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A resposta tem duas partes. Primeira: já que a palavra "cristão" se origina no Novo
Testamento precisamos verificar de que modo ela é ali usada no contexto do primeiro
século. Mas para responder à pergunta no século vinte, precisamos da análise histórica
do capítulo seguinte. Assim, adiando o debate final para o término do capítulo III,
examinaremos o significado de "cristão" no Novo Testamento.
Atos 11.19-26 narra que em Antioquia alguns crentes judeus de Chipre e Cirene não
limitaram a proclamação de Yeshua como Messias aos judeus, segundo fora a norma até
então, mas abriram terreno proclamando o Evangelho também aos gregos. Muitos desses
gentios vieram a acreditar no "Christós" (esta palavra grega é tradução de Mashiach, do
hebraico; ambas as palavras significam "ungido", sendo uma levada para o português
como "Cristo" e a outra como "Messias"). Ao que parece, os outros gentios de Antioquia
ouviram seus amigos falarem sempre deste "Christós", reconhecendo-o como seu líder,
de modo que cunharam o vocábulo christianói ("cristãos"), assim como os seguidores do
reverendo Sun Myung Moon foram apelidados "moonies". Assim o termo "cristão" foi
inventado pelos gentios para descrever gentios numa abrangência gentia. O Novo
Testamento declara explicitamente que "os discipulos foram chamados de cristãos pela
primeira vez em Antioquia".
A palavra surge apenas mais duas vezes no Novo Testamento. Em Atos26.24-29, Sha'ul
(Paulo), detido em Cesaréia para ser julgado diante do imperador em Roma, falou ao rei
Herodes Agrippa e à sua corte. Atento a apresentar uma defesa bem raciocinada do
messianismo de Yeshua numa estrutura de pensamento judaica, foi subitamente
interrompido pelo governador romano Festus, que gritou em alta voz: "Sha'ul, estás
louco! O teu muito saber tira-te o juízo!"
Sha'ul respondeu:
"Não estou louco, excelentíssimo Festo, mas digo palavras de verdade e de prudência.
Pois destas coisas tem conhecimento o rei, em cuja presença falo com franqueza. Sei que
nada disto lhe é oculto, porque nenhuma destas coisas se fez ali ocultamente. Crês, ó rei
Agrippa, nos profetas? Bem sei que crês!"
O erudito rei Agrippa reagiu à seriedade de Sha'ul (necessária aqui para rebater a
explosão de Festo), ironizando suavemente:
"Por pouco não me persuades a fazer-me cristão"
De preferência a "nazareno", ele usou o termo com que seus cortesãos gentios
estariam familiarizados, embora poucos tivessem maior compreensão do conteúdo da fé
que a media dos homens de hoje teria da religião do Reverendo Moon.
Nem confirmando, nem rebatendo o uso da palavra "cristão" pelo rei, Sha'ul replicou
com tato, dissipando a ironia sem depreciar a seriedade de sua mensagem:
"Prouvera Deus que por pouco, e por muito, não somente tú, senão também quantos
me ouvem, se fizessem hoje tais quais sou... menos estas algemas!"
A carta é dirigida "aos exilados eleitos da Diáspora de Ponto Galácia", etc (1 Kefa 1.1),
isto é, muito explicitamente aos fieis judeus localizados na Diáspora. Pedro os exorta a
não se envergonharem quando as pessoas - no contexto, os detratores - lhes atribuírem o
termo cristão. Não deveriam discutir a respeito do nome, nem mergulhar em depressão,
e sim dar glória a Deus, talvez transformando o insulto numa ocasião de orientar o
agressor para a misericórdia de Deus em Yeshua. Não ficamos sabendo se os crentes
judeus devem se chamar cristãos, nem se os fiéis gentios devem chamar os crentes
judeus de cristãos: mas se o nome for aplicado, seja como epíteto, ou por ignorância, os
crentes judeus devem suporta-lo de boa vontade.
Sei que nem todos se convencerão com meu raciocínio acima. Contudo é minha
conclusão que o Novo Testamento deixa pouco ou nenhum espaço para que os crentes
denominem os judeus messiânicos "cristãos", e isto foi resultado dos bem sucedidos
esforços dos primeiros cristãos na evangelização pluricultural. Eles traduziram para o
grego as idéias hebraicas; e se não tivessem feito, a palavra "cristão" não existiria,
existindo apenas "messiânico". A aproximação cultural dos crentes judeus do primeiro
século não deveria obrigar os judeus messiânicos do século vinte a usar a terminologia
de raiz grega ao se auto-denominarem. Contudo, dois mil anos de história marcaram os
usos.