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EMERJ – CP IV Direito Administrativo IV

Tema I

Serviços Públicos I. Conceito. Características. Classificação. Titularidade: serviços da União, dos Estados e
dos Municípios. Serviços comuns e serviços privativos. Regulamentação. Princípios.

Notas de Aula1

1. Serviços públicos

Serviço público é todo aquele definido como sendo de responsabilidade do Estado,


ainda que não seja por este diretamente prestado. Desde que seja considerado serviço
público, o regime jurídico a ele aplicado passa a ser o regime de direito público.
No Brasil, a primeira classificação que se faz dos serviços públicos diz respeito à
titularidade, que responde à forma federativa de três níveis aqui adotada. Adota-se o mesmo
critério que a partilha constitucional de competências adotou: a predominância de
interesses. Por este critério, os Municípios prestam serviços de predominante interesse
local; os Estados, serviços de interesse predominantemente regional; e a União, serviços de
interesse nacional.
O transporte coletivo é um serviço que exemplifica bem esta classificação quanto à
competência: o transporte intramunicipal compete ao Município; o intermunicipal, dentro
do mesmo Estado, compete a este Estado; e o interestadual compete à União. Fica bem
nítido o critério da predominância de interesses, aqui.
Outra classificação fundamental diz respeito à essencialidade do serviço: serviços
públicos essenciais são aqueles indispensáveis à vida digna em sociedade. São exemplos
claros a energia elétrica, água, esgoto, transporte coletivo, etc. Não essenciais, por seu
turno, são aqueles que proporcionam maior comodidade social, mas não são indispensáveis,
como os táxis.
Terceira classificação divide os serviços em gerais e individuais. Serviços gerais,
chamados indivisíveis, são aqueles que não permitem a identificação particularizada de
cada usuário, não sendo possível definir a parcela de uso de cada pessoa. Como exemplo, a
segurança pública, e a iluminação pública. Os individuais, divisíveis, por seu turno, são
aqueles que permitem a identificação particularizada do usuário.
Esta classificação é fundamental para definir a forma de remuneração destes
serviços: os serviços gerais precisam ser mantidos pela coletividade, eis que não há como
definir quem deva pagar tal ou tal parcela. Para este custeio genérico, prestam-se os
impostos, tributos não vinculados dedicados ao custeio genérico das funções do Estado. No
serviço individual, por sua vez, cada usuário deverá pagar pela parcela que faz uso, por ser
possível esta definição.
Há serviços individuais que são obrigatórios, ou seja, são de consumo obrigatório
pelo administrado. Por assim ser, sua fonte de custeio é a taxa, modalidade tributária
vinculada. Sendo serviço individual facultativo, é remunerado por meio do preço público,
tarifa. O não pagamento da taxa não justifica a interrupção do serviço, justamente por ser
ele obrigatório; o não pagamento da tarifa, por seu turno, permite a interrupção do serviço,
vez que é de consumo facultativo. Para tanto, impõe-se apenas a notificação prévia do
usuário inadimplente, como manda o artigo 6°, § 3°, II, da Lei 8.987/95:

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Aula ministrada pelo professor Cláudio Brandão de Oliveira, em 8/10/2009.

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“Art. 6o Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado


ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas
pertinentes e no respectivo contrato.
§ 1o Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade,
eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e
modicidade das tarifas.
§ 2o A atualidade compreende a modernidade das técnicas, do equipamento e das
instalações e a sua conservação, bem como a melhoria e expansão do serviço.
§ 3o Não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua interrupção em
situação de emergência ou após prévio aviso, quando:
I - motivada por razões de ordem técnica ou de segurança das instalações; e,
II - por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade.”

José dos Santos Carvalho Filho entende que se o serviço for compulsório, não será
permitida a suspensão porque os serviços são prestados pelo Estado investido de seu ius
imperii, sendo inerente a sua soberania, de forma que não podem ser transferidos ao
particular, pois o pagamento por esses serviços visa apenas a cobrir os custos da execução,
daí porque remunerados por taxa, como por exemplo a taxa de incêndio e a taxa judiciária.
Segundo o doutrinador, isso se dá não somente porque o Estado impôs tal serviço como
obrigatório, mas também porque, sendo remunerado por taxa, tem a Fazenda mecanismos
privilegiados para a cobrança da dívida.
Já no que tange ao serviço de caráter facultativo, ele entende que o Poder Público
pode suspender a prestação no caso de não pagamento, porque a remuneração tem natureza
contratual, e os serviços que possibilitam a obtenção de lucros podem ser delegados aos
particulares, como é o caso das concessionárias de serviços públicos de energia elétrica, de
telefone, de transporte. Ressalta o doutrinador que quando é o próprio Estado que os
executa, sem haver delegação, ele despe-se de sua potestade, atuando como particular, o
que guarda a coerência com a facultatividade em sua obtenção pelo particular.
Surgiu controvérsia, já ultrapassada, sobre a possibilidade ou não de interrupção da
prestação de serviço de energia elétrica, ao argumento de que este serviço era essencial.
Contudo, essencialidade ou não são critérios que não se confundem com obrigatoriedade ou
não do serviço: pode este ser essencial, e ao mesmo tempo ser facultativo, não obrigatório.
É exatamente o caso da energia elétrica: não é forçoso ao administrado haver a ligação da
rede elétrica em sua casa, pois é-lhe facultado simplesmente não querer este serviço
(porque se vale de fontes alternativas, ou simplesmente por não querer). Por isso, nada
impede que, em prol do interesse público, este serviço essencial seja interrompido por
inadimplemento do usuário individualizado.

1.1. Principiologia aplicável aos serviços públicos

Primeiro princípio é o da continuidade do serviço público: o serviço que foi


disponibilizado para os usuários em potencial não pode mais deixar de ser oferecido. Não
fica caracterizada a descontinuidade, porém, quando a interrupção se dá por
inadimplemento pelo usuário – desde que previamente notificado, como visto.
O princípio da continuidade repercute, por exemplo, no direito de greve do
empregado de empresa privada prestadora de serviços públicos. A lei de greve da iniciativa
privada, Lei 7.783/98, estabelece que em casos de greve do serviço público prestado por
entidades privadas, parte do serviço deverá continuar a ser prestado, justamente em apreço
a este princípio. Veja os artigos 11 e 12 deste diploma:

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“Art. 11. Nos serviços ou atividades essenciais, os sindicatos, os empregadores e


os trabalhadores ficam obrigados, de comum acordo, a garantir, durante a greve, a
prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis
da comunidade.
Parágrafo único. São necessidades inadiáveis, da comunidade aquelas que, não
atendidas, coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança
da população.”

“Art. 12. No caso de inobservância do disposto no artigo anterior, o Poder Público


assegurará a prestação dos serviços indispensáveis.”

Outro princípio desta seara é o da modicidade das tarifas: o preço que remunera a
prestação de serviços públicos deve ser fixado de forma a não inviabilizar o acesso do
usuário em potencial àquele serviço. É de acordo com o usuário alvo do serviço que a tarifa
será considerada módica ou não. Como exemplo, o serviço de metrô: é prestado por
empresa concessionária, sendo que a concessão somente foi outorgada para gerenciamento
do sistema, e não para realização de obras de expansão da via. Quem custeia a ampliação
das linhas é o Poder Público concedente, justamente porque a obra é tão dispendiosa que se
for realizada pelo concessionário, com repasse do custo à tarifa, esta ficará inacessível aos
potenciais usuários deste meio de transporte2.
Sérgio de Andréa Ferreira entende que esse princípio traduz a noção de que o lucro,
meta da atividade econômica capitalista, não é objetivo da função administrativa, devendo
o eventual resultado econômico positivo decorrer da boa gestão dos serviços, sendo certo
que alguns deles, por seu turno, têm de ser, por fatores diversos, essencialmente deficitários
ou, até mesmo, gratuitos.
Vige também o princípio da segurança: o prestador do serviço deverá adotar as
providências necessárias para não colocar em risco o usuário, até mesmo porque sua
responsabilidade é objetiva.
O prestador de serviços deve observar também o princípio da cortesia: os usuários
devem ser atendidos com urbanidade e educação. Por mais simples que seja, este princípio
está positivado, no § 1° do artigo 6° da Lei 8.987/95, supra.
Outro princípio dos serviços públicos é a regularidade: o serviço deve ser prestado
de forma a atender a demanda dos usuários com presteza, sem falhas na prestação – o que
foi violado, por exemplo, na crise aérea. A regularidade está relacionada à freqüência e
confiabilidade do serviço.
José dos Santos Carvalho Filho ainda elenca como princípio norteador do serviço
público a eficiência, que tem por base o dever de o Estado prestar seus serviços com maior
eficiência possível, reclamando que o Poder Público se atualize com os novos processos
tecnológicos, de modo que a execução seja mais proveitosa com menor dispêndio.
Diógenes Gasparini entende que o fator importante para a Administração reside na
necessidade de, periodicamente, ser feita avaliação sobre o proveito do serviço prestado.
Desse modo, poderá ser ampliada a prestação de certos serviços e reduzida em outros casos,
procedendo-se à adequação entre o serviço e a demanda social.

2
Em apreço à modicidade, a parceria público-privada patrocinada permite justamente que haja a repartição
do custeio do empreendimento entre parceiro público, contratualmente, e o usuário, por meio da tarifa. Será
tópico de estudo apartado adiante.

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A EC 19/98 incluiu no artigo 37 da Constituição Federal o princípio da eficiência


entre os postulados principiológicos que devem guiar os objetivos administrativos.

1.2. Titularidade

Há serviços públicos que são de competência comum, são de interesse comum de


todas as esferas federativas, de acordo com o artigo 23 da CRFB:

“Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios:
I - zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e
conservar o patrimônio público;
II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas
portadoras de deficiência;
III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e
cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos;
IV - impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de
outros bens de valor histórico, artístico ou cultural;
V - proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência;
VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas;
VII - preservar as florestas, a fauna e a flora;
VIII - fomentar a produção agropecuária e organizar o abastecimento alimentar;
IX - promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições
habitacionais e de saneamento básico;
X - combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a
integração social dos setores desfavorecidos;
XI - registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e
exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios;
XII - estabelecer e implantar política de educação para a segurança do trânsito.
Parágrafo único. Leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a
União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio
do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional. (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 53, de 2006)”

No desempenho de tais competências, é preciso que a lei venha delimitar qual será o
alcance de cada ente. Como exemplo, a educação é prestada, pela municipalidade, de forma
a priorizar o ensino fundamental; pelo Estado, de forma a priorizar o ensino médio; e pela
União, o ensino superior. Mas todos são responsáveis comuns por estes serviços.
O artigo 25, § 3°, da CRFB, previu a criação de regiões metropolitanas,
aglomerações urbanas e microrregiões, a fim de disciplinar a gestão de matérias de
interesse comum dos entes ali compreendidos:

“Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que


adotarem, observados os princípios desta Constituição.
§ 1º - São reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas por
esta Constituição.
§ 2º - Cabe aos Estados explorar diretamente, ou mediante concessão, os serviços
locais de gás canalizado, na forma da lei, vedada a edição de medida provisória
para a sua regulamentação.(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 5, de
1995)
§ 3º - Os Estados poderão, mediante lei complementar, instituir regiões
metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por

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agrupamentos de municípios limítrofes, para integrar a organização, o


planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum.”

Note que a lei complementar em questão poderá, segundo o STF, disciplinar a


natureza dos interesses em questão, ou seja, pode um determinado serviço, que seria
naturalisticamente de interesse municipal, ser tratado como de interesse regional neste
diploma, para fins de organização da gestão. Por exemplo, a distribuição de água e esgoto
sempre foi tida por interesse local, mas a maioria dos estados contava com empresas
estaduais para este serviço, como a Cedae, no Rio de Janeiro. Criada a região metropolitana
do Rio de Janeiro, por exemplo, estatuiu-se que a distribuição de água e captação de
esgotos seria de interesse regional, e não mais local – tendo sido esta determinação
questionada no STF, pelos municípios. Como dito, a Corte entendeu perfeitamente
admissível esta previsão legal, mas sem excluir a necessária participação dos entes menores
envolvidos no processo decisório da matéria, eis que diretamente interessados. Veja o que
disse o STF, em seu informativo 500:

“Estado-membro: Criação de Região Metropolitana - 4


O Tribunal retomou julgamento de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada
pelo Partido Democrático Trabalhista - PDT contra dispositivos da LC 87/97, do
Estado do Rio de Janeiro - que "dispõe sobre a Região Metropolitana do Rio de
Janeiro, sua composição, organização e gestão, e sobre a Microrregião dos Lagos,
define as funções públicas e serviços de interesse comum e dá outras providências"
-, e os artigos 8º a 21 da Lei 2.869/1997, do mesmo Estado, a qual trata do regime
de prestação do serviço público de transporte ferroviário e metroviário de
passageiros, e do serviço público de saneamento básico no mencionado Estado, e
dá outras providências - v. Informativos 343 e 418. O Min. Gilmar Mendes, em
voto-vista, julgou parcialmente procedente o pedido formulado para declarar a
inconstitucionalidade da expressão "a ser submetido à Assembléia Legislativa", do
inciso I do art. 5º, além do § 2º do art. 4º; do parágrafo único do art. 5º; dos incisos
I, II, IV e V do art. 6º; do art. 7º; do art. 10, e do § 2º do art. 11, todos da LC 87/97,
bem como dos artigos 11 a 21 da Lei 2.869/97, modulando os efeitos da declaração
para que só tenha eficácia a partir de 24 meses após a conclusão do presente
julgamento, lapso temporal que reputou razoável dentro do qual poderá o
legislador estadual reapreciar o tema, constituindo modelo de prestação de
saneamento básico, nas áreas de integração metropolitana, dirigido por órgão
colegiado, com participação dos municípios pertinentes e do próprio Estado do Rio
de Janeiro. ADI 1842/RJ, rel. orig. Min. Maurício Corrêa, 3.4.2008. (ADI-1842)”

“Estado-membro: Criação de Região Metropolitana - 5


O Min. Gilmar Mendes, inicialmente, na linha dos votos precedentes, afastou a
preliminar de inépcia da inicial, e julgou prejudicada a ação quanto ao Decreto
24.631/98, acompanhando a divergência inaugurada pelo Min. Joaquim Barbosa
no que se refere ao prejuízo da ação apenas quanto aos artigos 1º, caput e § 1º; 2º,
caput; 4º, caput e incisos I a VII; e 11, caput e incisos I a VI; e 12, todos da LC
87/97. Quanto ao mérito, o Min. Gilmar Mendes concluiu que todos os
dispositivos que condicionam a execução da integração metropolitana ao exclusivo
crivo de autoridade estadual são inconstitucionais. Afirmou que a expressão "a ser
submetido à Assembléia Legislativa" do inciso I do art. 5º, além do parágrafo
único do art. 5º; dos incisos I, II, IV e V do art. 6º; do art. 7º; do art. 10, todos da
LC 87/97 são inconstitucionais por não pressuporem o poder decisório da
integração metropolitana no âmbito do colegiado de municípios integrantes e do
estado federado, como os Conselhos Deliberativos criados nos artigos 4º e 11 da
LC 87/97. Quanto aos artigos 11 a 21 da Lei 2.869/97, aduziu que a estrutura de

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saneamento básico para o atendimento de região metropolitana retira dos


municípios qualquer poder de decidir, concentrando no Estado do Rio de Janeiro
todos os elementos executivos, inclusive a condução da específica Agência
Reguladora e a fixação das tarifas dos serviços das concessionárias. Ressaltou, no
ponto, que a titularidade do serviço de saneamento básico, relativamente à
distribuição de água e coleta de esgoto, é qualificada por interesse comum e deve
ser concentrada na Região Metropolitana e na Microrregião, nos moldes do art. 25,
§ 3º, da CF, observando a condução de seu planejamento e execução por decisões
colegiadas dos municípios envolvidos e do Estado do Rio de Janeiro. Acrescentou,
ainda, a inconstitucionalidade dos parágrafos 2º do art. 4º, e do art. 11 da LC
87/97, que condicionam a execução dos respectivos Conselhos Deliberativos "à
ratificação pelo Governador do Estado". ADI 1842/RJ, rel. orig. Min. Maurício
Corrêa, 3.4.2008. (ADI-1842)”

“Estado-membro: Criação de Região Metropolitana - 6


Em suma, o Min. Gilmar Mendes entendeu que o serviço de saneamento básico, no
âmbito de regiões metropolitanas, microrregiões e aglomerados urbanos, constitui
interesse coletivo que não pode estar subordinado à direção de único ente, mas
deve ser planejado e executado de acordo com decisões colegiadas em que
participem tanto os municípios compreendidos como o estado federado. Frisou
que, nesses casos, o poder concedente do serviço de saneamento básico nem
permanece fracionado entre os municípios, nem é transferido para o estado
federado, mas deve ser dirigido por estrutura colegiada, instituída por meio da lei
complementar estadual que cria o agrupamento de comunidades locais, em que a
vontade de um único ente não seja imposta a todos os demais entes políticos
participantes. Assim, esta estrutura deve regular o serviço de saneamento básico de
forma a dar viabilidade técnica e econômica ao adequado atendimento do interesse
coletivo. Ressaltou, por fim, que a mencionada estrutura colegiada pode ser
implementada tanto por acordo, mediante convênios, quanto de forma vinculada,
na instituição dos agrupamentos de municípios, e a instituição de agências
reguladoras pode se provar como forma bastante eficiente de estabelecer padrão
técnico na prestação e concessão coletivas do serviço e saneamento básico. Após,
pediu vista dos autos o Min. Ricardo Lewandowski. ADI 1842/RJ, rel. orig. Min.
Maurício Corrêa, 3.4.2008. (ADI-1842)”

“ADI 1841 / RJ - RIO DE JANEIRO. AÇÃO DIRETA DE


INCONSTITUCIONALIDADE. Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO.
Julgamento: 01/08/2002. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação. DJ 20-09-
2002.
EMENTA: CONSTITUCIONAL. REGIÕES METROPOLITANAS,
AGLOMERAÇÕES URBANAS, MICROREGIÃO. C.F., art. 25, §3º. Constituição
do Estado do Rio de Janeiro, art. 357, parágrafo único. I. - A instituição de regiões
metropolitanas, aglomerações urbanas e microregiões, constituídas por
agrupamentos de municípios limítrofes, depende, apenas, de lei complementar
estadual. II. - Inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 357 da Constituição
do Estado do Rio de Janeiro. III. - ADIn julgada procedente.”

Microrregiões são reuniões de entes em torno de interesse comum, em menor escala


que a região metropolitana. Como exemplo, a microrregião de entorno de uma lagoa que
represente importância econômica para todos em comum.

Casos Concretos

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Questão 1

Em relação aos serviços públicos de competência comum das unidades federativas


(art. 23, CF), qual a demarcação necessária para evitar a superposição de atividades? A
resposta deve ser fundamentada.

Resposta à Questão 1

A definição é traçada de acordo com o critério da predominância de interesses.


Contudo, é necessário que uma lei nacional defina os campos de atuação, mas enquanto
esta não for elaborada, aplica-se este critério, casuisticamente.

Questão 2

Lei ordinária estadual estabeleceu normas a serem observadas no regime de


exploração, por empresas permissionárias de transporte coletivo de passageiros, de
âmbito intermunicipal, sob permissão e fiscalização permanente do órgão competente do
governo estadual. Dispôs dita lei, em seu artigo 31, o seguinte: "Os órgãos dos poderes
públicos municipais, ao regularem o serviço de transporte coletivo de passageiros, em seu
território, observarão as normas da presente lei, sem prejuízo das disposições
complementares que adotarem, em conformidade com o peculiar interesse local".
Há inconstitucionalidade nesse dispositivo legal? A resposta deve ser
fundamentada.

Resposta à Questão 2

O Estado não pode impor ao Município a observância de lei estadual que verse
sobre a prestação de serviço municipal. É clara ofensa à distribuição de competências. A lei
é inconstitucional por ofender a repartição de competências.

Questão 3

Determinado Estado da Federação promulga lei que dispõe sobre a suspensão


temporária do pagamento das tarifas de consumo de energia elétrica, água e esgoto, na
extensão de seu território, tendo como beneficiários os trabalhadores, residentes nesse
Estado, que não dispuserem de qualquer remuneração. O direito de que trata a lei é válido
pelo prazo de até 6 meses, podendo ser prorrogado por igual período no caso de
permanecer desempregado o beneficiário.
A Assembléia Legislativa fundamenta sua iniciativa no elevado sentido social da
norma, cujo objetivo é assegurar a dignidade da pessoa humana.
Observando-se que, naquele Estado, o serviço de energia elétrica, bem como os
serviços de esgoto e fornecimento de água são executados por duas sociedades de
economia mista, cujo acionário principal e majoritário é aquele próprio ente da
Federação, responda:
a) A referida norma está de acordo com a divisão de competências prevista na
Constituição da República?
b) Poderia o referido Estado dispor sobre aquela relação contratual de concessão?

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c) Na medida em que a lei dispensa alguns indivíduos do pagamento pelo consumo


de energia elétrica, água e esgoto, sem prover qualquer fonte para pagamento das
despesas decorrentes desse consumo, é correto afirmar que houve infração da
política tarifária, ao alterar as condições contratuais previstas na licitação?
Fundamente, apontando os dispositivos legais.

Resposta à Questão 3

a) Os Estados não podem interferir na esfera das relações estabelecidas entre poder
concedente diverso e as concessionárias, violando a regra de competência, portanto.

b) Como dito, não é dado a este ente tratar daquela relação contratual de que não faz
parte.

c) A infração é clara: não é possível esta ingerência do Estado, eis que provocaria
desequilíbrio econômico-financeiro em contrato alheio a sua competência.

Veja, a respeito, a ADI-MC 2.337:

“ADI 2337 MC / SC - SANTA CATARINA. MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO


DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Relator(a): Min. CELSO DE
MELLO. Julgamento: 21/06/2002. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação: DJ
21-06-2002.
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - CONCESSÃO
DE SERVIÇOS PÚBLICOS - INVASÃO, PELO ESTADO-MEMBRO, DA
ESFERA DE COMPETÊNCIA DA UNIÃO E DOS MUNICÍPIOS -
IMPOSSIBILIDADE DE INTERFERÊNCIA DO ESTADO-MEMBRO NAS
RELAÇÕES JURÍDICO-CONTRATUAIS ENTRE O PODER CONCEDENTE
FEDERAL OU MUNICIPAL E AS EMPRESAS CONCESSIONÁRIAS -
INVIABILIDADE DA ALTERAÇÃO, POR LEI ESTADUAL, DAS
CONDIÇÕES PREVISTAS NA LICITAÇÃO E FORMALMENTE
ESTIPULADAS EM CONTRATO DE CONCESSÃO DE SERVIÇOS
PÚBLICOS, SOB REGIME FEDERAL E MUNICIPAL - MEDIDA CAUTELAR
DEFERIDA. - Os Estados-membros - que não podem interferir na esfera das
relações jurídico-contratuais estabelecidas entre o poder concedente (quando este
for a União Federal ou o Município) e as empresas concessionárias - também não
dispõem de competência para modificar ou alterar as condições, que, previstas na
licitação, acham-se formalmente estipuladas no contrato de concessão celebrado
pela União (energia elétrica - CF, art. 21, XII, "b") e pelo Município (fornecimento
de água - CF, art. 30, I e V), de um lado, com as concessionárias, de outro,
notadamente se essa ingerência normativa, ao determinar a suspensão temporária
do pagamento das tarifas devidas pela prestação dos serviços concedidos (serviços
de energia elétrica, sob regime de concessão federal, e serviços de esgoto e
abastecimento de água, sob regime de concessão municipal), afetar o equilíbrio
financeiro resultante dessa relação jurídico-contratual de direito administrativo.”

Questão 4

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Viação Expresso da Meia-Noite S/A, detentora de permissão precária para explorar


o serviço de transporte coletivo de passageiros na linha entre as cidades de Palmas/TO e
Monte do Carmo/TO, impetrou mandado de segurança contra ato do Secretário da Infra-
estrutura do Estado do Tocantins, pleiteando, em síntese, a concessão da segurança para
declarar a nulidade do Termo de Permissão Condicionada nº 003/2000 - por meio do qual
foi concedido a Lisandro Leão de Campos direito de explorar, conjuntamente, o serviço de
transporte coletivo urbano de passageiros na mesma linha. Afirma ser irrefutável que é
concessionária do serviço, uma vez que se encontram em vigor os contratos mantidos com
o Governo do Estado do Tocantins, e que a habilitam como parte legítima para pleitear em
juízo a anulação de outros serviços que se sobrepõem aos que já opera. Instado a prestar
informações, o Estado do Tocantins alegou ausência de direito líquido e certo da
impetrante ante a inexistência de procedimento licitatório prévio a garantir-lhe a
concessão de exploração da referida linha. A quem compete processar e julgar o Mandado
de Segurança? Sendo sua a competência, como Juiz de Direito, ou Desembargador
Relator, decida o caso concreto, explicitando o(s) princípio(s) que deve(m) nortear a
solução da controvérsia, dispensada a forma de sentença ou acórdão.

Resposta à Questão 4

A competência, ratione personae, é do segundo grau. O artigo 175 da CRFB prevê


que a concessão de serviço público será sempre precedida de licitação, pelo que a
realização desta delegação sem prévia licitação pode ser desconstituída, ante sua
precariedade, sem ofender direito adquirido algum.
A respeito, veja o RMS 22.981, do STJ:

“RMS 22981 / TO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE


SEGURANÇA. DJ 10/05/2007 p. 345
ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE
SEGURANÇA. TRANSPORTE COLETIVO RODOVIÁRIO
INTERMUNICIPAL DE PASSAGEIROS. PEDIDO DE SUSPENSÃO DOS
EFEITOS DO TERMO DE PERMISSÃO Nº 003/2000 CONCEDIDO PELO
GOVERNO DO ESTADO DO TOCANTINS A OUTRO INTERESSADO.
AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. AUTORIZAÇÃO A TÍTULO
PRECÁRIO. INEXISTÊNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL
LICITATÓRIO. EXTINÇÃO DO WRIT SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO.
RECURSO ORDINÁRIO DESPROVIDO.
1. Tratam os autos de mandado de segurança impetrado por EXPRESSO PONTE
ALTA LTDA. contra ato do Secretário da Infra-estrutura do Estado do Tocantins,
que concedeu permissão a Laerte de Campos para a atividade de transporte
coletivo rodoviário intermunicipal de passageiros entre as cidades de Palmas/TO e
Monte do Carmo/TO. A inicial requereu a suspensão, in limine, dos efeitos do
Termo de Permissão Condicionada nº 003/2000 concedido a Laerte de Campos
para operar a linha referida e, ao final, a concessão em definitivo da segurança
almejada no sentido de desconstituir o ato administrativo impugnado. O TJTO, por
maioria, extinguiu o feito sem resolução de mérito à luz do entendimento de que
não estaria presente direito líquido e certo da impetrante. Recurso ordinário
sustentando ser irrefutável o fato de que é empresa concessionária do serviço, uma
vez que encontram-se em vigor os contratos que mantém com o Governo do
Estado do Tocantins e que a habilitam como parte legítima a pleitear em juízo a
anulação de outros serviços que se sobrepõem aos que já opera. Ainda que não
fosse concessionária de nenhuma linha do Estado, estaria legitimada a promover a

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defesa de direito líquido e certo, conforme entendimento desta Corte Superior


firmado por ocasião do julgamento do Mandado de Segurança nº 5.964/DF, Rel.
Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 20/03/2000. Contra-razões do Estado do
Tocantins alegando ausência de direito líquido e certo da impetrante ante a
inexistência de procedimento licitatório prévio a garantir-lhe a concessão de
exploração da linha. Contra-razões oferecidas por Laerte de Campos reiterando os
argumentos aduzidos pelo Estado do Tocantins. Promoção do Ministério Público
Federal opinando pelo desprovimento do recurso ante a ausência de elementos
comprobatórios suficientes nos autos para sustentar a ação mandamental.
2. O mandado de segurança é remédio adequado para afastar ofensa presente ou
iminente a direito individualizado, particularizado, identificável, ou seja, retentor
de plano dos pressupostos de liquidez e certeza exigidos pela lei, e seu objeto é o
ato administrativo específico.
3. A licitação é pressuposto que garante a licitude dos contratos administrativos,
sem o qual ficam maculadas as suas existência, validade e eficácia. As relações
contratuais com o Poder Público devem ser desenvolvidas com obediência
irrestrita ao princípio da legalidade, sob pena de não restar configurada a existência
de direito líquido e certo a ser tutelado.
4. A impetrante, ora recorrente, ignorando o preceito da necessidade do
procedimento licitatório para a concessão/permissão de serviços públicos, pleiteia
pelo remédio heróico a proteção de um direito líquido e certo inexistente
(exclusividade de linha de transporte de passageiros fundamentada em uma
permissão precária).
5. Ausência de direito líquido e certo a ser resguardado por mandado de segurança.
Manutenção do aresto que extinguiu o feito sem resolução de mérito.
6. Recurso ordinário não-provido.”

Tema II

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Serviços Públicos II. Execução Direta e Indireta: descentralização, delegação legal, delegação negocial,
privatização, gestão associada, parcerias, convênios administrativos e outras formas. Direitos dos usuários.
Aplicação do Código do Consumidor.

Notas de Aula3

1. Formas de prestação do serviço público

A prestação pode ser direta ou indireta. É direta a prestação do serviço que é feita
por um dos entes estatais – União, Estados, Distrito Federal ou Municípios –, através de
seus órgãos ou agentes. Há serviços que somente desta maneira podem ser prestados:
segurança pública, segurança externa, e serviços judiciais, são exemplos desta qualidade.
Note que a obrigatoriedade de que a prestação destes serviços seja de forma direta é
muito mais calcada na tradição do que em normas. Por vezes, há exigência constitucional
ou legal de prestação direta pelos entes de determinados serviços, mas a grande maioria é
assim definida por mera questão histórica. Veja: enquanto no Brasil é impensável a
formação de exército privado para prestação de serviço de segurança externa de forma
indireta, nos Estados Unidos é corriqueira a contratação de tropas mercenárias para missões
externas, como se viu no Iraque. É questão de costume pátrio. No Brasil, até a CRFB de
1988, havia, por exemplo, cartórios judiciais privatizados.
A prestação indireta, por sua vez, pode ser feita mediante outorga ou delegação. A
outorga, também chamada delegação legal, consiste na prestação feita por meio de pessoas
jurídicas criadas e controladas pelo Estado com esta finalidade. Autarquias, empresas
públicas, sociedades de economia mista e fundações públicas – a administração pública
indireta – assumem este papel, com o cuidado de se atentar para o fato de que nem todas as
empresas públicas e sociedades de economia mista criadas se prestam à prestação de
serviços públicos, havendo aquelas que se dedicam à exploração de atividade econômica.
A outorga é delegação legal porque a entidade que vai prestar o serviço público é
criada diretamente por lei, como as autarquias; ou tem a sua criação autorizada por lei,
como nas demais. De uma ou de outra forma, há um controle legislativo prévio da criação
destas entidades para a entrega do serviço público.
A delegação stricto sensu, diversa da delegação legal, pode se dar por meio de ato
administrativo ou por contrato administrativo. Nesta, o Poder Público simplesmente
entrega a particulares a prestação do serviço público. O ato administrativo para atribuição
de serviço público a particulares está em desuso, pois concentrar-se-ia mormente na
autorização, que é ato altamente precário, pelo que não há interesse de particulares em
realizar investimentos para explorar serviços quaisquer, se o vínculo pode ser desfeito a
qualquer tempo pela administração.
Exemplo de autorização de serviço público que ainda persiste é o serviço de táxis,
municipal, definido em cada Município. A questão que se levanta é que esta autorização de
táxis, na verdade, não é tão precária assim, porque é tolerado pela administração que o
particular autorizatário negocie com terceiros a sua “autonomia”, como é chamado o ato
administrativo de delegação do serviço, o que gera uma certa expectativa de solidez no
vínculo.
Outra forma de delegação por ato administrativo sempre foi a permissão de serviço
público. O artigo 40 da Lei 8.987/95, porém, prevê que as permissões de serviço público
3
Aula ministrada pelo professor Cláudio Brandão de Oliveira, em 8/10/2009.

Michell Nunes Midlej Maron 11


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serão firmadas por meio de contrato, ou seja, esta modalidade não mais pode ser chamada
de delegação por ato administrativo – houve verdadeira contratualização da permissão de
serviço público. Veja:

“Art. 40. A permissão de serviço público será formalizada mediante contrato de


adesão, que observará os termos desta Lei, das demais normas pertinentes e do
edital de licitação, inclusive quanto à precariedade e à revogabilidade unilateral do
contrato pelo poder concedente.
Parágrafo único. Aplica-se às permissões o disposto nesta Lei.”

Errou o legislador, neste dispositivo, ao falar em “revogabilidade” do contrato,


porque pactos não são revogáveis, e sim rescindíveis. E a lei ainda diz que a permissão é
precária, o que mantém o problema desta modalidade: não haverá interessados em investir
em um contrato que pode ser, a qualquer tempo, rescindido pela administração.
Por fim, há a concessão de serviço público, que é o modelo mais estável de
delegação contratual, e que tem passado por processo evolutivo intenso em nosso sistema.
Há não muito tempo, existia apenas uma modalidade de concessão, o gênero com este
nome, “concessão de serviço público”, em que o Estado entrega contratualmente a
prestação do serviço ao particular, que será remunerado pelo usuário. Como exemplo, a
telefonia, o transporte coletivo, etc. A Lei 8.987/95, no seu artigo 2°, III, criou mais uma
espécie: a concessão de serviço público precedida de obra pública. Veja:

“Art. 2° Para os fins do disposto nesta Lei, considera-se:


I - poder concedente: a União, o Estado, o Distrito Federal ou o Município, em
cuja competência se encontre o serviço público, precedido ou não da execução de
obra pública, objeto de concessão ou permissão;
II - concessão de serviço público: a delegação de sua prestação, feita pelo poder
concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica
ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua
conta e risco e por prazo determinado;
III - concessão de serviço público precedida da execução de obra pública: a
construção, total ou parcial, conservação, reforma, ampliação ou melhoramento de
quaisquer obras de interesse público, delegada pelo poder concedente, mediante
licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de
empresas que demonstre capacidade para a sua realização, por sua conta e risco, de
forma que o investimento da concessionária seja remunerado e amortizado
mediante a exploração do serviço ou da obra por prazo determinado;
IV - permissão de serviço público: a delegação, a título precário, mediante
licitação, da prestação de serviços públicos, feita pelo poder concedente à pessoa
física ou jurídica que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e
risco.”

Esta concessão consiste em verdadeira reunião de dois contratos públicos típicos, de


obra e de prestação de serviços. Veja: em um contrato de obra pública, o Estado escolhe
quem vai realizar a obra, o contratado a realiza e entrega, e recebe por ela, terminando a
relação. Na concessão de serviço, o contratado se compromete a prestar o serviço
contratado. Na modalidade em questão, concessão de serviço precedida de obra pública, o
contratado realiza a obra por sua conta e risco, e em troca explora a obra ou o serviço
público dela resultante, pelo prazo do contrato. Exemplo claro é a privatização de rodovias,
em que o contratado realiza a manutenção da via por sua conta, e em troca obtém a
exploração do pedágio.

Michell Nunes Midlej Maron 12


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Veja que este tipo de contrato, em tese, é bastante interessante, porque reparte seu
custo por aqueles que efetivamente se utilizam da obra (como os que transitam pela via
pedagiada).
Surge, agora, a parceria público-privada – doravante PPP –, criando mais dois tipos
de concessão: a PPP patrocinada e a PPP administrativa. Na patrocinada, o Poder Público
escolhe o concessionário que prestará o serviço ou a obra pública, e parte da remuneração
por esta prestação será custeada pelo usuário, enquanto parte será custeada pelo próprio
Poder Público. Assim ocorre porque há casos em que a remuneração usual, feita totalmente
pelo usuário, não se demonstra viável, justamente por gerar tarifa acima da módica, ou
mesmo intolerável.
Na PPP administrativa, toda a remuneração do concessionário é paga pelo Poder
Público concedente. Se presta a casos em que a cobrança de tarifa é inviável. Como
exemplo, a concessão da operação de presídios públicos, que já existe em Minas Gerais,
que não permite a tarifação dos presos como meio de remuneração do concessionário.
Na PPP, inclusive, é possível o afastamento de diversas cláusulas exorbitantes,
justamente porque o que as fundamenta – o interesse público – pende para sua ausência,
nestes contratos de concessão: é interesse público que não haja a cláusula exorbitante,
porque do contrário não se conseguirá captar interessados no investimento necessário.
No Brasil, tem-se operado uma migração do sistema de delegação legal, outorga,
para o sistema de delegação contratual. Diversas entidades controladas pelo Estado estão
sendo privatizadas, passando a ser concessionárias do serviço público. Por exemplo, todo o
sistema de telefonia, ou mesmo o de energia elétrica. As funções inquestionavelmente
típicas do Poder Público, porém, como a função regulatória, não podem ser delegadas
contratual ou administrativamente: as agências reguladoras, por exemplo, precisam ser
entidades de direito público, como as autarquias, recebedoras da delegação legal, da
outorga.

2. Desestatização

O conceito de desestatização é mais amplo do que o de privatização. O processo de


desestatização, em verdade, consiste em uma redução do Estado, ou seja, uma diminuição
do seu tamanho, efetivamente. Esta redução se dá de várias formas, e uma delas é a
privatização.
A privatização consiste justamente na alienação de empresas estatais prestadoras de
serviço público ou exploradoras de atividade econômica a particulares. O Estado brasileiro
praticamente alheou-se da exploração econômica, o que é salutar, eis que a CRFB fala, no
artigo 173, que apenas excepcionalmente deverá o Estado se imiscuir no desempenho de
atividade econômica:

“Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta


de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos
imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme
definidos em lei.
(...)”

José do Santos Carvalho Filho leciona que o termo “desestatizar” significa retirar o
Estado de certo setor de atividades, ao passo que “privatizar” indica tornar algo privado,

Michell Nunes Midlej Maron 13


EMERJ – CP IV Direito Administrativo IV

converter algo em privado. Ressalta o doutrinador que, anteriormente, a Lei 8.031/90 usava
o termo privatização, mas a nova idéia proveniente do vocábulo acabou gerando
interpretação desconforme ao preceito legal, entendendo algumas pessoas que significaria
privatizar as atividades, o que não é verdadeiro, porque as atividades continuam sendo
serviços públicos; a privatização, assim, não seria da atividade ou serviço, mas sim do
executor da atividade ou do serviço.
Segundo o Professor Carvalhinho, a Lei 9.491/97 passou a denominar de
desestatização o que a lei anterior chamava de privatização, de modo que o termo, além de
se tornar compatível com o próprio nome do Programa Nacional de Desestatização, indicou
claramente que o objetivo pretendido era apenas o de afastar o Estado da posição de
executor de certas atividades e serviços, ampliando um pouco mais o conceito anterior.
Acrescenta o referido doutrinador que o objetivo fundamental da desestatização é
reordenar a posição estratégica do Estado na economia, transferindo à iniciativa privada
atividades indevidamente exploradas pelo setor público, mostrando que a busca desse
objetivo acarretará, por via de conseqüência, a redução da dívida pública líquida e a
concentração da Administração Pública em atividades nas quais seja fundamental a
presença do Estado em vista das prioridades nacionais.
Poderão submeter-se à desestatização: as empresas, incluídas as instituições
financeiras, controladas direta ou indiretamente pela União; as empresas criadas pelo setor
privado que, por qualquer razão, passaram ao controle da União; os serviços públicos
objeto de concessão, permissão ou autorização; e as instituições financeiras públicas
estaduais que tenham sofrido desapropriação de ações de seu capital social.
São formas pelas quais se processam as desestatizações: alienação de participação
societária, inclusive de controle acionário; abertura de capital; aumento de capital, com o
Estado renunciando aos direitos de subscrição ou cedendo-os, total ou parcialmente;
alienação, arrendamento, locação, comodato ou cessão de bens e instalações; dissolução de
sociedade ou desativação parcial de seus empreendimentos, sendo alienados os seus ativos;
e concessão, permissão ou autorização de serviços públicos.
Assim, hoje restam poucas as empresas estatais que desempenham atividade
econômica, como a Petrobrás, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal, por razões
históricas e por representarem importantes papeis no fomento de determinadas áreas de
interesse. Também grande parte das empresas estatais prestadoras de serviço público foi
alienada, privatizada, como as empresas de telefonia e energia elétrica.
A desestatização também se manifesta na alienação de bens públicos, de patrimônio
público desafetado. Os bens imóveis que não estejam afetados ao interesse público não
precisam permanecer no patrimônio público, inchando o Estado desnecessariamente:
devem ser alienados. O mesmo se dá com ações e quotas de entidades privadas, que em
nada interessem ao Estado.
Existem mecanismos de parceria entre o Estado e a sociedade para a prestação de
serviços por esta, diretamente. Como exemplo, a celebração de convênios, para que
associações privadas desempenhem determinadas atividades por si mesmas, contando com
o fomento estatal, por meio de incentivos diversos – é o fomento ao terceiro setor, que será
abordado amiúde adiante.
Recentemente, um novo instrumento de gestão surgiu com a Lei 11.107/05: o
consórcio público. Trata-se de um instrumento pelo qual os entes estatais, em conjunto,
criam uma pessoa jurídica de direito público ou privado, com a finalidade de exercer

Michell Nunes Midlej Maron 14


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determinada atividade de interesse comum a estes entes consorciados. Este tema também
terá estudo dedicado adiante.

3. Relação de consumo

O CDC é aplicável à prestação de serviços públicos, havendo equiparação do


usuário do serviço público à figura do consumidor. A CRFB exige, porém, no artigo 175,
que haja lei específica para disciplinar os direitos dos usuários do serviço público, a qual
ainda não foi editada. Por isso, aplica-se o CDC, mas com as necessárias adaptações que a
casuística demandar.

“Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime
de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços
públicos.
Parágrafo único. A lei disporá sobre:
I - o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o
caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de
caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão;
II - os direitos dos usuários;
III - política tarifária;
IV - a obrigação de manter serviço adequado.”

Exemplo de dificuldade nesta equiparação é a eventual existência de uma terceira


figura nesta relação do usuário com o prestador de serviço público. Na relação
consumerista ordinária, há apenas duas figuras, o consumidor e o fornecedor; na relação de
serviço público indireta, há o usuário, o prestador, e o Poder Público concedente. Esta
terceira figura pode gerar problemas na identificação de responsabilidades, por exemplo,
como ocorre quando o prestador se defende de determinada alegação de violação de
direitos ao argumento de estar apenas dando cumprimento às determinações do poder
concedente, que deve observar sob pena de perder a concessão. É preciso que, caso a caso,
seja bem traçada a linha de responsabilidade.

4. Direitos e deveres dos usuários

A Lei 8.987/95 trata genericamente desta questão, nos artigos 7° e 7°-A, mas a
CRFB exige lei específica para disciplinar a matéria, como visto no artigo 175, supra.

“Art. 7º. Sem prejuízo do disposto na Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990, são
direitos e obrigações dos usuários:
I - receber serviço adequado;
II - receber do poder concedente e da concessionária informações para a defesa de
interesses individuais ou coletivos;
III - obter e utilizar o serviço, com liberdade de escolha entre vários prestadores de
serviços, quando for o caso, observadas as normas do poder concedente. (Redação
dada pela Lei nº 9.648, de 1998)
IV - levar ao conhecimento do poder público e da concessionária as irregularidades
de que tenham conhecimento, referentes ao serviço prestado;
V - comunicar às autoridades competentes os atos ilícitos praticados pela
concessionária na prestação do serviço;
VI - contribuir para a permanência das boas condições dos bens públicos através
dos quais lhes são prestados os serviços.”

Michell Nunes Midlej Maron 15


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“Art. 7º-A. As concessionárias de serviços públicos, de direito público e privado,


nos Estados e no Distrito Federal, são obrigadas a oferecer ao consumidor e ao
usuário, dentro do mês de vencimento, o mínimo de seis datas opcionais para
escolherem os dias de vencimento de seus débitos. (Incluído pela Lei nº 9.791, de
1999)
Parágrafo único. (VETADO) (Incluído pela Lei nº 9.791, de 1999)”

O usuário tem direito de representar junto ao poder concedente contra as


concessionárias, por irregularidades que tenha padecido na utilização do serviço público, a
fim de fundamentar punição da concessionária. É claro que a via mais comum tem sido a
judicial, pois além da punição o usuário pretende obter indenização, mas há este
instrumento admitido na lei – espécie de ombudsman estatal, ouvidoria capaz de acolher
administrativamente as representações contra a má prestação dos serviços. Também os
Procons podem receber estas reclamações contra as concessionárias, podendo aplicar-lhes
multa pela violação ao CDC, sem impedir que a agência reguladora pertinente também
aplique multa por violação ao contrato de concessão.

Casos Concretos

Questão 1

Disserte, o candidato, sobre o seguinte tema: "DELEGAÇÃO DA EXECUÇÃO


DOS SERVIÇOS PÚBLICOS", discorrendo, especificamente:
a) conceitos;
b) formas;

Michell Nunes Midlej Maron 16


EMERJ – CP IV Direito Administrativo IV

c) diferenças fundamentais; e,
d) emitindo exemplos típicos.

Resposta à Questão 1

A resposta consiste em todo o item 1 das notas de aula do Tema II – Formas de


prestação do serviço público – ao qual se remete.

Questão 2

Com a população assolada por um surto epidemiológico de grandes proporções, o


Governador do Estado X ordena o desenvolvimento de um programa urgente de vacinação
e de combate aos vetores da enfermidade.
Acionada, a sua assessoria o adverte de que esse projeto não poderá ser
implementado, porquanto o artigo 167, I da Constituição impede o início de programas ou
projetos não incluídos no orçamento anual, como é caso, ainda porque o Governador não
tem suporte constitucional para editar Medida Provisória e se os contratos nele previstos
viessem a ser celebrados seriam todos anulados.
Adverte-o mais, a assessoria, de que a terceirização da aplicação das vacinas como
vem no programa, é substitutiva de servidores e, por isso, vedada, por ultrapassar os
limites de gastos de pessoal permitidos pela Lei Complementar de 101/2000.
Como apreciaria o candidato esses óbices e fundamentaria seu pronunciamento
como Procurador do Estado?

Resposta à Questão 2

A CRFB prevê a contratação de pessoas, sem concurso público, por virtude de


excepcionalidades, quer por empresa interposta, quer individual e diretamente, por meio da
contratação temporária.
A deflagração de programas não previstos é claramente possível, pois as
excepcionalidades emergenciais são igualmente imprevisíveis. Por isso, há meios de
legitimar estas situações excepcionais.
Acerca das medidas provisórias, se a Constituição Estadual contemplar este
instrumento normativo ao Governador, é perfeitamente admissível.

Questão 3

O Condomínio do Edifício Monte Cristo, insatisfeito com a Companhia Estadual de


Águas e Esgotos, a qual insiste na cobrança de valores baseada em estimativa (cobrança
de valor mínimo quando o gasto não atingir o volume de 20m³), apesar da existência de
hidrômetro, resolve consignar em juízo o valor que entende devido. A concessionária
procede ao corte no fornecimento, por inadimplemento do usuário, nos termos do art. 6º,
§3º, II, da Lei 8.987/95. Diga sobre a legalidade do ato da concessionária, enfatizando os
seguintes itens:
a) A natureza da relação jurídica (tributária x consumo);
b) A essencialidade do serviço;
c) Houve derrogação da Lei 8.078/90 pela Lei 8.987/95?

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d) Justifica-se a interrupção do serviço enquanto a questão se encontra sub judice?

Resposta à Questão 3

a) A relação jurídica é claramente consumerista, e não tributária, passando-se entre


prestadora e usuário.
b) A distribuição de água e a captação de esgoto são serviços essenciais, mas
discute-se se são obrigatórios ou não, havendo quem entenda que a água possa ser
facultativa, enquanto o esgoto é inequivocamente obrigatório, eis que trata de saúde
pública.

c) As leis em questão convivem, não tendo havido derrogação. Aplica-se, a cada


caso, aquilo que for pertinente de cada diploma.

d) Não: a interrupção não deve ser feita enquanto não se decidir a questão em
definitivo, eis que é serviço essencial cuja carência é altamente prejudicial.

A respeito, veja o Agravo de Instrumento 2002.002.03904 e a Apelação Cível


1998.001.14235, do TJ/RJ, e o REsp. 201112, pela ordem:

“2002.002.03904. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DES. CASSIA MEDEIROS -


Julgamento: 04/06/2002 - DECIMA OITAVA CAMARA CIVEL.
CEDAE. FORNECIMENTO DE AGUA. COBRANCA POR ESTIMATIVA.
SUSPENSAO DO FORNECIMENTO. CONDOMINIO DE EDIFICIO. TUTELA
ANTECIPADA. DEFERIMENTO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO
DESPROVIDO.
AGRAVO DE INSTRUMENTO. MEDIDA CAUTELAR. LIMINAR.
FORNECIMENTO DE ÁGUA ALEGAÇÃO DE COBRANÇA POR
ESTIMATIVA APESAR DA EXISTÊNCIA DE HIDRÔMETRO, FATO
CONTESTADO PELA REQUERIDA QUE AFIRMA QUE A COBRANÇA É
FEITA PELO CONSUMO MÍNIMO. Decisão que deferiu pedido de liminar na
Medida Cautelar requerida pelo Condomínio agravado em face da CEDAE,
determinando a esta que se abstenha de proceder ao corte do fornecimento de água,
bem como de negativar o nome do requerente junto a cadastros de inadimplentes,
por se tratar de serviço essencial. Determinou, ainda, a comprovação do depósito
no prazo de 48 horas, sob pena de revogação da liminar. Ainda que o artigo 6º, §
3º, inciso II, da Lei n.º 8987, de 1995, que dispõe sobre o regime de concessão e
permissão de prestação de serviços públicos previstos no artigo 175 da
Constituição Federal, autorize a interrupção do fornecimento por inadimplemento
do usuário, considerando que, na hipótese em exame, foi feito o depósito para a
discussão do débito, não se justifica o corte no fornecimento de água.
Desprovimento do recurso.”
“1998.001.14235. APELACAO. DES. SERGIO CAVALIERI FILHO -
Julgamento: 15/12/1998 - SEGUNDA CAMARA CIVEL.
FORNECIMENTO DE AGUA. INTERRUPCAO. IMPOSSIBILIDADE.
INADIMPLEMENTO DA OBRIGACAO. CARACTERIZACAO. C.DE DEFESA
DO CONSUMIDOR.
Servicos publicos. Fornecimento de agua. Descontinuidade. Disciplina do Codigo
do Consumidor. Os orgaos publicos, por si ou suas empresas, sao obrigados a
fornecer servicos adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais,
continuos. Nos dois casos de descumprimento, total ou parcial, das suas obrigacoes
legais, serao as pessoas juridicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos

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causados, de acordo com a disciplina estabelecida no Codigo do Consumidor.


Desprovimento do recurso.”

“REsp 201112 / SC. DJ 10/05/1999 p. 124.


FORNECIMENTO DE ÁGUA - SUSPENSÃO - INADIMPLÊNCIA DO
USUÁRIO – ATO REPROVÁVEL, DESUMANO E ILEGAL - EXPOSIÇÃO AO
RIDÍCULO E AO CONSTRANGIMENTO.
A Companhia Catarinense de Água e Saneamento negou-se a parcelar o débito do
usuário e cortou-lhe o fornecimento de água, cometendo ato reprovável, desumano
e ilegal. Ela é obrigada a fornecer água à população de maneira adequada,
eficiente, segura e contínua, não expondo o consumidor ao rídiculo e ao
constrangimento. Recurso improvido.”

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro já pacificou o seu entendimento


sobre o assunto, conforme se verifica no enunciado 83 da sua Súmula:

“Súmula 83, TJ/RJ:


CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO. INADIMPLEMENTO
CONTRATUAL. SUSPENSÃO DO SERVIÇO. NECESSIDADE DE AVISO
PRÉVIO.
‘É lícita a interrupção do serviço pela concessionária, em caso de inadimplemento
do usuário, após prévio aviso na forma da lei.’”

“2009.001.54838 – APELACAO. DES. ZELIA MARIA MACHADO -


Julgamento: 06/10/2009 - QUINTA CAMARA CIVEL
APELAÇÃO CÍVEL. Prestação de Serviço de Água e Esgoto. CEDAE. Confissão
da Inadimplência pela autora. Suspensão do fornecimento de água. Exercício
regular de um direito. Ausência de ato ilícito. Inviabilidade de indenização por
danos materiais e morais. Recurso ao qual se nega provimento.
1. Confessada e comprovada pela parte autora a inadimplência e tendo a empresa
ré procedido ao aviso prévio, a interrupção do fornecimento do serviço de água é
lícita, nos termos do artigo 6º, § 3°, inciso II, da Lei nº 8.987/90 e Súmula 83, deste
Eg. Tribunal.
2. Não há que se falar em danos materiais e morais quando não houve
responsabilidade por parte da empresa apelada.
3. Recurso a que se nega provimento.”

Noutra vertente, o TJ/RJ tem entendido como ilícito o corte no fornecimento de


água e esgoto quando não há o prévio aviso, assim como quando esse corte se dá por
dívidas pretéritas:

“2009.001.51464 – APELACAO. DES. PAULO SERGIO PRESTES - Julgamento:


06/10/2009 - DECIMA NONA CAMARA CIVEL.
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE
DÉBITO CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E
OBRIGAÇÃO DE FAZER. CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO.
SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. PREÇO PÚBLICO. PRESCRIÇÃO
VINTENÁRIA DO CÓDIGO CIVIL. PRECEDENTES DO STJ. DIREITO
INTERTEMPORAL. ARTIGO 205 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. PRAZO
DECENAL. SUSPENSÃO DO FORNECIMENTO DE ÁGUA. CORTE
ABUSIVO POR SE TRATAR DE DÍVIDA PRETÉRITA. FIXAÇÃO DO
QUANTUM INDENIZATÓRIO QUE ATENDEU AOS PRINCÍPIOS DA
RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE, BEM COMO DA VEDAÇÃO
DO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. SENTENÇA QUE DEU CORRETA

Michell Nunes Midlej Maron 19


EMERJ – CP IV Direito Administrativo IV

SOLUÇÃO AO LITÍGIO, DEVENDO SER MANTIDA INTEGRALMENTE.


DECISÃO MONOCRÁTICA, NEGANDO SEGUIMENTO AOS RECURSOS
INTERPOSTOS, NOS TERMOS DO ARTIGO 557, CAPUT DO CPC.”

“2009.002.37417 - AGRAVO DE INSTRUMENTO. DES. LETICIA SARDAS -


Julgamento: 07/10/2009 - VIGESIMA CAMARA CIVEL
"AGRAVO DE INSTRUMENTO. CEDAE. OBRIGAÇÃO RELATIVA AO
PAGAMENTO DE CONTAS DE ÁGUA E ESGOTO. SERVIÇO ESSENCIAL.
CONCESSÃO DE TUTELA ANTECIPADA DE MÉRITO QUE NÃO MERECE
REFORMA. DÉBITO PRETÉRITO. IMPOSSIBILIDADE DE CORTE NO
FORNECIMENTO DOS SERVIÇOS ESSENCIAS. SÚMULA Nº 59 TJ/RJ.
1. No caso específico dos autos, o deferimento da liminar encontra respaldo nos
requisitos autorizadores de sua concessão, posto que, há receio de dano de difícil
reparação, tendo em vista o corte no fornecimento de água, bem essencial à vida.
2. O periculum in mora é maior para o consumidor que para a CEDAE que poderá,
pelas vias próprias, cobras os débitos existentes.
3. Soma-se a isso o fato de haver débitos pretéritos, sendo assente em nossa corte e
no STJ que incabível a interrupção do fornecimento em se tratando de débitos
pretéritos, e eventual cobrança destes deve ser feita pelas vias próprias e não
mediante a ameaça de suspensão do serviço.
4. Súmula nº 59 TJ/RJ.
5. Decisão que não se mostra teratológica, contrária à lei ou à prova dos autos.
6. Precedentes desta Corte e do Egrégio STJ.
7. Desprovimento do recurso."

“2009.001.50534 – APELACAO. DES. CLEBER GHELFENSTEIN - Julgamento:


07/10/2009 - DECIMA QUARTA CAMARA CIVEL.
AGRAVO INOMINADO EM APELAÇÃO CÍVEL. AGRAVO CONTRA
DECISÃO MONOCRÁTICA DO RELATOR QUE DEU PARCIAL
PROVIMENTO AO RECURSO. CONSUMIDOR E CIVIL. AÇÃO DE
OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM INDENIZATÓRIA E
DECLARATÓRIA. SUSPENSÃO DE FORNECIMENTO DE ÁGUA EM
VIRTUDE DE DÉBITO ANTIGO, SEM AVISO PRÉVIO ESPECÍFICO. CORTE
INDEVIDO. ABUSO DE DIREITO. CLIENTES IDOSOS QUE NECESSITAM
DO FORNECIMENTO DO SERVIÇO. CARÁTER FÍSICO-PSICOLÓGICO.
IMPROCEDÊNCIA. REFORMA. A despeito de serem devidas as dívidas, não
pode a concessionária de serviço público efetuar o corte no fornecimento baseado
em dívidas antigas, sem que haja aviso prévio específico, não bastando para tal a
informação nas respectivas faturas de que há débito em aberto. Prescrição
inocorrente ante as regras de direito intertemporal. Comprovado o dano, resta
aquilatar sua extensão. Fixação da indenização que deve observar os princípios da
razoabilidade e da proporcionalidade. Sendo assim, arbitro o valor da indenização
em R$ 5.000,00. Restabelecimento do serviço que se impõe. Dado provimento
parcial ao recurso, na forma do artigo 557, § 1º-A, do CPC, para, restabelecendo a
antecipação de tutela alhures concedida, determinar o restabelecimento do serviço
de fornecimento de água ao autor, condenando a ré, ainda, a indenizá-lo pelos
danos morais sofridos no valor de R$ 5.000,00. Sucumbência em desfavor da ré.
Ausência de argumento novo que justifique a sua revisão. Nego provimento ao
recurso.”

A jurisprudência recente do STJ é no sentido de que é perfeitamente possível a


interrupção dos serviços de água e esgoto em caso de inadimplência, sendo que deve haver
prévio aviso de corte pela concessionária:

Michell Nunes Midlej Maron 20


EMERJ – CP IV Direito Administrativo IV

“REsp 1111477 / RS Ministro BENEDITO GONÇALVES. Órgão Julgador -


PRIMEIRA TURMA. Data do Julgamento 08/09/2009. Data da Publicação/Fonte
DJe 21/09/2009. Ementa: ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL.
RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE FORNECIMENTO DE ÁGUA.
RENEGOCIAÇÃO DE DÍVIDA. PARCELAS ATRASADAS.
INADIMPLEMENTO. SUSPENSÃO DO SERVIÇO. POSSIBILIDADE. ARTS.
22 E 42, CAPUT, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. CORRETA
APLICAÇÃO PELA CORTE DE ORIGEM.
1. A jurisprudência desta Corte já se manifestou no sentido de que: "É lícito à
concessionária interromper o fornecimento de água se, após aviso prévio, o usuário
permanecer inadimplente. Interpretação do art. 6º, § 3º, II, da Lei 8.987/95" ( REsp
631.246/RJ, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, 23/10/2006).
2. "Admitir o inadimplemento por um período indeterminado e sem a possibilidade
de suspensão do serviço é consentir com o enriquecimento sem causa de uma das
partes, fomentando a inadimplência generalizada, o que compromete o equilíbrio
financeiro da relação e a própria continuidade do serviço, com reflexos inclusive
no princípio da modicidade" (Resp 1.062.975, Rel. Min. Eliana Calmon, Primeira
Turma, Dje 29/10/2008).
3. Recurso especial a que se nega provimento.”

Importa destacar decisão recente da Corte Especial do STJ referente ao tema, sendo
que a pessoa inadimplente foi um Município. Discutiu-se a impossibilidade de interrupção
da prestação dos serviços de água e esgoto para o Município inadimplente, sob o argumento
de que traria sérios prejuízos à sociedade como um todo. No entanto, o STJ entendeu ser
plenamente possível a interrupção desses serviços em casa de inadimplência do ente
federativo:

“Informativo nº 378
Período: 24 a 28 de novembro de 2008. Corte Especial
INTERRUPÇÃO. ÁGUA. MUNICÍPIO. INADIMPLÊNCIA.
Por dívida de quatorze milhões de reais com a companhia concessionária de água e
esgoto, o município teve interrompido o fornecimento desses serviços em órgãos
administrativos, inclusive a própria prefeitura. O município impetrou mandado de
segurança com pedido de concessão de liminar e o juiz a deferiu, determinando o
imediato restabelecimento dos serviços. A companhia, então, formulou pedido de
suspensão de liminar perante a presidência do TJ, que a deferiu. Daí a presente
suspensão de segurança formulada pelo município nos termos do art. 4º da Lei n.
8.437/1992, art. 25 da Lei n. 8.038/1990 e art. 271 do RISTJ, a qual foi concedida,
tendo a companhia agravado dessa decisão. A Corte Especial, por maioria, deu
provimento ao agravo regimental para restabelecer os efeitos da decisão proferida
pelo Presidente do TJ. Destacou-se que, no caso, o corte desses serviços deverá
atingir os responsáveis pelo inadimplemento com a concessionária de serviço
público e, ainda, que não faria sentido admitir-se o fornecimento gratuito mesmo a
um órgão público, porque ele também tem de cumprir suas obrigações. Ressalvou-
se que se abre exceção apenas para a interrupção de fornecimento de água nos
casos dos hospitais e das escolas públicas (atividades essenciais), a qual necessita
de procedimentos como prévia notificação. AgRg na SS 1.764-PB, Rel. originário
Min. Barros Monteiro, Rel. para acórdão Min. Ari Pargendler, julgado em
27/11/2008.”

Michell Nunes Midlej Maron 21


EMERJ – CP IV Direito Administrativo IV

Tema III

Concessão de Serviços Públicos. Fontes normativas constitucional e infraconstitucional. Modalidades de


concessão. Natureza jurídica. Política tarifária, fiscalização e encargos do concedente. Responsabilidade e
encargos do concessionário. Prazo da concessão, extinção e reversão.

Notas de Aula4

4
Aula ministrada pelo professor Sérgio Luiz Ribeiro de Souza, em 9/10/2009.

Michell Nunes Midlej Maron 22


EMERJ – CP IV Direito Administrativo IV

1. Concessão de serviços públicos

Há hoje uma crise no conceito de serviço público, porque as diversas tentativas de


se extrair uma definição precisa e definitiva se demonstraram errôneas. Por ora, o melhor
conceito de serviço público, de fato, é a mera legalidade: é serviço público aquilo que a lei
ou a Constituição assim define, vedando acesso à iniciativa privada – mas este conceito é
bastante pobre, e como todos os outros intentados, falho.
A relevância de se saber se uma determinada atividade consiste em serviço público
reside na definição do regime de direito pelo qual ela se regerá, se será livre à iniciativa
privada ou não. Esta definição de “livre” é, ela própria, confusa, porque há atividades que
são dadas à iniciativa privada, mas com ampla regulamentação pelo Poder Público, tal
como a saúde e a educação. Veja os artigos 199 e 209 da CRFB:

“Art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.


§ 1º - As instituições privadas poderão participar de forma complementar do
sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito
público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins
lucrativos.
§ 2º - É vedada a destinação de recursos públicos para auxílios ou subvenções às
instituições privadas com fins lucrativos.
§ 3º - É vedada a participação direta ou indireta de empresas ou capitais
estrangeiros na assistência à saúde no País, salvo nos casos previstos em lei.
§ 4º - A lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de
órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e
tratamento, bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus
derivados, sendo vedado todo tipo de comercialização.”

“Art. 209. O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições:


I - cumprimento das normas gerais da educação nacional;
II - autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público.”

Veja que as escolas e universidades particulares, bem como os hospitais e clínicas


privados, não são concessionários, permissionários ou autorizatários do serviço público,
justamente porque a própria CRFB abriu tais atividades à iniciativa privada, livremente.
Assim, mesmo que haja severo controle pelo Poder Público, segundo o conceito dado pela
legalidade não seria serviço público, eis que só o é aquilo que é desempenhado pela
Administração, sem acesso à iniciativa privada. Universidades e hospitais privados, então,
não seriam serviços públicos. A falha conceitual é óbvia, pois é claro que a atividade é
publica, ou assim não o seria também a mesma atividade prestada pelas entidades de ensino
e saúde públicas – um contrasenso.
É por este imbróglio exemplificado acima que se diz que o conceito de serviço
público está em crise.
O artigo 175 da CRFB é relevante:

“Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime
de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços
públicos.
Parágrafo único. A lei disporá sobre:
I - o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o
caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de
caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão;

Michell Nunes Midlej Maron 23


EMERJ – CP IV Direito Administrativo IV

II - os direitos dos usuários;


III - política tarifária;
IV - a obrigação de manter serviço adequado.”

A despeito da dificuldade em se identificar precisamente os contornos do serviço


público, a CRFB determina que este será prestado pelo Poder Público, direta ou
indiretamente, sendo esta última forma a prestação feita por meio de concessão ou
permissão. Veja que a autorização de serviço público não está prevista neste dispositivo,
particularidade que será abordada adiante.
O dispositivo acima fala em necessidade de prévia licitação, exigência que se
consubstanciou nas duas modalidades de concessão traçadas na Lei 8.987/95, concessão de
serviço público e concessão de serviço público precedida de obra pública. Atualmente, há
mais duas formas, apresentadas na Lei 11.079/04, e que serão objeto de estudo dedicado em
tema específico: as parcerias público-privadas administrativa e patrocinada. Veja o artigo
2°, II e III, da Lei 8.987/95:

“Art. 2° Para os fins do disposto nesta Lei, considera-se:


I - poder concedente: a União, o Estado, o Distrito Federal ou o Município, em
cuja competência se encontre o serviço público, precedido ou não da execução de
obra pública, objeto de concessão ou permissão;
II - concessão de serviço público: a delegação de sua prestação, feita pelo poder
concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica
ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua
conta e risco e por prazo determinado;
III - concessão de serviço público precedida da execução de obra pública: a
construção, total ou parcial, conservação, reforma, ampliação ou melhoramento de
quaisquer obras de interesse público, delegada pelo poder concedente, mediante
licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de
empresas que demonstre capacidade para a sua realização, por sua conta e risco, de
forma que o investimento da concessionária seja remunerado e amortizado
mediante a exploração do serviço ou da obra por prazo determinado;
IV - permissão de serviço público: a delegação, a título precário, mediante
licitação, da prestação de serviços públicos, feita pelo poder concedente à pessoa
física ou jurídica que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e
risco.”

A concessão de serviço público, lato sensu, é forma de entrega do serviço público


por meio de delegação. Nesta forma, há a entrega ao concessionário apenas da prestação do
serviço, da execução, e não da titularidade da atividade, enquanto na criação de entidades
da administração pública indireta há a transferência da própria titularidade da atividade, por
meio da outorga, também chamada delegação legal5.
Vejamos pontualmente as modalidades de concessão de serviço público previstas na
Lei 8.987/95. Na concessão de serviço público, o Poder Público transfere tão-somente a
prestação do serviço público, enquanto na concessão precedida de obra pública há a

5
É por ocorrer a transferência da titularidade que a Administração não pode encampar o serviço público
outorgado a entidades da administração pública indireta: a encampação é a retomada, pelo titular do serviço,
da sua execução, das mãos daquele que somente detinha esta prestação efetiva. Havendo entrega da
titularidade ao prestador indireto, não pode haver encampação. Poderá, é claro, haver a extinção da pessoa
jurídica da administração indireta, por meio de lei, o que acarretará o retorno da titularidade ao Poder Público,
e com isso a execução daquele serviço – mas não se trata de encampação, tecnicamente.

Michell Nunes Midlej Maron 24


EMERJ – CP IV Direito Administrativo IV

transferência do serviço, mas antes de haver o início da exploração deste é necessária a


realização de uma obra pública.
A concessão de serviço público precedida de obra pública não se confunde com a
concessão de obra pública. Nesta última, a Administração pretende haver para si uma
determinada obra, mas não pretende ter despesas com tal obra; para tanto, concede a obra
ao particular, que realizará todas as despesas para sua implementação, e, após, poderá
explorar o serviço por período que seja suficiente para haver o retorno de seu investimento
e a parcela de lucro que seja razoável. A Administração só quer, na concessão de obra, de
fato, a obra, e por isso a exploração do serviço pelo particular perdura somente enquanto
necessária ao retorno da expectativa deste no investimento realizado – satisfeito o
investimento e o lucro, finda-se a relação entre concedente e concessionário.
O objetivo da concessão de serviço público precedida de obra pública, ao contrário,
não é a obra: esta é uma condição, mas o objetivo da Administração é a transferência do
serviço público ao particular. A obra é pré-requisito para a execução do serviço, e não o seu
objetivo6.
A figura do concedente, em regra, é um ente da federação, como dispõe o inciso I
do artigo 2° da Lei 8.987/95, supra, mas excepcionalmente pode ser alguma agência
reguladora, por expressa permissão das leis que versa sobre estas entidades. Há hoje dois
exemplos em que isto ocorreu: na Lei 9.427/96, artigo 3º-A, § 3° (Aneel), e na Lei
9.472/97, artigo 19, VI (Anatel):

“Art. 3°-A Além das competências previstas nos incisos IV, VIII e IX do art. 29
da Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, aplicáveis aos serviços de energia
elétrica, compete ao Poder Concedente: (Incluído pela Lei nº 10.848, de 2004)
(...)
§ 3° A celebração de contratos e a expedição de atos autorizativos de que trata o
inciso II do caput deste artigo poderão ser delegadas à ANEEL. (Incluído pela Lei
nº 10.848, de 2004)
(...)”

“Art. 19. À Agência compete adotar as medidas necessárias para o atendimento do


interesse público e para o desenvolvimento das telecomunicações brasileiras,
atuando com independência, imparcialidade, legalidade, impessoalidade e
publicidade, e especialmente:
(...)
VI - celebrar e gerenciar contratos de concessão e fiscalizar a prestação do serviço
no regime público, aplicando sanções e realizando intervenções;
(...)”

A figura do concessionário, por sua vez, é pessoa jurídica ou consórcio de


empresas, como dispõe o mesmo artigo. Surge questão: pessoas jurídicas de direito privado
integrantes da administração pública indireta poderão ser concessionários? O artigo 17, §
1°, da Lei 8.987/95, parece responder esta questão:

“Art. 17. Considerar-se-á desclassificada a proposta que, para sua viabilização,


necessite de vantagens ou subsídios que não estejam previamente autorizados em
lei e à disposição de todos os concorrentes.
6
A concessão de obra não está prevista na Lei 8.987/95, ou em qualquer outra, pelo que há autores que
chegam a dizer que sequer existe. Porém, a Administração tem também autonomia contratual, podendo
pactuar contratos inominados, desde que afeiçoados ao regime contratual público.

Michell Nunes Midlej Maron 25


EMERJ – CP IV Direito Administrativo IV

§ 1° Considerar-se-á, também, desclassificada a proposta de entidade estatal alheia


à esfera político-administrativa do poder concedente que, para sua viabilização,
necessite de vantagens ou subsídios do poder público controlador da referida
entidade. (Renumerado do parágrafo único pela Lei nº 9.648, de 1998)
(...)”

Veja que o dispositivo fala em “proposta de entidade estatal”, o que faz concluir que
estas entidades podem concorrer em licitações para concessões. Assim, a entidade estatal da
administração pública indireta pode ser concessionária de serviço público, de fato, mas não
de forma irrestrita, como o próprio dispositivo diz: a entidade não pode pertencer à esfera
político-administrativa do poder concedente, por óbvio, porque se um determinado ente
pretender realizar uma atividade qualquer que possa ser prestada por uma entidade de seu
quadro administrativo indireto, não precisará licitar, conceder o serviço: a sua própria
estrutura realizará a atividade, bastando um convênio, um contrato de gestão, dentre outros
mecanismos. Por isso, a única lógica é que a entidade estatal concorra em licitações para
concessões de outros entes administrativos.
Repare que há, além deste destacamento necessário e lógico entre a entidade estatal
e o poder concedente, mais um limitador essencial para que a entidade da administração
indireta seja concessionária do serviço público: o artigo 173 da CRFB determina que a
entidade administrativa indireta só pode ser criada por haver relevante interesse público ou
imperativo de segurança nacional, o que permite concluir que a empresa estatal não tem
objeto social livre, mesmo quando criadas para desempenhar atividade econômica. O
desempenho desta atividade depende da presença destas condicionantes, e por isso não é
qualquer atividade em que se poderá imiscuir a estatal, por simples interesse em perseguir
lucro.

“Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta


de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos
imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme
definidos em lei.
(...)”

Destarte, poderá uma empresa pública do Rio de Janeiro, por exemplo, concorrer a
uma concessão de serviço público em São Paulo, desde que esteja afeita ao interesse que
fez surgir tal estatal. Para a estatal poder ser concessionária do serviço público, o objeto da
licitação deve ser atinente à atividade para que foi criada tal estatal, e terá que ser cumprido
na área de atuação desta estatal. Noutro exemplo, se a União pretender conceder um serviço
público a ser prestado no Município do Rio de Janeiro, pode uma empresa pública deste
Município, que tenha sido criada para aquela atividade que estará sendo licitada,
candidatar-se à prestação do serviço. O mesmo se repete na esfera inferior, ou seja, pode a
estatal municipal participar da licitação promovida pelo seu respectivo Estado-Membro, ou
o Estado participar da licitação para concessão feita pela União.
O inverso, porém, não procede. A União não poderá ser concessionária de serviços
licitados por Estados e Municípios, porque sua atuação nacional lhe emprestaria vantagens
desmedidas, e há instrumentos outros, como os convênios e consórcios, para atuar nestas
esferas. O mesmo raciocínio se repete no degrau abaixo da escala federativa, não podendo o
Estado participar de licitações para concessões feitas por Municípios de seu território.

Michell Nunes Midlej Maron 26


EMERJ – CP IV Direito Administrativo IV

A licitação para a concessão do serviço público, precedida ou não de obra pública, é


sempre na modalidade concorrência, como dispõe o artigo 2°, II e III, da Lei 8.987/95, há
pouco transcrito. O inciso IV deste mesmo artigo, que trata das permissões de serviço
público, não contempla modalidade de licitação alguma, mas a doutrina majoritária entende
que é também necessária a modalidade concorrência, baseada no parágrafo único do artigo
40 desta Lei 8.987/95:

“Art. 40. A permissão de serviço público será formalizada mediante contrato de


adesão, que observará os termos desta Lei, das demais normas pertinentes e do
edital de licitação, inclusive quanto à precariedade e à revogabilidade unilateral do
contrato pelo poder concedente.
Parágrafo único. Aplica-se às permissões o disposto nesta Lei.”

A Lei 9.491/97, porém, traz exceção no seu artigo 4°, VI e § 3°:

“Art. 4º As desestatizações serão executadas mediante as seguintes modalidades


operacionais:
I - alienação de participação societária, inclusive de controle acionário,
preferencialmente mediante a pulverização de ações;
II - abertura de capital;
III - aumento de capital, com renúncia ou cessão, total ou parcial, de direitos de
subscrição;
IV - alienação, arrendamento, locação, comodato ou cessão de bens e instalações;
V - dissolução de sociedades ou desativação parcial de seus empreendimentos,
com a conseqüente alienação de seus ativos;
VI - concessão, permissão ou autorização de serviços públicos.
VII - aforamento, remição de foro, permuta, cessão, concessão de direito real de
uso resolúvel e alienação mediante venda de bens imóveis de domínio da União.
(Incluído pela Medida Provisória nº 2.161-35, de 2001)
§ 1º A transformação, a incorporação, a fusão ou a cisão de sociedades e a criação
de subsidiárias integrais poderão ser utilizadas a fim de viabilizar a implementação
da modalidade operacional escolhida.
§ 2º°Na hipótese de dissolução, caberá ao Ministro de Estado do Planejamento,
Orçamento e Gestão acompanhar e tomar as medidas cabíveis à efetivação da
liquidação da empresa. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.161-35, de
2001)
§ 3° Nas desestatizações executadas mediante as modalidades operacionais
previstas nos incisos I, IV, V, VI e VII deste artigo, a licitação poderá ser realizada
na modalidade de leilão. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.161-35, de
2001)”

O leilão, ali expresso, é modalidade de licitação que se presta a desestatizar a


empresa estatal, ou seja, passar ao particular o controle acionário de uma estatal. Ocorre
que o artigo 7° desta mesma lei traz a previsão de que a alienação da estatal leva consigo a
delegação do serviço que esta estatal presta, de forma automática. Inserta na licitação para
alienação do controle daquela estatal está a concessão ou permissão do serviço público que
ela preste. Veja:

“Art. 7º A desestatização dos serviços públicos, efetivada mediante uma das


modalidades previstas no art. 4° desta Lei, pressupõe a delegação, pelo Poder
Público, de concessão ou permissão do serviço, objeto da exploração, observada a
legislação aplicável ao serviço.

Michell Nunes Midlej Maron 27


EMERJ – CP IV Direito Administrativo IV

Parágrafo único. Os princípios gerais e as diretrizes específicas aplicáveis à


concessão, permissão ou autorização, elaborados pelo Poder Público, deverão
constar do edital de desestatização.”

Vale dizer que há quem critique este dispositivo supra, entendendo-o


inconstitucional à luz do artigo 175 da CRFB, porque entendem que a entrega automática
do serviço público ao vencedor do leilão é uma burla ao sistema constitucional de
licitações, crítica que não tem muito peso, eis que há um procedimento licitatório global
encerrando a entrega do controle da estatal e do serviço por ela prestado, não fazendo
sentido uma licitação específica para este serviço, mesmo porque poderia ser criada
situação de estranheza ímpar, em que os adquirentes de uma estatal não poderiam
desempenhar o objeto social desta entidade adquirida, se outros vencessem a licitação para
o serviço.

“Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime
de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços
públicos.
(...)”

Outra pergunta que se faz pertinente é: pode quem não participou da licitação ser
concessionário daquele serviço público?
A resposta é positiva: pode ser criada uma sociedade de propósito específico, se
assim o exigir o edital, e quem terá participado da licitação não é esta sociedade, que será
criada após o procedimento, mas sim as pessoas que integrarão o quadro societário de tal
sociedade. A Lei 8.987/95 fala que o edital pode exigir esta criação, no artigo 20, enquanto
a Lei 11.079/04 faz obrigatória tal dinâmica nas concessões em PPP. Veja os artigos 9° da
Lei da PPP e 20da Lei 8.987/95:

“Art. 9° Antes da celebração do contrato, deverá ser constituída sociedade de


propósito específico, incumbida de implantar e gerir o objeto da parceria.
(...)”

“Art. 20. É facultado ao poder concedente, desde que previsto no edital, no


interesse do serviço a ser concedido, determinar que o licitante vencedor, no caso
de consórcio, se constitua em empresa antes da celebração do contrato.”

Mas mais do que esta exceção, da criação posterior da pessoa jurídica


concessionária composta pelos vencedores da licitação, é possível que alguém que não
tomou parte nenhuma da licitação, sequer desta forma reflexa, venha a ser concessionária
do serviço público: trata-se da transferência da concessão, que será vista adiante.

1.1. Responsabilidade civil da concessionária

O artigo 25 da Lei 8.987/95 assim dispõe:

“Art. 25. Incumbe à concessionária a execução do serviço concedido, cabendo-lhe


responder por todos os prejuízos causados ao poder concedente, aos usuários ou a
terceiros, sem que a fiscalização exercida pelo órgão competente exclua ou atenue
essa responsabilidade.

Michell Nunes Midlej Maron 28


EMERJ – CP IV Direito Administrativo IV

§ 1° Sem prejuízo da responsabilidade a que se refere este artigo, a concessionária


poderá contratar com terceiros o desenvolvimento de atividades inerentes,
acessórias ou complementares ao serviço concedido, bem como a implementação
de projetos associados.
§ 2° Os contratos celebrados entre a concessionária e os terceiros a que se refere o
parágrafo anterior reger-se-ão pelo direito privado, não se estabelecendo qualquer
relação jurídica entre os terceiros e o poder concedente.
§ 3° A execução das atividades contratadas com terceiros pressupõe o
cumprimento das normas regulamentares da modalidade do serviço concedido.”

A relação jurídica entre concedente e concessionário não se confunde com a relação


entre este e os usuários do serviço. Esta relação entre administrados e concessionário do
serviço, em regra, é gerida pelo CDC, eis que a relação é de consumo. Ademais, por ser
prestação de serviço público, ainda subsume-se à norma do conhecido artigo 37, § 6°, da
CRFB, sendo responsabilidade objetiva:

“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da


União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios
de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao
seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
(...)
§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de
serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade,
causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos
casos de dolo ou culpa.”

O poder concedente responde subsidiariamente perante o usuário lesado, quando o


concessionário não puder arcar com os danos.

1.1.1. Subcontratação

O §§ do artigo 25 supra tratam da subcontratação procedida pela concessionária do


serviço público.
Um exemplo vem a calhar: pode a empresa de ônibus concessionária contratar uma
outra sociedade para lhe prestar os serviços de mecânica de manutenção da sua frota. Esta
subcontratação não cria qualquer vínculo entre a subcontratada e o Poder Público,
tampouco entre aquela e os usuários do serviço. Assim, se ocorrer um acidente causado por
falha na prestação do serviço de manutenção, quem responde por tal evento é a
concessionária, tanto perante a Administração quanto perante os usuários.
É claro que a subcontratada responderá em regresso perante a concessionária, mas
esta responsabilidade em nada importa aos usuários ou à Administração.
A subcontratação não é terceirização: esta última é uma contratação do serviço pela
administração pública diretamente, em nada guardando pertinência com a concessão.

1.1.2. Subconcessão

O artigo 26 da Lei 8.987/95 é a sede da subconcessão:

“Art. 26. É admitida a subconcessão, nos termos previstos no contrato de


concessão, desde que expressamente autorizada pelo poder concedente.

Michell Nunes Midlej Maron 29


EMERJ – CP IV Direito Administrativo IV

§ 1° A outorga de subconcessão será sempre precedida de concorrência.


§ 2° O subconcessionário se sub-rogará todos os direitos e obrigações da
subconcedente dentro dos limites da subconcessão.”

Trata-se, de forma simples, em uma divisão da concessão original: o objeto do


contrato é fracionado entre mais de um concessionário, posteriormente à concessão original
ter-se aperfeiçoada. Para tanto, é necessária nova licitação, que entregará ao novel vencedor
parcela estabelecida do objeto contratual.
Veja, então, que em nada se compara à subcontratação: o novo concessionário,
vencedor da licitação superveniente, tem sua própria relação direta com o poder
concedente, nos moldes do fracionamento realizado sobre o objeto contratual.
Quem fará a licitação, por óbvio, é a Administração, mas os custos serão imputados
à concessionária originária, porque é ela quem deu causa ao fracionamento do objeto, por
qualquer motivo – a subcontratação é feita a pedido da concessionária originária.
Uma vez realizada a subconcessão, cada concessionário responderá por sua parcela
do contrato, como se fosse um contrato autônomo.

1.1.3. Transferência

Veja o artigo 27 da Lei 8.987/95:

“Art. 27. A transferência de concessão ou do controle societário da concessionária


sem prévia anuência do poder concedente implicará a caducidade da concessão.
§ 1° Para fins de obtenção da anuência de que trata o caput deste artigo, o
pretendente deverá: (Renumerado do parágrafo único pela Lei nº 11.196, de 2005)
I - atender às exigências de capacidade técnica, idoneidade financeira e
regularidade jurídica e fiscal necessárias à assunção do serviço; e
II - comprometer-se a cumprir todas as cláusulas do contrato em vigor.
§ 2° Nas condições estabelecidas no contrato de concessão, o poder concedente
autorizará a assunção do controle da concessionária por seus financiadores para
promover sua reestruturação financeira e assegurar a continuidade da prestação dos
serviços. (Incluído pela Lei nº 11.196, de 2005)
§ 3° Na hipótese prevista no § 2o deste artigo, o poder concedente exigirá dos
financiadores que atendam às exigências de regularidade jurídica e fiscal, podendo
alterar ou dispensar os demais requisitos previstos no § 1o, inciso I deste artigo.
(Incluído pela Lei nº 11.196, de 2005)
§ 4° A assunção do controle autorizada na forma do § 2o deste artigo não alterará
as obrigações da concessionária e de seus controladores ante ao poder concedente.
(Incluído pela Lei nº 11.196, de 2005)”
Este dispositivo é extremamente criticado pela doutrina, por uma das modalidades
de transferência que admite: a transferência da concessão em si. Veja: é permitido transferir
o controle acionário do concessionário, o que não implica maiores problemas, eis que o
contrato continuará com as mesmas partes – poder concedente e pessoa jurídica
concessionária não se alteram. Todavia, na transferência da própria concessão, a figura do
concessionário se alterará: será uma pessoa completamente alheia à licitação se tornando
concessionária do serviço público.
Note que a transferência não demanda licitação: o concessionário transferirá a
concessão a quem bem entender, se a Administração consentir nesta mudança. Por isso a
doutrina combate este dispositivo, nesta parte. E repare a maior estranheza: para a
transmissão de parte do objeto, na subconscessão, o legislador exigiu licitação; para a

Michell Nunes Midlej Maron 30


EMERJ – CP IV Direito Administrativo IV

transferência da concessão inteira, não fez esta exigência. É de fato uma dinâmica bastante
estranha.
Críticas à parte, trata-se, formalmente, de uma hipótese em que alguém que não teve
qualquer participação no certame se verá na condição de concessionário do serviço público.
Há ali ainda a figura do financiador, que é um terceiro investidor captado pela
concessionária para que esta consiga realizar o objeto social. Esta figura será remunerada
pelo próprio concessionário, e não pelo concedente. Ocorre que se o concessionário furtar-
se ao pagamento do financiador, o § 2° permite que o poder concedente passe a arcar com
este ônus, e o agente financeiro assumirá a concessão, passando a figurar como
concessionário, nesta “transferência forçada”, por assim dizer, quando então se dispensa,
inclusive, o requisito técnico, como se vê no artigo supra. É uma situação absolutamente
criticada pela doutrina.

1.2. Remuneração do concessionário

Os artigos 9° a 13 da Lei 8.987/95 tratam da política tarifária das concessões de


serviço público, sendo que o principal princípio regente da matéria é o da modicidade das
tarifas. Veja os dispositivos:

“Art. 9° A tarifa do serviço público concedido será fixada pelo preço da proposta
vencedora da licitação e preservada pelas regras de revisão previstas nesta Lei, no
edital e no contrato.
§ 1° A tarifa não será subordinada à legislação específica anterior e somente nos
casos expressamente previstos em lei, sua cobrança poderá ser condicionada à
existência de serviço público alternativo e gratuito para o usuário. (Redação dada
pela Lei nº 9.648, de 1998)
§ 2° Os contratos poderão prever mecanismos de revisão das tarifas, a fim de
manter-se o equilíbrio econômico-financeiro.
§ 3° Ressalvados os impostos sobre a renda, a criação, alteração ou extinção de
quaisquer tributos ou encargos legais, após a apresentação da proposta, quando
comprovado seu impacto, implicará a revisão da tarifa, para mais ou para menos,
conforme o caso.
§ 4° Em havendo alteração unilateral do contrato que afete o seu inicial equilíbrio
econômico-financeiro, o poder concedente deverá restabelecê-lo,
concomitantemente à alteração.”

“Art. 10. Sempre que forem atendidas as condições do contrato, considera-se


mantido seu equilíbrio econômico-financeiro.”
“Art. 11. No atendimento às peculiaridades de cada serviço público, poderá o
poder concedente prever, em favor da concessionária, no edital de licitação, a
possibilidade de outras fontes provenientes de receitas alternativas,
complementares, acessórias ou de projetos associados, com ou sem exclusividade,
com vistas a favorecer a modicidade das tarifas, observado o disposto no art. 17
desta Lei.
Parágrafo único. As fontes de receita previstas neste artigo serão obrigatoriamente
consideradas para a aferição do inicial equilíbrio econômico-financeiro do
contrato.”

“Art. 13. As tarifas poderão ser diferenciadas em função das características


técnicas e dos custos específicos provenientes do atendimento aos distintos
segmentos de usuários.”

Michell Nunes Midlej Maron 31


EMERJ – CP IV Direito Administrativo IV

A modicidade significa que a tarifa deverá ser fixada de forma que não seja tão
baixa que impeça a prestação satisfatória do serviço, nem tão alta que impeça o acesso do
potencial usuário a este serviço.
Para chegar a esta equação, o principal elemento do contrato de concessão é o
prazo, que será modulado de acordo com a necessidade de diluição da tarifa. Pela
relevância, veremos a questão dos prazos de concessão de forma apartada.
Vale deixar claro que a questão da cobrança de tarifa mínima pelo serviço já
encontra uma certa pacificação na jurisprudência, tendo o STJ encontrado-a perfeitamente
válida, porque é preço pago pela manutenção dos sistemas necessários à prestação dos
serviços. Resta discutível, somente, o quantum desta tarifação mínima, que precisa ser
correspondente à realidade da necessidade para a manutenção do sistema.
Há ainda que se tratar do instituto da tarifa social, que é uma tarifa especial
subsidiada pela coletividade, em prol de parcelas da população que não poderia arcar com o
preço ordinário a ser pago pelo serviço. A coletividade paga a tarifa “cheia”, por assim
dizer, que engloba em si algum valor responsável pelo suprimento da defasagem criada
pelo pagamento de tarifa reduzida por parte carente da população.
Vige, na tarifação, a necessária atenção ao equilíbrio econômico-financeiro do
contrato, pelo que o poder concedente pode intervir no valor da tarifa, aumentando-o ou
reduzindo-o quando a este equilíbrio for perturbado.

1.2.1. Receitas alternativas

O artigo 11 da Lei 8.987/95, supra, permite à concessionária auferir receitas de


fontes diversas da tarifa, o que ocorre bastante com venda de espaços para publicidade, por
exemplo. As receitas provenientes de quaisquer outras fontes deverão, porém, ser
computada para efeito de cálculo da modicidade da tarifa, ou seja, deverão operar
descontos no valor da tarifa.

1.2.2. Benefícios tarifários

É válida a concessão de benesses tarifárias a determinadas classes? Pode,


legitimamente, ser instituído o “passe livre” de ônibus, por exemplo, aos estudantes?
A concessão de benefícios é perfeitamente possível, mas como toda a equalização
econômico-financeira do contrato se baseia na tarifa, o custo da desoneração de qualquer
classe de usuários deve ser repassado ao valor da tarifa, ou subsidiado por quem tenha
instituído o benefício. Assim, se dentre as parcelas componentes da tarifa estiver prevista
alguma que represente o custeio das gratuidades, ou haja qualquer método de compensação
deste valor (redução de algum tributo incidente sobre o concessionário, por parte do ente
competente instituidor da gratuidade, por exemplo), o benefício é legítimo.
Não havendo apontamento de forma de compensação da perda representada pelo
benefício, este representará uma perturbação ao equilíbrio econômico-financeiro do
contrato, e por isso ilegítimo. É necessária uma contrapartida qualquer que mantenha o
equilíbrio contratual.

1.3. Prazo da concessão

Michell Nunes Midlej Maron 32


EMERJ – CP IV Direito Administrativo IV

O prazo da concessão jamais poderá ser indeterminado, pela simples razão de que
nenhum contrato administrativo será pactuado com prazo indeterminado. O problema,
porém, é delimitar qual será o prazo máximo ou mínimo das concessões, ante a lacuna legal
sobre este elemento. Na PPP, a Lei 11.079/04 é expressa: o contrato será de cinco a trinta e
cinco anos, como dispõe no seu artigo 5°, I:

“Art. 5° As cláusulas dos contratos de parceria público-privada atenderão ao


disposto no art. 23 da Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, no que couber,
devendo também prever:
I – o prazo de vigência do contrato, compatível com a amortização dos
investimentos realizados, não inferior a 5 (cinco), nem superior a 35 (trinta e
cinco) anos, incluindo eventual prorrogação;
(...)”

A Lei 8.987/95 não trata do prazo das concessões, como dito. Sabe-se que esta lei é
especial em relação à Lei 8.666/93, que se aplica subsidiariamente quando o diploma
especial for omisso e não houver conflito. Todavia, se se buscar a aplicação supletiva da Lei
8.666/93 neste assunto, se encontrará o artigo 57, II e § 4°, deste diploma, que dispõe que:

“Art. 57. A duração dos contratos regidos por esta Lei ficará adstrita à vigência
dos respectivos créditos orçamentários, exceto quanto aos relativos:
(...)
II - à prestação de serviços a serem executados de forma contínua, que poderão ter
a sua duração prorrogada por iguais e sucessivos períodos com vistas à obtenção
de preços e condições mais vantajosas para a administração, limitada a sessenta
meses; (Redação dada pela Lei nº 9.648, de 1998)
(...)
§ 4° Em caráter excepcional, devidamente justificado e mediante autorização da
autoridade superior, o prazo de que trata o inciso II do caput deste artigo poderá ser
prorrogado por até doze meses. (Incluído pela Lei nº 9.648, de 1998)”

A regra da Lei 8.666/93, portanto, é que a duração máxima do contrato de prestação


contínua é de sessenta meses, com a excepcional prorrogação por mais doze meses,
totalizando um máximo possível de setenta e dois meses. Seria este o prazo máximo da
concessão de serviço público, por aplicação supletiva?
A resposta é negativa: não se aplica este prazo da Lei 8.666/93 aos contratos de
concessão de serviço público, porque este serviço continuado ali mencionado se refere aos
contratos em que se presta serviço à Administração, e não aos usuários (como a contratação
de limpeza em prédios públicos) – havendo corrente que defende, inclusive, que se o
contrato de prestação de serviço à Administração não for oneroso aos cofres públicos,
também não se aplica este prazo do artigo 57, II e § 4°, cuja mens é orçamentária
(dispensado o controle legal do prazo se não há dispêndio que o demande).
Qual é o prazo máximo e mínimo da concessão de serviço público, então? Volta-se à
questão da definição da tarifa: o prazo será definido de acordo com a necessidade de
diluição da tarifa, a fim de que esta alcance patamar módico. Destarte, se para a tarifa ficar
em padrão razoável for necessária a pactuação de concessão por trinta anos, este será o
prazo; se bastarem vinte, assim será; se forem precisos cinquenta anos para a
concessionária se ressarcir dos investimentos, obter lucro coerente e prestar o serviço a
preço módico, este será o prazo. O limite temporal do contrato de concessão é unicamente
traçado pela modicidade da tarifa.

Michell Nunes Midlej Maron 33


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1.4. Suspensão do fornecimento do serviço concedido

O concessionário pode suspender o fornecimento do serviço quando o usuário


deixar de pagar a tarifa, como dispõe o artigo 6°, § 3°, da Lei 8.987/95:

“Art. 6° Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado


ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas
pertinentes e no respectivo contrato.
§ 1° Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade,
eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e
modicidade das tarifas.
§ 2° A atualidade compreende a modernidade das técnicas, do equipamento e das
instalações e a sua conservação, bem como a melhoria e expansão do serviço.
§ 3° Não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua interrupção em
situação de emergência ou após prévio aviso, quando:
I - motivada por razões de ordem técnica ou de segurança das instalações; e,
II - por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade.”

Destarte, desde que haja notícia prévia ao usuário, a suspensão é possível, não
consistindo em quebra da continuidade do serviço, tanto pela inadimplência do consumidor
quanto pela necessidade técnica ou de segurança. Qualquer outra causa é violação ao
princípio da continuidade, e violação ao contrato de concessão.
A defesa daquele que tem o serviço suspenso calcada na essencialidade deste não
prospera, hoje. Não é porque é essencial que será vedada sua suspensão, porque se entende
que o interesse da coletividade é superior. Contudo, há que se levantar uma defesa do
consumidor inadimplente, em prol da não suspensão do serviço, mesmo que o dispositivo
supra possa parecer incontestável. Parte-se do artigo 22, caput, fine, do CDC:

“Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias,


permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a
fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais,
contínuos.
(...)” (grifo nosso)

A continuidade do serviço público, quando da vigência solo do CDC, não admitia


exceções. Sendo assim, quando se promulgou a Lei 8.987/95, contemplando as duas
exceções que sobrevieram naquele artigo 6°, operou-se um retrocesso na proteção de
direitos fundamentais, o que ofende o princípio geral constitucional da vedação ao
retrocesso. A defesa do consumidor, direito fundamental, havia sido regulamentada no CDC
sem contemplar exceções à continuidade do serviço público, pelo que excepcionar este
princípio seria retroceder na proteção do direito fundamental – o artigo 6°, § 3°, da Lei
8.987/95 seria inconstitucional. É tese interessante, porém sem acolhida jurisprudencial.

1.5. Encargos da concessionária

O artigo 31 da Lei 8.987/95 trata das incumbências das concessionárias:

“Art. 31. Incumbe à concessionária:

Michell Nunes Midlej Maron 34


EMERJ – CP IV Direito Administrativo IV

I - prestar serviço adequado, na forma prevista nesta Lei, nas normas técnicas
aplicáveis e no contrato;
II - manter em dia o inventário e o registro dos bens vinculados à concessão;
III - prestar contas da gestão do serviço ao poder concedente e aos usuários, nos
termos definidos no contrato;
IV - cumprir e fazer cumprir as normas do serviço e as cláusulas contratuais da
concessão;
V - permitir aos encarregados da fiscalização livre acesso, em qualquer época, às
obras, aos equipamentos e às instalações integrantes do serviço, bem como a seus
registros contábeis;
VI - promover as desapropriações e constituir servidões autorizadas pelo poder
concedente, conforme previsto no edital e no contrato;
VII - zelar pela integridade dos bens vinculados à prestação do serviço, bem como
segurá-los adequadamente; e
VIII - captar, aplicar e gerir os recursos financeiros necessários à prestação do
serviço.
Parágrafo único. As contratações, inclusive de mão-de-obra, feitas pela
concessionária serão regidas pelas disposições de direito privado e pela legislação
trabalhista, não se estabelecendo qualquer relação entre os terceiros contratados
pela concessionária e o poder concedente.”

O inciso VI trata de hipótese peculiar, em que se permite ao particular,


concessionário, promover atos de intervenção na propriedade privada. Observe, porém, que
o poder que se entrega ao concessionário é o de promover os atos de intervenção após a
emissão do ato jurídico que a inicia, que declara o interesse, necessidade ou utilidade do
bem, como o decreto expropriatório. O ato jurídico expropriante ou interveniente é exarado
pelo concedente; dali em diante, o concessionário assume a atuação na intervenção sobre a
propriedade, inclusive o pagamento da indenização (o que, por óbvio, constará do contrato
de concessão, pois certamente será um ônus severo sobre o equilíbrio econômico-financeiro
do contrato).

1.6. Intervenção na concessão

Pode acontecer de o concessionário não estar conseguindo desempenhar


satisfatoriamente o objeto da concessão, ou seja, não estar conseguindo prestar o serviço da
forma esperada. Antes de extinguir o contrato, porém, pode o poder concedente preferir
intervir no contrato
Esta intervenção consistirá na assunção pela Administração do objeto do contrato,
por prazo não superior a cento e oitenta dias, quando verificará se o concessionário terá ou
não condições de continuar realizando o objeto da concessão, a prestação do serviço. Se ao
final do período de intervenção constatar que não há como o concessionário prosseguir na
prestação do serviço, extinguirá o contrato; se entender que pode haver a retomada do
objeto pelo concessionário, o contrato terá prosseguimento. Veja os artigos 32 a 34 da Lei
8.987/95:

“Art. 32. O poder concedente poderá intervir na concessão, com o fim de assegurar
a adequação na prestação do serviço, bem como o fiel cumprimento das normas
contratuais, regulamentares e legais pertinentes.
Parágrafo único. A intervenção far-se-á por decreto do poder concedente, que
conterá a designação do interventor, o prazo da intervenção e os objetivos e limites
da medida.”

Michell Nunes Midlej Maron 35


EMERJ – CP IV Direito Administrativo IV

“Art. 33. Declarada a intervenção, o poder concedente deverá, no prazo de trinta


dias, instaurar procedimento administrativo para comprovar as causas
determinantes da medida e apurar responsabilidades, assegurado o direito de ampla
defesa.
§ 1° Se ficar comprovado que a intervenção não observou os pressupostos legais e
regulamentares será declarada sua nulidade, devendo o serviço ser imediatamente
devolvido à concessionária, sem prejuízo de seu direito à indenização.
§ 2° O procedimento administrativo a que se refere o caput deste artigo deverá ser
concluído no prazo de até cento e oitenta dias, sob pena de considerar-se inválida a
intervenção.”

“Art. 34. Cessada a intervenção, se não for extinta a concessão, a administração do


serviço será devolvida à concessionária, precedida de prestação de contas pelo
interventor, que responderá pelos atos praticados durante a sua gestão.”

A intervenção será feita por decreto, e sempre serão propiciados ao concessionário


contraditório e ampla defesa prévios à sua efetivação.

1.7. Extinção da concessão

O artigo 35 da Lei 8.987/95 trata da extinção da concessão:

“Art. 35. Extingue-se a concessão por:


I - advento do termo contratual;
II - encampação;
III - caducidade;
IV - rescisão;
V - anulação; e
VI - falência ou extinção da empresa concessionária e falecimento ou incapacidade
do titular, no caso de empresa individual.
§ 1° Extinta a concessão, retornam ao poder concedente todos os bens reversíveis,
direitos e privilégios transferidos ao concessionário conforme previsto no edital e
estabelecido no contrato.
§ 2° Extinta a concessão, haverá a imediata assunção do serviço pelo poder
concedente, procedendo-se aos levantamentos, avaliações e liquidações
necessários.
§ 3° A assunção do serviço autoriza a ocupação das instalações e a utilização, pelo
poder concedente, de todos os bens reversíveis.
§ 4° Nos casos previstos nos incisos I e II deste artigo, o poder concedente,
antecipando-se à extinção da concessão, procederá aos levantamentos e avaliações
necessários à determinação dos montantes da indenização que será devida à
concessionária, na forma dos arts. 36 e 37 desta Lei.”

O § 1° deste dispositivo trata da reversão de bens: extinta a concessão, retornam ao


poder concedente todos os bens reversíveis. A redação deste dispositivo é estranha, eis que
na verdade não há o retorno de bens, tecnicamente: os bens públicos que estavam sendo
usados pela concessionária jamais deixaram de ser públicos, e os bens que não são
públicos, adquiridos pela concessionária para uso na prestação do serviço, não estão
retornando ao poder concedente, que nunca os teve – estão ingressando no patrimônio
público.

Michell Nunes Midlej Maron 36


EMERJ – CP IV Direito Administrativo IV

De qualquer forma, o que há é a configuração de propriedade resolúvel, por parte da


concessionária, até o termo da concessão, sobre os bens afetos à prestação do serviço
público.
A reversão não significa qualquer injustiça ou desequilíbrio contratual, porque os
bens que estão sendo entregues à Administração já foram custeados pela tarifa, tendo
constado, sua aquisição, do plano tarifário. Dentre as parcelas componentes do valor da
tarifa, consta a previsão de amortização do preço dos bens de investimento para a prestação
do serviço.
As formas de extinção constam dos incisos deste artigo supra. Vejamos cada uma.

1.7.1. Encampação

A encampação vem explicada no artigo 37 da Lei 8.987/95:

“Art. 37. Considera-se encampação a retomada do serviço pelo poder concedente


durante o prazo da concessão, por motivo de interesse público, mediante lei
autorizativa específica e após prévio pagamento da indenização, na forma do artigo
anterior.”

A extinção pode se dar por inadimplemento culposo do concessionário ou do


concedente, ou sem inadimplemento culposo de nenhum deles. A encampação não envolve
culpa alguma: trata-se de mera retomada do serviço pelo concedente, por meio de lei
autorizativa específica e prévia indenização.
Há quem defenda a inconstitucionalidade deste artigo 37, supra, no que refere à lei
autorizativa específica, por entender que se trata de violação à separação de poderes, vez
que o Legislativo estaria se imiscuindo em atividade totalmente legada ao Poder Executivo,
limitando a atuação deste quando este entender que é necessária a retomada do serviço –
pois se a lei autorizativa não for editada, a encampação não se aperfeiçoa.
Celso Antônio Bandeira de Mello ainda defende que a indenização não deveria ser
prévia, como dispõe o artigo supra, ao seguinte argumento: se a concessão previa
remuneração espargida pelo prazo do contrato, indenizar-se-á na mesma proporção do
contrato, ou seja, se a concessão era de vinte anos, ao ser encampado o serviço a
indenização será fracionada em vinte anos. É corrente isolada (e pouco razoável, diga-se).

1.7.2. Caducidade

A caducidade consta do artigo 38 da Lei 8.987/95:

“Art. 38. A inexecução total ou parcial do contrato acarretará, a critério do poder


concedente, a declaração de caducidade da concessão ou a aplicação das sanções
contratuais, respeitadas as disposições deste artigo, do art. 27, e as normas
convencionadas entre as partes.
§ 1° A caducidade da concessão poderá ser declarada pelo poder concedente
quando:
I - o serviço estiver sendo prestado de forma inadequada ou deficiente, tendo por
base as normas, critérios, indicadores e parâmetros definidores da qualidade do
serviço;
II - a concessionária descumprir cláusulas contratuais ou disposições legais ou
regulamentares concernentes à concessão;

Michell Nunes Midlej Maron 37


EMERJ – CP IV Direito Administrativo IV

III - a concessionária paralisar o serviço ou concorrer para tanto, ressalvadas as


hipóteses decorrentes de caso fortuito ou força maior;
IV - a concessionária perder as condições econômicas, técnicas ou operacionais
para manter a adequada prestação do serviço concedido;
V - a concessionária não cumprir as penalidades impostas por infrações, nos
devidos prazos;
VI - a concessionária não atender a intimação do poder concedente no sentido de
regularizar a prestação do serviço; e
VII - a concessionária for condenada em sentença transitada em julgado por
sonegação de tributos, inclusive contribuições sociais.
§ 2° A declaração da caducidade da concessão deverá ser precedida da verificação
da inadimplência da concessionária em processo administrativo, assegurado o
direito de ampla defesa.
§ 3° Não será instaurado processo administrativo de inadimplência antes de
comunicados à concessionária, detalhadamente, os descumprimentos contratuais
referidos no § 1º deste artigo, dando-lhe um prazo para corrigir as falhas e
transgressões apontadas e para o enquadramento, nos termos contratuais.
§ 4° Instaurado o processo administrativo e comprovada a inadimplência, a
caducidade será declarada por decreto do poder concedente, independentemente de
indenização prévia, calculada no decurso do processo.
§ 5° A indenização de que trata o parágrafo anterior, será devida na forma do art.
36 desta Lei e do contrato, descontado o valor das multas contratuais e dos danos
causados pela concessionária.
§ 6° Declarada a caducidade, não resultará para o poder concedente qualquer
espécie de responsabilidade em relação aos encargos, ônus, obrigações ou
compromissos com terceiros ou com empregados da concessionária.”

Trata-se, a caducidade, de extinção por inexecução culposa do contrato por parte do


concessionário. Destarte, trata-se de uma verdadeira punição ao concessionário, e portanto
demanda prévia oportunização de contraditório e ampla defesa.
A relevância de se saber de quem foi a culpa na inexecução recai sobre as
consequências, quais sejam, a imposição de multas, os direitos patrimoniais sobre bens, etc.

1.7.3. Rescisão

O artigo 39 do diploma em análise trata da rescisão:

“Art. 39. O contrato de concessão poderá ser rescindido por iniciativa da


concessionária, no caso de descumprimento das normas contratuais pelo poder
concedente, mediante ação judicial especialmente intentada para esse fim.
Parágrafo único. Na hipótese prevista no caput deste artigo, os serviços prestados
pela concessionária não poderão ser interrompidos ou paralisados, até a decisão
judicial transitada em julgado.”

Rescisão é forma de extinção do contrato por culpa do concedente, e só pode ser


obtida judicialmente. Enquanto a caducidade leva à extinção por ato administrativo, a
rescisão só permite a extinção judicial do contrato.
A culpa da Administração concedente não permite a paralisação da prestação do
serviço pelo concessionário, até o trânsito em julgado da decisão judicial rescindente. Veja
que apesar de ser um prazo aparentemente incerto, pior do que na rescisão por

Michell Nunes Midlej Maron 38


EMERJ – CP IV Direito Administrativo IV

inadimplemento contratual da administração na Lei 8.666/93 (em que há prazo fixo), aqui
há uma vantagem para o concessionário prejudicado: ao menos, quem o remunera é o
usuário, pelo que seu prejuízo certamente é menor do que o contratado na Lei 8.666/93,
remunerado pela Administração inadimplente.

2. Concessões especiais – Parcerias público-privadas

A Lei 11.079/04 apresentou as duas novas modalidades de concessões, a PPP


administrativa e a patrocinada. A lei visou a atrair investimentos da iniciativa privada para
a realização de obras públicas e prestação de serviços públicos de grande porte. Para tanto,
trouxe um forte diferencial: as garantias ao investidor privado.
Veja o artigo 2° desta Lei:

“Art. 2° Parceria público-privada é o contrato administrativo de concessão, na


modalidade patrocinada ou administrativa.
§ 1° Concessão patrocinada é a concessão de serviços públicos ou de obras
públicas de que trata a Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, quando envolver,
adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários contraprestação pecuniária do
parceiro público ao parceiro privado.
§ 2° Concessão administrativa é o contrato de prestação de serviços de que a
Administração Pública seja a usuária direta ou indireta, ainda que envolva
execução de obra ou fornecimento e instalação de bens.
§ 3° Não constitui parceria público-privada a concessão comum, assim entendida a
concessão de serviços públicos ou de obras públicas de que trata a Lei no 8.987, de
13 de fevereiro de 1995, quando não envolver contraprestação pecuniária do
parceiro público ao parceiro privado.
§ 4° É vedada a celebração de contrato de parceria público-privada:
I – cujo valor do contrato seja inferior a R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais);
II – cujo período de prestação do serviço seja inferior a 5 (cinco) anos; ou
III – que tenha como objeto único o fornecimento de mão-de-obra, o fornecimento
e instalação de equipamentos ou a execução de obra pública.”

O § 1° deste artigo trata da concessão patrocinada, na qual a remuneração é feita


pelo usuário e pela Administração. A concessão administrativa, do § 2°, tem remuneração
exclusiva pela Administração.
Vale pontuar algumas diferenças entre estas concessões e as ordinárias, da Lei
8.987/95: a remuneração, aqui, é sempre feita pela Administração, ou só, ou em conjunto
com o usuário, enquanto a remuneração pela concessão ordinária parte somente do usuário
(com excepcionalíssimas hipóteses de subsidiação de tarifas pela Administração). A
concessão ordinária não conta com prazo mínimo ou máximo, variando de acordo com a
necessidade para se chegar a tarifas módicas. A PPP tem prazo mínimo de cinco e máximo
de trinta e cinco anos. A concessão ordinária não tem valor mínimo de contrato; a PPP não
pode ser pactuada em contrato menor de vinte milhões de reais.
Outra discussão que ganha relevo na Lei da PPP diz respeito à velha questão sobre a
delegabilidade do poder de polícia. Veja o artigo 4°, III, da Lei 11.079/04:

“Art. 4° Na contratação de parceria público-privada serão observadas as seguintes


diretrizes:
I – eficiência no cumprimento das missões de Estado e no emprego dos recursos da
sociedade;

Michell Nunes Midlej Maron 39


EMERJ – CP IV Direito Administrativo IV

II – respeito aos interesses e direitos dos destinatários dos serviços e dos entes
privados incumbidos da sua execução;
III – indelegabilidade das funções de regulação, jurisdicional, do exercício do
poder de polícia e de outras atividades exclusivas do Estado;
IV – responsabilidade fiscal na celebração e execução das parcerias;
V – transparência dos procedimentos e das decisões;
VI – repartição objetiva de riscos entre as partes;
VII – sustentabilidade financeira e vantagens socioeconômicas dos projetos de
parceria.”

O inciso III, supra, traz um forte argumento para a corrente administrativista que
defende a indelegabilidade do poder de polícia, pois se trata de uma hipótese de vedação
legal a esta delegação, sem fazer qualquer ressalva quanto às fases do poder de polícia,
como o faz parte da doutrina (que entende delegável a fiscalização).
A Lei da PPP traz garantias aos parceiros privados, que são um dos principais
aspectos desta concessão especial. Veja o artigo 8º desta Lei:

“Art. 8° As obrigações pecuniárias contraídas pela Administração Pública em


contrato de parceria público-privada poderão ser garantidas mediante:
I – vinculação de receitas, observado o disposto no inciso IV do art. 167 da
Constituição Federal;
II – instituição ou utilização de fundos especiais previstos em lei;
III – contratação de seguro-garantia com as companhias seguradoras que não sejam
controladas pelo Poder Público;
IV – garantia prestada por organismos internacionais ou instituições financeiras
que não sejam controladas pelo Poder Público;
V – garantias prestadas por fundo garantidor ou empresa estatal criada para essa
finalidade;
VI – outros mecanismos admitidos em lei.”

O fato é que a PPP ainda não teve muita aceitação na praxe das relações entre o
Estado e a iniciativa privada, por um motivo pragmático: as garantias não são consideradas
suficientes pelos investidores. Nem mesmo a vinculação orçamentária, que faz dedicar
rubrica no orçamento do ente concedente o valor a ser pago ao parceiro privado, é
considerada segura o suficiente. Entenda: o orçamento é anual, seguindo a lei orçamentária
anual; mais que isso, somente o plano plurianual. Sendo assim, a garantia referente à
vinculação orçamentária não terá, com certeza, duração maior do que a do plano plurianual,
de quatro anos – pois o próximo administrador eleito pode não computar tal garantia no seu
próprio orçamento –, enquanto que a menor PPP possível é de cinco anos. Simplesmente
não há garantia de vinculação orçamentária por todo o contrato.
A PPP pode envolver quatro figuras, sendo no mínimo três: o concedente; a pessoa
jurídica ou consórcio de empresas que vence a licitação; a sociedade de propósito
específico que será obrigatoriamente criada para pactuar o contrato de concessão; e o
eventual financiador.
O financiador, como já se adiantou, é a instituição financeira captada no mercado
para custear investimentos do objeto da PPP, e é remunerado pelo concessionário – o poder
concedente paga o que for contratado ao concessionário, e este administra, pagando com o
montante global tudo aquilo que for necessário à consecução do objeto, inclusive a
amortização do investimento que captou junto ao financiador. Como se viu, se o
concessionário porventura inadimplir sua obrigação perante o financiador, o poder

Michell Nunes Midlej Maron 40


EMERJ – CP IV Direito Administrativo IV

concedente poderá assumir tal encargo, repassando o que deveria pagar ao concessionário
diretamente ao financiador, e, se mesmo assim o contrato não estiver sendo cumprido pelo
concessionário, passar a concessão à instituição financeira, que assumirá o objeto do
contrato (dispensada do requisito técnico, que decerto não preencheria). Veja o artigo 5°, §
2°, I, da Lei da PPP:

“Art. 5° As cláusulas dos contratos de parceria público-privada atenderão ao


disposto no art. 23 da Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, no que couber,
devendo também prever:
(...)
§ 2° Os contratos poderão prever adicionalmente:
I – os requisitos e condições em que o parceiro público autorizará a transferência
do controle da sociedade de propósito específico para os seus financiadores, com o
objetivo de promover a sua reestruturação financeira e assegurar a continuidade da
prestação dos serviços, não se aplicando para este efeito o previsto no inciso I do
parágrafo único do art. 27 da Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995;
(...)”

A licitação para PPP é sempre na modalidade concorrência, gerando sempre um


contrato administrativo (toda concessão, de qualquer espécie, diga-se, é feita por meio de
contrato, e precedida de licitação).

Casos Concretos

Questão 1

Alegando não fazer uso do sistema de captação de esgoto da CEDAE, a Fábrica X


moveu a ação para o fim de ser declarada ilegítima a cobrança da tarifa de esgoto,
pleiteando, ainda, a restituição de todas as quantias que pagou indevidamente.
Contestando a ação, a ré alega: legitimidade da tarifa em discussão com base no artigo 9º
do Decreto 533/76; não estar a autora amparada por nenhum dos casos de isenção
previstos na lei; por se tratar de serviços públicos colocados à disposição do usuário, a
tarifa é devida quer os serviços utilizados ou não. A prova pericial apurou que a autora,
após submeter a tratamento, em estação própria, os seus efluentes líquidos, lança-os no
Canal do Distrito Industrial de Santa Cruz, construindo especificamente para absorver os
efluentes das fábricas ali instaladas, canal esse não pertencente à CEDAE. Decida a
questão.

Resposta à Questão 1

Michell Nunes Midlej Maron 41


EMERJ – CP IV Direito Administrativo IV

O entendimento que prevalece é que a tarifa mínima pode ser cobrada mesmo de
quem não esteja se utilizando efetivamente do serviço, por conta da necessária manutenção
da estrutura, ou de sua expansão, prevista no contrato de concessão. Há, porém, correntes
contrárias, que defendem que não pode haver o custeio da expansão pela tarifa, pois este
investimento deveria ser custeado pelo próprio concessionário.
Veja o REsp. 690.609:

“REsp 690609 / RS. DJ 19/12/2005 p. 233.


TRIBUTÁRIO. SERVIÇO DE FORNECIMENTO DE ÁGUA. NATUREZA
JURÍDICA. TAXA. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. Em exame recurso especial pelas letra “a” e “c” do permissivo constitucional,
contra acórdão assim ementado:
"APELAÇÃO CÍVEL. SERVIÇO DE FORNECIMENTO DE ÁGUA.
NATUREZA JURÍDICA. PRESCRIÇÃO. JUROS LEGAIS. INCIDÊNCIA. LEI
COMPLEMENTAR MUNICIPAL 170/87. MULTA DE MORA. CÓDIGO DE
DEFESA DO CONSUMIDOR. APLICAÇÃO.
1. Nos termos do art. 1062 do Código Civil de 1916, os juros moratórios serão de
6% ao ano, quando não convencionados. A LCM 170/87 estabelece, no seu art. 50,
que os juros serão de 1% ao mês em caso de falta de pagamento das contas de
consumo de que trata. Não há falar em violação ao disposto no Decreto nº
22.626/33 (Lei de usura), tampouco o disposto no art. 192, § 3, da Constituição
Federal, havendo previsão em lei especial.
2. O serviço de água e esgoto prestado pelo DMAE não é compulsório, não tendo,
portanto, natureza de tributo, razão porque a prescrição não é qüinqüenal.
3. A despeito de considerações acerca da hierarquia das normas, o CDC, por ser
posterior à Lei Municipal, derrogou-a tacitamente no que se refere à estipulação da
multa contratual, não havendo falar no princípio da especialidade, visto que o
Código de Defesa do Consumidor não abriu exceções às suas disposições.
APELAÇÃO DESPROVIDA. SENTENÇA MODIFICADA EM PARTE EM
REEXAME NECESSÁRIO, POR MAIORIA.”
2. O serviço de fornecimento de água e esgoto é cobrado do usuário pela entidade
fornecedora como sendo taxa, quando tem compulsoriedade. Trata-se, no caso em
exame, de serviço público concedido, de natureza compulsória, visando atender
necessidades coletivas ou públicas.
3. Não tem amparo jurídico a tese de que a diferença entre taxa e preço público
decorre da natureza da relação estabelecida entre o consumidor ou usuário e a
entidade prestadora ou fornecedora do bem ou do serviço.
4. O art. 11, da Lei nº 2.312, de 3.9.94 (Código Nacional de Saúde) determina: “É
obrigatória a ligação de toda construção considerada habitável à rede de
canalização de esgoto, cujo afluente terá destino fixado pela autoridade
competente”.
5. A remuneração dos serviços de água e esgoto normalmente é feita por taxa, em
face da obrigatoriedade da ligação domiciliar à rede pública” (Hely Lopes
Meirelles, in “Direito Municipal Brasileiro”, 3a ed., RT – 1977, p.492).
6. Se a ordem jurídica obriga a utilização de determinado serviço, não permitindo o
atendimento da respectiva necessidade por outro meio, então é justo que a
remuneração correspondente, cobrada pelo Poder Público, sofra as limitações
próprias de tributo”. (Hugo de Brito Machado, "in" Regime Tributário da Venda de
Água, Rev. Juríd. da Procuradoria-Geral da Fazenda Estadual/Minas Gerais, nº 05,
pg. 11).
7. Adoção da tese, na situação específica examinada, de que a contribuição pelo
fornecimento de água é taxa. Aplicação da prescrição tributária, em face da

Michell Nunes Midlej Maron 42


EMERJ – CP IV Direito Administrativo IV

ocorrência de mais de cinco anos do início da data em que o referido tributo podia
ser exigido.
8. Recurso especial provido para reconhecer prescrita a exigibilidade tributária dos
valores referentes aos períodos anteriores a 01/08/1996, nos termos fixados pelo
artigo 177 do Código Tributário Nacional. Ônus sucumbenciais na forma como
fixados na sentença.”

Veja o informativo 500, do STF:


“Serviços de Água e Saneamento Básico - 3
O Tribunal retomou julgamento de medida liminar em ação direta ajuizada pelo
Partido dos Trabalhadores - PT contra dispositivos da Constituição do Estado da
Bahia, na redação dada pela Emenda Constitucional 7/99 - v. Informativos 166 e
418. O Min. Gilmar Mendes, em voto-vista, na linha do que expôs no julgamento
acima mencionado, acompanhou o voto do Min. Ilmar Galvão, relator, para
suspender a expressão "assim considerados aqueles cuja execução tenha início e
conclusão no seu limite territorial, e que seja realizado, quando for o caso,
exclusivamente com seus recursos naturais", do inciso V do art. 59 e do caput do
art. 228 da Constituição estadual, declarando a subsistência das normas ordinárias
editadas e dos atos administrativos implementados na forma dos dispositivos
suspensos, até o julgamento definitivo da presente ação. Considerou pertinente
ponderar que as alterações promovidas pela EC 7/99 sustentariam atos legislativos
e administrativos que seriam indispensáveis para a continuidade da prestação do
serviço de saneamento básico. Assim, a suspensão dos referidos dispositivos
constitucionais, sem ressalvar a legislação ordinária editada e eventuais contratos
de concessão, poderia resultar na imediata interrupção do serviço público de
saneamento básico, com graves conseqüências para a população e para a saúde
pública. Após, o julgamento foi adiado em virtude do pedido de vista do Min.
Ricardo Lewandowski. ADI 2077 MC/BA, rel. Min. Ilmar Galvão, 3.4.2008.
(ADI-2077)”

Questão 2

Após a verificação de várias análises, constatou-se que as águas do rio dos


Cabritos (correntes dentro de Município de Itapé) tiveram sua qualidade prejudicada pelo
recebimento constante de esgotos domésticos ao longo de seu percurso. Para obstar a
continuidade da poluição, bem como ressarcir o dano já causado, propõe o Ministério
Público estadual ação civil pública contra a Prefeitura do Município de Itapé e contra a
Companhia de Saneamento Estadual, concessionária contratada por aquela
municipalidade para a realização do serviço de coleta de esgoto, em litisconsórcio passivo
facultativo (CPC, art. 46, I), por entender ser hipótese de solidariedade. Observando-se o
disposto na Constituição da República, arts. 23, VI e 225, bem como os arts. 3º, III e IV e
14, §1º, da Lei 6.938/81, decida sobre a legitimidade passiva, enfocando a natureza da
responsabilidade entre o concedente e a concessionária, na hipótese de dano ao meio
ambiente.

Resposta à Questão 2

A responsabilidade é solidária, havendo a figura do poluidor direto – o


concessionário – e o poluidor indireto – o poder concedente. Aplica-se o artigo 14 da Lei
6.938/81.

Michell Nunes Midlej Maron 43


EMERJ – CP IV Direito Administrativo IV

Veja o REsp. 28.222:

“REsp 28222 / SP. DJ 15/10/2001 p. 253.


DIREITO ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. ARTIGOS 23, INCISO VI E
225, AMBOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CONCESSÃO DE SERVIÇO
PÚBLICO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO MUNICÍPIO.
SOLIDARIEDADE DO PODER CONCEDENTE. DANO DECORRENTE DA
EXECUÇÃO DO OBJETO DO CONTRATO DE CONCESSÃO FIRMADO
ENTRE A RECORRENTE E A COMPANHIA DE SANEAMENTO BÁSICO DO
ESTADO DE SÃO PAULO - SABESP (DELEGATÁRIA DO SERVIÇO
MUNICIPAL). AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL.
IMPOSSIBILIDADE DE EXCLUSÃO DE RESPONSABILIDADE DO
MUNICÍPIO POR ATO DE CONCESSIONÁRIO DO QUAL É FIADOR DA
REGULARIDADE DO SERVIÇO CONCEDIDO. OMISSÃO NO DEVER DE
FISCALIZAÇÃO DA BOA EXECUÇÃO DO CONTRATO PERANTE O POVO.
RECURSO ESPECIAL PROVIDO PARA RECONHECER A LEGITIMIDADE
PASSIVA DO MUNICÍPIO.
I - O Município de Itapetininga é responsável, solidariamente, com o
concessionário de serviço público municipal, com quem firmou "convênio" para
realização do serviço de coleta de esgoto urbano, pela poluição causada no
Ribeirão Carrito, ou Ribeirão Taboãozinho.
II - Nas ações coletivas de proteção a direitos metaindividuais, como o direito ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado, a responsabilidade do poder
concedente não é subsidiária, na forma da novel lei das concessões (Lei n.º 8.987
de 13.02.95), mas objetiva e, portanto, solidária com o concessionário de serviço
público, contra quem possui direito de regresso, com espeque no art. 14, § 1° da
Lei n.º 6.938/81. Não se discute, portanto, a liceidade das atividades exercidas pelo
concessionário, ou a legalidade do contrato administrativo que concedeu a
exploração de serviço público; o que importa é a potencialidade do dano ambiental
e sua pronta reparação.”

Questão 3

Um veículo particular colidiu com um cavalo que escapara da fazenda de seu


proprietário e, subitamente, atravessa a pista de uma rodovia interestadual, em ponto
situado na divisa do Estado do Rio de Janeiro. Resultaram do acidente a morte do
motorista e lesões graves nos demais passageiros, cujos familiares ajuizaram, na Justiça
Comum, ação de responsabilidade civil, almejando a reparação de danos materiais e
morais. Estabelecido que se trata de rodovia federal, sujeita à fiscalização da Polícia
Rodoviária Federal (órgão subordinado ao Ministério da Justiça), mas que teve delegada
a uma concessionária privada mediante licitação e contrato celebrado com o DNER
(autarquia vinculada à administração federal indireta), a prestação da respectiva execução
dos serviços públicos de sua manutenção e exploração, esclareça, fundamentadamente, em
face das normas legais de regência do tema, quem está legitimado para responder à
demanda reparatória - a União, ou a Polícia Rodoviária Federal, ou o DNER, ou o Estado
do Rio de Janeiro, ou a Concessionária ou o dono do animal, ou todos em litisconsórcio
passivo necessário?

Resposta à Questão 3

Michell Nunes Midlej Maron 44


EMERJ – CP IV Direito Administrativo IV

A relação primária é do usuário com o concessionário, na forma do artigo 25 da Lei


8.987/95, sendo este o responsável, sem se falar em litisconsórcio passivo necessário. Se
preferir, pode o particular colocar o dono do animal no pólo passivo, em litisconsórcio
facultativo. Os demais apontados não têm responsabilidade.
Veja o REsp. 647.710:

“REsp 647710 / RJ. DJ 30/06/2006 p. 216.


RECURSO ESPECIAL. ACIDENTE EM ESTRADA. ANIMAL NA PISTA.
RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO
PÚBLICO. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. PRECEDENTES.
Conforme jurisprudência desta Terceira Turma, as concessionárias de serviços
rodoviários, nas suas relações com os usuários, estão subordinadas à legislação
consumerista. Portanto, respondem, objetivamente, por qualquer defeito na
prestação do serviço, pela manutenção da rodovia em todos os aspectos,
respondendo, inclusive, pelos acidentes provocados pela presença de animais na
pista. Recurso especial provido.”

Tema IV

Permissão de Serviços Públicos. Conceito, natureza, referências constitucionais. Aplicação de regras das
concessões. Extinção. Serviços públicos autorizados e delegados.

Notas de Aula7

1. Permissão de serviços públicos

Antigamente, a diferença entre permissão e concessão do serviço publico era bem


clara: a concessão era contrato, precedido de licitação, enquanto a permissão era ato
administrativo, discricionário e precário, sem necessidade de prévia licitação. Hoje, isto não
procede, por conta do artigo 175 da CRFB:

7
Aula ministrada pelo professor Sérgio Luiz Ribeiro de Souza, em 9/10/2009.

Michell Nunes Midlej Maron 45


EMERJ – CP IV Direito Administrativo IV

“Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime
de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços
públicos.
(...)”

Este dispositivo fez exigida a licitação também para a permissão de serviço público.
A doutrina, em primeiro momento, defendeu que continuava, a permissão de serviço, sendo
um ato administrativo, mas excepcionalmente precedido de licitação.
Contudo, a Lei 8.987/95 sobreveio e, no seu artigo 40, pôs fim à discussão:

“Art. 40. A permissão de serviço público será formalizada mediante contrato de


adesão, que observará os termos desta Lei, das demais normas pertinentes e do
edital de licitação, inclusive quanto à precariedade e à revogabilidade unilateral do
contrato pelo poder concedente.
Parágrafo único. Aplica-se às permissões o disposto nesta Lei.”

O que este artigo supra fez foi contratualizar a permissão de serviço público. Hoje,
portanto, esta é a natureza da permissão de serviço público: contrato administrativo,
precedido da devida licitação.
Com isso, uma tarefa que era simples se demonstra, agora, intrincada: como
diferenciar a concessão da permissão de serviço público. O STF, por exemplo, não vê mais
quase nenhuma diferença entre os institutos. Na Lei 8.987/95, há pequena diferença apenas
quanto a quem pode figurar em um ou outro contrato, como concessionário ou
permissionário: na concessão, pode ser concessionária pessoa jurídica ou consórcio de
empresas, mas não pessoa natural; na permissão, pode ser permissionária a pessoa jurídica
ou a pessoa natural, mas não o consórcio de empresas.
Outra pequena diferença que poderia ser apontada, mas é facilmente questionável,
reside na forma do contrato: na permissão, o contrato é de adesão, como expressamente diz
o artigo supra; na concessão, não há menção expressa. Mas perceba que, em verdade, toda
concessão será também um contrato de adesão, dada a alta vinculação do edital à minuta do
contrato, que constará do edital, vinculando praticamente todo o contrato administrativo de
concessão, à exceção de pequena área flexível dedicada à proposta vencedora – que pode
ser apenas o preço. É essencialmente contrato de adesão.
Outra diferença apontada é quanto à estabilidade do contrato: o de permissão é
considerado precário, enquanto o de concessão é estável. Ora, a concessão pode ser extinta
por razões de interesse público, como se passa quando há a encampação, o que demonstra
também certa precariedade.
Aponta-se ainda, como peculiaridade da permissão, a sua revogabilidade unilateral
por parte da Administração, tal como se revoga um ato administrativo discricionário. A
maioria absoluta da doutrina, porém, diz que esta revogação não é possível, podendo,
outrossim, haver a extinção do contrato por iniciativa da Administração, nas mesmas
situações em que se extingue o contrato de concessão, pois assim comanda o parágrafo
único do artigo 40 da Lei 8.987/95, supra – tudo que se disse sobre extinção das
concessões8, se aplica nas permissões de serviço.
Como se vê, a linha diferencial, hoje, é muito tênue. Para saber se será procedida
uma concessão ou uma permissão do serviço público, a Administração, na prática, deverá
8
As previsões sobre extinção do contrato de concessão de serviço público se aplicam também às parcerias
público-privadas.

Michell Nunes Midlej Maron 46


EMERJ – CP IV Direito Administrativo IV

pautar-se no valor do investimento e no tempo do contrato: quanto maiores, mais


recomendam a concessão; o inverso, recomenda permissão. E se o investimento e o prazo
do serviço forem de pequena monta, será utilizável até mesmo a autorização de serviço
público. Há também quem entenda que deva ser pauta dos instrumentos o interesse público,
nesta mesma proporção: mínimo interesse público, e maior interesse privado, basta
autorização; equilíbrio entre interesse público e interesse privado, permissão; alto interesse
público, concessão. Mas são critérios sugeridos, práticos, não legais.

1.1. Permissão qualificada, ou condicionada

Trata-se da permissão de serviço público que conta com prazo de duração pré-
estabelecido. Esta classificação perdeu um pouco da importância, em se tratando de
permissão de serviço público, ante a sua contratualização, mas tem relevância forte, ainda,
na permissão de uso de bem público.
Isto porque esta permissão de uso, não contratualizada, se trata de ato administrativo
discricionário e precário, firmado sem prazo certo, em regra, pelo que o ato pode ser
revogado a qualquer tempo, bastando que o interesse público recomende esta revogação,
sem que represente nenhuma frustração de expectativas do permissionário, que sempre foi
sabedor da precariedade de seu título – ou seja, não há qualquer indenizabilidade.
Se, então, a permissão de uso de bem público for qualificada, com prazo de duração
fixado, o permissionário já terá uma expectativa legitimamente criada pelo título. Veja que
a permissão qualificada continua sendo precária, ou seja, a revogação continua sendo livre,
mas o permissionário poderá haver indenização, se a revogação antes do tempo fixado
causar-lhe prejuízos. Esta indenização se atém aos danos emergentes, para a maioria da
doutrina, mas Celso Antônio Bandeira de Mello defende, isoladamente, que também os
lucros cessantes são indenizáveis ao permissionário qualificado frustrado9.
Como dito, com a contratualização da permissão de serviço público, sempre haverá
prazo, ou seja, sempre haverá direito à indenização pela extinção induzida pela
Administração, sem culpa do permissionário.

2. Autorização de serviço público

Primeiro questionamento é se existe ou não este instituto. A CRFB diz, no artigo 21,
XI e XII, que este instrumento é vigente:

“Art. 21. Compete à União:


(...)
XI - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os
serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização
dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais;
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 8, de 15/08/95:)
XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão:
a) os serviços de radiodifusão sonora, e de sons e imagens;(Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 8, de 15/08/95:)
b) os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos
cursos de água, em articulação com os Estados onde se situam os potenciais
hidroenergéticos;

9
O mesmo raciocínio se reproduz nas autorizações qualificadas.

Michell Nunes Midlej Maron 47


EMERJ – CP IV Direito Administrativo IV

c) a navegação aérea, aeroespacial e a infra-estrutura aeroportuária;


d) os serviços de transporte ferroviário e aquaviário entre portos brasileiros e
fronteiras nacionais, ou que transponham os limites de Estado ou Território;
e) os serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros;
f) os portos marítimos, fluviais e lacustres;
(...)”

O problema está na leitura do artigo 175 da CRFB, já transcrito, que não fala da
autorização de serviço público.
Há autores que defendem que a autorização de serviço público pode ser pactuada
sem qualquer óbice, valendo-se do critério que a Administração entender melhor para
eleger este instrumento. De outro lado, há quem entenda que a autorização de serviço
público é sim cabível, mas não livremente, devendo ater-se às hipóteses taxativamente
arroladas no artigo 21, XI e XII, da CRFB, supra. Esta segunda corrente, inclusive,
argumenta que as hipóteses deste artigo 21 da CRFB, na essência, não são delegações de
serviços públicos: são apenas afastamentos de óbices a que tais serviços sejam prestados
por particulares, sendo, na verdade, uma autorização para realização de determinada
atividade, que d’outrarte seria vedada ao particular – raciocínio que faz esta autorização
assemelhar-se a uma autorização para porte de arma, por exemplo.
Há situações da praxe que geram discussões, a exemplo do serviço de táxis: tratar-
se-ia de permissão ou autorização de serviço público? Veja que se for permissão, deveria
ser precedida de licitação, o que se sabe não ocorrer nunca. Se for autorização, é precária,
podendo ser revogada a qualquer tempo – o que também jamais ocorre. É zona nebulosa, de
fato.
A Lei 9.074/95, que trata de concessões e permissões de serviço público, nos artigos
7° e 8° dispõe que:

“Art. 7° São objeto de autorização:


I - a implantação de usinas termelétricas, de potência superior a 5.000 kW,
destinada a uso exclusivo do autoprodutor;
II - o aproveitamento de potenciais hidráulicos, de potência superior a 1.000 kW e
igual ou inferior a 10.000 kW, destinados a uso exclusivo do autoprodutor.
Parágrafo único. As usinas termelétricas referidas neste e nos arts. 5º e 6º não
compreendem aquelas cuja fonte primária de energia é a nuclear.”
“Art. 8º O aproveitamento de potenciais hidráulicos, iguais ou inferiores a 1.000
kW, e a implantação de usinas termelétricas de potência igual ou inferior a 5.000
kW, estão dispensadas de concessão, permissão ou autorização, devendo apenas ser
comunicados ao poder concedente.”

Assim, são casos expressos de cabimento da autorização, e até mesmo de dispensa


de qualquer formalidade maior, bastando a comunicação ao poder concedente, mas que não
são, a rigor, autorizações de serviço público, porque o seu proveito se destina unicamente
ao consumo próprio pelo produtor da energia.

Michell Nunes Midlej Maron 48


EMERJ – CP IV Direito Administrativo IV

Casos Concretos

Questão 1

AUTOVIAÇÃO ABC LTDA. impetra mandado de segurança contra ato do


Presidente do Departamento de Transportes Rodoviários - DETRO/RJ, que, a título de
linha experimental, criou a Linha Barreto-Praça XV, sem prazo determinado de
funcionamento, e outorgou a sua exploração à Expresso Barreto Ltda. Alega ter sido o ato
praticado com desvio e abuso de poder, contrariando a lei e o direito, além de acarretar
prejuízos insuportáveis para a impetrante, já que a nova linha fará captação de sua
clientela. Pede a cassação do ato.
Em suas informações, sustenta a autoridade impetrada: não se trata de linha nova
mas sim de linha experimental, provisória, cuja implantação definitiva dependerá da
observação do seu desempenho por um prazo razoável; não se pode falar em abuso ou
desvio de poder porque a linha experimental tem por finalidade melhor atender a

Michell Nunes Midlej Maron 49


EMERJ – CP IV Direito Administrativo IV

população; a alegada captação de clientela é matéria de fato que não pode ser
comprovada na via mandamental; Decreto Estadual nº 3.893/81 permite a instalação de
linha experimental.
Pugna pela denegação da ordem. O Ministério Público opina nesse sentido.
Decida, fundamentadamente.

Resposta à Questão 1

Aplicando-se supletivamente a Lei 8.666/93, tem-se que o rol das dispensas de


licitação é taxativo, enquanto o de inexigibilidades é exemplificativo, e como não há esta
hipótese de dispensa, ela é impossível. Mas veja que há ainda quem defenda que
simplesmente não existe dispensa de licitação em concessões e permissões de serviço
público, porque a Lei 8.987/95 não traz nenhuma hipótese.
Veja a Apelação Cível 1995.001.03410, do TJ/RJ:

“Processo 1995.001.03410. APELACAO. DES. SERGIO CAVALIERI FILHO -


Julgamento: 31/10/1995 - SEGUNDA CAMARA CIVEL.
TRANSPORTE COLETIVO INTERMUNICIPAL. CONCESSAO DE SERVICO.
PUBLICO. LINHA EXPERIMENTAL. LICITACAO PUBLICA. GARANTIA
CONSTITUCIONAL.
Transporte coletivo. Linha experimental. Ausência de concorrência publica.
Hipótese de dispensa de licitação não prevista em lei. Nulidade. A concessão ou
permissão do serviço de transporte coletivo imprescinde de previa licitação,
principio constitucional cardeal para toda a Administração Publica, pois, alem de
propiciar igualdade de condições e oportunidades para todos os que querem
contratar obras e serviços com a Administração, atua ainda como fator de
eficiência e moralidade dos negócios públicos. A essa regra a Constituição só abre
exceção nos casos expressamente previstos em lei, entre os quais não figura a
criação de linha experimental. Logo, a utilização de tal expediente, previsto em
Decreto já revogado pela nova ordem jurídica vigente, configura hipótese de
dispensa de licitação não prevista na lei, destinado a burlar principio
constitucional. Provimento do recurso.”

Questão 2

O Município de Itaú decide retomar o serviço de transportes urbanos de


passageiros, executado por empresa privada através de permissão. A empresa, então,
reivindica indenização ao Município, mas este se recusa a atender sob a alegação de que,
pela Lei 8.987/95, a permissão se consubstancia por delegação a título precário,
qualificação esta repetida no artigo 40 do mesmo diploma. Ante tal confronto, pergunta-se:
a) É cabível a encampação da permissão? Por quê?
b) Diante do texto legal, procede a alegação do Município quanto à inexistência de
obrigação indenizatória na hipótese? Justifique.

Resposta à Questão 2

a) É cabível, porque o artigo 40, parágrafo único, da Lei 8.987/95 faz aplicáveis à
permissão as previsões dadas à concessão.

Michell Nunes Midlej Maron 50


EMERJ – CP IV Direito Administrativo IV

b) Não: a encampação pressupõe lei autorizativa específica e indenização prévia,


na forma do artigo 37 da Lei 8.987/95.

Questão 3

A Caixa Econômica Federal revogou compulsoriamente a permissão concedida


para o funcionamento da Casa Loteria Sorte Grande.
Inconformados, os sócios da Casa Lotérica impetraram mandado de segurança
alegando que, embora a permissão seja ato unilateral, precário e passível de revogação a
qualquer tempo, a sua desconstituição reclama, ao longo do respectivo procedimento
administrativo, a observância da ampla defesa e do contraditório.
Nas informações a CEF sustentou estar a permissão sujeita somente à
discricionariedade administrativa, não condicionada à conclusão de procedimento
administrativo para sua revogação.
Pergunta-se:
Deve ser concedido ou negado o mandamus? Fundamente sua resposta.

Resposta à Questão 3

O mandamus deve ser deferido, ante a violação à ampla defesa e contraditório.


Veja o Ag. Rg. no Ag. 561.648, do STJ:

“AgRg no Ag 561648 / RS. DJ 10/05/2004 p. 249.


ADMINISTRATIVO. CASA LOTÉRICA. PERMISSÃO DE SERVIÇO
PÚBLICO. RESCISÃO. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. GARANTIA
DA AMPLA DEFESA.
1. Ainda que contrato de permissão de serviço público seja revestido dos atributos
da discricionariedade, unilateralidade e precariedade, a sua rescisão reclama o
regular desenvolvimento do procedimento administrativo, no qual deve sempre ser
observado o postulado da garantia de defesa.
2. Agravo regimental não provido.”
Tema V

Agência Reguladora. Fonte normativa. Natureza jurídica. Função. Regime jurídico dos servidores.

Notas de Aula10

1. Agências reguladoras

A sede normativa maior é a CRFB, por certo, sendo o primeiro grande marco
regulatório a promulgação das Emendas Constitucionais 8 e 9 de 1995, que introduziram,
respectivamente, as redações atuais dos artigos 21, XI, e 177, § 2°, na CRFB:

“Art. 21. Compete à União:


(...)
XI - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os
serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização
10
Aula ministrada pela professora Alexandra da Silva Amaral, em 13/10/2009.

Michell Nunes Midlej Maron 51


EMERJ – CP IV Direito Administrativo IV

dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais;


(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 8, de 15/08/95:)
(...)”

“Art. 177. Constituem monopólio da União:


I - a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros
hidrocarbonetos fluidos;
II - a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro;
III - a importação e exportação dos produtos e derivados básicos resultantes das
atividades previstas nos incisos anteriores;
IV - o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados
básicos de petróleo produzidos no País, bem assim o transporte, por meio de
conduto, de petróleo bruto, seus derivados e gás natural de qualquer origem;
V - a pesquisa, a lavra, o enriquecimento, o reprocessamento, a industrialização e o
comércio de minérios e minerais nucleares e seus derivados, com exceção dos
radioisótopos cuja produção, comercialização e utilização poderão ser autorizadas
sob regime de permissão, conforme as alíneas b e c do inciso XXIII do caput do
art. 21 desta Constituição Federal. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº
49, de 2006)
§ 1º A União poderá contratar com empresas estatais ou privadas a realização das
atividades previstas nos incisos I a IV deste artigo observadas as condições
estabelecidas em lei.(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 9, de 1995)
§ 2º A lei a que se refere o § 1º disporá sobre: (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 9, de 1995)
I - a garantia do fornecimento dos derivados de petróleo em todo o território
nacional; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 9, de 1995)
II - as condições de contratação; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 9, de
1995)
III - a estrutura e atribuições do órgão regulador do monopólio da União; (Incluído
pela Emenda Constitucional nº 9, de 1995)
(...)”

O primeiro marco regulatório mundial, em verdade, ocorreu nos Estados Unidos, na


década de trinta, como efeito da crise econômica de 1929.
A regulação do artigo 177 da CRFB diz respeito ao petróleo, e é de fato o primeiro
grande marco deste tratamento, no Brasil. Nesta regulação, prestigiou-se, como se vê, o
regime de concessão do serviço público. Hoje, estamos em época de antever um segundo
grande marco regulatório do petróleo, eis que a atividade de exploração do pré-sal está em
vias de ser regulada, e provavelmente será feita sob a forma de partilha.
O § 2° do artigo 177 supra é erroneamente apontado por alguns como a quebra do
monopólio da atividade petrolífera no Brasil. Esta assertiva não procede porque não há
quebra: há certa mitigação, relativização, mas a atividade ainda é monopolizada pela União,
como diz o caput.
Veja que a CRFB só traz matrizes normativas para as atividades de telecomunicação
e exploração de petróleo. Contudo, há atividade de regulação, tratada expressamente em lei,
em uma série de atividades. O estabelecimento de órgãos reguladores em nível federal se
dirige às seguintes atividades:

- Lei 8.854/94 – Cria, com natureza civil, a Agência Espacial Brasileira (AEB).

Michell Nunes Midlej Maron 52


EMERJ – CP IV Direito Administrativo IV

- Lei 9.472/97 – Dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, a


criação e funcionamento de um órgão regulador (Anatel) e outros aspectos
institucionais, nos termos da Emenda Constitucional nº 8, de 1995.

- Lei 9.427/97 – Institui a Agência Nacional de Energia Elétrica - Aneel, e disciplina


o regime das concessões de serviços públicos de energia elétrica.

- Lei 9.478/97 – Dispõe sobre a política energética nacional, as atividades relativas


ao monopólio do petróleo, institui o Conselho Nacional de Política Energética e a
Agência Nacional do Petróleo – ANP.

- Lei 9.782/99 – Define o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, cria a Agência


Nacional de Vigilância Sanitária - Anvisa.

- Lei 9.961/00 – Cria a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS.

- Lei 10.233/01 – Dispõe sobre a reestruturação dos transportes aquaviário e


terrestre, cria o Conselho Nacional de Integração de Políticas de Transporte, a
Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT, a Agência Nacional de
Transportes Aquaviários – Antaq, e o Departamento Nacional de Infra-Estrutura de
Transportes.

- MP 2.228-1/01 - Estabelece princípios gerais da Política Nacional do Cinema, cria


o Conselho Superior do Cinema e a Agência Nacional do Cinema - Ancine, institui
o Programa de Apoio ao Desenvolvimento do Cinema Nacional - Prodecine,
autoriza a criação de Fundos de Financiamento da Indústria Cinematográfica
Nacional - Funcines, altera a legislação sobre a Contribuição para o
Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional.

- Lei 9.984/00 – Dispõe sobre a criação da Agência Nacional de Águas - ANA,


entidade federal de implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e de
coordenação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos.

- Lei 11.182/05 – Cria a Agência Nacional de Aviação Civil – Anac.

Para alguns autores, como Marçal Justen Filho, a não previsão das agências
reguladoras na CRFB torna-as inconstitucional. Sendo assim, apenas a Anatel e a ANP são
constitucionais, eis que têm matrizes constitucionais, como visto. É posição minoritária,
mas relevante. Diogo de Figueiredo Moreira Neto, José dos Santos Carvalho Filho e
Marcos Juruena, por seu turno, aceitam tranqüilamente a idéia da regulação com base em
lei, não carecendo de porto constitucional direto, como diz Marçal.
Crítica quase uníssona, porém, sofre a Ancine, eis que o instrumento de criação
desta agência não é sequer lei em sentido formal. A MP 2.228-1 é de difícil justificação,
sendo mesmo desconsiderada a sua validade para alguns autores, como Diogo de
Figueiredo. Para a doutrina maior, esta entidade existe com nomenclatura de agência
reguladora, mas não o seria, tecnicamente, uma agência.

Michell Nunes Midlej Maron 53


EMERJ – CP IV Direito Administrativo IV

A doutrina majoritária ainda admite que haja exercício de atividade regulatória sem
que haja a alcunha de agência reguladora. Por exemplo, a CVM é reconhecidamente
regulatória do mercado de valores mobiliários, sem ser formalmente uma agência
reguladora (à exceção de Alexandre Aragão). O Cade – Conselho Administrativo de Defesa
Econômica – tem sido apontado como entidade reguladora, mas é mais frágil sua
concepção como tal. Se for unido à SDE – Secretaria de Desenvolvimento Econômico –, aí
então certamente assumirá caráter de agência reguladora.
De uma ou de outra forma, formalmente instituída como agência reguladora ou não,
se a entidade preencher os caracteres notáveis de uma agência, assim o será. As
características serão abordadas logo adiante.
Uma lei é deveras importante no tratamento das questões relativas à estruturação
das agências reguladoras: a Lei 9.986/00. Este diploma trata de normas gerais sobre a
gestão de recursos humanos das agências reguladoras, dentre outras providências. Esta lei
será estudada pontualmente, no que for mais relevante.
Em nível estadual, no Rio de Janeiro, a atividade regulatória é bem mais enxuta.
Hoje, há duas agências reguladoras estaduais, quais sejam, a Agetransp, de transportes em
geral, tratada na Lei Estadual 4.555/05, e a Agenersa, de energia e saneamento básico, vista
na Lei Estadual 4.556/05.
A tendência do modelo regulatório, atualmente, é a redução. Na onda do primeiro
marco regulatório, houve um verdadeiro boom de criação de agências reguladoras, tidas por
solução para a guia de todos os mercados. Ocorre que o custo de tal estrutura é elevado, e
infla o Estado de forma pouco saudável. Assim, a atuação regulatória tem sido vista, hoje,
como necessária apenas em mercados estratégicos, atividades de majorado interesse
público. Aos demais setores, a autoregulação é suficiente.

1.1. Natureza jurídica

Para definir a natureza jurídica das agências reguladoras, pode-se partir da leitura do
artigo 8°, § 2°, da Lei 9.472/97 (Anatel):
“Art. 8° Fica criada a Agência Nacional de Telecomunicações, entidade integrante
da Administração Pública Federal indireta, submetida a regime autárquico especial
e vinculada ao Ministério das Comunicações, com a função de órgão regulador das
telecomunicações, com sede no Distrito Federal, podendo estabelecer unidades
regionais.
§ 1º A Agência terá como órgão máximo o Conselho Diretor, devendo contar,
também, com um Conselho Consultivo, uma Procuradoria, uma Corregedoria, uma
Biblioteca e uma Ouvidoria, além das unidades especializadas incumbidas de
diferentes funções.
§ 2º A natureza de autarquia especial conferida à Agência é caracterizada por
independência administrativa, ausência de subordinação hierárquica, mandato fixo
e estabilidade de seus dirigentes e autonomia financeira.”

O conceito de autarquia especial é consenso na doutrina. A natureza jurídica, então,


é esta, mas é preciso definir exatamente os limites do que se entende por “especial” nestas
autarquias reguladoras. O § 2° do artigo supra fornece bons elementos para tanto.
Veja: a agência reguladora tem independência administrativa, ausência de
subordinação hierárquica, mandato fixo, estabilidade de seus dirigentes e autonomia
financeira. De todos estes atributos, apenas dois são exclusivos das agências reguladoras,
ausentes das autarquias ordinárias: o mandato fixo e a estabilidade dos dirigentes. São estes

Michell Nunes Midlej Maron 54


EMERJ – CP IV Direito Administrativo IV

quesitos que diferem, verdadeiramente, as agências reguladoras das demais autarquias, e


portanto são a nota “especial” dada à natureza jurídica destas autarquias – os demais
atributos são comuns a todas.
Em uma autarquia comum, os cargos de direção são ocupados por pessoas de
confiança do governo do respectivo ente federativo. Findo o mandato dos governantes dos
respectivos entes, finda-se o mandato de tais diretores. Em uma agência reguladora, a
nomeação de um dirigente responderá a um mandato fixo, com prazo certo, normalmente
de quatro anos: não se permite a exoneração ad nutum, como nas autarquias ordinárias.
Esta vedação à livre exoneração, durante o mandato, substancia a segunda nota
especial das agências reguladoras, a estabilidade dos dirigentes. É claro que esta
estabilidade não se confunde com a estabilidade do servidor público de cargo efetivo; trata-
se, sim, de uma proteção contra a livre exoneração, a dispensa imotivada, meramente
política, ad nutum.
Surge uma questão: existe coincidência de mandatos entre o chefe do respectivo
Poder Executivo e o dirigente da autarquia, ou seja, pode acontecer de um novo governante
eleito ter que tolerar, na direção de agências reguladoras, a presença de dirigentes
nomeados por seu antecessor?
Não há norma alguma vinculando um mandato a outro. O artigo 7° da Lei 9.986/00
dispõe apenas o seguinte:

“Art. 7° A lei de criação de cada Agência disporá sobre a forma da não-


coincidência de mandato.”

As leis de criação nada disseram. A doutrina polemiza sobre o tema, cindindo-se


basicamente em duas correntes. A primeira, capitaneada por Celso Antônio Bandeira de
Mello, acompanhado por Gustavo Binembojm, defende que a coincidência de mandatos é
necessária, sob o seguinte pretexto: a coexistência de dirigentes nomeados pelo antecessor,
possível opositor político, geraria uma crise de governabilidade, além de representar
verdadeira fraude às urnas. Entenda: o chefe do Executivo, recém eleito, plenamente
legitimado para governar, estará tolhido em sua governabilidade nos setores estratégicos
sob regulação das agências, ante a presença de dirigente que pode não estar afeito às novas
políticas que o novel governante pretende implementar. Por isso, a coincidência de
mandatos é imperativa.
A corrente oposta, capitaneada por Alexandre Aragão, defende que a independência
política das agências, a sua alheação das ingerências políticas, depende desta separação, ou
seja, em nada deve se comunicar o mandato do dirigente com o mandato do governante –
são funções completamente apartadas e distintas, a do chefe do Executivo e a do dirigente
da agência. Exemplo desta alheação tem-se no próprio STF, em que o membro nomeado
pelo Presidente da República permanece no cargo por muitos outros mandatos, de muitos
outros governantes, sem gerar qualquer crise.
Diga-se, há um projeto de lei geral das agências reguladoras, que pretende
estabelecer como regra a coincidência de mandatos, previsão que é reflexo da suposta crise
de governabilidade alegada pelo atual governo federal, quando do início do primeiro
mandato, em que coexistiram o novo governo e os dirigentes de agências nomeados
anteriormente.

Michell Nunes Midlej Maron 55


EMERJ – CP IV Direito Administrativo IV

Enfim, a natureza jurídica das agências reguladoras é de autarquia especial,


sustentando-se esta especialidade nos dois caracteres exclusivos destas agências, como dito,
o mandato fixo e a estabilidade dos dirigentes.
A doutrina aponta ainda a independência das agências reguladoras como nota
característica destas, mas as demais autarquias ordinárias também contam com as mesmas
independências, com a só diferença de nomenclatura, eis que se chama estes atributo, ali, de
autonomia – funcional, administrativa, financeira.
Vale dizer, porém, que as agências reguladoras contam com uma forte
independência técnica nem sempre presente nas autarquias ordinárias. É a chamada
discricionariedade técnica, margem de opção dada à agência para decidir da forma que
entender melhor, dentro dos parâmetros técnicos da matéria parta a qual é capacitada a
agência. Trata-se de uma discricionariedade pautada em normas técnicas do setor, e não em
mera argumentação de conveniência e oportunidade: é uma decisão em prol do que seja
mais conveniente e oportuno à Administração, de fato, mas porque as normas técnicas da
área indicam que assim o seja, e não porque o administrador se convenceu íntima, política e
subjetivamente, de que a opção é a melhor.
A independência política tem relação com a vedação à exoneração ad nutum,
fazendo com que o dirigente da agência não se sujeite às “variações de humor político” dos
governantes.
A independência financeira, hoje, ainda é uma recomendação, um dever-ser, mais
do que uma realidade. De fato, as demais independências dependem, na prática, da
independência financeira, porque somente com seu custeio garantido de forma autônoma do
ente federativo correspondente pode a agência atuar com verdadeira liberdade. A autonomia
financeira se obteria, por exemplo, através do recolhimento da taxa de regulação, tributo
vinculado de competência do ente respectivo, mas cuja capacidade tributária pode ser
entregue à agência pertinente.

1.2. Função reguladora

Segundo Diogo de Figueiredo, função reguladora é um híbrido das três funções


clássicas do Estado – função administrativa, legiferante e judicante11.
A função administrativa das agências reguladoras é de simples constatação, eis que
não se diferencia muito da função administrativa de qualquer autarquia comum. É nas
funções legiferante e judicante, ou judicativa, que a autarquia especial reguladora se
diferencia das demais. Vejamos.

1.2.1. Função judicante

A função judicante identifica a agência reguladora como uma entidade capaz de


solucionar conflitos surgidos na sua área de regulação, através dos meios extrajudiciais de

11
Evita-se o uso da expressão jurisdicional, preferindo-se judicante, porque classicamente se define que
jurisdição é monopólio do Poder Judiciário, e por isso correr-se-ia o risco de atecnia ao se falar em jurisdição
por entidades do Executivo.

Michell Nunes Midlej Maron 56


EMERJ – CP IV Direito Administrativo IV

solução de conflitos, como a conciliação, a mediação, a transação, e especialmente a


arbitragem.
A doutrina processual, especificamente Alexandre Câmara, entende impossível a
transação em matéria pública, especialmente em contratos administrativos, porque tal seara
está amplamente regrada pelo princípio da indisponibilidade do interesse público, e a
própria Lei da Arbitragem, Lei 9.307/96, logo no artigo 1°, veda este meio de solução em
direitos indisponíveis:

“Art. 1º As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para


dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.”

É claro que esta orientação processualista não se coaduna com a administrativista,


que aborda o princípio do interesse público de forma diferente: o interesse público é, de
fato, indisponível, mas os efeitos financeiros do interesse público são, sim, disponíveis, se
o legislador assim o quiser.
No caso dos contratos administrativos, por exemplo, há lei permitindo a disposição
destes efeitos, como se vê no artigo 23-A da Lei 8.987/95, ou o artigo 11, III, da Lei da PPP,
Lei 11.079/04:

“Art. 23-A. O contrato de concessão poderá prever o emprego de mecanismos


privados para resolução de disputas decorrentes ou relacionadas ao contrato,
inclusive a arbitragem, a ser realizada no Brasil e em língua portuguesa, nos
termos da Lei no 9.307, de 23 de setembro de 1996. (Incluído pela Lei nº 11.196,
de 2005)”

“Art. 11. O instrumento convocatório conterá minuta do contrato, indicará


expressamente a submissão da licitação às normas desta Lei e observará, no que
couber, os §§ 3o e 4o do art. 15, os arts. 18, 19 e 21 da Lei no 8.987, de 13 de
fevereiro de 1995, podendo ainda prever:
(...)
III – o emprego dos mecanismos privados de resolução de disputas, inclusive a
arbitragem, a ser realizada no Brasil e em língua portuguesa, nos termos da Lei no
9.307, de 23 de setembro de 1996, para dirimir conflitos decorrentes ou
relacionados ao contrato.
(...)”

Nesta linha, todas as leis instituidoras de agências reguladoras federais estabelecem


esta possibilidade de resolução privada de conflitos, e inclusive permitem que a própria
agência funcione como árbitro. Na AGU, diga-se, há inclusive uma Câmara de Conciliação
e Arbitragem dedicada a solucionar conflitos entre autarquias federais.

1.2.2. Função legiferante

A agência reguladora pode editar normas autônomas?


A doutrina mais conservadora – por todos, Diogo de Figueiredo e Marçal Justen
Filho – defende que não há função legiferante propriamente dita, mas apenas função
regulamentar, pela edição de atos normativos infralegais, regulamentos de execução,
explicitadores dos comandos legais. Não admitem, estes autores, a edição de regulamentos
autônomos.

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EMERJ – CP IV Direito Administrativo IV

A discussão sobre o poder legiferante das agências reguladoras passa, então,


necessariamente pela discussão sobre a existência dos regulamentos autônomos, tema
espinhoso na doutrina pátria. Autores importantes, como Celso Antônio Bandeira de Mello,
defendem ser inadmissível este modelo de ato normativo. Outra corrente, mais flexível,
entende que após a EC 32/01, que trouxe a redação do artigo 84, VI, da CRFB, é possível
existir regulamento autônomo, nas hipóteses ali previstas:

“Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:


(...)
VI - dispor sobre a organização e o funcionamento da administração federal, na
forma da lei;
VI - dispor, mediante decreto, sobre:(Redação dada pela Emenda Constitucional nº
32, de 2001)
a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar
aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos; (Incluída pela
Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos;(Incluída pela Emenda
Constitucional nº 32, de 2001)
(...)”

Veja que a redação anterior vinculava o tratamento à lei interposta, e a atual parece
dispensar a lei formal. Por isso, a corrente é forte.
Diogo de Figueiredo, ao tratar da agência reguladora, escapa desta discussão sobre
regulamentos autônomos, defendendo que a função legiferante destas agências é fruto de
um processo de deslegalização, ou seja, a lei formal que institui a agência reguladora, no
mesmo momento que cria a entidade, cria também um vácuo legislativo a ser preenchido
por esta agência, a partir de então. Assim, não se tratará de caber ou não regulamentos
autônomos em nosso ordenamento (porque, em verdade, este autor não os admite), eis que
os atos normativos destas agências terão sempre por pressuposto a lei formal que as
instituiu, não sendo essencialmente autônomos.
Este argumento da deslegalização é desnecessário para aqueles que defendem que o
regulamento autônomo é uma realidade possível, como Gustavo Binembojm. Basta se
reconhecer que é cabível este ato normativo autônomo para que a função legiferante da
agência reguladora esteja perfeitamente validada.
Vale dizer que as normas regulamentares editadas pelas agências reguladoras devem
sempre se pautar na já mencionada tecnicidade, discricionariedade técnica, que fundamenta
a atuação destas entidades.
A legitimidade da norma reguladora é outro ponto de discussão, porque não há
eleição popular dos diretores da agência reguladora. Carece, de fato, esta norma, da
legitimidade formal, oriunda do voto. Contudo, há legitimidade substancial, se a norma for
submetida previamente à participação popular em sua formulação, o que se dá por meio de
audiências públicas, consulta a órgãos civis especializados no tema, canais abertos para
ouvidoria da opinião pública, etc. Se assim for ouvida a sociedade, a norma reguladora tem
legitimidade substancial.

1.3. Regulação vs. regulamentação

Michell Nunes Midlej Maron 58


EMERJ – CP IV Direito Administrativo IV

Há uma série de diferenças entre os atos normativos, atos regulamentares


ordinários, e os atos regulamentares de regulação, atos normativos exarados pelas agências
reguladoras no exercício da função legiferante. Vejamo-las.
A regulamentação é pautada na velha noção de discricionariedade política, em
critérios abertos de conveniência e oportunidade, enquanto a regulação é calcada na
discricionariedade técnica, já abordada.
A regulamentação ordinária tem destinatários gerais, sendo atividade dispersa por
toda a Administração, enquanto a regulação se destina a um setor específico, aquele setor
por ela regulado.
Por fim, a regulação é eminente e essencialmente técnica, enquanto a
regulamentação é política – o que remonta à natureza da discricionariedade, já mencionado.
A regulação é instrumental, ferramental, enquanto a regulamentação é finalística, sem
cunho necessariamente técnico, mas sim intuitivo.

1.4. Regime de pessoal

Há que se dividir a abordagem do regime de pessoal das agências em dois grupos: o


dos dirigentes e o do quadro de apoio. Vejamos.

1.4.1. Regime dos dirigentes

A Lei 9.986/00 trata do tema, e no artigo 5° apresenta a forma de nomeação dos


dirigentes:

“Art. 5° O Presidente ou o Diretor-Geral ou o Diretor-Presidente (CD I) e os


demais membros do Conselho Diretor ou da Diretoria (CD II) serão brasileiros, de
reputação ilibada, formação universitária e elevado conceito no campo de
especialidade dos cargos para os quais serão nomeados, devendo ser escolhidos
pelo Presidente da República e por ele nomeados, após aprovação pelo Senado
Federal, nos termos da alínea f do inciso III do art. 52 da Constituição Federal.
Parágrafo único. O Presidente ou o Diretor-Geral ou o Diretor-Presidente será
nomeado pelo Presidente da República dentre os integrantes do Conselho Diretor
ou da Diretoria, respectivamente, e investido na função pelo prazo fixado no ato de
nomeação.”

A nomeação é sem concurso público, e os dirigentes são considerados agentes


políticos, nomeados pelo Presidente da República, com aprovação pelo Senado, ali
sabatinados – tal como ministros do STF. O dirigente precisa preencher os requisitos do
artigo supra, para ser considerado nomeável.
Esta forma de nomeação é um controle político, mas uma vez nomeados não há
mais ingerência sobre o cargo, que é estável durante o mandato fixo, vedada a exoneração
ad nutum, como visto.
Aspecto importante a ser abordado é a quarentena imposta aos dirigentes das
agências reguladoras. O artigo 8° desta Lei em comento assim dispõe:

“Art. 8° O ex-dirigente fica impedido para o exercício de atividades ou de prestar


qualquer serviço no setor regulado pela respectiva agência, por um período de
quatro meses, contados da exoneração ou do término do seu mandato. (Redação
dada pela Medida Provisória nº 2.216-37, de 2001)

Michell Nunes Midlej Maron 59


EMERJ – CP IV Direito Administrativo IV

§ 1° Inclui-se no período a que se refere o caput eventuais períodos de férias não


gozadas.
§ 2o Durante o impedimento, o ex-dirigente ficará vinculado à agência, fazendo
jus a remuneração compensatória equivalente à do cargo de direção que exerceu e
aos benefícios a ele inerentes. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.216-37,
de 2001)
§ 3° Aplica-se o disposto neste artigo ao ex-dirigente exonerado a pedido, se este já
tiver cumprido pelo menos seis meses do seu mandato.
§ 4° Incorre na prática de crime de advocacia administrativa, sujeitando-se às
penas da lei, o ex-dirigente que violar o impedimento previsto neste artigo, sem
prejuízo das demais sanções cabíveis, administrativas e civis. (Redação dada pela
Medida Provisória nº 2.216-37, de 2001)
§ 5° Na hipótese de o ex-dirigente ser servidor público, poderá ele optar pela
aplicação do disposto no § 2o, ou pelo retorno ao desempenho das funções de seu
cargo efetivo ou emprego público, desde que não haja conflito de interesse.
(Incluído pela Medida Provisória nº 2.216-37, de 2001)”

A quarentena proíbe a atuação do dirigente, pelo prazo de quatro meses após sua
saída do cargo, em atividades relacionadas à atividade regulada, no setor público ou no
privado. O prazo pode ser maior, como o é na Lei da Anatel, em que é de um ano.
Durante este período, o ex-dirigente será remunerado pela agência que dirigia, eis
que estará limitado em seu atuar profissional.
Marcos Juruena critica com veemência este instituto, por dois motivos: é claramente
ineficaz, porque o fato de se colocar este impedimento na atuação do ex-dirigente não
impede que ele exerça a influência no mercado, que é o que se quer afastar; e a
remuneração é absolutamente dispensável, eis que aquele que assume tal cargo não o faz
pela remuneração, mas por diversos fatores outros, como o prestígio curricular em sua área
profissional que ganha com tal posição.
Nomeados, os dirigentes só perdem o cargo mediante apuração de falta grave em
processo regular, ou se renunciarem ao posto, como dispõe o artigo 9° da Lei 9.986/00:

“Art. 9° Os Conselheiros e os Diretores somente perderão o mandato em caso de


renúncia, de condenação judicial transitada em julgado ou de processo
administrativo disciplinar.
Parágrafo único. A lei de criação da Agência poderá prever outras condições para a
perda do mandato.”

1.4.2. Regime do quadro de apoio

A Lei 9.986/00, quando editada, previu que os cargos do quadro de apoio seriam
prestados por analistas em regime celetista. Imediatamente, o PT ajuizou a ADI 2.310-1, e
o STF suspendeu a eficácia do artigo 1° desta Lei, continente desta norma, porque os
analistas destas agências são servidores que desempenham a sua função fim, que é função
pública, devendo ser regidos pelo regime estatutário.

“Art. 1° As Agências Reguladoras terão suas relações de trabalho regidas pela


Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de
maio de 1943, e legislação trabalhista correlata, em regime de emprego público.
(Vide Lei nº 10.871, de 2004) (Eficácia suspensa por concessão de liminar até o
julgamento final da ADIN 2310)”

Michell Nunes Midlej Maron 60


EMERJ – CP IV Direito Administrativo IV

Vale mencionar que a lei só pôde criar esta confusão porque a redação do artigo 39
da CRFB, após a EC 19/98, admitiu por um longo período a convivência entre regimes
celetista e estatutário no serviço público típico, sendo que o regime único, estatutário, era
vigente antes da referida emenda, e vige agora, após a declaração de inconstitucionalidade
desta EC 19/98, em partes, desde 2007. Veja o informativo 474 do STF:

“Emenda Constitucional 19, de 1998 - 9


Em conclusão de julgamento, o Tribunal deferiu parcialmente medida liminar em
ação direta ajuizada pelo Partido dos Trabalhadores - PT, pelo Partido Democrático
Trabalhista - PDT, pelo Partido Comunista do Brasil - PC do B, e pelo Partido
Socialista do Brasil - PSB, para suspender a vigência do art. 39, caput, da
Constituição Federal, com a redação que lhe foi dada pela Emenda Constitucional
19/98 ("A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão
conselho de política de administração e remuneração de pessoal, integrado por
servidores designados pelos respectivos Poderes."), mantida sua redação original,
que dispõe sobre a instituição do regime jurídico único dos servidores públicos - v.
Informativos 243, 249, 274 e 420. Entendeu-se caracterizada a aparente violação
ao § 2º do art. 60 da CF ("A proposta será discutida e votada em cada Casa do
Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em
ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros."), uma vez que o Plenário
da Câmara dos Deputados mantivera, em primeiro turno, a redação original do
caput do art. 39, e a comissão especial, incumbida de dar nova redação à proposta
de emenda constitucional, suprimira o dispositivo, colocando, em seu lugar, a
norma relativa ao § 2º, que havia sido aprovada em primeiro turno. Esclareceu-se
que a decisão terá efeitos ex nunc, subsistindo a legislação editada nos termos da
emenda declarada suspensa. Vencidos os Ministros Ricardo Lewandowski,
Joaquim Barbosa e Nelson Jobim, que indeferiam a liminar. ADI 2135 MC/DF, rel.
orig. Min. Néri da Silveira, rel. p/ o acórdão Min. Ellen Gracie, 2.8.2006. (ADI-
2135)”

Assim, podem conviver os regimes, mas não em atividades típicas de Estado.

Casos Concretos

Questão 1

Deve ser julgado procedente o pedido formulado em mandado de segurança


impetrado para impugnar, por vício de competência, declaração expropriatória emitida
pela Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL, na qual se declara a utilidade
pública, para fins de instituição de servidão administrativa, das áreas necessárias à
implantação de instalações de concessionárias de energia elétrica? Indique a base legal
que fundamenta a resposta.

Resposta à Questão 1

A regra geral é que a competência para a declaração de utilidade pública,


necessidade pública ou interesse social pertence ao ente político em referência – União,

Michell Nunes Midlej Maron 61


EMERJ – CP IV Direito Administrativo IV

Estado, Município ou Distrito Federal –, restando à agência apenas a execução da


expropriação, os atos materiais. Contudo, há exceções, e uma delas é justamente a Aneel.
O artigo 10 da Lei 9.074/95, lei que complementa a Lei 8.987/95 no tratamento do
setor elétrico, entrega a competência para tal declaração à Aneel:

“Art. 10. Cabe à Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL, declarar a


utilidade pública, para fins de desapropriação ou instituição de servidão
administrativa, das áreas necessárias à implantação de instalações de
concessionários, permissionários e autorizados de energia elétrica. (Redação dada
pela Lei nº 9.648, de 1998)”

Pelo ensejo, vale apontar outra exceção semelhante, que vem no artigo 82, IX, da
Lei 10.233/01 – ANTT e Antaq – que entrega tal competência ao DNIT:

“Art. 82. São atribuições do DNIT, em sua esfera de atuação:


(...)
IX – declarar a utilidade pública de bens e propriedades a serem desapropriados
para implantação do Sistema Federal de Viação;
(...)”

O mandado de segurança, portanto, não encontra amparo, devendo ser indeferido.

Questão 2

Associação de Consumidores dirige ao Governador do Estado recurso contra


decisão de entidade reguladora de serviços públicos, alegando que o ato foi proferido em
única instância, sem prévia audiência pública, sem pareceres técnicos suficientes e
contrariamente aos princípios estabelecidos na lei instituidora da entidade.
Consultada a Procuradoria Geral do Estado sobre o cabimento do recurso, emita a
sua opinião.

Resposta à Questão 2

A decisão não pode ser proferida em única instância, porque a lei impõe
revisibilidade de tais decisões, em todos os processos administrativos. Como exemplo, o
artigo 57 da Lei 9.784/99, que dita a pluralidade de instâncias administrativas:
“Art. 57. O recurso administrativo tramitará no máximo por três instâncias
administrativas, salvo disposição legal diversa.”

A falta de oitiva da opinião pública é causa de ilegitimidade da decisão, por carecer


de legitimidade substancial, ante o déficit democrático que enfrentam tais agências, cujos
dirigentes não são eleitos.
Falta, no caso, também a observação à tecnicidade, à discricionariedade técnica
devidamente enunciada pelo prolator da decisão.
Para além disso tudo, o problema da questão não reside na existência ou não de
vício na decisão da agência: o vício é claro. O problema nodal, de fato, é o direcionamento

Michell Nunes Midlej Maron 62


EMERJ – CP IV Direito Administrativo IV

do recurso que foi interposto para suscitar tais vícios ao Governador do Estado: a decisão
da agência reguladora, em última instância administrativa, pode ser alvejada pelo recurso
hierárquico impróprio, ante a independência política destas autarquias especiais?
Há três correntes sobre o tema. Hely Lopes Meirelles defende que o recurso
hierárquico impróprio é possível se a lei o previr expressamente; nesta leitura, não caberia o
recurso em tela, eis que nenhuma lei instituidora de agências reguladoras prevê tal recurso.
Segunda corrente, de Odete Medauar e Marcos Juruena, defende que a revisão pelo
ente político é possível, cabendo este recurso, porque é atributo inerente à tutela
administrativa, controle que a administração direta exerce sobre a indireta e que não se
confunde com controle hierárquico. Vale ressaltar que o controle calcado na tutela
administrativa não é livre, devendo ser acionado apenas quando há abuso de poder ou
desvio de finalidade por parte do dirigente da entidade da administração indireta – é
controle finalístico, somente.
Esta corrente de Odete Medauar, diga-se, é a mesma que adota a AGU, no parecer
vinculante AC 51.
Terceira corrente, de Alexandre Aragão, defende descabido qualquer recurso
hierárquico impróprio, em respeito à independência das entidades indiretas. Somente o
Judiciário pode rever tais decisões.
No Rio de Janeiro, a Lei Estadual 5.427/09, que trata do processo administrativo
estadual deste Estado, permite expressamente o cabimento de recurso hierárquico
impróprio neste âmbito. Veja o artigo 66 desta Lei Estadual:

“Art. 66. Das decisões finais produzidas no âmbito das entidades da administração
indireta caberá recurso administrativo, por motivo de ilegalidade, nas mesmas
condições estabelecidas neste capítulo, para o titular da Secretaria de Estado à qual
se vinculem.
§1º O recorrente deverá demonstrar, em preliminar do recurso, para apreciação
exclusiva do Secretário de Estado, a existência da repercussão geral.
§2º Para efeito da repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de
questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que
ultrapassem os interesses subjetivos do caso específico em exame.
§3º O recurso não será conhecido quando a questão jurídica nele versada não
oferecer repercussão geral, nos termos deste artigo.
§4º A decisão do recurso será precedida de manifestação do órgão de
assessoramento jurídico da Secretaria de Estado.
§5º A decisão do recurso limitar-se-á à declaração da ilegalidade da decisão e, em
sendo o caso, devolverá o processo à entidade de origem para prolação de nova
decisão.”

Questão 3

Uma Agência Reguladora de Telecomunicações contrata 354 pessoas sem concurso


público.
Pergunta-se:
a) Esta Agência agiu de forma correta? Como se dá a investidura no quadro efetivo
das Agências Reguladoras?
b) Qual o regime jurídico a que estão submetidos os servidores dessas Agências?
c) Qual a natureza jurídica das Agências Reguladoras? Esclareça se há algo que as
distingue do gênero ao qual pertencem.

Michell Nunes Midlej Maron 63


EMERJ – CP IV Direito Administrativo IV

Respostas fudamentadas.

Resposta à Questão 3

a) O concurso público é a regra para os quadros de apoio, ante o regime estatutário que
os rege, só não sendo exigido para os cargos de dirigentes destas agências.

b) Como dito, regime estatutário.

c) São autarquias especiais, e a principal diferença destas para as comuns é a


independência política, marcada pela vedação da exoneração ad nutum e pelo
mandato fixo dos dirigentes, além da alta tecnicidade que as norteia, fundamento da
independência técnica.

Questão 4

A Agência de Transportes Aquaviários - ANTAQ - instaurou processo


administrativo disciplinar em desfavor da sociedade empresária Apache Marítima S/A, por
descumprimento de dever estabelecido no contrato de concessão, referente à preservação
do meio ambiente. Após regular tramitação do PAD, com observância dos princípios
constitucionais e legais da ampla defesa e do contraditório, a sociedade foi punida com a
aplicação de uma multa no valor de R$ 250.000,00 (duzentos e cinqüenta mil reais).
Inconformada, interpôs Recurso Hierárquico, que foi recebido pela ANTAQ como pedido
de reconsideração, sendo apreciado e não acolhido pela mesma instância administrativa.
Por tal motivo, sobreveio nova insurgência, esta com o objetivo de submeter o recurso à
apreciação do Senhor Ministro de Estado dos Transportes, com fundamento nos artigos 87,
parágrafo único, I, da CRFB, e 170 do Decreto-Lei 200/67. Entretanto, com amparo em
parecer de sua Procuradoria-Geral, a Autarquia entendeu que suas decisões não estão
sujeitas a recurso administrativo para qualquer órgão ou autoridade da Administração
Pública Direta, tendo decidido, assim, pelo arquivamento do processo. Com base no
enunciado, responda fundamentadamente as seguintes questões:
a) A pretensão da Sociedade Apache Marítima de submeter a decisão da ANTAQ à
apreciação do Ministro de Estado de Transporte configura que tipo de recurso
administrativo?
b) É cabível esse tipo de recurso contra os atos decisórios das agências
reguladoras?

Resposta à Questão 4

a) Configura recurso hierárquico impróprio, que tem cabimento bastante


controvertido na doutrina. É hierárquico impróprio porque, na verdade, não há
hierarquia alguma entre o recorrido e o órgão ad quem.

b) Como dito, é altamente controvertido, havendo três posições doutrinárias.


Prevalece, em nível federal, o entendimento de que é cabível este recurso, inclusive
sendo de observância obrigatória o Parecer Vinculante AC 51, da AGU, que permite

Michell Nunes Midlej Maron 64


EMERJ – CP IV Direito Administrativo IV

tal recurso. Também no Estado do Rio de Janeiro é cabível, vindo previsto na Lei
Estadual 5.427/09, que regulamenta o processo administrativo nesta esfera.

Tema VI

Atuação do Estado no Domínio Econômico. Estado Regulador, Estado Executor e Estado Monopolista.
Regime jurídico da empresa prestadora de serviços públicos e da empresa que explora atividades
econômicas pelo Estado.

Notas de Aula12

1. Atuação do Estado no domínio econômico

José dos Santos Carvalho Filho aborda, de forma breve, os antecedentes históricos
da atuação do Estado no domínio econômico. Basicamente, duas são as escolas precedentes
à atual conjuntura, a do liberalismo econômico, permissiva da auto-regulamentação dos
mercados, vigente até o final do século XVIII (erigida na doutrina de Adam Smith, A
Riqueza das Nações, de 1776); e a do dirigismo econômico, fenômeno da
12
Aula ministrada pela professora Alexandra da Silva Amaral, em 13/10/2009.

Michell Nunes Midlej Maron 65


EMERJ – CP IV Direito Administrativo IV

constitucionalização normativa da ordem econômica, que se manifesta na nossa atual


Constituição, nos artigos 170 a 192, que serão abordados pontualmente. O dirigismo não
significa engessamento mercadológico, e sim uma orientação pontual, estratégica, por parte
do Estado.
O liberalismo econômico feneceu quando a crise de 1929 demonstrou que os
mercados não podem ser deixados completamente livres aos ventos de sua própria
regulamentação. Passando ao dirigismo, por conta do choque da crise do liberalismo, o
agente regulador passou a ter importante função, nos Estados Unidos, mas na América
Latina esta direção e controle passou às mãos diretas do Estado, estatizando-se o controle
econômico, por aqui, em primeiro momento.
O controle direto, a incursão direta do Estado no mercado, tem seu custo,
literalmente falando: a carga tributária é majorada, ante a majoração das despesas com a
máquina estatal. Sobremaneira, as contribuições especiais têm sido o maior escape para o
custeio das majoradas contas estatais.
O dirigismo econômico brasileiro está bem representado no artigo 174 da CRFB,
artigo que é verdadeira matriz da intervenção estatal no domínio econômica, ao lado do
artigo 173, que tem conteúdo mais especificamente voltado para a atuação direta do Estado
no meio econômico:

“Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado


exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento,
sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.
§ 1º - A lei estabelecerá as diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento
nacional equilibrado, o qual incorporará e compatibilizará os planos nacionais e
regionais de desenvolvimento.
§ 2º - A lei apoiará e estimulará o cooperativismo e outras formas de
associativismo.
§ 3º - O Estado favorecerá a organização da atividade garimpeira em cooperativas,
levando em conta a proteção do meio ambiente e a promoção econômico-social
dos garimpeiros.
§ 4º - As cooperativas a que se refere o parágrafo anterior terão prioridade na
autorização ou concessão para pesquisa e lavra dos recursos e jazidas de minerais
garimpáveis, nas áreas onde estejam atuando, e naquelas fixadas de acordo com o
art. 21, XXV, na forma da lei.”

Veja que o planejamento econômico é determinante para o setor público, mas no


que pertine ao setor privado, é meramente indicativo.

1.1. Estado regulador e Estado executor

É neste artigo que se introduz também a idéia de Estado regulador, enquanto no


artigo 173 da CRFB se verifica a base do Estado executor. O Estado regulador se destina a
planejar, fiscalizar, e até incentivar o mercado; o executor, por sua vez, atua diretamente no
mercado, ao lado da iniciativa privada ou solo (como nos monopólios, adiante vistos).

“Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta


de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos
imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme
definidos em lei.

Michell Nunes Midlej Maron 66


EMERJ – CP IV Direito Administrativo IV

§ 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de


economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de
produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre:
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
I - sua função social e formas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade;
(Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
II - a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto
aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários; (Incluído pela
Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
III - licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os
princípios da administração pública; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19,
de 1998)
IV - a constituição e o funcionamento dos conselhos de administração e fiscal, com
a participação de acionistas minoritários; (Incluído pela Emenda Constitucional nº
19, de 1998)
V - os mandatos, a avaliação de desempenho e a responsabilidade dos
administradores.(Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
§ 2º - As empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar
de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado.
§ 3º - A lei regulamentará as relações da empresa pública com o Estado e a
sociedade.
§ 4º - A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos
mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.
§ 5º - A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa
jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições
compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e
financeira e contra a economia popular.”

Veja que a atuação do Estado executor é absolutamente excepcional, na medida que


só pode se tornar agente do mercado, explorando a atividade econômica por suas mãos,
quando assim demandar a segurança nacional ou o interesse coletivo, como se vê no caput
deste artigo 173 supra.
Marcos Juruena, diante deste dispositivo, defende que toda sociedade de economia
mista ou empresa pública que não esteja destinada à exploração de atividade econômica
deve ser tida por inconstitucional, pois as estatais não são dadas a prestar serviço público –
simplesmente não há previsão de estatais com este escopo na CRFB (o que gera enorme
problemática na prática, quando se vê estatais atuando neste escopo). De fato,
academicamente, são inconstitucionais, mas como solucionar a questão diante da existência
concreta, hoje, de tais estatais? É um verdadeiro imbróglio, que será abordado no correr do
estudo.
As estatais que desempenham atividade econômica ao lado da iniciativa privada
devem estar em pé de igualdade com esta, para que não prejudiquem a livre iniciativa, nem
sejam prejudicadas por serem componentes da máquina estatal.

1.2. Empresas estatais econômicas

Como se disse, o artigo 173 da CRFB sedia a figura do Estado executor. Já no caput
deste artigo se vê os fundamentos que permitem a criação de novas estatais econômicas,
quais sejam, segurança nacional ou o interesse coletivo, ambos conceitos abertos.

Michell Nunes Midlej Maron 67


EMERJ – CP IV Direito Administrativo IV

É, portanto, claramente excepcional esta criação. No modelo passado do nosso


Estado, estatizante, a criação de estatais econômicas para qualquer propósito era
perfeitamente viável, mas não mais.
A forma de criação das estatais e suas subsidiárias está inscrita no artigo 37, XIX e
XX, da CRFB:

“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da


União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios
de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao
seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
(...)
XIX - somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a
instituição de empresa pública, de sociedade de economia mista e de fundação,
cabendo à lei complementar, neste último caso, definir as áreas de sua atuação;
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
XX - depende de autorização legislativa, em cada caso, a criação de subsidiárias
das entidades mencionadas no inciso anterior, assim como a participação de
qualquer delas em empresa privada;
(...)”

A criação depende de autorização legislativa, desde a EC 19/98; antes, a própria


criação era feita por lei, e não autorizada por este instrumento. A diferença é que a lei seria
o verdadeiro ato constitutivo, quando criasse a estatal, trazendo em detalhes todos os
aspectos de formação da sociedade. Sendo apenas dedicada a autorizar a criação, a lei
precisa tão-somente conter esta permissão, e declarar qual é a excepcionalidade, de
segurança nacional ou interesse coletivo, que legitima aquela autorização para criação – o
objeto e a finalidade da estatal. Autorizada a criação, todos os demais aspectos da estatal
serão tratados em atos normativos infralegais, e seu estatuto será registrado nos órgãos civis
competentes, tal como qualquer sociedade regular civil (Registro Público de Empresas
Mercantis).
Repare um detalhe contraditório, aqui: disse-se que o artigo 173 da CRFB alterou o
modelo de criação da estatal, tornando-o mais rígido, adstrito a casos excepcionais;
contudo, a reforma administrativa promovida pela EC 19/98 estabeleceu um meio de
criação mais simples do que o das próprias autarquias, que precisam de lei para serem
criadas, enquanto a estatal precisa apenas de autorização legislativa. É uma contradição, de
fato.
A criação de subsidiárias das estatais também precisa de lei autorizativa, mas não é
necessário que haja uma lei permissiva para cada subsidiária: basta uma lei autorizativa
genérica, que englobe todas as subsidiárias que se pretenda criar, eventualmente. Assim
ocorreu, por exemplo, com a Petrobrás, que recebeu autorização geral para criar
subsidiárias na própria lei que instituiu a ANP, no artigo 64 da Lei 9.478/97, tendo o STF
entendido perfeitamente constitucional tal previsão.

“Art. 64. Para o estrito cumprimento de atividades de seu objeto social que
integrem a indústria do petróleo, fica a PETROBRÁS autorizada a constituir
subsidiárias, as quais poderão associar-se, majoritária ou minoritariamente, a
outras empresas.”

Michell Nunes Midlej Maron 68


EMERJ – CP IV Direito Administrativo IV

O regime jurídico das estatais econômicas, delineado nos §§ do artigo 173 da


CRFB, é diferenciado do regime jurídico da administração pública indireta em geral. De
início, constata-se que é um regime de competitividade, pois as empresas estatais estarão
atuando em mercado aberto à livre iniciativa, não podendo ser postas em posição
favorecida ou prejudicada em relação às sociedades privadas que ali se encontrem atuantes,
concorrentes. É por isso que se prevê no § 2° deste artigo, por exemplo, que as estatais
econômicas não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às sociedades do setor
privado.
No entanto, o texto originário da CRFB, neste artigo, não tratava de ponto nodal
para a questão da competitividade: a necessidade ou não da licitação. Por isso, uma
discussão surgiu, à época: se a entidade precisa ser competitiva, atuando em pé de
igualdade, como sê-lo, se a licitação for imposta em suas negociações? É claro que o gesso
rígido da licitação da Lei 8.666/93 tolher-lhes-ia a competitividade. A Petrobrás, por
exemplo, não poderia competir com a Shell, se precisasse licitar cada aquisição de
materiais básicos de sua rotina.
Diante disso, a doutrina passou a fazer uma diferenciação importante: a licitação só
seria imponível para as atividades-meio da estatal, ficando as atividades-fim livres desta
burocracia, a fim de não prejudicar a competitividade. Adiante, parte da doutrina – por
todos, Celso Antônio – sedimentou-se no entendimento de que a atividade-fim precisaria,
sim, da licitação, mas não no rito rígido da Lei 8.666/93, e sim em um procedimento mais
simplificado, menos estrito, enquanto as atividades-meio estariam adstritas à Lei 8.666/93,
pois não afetam a competitividade da sociedade.
A licitação simplificada era a solução encontrada antes da reescritura do artigo 173
da CRFB pela EC 19/98, sendo tese encampada até mesmo pelos Tribunais de Contas. O §
1° deste dispositivo, com a reforma, passou a traduzir a idéia de um estatuto jurídico
próprio para estas estatais, uma espécie de lei geral, que dentre suas previsões deveria
contemplar uma forma de licitação simplificada própria para as estatais econômicas. O
problema é que esta lei geral nunca foi editada. Pelo ensejo, trataremos de forma apartada,
logo adiante, do único caso de previsão legal de licitação simplificada para estatal
econômica, que é o caso Petrobrás.
O regime de pessoal das estatais econômicas, por deverem estas se adequar ao
sistema privado, é o celetista, regime de emprego público, e não cargo público. É claro que
este regime terá ainda inflexões de direito público, sendo correto falar que é apenas
predominantemente de direito privado, e não exclusivamente de direito privado. Por
exemplo, a admissão dos funcionários efetivos destas estatais deve ser feita por meio de
concurso público.
Questão pertinente a esta mescla de regimes público e privado é a submissão ou não
das estatais econômicas ao controle dos Tribunais de Contas. O STF já se manifestou sobre
a questão, dizendo de forma clara que não importa a atividade da empresa estatal, se
prestadora de serviço público ou exploradora de atividade econômica: deverá prestar contas
ao Tribunal de Contas, por força do artigo 71, II, da CRFB:

“Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o
auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:
(...)
II - julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens
e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e

Michell Nunes Midlej Maron 69


EMERJ – CP IV Direito Administrativo IV

sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles


que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo
ao erário público;
(...)”

Veja o informativo 408 do STF:

“TCU: Tomada de Contas Especial e Sociedade de Economia Mista


O Tribunal de Contas da União, por força do disposto no art. 71, II, da CF, tem
competência para proceder à tomada de contas especial de administradores e
demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos das entidades
integrantes da administração indireta, não importando se prestadoras de serviço
público ou exploradoras de atividade econômica. Com base nesse entendimento, o
Tribunal denegou mandado de segurança impetrado contra ato do TCU que, em
processo de tomada de contas especial envolvendo sociedade de economia mista
federal, condenara o impetrante, causídico desta, ao pagamento de multa por não
ter ele interposto recurso de apelação contra sentença proferida em ação ordinária
de cumprimento de contrato, o que teria causado prejuízo à entidade.
Preliminarmente, o Tribunal resolveu questão de ordem formulada pelo Min.
Marco Aurélio e decidiu que o Consultor Jurídico do TCU pode, em nome deste,
sustentar oralmente as razões da Corte de Contas, quando esteja em causa
controvérsia acerca da competência desta. No mérito, afirmou-se que, em razão de
a sociedade de economia mista constituir-se de capitais do Estado, em sua maioria,
a lesão ao patrimônio da entidade atingiria, além do capital privado, o erário.
Ressaltou-se, ademais, que as entidades da administração indireta não se sujeitam
somente ao direito privado, já que seu regime é híbrido, mas também, e em muitos
aspectos, ao direito público, tendo em vista notadamente a necessidade de
prevalência da vontade do ente estatal que as criou, visando ao interesse público.
No mais, considerou-se que as alegações do impetrante demandariam dilação
probatória, inviável na sede eleita. Aplicou-se o mesmo entendimento ao MS
25181/DF, de relatoria do Min. Marco Aurélio, processo julgado conjuntamente.
MS 25092/DF, rel. Min. Carlos Velloso, 10.11.2005. (MS-25092).”

Outro reflexo do direito público nestas estatais econômicas é a necessidade de


licitação, que é imperativa, comportando apenas a já mencionada discussão sobre qual a
melhor forma de se compatibilizar esta necessidade com a competitividade da estatal no
mercado.
Os empregados públicos estão sujeitos a outra norma de ordem pública, qual seja, o
teto remuneratório do serviço público, do artigo 37, XI, da CRFB? Veja o dispositivo:

“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da


União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios
de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao
seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
(...)
XI - a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos
públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de
qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios,
dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos,
pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não,
incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão
exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal
Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos
Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do

Michell Nunes Midlej Maron 70


EMERJ – CP IV Direito Administrativo IV

Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do


Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça,
limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio
mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do
Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos
Procuradores e aos Defensores Públicos; (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 41, 19.12.2003)
(...)
§ 9º O disposto no inciso XI aplica-se às empresas públicas e às sociedades de
economia mista, e suas subsidiárias, que receberem recursos da União, dos
Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios para pagamento de despesas de
pessoal ou de custeio em geral. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de
1998)
(...)”

Veja que ali, no inciso XI, se fala apenas na administração direta, em autarquias e
fundações, não estando mencionadas as estatais, econômicas ou não. Mas veja que o § 9°
do mesmo artigo, fruto da reforma da EC 19/98, estende esta previsão às estatais que
dependerem de verbas públicas para pagamento de pessoal, as quais recebem nome de
estatais dependentes. Desta forma, se resume a questão: os empregados públicos de estatais
dependentes estão sujeitos, sim, ao teto remuneratório do serviço público.
Os empregados públicos estão sujeitos também à norma de direito público que
impõe vedação à acumulação remunerada de cargos ou empregos públicos, conforme
incisos XVI e XVII do artigo 37 da CRFB:

“(...)
XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando
houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no
inciso XI. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
a) a de dois cargos de professor; (Incluída pela Emenda Constitucional nº 19, de
1998)
b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico; (Incluída pela
Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com
profissões regulamentadas; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 34, de
2001)
XVII - a proibição de acumular estende-se a empregos e funções e abrange
autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista, suas
subsidiárias, e sociedades controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público;
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
(...)”

1.2.1. Caso Petrobrás

A Petrobrás é a única estatal econômica que teve previsão legal de forma de


licitação própria, como se vê no artigo 67 da Lei 9.478/97:

“Art. 67. Os contratos celebrados pela PETROBRÁS, para aquisição de bens e


serviços, serão precedidos de procedimento licitatório simplificado, a ser definido
em decreto do Presidente da República.”

Michell Nunes Midlej Maron 71


EMERJ – CP IV Direito Administrativo IV

O artigo supra deu azo ao Decreto 2.745/98, tratando justamente do procedimento


licitatório simplificado no âmbito da Petrobrás.
Celso Antônio Bandeira de Mello, de plano, entendeu inconstitucional o artigo 67
da Lei 9.478/97, porque o artigo 173, § 1°, III, da CRFB, ao exigir estatuto simplificado
para a estatal econômica, falava em uma lei geral de licitações para tais entidades, e não na
criação de uma licitação especial para cada estatal. Este autor entendeu, em consequência,
igualmente inconstitucional o Decreto 2.745/98, porque a CRFB exigiu a criação do rito
simplificado por meio de lei, e não ato normativo infralegal.
O TCU, acolhendo integralmente os argumentos deste autor, passou a entender que
todas as contratações da Petrobrás realizadas com base nesta lei e neste decreto eram
absolutamente irregulares, inconstitucionais, e com esta conclusão, recomendou que não
mais fosse adotada esta modalidade licitatória, e passou a aplicar multa aos administradores
desta estatal, pelas licitações feitas neste molde, e se continuassem a licitar na forma do
decreto.
A Petrobrás manteve sua posição, porque entendia que pautava sua atuação em uma
lei e um decreto, simplesmente deixando de acatar a decisão do TCU. Desta discussão
institucional surgiu um parecer vinculante da AGU, o parecer AC 15, no qual este órgão
exprimiu entendimento favorável à Petrobrás, ao dizer que o TCU não pode suspender
eficácia de lei que encontrar inconstitucional, ou seja, pode o TCU apreciar a lei e formar
opinião sobre sua inconstitucionalidade, mas não tem poder para suspender a eficácia
daqueles dispositivos que concluir inconstitucionais – somente o STF tem competência
para tanto. Esta é a leitura que faz da súmula 347 do STF:

“Súmula 347, STF: O Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, pode


apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público.”

É claro que o TCU lê esta súmula de forma diferente, entendendo que tem poder
para exigir que a norma que reputar inconstitucional não seja observada por quem esteja
sob seu espectro de atuação. Por isso, e por ser entidade autônoma e independente, o TCU
manteve sua posição, emitindo multas sempre que se fizesse a licitação simplificada com
base nos diplomas mencionados.
A cada multa, portanto, a Petrobrás impetrava mandado de segurança no STF, sendo
que em todos, até a presente data, foram proferidas liminares favoráveis à estatal, contra o
TCU. Veja um paradigma importante, o MS 25.888:

“EM 22/3/2006: [...], DEFIRO O PEDIDO DE MEDIDA LIMINAR, PARA


SUSPENDER OS EFEITOS DA DECISÃO PROFERIDA PELO TRIBUNAL DE
CONTAS DA UNIÃO (ACÓRDÃO N° 39/2006) NO PROCESSO TC N°
008.210/2004-7 (RELATÓRIO DE AUDITORIA). COMUNIQUE-SE, COM
URGÊNCIA. REQUISITEM-SE INFORMAÇÕES AO TRIBUNAL DE CONTAS
DA UNIÃO E À ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO. APÓS, DÊ-SE VISTA DOS
AUTOS À PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA. PUBLIQUE-SE.”

As liminares, como é cediço, são proferidas em juízo perfunctório, pelo que não se
pode ainda asseverar que a posição da Corte é definitivamente favorável à Petrobrás. Há,
hoje, um recurso extraordinário pendente que é de alto interesse na matéria, pois
provavelmente ali será proferida a decisão definitiva sobre este imbróglio. Trata-se do RE
441.280, cujas discussões constam do informativo 522 do STF:

Michell Nunes Midlej Maron 72


EMERJ – CP IV Direito Administrativo IV

“Art. 1º, Parágrafo Único, da Lei 8.666/93 e Petrobrás - 1


A Turma iniciou julgamento de recurso extraordinário, interposto com fundamento
no art. 102, III, a e b, da CF, em que se discute a aplicação, ou não, à Petrobrás, do
disposto no art. 1º, parágrafo único, da Lei 8.666/93 ("Art. 1o Esta Lei estabelece
normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a obras,
serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações no âmbito dos
Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Parágrafo
único. Subordinam-se ao regime desta Lei, além dos órgãos da administração
direta, os fundos especiais, as autarquias, as fundações públicas, as empresas
públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta
ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios."). Na espécie,
o tribunal local reformara sentença concessiva de indenização em favor das
empresas recorrentes e assentara, por seu Órgão Especial, a não incidência do
aludido dispositivo legal à Petrobrás, ao fundamento de que, por se tratar de
sociedade de economia mista, seu regime jurídico seria de natureza privada. As
recorrentes sustentam violação ao art. 37, XXI, da CF, ao argumento de que seria
nulo o ato da Petrobrás que cancelara contrato com elas firmado e submetera a
outra empresa os serviços de afretamento de navios, sem observância à regra
constitucional que exige licitação. Inicialmente, a Turma, por maioria, rejeitou
questão de ordem suscitada pelo Min. Marco Aurélio no sentido de se submeter ao
Plenário a apreciação do presente recurso. Entendeu-se que, não obstante tenha
sido argüido, na origem, incidente de inconstitucionalidade, aquela Corte limitara-
se a assentar o não cabimento do art. 1º, parágrafo único, da Lei de Licitações, às
sociedades de economia mista. Assim, concluiu-se que não haveria, no caso,
matéria a envolver declaração de constitucionalidade, ou não, do mencionado
dispositivo, o que permitiria o julgamento no âmbito da própria Turma. Vencidos
os Ministros Marco Aurélio e Carlos Britto que, ressaltando estar-se diante de
extraordinário apresentado também com base na alínea b ("III - julgar, mediante
recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a
decisão recorrida: ... b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;"),
asseveravam competir ao Plenário o exame da causa, uma vez que o afastamento,
pelo Órgão Especial, do artigo questionado pressuporia a pecha de
inconstitucionalidade. RE 441280/RS, rel. Min. Menezes Direito, 30.9.2008. (RE-
441280).”

“Art. 1º, Parágrafo Único, da Lei 8.666/93 e Petrobrás – 2


No mérito, o Min. Menezes Direito, relator, negou provimento ao recurso, no que
foi acompanhado pelo Min. Ricardo Lewandowski. Salientou que, ao tempo dos
fatos, vigorava o art. 173 da CF, na sua redação original, o qual estabelecia que
empresa pública, sociedade de economia mista e outras entidades que explorassem
atividade econômica, sujeitar-se-iam ao regime jurídico próprio das empresas
privadas. Contudo, com o advento da EC 19/98, esse preceito ganhou nova redação
para determinar que a lei estabeleceria o estatuto jurídico da empresa pública, da
sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorassem atividade
econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços,
elencando a disciplina que deveria constar desse estatuto jurídico. Dessa forma,
esclareceu que o constituinte visou, nesses dois momentos, proteger a atividade
dessas sociedades exploradoras de atividade econômica, pondo-as sob o regime
das empresas privadas, para garantir que mantivessem o mesmo desempenho das
demais empresas que atuam no mercado, de modo a afastar qualquer mecanismo
de proteção ou de privilégios. Nesse sentido, aduziu que a submissão legal da
Petrobrás a um regime diferenciado de licitação estaria justificado pelo fato de que,
com a relativização do monopólio do petróleo trazida pela EC 9/95, a empresa
passou a exercer a atividade econômica de exploração do petróleo em regime de

Michell Nunes Midlej Maron 73


EMERJ – CP IV Direito Administrativo IV

livre competição com as empresas privadas concessionárias da atividade, as quais,


frise-se, não estão submetidas às regras rígidas de licitação e contratação da Lei
8.666/93. Em conseqüência, reputou não ser possível conciliar o regime previsto
nessa lei com a agilidade própria do mercado de afretamento. Daí observar que a
interpretação que afasta a aplicação do art. 1º, parágrafo único, do aludido diploma
ser uma conseqüência direta da própria natureza constitucional da sociedade de
economia mista, tal como declarado pelo constituinte originário e reiterado pelo
constituinte derivado. RE 441280/RS, rel. Min. Menezes Direito, 30.9.2008. (RE-
441280).”

“Art. 1º, Parágrafo Único, da Lei 8.666/93 e Petrobrás - 3


A Min. Cármen Lúcia abriu divergência e proveu o recurso extraordinário por
considerar que os princípios constantes do art. 3º da Lei 8.666/93 e as regras,
genéricas, que estruturam o instituto da licitação, aplicam-se indistintamente a
todos os entes integrantes da Administração Pública, seja direta ou indireta. Não
vislumbrou, em conseqüência, obstáculo para que a recorrida adotasse o processo
licitatório. No ponto, realçou que o processo seria um meio, enquanto o
procedimento, um modo e que este diferenciar-se-ia para empresas prestadoras de
serviço público e para empresas que intervêm na atividade econômica. Não
conheceu do extraordinário, todavia, no que se refere à indenização, porquanto
implicaria o revolvimento de matéria probatória. Em adição, o Min. Carlos Britto
enfatizou que a Lei 9.478/97 - que dispõe sobre as atividades relativas ao
monopólio do petróleo entre outras providências - remeteu ao Decreto 2.745/98 o
tema relativo aos contratos celebrados pela Petrobrás (art. 67), sem observar a
imposição de reserva legal para tratamento do tema. Em decorrência disso,
registrou que, enquanto prevalecer essa anomia, incidiria, in totum, a Lei 8.666/93.
Verificado o empate na votação, pediu vista dos autos o Min. Marco Aurélio. RE
441280/RS, rel. Min. Menezes Direito, 30.9.2008. (RE-441280).”

Veja, sobre a liminar, o que dispôs o STF no informativo 426:

“Efeito Suspensivo em RE: Petrobrás e Licitação Simplificada


A Turma, resolvendo questão de ordem, deferiu medida cautelar para emprestar
efeito suspensivo a recurso extraordinário interposto pela Petróleo Brasileiro S/A -
Petrobrás contra acórdão do STJ que, também em medida cautelar, restabelecera a
eficácia de tutela antecipada que suspendera as suas licitações, as quais utilizavam
procedimento licitatório simplificado, previsto na Lei 9.478/97 e regulamentado
pelo Decreto 2.745/98. Consideraram-se presentes os requisitos necessários à
pleiteada concessão. Quanto à plausibilidade jurídica do pedido, asseverou-se que
a submissão da Petrobrás a regime diferenciado de licitação estaria, à primeira
vista, justificado, tendo em conta que, com o advento da EC 9/95, que flexibilizara
a execução do monopólio da atividade do petróleo, a ora requerente passara a
competir livremente com empresas privadas, não sujeitas à Lei 8.666/93. Nesse
sentido, ressaltaram-se as conseqüências de ordem econômica e política que
adviriam com o cumprimento da decisão impugnada, caso a Petrobrás tivesse que
aguardar o julgamento definitivo do recurso extraordinário, já admitido, mas ainda
não distribuído no STF, a caracterizar perigo de dano irreparável. Entendeu-se, no
ponto, que a suspensão das licitações realizadas com base no Regulamento do
Procedimento Licitatório Simplificado (Decreto 2.745/98 e Lei 9.478/97) poderia
tornar inviável a atividade da Petrobrás e comprometer o processo de exploração e
distribuição do petróleo em todo país, com reflexos imediatos para a indústria,
comércio e, enfim, para toda a população. AC 1193 QO-MC/RJ, rel. Min. Gilmar
Mendes, 9.5.2006. (AC-1193).”

O acompanhamento do tema, nestes julgamentos ainda por vir, é fundamental.

Michell Nunes Midlej Maron 74


EMERJ – CP IV Direito Administrativo IV

1.2.2. Regime de patrimônio

As prerrogativas de um patrimônio formado por bens públicos, como os da


administração direta, são a inalienabilidade, a impenhorabilidade e a imprescritibilidade.
Nas estatais, os bens são privados. Se o regime fosse puramente de direito privado,
nenhuma destas prerrogativas alcançaria o seu patrimônio, mas, como já se anteviu, o
regime destas estatais não é exclusivamente privado, sofrendo grandes inflexões de regime
público. Por isso, o tema é espinhoso, gerando controvérsias em cada um dos atributos
mencionados.

1.2.2.1. Inalienabilidade

Não é correto dizer que o regime privado dos bens das estatais faz com que estes
sejam livremente alienáveis. O artigo 17 da Lei 8.666/93, que se dirige a toda a
Administração Pública, sem distinção, dispõe no seu caput que:

“Art. 17. A alienação de bens da Administração Pública, subordinada à existência


de interesse público devidamente justificado, será precedida de avaliação e
obedecerá às seguintes normas:
(...)”

Há três requisitos, portanto, para a alienação de bens das estatais: o interesse


público, a prévia avaliação, e, a princípio, licitação – sendo este último o único que pode
ser dispensado, em casos de exceção.

1.2.2.2. Imprescritibilidade

A imprescritibilidade, não sujeição à usucapião, é outro atributo peculiarmente


aplicado nas estatais. Para quem entende que o regime é de direito privado, não há qualquer
óbice à usucapião de bens destas estatais, mas não é a tese prevalente. Prevalece a corrente
que defende que se o bem da estatal estiver afeto à prestação do serviço público, não poderá
ser usucapido – a proteção é do usuário do serviço público, e não da estatal; se o bem
estiver desafetado, porém, prevalece sua natureza privada, e por isso poderá ser usucapido.

1.2.2.3. Impenhorabilidade

O atributo que traz mais questionamentos é o da impenhorabilidade. A regra é que,


por serem de regime privado, os bens das estatais sejam penhoráveis, mas aqui surge a
mesma questão referente à afetação de bens ao serviço público: se a estatal presta serviço
público, como ocorre na prática, seus bens serão penhoráveis?
A jurisprudência já se viu questionada sobre o tema, e o primeiro caso de referência
foi o da ECT – Correios, empresa pública prestadora de serviço público. Veja o que o STF
disse em seu informativo 353:

“ECT e Imunidade Tributária Recíproca


A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT está abrangida pela
imunidade tributária recíproca prevista no art. 150, VI, a, da CF, haja vista tratar-se

Michell Nunes Midlej Maron 75


EMERJ – CP IV Direito Administrativo IV

de prestadora de serviço público de prestação obrigatória e exclusiva do Estado


("Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado
à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:... VI - instituir
impostos sobre: a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;"). Com base
nesse entendimento, a Turma reformou acórdão do TRF da 4ª Região que, em sede
de embargos à execução opostos por Município, entendera que a atual Constituição
não concedera tal privilégio às empresas públicas, tendo em conta não ser possível
o reconhecimento de que o art. 12 do Decreto-Lei 509/69 garanta o citado
benefício à ECT. Afastou-se, ainda, a invocação ao art. 102, III, b, da CF,
porquanto o tribunal a quo decidira que o art. 12 do mencionado Decreto-Lei não
fora, no ponto, recebido pela CF/88. Salientou-se, ademais, a distinção entre
empresa pública como instrumento de participação do Estado na economia e
empresa pública prestadora de serviço público. Leia o inteiro teor do voto do
relator na seção de Transcrições deste Informativo. Precedente citado: RE
230072/RJ (DJU de 19.12.2002). RE 407099/RS, rel. Min. Carlos Velloso,
22.6.2004.(RE-407099)”

“RE 407099 / RS - RIO GRANDE DO SUL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO.


Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO. Julgamento: 22/06/2004. Órgão
Julgador: Segunda Turma. Publicação: DJ 06-08-2004
EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. EMPRESA BRASILEIRA DE
CORREIOS E TELÉGRAFOS: IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA: C.F.,
art. 150, VI, a. EMPRESA PÚBLICA QUE EXERCE ATIVIDADE ECONÔMICA
E EMPRESA PÚBLICA PRESTADORA DE SERVIÇO PÚBLICO: DISTINÇÃO.
I. - As empresas públicas prestadoras de serviço público distinguem-se das que
exercem atividade econômica. A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos é
prestadora de serviço público de prestação obrigatória e exclusiva do Estado,
motivo por que está abrangida pela imunidade tributária recíproca: C.F., art. 150,
VI, a. II. - R.E. conhecido em parte e, nessa parte, provido.”

O STF entendeu que os Correios têm seus bens impenhoráveis por serem afetos à
prestação de serviço público, e mais, disse que esta empresa pública é tão peculiar que sua
natureza se aproxima muito à de uma autarquia, merecendo o mesmo tratamento das
autarquias para a questão tributária ali enfrentada. É preciso ressaltar que esta equiparação a
autarquias é pontualmente feita parta a ECT, não sendo um paradigma geral para qualquer
empresa pública: o STF não criou uma regra geral de equiparação das empresas públicas
prestadoras de serviço público às autarquias, longe disso. Apenas aos Correios, ante as
peculiaridades encontradas pela Corte nesta empresa, se aplicou esta equiparação, dada a
sua íntima ligação com a segurança nacional.
Quatro são as repercussões da equiparação dos Correios às autarquias: a
impenhorabilidade dos bens; a aplicabilidade da imunidade tributária recíproca; o
pagamento de seus débitos judiciais responde ao regime de precatórios; e a execução é feita
na forma dedicada à Fazenda Pública, do artigo 730 do CPC em diante. Destas
repercussões, o STF tem estendido às demais empresas estatais apenas a impenhorabilidade
dos bens afetos ao serviço público, e não os demais efeitos – pelo que a aplicação do
precedente dos Correios deve ser bastante cautelosa, atendo-se tão somente a este aspecto.
Assim, a tendência segura a ser apontada é que os bens da estatal prestadora de
serviços públicos são impenhoráveis, desde que afetos diretamente a esta prestação. Há
consenso jurisprudencial sobre esta questão. Mas há que se apontar, porém, um conflito real
entre a jurisprudência do STF e a do STJ, no que se refere a bens cuja afetação direta ao

Michell Nunes Midlej Maron 76


EMERJ – CP IV Direito Administrativo IV

serviço público é questionável, como se pode ilustrar pela transcrição do REsp. 343.968 e
do informativo 404 do STF, pela ordem:

“REsp 343968 / SP. DJ 04/03/2002 p. 255.


Processo Civil. Bilheteria de empresa concessionária de serviço público -
transporte público coletivo. Companhia do Metropolitano de São Paulo - METRÔ.
Penhora. Sociedade de economia mista estadual. Possibilidade. A receita das
bilheterias que não inviabilizam o funcionamento da devedora sociedade de
economia mista estadual pode ser objeto de penhora, na falta de vedação legal, e
desde que não alcance os próprios bens destinados especificamente ao serviço
público prestado, hipótese que é diversa daquela da ECT - Empresa Brasileira de
Correios e Telégrafos, amparada pelo Decreto-lei n. 509/69.”

“Sociedade de Economia Mista: Penhora de Rendimentos e Continuidade do


Serviço Público
O Tribunal, por maioria, concedeu liminar em ação cautelar para conferir
suspensão dos efeitos de decisão de 1ª instância - que, em execução, determinara a
penhora dos recursos financeiros da Companhia do Metropolitano de São Paulo -
METRÔ -, até o julgamento de recurso extraordinário por esta interposto, e para
restabelecer esquema de pagamento antes concebido na forma do art. 678,
parágrafo único, do CPC. Sustenta a ora requerente, no recurso extraordinário, que
não se lhe aplica o regime jurídico próprio das empresas privadas (CF, art. 173, §
1º, II), porquanto não exerce atividade econômica em sentido estrito, razão pela
qual pleiteia a prerrogativa da impenhorabilidade de seus bens, tal como concedida
pela Corte à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT no julgamento do
RE 220906/DF (DJU de 14.11.2002). Tendo em conta tratar-se de empresa estatal
prestadora de serviço público de caráter essencial, qual seja, o transporte
metroviário (CF, art. 30, V), e que a penhora recai sobre as receitas obtidas nas
bilheterias da empresa que estão vinculadas ao seu custeio, havendo sido
reconhecida, nas instâncias ordinárias, a inexistência de outros meios para o
pagamento do débito, entendeu-se, com base no princípio da continuidade do
serviço público, bem como no disposto no art. 620 do CPC, densa a plausibilidade
jurídica da pretensão e presente o periculum in mora. Vencido o Min. Marco
Aurélio que indeferia a liminar ao fundamento de que a empresa em questão é
sociedade de economia mista que exerce atividade econômica em sentido estrito,
não lhe sendo extensível a orientação fixada pelo Supremo em relação à ECT. AC
669 MC/SP, rel. Min. Carlos Britto, 6.10.2005. (AC-669).”

Note-se que o dinheiro pode estar faticamente afetado à prestação do serviço


publico ou não. Por exemplo, o dinheiro dedicado ao pagamento de fornecedores é
claramente afetado à prestação do serviço público, pois sem ele não há como girar o ciclo
produtivo da estatal, enquanto que o dinheiro aplicado em fundos de rendimento de longo
prazo não está inserto no rol de bens necessários à continuidade imediata do serviço
público.
Para o STJ, o dinheiro do caixa do Metrô, no caso acima, está alheio à prestação do
serviço público, e por isso é alcançado pelo regime jurídico privado, regra geral da estatal,
sendo por isso perfeitamente penhorável. O STF, instado sobre este mesmo caso, entendeu
que o caixa do Metrô é impenhorável, sem se prender a qualquer distinção sobre a
destinação efetiva do dinheiro – é bem afeto ao serviço público, para o Supremo. O conflito
jurisprudencial persiste, como se pode ver no recente REsp. 841.506, contrário à conclusão
do STF:

Michell Nunes Midlej Maron 77


EMERJ – CP IV Direito Administrativo IV

“REsp 841506 / AL. DJ 26/10/2006 p. 248.


PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. PENHORA SOBRE O
FATURAMENTO DA EMPRESA. POSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE
OBSERVÂNCIA A PROCEDIMENTOS ESSENCIAIS À CONSTRIÇÃO
EXCEPCIONAL, EXISTENTES, IN CASU. PRECEDENTES.
1. Cuida-se de agravo de instrumento interposto pela Companhia de Abastecimento
D'Agua e Saneamento do Estado de Alagoas – CASAL contra decisão proferida
pelo Juízo Federal da 5ª Vara/AL que deferiu a penhora, nos autos da execução
fiscal movida pelo INSS, em 10% (dez por cento) sobre o faturamento, uma vez
que não foram encontrados outros bens passíveis de constrição. O Tribunal de
origem (fls. 316/323) deu parcial provimento ao recurso apenas para reduzir o
percentual da penhora para 3% (três por cento) sobre o faturamento mensal da
empresa executada. Em sede de recurso especial, alega-se negativa de vigência dos
artigos 620, 677 do CPC e 5º, LIV, LV, 23, IX, 93, IX e 100 da CF/88. Em suas
razões, sustenta: a) a penhora do faturamento é medida extrema que exige o
cumprimento de determinadas regras e providências que, na espécie, não foram
observadas, a fim de evitar que esta determinação equipare-se à penhora do próprio
estabelecimento; b) a recorrente é empresa de economia mista cuja finalidade é a
prestação de serviços públicos de caráter essencial, e a determinação judicial pode
implicar a inviabilização de sua atuação, trazendo prejuízo a toda coletividade.
Sem oferecimento de contra-razões, conforme certidão de fl. 384.
2. É defeso o exame da apontada violação dos arts. 5º, LIV, LV, 23, IX, 93, IX e
100 da CF/88, uma vez que a própria Carta Política limita a competência do
recurso especial à interpretação da norma infralegal.
3. A constrição sobre o faturamento, além de não proporcionar, objetivamente, a
especificação do produto da penhora, pode ensejar deletérias conseqüências no
âmbito financeiro da empresa.
4. Na verdade, a jurisprudência mais atualizada desta Casa vem-se firmando no
sentido de restringir a penhora sobre o faturamento da empresa, podendo, no
entanto, esta ser efetivada, unicamente, quando observados, impreterivelmente, os
seguintes procedimentos essenciais, sob pena de frustrar a pretensão constritiva:
- a verificação de que, no caso concreto, a medida é inevitável, de caráter
excepcional;
- a inexistência de outros bens a serem penhorados ou, de alguma forma, frustrada
a tentativa de haver o valor devido na execução;
- o esgotamento de todos os esforços na localização de bens, direitos ou valores,
livres e desembaraçados, que possam garantir a execução, ou sejam os indicados
de difícil alienação;
- a observância às disposições contidas nos arts. 677 e 678 do CPC (necessidade de
ser nomeado administrador, com a devida apresentação da forma de administração
e esquema de pagamento);
- fixação de percentual que não inviabilize a atividade econômica da empresa.
5. Autos que evidenciam a observância das formas elencadas. Na hipótese, restou
comprovado que: a) a dívida gira em torno de R$ 177.222.464,05 (cento e setenta e
sete milhões, duzentos e vinte e dois mil, quatrocentos e sessenta e quatro reais e
cinco centavos) e a executada, por ser sociedade de economia mista, não dispõe de
outros bens passíveis de penhora; b) nomeou-se representante legal (diretor-
presidente), como administrador, consoante determina o art. 678 do CPC.
6. Recurso especial não-provido.”

A despeito da discussão das Cortes Maiores, a melhor solução para a questão do


dinheiro seria manter-se o critério mais lógico, qual seja, a verificação de sua afetação
direta ao serviço público ou não para, em caso positivo, torná-lo impenhorável.

1.3. Estado monopolista

Michell Nunes Midlej Maron 78


EMERJ – CP IV Direito Administrativo IV

Como dito, há uma terceira figura que se percebe no tratamento econômico da


CRFB, ao lado do Estado regulador e Estado executor: o Estado monopolista. Veja o artigo
177 da CRFB:

“Art. 177. Constituem monopólio da União:


I - a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros
hidrocarbonetos fluidos;
II - a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro;
III - a importação e exportação dos produtos e derivados básicos resultantes das
atividades previstas nos incisos anteriores;
IV - o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados
básicos de petróleo produzidos no País, bem assim o transporte, por meio de
conduto, de petróleo bruto, seus derivados e gás natural de qualquer origem;
V - a pesquisa, a lavra, o enriquecimento, o reprocessamento, a industrialização e o
comércio de minérios e minerais nucleares e seus derivados, com exceção dos
radioisótopos cuja produção, comercialização e utilização poderão ser autorizadas
sob regime de permissão, conforme as alíneas b e c do inciso XXIII do caput do
art. 21 desta Constituição Federal. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº
49, de 2006)
§ 1º A União poderá contratar com empresas estatais ou privadas a realização das
atividades previstas nos incisos I a IV deste artigo observadas as condições
estabelecidas em lei.(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 9, de 1995)
§ 2º A lei a que se refere o § 1º disporá sobre: (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 9, de 1995)
I - a garantia do fornecimento dos derivados de petróleo em todo o território
nacional; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 9, de 1995)
II - as condições de contratação; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 9, de
1995)
III - a estrutura e atribuições do órgão regulador do monopólio da União; (Incluído
pela Emenda Constitucional nº 9, de 1995)
§ 3º A lei disporá sobre o transporte e a utilização de materiais radioativos no
território nacional.(Renumerado de § 2º para 3º pela Emenda Constitucional nº 9,
de 1995)
§ 4º A lei que instituir contribuição de intervenção no domínio econômico relativa
às atividades de importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás
natural e seus derivados e álcool combustível deverá atender aos seguintes
requisitos: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)
I - a alíquota da contribuição poderá ser: (Incluído pela Emenda Constitucional nº
33, de 2001)
a) diferenciada por produto ou uso; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de
2001)
b)reduzida e restabelecida por ato do Poder Executivo, não se lhe aplicando o
disposto no art. 150,III, b; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)
II - os recursos arrecadados serão destinados: (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 33, de 2001)
a) ao pagamento de subsídios a preços ou transporte de álcool combustível, gás
natural e seus derivados e derivados de petróleo; (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 33, de 2001)
b) ao financiamento de projetos ambientais relacionados com a indústria do
petróleo e do gás; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)
c) ao financiamento de programas de infra-estrutura de transportes. (Incluído pela
Emenda Constitucional nº 33, de 2001)”

Michell Nunes Midlej Maron 79


EMERJ – CP IV Direito Administrativo IV

Há negócios que, de tão importantes ao interesse público, precisam ser explorados


com exclusividade pelo Estado, não podendo ser legados à livre iniciativa. Este é o
fundamento do Estado monopolista.
O monopólio do petróleo existe desde 1953, com a criação da Petrobrás sendo o
grande marco. Segundo grande marco é o da EC 9/1995, que reformulou o artigo 177,
supra, flexibilizando este monopólio em certa monta, como se vê especialmente no § 2°
deste artigo. Atualmente, a questão assume grande importância, ante a inovação do pré-sal,
cuja exploração será definida como um novo marco deste monopólio, que promoverá
alterações significativas na Lei da ANP, já mencionada, especialmente na retirada de
atribuições desta agência em favor da estatal que está para ser criada, a provável Petrosal.
Antes mesmo das alterações ocorrerem, Alexandre Aragão vem questionando alguns
pontos da reforma induzida pelo pré-sal. Primeiro ponto que levanta é se a entrega de
atribuições da ANP à Petrosal é ou não constitucional, ao que sugere que se uma lei o fizer,
será constitucional, ante a observância da simetria das formas (eis que a ANP recebeu tais
atribuições por lei). Ocorre que a ANP é uma das agências reguladoras que têm matriz
constitucional, pelo que se questionaria se mesmo a lei formal poderia detrir-lhe as
atribuições. O tema está em construção.
Segundo ponto é a necessidade ou não da participação popular na formação do novo
modelo de exploração. Há movimento forte defendendo a necessidade da legitimação direta
do novo modelo por meio de consultas à opinião pública, ante o alto grau de interesse
público no tema.

Casos Concretos

Questão 1

A Companhia do Metropolitano - METRÔ, sociedade de economia mista


prestadora de serviço público (transporte coletivo), ao ter penhorada a receita de
bilheteria de uma de suas estações para garantia de indenização, entendeu pela
impossibilidade daquela medida constritiva, já que, apesar de ser pessoa jurídica de
direito privado, a hipótese é de serviço público delegado a particular, com participação do
Poder Público. Sustenta que os bens de sociedade de economia mista são insuscetíveis de
penhora, devendo ser aplicado o disposto no art. 730 do CPC. Procede tal argumentação?
E se a penhora recaísse sobre os bens destinados ao transporte em si, ao invés do
arrecadado em bilheteria?

Resposta à Questão 1

Michell Nunes Midlej Maron 80


EMERJ – CP IV Direito Administrativo IV

As Cortes Maiores se digladiam nesta questão da penhorabilidade ou não do


dinheiro. O STF entende que não é possível a penhora de tal bem, porque estaria, sempre
afeto ao serviço público. Para o STJ, a penhora é possível, porque não vê afetação deste
bem ao serviço público, e a regra geral é a penhorabilidade do bem desafetado, ante o
regime privado dos bens das estatais.
Quanto aos bens destinados ao transporte, atividade-fim que é o serviço público em
si, não há controvérsia: a impenhorabilidade é a regra, sedimentada na jurisprudência.

Questão 2

Em serviço público concedido, terceiro vem a sofrer lesão decorrente da execução


da prestação. Pergunta-se: em face do art. 175 da CF/88 e da legislação de regência,
quem responde civilmente pela reparação dos danos - a concessionária ou o concedente?

Resposta à Questão 2

A questão não trata das estatais, que são regidas pelo artigo 173 da CRFB, mas sim
das concessionárias do serviço público, regidas no artigo 175 da CRFB. Contudo, um ponto
é comum a ambas as matrizes: a subsunção ao artigo 37, § 6°, da CRFB:

“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da


União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios
de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao
seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
(...)
§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de
serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade,
causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos
casos de dolo ou culpa.
(...)”

Tanto as estatais prestadoras do serviço público como os concessionários do serviço


público estão insertos no dispositivo, que fala em “pessoas jurídicas de direito privado
prestadoras de serviço público”. Destarte, a sua responsabilidade será certamente objetiva,
inclusive perante terceiros não usuários do serviço público, como decidiu o STF em recente
mudança de posição, subvertendo o que entendera desde seu informativo 370, em que dizia
que perante o terceiro não usuário a responsabilidade era subjetiva. Veja o RE 262.651,
constante do informativo 370, e o recentíssimo informativo 557, do STF, pela ordem:

“RE 262651 / SP - SÃO PAULO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO.


Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO. Julgamento: 16/11/2005. Órgão Julgador:
Segunda Turma. Publicação: DJ 06-05-2005.
EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CIVIL.
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO: RESPONSABILIDADE
OBJETIVA. PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO PRESTADORAS
DE SERVIÇO PÚBLICO. CONCESSIONÁRIO OU PERMISSIONÁRIO DO
SERVIÇO DE TRANSPORTE COLETIVO. C.F., art. 37, § 6º. I. - A
responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de
serviço público é objetiva relativamente aos usuários do serviço, não se estendendo

Michell Nunes Midlej Maron 81


EMERJ – CP IV Direito Administrativo IV

a pessoas outras que não ostentem a condição de usuário. Exegese do art. 37, § 6º,
da C.F. II. - R.E. conhecido e provido.”

“Responsabilidade Civil Objetiva e Terceiro Não-Usuário do Serviço - 1


Enfatizando a mudança da jurisprudência sobre a matéria, o Tribunal, por maioria,
negou provimento a recurso extraordinário interposto contra acórdão do Tribunal
de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul, que concluíra pela responsabilidade
civil objetiva de empresa privada prestadora de serviço público em relação a
terceiro não-usuário do serviço. Na espécie, empresa de transporte coletivo fora
condenada a indenizar danos decorrentes de acidente que envolvera ônibus de sua
propriedade e ciclista, o qual falecera. Inicialmente, o Tribunal resolveu questão de
ordem suscitada pelo Min. Marco Aurélio, no sentido de assentar a necessidade de
se ouvir o Procurador-Geral da República, em face do reconhecimento da
repercussão geral e da possibilidade da fixação de novo entendimento sobre o
tema, tendo o parquet se pronunciado, em seguida, oralmente. RE 591874/MS, rel.
Min. Ricardo Lewandowski, 26.8.2009. (RE-591874)”

“Responsabilidade Civil Objetiva e Terceiro Não-Usuário do Serviço - 2


No mérito, salientando não ter ficado evidenciado, nas instâncias ordinárias, que o
acidente fatal que vitimara o ciclista ocorrera por culpa exclusiva deste ou em
razão de força maior, reputou-se comprovado o nexo de causalidade entre o ato
administrativo e o dano causado ao terceiro não-usuário do serviço público, e
julgou-se tal condição suficiente para estabelecer a responsabilidade objetiva da
pessoa jurídica de direito privado, nos termos do art. 37, § 6º, da CF (“As pessoas
jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos
responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros,
assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou
culpa.”). Asseverou-se que não se poderia interpretar restritivamente o alcance do
art. 37, § 6º, da CF, sobretudo porque a Constituição, interpretada à luz do
princípio da isonomia, não permite que se faça qualquer distinção entre os
chamados “terceiros”, ou seja, entre usuários e não-usuários do serviço público,
haja vista que todos eles, de igual modo, podem sofrer dano em razão da ação
administrativa do Estado, seja ela realizada diretamente, seja por meio de pessoa
jurídica de direito privado. Observou-se, ainda, que o entendimento de que apenas
os terceiros usuários do serviço gozariam de proteção constitucional decorrente da
responsabilidade objetiva do Estado, por terem o direito subjetivo de receber um
serviço adequado, contrapor-se-ia à própria natureza do serviço público, que, por
definição, tem caráter geral, estendendo-se, indistintamente, a todos os cidadãos,
beneficiários diretos ou indiretos da ação estatal. Vencido o Min. Marco Aurélio
que dava provimento ao recurso por não vislumbrar o nexo de causalidade entre a
atividade administrativa e o dano em questão. Precedentes citados: RE 262651/SP
(DJU de 6.5.2005); RE 459749/PE (julgamento não concluído em virtude da
superveniência de acordo entre as partes). RE 591874/MS, rel. Min. Ricardo
Lewandowski, 26.8.2009. (RE-591874)”

Quanto à responsabilidade da concessionária ou da concedente, tem-se que a


concessionária tem a responsabilidade primária, respondendo o poder concedente apenas de
forma subsidiária. Aplica-se, para assim concluir, os artigos 2°, II, e 25 da Lei 8.987/95:

“Art. 2° Para os fins do disposto nesta Lei, considera-se:


(...)
II - concessão de serviço público: a delegação de sua prestação, feita pelo poder
concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica
ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por
sua conta e risco e por prazo determinado;

Michell Nunes Midlej Maron 82


EMERJ – CP IV Direito Administrativo IV

(...)” (grifo nosso)

“Art. 25. Incumbe à concessionária a execução do serviço concedido, cabendo-lhe


responder por todos os prejuízos causados ao poder concedente, aos usuários ou a
terceiros, sem que a fiscalização exercida pelo órgão competente exclua ou atenue
essa responsabilidade.
§ 1° Sem prejuízo da responsabilidade a que se refere este artigo, a concessionária
poderá contratar com terceiros o desenvolvimento de atividades inerentes,
acessórias ou complementares ao serviço concedido, bem como a implementação
de projetos associados.
§ 2° Os contratos celebrados entre a concessionária e os terceiros a que se refere o
parágrafo anterior reger-se-ão pelo direito privado, não se estabelecendo qualquer
relação jurídica entre os terceiros e o poder concedente.
§ 3° A execução das atividades contratadas com terceiros pressupõe o
cumprimento das normas regulamentares da modalidade do serviço concedido.”

Tema VII

Parceria Público-Privada.

Notas de Aula13

1. Parceria público-privada

A parceria público-privada – PPP – é um instrumento do Estado gerencial, evolução


do sistema que busca se afastar do Estado burocrático que teve seu auge, no Brasil, em
meados da década de oitenta.
A PPP não é instituto novo. Na Europa, já há mais de uma década que se vem
utilizando este instrumento, com bastante sucesso. Aqui, porém, a PPP chegou com a Lei
11.079/04, e consiste na instituição de duas novas modalidades de concessões: a PPP
administrativa e a PPP patrocinada.

13
Aula ministrada pelo professor Sérgio Alexandre Cunha Camargo, em 14/10/2009.

Michell Nunes Midlej Maron 83


EMERJ – CP IV Direito Administrativo IV

Estas duas modalidades de PPP tentam, de fato, conglobar os melhores atributos das
concessões que já existiam por aqui antes, regulamentadas pela Lei 8.666/93 e Lei
8.987/95. Assim como a primeira previu regras gerais para licitações e contratos
administrativos, a Lei 11.079/04 também previu regras gerais sobre PPPs. A sede
constitucional dos diplomas é a mesma, o artigo 22, XXVII, da CRFB:

“Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:


(...)
XXVII - normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para
as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados,
Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as
empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°,
III; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
(...)”

A Lei 11.079/04 não é uma especialização da Lei 8.666/93, tampouco da Lei


8.984/95; elas têm a mesma natureza jurídica, de regramento geral deste artigo
constitucional supra.
Analisando o contexto histórico, pode-se apontar a “Era Vargas” como a época
principal para a industrialização brasileira. Antes, os caracteres monárquicos, muito após o
fim da monarquia propriamente dita, ainda reverberavam em nosso Estado, especialmente a
característica oligárquica do mercado cafeicultor, que na década de trinta imperava. Por
esta época, a estatização se fez sentir, passando-se a uma época de especialização do
Estado, que em primeiro momento foi em sentido concentrador, e em segundo momento
descentralizador.
Com as descentralizações, o Estado se ramificou neste movimento axífugo,
centrífugo, e com isso surgiu forte a tendência à migração da administração exclusivamente
central para a indireta: surgiram as autarquias, fundações, e empresas estatais, entidades de
delegação legal da atividade estatal.
Mas veja que esta descentralização, apesar de impulsionar a industrialização, ainda
mantinha o Estado, direta e indiretamente, como figura motora da atividade econômica. Por
isso, para efetivamente apartar o Estado da atividade econômica, avançou-se pelos
caminhos da descentralização negocial, por meio da delegação contratual: vieram os
contratos administrativos com o setor privado, iniciando-se pelos contratos de concessão de
obra. Surgiu a Lei 8.666/93.
O problema é que a Lei 8.666/93 não teve grande operabilidade, neste aspecto, por
um detalhe fundamental: a responsabilidade pelas concessões de obras e serviços
precedidas de obras vincula-se ao orçamento, o que implica em muita influência política
sobre a atividade, e também em eventuais quebras de continuidade, dada a periodicidade
orçamentária inexorável. O compromisso orçamentário é limitado temporalmente, e por
isso a iniciativa privada olha com receio tais concessões, quando demandam mais tempo do
que o orçamento uno permite.
Com o Estado gerencial, a necessidade de que a iniciativa privada seja uma parceira
pública é cada vez maior. Caminhamos, diga-se, para tempos de Estado mínimo, em que a
iniciativa privada somente não terá as rédeas daquilo que seja absolutamente necessário
permanecer nas mãos do Estado.
Visto que a Lei 8.666/93 era insuficiente para fomentar o atuar privado, veio o
legislador e, em 1995, editou a Lei 8.987, diploma regulamentar das concessões de serviços

Michell Nunes Midlej Maron 84


EMERJ – CP IV Direito Administrativo IV

públicos. O foco, neste diploma, não é a obra pública, com o serviço público sendo mero
colateral, meio remuneratório, como na Lei 8.666: o foco é o próprio serviço público, que é
entregue ao setor privado.
Com esta lei, a limitação orçamentária como meio de contraprestação não se impõe,
o que soluciona o principal problema que se tinha na captação da parceria privada com a
Lei 8.666/93. Na Lei 8.987/95, o que remunera o parceiro privado é o preço público, a
tarifa, paga pelo usuário do serviço, e não o orçamento público. O concessionário obtém
seu lucro, de forma relativamente estável, e implementa o serviço com atenção à
generalidade, modicidade, e continuidade do serviço. O lado negativo da Lei 8.987/95 é
que esta tarifa nem sempre se mostra realmente atrativa ao concessionário, porque a
necessidade de se atentar para a modicidade, por vezes, torna o preço público máximo
praticável muito aquém do necessário para atrair investimentos de peso.
É neste contexto que a PPP surge como bom instrumento de captação: quando a
concessão ordinária não oferece atrativos suficientes para que a iniciativa privada se
interesse por investir, por deficiência tarifária, a PPP se demonstra uma possível solução. A
Lei 11.079/04 vem tentar corrigir os erros do modelo ordinário de concessões.
Na PPP, o custeio da concessão é feito não somente pelo usuário, mas também pelo
Poder Público concedente. Há contraprestações do Estado, visando a equilibrar a
participação dos usuários e do setor público na remuneração do concessionário, que,
sozinhos, um ou outro, provavelmente não seriam capazes de suportar o serviço com o
mínimo de eficiência.
Como dito, há a PPP administrativa e a patrocinada. A grande distinção entre elas é
que, na administrativa, o próprio Poder Público é o destinatário da concessão, beneficiário
imediato desta. O usuário até pode ser alcançado, mas apenas de forma reflexa. Bom
exemplo desta modalidade é a parceria para gestão de presídios, que contempla o interesse
público em geral, mas destina-se a atender, imediatamente, a própria Administração
pública.
A Lei 11.079/04 é a regra geral destas concessões, mas não é plena. Os artigos 14 a
22 da Lei 11.079/04 apresentam regras específicas que não podem, segundo José dos
Santos Carvalho Filho, serem aplicadas aos Estados e Municípios, porque estão insertos em
capítulo dedicado expressa e exclusivamente à União. Por isso, devem os entes menores
legislar sobre tais aspectos, sem contrariar as regras gerais ali impressas.
O artigo 173, § 1°, da CRFB impõe ainda outra reflexão:

“Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta


de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos
imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme
definidos em lei.
§ 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de
economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de
produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre:
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
I - sua função social e formas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade;
(Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
II - a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto
aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários; (Incluído pela
Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

Michell Nunes Midlej Maron 85


EMERJ – CP IV Direito Administrativo IV

III - licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os


princípios da administração pública; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19,
de 1998)
IV - a constituição e o funcionamento dos conselhos de administração e fiscal, com
a participação de acionistas minoritários; (Incluído pela Emenda Constitucional nº
19, de 1998)
V - os mandatos, a avaliação de desempenho e a responsabilidade dos
administradores.(Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
(...)”

Este dispositivo trata do famigerado e ainda inexistente estatuto geral das estatais.
Nesta lei complementar que ainda reside no porvir, poderá haver tratamento de matérias,
como as licitações nas estatais, que derrogarão previsões da Lei 11.079/04. Esta lei,
portanto, é diploma geral que tem grande chance de ser posto de lado em diversos aspectos.
As PPPs se caracterizam por duas formas de cooperação mútua entre o Estado e o
parceiro privado: a cooperação mútua técnica e a cooperação mútua financeira. Ao
contrário do que se pode pensar, nem só de rateios financeiros é formada a parceria: a
cooperação técnica, por vezes, é tão ou mais importante do que a financeira.
Vale, pelo ensejo, trazer o conceito de PPP firmado por José dos Santos Carvalho
Filho: trata-se de “o acordo firmado entre a Administração Pública e pessoa do setor
privado, com o objetivo de implementação ou gestão de serviços públicos, com eventual
execução de obras ou fornecimento de bens, mediante financiamento do contratado por
meio de contraprestação econômica do Poder Público, e compartilhamento de riscos e
ganhos entre os pactuantes”. O objetivo central, portanto, é o serviço público. É este o
objeto da PPP, qualquer que seja.
A grande característica diferenciadora dos contratos de PPP para os demais
contratos de concessão é a presença da contraprestação econômica por parte do Estado. O
contrato de concessão que, mesmo intitulado de PPP, não preveja contraprestação estatal,
não é de fato uma PPP – é mera concessão ordinária. Sem contraprestação, não há a
parceria especial que se pretende com esta modalidade especial de concessão.
Como dito, os riscos e os ganhos são compartilhados entre os parceiros privado e
público. Isto reflete severa diferença no que pertine à responsabilidade dos pactuantes. Na
Lei 8.987/95, apenas uma minoria da doutrina e jurisprudência vê responsabilidade
solidária entre o poder concedente e o concessionário. Na PPP, a solidariedade é expressa.
Assim, ao lado da contraprestação, a solidariedade é uma segunda diferença entre a PPP e a
concessão ordinária.
A natureza jurídica dos contratos de PPP é de um contrato administrativo de
concessão de serviço público. Como contrato administrativo, a Administração que pactua
PPP teria a seu dispor as cláusulas exorbitantes, ou estaria afastada esta prerrogativa? A
todo ver, as previsões de mutabilidade do contrato, rescisão unilateral, e demais cláusulas
exorbitantes, ainda que não tenham sido repetidas da Lei 8.666/93, ainda têm aplicação nas
PPPs. O regramento geral dos contratos administrativos não fica plenamente afastado pelo
regramento geral das concessões especiais, aplicando-se neste regime aquilo que o não
contrarie.

1.1. PPP patrocinada

Michell Nunes Midlej Maron 86


EMERJ – CP IV Direito Administrativo IV

A grande característica da PPP patrocinada, decerto, é que o concessionário recebe


recursos de duas fontes, concomitantemente: dos usuários, por meio da remuneração
tarifária, tal como ocorre nas concessões ordinárias da Lei 8.987/95, com todas as
particularidades que o regime tarifário impõe – inclusive a modicidade; e do Poder Público
concedente, segundo o artigo 2°, § 1°, da Lei 11.079/04, por meio da contraprestação
pecuniária, em caráter adicional. Veja o artigo 2°, que é a sede conceitual de ambas as
modalidades de PPP:

“Art. 2° Parceria público-privada é o contrato administrativo de concessão, na


modalidade patrocinada ou administrativa.
§ 1° Concessão patrocinada é a concessão de serviços públicos ou de obras
públicas de que trata a Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, quando envolver,
adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários contraprestação pecuniária do
parceiro público ao parceiro privado.
§ 2° Concessão administrativa é o contrato de prestação de serviços de que a
Administração Pública seja a usuária direta ou indireta, ainda que envolva
execução de obra ou fornecimento e instalação de bens.
§ 3° Não constitui parceria público-privada a concessão comum, assim entendida a
concessão de serviços públicos ou de obras públicas de que trata a Lei no 8.987, de
13 de fevereiro de 1995, quando não envolver contraprestação pecuniária do
parceiro público ao parceiro privado.
§ 4° É vedada a celebração de contrato de parceria público-privada:
I – cujo valor do contrato seja inferior a R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais);
II – cujo período de prestação do serviço seja inferior a 5 (cinco) anos; ou
III – que tenha como objeto único o fornecimento de mão-de-obra, o fornecimento
e instalação de equipamentos ou a execução de obra pública.”

Como dito, a PPP não tem vinculação ao orçamento como fonte de remuneração. Há
um fundo gestor das PPPs, hoje administrado pelo Banco do Brasil, que é o responsável
pelo custeio das contraprestações.
Quando a prestação tarifária for maior do que a prevista, por circunstâncias de
mercado – maior busca pelo serviço, por exemplo –, a contraprestação estatal será
proporcionalmente reduzida. O mesmo ocorre no sentido contrário: se a tarifação prevista
for inferior à efetivada, a contraprestação deverá ser majorada para compensar a defasagem.
O equilíbrio entre as duas fontes de recursos deve ser sempre perseguido. É claro que, para
tanto, o parceiro privado deve ter as suas obrigações contratuais corretamente observadas,
corretamente adimplidas.
A contraprestação estatal deve corresponder a um mínimo de trinta por cento do
valor contratual final, sendo permitida uma substituição gradual desta participação estatal
pela majoração tarifária, quando o serviço tiver procura suficiente para se auto-sustentar.
O artigo 2°, § 4°, III, supra, veda a celebração de PPP para realização de obra ou
serviço, porque estas contratações respondem especificamente à Lei 8.666/93.

1.2. PPP administrativa

Nesta concessão, a Administração é a usuária direta ou indireta do serviço prestado


pelo concessionário, na forma do § 2° do artigo 2° da Lei 11.079/04, supra. Por isso, por ser
o Poder Público o destinatário do serviço, alcançando o administrado apenas de forma
reflexa, é que a PPP administrativa não comporta o sistema tarifário.

Michell Nunes Midlej Maron 87


EMERJ – CP IV Direito Administrativo IV

Na concessão administrativa, então, o usuário não participa diretamente do custeio.


O poder concedente paga pela concessão. Isto não significa um retorno ao sistema
orçamentário: a contraprestação é feita pelo fundo gestor das PPPs, já mencionado.
Como exemplo, imagine-se uma PPP administrativa pactuada para gerenciar uma
universidade pública: não poderão, os alunos desta entidade, serem tarifados pela prestação
do serviço de gerência feita pela concessionária, devendo o poder concedente custear
totalmente a contraprestação.
O objeto da PPP administrativa, tal como na patrocinada, é a prestação do serviço
público. Nesta concessão especial administrativa, há a prestação do serviço e,
necessariamente, o incremento da atividade, a melhoria da atividade que vinha sendo
prestada pelo Poder Público diretamente. Os investimentos são imperativos, não sendo
suficiente a mera tomada, pelo concessionário, do serviço que já vinha sendo prestado pela
Administração.
Este incremento se traduz no alcance de maior número de usuários, com maior
eficiência. Uma dúvida que surge é quanto à reversão dos bens aportados para este
incremento: ao final da parceria, os bens reverterão ao Poder Público, ou terão outro
destino?
A doutrina majoritária, formada no estudo da Lei 8.987/95, é de que a forma de
reversão depende do que estiver disposto no contrato, porque somente assim se evitará que,
com a reversão obrigatória automática, o Estado venha a se locupletar indevidamente, por
circunstâncias do serviço. Contudo, na PPP administrativa, a previsão da reversão é
cogente: sempre será automática, não dependendo de previsão contratual para tanto, por
questão de lógica, eis que o Poder Público terá pago por tudo que a parceria envolve, e
ainda pelo lucro necessário ao investidor privado, ao longo das contraprestações.
Questão que surge da reversão é que o bem, quando adquirido pelo concessionário,
não passa por licitação. Isto significaria uma aquisição, em segundo plano, pelo Estado, de
bem não licitado. Esta incompatibilidade não tem solução legal, tampouco doutrinária,
ainda.
A contraprestação estatal vem traçada no artigo 6° da Lei da PPP:

“Art. 6° A contraprestação da Administração Pública nos contratos de parceria


público-privada poderá ser feita por:
I – ordem bancária;
II – cessão de créditos não tributários;
III – outorga de direitos em face da Administração Pública;
IV – outorga de direitos sobre bens públicos dominicais;
V – outros meios admitidos em lei.
Parágrafo único. O contrato poderá prever o pagamento ao parceiro privado de
remuneração variável vinculada ao seu desempenho, conforme metas e padrões de
qualidade e disponibilidade definidos no contrato.”

1.3. Características comuns básicas

Primeira característica fundamental, e lógica, é o financiamento pelo setor privado.


Segunda característica, já mencionada, é o compartilhamento dos riscos, na forma do artigo
5°, III, da Lei 11.079/04:

Michell Nunes Midlej Maron 88


EMERJ – CP IV Direito Administrativo IV

“Art. 5° As cláusulas dos contratos de parceria público-privada atenderão ao


disposto no art. 23 da Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995 , no que
couber, devendo também prever:
(...)
III – a repartição de riscos entre as partes, inclusive os referentes a caso fortuito,
força maior, fato do príncipe e álea econômica extraordinária;
(...)”

Na PPP, todos os fatos imprevisíveis são solidariamente suportados pelos


pactuantes, Poder Público e parceiro privado. É direito do concessionário o equilíbrio
contratual, ante qualquer imprevisto que o desabone no curso da parceria.
Terceira característica básica é a pluralidade compensatória, obrigação do Estado
perante o concessionário prestador. Não cabe ao Poder Público optar pela forma de
compensação econômica pelo serviço, que segue o rito legal, variando na forma, apenas,
quanto à parcela estatal, conforme permite o artigo 6°, supra.

1.4. Diretrizes legais

O artigo 4° da Lei 11.079/04 traça as diretrizes de toda PPP:

“Art. 4° Na contratação de parceria público-privada serão observadas as seguintes


diretrizes:
I – eficiência no cumprimento das missões de Estado e no emprego dos recursos da
sociedade;
II – respeito aos interesses e direitos dos destinatários dos serviços e dos entes
privados incumbidos da sua execução;
III – indelegabilidade das funções de regulação, jurisdicional, do exercício do
poder de polícia e de outras atividades exclusivas do Estado;
IV – responsabilidade fiscal na celebração e execução das parcerias;
V – transparência dos procedimentos e das decisões;
VI – repartição objetiva de riscos entre as partes;
VII – sustentabilidade financeira e vantagens socioeconômicas dos projetos de
parceria.”

O artigo 37, § 3°, da CRFB, previu que a lei traçaria a dinâmica da participação dos
usuários na administração pública direta e indireta, mas esta lei não veio ao ordenamento,
expressamente, nem de forma incidental na Lei 8.987/95. A doutrina entende que a Lei
11.079/04 veio corrigir esta situação, dando efetividade ao artigo 37, § 3°, da CRFB, neste
artigo 4°, nos incisos II e V.

“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da


União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios
de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao
seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
(...)
§ 3º A lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração
pública direta e indireta, regulando especialmente: (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 19, de 1998)
I - as reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral, asseguradas
a manutenção de serviços de atendimento ao usuário e a avaliação periódica,
externa e interna, da qualidade dos serviços; (Incluído pela Emenda Constitucional
nº 19, de 1998)

Michell Nunes Midlej Maron 89


EMERJ – CP IV Direito Administrativo IV

II - o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações sobre atos de


governo, observado o disposto no art. 5º, X e XXXIII; (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 19, de 1998)
III - a disciplina da representação contra o exercício negligente ou abusivo de
cargo, emprego ou função na administração pública. (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 19, de 1998)
(...)”

O inciso III do artigo 4°, supra, prevê a indelegabilidade de funções típicas do


Estado ao concessionário. Quanto ao poder de polícia, remanesce, aqui, a discussão sobre
as etapas do poder de polícia que são ou não delegáveis, sendo que, na visão de Diogo de
Figueiredo, a ordem e a concessão de polícia não são passíveis de delegação, enquanto a
fiscalização e a sanção de polícia o são.
No inciso VI, há a repartição objetiva dos riscos como diretriz da PPP. Esta previsão
reforça a noção de que o Estado não mais se encontra na posição de supremacia
incondicional sobre o particular, que é nota ultrapassada. O particular não mais precisa do
Estado, como outrora; é o contrário que hoje vige.

1.5. Cláusulas essenciais e cláusulas adicionais dos contratos de PPP

O artigo 5° da Lei 11.079/04 trata destas cláusulas dos contratos de PPP:

“Art. 5° As cláusulas dos contratos de parceria público-privada atenderão ao


disposto no art. 23 da Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, no que couber,
devendo também prever:
I – o prazo de vigência do contrato, compatível com a amortização dos
investimentos realizados, não inferior a 5 (cinco), nem superior a 35 (trinta e
cinco) anos, incluindo eventual prorrogação;
II – as penalidades aplicáveis à Administração Pública e ao parceiro privado em
caso de inadimplemento contratual, fixadas sempre de forma proporcional à
gravidade da falta cometida, e às obrigações assumidas;
III – a repartição de riscos entre as partes, inclusive os referentes a caso fortuito,
força maior, fato do príncipe e álea econômica extraordinária;
IV – as formas de remuneração e de atualização dos valores contratuais;
V – os mecanismos para a preservação da atualidade da prestação dos serviços;
VI – os fatos que caracterizem a inadimplência pecuniária do parceiro público, os
modos e o prazo de regularização e, quando houver, a forma de acionamento da
garantia;
VII – os critérios objetivos de avaliação do desempenho do parceiro privado;
VIII – a prestação, pelo parceiro privado, de garantias de execução suficientes e
compatíveis com os ônus e riscos envolvidos, observados os limites dos §§ 3o e 5o
do art. 56 da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, e, no que se refere às
concessões patrocinadas, o disposto no inciso XV do art. 18 da Lei no 8.987, de 13
de fevereiro de 1995;
IX – o compartilhamento com a Administração Pública de ganhos econômicos
efetivos do parceiro privado decorrentes da redução do risco de crédito dos
financiamentos utilizados pelo parceiro privado;
X – a realização de vistoria dos bens reversíveis, podendo o parceiro público reter
os pagamentos ao parceiro privado, no valor necessário para reparar as
irregularidades eventualmente detectadas.
§ 1° As cláusulas contratuais de atualização automática de valores baseadas em
índices e fórmulas matemáticas, quando houver, serão aplicadas sem necessidade
de homologação pela Administração Pública, exceto se esta publicar, na imprensa

Michell Nunes Midlej Maron 90


EMERJ – CP IV Direito Administrativo IV

oficial, onde houver, até o prazo de 15 (quinze) dias após apresentação da fatura,
razões fundamentadas nesta Lei ou no contrato para a rejeição da atualização.
§ 2° Os contratos poderão prever adicionalmente:
I – os requisitos e condições em que o parceiro público autorizará a transferência
do controle da sociedade de propósito específico para os seus financiadores, com o
objetivo de promover a sua reestruturação financeira e assegurar a continuidade da
prestação dos serviços, não se aplicando para este efeito o previsto no inciso I do
parágrafo único do art. 27 da Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995;
II – a possibilidade de emissão de empenho em nome dos financiadores do projeto
em relação às obrigações pecuniárias da Administração Pública;
III – a legitimidade dos financiadores do projeto para receber indenizações por
extinção antecipada do contrato, bem como pagamentos efetuados pelos fundos e
empresas estatais garantidores de parcerias público-privadas.”

A mais importante das cláusulas essenciais já foi abordada: a repartição dos riscos.
Outra cláusula essencial relevante é a do prazo contratual, que não pode ser inferior
a cinco, nem superior a trinta e cinco anos. O prazo do contrato deve se compatibilizar com
as contraprestações que o Poder Público pretenda implementar. Não se pode prever um
contrato com aporte de recurso público de trinta e cinco anos, por exemplo, para uma obra
cuja previsão de duração seja de dez anos. A cláusula assim prevista será certamente
incompatível com a lei.
Os incisos IV e V do caput deste artigo indicam a necessidade de mecanismos que
atualizem a prestação do serviço, de forma a ser evitado o sucateamento deste. É preciso
que, em prol da eficiência, haja a constante modernização do instrumental.
O inciso VI dize deve haver previsão no contrato de hipóteses taxativas de situações
em que a inadimplência do poder concedente será tolerada. Caso não haja possibilidade de
se eximir do aporte, por ali se prever a situação, o Poder Público deverá arcar com o que for
devido.
As demais hipóteses são bem literais. Vale apenas comentar que o inciso IX exige
que no contrato seja previsto o compartilhamento dos ganhos, em caso de redução de risco
no objeto. Favorecido um dos parceiros, concedente ou concessionário, o outro deverá
também o ser.

Casos Concretos

Questão 1

Com o objetivo de trazer investimentos aos serviços públicos, foi aprovada, em


2004, a Lei Federal nº 11.079, versando sobre as parcerias público-privadas (PPP) no
âmbito da Administração Pública. O seu artigo 16 prevê a instituição do denominado
Fundo Garantidor de Parceiras (FGP), financiado pela União, suas autarquias e
fundações públicas, para prestar garantia nos contratos de PPP ao parceiro privado, de
modo a resguardar o investidor particular da possível e corriqueira inadimplência
governamental. O artigo 18, parágrafo 7º determina que "em caso de inadimplemento, os
bens e direitos do Fundo poderão ser objeto de constrição judicial e alienação para
satisfazer as obrigações garantidas". À vista desta norma, o Procurador-Geral da
República propõe ação direta de inconstitucionalidade, sob o fundamento de que tal artigo
viola o principio dos precatórios, previsto no artigo 100 da Constituição Federal, pois

Michell Nunes Midlej Maron 91


EMERJ – CP IV Direito Administrativo IV

admite que os parceiros privados recebam seus créditos com a Fazenda através do referido
Fundo, sem a necessidade de expedição de precatórios, de forma a privilegiá-los em
desrespeito aos demais credores, em clara ofensa ao princípio da isonomia (art. 5º, II, CF).
Pela defesa da constitucionalidade do dispositivo impugnado, o Advogado-Geral da União
afirma que o FGP tem personalidade jurídica de Direito Privado, conforme determina o
artigo 16, parágrafo 1º da Lei 11.079/2004, pelo que, da mesma forma que as empresas
públicas e as sociedades de economia mista, está afastado do regime dos precatórios. No
desempenho da função de Ministro do STF, descompatibilize as controvérsias e decida a
questão.

Resposta à Questão 1

A controvérsia é severa na doutrina. Tende a prevalecer, porém, a tese pela


constitucionalidade do fundo gestor, sendo melhor a idéia de Carlos Ari Sundfeld, que
participou da formulação da Lei 11.079/04, que diz que se o fundo é privado, a execução
contra ele será privada, em nada guardando pertinência com o artigo 100 da CRFB – não
havendo qualquer impedimento, diga-se, na desafetação e transferência de bens públicos ao
domínio privado do fundo.

Questão 2

A direção do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social demandou a


produção de uma apresentação ao seu público interno sobre a necessidade prévia de
licitação para o estabelecimento de parcerias público-privadas, na descentralização da
administração pública federal. Responda, justificando, os quesitos abaixo.
a) Qual o fundamento constitucional e a legislação aplicável que impõe tal
necessidade?
b) O que são parcerias público-privadas, qual o seu fundamento legal, e quais são
as modalidades de parcerias público-privadas, em sentido estrito, atualmente
disponíveis para a União, além das anteriormente existentes?
c) Em relação ao estudo técnico, necessário para subsidiar legalmente as parcerias
público-privadas, existe necessidade de licitação? Qual o conteúdo mínimo de tais
estudos, em termos de responsabilidade fiscal?

Resposta à Questão 2

a) A sede constitucional basilar é o artigo 37, XXI, da CRFB.


Infraconstitucionalmente, a lei que trata do tema é a 11.079/04.

b) Segundo José dos Santos Carvalho Filho, PPP é “o acordo firmado entre a
Administração Pública e pessoa do setor privado, com o objetivo de implementação
ou gestão de serviços públicos, com eventual execução de obras ou fornecimento de
bens, mediante financiamento do contratado por meio de contraprestação econômica
do Poder Público, e compartilhamento de riscos e ganhos entre os pactuantes”. O
fundamento legal, como dito, é a Lei 11.079/04. Quanto às modalidades, há duas: a
PPP administrativa e a patrocinada.

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c) A licitação é sempre necessária. O que se discute, hodiernamente, é a possível


inexigibilidade de licitação ante a notória especialização, mas a tendência é ainda a
exigência de licitação.

Tema VIII

Estado Gestor.

Notas de Aula14

1. Estado gestor

O Estado moderno tende a ser cada vez mais gerencial, valendo-se cada vez mais de
premissas e da participação do setor privado para operacionalizar a máquina administrativa.
A noção inicial de Estado gestor, no Brasil, veio no Governo Fernando Henrique
Cardoso, em que se começou a abandonar o Estado burocrático, maciçamente concentrado,
em prol do Estado gerencial.
No governo Lula, entretanto, é que foram traçadas as “megadiretrizes” do Estado
gestor: a inclusão sócio-econômica; e a reconstrução do Estado. Estas diretrizes se

14
Aula ministrada pelo professor Sérgio Alexandre Cunha Camargo, em 14/10/2009.

Michell Nunes Midlej Maron 93


EMERJ – CP IV Direito Administrativo IV

implementarão a partir de ações que o governo deve implementar em três áreas: a área de
atuação do próprio Estado gestor; a do Estado provedor; e a do Estado indutor.
Em qualquer destas áreas, a figura da iniciativa privada parceira do Poder Público é
fundamental. Não há mais como se dissociar a atividade estatal da participação privada.
Com isso, se põem em xeque os conceitos do jus imperii, da supremacia do interesse
público, de cláusulas exorbitantes, e do próprio regime jurídico de direito público como se
conhece hoje.
Isto é uma tendência tão forte, mundialmente, que na França, por exemplo, até
mesmo parcelas da soberania foram cedidas em função da migração do Estado pleno para o
Estado gestor.
É claro que, com isso, não significa que o corporativismo empresarial fará as vezes
de Estado. É certo que haverá, como meta, a contenção, a limitação do poder corporativo,
sob pena de se perder até mesmo o conceito de Estado. A figura do Estado gestor não é nem
será frágil face representativa do seu povo, sem poder sobre a iniciativa privada. Ao
contrário, esta será sua principal função: tomar as rédeas dos mercados, evitando abusos do
setor privado.
O Estado não pode mais ser tido por garantidor universal, como se tem visto,
especialmente nas questões de direitos fundamentais de segunda geração, direitos
prestacionais, quando alcançam o Judiciário. O Estado será o grande gerente das relações.
No Estado gestor, o administrador vai buscar identificar os fins, e os meios, da
política econômica, a fim de orientar tais políticas, especialmente as reformas que o Estado
deverá promover a fim de que a economia ande bem. Neste Estado gerencial, há uma
necessidade permanente de interação com o setor privado, pois a cada tomada de decisão
estatal haverá impacto sobre a iniciativa privada, devendo esta ser consultada.
Em suma, pode-se entender o Estado gestor como um grande regulador das
atividades da coletividade, mediador dos interesses públicos e privados. Não vige mais o
regime público onipotente, em detrimento dos interesses privados, porque se assim o for o
Estado simplesmente não terá como manter atendidas suas necessidades: sem equilíbrio de
interesses, o setor privado deixará de formar parcerias com o Estado, em qualquer nível. As
atividades públicas devem ser interessantes à iniciativa privada, ou o Estado simplesmente
não conseguirá repassá-las aos prestadores privados.
A esta gestão praticada por este Estado gerencial se chama gestão macroeconômica,
que prevê o ajuste permanente de custos e benefícios públicos e privados. As ações
conjuntas do Estado gestor e da iniciativa privada, nesta gestão macroeconômica, são o
aprofundamento das reformas de base do país; a gestão do risco do país; e a gestão do
custo do Brasil, aumentando a eficiência, através da menor despesa per capita. Tudo isso
atrai investimentos privados, nacionais e internacionais.
Como considerações gerais finais sobre o Estado gestor, tem-se que este intenta
desestimular políticas paternalistas, além de contemplar o conceito de pós-burocracia: dá-
se muito mais valor ao resultado do que ao meio empregado para se alcançá-lo. As
descentralizações, neste modelo, têm, em regra, objetivos sociais. As privatizações, nesta
fase estatal, têm grande relevância, bem como a diminuição da carga de deveres do Estado,
passando atribuições ao terceiro setor.
O Estado gerencial pretende apenas operar um dirigismo político, auxiliando o
implemento das atividades pela própria sociedade, a fim de, no final, poder alcançar o hoje
famigerado conceito de Estado mínimo.

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EMERJ – CP IV Direito Administrativo IV

1.1. Estado provedor

Trata-se da forma do Estado que prevê a atuação conjunta com o setor privado de
forma preponderante. Nesta modalidade, o Estado vai alocar recursos públicos em áreas
definidas de sua atuação, e com isso proverá a execução de atividades de interesse geral
pelo setor privado, que é quem vai prestá-las, efetivamente.
Os objetivos do setor privado e do Estado, neste modelo, são de certa forma
compartilhados. O setor privado, executor, pretende desempenhar a atividade que o Estado
pretende que seja desempenhada. Há uma comunhão de desígnios.
Com esta forma provedora, não se quer falar em assistencialismo. Ao contrário,
quer o Estado provedor afastar tais técnicas filantrópicas. Por isso, pode-se dizer que o atual
governo federal do Brasil não está, ainda, caminhando para este molde provedor de Estado:
o assistencialismo ainda é muito forte, em nosso governo.
O papel do Estado provedor, em suma, é dar condições ao setor privado para que
este desempenhe as atividades que são interessantes ao Estado, e ao próprio setor privado.
A inclusão sócio-econômica é buscada no Estado provedor por meio da educação e
da cultura, precipuamente, sem descurar dos demais aspectos fundamentais: saúde,
saneamento básico, habitação e urbanização, além de projetos sociais específicos.
Também é alvo deste Estado a gestão do meio-ambiente, conciliando os interesses
do desenvolvimento e da sustentabilidade.

1.2. Estado indutor

Como o próprio nome indica, o papel do Estado, aqui, é induzir a que o particular
atue. O Estado exerce o devido fomento, a fim de que o setor privado atenda, ele próprio, a
suas necessidades. Este é o modelo ideal, diga-se.
Esta dinâmica funciona melhor quando se está tratando de políticas regionais, ou
nacionais de alcance setorial. Talvez, em uma visão macro, seja difícil conceber toda a
atuação estatal neste formato, sobremaneira em um país continental e populoso como o
nosso.
As ações conjuntas para expansão econômica deste Estado indutor precisam de
políticas públicas setoriais, e não globais. Por isso, fomenta-se as micro e pequenas
empresas com maior prioridade. Além disso, o turismo, e as políticas na área internacional
também merecem foco especial, neste modelo.

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EMERJ – CP IV Direito Administrativo IV

Casos Concretos

Questão 1

Defina Estado Gestor e relacione as suas características.

Resposta à Questão 1

Considerando que as megadiretrizes do governo Lula são a inclusão sócio-


econômica em escala crescente e a reconstrução do Estado, e que ambas exigem ampla
interação com o setor privado, a ação do Estado foi mapeada em três áreas: o Estado gestor;
o Estado provedor e o Estado indutor. Em todos eles, é fundamental a cooperação com o
setor privado.
No âmbito do Estado gestor, cabe ao governo, sem dúvida, a definição soberana do
composto de fins-e-meios da política econômica e a orientação central das reformas, mas é
da interação com o setor privado que se realizará o crescimento e o equilíbrio externo, e se
terá maior ou menor êxito na estabilização dos preços. Isto sem contar que as reformas,

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EMERJ – CP IV Direito Administrativo IV

antes de atender aos imperativos do Estado, precisam passar por filtros que atendam a
interesses privados. Afinal, por definição, a gestão macroeconômica nada mais é do que o
ajuste permanente de custos e benefícios públicos e privados.
No âmbito do Estado provedor, a atuação conjunta é irrecusável. Em todas as áreas
definidas de atuação, o Estado aloca recursos para provisões que se executam via produção
preponderantemente realizada no setor privado. Aqui cabem extensos corredores de ação
conjunta, com objetivos compartilhados. E quanto mais se migra de objetivos menos
filantrópicos e assistencialistas para políticas estruturais, centradas no crescimento
econômico e na geração auto-sustentada de empregos, mais a interação público-privado se
aprofunda.
Por último, e ainda mais importante, é no âmbito do Estado indutor que a interação
é vital. Por definição, o governo tem poder de induzir; o setor privado, o de realizar. Isto é
válido tanto para políticas regionais e setoriais, quanto para transações externas reais e
financeiras.

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