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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO (UFRRJ)

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO - DEPARTAMENTO DE TEORIA E


PLANEJAMENTO DE ENSINO

AVALIAÇÃO E AVERSÃO: UMA RELAÇÃO INEVITÁVEL?

MARLON FERREIRA DOS REIS 201631030-6

LUIZA OLIVEIRA DA SILVA 2016310276

VINICIUS ABU KALAF PECLAT 2016310489

SEROPÉDICA

2018
Avaliação mediadora: para além do autoritarismo puro
Desde a institucionalização do ensino na Idade Média com a criação das primeiras
universidades, até os dias de hoje, os quais possuímos a institucionalização estatal do
mesmo, as filosofias e tecnologias da educação se complexaram e caminharam para o
horizonte da autonomia. No sentido de que, no mundo contemporâneo a tendência da
pedagogia repousa na premissa de incentivar o estudante à sua independência, seu
pensamento crítico, sua capacidade de ser um bom cidadão, um bom ser humano, ser
dono de si. Isto seria alcançar a autonomia.
Entretanto, a questão da “avaliação” se encontra como um desafio nessa caminhada.
Claro que não o único, porém, um de suma relevância. Se digitarmos na plataforma de
pesquisa virtual mais popular do mundo, o Google, a palavra “avaliação” temos:
“verificação que objetiva determinar a competência, o progresso etc. de um profissional,
aluno etc.”. As palavras “determinar a competência” aparecem aqui, tais como no senso
comum; implicam, em linhas gerais, em testar o educando para saber se o mesmo adquiriu
satisfatoriamente os conhecimentos que foram passados. Justamente por essa necessidade
de atestar se o conhecimento fora de fato assimilado pelo estudante, que a avaliação se
torna “relevante” e “problemática”. Afinal, torna-se prioridade máxima saber se o
discente realmente é capaz de reproduzir o conteúdo aprendido.
Nesse sentido, como atesta Luckesi, a avaliação “está a serviço de uma pedagogia,
que nada mais é do que uma concepção teórica da educação, que, por sua vez, traduz uma
concepção teórica da sociedade”.1 E, isso significa dizer que a educação, e a avaliação
por conseguinte, atualmente, está a serviço de um entendimento conservador da sociedade
– e da educação, dialeticamente. O que a Pedagogia vem tentando aplicar em resposta a
essa tradicional concepção, é justamente uma educação libertadora2 e uma prática
pedagógica que enxergue a avaliação como um meio e não como um fim. Ou seja,
enxergar a “[...] ação avaliativa como uma das mediações pela qual se encorajaria a
reorganização do saber”.3

1
LUCKESI, Cipriano Carlos. Avaliação Educacional Escolar: para além do autoritarismo. In:
LUCKESI, Cipriano Carlos. Avaliação da aprendizagem escolar: estudos e proposições. 22.
Ed. São Paulo: Cortez, 2011, p. 28.
2
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes Necessários à Prática Educativa. 25ª Ed. São Paulo,
SP: Editora Paz e Terra, 2002, p. 21.
3
HOFFMAN, Jussara. Avaliação como mediação. In: HOFFMAN, Jussara. Avaliação: mito e
desafio, uma perspectiva construtivista. Porto Alegre: Mediação. 2009., p. 57.
Enriquecer o conhecimento do aluno seria o objetivo da avaliação, e não mais uma
“correção”, uma repressão do errar. Não mais se moldaria o sujeito, como se lapida um
tronco morto, mas sim o deixa crescer e florescer como sujeito; a avaliação seria o
desenrolar o trabalho até então feito com o aluno.
Contudo, o modelo majoritariamente vigente nas escolas apenas atestam o caráter
conservatório das estruturas sociais presentes hoje na sociedade; práticas enquadradoras
e reducionistas, que massificam e atestam uma padronização do indivíduo dentro da sala
de aula, tendo como referencial um molde pré-existente. É uma prática necessariamente
autoritária, pois, torna preciso que o professor abandone sua flexibilidade, ignore a
subjetividade do aluno e construa uma avaliação como instrumento disciplinador, ainda
na escola.4
O método avaliativo mais comum de todos é a “prova”. E essa, em realidade, trata-
se não de demonstrar o que fora aprendido, mas sim sobre o quanto o indivíduo consegue
escrever, em uma quantidade x de tempo, sem cometer erros. Exige-se uma resposta que
satisfaça uma certa especificação e nesse caso, o ato de questionar fica quase sempre
aversivo. O nome “correção” para uma prova seria uma ótima metáfora ou transposição
de uma agressão nos moldes de uma palmatória. A prova demonstra o que o aluno não
sabe. A prova é um discriminante.5 De nada há de “processo” em uma prova tradicional.
Essa forma avaliativa se torna um fim, como dissemos no início deste trabalho. Luckesi
aponta:
A atual prática da avaliação escolar estipulou como função do ato de
avaliar a classificação e não o diagnóstico, como deveria ser
constitutivamente. Ou seja, o julgamento de valor, que teria a função de
possibilitar uma nova tomada de decisão sobre o objeto avaliado, passa
a ter a função estática de classificar um objeto ou um ser humano
histórico num padrão definitivamente determinado.6
O dia-a-dia escolar vai contra o discurso inovador debatido nas produções
pedagógicas, as avaliações assumem um papel comparativo e classificatório que negam
as reais necessidades dinâmicas existentes no mundo. Ela solidifica os indivíduos,
legando-os à posição de fracasso. E o autoritarismo avaliativo reside até na capacidade
do professor de punir/beneficiar alunos ao seu bel prazer para que alcancem, ou não, o

4
LUCKESI, Cipriano Carlos. Op. Cit., p. 32.
5
SKINNER, Burrhus Frederic. Tecnologia do Ensino. São Paulo: EDUSP, 1975.
6
LUCKESI, Cipriano Carlos. Op. Cit., p. 34.
objetivo pré-estabelecido como ideal7: o autoritarismo docente torna-se um “disciplinador
de condutas sociais”.8
A avaliação, de acordo com Jussara Hoffman, deveria ser vista como sempre sendo
um “ainda não, mas pode ser”, no sentido de que os erros fazem parte da trajetória da vida
e que com eles podemos construir um conhecimento mais sólido. O método avaliativo
que a autora propõe deve ser visto como esse “ainda não...”, que o professor se debruce
sobre a trajetória, o progresso e as manifestações do estudante. O erro seria visto como o
teste das hipóteses possuintes do educando, seriam “elementos dinamizadores” da ação
avaliativa docente; as respostas dos alunos seriam novas possibilidades de perguntas que
o professor pode realizar, considerando-as como argumentos dignos.9 Luckesi vai mais
longe dizendo que “a avaliação deixará de ser autoritária se o modelo social e a concepção
teórico-prática da educação também não forem autoritários”.10
Há uma prática aversiva inerente em toda avaliação?
O aprendizado se dá com a atenção, o professor precisa prender a atenção do aluno
para conseguir que ele compreenda algum processo. Indivíduos diferentes, se não
sinalizados, podem prestar atenção em estímulos diferentes dentro de um mesmo plano
de aula, por exemplo: um indivíduo pode prestar atenção no que está num slide, na estética
do mesmo, e não no conteúdo que está sendo passada nele, ou no que está sendo proferido
pelo professor. Como já fora demonstrado por George S. Reynolds em como a “atenção”
funciona.11 Porém, o processo avaliativo e o processo de ensino não necessariamente
dialogam; o arranjo das estratégias de ensino se desconectam de serem um reforço para
se fazer uma avaliação, ou então, num cenário comumente ruim, conectam-se na forma
de ansiedade.
O processo avaliativo se torna um elemento numa estrutura de uma “teoria dos
jogos”12 da aprendizagem no segundo em que começamos a pontuar erros e acertos. Se
uma autoridade tem a capacidade de executar a minha reprovação, ou mesmo o meu
constrangimento no campo intelectual (leia-se aqui “escola” como parte do campo
intelectual), minha postura em sala de aula se torna cada vez mais cautelosa. Mais e mais

7
HOFFMAN, Jussara. Op. Cit., p. 62-63.
8
LUCKESI, Cipriano Carlos. Op. Cit., p. 40.
9
HOFFMAN, Jussara. Op. Cit., p. 67-69
10
LUCKESI, Cipriano Carlos. Op. Cit., p. 42.
11
REYNOLDS, George S.. Attention in the pigeon. Journal of the Experimental Analysis of
Behavior, n. 4, 1961, p. 203-208.
12
LEONARD, Robert. Von Neumann, Morgenstern, and the Creation of Game Theory. New
York: Cambridge University Press, 2010.
um estudante sente a necessidade de agradar o educador para que a probabilidade de que
a correção de sua avaliação seja menos rigorosa, menos aversiva, aumente. A relação de
poder professor-aluno ainda é essencialmente unilateral, visto que um aluno não pode
reprovar um professor, mas o contrário acontece. A postura do aluno no interior da sala
de aula está constantemente sendo monitorada, há o constante desconforto com a ideia de
desobedecer, questionar, corrigir, interromper a autoridade docente.
Podemos complexificar ainda mais essa teoria adicionando apenas mais um
professor ao sistema, imaginemos a seguinte situação: existem os professores A e B que
dão aula para o estudante X. O professor A leciona uma disciplina na qual o aluno X
enxerga como sendo mais difícil, enquanto enxerga o oposto no professor B. O professor
A marca a data de sua avaliação, enquanto o professor B abdica de realizar uma avaliação.
O aluno X, obviamente, foca suas energias em se preparar para sua avaliação do professor
A e passa a ignorar, devido à falta de tempo, a disciplina do professor B.13
Vejo algumas formas de resolução para esse problema de desvio de
atenção/prioridade: (1) o professor A abdica também de sua avaliação; (2) o professor B
implementa também uma avaliação; (3) o professor A afirma que será mais brando em
sua avaliação. Quais destas seriam a opção mais correta? Creio não haver uma resposta
ideal. Contudo, a única opção em que o aluno X não estaria numa posição de relativa
ansiedade e desvio de atenção seria a opção 1. Porém, sem avaliações, como saber se o
educando realmente aprendeu o conhecimento?! Mesmo que o aluno X se programe e vá
bem em todas as disciplinas, há, querendo ou não, uma posição autoritária dos professores
que causa uma relativa aversão no estudante. De fato, os estudantes devem ter
variabilidade comportamental e disponibilidade criativa para lidar com as adversidades,
entretanto, isso não seria afirmar que a avaliação, mesmo vista como um processo, não
estaria sendo um fim em si mesma mais do que um meio para algo?
O que propomos aqui em realidade é apenas uma reflexão crítica. Como dito, não
há uma resposta ideal, apenas questionamentos. Exercitamos um pouco da
metalinguagem para realizar o pensar sobre a avaliação. Faz parte do processo como
docente pensar em como retirar a carga autoritária/aversiva da avaliação e tornar a
experiência mais satisfatória para ambas as partes. É uma situação demasiadamente

13
Se transpormos essa situação hipotética para o âmbito universitário, temos que os alunos
pararão de ler os textos para a disciplina do professor B, para se prepararem para sua avaliação
iminente. O processo de aprendizagem, mesmo que o aluno X goste mais da disciplina do
professor B, é comprometido inevitavelmente.
complexa, entretanto, acreditamos que com os avanços dos debates na área da teoria e
planejamento do ensino consigamos superar esse desafio tão incômodo.
Referências bibliográficas:
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes Necessários à Prática
Educativa. 25ª Ed. São Paulo, SP: Editora Paz e Terra, 2002, p. 21.
HOFFMAN, Jussara. Avaliação como mediação. In: HOFFMAN, Jussara.
Avaliação: mito e desafio, uma perspectiva construtivista. Porto Alegre: Mediação.
2009, p. 57.
LEONARD, Robert. Von Neumann, Morgenstern, and the Creation of Game
Theory. New York: Cambridge University Press, 2010.
LUCKESI, Cipriano Carlos. Avaliação Educacional Escolar: para além do
autoritarismo. In: LUCKESI, Cipriano Carlos. Avaliação da aprendizagem escolar:
estudos e proposições. 22. Ed. São Paulo: Cortez, 2011, p. 28.
REYNOLDS, George S.. Attention in the pigeon. Journal of the Experimental
Analysis of Behavior, n. 4, 1961, p. 203-208.
SKINNER, Burrhus Frederic. Tecnologia do Ensino. São Paulo: EDUSP, 1975.

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