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CENTRO DE ESTUDOS E ACOMPANHAMENTO PSICANALÍTICO

E PSICOPEDAGÓGICO

SANDRA CRISTINA SOUZA CORRÊA COSTA

Tânatos e Eros no Poema The Shampoo de Elizabeth Bishop

Salvador

2015
SANDRA CRISTINA SOUZA CORRÊA COSTA

Tânatos e Eros no Poema Shampoo de Elizabeth Bishop

Salvador

2015
Artigo apresentado ao Centro de Estudos e
Acompanhamento Psicanalítico e
Psicopedagógico como requisito para
obtenção do título de pós-graduação em
Psicanálise Clínica.

Profa. Orientador: Dra. Sílvia Santana.


Agradeço à Deus por sua presença.

Ao meu marido Reginaldo Costa e filhas Carolina Luiza e Ingride Luiza por seu
apoio. Á minha didata Mariglória Almeida e orientadora Silvia Santana pelos
momentos de sabedoria e motivação.
Tânatos e Eros no poema Shampoo de Elizabeth Bishop

Sandra Cristina Souza Corrêa Costa1

Resumo

A proposta deste estudo é utilizar a teoria psicanalítica desenvolvida por Sigmund Freud
(1856-1939) para desenvolver e propor uma análise do poema Shampoo (1953) de
Elizabeth Bishop (1911-1976) a partir da biografia da autora a qual define seus trabalhos
como autobiográficos. De forma mais específica objetiva-se apontar os índices que
desvelam a coexistência e complementaridade dos instintos definidos e representados por
Tânatos e Eros presentes no poema The Shampoo (1953). Tânatos e Eros, quando
relacionados à organismos em estado de desequilíbrio podem ser causadores de depressão,
luto patológico, ansiedade e medo da morte em sua forma mais branda conforme teoria
kleiniana de 1940.

Palavras Chave: Tânatos – Eros – literatura – Elizabeth Bishop

Abstract

Based in the psychoanalytic theory developed by Sigmund Freud (), the purpose of this
study is to develop and propose a poem analysis on The Shampoo (1953) by Elizabeth
Bishop (1911-1976) who defines her work as autobiographical. More specifically the
objective is to point out the indexes that reveal the coexistence and complementarity of the
instincts represented by Thanatos and Eros which coexisting in an human body in a state of
imbalance may be causing depression, pathological grief, anxiety and fear of death in its
mildest form as Kleinian theory from 1940 points out.

1
Mestre em Literatura e Cultura pela Universidade Federal da Bahia. Especialista em
Metodologia do Ensino Superior pela Universidade Estadual da Bahia. Psicanalista em formação do
Centro de atendimento em Psicopedagogia e Psicanálise. Email:sandracorre@gmail.com.
Key-Words: Thanatos – Eros – literature – Elizabeth Bishop

Considerações iniciais

A aproximação entre a psicanálise e a literatura se faz desde os primórdios da


nascente teoria psicanalítica. Segundo Freud era no “reino da ficção” que uma grande
variedade de vidas que se tem necessidade, eram encontradas. O pai da psicanálise comenta
da possibilidade de se morrer diante da identificação a um herói, sobreviver a ele e já estar
pronto para uma nova morte “igualmente incólumes” (Freud, vermelho, 233). Para o pai da
psicanálise, a busca no mundo ficcional da literatura e do teatro era inevitável, pois nestes
espaços encontravam-se não só os substitutos para as perdas da vida, mas também “pessoas
que sabem morrer, e que conseguem até mesmo matar uma a outra” (Freud, vermelho,
232). Por outro lado, é possível ainda encontrar-se certa similaridade entre o fazer da
literatura e o da psicanálise, pois ambas tratam dos tabus sociais e do que é censurado pela
comunicação. Sendo assim, a literatura e psicanálise são espaços onde se tratam de
urgências humanas. A literatura pode ser vista como um grande manancial de material
clínico para a psicanálise, em especial os trabalhos realizados por autores que se
autointitulam autobiográficos, ou seja, artistas que afirmam que seus trabalhos ou suas
obras, são motivados pelo seu dia a dia. Assim, os fatos e situações as quais emergem em
forma de obra de arte são suscitados pelas emoções e sonhos vivenciados durante a vida do
autor e assim por ele declarados.

Desta forma, é objetivo geral deste estudo utilizar a teoria psicanalítica para
desenvolver uma análise do poema Shampoo (1953) de Elizabeth Bishop (1911-1976) a
partir da biografia da autora a qual define seus trabalhos como autobiográficos. De forma
mais específica objetiva-se pontar os índices de Tânatos e Eros coexistentes no poema
Shampoo (1953), um poema autobiográfico da poetisa.

Como tanto a psicanálise quanto a literatura tem como objetivo comum “o


conhecimento maior do ser humano” (FREUD, 1907, 127), a união destes dois espaços do
saber agracia o leitor com uma possibilidade interpretativa que leva em conta o resultado de
um trabalho poético. Sobre este trabalho, Leônida Teixeira aponta o fazer poético nas
palavras do poeta e romancista Paulo Leminski: “a atividade poética é uma coisa voltada
para a palavra como materialidade, a palavra como uma coisa do mundo. O poeta é, na sua
óbvia paixão pela linguagem, porque um poema só não tem significado, ele é o seu próprio
significado. Por isso, os poetas são intraduzíveis” (TEIXEIRA, 2005, p. 28).

Ainda sobre a atividade do escritor, corroboramos com Leônida Teixeira ao afirmar


que se o sujeito poético, como propõe a sua denominação, é um ser de linguagem, narrar
não é tão somente um modo de se defender, mas, arte de viver, "solo de fundação do sujeito
humano" (TEIXEIRA, 2009, p.171). Assim, um texto em sua forma, apresenta-se como um
pensamento sobre o papel do fazer poético. Desta forma, a literatura e a psicanálise viriam
a constituir lugares de produção subjetivos, no qual "o sujeito se firma como tal: cindido,
incompleto e, para sempre, não realizado em seus desejos!" (Teixeira, 2009, p.151).

É com base neste estreito vínculo entre a literatura e a psicanálise que justificamos a
utilização do aporte teórico psicanalítico no desenvolvimento de uma análise interpretativa
do poema Shampoo (1953) de Elizabeth Bishop.

Sobre o método interpretativo, Willemart 2009 compara o fazer poético à tarefa do


analista, pois “ambos, escritor e analista, partem da sensação ou da impressão
desencadeadas no espírito por elementos exteriores a ele” (Willermart, 2009, 178).
Interpretar uma obra se assemelha ao fazer do escritor o qual percebe o mundo que o
envolve e o transmuta em obra de arte. Ao analista caberá interpretar o produto desta obra
a qual pode ser vista como o reflexo das sensações vivenciadas pelo artista.

A escrita, embora mais difícil do que a enunciação sobre o divã, …, se


deixa ler muito mais facilmente do que a teorização dessa mesma escrita
ou do mesmo discurso pelos especialistas em teoria literária ou os teóricos
psicanalistas (Willemart, 2009,178).

Com vistas no método psicanalítico da livre associação, aqui proposto sobre um


poema, lembramos que em seu Estudo Autobiográfico Freud (1925), aponta que a
associação livre não é realmente livre. O paciente permanece sob a influência da situação
analítica, muito embora não esteja dirigindo suas atividades mentais para um assunto
específico: nada lhe ocorrerá que não tenha alguma referência com essa situação. Esta
situação tanto envolve o paciente na hora da fala, quanto envolve o escritor que se utiliza
do papel para extravasar seus pensamentos e seus sentimentos.
Biografia da autora

Elizabeth Bishop nasceu em Worcester – Boston (EUA) em 8 de fevereiro de 1911.


Aos oito meses de idade torna-se uma criança órfã de pai. A morte de William Thomas
Bishop (1872 -1911), somado á um hipertireoidismo não compreendido no início do século
passado e por isso não tratado, leva Gertrude May Bulmer Bishop (1879 -1934), a mãe de
Elizabeth, a ser hospitalizada por várias vezes em um sanatório para doentes mentais em
Massachusetts durante os cinco anos que seguem a morte do marido. O trauma desta morte,
associado à condição somática da senhora Bulmer Bishop, causa prejuízos não só físicos,
mas também mentais que abalam a família como um todo diante dos seguidos cuidados em
casa alternada às internações esporádicas. Em 1916 Gertrude Bishop é definitivamente
institucionalizada e vem a óbito em 1934 sem nunca ter sido visitada por sua filha. Tal
circunstancia causa a necessidade da menina Bishop ser criada por seus familiares maternos
e paternos em um período conduzido por disputas legais. Até os sete anos de idade,
Elizabeth vive com seus avôs maternos na cidade natal da mãe, Nova Scotia – Great
Village - Canadá. Este é o lugar onde se sentia acolhida e amada.

Com a guarda da menina sendo dada aos avós paternos, mais abastados, a jovem foi
levada para morar em Worcester. Afastada da fazenda, dos animais que gostava e dos
familiares maternos, Bishop não se sentiu em casa. Estas mudanças levam a criança a
desenvolver sérios problemas de saúde tais como asma e alergias diversas. A fim de
amenizar o problema de saúde da criança, nitidamente abalada pelo afastamento dos
familiares maternos, os avós paternos permitiram que a menina Elizabeth fosse criada por
uma tia materna, mas que morava na mesma cidade dos avós paternos - em Worcester. Este
foi o lar que Elizabeth conheceu até entrar em um internato para moças em 1927. Após o
internato ingressa em uma faculdade para mulheres, em Vassar, Pougkeepsie, N. York,
graduando-se em 1934, o ano em que a sua mãe morreu.

A herança da família abastada, somada aos prêmios literários que de quando em vez
costumava a receber, reforçou o gosto desenvolvido por viagens pelo país e ao exterior.
Bishop traduzia suas sensações em poemas, narrativas e pinturas.

A infância de Elizabeth é suficiente para forjar uma mulher que se autodescreve


como uma pessoa solitária com uma fase adulta marcada pela depressão, alcoolismo.
Admirada e premiada por seus textos, em 1951 um prêmio Pultzer dá os recursos
financeiros necessários para a realização de uma viagem ao continente sul americano.

Ao chegar ao Rio de Janeiro, a oportunidade de experimentar um fruto tropical


como caju permite uma reação alérgica tão violenta, que o navio partiu sem a escritora.
Hospitalizada e cuidada por amigos, nesta oportunidade estreita relacionamento com uma
antiga conhecida que a convida para viver no Brasil.

Bishop chegou ao Brasil em 1951 e aqui viveu com a companheira Lota Macedo
Soares por aproximadamente 15 anos. O país tropical transforma-se em um feliz acidente
não só na vida como na obra de Bishop. Na vida, o romance com Lota provoca o
afastamento da depressão e do álcool. O resultado dessa combinação culmina com o
período de maior produção literária da autora. Desta forma, percebe-se que viver no Brasil
garante à poetisa não só um distanciamento necessário de sua cultura norte americana, mas
a motivação causada pelo relacionamento amoroso também é crucial para que Eros
predomine provocando um bem estar necessário para um aumento da produção de escrita.

Entretanto, na década de 60 tudo mudou na vida de Bishop e mudou para pior. Lota,
amiga do governador do Rio de Janeiro, Carlos Lacerda, então Cidade da Guanabara, foi
convidada para trabalhar como urbanista na construção do Aterro do Flamengo. O fato de
Lota ter aceitado trabalhar naquele empreendimento fez com que ela e Bishop deixassem de
morar em Petrópolis, mudando-se para o apartamento do Leme onde passou a trabalhar
num ritmo acelerado, o que a deixava esgotada e sem tempo nenhum para se dedicar a
Elizabeth Bishop que, sentindo-se abandonada, voltou a beber mais do que nunca.

Percebe-se diante deste quadro que a sensação de solidão provoca em Bishop


depressão e a necessidade de consumir álcool; solução encontrada para as dificuldades da
vida. Numa forma de superar suas dificuldades locais se envolve em um ciclo de viagens
pelo Brasil. Esteve no Amazonas, encantando-se com as lendas e a natureza do norte do
Brasil. Ficou fascinada com a cidade de Santarém no Pará. Veio a Bahia e ficou curiosa em
conhecer o nosso candomblé. Em Minas Gerais, se encantou, especialmente com as
construções coloniais, com as estátuas barrocas que viu na cidade histórica de Ouro Preto e
com aquela bela paisagem montanhosa. Resolveu então comprar uma casa velha,
praticamente em ruínas em Mariana com a intenção de restaurá-la. Sua casa ficava em
frente à de Lili Correa de Araujo, com quem começou a ter um caso amoroso. A fim de
levantar mais recursos para a reforma da casa e também desejosa de se distanciar de Lota,
aceitou, então, um convite para dar palestras na Universidade de Seattle, em Washington.
Viajou em dezembro de 1965, só retornando ao Rio de Janeiro um ano depois. A sua
relação com Lota continuava a deteriorar.

A vida de Bishop aponta para um ciclo que se repete: depressão, fuga no álcool,
superação a partir das viagens e encontro de um novo amor.

Em 1967 Lota decidiu viajar para encontrar Bishop nos Estados Unidos, apesar de
desaconselhada a fazer a viagem devido ao seu estado de saúde. Encontrava-se em um
estágio avançado de arteriosclerose e o próprio médico não aprovava que ela saísse do
Brasil. Mas contrariando a todos, viajou e não sendo recebida de modo caloroso por
Bishop, a mesma noite da chegada, Lota comete suicídio, tomando uma overdose de
remédios.

Cheia de culpa e rechaçada pelos antigos amigos de Lota, Bishop ainda alternou
períodos em São Francisco, Ouro Preto e Harvard. Mas, desgostosa e magoada com o
Brasil, onde havia sido tão feliz, resolveu voltar para os Estados Unidos e para o álcool em
1970.

Finalmente, a escritora mudou-se para Boston em 1974. Passou os últimos anos da


vida com seu novo e último amor, Alice Methfesselm, sua secretária em Harvard e sua
herdeira nos Estados Unidos. Nesta última fase de sua vida, continuou dando palestras em
Harvard e também viajou para lugares, como o Equador, o Peru, as Ilhas Galapagos, a
Nova Escócia, o México, a Ilha do North Haven em Maine, as ilhas gregas, Veneza e esteve
novamente no Brasil. Sem encontrar nenhum novo amor, Elizabeth Bishop morreu em
Boston, vítima de um aneurisma cerebral, no dia 6 de outubro de 1979.

Durante toda a sua vida, o principal aspecto de seu trabalho era sua escrita
autobiográfica onde suas lembranças, alegrias, tristezas, desejos e medos se revelam à luz
de suas produções. Entre estas produções está o poema Shampoo (1953) o qual emerge do
período áureo de sua relação afetiva com Lota no período de 1951 até 1966.
Tânatos e Eros

Freud na obra “Além do Princípio do Prazer” (1920) traz uma nova formulação para
a dualidade pulsional sexual (ou preservação da espécie) e do ego (autoconservação ou
interesses do ego). Nesta nova formulação as pulsões de conservação e sexuais são unidas
para dar lugar às pulsões de vida ou Eros. Mais tarde, no texto "O Mal-Estar na
Civilização" (1930), Freud se dispõe a explicar a história da humanidade como a luta entre
os instintos de vida e os da morte. Segundo LIMA (2007), foi partir da observação da sua
experiência clínica que Freud se deparou com a questão do sado-masoquismo, da
compulsão á repetição e da reação terapêutica negativa. Assim, numa forma de
reelaboração da teoria das pulsões sexuais as quais se originam da estrutura biológica do
homem, Freud mais uma vez apoia-se na literatura, encontrando nos caminhos trilhados
pela Mitologia Grega para explicar a dualidade apresentada entre o desejo e a morte. Para
isso utiliza-se de duas personagens que quando resgatadas imprimem duas figuras
utilizadas para descrever duas pulsões antagônicas e que funcionam simultaneamente.

Com base no deus grego do amor, Eros, pulsão de vida, serve de figura mítica para
representar a pulsão embasada na promoção da vida, no sentimento do amor, do erotismo,
da garantia da preservação da espécie. Lima (2007) aponta que por pulsão de vida “Freud
entende uma força que tende à ligação, à constituição e conservação das unidades vitais”.
Ou seja, não compreende apenas instinto sexual desenibido e os impulsos instintuais, mas
também o instinto de autoconservação consignado ao EU. Eros é inclusive responsável por
aspectos que conduzem as energias vitais do indivíduo para objetos socialmente aceitaveis.
Em 1905 Freud nomeia este fato como sublimação.

Em contraponto à Eros, Tânatos é a personificação da morte e representa o


rompimento dos laços que Eros tece. De origem inconsciente e, portanto, difícil de
controlar, esse desejo intrínseco leva o sujeito a se lembrar repetitivamente de situações
dolorosas em réplicas de experiências desprazerosas. Em 1933, nas Novas conferencias
introdutórias sobre psicanálise, Freud (1933) complementa que a pulsão de morte não pode
“estar ausente de nenhum processo de vida” (FREUD, 1933, 98). A pulsão de morte, ou
Tânatos se confronta permanentemente com Eros. Assim, Tânatos reconduz os organismos
viventes ao estado inanimado, enquanto Eros busca o objetivo de conservar a vida
(FREUD, 1923, 50).

Mantendo o propósito dualístico das concepções freudianas, Tânatos e Eros


comportam-se de maneira conservadora com o objetivo de restabelecer o estado que foi
perturbado pelo surgimento da vida e que finda por aspirar a morte.

A mescla ou junção da pulsão de vida e pulsão de morte, vistas como duas espécies
de instintos complementares, leva à possibilidade de uma disjunção desses instintos. Desta
forma, pode-se concluir que o desbalanço entre estas pulsões pode culminar em um
desiquilíbrio da estrutura psíquica. De forma generalizada, Freud (1923) aponta a regressão
libidinal da fase genital à fase sádico-anal como um exemplo de disjunção com
proeminência de Tânatos. Por outro lado, o avanço da fase genital inicial à fase definitiva
serve de exemplo do acréscimo dos componentes eróticos ou de proeminência de Eros.
Apesar de complementares e simétricos, Freud conclui que Tânatos é habitualmente posto a
serviço de Eros para fins de descarga, chegando a reconhecer seus efeitos podem ser
percebidos em algumas neuroses graves como as neuroses obsessivas.

Embasada nos estudos freudianos, Melanie Klein (1940) corrobora que as pulsões
de morte participam da origem da vida, tanto na vertente da relação de objeto quanto na
vertente do organismo, porém complementa que no que concerne ao organismo, as pulsões
de morte contribuem, por intermédio da angústia para instalar o sujeito na posição
depressiva, feita de medo e destruição (RUDINESCO,1998,632). O entendimento kleiniano
da depressão segue uma série onde o sadismo leva à angústia paranoide que gera culpa que
culmina na depressão, esta última concebida como tentativa de reparação do dano sádico
inicial. A depressão pode ser confundida com um luto. Entretanto buscando marcar as
diferenças entre o luto normal por um lado, e o luto patológico e estado maníaco-depressivo
por outro, Melanie Klein afirma que:

os enfermos maníaco-depressivos e os sujeitos que fracassam no trabalho


do luto, ainda que as defesas possam diferir amplamente umas das outras,
têm em comum o não haver sido capazes, em sua infância precoce, de
estabelecer objetos internos bons e de sentir segurança em seu mundo
interno. Realmente não vencem nunca a posição depressiva infantil. No
luto normal, no entanto, a posição depressiva precoce que foi revivida
com a perda do objeto amado se modifica mais uma vez e se vence por
métodos similares aos que usou o ego em sua infância. O indivíduo
reinstala dentro dele seus reais objetos de amor perdidos e ao mesmo
tempo seus primeiros objetos amados, em última instância seus pais bons,
a quem, quando ocorreu a perda real, sentiu também o perigo de perdê-
los. (Klein, 1940)

Tânatos e Eros no poema The Shampoo (1953)

Os poetas dão uma voz particularmente eloquente à aventura do desejo, sem, no


entanto, nela explicitar a lei interior: eles oferecem ao “sábio” um material privilegiado,
acentuando tanto o movimento do desejo, como lhe conferindo um valor exemplar
(Starobinski, 1988, p. 267). Assim o “sábio” na figura do analista, simultaneamente tanto
textual quanto psicanalista tem a oportunidade de inferir e apontar a partir do discurso
percebido no poema, desejos inconscientes. Alguns refletem os aspectos positivos da vida,
e assim mais ligados à pulsão de vida se equilibram com os aspectos negativos, mais
ligados á pulsão de morte de forma permitir uma vida equilibrada a qual nem é tanto à Eros,
nem é tanto à Tânatos. Dessa forma em um mesmo poema Bishop mostra seu equilíbrio
apresentando em um mesmo espaço de escrita a coexistência tanto de Eros quanto de
Tânatos:

The Shampoo by Elizabeth Bishop

L1 The still explosions on the rocks,


L2 The lichens, grow
L3 By spreading, gray, concentric shocks.
L4 They have arranged
L5 To meet the rings around the moon, although
L6 Within our memories they have not changed.

L7 And since the heavens will attend


L8 As long on us,
L9 You've been, dear friend,
L10 Precipitate and pragmatical;
L11 And look what happens. For Time is
L12 Nothing if not amenable.
L13 The shooting stars in your black hair
L14 In bright formation
L15 Are flocking where,
L16 So straight, so soon?
L17 --Come, let me wash it in this big tin basin,
L18 Battered and shiny like the moon. 2

Muito apreciada por seus esccritos, Bishop é bastante detalhista em suas obras. Um
prazer no fazer e refazer que parece ora levar a autora às raias do sofrimento pela
insatisfação, ora ao êxtase na busca de uma perfeição. Sofrimento e insatisfação que podem
ser mensurados não só pela quantidade de anos que a autora precisou para finalizar algumas
de suas obras, mas também pela quantidade de manuscritos que cada obra produz. Um
exemplo ilustrativo fica por conta do poema The Moose (1976) que contém 168 linhas,

2 O Shampoo de Elizabeth Bishop


L1 As plácidas explosões sobre as rochas
L2 Onde os liquens crescem
L3 Se espalham, cinzas, concentricas sugem.
L4 Combinaram
L5 De se encontrar com os anéis lunares, apesar que
L6 Dentro de nossas memórias elas são as mesmas.

L7 Contanto que o paraíso nos espere


L8 Por muito tempo ainda,
L9 Voce tem sido, minha querida amiga,
L10 Precipitada e pragamática;
L11 E observe. Para o Tempo
L12 Nada é senão ameno.

L13 As novas estrelas em seus cabelos negros


L14 Em plena formação,
L15 São como flocos logo onde,
L16 Tão lisos, tão cedo?
L17 Venha, deixe-me lavá-los nesta grande bacia metálica,
L18 Areada e brilhante como a lua.
Tradução Nossa
levou cerca de vinte anos para ser finalizado e que foram inúmeras vezes modificadas por
acréscimos, supressões e deslocamentos de itens lexicais ou até mesmo de estrofes inteiras.
Este labor característico da autora gerou um grande número de manuscritos os quais foram
acumulados pela própria autora durante toda a sua vida. O fato de guardar estes
documentos e levá-los para os lugares onde permanecia por mais tempo, mostra uma
tendencia á acumulação e o apego da escritora por seu trabalho. Hoje estes manuscritos
habitam bibliotecas como a de Poughkeepsie em Nova York-EUA ou espaços arquivísticos
de estudo e pesquisa de manuscritos da Universidade Federal da Bahia no Brasil.

Apesar desta tendência a super elaborar seus trabalhos a partir de uma quase
infindável sequencias de modificações, os trabalhos movidos pela paixão não necessitam de
tantas modificações para alcançar o nível de satisfação da artista de considerar o trabalho
como finalizado. Publicado em 1953, The Shampoo é um dos poemas que Bishop não
demorou muito para ser escrito. Fato nada comum em sua carreira de escritora, mas cada
vez mais presente durante sua estadia no Brasil.

Feito em versos livres, o poema The Shampoo (1953) tem uma voz poética
narradora em terceira pessoa que descreve o ambiente que a cerca como um espaço
constituído de pedras úmidas onde musgos se habilitam em crescer. Considerando-se como
fato relevante a escrita autobiográfica de Bishop, sabe-se que no período em que escreveu
este poema a poetiza morava em Ouro Preto, em uma casa que continha uma fonte d´água
emoldurada com pedras e onde Bishop e sua amada costumavam banhar-se.

Considerado pela crítica norte americana como um poema muito sensual, dotado de
forte apelo erótico e assim marcado pelas pulsões de vida, a sensualidade em The Shampoo
(1953) não é o único sentimento capaz de ser suscitado pela sua leitura. A utilização de
termos como long on, attend e heavens presentes em “And since the heavens will attend
(L8) as long on us”(L9) do poema, podem conduzir o leitor à uma de idéia de que a morte,
no sentido de que a morte demore esperando para surgir. Fato não diferente na língua
portuguesa diante de termos que indiquem à ideia de espera pelo paraíso, imaginário
somente acessível após a morte. Outro reforçador desta ideia é a assustadora a
precipitação de cabelos brancos percebidos pela voz poética em sua amada:
L13 The shooting stars in your black hair
L14 In bright formation
L15 Are flocking where,
L16 So straight, so soon?

Tal fato torna a voz poética consciente do envelhecimento e da decorrente


proximidade da morte. Assim, Tânatos se revela no texto na forma de medo da morte
conforme a contribuição pós freudiana de Melanie Klein (1940) que aponta que Tânatos
também se apresenta pela angústia e medo da morte.

Para morrer basta estar vivo e para se viver bem basta a consciência da
incontestável chegada da morte. Mais uma vez Tânatos trabalha para Eros, pois a revelação
de que contra a morte não se pode lutar e de que é melhor encarar a vida como única e
fugaz. Tal fato pode ser percebido nas linhas: “Come, let me wash it in this big tin
basin,”(L17) e “battered and shiny like the moon”(L18). Estas linhas podem ser
percebidas como um convite. O convite ao não desperdício do tempo e ao aproveitamento
deste em um ato sensual e carinhoso: a lavagem dos cabelos da amada em uma bacia de
alumínio areada e brilhante como a lua.

O termo tin bassin (L17) (bacia de alumínio) utilizada na poesia, trouxe


estranhamento à primeira leitora do poema, Mrs. White a qual era editora chefe do jornal
onde o poema seria publicado. Bishop comenta em carta escrita à sua tia em 1955 este
fato:

Here is the little poem “The Shampoo” Mrs. White coudn't understand. I
have changed three words, though, since she returned it. I wonder if I am
in honor bound to return it to them because of the three words before I
send it someplace else?[published in The New Republic, July 1955] & do
you remember those tin basins, all sizes, so much a part of life
here?(BISHOP, 1994, 241)3

3 Aqui está o pequeno poema “ O Shampoo” que a Mrs. White não pode compreender.
Mudei apenas tres palavras depois que ela me devolveu. Me pergunto se vale á pena re-enviar ,
ou enviar à outro lugar {para publicar}.Tradução Nossa.
A senhora norte americana não entendia a ideia de lavar os cabelos em uma bacia de
metal ou tão provavelmente de alumínio, item corriqueiro da vida cotidiana do Brasil e não
presente na cultura norte americana. Bishop comenta que a bacia é só um elemento da
cultura local e que isso não devia trazer tanto estranhamento. Detalhe irrelevante para quem
entendia a importância das bacias de alumínio em um Brasil interiorano da década de
cinquenta. Porém, este comentário só pode ser suscitado porque Bishop já estava imersa na
cultura local, enebriada pela atmosfera de liberdade e prazer que o Brasil representava
naquele momento. Tão imersa que já incluia em seus textos elementos que possivelmente
só os brasileiros daquele local e daquela época seriam capazes de reconhecer e
compreender a finalidade. De fato, o Brasil representa antes de tudo um afastamento da
escritora de todos os aspectos repressores não só culturais, mas principalmente
psicológicos. A vida norte americana que teria ficado para traz era marcada pelas grandes
perdas da vida de Elizabeth Bishop. Em especial marcada pela perda dos pais, o eterno
medo da perda da sanidade mental como sua mãe. Todas estas perdas foram belamente
representadas em outro poema: One Art (1976). Este poema retrata um manual de como é
possivel sobreviver às perdas provocadas pela vida, e assim este poema representa um
elemento de forte apelo à superação.

Se os elementos os quais forçavam Bishop a ser super meticulosa para executar a


tarefa de maior prazer em sua vida de escritora convicta estavam muito longe do Brasil, não
só geograficamente, mas também psicologicamente, qual o significado da vida brasileira
para Elizabeth Bishop? Segundo MILLIER 1993, a vida subsidiada pela fortuna de Lota
Soares eliminava do cotidiano de Bishop as pressões causadas pela expectativa de precisar
custear- se financeiramente. Desta forma, em ambiente profícuo às produções, o qual
permitia não se preocupar com prazos de entrega de trabalhos, Bishop era uma máquina de
produções artísticas e quanto mais produzia mais premios recebia. Alguns até não
solicitados como o Shelley MemorialAward de 1953. O prêmio Pulitzer de 1956 veio
como estabelecimento de sua carreira como poeta e uma boa oportunidade de
reconhecimento diante dos amigos de Lota aponta MILLIER 1993.
Considerações finais

A análise proposta por este estudo baseia-se na definição de Eros como pulsão de
vida a qual é embasada na promoção da vida, no sentimento do amor, do erotismo, da
garantia da preservação da espécie. Baseia-se também na definição de Tânatos, que em
contraponto à Eros é a personificação da morte, promovendo o rompimento dos laços que
Eros tece. Apesar de simétricos, Tânatos e Eros são instintos que se complementam e que
devem coexistir a fim de que desta forma a vida psíquica possa existir dentro de um
equilíbrio. Percebe-se que em situação de desequilíbrio, um dos instintos prevalecerá em
detrimento do outro. Tânatos, a pulsão de morte, pode ser inclusive a causadora de luto,
depressão e de neuroses obsessivas.

Como instintos equilibrados e complementares, Tânatos e Eros podem ser


apontados na literatura, posto que esta possa ser vista como um manancial de material
clínico para a psicanálise, onde sonhos e diversas vidas são representados em forma de
trabalho artístico. Neste estudo utilizou-se o poema The Shampoo (1953) de Elizabeth
Bishop, como forma de representação de um momento muito especial vivido pela autora
que se auto intitula uma escritora de textos autobiográficos. Esta declaração realizada pela
autora garante que a interpretação da presença de Tânatos e Eros no poema The Shampoo
(1953) esteja diretamente relacionado à fatos vivenciados pela autora durante o período em
que viveu no Brasil.

Concluímos que a possibilidade de apontar e destacar Tânatos e Eros na literatura,


neste estudo representado por um poema, abre um leque de possibilidades para novas
investidas que poderiam inclusive fazer utilização dos manuscritos de autores. Os
manuscritos refletem o modus faciendi do trabalho artístico e podem dar pistas dos
caminhos esclhidos pelo artista na busca da obra finalizada, além de indiciar os motivos das
escolhas realizadas pelo artista durante a execução da obra.Tal fato possibilitaria uma
melhor avaliação das diversas modificações realizadas pelo autor antes de dar seu texto por
finalizado.
REFERENCIAS

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