) 2-4 95% ligados; extensamente


metabolizada no fígado.

Nifedipina 45-70% < 1 minuto (IV), 4 Cerca de 90% ligados às proteínas


5-20 minutos plasmáticas; metabolizada a lactato
(sublingual ou oral) ácido.
80% da droga e seus metabólitos são
excretados na urina.

Nimodipina 13% Nenhum dado disponível 1-2 Extensamente metabolizada.

Nisoldipina < 10% Nenhum dado disponível 6-12 Extensamente metabolizada.

Nitrendipina 10-30% 4 horas (oral) 5-12 98% ligados; extensamente


metabolizada.

Diversas drogas
Bepridil 60% 60 minutos (oral) 24-40 > 99% ligados às proteínas plasmáticas,
extensamente metabolizado.

Diltiazem 40-65% < 3 minutos (IV), 70-80% ligados às proteínas plasmáticas;


> 30 minutos (oral) 3-4 extensamente desacilado. A droga e
seus metabólitos são excretados nas
fezes.

Verapamil 20-35% < 1,5 minuto (IV), 6 Cerca de 90% ligados às proteínas
30 minutos (oral) plasmáticas 70% eliminados pelo rim;
15% pelo trato gastrintestinal.

quicardias de modo mais seletivo do que as diidropiridinas nas célu- cos significativos; por conseguinte, são menos depressoras sobre o
las que dependem de cálcio como, por exemplo, o nó atrioventticu- coração do que o verapamil ou o dilriazem. O bepridil também exer-
lar. (Ver o Capo 14 para maiores detalhes.) Por outro lado, as diidro- ce um efeito significativo sobre o bloqueio dos canais de potássio no
piridinas parecem bloquear os canais de cálcio do músculo liso em coração. Isso resulta em prolongamento da repolarização cardíaca (ver
concentrações inferiores às necessárias para produzir efeitos cardía- Capo 14) e risco definido de indução de arritmias.

Verapamil

O
)( /",
11 O CH3
C-Q-CH3
!j ~ O-C-CH3
- 11

~s N-CH2-CH2-\
O

I
Nifedipina CH3 Diltiazem

Fig. 12.4 Estruturas químicas de vários fármacos bloqueadores dos canais de cálcio.
164 / FARMACOLOGIA

3. Músculo esquelético - O músculo esquelético não é deprimi- Um conjunto significativo de evidências sugere que os bloque-
do pelos bloqueadores dos canais de cálcio, visto que ele utiliza os adores dos canais de cálcio podem interferir na agregação plaque-
reservatórios intracelulares de cálcio para manter o acoplamento tária in vitro e impedir ou atenuar o desenvolvimento de lesões ate-
excitação-contração e não necessita de um influxo tão grande de romatosas em animais. Os estudos clínicos ainda não estabelece-
cálcio transmembranoso. ram seu papel na coagulação sangüínea e na aterosclerose em seres
humanos.
4. Vasoespasmo e infarto cerebrais após hemorragia subaracnóide
Foi constatado que o verapamil bloqueia a glicoproteína PI70,
- A nimodipina, um membro do grupo das diidropiridinas dos
responsável pelo transporte de muitas drogas estranhas para fora de
bloqueadores dos canais de cálcio, apresenta alta afinidade pelos
células cancerosas (e outras células); outros bloqueadores dos canais
vasos sangüíneos cerebrais e parece reduzir a morbidade após a
de cálcio parecem ter um efeito semelhante. Essa ação não é este-
ocorrência de hemorragia subaracnóide. Por conseguinte, a
reoespecífica. Demonstrou-se que o verapamil reverte parcialmen-
nimodipina está indicada para pacientes que sofreram hemorra-
gia subaracnóide. Apesar de as evidências sugerirem que os blo- te a resistência das células cancerosas a muitos agentes quimioterá-
queadores dos canais de cálcio também podem reduzir a lesão picos in vitro. Alguns resultados clínicos sugerem efeitos semelhan-
cerebral após acidente vascular cerebral tromboembólico em ani- tes em pacientes (ver Capo 55).
mais experimentais, não existe nenhuma evidência desse efeito nos
seres humanos. Toxicidade
5. Outros efeitos - Os bloqueadores dos canais de cálcio interfe- Os efeitos tóxicos mais importantes dos bloqueadores dos canais de
rem em grau mínimo no acoplamento estímulo-secreção nas glân- cálcio consistem em extensões diretas de sua ação terapêutica. A inibi-
dulas e terminações nervosas, devido a diferenças entre os canais de ção excessiva do influxo de cálcio pode causar grave depressão cardía-
cálcio em diferentes tecidos, conforme assinalado anteriormente. Foi ca, incluindo parada cardíaca, bradicardia, bloqueio atrioventricular
constatado que o verapamil inibe a liberação de insulina nos seres e insuficiência cardíaca. Esses efeitos têm sido raros em uso clínico.
humanos; todavia, as doses necessárias são maiores do que as utili- Estudos retrospectivos de controle de casos relataram que a ni-
zadas para o tratamento da angina. fedipina de ação imediata aumentou o risco de infarto do miocár-

Quadro 12.6 Seletividade vascular e propriedades clínicas de alguns fármacos bloqueadores dos canais de cálcio
Seletividade
Fármaco Vascular' Indicações Dose Habitual Toxicidade

Diidropiridina
Amlodipina ++ Angina, hipertensão 5-10 mg por via oral, uma Cefaléia, edema periférico
vez ao dia

Felodipina 5,4 Hipertensão, fenômeno de 5-10 mg por via oral, uma vez Tonteira, cefaléia
Raynaud, insuficiência ao dia
cardíaca congestiva
Isradipina 7,4 Hipertensão 2,5-10 mg por via oral, a cada Cefaléia,fadiga
12 horas

Nicardipina 17,0 Angina, hipertensão, 20-40 mg por via oral, a cada Edema periférico, tonteira, cefaléia,
insuficiência cardíaca 8 horas rubor
congestíva
Nifedipina 3,1 Angina, hipertensão, enxaqueca, 3-10 fLg/kg IV;20-40 mg Hipotensão, tonteira, ruborização, náusea,
miocardiopatia, fenômeno por via oral, a cada constipação, edema nas partes pendentes
de Raynaud 8 horas

Nimodipina ++ Hemorragia subaracnóide, 60 mg por via oral, a cada Cefaléia, diarréía


enxaqueca 4 horas

Nisoldipina ++ Hipertensão 20-40 mg por via oral, uma Provavelmente semelhante à nifedipina
vez ao dia

Nitrendipina 14,4 Em fase de investigação para 20 mg por vía oral, uma ou Provavelmente semelhante à nifedipina
a angina, hipertensão duas vezes ao dia

Fármacos diversos
Bepridil Angina 200-400 mg por via oral, uma Arritmias, tonteira, náusea
vez ao dia
Diltiazem 0,3 Angina, hipertensão, 75-1 50 fLg/kgIV; 30-80 mg por Hipotensão, tonteira, ruborização,
fenômeno de Raynaud via oral, a cada 6 horas bradicardia

Verapamil 1,3 Angina, hipertensão, arritmias, 75-1 50 fL/kgIV;80-160 mg Hipotensão, depressão do miocárdio,
enxaqueca, miocardiopatia por via oral, a cada 8 horas constipação, edema nas partes
pendentes
'Os dados numéricos (Spedding, 1990) fornecem a relação entre potência vascular e potência cardiaca; os números mais altos indicam maior potência vascular, menor potência
cardíaca. Os sinais de mais e menos refletem a relação estimada entre potência vascular e potência cardíaca: - = depressão miocárdlca maior do que a vasodilatação; + + =
grau significativo de vasodilatação maior do que a depressão miocárdica.
VASODILATADORES E TRATAMENTO DA ANGINA DE PEITO / 165

dio em pacientes com hipertensão (Psaty, 1995). Em geral, os blo- incluindo miocardiopatia hipertrófica, enxaqueca e fenômeno de
queadores dos canais de cálcio vasosseletivos de liberação lenta e ação Raynaud.
prolongada são bem tolerados. Entreranto, foi relatado que as di- As indicações e doses aprovadas e não citadas em bulas para
idropiridinas, em comparação com os inibidores da enzima con- esses fármacos são apresentadas no Quadro 12.6. A escolha de um
versorà de angiotensina, aumentam o risco de eventos cardíacos ad- agente bloqueado r específico dos canais de cálcio deve ser feita com
versos em pacientes com hipertensão, com ou sem diabete (estudo base no conhecimento de suas propriedades farmacológicas e de
clínico ABCD, estudo clínico FACET). Esses resultados sugerem seus efeitos adversos potenciais específicos. A nifedipina não di-
que os bloqueadores dos canais de cálcio de ação relativamente curta minui a condução atrioventricular e, portanto, pode ser utilizada
têm o potencial de aumentar o risco de eventos cardíacos adversos, com maior segurança na presença de anormalidades da condução
devendo o seu uso ser evitado. O bepridil prolonga consistentemente atrioventricular. A associação de verapamil ou de diltiazem com
o potencial de ação cardíaco e, em pacientes suscetíveis, pode cau- p-bloqueadores pode produzir bloqueio atrioventricular e depres-
sar arritmia perigosa com torsade de pointes. A droga é contra-indi- são da função ventricular. Na presença de insuficiência cardíaca
cada para pacientes com história de arritmias graves ou síndrome franca, todos os bloqueadores dos canais de cálcio podem provo-
de prolongamento do QT. OS pacientes em uso de drogas bloque- car agravamento ainda maior da insuficiência cardíaca, devido a
adoras dos receptores (3-adrenérgicos são mais sensíveis aos efeitos seus efeitos inotrópicos negativos. Entretanto, a amlodipina não
cardiodepressores dos bloqueadores dos canais de cálcio. A toxici- aumenta a mortalidade de pacientes com insuficiência cardíaca em
dade de menor importância (desagradável, mas que habitualmente conseqüência de disfunção sistólica ventricular esquerda; portan-
não exige suspensão do tratamento) consiste em rubor, tonteira, to, pode ser utilizada com segurança nesses pacientes. Na presen-
náusea, constipação e edema periférico (Quadro 12.6). ça de pressão arterial relativamente baixa, as diidropiridinas po-
dem causar maior redução deletéria da pressão. O verapamil e o
Mecanismos dos Efeitos Clínicos diltiazem parecem produzir hipotensão de menor grau e podem
ser mais bem tolerados nessas circunstâncias. Em pacientes com
Os bloqueadores dos canais de cálcio diminuem a força de contra- história de taquicardia, flutter e fibrilação atriais, tanto o verapa-
ção miocárdica, o que, por sua vez, reduz as necessidades de oxigê- mil quanto o diltiazem representam uma nítida vantagem, em
nio do miocárdio. A inibição da entrada de cálcio no músculo liso virtude de seus efeitos antiarrítmicos. No paciente em uso de di-
arterial está associada a uma redução do tônus arteriolar e da resis- gicálicos, o verapamil deve ser utilizado com cautela, visto que o
tência vascular sistêmica, resultando em diminuição das pressões fármaco pode aumentar os níveis sangüíneos de digoxina através
arterial e intraventricular. Algumas dessas drogas (por exemplo, de uma interação farmacocinética. Embora se tenha também de-
verapamil) também possuem efeito antiadrenérgico inespecífico, o monstrado um aumento dos níveis sangüíneos de digoxina com
que pode contribuir para a vaso dilatação periférica. Como resulta- o uso de diltiazem e nifedipina, essas interações são menos con-
do de todos esses efeitos, o estresse da parede ventricular esquerda sistentes do que com o verapamil.
diminui, com conseqüente redução nas necessidades de oxigênio Em pacientes com angina instável, os bloqueadores dos canais
do miocárdio. A diminuição da freqüência cardíaca com o uso de de cálcio de ação curta e liberação imediata podem aumentar o ris-
verapamil, diltiazem ou bepridil produz uma redução ainda maior co de eventos cardíacos adversos, de modo que o seu uso é contra-
nas demandas de oxigênio do miocárdio. Os agentes bloqueadores indicado (ver Toxicidade, anteriormente). Todavia, em pacientes
dos canais de cálcio também aliviam e impedem a causa primária com infarto do miocárdio sem onda Q, pode-se utilizar o diltiazem,
da angina variante - o espasmo focal da artéria coronária. Por que é capaz de diminuir a freqüência de angina pós-infarto.
conseguinte, o uso desses fármacos passou a constituir o tratamen-
to profilático mais eficaz para essa forma de angina de peito. FÁRMACOS BLOQUEADORES DOS
Os tecidos nodais sinoatriais e atrioventriculares, que são cons- RECEPTORES BETA-ADRENÉRGICOS
tituídos principalmente de células de resposta lenta, são afetados
acentuadamente pelo verapamil, em grau moderado pelo diltiazem, Apesar de não serem vasodilatadores, os agentes l3-bloqueadores (ver
e em grau muito menor pelas diidropiridinas. Por conseguinte, o Cap. 10) são extremamente úteis no tratamento da angina de peito
verapamil e o diltiazem diminuem a condução no nó atrioventri- associada a esforço. Os efeitos benéficos dos fármacos l3-bloquea-
cular e mostram-se eficazes no tratamento da taquicardia de reen- dores estão relacionados principalmente a seus efeitos hemodinâ-
trada supraventricular e na redução das respostas ventriculares na micos - diminuição da freqüência cardíaca, da pressão arterial e
fibrilação ou flutter atrial. A nifedipina não afeta a condução atrio- da contratilidade - que diminuem as necessidades de oxigênio do
ventricular. O antagonismo simpático inespecífico é mais pronun- miocárdio, tanto em repouso quanto durante o exercício. A freqüên-
ciado com o diltiazem e muito menor com o verapamil. A nifedipi- cia cardíaca mais baixa também está associada a um aumento no
na não parece exercer esse efeito. Portanto, a taquicardia reflexa sig- tempo de perfusão diastólica, podendo aumentar a perfusão mio-
nificativa em resposta à hipotensão ocorre mais freq üentemente com cárdica. Todavia, a redução da freqüência cardíaca e da pressão ar-
o uso de nifedipina e, em menor grau, com o verapamil. Essas dife- terial e a conseqüente diminuição no consumo de oxigênio pelo
renças nos efeitos farmacológicos devem ser consideradas na sele- miocárdio parecem constituir os mecanismos mais importantes para
ção de agentes bloqueadores dos canais de cálcio para o tratamento o alívio da angina e a melhora da tolerância ao exercício. Os (3-blo-
da angina. queadores também podem ser valiosos no tratamento da isquemia
silenciosa ou ambulatorial. Como essa condição não provoca dor,
Usos Clínicos das Drogas Bloqueadoras costuma ser detectada pelo aparecimento de sinais eletrocardiográ-
dos Canais de Cálcio ficos típicos de isquemia. A quantidade total de "tempo isquêmi-
co" por dia é reduzida pela terapia crônica com (3-bloqueador. Os
Além da angina, os bloqueadores dos canais de cálcio possuem efi- agentes (3-bloqueadores diminuem a mortalidade de pacientes com
cácia bem documentada na hipertensão (ver Capo 11) e nas ta- infarto miocárdico recente e melhoram a sobrevida e evitam a ocor-
quiarritmias supraventriculares (ver Capo 14). Além disso, mos- rência de acidente vascular cerebral em pacientes com hipertensão.
tram-se promissores numa grande variedade de outras condições, Estudos clínicos randomizados em pacientes com angina estável
166 / FARMACOLOGIA

mostraram resultados mais satisfatórios, bem como uma melhora


p
sintomática, com os l3-bloqueadores, em comparação com os blo-
queadores dos canais de cálcio (Gibbons, 1999).
Os efeitos indesejáveis dos agentes l3-bloqueadores na angina 8 175
incluem aumento do volume diastólico final e aumento do tempo +
de ejeção. O aumento das necessidades de oxigênio do miocárdio, 4:
ll.
associado a um aumento do volume diastólico, contrabalança par- x
o Controle
12 125
cialmente os efeitos benéficos dos agentes l3-bloqueadores. Esses • 120 mgldia
efeitos potencialmente deletérios dos agentes l3-bloqueadores po- • 240 mg/dia
.;. 360 mg/dia
dem ser contrabalançados pelo uso concomitante de nitratos, con-
forme descrito adiante.
75
As contra-indicações para o uso de l3-bloqueadores consistem O 100 200 300 400
em asma e outras condições broncoespásticas, bradicardia grave, Tempo na esteira (s)
bloqueio atrioventricular, síndrome de bradicardia-taquicardia e
grave insuficiência ventricular esquerda instável. As complicações Fig. 12.5 Efeitos do diltiazem sobre o duplo produto (freqüência
potenciais incluem fadiga, redução da tolerância ao exercício, in- cardíaca vezes pressão arterial sistólica) num grupo de 20 pacien-
sônia, sonhos desagradáveis, agravamento da claudicação e disfun- tes com angina de esforço. Num estudo duplo-cego utilizando um
protocolo-padrão, os pacientes foram testados numa esteira durante
ção erétil.
tratamento com placebo e com três doses do fármaco. A freqüên-
cia cardíaca (Fe) e a pressão arterial (PA) sistólica foram registradas
dentro de 180 segundos de exercício (pontos médios das linhas) bem
como no momento de aparecimento dos sintomas anginosos (pon-
11.FARMACOLOGIA CLíNICA tos mais à direita). Observe que o tratamento farmacológico dimi-
nuiu o duplo produto em todos os momentos durante o exercício e
DAS DROGAS UTILIZADAS NO prolongou o momento de aparecimento dos sintomas. (Dados de
TRATAMENTO DA ANGINA Lindenberg BS et ai: Efficacy and safety of incremental doses of diltiazem
forthe treatment of angina. J Am Coll CardioI1983;2: 1129. Utilizado com
permissão do American College of Cardiology.)

Princípios de Terapia da Angina


Além de modificar os fatores de risco para a aterosclerose corona- Angina de Esforço
riarra (tabagismo, hipertensão, hiperlipidemia), o tratamento da
angina e de outras manifestações da isquemia miocárdica baseia- Numerosos estudos demonstraram que os nitratos, os bloqueado-
se na diminuição das demandas de oxigênio do miocárdio e no res dos canais de cálcio e os l3-bloqueadores aumentam o tempo de
aumento do fluxo sangüíneo coronário ao miocárdio potencial- início da angina e depressão do segmento ST durante testes de es-
mente isquêmico, a fim de restaurar o equilíbrio entre o supri- teira em pacientes com angina de esforço (Fig. 12.5). Apesar do
mento e as demandas de oxigênio do miocárdio. A terapia farma- aumento da tolerância ao exercício, não há habitualmente nenhu-
cológica para prevenir o infarto do miocárdio e a morte consiste ma alteração no limiar da angina, isto é, no produto de freqüência-
em agentes antiplaquetários (aspirina, clopidogrel) e fármacos pressão em que aparecem os sintomas.
redutores dos lipídios. Recentemente, foi também relatado que Para a terapia de manutenção da angina estável crônica, podem-
os inibidores da enzima conversora de angiotensina reduzem o se escolher nitratos de ação prolongada, fármacos bloqueadores dos
risco de eventos cardíacos adversos em pacientes que correm alto canais de cálcio ou l3-bloqueadores; a melhor escolha farmacológi-
risco de coronariopatia (Yusuf et aI., 2000). Na angina instável e ca irá depender da resposta de cada paciente. Nos pacientes hiper-
no infarto do miocárdio sem elevação do segmento ST, recomen- tensos, a monoterapia com bloqueadores dos canais de cálcio de
da-se a terapia agressiva com stentingcoronariano, agentes antili- liberação lenta ou ação prolongada ou l3-bloqueadores pode ser
pídicos, heparina e agentes antiplaquetários (Braunwald et aI., adequada. Nos pacientes normotensos, os nitratos de ação prolon-
2000,2002). gada podem ser apropriados. A associação de um ~-bloqueador com

Quadro 12.7 Efeitos dos nitratos isoladamente e em associação a ~-bloqueadores ou bloqueadores dos canais de cálcio na
angina de peito (Os efeitos indesejáveis estão indicados em itálico.)

Nitratos
Associados com
Beta-bloqueadores ou Beta-bloqueadores
Bloqueadores ou Bloqueadores
Nitratos Isoladamente dos Canais de Cálcio dos Canais de Cálcio
Freqüência cardíaca Aumento reflexo Redução' Redução
Pressão arterial Redução Redução Redução
Volume diastólico final Redução Aumento Nenhum ou redução
Contratilidade Aumento reflexo Redução Nenhum

Tempo de ejeção Redução Aumento Nenhum

'A nifedipina pode causar aumento reflexo da freqüência e contratilidade cardiacas.


VASODllATADORES E TRATAMENTO DA ANGINA DE PEITO / 167

um bloqueado r dos canais de cálcio (por exemplo, propranolol com de lesões ateroscleróticas fixas nas artérias coronárias) constitui o
nifedipina) ou de dois bloqueadores dos canais de cálcio diferentes principal mecanismo dessa resposta benéfica. Todos os bloquea-
(por exemplo, nifedipina e verapamil) mostrou ser mais eficaz do dores dos canais de cálcio atualmente disponíveis parecem ser
que qualquer uma das drogas utilizadas isoladamente. Se a resposta igualmente eficazes, e a escolha de determinada droga irá depen-
a um único fármaco for inadequada, deve-se adicionar uma droga der do paciente, conforme assinalado anteriormente. A revascu-
de classe diferente para obter-se o máximo de redução benéfica do larização cirúrgica e a angioplastia não estão indicadas para paci-
trabalho cardíaco, com o mínimo de efeitos indesejáveis (Quadro entes com angma vanante.
12.7). Alguns pacientes podem necessitar de terapia com todos os
três grupos de drogas. Angina Instável e Síndromes
A revascularização cirúrgica (isto é, cirurgia de revasculariza- Coronarianas Agudas
ção com enxerto) e a revascularização com cateter (isto é, inter-
venção coronariana percutânea [lCP]) constituem os principais Em pacientes com angina instável, com episódios isquêmicos re-
métodos para restaurar imediatamente o fluxo sangüíneo coronário correntes em repouso, ocorrem oclusões trombóticas recorrentes
e aumentar o suprimento de oxigênio ao miocárdio. Os estudos da artéria coronária lesada, em conseqüência da fissura de placas
clínicos de grande porte sugerem que a obstrução coronariana ateroscleróticas e da agregação plaquetária. Os fármacos anticoa-
também pode ser reduzida através de terapia antilipidêmica vi- gulantes e antiplaquetários desempenham importante papel na
gorosa. terapia (ver Capo 34). Nesses pacientes, foi constatado que a aspi-
rina reduz a incidência de eventos cardíacos. A heparina intrave-
Angina Vasoespástica nosa ou a heparina de baixo peso molecular subcutânea são indi-
cadas para a maioria dos pacientes. Demonstrou-se que a eficácia
Os nitratos e os bloqueadores dos canais de cálcio são drogas efi- dos fármacos antiplaquetários (ticlopidina, clopidogrel e antago-
cazes para alívio e prevenção dos episódios isquêmicos em paci- nistas GPIIb/IIIa) na diminuição do risco na angina instável (Bra-
entes com angina variante. Em cerca de 70% dos pacientes trata- unwald et aI., 2000, 2002). Além disso, deve-se considerar a tera-
dos com nitratos mais bloqueadores dos canais de cálcio, as crises pia com nitroglicerina e l3-bloqueadores; nos casos refratários,
de angina são totalmente abolidas; em outros 20%, observa-se uma devem-se acrescentar bloqueadores dos canais de cálcio. A revas-
acentuada redução na freqüência de episódios de angina. A pre- cularização miocárdica com cateter ou cirúrgica é indicada para
venção do espasmo da artéria coronária (na presença ou ausência pacientes de alto risco.

PREPARAÇÕES DISPONíVEIS
•• __ •.• _ ..•••.•.••.•••.••.•.••.•• __ .••.••.•••.• __ .•••.•.•• _-00 ••••••••.••.•••••.• .••.••.•••••.••••• •• __ •• __ •.•••••••.••.•••• -- --- -- •••• -.- •••••• -- .•• --- •.•.•• - •• ---- ••••.•••••• -- •••• --- ••••••••.•••• -- •• - ..- ••••••••••.••

NITRATOS E NITRITOS Oral: comprimidos de 30, 60, 90, 120 mg


Dinitrato de isossorbida (genérico, Isordil, Sorbitrate) Oral de liberação prolongada (Cardizem SR, Dilacor XL,
Oral: comprimidos de 5, 10, 20, 30, 40 mg; comprimidos outros): cápsulas de 60, 90, 120, 180, 240, 300, 360,
mastigáveis de 5, 1 mg ° 420 mg
Oral de liberação prolongada (genérico, Sorbitrate SA, Iso- Parenteral: 5 mg/mL para injeção
Bid): comprimidos e cápsulas de 40 mg Felodipina (Plendil)
Sublingual: comprimidos sublinguais de 2,5, 5, 10 mg Oral de liberação prolongada: comprimidos de 2,5, 5, 1 °
Monitrato de isossorbida (Ismo, outros) mg
Oral: comprimidos de 10, 20 mg; liberação prolongada: Isradipina (DynaCirc)
comprimidos de 30, 60, 120 mg Oral: cápsulas de 2,5, 5 mg
Nitrito de amila (genérico, Aspirols, Vaporole) Oral de liberação controlada: comprimidos de 5, 1 mg °
Inalante: cápsulas de 0,3 ml Nicardipina (Cardene, outros)
Nitroglicerina Oral: cápsulas de 20, 30 mg
Sublingual: comprimidos de 0,3, 0,4, 0,6 mg; aerossol Oral de liberação prolongada (Cardene SR): cápsulas de 30,
dosimetrado de 0,4 mg 45,60 mg
Oral de liberação prolongada (genérico, Nitrong): Parenteral (Cardene IV): 2,5 mg/mL
comprimidos de 2,6, 6,5, 9 mg; cápsulas de 2,5, 6,5, 9, 13 Nifedipina (Adalat, Procardia, outros)
Oral: cápsulas de 10, 20 mg
mg
Oral de liberação prolongada (Procardia XL, Adalat CC):
Bucal (Nitrogard): comprimidos bucais de 2, 3 mg
Parenteral (Nitro-Bid IV, Tridil, genérico): 0,5, 5 mg/mL para comprimidos de 30, 60, 90 mg
Nimodipina (Nimotop)
administração IV
Emplastros transdérmicos (Minitran, Nitro-Dur, Transderm- Oral: cápsulas de 30 mg. (Indicada para uso na
Nitro): liberação na taxa de 0,1, 0,2, 0,3, 0,4, 0,6 ou 0,8 hemorragia subaracnóide, mas não na angina.)
Nisoldipina (Sular)
mg/h.
Oral de liberação prolongada: comprimidos de 10, 20, 30,
Pomada tópica (genérico, Nitrol) pomada a 20 mg/mL (25
40 mg
mm de pomada contém cerca de 15 mg de nitroglicerina)
Verapamil (genérico, Calan, Isoptin)
Oral: comprimidos de 40, 80, 120 mg
BLOQUEADORES DOS CANAIS DE CÁLCIO
Oral de liberação prolongada: comprimidos ou cápsulas de
Amlodipina (Norvasc)
100, 120, 180, 240 mg
Oral: comprimidos de 2,5, 5, 10 mg
Parenteral 2,5 mg/mL para injeção
Bepridil (Vascor)
Oral: comprimidos de 200, 300 mg BETA-BLOQUEADORES
Diltiazem (Cardizem, genérico) Ver Capo 10.
168 / FARMACOLOGIA

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Fármacos Utilizados na
Insuficiência Cardíaca
Bertram G. Katzung, MO, PhO, e Wíllíam W parmley, MO

Ocorre insuficiência cardíaca quando o débito cardíaco é inadequa- A. SENSIBILIDADE DAS PROTEíNAS CONTRÁTEIS AO

do para suprir o oxigênio necessário ao corpo. Trata-se de uma con- CÁLCIO


dição altamente letal, cuja taxa de mortalidade de 5 anos é estimada, Os de terminantes da sensibilidade ao cálcio, isto é, a curva que re-
convencionalmente, em cerca de 50%. Nos Estados Unidos, a coro-
laciona o encurtamento das miofibrilas cardíacas com a concentra-
nariopatia constitui a causa mais comum de insuficiência cardíaca.
ção citoplasmática de cálcio, ainda não estão totalmente esclareci-
Na insuficiência sistólica, ocorre redução da ação de bombeamento
dos; entretanto, foi constatado que vários tipos de drogas são capa-
mecânico (contratilidade) e da fração de ejeção do coração. Na insu-
zes de afetá-Ios in vitro. O levosimendan é o exemplo mais recente
ficiência diastólica, a rigidez e a perda do relaxamento adequado de-
de uma droga que aumenta a sensibilidade do cálcio (pode inibir
sempenham importante papel na redução do débito cardíaco, porém também a fosfodiesterase) e reduz os sintomas em modelos de in-
a fração de ejeção pode ser normal. Como outras condições cardio- suficiência cardíaca.
vasculares estão sendo atualmente tratadas de modo mais eficiente
(particularmente o infarto do miocárdio), maior número de pacien-
B. QUANTIDADE DE CÁLCIO LIBERADA DO RETíCULO
tes está sobrevivendo por um período suficiente para permitir o de-
senvolvimento de insuficiência cardíaca, constituindo, assim, uma das SARCOPLASMÁ TICO

condições cardiovasculares cuja prevalência está aumentando. A ocorrência de uma pequena elevação do cálcio citoplasmático li-
Embora se acredite que o defeito primário na insuficiência car- vre, produzida pelo seu influxo durante o potencial de ação, desen-
díaca incipiente resida no mecanismo de acoplamento excitação- cadeia a abertura dos canais de cálcio na membrana do RS, bem
contração do coração, o distúrbio clínico também envolve muitos como a rápida liberação de grande quantidade do íon no citoplas-
outros processos e órgãos, incluindo o reflexo barorreceptor, o sis- ma, nas proximidades do complexo de actina-troponina-tropomi-
tema nervoso simpático, os rins, a angiotensina II e outros peptídi- osina. A quantidade liberada é proporcional à quantidade armaze-
os, bem como a morte das células cardíacas. O reconhecimento
nada no RS e à quantidade de cálcio desencadeante que penetra na
desses fatores propiciou um avanço numa variedade de estratégias célula através da membrana celular. A rianodina é um potente al-
de tratamento (Quadro 13.1). calóide vegetal inotrópico negativo que interfere na liberação do
As pesquisas clínicas realizadas mostraram que a terapia direcio- cálcio através dos canais do RS. Não se dispõe de nenhuma droga
nada para alvos não-cardíacos pode ser mais valiosa no tratamento capaz de aumentar a liberação de cálcio através desses canais.
a longo prazo da insuficiência cardíaca do que o uso de agentes
inotrópicos positivos tradicionais (glicosídios cardíacos [digitálicos]).
C. QUANTIDADE DE CÁLCIO ARMAZENADA NO RETíCULO
Por conseguinte, os fármacos que atuam sobre os rins (diuréticos)
SARCOPLASMÁ TICO
são considerados, há muito tempo, pelo menos tão importantes
quanto os digitálicos. Estudos clínicos cuidadosos mostraram que A membrana do RS contém um transportador muito eficiente para
os inibidores da enzima conversora de angiotensina (ECA), os captação do cálcio, que mantém o cálcio livre do citoplasma em
l3-bloqueadores e a espironolactona (um diurético poupador de po- níveis muito baixos durante a diástole, ao bombear o cálcio para o
tássio) constituem os únicos agentes de uso atual que realmente interior do RS. Por conseguinte, a quantidade de cálcio seqüestra-
prolongam a vida dos pacientes com insuficiência cardíaca crônica. da no RS é determinada, em parte, pela quantidade acessível a esse
Por outro lado, os agentes inotrópicos positivos podem ser muito transportador. Isso, por sua vez, depende do equilíbrio entre o in-
úteis na insuficiência aguda. Além disso, reduzem os sintomas na fluxo de cálcio (primariamente através dos canais de cálcio da mem-
insuficiência crônica. brana regulados por voltagem) e seu efluxo, a quantidade de cálcio
removida da célula (primariamente através do trocador de sódio-
Controle da Contratilidade Cardíaca Normal cálcio, um transportador presente na membrana celular).

O vigor da contração do músculo cardíaco é determinado por vári- D. QUANTIDADE DE CÁLCIO DESENCADEANTE
os processos que levam ao movimento dos filamentos de actina e
miosina no sarcômero cardíaco (F ig. 13.1). Em última análise, a A quantidade de cálcio desencadeante que penetra na célula depende
contração decorre da interação do cálcio (durante a sístole) com o da disponibilidade de canais de cálcio (principalmente do tipo L) e
sistema de actina-troponina-tropomiosina, liberando, assim, a in- da duração de sua abertura. Conforme descrito nos Caps. 6 e 9 os
teração actina-miosina. Esse cálcio ativador é liberado do retÍculo agentes simpaticomiméticos provocam aumento do influxo de cál-
sarcoplasmático (RS). A quantidade liberada depende da quanti- cio através de sua ação sobre esses canais. Por outro lado, os blo-
dade armazenada no RS e da quantidade de cálcio desencadeanteque queadores do canal de cálcio (ver Capo 12) reduzem esse influxo e
penetra na célula durante o platô do potencial de ação. diminuem a contratilidade.
170 / FARMACOLOGIA

Quadro 13.1 Grupos de fármacos comumente utilizados na Fisiopatologia da Insuficiência Cardíaca


insuficiência cardíaca
A insuficiência cardíaca é uma síndrome de múltiplas causas, que
Inibidores da ECA
pode afetar o ventrículo direito, o ventrículo esquerdo ou ambos.
Beta-bloqueadores
Bloqueadores dos receptores de angiotensina
Em geral, o débito cardíaco na insuficiência cardíaca está abaixo da
Glicosídios cardíacos faixa normal. A disfunção sistólica, com redução do débito cardía-
Vasodilatadores co e diminuição significativa da fração de ejeção (menos de 45%),
Agonistas beta, dopamina é típica da insuficiência aguda, particularmente a que resulta de
Bipiridinas
infarto do miocárdio. Com freqüência, ocorre disfunção diastólica
ECA, enzima conversora de angiotensina.
em decorrência de hipemofia e rigidez do miocárdio, e, a despeito
da redução do débito cardíaco, a fração de ejeção pode ser normal.
A insuficiência cardíaca devido à disfunção diastólica não costuma
E. ATIVIDADE DO TROCADOR DE SÓDIO-CÁLCIO responder de modo ideal a agentes inotrópicos positivos.
Raramente pode ocorrer insuficiência de "alto débito". Nesta
Esse antiportador utiliza o gradiente de sódio para transportar o
condição, as demandas do corpo são tão grandes que até mesmo o
cálcio contra seu gradiente de concentração, do citoplasma para o aumento do débito cardíaco não é suficiente. A insuficiência de alto
espaço extracelular. As concentrações extracelulares desses íons são
débito pode resultar de hipertireoidismo, beribéri, anemia e deri-
muito mais lábeis do que as suas concentrações intracelulares em
vações arteriovenosas. Essa forma de insuficiência responde preca-
condições fisiológicas. Por conseguinte, a capacidade do trocador
riamente aos fármacos descritos neste capítulo e deve ser tratada
de sódio-cálcio de efetuar esse transporte depende acentuadamente
mediante correção da causa subjacente.
das concentrações intracelulares de ambos os íons, especialmente
do sódio. Os principais sinais e sintomas de todos os tipos de insuficiên-
cia cardíaca consistem em taquicardia, diminuição da tolerância ao
exercício físico e dispnéia, edema periférico e pulmonar e cardio-
F. CONCENTRAÇÃO INTRACELULAR DE SÓDIO E ATIVIDADE
DA NA+/K+ATPASE
megalia. A diminuição da tolerância ao exercício com fadiga mus-
cular rápida representa a principal conseqüência direta da diminui-
A Na+/K+ATPase, ao remover o sódio intracelular, constitui o prin- ção do débito cardíaco. As outras manifestações decorrem das ten-
cipal determinante da concentração de sódio na célula. Outro deter- tativas do organismo de compensar o defeito cardíaco intrínseco.
minante é representado pelo influxo de sódio através dos canais regu- A compensação neuro-humoral (extrínseca) envolve dois meca-
lados por voltagem, que ocorre como parte normal de quase todos os nismos principais anteriormente apresentados na Fig. 6.7: o sistema
potenciais de ação cardíacos. Conforme descrito adiante, a Na+ / nervoso simpático e a resposta hormonal da renina-angiotensina-
K+ATPase parece constituir o alvo primário dos glicosídios cardíacos. aldosterona. Algumas das características patológicas, bem como be-

-
Citoplasma Na ~ ~ Bloqueadores
canais de cálciodos
K
Agonistas f3

Cálcio "desencadeante"

~ "Sensibilizadores do cálcio"

.r~'-.>
.r~'-.>
Actina
Miosina
~<~
<. <: <;~
c,~ ~
Fig. 13.1 Diagrama esquemático de um sarcômero de músculo cardíaco, com os locais de ação de várias drogas que alteram a contrati-
lidade (estruturas numeradas). O local 1 é a Na+/K+ATPase, a bomba de sódio. O local 2 é o trocador de sódio/cálcio. O local 3 é o canal
de cálcio regulado por voltagem. O local 4 é um transportador de cálcio que bombeia o cálcio para o interior do retículo sarcoplasmático
(RS).O local 5 é um canal de cálcio na membrana do RS,que é estimulado a liberar o cálcio armazenado pelo cálcio ativador. O local 6 é
o complexo de actina-troponina-tropomiosina, em que o cálcio ativador produz a interação contrátil da actina e miosina.
FÁRMACOS UTILIZADOS NA INSUFICIÊNCIA CARDíACA / 171

néficas, dessas respostas compensatórias estão ilustradas na Fig. 13.2. limitação nas atividades habituais, e o aparecimento de sintomas
O reflexo barorreceptor parece estar reajustado em pacientes com só é observado com a prática de exercício físico mais intenso do que
insuficiência cardíaca, com menor sensibilidade à pressão arterial. Em o normal. A classe II caracteriza-se por ligeira limitação das ativida-
conseqüência, a estimulação sensitiva barorreceptora para o centro des habituais, resultando em fadiga e palpitações. A insuficiência
vasomotor diminui, mesmo na presença de pressões normais; a des- da classe III não está associada a qualquer sintoma em repouso, à
carga simpática aumenta e a descarga parassimpática apresenta-se exceção de fadiga etc., com uma atividade física menos intensa do
diminuída. O aumento da descarga simpática provoca taquicardia, que o normal. A classe IV está associada a sintomas, mesmo com o
aumento da contratilidade cardíaca e elevação do tônus vascular. pacIente em repouso.
Enquanto o aumento da pré-carga, da força e da freqüência cardíaca
provoca inicialmente aumento do débito cardíaco, a elevação do tô- Fisiopatologia do Desempenho Cardíaco
nus arterial resulta em aumento da pós-carga e diminuição da fração
de ejeção, do débito cardíaco e da perfusão renal. Depois de um pe- O desempenho cardíaco é uma função de quatro fatores primários:
ríodo de tempo relativamente curto, ocorrem complexas alterações
1. Pré-carga: Quando alguma medida do desempenho ventricular
de infra-regulação no sistema dos receptores 131-adrenérgicos-proteí-
esquerdo, como volume sistólico ou trabalho sistólico, é represen-
na G-efetor, que resultam em diminuição dos efeitos estimuladores.
tada graficamente como função da pressão de enchimento do ven-
Os receptores 132náoso&em in&a-regulação e podem apresentar maior
trículo esquerdo, a curva obtida é denominada curva de função
acoplamento à cascata do IP3-DAG. Foi também sugerido que os
ventricular esquerda (Fig. 13.3). O ramo ascendente (pressão de
receptores 133cardíacos (que não parecem estar infra-regulados na
insuficiência cardíaca) podem mediar efeitos inotrópicos negativos. enchimento < 15 mm Hg) representa a relação clássica Frank-Star-
ling. Além de 15 mm Hg, aproximadamente, observa-se um platô
A produção aumentada de angiotensina II resulta em maior secreção
de aldosterona (com retenção de sódio e de água), aumento da pós- do desempenho. As pré-cargas acima de 20-25 mm Hg resultam
em congestão pulmonar. Conforme assinalado antes, a pré-carga
carga e remodelagem do coração e dos vasos (discutidos adiante). Pode
encontra-se habitualmente aumentada na insuficiência cardíaca,
ocorrer também liberação de outros hormônios, incluindo o peptí-
dio natriurético e a endotelina (ver Capo 17). devido ao aumento do volume sangüíneo e do tônus venoso. A re-
A hipertrofia do miocárdio constitui o mecanismo compensa- dução da pressão de enchimento elevada constitui o objetivo da
tório intrínseco mais importante. Esse aumento da massa muscu- restrição de sal e da terapia diurética na insuficiência cardíaca. Os
lar ajuda a manter o desempenho cardíaco. Entretanto, depois de agentes venodilatadores (p. ex., nitroglicerina) também reduzem a
um efeito inicial benéfico, a hiperrrofia pode levar a alterações is- pré-carga ao redistribuir o sangue do tórax para as veias periféricas.
quêmicas, comprometimento do enchimento diastólico e alterações 2. Pós-carga: A pós-carga refere-se à resistência contra a qual o
da geometria ventricular. Remodelagem é o termo utilizado para coração deve bombear o sangue. É representada pela impedância
referir-se à dilatação (diferente daquela causada por estiramento aórrica e pela resistência vascular sistêmica. À medida que o débito
passivo) e às alterações estruturais lentas que ocorrem no miocár- cardíaco diminui na insuficiência crônica, ocorre aumento reflexo
dio estressado. Pode incluir a proliferação de células do tecido con- da resistência vascular sistêmica, mediado, em parte, pelo aumento
juntivo, bem como células miocárdicas anormais com algumas ca- da descarga simpática e das catecolaminas circulantes e, em parte,
racterísticas bioquímicas dos miócitos fetais. Por fim, os miócitos
no coração em falência morrem em taxa acelerada através do pro-
cesso de apoptose, deixando os miócitos remanescentes sujeitos a
uma sobrecarga ainda maior.
A gravidade da insuficiência cardíaca é habitualmente descrita
~ .S''O.c(ij
>'"o
.c 40
80
20
60
de acordo com uma escala desenvolvida pela New York Heart As- :o
sociation. A insuficiência da classe I não está associada a qualquer
w
1ií
9
'00
Ê
E

t
/ • Débito cardiaco

Disparo do seio carotídeo t


~
Fluxo sangüíneo renal

~ t
t Descarga t Liberação
simpática de renina

~
t Angiotensina II o 10 20 30 40

Pressão de enchimento do VE (mm Hg)


t Pré-carga t Pós-carga Remodelagem

'-----y----) Fig. 13.3 Relação entre o desempenho e a pressão de enchimento


do ventrículo esquerdo (VE) em pacientes com infarto agudo do
t Débito cardíaco miocárdio, uma importante causa de insuficiência cardíaca. A linha
(através de compensação) superior indica a faixa para indivíduos normais e sadios. Se ocorrer
insuficiência cardíaca aguda, a função é desviada para baixo e para
Fig. 13.2 Algumas respostas compensatórias que ocorrem durante a direita. Observa-se uma depressão semelhante em pacientes com
a insuficiência cardíaca congestiva. Além dos efeitos mostrados, a insuficiência cardíaca crônica. (Modificado e reproduzido, com permis-
angiotensina II aumenta os efeitos simpáticos ao facilitar a libera- são, de Swan HJC, Parmley WW: Congestive heart failure. In: Sodeman WA
ção de noradrenalina. Jr, Sodeman TM [editores] Path%gic Physi%gy, Saunders, 1979.)
172 / FARMACOLOGIA

pela ativação do sistema de renina-angiotensina. A endotelina, um As fontes dessas drogas incluem as dedaleiras branca e púrpura
potente peptídio vasoconstritor, rambém pode estar envolvida. Esse (Digitalis lanata e D. purpurea) e numerosas outras plantas tropi-
processo proporciona base para o uso de fármacos capazes de redu- cais e de zona temperada. Alguns sapos possuem glândulas cutâne-
zir o tônus arteriolar na insuficiência cardíaca. as capazes de elaborar bufadienolídios que diferem apenas levemente
dos cardenolídios.
3. Contratilidade: Em pacientes com insuficiência crônica de bai-
xo débito, o músculo cardíaco obtido por biópsia revela uma dimi-
nuição da contratilidade intrínseca. Com a diminuição da contra-
Farmacocinética
tilidade, ocorre redução na velocidade de encurtamento muscular,
A. ABSORÇÃO E DISTRIBUiÇÃO
na taxa de desenvolvimento da pressão intraventricular (dP/dt) e
no débito sistólico obtido (Fig. 13.3). Entretanto, o coração ainda Os cardenolídios variam na sua absorção, distribuição, metabolis-
é capaz de aumentar, em certo grau, todas essas medidas da contra- mo e excreção, como se percebe facilmente ao se compararem os
tilidade em resposta a agentes inotrópicos. três fármacos representativos: a digoxina, a digitoxina e a ouabaína
(Quadro 13.2). Dessas três drogas, a digoxina é a única preparação
4. Freqüência cardíaca: A freqüência cardíaca constitui um impor- utilizada nos Estados Unidos.
tante determinante do débito cardíaco. À medida que a função intrín-
A digoxina é razoavelmente bem absorvida após administração
seca do coração diminui na insuficiência, e ocorre redução do volume
oral. Entretanto, cerca de 10% dos indivíduos abrigam bactérias
sistólico, o primeiro mecanismo compensatório que passa a atuar para
entéricas que inativam a digoxina no intestino, reduzindo acentu-
manter o débito cardíaco consiste em aumento da freqüência cardía-
adamente a sua biodisponibilidade e tornando necessária a admi-
ca - através da ativação simpática dos receptores ~-adrenérgicos.
nistração de doses de manutenção acima da média. O tratamento
desses pacientes com antibióticos pode resultar em súbito aumento
da biodisponibilidade e toxicidade digitálica. Como a margem de
segurança dos glicosídios cardíacos é muito estreita, até mesmo
I. FARMACOLOGIA BÁSICA variações mínimas na sua biodisponibilidade podem causar grave
DAS DROGAS UTILIZADAS NA toxicidade ou perda de seu efeito.
Uma vez absorvidos no sangue, todos os glicosídios cardíacos
INSUFICIÊNCIA CARDíACA distribuem-se amplamente pelos tecidos, incluindo o sistema ner-
voso central. Entretanto, seus volumes de distribuição diferem,
Apesar de os digitálicos serem raramente os primeiros agentes uti- dependendo de sua tendência a ligar-se às proteínas plasmáticas
lizados no tratamento da insuficiência cardíaca, iniciaremos nossa versus proteínas teciduais.
discussão com esse grupo de drogas, visto que os outros agentes são
descritos de modo mais pormenorizado nos Caps. 11, 12 e 15. B. METABOLISMO E EXCREÇÃO
A digoxina não é extensamente metabolizada nos seres humanos;
DIGITÁLlCOS quase dois terços são excretados de modo inalterado pelos rins. Sua
depuração renal é proporcional à depuração da creatinina. Dispõe-
Digitalis é o nome do gênero da família de plantas que fornecem a se de equações e nomogramas para o ajuste da dose de digo xi na em
maioria dos glicosídios cardíacos de utilidade clínica, como a digo- pacientes com comprometimento renal.
xina. Essas plantas, conhecidas há milhares de anos, eram utiliza- A digitoxina é metabolizada no fígado e excretada no intestino
das de maneira errática e com sucesso variável até 1785, quando através da bile. Os metabólitos cardioativos (que incluem a digoxi-
William Withering, um médico e botânico inglês, publicou na), bem como a digitoxina inalterada, podem ser então reabsorvi-
monografia descrevendo os efeitos clínicos de um extrato da planta dos do intestino, estabelecendo, assim, uma circulação êntero-he-
dedaleira (Digitalis purpurea, uma importante fonte desses agentes).

Química
Quadro 13.2 Propriedades de três glicosídios cardíacos
Todos os glicosídios cardíacos ou cardenolídios - dos quais a di- típicos
goxina é o protótipo - combinam um núcleo esteróide ligado a
um anellactona na posição 17 e uma série de açúcares ligados ao Ouabaína' Digoxina Digitoxina'
carbono 3 do núcleo. Como carecem de um grupo facilmente io- Lipossolubilidade Baixa Média Alta
nizável, a sua solubilidade não depende do pH. (coeficiente
óleo/água)

Disponibilidade oral o 75 >90


(percentagem
absorvida)

Meia-vida no corpo 21 40 168


(horas)

Ligação às proteínas o 20-40 >90


plasmáticas (percentagem
ligada)

Percentagem metabolizada o <40 >80


...........................

Volume de distribuição (Ukg) 18 6,3 0,6


IA ouabaína e a digitoxina não são mais utilizadas nos Estados Unidos.
FÁRMACOS UTILIZADOS NA INSUFICIÊNCIA CARDíACA / 173

pática, que contribui para meia-vida muiro prolongada desse fár- sarcômero cardíaco (Fig. 13.1) ao aumentar a concentração de cál-
maco. O comprometimento renal não prolonga significativamen- cio livre nas proximidades das proteínas contráteis durante a sísro-
re a meia-vida da digiroxina. le. O aumento da concentração de cálcio resulta de um processo
A ouabaína, que deve ser administrada por via parenteral, é ex- em duas etapas: em primeiro lugar, ocorre aumento da concentra-
cretada prindpalmente na sua forma inalterada na urina. ção intracelular de sódio devido à inibição da Na+/K+ATPase (1
na Fig. 13.1); e, em segundo lugar, observa-se uma redução relati-
Farmacodinâmica va da expulsão de cálcio da célula pelo trocador de sódio-cálcio (2
na Fig. 13.1), causada pelo aumento do sódio intracelular. Foram
Os digitálicos exercem múltiplos efeiros cardiovasculares direros e propostos outros mecanismos, que não estão bem documentados.
indireros, com conseqüências tanto terapêuticas quanto tóxicas. O resultado final da ação das concentrações terapêuticas de um
Além disso, possuem efeiros indesejáveis sobre o sistema nervoso glicosídio cardíaco consiste em nítido aumenro na contratilidade
central e o traro digestivo. cardíaca (Fig. 13.4, traçado inferior). Em preparações de miocár-
Em nível molecular, rodos os glicosídios cardíacos terapeutica- dio isolado, a taxa de desenvolvimento de tensão e de relaxamento
mente úteis inibem a Na +/K+ATPase, o transportador ligado à apresenta-se aumentada, com pouca ou nenhuma alteração no tem-
membrana, freqüentem ente denominado bomba de sódio. Essa pro- po levado até a tensão máxima. Esse efeito é observado no miocár-
teína consiste em subunidades a e 13. Os sítios de ligação do Na+, dio tanto normal quanto em falência; rodavia, no animal intacro
do K+, do ATP e dos digitálicos parecem localizar-se rodos na su- ou em pacientes, as respostas são modificadas por reflexos cardio-
bunidade a. Foram identificadas diferentes isoformas das subuni- vasculares e pela fisiopatologia da insuficiência cardíaca.
dades, proporcionando, assim, diferentes isoformas da enzima com-
2. Efeitos elétricos - Os efeiros dos digitálicos sobre as proprieda-
pleta, com diferentes afinidades pelos glicosídios cardíacos em vá-
des elétricas do coração consistem numa mistura de ações diretas e
rios tecidos. Em certas ocasiões, foi relatado que essas drogas, em
concentrações muiro baixas, estimulam a enzima. Por outro lado, a autônomas. As ações diretas sobre as membranas das células cardía-
inibição na maior parte da faixa posológica foi extensamente docu- cas seguem uma progressão bem definida: um prolongamento inici-
mentada em rodos os tecidos estudados. É provável que a ação ini- al e breve do potencial de ação, seguido de um período prolongado
bitória seja, em grande parte, responsável pelo efeiro terapêutico de encurtamento (particularmente na fase de platô). A diminuição
(inotropismo positivo) no coração. Como a bomba de sódio é ne- na duração do potencial de ação resulta provavelmente do aumento
cessária para a manutenção em potencial em repouso normal na da condutância do potássio ocasionado pela concentração intracelu-
maioria das células excitáveis, é provável que grande parte da toxi- lar aumentada de cálcio (ver Capo 14). Todos essesefeitos podem ser
cidade dos digitálicos também seja causada por essa ação inibidora observados em concentrações terapêuticas na ausência de toxicidade
da enzima. Outros efeitos dos digitálicos em nível molecular foram franca. O encurtamento do potencial de ação contribui para a redu-
estudados no coração e são discutidos adiante. A existência de um ção da refratariedade atrial e ventricular (Quadro 13.3).
receptor para os glicosídios cardíacos na bomba de sódio levou al- Em concentrações mais elevadas, ocorre redução do potencial
guns pesquisadores a proporem a existência de um agente endóge- de membrana em repouso (que se torna menos negativo) em con-
no "digitaliforme". seqüência da inibição da bomba de sódio e do potássio intracelular
reduzido. Com a progressão da toxicidade, surgem pós-potenciais
A. EFEITOS CARDíACOS
despolarizantes oscilatórios depois dos potenciais de ação normal-
mente evocados (Fig. 13.4, painel B). Os pós-potenciais (também
1. Efeitos mecânicos - Os glicosídios cardíacos aumentam a in- conhecidos como pós-despolarizações tardias) estão associados a uma
tensidade da interação dos filamentos de actina e de miosina do sobrecarga das reservas intracelulares de cálcio e oscilações na con-

Controle A Ouabaína 10-7 mollL B


25 min 47 min

Potencial de
membrana
m~ [ I
-50 J
~ I
Luz 10-4 I I
detectora t.o{ .•••
ULmáx [ ••••.
de cálcio O

Contração 3 mg [ J"-- _
100 ms

Fig. 13.4 Efeitos de um glicosídio cardíaco, a ouabaína, sobre o tecido cardíaco isolado. O traçado superior mostra potenciais de ação
evocados durante o período de controle, no início da fase terapêutica e, posteriprmente, na presença de toxicidade. O traçado do meio
mostra a luz (L) emitida pela proteína de detecção do cálcio, a aecorina (em relàção ao máximo possível, Lmáx), sendo aproximadamente
proporcional à concentração intracelular de cálcio livre. O traçado inferior registra a tensão produzida pelos potenciais de ação. A fase
inicial da ação da ouabaína (A) mostra um leve encurtamento do potencial de ação e um acentuado aumento na concentração intrace-
lular de cálcio livre e na tensão contrátil. A fase tóxica (B) está associada à despolarização do potencial de repouso, a um acentuado
encurtamento do potencial de ação e ao aparecimento de despolarização oscilatória, aumento do cálcio e contração (setas). (Dados não-
publicados, gentilmente fornecidos por P Hess e H Gil Wier.)
174 / FARMACOLOGIA

Quadro 13.3 Principais ações dos digitálicos sobre as funções elétricas cardíacas

Tecido
Sistema de
Variável Músculo Atrial Nó AV Purkinje, Ventrículos
Período refratário efetivo
................................. ......
u~I.'~?) U~I.'~?) ......J.([:)ireta)

Yel()~i~~.d.~.~.~.~().nd.~.Ç.ã() 1 (PANS) .................................• J(~I.'~?) .. ..1~~i~.n.i.fi~~.n.t~


..
Automaticidade
...................................................... 1 (Diret~) J([:)ire.t~) t (Direta)

Eletrocardiograma
Antes das arritmias Insignificante t Intervalo PR t Intervalo QT; inversão da onda
..!;..~epr.~s.s~().~.().s.~~ff)~~.t().s.!.
Durante as arritmias Taquicardia atrial, fibrilação atrial Taquicardia nodal AV, bloqueio AV Contrações ventriculares
prematuras, bigeminismo,
taquicardia ventricular, fibrilação
ventricular
Chave:
(PANS) = ações parassimpáticas
(Direta) = ações diretas sobre a membrana

centração intracelular de íons de cálcio livres. Quando abaixo do cardíaca. Como a inervação colinérgica é muito mais rica nos átri-
limiar, esses pós-potenciais podem interferir na condução normal, os, essas ações afetam mais a função atrial e nodal atrioventricular
devido à maior redução do potencial em repouso. Por fim, um pós- do que a função de Purkinje ou ventricular. Alguns dos efeitos co-
potencial pode atingir o limiar, induzindo um potencial de ação linomiméticos são úteis no tratamento de certas arritmias. Em ní-
(despolarização prematura ou "batimento" ectópico) que se acopla veis tóxicos, os digitálicos aumentam a descarga simpática. Esse
ao potencial normal anterior. Se os pós-potenciais no sistema de efeito não é essencial na toxicidade típica dos cardenolídios, porém
condução de Purkinje atingirem regularmente o limiar dessa ma- sensibiliza o miocárdio e exagera todos os efeitos tóxicos da droga.
neira, haverá registro de bigeminismo no elerrocardiograma (Fig. As manifestações cardíacas mais comuns da toxicidade dos gli-
13.5). Com maior intoxicação, cada potencial de ação evocado por cosídios consistem em ritmo juncional atrioventricular, despolari-
pós-potencial irá em si evocar um pós-potencial acima do limiar, zações ventriculares prematuras, ritmo de bigeminismo e bloqueio
com estabelecimento de taquicardia auto-sustentada. Essa taquicar- arrioventricular de segundo grau. Entretanto, afirma-se que os di-
dia, ao evoluir, pode deteriorar em fibrilação; no caso da fibrilação gitálicos podem causar praticamente qualquer tipo de arritmia.
ventricular, a arritmia será rapidamente fatal, a não ser que seja
corrigida. B. EFEITOS SOBRE OUTROS ÓRGÃOS
As ações autônomas dos glicosídios cardíacos sobre o coração
envolvem tanto o sistema parassimpático quanto o simpático. Na Os glicosídios cardíacos afetam todos os tecidos excitáveis, incluin-
do o músculo liso e o sistema nervoso central. A inibição da Na+/
parte inferior da faixa posológica, predominam os efeitos parassim-
K+A TPase nesses tecidos despolariza e aumenta a atividade espon-
paticomiméticos cardiosseletivos. De fato, esses efeitos passíveis de
tânea tanto nos neurônios quanto nas células musculares lisas. O
bloqueio pela atropina são responsáveis por uma parte significativa
trato gastrintestinal constitui o local mais comum de toxicidade
dos efeitos elérricos iniciais dos digitálicos (Quadro 13.3). Essa ação
digitálica fora do coração. Os efeitos consistem em anorexia, náu-
envolve a sensibilização dos barorreceptores, estimulação vagal cen-
tral e facilitação da transmissão muscarínica na célula muscular sea, vômitos e diarréia. A toxicidade pode ser causada, em parte,
por efeitos diretos sobre o trato gastrintestinal, mas também resul-
ta de ações sobre o sistema nervoso central, incluindo a estimula-
ção da zona de gatilho quimiorreceptora.
RSN BVP RSN BVP Os efeitos sobre o sistema nervoso central incluem comumente
,--A--..~ ,--A--..~
uma estimulação vagal e da zona quimiorreceptora. Com menos
freqüência, observa-se a ocorrência de desorientação e alucinações
6 :-:- .:'
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- particularmente em indivíduos idosos - bem como distúrbios
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visuais. Este último efeito pode incluir aberrações na percepção das

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•. ~.
cores. Em certas ocasiões, verifica-se a ocorrência de agitação e até
mesmo convulsões em pacientes em uso de digitálicos.
A ginecomastia constitui um raro efeito relatado em homens
tratados com digitálicos; não se sabe ao certo se esse efeito repre-
Fig. 13.5 Registro eletrocardiográfico mostrando o bigeminismo
senta uma ação estrogênica periférica desses fármacos esteróides ou
induzido por digitálicos. Os complexos marcados com RSNsão ba-
timentos em ritmo sinusal normal; verifica-se a presença de uma uma manifestação da estimulação hipotalâmica.
onda T invertida e depressão do segmento ST. Os complexos indi-
cados por BVPsão batimentos ventriculares prematuros e constitu- C. INTERAÇÕES COM O POTÁSSIO, O CÁLCIO E O
em as manifestações eletrocardiográficas de despolarizações evo- MAGNÉSIO
cadas por pós-potenciais oscilatórios tardios, como mostra a Figura
13.4. (Modificado e reproduzido, com permissão, de Goldman MJ: Princi- O potássio e os digitálicos interagem de duas maneiras. Em primeiro
pies of Clinical Electrocardiography, 12.' ed. Lange, 1986.) lugar, inibem a ligação um do outro à Na +/K+ A TPase; por conse-
FÁRMACOS UTILIZADOS NA INSUFICIÊNCIA CARDíACA / 175

guinte, a hipercalemia reduz as ações de inibição dos glicosídios parece ter menos tendência a produzir mielotoxicidade e hepatoto-
cardíacos da enzima, enquanto a hipocalemia facilita essas ações. xicidade do que a inamrinona, porém causa arritmias. Na atualida-
Em segundo lugar, a automaticidade cardíaca normal é inibida pela de, a inamrinona e a milrinona são apenas administradas por via
hipercalemia (ver Capo 14). Por conseguinte, o aumento modera- intravenosa e exclusivamente para a insuficiência cardíaca aguda ou
do do K+ extracelular reduz os efeitos dos digitálicos, particular- na exacerbação da insuficiência cardíaca crônica.
mente os efeitos tóxicos.
O íon de cálcio facilita as ações tóxicas dos glicosídios cardíacos ESTIMULANTES DOS RECEPTORES
ao acelerar a sobrecarga das reservas intracelulares de cálcio, que BETA-ADRENÉRGICOS
parece ser responsável pela automaticidade anormal induzida pelos
digitálicos. Por conseguinte, a hipercalcemia aumenta o risco de A farmacologia geral desses agentes é discutida no Capo 9. A dobu-
arritmia induzida por digitálicos. Os efeitos do íon de magnésio tamina é o agonista 131seletivo que tem sido mais largamente utili-
parecem ser opostos aos do cálcio. Assim, a hipomagnesemia repre- zado em pacientes com insuficiência cardíaca. Esse fármaco produz
senta um fator de risco para as arritmias. Essas interações exigem aumento do débito cardíaco, juntamente com redução da pressão
cuidadosa avaliação dos eletrólitos séricos em pacientes com arrit- de enchimento ventricular. Foi relatada a ocorrência de alguma
mias induzidas por digitálicos. taquicardia e aumento do consumo de oxigênio do miocárdio. Deve-
se considerar o potencial de produção de angina ou arritmias em
pacientes com coronariopatia, bem como a ocorrência de taquifila-
OUTROS FÁRMACOS INOTRÓPICOS xia que acompanha o uso de qualquer l3-estimulante. A infusão
POSITIVOS UTILIZADOS NA intermitente de dobutamina pode beneficiar alguns pacientes com
insuficiência cardíaca crônica.
INSUFICIÊNCIA CARDíACA A dopamina também tem sido utilizada na insuficiência cardía-
ca aguda e pode ser particularmente útil se houver necessidade de
As drogas que inibem as fosfodiesterases - a família de enzimas se elevar a pressão arterial.
que inativam o cAMP e o cGMP - são utilizadas, há muito tem-
po, na terapia da insuficiência cardíaca. Apesar de exercerem efei-
tos inotrópicos positivos, a maior parte de seu benefício parece FÁRMACOS SEM EFEITOS
derivar da vasodilatação, conforme discutido adiante. Os inibido-
res das fosfodiesterases foram intensivamente estudados durante INOTRÓPICOS POSITIVOS
várias décadas com resultados mistos. As bipiridinas, inarinona e UTILIZADOS NA INSUFICIÊNCIA
milrinona, são as mais bem-sucedidas dessas drogas até o momen-
to, embora sua utilidade seja muito limitada. O levosimendam, uma
CARDíACA
droga em fase de investigação que sensibiliza o sistema da troponi- Os fármacos mais comumente utilizados na insuficiência cardíaca
na ao cálcio, também parece inibir a fosfodiesterase e causar algu-
crônica consistem em diuréticos, inibidores da ECA, antagonistas
ma vasodilatação além de seus efeitos inotrópicos. Alguns estudos
dos receptores de angiotensina e l3-bloqueadores (Quadro 13.1).
clínicos preliminares sugerem que essa droga pode ser útil em paci-
entes com insuficiência cardíaca (Follath, et ai., 2002). Foi também Na insuficiência aguda, os diuréticos e os vasodilatadores desem-
penham importante papel.
utilizado um grupo de estimulantes dos receptores l3-adrenérgicos
como substitutos dos digitálicos; todavia, esses fármacos podem
aumentar a mortalidade (ver adiante). DIURÉTICOS

Os diuréticos são discutidos de modo pormenorizado no Capo 15.


BIPIRIDINAS
Seu principal mecanismo de ação na insuficiência cardíaca consiste
em reduzir a pressão venosa e a pré-carga ventricular. Essas redu-
A inamrinona (antigamente denominada amrinona) e a milrinona ções têm dois efeitos úteis: diminuição do edema e seus sintomas e
são compostos de bipiridina, que inibem a fosfodiesterase. São ati- redução do tamanho cardíaco, levando a melhor eficiência da bom-
vas por via oral, bem como por via parenteral, porém são apenas ba. A espironolactona, o diurético antagonista da aldosterona (ver
disponíveis em formas parenterais. Apresentam meias-vidas de eli- Capo 15), tem o benefício adicional de diminuir tanto a morbida-
minação de 3-6 horas, com excreção de 10-40% da dose na urina.
de quanto a mortalidade em pacientes com insuficiência cardíaca
grave que também estão recebendo inibidores da ECA ou outra
Farmacodinâmica terapia convencional. Um possível mecanismo para explicar esse
benefício reside nas evidências cumulativas de que a aldosterona
As bipiridinas aumentam a contralidade do miocárdio ao aumen-
também pode causar fibrose miocárdica e vascular e disfunção dos
tar o influxo de cálcio no coração durante o potencial de ação; além
barorreceptores, além de seus efeitos renais.
disso, podem alterar os movimentos intracelulares do cálcio ao in-
fluenciar o retículo sarcoplasmático. Exercem também efeito vaso- INIBI DORES DA ENZIMA CONVERSORA DE
dilatado r significativo. Esses fármacos são relativamente seletivos
para a isozima 3 da fosfodiesterase, uma forma encontrada no ANGIOTENSINA, ANTAGONISTAS DOS
músculo cardíaco e músculo liso. A inibição dessa isozima resulta RECEPTORES DE ANGIOTENSINA E
em elevação do nível de cAMP e aumento da contratilidade e vaso- FÁRMACOS RELACIONADOS
dilatação, conforme assinalado anteriormente.
A toxicidade da inamrinona consiste em náusea e vômitos; foi Os inibidores da ECA, como o captapril, são apresentados no Capo
relatada a ocorrência de arritmias, trombocitopenia e alterações das 11 e novamente discutidos no Capo 17. Essas drogas versáteis di-
enzimas hepáticas numa percentagem significativa de pacientes. Esse minuem a resistência periférica e, portanto, reduzem a pós-carga;
fármaco foi retirado do mercado em alguns países. A milrinona além disso, diminuem a retenção de sal e de água (ao reduzir a se-
176 / FARMACOLOGIA

creção de aldosterona) e, dessa maneira, diminuem a pré-carga. A BLOQUEADORES DOS RECEPTORES


redução nos níveis teciduais de angiotensina também diminui a BETA-ADRENÉRG ICOS
atividade simpática, provavelmente através de uma redução dos
efeitos pré-sinápticos da angiotensina sobre a liberação de noradre- A maioria dos pacientes com insuficiência cardíaca crônica respon-
nalina. Por fim, esses fármacos reduzem a remodelagem a longo de favoravelmente a alguns l3-bloqueadores, embora esses fárma-
prazo do coração e dos vasos - um efeito que pode ser responsável cos possam precipitar descompensação aguda da função cardíaca
pela redução observada na taxa de mortalidade e morbidade (ver (Cap. 10). Os estudos realizados com bisoprolol, carvedilol e me-
Farmacologia Clínica). toprolol mostraram uma redução da taxa de mortalidade em paci-
Os bloqueadores dos receptores ATJ de angiotensina, como o entes com insuficiência cardíaca grave estável; todavia, esse efeito
losartan (ver Caps. 11 e 17), parecem exercer efeitos benéficos se- não foi observado com outro I?>-bloqueador,o bucindolol. Ainda
melhantes, porém mais limitados, e os estudos clínicos desses fár- não temos uma compreensão abrangente das ações benéficas do
macos prosseguem em pacientes com insuficiência cardíaca. bloqueio-I?>;todavia, os mecanismos sugeridos incluem a atenua-
Recentemente, foi introduzida em estudos clínicos uma nova ção dos efeitos adversos de concentrações elevadas de catecolami-
classe de fármacos que inibem tanto a ECA quanto a endopeptida- nas (incluindo apoptose), a supra-regulação dos receptores-I?>,a
se neutra, uma enzima que inativa a bradicinina e o peptídio na- diminuição da freqüência cardíaca e a redução da remodelagem
triurético (ver adiante). O omapatrilat é o primeiro desses fárma- através da inibição da atividade mitogênica das catecolaminas.
cos, e, em estudos iniciais, foi constatado que ele aumenta a tolec
rância ao exercício físico e diminui tanto a morbidade quanto a
mortalidade. Infelizmente, está associado a uma incidência signifi-
cativa de angioedema. 11.FARMACOLOGIA CLíNICA
V ASODILA TADORES DAS DROGAS UTILIZADAS NA
Os vasodilatadores mostram-se eficazes na insuficiência cardíaca INSUFICIÊNCIA CARDíACA
aguda, visto que produzem uma redução na pré-carga (através de
venodilatação), na pós-carga (através de dilatação arteriolar) ou em No passado, a prescrição de um diurético mais um digitálico era
ambas. Algumas evidências sugerem que o uso a longo prazo da quase automática em todos os casos de insuficiência cardíaca crô-
nica, e raramente se considerava o uso de outros fármacos. Na atu-
hidralazina e do dinitrato de isossorbida também pode diminuir a
remodelagem lesiva do coração. alidade, os diuréticos ainda são considerados terapia de primeira
Recentemente, uma forma sintética do peptídio endógeno, o linha, enquanto os digitálicos são habitualmente reservados para
peptídio natriurético cerebral (BNP, brain natriuretic peptide), pacientes que não respondem adequadamente a diuréticos, inibi-
foi aprovada para uso com o nome de nesiritida na insuficiência dores da ECA e l3-bloqueadores (Quadro 13.1).
cardíaca aguda. Esse produto recombinante aumenta o cGMP nas
células musculares lisas e reduz efetivamente o tônus arteriolar e
TRATAMENTO DA INSUFICIÊNCIA
venoso em preparações experimentais. Além disso, provoca diu-
rese. O pepfídio, que apresenta meia-vida curta de cerca de 18 mi- CARDíACA CRÔNICA
nutos, é administrado em dose intravenosa "em bolo", seguida de
infusão contínua. O efeito adverso mais comum consiste em hi- As principais etapas no tratamento de pacientes com insuficiência
potensão excessiva. Foi sugerida a determinação do BNP endóge- cardíaca crônica estão resumidas no Quadro 13.4. A redução do
no como teste diagnóstico, devido a uma elevação das concentra- trabalho cardíaco mostra-se útil na maioria dos casos. Pode ser obtida
ções plasmáticas na maioria dos pacientes com insuficiência car- através da redução da atividade e do peso corporal e - particular-
díaca. mente importante - controle da hipertensão.
O bosentan, um inibido r competitivo da endotelina ativo por
via oral (ver Capo 17) mostrou ter alguns benefícios em modelos REMOÇÃO DO SÓDIO
de insuficiência cardíaca em animais de laboratório; todavia, os
resultados de estudos clínicos em seres humanos não foram notá- A remoção do sódio constitui a etapa seguinte mais importante -
veis. Esse fármaco foi aprovado para uso na hipertensão pulmo- através de restrição dietética de sal ou uso de diurético - particu-
nar (ver Capo 11). Possui efeitos teratogênicos e hepatotóxicos larmente na presença de edema. Na insuficiência leve, é razoável
significativos. iniciar um diurético tiazídico, que é substituído por agentes mais

Quadro 13.4 Etapas no tratamento da insuficiência cardíaca crônica

1. Reduzir a carga de trabalho do coração


a. Limitar o nível de atividade
b. Reduzir o peso corporal
c. Controlar a hipertensão
2. Restringir o sódio
3. Restringir a água (raramente necessário)
4. Administrar diuréticos
5. Administrar inibidor da ECA ou bloqueador do receptor de angiotensina
6. Administrar digitálicos na presença de disfunção sistólica com terceira bulha cardíaca ou fibrilação atrial
7. Administrar i3-bloqueadores a pacientes com insuficiência cardíaca estável da classe li-IV
8. Administrar vasodilatadores
FÁRMACOS UTILIZADOS NA INSUFICIÊNCIA CARDíACA / 177

potentes, se houvet necessidade. A petda de sódio provoca perda ma geralmente envolve tanto a elevação da pressão de enchimento
secundária de potássio, que é particularmente perigosa se o pacien- quanto a redução do débito cardíaco. Nessas circunstâncias, é ne-
te estiver em uso de digitálicos. A hipocalemia pode ser rratada atra- cessária a dilatação tanto das arteríolas quanto das veias. Em um
vés de suplementação de potássio ou adição de um diurético pou- estudo clínico, a terapia associada com hidralazina (dilatação arte-
pador de potássio, como a espironolactona. Conforme assinalado riolar) e dinitrato de isossorbida (dilatação venosa) prolongou mais
anteriormente, a espironolactona provavelmente deveria ser consi- a vida do que o placebo em pacientes que já faziam uso de digitáli-
derada para todos os pacientes portadores de insuficiência cardíaca cos e diuréticos.
moderada ou grave, visto que essa droga parece reduzir tanto a
morbidade quanto a mortalidade. BETA-BLOQUEADORES E BLOQUEADORES
DOS CANAIS DE CÁLCIO
INIBIDORES DA ECA E BLOQUEADORES
DOS RECEPTORES DE ANGIOTENSINA Muitos estudos clínicos avaliaram o potencial da terapia com
~-bloqueadores de pacientes com insuficiência cardíaca. A base ra-
Os inibidores da ECA devem ser os primeiros fármacos adminis- cional deriva da hipótese de que a taquicardia excessiva e os efeitos
trados a pacientes com disfunção ventricular esquerda, porém sem adversos dos níveis elevados de catecolaminas sobre o coração con-
edema. Vários estudos de grande porte compararam os inibidores tribuem para a evolução deteriorante de pacientes com insuficiên-
da ECA com a digoxina ou com outras terapias tradicionais para a cia cardíaca. Todavia, essa forma de terapia deve ser iniciada com
insuficiência cardíaca crônica. Os resultados obtidos mostram cla- muita cautela, em baixas doses, visto que o bloqueio agudo dos efei-
ramente que os inibidores da ECA são superiores tanto ao placebo tos de suporte das catecolaminas pode agravar a insuficiência car-
quanto a outros vasodilatadores, devendo o seu uso ser considera- díaca. Podem ser necessários vários meses de terapia para se obser-
do, juntamente com os diuréticos, como terapia de primeira linha var uma melhora; em geral, essa melhora consiste em leve elevação
para a insuficiência crônica. Todavia, os inibidores da ECA não da fração de ejeção, redução da freqüência cardíaca e diminuição
podem substituir a digoxina em pacientes que fazem uso dessa dro- dos sintomas. Conforme assinalado anteriormente, foi constatado
ga, visto que os pacientes deterioram quando se retira o glicosídio que o bisoprol, carvedilol e o metoprolol reduzem a mortalidade.
cardíaco durante a terapia com inibidores da ECA. Os fármacos bloqueadores dos canais de cálcio não parecem
Outros estudos sugerem que os inibidores da ECA são também desempenhar qualquer papel no tratamento de pacientes com in-
valiosos para pacientes assintomáticos com disfunção ventricular. suficiência cardíaca. Seus efeitos depressores sobre o coração podem
Ao reduzir a pré-carga e a pós-carga, esses fármacos parecem dimi- agravar a insuficiência cardíaca.
nuir a velocidade da dilaração ventricular e, portanto, retardar o
início da insuficiência cardíaca clínica. Por conseguinte, os inibi- DIGITÁLlCOS
dores da ECA são benéficos em todos os subgrupos de pacientes,
desde os assintomáticos aré os que apresentam insuficiência grave. A digo xi na é indicada para pacientes com insuficiência cardíaca e
Parece que todos os inibidores da ECA avaliados até o momen- fibrilação atria!. Além disso, é extremamente útil para pacientes
to possuem efeitos benéficos em pacientes com insuficiência cardí- com dilatação cardíaca e terceira bulha cardíaca. Em geral, é ad-
aca crônica. Estudos recentes documentaram esses efeitos benéfi- ministrada após inibidores da ECA. Apenas cerca de 50% dos
cos com o enalapril, captopril, lisinopril, quinapril e ramipri!. Por pacientes com ritmo sinusal normal (em geral, os que apresentam
conseguinte, esse benefício parece representar um efeito da classe disfunção sistólica documentada) apresentam alívio documentá-
como um todo. vel da insuficiência cardíaca com digitálicos. São obtidos melho-
Os antagonistas dos receptores de angiotensina II (p. ex., 10- res resultados em pacientes com fibrilação atria!. Se for tomada a
sartan, valsartan) produzem efeitos hemo dinâmicos benéficos, que decisão de utilizar um glicosídio cardíaco, a digoxina é o fármaco
se assemelham aos dos inibi dores da ECA. Todavia, estudos clí- escolhido na grande maioria dos casos (e o único disponível nos
nicos de grande porte sugerem que os bloqueadores dos recepto- Estados Unidos). Quando os sintomas são leves, o método lento
res de angiotensina só devem ser utilizados em pacientes com in- (digitalização) (Quadro 13.3) é mais seguro e tão eficaz quanto o
tolerância aos inibidores da ECA (geralmente, devido à ocorrên- método rápido.
cia de tosse). Pode ser difícil determinar o nível ótimo do efeito digitálico. Em
pacientes com fibrilação atrial, a redução da freqüência ventricular
VASODILATADORES constitui a melhor medida dos efeitos dos glicosídios. Em pacien-
tes com ritmo sinusal normal, a melhora sintomática e a redução
As drogas vasodilatadoras podem ser divididas em dilaradoras arte- do tamanho do coração, da freqüência cardíaca durante o exercí-
rio lares selerivas, dilatadoras venosas e drogas com efeitos vasodila- cio, da pressão venosa ou do edema podem indicar níveis ótimos
tadores não-seletivos. Nesse contexto, os inibidores da ECA podem do fármaco no miocárdio. Infelizmente, podem surgir efeitos tóxi-
ser considerados dilatadores arteriolares e venosos não-seletivos. A cos antes da detecção dos parâmetros de avaliação terapêutica. Se a
escolha do fármaco deve basear-se nos sinais e sintomas do pacien- digitalização for lenta, a simples omissão de uma dose e a redução
te, bem como nas medidas hemodinâmicas. Assim, em pacientes da dose de manutenção à metade freqüentemente levam o paciente
com altas pressões de enchimento, nos quais a dispnéia constitui o a uma faixa estreita entre concentrações subótimas e tóxicas. A de-
principal sintoma, os dilatadores venosos, como os nitratos de ação terminação dos níveis plasmáticos de digoxina mostra-se útil em
prolongada, terão mais utilidade para reduzir as pressões de enchi- pacientes que parecem s~r inusitadamente resistentes ou sensíveis;
mento e os sintomas de congestão pulmonar. Para pacientes nos um nível de 1,1 ng/mL ou menos mostra-se apropriado.
quais a fadiga causada pelo baixo débito ventricular esquerdo cons- Por terem um efeito inotrópico positivo moderado, porém per-
titui um sintoma primário, a administração de um dilatador arteri- sistente, os digitálicos podem, teoricamente, reverter os sinais e
olar, como a hidralazina, pode ser útil para aumentar o débito car- sintomas da insuficiência cardíaca. Num paciente adequadamen-
díaco. Na maioria dos pacientes com insuficiência crônica grave que te selecionado, os digitálicos aumentam o trabalho sistólico e o
respondem inadequadamente a outras formas de terapia, o proble- débito cardíaco. O aumento do débito (e, possivelmente, uma ação
178 / FARMACOLOGIA

direta, reajustando a sensibilidade dos barorreceptores) elimina os Quadro 13.5 Uso clínico da digoxina'
estímulos que desencadeiam uma descarga simpática aumentada
e tanto a freqüência cardíaca quanto o tônus vascular diminuem. Digoxina
Com a redução da tensão da fibra no final da diástole (em conse- Concentração plasmática terapêutica 0,5-1,5 ng/mL
qüência do aumento da ejeção sistólica e diminuição da pressão
de enchimento), o tamanho do coração e as demandas de oxigê-
Concentração plasmática tóxica > 2 ng/mL
nio diminuem. Por fim, o aumento do fluxo sangüíneo renal Dose diária (dose de ataque lenta ou de 0,25 (0,125-0,5) mg
melhora a filtração glomerular e reduz a reabsorção de sódio esti- manutenção)
mulada pela aldosterona. Por conseguinte, o líquido do edema Dose de digitalização rápida 0,5-0,75 mg a cada 8
pode ser excretado, reduzindo ainda mais a pré-carga ventricular (raramente utilizada) horas para três doses
e o risco de edema pulmonar. Embora os digitálicos tenham um 1 Essesvalores são apropriados para adultos com funções renal e hepática normais.
efeito neutro sobre a taxa de mortalidade (Digitalis lnvestigation
Group, 1997), eles reduziram tanto a hospitalização quanto a
mortalidade da insuficiência cardíaca progressiva, ao custo de um
aumento na ocorrência de morte súbita. É importante assinalar melhorando, assim, o enchimento ventricular e aumentando o dé-
que houve redução da taxa de mortalidade em pacientes com con- bito cardíaco. Os digitálicos também têm sido utilizados no con-
centrações séricas de digoxina de 1 ng/mL ou menos, enquanto trole da taquicardia atrial paroxística e do nó atrioventricular. Na
foi constatado um aumento naqueles que apresentaram níveis atualidade, prefere-se o uso de bloqueadores dos canais de cálcio e
superiores a 1,5 ng/ mL. da adenosina para essa aplicação.
Os digitálicos devem ser evitados na terapia das arritmias asso-
Administração e Posologia ciadas à síndrome de Wolff-Parkinson-White, visto que aumentam
a probabilidade de condução de impulsos atriais arrítmicos através
Um tratamento a longo prazo com digoxina exige cuidadosa aten- da via atrioventricular alternativa de condução rápida. Seu uso é
ção para a farmacocinética, devido à sua meia-vida prolongada. De explicitamente contra-indicado para pacientes com síndrome de
acordo com as regras estabelecidas no Capo 3, são necessárias 3 a 4 Wolff-Parkinson-White e fibrilação atrial (ver Capo 14).
meias-vidas para atingir-se uma carga corporal total em estado de
equilíbrio dinâmico, quando o fármaco é administrado em taxa Toxicidade
constante, isto é, cerca de uma semana para a digoxina. O Quadro
13.5 fornece as doses típicas utilizadas em adulto. Dispõe-se de uma A despeito de seus riscos reconhecidos, os digitálicos são intensa-
preparação parenteral de digoxina, que não é utilizada para obter mente utilizados e é comum a ocorrência de toxicidade. A terapia
um início mais rápido dos efeitos, visto que o tempo levado para da toxicidade, que se manifesta na forma de alterações visuais ou
alcançar o efeito máximo é determinado principalmente por altera- distúrbios gastrintestinais, geralmente não exige mais do que a re-
ções iônicas dependentes do tempo no tecido. Por conseguinte, a dução da dose do fármaco. Se houver arritmia cardíaca passível de
reparação parenteral só é apropriada para pacientes que não podem ser definitivamente atribuída ao digitálico, pode ser necessária uma
tomar medicamentos por via oral. terapia mais vigorosa. Os níveis séricosdo digitálico e de potássio e
o ECG devem ser monitorizados durante a terapia para toxicidade
Interações digitálica significativa. O estado dos eletrólitos deve ser corrigido
se estiver anormal (ver anteriormente). Para pacientes que não res-
Os pacientes correm risco de desenvolver graves arritmias cardía- pondem prontamente (dentro de uma a duas meias-vidas) é neces-
cas induzidas por digitálicos se houver desenvolvimento de hipo- sário avaliar os níveis de cálcio e de magnésio, bem como de potás-
calemia, como no caso da terapia com diuréticos ou de diarréia. sio. Em caso de despolarizações ventriculares prematuras ocasionais
Além disso, os pacientes em uso de digoxina correm risco ao re- ou breves episódios de bigeminismo, a suplementação de potássio
ceberem quinidina, um fármaco que desloca digoxina dos sítios oral e a retirada do glicosídio podem ser suficientes. Se a arritmia
de ligação nos tecidos (efeito secundário) e diminui a depuração for mais grave, pode ser necessária a administração de potássio pa-
renal da digoxina (efeito principal). O nível plasmático do glico- renteral e agentes antiarrítmicos. A lidocaína é o fármaco preferido
sídio pode duplicar dentro de poucos dias após o início da terapia entre os agentes antiarrítmicos disponíveis.
com quinidina, podendo surgir efeitos tóxicos. Conforme assina- Na intoxicação digitálica grave (que habitualmente envolve cri-
lado anteriormente, os antibióticos que alteram a flora gastrintes- anças de pouca idade ou superdosagem suicida), o nível sérico de
tinal podem aumentar a biodisponibilidade da digoxina em cerca potássio já está elevado no momento do diagnóstico (devido à per-
de 10% dos pacientes. Por fim, os agentes que liberam cate cola- da de potássio do compartimento intracelular do músculo esque-
minas podem sensibilizar o miocárdio a arritmias induzidas por lético e de outros tecidos). Além disso, a automaticidade está habi-
digitálicos. tualmente deprimida e a administração de agentes antiarrítmicos
nesse contexto pode levar a uma parada cardíaca. O melhor trata-
Outros Usos Clínicos dos Digitálicos mento para esses pacientes consiste na inserção de um cateter mar-
ca-passo cardíaco temporário e na administração de anticorpos
Os digitálicos mostram-se úteis no tratamento das arritmias atriais, antidigitálicos (fab imune antidigoxina). Esses anticorpos são pro-
em virtude de seus efeitos parassimpaticomiméticos cardiosseleti- duzidos em carneiros; embora sejam formados contra a digoxina,
vos. No flutteratrial, o efeito depressor desses fármacos sobre a con- reconhecem também a digitoxina e outros glicosídios cardíacos de
dução atrioventricular ajuda a controlar uma freqüência ventricu- muitas outras plantas. São extremamente úteis para reverter a into-
lar excessivamente alta. Os efeitos desses fármacos sobre a muscu- xicação grave causada pela maioria dos glicosídios.
latura atrial pode converter o flutterem fibrilação, com diminuição As arritmias induzidas por digitálicos são freqüentemente agra-
ainda maior da freqüência ventricular. Na fibrilação atrial, a mes- vadas por cardioversão; essa terapia deve ser reservada para a fibri-
tna ação vasomimética ajuda a controlar a freqüência ventricular, lação ventricular, se a arritmia for induzida por glicosídios.
FÁRMACOS UTILIZADOS NA INSUFICIÊNCIA CARDíACA / 179

Quadro 13.6 Classificação terapêutica dos subgrupos no infarto agudo do miocárdio'


Pressão Pressão de
Arterial Enchimento
Sistólica Ventricular Esquerdo (ndice Cardíaco
Subgrupo (mm Hg) (mm Hg) (Uminlm2) Terapia

1. Hipovolemia < 100 < 10 < 2,5 Reposição de volume

2. Congestão pulmonar 100-150 > 20 > 2,5 Diuréticos

3. Vasodilatação periférica < 100 10-20 > 2,5 Nenhuma, ou drogas vasoativas

4. Falência da força <100 >20 <2,5 Vasodilatadores, agentes inotrópicos

5. Choque grave < 90 > 20 < 2,0 Drogas vasoativas, agentes


inotrópicos, vasodilatadores,
assistência circulatória

6. Infarto ventricular direito < 100 PEVD> 10 < 2,5 Fornecer uma reposição de volume
PEVE < 15 para a PEVE, fármacos inotrópicos.
Evitar o uso de diuréticos

7. Regurgitação mitral, < 100 > 20 < 2,5 Vasodilatadores, agentes


defeito do septo ventricular inotrópicos, assistência circulatória,
cirurgia

'Os valores numéricos têm por objetivo fornecer uma diretriz geral e não representam pontos terminais absolutos. As pressões arteriais aplicam-se a pacientes anteriormente
normotensos e devem ser ajustadas para cima para pacientes anteriormente hipertensos. (PEVD e PEVE = pressão de enchimento do ventriculo direito e ventriculo esquerdo.)

TRATAMENTO DA INSUFICIÊNCIA suficiência aguda e crônica são idênticos, porém a sua terapia di-
verge, em virtude da necessidade de uma resposta mais rápida e da
CARDíACA AGUDA freqüência e gravidade relativamente maiores da congestão vascu-
Com freqüência, ocorre insuficiência cardíaca aguda em pacientes lar pulmonar na forma aguda.
com insuficiência crônica. Em geral, esses episódios estão associa- As medidas da pressão arterial, débito cardíaco, índice de traba-
dos a um aumento do esforço físico, a emoções, excesso de sal na lho sistólico e pressão capilar pulmonar em cunha são particular-
dieta, não-obediência do paciente ao tratamento clínico ou aumento mente úteis em pacientes com infarto agudo do miocárdio e insu-
das demandas metabólicas em decorrência de febre, anemia ete. O ficiência cardíaca aguda. Esses pacientes podem ser convenientemen-
infarto agudo do miocárdio constitui uma causa particularmente te caracterizados com base em três medidas hemodinâmicas: pres-
comum e importante de insuficiência aguda - com ou sem insu- são arterial, pressão de enchimento ventricular e índice cardíaco.
ficiência crônica. O Quadro 13.6 apresenta uma dessas classificações, bem como as
O melhor tratamento para pacientes com infarto agudo do mi- terapias que demonstraram ser mais eficazes. Quando a pressão de
ocárdio consiste em revascularização de emergência, com angioplas- enchimento é superior a 15 mm Hg e o índice de trabalho sistólico
tia coronariana e stent ou um agente trombolítico. Nesses pacien- é inferior a 20 g_m/m2, a taxa de mortalidade apresenta-se elevada
tes, pode-se verificar o desenvolvimento de insuficiência aguda até (Fig. 13.3). Os níveis intermediários dessas duas variáveis indicam
mesmo com revascularização. Muitos dos sinais e sintomas da in- um prognóstico muito mais satisfatório.
180 / FARMACOLOGIA

__._U oo.n __ un_-_ u __ o. n __ -__ • _ n .!~~~~~~S~~~_~~S.~~~í_~~!~


__ ___..__
.. o o •• _n __ •• n_

(DIURÉTICOS: VER CAp. 15.) BLOQUEADORES DOS RECEPTORES DE ANGIOTENSINA

DIGITÁLlCOS Candesartan (Atacand)


Oral: comprimidos de 4, 8, 16, 32 mg
Digoxina (genérico, Lanoxicaps, Lanoxin) Eprosartan (Teveten)
Oral: comp. de 0,125 e 0,25 mg; cáps. de 0,05, 0,1 e 0,2 Oral: comprimidos de 400,800 mg
mg*; elixir com 0,05 mg/mL Irbesartan (Avapro)
Parenteral: injeção com 0,1 e 0,25 mg/mL Oral: comprimidos de 75, 150, 300 mg
Losartan (Cozaar)
ANTICORPO ANTIDIGOXINA
Oral: comprimidos de 25, 50, 100 mg
Fab imune (ovino) (Digibind. Digifab) Olmesartan (Benicar)
Oral: comprimidos de 5, 20, 40 mg
Parenteral: 38 ou 40 mg por frasco com 75 mg de pó de
Telmisartan (Micardis)
sorbitolliofilizado para reconstituição e injeção IV. Cada
Oral: comprimidos de 20, 40, 80 mg
frasco liga-se a cerca de 0,5 mg de digoxina ou digitoxina.
Valsartan (Diovan)
SIMPATlCOMIMÉTICOS MAIS USADOS EM INSUFICIÊNCIA CARDíACA CONGESTIVA
Oral: comprimidos de 40, 80, 160, 320 mg
Dobutamina (genérico, Dobutrex)
BETA-BLOQUEADORES QUE APRESENTAM REDuçÃO DA TAXA DE MORTALIDADE
Parenteral: 12,5 mg/mL para infusão IV NA INSUFICIÊNCIA CARDíACA
Dopamina (genérico, Intropin)
Bisoprolol (Zebeta, uso não-indicado)
Parenteral: 40, 80 e 160 mg/mL para injeção IV; 80, 160,
Oral: comprimidos de 5, 10 mg
320 mg/mL em soro glicosado a 5% para infusão IV
Carvedilol (Coreg)
INIBIDORES DA ENZIMA CONVERSORA DA ANGIOTENSINA PARA USO NA
Oral: comprimidos de 3,125,6,25,12,5,25 mg
INSUFICIÊNCIA CARDíACA CONGESTIVA
Metoprolol (Lopressor, Toprol XL)
Oral: comprimidos de 50, 100 mg; comprimidos de
Captopril (genérico, Capoten) liberação prolongada de 25, 50, 100, 200 mg
Oral: comp. de 12,5, 25, 50 e 100 mg Parenteral: 1 mg/mL para injeção IV
Enalapril (Vasotec, Vasotec IV)
Oral: comp. de 2,5,5,10 e 20 mg OUTROS FÁRMACOS
Parenteral: 1,25 mg de enalaprilato/mL Bosentan (Tracleer)
Fosinopril (Monopril)
Oral: comprimidos de 62,5, 125 mg
Oral: comp. de 10, 20 e 40 mg Inamrinona
Lisinopril (Privinil, Zestril)
Parenteral: 5 mg/mL para injeção IV
Oral: comp. de 2,5, 5, 10, 20 e 40 mg Milrinona (genérico, Primacor)
Quinapril (Accupril)
Parenteral: 1 mg/mL para injeção IV; 200 f.lg/mL pré-
Oral: comp. de 5, 10, 20 e 40 mg
Ramipril (Altace) misturados para infusão IV
Nesiritida (Natrecor)
Oral: cáps. de 1,25, 2,5, 5 e 10 mg
Trandolapril (Mavik) Parenteral: 1,58 mg para injeção IV na forma de pó
Oral: comp. de 1, 2 e 5 mg

*As cápsulas de digoxina (Lanoxicaps) apresentam maior biodisponibilidade do que os comprimidos de digoxina.

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Fármacos Utilizados nas Arritmias
Cardíacas
Joseph R. Hume, PhO, e Augustus O. Grant, MO, Pho*

As arritmias cardíacas constituem um problema freqüente na prá- Base lônica da Atividade Elétrica da
tica clínica e são observadas em até 25% dos pacientes tratados Membrana
com digitálicos, 50% dos pacientes anestesiados, e mais de 80%
dos pacientes com infarto agudo do miocárdio. As arritmias po- O potencial transmembranoso das células cardíacas é determina-
dem exigir tratamento, visto que os ritmos excessivamente rápi- do pelas concentrações de vários íons - principalmente sódio
dos, demasiado lentos ou assincrônicos podem reduzir o débito (Na+), potássio (K+), cálcio (Ca2+) e cloreto (0-) - em ambos
cardíaco. Algumas arritmias podem precipitar distúrbios do rit- os lados da membrana, e pela permeabilidade da membrana a cada
mo mais graves ou até mesmo letais - p. ex., as despolarizações íon. Esses íons hidrossolúveis são incapazes de sofrer difusão livre
ventriculares prematuras precoces podem precipitar fibrilação através da membrana celular lipídica em resposta a seus gradien-
ventricular. Nesses pacientes, o uso de fármacos antiarrítmicos tes elétricos e de concentração. Para que ocorra difusão, esses íons
pode salvar a vida. Por outro lado, os riscos associados aos fárma- necessitam de canais aquosos (proteínas específicas que formam
cos antiarrítmicos - e, em particular, o fato de que podem preci- poros). Por conseguinte, os íons atravessam as membranas celu-
pitararritmias letais em alguns pacientes -levaram a uma reava- lares em resposta a seus gradientes, apenas em momentos especí-
li ação de seus riscos e benefícios relativos. Em geral, o tratamento ficos do ciclo cardíaco, quando ocorre abertura desses canais iô-
das arritmias assintomáticas ou de sintomas mínimos deve ser
nicos. Os movimentos desses íons produzem correntes que for-
evitado por esse motivo. mam a base do potencial de ação cardíaco. Os canais individuais
As arritmias devem ser tratadas com as drogas descritas neste são relativamente específicos quanto aos íons que passam por eles,
capítulo e com terapias não-farmacológicas, como marca-passos, e acredita-se que o fluxo de íons através desses canais seja contro-
cardioversão, ablação por cateter e cirurgia. Este capítulo descreve lado por "comportas" (constituídas, provavelmente, por cadeias
a farmacologia das drogas que suprimem as arritmias através de uma peprídicas flexíveis ou por barreiras de energia). Cada tipo de ca-
ação direta sobre a membrana da célula cardíaca. Outras modali- nal tem seu próprio tipo de comporta (acredita-se que os canais
dades de tratamento são analisadas de modo sucinto.
de sódio, de cálcio e alguns canais de potássio tenham, cada um,
dois tipos de comportas), sendo cada tipo aberto ou fechado por
condições transmembranosas específicas de voltagem, iônicas ou
ELETROFISIOLOGIA DO RITMO metabólicas.
CARDíACO NORMAL Em condições de repouso, as células não são, em sua maioria,
acentuadamente permeáveis ao sódio, porém tornam-se muito per-
O impulso elétrico que desencadeia uma contração cardíaca nor- meáveis no início de cada potencial de ação (ver adiante). De for-
mal origina-se a intervalos regulares no nó sinoatrial (Fig. 14.1), ma semelhante, o cálcio penetra na célula, enquanto o potássio sai
habitualmente, numa freqüência de 60-100 batimentos por minu- dela a cada potencial de ação. Por conseguinte, a célula deve dispor
to. Esse impulso propaga-se rapidamente pelos átrios e penetra no de algum mecanismo para manter condições iônicas transmembra-
nó atrioventricular, que normalmente constitui a única via de con- nosas estáveis ao estabelecer e manter gradientes iônicos. O mais
dução entre os átrios e os ventrículos. A condução através do nó importante desses mecanismos ativos é a bomba de sódio, Na+/K+
atrioventricular é lenta e leva cerca de 0,15 s. (Essa demora propor- ATPase, descrita no Capo 13. Essa bomba e outros transportadores
ciona o tempo necessário para a propulsão do sangue nos ventrícu- ativos de íons contribuem, indiretamente, para o potencial trans-
los pela contração atrial.) A seguir, o impulso propaga-se pelo siste- membranoso, mantendo os gradientes necessários para a difusão
ma de His-Purkinje e invade todas as partes dos ventrículos. A ati- através dos canais. Além disso, algumas bombas e trocadores pro-
vação ventricular torna-se completa em menos de 0,1 s; por conse- duzem um fluxo decorrente efetivo (p. ex., através da troca de três
guinte, a contração de todo o músculo ventricular é sincrônica e íons de Na+ por dois íons de K+) e, portanto, são denominados
hemodinamicamente eficaz. "eletrogênicos" .
As arritmias consistem em despolarizações cardíacas que diftrem da Quando a membrana celular cardíaca torna-se permeável a um
descrição anterior em um ou mais aspectos, isto é, existe uma anorma- íon específico (i. e., quando os canais seletivos para esse íon estão
abertos), o movimento do íon através da membrana celular é de-
lidade no local de origem do impulso, na sua fteqüência ou regularida-
de, ou na sua condução. terminado pela lei de Ohm: corrente = voltagem -:- resistência, ou
corrente = voltagem X condutância. A condutância é determina-
da pelas propriedades da proteína específica dos canais iônicos. O
termo voltagem refere-se à diferença entre o verdadeiro potencial
*Os autores agradecem pelas contribuições dos autores que redigiram a edição pre- de membrana e o potencial reverso desse íon (o potencial de mem-
cedente desre capírulo, os Drs. L. Hondeghem e D. Roden. brana em que não haverá fluxo de corrente, até mesmo se os canais
FÁRMACOS UTiliZADOS NAS ARRITMIAS CARDíACAS / 183

Veia cava Nó SA
superior

Átrio

NóAV
I
I
Ultrapassagem
I
I
o ---j-----
I
I Fase
I O
mV I
I I
I 1

~ 17
1

Váivula Purkinje I

tricúspide -100
Potencial de repouso
I
I
I
I

Ventrrculo

Fases do potencial de ação


o: Ascendente
1: Repolarização rápida precoce
2: Piatô
3: Repolarização
4: Diástole
ECG
I
I I I
I I
I I Q S
I I
LpR 1 QT~
200 ms

Fig. 14.1 Representação esquemática do coração e da atividade elétrica cardíaca normal (registros intracelulares a partir das áreas indi-
cadas e do ECG). O nó sinoatrial, o nó atrioventricular e as células de Purkinje apresentam atividade marca-passo (despolarização da fase
4). O ECG constitui a manifestação, na superfície do corpo, das ondas de despolarização e repolarização do coração. A onda P é gerada
pela despolarização atrial; o QRS, pela despolarização do músculo ventricular; e a onda T, pela repolarização ventricular. Por conseguinte,
o intervalo PRé uma medida do tempo de condução do átrio para o ventrículo, e a duração do QRS indica o tempo necessário para a
ativação de todas as células ventriculares (i. e, o tempo de condução intraventricular). O intervalo QT reflete a duração do potencial de
ação ventricular.

estiverem abertos). Por exemplo, no caso do sódio numa célula em que Ce e Ci representam as concentrações extracelulares e intra-
cardíaca em repouso, há um gradiente de concentração significati- celulares, respectivamente, multiplicadas por seus coeficientes de
vo (140 mmol/L de Na+ fora; 10-15 mmol/L de Na+ no interior) atividade. Observe que a elevação do potássio extracelular torna o
e um gradiente elétrico (O mV fora; -90 mV no interior) capazes EK menos negativo. Quando isso ocorre, a membrana se despolari-
de impulsionar o Na+ para dentro das células. O sódio não penetra za até atingir EK• Por conseguinte, a concentração extracelular de
na célula em repouso, visto que os canais de sódio estão fechados; potássio e o canal retificador interno funcionam como os princi-
quando os canais se abrem, o influxo muito grande de íons de Na+ pais fatores que determinam o potencial de membrana da célula
é responsável pela despolarização de fase O. A situação para os íons cardíaca em repouso. As condições necessárias para a aplicação da
de K+ na célula cardíaca em repouso é muito diferente. Neste caso, equação de Nernst são obtidas de modo aproximado no pico da
o gradiente de concentração (140 mmol/L no interior; 4 mmol/L ultrapassagem e durante o repouso na maioria das células cardíacas
fora) forçaria o íon para fora da célula, enquanto o gradiente elétri- não-marca-passo. Se a permeabilidade ao potássio e ao sódio for
co o forçaria para dentro, isto é, o gradiente interno está em equi- significativa, a equação de N ernst não constitui um bom indicador
líbrio com o gradiente externo. Com efeito, certos canais de potás- de potencial de membrana; todavia, pode-se utilizar a equação de
sio (canais "retificadores internamente dirigidos") estão abertos na Goldman- Hodgkin- Katz.
célula em repouso; entretanto, ocorre pouco fluxo de corrente através
deles, devido a esse equilíbrio. O equilíbrio ou potencial reverso
para íons é determinado pela equação de Nernst: Emem = 61 x 109 ( PK x
PK X K.
K. ++PPNaxX Na.
.Na Na.)
I

Nas células marca-passo (quer normal ou ectópico), ocorre des-


polarização espontânea (o potencial marca-passo) durante a diás-
184 / FARMACOLOGIA

EFEITOS DO POTÁSSIO

Os efeitos das alterações dos níveis séricos de potássio sobre a do marca-passo. Por outro lado, os efeitos verdadeiros observa-
duração do potencial de ação cardíaco, a freqüência do marca- dos da hipocafemia incluem prolongamento da duração do po-
passo e as arritmias podem ser um tanto paradoxais se as altera- tencial de ação, aumento da freqüência de marca-passo e au-
ções forem previstas baseando-se apenas em mudanças no gra- mento da arritmogênese do marca-passo. Além disso, a freqüên-
diente elétrico do potássio. Todavia, no coração, as alterações cia do marca-passo e as arritmias envolvendo células de marca-
na concentração sérica de potássio exercem um efeito adicional, passo ectópico parecem ser mais sensíveis a alterações das con-
alterando a condutância do potássio (o aumento do potássio ex- centrações séricas de potássio, em comparação com células do
tracelular aumenta a condutância do potássio) independente- nó sinoatrial. Essesefeitos dos níveis séricos de potássio sobre o
mente de alterações simples na força motriz eletroquímica, e esse coração provavelmente contribuem para o aumento observado
efeito freqüentemente predomina. Em conseqüência, os efeitos da sensibilidade a agentes antiarrítmicos bloqueadores dos ca-
realmente observados da hipercafemia consistem em redução nais de potássio (quinidina ou sotalol) durante a hipocalemia
da duração do potencial de ação, diminuição da condução, fre- como, por exemplo, o acentuado prolongamento do potencial
qüência diminuída do marca-passo e redução da arritmogênese de ação e tendência a produzir torsade de pointes.

tole (fase 4, Fig. 14.1). Essa despolarização resulta de um aumento so, as regiões da proteína que conferem comportamentos específi-
gradual da corrente de despolarização através de canais iônicos es- cos, como percepção da voltagem, formação de poros e inativação,
peciais ativados por hiperpolarização nas células marca-passo. O estão sendo identificadas. As comportas descritas adiante, bem como
efeito da alteração do potássio extracelular é mais complexo numa na Fig. 14.2, representam essas regiões.
célula marca-passo do que numa célula não-marca-passo, visto que A despolarização até a voltagem limiar resulta na abertura das
o efeito sobre a permeabilidade ao potássio é muito mais impor- comportas de ativação (m) dos canais de sódio (Fig. 14.2, meio).
tante no marca-passo (ver Boxe: Efeitos do Potássio). Num marca- Se as comportas de inativação (h) desses canais ainda não estiverem
passo - particularmente ectópico -, o resultado final do aumen- fechadas, os canais ficam então abertos ou ativados, e verifica-se um
to do potássio extracelular consiste habitualmente em diminuir ou acentuado aumento da permeabilidade ao sódio, ultrapassando
interromper o marca-passo. Por outro lado, a hipocalemia freqüen- acentuadamente a permeabilidade a qualquer outro íon. Por con-
temente facilita marca-passos ectópicos. seguinte, o sódio extracelular difunde-se ao longo de seu gradiente
eletroquímico para dentro da célula, e o potencial de ação aproxi-
Membrana Celular Ativa ma-se muito rapidamente do potencial de equilíbrio do sódio, ENa
(cerca de +70 mV quando Nae = 140 mmol/L e Nai = 10 mmol/
Nas células atriais, de Purkinje e ventriculares normais, a fase as- L). Essa corrente intensa de sódio tem duração muito breve, visto
cendente do potencial de ação (fase O) depende da corrente de Só- que na abertura das comportas m a despolarização é prontamente
dio. Do ponto de vista funcional, é conveniente descrever o com- seguida do fechamento das comportas h e da inativação dos canais
portamento da corrente de sódio em termos de um canal com três de sódio (Fig. 14.2, à direita).
estados (Fig. 14.2). A proteína do canal de sódio cardíaco foi do- Os canais de cálcio são, em sua maioria, ativados e inativados
nada e, hoje em dia, sabe-se que esses estados do canal represen- aparentemente da mesma maneira que os canais de sódio; todavia,
tam, na realidade, diferentes configurações da proteína. Além dis- no caso do tipo mais comum de canal de cálcio cardíaco (tipo "L"),

Em repouso Ativado Inativado


I > I >
Extracelular

Intracelular
40
O

-40
--Limiar
-80

fr---------~ Recuperação

Fig. 14.2 Representação esquemática dos canais de Na+ através de diferentes estados de configuração durante o potencial de ação car-
díaco. As transições entre os estados em repouso, ativado e inativado dependem do potencial da membrana e do tempo. A comporta de
ativação é indicada por m, e a comporta de inativação, por h. A figura mostra os potenciais típicos para cada estado em cada canal, em
função do tempo. A linha tracejada indica a parte do potencial de ação durante a qual os canais de Na+ estão, em sua maioria, total ou
parcialmente inativados, não sendo portanto disponíveis para reativação.
FÁRMACOS UTiliZADOS NAS ARRITMIAS CARDíACAS / 185

OmV

• Membrana
"",.,mo
Lado mterno

y
K', CI-
~=FR
-t
i
'ATP' , •••.•.•

Correntes
de canais
~

K 1+

Correntes de canais Bomba Trocador diastólicas

Fig. 14.3 Diagrama esquemático das alterações da permeabilidade a íons e dos processos de transporte que ocorrem durante um poten-
cial de ação e o período diastólico subseqüente. O tamanho e a espessura das setas indicam as magnitudes aproximadas das correntes
nos canais iônicos; as setas voltadas para dentro indicam correntes de membrana internamente dirigidas (despolarizantes), enquanto as
setas voltadas para cima indicam correntes de membrana externamente dirigidas (repolarizantes). Foram identificados múltiplos subtipos
de correntes de potássio e de cálcio, com diferentes sensibilidades a drogas bloqueadoras. As correntes de c1oreto (setas em linha pon-
tilhada) produzem correntes de membrana tanto interna quanto externamente dirigi das durante o potencial de ação cardíaco.

as transições ocorrem mais lentamente e em potenciais mais positi- portas h são reabertas), tornando os canais novamente disponíveis
vos. O platô do potencial de ação (fases 1 e 2) reflete o desligamen- para excitação. O tempo decorrido entre a fase O e a recuperação
to da maior parte da corrente de sódio, o aumento e a diminuição suficiente dos canais de sódio na fase 3 para permitir uma nova res-
da corrente de sódio e o desenvolvimento lento de uma corrente de posta propagada a estímulos externos é conhecido como período
potássio de repolarização. refratário. As alterações na refratariedade (determinada por uma
A repolarização final (fase 3) do potencial de ação resulta do recuperação alterada da inativação ou alteração na duração do po-
término da inativação dos canais de sódio e de cálcio e do aumento tencial de ação) podem ser importantes na gênese ou supressão de
da permeabilidade ao potássio, de modo que o potencial de mem- certas arritmias. Outro efeito importante da menor negatividade do
brana aproxima-se novamente do potencial de equilíbrio do potás- potencial em repouso é o prolongamento desse tempo de recupera-
sio. As principais correntes envolvidas na repolarização da fase 3 ção, conforme ilustrado na Fig. 14.4 (painel da direita). O prolon-
incluem uma corrente de potássio de rápida ativação (11(,) e uma gamento do tempo de recuperação reflete-se por um aumento no
corrente de potássio de ativação lenta (11(,)' Esses processos estão período refratário efetivo.
ilustrados na forma de diagrama na Fig. 14.3. Um breve estímulo de despolarização, seja ele ocasionado por
um potencial de ação propagado ou por um arranjo de eletrodos
Efeito do Potencial de Repouso sobre externos, determina a abertura de grandes números de comportas
Potenciais de Ação de ativação antes que possa haver fechamento de um número sig-
nificativo de comportas de inativação. Em contraste, a redução lenta
Um fator-chave na fisiopatologia das arritmias e nas ações dos agen- (despolarização) de potencial de repouso, seja ela produzida por
tes antiarrítmicos consiste na relação entre o potencial de repouso hipercalemia, bloqueio da bomba de sódio ou lesão celular isquê-
de uma célula e os potenciais de ação que podem ser evocados nela mica, resulta em depressão das correntes de sódio durante a fase
(Fig. 14.4, painel da esquerda). Como as comportas de inativação ascendente dos potenciais de ação. A despolarização do potencial
dos canais de sódio na membrana em repouso se fecham na faixa em repouso para níveis positivos até -55 m V anula as correntes de
de potencial de -75 a-55 m V, existe um menor número de canais sódio, visto que todos os canais de sódio são inativados. Entretan-
de sódio "disponíveis" para a difusão de íons de sódio quando um to, foi constatado que essas células intensamente despolarizadas
potencial de ação é evocado a partir de um potencial de repouso de mantêm potenciais de ação especiais em circunstâncias que aumen-
-60 m V do que quando é evocado a partir de um potencial de re- tam a permeabilidade ao cálcio ou que diminuem a permeabilida-
pouso de -80 m V. As conseqüências importantes da redução da de ao potássio. Essas "respostas lentas" - velocidade lenta da fase
permeabilidade máxima ao sódio incluem redução da velocidade ascendente e condução lenta - dependem da corrente internamente
da fase ascendente (denominada Vmáx., para a taxa máxima de alte- dirigida de cálcio e "constituem a atividade elétrica normal nos nós
ração de voltagem da membrana), redução da amplitude dos po- sinoatrial e atrioventricular, visto que esses tecidos possuem um
tenciais de ação, diminuição da excitabilidade e redução da veloci- potencial em repouso normal situado na faixa de -50 a -70 m V.
dade de condução. As respostas lentas também podem ser importantes para determi-
Durante o período de platô do potencial de ação, os canais de nadas arritmias. As técnicas modernas de biologia molecular e
sódio estão, em sua maioria, inativados. Com a repolarização, ocorre eletrofisiologia podem identificar múltiplos subtipos de canais de
recuperação da inativação (na terminologia da Fig. 14.2, as com- cálcio e de potássio. Uma das maneiras pelas quais esses subtipos
186 / FARMACOLOGIA

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'ro -120 -100 --80 --60 Ü -120 -100 -80 -60


c
<ti
Ü Potencial de repouso da membrana (mV) Potencial de repouso da membrana (mV)

Fig. 14.4 Dependência do funcionamento do canal de sódio quanto ao potencial de membrana que precede o estímulo. À esquerda: A
fração dos canais de sódio disponíveis para a abertura em resposta a um estímulo é determinada pelo potencial de membrana que pre-
cede imediatamente o estímulo. A diminuição na fração disponível quando o potencial de repouso está despolarizado na ausência de
drogas (curva de controle) resulta do fechamento das comportas h voltagem-dependente nos canais. A curva designada por droga ilus-
tra o efeito de um agente antiarrítmico anestésico local típico. Os canais de sódio estão, em sua maioria, inativados durante o platô do
potenéial de ação. À direita: A constante de tempo para a recuperação da inativação após repolarização também depende do potencial
em repouso. Na ausência de droga, ocorre recuperação em menos de 10 ms com potenciais em repouso normais (-85 a -95 mV). As
células despolarizadas recuperam-se mais lentamente (observe a escala logarítmica). Na ausência de agente bloqueador dos canais de
sódio, a constante de tempo de recuperação aumenta, porém a elevação é muito maior com potenciais despolarizados do que com os
mais negativos.

podem diferir é na sensibilidade aos efeitos farmacológicos, de modo todas as células cardíacas, incluindo as células atriais e ventriculares
que, no futuro, poderão ser desenvolvidas drogas tendo como alvo normalmente quiescentes, podem apresentar uma atividade de mar-
subtipos específicos de canais, ca-passo repetitiva quando despolarizadas em condições apropria-
das, particularmente se houver também hipocalemia.
As pós-despolarizações (Fig. 14.5) são despolarizações que in-
MECANISMOS DAS ARRITMIAS terrompem a fase 3 (pós-despolarizações precoces, PDP) ou a fase
4 (pós-despolarizações tardias, PDT). As PDT, discutidas no Capo
Numerosos fatores podem precipitar arritmias ou exacerbá-Ias: is-
quemia, hipoxia, acidose ou alcalose, anormalidades eletrolíticas,
exposição excessiva a catecolaminas, influências autônomas, toxi-
. ão precoce
cidade farmacológica (p, ex., digitálicos ou fármacos antiarrítmi- Platô Pós-desPolanZ:~ir do platô)
cos), estiramento excessivo das fibras cardíacas e presença de tecido
cicatricial ou mórbido. Todavia, todas as arritmias decorrem de: (1)
distúrbios na formação dos impulsos, (2) distúrbios na condução
dos impulsos, ou (3) ambos.
~
: 7"'9 /y
(origina-se a p

Distúrbios na Formação dos Impulsos


o intervalo entre as despolarizações de uma célula marca-passo é a JI '~_~ ---- ---~ __

l
soma da duração do potencial de ação e da duração do intervalo
diastólico. A redução de qualquer um desses períodos resulta em
aumento da freqüência do marca-passo. O mais importante deles,
o intervalo diastólico, é determinado primariamente pela inclina-
ção da despolarização da fase 4 (potencial de marca-passo). A des-
I (origina-se do potencial
carga vagal e os agentes bloqueadores dos receptores ~ reduzem a
freqüência normal do marca-passo ao diminuir a inclinação da fase I\ Pós-despolarização tardia
4 (a acetilcolina também torna mais negativo o potencial diastólico
máximo). A aceleração da descarga do marca-passo é freqüentemente
produzida por um aumento na inclinação da despolarização da fase
4, que pode ser causado por hipocalemia, estimulação dos recepto-
res ~-adrenérgicos, agentes cronotrópicos positivos, estiramento das
fibras, acidose e despolarização parcial por correntes de lesão.
J \S{~9)
Fig. 14.5 Duas formas de atividade anormal: as pós-despolarizações
precoce (parte superior) e tardia (parte inferior). Em ambos os ca-
Os marca-passos latentes (células que apresentam despolariza- sos, surgem despolarizações anormais durante ou após um poten-
ção de fase 4 lenta, mesmo em condições normais, como, por exem- cial de ação normal evocado. Por conseguinte, são freqüentemen-
plo, algumas fibras de Purkinje) são particularmente propensos à te designadas como automaticidade "deflagrada", isto é, necessi-
aceleração pelos mecanismos anteriormente citados. Entretanto, tam de um potencial de ação normal para seu início.
FÁRMACOS UTILIZADOS NAS ARRITMIAS CARDíACAS / 187

BASES MOLECULARES E GENÉTICAS DAS ARRITMIAS CARDíACAS

No decorrer da última década, as abordagens moleculares, ge- tificação dos mecanismos moleculares precisos subjacentes às vá-
néticas e biofísicas propiciaram notáveis esclarecimentos sobre rias formas da síndrome de QT longo levanta, hoje em dia, a pos-
a base molecular de várias arritmias cardíacas congênitas e ad- sibilidade de desenvolvimento de terapias específicas para indi-
quiridas. O melhor exemplo é fornecido pela taquicardia polimór- víduos com anormalidades moleculares definidas. Com efeito,
fica, conhecida como torsade de pointes (mostrada na Fig. 14.7), os relatos preliminares sugerem que a mexiletina, um bloquea-
que está associada à síncope e morte súbita. A característica ele- dor dos canais de sódio, pode corrigir as manifestações clínicas
trocardiográfica das síndromes tanto adquiridas quanto congê- da síndrome congênita de QT longo do subtipo 3. Dados clíni-
nitas consiste no prolongamento do intervalo QT, particularmente cos e in vitro demonstraram que a maioria das drogas disponí-
no início da taquicardia. Como podemos deduzir a partir da Fig. veis que prolongam o potencial de ação exerce maiores efeitos
14.1, isso deve representar o prolongamento do potencial de em taxas lentas (em que a torsade de pointes constitui um fator
ação de pelo menos algumas células ventriculares. Teoricamen- de risco) do que em taxas rápidas (quando deve ocorrer supres-
te, esse efeito pode ser atribuído a um aumento da corrente in- são das arritmias). Esse prolongamento do potencial de ação
ternamente dirigida (ganho de função) ou a uma redução da "dependente do uso reverso" parece estar ausente com o uso
corrente externamente dirigida (perda de função) durante o platô de amiodarona, o que pode ajudar a explicar a eficácia clínica
do potencial de ação. Com efeito, estudos recentes de genética aparentemente maior do fármaco, com sua baixa taxa de torsa-
molecular identificaram até 300 mutações diferentes em pelo de de pointes. É provável que a torsade de pointes tenha a sua
menos cinco genes dos canais iônicos que produzem a síndro- origem a partir de potenciais de ação ascendentes deflagrados
me congênita de QT longo (QTL) (Quadro 14.1), e cada muta- que surgem a partir de pós-despolarizações precoces (Fig. 14.5).
ção pode ter diferentes implicações clínicas. As mutações com Por conseguinte, a terapia é orientada para a correção da hipo-
perda de função nos genes dos canais de potássio produzem uma calemia, eliminação dos potenciais de ação ascendentes
redução da corrente repolarizante externamente dirigida e são deflagrados (p. ex., através de f3-bloqueadores ou de magnésio)
responsáveis pelos subtipos de QTL 1, 2, 5 e 6. Os genes HERG ou redução do potencial de ação (p. ex., ao aumentar a freqüên-
e KCNE2 (MiRP7) codificam subunidades da corrente retificado- cia cardíaca com isoproterenol ou marca-passo) - ou para to-
ra de potássio tardia rápida (U, enquanto os genes KCNQ 7 e dos esses objetivos.
KCNE7 (minK) codificam subunidades da corrente retificadora de Recentemente, foi também identificada a base molecular de
potássio tardia lenta (I,esl. Por outro lado, as mutações com ga- várias outras arritmias cardíacas congênitas associadas à morte
nho de função no gene dos canais de sódio (SCN5A) causam au- súbita. A síndrome de Brugada, que se caracteriza por fibrilação
mentos da corrente de platô internamente dirigida e são respon- ventricular associada a uma elevação persistente do segmento
sáveis pelo QTL do subtipo 3. ST, e o distúrbio de condução cardíaca progressiva (DCCP), ca-
Estudos de genética molecular identificaram o motivo pelo racterizado por comprometimento da condução no sistema de
qual os casos congênitos e adquiridos de torsade de pointes His-Purkinje e bloqueio de ramo direito ou esquerdo resultando
podem ser tão notavelmente semelhantes. O gene do canal de em bloqueio atrioventricular completo, foram ambos associados
potássio (HERG), que codifica IKr< é bloqueado ou modificado por a várias mutações com perda de função no gene do canal de
numerosas drogas (p. ex., quinidina, sotalol) ou anormalidades sódio, SCN5A. Pelo menos uma forma de fibrilação atrial famili-
eletrolíticas (hipocalemia, hipomagnesemia, hipocalcemia) que ar é causada por uma mutação com ganho de função no gene
também produzem torsade de pointes Por conseguinte, a iden- do canal de potássio, KCNQ1.

13, ocorrem freqüentem ente quando o cálcio intracelular esrá au- Wolff-Parkinson-White, o circuito de reentrada consiste em teci-
mentado. São exacerbadas por freqüências cardíacas rápidas, e acre- do atrial, nó AV, tecido ventricular e conexão atrioventricular aces-
dita-se que sejam responsáveis por algumas arritmias relacionadas sória ("trato de derivação"). Em outros casos (p. ex., fibrilação atri-
ao excesso de digitálicos, às catecolaminas e à isquemia do miocár- al ou ventricular), múltiplos circuitos de reentrada, determinados
dio. Por outro lado, as PDT são habitualmente exacerbadas em fre- pelas propriedades do tecido cardíaco, podem circular através do
qüências cardíacas baixas e acredita-se que contribuam para o de- coração, em vias aparentemente aleatórias. Além disso, o impulso
senvolvimento das arritmias relacionadas a QT longo (ver Boxe: circular freqüente dá origem a "impulsos filhos", que podem pro-
Bases Moleculares e Genéticas das Arritmias Cardíacas). pagar-se para o resto do coração. Dependendo de quantas vezes o
impulso percorre seu trajeto antes de extinguir-se, a arritmia pode
Distúrbios na Condução dos Impulsos manifestar-se na forma de um ou alguns batimentos extras, ou na
forma de taquicardia sustentada.
A ocorrência de acentuada depressão da condução pode resultar em Para que ocorra reentrada, três condições devem coexistir, con-
bloqueio simples, como, por exemplo, bloqueio do nó atrioventri- forme indicado na Fig. 14.6: (1) Deve haver um obstáculo (anatô-
cular ou bloqueio de ramo. Como o controle parassimpático da mico ou fisiológico) à condução homogênea, estabelecendo, assim,
condução atrioventricular é significativo, o bloqueio atrioventricu- um circuito ao redor do qual a frente de onda de reentrada pode
lar parcial é algumas vezes aliviado pela atropina. Outra anormali- propagar-se; (2) deve haver um bloqueio unidirecional em algum
dade comum de condução é a reentrada (também conhecida como ponto do circuito, isto é, a condução deve extinguir-se numa dire-
"movimento circular"), em que um impulso retoma a certas áreas ção, porém continuar na direção oposta (conforme ilustrado na Fig.
do coração mais de uma vez, excitando-as (Fig. 14.6). A via do 14.6, o impulso pode diminuir gradualmente, à medida que inva-
impulso de reentrada pode limitar-se a áreas muito pequenas, como, de progressivamente os tecidos despolarizados até ser finalmente
por exemplo, no nó atrioventricular ou nas suas proximidades, ou bloqueado - um processo conhecido como condução de decremen-
pode envolver grandes porções das paredes atrial ou ventricular. to); e (3) o tempo de condução pelo circuito deve ser longo o sufi-
Algumas formas de reentrada são estritamente determinadas do ciente para que o impulso retrógrado não penetre no tecido refra-
ponto de vista anatômico; assim, por exemplo, na síndrome de tário em seu percurso ao redor do obstáculo, isto é, o tempo de
188 / FARMACOLOGIA

A. Normal

I
l
\'----

B. Bloqueio unidirecional

Bloqueio

\
,~-----------
Fig. 14.6 Diagrama esquemático de um circuito de reentrada que poderia ocorrer em pequenos ramos de bifurcação do sistema de Purkinje
no local onde penetram na parede ventricular. A: Normalmente, a excitação elétrica dos ramos em torno do circuito é transmitida para
os ramos ventriculares e torna-se extinta na outra extremidade do circuito, devido à colisão dos impulsos. B: Desenvolvimento de uma
área de bloqueio unidirecional em um dos ramos, impedindo a transmissão anterógrada de impulsos no local do bloqueio; todavia, o
impulso retrógrado pode ser propagado através do local de bloqueio se o impulso encontrar um tecido excitável, i. e., se o período refra-
tário for mais curto que o tempo de condução. A seguir, esse impulso irá reexcitar o tecido pelo qual passou anteriormente, com estabe-
lecimento de uma arritmia de reentrada.

condução deve exceder o período refratário efetivo. É importante tário quando for tentada a reentrada. (Alternativamente, quanto
ressaltar que a reentrada depende da redução da condução em al- mais curto o período refratário na região deprimida, menor a pro-
gum grau crítico, geralmente em decorrência de lesão ou isquemia. babilidade de ocorrência de bloqueio unidirecional.) Por conseguin-
Se a velocidade de condução for demasiado lenta, ocorre bloqueio te, o aumento da dispersão da refratariedade constitui um fator que
bidirecional em vez de unidirecional; se o impulso reentrante for contribui para a reentrada e as drogas podem suprimir as arritmias
demasiado fraco, pode não haver condução, ou o impulso pode ao reduzir essa dispersão.
chegar tão tarde a ponto de colidir com o impulso regular seguinte.
Por outro lado, se a condução for demasiado rápida, isto é, quase
normal, ocorrerá condução bidirecional em vez de unidirecional.
Mesmo na presença de bloqueio unidirecional, o impulso só irá I. FARMACOLOGIA BÁSICA DOS
alcançar um tecido ainda refratário se seguir o seu trajeto ao redor
do obstáculo com demasiada rapidez. FÁRMACOS ANTIARRíTMICOS
A diminuição da velocidade de condução pode ser devida a de-
pressão da corrente de sódio, a depressão da correpre de cálcio (esta Mecanismos de Ação
última particularmente no nó atrioventricular) ou a ambas. As dro-
gas que abolem a reentrada geralmente atuam ao reduzir ainda mais As arritmias são causadas por uma atividade marca-passo anormal
a condução deprimida (ao bloquear a corrente de sódio ou de cál- ou por uma anormalidade na propagação dos impulsos. Por con-
cio) e ao provocar bloqueio bidirecional. Teoricamente, a acelera- seguinte, a terapia das arritmias tem por objetivo reduzir a ativi-
ção da condução (ao aumentar a corrente de sódio ou de cálcio) dade marca-passo ectópica e modificar a condução ou a refratari-
também seria eficaz, porém esse mecanismo explica a ação de qual- edade em circuitos de reentrada para impedir movimento circu-
quer droga disponível apenas em circunstâncias muito incomuns. lar. Os principais mecanismos atualmente disponíveis para atin-
O prolongamento (ou o encurtamento) do período refratário gir esses objetivos são: (1) bloqueio dos canais de sódio, (2) blo-
também pode tornar menos provável a ocorrência de reentrada. queio dos efeitos autônomos simpáticos no coração, (3) prolon-
Quanto maior o período refratário no tecido próximo ao local do gamento do período refratário efetivo e (4) bloqueio dos canais
bloqueio, maior a probabilidade de que o tecido ainda estará refra- de cálcio.
FÁRMACOS UTILIZADOS NAS ARRITMIAS CARDíACAS / 189

Taquicardia ventricular pOlimórlica

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Prolongamento do intervalo QT

Fig. 14.7 Eletrocardiograma de um paciente com síndrome de QT longo durante dois episódios de torsade de pointes. A taquicardia
ventricular polimórfica é observada no início desse traçado e termina espontaneamente no meio do painel. Segue-se um único batimento
sinusal normal (BSN)com intervalo QT extremamente prolongado, acompanhado imediatamente por outro episódio de taquicardia ven-
tricular do tipo torsade de pointes. Os sintomas habituais consistem em tonteira e perda transitória da consciência.

Os fármacos antiarrítmicos diminuem a auromaticidade dos rentes excitatórias para um nível abaixo do necessário para a propa-
marca-passos ectópicos em maior gtau do que a do nó sinoatrial. gação (Fig. 14.4, à esquerda); e (2) prolongamento do tempo de
Além disso, reduzem a condução e a excitabilidade e aumentam o recuperação dos canais ainda capazes de atingir o estado de repou-
período reftatário nos tecidos despolatizados em maior grau do que so e de disponibilidade, com conseqüente aumento do período re-
no tecido normalmente polarizado. Isso é efetuado principalmente fratário efetivo (Fig. 14.4, à direita). Em conseqüência, as extra-
através do bloqueio seletivo dos canais de sódio ou de cálcio das sístoles prematuras são incapazes de se propagar; os impulsos tardi-
células despolarizadas (Fig. 14.8). Os agentes bloqueadores dos os propagam-se mais lentamente e estão sujeitos a bloqueios de
canais de utilidade terapêutica apresentam alta afinidade pelos ca- condução bidirecional.
nais ativados (i. e., durante a fase O) ou pelos canais inativados (i. e. Através desses mecanismos, os agentes antiarrítmicos podem su-
durante a fase 2), porém apresentam afinidade muiro baixa pelos primir a automaticidade ectópica e a condução anormal que ocor-
canais em repouso. Por conseguinte, essas drogas bloqueiam a ati- rem nas células despolarizadas - tornando-as eletricamente silenci-
vidade elétrica quando ocorre taquicardia rápida (muitas ativações osas -, enquanto afetam em grau mínimo a atividade elétrica nas
e inativações de canais por unidade de tempo), ou quando há per-
da significativa do potencial em repouso (muiros canais inativados
durante o repouso). Essa ação das drogas é freqüentem ente descri-
ta como dependente do uso ou dependente do estado, i. e., os ca-
Bloqueado
@--O
•@
0@
..
~0
k;kaHHii ia
•t
utilizados ou quekr estão
nais que são freqüentemente Não-bloqueado H ir num estado
t
inativado são mais suscetíveis ao bloqueio. Os canais nas células
normais que são bloqueados por uma droga durante ciclos normais
de ativação-inativação perdem rapidamente a droga dos receprores
durante a parte de repouso do ciclo (Fig. 14.8). Os canais num
miocárdio com despolarização crônica (i. e., cujo potencial de re-
pouso é mais positivo do que -75 mV) irão recuperar-se muiro len- Fig. 14.8 Diagrama de um mecanismo para a ação depressora se-
tamente do bloqueio, ou até mesmo não irão se recuperar (ver tam- letiva dos agentes antiarrítmicos sobre os canais de sódio. A parte
bém o painel da direita, Fig. 14.4). superior da figura mostra a população de canais que estão sofren-
Nas células com auromaticidade anormal, a maioria dessas dro- do um ciclo de atividade durante um potencial de ação na ausência
de drogas: R (em repouso) --,> A (ativação) --,> I (inativação). Ocorre
gas reduz a inclinação da fase 4 ao bloquear os canais de sódio ou recuperação pela via I ~ R.As drogas antiarrítmicas (D), que atuam
de cálcio e, ponanro, ao reduzir a relação entre a permeabilidade ao bloquear os canais de sódio, podem ligar-se a seus receptores
ao sódio (ou ao cálcio) e a permeabilidade ao potássio. Em conse- nos anais, conforme indicado pelas setas verticais, formando com-
qüência, o potencial de ação durante a fase 4 estabiliza-se mais pró- plexos de droga-canal indicados por R-D, A-D e I-D. A afinidade das
ximo do potencial de equilíbrio do potássio. Além disso, alguns drogas pelo receptor varia de acordo com o estado do canal, con-
fármacos podem elevar o limiar (rornando-o mais positivo). Os forme indicado pelas constantes de freqüência separadas (k e n para
fármacos bloqueadores dos receptores (3-adrenérgicos reduzem in- as etapas R --,> R-D, A ~ A-D e I --,> I-D. Os dados disponíveis para
diretamente a inclinação da fase 4 ao bloquear a ação cronotrópica uma variedade de bloqueadores dos canais de sódio indicam que a
afinidade dos agentes pelo receptor de canais ativos e inativados é
positiva da norepinefrina no coração. muito maior do que a afinidade pelo canal em repouso. Além dis-
Nas arritmias de reentrada, que dependem de uma depressão so, a recuperação do estado I-D para o estado R-D é muito mais
crítica da condução, os agentes antiarrítmicos, em sua maioria, re- lenta que a de I para R. Em conseqüência, a atividade rápida (mais
duzem ainda mais a condução através de um de dois mecanismos ativações e inativações) e a despolarização do potencial de repouso
ou de ambos: (1) redução do número de canais não-bloqueados (maior número de canais no estado I) irão favorecer o bloqueio dos
disponíveis em estado de equilíbrio dinâmico, o que reduz as cor- canais e suprimir seletivamente as células arrítmicas.
190 / FARMACOLOGIA

Quadro 14.1 Bases moleculares e genéticas de algumas arritmias cardíacas


Canallônico ou
Tipo Cromossoma Envolvido Gene Defeituoso Proteínas Afetados Resultado
....... - .
QTL-1' 11 KCNQ1 PF

QTL-2 7 HERG PF
...............................................
QTL-3 3 SCN5A GF

QTL-4 4 Ancirina-B PF

QTL-5 21 KCNE1(minK) PF
.........................
QTL-6 21 KCNE2(MiRP1) PF

Síndrome de Brugada 3 SCN5A PF

DCCP4 3 SCN5A PF

Fibrilação atrial familiar 11 KCNQ1 GF

'PF, perda da função; GF, ganho de função.


'QTL, síndrome de QT longo.
'As ancírinas são proteínas intracelulares que se associam a uma variedade de proteínas de transporte, incluindo canais de Na+, Na+/K+ ATPase, troca de Na+/Ca'+, e canais de
liberação de Ca2+.
4DCCP, dístúrbío de condução cardíaca progressivo.

partes normalmente polarizadas do coração. Todavia, com o aumento classe de ação predominante. Certos agentes antiarrítmicos, como,
da dose, esses fármacos também deprimem a condução do tecido por exemplo, adenosina e magnésio, não se enquadram facilmente
normal, 'resultando finalmente em arritmias induzidas por fármacos. nesse esquema e, portanto, são descritos separadamente.
Além disso, a concentração de uma droga terapêutica (antiarrítmica)
nas circunstâncias iniciais do tratamento pode tornar-se "pró-
arrítmica" (arritmogênica) durante freqüências cardíacas rápidas FÁRMACOS BLOQUEADORES DOS
(maior desenvolvimento de bloqueio), acidose (recuperação mais lenta
do bloqueio para a maioria das drogas), hipercalemia e isquemia.
CANAIS DE SÓDIO (CLASSE 1)
QUINIDINA (SUBGRUPO 1A)
Efeitos Cardíacos
11.FÁRMACOS ANTIARRíTMICOS
A quinidina diminui a fase ascendente do potencial de ação e con-
ESPECíFICOS dução e prolonga a duração QRS do ECG através do bloqueio dos
canais de sódio ativados. A recuperação do bloqueio ocorre com
o esquema mais amplamente utilizado para a classificação das ações
cinética intermediária e é ainda mais retardada nas células parcial-
dos fármacos antiarrítmicos reconhece quatro classes:
mente despolarizadas. As concentrações de quinidina que bloquei-
1. A ação dos fármacos de classe 1 consiste em bloqueio dos canais am os canais de sódio também prolongam a duração do potencial
de sódio. As subclasses dessa ação refletem efeitos sobre a duração de ação em conseqüência do bloqueio dos canais de potássio. Essa
do potencial de ação (DPA) e a cinética do bloqueio dos canais de ação é relativamente inespecífica, visto que a maioria dos tipos de
sódio. As drogas com ação da classe IA prolongam a DP A e disso- canais de potássio é bloqueada por concentrações terapêuticas de
ciam~se do canal com cinética intermediária; as drogas com ação quinidina, embora o potencial de repouso não seja alterado. A ação
da classe lB não exercem efeitos significativos sobre a DPA e disso- de prolongamento do potencial de ação é maior em taxas lentas.
ciam-se do canal com cinética rápida; e, por fim, as drogas com ação Os principais efeitos cardíacos da quinidina consistem em prolon-
da classe lC exibem efeitos mínimos sobre a DPA e dissociam-se gamento excessivo do intervalo QT e indução de arritmias com
do canal com cinética lenta. torsade de pointes e síncope. As concentrações tóxicas de quinidina
2. A ação das drogas de classe 2 é simpatolítica. Os fármacos que também provocam excesso de bloqueio dos canais de sódio com
exercem essa ação reduzem a atividade l3-adrenérgica no coração. condução lenta através do coração, aumento do intervalo PR e maior
3. A ação das drogas da classe 3 manifesta-se na forma de pro- prolongamento da duração do QRS.
longamento da DPA. Os fármacos com essa ação bloqueiam, em
sua maiória, o componente rápido da corrente de potássio retifica-
dora tardia, IKr.
4. A ação das drogas da classe 4 consiste em bloqueio da corrente
de cálcio cardíaca. Essa ação diminui a velocidade de condução em
regiões nas quais a fase ascendente do potencial de ação depende do
cálcio, como, por exemplo, os nós sinoatrial e atrioventricular.

Um determinado fármaco pode apresentar múltiplas classes de f~CH=CH2


H /~
OH
ação. Por exemplo, a amiodarona compartilha todas as quatro clas-
ses de ação. Em geral, os fármacos são analisados de acordo com a lluinidina
FÁRMACOS UTILIZADOS NAS ARRITMIAS CARDíACAS / 191

Quadro 14.2 Ações de fármacos antiarrítmicos sobre as membranas

Bloqueiodos Canaisde Sódio Período Refratário BloqueIodo ..


.........................................................................................................................................
EfeIto sobre
Células Células Células Células Canal de a Atividade Ação
Fármaco
.•••••••••••.•••..••• _•••• _•••.••••.••.•••••••..•••.
Normais
_••••.••.•.•
Oespolarizadas Normais
h ••..•••••••••••• _.•••.••••••••••.••••
Oespolarizadas
··, •• ···•
Cálcio Marca-passo Simpatolítica
•• ·• ...•..••..•.•••••••••••••••••.•••..•....•..•••••••••••.••••.••••..••..•••.•••.....••.•.•.••.•.••••••••.••••••••••.••••••...•...•••••.•.•• -••..••••.•.••.•••••••••••.•.••.•.•.

Adenosina o o o O O O +

Amiodarona + +++ tt tt +
............. " .
Bretílio o O ttt ttt O tt 1
++
Diltiazem o o O O +++ O

Disopiramida + +++ + O

Dofetilida o o O O O

Esmolol O + o O +++
Flecainida + +++ O O O

Ibutilida o O O O

Lidocaína O +++ tt O H
....... ,,, .. ,,
O
.
Mexiletina O +++ O
......... "
tt ,
O tt
........ "
O
......••.............................•........

Moricizina + ++ t t O U O

Procainamida + +++ t ttt O t +

Propafenona + ++ t tt + tt +
............. " . .......................

Propranolol O + t tt O tt +++
................. , ... ......................

Quinidina + ++ t tt O tt +
Sotalol O O tt ttt O U ++
Tocainida O +++ O t.. t O tt O
. .......................••••......

Verapamil O + O t +++ tt +
'O bretílio pode aumentar transitoriamente a freqüência do marca-passo ao induzir a liberação de catecolaminas.
'Dados não-disponíveis.

Efeitos Extracardíacos tricular. Em virtude de seus efeitos colaterais tanto cardíacos quan-
to extracardíacos, sua administração diminuiu consideravelmente
Em um terço à metade dos pacientes, são observados efeitos colate- nos últimos anos e, hoje em dia, limita-se, em grande parte, a paci-
rais gastrintestinais, que consistem em diarréia, náusea e vômitos. entes com batimentos normais (porém arrítmicos). Em estudos clí-
Ocorre uma síndrome de cefaléia, tontura e zumbido (cinchonismo) nicos controlados e randomizados, os pacientes tratados com qui-
com concentrações tóxicas da droga. Raramente, são observadas nidina têm duas vezes mais tendência a permanecer num ritmo si-
reações idiossincrásicas, incluindo trombocitopenia, hepatite, ede- nusal normal em comparação com os controles. Todavia, o trata-
ma angioneurótico e febre. mento farmacológico tem sido associado a um aumento de duas a
três vezes na taxa de mortalidade.
Farmacoci nética
PROCAINAMIDA (SUBGRUPO 1A)
Após administração oral, a biodisponibilidade da quinidina atinge
70-80%. Cerca de 80% de uma dose ligam-se à albumina e à glico- Efeitos Cardíacos
proteína aI-ácida. A quinidina é eliminada primariamente por
metabolismo hepático. O principal metabólito, a 3-hidroxiquini- Os efeitos eletrofisiológicos da procainamida assemelham-se aos da
dina, é biologicamente ativo, com metade da atividade do composto quinidina. O fármaco pode ser levemente menos eficaz na supres-
original. Vinte por cento da dose de quinidina aparecem na forma são da atividade de marca-passo ectópico anormal, porém exibe
inalterada na urina. A meia-vida de eliminação é de 6-8 horas. Em maior eficácia no bloqueio dos canais de sódio em células despola-
geral, a quinidina é administrada numa formulação de liberação rizadas.
lenta, como, por exemplo, o sal gliconato.

Uso Terapêutica

A quinidina é utilizada para manutenção do ritmo sinusal normal


em pacientes com flutter ou fibrilação atriais. Em certas ocasiões, é
Procainamida
também utilizada no tratamento de pacientes com taquicardia ven-
192 / FARMACOLOGIA

Talvez a diferença mais importante entre a quinidina e a procai- Toxicidade


namida seja a ação antimuscarínica menos proeminente da procai-
namida. Por conseguinte, as ações diretamente depressoras da pro- A. CARDíACA
cainamida sobre os nós sinoatrial e atrioventricular não são tão efe-
Os efeitos cardiotóxicos da procainamida assemelham-se aos da
tivamente contrabalançadas por bloqueio vagal induzido por dro-
quinidina. Podem ocorrer efeitos antimuscarínicos e depressores
gas, como no caso da quinidina.
diretos. Novas arritmias podem ser precipitadas.

Efeitos Extracardíacos B. EXTRACARDíACA

A procainamida possui propriedades bloqueadores ganglionares. O efeito adverso mais incômodo da terapia prolongada com pro-
Essa ação reduz a resistência vascular periférica e pode causar hipo- cainamida consiste numa síndrome que se assemelha ao lúpus eri·
tensão, particularmente quando o fármaco é administrado por via tematoso, que consiste habitualmente em artralgia e artrite. Em
intravenosa. Todavia, em concentrações terapêuticas, seus efeitos alguns pacientes, ocorre também pleurite, pericardite ou doença
vasculares periféricos são menos proeminentes que os da quinidi- pulmonar parenquimatosa. A procainamida raramente induz lúpus
na. Em geral, a hipotensão está associada à infusão excessivamente renal. Durante a terapia prolongada, verifica-se a ocorrência de
rápida de procainamida ou à presença de grave disfunção ventricu- anormalidades sorológicas (p. ex., aumento dos títulos de anticor-
lar esquerda subjacente. pos antinucleares) em quase todos os pacientes, constituindo uma

Quadro 14.3 Propriedades farmacológicas clínicas dos fármacos antiarrítmicos

Efeito sobre Utilidade nas


Arritmias
Efeito sobre o Nó AV
a Freqüência Período Intervalo Duração do Intervalo Supra-
Fármaco do Nó AS Refratário PR QRS QT ventricular Ventricular Meia-vida
Adenosina Pequeno ttt ttt o o ++++ < 10 s

Amiodarona tt tt tttt +++ +++ (semanas)

Bretílio tF o o o o + 4h

Diltiazem tt o o +++ 4-8 h

Disopiramida t t ',3 tp tt tt + +++ 6-8 h

Doletilida o o o tt ++ Nenhuma 7.h

Esmolol tt tt o o + + 10 min

Flecainida Nenhum ttt O +4 ++++ 20 h

Ibutilida o o o tt ++ 6h

Lidocaína Nenhum' Nenhum o o o Nenhumas +++ 1-2 h

Mexiletina Nenhum' Nenhum o o o Nenhuma6 +++ 12 h

Moricizina Nenhum Nenhum tt o Nenhuma +++ 2-6 h6

Procainamida tP tp tt tt + +++ 3-4 h

Propalenona o t tt t O + +++ 5-7 h

Propranolol tt tt o O + + 8h

Quinidina tt' tt tt + +++ 6h

Sotalol tt tt o ttt +++ +++ 7 h

Tocainida Nenhum' Nenhum o o o Nenhumas +++ 12 h

Verapamil tt tt o o +++ 7 h

'Pode suprimir nós sinusais enfermos.


'Estimulação inicial pela liberação de norepinefrina endógena seguida de depressão.
'Efeito anticolinérgico e ação depressora direta.
'Particularmente na sindrome de Wolff-Parkinson-White.
'Pode ser eficaz nas arritmias atriais causadas por digitálicos.
'Meia-vida mais prolongada dos metabólitos ativos
FÁRMACOS UTILIZADOS NAS ARRITMIAS CARDíACAS / 193

indicação para interromper a terapia farmacológica na ausência de com a disopiramida, um fármaco capaz de reduzir a condução atrio-
sintomas. Cerca de um terço dos pacientes submetidos à terapia ventricular para tratamento do flutterou da fibrilação atrial.
prolongada com procainamida desenvolve esses sintomas reversí-
veis relacionados ao lúpus.
Outros efeitos adversos incluem náusea e diarréia (cerca de 10%
dos casos), erupção cutânea, febre, hepatite, «5%) e agranuloci-
tose (cerca de 0,2%).

Farmacocinética e Posologia
A procainamida pode ser administrada com segurança por via in-
travenosa e intramuscular; além disso, é bem absorvida por via oral,
com biodisponibilidade sistêmica de 75%. O principal metabólito Dísopiramida

é a N-acetilprocainamida (NAPA), que possui atividade de classe


3. O acúmulo excessivo de NAP A foi implicado na torsade de poin- Toxicidade
tes durante a terapia com procainamida, particularmente em paci-
entes com insuficiência renal. Alguns indivíduos acetilam rapida- A. CARDíACA
mente a procainamida e desenvolvem níveis elevados de NAP A. A
A disopiramida em concentrações tóxicas pode precipitar todos os
síndrome do lúpus parece ser menos comum nesses pacientes.
distúrbios eletrofisiológicos descritos para a quinidina. Em conse-
A procainamida é eliminada por metabolismo hepático na for-
qüência de seu efeito inotrópico negativo, a disopiramida pode
ma de NAP A e por eliminação renal. Sua meia-vida é de apenas 3-
precipitar insuficiência cardíaca de novo ou em pacientes com de-
4 horas, tornando necessária a sua administração freqüente ou a
pressão preexistente da função ventricular esquerda. Em virtude
administração de uma formulação de liberação lenta (prática habi-
desse efeito, a disopiramida não é utilizada como agente antiarrít-
tual). A NAPA é eliminada pelos rins. Por conseguinte, é necessá-
mico de primeira linha nos Estados Unidos. Não deve ser prescrita
rio reduzir a dose de procainamida em pacientes com insuficiência
a pacientes com insuficiência cardíaca.
renal. A redução do volume de distribuição e da depuração renal
em associação a insuficiência cardíaca também exige uma redução
B. EXTRACARDíACA
da dose. A meia-vida da NAPA é consideravelmente maior que a
da procainamida; por conseguinte, ocorre acúmulo mais lento. A atividade da disopiramida é semelhante à da atropina, responsá-
Considerando-se esses fatos, é importante determinar os níveis plas- vel pela maioria de seus efeitos adversos sintomáticos: retenção uri-
máticos tanto da procainamida quanto da NAPA, particularmente nária (com mais freqüência, mas não exclusivamente, em pacientes
em pacientes com comprometimento circulatório ou renal. com hiperplasia prostática), ressecamento da boca, visão embaça-
Se houver necessidade de um rápido efeito, pode-se administrar da, constipação e agravamento de glaucoma preexistente. Esses efei-
uma dose de ataque intravenosa de procainamida de até 1 mg/kg, numa tos podem exigir a interrupção do fármaco.
taxa de 0,3 mg/kg/min ou menos rapidamente. Essa dose é seguida
de uma dose de manutenção de 2- 5 mgl min, com cuidadosa monito-
Farmacocinética e Posologia
rização dos níveis plasmáticos. O risco de toxicidade cardíaca ou gas-
trintestinal aumenta com concentrações plasmáticas superiores a 8 J.LgI Nos Estados Unidos, a disopiramida é apenas disponível para uso
mL ou com concentrações de NAPA acima de 20 J.Lg/min. oral. A dose oral habitual de disopiramida é de 150 mg, três vezes
Para controlar as arritmias ventriculares, é geralmente necessária ao dia; todavia, já foram utilizadas doses de até 1 g/dia. Em pacien-
uma dose total de procainarnida de 2-5 g/dia. Num paciente ocasio- tes com comprometimento renal, é necessário reduzir a dose. De-
nal que acumula altos níveis de NAP A, pode ser possível efetuar uma vido ao risco de precipitação de insuficiência cardíaca, não se reco-
administração menos freqüente. Isso também é possível na doença menda o uso de doses de ataque.
renal, em que a eliminação da procainamida é mais lenta.
Uso Terapêutico
Uso Terapêutico
Embora se tenha demonstrado a eficácia da disopiramida numa vari-
À semelhança da quinidina, a procainamida mostra-se eficaz na edade de arritmias supraventriculares, o fármaco nos Estados Uni-
maioria das arritmias atriais e ventriculares. Todavia, muitos médi- dos só foi aprovado para o tratamento das arritmias ventriculares.
cos procuram evitar a terapia prolongada, devido à necessidade de
doses freqüentes e à ocorrência comum de efeitos relacionados ao UOOCAíNA (SUBGRUPO 1 B)
lúpus. A procainamida constitui a droga de segunda escolha (de-
pois da lidocaína), na maioria das unidades coronarianas, para o A lidocaína apresenta baixa incidência de toxicidade e elevado grau
tratamento das arritmias ventriculares sustentadas associadas ao in- de eficácia nas arritmias associadas ao infarto agudo do miocárdio.
farto agudo do miocárdio. Ela é utilizada apenas por via intravenosa.

OISOPIRAMIOA (SUBGRUPO 1A)

Efeitos Cardíacos

Os efeitos da disopiramida são muito semelhantes aos da quinidina.


Seus efeitos antimuscarínicos cardíacos são ainda mais acentuados do
Lidocaína
que os da quinidina. Por conseguinte, deve-se administrar, juntamente
194 / FARMACOLOGIA

Efeitos Cardíacos B. EXTRACARDíACA

Os efeitos adversos mais comuns da lidocaína - a exemplo da-


A lido caí na bloqueia os canais de sódio ativados e inativados com
queles de outros anestésicos locais - são neurológicos: parestesi-
cinética rápida (Fig. 14.9); o bloqueio do estado inativado assegura
as, tremor, náusea de origem central, tonteira, distúrbio da audi-
efeitos mais pronunciados sobre células com potenciais de ação
ção, fala arrastada e convulsões. Esses efeitos adversos são obser-
prolongados, como as células de Purkinje e as células ventriculares,
vados mais comumente em pacientes idosos ou vulneráveis sob
em comparação com as células atriais. A cinética rápida no poten-
os demais aspectos, ou quando se administra o fármaco na forma
cial de repouso normal resulta em recuperação do bloqueio entre
de "bolo" com demasiada rapidez. Os efeitos estão relacionados
os potenciais de ação, sem nenhum efeito sobre a condução. A ina-
com a dose e, em geral, são de curta duração; as convulsões res-
tivação aumentada e a cinética não-ligada mais lenta resultam na
pondem ao diazepam intravenoso. Em geral, a lidocaína é bem
depressão seletiva da condução nas células polarizadas.
toletada quando se evita a ocorrência de níveis plasmáticos supe-
riores a 9 f-Lg/mL.
Toxicidade
A. CARDíACA Farmacocinética e Posologia
A lidocaína é um dos bloqueadores dos canais de sódio arualmente Em virtude de seu metabolismo hepático de primeira passagem
utilizados de menor cardiotoxicidade. Os efeitos pró-arrítmicos, muito extenso, apenas 3% da lidocaína administrada por via oral
incluindo parada do nó sinoatrial, agravamento dos distúrbios da aparecem no plasma. Por conseguinte, a lidocaína deve ser admi-
condução e arritmias ventriculares, não são comuns com o uso da nistrada por via parenteral. A lidocaína tem meia-vida de 1-2 ho-
lidocaína. Em altas doses, particularmente em pacientes com insu- ras. Nos adultos, administra-se uma dose de ataque de 150-200 mg
ficiência cardíaca preexistente, a lidocaína pode causar hipotensão em cerca. de 15 minutos (na forma de infusão única ou numa série
- em parte ao deprimir a contrarilidade do miocárdio. de "bolos" lentos), que deve ser seguida de infusão de manutenção
de 2-4 mg/min para obter um nível plasmático terapêutico de 2-6
f-Lg/mL. A determinação dos níveis plasmáticos de lidocaína é de
grande valia para ajustar a velocidade de infusão. Alguns pacientes
;;-
.s com infarto do miocárdio ou outra doença aguda necessitam de
concentrações maiores (e as toleram). Isso pode ser devido a um
aumento da glicoproteína <Xl-ácida plasmática, uma proteína rea-
gente de fase aguda, que se liga à lidocaína, deixando uma menor
1'.
quantidade do fármaco livre disponível para exercer seus efeitos
1c t~'~,
~
"1:; -100O
~ .-a0lr -75 Ir -70Ir __ farmacológicos.
Em pacientes com insuficiência cardíaca, o volume de distribui-
<D

Õ ção e a depuração corporal total da lidocaína podem estar diminu-


o..
ídos. Por conseguinte, é necessário reduzir tanto a dose de ataque
l100 quanto a de manutenção. Como esses efeitos se contrabalançam um

m
~ i\\ f,\ (\",' Â Ir
com o outro, a meia-vida pode não aumentar tanto quanto previs-
to baseando-se apenas em alterações da depuração. Nos pacientes
6- \ "
portadores de hepatopatia, a depuração plasmárica encontra-se
~til o 800 I "1------11------11------11 acentuadamente reduzida, e o volume de distribuição está freqüen-
ctil temente aumentado. Nesses casos, a meia-vida de eliminação pode
Ü Tempo (ms)
exibir um aumento de três vezes ou mais. Na presença de hepato-
Fig. 14.9 Efeito do potencial de membrana em repouso sobre o blo- patia, é preciso diminuir a dose de manutenção, enquanto pode-se
queio e desbloqueio dos canais de sódio pela lidocaína. Traçado su- administrar a dose de ataque habirual. A meia-vida de eliminação
perior Potenciais de ação numa célula muscular ventricular. Traça- determina o tempo necessário até atingir o estado de equilíbrio di-
do inferior: Percentagem de canais bloqueados pelo fármaco. nâmico. Por conseguinte, enquanto podem ser obtidas concentra-
À medida que a membrana se despolariza através de ~80, -75, ções no estado de equilíbrio dinâmico em 8-10 horas em pacientes
-70 e -65 mV, um segmento temporal de 800 ms é mostrado. A normais e em pacientes com insuficiência cardíaca, podem ser ne-
passagem adicional de tempo é indicada pelas interrupções nos tra- cessárias 24-36 horas nos indivíduos portadores de hepatopatia. Os
çados. Lado esquerdo: No potencial de repouso normal de -85 fármacos que diminuem o fluxo sangüíneo hepático (p. ex., pro-
mV, a droga combina-se com canais abertos (ativados) e inativados
pranolol, cimetidina) reduzem a depuração da lidocaína e, assim,
durante cada potencial de ação, porém o bloqueio é rapidamente
aumentam o risco de toxicidade, a não ser que se diminua a veloci-
revertido durante a diástole, devido à afinidade muito baixa da droga
dade de infusão. Com infusões de mais de 24 horas de duração, a
pelo seu receptor quando o canal recupera-se até o estado de re-
pouso em -85 mV. No meio Ocorreu lesão metabólica, como, p. depuração cai, e verifica-se uma elevação das concentrações plas-
ex., isquemia devido à oclusão coronariana, causando despolariza- máticas. A doença renal não tem nenhum efeito importante sobre
ção gradual com o tempo. Com potenciais de ação subseqüentes o processamento da lidocaína.
originando-se de potenciais mais despolarizados, a fração dos ca-
nais bloqueados aumenta, visto que um número maior de canais
permanece no estado ativado em potenciais menos negativos (Fig.
Uso Terapêutico
14.4, à esquerda), e a constante de tempo para o desbloqueio du-
A lidocaína constirui o agente de escolha para a interrupção da ta-
rante a diástole aumenta rapidamente em potenciais de repouso
quicardia ventricular e prevenção da fibrilação ventricular após car-
menos negativos (Fig. 14.4, à direita). Lado direito: Devido à acen-
tuada ligação da droga, ocorrem bloqueio de condução e perda da dioversão no contexto da isquemia aguda. Todavia, o uso profiláti-
excitabilidade nesse tecido, i. e., o tecido" doente" (despolarizado) co rotineiro de lidocaína nessa siruação pode, na verdade, aumen-
é seletivamente suprimido. tar a taxa de mortalidade total, possivelmente através de um aumento
FÁRMACOS UTILIZADOS NAS ARRITMIAS CARDíACAS / 195

na incidência de assistolia, e, portanto, não constitui o padrão de


tratamento.
... A maioria dos médicos só administra a lidocaína a pa-
CIentes com arntmIas.

MEXILETINA (SUBGRUPO 1B)


Flecainida
A mexiletina é um congênere da lidocaína, que se mostra resistente
ao metabolismo hepático de primeira passagem, sendo eficaz por
via oral. As ações eletrofisiológicas e antiarrítmicas assemelham-se A flecainida mostra-se muito eficaz na supressão das contrações
às da lidocaína. (O anticonvulsivante fenitoína [ver Capo 24] tam- ventriculares prematuras. Todavia, pode causar grave exacerbação
bém exerce efeitos eletrofisiológicos semelhantes e tem sido utiliza- da arritmia, mesmo quando se administram doses normais aos pa-
do como agente antiarrítmico.) A mexiletina é utilizada no trata- cientes com taquiarritmias ventriculares preexistentes e aos que
mento das arritmias ventriculares. A meia-vida de eliminação, que sofreram infarto do miocárdio e ectopia ventricular (ver o Boxe:
é de 8-20 horas, permite a sua administração duas ou três vezes ao Estudo Clínico de Supressão das Arritmias Cardíacas). O fármaco
dia. A dose diária habitual de mexiletina é de 600-1.200 mg/d. Com é bem absorvido e apresenta meia-vida de cerca de 20 horas. A eli-
freqüência, observam-se efeitos adversos relacionados à dose com o minação é efetuada através de seu metabolismo hepático e pelos rins.
uso de doses terapêuticas. Esses efeitos adversos são predominante- A dose habirual de flecainida é de 100-200 mg, duas vezes ao dia.
mente neurológicos, incluindo tremor, visão embaçada e letargia.
A náusea também constitui um efeito comum. PROPAFENONA (SUBGRUPO 1C)

A propafenona apresenta algumas semelhanças estruturais com o


propranolol e atividade l3-bloqueadora fraca. Seu espectro de ação
é muito semelhante ao da quinidina. Sua cinética como bloquea-
dor dos canais de sódio assemelha-se à da flecainida. A propafenona
é metabolizada no fígado, com eliminação média de 5-7 horas, ex-
ceto nos indivíduos que a metabolizam inadequadamente (7% dos
Mexiletina indivíduos brancos), nos quais atinge 17 horas. A dose diária habi-
rual de propafenona é de 450-900 mg em três doses. O fármaco é
Foi também constatada a eficácia significativa da mexiletina no utilizado primariamente nas arritmias supraventriculares. Os efei-
alívio da dor crônica, particularmente a dor causada por neuropa- tos adversos mais comuns consistem em gosto metálico e constipa-
tias diabética e lesão nervosa. A dose habitual é de 450-750 mgld ção; pode ocorrer exacerbação das arritmias.
por via oral. Essa aplicação não está indicada na bula.
MORICIZINA (SUBGRUPO 1C)
FLECAINIDA (SUBGRUPO 1C)
A moricizina é um derivado fenotiazínico antiarrítmico utilizado
A flecainida é um potente bloqueador dos canais de sódio e de po- no tratamento das arritmias ventriculares. Trata-se de um bloque-
tássio, com cinética de desbloqueio lenta. (Observe que, apesar de ador relativamente potente dos canais de sódio, que não prolonga
bloquear efetivamente certos canais de potássio, a flecainida não a duração do potencial de ação.
prolonga o potencial de ação nem o intervalo QT.) Hoje em dia, é A moricizina tem múltiplos metabólitos, dos quais alguns são
utilizada para pacientes com coração normal sob os demais aspec- provavelmente ativos e apresentam meias-vidas longas. Os efeitos
tos, que apresentam arritmias supraventriculares. Não exerce ne- adversos mais comuns consistem em tonteira e náusea. A exemplo
nhum efeito antimuscarínico. de outros bloqueadores potentes dos canais de sódio, a moricizina

ESTUDO CLíNICO DE SUPRESSÃO DAS ARRITMIAS CARDíACAS

As contrações ventriculares prematuras (CVP) são comumente re- aqueles tratados com placebo. O mecanismo subjacente a esse
gistradas em pacientes em fase de convalescença de infarto do efeito permanece desconhecido, embora pareça provável a ocor-
miocárdio. Como essasarritmias foram associadas a um risco au- rência de uma interação entre a depressão da condução pelo blo-
mentado de morte cardíaca súbita, muitos médicos vêm seguin- queio dos canais de sódio e a isquemia miocárdica aguda ou crô-
do a prática empírica de tratar as CVP nesses pacientes, mesmo nica. Evidências indiretas sugerem que os outros bloqueadores dos
quando assintomáticas. No CAST(Cardiac Arrhythmia Suppression canais de sódio podem produzir um efeito semelhante. Qualquer
Trial [CASTJ, Echt et ai., 1991), procurou-se documentar a eficá- que seja o mecanismo envolvido, a lição importante reforçada pelo
cia dessa terapia num estudo clínico controlado. Os efeitos de CAST foi a de que a decisão quanto a iniciar qualquer forma de
vários agentes antiarrítmicos sobre a freqüência das arritmias fo- terapia farmacológica (antiarrítmica ou qualquer outro tipo de
ram inicialmente avaliados de modo aberto. A seguir, os pacien- terapia) deve basear-se no conhecimento (ou, pelo menos, numa
tes nos quais a terapia antiarrítmica suprimiu as CVP foram distri- suposição razoável) de que qualquer risco é compensado por um
buídos randomicamente, em modo duplo-cego, para continuar a benefício real ou potencial. Os estudos clínicos de grande porte
terapia ou receber o placebo correspondente. sugeriram que a amiodarona (ao contrário da flecainida) possui
Os resultados mostraram que a taxa de mortalidade em paci- um efeito ligeiramente benéfico sobre a sobrevida de pacientes
entes tratados com flecainida e encainida (esta última não é mais com cardiopatia avançada, enquanto muitos estudos indicam um
disponível) aumentou mais de duas vezes em comparação com efeito benéfico proeminente do bloqueio 13.
196 / FARMACOLOGIA

pode exacerbar as arritmias. A dose habitual é de 200-300 mg por Efeitos Cardíacos


via oral, três vezes ao dia.
A amiodarona prolonga acentuadamente a duração do potencial de
ação (e o intervalo QT no ECG) ao bloquear a lI(;' Durante a sua
FÁRMACOS BLOQUEADORES DOS administração crônica, ocorre também bloqueio de lKs' A duração
RECEPTORES BETA-ADRENÉRGICOS do potencial de ação é uniformemente prolongada numa ampla faixa
de freqüências cardíacas, i. e., o fármaco não exerce ação dependente
(CLASSE 2) de uso reversa. A despeito de sua atual classificação como agente de
classe 3, a amiodarona também bloqueia significativamente os ca-
Efeitos Cardíacos nais de sódio inativados. Sua ação de prolongamento do potencial
de ação reforça esse efeito. A amiodarona também exerce ações blo-
o propranolol e fármacos semelhantes possuem propriedades anti- queadoras adrenérgicas e dos canais de cálcio fracas. As conseqüên-
arrítmicas em virtude de sua ação bloqueadora dos receptores 13e cias dessas ações consistem em redução da freqüência cardíaca e da
efeitos diretos na membrana. Conforme descrito no Capo 10, algu- condução do nó atrioventricular. O amplo espectro de ações pode
mas dessas drogas exibem seletividade para os receptores 131cardía- explicar a sua eficácia relativamente alta e a baixa incidência de torsa-
cos; algumas possuem atividade simpaticomimética intrínseca; ou- de de pointes, apesar do prolongamento significativo do intervalo QT.
tras exercem efeitos diretos acentuados sobre as membranas; e algu-
mas prolongam o potencial de ação cardíaco. As contribuições rela-
Efeitos Extracardíacos
tivas dos efeitos l3-bloqueadores e dos efeitos diretos sobre as mem-
branas para os efeitos antiarrítmicos desses agentes ainda não estão
A amiodarona provoca vaso dilatação periférica. Essa ação é proe-
totalmente estabelecidas. Embora os l3-bloqueadores sejam bem to-
minente após administração intravenosa e pode estar relacionada à
lerados, sua eficácia na supressão das despolarizações ectópicas ven-
ação do solvente.
triculares é menor que a dos bloqueadores dos canais de sódio. To-
davia, há boas evidências de que esses agentes podem impedir a ocor-
rência de infartos recorrentes e morres súbitas em pacientes em fase
Toxicidade
de recuperação do infarto agudo do miocárdio (ver Capo 10).
A. CARDíACA
O esmolol é um l3-bloqueador de ação curta, utilizado primari-
amente como agente antiarrítmico nas arritmias intra-operatórias A amiodarona pode produzir bradicardia sintomática e bloqueio
e outras arritmias agudas. Ver o Capo 10 para maiores informações. cardíaco em pacientes com doença sinusal ou do nó atrioventricu-
O sotalol é um agente l3-bloqueador não-seletivo, que prolonga o lar preexistente.
potencial de ação (ação de classe 3).
B. EXTRACARDíACA

FÁRMACOS QUE PROLONGAM O A amiodarona acumula-se em muitos tecidos, incluindo o coração


PERíODO REFRATÁRIO EFETIVO AO (10-50 vezes as concentrações plasmáticas), pulmão, fígado e pele,
e é concentrada nas lágrimas. A toxicidade pulmonar relacionada à
PROLONGAR O POTENCIAL DE dose administrada constitui o efeito adverso mais importante. Até
mesmo numa baixa dose de ::; 200 mg/d, pode ocorrer fibrose
AÇÃO (CLASSE 3) pulmonar fatal em 1% dos pacientes. Pode-se verificar o desenvol-
vimento de anormalidades nas provas de função hepática e hepati-
Esses fármacos prolongam os potenciais de ação, geralmente ao blo-
te durante o tratamento com amiodarona. Os depósitos cutâneos
quear os canais de potássio no músculo cardíaco ou ao aumentar a
resultam em fotodermatite e pigmentação cinza-azulada da pele nas
corrente internamente dirigida, como, p. ex., através dos canais de
áreas expostas à luz solar, como, p. ex., as regiões malares. Depois
sódio. O prolongamento do potencial de ação pela maioria desses fár-
de algumas semanas de tratamento, verifica-se a presença de micro-
macos fteqüemememe exibe a propriedade indesejável de "dependência
depósitos assintomáticos na córnea de praticamente todos os paci-
de uso reversa"; o prolongamento do potencial de ação é menos acen-
entes tratados com amiodarona. Aparecem halos nos campos visu-
tuado em taxas rápidas (quando é desejável) e mais pronunciado em
ais periféricos de alguns pacientes. Em geral, não é necessário inter-
taxas lentas, quando pode contribuir para o risco de torsade de pointes.
romper o fármaco. Raramente, a neurite óptica pode evoluir para a
cegueira.
AMIODARONA
A amiodarona bloqueia a conversão periférica da tiroxina (T4)
em triiodotironina (T3). Além disso, constitui uma fonte potencial
Nos Estados Unidos, a amiodarona foi aprovada para uso por via
de grandes quantidades de iodo inorgânico. A amiodarona pode
oral e intravenosa no tratamento das arritmias ventriculares graves.
Todavia, o fármaco também é altamente eficaz no tratamento das levar ao desenvolvimento de hipotireoidismo ou de hipertireoidis-
mo. A função da tireóide deve ser avaliada antes do início do trata-
arritmias supraventriculares, como a fibrilação atrial. A amiodaro-
mento e, a seguir, monitorizada periodicamente. Devido a seus efei-
na apresenta amplo espectro de ações cardíacas, farmacocinética
tos descritos em praticamente todos os sistemas de órgãos, o trata-
incomum e efeitos colaterais extracardíacos importantes.
mento com amiodarona deve ser reavaliado sempte que houver
aparecimento de novos sintomas num paciente, incluindo agrava-
mento da arritmia.

Farmacocinética

A amiodarona sofre absorção variável, com biodisponibilidade de


Amiodarona
35-65%. Sofre metabolismo hepático, e o principal metabólito, a
FÁRMACOS UTILIZADOS NAS ARRITMIAS CARDíACAS / 197

desetilamiodarona, é bioativo. A meia-vida de eliminação é com- to pode ser quase totalmente evitado através da administração con-
plexa, com um componente rápido de 3-10 dias (50% do fármaco) comitante de um antidepressivo tricíclico, como a protriptilina.
e um componente lento de várias semanas. Após a interrupção do Podem ocorrer náusea e vômitos após a administração intravenosa
fármaco, os efeitos são mantidos por 1-3 meses. Podem-se observar de bretílio na forma de "bolo".
níveis reciduais detectáveis por um período de até 1 ano após a úl-
tima dose. Em geral, obtém-se uma dose de ataque total de 10 g Farmacocinética e Posologia
com doses de 0,8-1,2 g ao dia. A dose de manutenção é de 200-
400 mg ao dia. Os efeitos farmacológicos podem ser rapidamente Nos Estados Unidos, o bretílio está disponível apenas para uso in-
produzidos através de dose de ataque IV. O efeito de prolongamento travenoso. Nos adultos, administra-se um "bolo" intravenoso de
do QT é moderado com essa via de administração, enquanto a bra- rosilato de bretílio, 5 mg/kg, durante um período de 10 minutos.
dicardia e o bloqueio atrioventricular podem ser significativos. Essa dose pode ser repetida depois de 30 minutos. A terapia de
A amiodarona apresenta numerosas interações farmacológicas manutenção é efetuada com um "bolo" semelhante, a cada 4-6
importantes, e deve-se proceder a uma revisão de todas as medica- horas, ou através de infusão constante de 0,5-2 mg/min.
ções durante a administração inicial do fármaco ou ajustes das
doses. A amiodarona é um substrato da enzima do cirocromo Uso Terapêutico
hepático CYP3A4, e seus níveis são aumentados por fármacos que
inibem essa enzima, como, p. ex., o bloqueador H2histamínico, ci- Em geral, o bretílio é utilizado em situações de emergência, freqüen-
metidina. Os fármacos que induzem a CYP3A4, como, p. ex., a temente durante a tentativa de reanimação de fibrilação ventricu-
rifampicina, diminuem a concentração de amiodarona quando ad- lar, quando a lidocaína e a cardioversão falharam.
ministrados concomitantemente. A amiodarona inibe as outras
enzimas do cito cromo hepático envolvidas no metabolismo e po- SOTALOL
dem resultar em níveis elevados de drogas que atuam como subs-
tratos dessas enzimas, como, p. ex., a digoxina e a warfarina. O sotalol exerce ações de bloqueio dos receptores f3-adrenérgicos
(classe 2) e prolongamento do potencial de ação (classe 3). O fár-
maco é formulado numa mistura racêmica de d- e l-sotalol. Toda a
Uso Terapêutico
atividade de bloqueio f3-adrenérgico reside no isômero 1; os isôme-
A amiodarona em baixas doses (100-200 mg/d) é eficaz na manu- ros d- e 1- compartilham a ação de prolongamento do potencial de
tenção de um ritmo sinusal normal em pacientes com fibrilação ação. A ação f3-adrenérgica não é cardiosseletiva e torna-se máxima
arrial. O fármaco é eficaz na prevenção da taquicardia ventricular com doses inferiores àquelas necessárias para produzir um prolon-
recorrente. Seu uso não está associado a um aumento da mortali- gamento do potencial de ação.
dade em pacientes com coronariopatia ou insuficiência cardíaca. O
cardioversor-desfibrilador implantável (CDI) suplantou a terapia
farmacológica como modalidade primária de tratamento da [aqui-
cardia ventricular; todavia, a amiodarona pode ser utilizada na ta-
quicardia ventricular como terapia adjuvante para diminuir a fre-
qüência das descargas desagradáveis do CDI. O fármaco aumenta
o marca-passo e o limiar de desfibrilação, e esses dispositivos exi-
gem reavaliação após obter uma dose de manutenção. O sotalol é bem absorvido por via oral, com biodisponibilidade
de cerca de 100%. Não é metabolizado no fígado e não se liga às
BRETíLlO proteínas plasmáticas. Ocorre excreção do fármaco inalterado pre-
dominantemente pelos rins, com meia-vida de cerca de 12 horas.
O bretílio foi introduzido pela primeira vez como agente anti-hi- Em virtude de sua farmacocinética relativamente simples, o sotalol
pertensivo. O fármaco interfere na liberação neuronal de catecola- exibe poucas interações farmacológicas diretas. O efeito cardíaco
minas, mas também possui propriedades antiarrítmicas diretas. adverso mais significativo consiste na extensão de sua ação farma-
cológica: uma incidência de torsade de pointes, relacionada à dose,
Efeitos Cardíacos que se aproxima de 6% com a dose diária mais alta recomendada.
Os pacientes com insuficiência cardíaca franca podem apresentar
O bretílio prolonga a duração do potencial de ação ventricular (mas maior depressão da função ventricular esquerda durante o tratamen-
to com sotalol.
não atrial) e o período refratário efetivo. Esse efeito é mais pronun-
ciado nas células isquêmicas que apresentam menor duração do O sotalol é aprovado para uso no tratamento das arritmias ven-
potencial de ação. Por conseguinte, o bretílio pode reverter o en- triculares potencialmente fatais e manutenção do ritmo sinusal em
curtamento da duração do potencial de ação causado pela isque- pacientes com fibrilação atrial. Foi também aprovado para o tra-
mIa. tamento das arritmias ventriculares e supraventriculares no gru-
Em virtude de sua capacidade de induzir uma liberação inicial po etário infantil. O sotalol diminui o limiar para a desfibrilação
de catecolaminas, o bretílio exerce algumas ações inotrópicas posi- cardíaca.
tivas quando administrado pela primeira vez. Essa ação também
pode precipitar arritmias ventriculares, e sua ocorrência deve ser DOFETILlDA
identificada no início da terapia com o fármaco.
A dofetilida exerce uma ação de prolongamento do potencial de ação
Efeitos Extracardíacos de classe 3. Essa ação deve-se a um bloqueio dose-dependente do
componente rápido da corrente retificadora de potássio tardia, IK"
Esses efeitos resultam das ações simpatoplégicas do fármaco. O O bloqueio da IK' pela dofetilida aumenta na hipocalemia. O fár-
principal efeito adverso consiste em hipotensão poStural. Esse efei- maco não produz qualquer bloqueio significativo dos ourros canais
198 / FARMACOLOGIA

de potássio, nem dos canais de sódio. Devido à lenta taxa de recu- tário efetivo são invariavelmente prolongados por concentrações
peração do bloqueio, a sua extensão exibe pouca dependência da terapêuticas do fármaco. Em geral, o verapamil diminui o nó sino-
freqüência de estimulação. Todavia, a doferilida produz menor atrial através de sua ação direta; entretanto, sua ação hipotensora
prolongamento do potencial de ação em taxas rápidas, devido à pode, em certas ocasiões, resultar em pequeno aumento reflexo da
maior importância de outros canais de potássio, como IlG em taxas freqüência do nó sinoatrial.
rápidas. O verapamil pode suprimir as pós-despolarizações tanto prema-
A dofetilida apresenta uma biodisponibilidade de 100%. O ve- turas quanto tardias e pode antagonizar as respostas lentas que sur-
rapamil aumenta as concentrações plasmáticas máximas de dofetilida gem no tecido intensamente despolarizado.
ao aumentar o fluxo sangüíneo intestinal. Ocorre eliminação de 80%
de uma dose oral pelos rins, em sua forma inalterada; o restante é Efeitos Extracardíacos
eliminado também pelos rins na forma de metabólitos inarivos. Os
inibidores do mecanismo renal de secreção de cátions, como, p. ex., O verapamil provoca vaso dilatação periférica, que pode ser benéfi-
a cimeridina, prolongam a meia-vida da dofetilida. Como os efei- ca na hipertensão e em distúrbios vasoespásticos periféricos. Seus
tos de prolongamento do QT e os riscos de pró-arritmia ventricu- efeitos sobre o músculo liso produzem diversos efeitos extracardía-
lar estão diretamente relacionados à concentração plasmática, as cos (ver Capo 12).
doses de dofetilida devem basear-se na depuração da creatinina es-
timada. O tratamento com dofetilida deve ser iniciado no hospital, Toxicidade
após determinação basal do QT c e dos eletrólitos séricos. A obten-
ção de um QT c basal de> 450 ms (500 ms na presença de retardo A. CARDíACA
da condução intraventricular), a ocorrência de bradicardia de < 50
batimentos/min e a observação de hipocalemia constituem contra- Os efeitos cardiotóxicos do verapamil estão relacionados à dose e
indicações relativas para o uso da dofetilida. geralmente podem ser evitados. Um erro comum tem sido admi-
A dofetilida foi aprovada para manurenção do ritmo sinusal nistrar verapamil por via intravenosa a pacientes com taquicardia
normal em pacientes com fibrilação atrial. É também eficaz na res- ventricular incorretamente diagnosticada como taquicardia supra-
tauração do ritmo sinusal normal em pacientes com fibrilação atrial. ventricular. Nesse contexto, podem ocorrer hipotensão e fibrilação
ventricular. Os efeitos inotrópicos negativos do verapamil podem
limitar sua utilidade clínica na presença de coração enfermo (ver
IBUTILlDA
Capo 12). O verapamil pode provocar bloqueio atrioventricular
quando administrado em grandes doses ou quando utilizado em
A ibutilida reduz a repolarização cardíaca ao bloquear o componente
pacientes com doença do nó atrioventricular. Esse bloqueio pode
rápido da corrente retificadora de potássio tardia. A ativação da
ser tratado com atropina e estimulantes dos receptores [3. Em paci-
corrente de sódio lenta internamente dirigida também foi sugerida
entes com doença do nó sinusal, o verapamil pode precipitar para-
como mecanismo adicional de ação do fármaco. Após administra- da sinusal.
ção intravenosa, a ibutilida é rapidamente depurada do plasma pelo
metabolismo hepático. Os metabólitos são excretados pelo rim. A
B. Extracardíaca
meia-vida de eliminação é, em média, de 6 horas.
A ibutilida por via intravenosa é utilizada na conversão aguda Os efeitos adversos consistem em constipação, cansaço, nervosis-
do flutter e da fibrilação atriais em ritmo sinusal normal. O fárma- mo e edema periférico.
co é mais eficaz no flutter atrial do que na fibrilação, com tempo
médio de término de 20 minutos. O efeito adverso mais importan-
Farmacocinética e Posologia
te consiste em excessivo prolongamento do intervalo QT e torsade
depointes. Os pacientes devem ser submetidos a monitorização ECG A meia-vida do verapamil é de cerca de 7 horas. O fármaco é extensa-
contínua durante 4 horas após a infusão do fármaco ou até norma- mente metabolizado pelo fígado; após administração oral, a sua bio-
lização do QT c. disponibilidade é de cerca de 20%. Por conseguinte, o verapamil deve
ser administrado com cautela a pacientes com disfunção hepática.
Em pacientes adultos que não apresentam insuficiência cardía-
FÁRMACOS BLOQUEADORES DOS ca nem doença do nó sinoatrial ou atrioventricular, pode-se utili-
CANAIS DE CÁLCIO (CLASSE 4) zar o verapamil parenteral para tratar a taquicardia supraventricu-
lar, embora a adenosina tenha se tornado o agente de primeira es-
Esses fármacos, cujo protótipo é o verapamil, foram introduzidos colha. A dose de verapamil consiste num "bolo" inicial de 5 mg,
inicialmente como agentes antianginosos e são discutidos de modo administrado durante 2- 5 minutos, seguido de um segundo "bolo"
mais pormenorizado no Capo 12. O verapamil, o diltiazem e o de 5 mg, se necessário, dentro de poucos minutos. Posteriormente,
bepridil também exercem efeitos antiarrítmicos. podem-se administrar doses de 5-10 mg, a cada 4-6 horas, ou pode-
se utilizar uma infusão constante de 0,4 I-Lg/kg/min.
VERAPAMIL As doses orais eficazes são maiores do que a dose intravenosa,
devido ao metabolismo de primeira passagem, e variam de 120 a
Efeitos Cardíacos 640 mg ao dia, divididos em três ou quatro doses.

O verapamil bloqueia os canais de cálcio do tipo L tanto ativados Uso Terapêutico


quanto inativados. Por conseguinte, seu efeito é mais pronunciado
em tecidos com descargas freqüentes, naqueles que não estão total- A taquicardia supraventricular constitui a principal indicação do
mente polarizados em repouso e naqueles cuja ativação depende verapamil. A adenosina ou o verapamil são preferidos a tratamen-
exclusivamente da corrente de cálcio, como os nós sinoatrial e atri- tos mais antigos (propranolol, digoxina, edrofônio, agentes vaso-
oventricular. A condução do nó atrioventricular e o período refra- constritores e cardioversão) para término. O verapamil também
FÁRMACOS UTILIZADOS NAS ARRITMIAS CARDíACAS / 199

pode reduzir a freqüência ventricular na fibrilação e no flutter atri- hipomagnesemia, exerce efeitos antiarrítmicos quando administrado
ais. Apenas raramente, o fármaco converte o flutter e a fibrilação na forma de infusão a alguns pacientes com níveis séricos normais
atriais em ritmo sinusal. Em certas ocasiões, mostra-se útil nas ar- de magnésio. Os mecanismos desses efeitos ainda não foram esta-
ritmias ventriculares. Todavia, o uso do fármaco por via intraveno- belecidos, porém sabe-se que o magnésio influencia a Na +/K+
sa em pacientes com taquicardia ventricular sustentada pode cau- A TPase, os canais de sódio, alguns canais de potássio e os canais de
sar colapso hemodinâmico. cálcio. A terapia com magnésio parece estar indicada para pacien-
tes com arritmias induzidas por digitálicos na presença de hipomag-
DILTIAZEM E BEPRIDIL nesemia. O magnésio também está indicado para alguns pacientes
com torsade de pointes, mesmo na presença de níveis séricos nor-
Esses fármacos parecem ter eficácia semelhante à do verapamil no mais de magnésio. A dose habitual é de 1 g (na forma de sulfato)
tratamento das arritmias supraventriculares, incluindo controle da administrada por via intravenosa, durante 20 minutos, e repetida
freqüência na fibrilação atrial. Dispõe-se de uma forma intraveno- mais uma vez, se necessário. A elucidação completa das ações e in-
sa para diltiazem para esta última indicação, que causa hiporensão dicações do magnésio como agente antiarrítmico aguarda a realiza-
ou bradiarritmias com relativa raridade. O bepridil também exerce ção de pesquisas adicionais.
uma ação de prolongamento do potencial de ação e do intervalo
QT que, teoricamente, pode torná-Io mais útil em algumas arrit- POTÁSSIO
mias ventriculares, mas que também pode acarretar o risco de tor-
sade de pointes. O bepridil apenas é raramente utilizado, sobretudo O significado das concentrações de íons de potássio dentro e fora
no controle da angina refratária. da membrana das células cardíacas foi discutido anteriormente neste
capítulo. Os efeitos do aumento dos níveis séricos de K+ podem
OUTROS FÁRMACOS ANTIARRíTMICOS ser resumidos da seguinte maneira: (1) uma ação despolarizante do
potencial em repouso e (2) uma ação estabilizadora do potencial de
Alguns agentes utilizados no tratamento das arritmias não se en- membrana, causada por um aumento da permeabilidade ao potás-
quadram na organização convencional em classes (1-4). Esses fár- sio. A hipocalemia está associada a um risco aumentado de pós-
macos incluem os digitálicos (que já foram discutidos no Capo 13) despolarizações precoces e tardias e de atividade de marca-passo
adenosina, magnésio e potássio. ectópico, particularmente na presença de digitálicos. A hipercale-
mia deprime os marca-passos ectópicos (é necessária a presença de
ADENOSINA hipercalemia grave para suprimir o nó sinoatrial) e a redução da
velocidade de condução. Como tanto a insuficiência quanto o ex-
Mecanismo e Uso Clínico cesso de potássio são potencialmente arritmogênicos, a terapia com
potássio visa normalizar os gradientes e as reservas de potássio no
A adenosina é um nucleosídio que ocorre naturalmente em todo o organIsmo.
organismo. Asua meia-vida no sangue é inferior a 10 segundos. Seu
mecanismo de ação envolve a ativação de uma corrente retificadora
de K+ internamente dirigida e inibição da corrente de cálcio. Os re-
sultados dessas ações consistem em acentuada hiperpolarização e su- 111.PRINCíPIOS NO USO
pressão dos potenciais de ação cálcio-dependentes. Quando adminis-
trada numa dose em "bolo", a adenosina inibe diretamente a condu- CLíNICO DOS FÁRMACOS
ção do nó atrioventricular e aumenta o período refratário desse nó,
enquanto exerce menos efeitos sobre o nó sinoatrial. No momento
ANTIARRíTMICOS
atual, a adenosina constitui o fármaco de escolha para conversão
A margem entre eficácia e toxicidade é particularmente estreita no
imediata da taquicardia supraventricular paroxística em ritmo sinu-
caso de fármacos antiarrítmicos. Por conseguinte, os profissionais
sal, devido a sua alta eficácia (90-95%) e duração de ação muito cur-
que prescrevem esses fármacos devem estar totalmente familiariza-
ta. Em geral, é administrada numa dose de 6 mg na forma de "bolo",
dos com as indicações, contra-indicações, riscos e características
seguida, quando necessário, de uma dose de 12 mg. Uma variante
farmacológicas clínicas de cada composto que utilizam.
incomum de taquicardia ventricular é sensível à adenosina. A adeno-
sina é menos eficaz na presença de bloqueadores dos receptores de
adenosina, como teofilina ou cafeína, e seus efeitos são potencializa- Avaliação Pré-tratamento
dos por inibidores da captação de adenosina, como o dipiridamol.
Várias determinações importantes precisam ser efetuadas antes de
se iniciar qualquer terapia antiarrítmica:
Toxicidade
(1) É preciso reconhecer e, se possível, eliminar os fatores preci-
A adenosina provoca rubor em cerca de 20% dos pacientes e disp- pitantes. Esses fatores incluem não apenas anormalidades da hemos-
néia ou ardência no tórax (talvez relacionados ao broncoespasmo) tas ia interna, como hipoxia ou anormalidades eletrolíticas (parti-
em mais de 10%. Pode ocorrer indução de bloqueio atrioventricu- cularmente hipocalemia ou hipomagnesemia), mas também a tera-
lar de alto grau, embora seja de duração muito curta. Pode-se veri- pia farmacológica e estados mórbidos subjacentes, como hipertireoi-
ficar a ocorrência de fibrilação atrial. Os efeitos tóxicos menos co- dismo ou cardiopatia subjacente. É importante separar esse subs-
muns incluem cefaléia, hipotensão, náusea e parestesias. trato anormal de fatores desencadeantes, como isquemia do mio-
cárdio ou dilatação cardíaca aguda, que são passíveis de tratamento
MAGNÉSIO e reversíveis.
(2) Deve-se estabelecer um diagnóstico seguro de arritmia. Por
Foi constatado que o magnésio, eriginalmente utilizado em paci- exemplo, o uso incorreto do verapamil em pacientes com taquicar-
entes com arritmias induzidas por digitálicos que apresentavam dia ventricular, incorretamente diagnosticada como taquicardia
200 / FARMACOLOGIA

TERAPIA NÃO-FARMACOLÓGICA DAS ARRITMIAS CARDíACAS

No início do século XX, foi constatado que a reentrada em mode- definidas, como a reentrada do nó atrioventricular, o f1utter atrial
los simples in vitro (p. ex., anéis de tecidos condutores) era perma- e algumas formas de taquicardia ventricular.
nentemente interrompida por transecção do circuito de reentra- Outra forma de terapia não-farmacológica é o cardioversor-des-
da. Hoje em dia, esse conceito foi aplicado no tratamento das ar- fibrilador implantável (CDI), um aparelho capaz de detectar auto-
ritmias clínicas que ocorrem em conseqüência de reentrada em vias maticamente e tratar arritmias potencialmente fatais, como a fi-
anatomicamente delineadas. Por exemplo, a interrupção de cone- brilação ventricular. Na atualidade, o CDI é amplamente utilizado
xões atrioventriculares acessórias pode curar permanentemente as em pacientes com essasarritmias, que foram reanimados, e diver-
arritmias em pacientes com a síndrome de Wolff-Parkinson-Whi- sos estudos clínicos sugeriram que esse procedimento deve ser
te. Essainterrupção foi originalmente efetuada em cirurgia cardí- utilizado em pacientes com cardiopatia avançada que ainda não
aca a céu aberto; todavia, hoje em dia, é facilmente realizada atra- tiveram essasarritmias, mas que são considerados de alto risco. O
vés da administração de energia de radiofreqüência por um cate- uso crescente de terapias antiarrítmicas não-farmacológicas refle-
ter intracardíaco apropriadamente colocado. Como o procedimen- te tanto os avanços nas tecnologias pertinentes quanto uma cres-
to está apenas associado a uma morbidade mínima, está sendo cente percepção dos perigos da terapia a longo prazo com os fár-
cada vez mais aplicado a outras arritmias de reentrada com vias macos atualmente disponíveis.

supraventricular, pode resultar em hipotensão e parada cardíaca a dofetilida, que atuam - pelo menos em parre - ao reduzir a
catastróficas. Com a disponibilidade de métodos cada vez mais repolarização e ao prolongar os potenciais de ação cardíacos, po-
aprimorados e validados para caracterizar os mecanismos subjacentes dem resultar em acentuado prolongamento do QT e torsade de po-
das arritmias, é possível prescrever cerros fármacos (ou outras tera- intes. O tratamento da torsade depointes exige o reconhecimento da
pias - ver Boxe: Terapia Não-farmacológica das Arritmias Cardí- arritmia, a suspensão de qualquer droga agressora, a correção da
acas) para os mecanismos específicos das arritmias. hipocalemia e o tratamento com manobras para aumentar a freqüên-
(3) É imporrante estabelecer dados basais confiáveis para julgar cia cardíaca (marca-passo e isoproterenol); o magnésio por via in-
a eficácia de qualquer intervenção antiarrítmica subseqüente. Na travenosa também parece ser eficaz, mesmo em pacientes com ní-
atualidade, dispõe-se de diversos métodos para essa quantificação veis normais de magnésio.
basal, incluindo monitorização ambulatorial prolongada, estudos Os fármacos que diminuem acentuadamente a condução, como
eletrofisiológicos que reproduzem uma arritmia-alvo, reprodução a flecainida, ou a quinidina em altas concentrações podem resultar
de arritmia-alvo através de exercício em esteira, ou uso de monito- em freqüência aumentada de arritmias reentrantes, parricularmen-
rização transtelefônica para registro de arritmias esporádicas, porém te taquicardia ventricular em pacientes com infarro do miocárdio
sintomáticas. anterior, nos quais pode haver um circuito de reentrada potencial.
(4) A simples identificação de uma anormalidade do ritmo car- O tratamento neste caso consiste no reconhecimento, na interrup-
díaco não exige necessariamente o tratamento da arritmia. Uma ção do agente agressor e administração intravenosa de sódio. Alguns
excelente justificativa para o tratamento conservador foi forneci da pacientes com essa forma de agravamento da arritmia não podem
pelo Cardiac Arrhythmia Suppression Trial (CAST) citado anteri- ser reanimados, e foram relatados casos de morre.
ormente.
Administração da Terapia Antiarrítmica
Benefícios e Riscos
A urgência da situação clínica é que determina a via e velocidade de
Na verdade, é relativamente difícil estabelecer os benefícios da te- instituição da terapia farmacológica. Quando há necessidade de uma
rapia antiarrítmica. Dois tipos de benefícios podem ser consideta- ação farmacológica imediata, prefere-se a via intravenosa. Podem-
dos: a redução dos sintomas associados à arritmia, como palpita- se obter níveis terapêuticos através da administração de múltiplos
ções, síncope ou parada cardíaca, ou a redução da taxa de morrali- "bolos" por via intravenosa. A terapia farmacológica pode ser con-
dade a longo prazo em pacientes assintomáticos. Entre os fármacos siderada eficaz quando a arritmia-alvo é suprimida (de acordo com
discutidos aqui, apenas os f3-bloqueadores foram definitivamente a medida utilizada na quantificação em condições basais), e não há
associados a uma redução da taxa de morralidade em pacientes re- nenhuma toxicidade. Por outro lado, a terapia farmacológica não
lativamente assintomáticos, embora o mecanismo subjacente a esse deve ser considerada ineficaz, a não ser que ocorram efeitos tóxicos
efeito não tenha sido estabelecido (ver Capo 10). num momento em que as arritmias ainda não estejam suprimidas.
A terapia antiarrítmica está associada a vários riscos. Em alguns Em cerras ocasiões, as arritmias podem sofrer recidiva quando as
casos, o risco de uma reação adversa está claramente relacionado a concentrações plasmáticas do fármaco estão relativamente elevadas,
doses ou concentrações plasmáticas elevadas. Entre os exemplos, mas ainda não foram observados efeitos tóxicos. Nessas condições,
destacam-se o tremor induzido pela lidocaína ou o cinchonismo o médico deve decidir se o aumento criterioso da dose poderá su-
causado pela quinidina. Em outras situações, as reações adversas não primir a arritmia e ainda manter o paciente livre de toxicidade.
estão relacionadas a níveis plasmáticos elevados do fármaco (p. ex., A monitorização das concentrações plasmáticas do fármaco
agranulocitose induzida pela procainamida). Em muitas reações pode constituir um auxiliar útil no manejo da terapia antiarrítmica.
adversas graves a agentes antiarrítmicos, a associação da terapia far- As concentrações plasmáticas do fármaco também são imporran-
macológica com a cardiopatia subjacente parece ser imporrante. tes para estabelecer a aderência do paciente durante a terapia pro-
Foram também identificadas diversas síndromes específicas de longada, bem como para detectar interações farmacológicas pas-
indução de arritmias por agentes antiarrítmicos, apresentando, cada síveis de resultar em concentrações muito altas com doses baixas
uma delas, seu mecanismo fisiopatológÍco subjacente e seus fatores do fármaco ou em concentrações muito baixas na presença de al-
de risco. Cerros fármacos, como a quinidina, o sotalol, a ibutilida e tas doses.
FÁRMACOS UTILIZADOS NAS ARRITMIAS CARDíACAS / 201

PREPARAÇÕES DISPONíVEIS
_. .. .. _._c _.. . . .. _. __ --------00-----_--00------- _.- ---.--.- - .. 'O--- .

BLOQUEADORES DOS CANAIS DE SÓDIO Propranolol (genérico, Inderal)


Oral: comprimidos de 10, 20, 40, 60, 80, 90 mg
Disopiramida (genérico, Norpace) Oral de liberação prolongada: cápsulas de 60, 80, 120, 160 mg
Oral: cápsulas de 100, 150 mg Solução oral: 4,8 mg/mL
Oral de liberação prolongada (genérico, Norpace CR): cápsu- Parenteral: 1 mg/mL para injeção
las de 100, 150 mg
Flecainida (Tambocor)
AGENTES QUE PROLONGAM OS POTENCIAIS DE AÇÃO
Oral: comprimidos de 50, 100, 150 mg
Gliconato de quinidina [62 % de quinidina base] (genérico) Amiodarona (Cordarone)
Oral de liberação prolongada: comprimidos de 324 mg Oral comprimidos de 200, 400 mg
Parenteral: 80 mg/mL para injeção Parenteral: 150 mg/3 mL para infusão intravenosa
Lidocaína (genérico, Xylocaine) Bretílio (genérico)
Parenteral: 100 mg/mL para injeção 1M; 10, 20 mg/mL para in- Parenteral: 2, 4, 50 mg/mL para injeção
jeção IV; 40, 100, 200 mg/mL para misturas IV; 2, 4, 8 mg/mL Dofetilida (Tikosyn)
para solução IV pré-misturada (soro glicosado a 5%) Oral: cápsulas de 125, 250, 500 f.lg
Mexiletina (Mexitil) Ibutilida (Corvert)
Oral: cápsulas de 150,200, 250 mg Parenteral: solução a 0,1 g/mL para infusão IV
Moricizina (Ethmozine) Sotalol (genérico, Betapace)
Oral comprimidos de 200, 250, 300 mg Oral: cápsulas de 80, 120, 160, 240 mg
Poligalacturonato de quinidina [60% de quinidina base] (Car-
dioquin) BLOQUEADORES DOS CANAIS DE CÁLCIO

Oral: comprimidos de 275 mg Bepridil (Vascor; não indicado para uso em arritmias na bula)
Procainamida (genérico, Pronestyl, outros) Oral: comprimidos de 200, 300 mg
Oral: comprimidos e cápsulas de 250, 375, 500 mg Diltiazem (genérico, Cardizem, Dilacor)
Oral de liberação prolongada (genérico, Procan-SR):comprimi- Oral: comprimidos de 30,60,90, 120 mg; cápsulas de libera-
dos de 250, 500, 750, 1,000 mg ção prolongada de 60, 90, 120, 180,240,300,340,420 mg
Parenteral: 100, 500 mg/mL para injeção (não indicado para uso em arritmias na bula)
Propafenona (Rythmol) Parenteral: 5 mg/mL para injeção intravenosa
Oral: comprimidos de 150, 225, 300 mg Verapamil (genérico, Calan lsoptin)
Sulfato de quinidina [83% de quinidina base] (genérico) Oral: comprimidos de 40, 80, 120 mg
Oral: comprimidos de 200, 300 mg Oral de liberação prolongada (Calan SR, Isoptin SR): cápsulas
Oral de liberação prolongada (Quinidex Extentabs): comprimi- de 100, 120, 180, 240 mg
dos de 300 mg Parenteral: 5 mg/2 mL para injeção

~·BLOQUEADORES INDICADOS PARA USO COMO AGENTES ANTlARRiTMICOS OUTROS FÁRMACOS

Acebutolol (genérico, Sectral) Adenosina (Adenocard)


Oral: cápsulas de 200, 400 mg Parenteral: 3 mg/mL para injeção
Esmolol (Brevibloc) Sulfato de magnésio
Parenteral: 10 mg/mL, 250 mg/mL para injeção IV Parenteral: 125, 500 mg/mL para infusão intravenosa

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Fármacos Diuréticos
Harlan E. Ives, MO, PhD

As anormalidades no volume dos líquidos e na composição eletro- bloqueiam a reabsorção de NaHC03) atua diretamente no túbulo
lítica representam problemas clínicos comuns e importantes. As proximal. Em vista da grande quantidade de cloreto de sódio ab-
drogas que bloqueiam as funções de transporte dos túbulos renais sorvida nesse local, uma droga capaz de bloquear especificamente o
constituem importantes ferramentas clínicas no tratamento desses transporte de cloreto de sódio no túbulo proximal poderia atuar
distúrbios. Embora diversos fármacos que aumentem o fluxo de como diurético particularmente potente. Todavia, ainda não se
urina tenham sido descritos desde a antigüidade, foi apenas em 1957 dispõe desse tipo de droga atualmente.
que um fármaco diurético prático e poderoso (a clorotiazida) tor- A reabsorção de bicarbonato de sódio pelo túbulo proximal é
nou-se disponível para uso geral. Tecnicamente, o termo "diurese" iniciada pela ação de um trocador de Na+ IH+ localizado na mem-
significa aumento no volume de urina, enquanto "natriurese" refe- brana luminal das células epiteliais do túbulo proximal (Fig. 15.3).
re-se a aumento na excreção renal de sódio. Como as drogas Esse sistema de transporte permite ao sódio penetrar na célula a
natriuréticas quase sempre aumentam também a excreção de água, partir da luz tubular, através de um mecanismo de troca com um
elas são habitualmente denominadas diuréticos. próton proveniente do interior da célula. Como em todas as por-
Muitos fármacos diuréticos (diuréticos de alça, tiazídicos, ções do néfron, a Na+/K+ATPase na membrana basolateral bom-
amilorida e triantereno) exercem seus efeitos sobte proteínas trans- beia o Na+ reabsorvido no interstício, mantendo a concentração
portadoras específicas de membrana das células epiteliais dos túbu- intracelular de sódio normal. Os prótons secretados na luz combi-
los renais. Outros exercem efeitos osmóticos que impedem a reab- nam-se com o bicarbonato para formar ácido carbônico, HlC03•
sorção de água (manitol), inibem enzimas (acetazolamida) ou in- O ácido carbônico é rapidamente desidratado a COl e H20 pela
terferem em receptores de hormônios nas células epiteliais renais anidrase carbônica. O CO2 produzido pela desidratação do H2C03
(espironolactona) . penetra na célula tubular proximal por difusão simples, onde é en-
Os fármacos diuréticos atuam, em sua maioria, sobre um único tão reidratado a H2C03• Após dissociação do H2C03, o H+ torna-
segmento anatômico do néfron (Fig. 15.1). Como esses segmentos se disponível para transporte pelo trocador de Na+/H+, e o bicar-
exercem funções transportadoras distintas, a primeira seção deste bonato é transportado para fora da célula por um transportador da
capítulo é dedicada a uma revisão das características da fisiologia membrana basolateral (Fig. 15.3). Por conseguinte, a reabsorção do
dos túbulos renais que são relevantes à ação dos diuréticos. A se- bicarbonato pelo túbulo proximal depende da anidrase carbônica.
gunda seção trata da farmacologia básica dos diuréticos, enquanto Essa enzima pode ser inibida pela acetazolamida e fármacos relacio-
nados.
a terceira seção analisa as aplicações clínicas dessas drogas.
Na parte terminal do túbulo proximal, o líquido luminal resi-
dual contém predominantemente NaCl, uma vez que tanto o bi-
carbonato quanto os solutos orgânicos já foram, em grande parte,
removidos do líquido tubular. Nessas condições, a reabsorção de
I. MECANISMOS DE TRANSPORTE Na + prossegue, porém os pró tons secretados pelo trocador de
DOS TÚBULOS RENAIS Na+ IH+ não podem mais ligar-se ao bicarbonato. O H+ livre de-
termina uma queda do pH luminal, ativando um trocador de Cl-I
base ainda pouco definido (Fig. 15.3). O efeito final das trocas
TÚBULO PROXIMAL paralelas de Na+/H+ e Cl-/base consiste na reabsorção de NaCl.
Até essa etapa, não existe nenhum fármaco diurético que atue re-
O bicarbonato de sódio, o cloreto de sódio, a glicose, os aminoáci- conhecidamente sobre esse processo.
dos e outros sol mos orgânicos são reabsorvidos através de sistemas Devido à grande permeabilidade do túbulo proximal à água, esta
de transporte específicos na porção inicial do túbulo proximal. A é reabsorvida em proporção direta à reabsorção de sal nesse segmen-
água sofre reabsorção passiva para manter a osmolalidade do líqui- to. Por conseguinte, a osmolalidade e a concentração de sódio do
do tubular proximal quase constante. À medida que o líquido tu- líquido luminal permanecem quase constantes ao longo da exten-
bular é processado ao longo da extensão do túbulo proximal, as são do túbulo proximal (Fig. 15.2). A concentração de um soluto
concentrações luminais de sol mos diminuem em relação à concen- experimental impermeante, como a inulina, aumenta à medida que
tração de inulina, um marcadar experimental que não é secretado a água for sendo reabsorvida (Fig. 15.2). Na presença de grande
nem absorvido pelos túbulos renais (Fig. 15.2). Cerca de 85% do quantidade de soluto impermeante, como o manitol, no líquido
bicarbonato de sódio filtrado, 40% do clareto de sódio, 60% da tubular, a reabsorção de água produz uma elevação da concentra-
água e praticamente todos os solmos orgânicos filtrados são reab- ção do solmo até impedir qualquer reabsorção adicional de água.
sorvidos no túbulo proximal. Este é o mecanismo pelo qual atuam os diuréticos osmóticos (ver
Dentre os diversos solmos reabsorvidos no túbulo proximal, os adiante).
mais relevantes para a ação diurética são o bicarbonato de sódio e o Os sistemas secretores de ácidos orgânicos localizam-se no terço
cloreto de sódio. Dentre os agentes diuréticos atualmente disponí- médio do túbulo proximal (segmento 52)' Esses sistemas secretam
veis, apenas um grupo (os inibidores da anidrase carbônica, que uma variedade de ácidos orgânicos (ácido úrico, antiinflamatórios
204 / FARMACOLOGIA

Túbulo NaCI NaCI Túbulo contorcido


contorcido distal

4
proximal

'. K+

j.
Glomérulo
Dueto
coletor

Córtex

Medula extema

K+

Diuréticos H+
Ramo
(2) Acetazolamida ascendente

o Agentes osmóticos (manitol)


espesso

o Diuréticos de alça (por exemplo, furosemida)


Dueto
0) Tiazídicos coletor

o
o
Antagonistas

Antagonistas
da aldosterona

de ADH
0 Ramo
ascendente
delgado

Medula Interna

Fig. 15.1 Sistemas de transporte tubular e locais de ação dos diuréticos.

não-esteróides [AINE], diuréticos, antibióticos etc.) do sangue para camente neutro (são co-transportados dois cátions e dois ânions), a
o líquido luminal. Por conseguinte, esses sistemas ajudam a liberar ação do transportador contribui para o acúmulo excessivo de K+
diuréticos no lado luminal do túbulo, onde atua a maioria deles. no interior da célula. Isso resulta em difusão retrógrada de K+ para
Os sistemas secretores de bases orgânicas (creatinina, colina etc.) a luz tubular, levando ao desenvolvimento de um potencial elétri-
também estão localizados nos segmentos inicial (51) e médio (52) co positivo na luz. Esse potencial elétrico constitui a força propul-
do túbulo proximal. sora para a reabsorção de cátions - incluindo Mi+ e Ca2+ - pela
via paracelular (entre as células). Por conseguinte, a inibição do
ALÇA DE HENLE transporte de sal no ramo ascendente espesso por diuréticos de alça
produz um aumento na excreção urinária desses cátions divalentes,
No limite entre as porções interna e externa da medula externa além do NaCl.
começa o ramo delgado da alça de Henle. A água é extraída a partir
do ramo descendente delgado da alça de Henle por forças osmóticas TÚBULO CONTORCIDO DISTAL
geradas no interstício medular hipertônico. Como no túbulo pro-
ximal, os soluras impermeantes presentes na luz, como o manirol, Apenas cerca de 10% do NaCI filtrado são reabsorvidos no túbulo
opõem-se à extração de água. contorcido distal. A exemplo do ramo ascendente espesso, esse seg-
O ramo ascendente espesso da alça de Henle reabsorve ativamen- mento é relativamente impermeável à água e, por conseguinte, a
te o NaCI da luz (cerca de 35% do sódio filtrado); entretanto, ao reabsorção de NaCI dilui ainda mais o líquido tubular. O mecanis-
contrário do túbulo proximal e do ramo delgado, é quase imper- mo de transporte do NaCI no túbulo contorcido distal consiste no
meável à água. Por conseguinte, a reabsorção de sal no ramo ascen- co-transporte eletricamente neutro de Na+ e CI- (Fig. 15.5). Esse
dente espesso dilui o líquido tubular, eXplicando, assim, a sua de- transportador de NaCI é bloqueado por diuréticos da classe dos
signação de "segmento diluidor". As porções medulares do ramo tiazídicos.
ascendente espesso contribuem para a hipertonicidade medular e, Uma vez que o K+ não é reciclado através da membrana apical
portanto, também desempenham um importante papel na concen- do túbulo contorcido distal, como ocorre na alça de Henle, não há
tração da urina. potencial positivo na luz nesse segmento, e o Ca2+ e Mi+ não são
O sistema de transporte de NaCl na membrana luminal da alça extraídos da luz tubular por forças elétricas. Entretanto, o Ca2+ é
ascendente espessa é um co-transportador de Na+/K+/2Cl- (Fig. reabsorvido ativamente pelas células epiteliais do túbulo contorci-
15.4). Esse transportador é seletivamente bloqueado por fármacos do distal através de um canal de Ca2+ apical e de um mecanismo de
diuréticos, conhecidos como diuréticos "de alça" (ver adiante). troca de Na+ ICa2+ basolateral (Fig. 15.5). Esse processo é regulado
Apesar de o transportador de Na+ IK+ 12CI- ser, ele próprio, eletri- pelo hormônio paratireoidiano. Como veremos adiante, as diferen-
FÁRMACOS DIURÉTICOS / 205

2.6
1.2
LT LuZ' Interstício-
PO
2.4 urina sangue
2.0
0.2
2.2
0.8
0.6
1.4
1.6
1.8
1.0
0,4
O

------
+ Na+
K" "'-..-----
---=========---------
-- osm

(
Fig. 15.3 Troca de Na+IW na membrana apical e reabsorção do
bicarbonato na célula do túbulo contorcido proximal. A Na+/K+
A TPase é encontrada na membrana basolateral, onde mantém os
níveis intracelulares de sódio e de potássio dentro da faixa normal.
Devido ao rápido equilíbrio, as concentrações dos solutos mostra-
dos são aproximadamente iguais no líquido intersticial e no sangue,
25 30 75 100
A anidrase carbõnica (AC) é encontrada em outros locais, além da
% de extensão do túbulo proximal borda em escova da membrana luminal,

DP _g
+2L-
(mV) ~--~~~-------- _

Fig. 15.2 Reabsorção de vários solutos no túbulo proximal em rela- na. Como a força motriz para a entrada de Na+ no interior das
ção à extensão do túbulo. (LT/P, relação entre líquido tubular e con- células principais excede acentuadamente aquela para a saída de
centração plasmática; DP, diferença de potencial através do túbu- K+, a reabsorção de Na + predomina, e verifica-se o desenvolvi-
10.) (Reproduzido, com permissão, de Ganong WF: Review of Medica! Phy-
mento de um potencial elétrico de 10-50 m V negativo na luz. O
sio!ogy, 17th ed. Lange, 1993.)
Na+ que penetra na célula principal a partir da urina é então trans-
portado de volta ao sangue através da Na +IK+ A TPase basolateral
(Fig. 15.6). O potencial elétrico negativo na luz impulsiona o
ças no mecanismo de transporte do Ca2+ no túbulo contorcido distal transporte de CI- de volta ao sangue pela via paracelular e tam-
e na alça de Henle possuem importantes implicações para os efei- bém impulsiona o K+ para fora da célula, através do canal de K+
tos de diversos diuréticos sobre o transporte de Ca2+. da membrana apical. Por conseguinte, existe uma importante re-
lação entre o fornecimento de Na+ ao ducto coletor e a conseqüen-
DUCTO COLETaR te secreção de K+. Os diuréticos que atuam na parte proximal do
ducto coleto r aumentam o aporte de Na+ a esse local e intensifi-
o ducto coleto r é responsável por apenas 2-5% da reabsorção de cam a secreção de K+. Além disso, se o Na+ for suprido com um
NaCI pelo rim. A despeito dessa pequena contribuição, o ducto ânion que não pode ser reabsorvido tão facilmente quanto o Cl-
coleto r desempenha uma importante função na fisiologia renal e
na ação dos diuréticos. Como último local de reabsorção de NaCI,
o ducto coleto r é responsável pela regulação do volume e por deter- Ramo
Luz- ascendente Interstício-
minar a concentração final de Na+ na urina. Além disso, o ducto
urina espesso sangue
coleto r representa um local onde os mineralocorticóides exercem
uma influência significariva. Por fim, o ducto coleto r constitui o
principal local de secreção de potássio pelo rim e, portanto, o local
em que ocorrem praticamente todas as alrerações induzidas por
diuréticos no metabolismo do potássio. 2CI
O mecanismo de reabsorção de NaCI no ducto coletor difere
dos mecanismos descritos para os outros segmentos tubulares. As
células principais constituem os principais locais de transporte de (+) ---=--- ~
Na+, K+ e H20 (Fig. 15.6), enquanto as células intercaladas são
os locais primários de secreção de prótons. Ao contrário das célu-
las encontradas em outros segmentos do néfron, a membrana
apical das células principais do ducto coleto r não contém siste-
(Potencial
Mg2+, Ca2+
( I -

mas de co-transporte para o Na+ e outros Íons. Em vez disso, es- Fig. 15.4 Vias de transporte de íons através das membranas lumi-
sas membranas apresentam canais iônicos separados para o Na+ e nal e basolateral da célula do ramo ascendente espesso. O potenci-
o K+. Como esses canais excluem ânions, o transporte de Na+ ou al elétrico positivo na luz criado pela retrodifusão de K+ promove a
K+ resulta num movimento efetivo de cargas através da membra- reabsorção de cátions divalentes através da via paracelular,
206 / FARMACOLOGIA

Luz-
urina
Túbulo
contorcido
distal
Intersticio-
sangue
Luz-
urina
l Ducto
coletor

Célula principal
J ••
Intersticio-
sangue

Aldosterona

II ••
®

H20~-OO-Moléculas
( ')
de água
no canal
Fig. 15.5 Vias de transporte de íons através das membranas lumi-
nal e basolateral da célula do túbulo contorcido distal. Como em
todas as células tubulares, a Na+/K+A TPase é encontrada na mem- Célula intercalada
brana basolateral. (R, receptor do PTH.)

(por exemplo, bicarbonato), ocorre aumento do potencial nega-


tivo na luz, e a secreção de K+ se intensifica ainda mais. Esse
mecanismo, combinado com o aumento da secreção de aldoste- Fig. 15.6 Vias de transporte de íons e de H20 através das membra-
nas luminal e basolateral das células do túbulo e duetos coletores.
rona devido à depleção de volume, constitui a base da maior par- A difusão internamente dirigida de Na+ produz um potencial nega-
te da perda de K+ induzida por diuréticos. tivo na luz e promove a reabsorção de CI- e o efluxo de K+ (R, re-
A reabsorção de Na+ através do canal epitelial de Na (ENaC, ceptor de aldosterona ou de ADH.)
epithelial Na channel) e a secreção acoplada de K+ são reguladas
pela aldosterona. Esse hormônio esteróide, através de suas ações
sobre a transcrição gênica, aumenta a atividade dos canais da mem-
brana apical e da Na+/K+ ATPase basolateral. Isso leva a um aumen- aplicações específicas, que serão discutidas adiante. O protótipo dos
to do potencial elétrico transepitelial e a um notável aumento tan- inibidores da anidrase carbônica é a acetazolamida.
to na reabsorção de Na+ quanto na secreção de K+.
O hormônio antidiurético (ADH), também denominado vaso- Farmacocinética
pressina, constitui um determinante-chave da concentração final da
urina. Na ausência de ADH, o túbulo coletor (e ducto) torna-se Os inibidores da anidrase carbônica são bem absorvidos após ad-
impermeável à água, com a conseqüente produção de urina diluí- ministração oral. Verifica-se um aumento dopH urinário, devido
da. Entretanto, a permeabilidade da membrana das células princi- à diurese de bicarbonato, dentro de 30 minutos; esse aumento tor-
pais à água pode ser aumentada através da fusão induzida pelo AD H na-se máximo em 2 horas e persiste por 12 horas após a adminis-
das vesículas contendo canais de água pré-formados com as mem- tração de uma dose única. A excreção da droga ocorre por secreção
branas apicais (Fig. 15.6). A secreção do ADH é regulada pela os- no segmento 52 do túbulo proximal. Por essa razão, é necessário
molalidade sérica e pelo estado do volume. reduzir a dose na presença de insuficiência renal.

Farmacodinâmica

11.FARMACOLOGIA BÁSICA DOS A inibição da atividade da anidrase carbônica deprime profunda-


mente a reabsorção de bicarbonato no túbulo proximal. Em sua dose
FÁRMACOS DIURÉTICOS máxima administrada com segurança, 85% da capacidade de reab-
sorção de bicarbonato do túbulo proximal superficial são inibidos.
INIBIDORES DA ANIDRASE CARBÔNICA Todavia, algum bicarbonato ainda pode ser absorvido em outros
locais do néfron através de mecanismos que não dependem da ani-
A anidrase carbônica ~ encontrada em muitos locais do néfron, drase carbônica. O efeito global da administração de uma dose
porém a membrana luminal das células tubulares proximais cons- máxima de acetazolamida consiste em inibição de cerca de 45% de
titui o local predominante dessa enzima (Fig. 15.3), onde catalisa a toda a reabsorção renal de bicarbonato. Entretanto, a inibição da
desidratação do H2C03, uma etapa fundamental na reabsorção do anidrase carbônica provoca perdas significativas de bicarbonato e
bicarbonato. Ao bloquear a anidrase carbônica, os inibidores blo- acidose metabólica hiperclorêmica. Devido a esse efeito e ao fato
queiam a reabsorção de bicarbonato de sódio e causam diurese. de que a depleção de HC03 - leva a uma reabsorção intensificada
Os inibidores da anidrase carbônica foram os precursores dos de N aCI pelos segmentos remanescentes do néfron, a eficácia diuré-
diuréticos modernos. São derivados não substituídos de sulfonami- tica da acetazolamida diminui significativamente com o seu uso no
das, que foram descobertos quando foi constatado que as sulfona- decorrer de vários dias.
midas bacteriostáticas causavam diurese alcalina e acidose metabó- As principais aplicações clínicas da acetazolamida envolvem o
lica hiperclorêmica. Com o desenvolvimento de fármacos mais transporte de bicarbonato dependente da anidrase carbônica em
modernos, os inibidores da anidrase carbônica raramente são utili- locais diferentes do rim. O corpo ciliar do olho secreta bicarbonato
zados hoje em dia como diuréticos, embora ainda tenham várias do sangue no humor aquoso. De forma semelhante, a formação do
FÁRMACOS DIURÉTICOS / 207

líquido cefalorraquidiano pelo plexo coróide envolve a secreção de pode colocar em risco a vida do indivíduo. Ao diminuir a formação
bicarbonato no líquido cefalorraquidiano. Embora esses processos de líquido cefalorraquidiano e ao reduzir o pH do líquido cefalorra-
removam o bicarbonato do sangue (em direção oposta à do túbulo quidiano e do cérebro, a acetazolamida pode melhorar o desempe-
proximal), são significativamente inibidos pelos inibidores da ani- nho e diminuir os sintomas da doença das montanhas.
drase carbônica, o que, em ambos os casos, altera drasticamente o
pH e a quantidade de líquido produzida. E. OUTROS USOS
Os inibidores da anidrase carbônica têm sido utilizados como ad-
Indicações Clínicas e Posologia juvantes para o tratamento da epilepsia, em algumas formas de
(Quadro 15.1) paralisia periódica hipocalêmica e para aumentar a excreção uriná-
ria de fosfato durante a hiperfosfatemia grave.
A. GLAUCOMA

A redução da formação de humor aquoso pelos inibidores da ani- Toxicidade


drase carbônica diminui a pressão intra-ocular. Esse efeito é valioso
A. ACIDOSE METABÓLICA HIPERCLORÊMICA
no tratamento das formas graves de glaucoma, constituindo a indi-
cação mais comum para o uso dos inibidores da anidrase carbôni- A acidose decorre previsivelmente da redução crônica das reservas
ca. Dispõe-se também de inibidores da anidrase carbônica topica- corporais de bicarbonato por inibidores da anidrase carbônica e li-
mente ativos (dorzolamida, brinzolamida). Esses compostos tópi- mita a eficácia diurética dessas drogas a dois ou três dias.
cos reduzem a pressão intra-ocular, porém seus níveis plasmáticos
são indetectáveis. Por conseguinte, tanto os efeitos diuréticos quanto B. CÁLCULOS RENAIS
os efeitos metabólicos sistêmicos são eliminados.
Ocorrem fosfatúria e hipercalciúria durante a resposta de bicarbo-
natúria a inibidores da anidrase carbônica. A excreção renal de fa-
B. ALCALlNIZAÇÃO URINÁRIA
tores solubilizantes (por exemplo, citrato) também pode diminuir
o ácido úrico, a cistina e alguns outros ácidos fracos são relativa- com o uso crônico. Os sais de cálcio são relativamente insolúveis
mente insolúveis na urina ácida e podem ser facilmente reabsorvi- em pH alcalino, o que significa um aumento do potencial de for-
dos a partir dela. A excreção renal desses compostos pode ser inten- mação de cálculos renais a partir desses sais.
sificada ao aumentar-se o pH urinário com o uso de inibidores da
anidrase carbônica. Na ausência de administração contínua de bi- C. PERDA RENAL DE POTÁSSIO
carbonato, esses efeitos da acetazolamida têm duração relativamente
curta (2-3 dias). A terapia prolongada exige a administração de bi- Pode ocorrer perda de potássio, uma vez que o NaHC03levado ao
carbonato. ducto coletor provoca aumento do potencial elétrico negativo na
luz desse segmento e intensifica a secreção de K+. Esse efeito pode
C. ALCALOSE METABÓLICA ser anulado pela administração simultânea de KCl.

Em geral, a alcalose metabólica é tratada através da correção das D. OUTRAS TOXICIDADES


anormalidades no K+ corporal total, volume intravascular ou ní-
veis de mineralocorticóides. É comum a ocorrência de sonolência e parestesias após a adminis-
Entretanto, quando a alcalose é devida ao uso excessivo de diuré- tração de altas doses. Os inibidores da anidrase carbônica podem
ticos em pacientes com insuficiência cardíaca grave, a administra- acumular-se em pacientes com insuficiência renal, resultando em
toxicidade do sistema nervoso. Além disso, podem ocorrer reações
ção de solução salina pode estar contra-indicada. Nessas circuns-
tâncias, a acetazolamida pode ser útil para corrigir a alcalose, bem de hipersensibilidade (febre, erupções cutâneas, supressão da me-
dula óssea e nefrite intersticial).
como para produzir uma pequena diurese adicional para a corre-
ção da insuficiência cardíaca. A acetazolamida também tem sido
utilizada para rápida correção da alcalose metabólica que pode sur- Contra-indicações
gir no contexto da acidose respiratória.
A alcalinização da urina induzida por inibidores da anidrase carbô-
nica diminui a excreção urinária de NH4 + e pode contribuir para o
D. DOENÇA DAS MONTANHAS AGUDA
desenvolvimento
.. de hiperamonemia e encefalopatia hepática em
Podem ocorrer fraqueza, tonteira, insônia, cefaléia e náusea em alpi- paCIentes com CIrrose.
nistas que ascendem rapidamente acima de 3.000 metros. Em geral,
os sintomas são leves e duram poucos dias. Nos casos mais graves, a
formação de edema pulmonar ou cerebral rapidamente progressivo
DIURÉTICOS DE ALÇA
Os diuréticos de alça inibem seletivamente a reabsorção de NaCI
no ramo ascendente espesso na alça de Henle. Devido à grande
capacidade de absorção de NaCI desse segmento e ao fato de a diu-
Quadro 15.1lnibidores da anidrase carbônica utilizados por rese não ser limitada pelo desenvolvimento de acidose, como no caso
via oral no tratamento do glaucoma dos inibidores da anidrase carbônica, essas drogas constituem os mais
eficazes agentes diuréticos disponíveis.
Dose Oral Habitual
Fármaco (1-4 Vezes ao Dia)
Química
Acetazolamida 250 mg
Diclorfenamida 50 mg Os dois protótipos desse grupo de drogas são a furosemida e o áci-
Metazolamida 50 mg
do etacrínico. As estruturas de vários diuréticos de alça são apre-
208 / FARMACOLOGIA

Quadro 15.2 Diuréticos de alça: Posologias

L:.~~.~~.~~.~ !:'.~~.~~.~I
..!:'.~.~~.i.~~
.
CI í"4 3 2 ~1 ° Acidoetacrínico 50-200 mg
Bumetanida

H2N-02S
-ç>-NH-CH20
~ COOH

Furosemida
0,5-2 mg
20-80 mg
Furosemida Torsemida 2,5-20 mg
'Como dose única ou em duas doses fracionadas.

Farmacodinâmica

Essasdrogas inibem o transportador luminal de Na+/K+12Cl- no ramo


ascendente espesso da alça de Henle. Ao inibir esse transportador, os
diuréticos de alça reduzem a reabsorção de NaCl e também diminu-
Bumetanida
em o potencial positivo na luz que deriva da reciclagem do K+ (Fig.
15.4). Normalmente, essepotencial elétrico estimula a reabsorção de
cátions divalentes na alça. Os diuréticos de alça, ao reduzir essepoten-
cial, causam aumento na excreçãode Mt+ e Ca2+.O uso prolongado
desses fármacos pode provocar hipomagnesemia significativa em al-
guns pacientes. Como o Ca2+ sofre reabsorção ativa no túbulo con-
torcido distal, os diuréticos de alça geralmente não produzem hipo-
Ácido etacrinico calcemia. Todavia, em distúrbios que causam hipercalcemia, a excre-
ção de Ca2+pode ser acentuadamente aumentada, se forem associa-
Fig. 15.7 Alguns diuréticos de alça. O grupo metileno sombreado dos diuréticos de alça com infusões de solução salina.
no ácido etacrínico é reativo e pode combínar-se com grupos sulfi- Os diuréticos de alça induzem a síntese renal de prostaglandi-
drila livres. nas. Essas prostaglandinas participam nas ações renais dessas dro-
gas. Os AlNE (por exemplo, indometacina) podem interferir nas
ações dos diuréticos de alça ao reduzir a síntese de prostaglandinas
no rim. Essa interferência é mínima nos indivíduos normais sob os
sentadas na Fig. 15.7. À semelhança dos inibidores da anidrase car-
bônica, a furosemida, a bumetanida e a torsemida são derivados das demais aspectos, mas pode ser significativa em pacientes com sín-
sulfonamidas. drome nefrótica ou com cirrose hepática.
O ácido etacrínico - que não é um derivado das sulfonamidas Além de sua atividade diurética, os fármacos diuréticos de alça
- é um derivado do ácido fenoxiacético, que contém uma cetona parecem exercer efeitos diretos sobre o fluxo sangüíneo através de
e um grupo metileno adjacentes (Fig. 15.7). O grupo metileno (som- vários leitos vasculares. A furosemida aumenta o fluxo sangüíneo
breado) forma um produto de adição com o grupo sulfidrila livre renal. Foi também constatado que a furosemida e o ácido etacríni-
da cisteína. O produto de adição de cisteína parece constituir a for- co são capazes de reduzir a congestão pulmonar e a pressão de en-
ma ativa da droga. chimento do ventrículo esquerdo na insuficiência cardíaca antes da
ocorrência de aumento mensurável do débito urinário, bem como
Os diuréticos mercuriais orgânicos também inibem o transporte
de sal no ramo ascendente espesso, porém não são mais utilizados, em pacientes anéfricos.
em virtude de sua elevada toxicidade.
Indicações Clínicas e Posologia
Farmacocinética {Quadro 15.2}
Os diuréticos de alça são absorvidos rapidamente. São eliminados As indicações mais importantes para o uso dos diuréticos de alça
por secreção tubular, bem como por filtração glomerular. A absor- incluem edema pulmonar agudo, outras condições de edema e hi-
ção da torsemida oral é mais rápida (1 hora) do que a da furosemi- percalcemia aguda. O uso dos diuréticos de alça nessas condições é
da (2-3 horas), sendo quase tão completa quanto a de sua adminis- discutido na Seção III, Farmacologia Clínica. Outras indicações para
tração intravenosa. A resposta diurética é extremamente rápida após o uso de diuréticos de alça incluem hipercalemia, insuficiência re-
injeção intravenosa. A duração do efeito ela furosemida é habitual- nal aguda e dôença por ânions.
mente de 2-3 horas, enquanto a da torsemida é de 4-6 horas. A meia-
vida depende da função renal. Como os diuréticos de alça atuam A. HIPERCALEMIA
sobre o lado luminal do túbulo, a sua atividade diurética correlaci-
Na hipercalemia leve - ou após tratamento agudo de hipercale-
ona-se com a sua secreção pelo túbulo proximal. A redução na se- mia grave com outras medidas - os diuréticos de alça podem au-
creção de diuréticos de alça pode resultar da administração simul- mentar significativamente a excreção urinária de K+. Essa resposta
tânea de fármacos, como os AlNE ou a probenecida, que compe-
é intensificada pela administração simultânea de NaCl e água.
tem pela secreção de ácidos fracos no túbulo proximal. Foram iden-
tificados metabólitos do ácido etacrínico e da furosemida, mas não
B. INSUFICIÊNCIA RENAL AGUDA
se sabe se possuem alguma atividade diurética. A torsemida tem pelo
menos um metabólito ativo, com meia-vida consideravelmente mais Os diuréticos de alça podem aumentar a taxa de fluxo urinário e a
prolongada que a do composto original. excreção de K+ na insuficiência renal aguda. Entretanto, não pare-
FÁRMACOS DIURÉTICOS / 209

cem reduzir a duração da insuficiência renal. Se uma grande carga de hipercalcemia, como carcinoma de pequenas células do pulmão,
pigmentar tiver precipitado o desenvolvimento de insuficiência renal se houver grave depleção do volume.
aguda ou ameaça fazê-Io, os diuréticos de alça podem ajudar a eli-
minar os cilindros intratubulares e reduzir a obstrução intratubular. Contra-indicações
Por outro lado, os diuréticos de alça podem, teoricamente, agravar
a formação de cilindros no mieloma e na nefropatia por cadeias leves. A furosemida, a bumetanida e a torsemida podem apresentar reati-
vidade cruzada em pacientes que são sensíveis'a outras sulfonami-
C. SUPERDOSAGEM DE ÂNIONS das. O uso excessivo de qualquer diurético é perigoso na cirrose
hepática, na insuficiência renallimítrofe ou na insuficiência cardí-
Os diuréticos de alça mostram-se úteis no tratamento da ingestão aca (ver adiante).
tóxica de brometo, fluoreto e iodeto, que são reabsorvidos no ramo
ascendente espesso. Deve-se administrar uma solução salina para
TIAZíDICOS
repor as perdas urinárias de Na+ e fornecer CI-, de modo a evitar
uma depleção do volume de líquido extracelular.
Os diuréticos tiazídicos surgiram durante tentativas de sintetizar
inibidores mais potentes da anidrase carbônica. Posteriormente,
Toxicidade ficou claro que os tiazídicos inibem o transporte de NaCI predo-
minantemente no túbulo contorcido distal. Todavia, alguns mem-
A. ALCALOSE METABÓLICA HIPOCALÊMICA bros desse grupo conservam uma atividade inibitória da anidrase
Os diuréticos de alça aumentam o transporte de sal e de água até o carbônica significativa. O protótipo dos tiazídicos é a hidrocloro-
tiazida.
ducto coletor e, portanto, intensificam a secreção renal de K+ e H+,
causando alcalose metabólica hipocalêmica. Essa toxicidade é fun-
ção da magnitude do efeito diurético e pode ser revertida através de Química e Farmacocinética
reposição de K+ e correção da hipovolemia.
À semelhança dos inibidores da anidrase carbônica, todos os tiazí-
B. OTOTOXIClDADE dicos apresentam um grupo sulfonamida não-substituído (Fig.
15.8).
Os diuréticos de alça podem causar perda auditiva relacionada à Todos os tiazídicos podem ser administrados por via oral; toda-
dose, que é habitualmente reversível. É mais comum em pacien- via, existem diferenças no seu metabolismo. A clorotiazida, a droga
tes com diminuição da função renal ou que rambém estão fazen- original do grupo, não é muito lipossolúvel e deve ser administrada
do uso de outros fármacos ototóxicos, como antibióricos amino- em doses relativamente altas. Trata-se da única tiazida disponível
glicosídicos. para administração parenteral. A clortalidona sofre absorção lenta
e tem duração de ação mais prolongada. Apesar de a indapamida
C. HIPERURICEMIA ser excretada primariamente pelo sistema biliar, uma quantidade
suficiente da forma ativa é depurada pelo rim para exercer seu efei-
Os diuréticos de alça podem causar hiperuricemia e precipitar ata- to diurético no túbulo contornado distal.
ques de gota. Isso é causado por um aumento da reabsorção de áci-
Todos os tiazídicos são secretados pelo sistema secreto r de áci-
do úrico no túbulo proximal associado à hipovolemia. Esse proble-
ma pode ser evitado com o uso de doses mais baixas dos diuréticos. dos orgânicos no túbulo proximal e competem com a secreção de
ácido úrico por esse sistema. Em conseqüência, a secreção de áci-
D. HIPOMAGNESEMIA do úrico pode ser reduzida, com elevação dos níveis séricos de ácido
úrico.
A depleção de magnésio é uma conseqüência previsível do uso crô-
nico de diuréticos de alça e ocorre mais freqüentemente em paci- Farmacodi nâmica
entes com deficiência dietética de magnésio. Pode ser facilmente
revertida pela administração de preparações de magnésio por via oral. Os tiazídicos inibem a reabsorção de NaCI do lado luminal das
células epiteliais no túbulo contorcido distal ao bloquear o trans-
E. REAÇÕES ALÉRGICAS portador de Na+ ICl-. Diversamente da situação observada na alça
de Henle, onde os diuréticos de alça inibem a reabsorção de Ca2+,
Alguns efeitos colaterais ocasionais da terapia com furosemida, os tiazídicos aumentam efetivamente a reabsorção de Cau no tú-
bumetanida e torsemida consistem em erupção cutânea, eosinofi- bulo contorcido dista!. Foi postulado-que esse aumento resulta da
lia e, com menos freqüência, nefrite intersticial. Em geral, esses efei- diminuição do Na+ intracelular através do bloqueio de sua entra-
tos colaterais regridem rapidamente após a interrupção do fárma- da pelos tiazídicos. A menor concentração celular de Na+ pode
co. As reações alérgicas são muito menos comuns com o uso do ácido então aumentar a troca de Na+ICa2+ na membrana basolateral
etacrínico.
(Fig. 15.5), aumentando a reabsorção global de Ca2+. Enquanto
os diuréticos tiazídicos raramente provocam hipercalcemia em
F. OUTROS EFEITOS TÓXICOS
conseqüência dessa reabsorção aumentada, eles podem desmas-
Os diuréticos de alça, mais do que outros diuréticos, podem pro- carar a existência de hipercalcemia de outras causas (por exem-
vocar grave desidratação. A hiponatremia é menos comum do que plo, hiperparatireoidfsmo, carcinoma, sarcoidose). Os tiazídicos
com o uso dos tiazídicos (ver adiante). Todavia, os pacientes que mostram-se úteis no tratamento dos cálculos renais causados por
aumentam a ingestão de água em resposta à sede induzi da pela hi- hipercalciúria.
povolemia podem desenvolver hiponatremia grave com a adminis- A ação dos tiazídicos depende, em parte, da produção renal de
tração de diuréticos de alça. Os diuréticos de alça são conhecidos prostaglandinas. Conforme descrito anteriormente para os diuréti-
pelo seu efeito calciúrico; entretanto, pode ocorrer hipercalcemia cos de alça, as ações dos tiazídicos também podem ser inibidas pe-
em pacientes que apresentam outra causa - previamente oculta- los AINE em certas condições.
210 / FARMACOLOGIA

Hidroclorotiazida Indapamida

Clortalidona Metolazona

Ouinetazona

Fig. 15.8 Hidroclorotiazida e agentes relacionados.

Indicações Clínicas e Posologia (Quadro 15.3) vação do ADH induzida pela hipovolemia, redução da capacidade
de diluição do rim e aumento da sede. Pode ser evitada ao reduzir-
As principais indicações dos diuréticos tiazídicos incluem: (1) hi- se a dose do fármaco ou ao limitar-se a ingestão de água.
pertensão, (2) insuficiência catdíaca, (3) nefrolitíase resultante de
hipercalciúria idiopática e (4) diabete insípido nefrogênico. O uso E. REAÇÕES ALÉRGICAS
dos tiazídicos em cada uma dessas condições é descrito adiante, na
seção sobte farmacologia clínica. Os tiazídicos são sulfonamidas e compartilham uma reatividade
cruzada com outros membros desse grupo químico. Raramente
Toxicidade ocorrem fotossensibilidade ou dermatite generalizada. As reações
alérgicas graves são exrremamente raras, mas incluem anemia he-
A. ALCALOSE METABÓLICA HIPOCALÊMICA E HIPERURICEMIA molítica, trombocitopenia e pancreatite necrosante aguda.
Essas toxicidades assemelham-se às observadas com os diuréticos de F. OUTROS EFEITOS TÓXICOS
alça (ver anteriormente).
Podem ocorrer fraqueza, fatigabilidade e parestesias semelhantes
B. COMPROMETIMENTO DA TOLERÂNCIA AOS àquelas observadas com os inibidores da anidrase carbônica. Foi
CARBOIDRATOS relatada a ocorrência de impotência, que está provavelmente rela-
cionada à depleção de volume.
Pode ocorrer hiperglicemia em pacientes francamente diabéticos ou
que apresentam testes de tolerância à glicose levemente anormais. Contra-indicações
O efeito é devido a um comprometimento na liberação pancreáti-
ca de insulina e à diminuição da utilização tecidual de glicose. A O uso excessivo de qualquer diurético é perigoso na cirrose hepáti-
hiperglicemia pode ser parcialmente reversível com a correção da ca, na insuficiência renallimítrofe ou na insuficiência cardíaca (ver
hipocalemia. adiante).

C. HIPERLlPIDEMIA DIURÉTICOS POUPADORES DE


Os tiazídicos produzem um aumento de 5-15% nos níveis séricos de POTÁSSIO
colesterol e aumento das lipoproteínas de baixa densidade (LDL).
Esses diuréticos antagonizam os efeitos da aldosterona no túbulo
Esses níveis podem retomar aos valores basais após uso prolongado.
distal terminal e no túbulo coletor cortical. Pode ocorrer inibição
D. HIPONATREMIA por antagonismo farmacológico direto dos receptores de mineralo-
corticóides (espironolactona, eplerenona) ou por inibição do flu-
A hiponatremia representa um importante efeito adverso dos diuré- xo de Na+ através dos canais iônicos na membrana luminal
ticos tiazídicos. A hiponatremia é devida a uma combinação de ele- (amilorida, triantereno).
FÁRMACOS DIURÉTICOS / 211

Quadro 15.3 Tiazídicos e diuréticos relacionados: (ENaC) na membrana apical do ducto coletor. Como a secreção
Posologias de K+ está acoplada com a entrada de Na+ nesse segmento, esses
fármacos também são diuréticos poupadores de K+ eficazes.
Dose Freqüência· de
Fármaco Oral Diária As ações do triantereno e da espironolactona dependem da pro-
Administração
dução renal de prostaglandinas. Conforme descrito anteriormente
Bendroflumetiazida 2,5-10 mg Em dose única para os diuréticos de alça e os tiazídicos, as ações do triantereno e
Benzotiazida 25-100 mg Em duas doses da espironolactona também podem ser inibidas por AlNE em cer-
fracionadas tas condições.
C lorotiazida 0,5-1 9 Em duas doses
fracionadas Indicações Clínicas e Posologia
Clortalidona 1 50-100 mg Em dose única (Quadro 15.4)
Hidroclorotiazida 25-100 mg Em dose única Esses fármacos são mais úteis em estados de excesso de mineral 0-
Hidroflumetiazida Em duas doses corticóides, devido à hipersecreção primária (síndrome de Conn,
25-100 mg
fracionadas produção ectópica de ACTH) ou à presença de aldosteronismo
secundário (em decorrência de insuficiência cardíaca, cirrose hepá-
Indapamida 1 2,5-10 mg Em dose única
tica, síndrome nefrótica e outras condições associadas a uma dimi-
Meticlotiazida 2,5-10 mg Em dose única nuição do volume intravascular efetivo). O uso de outros diuréti-
Em dose única cos, como tiazídicos ou diuréticos de alça, pode causar contração
Metolazona' 2,5-10 mg
do volume ou exacerbá-Ia, intensificando, assim, o aldosteronismo
Politiazida 1-4 mg Em dose única secundário. Na presença de secreção aumentada de mineralocorti-
Quinetazona 1 50-100 mg Em dose única cóides e aporte contínuo de Na+ às partes distais do néfron, ocorre
perda renal de K+. Os diuréticos poupadores de K+ de qualquer
Triclormetiazida 2-8 mg Em dose única
tipo podem ser utilizados nesse contexto para atenuar a resposta
'Não se trata de uma tiazida, mas de uma sulfonamida qualitativamente semelhante secretora do K+.
às tiazidas.

Toxicidade
A. HIPERCALEMIA
Química e Farmacocinética
Ao contrário de outros diuréticos, essas drogas podem causar hi-
A espironolactona é um esteróide sintético que atua como antago- percalemia leve, moderada ou até mesmo potencialmente fatal. O
nista competitivo da aldosterona. Por conseguinte, seu início e risco dessa complicação é muito maior na presença de doença renal
duração de ação são determinados pela cinética da resposta à aldos-
terona no tecido-alvo. Ocorre inativação considerável da espirono-
lactona no fígado. De modo global, a espironolactona apresenta
início de ação bastante lento, exigindo vários dias para a obtenção
do efeito terapêutico integral. A eplerenona, um novo análogo da
espironolactona com maior seletividade para os receptores de aldos-
terona, foi recentemente aprovada para o tratamento da hipertensão.
A amilorida é excretada de modo inalterado na urina. O trian-
tere no é metabolizado no fígado, porém a excreção renal constitui
uma importante via de eliminação para a forma ativa e os metabó- o
litos. Devido a seu extenso metabolismo, o triantereno possui meia- o , II
vida mais curta e deve ser administrado com mais freqüência do que , S-C-CH3
a amilorida. As estruturas da espironolactona, do triantereno e da EspíronolaClona

amilorida são apresentadas na F ig. 15.9.

Farmacodinâmica
Os diuréticos poupadores de potássio reduzem a absorção de Na+
nos túbulos e ductos coletores. A absorção de Na+ (e a secreção de
K+) nesse local é regulada pela aldosterona, conforme descrito an-
teriormente. Os antagonistas da aldosterona interferem nesse pro- Tríantereno

cesso. São observados efeitos semelhantes em relação ao processa-


mento do H+ pelas células intercaladas do ducro coletor, explican-
N
do, em parte, a acidose metabólica observada com o uso de antago-
nistas da aldosterona. II 2
I NH
A espironolactona e a eplerenona ligam-se aos receptores de al-
dosterona e também podem reduzir a formação intracelular de CI( 0..N)CO-NH-C-NH
H2N NH2
metabólitos ativos da aldosterona. O triantereno e a amilorida não Amílorída
bloqueiam o receptor de aldosterona, mas interferem diretamente
na entrada de Na+ através dos canais iônicos seletivos para o sódio Fig. 15.9 Antagonistas da aldosterona.
212 / FARMACOLOGIA

Quadro 15.4 Diuréticos poupadores de potássio e preparações de associação


Nome Comercial Agente Poupador de Potássio Hidroclorotiàzida Freqüência de Administração
Aldactazida Espironolactona 25 mg 25 mg 1-4 vezes ao dia

Aldactone Espironoladona 25 mg 1-4 vezes ao dia

Dyazide Triantereno 50 mg 25 mg 1-4 vezes ao dia

Dyrenium Triantereno 50 mg 1- 3 vezes ao dia

Inspra' Eplerenona 25, 50 mg Uma ou duas vezes ao dia


Maxzide Triantereno 75 mg 50 mg Uma vez ao dia
...........
Maxzide-25 mg Triantereno 27,5 mg 25 mg Uma vez ao dia
....................................
Midamor Amilorida 5 mg Uma vez ao dia
Moduretic Amilorida 5 mg 50 mg Uma ou duas vezes ao dia
'A eplerenona é atualmente aprovada para uso apenas na hipertensão.

ou de outras drogas que reduzem a atividade da renina (f3-bloque- Os pacientes com insuficiência renal crônica são particularmente
adores, AINE) ou da angiotensina II (inibidores da enzima conver- vulneráveis e raramente devem ser tratados com antagonistas da
sora de angiotensina [ECA] , inibidores dos receptores de angioten- aldosterona. O uso concomitante de outras drogas que atenuam o
sina). Como a maioria dos outros fármacos diuréticos leva a uma sistema de renina-angiotensina (f3-bloqueadores ou inibi dores da
perda de K+, a hipercalemia é mais comum quando são utilizados ECA) aumenta a probabilidade de hipercalemia. Os pacientes com
antagonistas da aldosterona como único fármaco diurético, sobre- hepatopatia podem apresentar comprometimento do metabolismo
tudo em pacientes com insuficiência renal. Com o uso de associa- do triantereno e da espironolactona, tornando necessário o ajuste
ções de doses fixas de diuréticos poupadores de potássio e tiazídi- cuidadoso da dose desses fármacos. Os inibidores potentes da
cos, observa-se uma melhora da hipocalemia induzi da por tiazídi- CYF3A4 (por exemplo, cetoconazol, itraconazol) podem aumen-
cos e da alcalose metabólica com o antagonista da aldosterona. tar acentuadamente os níveis sangüíneos de eplerenona.
Entretanto, devido a variações na biodisponibilidade dos compo-
nentes das formas com doses fixas, os efeitos adversos associados aos
tiazídicos podem predominar. Por esse motivo, é geralmente pre-
FÁRMACOS QUE AL lERAM A EXCREÇÃO
ferível ajustar separadamente as doses das duas drogas.
DE ÁGUA

1. DIURÉTICOS OSMÓTICOS
B. AClDOSE METABÓLICA HIPERCLORÊMICA

Ao inibir a secreção de H+ paralelamente à secreção de K+, os diuré- O túbulo proximal e o ramo descendente da alça de Henle são livre-
ticos poupadores de potássio podem causar acidose semelhante mente permeáveis à água. Um fármaco osmótico que não seja reab-
àquela observada na acidose tubular renal tipo IV. sorvido provoca retenção de água nesses segmentos e promove uma
diurese hídrica. Esses fármacos podem ser utilizados para reduzir a pres-
C. GINECOMASTIA são intracraniana elevada e promover a remoção imediata de toxinas
renais. O protótipo dos diuréticos osmóticos é o manitol.
Os esteróides sintéticos podem causar anormalidades endócrinas
através de seus efeitos sobre outros receptores de esteróides. Foi Farmacocinética
relatada a ocorrência de ginecomastia, impotência e hiperplasia
prostática benigna com o uso de espironolactona. Esses efeitos não Os diuréticos osmóticos são pouco absorvidos, o que significa que
ocorreram com o uso da eplerenona. precisam ser administrados por via parenteral. Se for administrado
por via oral, o manitol provoca diarréia osmótica. O manitol não é
D. INSUFICIÊNCIA RENAL AGUDA
metabolizado e é excretado primariamente por filtração glomeru-
Foi relatado que a associação de triantereno com indometacina lar dentro de 30-60 minutos, sem qualquer reabsorção tubular ou
provoca insuficiência renal aguda. Esse problema não foi observa- secreção significativa.
do com outros fármacos poupadores de potássio.
Farmacodinâmica
E. CÁLCULOS RENAIS
Os diuréticos osmóticos exercem seu efeito principal nos segmen-
O triantereno é pouco solúvel e pode precipitar na urina, com con- tos do néfron que são livremente permeáveis à água: o túbulo pro-
seqüente formação de cálculos renais. ximal e o ramo descendente da alça de Henle. Além disso, opõe-se
à ação do ADH no ducto coletor. A presença de um soluto não-
Contra-indicações reabsorvível, como o manitol, impede a absorção normal de água
ao interpor uma força osmótica contrária. Em conseqüência, o vo-
Esses fármacos podem causar hipercalcemia grave e até mesmo fa- lume urinário aumenta. O aumento do fluxo de urina diminui o
tal em pacientes suscetíveis. A administração oral de K+ deve ser tempo de contato do líquido com o epitélio tubular, reduzindo,
interrompida, se forem administrados antagonistas da aldosrerona. assim, a reabsorção de Na+. Todavia, a natriurese resultante é de
FÁRMACOS DIURÉTICOS / 213

menor magnitude do que a diurese hídrica, levando, por fim, ao ficos do ADH estão apenas disponíveis para fins de pesquisa. Dois
desenvolvimento de hipernatremia. fármacos não-seletivos, o lítio e a demeclociclina (um derivado da
tetraciclina), têm uso limitado em algumas situações.
Indicações Clínicas e Posologia
Farmacocinética
A. AUMENTO DO VOLUME URINÁRIO
Tanto o lítio quanto a demeclociclina são ativos por via oral. O lí-
Os diuréticos osmóticos são utilizados para aumentar a excreção de tio é excretado pelos rins, enquanto a demeclociclina é metaboliza-
água, preferencialmente em relação à excreção de sódio. Esse efeito da no fígado.
pode ser útil quando a retenção ávida de Na+ limira a resposta aos
agentes convencionais. Pode ser utilizado para manter o volume de Farmacodinâmica
urina e para impedir a anúria que, de outro modo, poderia ocorrer
em conseqüência da apresentação de grandes cargas de pigmentos Os antagonistas do ADH inibem os efeitos do hormônio no dueto
ao rim (por exemplo, em caso de hemólise ou de rabdomiólise). coleto r. Tanto o lítio quanto a demeclociclina parecem reduzir a
Alguns pacientes oligúricos não respondem a um diurético osmó- formação do monofosfato de adenosina cíclico (cAMP) em respos-
tico. Por conseguinte, deve-se administrar uma dose-teste de ma- ta ao ADH e também interferem nas ações do cAMP nas células do
nitol (12,5 g por via intravenosa) antes de iniciar uma infusão con- dueto coletor.
tínua. Não se deve continuar o manitol, a não ser que haja aumen-
to do fluxo urinário para mais de 50 mL/h durante 3 horas após a Indicações Clínicas e Posologia
dose-teste. A administração de manitol (12,5-25 g) pode ser repe-
tida a cada 1-2 horas para manter um fluxo de urina superior a 100 A. SíNDROME DE SECREÇÃO INAPROPRIADA DE ADH
mL/h. Não se aconselha o uso prolongado de manitol. (SIADH)

B. REDUÇÃO DA PRESSÃO INTRACRANIANA E DA PRESSÃO Os antagonistas do ADH são utilizados no tratamento da SIADH,
INTRA-OCULAR
quando a restrição hídrica não consegue corrigir a anormalidade.
Isso ocorre geralmente no contexto ambulatorial, em que não se
Os diuréticos osmóticos alteram as forças de Starling, de modo que pode forçar a restrição de água, ou no hospital, quando são admi-
a água abandona as células, com redução do volume intracelular. nistradas grandes quantidades de líquido intravenoso com drogas.
Esse efeito é utilizado para reduzir a pressão intracraniana em con- O carbonato de lítio tem sido utilizado no tratamento dessa sín-
dições neurológicas, bem como para reduzir a pressão intra-ocular drome, porém a resposta é imprevisível. Os níveis séricos de lítio
antes de procedimentos oftalmológicos. Administra-se uma dose de devem ser cuidadosamente monitorizados, visto que as concentra-
1-2 g/kg de manitol por via intravenosa. A pressão intracraniana, ções séricas acima de 1 mmol/L são tóxicas. A demeclociclina, em
que precisa ser monitorizada, deve cair em 60-90 minutos. doses de 600-1.200 mg/ dia, produz um resultado mais previsível,
além de ser menos tóxica. Os níveis plasmáticos apropriados (2 fLg/
Toxicidade mL) devem ser mantidos através de monitorização.

A. EXPANSÃO DO VOLUME EXTRACELULAR B. OUTRAS CAUSAS DE ELEVAÇÃO DO HORMÔNIO


ANTIDIURÉTICO (ADH)
O manitol distribui-se rapidamente no compartimento extracelular
e retira água das células. Antes da diurese, essa ação leva à expansão O ADH também está elevado em resposta a uma diminuição do volu-
do volume de líquido extracelular e ao desenvolvimento de hipona- me sangüíneo circulante efetivo. Quando o tratamento pela reposição
tremia. Esse efeito pode complicar a insuficiência cardíaca e produ- de volume não é possível,como na insuficiênciacardíaca ou na presen-
zir edema pulmonar franco. E comum a observação de cefaléia, náu- ça de hepawpatia, pode ocorrer hiponatremia. Como no caso da SIA-
sea e vômitos em pacientes tratados com diuréticos osmóticos. DH, a restrição hídrica constitui o tratamento de escolha; entretanto,
se não for bem-sucedido, pode-se considerar o uso de demeclociclina.
B. DESIDRATAÇÃO E HIPERNATREMIA
Toxicidade
O uso excessivo de manitol sem reposição hídrica adequ~da pode,
em última análise, produzir desidratação grave, perda de água livre A. DIABETE INSíPIDO NEFROGÊNICO
e hipernatremia. Essas complicações podem ser evitadas através de
Se o Na+ sérico não for estritamente monitorizado, os antagonistas
uma cuidadosa atenção para a composição iônica do soro e para o
equilíbrio hídrico. do ADH podem causar hipernatremia grave e diabete insípido ne-
frogênico. Se o lítio estiver sendo utilizado para algum distúrbio
afetivo, o diabete insípido nefrogênico pode ser tratado com um
2. AGONISTAS DO HORMÔNIO diurético tiazídico ou amilorida (ver adiante).
ANTlDIURÉTlCO (ADH)
B. INSUFICIÊNCIA RENAL
A vasopressina e a desmopressina são utilizadas no tratamento do di-
abete insípido hipofisário. Esses fármacos são discutidos no Capo 37. Foi relatado que tanto o lítio quanto a demeclociclina causam in-
suficiência renal aguda. A terapia prolongada com lítio também pode
3. ANTAGONISTAS DO HORMÔNIO provocar nefrite intersticial crônica.

ANTIDIURÉTlCO (ADH) C. OUTROS EFEITOS TÓXICOS

Diversas condições clínicas causam retenção de água em conse- Os efeitos adversos associados à terapia com lítio consistem em tre-
qüência do excesso de ADH. Infelizmente, os antagonistas especí- mor, obnubilação mental, cardiotoxicidade, disfunção da tireóide
214 / FARMACOLOGIA

e leucocitose (ver Capo 29). Deve-se evitar a demeclociclina em DIURÉTICOS POUPADORES DE POTÁSSIO E
pacientes com hepatopatia (ver Capo 44), bem como nas crianças DIURÉTICOS DE ALÇA OU TIAZíDICOS
com menos de 12 anos de idade.
Muitos pacientes em uso de diuréticos de alça ou tiazídicos desen-
volvem hipocalemia em algum momento de sua terapia. Com fre-
ASSOCIAÇÕES DE DIURÉTICOS qüência, esse problema pode ser controlado pela restrição dietética
de NaCl. Quando a hipocalemia não pode ser tratada dessa manei-
DIURÉTICOS DE ALÇA E TIAZíDICOS ra ou com suplementos dietéticos de KCl, a adição de um diuréti-
co poupador de potássio pode reduzir significativamente a excre-
Alguns pacientes são refratários às doses habituais dos diuréticos de ção de potássio. A despeito de ser geralmente segura, essa aborda-
alça ou tornam-se refratários depois de uma resposta inicial. Como gem deve ser evitada em pacientes com insuficiência renal, que
esses fármacos possuem meia-vida curta, a refratariedade pode ser podem desenvolver hipercalemia potencialmente fatal em resposta
devida a um intervalo excessivamente longo entre as doses. A re- aos diuréticos poupadores de potássio.
tenção renal de Na+ aumenta durante o período em que a droga
não está mais ativa. Depois que o intervalo entre as doses de diuré-
ticos de alça é reduzido, ou a dose é aumentada ao máximo, o uso
de dois fármacos que atuam em diferentes locais do néfron pode
produzir sinergismo. Os diuréticos de alça e os tiazídicos em asso-
111.FARMACOLOGIA CLíNICA
ciação freqüentemente produzem diurese, quando nenhum dos DOS FÁRMACOS DIURÉTICOS
agentes isoladamente possui eficácia, ainda que mínima. Existem
várias razões para esse fenômeno. Em primeiro lugar, a reabsorção
Esta seção irá discutir o uso clínico dos diuréticos nos estados ede-
de sal e de água no ramo ascendente espesso ou no túbulo contor-
matosos e não-edematosos. Os efeitos desses agentes sobre a excre-
cido distal pode aumentar quando o outro é bloqueado. Por conse-
ção urinária de eletrólitos são apresentados no Quadro 15.5.
guinte, a inibição de ambos pode produzir mais do que uma res-
posta diurética aditiva. Em segundo lugar, os diuréticos tiazídicos
podem causar natriurese leve no túbulo proximal, que habitualmen- ESTADOS EDEMATOSOS
te é mascarada pela reabsorção aumentada no ramo ascendente es-
pesso. Por conseguinte, a associação de diuréticos de alça e tiazídi- A razão mais comum para o uso de diuréticos consiste em reduzir o
cos atenua a reabsorção de Na+, pelo menos até certo ponto, em edema periférico ou pulmonar que se acumulou em conseqüência
todos os três segmentos. de doenças cardíacas, renais ou vasculares, ou de anormalidades na
A metolazona é o fármaco de escolha habitual entre os agentes pressão oncótica sangüínea. Com freqüência, ocorre retenção de sal
semelhantes aos tiazídicos para pacientes refratários ao uso isolado e de água com a formação de edema quando a diminuição do su-
de diuréticos de alça. Todavia, é provável que outros tiazídicos se- primento sangüíneo para o rim é percebida como volume sangüí-
jam tão eficazes quanto a metolazona. Além disso, a metolazona só neo arterial "efetivo" insuficiente. O uso criterioso de diuréticos
está disponível numa preparação oral, enquanto a clorotiazida pode pode mobilizar o líquido do edema intersticial, sem reduzir de modo
ser administrada por via parenteral. significativo o volume plasmático. Entretanto, a terapia diurética
A associação de diuréticos de alça e tiazídicos pode mobilizar excessiva nesse contexto pode levar a um maior comprometimento
grandes quantidades de líquido, mesmo em pacientes que se mos- do volume sangüíneo arterial efetivo, com redução da perfusão de
traram refratários a ambos os agentes individualmente. Por conse- órgãos vitais. Por conseguinte, o uso de diuréticos para a mobiliza-
guinte, é essencial proceder a uma rigorosa monitorização hemodi- ção do edema exige cuidadosa monitorização do estado hemodinâ-
nâmica nesses pacientes. Não se pode recomendar o uso ambulato- mico do paciente, bem como conhecimento da fisiopatologia da
rial de rotina. Além disso, a perda de K+ é extremamente comum e condição subjacente.
pode exigir a administração parenteral de K+, com cuidadosa mo-
nitorização do estado hidroeletrolítico.
INSUFICIÊNCIA CARDíACA

Quando o débito cardíaco encontra-se diminuído em conseqüên-


cia de doença, as alterações resultantes na pressão arterial e no flu-
Quadro 15.5 Alterações nos padrões dos eletrólitos
xo sangüíneo ao rim são percebidas na forma de hipovolemia e,
urinários em resposta a fármacos diuréticos
assim, induzem a retenção renal de sal e de água. Essa resposta fisio-
Padrões dos Eletrólitos Urinários lógica expande inicialmente o volume intravascular e o retorno
Fármaco NaCI NaHC03 K+ venoso ao coração, podendo restaurar, em parte, o débito cardíaco
para seu valor notmal (ver Capo 13).
Inibidores da anidrase + +++ +
carbônica Se a doença subjacente ocasionar uma deterioração da função
cardíaca a despeito da expansão do volume plasmático, o rim con-
Diuréticos de alça ++++ + tinuará retendo sal e água, que, a seguir, extravasará pela vasculatu-
Tiazídicos ++ + ra, transformando-se em edema intersticial ou pulmonar. Nesse
estágio, o uso de diuréticos torna-se necessário para reduzir o acú-
Diuréticos de alça mais +++++ + ++
tiazídicos mulo de edema, particularmente aquele que ocorre nos pulmões.
A redução da congestão vascular pulmonar com diuréticos pode,
Agentes poupadores + na verdade, melhorar a oxigenação e, assim, a função miocárdica.
de K+
Em geral, o edema associado à insuficiência cardíaca é tratado com
+. aumento; -. diminuição. diuréticos de alça. Em alguns casos, a retenção de sal e de água pode
FÁRMACOS DIURÉTICOS / 215

tornar-se intensa a ponto de exigir o uso de uma associação de tia- Os pacientes com doenças renais que levam à síndrome nefróti-
zídicos e diuréticos de alça. ca freqüentem ente apresentam problemas complexos no controle
Ao tratar um paciente portador de insuficiência cardíaca com do volume. Esses pacientes podem apresentar uma diminuição do
diuréticos, deve-se sempre lembrar que o débito cardíaco nesses volume plasmático em associação a uma redução da pressão oncó-
pacientes é mantido, em parte, por pressões de enchimento eleva- tica do plasma, particularmente naqueles com nefropatia por "le-
das, e que o uso excessivo de diuréticos pode diminuir o retorno são mínima". Nesses pacientes, o uso de diuréticos pode causar re-
venoso e, portanto, comprometer o débito cardíaco. Essa questão é duções ainda mais acentuadas do volume plasmático, passíveis de
particularmente importante na insuficiência ventricular direita. Esse alterar a taxa de filtração glomerular e resultar em hipotensão or-
distúrbio caracteriza-se por congestão vascular sistêmica, mais do tostática. Todavia, as outras causas de síndrome nefrótica estão as-
que pulmonar. A contração de volume induzida por diuréticos irá sociadas, em sua maioria, a uma retenção primária de sal e de água
reduzir de modo previsível o retorno venoso, podendo comprome- pelo rim, resultando em expansão do volume plasmático e hiper-
ter gravemente o débito cardíaco, se a pressão de enchimento ven- tensão, a despeito da pressão oncótica plasmática baixa. Nesses ca-
tricular esquerda sofrer uma redução abaixo de 15 mm Hg. sos, a terapia diurética pode ser benéfica ao controlar o componen-
A alcalose metabólica induzida por diuréticos constitui outro te da hipertensão que depende do volume. Ao escolher um diuréti-
efeito adverso passível de comprometer ainda mais a função cardí- co para o paciente com doença renal, o médico depara-se com vá-
aca. Embora esse efeito seja geralmente tratado através da reposi- rias limitações importantes. Em geral, deve-se evitar o uso de ace-
ção de potássio e do restabelecimento do volume intravascular com tazolamida e de diuréticos poupadores de potássio, devido à sua
solução salina, a insuficiência cardíaca grave pode impedir o uso de tendência a exacerbar a acidose e a hipercalemia, respectivamente.
solução salina, até mesmo em pacientes que receberam diuréticos Os diuréticos tiazídicos geralmente são ineficazes quando a taxa de
em excesso. Nessas situações, o uso adjuvante de acetazolarnida pode filtração glomerular cai abaixo de 30 mL/mg. Por conseguinte, os
ajudar a corrigir a alcalose. diuréticos de alça constituem, muitas vezes, a melhor opção para o
A hipocalemia representa outro efeito tóxico grave decorrente tratamento do edema associado à insuficiência renal. Por fim, o uso
do uso de diuréticos, sobretudo em pacientes cardíacos. A hipoca- excessivo de diuréticos provoca um declínio da função renal em
lemia pode exacerbar arritmias cardíacas subjacentes e contribuir todos os pacientes; todavia, as conseqüências são mais graves na-
para toxicidade digitálica. Esse problema pode ser freqüentemente queles com doença renal subjacente.
evitado ao reduzir-se a ingestão de sódio do paciente, diminuindo,
assim, o aporte de sódio ao ducto coleto r secreto r de K+. Os paci- CIRROSE HEPÁTICA
entes que não aderem a uma dieta com baixo teor de sódio devem
tomar suplementos orais de KCI ou um diurético poupador de A hepatopatia está freqüentemente associada a edema e ascite, jun-
potássio, ou devem interromper o uso de diurético tiazídico. tamente com elevação da pressão hidrostática porta e redução da
Por fim, é preciso ter em mente o fato de que os diuréticos nun- pressão oncótica plasmática. Os mecanismos relacionados à reten-
ca poderão corrigir a cardiopatia subjacente. As drogas que melho- ção de sódio são complexos. Envolvem provavelmente uma com-
ram a contratilidade do miocárdio ou que reduzem a resistência binação de fatores, incluindo diminuição da perfusão renal em de-
vascular periférica proporcionam uma abordagem mais direta para corrência de alterações vasculares sistêmicas, diminuição do volu-
o problema básico. me plasmático devido à formação de ascite, e redução da pressão
oncótica em conseqüência da hipoalbuminemia. Além disso, pode
DOENÇA RENAL haver retenção primária de sódio pelo rim. Os níveis plasmáticos
de aldosterona estão habitualmente elevados em resposta à redução
Várias doenças renais podem interferir no papel fundamental do do volume circulante efetivo.
rim na homeostasia do volume. Embora a doença renal produza, Quando a ascite e o edema tornam-se graves, a terapia diurética
em certas ocasiões, perda de sal, a maioria dos distúrbios renais causa pode ser útil para iniciar a manter a diurese. Com freqüência, os
retenção de sal e de água. Quando a perda da função renal é grave, pacientes cirróticos mostram-se resistentes aos diuréticos de alça,
os diuréticos trazem pouco benefício, visto que a filtração glome- em parte devido a uma diminuição na secreção da droga no líqui-
ruI ar não é suficiente para manter uma resposta natriurética. En- do tubular e, em parte, devido aos níveis elevados de aldosterona
tretanto, numerosos pacientes com graus mais leves de insuficiên- que resultam em aumento da reabsorção de sal no dueto coleto r.
cia renal podem ser tratados com diuréticos quando apresentam Por outro lado, o edema cirrótico é notável pelo seu elevado grau
retenção de sódio. de responsividade à espironolactona. A associação de diuréticos-de
Muitas doenças glomerulares primárias e secundárias, como alça e espironolactona pode ser útil em alguns pacientes. Todavia,
aquelas associadas ao diabete melito ou ao lúpus eritematoso sistê- mais do que na insuficiência cardíaca, o uso excessivamente agres-
mico, apresentam retenção de sal e de água pelo rim. A causa dessa sivo de diuréticos pode ser desastroso nesse contexto. A terapia diuré-
retenção de sódio não é conhecida com precisão, mas envolve, pro- tica vigorosa pode causar acentuada depleção do volume intravas-
vavelmente, um distúrbio da regulação da microcirculação renal e cular, hipocalemia e alcalose metabólica. A síndrome hepatorrenal
da função tubular através da liberação de vasoconstritores, prosta- e a encefalopatia hepática constituem as conseqüências lamentáveis
glandinas, citocinas e outros mediadores. Quando esses pacientes do uso excessivo de diuréticos em pacientes cirróticos.
desenvolvem edema ou hipertensão, a terapia diurética pode ser
muito eficaz. As advertências anteriormente citadas devem ser apli- EDEMA IDIOPÁTICO
cadas nos casos em que ocorre também insuficiência cardíaca.
Certas formas de doença renal, particularmente a nefropatia A despeito da realização de estudos intensivos, a fisiopatologia des-
diabética, estão freqüentemente associadas ao desenvolvimento de se distúrbio (retenção flutuante de sal e edema) permanece obscu-
hipercalemia num estágio relativamente inicial da insuficiência re- ra. Alguns estudos sugerem que o uso intermitente de diuréticos
nal. Nesses casos, a administração de um tiazídico ou de um diuré- pode contribuir efetivamente para a síndrome. Por conseguinte, o
tico de alça irá intensificar a excreção de K+ ao aumentar o aporte edema idiopático deve ser tratado apenas com leve restrição de sal,
de sal ao ducto coletor secreto r de K+. se possível.
216 / FARMACOLOGIA

ESTADOS NÃO-EDEMATOSOS de cálculos apresentam um defeito renal na reabsorção do cálcio,


causando hipercalciúria. Esse problema pode ser tratado com
HIPERTENSÃO diuréticos tiazídicos, que aumentam a reabsorção de cálcio no
túbulo contorcido dista!, reduzindo, assim, a concentração uri-
A ação diurética e as leves ações vasodilatadoras dos tiazídicos são úteis nária de cálcio. A ingestão de sal precisa ser reduzida nesse con-
no tratamento de praticamente todos os pacientes com hipertensão texto, visto que o excesso de NaCI na dieta sobrepuja o efeito
essencial, podendo constituir uma terapia suficiente em quase dois hipocalciúrico dos tiazídicos. Os cálculos de cálcio também po-
terços desses casos. Foi constatado que a restrição moderada na in- dem ser causados por uma absorção intestinal aumentada de cál-
gestão dietética de Na+ (60-100 mEq/dia) potencializa os efeitos dos cio, ou podem ser idiopáticos. Nessas situações, os tiazídicos tam-
diuréticos na hipertensão essencial e diminui a perda renal de K+. bém são eficazes; entretanto, devem ser usados como terapia ad-
Um recente estudo de grande porte (mais de 30.000 participan- juvante, em associação a uma diminuição da ingestão de cálcio e
tes) mostrou que os diuréticos de baixo custo assemelham-se à te- outras medidas.
rapia com inibidores da ECA ou bloqueadores dos canais de cálcio
nos seus resultados, podendo ser até mesmo superiores (ALLHAT, HIPERCALCEMIA
2002). Essa importante constatação reforça a importância da tera-
pia com tiazídicos na hipertensão. A hipercalcemia pode constituir uma emergência médica. Como a
Os diuréticos também desempenham um importante papel em alça de Henle representa um importante local de reabsorção de
pacientes que necessitam de múltiplos fármacos para o controle da cálcio, os diuréticos de alça podem ser muito eficazes ao promover
pressão arterial. Os diuréticos potencializam a eficácia de muitos fár- a diurese de cálcio. Entretanto, os diuréticos de alça, quando admi-
macos, particularmente os inibidores da ECA. Os pacientes tratados nistrados isoladamente, podem causar acentuada contração do vo-
com poderosos vasodilatadores, como a hidralazina ou o minoxidil, lume. Se esse problema ocorrer, os diuréticos de alça são ineficazes
geralmente necessitam de diuréticos simultaneamente, visto que os (e potencialmente contraproducentes), visto que a reabsorção de
vasodilatadores provocam retenção significativa de sal e de água. cálcio no túbulo proximal aumenta. Por conseguinte, deve-se ad-
ministrar uma solução salina simultaneamente com diuréticos de
NEFROLlTíASE alça para se obter uma diurese efetiva de cálcio. A abordagem habi-
tual consiste na infusão de solução salina normal e furosemida (80-
Cerca de dois terços de todos os cálculos renais contêm fosfato 120 mg) por via intravenosa. Uma vez iniciada a diurese, a taxa de
ou oxalato de cálcio. Muitos pacientes que apresentam esses tipos infusão de solução salina pode ser igualada ao fluxo de urina para

PREPARAÇÕES DISPONíVEIS

Acetazolamida (genérico, Diamox) Espironolactona (genérico, Aldactone)


Oral: comprimidos de 125, 250 mg Oral: comprimidos de 25, 50, 100 mg
Oral de liberação prolongada cápsulas de 500 mg Furosemida (genérico, Lasix, outros)
Pãi'enteral: 500 mg em pó para injeção Oral: comprimidos de 20, 40, 80 mg; soluções de 8 mg/mL
Ácido etacrínico (Edecrin) Parenteral: 10 mg/mL para injeção 1M ou IV
Oral: comprimidos de 25, 50 mg Hidroclorotiazida (genérico, Microzide, Hydro-DIURIL, associação
Parenteral: 50 mg para injeção IV de fármacos)
Amilorida (genérico, Midamor, associação de fármacos) Oral: cápsulas de 12,5 mg; comprimidos de 25,50, 100 mg; so-
Oral: comprimidos de 5 mg lução de 10 mg/mL
Bendroflumetiazida (Naturetin) Hidroflumetiazida (genérico, Diucardin)
Oral: comprimidos de 5, 10 mg Oral: comprimidos de 50 mg
Benzotiazida (Exna, associação de fármacos) Indapamida (genérico, Lozol)
Oral: comprimidos de 50 mg Oral: comprimidos de 1,25, 2,5 mg
Brinzolamida (Azopt) Manitol (genérico, Osmitrol)
Oftálmica: suspensão a 1% Parenteral: 5,10,15,20,25% para injeção
Bumetanida (genérico, Bumex) Metazolamida (genérico, Neptazane)
Oral: comprimidos de 0,5, 1, 2 mg Oral: comprimidos de 25, 50 mg
Parenteral: ampola de 0,5 mg/2 mL para injeção IV ou 1M Meticlotiazida (genérico, Aquatensen)
Clorotiazida (genérico, Diuril, outros) Oral: comprimidos de 2,5, 5 mg
Oral: comprimidos de 250, 500 mg; suspensão oral de 250 mg/ Metolazona (Mykrox, Zaroxolyn) (Nota: A biodisponibilidade do
5 mL Mykrox é maior do que a do Zaroxolyn.)
Parenteral: 500 mg para injeção Oral comprimidos de 0,5 (Mykrox); 2,5, 5, 10 mg (Zaroxolyn)
Clortalidona (genérico, Thalitone, associação de fármacos) Politiazida (Renese)
Oral: comprimidos de 15, 25, 50, 100 mg Oral: comprimidos de 1, 2, 4 mg
Demeclociclina (Declomycin) Quinetazona (Hydromox)
Oral: comprimidos e cápsulas de 150 mg; comprimidos de Oral: comprimidos de 50 mg
300 mg Torsemida (Demadex)
Diclorfenamida (Daranide) Oral: comprimidos de 5, 10, 20, 100 mg
Oral: comprimidos de 50 mg Parenteral: 10 mg/mL para injeção
Dorzolamida (Trusopt) Triantereno (Dyrenium)
Oftálmica: solução a 2% Oral: cápsulas de 50, 100 mg
Eplerenona (Inspra) Tridormetiazida (genérico, Diurese, outros)
Oral: comprimidos de 25, 50, 100 mg Oral: comprimidos de 2, 4 mg
FÁRMACOS DIURÉTICOS / 217

evitar uma depleção de volume. Pode-se adicionar potássio à infu- De Troyer A: Demeclocycline: treatmenc for syndrome of inappro-
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temente paradoxal é mediado através de uma diminuição do volume Gamba G et al: Molecular c1oning, primary structure, and charac-
plasmático, com queda concomitante da taxa de filtração glomeru- terization of [wo membets of the mammalian electroneutral
lar, aumento da reabsorção proximal de NaCI e água e menor aporte sodium-(potassium)-chlotide cotransporter family expressed
de líquido aos segmentos diluidores. Por conseguinte, o volume in kidney.J Biol Chem 1994;269:17713.
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urinário no paciente poliúrico. A restrição dietética de sódio pode
Greene MK et aI: Acetazolamide in prevenrion of acute mountain
potencializar os efeitos benéficosdos tiazídicossobre o volume de urina sickness: a double-blind controlled cross-over study. Br Med J
nesse contexto, O lítio, que é utilizado no tratamento do distúrbio 1981 ;283:811.
maníaco-depressivo, constitui uma causa comum de diabete insípi- Greger R: Physiology of renal sodium transport. Am J Med Sci
do induzido por drogas, e foi constatada a utilidade dos diuréticos 2000;319:51.
tiazídicos no tratamento dessa condição. Os níveis séricos de lítio Hackerr PH, Roach RC: High-altitude illness. N Engl J Med
devem ser cuidadosamente monitorizados nessa situação, visto que 2001;345:107.
os diuréticos podem reduzir a depuração de lítio e elevar seus níveis Hollifield JW, Slaton PE: Thiazide diuretics, hypokalemia, and car-
plasmáticos até a faixa tóxica (ver Capo29). A poliúria induzi da pelo diac arrhyrhmias. Acta Med Scand 1981 ;647(Suppl):67.
lítio também pode ser potencialmente revertida com o uso de Horisberger J-D, Giebisch G: Potassium-sparing diuretics. Renal
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