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SÃO PAULO
2012
MARIA VALERIA ESPINÓS GUERRA MARTINS
SÃO PAULO
2012
MARIA VALERIA ESPINÓS GUERRA MARTINS
Aprovado em _____/_____/_____
_________
Prof. Dr. Vicente Gosciola
___________ _________
Prof. Dra. Maria Ignês Carlos Magno
_________
Prof. Dr. Hermes Renato Hildebrand
Para meus amores João, Paloma e Isabela,
pois sempre seguimos em frente, juntos
descobrimos novas portas e um mundo
maravilhoso, colorido e brilhante.
AGRADECIMENTOS
Existem pessoas especiais que contribuíram muito para que este trabalho pudesse
ser realizado. Estas pessoas merecem uma homenagem mais do que justa, pois seu
apoio incondicional, seus ensinamentos, sua simples presença colaboraram para
que este projeto tomasse corpo. Portanto, agradeço a cada uma delas de forma
individual.
Primeiro, a minha família, que estava ao meu lado quando tudo parecia ser
impossível. Vocês me deram forças para seguir adiante, me apoiando, ajudando e
incentivando. Mãe, muito obrigada! Você cuidou de tudo para que eu pudesse me
dedicar a ler e pesquisar. João, meu querido marido, amigo, pela ajuda
incondicional, pela eterna paciência e, principalmente, por tudo o que vivemos.
Minhas filhotas Paloma e Isabela, que souberam dividir o nosso tempo. Pai, com
certeza, você teria se orgulhado dessa!
Aos meus amigos tão especiais: Fátima Pissara, minha querida fada madrinha, que
fez esforços incríveis e moveu o céu e a terra para que eu estivesse aqui. Walther
Lang, Samantha Jones, Raquel Espigado, Darlaine Cavalcante e Marcelo Godoy,
por seus eternos conselhos, por todas as risadas que demos e por todas as ajudas
ao longo destes dois anos.
A minha querida professora Maria Ignês Carlos Magno, que compartilhou comigo
todos os minutos desta jornada. Sua forma simples de explicar o complicado tornou
tudo mais fácil.
RESUMO
Esta dissertação observa a narrativa transmídia como algo não inteiramente novo.
Inicialmente, a interação com o conteúdo era facilmente controlada pelas empresas,
mas a web tornou visível a atividade cultural participativa, tornando-se um local de
participação do espectador/usuário/interator. As diferentes tecnologias de
comunicação (televisão, videogame etc.) possibilitaram diferentes níveis de
interatividade. O processo de comunicação passou a ser personalizável conforme as
necessidades dos indivíduos que a consomem diariamente através de um simples
toque na tela de uma interface online: o celular que se transformou em um elemento
de mídia. Para esta dissertação, a segunda tela é hoje uma realidade e está inserida
também sob um aspecto social e interativo, a segmentação estratificada do consumo
que está implícita nestas estratégias de marketing. A geração net vive e respira a
tecnologia. Eles têm uma necessidade vital de participar e fazer parte do processo
de comunicação na geração de novos conteúdos. Estes conteúdos são incorporados
ao cotidiano e transformados em narrativas transmídia, podendo, assim, transformar
o entretenimento e o audiovisual e criando mais engajamento que outros tipos de
narrativas mais tradicionais. Sendo assim, esta dissertação se propõe a estudar
estas situações e o quanto elas são relevantes para entendermos a nossa
contemporaneidade. Acreditamos que ao final desta dissertação, tal estudo tenha
reconstruído a nossa compreensão da narrativa transmídia – aqui entendida e
decodificada por novos valores desenhados e integrados – como parte de um
processo de renovação diária pelas novas tecnologias e novas demandas da
sociedade.
Figura 23. Visão geral do projeto sob a ótica das especificações funcionais ........... 73
Figura 24. Timeline das experiências ....................................................................... 74
Figura 26. Time de projeto transmídia e suas interações ao longo do projeto ......... 76
Figura 27. Galinha Pintadinha – a) Teatro Turnê Oficial; b) Cena de DVD .............. 78
CD – Compact Disc
EUI – Espectador/Usuário/Interator
IP – Internet Protocol
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 12
CONCLUSÃO ........................................................................................................... 84
INTRODUÇÃO
O que eu não previ é que estava prestes a descobrir outros usos ligados ao
audiovisual, o que para mim foi uma grande surpresa. Descobri um termo novo:
transmídia. Quando ouvi o termo pela primeira vez, na sala de aula, fiquei
apaixonada pela definição do Professor Vicente Gosciola, que utiliza a seguinte
definição:
De acordo com Jenkins (2009), cada meio conta a história à sua maneira. Acabei
percebendo que os novos dispositivos móveis se prestariam muito bem numa nova
forma de linguagem audiovisual, através do uso das redes de última geração,
provocando experiências únicas nos usuários sedentos por novidades. Um aspecto
que me chamou a atenção foi a apropriação das novas gerações de usuários sobre
os conteúdos e narrativas.
O conceito de narrativa transmídia não é algo novo. Estudiosos como Christy Dena,
Henry Jenkins, Grant McCracken, Carlos Scolari, Vicente Gosciola já realizam
estudos sobre este conceito há alguns anos. O ponto comum de todos eles é que a
narrativa deve ser atrativa o suficiente para criar engajamento dos usuários e fãs.
Diante deste quadro, faço um questionamento: se o conceito não é novo, por que ele
ganhou força nos últimos tempos? Trata-se de uma nova onda que pretende
capitalizar os investimentos feitos nas produções de audiovisual ou uma tendência
que se estabelece a partir da disseminação de novas tecnologias?
Neste estudo, serão referenciados autores como McLuhan (1964), em função de sua
abordagem iluminadora dos meios de comunicação, através de um olhar especial
para axiomas como “aldeia global”, “o meio é a mensagem” e “os meios como
extensões do homem”; Castells (1999), por discutir o papel da tecnologia na
14
Procuro explorar, também, o impacto nas narrativas atuais e sua relação com a
segunda tela, demonstrando como se dá o processo de comunicação e
engajamento.
1 DEFINIÇÕES FUNDAMENTAIS
Meio: de acordo com o dicionário Michaelis, o meio é uma maneira, via aonde se
chega a algum fim. O que dá passagem ou serventia, ou serve de comunicação. O
termo meio de comunicação, de acordo com o site Wikipédia, refere-se ao
instrumento ou à forma de conteúdo utilizada para a realização do processo
comunicacional. Quando falamos sobre a comunicação de massa, pode ser
considerado sinônimo de mídia; outros meios de comunicação, como o telefone,
tablets e computadores são considerados meios individuais ou interpessoais. Os
meios de comunicação podem ser divididos em:
A narrativa existe desde o tempo em que as primeiras pinturas da Idade das Pedras
foram feitas em cavernas e as primeiras histórias foram contadas ao redor do fogo.
Uma pessoa pode aprender sobre o passado, eventos atuais e futuro a partir de
contos, piadas, novelas, filmes, desenhos, jornais, telejornais, obituários de outras
pessoas, entre outros. Seja a narrativa simples ou complexa, os indivíduos precisam
ser capazes de entender suas funções para compreender o mundo ao seu redor. “A
arte de contar história, por vezes é deixada para segundo plano quando uma nova
tecnologia surge” (GOSCIOLA, 2010, p. 2). Por outro lado, as novas tecnologias
abrem também muitas possibilidades de contar histórias sob uma nova perspectiva –
a do EUI.
18
No final da Idade Média, quando foi criada a prensa de tipos móveis metálicos, em
1450, as pessoas comuns ainda não haviam aprendido a ler e escrever, sendo este
um privilégio da elite cultural. Desde a Antiguidade, os grandes conquistadores
foram obrigados a estabelecer um sistema de mensageiros como uma forma de
comunicação, em especial durante as guerras.
McLuhan (1964, p. 33) afirma: “O efeito de um meio se torna mais forte e intenso
justamente porque o seu ‘conteúdo’ é outro meio”. O conteúdo não possui relevância
na estruturação das relações humanas, porém, em alguns momentos, ele acaba
impedindo que seja possível perceber a verdadeira natureza de cada meio.
20
Vale lembrar que sempre existirá uma obsolescência tecnológica em curso. Antigos
meios de comunicação são substituídos por outros. Em alguns casos, suas funções
coexistem por um determinado tempo, até que uma nova tecnologia suprima aos
anteriores. Gosciola (2012) comenta em seu artigo “A máquina de narrativa
transmídia: transmidiação e literatura fantástica”, que o jogo de forças parece estar
equilibrado, pois sempre que há uma obsolescência de tecnologia dos meios de
comunicação, as narrativas começam a apresentar novidades e vice-versa.
Segundo McLuhan (1964, p. 197), os meios são extensões dos sentidos humanos.
“Toda extensão é uma amplificação de um órgão, de um sentido ou de uma função
que inspira ao sistema nervoso central um gesto auto-protetor de entorpecimento da
área prolongada”. As extensões são usadas pela maioria dos indivíduos, de forma
tão constante, como os olhos e os ouvidos, por exemplo. O rádio, segundo McLuhan
(1964), é uma extensão da audição e a fotografia é uma extensão da visão.
21
Quando surge algum avanço tecnológico que modifica o meio, as relações dos
indivíduos também se alteram. McLuhan (1964) salienta o exemplo do rádio que se
modificou profundamente com o desenvolvimento da televisão. O meio teve que
buscar outros segmentos para continuar sendo viável economicamente. Neste caso,
a solução foi diversificar os serviços, voltando-se para o público regional e buscando
atingir as necessidades individuais dos ouvintes. A recepção também deixou de ser
coletiva: da família reunida para individualmente nos quartos, nas cozinhas ou até
mesmo nos automóveis.
Considero relevante, neste estudo, comentar sobre a invenção do celular, pois existe
um paralelo interessante entre o cinema, a situação politica mundial e a própria
tecnologia: a invenção de Hedy Lamarr. O celular que conhecemos hoje nasceu a
partir da comunicação do rádio. Neste contexto, é relevante comentar sobre Hedy
Lamarr.
Hedy Lamarr é o nome artístico de Hedwig Eva Maria Kiesler (Viena, 9 de novembro
de 1913 — Altamonte Springs, 19 de janeiro de 2000). Sua maior contribuição no
mundo científico foi a invenção de um sistema de comunicações para as forças
armadas americanas, que serviu de base para a atual telefonia celular.
23
Existem muitas controvérsias sobre a autoria do telefone sem fio. Alguns autores
apontam que o primeiro telefone sem fio, o Fotofone, foi inventado por Alexander
Graham Bell, em conjunto com sua assistente Sarah Orr, em 1880. O dispositivo
permitiu que uma conversa telefônica fosse realizada através da luz. Em junho de
1880, Bell transmitiu a primeira mensagem telefônica usando o seu novo invento.
Segundo o site Wikipédia, “Bell patenteou o seu telefone nos Estados Unidos no
início de 1876”.
Nesta mesma época, Elisha Gray aplicou outra patente do mesmo gênero. Antonio
Meucci foi reconhecido, em 2002, como o inventor do telefone. Meucci demonstrou,
em 1849, em Havana, Cuba, a transmissão de voz pela corrente elétrica. Nathan
Stubblefield também foi intitulado o “Pai da Radiodifusão”. Ele disse ao repórter
Mensagem de St. Louis, em 1902, ser capaz de enviar mensagens simultâneas a
partir de uma estação central de distribuição sobre um território muito grande.
“Eventualmente, ele será usado para a transmissão de notícias gerais de todos os
tipos” (SCIENTIFIC AMERICAN, 1902, p. 363).
da localidade geográfica onde está registrado, ou seja, obtendo conectividade através de outra rede
onde é visitante. A rede que está sendo visitada pode ou não pertencer à mesma operadora
25
Um passo intermediário foi a utilização dos chamados bag phones, que consistia em
uma bolsa ou pequena pasta, com um transceptor de potência média e uma bateria,
que era carregada por meio de um acendedor de cigarros do veículo, podendo ser
transportada.
Em meados dos anos 1990, no entanto, houve um grande progresso nas redes,
ajustando-as através da compactação da voz. O serviço de voz continuou a ser o
serviço essencial para a grande maioria dos telefones móveis, mas os serviços de
3 AMPS – Advanced Mobile Phone System: foi a primeira geração de sistemas celulares formada por
sistemas analógicos.
4 GSM: tecnologia móvel e padrão mais popular para telefones celulares do mundo.
5 QWERTY: layout de teclado atualmente mais utilizado em computadores e máquinas de escrever. O
nome vem das primeiras seis letras “QWERTY” da primeira linha do teclado.
26
No início dos anos 1990, o mundo experimentou o primeiro grande salto da Internet,
com o advento dos browsers gráficos, como Mosaic6 e Netscape7. O crescimento da
base de usuário da Internet competia com o crescimento das redes de telefonia
celular, entre 1995 e 2000.
impressora etc.) em uma rede local ou pública. Cada computador na Internet possui um IP único, que
é o meio em que as máquinas usam para se comunicarem na Internet.
9 GPRS: General Packet Radio é uma tecnologia que aumenta as taxas de transferência de dados
– Research in Motion.
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O grande feito de Steve Jobs não foi a invenção do aparelho celular, ou do tocador
de MP3, ou ainda do famoso tablet iPad. Analisando a história, e este é o motivo de
ter dedicado um capítulo inteiro sobre o desenvolvimento de celulares, o feito de
Jobs foi juntar as coisas: ele reuniu em um único equipamento diversas tecnologias
19MP3 é um dos primeiros tipos de compressão de áudio, com perdas quase imperceptíveis ao
ouvido humano.
29
Ling (2007), em seu artigo “Mobile communication and mediated ritual”, defende que
os modelos teóricos de substituição da mídia também contradizem os “modelos
20O estudo sobre as “vibrações fantasmas” pode ser visto em: <http://rockntech.com.br/usuarios-
compulsivos-de-smartphones-sentem-vibracoes-fantasmas-aponta-estudo/>.
30
aditivos”, que assumem que as novas mídias digitais contribuem para um aumento
linear na quantidade e diversidade de comunicação bilateral.
Figura 6. Wikipédia tirou do ar sua versão em inglês por 24 horas, deixando na página
inicial os dizeres “Imagine um mundo sem conhecimento”
Fonte: IstoÉ Dinheiro (2012).
Figura 8a
Figura 8b Figura 8c
Figura 8d Figura 8e
Figura 8f Figura 8g
35
Figura 8h Figura 8i
Figura 8j Figura 8k
Figura 8l Figura 8m
Hayes (2012) menciona em seu blog que, atualmente, três quartos dos
telespectadores estão consumindo a segunda tela simultaneamente, ou seja,
assistem TV e interagem com o seu tablet em tempo real. É possível transformar
este comportamento da segunda tela paralela em uma oportunidade.
De acordo com o Portal Info (2013), este tipo de relação intensa entre a Internet e o
EUI deverá modificar o modelo de negócios das TVs. De fato, dos serviços de
streaming do mundo, segundo a empresa especializada em redes Sandvine, 60%
dos bites enviados e recebidos nos Estados Unidos no horário nobre são de
entretenimento em tempo real, com o consumo de filmes e música. Só o Netflix
responde por 33% do tráfego de música e vídeo, seguido pelo YouTube, com quase
15%, afirma a empresa.
O Ibope, que faz as medições brasileiras, deverá lançar nos próximos meses uma
ferramenta para medir um mesmo conteúdo em diferentes horários e plataformas.
Atualmente, já existem empresas, como a Bluefin Labs, que se especializaram na
análise dos hábitos de consumo e comentários realizados nas redes sociais.
21A Netflix é uma empresa norte-americana que distribui filmes pela plataforma digital através de
consoles de games, aplicativos para tablets e smartphones.
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A TV que conhecemos hoje está sofrendo uma grande transformação e num futuro
próximo deverá se tornar um equipamento híbrido: a chamada TV interativa e sem
grade fixa de programação, em que tablets e smartphones complementam os
programas com extras atraentes.
22 Kinect é um sensor de movimentos capaz de permitir aos jogadores interagir com os jogos
eletrônicos sem a necessidade de ter em mãos um controle/joystick.
39
Segundo o portal IDG, no Brasil, 70% do público que faz uso simultâneo de Internet
e TV navegam na Internet, influenciados pela TV, enquanto 80% assistem na TV
conteúdos que descobriram ou foram comentados na Internet. Existe uma relação
muito forte entre esses dois mundos e as pesquisas comprovam que a segunda tela
influencia o telespectador a assistir mais TV ao vivo. Transcrevo, a seguir, as
principais conclusões da pesquisa realizada pelo Instituto Forrester (2012), sobre o
uso da segunda tela nos Estados Unidos:
A questão da convergência deve ser refletida, uma vez que a televisão está
deixando de ser o meio central para fazer parte de um sistema integrado, como
comentei no capítulo anterior. Alguns produtores, atualmente, consideram esse
trânsito essencial, criando conteúdos destinados para a televisão, mas que possuem
complementos voltados para a Internet, games etc. A multiplicidade na forma de
acesso ao conteúdo acaba envolvendo o usuário e apresentando resultados efetivos
40
Mas por que a Internet é tão relevante? É necessário fazer uma análise
fundamental: afinal o que está acontecendo? O mundo contemporâneo sofreu
transformações drásticas nos últimos anos. Estamos observando que alguns valores
mudaram e velhos processos estão sendo retomados. Boa parte do que vivemos
hoje na sociedade atual, já havia sido comentado ou estudado por alguns
estudiosos/filósofos, nas décadas passadas. Aqui, me refiro às particularidades do
mundo contemporâneo comparado ao chamado século passado. Pode parecer
estranho, mas quando me refiro ao século passado, estou me remetendo há 40
anos. Lembre-se que naquela época as interações midiáticas e sociais eram
completamente diferentes. O fenômeno das redes sociais, apesar de previsto e de
certa forma premunidos, ainda não existiam de fato. Estas particularidades podem
ser observadas quando resgatamos os ensinamentos de McLuhan (1964), no que se
refere ao meio e a mensagem e mesmo a “Aldeia Global”, já discutido no capítulo
anterior, no que tange ao nosso comportamento quando postamos um vídeo no
YouTube, ou ainda, escrevemos no Twitter. Modificamos drasticamente a forma do
conteúdo e a nossa própria forma de contar a história, portanto, é fundamental dizer
que sim, o meio modifica a mensagem. É verdade que quando McLuhan (1964)
comentou sobre o meio e a mensagem referia-se ao advento da TV.
O psicólogo Lev Vygotsky (1987) converge para o tema da criação da cultura, onde
propôs modificar a própria estrutura da educação clássica, partindo do princípio que
as crianças deveriam aprender a partir de suas relações sociais e de suas
experiências, e assim explorar o mundo fascinante das oportunidades do
aprendizado. Esta teoria ficou conhecida como socioconstrutivismo. Quando
recorremos ao Google para pesquisar, ou ainda ao YouTube, consumimos
conteúdos que se baseiam nas nossas experiências e interesses sociais. O mesmo
fenômeno ocorre quando vamos procurar narrativas ou, ainda, pesquisar sobre
determinados personagens.
Castells (1999) cita que “culturas são formadas por processos de comunicação e
todas as formas de comunicação são baseadas na produção e consumo de sinais”,
não havendo, portanto, separação entre “realidade” e representação simbólica.
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Jenkins (2009) possui relevância no contexto deste trabalho, por agrupar alguns
conceitos importantes da comunicação e da convergência, principalmente no que diz
respeito ao desenvolvimento de tecnologias, como a Internet. Ao invés da
substituição de um meio por outro, o autor registra que as mídias convergirão,
completando-se com dados adicionais, ampliando o fluxo e a troca de informações
entre os usuários. Em alguns casos, a convergência poderá ocorrer através de um
único aparelho, facilitando as atividades cotidianas e promovendo formas inovadoras
de consumo, tanto de produtos, quanto de conteúdos. O que chama a atenção é que
muito se fala na popular falácia da caixa preta. Ao analisarmos a obra de Jenkins
(2009), notamos que o autor se apropria de um conceito que, posteriormente, ele
mesmo discute, pois o equipamento (hardware) não é convergente, mas sim o
conteúdo.
(...) a nova geração tem um ponto forte que a outra jamais teve –
esta nasceu e cresceu no meio da emergência de um meio de
comunicação tão revolucionário como não havia memória desde a
invenção da imprensa escrita. Enquanto as novas gerações,
particularmente as crianças, assimilam e incorporam rapidamente os
novos meios de comunicação, os adultos simplesmente se
acomodam, exigindo deles um esforço de adaptação. Esta
convivência íntima com as tecnologias confere a esta nova geração
características culturais diferenciadas de outrora (TAPSCOTT, 1997,
p. 91).
Quando Tapscott (1997) escreveu este livro, não existiam ferramentas sofisticadas
como o Google, o Facebook ou mesmo o Twitter, mas já existia uma primeira versão
da Internet, ainda muito incipiente Ele observou o comportamento dos jovens em
relação às novas tecnologias e como eles já, naquela época, se sentiam
confortáveis para criar novos conteúdos, participaram de maneira interativa,
deixando de ter atitudes passivas em relação ao meio. Uma década depois,
continuamos a viver em um ambiente onde, graças à banda larga, os jovens
conseguem consumir, simultaneamente, vários meios, focando sua atenção naquilo
que lhe parece interessante, naquele momento. Através de seus smartphones, eles
compartilham fotos em redes sociais, enquanto assistem TV e ouvem música.
Temos, portanto, um novo comportamento no público jovem: eles navegam de tela
em tela, várias vezes, em uma única hora. Esta informação passa a ser importante
do ponto de vista do produtor de conteúdos, pois existe uma necessidade latente de
se criar histórias para diferentes mídias e, assim, manter o interesse da audiência
que a todo o momento se dispersa. Através do computador, dos smartphones e até
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De acordo com Tapscott (1997), a “geração net” mostra os seus trabalhos a uma
ampla audiência, e dada a natureza do meio onde está exposta, o seu trabalho, a
sua vida e as suas “vidas online” estão abertas à critica. Na Internet, a expressão
pessoal passa a ser uma prioridade. Neste contexto, destaco o uso do Facebook no
Brasil, que fechou o ano de 2012 com 65 milhões de seguidores, tornando o país a
segunda maior comunidade ativa da empresa.
O uso das mídias digitais permite a esta geração falar para os adultos de igual para
igual. “Quando estou a utilizar o computador, ninguém sabe se sou ou não adulta. A
partir da primeira impressão, já posso dizer-lhes que tenho 14 anos. Assim sou
muito mais respeitada”, afirma Eric Mandela, uma das adolescentes consultadas por
23 Em computação, phishing, termo oriundo do inglês fishing, quer dizer pesca, é uma forma de fraude
eletrônica, caracterizada por tentativas de adquirir dados pessoais de diversos tipos: senhas, dados
financeiros como número de cartões de crédito e outros dados pessoais.
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É interessante observar que as crianças com idade menor que 13 anos, por política
da empresa, não podem ter perfil aberto, mas na prática, esta informação não é
verdadeira. As novas gerações modificam os seus perfis para estar na rede social e
podem interagir entre si. Existem algumas páginas de conteúdo exclusivamente
infantis como, por exemplo, os fã-clubes de desenhos animados, como o Club Winx,
Carrossel, Monsterhigh, entre outros.
Alguns dos pontos abordados por Tapscott (1997) merecem atenção dos produtores
de conteúdos e da sociedade civil como um todo. A “geração net” mudou este jogo.
Eles não vão aceitar uma abordagem só de ida, ou seja, passivamente, pois eles
foram imersos num mundo em que a comunicação de duas vias existe desde a
infância. Esta geração é imune à publicidade ou aos conteúdos enlatados. Eles
desejam participar e criar outras versões das histórias. “Eles somente darão atenção
ao que acrescentar algum tipo de valor”, afirma Rheingold (1996, p. 6).
24 No livro Actual Minds, Possible Words, Bruner (1960) desenvolve uma síntese da psicologia,
antropologia, sociologia e filosofia contemporâneas, abordando o papel da narrativa no processo de
aprendizagem e a relação entre o construtivismo cognitivo e a educação.
51
Neste ponto, faço a minha primeira consideração: as crianças de hoje estão sendo
incentivadas a relatar os fatos ou, ainda, a manifestar suas experiências? Acredito
que este papel pertence aos pais e à escola, que devem estimular a produção de
conteúdos, incentivando o hábito da leitura e da posterior discussão e entendimento
do que foi apresentado, de forma lúdica e divertida, se valendo inclusive de artefatos
tecnológicos para tal. De certa forma, faço um parêntese confortavelmente, pois
alguns escritores e estudiosos, observando o seu cotidiano familiar, colhem
informações e inspirações para os seus estudos. No final do ano passado, tive a
oportunidade de presenciar uma das cenas mais interessantes da minha vida: a
minha filha mais velha, com então nove anos, participou de um concurso na escola
para novos escritores. A ideia do concurso era promover a releitura de contos
clássicos e adaptá-los aos dias atuais pelos alunos. A minha filha, apaixonada pelo
conto da Rapunzel, realizou a atividade, colocando a Rapunzel como uma jogadora
habilidosa que havia sido trancada pela madrasta para ganhar um campeonato de
Nintendo DS26. Sim, ela foi uma das 25 crianças ganhadoras do concurso, como
melhor comédia. Um ponto merece destaque: ela também criou uma página no
Facebook para compartilhar as suas histórias com seus amigos.
Inteligência interpessoal: esta inteligência pode ser descrita como uma habilidade
para entender e responder adequadamente a humores, motivações e desejos de
outras pessoas. Em sua forma mais primitiva, a inteligência interpessoal se
manifesta em crianças como a habilidade para distinguir pessoas, e na sua forma
mais avançada, como a habilidade para perceber intenções e desejos de outras
pessoas e para reagir apropriadamente a partir dessa percepção.
Scolari (2013) comenta que uma das coisas que chamaram a atenção de Jenkins
(2009) é que na criação das narrativas transmídia, os personagens e mundos, além
de saltar de um meio para outro, muitas vezes caem nas mãos dos consumidores
para continuar expandindo a partir de um meio para outro. O público de cinema, da
TV, bem como os leitores tradicionais de quadrinhos ou romances, colecionam
produtos de seus heróis favoritos e, no melhor dos casos, têm a esperança de
montar um fã clube.
Como mencionei anteriormente, alguma coisa mudou nas últimas décadas. Scolari
(2013) comenta que a convergência tecnológica auxiliou os novos consumidores que
passaram a se tornar prosumers (produtores + consumidores). Eles apropriam-se de
seus personagens favoritos e expandem seus mundos narrativos. De acordo com
Jenkins (2009), esta é outra característica que define a narrativa transmídia:
usuários cooperam ativamente no processo de expansão de transmídia, quer seja
escrevendo uma ficção e estando no fanfiction 27, ou ainda, escrevendo uma paródia
e realizando um upload para o YouTube. Os prosumers do século XXI são membros
ativos das narrativas por paixão.
Segundo Morin (1989), o fã se identifica com seu ídolo e ao mesmo tempo se projeta
nele, a partir dos seus desejos, do que ele gostaria de ter ou ser. Assim, uma
pessoa de vida monótona se projeta em personagem que vive em meio à ação e ao
mistério. Conhecendo as necessidades do público jovem, os estúdios Disney
produziram a série Hanna Montana. Miley Ray Stewart é a personagem central de
do seriado Hannah Montana, caracterizada por Miley Cyrus. Miley é uma
adolescente normal, cujo alter ego é Hannah Montana. Secretamente, vive uma vida
dupla como uma pop star famosa pelo mundo. Eles criaram uma identidade para
Miley Stewart. O núcleo familiar dela consistiu dos seus pais, Robby e Susan
Stewart, e de um irmão mais velho chamado Jackson. Miley decidiu participar da
escola pública para ser uma criança normal, uma decisão que, às vezes, ela se vê
regredindo. Por causa da sua vida dupla, ela fica em posições ruins e é forçada a
mentir para manter o seu segredo. No filme, Miley se vê no dilema de terminar ou
não com a identidade de Hannah Montana, por acreditar que sua vida dupla está
causando alguns problemas em sua vida pessoal. Amedrontada pela imprensa, o
filme retrata o momento em que a personagem revela o seu segredo aos fãs de sua
cidade natal durante um show.
Os fãs fazem de seus ídolos a razão de viver e, muitas vezes, interferem até mesmo
em seu cotidiano. No filme Hannah Montana é o alter ego de Miley Stewart. Hannah
existe como uma identidade secreta, uma influente artista e cantora de música pop.
Extremamente populares e muitos fãs de Hannah, não sabem que ela é uma garota
adolescente normal. Miley tenta manter suas duas vidas separadas.
O ídolo é sempre um referencial para seu fã. Ele se encontra acima dos mortais em
um Olimpo de perfeição e beleza. Mas projeção não é suficiente. Os mitos precisam
ser humanos para que o seu público possa se identificar com eles. No passado, os
mitos eram criados através de histórias e narrativas orais, passadas de pais para
filhos. Com o desenvolvimento da sociedade de massa, este tipo de encontro para
contar história passou a ser uma raridade. As pessoas simplesmente não têm tempo
de contar histórias. Os mitos, então, encontram outras formas de se difundir, como
por exemplo, pelos meios de comunicação de massa. Hoje, os mitos podem ser
encontrados em filmes, novelas, histórias em quadrinhos e até mesmo na web.
De acordo com Morin (1989), ao redor das estrelas se instala um culto, da mesma
forma como havia os cultos aos Deuses antigos. Hollywood é o novo Olimpo. O culto
aos atores toma, às vezes, caráter de religião. Existem papas que são presidentes
de fãs clube e até cerimônias em que os fiéis entram em estado de êxtase, como se
estivessem, de fato, num ambiente religioso. Basta lembrar a histeria dos fãs no
início da série de TV de Hannah Montana.
Morin (1989) comenta que os mitos são realidades psicológicas que vivem em nosso
inconsciente coletivo. São como vírus de computadores. Da mesma forma que um
vírus, para sobreviver, precisa infectar outros computadores através da Internet ou
de outros dispositivos, os mitos precisam passar de uma pessoa para a outra para
continuarem existindo. O desenvolvimento pessoal e a emergente consciência do
ego servem para criar um sentido de identidade que ajuda o indivíduo a entender
quem são e qual é o seu lugar na sociedade. Segundo Morin (1989), a indústria
cultural se aproveita da necessidade do homem de se projetar em mitos e
transforma isso em mercadoria. A Estrela-mercadoria. A Estrela vende tudo que
tenha seu nome. A começar pela pelo próprio produto no qual ela está. Um filme
com Tom Hanks é sucesso garantido de bilheteria. Além disso, a Estrela vende
qualquer coisa que se associe a ela.
3 PROCESSO DE TRANSMIDIAÇÃO
Harry Porter não nasceu com a intenção de ser um projeto transmídia., haja vista
que a narrativa do seu mundo, aparentemente, não sofreu grandes expansões. Por
outro lado, analisando o conteúdo gerado pelo usuário, o quadro mostra-se
totalmente diferente: os usuários criaram diversos fanfictions com mais de meio
milhão de histórias que expandem suas aventuras. No primeiro, J. K. Rowling tentou
frear as expansões não oficiais pelos leitores, mas esta estratégia mostrou-se
contraproducente para o valor da marca Harry Potter. Em 2011, J. K. Rowling lançou
a plataforma oficial online para comercializar versões eletrônicas de Pottermore,
introduzindo novos produtos e criando uma comunidade de fãs para manter o mundo
da narrativa de Hogwarts, complementando com livros impressos e filmes. A riqueza
de detalhes criados na narrativa de Rowling pode despertar o imaginário do fãs por
várias gerações, a exemplo do que aconteceu com Start Trek.
62
Adaptação pode ser entendida como recontar a mesma história em diferentes tipos
de mídia, não implicando num processo de transmidiação, mas de adaptação.
Diferentemente da abordagem transmídia, uma adaptação não é um projeto
desenvolvido, simultaneamente, em diversas mídias, e não se destina a funcionar
como uma abordagem narrativa em conjunto com outra mídia. Uma adaptação não
espalha várias facetas de uma história em vários meios. Em vez disso, ela
simplesmente reconta a mesma história de uma plataforma para outra.
O termo multimídia refere-se, portanto, às tecnologias com suporte digital para criar,
manipular, armazenar e pesquisar conteúdos. Os conteúdos multimídia estão
associados, normalmente, a um computador pessoal que inclui suportes para
grandes volumes de dados, os discos ópticos como os CDs (CD-ROM, MINI-CD,
CARD) e DVDs. É a convergência na web usando técnicas de crossmídia.
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Figura 18. Modelo de Brooke Thompson, fornecendo uma comparação sobre cross-media e
transmídia
Fonte: Grupo ESPM – Era transmídia (2012).
Na série policial da A&E, The First 48, os detetives têm 48 horas para salvar a
cidade. Esta narrativa é contada em três meses. A experiência sempre se inicia com
o final das últimas 48 horas e mostra as decisões feitas pelo detetive 24 horas antes.
A história, então, retraça como o dia começou. Assim, temos os seguintes
diagramas:
O diagrama mostra a história recortando entre o final e o meio das 48 horas, com a
maior quantidade de tempo dedicada às últimas horas, antes de o caso estar
encerrado (final que já é conhecido pela audiência). Levando essa ideia adiante,
Pratten (2010) separa as mídias em linhas temporais diferentes, de forma que seja
possível ver qual mídia está sendo usada. Utilizando o exemplo acima, temos:
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O diagrama mostra que a audiência inicia a experiência com jogos online, mas
encontra, desbloqueia ou obtém conteúdos adicionais através da Internet e
celulares. Na medida em que a experiência progride para o próximo nível, vídeos na
Internet tornam a mídia dominante. Com isso, sobreposicionando as mídias, ainda
nos restam muitos espaços em branco, o que nos leva à conclusão de que não
estão sendo utilizadas mídias suficientes para transmitir a história e a experiência.
Cada meio faz o que faz de melhor – a fim de que uma história possa
ser introduzida num filme, ser expandida pela televisão, romances e
quadrinhos; seu universo possa ser explorado em games ou
experimentado como atração de um parque de diversões. Cada
acesso à franquia deve ser autônomo, para que não seja necessário
ver o filme para gostar do game, e vice-versa (JENKINS, 2009, p.
29).
Podemos dizer que a narrativa transmídia é uma estrutura narrativa que se expande
por diversas linguagens (verbal, não-verbal e misto) e mídias (cinema, quadrinhos,
videogames, televisão). É importante considerar que a simples transposição da
história não garante um caráter transmidiático à narrativa, uma vez que a história
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contada em um meio (quadrinhos) não deve ser a mesma daquela contada em outro
(televisão ou cinema). Neste caso, histórias recontadas em outros meios não
passam de adaptações, enquanto a utilização de múltiplas mídias para completar
uma única história caracteriza-a como uma transmidiação.
No seu artigo “Do You Have a Big Stick?”, Dena (2006, p. 3) defende que
“transmídia não é sinônimo de mídia digital, pois muitas vezes envolve ambas as
mídias digitais e não digitais”. Segundo ela, um roteiro transmídia pressupõe a
continuação de uma história em toda a mídia: um filme, um programa de TV, um
livro, um jogo e assim por diante. Neste contexto, é importante observar que podem
existir, na concepção do projeto, vários núcleos criativos, como o próprio escritor e
outras equipes especializadas, que criam a partir do roteiro original outras formas de
interação. Assim, teremos como um produto final uma franquia de uma história. A
franquia pressupõe a existência de controles de qualidade e continuidade que
blindam o conteúdo, não permitindo, portanto, a interação da audiência, mas a sua
simples participação.
Na opinião de Dena (2006), um projeto deve ser pensado desde o início – o que ela
chama de transmídia proativa. Neste caso, a habilidade e a criatividade do escritor
serão testadas, pois novos elementos deverão ser pensados estrategicamente a
partir da sua concepção. Neste tipo de roteiro, pressupõe-se a criação de um
documento de desenvolvimento, que dará conta de cobrir detalhes como a criação
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A relação do telespectador com outros meios continua sendo opcional. Por isso, os
produtores intensificam as estratégias para realizar a conquista do consumidor,
oferecendo múltiplas oportunidades de participação. Tal conduta tem apresentado
resultados positivos ao gerar um aumento significativo no envolvimento dos usuários
com produtos segmentados, constata Jenkins (2009). Os fãs foram os pioneiros a se
adaptarem ao modelo transmídia, segundo o autor, por possuírem um perfil
diferenciado e de não aceitarem o que recebem dos meios, sem questionamentos
ou reflexão. Por isso, eles buscam constantemente participar, contribuir e
compartilhar informações. Na medida em que adotam esse posicionamento, os fãs
acabam apropriando-se do conteúdo e reformulando a indústria midiática.
A narrativa deve ser entendida sob a ótica de saber contar as histórias. Os roteiros
devem capturar a imaginação, a atenção e, principalmente, devem ser o fio condutor
entre a vida real e o universo imaginário. Se a narrativa não for consistente nesses
pontos, não existirá nenhuma estratégia de transmídia que possa reparar o dano.
Em “Os sete mitos da transmídia”, Jenkins (2011) defende que as abordagens
inovadoras de transmídia respondem a um ambiente de mídia onde o público é
recompensado em todos os lugares, proporcionando aos fãs a chance de se
aprofundar nas histórias que eles amam da maneira mais conveniente. O processo
69
conteúdos primeiro.
Lévy (2002, p. 2) afirma que esses laços sociais criados “suscitam coletivos
inteligentes e valorizam ao máximo a diversidade das qualidades humanas”.
Em seu blog, Lemos (2009) argumenta que a expressão “cultura participativa” serve
para caracterizar o comportamento do consumidor midiático contemporâneo, cada
vez mais distante da condição receptor-passivo. São pessoas que interagem com
um sistema complexo de regras, criado para ser dominado de forma coletiva. Lévy
(2002, p. 32) afirma que “esses laços sociais criados suscitam coletivos inteligentes
e valorizam ao máximo a diversidade das qualidades humanas”.
Ainda de acordo com o autor, “no presente momento, as histórias mais significativas
tendem a fluir em múltiplas plataformas” (JENKINS, 2009, p. 59).
Figura 23. Visão geral do projeto sob a ótica das especificações funcionais
Fonte: Hayes (2012).
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29 Call to action refere-se a uma técnica que mostra como conseguir mais interação com os EUIs. O
produtor precisa pedir o que ele quer que os EUIs façam para aumentar a interação e o engajamento.
30 Um wireframe é um guia visual básico usado em design de interface para sugerir a estrutura de um
Jenkins (2009) considera que a cultura participativa está emergindo como uma
cultura que absorve e responde à explosão de novas tecnologias redesenhando o
conteúdo em maneiras novas e poderosas. Um foco em expansão do acesso às
novas tecnologias nos leva a promover as habilidades e conhecimentos culturais
necessárias para implantar essas ferramentas para nossos próprios fins. Para
Jenkins (2009, p. 46), “os consumidores estão lutando pelo direito de participar mais
plenamente de sua cultura”: são ativos, migratórios, mais conectados socialmente,
barulhentos e públicos.
77
Nuno Bernardo, em uma entrevista realizada no final de 2012, sugere que o sucesso
de uma estratégia transmídia para as novas gerações, com foco especial para
projetos infantis, deve considerar a TV como centro da estratégia de implantação.
Ele comenta que a TV ainda é um meio de comunicação chave para criar exposição
e estabelecer credibilidade para a sua marca, mas a combinação de TV com
experiências online e móvel permite aos produtores ampliar a exposição de sua
marca. O Club Penguin, da Disney, foi capaz de criar uma marca de entretenimento
para o público jovem, sem a necessidade de um programa de TV.
Bernardo (2011) alerta que a maioria das crianças não vai para a Internet para
pesquisar e encontrar conteúdo, como os adultos fazem. Eles vão a lugares que eles
já conhecem. Na maioria das vezes, aos websites, sua emissora favorita. Construir o
reconhecimento da marca de uma propriedade transmídia infantil é muito mais difícil
do que construir uma base de fãs de adolescentes ou jovens adultos. Bernardo
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Enquanto que para os adultos a Internet significa, principalmente, a world wide web,
para as crianças significa bate-papo, e-mail e jogos. Aqui, as crianças já são
produtoras de conteúdo. Muitas vezes negligenciada, exceto como uma fonte de
risco, estas atividades de entretenimento focadas em comunicação estão dirigindo
emergente alfabetização mediática. Através de tais usos, as crianças são mais
engajadas, realizam várias atividades simultâneas, tornando-se proficientes em
navegação, a julgar pela sua participação e de outros.
Em um mundo assim, alguns usuários deverão apenas observar, outros irão estudar
e outros, ainda, vão dominar as habilidades que são mais valorizadas dentro da
comunidade. A própria comunidade, no entanto, fornece fortes incentivos para a
expressão criativa e participação ativa. “A cultura participativa muda o foco da
alfabetização de indivíduo expressão para o envolvimento da comunidade”
(JENKINS, 2009, p. 7).
Hoje, o EUI de uma série é tão dono da história quanto seus criadores. Diante disso,
cada canal e/ou cada programa cria uma forma de “fisgar” a atenção do público. Um
bom exemplo disto é o seriado Castle, que conta com um personagem rico, que
facilmente transpõe suas experiências em outras mídias como os livros, o website e
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No final da primeira temporada, ele acaba criando o livro Naked Heat, inspirado em
Beckett. O livro de Castle – Naked Heart, escrito durante a primeira temporada do
seriado, foi lançado como uma narrativa-chave no curso do arco histórico do seriado
e, ao mesmo tempo, como um livro real, publicado pela editora Hyperion. O livro
entrou na lista dos mais vendidos, de acordo com o jornal The New York Times.
A série, atualmente, conta com uma audiência superior a 100 milhões de EUIs no
horário nobre, sendo uma das maiores audiências da ABC nos últimos 14 anos.
Castle possui uma série de fanpages, além de uma página no Twitter com mais de
200 mil seguidores, mantendo o seu público a par de seu dia-a-dia, bem como
coisas que ele acha interessante no personagem.
Outra série de sucesso que foi lançada no Brasil é “Castigo Final”. Trata-se do
primeiro seriado interativo transmitido para um celular. A narrativa conta a história da
luta de oito desconhecidas para sobreviverem dentro dos muros sombrios de um
presídio. Beth (38), Carmen (35), Rose (47), Márcia (32), Dalva (30), Kátia (29) e
Selma (18), todas condenadas por crimes violentos, compartilham uma ala no
Presídio Feminino de Segurança Máxima Ivo de Kermartin. Considerado o presídio
do futuro, todo o sistema de vigilância e controle interno é informatizado, não
deixando espaço para falhas ou possibilidades de fuga. Lá, as sete detentas pagam
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suas penas em uma rotina normal, até que dá entrada ao presídio a oitava detenta:
Tânia (43), ex-policial, presa por violência e abuso de autoridade. Depois de
conquistar a primeira nomeação brasileira para o Digital Emmy Wards/2009 e de
uma nomeação para um Rose d’ Or/2009, a série “Castigo Final” foi produzida pela
beActive para a Oi TV, conquistando o prémio “Best Internacional Format Awards” na
categoria de melhor formato multiplataforma, em Cannes/2010.
CONCLUSÃO
A criação não é algo novo. Artistas e artesãos criam. Artistas amadores e músicos
criam. Jogadores de videogames criam. Mas em todas essas atividades, ainda
existem criadores e receptores. Além disso, a criatividade é, frequentemente,
limitada pelo desejo do criador.
Inicialmente, a interação com o conteúdo das mídias era facilmente controlada pelas
empresas, mas ao se tornar um local de participação do consumidor, a web
transformou-se em visível para a atividade cultural participativa, obrigando as
indústrias a enfrentar as implicações em seus interesses comerciais (JENKINS,
2009). As novas tecnologias permitem uma ampliação da criatividade, seja por
motivos fúteis ou sublimes. Mensagens de texto no celular ou curtas-metragens são
qualificadas como produções, independentemente do seu valor. Este novo
movimento gira em torno da participação e criação, sendo a participação um dos
elementos procurados nas experiências transmídias.
Sendo assim, para falar com alguém precisaríamos chegar à sua presença. Isso
implica superar distâncias – a pé ou por meio de transporte. Significa, também, uma
coordenação temporal – precisamos estar onde o outro está no mesmo momento.
Os jogos também não são uma novidade da narrativa transmídia, podendo existir
separadamente a qualquer produção televisiva ou cinematográfica, porém, é o seu
caráter de interatividade que o torna tão importante para uma franquia. Os jogos de
realidade alternativa são chamados também de “narrativa interativa”. Jeff Gomes
(2012) comentou durante o seu seminário no Fóorum Era Transmídia, que a
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De acordo com a empresa Seize The Media, transmídia é “o” formato dos formatos.
É uma abordagem para a entregar histórias que agregam audiências fragmentadas,
adaptando produções para novos modos de apresentação e integração social. A
execução de uma produção transmídia entrelaça histórias diversas, através de
múltiplos canais, como partes de uma estrutura narrativa abrangente. Estes
elementos são distribuídos em pontos tradicionais e novos meios de comunicação.
Os componentes online exploram as convenções e locais sociais da Internet. Esta
definição faz sentido e de certa forma sumariza de maneira objetiva o conceito.
Um contraponto a esta definição traz à tona outra questão: nós sabemos contar
histórias? Sem dúvida, este processo narrativo deverá ser melhor explorado e de
certa forma desmistificado. Na minha opinião, embora existam alguns laboratórios
com experiências bem sucedidas, ainda há um vasto campo a ser explorado
Estamos em uma fase de semeadura, cujo processo precisa ser amadurecido e
melhor compreendido. Métricas precisam ser melhoradas, orçamentos devem ser
repensados.
Por último, faço uma constatação: McLuhan (1964) estava certo: sim, o meio muda
totalmente a mensagem e a nossa forma de lidar com ela. Apesar de não ser
especialista em Psicologia, e me apropriando do aprendizado que fiz durante esta
investigação, alguns formatos que tangem a educação e a forma de aprendizado
também estão sofrendo o mesmo processo de contextualização. As observações de
Gardner (1995) são similares às feitas por Tapscott (2012; 2010; 1997), ao explorar
as múltiplas inteligências, as apropriações das novas gerações e ao adotar o uso
das tecnologias. Em última análise, isto vem sendo discutido desde o começo do
século passado por Bruner (1960) e a sua teoria construtivista. Esta linha
construtivista parte do pressuposto que o aprendizado consistente parte da
apropriação do conteúdo aprendido, fazendo com que as novas gerações tornem-se
engajadas do seu aprendizado. Quando observamos situações como as citadas
neste estudo, que aconteceram com a minha filha, fica notório que existe uma forte
preocupação na formação do indivíduo consciente e que a partir de seu repertório
passa a desenvolver novas narrativas.
REFERÊNCIAS BIBIOGRÁFICAS
<http://www.valor.com.br/empresas/2869316/base-mundial-de-smartphones-supera-
1-bilhao-de-unidades-diz-pesquisa#ixzz2KFrVjF6c>. Acesso em: 17 out., 19h21.
EDWARDS, P. Miley Cyrus: eu & você – a estrela de Hannah Montana. São Paulo:
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HAYES, G. E-Book Cómo escribir una Biblia Transmedia Una plantilla para
productores multiplataforma. Traducción de Eduardo Prádanos Grijalvo a partir del
documento original de Gary P Hayes, diciembre 2012. Disponível em:
<http://guionactualidad.uab.cat/wp-content/uploads/2013/01/Como-escribir-una-
Biblia-Transmedia.pdf>. Acesso em: 02 jan. 2013, 18h44.
IPSOS OTC Media Ct. Estudo encomendado pelo Google em maio de 2012,
intitulado Our Mobile Planet Brazil ptbr. Disponível em:
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LING, R. Mobile communication and mediate ritual. In: Communications in the 21st
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________. Quatro princípios para o mundo aberto, 2012. TEDX 2012. Vídeo.
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