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Grupos Focais e Pesquisa Social Qualitativa:

o debate orientado como técnica de investigação*

Otávio Cruz Neto


FIOCRUZ/ENSP
Marcelo Rasga Moreira
FIOCRUZ/ENSP/DCS
Luiz Fernando Mazzei Sucena
FIOCRUZ/ENSP/DCS

Palavras-chave: grupos focais; pesquisa social qualitativa e técnica de investigação.

I) Introdução

Este trabalho tem como objetivos precípuos contribuir, orientar e subsidiar os


pesquisadores que já desenvolvem ou almejam incorporar a técnica de Grupos Focais ao
escopo metodológico de seus estudos. Sua abordagem teórico-prática privilegia o
campo da investigação social, destacando as situações mais adequadas para sua
aplicação.

Para atingir tais intuitos, emprega uma praxis analítica que conjuga a
explicitação teórica da aplicabilidade da técnica à apresentação de um exemplo
empírico, baseado no “Estudo Sobre as Condições de Vida e Atendimento a Crianças e
Adolescentes da XRA – Ramos”, que, com o apoio da FAPERJ, vem sendo
desenvolvido pelos autores deste trabalho no Departamento de Ciências Sociais da
Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz.

Nesse contexto, não poderíamos desobrigar-nos, ainda que de forma sintética e


constatativa, de contribuir para o debate metodológico acerca do emprego e da
utilização das técnicas na pesquisa social, visando a aprimorar suas possibilidades e a
reconhecer seus limites.

Com o incremento e a diversidade das formas investigativas, muitos


pesquisadores tendem a sobrevalorizar as técnicas, a elas subordinando objetos,

*
Trabalho apresentado no XIII Encontro da Associação Brasileira de Estudos Populacionais, realizado
em Ouro Preto, Minas Gerais, Brasil de 4 a 8 de novembro de 2002.
objetivos e, não raras vezes, a própria concepção metodológica de seus estudos.
Investem, sistematicamente, na constante melhoria e aprimoramento das condições de
aplicabilidade das técnicas (ambientais, de recursos, financeiras e de expertise) visando
atingir de forma mais adequada suas demandas e expectativas por respostas e
conhecimento.

Em contraposto, outra vertente vislumbra as técnicas de forma essencialmente


instrumental, considerando-as mera adequação de meios a fins. Procedendo dessa
forma, identificam-nas como um componente menos nobre da metodologia, associando
sua valorização a posturas pautadas pelo determinismo positivista, pela ênfase
dispensada aos aspectos mensuráveis da realidade e pelos interesses do mercado.

As repercussões destas concepções transcendem as esferas acadêmicas mais


imediatizadas, abarcando considerável contigente de estagiários, bolsistas, graduandos e
mestrandos. Premidos pela necessidade de estudar e produzir e pela escassez de tempo e
de recursos, esta diversificada gama de novos pesquisadores dispõe de um reduzido
leque de oportunidades para empreender uma análise crítica das diretrizes
metodológicas dos trabalhos em que estão inseridos, apreendendo-as e, muitas vezes,
reproduzindo-as de forma inconsistente e desarticulada.

Ao optar por abordar a técnica de Grupos Focais na pesquisa social, é preciso


enfatizar que esse debate recebe destaque, nesse momento introdutório, por sua
importância para o futuro da pesquisa social, que demanda, cada vez mais, uma postura
crítica e dialética, visando à superação dos pontos contraditórios, tornando-os públicos
para que possam também ser submetidos a outras críticas.

Desta maneira, elegemos a técnica de grupos focais, considerando que seu


prestígio e utilização têm crescido bastante no âmbito da pesquisa social, o que requer
esforços analíticos que a (re)interpretem e trabalhem em consonância com as demandas
dos cidadãos, colocando-a em posição de destaque no campo metodológico.

A técnica de grupos focais vem, desde a década de 80, conquistando um locus


privilegiado nas mais diversas áreas de estudo. Tal crescimento foi, em grande medida,
impulsionado pela pesquisa de mercado, que, resgatando procedimentos clássicos das
ciências sociais, das áreas de psicologia e serviço social, conjugados às “modernas”
tecnologias e paradigmas de business, marketing e mídia, reelaborou-a com o objetivo

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de captar os anseios dos consumidores, definindo padrões a serem seguidos pelas
empresas em seus futuros lançamentos.

Os resultados foram de tal forma positivos que a técnica recebeu novo alento
no campo das ciências sociais, inicialmente pelo viés político, com sua utilização no
mapeamento e na elaboração do perfil dos eleitores, influenciando diretamente na
definição das diretrizes e ações de partidos e candidatos. Trilhando esse percurso,
espraiou-se pelos diversos segmentos da pesquisa social, suscitando novas situações
que, ainda inconclusas, precisam ser amplamente discutidas pelos profissionais da área,
sob o risco de assistir-se a um transplante cuja incompatibilidade estrutural – a
contradição mercado x sociedade civil, consumidor x cidadão, mercadoria x ser humano
– só é percebida próxima da irreversibilidade, causando inúmeras e graves seqüelas.

Procurando demarcar limites, é preciso assinalar que, assim como quaisquer


outras técnicas, a de grupos focais não é capaz de iluminar por si própria os caminhos
metodológicos de uma pesquisa social, nem tampouco condicionar ou influenciar a
escolha de seus objetos e objetivos. Ao contrário, sua escolha encontra-se condicionada
à orientação teórico-metodólogica da investigação, do objeto de investigação e da real
necessidade de dados e informações a serem coletados. Tal postulação não implica a
afirmação de que a técnica é um elemento secundário da pesquisa social, mas sim a de
que ela não possui autonomia metodológica para reger ou definir sua própria utilização.

Esta relação entre métodos e técnicas não deve gerar desleixo nos
pesquisadores, nem o sentimento de que a técnica e o seu uso dispensam um estudo
meticuloso, podendo ser aplicada por qualquer membro da equipe com um mínimo de
conhecimento ou experiência. Atitudes como essas possuem raízes teórico-práticas mais
profundas, amparadas na falsa consciência acerca da existência de uma clivagem entre a
formulação teórica e o trabalho de campo, que instaura, via de regra, a depreciação
deste, delegando a responsabilidade por sua execução - e, por conseguinte, a da
aplicação da técnica – aos menos preparados.

Visando contribuir para o entendimento e a superação destes problemas,


apresentamos a seguir uma descrição analítico-explicativa sobre a aplicação da técnica
de Grupos Focais na Pesquisa Social. Sua organização e sistematização adotam uma
diretriz didático-pedagógica que envolve a apresentação por tópicos dos temas
discutidos, aos quais se segue a explicitação de suas características.

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A parte do texto sobre “A Aplicação da Técnica de Grupos Focais em Pesquisa
Social” constitui-se de minuciosa apresentação das peculiaridades e das características
da referida técnica. Construída passo a passo, através de um enredo de perguntas e
respostas, não se atém apenas às condições ideais de aplicabilidade, extrapolando-as e
ponderando-as diante das dificuldades de recursos e orçamento enfrentadas pelos
estudiosos do campo social.

Em continuidade, “Focalizando o Estudo Sobre Condições de Vida e


Atendimento a Crianças e Adolescentes da X RA – Ramos” promove uma síntese entre
teoria e prática, enumerando e discutindo situações concretas de aplicação da técnica de
Grupos Focais na pesquisa social. Nele concentramos esforços para exemplificar os
procedimentos anteriormente discutidos, de forma a torná-los ainda mais nítidos e
palpáveis, fornecendo assim importantes subsídios para a correta aplicação desta
técnica, que muito pode contribuir para o desenvolvimento e a potencialização da
pesquisa social e, consequentemente, das condições de vida dos segmentos
populacionais pauperizados e socialmente excluídos.

II) A Aplicação da Técnica de Grupos Focais em Pesquisa Social

Definição

Segundo Rodrigues (1988), Grupo Focal (GF) é “uma forma rápida, fácil e
prática de pôr-se em contato com a população que se deseja investigar”; Gomes e
Barbosa (1999) acrescentam que “o grupo focal é um grupo de discussão informal e de
tamanho reduzido, com o propósito de obter informações de caráter qualitativo em
profundidade”; por sua vez, Krueger (1996) descreve-o como “pessoas reunidas em
uma série de grupos que possuem determinadas características e que produzem dados
qualitativos sobre uma discussão focalizada”.

Apesar de tais definições terem sido elaboradas sob a influência de diferentes


pesquisas de mercado e marketing, é possível trabalhá-las em perspectiva e adequá-las
às demandas da pesquisa social. Para isso, faz-se imprescindível compreender que esta
sinergia não implica a ausência de dissemelhanças e contradições entre os diferentes
campos de investigação, mas sim que elas devem ser examinadas e analisadas em
consonância com as práticas e conceitos que lhes são subjacentes. Tomem-se como

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ilustração categorias utilizadas para referir-se aos participantes do GF – “população”,
“público-alvo” e mesmo “pessoas”: quando os setores de mercado as empregam,
direcionam seu enfoque para o aspecto “consumidor” de cada um, enquanto na pesquisa
social a dimensão da existência humana enfatizada é a do “cidadão”, do “sujeito social”.
Além disso, conforme destaca Westphal:
“a função do grupo focal para os cientistas sociais e para os pesquisadores
do mercado é diferente. Os primeiros pretendem observar o processo através
do qual participantes especialmente selecionados respondem às questões da
pesquisa para que, posteriormente, possam os dados serem teoricamente
interpretados. A pesquisa de mercado busca propostas imediatas e custos
reduzidos. Através do trabalho com grupo procura-se apreender a
psicodinâmica das motivações, para imediata obtenção de lucro” (pg 91)

Sob este contexto, definiremos Grupo Focal como “uma técnica de Pesquisa
na qual o Pesquisador reúne, num mesmo local e durante um certo período, uma
determinada quantidade de pessoas que fazem parte do público-alvo de suas
investigações, tendo como objetivo coletar, a partir do diálogo e do debate com e entre
eles, informações acerca de um tema específico”.

Quais as situações propícias para a aplicação da técnica de Grupos Focais?

Antes de proceder à resposta, é preciso (re)afirmar que o momento de escolha


das técnicas aplicadas é posterior ao da definição do objeto, dos objetivos e da
metodologia de pesquisa a ser empregada, sendo por estes influenciado. Isto posto, cabe
ao pesquisador social conhecer e estudar as possibilidades e limitações intrínsecas a
cada uma das técnicas com que pretende trabalhar.

A principal característica da técnica de Grupos Focais reside no fato de ela


trabalhar com a reflexão expressa através da “fala” dos participantes, permitindo que
eles apresentem, simultaneamente, seus conceitos, impressões e concepções sobre
determinado tema. Em decorrência, as informações produzidas ou aprofundadas são de
cunho essencialmente qualitativo.

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A “fala” que é trabalhada nos GF não é meramente descritiva ou expositiva; ela
é uma “fala em debate”, pois todos os pontos de vista expressos devem ser discutidos
pelos participantes. Se o pesquisador deseja conhecer as concepções de um participante
sem a interferência dos outros, a técnica de Grupos Focais não é a mais adequada.

Exatamente por isso, as questões aventadas pelo Pesquisador devem ser


capazes de instaurar e alimentar o debate entre os participantes, sem que isso equivalha
à preocupação com a formação de consensos. Logicamente, algumas opiniões causam
mais impacto e polêmica que outras, gerando reações que ora convergem ora divergem.
O importante é que todos tenham possibilidades equânimes de apresentar suas
concepções e que elas sejam discutidas e refinadas.

A valorização dos debates e o tempo a eles destinado estabelecem uma série de


balizamentos ao uso da técnica, principalmente no que diz respeito ao aprofundamento e
à multiplicidade dos temas abordados. Basicamente, há dois procedimentos: (a) manter
os mesmos participantes e realizar com eles mais de um GF, propondo novos temas e/ou
aprofundando-os a cada reunião e (b) manter os mesmos temas e substituir os
participantes.

A escolha de uma destas linhas de ação está, obviamente, condicionada aos


objetivos da Pesquisa, o que permite que elas sejam trabalhadas isolada ou
concomitantemente, vinculação que engendra uma relação direta entre a opção a ser
seguida e o número de pessoas que compõem o público-alvo da pesquisa.
Raciocinando-se através de exemplos díspares e limítrofes: se o público-alvo é
composto por 10 pessoas, é possível fazer vários Grupos focais nos quais todos
participem juntos, o que jamais acontecerá se tal montante elevar-se a 5.000 pessoas!

Ainda sobre esse assunto, o Pesquisador não deve esquecer-se de que, por ser
uma técnica que visa a coleta de dados qualitativos, o número de Grupos Focais a ser
realizado não é rigidamente determinados por fórmulas matemáticas, mas pelo
esgotamento dos temas, não se prendendo, portanto, a relações de amostragem.

Essa circunstância indica que não há necessidade de recrutar todas as pessoas


que compõem o público-alvo e que jamais poder-se-á inferir que as informações obtidas
sejam válidas para todo o universo da pesquisa.

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Sinteticamente, e considerando as ponderações apresentadas, as situações
propícias para a aplicação da técnica de GF são aquelas nas quais os objetivos da
Pesquisa, para serem atingidos, requisitam o levantamento, através de debate, das
impressões, visões e concepções de mundo de seu público-alvo. Definidos os casos, a
tendência – quase imediata – do Pesquisador é procurar saber se lhe é possível aplicar a
técnica sozinho ou se necessitará de outros profissionais para fazê-lo. Tal ímpeto inicial
deve ser momentaneamente refreado, pois é mais importante que ele conheça e
compreenda previamente as funções exercidas durante os Grupos Focais, para depois
concluir sobre a composição da Equipe de Pesquisa.

Quais as funções desempenhadas na aplicação da técnica de Grupos Focais?

Para que a técnica de GF atinja pleno êxito, faz-se necessário o desempenho de


6 (seis) funções, distribuídas e organizadas em dois macro-momentos: (1) Mediador,
Relator, Observador e Operador de Gravação, exercidas durante a realização do
Grupo e (2) Transcritor de Fitas e Digitador, que dizem respeito ao pós-grupo.

Mediador: A função-chave da técnica. É responsável pelo início, pela motivação, pelo


desenvolvimento e pela conclusão dos debates, sendo a única que neles
deve intervir e que pode interagir com os participantes. A qualidade dos
dados e das informações levantados no GF está intimamente vinculada a
seu desempenho, que se traduz (a) no favorecimento da integração dos
participantes; (b) na garantia de oportunidades equânimes a todos; (c) no
controle do tempo de fala de cada participante e de duração do GF; (d) no
incentivo e/ou arrefecimento dos debates; (e) na valorização da
diversidade de opiniões; (f) no respeito à forma de falar dos participantes;
e (g) na abstinência de posturas influenciadoras e formadoras de opinião.

Relator: Sua atribuição é a de anotar as falas, nominando-as, associando-as aos


motivos que as incitaram e enfatizando as idéias nelas contidas. Deve
registrar também a linguagem não verbal dos participantes, como, por
exemplo, tons de voz, expressões faciais e gesticulação. O material produzido
não precisa ser a transcrição literal das falas - pois essa tarefa cabe a outras

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funções - mas sim um rol de posturas, idéias e pontos de vistas que
subsidiarão as análises posteriores.

Observador: Função que tem como objetivo analisar e avaliar o processo de condução
do Grupo Focal, atendo-se aos participantes isoladamente e em suas
relações com o Mediador, Relator e Operador de Gravação. Suas
anotações devem ter como meta a constante melhoria da qualidade do
trabalho e a superação dos problemas e dificuldades enfrentados,
adotando como ponto de partida (a) se cada participante sentiu-se à
vontade diante dos profissionais; (b) se houve integração entre os
participantes; (c) se eles compreenderam corretamente o intuito da
pesquisa e (d) a forma como as funções de Mediador, Relator e Operador
de Gravação foram exercidas.

Operador de Gravação: Função destinada à gravação integral – de acordo com o


equipamento disponível - dos debates.

Transcritor de fitas: Geralmente encarada como acessória ou mesmo subalterna, essa


função também é importante, pois, se não for bem executada,
pode alterar a fala dos participantes, o que causará sérios danos
ou mesmo inviabilizará a correta análise das informações
obtidas. A transcrição deve ser a mais fiel possível, eximindo-se
de interpretações, “limpezas de texto” ou “copidescagem” das
falas. Todos os erros de linguagem, bem como as pausas nos
diálogos, devem ser mantidos e assinalados para que a análise
seja a melhor possível.

Digitador: Assim como a anterior, essa função tem, em vários casos, seu valor
erroneamente minorado. Sua atribuição é a de transpor todos os dados,
manuscritos ou não, sistematizados, codificados ou gravados para um
programa de computador, utilizando o software mais apropriado e que
forneça o resultado desejado.

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Quantos pesquisadores são necessários para o desempenho destas funções?

Na pesquisa de mercado, a empresa ou grupo interessados na venda de seus


produtos (stakeholders) contrata os serviços de uma equipe especializada em realizar
Grupos Focais, que, tendo por base os objetivos propostos pelos clientes, irá
implementar a técnica, apresentando-lhes o resultado de cada etapa executada. Na
maioria dos casos, as equipes que vendem esse serviço possuem profissionais para atuar
em cada uma das funções anteriormente especificadas.

Na pesquisa social, defendemos que os próprios pesquisadores devem realizar


os grupos focais, uma vez que a proximidade, o estudo e o conhecimento do objeto de
investigação são de fundamental importância para o bom desenvolvimento da técnica,
da mesma maneira que a participação no processo de debate é vital para a interpretação
das informações obtidas.

Apesar desta discrepância, parece lógico também que, no campo social, haja
uma equipe com componentes suficientes para exercer cada uma das funções.
Infelizmente, para grande parte dos pesquisadores brasileiros, sobretudo para os
estudantes de pós-graduação, trágica e criativamente acostumados a conviver com a
escassez e a precariedade de recursos, este não passa de um tipo ideal de GF. Como a
superação das dificuldades internas é tônica da área, os exemplos e evidências
demonstram que uma equipe composta por 2 (dois) pesquisadores, atuando com
aplicação, severa disciplina e tempo disponível, pode aplicar a técnica e com ela obter
consideráveis êxitos.

Para isso, é preciso que, no macro-momento (1), aquele que exercerá a função
de Relator absorva também as de Observador e Operador de Gravação, permitindo que
o outro pesquisador trabalhe apenas como Mediador. Já no macro-momento (2), as
funções de Transcritor e Digitador podem ser divididas de forma igualitária.

Apesar de reduzir os custos e o número de profissionais envolvidos no


processo de aplicação da técnica, essa proposta não é, de forma alguma, simples,
contendo em seu bojo especificidades que complexificam o trabalho a ser realizado. A
concentração de pelo menos três funções em um único Pesquisador evidentemente
sobrecarrega-o, gerando uma situação atípica, que exige sensibilidade, capacidade de

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análise crítica, disponibilidade, conhecimento dos trâmites da pesquisa e das temáticas
em debate.

O Pesquisador que exercerá a função de Mediador não deverá ser considerado


um mero condutor e animador dos debates. É verdade que ele precisará desempenhar
bem esses papéis, mas se não conjugar tais características ao conhecimento dos temas a
serem debatidos, dos conceitos e dos objetivos trabalhados na investigação, dificilmente
conseguirá extrair informações mais aprofundadas e pormenorizadas, pois não possuirá
parâmetros e paradigmas para avaliar o nível de superficialidade, de artificialidade e de
ideologização contido nas falas dos participantes.

Suas tarefas básicas serão as de garantir a participação de todos, assegurar-lhes


o direito ao sigilo do nome, motivar os debates de forma a fazer com que todos os temas
propostos sejam debatidos, evitar que determinado participante constranja os outros e
que os ânimos exaltem-se ou arrefeçam. Mas ele também deverá ser criterioso e
perceber que, se uma pessoa destacar-se em um GF, falando mais do que os outros, ela
provavelmente agirá assim em seu cotidiano. Neste caso, o recurso de simplesmente
podá-lo, exigindo que fale somente nos momentos em que lhe for solicitado, poderá ser
ainda mais contraproducente que deixá-lo expressar-se a todo momento, pois, além de
impedir que aja com a naturalidade do dia-a-dia estará provocando uma situação de
mal-estar, que poderá levá-lo a desinteressar-se dos debates. Invertendo-se os sinais, o
mesmo acontecerá com aqueles que falam pouco.

Para contornar tais problemas, manter as discussões em patamares interessantes


para todos e levantar as informações necessárias, o Mediador não deverá contar apenas
com sua indispensável sensibilidade, criatividade e presença de espírito. Ele precisará
estar munido de um “Roteiro de Debate”, que o auxiliará e norteará durante o
desenvolvimento do Grupo Focal.

O que é e como se elabora um Roteiro de Debate?

O “Roteiro de Debate” é o parâmetro utilizado pelo Mediador para conduzir o


Grupo Focal. Não sendo um instrumento monolítico e estático, sua elaboração envolve a
pontuação dos tópicos que serão discutidos no grupo, a fim de que as sessões sejam bem

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direcionadas e nenhum tema deixe de ser mencionado, servindo, pois, como meio de
orientação e auxiliar de memória.

O primeiro passo na elaboração do “Roteiro de Debate” é reunir toda a Equipe


diretamente envolvida na investigação para, em conjunto, definir as questões que o irão
compor. Diante deste quadro novamente sobressai a necessidade de os próprios
pesquisadores aplicarem a técnica, uma vez que o Roteiro deve ser norteado pelos
objetivos da pesquisa que, a esta altura, já foram por eles delimitados.

Deverão ser concebidas, então, questões-chave que propiciem o levantamento e


a obtenção de informações elucidativas acerca dos objetivos específicos propostos pela
pesquisa. Para determinar o número de questões, o pesquisador deverá ter como
referencial o tempo de duração dos Grupos Focais, o qual oscilará de 1 (uma) a 2 (duas)
horas (Dawson et alli, 1993), sendo que o debate de cada questão deve durar de 15 a 20
minutos. Recomenda-se também que, ao final de cada sessão, seja destinado cerca de
um minuto a cada participante para que possa manifestar suas impressões sobre o
evento.

Desse modo, é importante que no próprio Roteiro conste uma subdivisão de


tempo por questão, para que o Mediador possa administrar mais facilmente as
discussões. Esta delimitação, entretanto, poderá ser modificada durante o transcorrer
dos debates, de acordo com a complexidade das respostas apresentadas em cada
assunto. Nestes casos o Mediador deverá estar atento para que não haja o atropelo dos
temas e falas, nem o comprometimento do tempo final.

Preparadas as questões-chave, a Equipe definirá os temas que se aprofundarão


em cada uma delas, procedendo à elaboração de uma lista de diretivas. Cada questão
possuirá sua própria lista, abrangendo todas as faces e desdobramentos que se
pretenderá investigar. No decorrer do debate, o Mediador assinalará as diretivas que já
foram mencionadas e colocará em pauta as que não tiveram nenhum tipo de comentário.
Perceba-se que durante as discussões, é comum o surgimento de tópicos que embora
não estivessem previstos no roteiro original encaixam-se perfeitamente nos objetivos
propostos. Eles deverão ser estimulados e, se for o caso, incorporados ao Roteiro.

A digitação do “Roteiro de Debate” deverá oferecer local destacado às


questões-chave (com letras maiores e/ou em negrito), o que facilitará a visualização, e

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evitará que o Mediador recorra explicitamente à folha de papel, o que pode
comprometer a imagem de descontração e segurança que deverá transmitir. As diretivas
deverão ocupar o espaço imediatamente abaixo das questões a que dizem respeito. É
aconselhável também que seja destinado um espaço ao lado de cada uma - geralmente
dois parênteses “( )” – para que o mediador assinale as que já foram abordadas.

O Pesquisador que exercer a função de Mediador deverá ter total domínio do


Roteiro de Debate, utilizando-o de forma discreta e, preferencialmente, apenas para
controle dos temas já abordados e os que ainda serão discutidos. A Equipe escolherá a
questão que iniciará a sessão, sabendo que não há regras definitivas sobre a seqüência a
ser seguida em seu transcorrer.

Por preferência, experiência e efeito de organização, sugere-se que as questões


e os temas mais complexos sejam precedidos pelos mais simples. Contudo um
Mediador com domínio do Roteiro de Debate e do assunto estudado, saberá concatenar
naturalmente os temas, atendendo às demandas do debate, sem a necessidade de manter
rigidamente a seqüência digitada de questões e de diretivas. Por ser um instrumento
flexível e adaptável, o roteiro permite incorporar, a qualquer momento do debate,
elementos de qualquer uma das questões previstas. O importante é que todos os temas e
suas respectivas diretivas sejam abordados, sem que haja repetição ou omissão.

Outro referencial básico para a elaboração do “Roteiro de Debate” é o número


de participantes do Grupo Focal, fator que influenciará diretamente em seu tempo de
duração.

Quantos participantes deve ter um grupo focal?

O número de participantes de um grupo focal é condicionado por dois fatores:


deverá ser pequeno o suficiente para que todos tenham a oportunidade de expor suas
idéias e grande o bastante para que os participantes possam vir a fornecer consistente
diversidade de opiniões. Quantificando esse raciocínio, podemos concluir que uma
sessão de grupo focal deve ser composta por no mínimo quatro e no máximo doze
pessoas (Krueger, 1996).

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Com menos de quatro participantes, a tendência é a de que o número e a
diversidade de idéias e concepções fiquem bastante reduzidos, influenciando
diretamente o aprofundamento das questões e diretivas propostas. Por sua vez, um
grupo composto por mais de doze pessoas poderá acarretar a fragmentação das
discussões, pois será muito difícil permitir que todos os integrantes exponham de
maneira apropriada suas idéias, o que ocasionaria a dispersão e formação de conversas
paralelas entre os que não puderem manifestar-se, além de gerar dificuldades para o
processo de gravação dos debates.

O número de questões que se pretende abordar também é um fator a ser levado


em consideração. Quanto mais temas levantados, menor deve ser o número de
participantes, de modo que haja tempo suficiente para que todos exprimam suas
opiniões. A mesma lógica deverá ser aplicada em caso inverso: quanto menor o número
de questões, maior poderá ser a formação do grupo, propiciando, dessa forma, melhor
diversidade de idéias.

Quais os critérios adotados na seleção dos participantes?

Na seleção dos participantes, a Equipe de pesquisa deverá levar em conta que:


(a) eles têm obrigatoriamente que fazer parte da população-alvo estudada; (b) devem ser
convidados com antecedência e devidamente esclarecidos sobre o tema abordado e os
objetivos da pesquisa; (c) os critérios utilizados na seleção dos componentes de cada
grupo devem estar vinculados aos objetivos e aos resultados que a pesquisa deseja
alcançar.

Apesar de serem aparentemente mais fáceis de conduzir, devido a um suposto


“ambiente de segurança psicológica”, grupos homogêneos (profissionais que trabalham
juntos; pais e filhos...) podem reservar verdadeiras armadilhas a um investigador mais
incauto. Um ambiente de concórdia e de cordialidade deverá ser construído para evitar
possíveis conflitos pessoais, sobretudo quando existirem entre os participantes relações
de hierarquia. É importante que o pesquisador tenha cautela e senso crítico apurado para
avaliar se as falas foram tolhidas ou não por essa familiaridade.

Uma forma específica de familiaridade poderá ocorrer se o Mediador conhecer


ou mantiver algum tipo de relação com os participantes, situação que requererá a adoção

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do critério da inevitabilidade. Há pesquisas nas quais aquele que exerce o papel de
mediador convive ou já conviveu de alguma forma com a população-alvo estudada,
sendo impossível que ele não conheça um ou mais participantes do Grupo Focal. Nestes
casos, deverá aplicar-se a técnica, com a ressalva de que o Mediador deverá tomar ainda
mais cuidados que os de praxe a fim de não constranger ninguém.

Por outro lado, há estudos nos quais o Mediador relaciona-se com um reduzido
número de componentes da população-alvo, sendo perfeitamente possível compor os
Grupos Focais sem a presença deles, opção que deve ser seguida.

Com relação aos grupos heterogêneos (pessoas que nunca se viram antes,
indivíduos de níveis sociais diferentes) há que se constatar que são, de fato, mais
difíceis de entrosar-se, cabendo ao mediador o papel de criar um ambiente propício ao
debate. No entanto, se bem explorados, esses grupos podem gerar relatos e discussões
menos contidas e com grande riqueza de informações.

Cabe ressaltar que a meta principal dessa técnica é a coleta de informações


geradas através de debate, não possuindo como regra a singularidade ou a convergência
das opiniões. A concordância ou a discordância entre os participantes será percebida no
transcorrer dos debates e nunca presumida ou entendida como pressuposto. Os conflitos,
em momento algum, deverão ser escondidos, pois são de fundamental importância nas
conclusões da pesquisa. Compete à equipe envolvida avaliar, de acordo com seus
objetivos e dentre a população-alvo, qual a melhor composição para os grupos focais,
sendo que a organização por faixa etária, sexo, credo, etnia, nível hierárquico,
homogeneidade e heterogeneidade ficará condicionada às informações que se pretende
levantar.

Qual o local adequado para a realização de grupos focais?

O local é de fundamental importância para que os participantes sintam-se


confortáveis ao participar das discussões, influenciando, também, a qualidade da
gravação. O mais recomendável é a escolha de um local adequado, claro, sem ruídos,
afastado da interferência de terceiros e de fácil acesso para todos.

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As equipes que trabalham com pesquisa de mercado geralmente dispõem de
salas adaptadas para a realização de grupos focais. Entre outras comodidades, estes
locais possuem refrigeração, equipamento de gravação (de áudio e vídeo) e são
divididos por uma “parede espelhada” para que os interessados pela implementação da
técnica assistam às sessões sem que tenham contato direto com os participantes.

Por sua vez, o pesquisador social é muitas vezes forçado a improvisar os locais
onde serão aplicadas as técnicas de pesquisa, principalmente quando seu público-alvo é
composto por detentos, internos de instituições, possuem dificuldades de locomoção,
fazem parte de uma comunidade de difícil acesso... Nesses casos, é necessário um bom
diálogo do pesquisador com os responsáveis pelas instituições, líderes comunitários e
com os próprios sujeitos da investigação, a fim de lograr um espaço com as mínimas
condições para o bom desenvolvimento dos grupos focais.

Como colocar em prática a técnica de Grupos Focais ?

Definida a Equipe, selecionados os participantes e escolhido o local de


realização, é chegado o momento de iniciar o trabalho. A criação de um ambiente de
cordialidade antes do início da sessão poderá contribuir para a desinibição dos
participantes. É importante que a equipe recepcione a todos da maneira mais informal
possível. Dependendo das circunstâncias e da disponibilidade de recursos, o
oferecimento de um lanche pode contribuir ainda mais na construção de um clima de
confiança e confraternização.

Além disso, a Equipe de pesquisa deve tomar providência para que o local
escolhido tenha assentos organizados em forma circular, de maneira que os participantes
fiquem voltados uns para os outros, o que facilitará o debate. Ao Operador de Gravação
cabe garantir a coleta de dados, buscar o local mais apropriado para situar o gravador,
realizando testes antes do início da sessão para ter certeza que seu equipamento está
funcionando plenamente. Por sua vez, o Relator deve estar certo de que possui material
suficiente para anotar todos as nuanças do debate.

Assim que todos estiverem acomodados, o Mediador deverá realizar uma breve
“Introdução”, na qual irá (a) apresentar a equipe de pesquisa presente; (b) esclarecer os
objetivos do estudo e do grupo focal; (c) consultar os participantes sobre a gravação das

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discussões, lembrando que as fitas não serão divulgadas e servirão apenas para facilitar
a análise das informações com o conhecimento e autorização dos participantes (d)
destacar a importância da participação de todos nos debates; (e) explicar o que será feito
dos dados após o fechamento de todos os grupos; e (f) convidar os participantes a
apresentarem-se rapidamente. Tal procedimento deverá fazer que eles sintam-se
confiantes e privilegiados por estarem tomando parte do processo de pesquisa e, com
isso, engajarem-se com afinco nas discussões.

Concluída essa etapa introdutória, o Mediador colocará em pauta a questão-


chave escolhida para dar início às discussões e procurará fazer que cada participante
emita sua opinião, intervindo apenas se houver risco ao tempo pré-definido ou se algum
participante se desviar por completo do tema proposto. Tal intervenção deverá ser
realizada da forma mais amistosa possível, evitando-se constrangimentos.

Encerrados todos os comentários acerca da questão levantada, o Mediador


deverá incitar o debate entre os participantes, buscando sempre que as diretivas
presentes no Roteiro de Debate sejam abordadas ou aprofundadas. Caso as discussões
não as esgotem, o Mediador deverá recolocá-las em pauta, sempre procurando
concatená-las a pontos de vistas já mencionados, o que evitará mudanças bruscas na
condução do tema.

O Mediador deverá ter em mente que a qualidade dos dados dependerá em


grande parte da sua atuação. Para isso deverá estar disposto a lançar mão de inúmeros
artifícios a fim de extrair a maior quantidade possível de informações dos participantes.
Perguntas como “qual”, “o que?”, “como?”, “onde?”, “por quê”, inseridas no decorrer
das discussões, servem não somente para estimular a fala como também para incentivar
a participação de outras pessoas.

A transição de uma questão-chave para outra deverá ser a mais sutil possível,
procurando sempre seguir o rumo natural das discussões. É normal que no decurso de
determinados grupos o Moderador altere a seqüência das questão previstas no “Roteiro
de Debate”, de acordo com o teor das falas dos participantes. Se, por exemplo, uma
diretiva prevista para a última questão-chave for abordada na primeira, o mediador
deverá incorporá-la ao debate, evitando, contudo, que a discussão seja desviada da
questão central.

16
Deste modo, volta-se a salientar que o mais importante para o sucesso da
sessão é o domínio, por parte do Mediador, dos temas enfocados e do Roteiro. Um
Mediador inábil, mesmo abordando em seqüência todas as questões previstas, poderá
transformar o grupo focal em uma grande “entrevista em grupo”, dificultando o debate,
o que não condiz com os objetivos que definiram a opção dos pesquisadores pela
aplicação da técnica.

Esgotadas todas as questões e diretivas previstas, o Mediador deverá pedir aos


participantes que façam breves comentários sobre o que acharam da dinâmica e
mencionem possíveis pontos não abordados que julguem importantes. Ultrapassada essa
etapa, ele encerrará a discussão, agradecendo a participação de todos, enfatizando a
importância de cada opinião e acrescentando que futuramente serão informados sobre o
andamento da pesquisa.

III) Focalizando o “Estudo Sobre as Condições de Vida e Atendimento a Crianças


e Adolescentes do Rio de Janeiro: X RA – Ramos”

A temática das condições de vida transformou-se, ao longo do processo


histórico, em uma das mais debatidas pela sociedade, conquistando lugar de destaque na
pesquisa social, em especial na Saúde Pública. Neste campo do conhecimento, uma
considerável parcela dos estudos contemporâneos tem sido direcionada para melhor
compreensão de seus vínculos e relações com as políticas públicas, visando suas
possibilidades de incremento.

Sob esta perspectiva, Buss (2000) assinala a estreita ligação entre as ‘políticas
públicas saudáveis’ – aquelas que são elaboradas e pactuadas em fóruns participativos,
expressivos da diversidade de interesses e necessidades sociais – e as condições de vida
da população. Por sua vez, Cruz Neto, Moreira e Sucena (2001), estudando o
envolvimento de jovens cariocas com o tráfico de drogas, demonstram como, no
transcorrer do século XX, determinadas políticas públicas interferiram em suas
condições de vida, depreciando-as de tal forma, que os traficantes as vêm utilizando
como um dos sustentáculos socioeconômicos de sua lucrativa e ilícita atividade.

Acompanhando e discutindo esse contexto, o “Estudo Sobre as Condições de


Vida e Atendimento a Crianças e Adolescentes do Rio de Janeiro: X RA – Ramos”

17
constitui-se em uma pesquisa multidisciplinar, que centraliza seu objeto de investigação
nas crianças e adolescentes que habitam quatro bairros da zona norte do município do
Rio de Janeiro, que, juntos, conformam sua décima Região Administrativa:
Manguinhos, Ramos, Bonsucesso e Olaria.

Contando com uma população de 293.059 pessoas, das quais 35,4% tinham
entre 0 e 19 anos, esses bairros apresentam uma série de questões e problemas
socioeconômicos que, dialeticamente, revelam e interferem drasticamente nas condições
de vida do segmento infanto-juvenil. Dentre eles, devem ser ressaltados a baixa renda
dos chefes de domicílio, o elevado número de favelas e loteamentos irregulares, as altas
taxas de morbimortalidade por causas externas, a escassez de opções de lazer, a forte
presença do tráfico de drogas e a incapacidade de a rede pública de ensino e saúde
atender plenamente à demanda por seus serviços (Moreira, 2000).

Considerando esse panorama como crítico e inaceitável, orientou-se o objetivo


geral da Pesquisa para o desenvolvimento de uma investigação estratégica que visasse o
monitoramento e a avaliação das políticas públicas voltadas para o segmento infanto-
juvenil (saúde, educação, lazer, habitação, saneamento...) e o trabalho realizado por
ONGs e instituições de atendimento que atuam com esse público-alvo.

A consecução de tais metas está diretamente vinculada a uma diretriz


metodológica capaz de inter-relacionar o levantamento e a análise de dados oriundos de
fontes secundárias com a busca ativa de informações junto aos atores sociais
envolvidos, executada através da realização de trabalho de campo.

Sob este ângulo, consideram-se a coleta de depoimentos e a promoção do


debate acerca das situações monitoradas aspectos fundamentais para o pleno
desenvolvimento da Pesquisa. Esta opção segue um rumo inequívoco, no qual as falas
dos gestores, dos técnicos, dos profissionais e do público-alvo são vitais para o processo
de avaliação.

Para melhor captar a riqueza dessas “falas”, optou-se por trabalhar,


essencialmente e de acordo com os objetivos específicos que norteiam sua aplicação,
com as técnicas de entrevista não-diretiva e de grupos focais. Ambas demonstram ser de
grande valia para a pesquisa social, desde que seu potencial seja explorado de forma

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adequada, ou seja, que não se pretenda obter dados que não sejam condizentes com as
características intrínsecas de cada uma.

O quadro a seguir apresenta dois objetivos específicos (OEa e OEb) do


“Estudo sobre as Condições de Vida...”:

OEa OEb

Constatar a percepção de adolescentes Verificar a relação entre os atos


residentes em Manguinhos sobre suas infracionais registrados no Conselho
condições de vida e atendimento, Tutelar de Ramos, cometidos por
especialmente no que diz respeito às adolescentes de Manguinhos e seus
políticas públicas de educação índices de reprovação e evasão escolar

Em “OEa”, as informações requisitadas são de cunho essencialmente


qualitativo, envolvendo a apresentação de opiniões e concepções de mundo que
precisam ser levantadas através da “fala” dos adolescentes. Esses depoimentos
poderiam ser obtidos através de entrevistas não-diretivas. No entanto o interesse maior
da pesquisa é que eles debatam suas idéias e propostas, o que propiciaria um
aprofundamento maior do tema tanto para os estudiosos quanto para eles próprios.
Nesse contexto, a técnica de Grupos Focais é a mais adequada.

Em “OEb”, ao inverso, os dados a serem levantados são estritamente


quantitativos e devem ser captados por meio de informações objetivas como o tipo de
ato infracional cometido, o número de vezes que cada adolescente foi reprovado e se já
abandonaram a escola. Sua coleta será procedida com mais rapidez e fidedignidade
através de consultas aos prontuários de atendimento do Conselho Tutelar e, em
determinados casos, da instituição para a qual após ter cometido o ato infracional, o
adolescente foi encaminhado. A técnica de Grupos Focais neste objetivo não é
recomendável.

Constatado que a técnica de GF deve ser aplicada em OEa, elucidemos seu


processo de construção, começando pela distribuição das Funções que os Pesquisadores
desempenharão.

Como a Equipe do “Estudo Sobre as Condições de Vida...” conta com 3 (três)


Pesquisadores (doravante definidos por “P1”, “P2” e “P3”) que têm experiência nesta

19
temática e participam da investigação desde o início do processo, as funções típicas do
Macro-momento (1) são distribuídas da seguinte maneira: cabe ao “P1” desempenhar
as de Relator e Operador de Gravação, ao “P2” a de Observador e ao “P3” a de
Mediador.

Apesar desta não ser uma distribuição rígida - a proposta é que, no decorrer do
Estudo, haja revezamento de funções entre os Pesquisadores -, a escolha inicial foi
criteriosamente balizada pelas características de cada um, num árduo exercício de
trabalho conjunto, que envolve o abandono de idiossincrasias e a consciência de que o
trabalho em equipe não pode ser subjugado por aspirações individuais.

Assim, P3 foi considerado pela Equipe como o mais indicado para ser o
“Mediador”, pois é o mais experiente de todos, possui maior conhecimento da temática
e conta ainda com a habilidade de conduzir os debates; P2 recebeu a atribuição de ser o
“Observador”, devido a sua intimidade com a técnica de observação e à capacidade de
análise crítica; P1 foi incumbido da relatoria e da gravação por ter maior capacidade de
anotar e nominar as idéias e falas, sem desviar a atenção dos debates ou deixar escapar
algum tema aventado.

No que diz respeito às funções do Macro Momento (2), optou-se pela


contratação de profissionais especializados em transcrição de fitas para não
sobrecarregar os Pesquisadores, que precisam dar conta não apenas de OEa, mas
também dos outros objetivos do trabalho. Como o pagamento é feito por fita de áudio
transcrita e digitada, é recomendável a contratação de mais de um transcritor, pois, se
apenas uma pessoa ficar responsável por várias fitas, o tempo que ela gastará será maior
e a Equipe demorará a ter acesso à totalidade dos dados.

Definida a distribuição por funções, a Equipe acordou que o GF deveria ser


composto por 6 (seis) adolescentes aleatoriamente sorteados dentre aqueles que
preenchessem os seguintes requisitos: faixa etária entre 14 e 16 anos, matriculados em
turmas do turno da manhã, a partir da 5ª série do Ensino Fundamental, na Escola Ema
Negrão de Lima. Obviamente, existe a necessidade de contatos prévios com a Diretoria
da Escola e seu corpo docente, a fim de mobilizá-los para o apoio à Pesquisa e a
sensibilização dos alunos e de toda a comunidade escolar.

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Os seis participantes devem debater 3 (três) Questões-chave, vinculadas ao
“OEa”, num período de uma hora, o que resulta em cerca de 20 minutos para a
discussão de cada uma. O quadro da página seguinte ilustra um “Roteiro de Debate”, no
qual as Questões-chave estão destacadas em negrito e as setas representam suas
diretivas. Perceba-se que a última diretiva da primeira questão (“Relação com a
Educação”) aparece inicialmente como tópico de aprofundamento, para depois ganhar
autonomia e transformar-se na terceira questão-chave (“Para o adolescente qual a
relação entre estudo e condições de vida?”), possuindo suas próprias diretivas. Este
procedimento tem como objetivo evitar que o debate seja extremamente generalizante
ou que as falas tenham sido elaboradas para agradar (ou desagradar) ao Mediador.

“Estudo Sobre as Condições de Vida e Atendimento a Crianças e Adolescentes


do Rio de Janeiro: XRA- Ramos”
Grupos Focais – Roteiro de Debate

Questão-chave 1) O que o adolescente entende como “condições de vida”?


Relação com a situação financeira ( )
Vinculação com a situação afetivo-familiar ( )
Condições de habitação e salubridade ( )
Relação com a Saúde ( )
Relação com o Lazer ( )
Relação com a Educação ( )
Questão-Chave 2) O que o adolescente acha da Escola?
O adolescente gosta de estudar? Por quê? ( )
Caracterização da Escola que freqüenta ( )
Caracterização da atuação do corpo docente ( )
De que mais gosta e de que menos gosta na Escola? ( )
De que gostaria que fosse diferente na Escola? ( )
Questão-Chave 3) Para o adolescente qual a relação entre estudo e condições de vida?
Estudar melhora as condições de vida? Por quê? ( )
Solicitar exemplos para essas explicações ( )
Como ele acha que a Escola pode ajudar na vida dele? ( )
Solicitar exemplos ( )

21
O Grupo Focal seria, então, realizado na própria escola, após o término das
aulas, em uma sala especialmente disponibilizada para isso, pois os adolescentes já
estariam no estabelecimento, o que exigiria o deslocamento apenas dos Pesquisadores e
aproveitaria o intervalo entre as turmas matutinas e vespertinas, horário notadamente
mais calmo.

A proposta da Equipe de Pesquisa é a realização de três GF, trocando os


participantes, ao invés de mantê-los durante todo o processo. Ao final de cada sessão,
torna-se necessária a análise dos dados e das informações levantadas, a fim de se
constatar se o aprofundamento dos temas foi suficiente. Caso os propósitos não tenham
sido plenamente atingidos, os pontos menos abordados devem ser reavaliados,
recebendo, por parte do Mediador, atenção mais pormenorizada.

IV) Considerações Finais

Elaboramos este trabalho sem ter a pretensão de construir um ‘inventário


completo’ sobre Grupos Focais, ou de produzir um ‘manual’ que apresente uma suposta
receita de como aplicá-los. Nosso propósito diz respeito ao incremento qualitativo da
investigação social, ao investimento constante no aprofundamento do debate
metodológico e no oferecimento de subsídios para os pesquisadores que desejam
incorporar a técnica a seu arsenal profissional.

Exatamente por isso, evitamos abordar determinados tópicos tradicionalmente


contemplados pelos estudiosos do mercado, mas que não encontram respaldo teórico-
prático para serem aplicados na pesquisa social. Ainda que seja claro nosso intento de
diferenciar estes campos de estudo, se assim não procedêssemos, dificilmente
conseguiríamos fugir de, a cada página, comentar a onipresença da contradição
“sociedade civil / mercado”, correndo o risco de incorrer no erro de transformar o texto
em uma batalha de “certo x errado”.

O principal exemplo deste proceder consubstancia-se na antinomia entre


“vantagens e desvantagens”, largamente explorada pela pesquisa de mercado. Para os
estudiosos dessa área, é possível comparar o uso das diferentes técnicas, adotando-se
critérios como “tempo gasto na aplicação”, “custos”, “número de participantes”,
“quantidade de informações levantadas” e “presença dos stakeholders” (HCU, 1999),

22
sendo que aquela que, em determinada situação, apresentar o melhor average é
considerada como a ideal.

Conforme procuramos enfatizar, na pesquisa social, essa comparação seria, no


mínimo, inadequada, pois representaria uma inversão metodológica, na qual a técnica
tornar-se-ia o prisma que define a delimitação dos objetivos. Além disso, esta
comparação é extremamente periférica, abandonando o cerne da questão: a técnica de
Grupos Focais não pode ser cotejada dessa maneira com, por exemplo, a de Entrevistas
não-Diretivas, pois seu objetivo primaz é levantar informações através do debate,
enquanto esta última visa à coleta de dados através da tomada de depoimentos isolados.

Interessante notar que também há procedimentos típicos do campo social que


sequer são aventados pelo mercado. Sob este aspecto, destacam-se, pelas características
vitais do próprio mercado, as considerações sobre a ética na pesquisa com seres
humanos, expressos na resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde
(FIOCRUZ, 1998).

Levando-se em conta os referenciais da bioética, é imprescindível que os


cidadãos selecionados para participar do Grupo Focal recebam todas as informações
sobre a Pesquisa - sem subterfúgios - a fim de que possam ter clareza e tranqüilidade
para decidir se devem ou não aceitar o convite. O desejo de participação deve ser
formalizado através de um “Termo de Consentimento Livre e Esclarecido”,
exemplificado no quadro a seguir. No caso específico da participação de adolescentes, a
exigência da assinatura será estendida também a seus pais e/ou responsáveis. Caso
algum adolescente esteja cumprindo medida socioeducativa, o consentimento também
será solicitado ao Juiz, que é o responsável legal por sua tutela.

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TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Este documento visa solicitar sua participação e, se for o caso, de seu responsável, na
Pesquisa _____________, que tem como objetivo ________________.
Por intermédio deste Termo são-lhes garantidos os seguintes direitos: (1) solicitar, a
qualquer tempo, maiores esclarecimentos sobre esta Pesquisa; (2) sigilo absoluto sobre nomes,
apelidos, datas de nascimento, local de trabalho, bem como quaisquer outras informações que
possam levar à identificação pessoal; (3) ampla possibilidade de negar-se a responder a
quaisquer questões ou a fornecer informações que julguem prejudiciais à sua integridade física,
moral e social; (4) opção de solicitar que determinadas falas e/ou declarações não sejam
incluídas em nenhum documento oficial, o que será prontamente atendido; (5) desistir, a
qualquer tempo, de participar da Pesquisa.
“Declaro estar ciente das informações constantes neste ‘Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido’, e entender que serei resguardado pelo sigilo absoluto de meus
dados pessoais e de minha participação na Pesquisa. Poderei pedir, a qualquer
tempo, esclarecimentos sobre esta Pesquisa; recusar a dar informações que julgue
prejudiciais a minha pessoa, solicitar a não inclusão em documentos de quaisquer
informações que já tenha fornecido e desistir, a qualquer momento, de participar da
Pesquisa. Fico ciente também de que uma cópia deste termo permanecerá
arquivada com o Pesquisador do Departamento de Ciências Sociais da Escola
Nacional de Saúde Pública responsável por esta Pesquisa.”
Rio de Janeiro, ____ de _____________________ de 200__
Participante:_______________________
Endereço:_________________________
Como responsável pelo(a) adolescente _____________, declaro o meu consentimento para sua
participação nesta Pesquisa.
Responsável:______________________
Endereço: ________________________
Assinatura do Pesquisador

Além disso, todos os envolvidos devem ser previamente informados que,


mesmo tendo assinado o Termo, terão, a qualquer momento, (a) ampla possibilidade de
negar-se a responder a quaisquer questões ou a fornecer informações que julguem
prejudiciais à sua integridade física, moral e social; (b) opção de solicitar que
determinadas falas e/ou declarações não sejam incluídas em nenhum documento oficial
e (c) desistir de participar da Pesquisa.
Concluindo, vale a pena ressaltar que, no que diz respeito ao uso e à destinação
final dos dados e/ou materiais coletados, deve garantir-se o absoluto sigilo das
informações fornecidas, armazenando-as em “bancos de dados” físicos e magnéticos,

24
cujo acesso será permitido apenas ao Pesquisador responsável e à sua equipe. Os dados
e informações só devem ser utilizados no âmbito da Pesquisa e divulgados, com o
consentimento dos participantes, através de seus relatórios oficiais ou de artigos e
publicações científicas assinadas pelos Pesquisadores envolvidos, que visem,
exclusivamente, contribuir para o debate científico e o enfrentamento das questões
investigadas.

Bibliografia

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Coletiva. Vol.5, n0 1. Rio de Janeiro. ABRASCO - Associação Brasileira de Pós-
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University of Toronto – Center for Health Promotion. 30 de Agosto de 2000.
<http://www.utoronto.ca/chp/hcu/hcu-publications.html>

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25
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Westphal MF, 1992. Participação Popular e Políticas Municipais de Saúde: Cotia e


Vargem Grande Paulista. Tese Apresentada ao Departamento de Prática de
Saúde Pública, da Faculdade de Saúde Pública da USP, para Concurso de Livre
Docência. USP. São Paulo.

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