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E PSICOPEDAGÓGICO
Salvador
2015
SANDRA CRISTINA SOUZA CORRÊA COSTA
Salvador
2015
Artigo apresentado ao Centro de Estudos e
Acompanhamento Psicanalítico e
Psicopedagógico como requisito para
obtenção do título de pós-graduação em
Psicanálise Clínica.
Ao meu marido Reginaldo Costa e filhas Carolina Luiza e Ingride Luiza por seu
apoio. Á minha didata Mariglória Almeida e orientadora Silvia Santana pelos
momentos de sabedoria e motivação.
Tânatos e Eros no poema Shampoo de Elizabeth Bishop
Resumo
A proposta deste estudo é utilizar a teoria psicanalítica desenvolvida por Sigmund Freud
(1856-1939) para desenvolver e propor uma análise do poema Shampoo (1953) de
Elizabeth Bishop (1911-1976) a partir da biografia da autora a qual define seus trabalhos
como autobiográficos. De forma mais específica objetiva-se apontar os índices que
desvelam a coexistência e complementaridade dos instintos definidos e representados por
Tânatos e Eros presentes no poema The Shampoo (1953). Tânatos e Eros, quando
relacionados à organismos em estado de desequilíbrio podem ser causadores de depressão,
luto patológico, ansiedade e medo da morte em sua forma mais branda conforme teoria
kleiniana de 1940.
Abstract
Based in the psychoanalytic theory developed by Sigmund Freud (), the purpose of this
study is to develop and propose a poem analysis on The Shampoo (1953) by Elizabeth
Bishop (1911-1976) who defines her work as autobiographical. More specifically the
objective is to point out the indexes that reveal the coexistence and complementarity of the
instincts represented by Thanatos and Eros which coexisting in an human body in a state of
imbalance may be causing depression, pathological grief, anxiety and fear of death in its
mildest form as Kleinian theory from 1940 points out.
1
Mestre em Literatura e Cultura pela Universidade Federal da Bahia. Especialista em
Metodologia do Ensino Superior pela Universidade Estadual da Bahia. Psicanalista em formação do
Centro de atendimento em Psicopedagogia e Psicanálise. Email:sandracorre@gmail.com.
Key-Words: Thanatos – Eros – literature – Elizabeth Bishop
Considerações iniciais
Desta forma, é objetivo geral deste estudo utilizar a teoria psicanalítica para
desenvolver uma análise do poema Shampoo (1953) de Elizabeth Bishop (1911-1976) a
partir da biografia da autora a qual define seus trabalhos como autobiográficos. De forma
mais específica objetiva-se pontar os índices de Tânatos e Eros coexistentes no poema
Shampoo (1953), um poema autobiográfico da poetisa.
É com base neste estreito vínculo entre a literatura e a psicanálise que justificamos a
utilização do aporte teórico psicanalítico no desenvolvimento de uma análise interpretativa
do poema Shampoo (1953) de Elizabeth Bishop.
Com a guarda da menina sendo dada aos avós paternos, mais abastados, a jovem foi
levada para morar em Worcester. Afastada da fazenda, dos animais que gostava e dos
familiares maternos, Bishop não se sentiu em casa. Estas mudanças levam a criança a
desenvolver sérios problemas de saúde tais como asma e alergias diversas. A fim de
amenizar o problema de saúde da criança, nitidamente abalada pelo afastamento dos
familiares maternos, os avós paternos permitiram que a menina Elizabeth fosse criada por
uma tia materna, mas que morava na mesma cidade dos avós paternos - em Worcester. Este
foi o lar que Elizabeth conheceu até entrar em um internato para moças em 1927. Após o
internato ingressa em uma faculdade para mulheres, em Vassar, Pougkeepsie, N. York,
graduando-se em 1934, o ano em que a sua mãe morreu.
A herança da família abastada, somada aos prêmios literários que de quando em vez
costumava a receber, reforçou o gosto desenvolvido por viagens pelo país e ao exterior.
Bishop traduzia suas sensações em poemas, narrativas e pinturas.
Bishop chegou ao Brasil em 1951 e aqui viveu com a companheira Lota Macedo
Soares por aproximadamente 15 anos. O país tropical transforma-se em um feliz acidente
não só na vida como na obra de Bishop. Na vida, o romance com Lota provoca o
afastamento da depressão e do álcool. O resultado dessa combinação culmina com o
período de maior produção literária da autora. Desta forma, percebe-se que viver no Brasil
garante à poetisa não só um distanciamento necessário de sua cultura norte americana, mas
a motivação causada pelo relacionamento amoroso também é crucial para que Eros
predomine provocando um bem estar necessário para um aumento da produção de escrita.
Entretanto, na década de 60 tudo mudou na vida de Bishop e mudou para pior. Lota,
amiga do governador do Rio de Janeiro, Carlos Lacerda, então Cidade da Guanabara, foi
convidada para trabalhar como urbanista na construção do Aterro do Flamengo. O fato de
Lota ter aceitado trabalhar naquele empreendimento fez com que ela e Bishop deixassem de
morar em Petrópolis, mudando-se para o apartamento do Leme onde passou a trabalhar
num ritmo acelerado, o que a deixava esgotada e sem tempo nenhum para se dedicar a
Elizabeth Bishop que, sentindo-se abandonada, voltou a beber mais do que nunca.
A vida de Bishop aponta para um ciclo que se repete: depressão, fuga no álcool,
superação a partir das viagens e encontro de um novo amor.
Em 1967 Lota decidiu viajar para encontrar Bishop nos Estados Unidos, apesar de
desaconselhada a fazer a viagem devido ao seu estado de saúde. Encontrava-se em um
estágio avançado de arteriosclerose e o próprio médico não aprovava que ela saísse do
Brasil. Mas contrariando a todos, viajou e não sendo recebida de modo caloroso por
Bishop, a mesma noite da chegada, Lota comete suicídio, tomando uma overdose de
remédios.
Cheia de culpa e rechaçada pelos antigos amigos de Lota, Bishop ainda alternou
períodos em São Francisco, Ouro Preto e Harvard. Mas, desgostosa e magoada com o
Brasil, onde havia sido tão feliz, resolveu voltar para os Estados Unidos e para o álcool em
1970.
Durante toda a sua vida, o principal aspecto de seu trabalho era sua escrita
autobiográfica onde suas lembranças, alegrias, tristezas, desejos e medos se revelam à luz
de suas produções. Entre estas produções está o poema Shampoo (1953) o qual emerge do
período áureo de sua relação afetiva com Lota no período de 1951 até 1966.
Tânatos e Eros
Freud na obra “Além do Princípio do Prazer” (1920) traz uma nova formulação para
a dualidade pulsional sexual (ou preservação da espécie) e do ego (autoconservação ou
interesses do ego). Nesta nova formulação as pulsões de conservação e sexuais são unidas
para dar lugar às pulsões de vida ou Eros. Mais tarde, no texto "O Mal-Estar na
Civilização" (1930), Freud se dispõe a explicar a história da humanidade como a luta entre
os instintos de vida e os da morte. Segundo LIMA (2007), foi partir da observação da sua
experiência clínica que Freud se deparou com a questão do sado-masoquismo, da
compulsão á repetição e da reação terapêutica negativa. Assim, numa forma de
reelaboração da teoria das pulsões sexuais as quais se originam da estrutura biológica do
homem, Freud mais uma vez apoia-se na literatura, encontrando nos caminhos trilhados
pela Mitologia Grega para explicar a dualidade apresentada entre o desejo e a morte. Para
isso utiliza-se de duas personagens que quando resgatadas imprimem duas figuras
utilizadas para descrever duas pulsões antagônicas e que funcionam simultaneamente.
Com base no deus grego do amor, Eros, pulsão de vida, serve de figura mítica para
representar a pulsão embasada na promoção da vida, no sentimento do amor, do erotismo,
da garantia da preservação da espécie. Lima (2007) aponta que por pulsão de vida “Freud
entende uma força que tende à ligação, à constituição e conservação das unidades vitais”.
Ou seja, não compreende apenas instinto sexual desenibido e os impulsos instintuais, mas
também o instinto de autoconservação consignado ao EU. Eros é inclusive responsável por
aspectos que conduzem as energias vitais do indivíduo para objetos socialmente aceitaveis.
Em 1905 Freud nomeia este fato como sublimação.
A mescla ou junção da pulsão de vida e pulsão de morte, vistas como duas espécies
de instintos complementares, leva à possibilidade de uma disjunção desses instintos. Desta
forma, pode-se concluir que o desbalanço entre estas pulsões pode culminar em um
desiquilíbrio da estrutura psíquica. De forma generalizada, Freud (1923) aponta a regressão
libidinal da fase genital à fase sádico-anal como um exemplo de disjunção com
proeminência de Tânatos. Por outro lado, o avanço da fase genital inicial à fase definitiva
serve de exemplo do acréscimo dos componentes eróticos ou de proeminência de Eros.
Apesar de complementares e simétricos, Freud conclui que Tânatos é habitualmente posto a
serviço de Eros para fins de descarga, chegando a reconhecer seus efeitos podem ser
percebidos em algumas neuroses graves como as neuroses obsessivas.
Embasada nos estudos freudianos, Melanie Klein (1940) corrobora que as pulsões
de morte participam da origem da vida, tanto na vertente da relação de objeto quanto na
vertente do organismo, porém complementa que no que concerne ao organismo, as pulsões
de morte contribuem, por intermédio da angústia para instalar o sujeito na posição
depressiva, feita de medo e destruição (RUDINESCO,1998,632). O entendimento kleiniano
da depressão segue uma série onde o sadismo leva à angústia paranoide que gera culpa que
culmina na depressão, esta última concebida como tentativa de reparação do dano sádico
inicial. A depressão pode ser confundida com um luto. Entretanto buscando marcar as
diferenças entre o luto normal por um lado, e o luto patológico e estado maníaco-depressivo
por outro, Melanie Klein afirma que:
Muito apreciada por seus esccritos, Bishop é bastante detalhista em suas obras. Um
prazer no fazer e refazer que parece ora levar a autora às raias do sofrimento pela
insatisfação, ora ao êxtase na busca de uma perfeição. Sofrimento e insatisfação que podem
ser mensurados não só pela quantidade de anos que a autora precisou para finalizar algumas
de suas obras, mas também pela quantidade de manuscritos que cada obra produz. Um
exemplo ilustrativo fica por conta do poema The Moose (1976) que contém 168 linhas,
Apesar desta tendência a super elaborar seus trabalhos a partir de uma quase
infindável sequencias de modificações, os trabalhos movidos pela paixão não necessitam de
tantas modificações para alcançar o nível de satisfação da artista de considerar o trabalho
como finalizado. Publicado em 1953, The Shampoo é um dos poemas que Bishop não
demorou muito para ser escrito. Fato nada comum em sua carreira de escritora, mas cada
vez mais presente durante sua estadia no Brasil.
Feito em versos livres, o poema The Shampoo (1953) tem uma voz poética
narradora em terceira pessoa que descreve o ambiente que a cerca como um espaço
constituído de pedras úmidas onde musgos se habilitam em crescer. Considerando-se como
fato relevante a escrita autobiográfica de Bishop, sabe-se que no período em que escreveu
este poema a poetiza morava em Ouro Preto, em uma casa que continha uma fonte d´água
emoldurada com pedras e onde Bishop e sua amada costumavam banhar-se.
Considerado pela crítica norte americana como um poema muito sensual, dotado de
forte apelo erótico e assim marcado pelas pulsões de vida, a sensualidade em The Shampoo
(1953) não é o único sentimento capaz de ser suscitado pela sua leitura. A utilização de
termos como long on, attend e heavens presentes em “And since the heavens will attend
(L8) as long on us”(L9) do poema, podem conduzir o leitor à uma de idéia de que a morte,
no sentido de que a morte demore esperando para surgir. Fato não diferente na língua
portuguesa diante de termos que indiquem à ideia de espera pelo paraíso, imaginário
somente acessível após a morte. Outro reforçador desta ideia é a assustadora a
precipitação de cabelos brancos percebidos pela voz poética em sua amada:
L13 The shooting stars in your black hair
L14 In bright formation
L15 Are flocking where,
L16 So straight, so soon?
Para morrer basta estar vivo e para se viver bem basta a consciência da
incontestável chegada da morte. Mais uma vez Tânatos trabalha para Eros, pois a revelação
de que contra a morte não se pode lutar e de que é melhor encarar a vida como única e
fugaz. Tal fato pode ser percebido nas linhas: “Come, let me wash it in this big tin
basin,”(L17) e “battered and shiny like the moon”(L18). Estas linhas podem ser
percebidas como um convite. O convite ao não desperdício do tempo e ao aproveitamento
deste em um ato sensual e carinhoso: a lavagem dos cabelos da amada em uma bacia de
alumínio areada e brilhante como a lua.
Here is the little poem “The Shampoo” Mrs. White coudn't understand. I
have changed three words, though, since she returned it. I wonder if I am
in honor bound to return it to them because of the three words before I
send it someplace else?[published in The New Republic, July 1955] & do
you remember those tin basins, all sizes, so much a part of life
here?(BISHOP, 1994, 241)3
3 Aqui está o pequeno poema “ O Shampoo” que a Mrs. White não pode compreender.
Mudei apenas tres palavras depois que ela me devolveu. Me pergunto se vale á pena re-enviar ,
ou enviar à outro lugar {para publicar}.Tradução Nossa.
A senhora norte americana não entendia a ideia de lavar os cabelos em uma bacia de
metal ou tão provavelmente de alumínio, item corriqueiro da vida cotidiana do Brasil e não
presente na cultura norte americana. Bishop comenta que a bacia é só um elemento da
cultura local e que isso não devia trazer tanto estranhamento. Detalhe irrelevante para quem
entendia a importância das bacias de alumínio em um Brasil interiorano da década de
cinquenta. Porém, este comentário só pode ser suscitado porque Bishop já estava imersa na
cultura local, enebriada pela atmosfera de liberdade e prazer que o Brasil representava
naquele momento. Tão imersa que já incluia em seus textos elementos que possivelmente
só os brasileiros daquele local e daquela época seriam capazes de reconhecer e
compreender a finalidade. De fato, o Brasil representa antes de tudo um afastamento da
escritora de todos os aspectos repressores não só culturais, mas principalmente
psicológicos. A vida norte americana que teria ficado para traz era marcada pelas grandes
perdas da vida de Elizabeth Bishop. Em especial marcada pela perda dos pais, o eterno
medo da perda da sanidade mental como sua mãe. Todas estas perdas foram belamente
representadas em outro poema: One Art (1976). Este poema retrata um manual de como é
possivel sobreviver às perdas provocadas pela vida, e assim este poema representa um
elemento de forte apelo à superação.
A análise proposta por este estudo baseia-se na definição de Eros como pulsão de
vida a qual é embasada na promoção da vida, no sentimento do amor, do erotismo, da
garantia da preservação da espécie. Baseia-se também na definição de Tânatos, que em
contraponto à Eros é a personificação da morte, promovendo o rompimento dos laços que
Eros tece. Apesar de simétricos, Tânatos e Eros são instintos que se complementam e que
devem coexistir a fim de que desta forma a vida psíquica possa existir dentro de um
equilíbrio. Percebe-se que em situação de desequilíbrio, um dos instintos prevalecerá em
detrimento do outro. Tânatos, a pulsão de morte, pode ser inclusive a causadora de luto,
depressão e de neuroses obsessivas.
_______________. One Art: Letters. Selected and edited by Robert Giroux. New York: Farrar,
Straus and Giroux, 1994.
FOUNTAIN, Gary, and Peter Brazeau. Remembering Elizabeth Bishop: An Oral Biography.
Amherst: University of Massachusetts Press, 1994.
KLEIN, Melanie. Klein, M. (1940). Mourning and its relation to manic-depressive states.Int. J.
Psychoanal., 21:125-153.
_____________. O luto e suas relações com os estados maníaco-depressivos. In: ______. Amor,
Culpa e Reparação e outros trabalhos: 1921-1945. Trad. André Cardoso. Rio de Janeiro: Imago,
1996. p.385-412. (Obras Completas de Melanie Klein; v. 1 - Texto originalmente publicado em
1940).
LIMA, Lais de. Principais características da primeira e segunda teoria das pulsões. Disponível em
<http://www.palavraescuta.com.br/textos/principais-caracteristicas-da-primeira-e-segunda-teoria-
das-pulsoes>. Acesso em 14 dez 2014.