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EMERJ – CP II Direito Tributário II

Tema I

Suspensão da exigibilidade do crédito tributário I - Aspectos materiais. 1. Efeitos. 2. Modalidades previstas


no CTN (Moratória, Depósito, Reclamações, Recursos e Parcelamento). 3. Questões controvertidas.
Jurisprudência. Doutrina.

Notas de Aula1

1. Suspensão da exigibilidade do crédito tributário

Para se entender a suspensão da exigibilidade, antes de tudo é preciso saber o que


seja a própria exigibilidade do crédito tributário. Em breve síntese, pode-se traçar a
dinâmica do nascimento e vida de um tributo desde quando, ocorrido o fato gerador, há o
surgimento da obrigação tributária, abstrata por natureza. Em que pese haver duas teorias
sobre esta obrigação, a dualista e a monista, o CTN optou pelo dualismo, tratando a
obrigação tributária separadamente do crédito tributário, ou seja, a obrigação não faz surgir
concomitantemente o crédito tributário a ela correspondente: a obrigação tributária nasce
com o fato gerador, mas o crédito tributário surge só com o lançamento (ao contrário da
tese monista, unicista, que no fato gerador vê a origem de ambos, obrigação e crédito).
Assim, em nosso sistema, é o lançamento que cria o crédito tributário, manifesto
concreto, elemento de constituição do crédito e declaração da obrigação. O lançamento,
para o monismo, é mera quantificação do valor da obrigação. Veja o artigo 142 do CTN:

“Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito


tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo
tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente,
determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o
sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.
Parágrafo único. A atividade administrativa de lançamento é vinculada e
obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional.”

Uma vez constituído o crédito tributário pelo lançamento, este é notificado ao


sujeito passivo. Sendo notificado do seu débito, o sujeito passivo tem três opções: quedar-
se inerte, deixando impago o tributo; efetuar o pagamento, extinguindo o crédito tributário
de forma perfeita; ou opor alguma objeção ao crédito, interpondo, por exemplo, um recurso
administrativo.
Se o sujeito passivo opta pela inércia ou pela discussão do crédito, o procedimento
administrativo se converte em um processo administrativo tributário, o qual transcorrerá até
alcançar uma decisão administrativa definitiva, irrecorrível. Chegando a este ponto, sem
extinção do crédito, o crédito está apto a ser inscrito em dívida ativa. A inscrição possibilita
a extração da certidão da dívida ativa, título executivo que vai levar a uma execução fiscal.
Nesta dinâmica resumida acima, em que ponto se verifica a exigibilidade do crédito
tributário? A exigibilidade é uma característica imanente ao crédito tributário, e, sendo
assim, desde quando surge este crédito há, naturalmente, sua exigibilidade. O sujeito ativo
pode reclamar a prestação devida pelo sujeito passivo, devedor, desde quando surgido seu
crédito. Veja que, como nosso sistema é dualista, o crédito tributário só se constitui pelo

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Aula proferida pelo professor Rodrigo Jacobina Botelho, em 10/11/2008.

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lançamento, e deve-se entender que somente neste momento há exigibilidade, e não no


surgimento da obrigação tributária com o fato imponível.
Este raciocínio conduz a uma conclusão fundamental: a suspensão da exigibilidade
do crédito tributário não influencia diretamente a constituição do crédito tributário, pois
mesmo na pendência de alguma circunstância que tenha o condão de suspender a
exigibilidade do crédito tributário, ele não deixará de ser constituído. O artigo 142,
especialmente no parágrafo único, combinado com o artigo 3º do CTN, nos informam que o
lançamento é obrigatório, atividade vinculada que não pode ser deixada de lado. Veja:

“Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor


nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e
cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.”

Imagine-se, por exemplo, que se instaure um procedimento de fiscalização tributária


sobre uma pessoa. Este fiscalizado, interpretando de forma diferente aquilo que lhe é
apontado como devido – entendendo que deve a menor do que lhe é cobrado, por exemplo
–,pode decidir ajuizar uma ação judicial de depósito do valor que o exonere da pecha de
devedor. Se nesta ação ele consegue, suponha-se, uma liminar de suspensão de
exigibilidade do crédito tributário, como deverá se comportar a Fazenda, na figura do fiscal
tributário?
O procedimento deverá continuar como se nada houvesse: o fiscal deverá constituir
o crédito tributário da mesma forma que o faria, pois como dito, não lhe é dado não realizar
o lançamento – deve fazê-lo, ainda que a responsabilidade vá restar suspensa
imediatamente quando da constituição do crédito. A suspensão nunca oferece obstáculo à
constituição do crédito tributário, mesmo que realizada antes deste se constituir.
No Estado do Rio de Janeiro, houve caso emblemático sobre o tema, referente ao
Cofins das sociedades uniprofissionais. Em apertada síntese, havia uma lei complementar
estabelecendo que estas sociedades não recolheriam esta contribuição. Posteriormente, lei
ordinária revogou este benefício, e a discussão recaiu na possibilidade ou não de que uma
lei ordinária revogasse benefício concedido em lei complementar, tendo sido concluído, no
STJ, que a revogação era impossível, mas alterando seu entendimento, hoje, para que há
sim esta possibilidade. O interessante deste exemplo não é seu desfecho, e sim a liminar
conseguida pela autora da ação, do mandado de segurança coletivo impetrado pela OAB: a
liminar concedeu a suspensão da exigibilidade do crédito, até o fim da discussão judicial.
Sendo assim, os escritórios recebiam os fiscais, que lavravam o auto de infração,
constituíam o crédito e, no campo das observações, mencionavam a suspensão daquele
mesmo crédito, que já nascia suspenso. Veja que este fiscal jamais poderia simplesmente
deixar de constituir o crédito em razão da suspensão – a constituição é obrigatória, não
sendo afetada pela suspensão.
Há quem explique esta lógica por outro argumento: a constituição do crédito
tributário é sujeita a prazo decadencial, que não se suspende ou interrompe. Por isso, se não
for constituído independentemente da suspensão, o direito do Estado poderá ficar à mercê
do tempo de suspensão, qualquer que seja a causa. No exemplo, se o processo judicial se
estender por mais de cinco anos, o crédito não poderá ser constituído, pois que o prazo
decadencial2 estará exaurido.
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A teoria civilista de Silvio Rodrigues, que identifica que toda vez que o direito nasce em conjunto com o
próprio veículo de sua proteção, o prazo para tal é decadencial; se o direito surge em um momento, mas a

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Antes de se passar a analisar as hipóteses de suspensão da exigibilidade do crédito


tributário, é interessante se observar o que dispõe o artigo 97, VI, do CTN:

“Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:


I - a instituição de tributos, ou a sua extinção;
II - a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos artigos 21,
26, 39, 57 e 65;
III - a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado o
disposto no inciso I do § 3º do artigo 52, e do seu sujeito passivo;
IV - a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto
nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65;
V - a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus
dispositivos, ou para outras infrações nela definidas;
VI - as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de
dispensa ou redução de penalidades.
§ 1º Equipara-se à majoração do tributo a modificação da sua base de cálculo, que
importe em torná-lo mais oneroso.
§ 2º Não constitui majoração de tributo, para os fins do disposto no inciso II deste
artigo, a atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo.”

Veja que este dispositivo é altamente coerente, pois traz para a reserva legal todos os
eventos que, de uma ou de outra forma, guardam alguma relação com a vida do crédito
tributário. Vejamos, então, cada hipótese de suspensão da exigibilidade do crédito
tributário.

1.1. Hipóteses de suspensão da exigibilidade do crédito tributário

O artigo 151 do CTN é a sede legal do estudo:

“Art. 151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário:


I - moratória;
II - o depósito do seu montante integral;
III - as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo
tributário administrativo;
IV - a concessão de medida liminar em mandado de segurança.
V - a concessão de medida liminar ou de tutela antecipada, em outras espécies de
ação judicial;
VI – o parcelamento.

proteção deste só será veiculada em momento posterior à efetiva lesão a tal direito, o prazo então será
prescricional. No direito tributário, o prazo para constituir o crédito é decadencial porque a sua efetivação não
depende de lesão qualquer: o meio de constituição do crédito – a efetuação do lançamento – é surgido desde
quando a própria obrigação é surgida. Já o prazo para cobrar o crédito só começa a correr quando há o
inadimplemento, pois desta lesão surge a pretensão resistida ao recebimento, a ser perseguido em execução
fiscal.
Vale consignar que os efeitos da prescrição ou decadência são muito próximos no direito tributário (e
somente aqui): ambos extinguem o direito e a ação que o garante, por pura opção legislativa. Veja o artigo
156, V, do CTN:

“Art. 156. Extinguem o crédito tributário:


(...)
V - a prescrição e a decadência;
(...)”

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Parágrafo único. O disposto neste artigo não dispensa o cumprimento das


obrigações assessórios dependentes da obrigação principal cujo crédito seja
suspenso, ou dela conseqüentes.”

Repise-se: estas hipóteses impedem que o credor reclame seu crédito, mas não que o
constitua. Vejamos cada caso.

1.1.1. Moratória

O primeiro dos acontecimentos que podem impedir que haja a exigibilidade do


crédito é a moratória. Luiz Emygdio conceitua moratória como “a concessão de novo prazo
de pagamento por razões de ordem pública”. Antigamente, este conceito gerava uma
enorme polêmica, que hoje não mais subsiste, que era a seguinte: se somente a dilação do
prazo feita por razão de ordem pública configurava moratória, os parcelamentos realizados
para atender a interesse particular não suspenderiam a exigibilidade, ou seja, alguém que
obteve parcelamento ainda poderia ter de si cobrado, inclusive em executiva fiscal 3, o
crédito constituído, o que é deveras injusto, sobrando críticas, à época, ao conceito de Luiz
Emygdio, porque se o parcelamento não era de ordem pública, não era moratória, e não
suspenderia a exigibilidade. Felizmente, esta polêmica cessou, porque a Lei Complementar
104/01 inseriu como causa autônoma de suspensão da exigibilidade o parcelamento, como
se vê no inciso VI do artigo 151, supra.
O artigo 152 do CTN trata da moratória:

“Art. 152. A moratória somente pode ser concedida:


I - em caráter geral:
a) pela pessoa jurídica de direito público competente para instituir o tributo a que
se refira;
b) pela União, quanto a tributos de competência dos Estados, do Distrito Federal
ou dos Municípios, quando simultaneamente concedida quanto aos tributos de
competência federal e às obrigações de direito privado;
II - em caráter individual, por despacho da autoridade administrativa, desde que
autorizada por lei nas condições do inciso anterior.
Parágrafo único. A lei concessiva de moratória pode circunscrever expressamente a
sua aplicabilidade à determinada região do território da pessoa jurídica de direito
público que a expedir, ou a determinada classe ou categoria de sujeitos passivos.”

A moratória em caráter geral é aquela que abrange todos os indivíduos, sem


considerar características individuais destes. A alínea “a” do inciso I deste artigo dispõe que
pode conceder a moratória a pessoa que pode instituir o tributo – é a moratória geral
autônoma –, mas a alínea “b” traz uma competência um tanto estranha: trata da moratória
heterônoma, em que se entrega à União a possibilidade de concessão de moratória geral
sobre tributos de entes federativos inferiores, e, a maior das estranhezas, sobre obrigações
de direito privado. Por ser assim tão estapafúrdio, este dispositivo é reputado na doutrina,
de forma remansosa, como não recepcionado pela CRFB, diante da clara ofensa ao pacto
federativo.
Além da moratória em caráter geral, há a que se realiza em caráter individual, como
dispõe o inciso II do artigo em tela. Enquanto a moratória em caráter geral não toma em
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A exequibilidade do crédito depende da comunhão de três requisitos: liquidez, certeza e exigibilidade.
Estando inexigível, por estar suspenso, o crédito é igualmente inexeqüível.

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consideração características individuais, a individual, por óbvio, faz exatamente isto: ela se
estabelece exatamente por considerar características peculiares de indivíduos, ou grupos de
indivíduos, tais como os ocupantes de determinada região, por exemplo.
Quando se fala em moratória em caráter geral, trata-se a pessoa atingida por ela
como beneficiado; quando se está falando em moratória de cunho individual, o termo
empregado para se referir ao sujeito é interessado. Isto porque, uma vez que a moratória
individual elenca características próprias do sujeito para que ele tenha-a concedida, é
necessário que ele se movimente para requerê-la, comprovando o cumprimento das
características – sendo interessado na concessão, portanto.
O meio pela qual a moratória geral é concedida é a lei, de forma inconteste, pela
simples lógica de que não há qualquer manifestação administrativa de nenhum interessado.
Já na moratória individual, há a necessária manifestação administrativa do interessado, que
deve comprovar, em procedimento administrativo, o cumprimento dos requisitos para as
obtenção, o que acaba gerando um despacho administrativo de reconhecimento deste
cumprimento. Seria este despacho meio hábil para a concessão, ou é necessária lei que
conceda a moratória?
O despacho que reconhece o cumprimento dos requisitos tem natureza meramente
declaratória, não servindo-se à constituição da moratória. Ele simplesmente diz que, do
exame dos elementos apresentados pelo interessado, há preenchimento das condições para
obtenção do benefício, o qual só é concedido por meio de lei, somente a lei podendo
constituir o benefício.
Mas veja uma peculiaridade: uma vez reconhecido o cumprimento dos requisitos,
surge para o interessado o direito público subjetivo ao benefício, ou seja, é oponível à
Fazenda Pública seu direito à moratória, concessão que é vinculada para a Fazenda. Há,
então, direito adquirido à moratória individual quando preenchidos os requisitos que a
conformam. Assim se depreende do artigo 155 do CTN:

“Art. 155. A concessão da moratória em caráter individual não gera direito


adquirido e será revogado de ofício, sempre que se apure que o beneficiado não
satisfazia ou deixou de satisfazer as condições ou não cumprira ou deixou de
cumprir os requisitos para a concessão do favor, cobrando-se o crédito acrescido de
juros de mora:
I - com imposição da penalidade cabível, nos casos de dolo ou simulação do
beneficiado, ou de terceiro em benefício daquele;
II - sem imposição de penalidade, nos demais casos.
Parágrafo único. No caso do inciso I deste artigo, o tempo decorrido entre a
concessão da moratória e sua revogação não se computa para efeito da prescrição
do direito à cobrança do crédito; no caso do inciso II deste artigo, a revogação só
pode ocorrer antes de prescrito o referido direito.”

Mas veja que é preciso extremo cuidado na exegese deste dispositivo. O que ele
dispõe é uma leitura que melhor se esclarece se feita de forma transversa: ele estabelece, de
fato, que há direito adquirido se todos os requisitos forem – e se mantiverem – cumpridos
pelo interessado. Se descumpre os requisitos em momento ulterior, mesmo os tendo

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preenchido no momento de origem, será anulável 4, nada tendo a reclamar o interessado. É,


portanto, um direito condicional.
Uma vez anulada a moratória, observar-se-á o que dispõem os incisos I e II deste
artigo 155: se há dolo, simulação, qualquer tipo de fraude na obtenção da moratória que foi
anulada, além dos juros de mora é imponível multa; se não há, se os requisitos
simplesmente se desnaturaram, não configurando fraude alguma, não há multa, e sim
apenas os juros de mora.
Há que se explicar o porquê da imposição dos juros de mora, se não há fraude: esta
verba, ao contrário da multa, não guarda relação alguma com elementos subjetivos da
anulação. Os juros, em matéria tributária, são de uma só espécie: são de natureza
indenizatória, não existindo outras formas, como os juros remuneratórios, compensatórios.
Veja o motivo deste ser o único tipo de juro cabível em matéria tributária: o tributo é o
principal meio de custeio da atividade financeira do Estado, que capta o erário junto aos
particulares, e o devolve a estes na forma de serviços públicos. Se há alguma falha na
arrecadação, há surgimento de problemas na entrega dos serviços públicos, mas estes
serviços não podem ser interrompidos pela inadimplência tributária. Por isso, havendo falha
na arrecadação, o Estado é compelido a buscar empréstimos no mercado, lançando títulos,
captando empréstimos, etc.
Ocorre que estes meios de suprir a lacuna deixada pela inadimplência tributária
aumentam o que se chama de custo do dinheiro: se o Estado está custeando os seus serviços
com dinheiro alheio, oriundo de outras fontes que não a arrecadação tributária, a
inadimplência acaba por criar uma oneração indevida do erário, pois o custo dos serviços
aumenta diante dos encargos devidos pela captação suplementar dos recursos.
E é justamente para custear esta diferença, entre o valor que o Estado teria
despendido se a arrecadação fosse adimplida e o valor efetivamente gasto pela necessidade
de captar recursos extrafiscais, que surgem os juros moratórios. São uma forma de
recompor o valor do erário, dilapidado pelos encargos decorrentes dos empréstimos que a
mora fez necessários.
E veja que por isso é que a cobrança de juros moratórios não guarda qualquer
relação com a existência ou não de fraude, dolo, ou quaisquer elementos subjetivos. A
necessidade da cobrança dos juros de mora é objetiva, calcada na necessidade de
reequilibrar o patrimônio que foi depletado em razão da inadimplência relativa do
contribuinte,independentemente da boa ou má-fé do contribuinte moroso.
A multa, ao contrário, é pena, e tem estreita ligação com a natureza da fé do
indivíduo, e não meramente análise objetiva da depleção patrimonial. A multa não é
recomposição do patrimônio, e sim sanção pela conduta ímproba do sujeito passivo.
Este mesmo raciocínio se aplica, como se pode ver no parágrafo deste artigo supra,
à prescrição: se o agente agiu de má-fé, não pode se beneficiar de sua torpeza, valendo-se
do curso do prazo prescricional para desobrigar-se, e por isso o prazo prescricional não flui
pelo período em que se viu eivado de má-fé. Já se não há má-fé, o prazo prescricional flui
normalmente, e se há prescrição, não se fala mais em anulação (revogação, na imprópria
redação do dispositivo).

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Veja que o artigo fala em revogação mas, conceitualmente, se trata mesmo é de anulação esta carência
superveniente de requisitos para obtenção da moratória individual. Isto porque a revogação é uma invalidação
por inconveniência ou inoportunidade do ato, o que não é o caso: carente de requisitos de validade, o ato de
concessão é anulado, e não revogado.

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As hipóteses que podem ser abarcadas pela moratória são apenas as previstas no
artigo 154 do CTN:

“Art. 154. Salvo disposição de lei em contrário, a moratória somente abrange os


créditos definitivamente constituídos à data da lei ou do despacho que a conceder,
ou cujo lançamento já tenha sido iniciado àquela data por ato regularmente
notificado ao sujeito passivo.
Parágrafo único. A moratória não aproveita aos casos de dolo, fraude ou simulação
do sujeito passivo ou do terceiro em benefício daquele.”

A lógica é simples: só se pode conceder moratória a crédito que já se tenha


constituído, ou se o procedimento de constituição tenha-se iniciado. Mas veja que a lei que
concede a moratória pode excetuar esta regra, pois assim o dispõe o próprio artigo 154,
supra.

1.1.2. Depósito do montante integral

Esta modalidade de suspensão, prevista no inciso II do artigo 151 do CTN, traz


algumas perguntas a serem respondidas. A primeira diz respeito à necessidade ou não de
autorização administrativa ou judicial para efetuação do depósito: antes, se cogitava desta
necessidade, mas hoje é mais do que pacífico que, diante da natureza voluntária do
depósito, não é preciso que ninguém o autorize, administrativa ou judicialmente. O
interessado pode simplesmente efetuá-lo, para o fim que bem entender. Esta é a orientação
assentada, havendo resoluções de todos os tribunais regionais federais que admitem o
depósito sem qualquer autorização prévia.
Além disso, o depósito pode ser de qualquer valor. Veja que o único montante que
tem o condão de suspender a exigibilidade do crédito tributário é o integral, mas nada
impede que haja depósito de qualquer valor, a critério do depositante.
Havendo depósito a menor, o crédito não fica com sua exigibilidade suspensa. Surge
a questão: e quanto ao valor depositado, suspende-se? Se a Fazenda for executar seu
crédito, o fará em qual montante, no integral ou na parte sobejante à depositada?
Não existe suspensão parcial da exigibilidade tributária. Sendo assim, a Fazenda
executa pelo valor integral do crédito, a despeito de haver depósito de parte dele. Mas há
uma particularidade a ser apontada, por medida de lógica: se o contribuinte está sendo
executado pela integralidade, mas comprovar depósito de parte da dívida tributária, no
momento de indicação da garantia do juízo, pré-embargos à execução, poderá o executado
nomear aquele depósito como bem dado à garantia, nomeando qualquer outra coisa para
garantir o valor sobejante. Não fosse assim, o patrimônio constrangido superaria o valor do
crédito tributário, pois teria que garantir-lhe a integralidade já tendo arcado com o depósito
de parte dele.
É importante esclarecer o que é que motiva o sujeito passivo a depositar valor a
menor, vez que não terá suspensa a exigibilidade do crédito tributário: o sujeito deposita
aquilo de que dispõe com vistas a deixar de suportar os encargos da correção monetária e
dos juros. Veja que o depósito não interrompe a fluência destes encargos: eles continuam a
serem devidos, mas quem os suportará, desde quando efetivado o depósito, é a instituição
financeira que tem a guarda do valor depositado. O que o depósito faz, então, é transferir a
responsabilidade pela correção monetária e juros à instituição financeira oficial.

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O STJ resolveu uma outra questão diretamente referente a este tema, no verbete 112
de sua súmula: o depósito deve ser feito necessariamente em dinheiro. Veja:

“Súmula 112, STJ: O depósito somente suspende a exigibilidade do crédito


tributário se for integral e em dinheiro.”

Aliás, esta súmula extrai conceito bem pleno do depósito que suspende a
exigibilidade: deve ser integral e em dinheiro, e ponto; do contrário, não se suspende a
exigibilidade.

1.1.3. Reclamações e recursos

Como dispõe o inciso III do artigo 151 do CTN, suspendem a exigibilidade do


crédito tributário as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo
tributário administrativo. As leis a que este dispositivo se refere são, em âmbito federal, o
Decreto 70.235/72; no Estado do Rio de Janeiro o Decreto 2.473/79; e no âmbito municipal
o Código Tributário Municipal, Lei Municipal 691/84.
A justificativa é que se o CTN prevê a possibilidade de que o lançamento seja
impugnado, no que é acompanhado pelas demais leis reguladoras do processo tributário, é
claro que não pode haver, no curso desta discussão, a exigibilidade do crédito discutido, ou
o próprio questionamento perderia sentido. Destarte, enquanto pendente a discussão, o
crédito tributário tem a exigibilidade suspensa.
Há alguns anos atrás, o Decreto 70.235/72 foi alterado por uma medida provisória
que dispôs que se a impugnação, que suspende a exigibilidade, for improvida, o recurso
desta decisão administrativa ficaria condicionado a um depósito recursal, de trinta por cento
do valor exigido pelo fisco, condição de admissibilidade recursal que foi repetida em todos
os regramentos processuais estaduais e municipais. Ocorre que muito se questionou a
constitucionalidade desta previsão, vez que seria uma ofensa ao direito de ampla defesa e
contraditório. O STF, instado sobre esta questão, fez o seguinte raciocino, reputando este
depósito como perfeitamente constitucional: o contraditório garante a ampla discussão, e a
ampla defesa é a garantia desta discussão através dos meios que a lei confere. Não existe no
texto constitucional a previsão de uma segunda instância administrativa, mas apenas a de
um duplo grau judicial e, sendo assim, a ampla defesa administrativa é traçada apenas na
lei: se a lei não previr sequer a existência de uma segunda instância administrativa, até isso
é válido, que dirá estabelecer uma mera condicionante ao seu acesso.
Veja: o STF entendeu que a lei pode até mesmo extirpar a própria existência de uma
segunda instância administrativa, pois que a CRFB não impõe duplo grau administrativo.
Como quem pode o mais, pode o menos, se a lei prevê condição de admissibilidade do
recurso, é perfeitamente válida.
Todavia, como se vê no RE 388.359, constante do informativo 461 do STF, esta
Corte alterou seu entendimento. Passou a entender que a exigência do depósito recursal é,
sim, uma violação à ampla defesa, e disse mais: a administração pública está, sim, obrigada
a rever seus atos, pois o processo administrativo tributário é governado pelo princípio da
autotutela, e ao se acabar com a possibilidade de recurso a quem não pode arcar com o
depósito recursal é tolher a própria administração em seu direito de rever seus atos. Veja a
ementa e os comentários:

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“RECURSO ADMINISTRATIVO - DEPÓSITO - § 2º DO ARTIGO 33 DO


DECRETO Nº 70.235/72 - INCONSTITUCIONALIDADE. A garantia
constitucional da ampla defesa afasta a exigência do depósito como pressuposto de
admissibilidade de recurso administrativo.”

“É inconstitucional a exigência de depósito prévio como condição de


admissibilidade de recurso na esfera administrativa. Nesse sentido, o Tribunal, por
maioria, deu provimento a recurso extraordinário interposto contra acórdão do
Tribunal Regional Federal da 5ª Região, e declarou a inconstitucionalidade do art.
33, § 2º, do Decreto 70.235/72, na redação do art. 32 da Medida Provisória 1.699-
41/98, convertida na Lei 10.522/2002 - v. Informativo 423. Entendeu-se que a
exigência do depósito ofende o art. 5º, LV, da CF - que assegura aos litigantes, em
processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, o contraditório e a
ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes -, bem como o art. 5º,
XXXIV, a, da CF, que garante o direito de petição, gênero no qual o pleito
administrativo está inserido, independentemente do pagamento de taxas. Vencido o
Min. Sepúlveda Pertence que, reportando-se ao voto que proferira no julgamento
da ADI 1922 MC/DF (DJU de 24.11.2000), negava provimento ao recurso, ao
fundamento de que exigência de depósito prévio não transgride a Constituição
Federal, porque esta não prevê o duplo grau de jurisdição administrativa.
RE 388359/PE, rel. Min. Marco Aurélio, 28.3.2007. (RE-388359)”

“Com base na orientação fixada no julgamento acima relatado, o Tribunal, por


maioria, negou provimento a dois recursos extraordinários interpostos pelo
Instituto Nacional do Seguro Social - INSS contra acórdão do Tribunal Regional
Federal da 3ª Região, e declarou a inconstitucionalidade dos §§ 1º e 2º do art. 126
da Lei 8.213/91, com a redação da Medida Provisória 1.608-14/98, convertida na
Lei 9.639/98 - v. Informativo 323. Vencido, pelos mesmos fundamentos do caso
anterior, o Min. Sepúlveda Pertence.RE 389383/SP, rel. Min. Marco Aurélio,
28.3.2007. (RE-389383) RE 390513/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 28.3.2007. (RE-
390513)”

“Na linha da jurisprudência firmada no julgamento dos recursos extraordinários


antes referidos, o Tribunal deu provimento a dois agravos regimentais em agravos
de instrumento, e, convertendo-os em recursos extraordinários, deu-lhes
provimento para declarar a inconstitucionalidade do art. 250 do Decreto-lei 5/75,
com a redação da Lei 3.188/99, ambos do Estado do Rio de Janeiro. O Min.
Sepúlveda Pertence, relator, fez ressalva quanto aos fundamentos de seu voto
vencido nesses recursos extraordinários.”

1.1.4. Concessão de medida liminar em mandado de segurança

O mandado de segurança com pedido liminar de suspensão da exigibilidade sempre


foi medida judicial bastante comum, de largo uso em matéria tributária (e ainda o é 5), e
igualmente comum era, antigamente, a exigência, pelo magistrado, de depósito integral do
tributo como condição para deferimento desta liminar.
Ocorre que esta concepção estava tremendamente errônea. Isto porque as hipóteses
de suspensão da exigibilidade do crédito tributário previstas na lei são alternativas, e ao
assim dispor, o juiz estaria fazendo necessária a cumulação de duas hipóteses. A liminar é
5
O motivo do writ ser a weapon of choice dos tributaristas é bem mundano: é o meio preferido por não haver
risco em condenação em honorários e custas processuais vultosas, pois como quase sempre há valor de causa
imensurável, as custas são bastante reduzidas. Há, todavia, uma certa tendência das cortes superiores em
restringir o ajuizamento deste instrumento, tendência ainda tênue.

Michell Nunes Midlej Maron 9


EMERJ – CP II Direito Tributário II

ela mesma uma causa autônoma da suspensão, baseada apenas no fumus boni juris e no
periculum in mora – e não no depósito, que assumiria natureza de contra-cautela,
inadmissível neste caso.
Veja que há caso em que o depósito é uma medida que se faz imperativa, mas não
como condição para a liminar. Há casos que, das hipóteses de suspensão, apenas o depósito
se demonstra hábil e segura forma de suspender o crédito. Há um exemplo peculiar desta
possível situação: um navio de carga destinado a outro país, por problemas técnicos, vem a
aportar no Brasil. As mercadorias que transporta não têm a documentação de entrada no
Brasil, pelo que os fiscais aduaneiros suscitam a adequação de sua estada aqui por meio do
regime de admissão temporária, que é dedicado exatamente à permanência de bens aqui
por tempo limitado (não sendo lógico tratá-los como importação comum). Admitido
temporariamente, é estabelecido prazo para saída do território nacional. Suponha-se, no
entanto, que haja algum problema, e este navio venha a exceder o prazo de autorização,
sem que se tenha requerido a prorrogação do prazo de permanência: o regulamento
aduaneiro, neste caso, trata a mercadoria como importada, e por isso lavra todos os autos de
infração possíveis sobre ela.
A empresa proprietária do navio, impetrando mandado de segurança, pede liminar
de suspensão do crédito tributário, ao argumento de que não se tratam de bens importados,
mas de mera irregularidade na prorrogação do prazo. O juiz, neste caso, verifica que a
empresa não tem qualquer vínculo de estabilidade no Brasil – não tem registro aqui, nem
sequer representante –, e vê-se diante da desconfortável situação de suspender a
exigibilidade de um crédito sem ter qualquer garantia de que a empresa será adimplente, em
eventual improvimento do mandamus. Neste caso, e somente assim, a exigência do
depósito como contra-cautela é possível, mas trata-se de situação excepcionalíssima.

1.1.5. Concessão de medida liminar ou de tutela antecipada em outras espécies de ação


judicial

A previsão desta causa de suspensão veio para sanar outra discussão prévia à edição
da LC 104/01: sendo a liminar do mandamus uma causa suspensiva, também o seria a
antecipação de tutela em outras ações?
Havia quem interpretasse restritivamente o inciso referente à liminar do mandamus,
defendendo que outras medidas similares não teriam o condão de suspender a exigibilidade
do crédito. Contudo, a corrente mais forte, à época, era a que estendia a possibilidade de
suspensão às demais medidas de urgência em outras ações, principalmente porque, à época
da redação do inciso IV deste artigo 151 do CTN, somente a liminar em mandado de
segurança existia, não se podendo pensar que o legislador deveria prever novas medidas de
urgência que surgiriam.
É claro que esta corrente triunfou, tanto que a LC 104/01 preferiu estabelecer
expressamente esta causa de suspensão.
Tendo sido depositado algum valor, imagine-se que a ação seja extinta sem
resolução de seu mérito. Imagine-se que seja uma ação de consignação em pagamento (mas
o raciocínio vale também para o mandado de segurança): o que se faz com o valor
depositado?
Tem ganhado corpo o entendimento de que se há depósito, este sempre será
convertido em renda, extinguindo a obrigação tributária na forma do artigo 156 do CTN,
alvo de estudo adiante. Contudo, esta posição é um tanto radical, especialmente para casos

Michell Nunes Midlej Maron 10


EMERJ – CP II Direito Tributário II

em que a extinção se dá sem enfrentamento do mérito, pelo que é veementemente criticada


pela doutrina, pois parece um retorno à teratológica doutrina do solve et repete, “pague e
depois repita” (mesmo que a jurisprudência venha assim se desenhando).

Casos Concretos

Questão 1

Michell Nunes Midlej Maron 11


EMERJ – CP II Direito Tributário II

SEGURANÇA E PROTEÇÃO BANCÁRIA LTDA., devidamente qualificada na


inicial, impetrou mandado de segurança em face do PRESIDENTE DO CONSELHO DE
RECURSOS DA FAZENDA ESTADUAL, objetivando a não-imposição de depósito prévio
para o recebimento de seu recurso administrativo, conforme previsto na Lei Estadual nº
XXX.
Alega que foi autuada pela fiscalização da Receita Estadual, referentemente ao
ICMS, e que apresentou impugnação ao auto de infração lavrado, sendo os pedidos
julgados improcedentes pela autoridade coatora, em sede administrativa.
Salienta que, da decisão, pretende recorrer ao Conselho Recursal e que, em virtude
da mencionada lei, o recurso voluntário somente será conhecido, se houver o depósito de
valor correspondente a cinqüenta por cento da exigência fiscal definida na decisão.
Sustenta que tal exigência configura cerceamento do direito de defesa,
constitucionalmente assegurado, bem como violação ao princípio do contraditório. Além
disso, salienta que a exigência de recolhimento de depósito prévio é impossível
materialmente, em razão da quantia a ser recolhida.
Liminar deferida.
Em suas informações, a autoridade coatora sustenta a legalidade da exigência e
afirma sua constitucionalidade, ressaltando que, nesse sentido, já decidiu a Suprema Corte
do País.
Analise a questão, objetivamente, à luz da doutrina e da jurisprudência.

Resposta à Questão 1

O STF, anteriormente, entendia constitucional esta condicionante, pois a via


administrativa não estaria adstrita ao duplo grau assim como está a judicial. Hoje,
entretanto, o STF entende inconstitucional a cobrança do depósito recursal prévio, porque
tolhe a própria revisão dos atos administrativos, e se a segunda instância administrativa
existe, esta deve ser amplamente acessível.

Questão 2

CONSTRUTORA ABC LTDA. ajuizou ação ordinária, com pedido de antecipação


de tutela, em face do ESTADO DO RIO DE JANEIRO, com objetivo de obter a suspensão
da exigibilidade do crédito tributário relativo ao ICMS referente a operações mercantis
realizadas no período de 1997 a 1999.
Como causa de pedir, alega que requereu, administrativamente, parcelamento da
dívida tributária perante o Estado, com base na legislação em vigor, entretanto, a
autoridade fazendária deferiu o parcelamento, com juros e multa moratória sem, contudo,
suspender a exigibilidade do crédito tributário.
Propugna o autor a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, tendo em vista
que o parcelamento é espécie de moratória (artigo 151, I, do CTN), além do que a
denúncia espontânea da infração elide o pagamento da multa moratória, nos termos do
artigo 138, do CTN. Ressalta que o CTN, no artigo 151, VI, na redação da LC 104/2001,
ratifica o seu argumento jurídico no sentido de que o parcelamento implica suspensão da
exigibilidade do crédito tributário.

Michell Nunes Midlej Maron 12


EMERJ – CP II Direito Tributário II

Em contestação, o Estado aduziu que parcelamento não constitui moratória e,


portanto, não suspende a exigibilidade do crédito tributário, uma vez que é simples
dilatação do prazo do pagamento como procedimento de iniciativa do contribuinte; sendo
assim, na sua concessão não podem ser retirados os encargos que recaem sobre a dívida,
pela aplicação do Princípio da Indisponibilidade do Interesse Público. Destaca que a LC
104/01 não tem aplicação aos créditos tributários constituídos anteriormente à sua
entrada em vigor.
Analise a questão objetivamente, à luz da doutrina e da jurisprudência.

Resposta à Questão 2

A questão é muito simples: é claro que o parcelamento é uma causa de suspensão do


crédito tributário, e ainda que não existisse a previsão desta LC 104/01, o parcelamento
seria, sim, tido como uma espécie de moratória, suspendendo a exigibilidade do crédito
tributário. Hoje, a questão só ficou ainda mais simples, diante da previsão expressa deste
como causa de suspensão.
Há ainda um detalhe: a LC 104/01 estabeleceu um novo regime jurídico para o
parcelamento, ou seja, todo e qualquer parcelamento tributário segue, quando de sua
realização, o regime nela estabelecido, ainda que o crédito parcelado tenha se constituído
antes da entrada em vigor desta lei. Note que não se trata de retroação da norma para
alcançar o crédito lançado no passado: o lançamento se aperfeiçoou, e não é questionado; o
que se regulamenta pela novel legislação é apenas o parcelamento, que está sendo realizado
quando a norma já está em vigor.
Outro aspecto alegado é a aplicação do artigo 138 do CTN: este dispositivo já
causou grande controvérsia, no que se referia à ausência de aplicação e multa se havia
denúncia espontânea com recolhimento do tributo. A discussão dizia respeito ao quantum
deste tributo: seria o integral ou poderia ser o pedido do parcelamento?

“Art. 138. A responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea da infração,


acompanhada, se for o caso, do pagamento do tributo devido e dos juros de mora,
ou do depósito da importância arbitrada pela autoridade administrativa, quando o
montante do tributo dependa de apuração.
Parágrafo único. Não se considera espontânea a denúncia apresentada após o início
de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização, relacionados
com a infração.”

O artigo 155-A, no seu § 1º, parece ter solucionado esta divergência:

“Art. 155-A. O parcelamento será concedido na forma e condição estabelecidas em


lei específica.
§ 1o Salvo disposição de lei em contrário, o parcelamento do crédito tributário não
exclui a incidência de juros e multas.
§ 2o Aplicam-se, subsidiariamente, ao parcelamento as disposições desta Lei,
relativas à moratória.
§ 3o Lei específica disporá sobre as condições de parcelamento dos créditos
tributários do devedor em recuperação judicial.
§ 4o A inexistência da lei específica a que se refere o § 3 o deste artigo importa na
aplicação das leis gerais de parcelamento do ente da Federação ao devedor em
recuperação judicial, não podendo, neste caso, ser o prazo de parcelamento inferior
ao concedido pela lei federal específica.”

Michell Nunes Midlej Maron 13


EMERJ – CP II Direito Tributário II

Conclui-se: há multa e juros se a denúncia espontânea não vier acompanhada de


depósito integral, mas apenas parcelamento.

Questão 3

JOÃO impetra Mandado de Segurança na Vara Federal competente, tendo em vista


auto de infração lavrado por auditores fiscais da Receita Federal decorrente de apuração
de infração tributária constatada em regular procedimento administrativo.
Alega JOÃO que, sabedor de que havia no caso um débito, retificou sua
declaração, tendo sido acordado com a Fazenda o parcelamento do débito em 8 (oito)
vezes para, assim, ficar quite com a Fazenda Nacional.
Requer dessa forma, a concessão da ordem para anular o respectivo auto, uma vez
que vem pagando regularmente as parcelas, faltando somente 3 (três) prestações.
Você, como juiz competente, concederia a ordem?

Resposta à Questão 3

A ordem não deve ser concedida, porque a lavratura do auto de infração se presta a
possibilitar a constituição do crédito tributário, o que não se abala pela realização da
suspensão de sua exigibilidade. O crédito deve ser constituído, e ter a sua exigibilidade
suspensa. Após o pagamento de todas as parcelas, no entanto, haverá simples extinção
natural do crédito que foi regularmente constituído.

Tema II

Suspensão da exigibilidade do crédito tributário II 1. Medidas judiciais na suspensão da exigibilidade do


crédito tributário; 2. Liminar em ação cautelar. Antecipação de tutela em Ação Ordinária. Cautelar de

Michell Nunes Midlej Maron 14


EMERJ – CP II Direito Tributário II

depósito. Caução. Liminar em Mandado de Segurança; 3. Questões controvertidas. Jurisprudência.


Doutrina.

Notas de Aula6

1. Suspensão da exigibilidade e certidões positivas com efeitos de negativa de débito

Se o crédito estiver suspenso, a certidão que o contribuinte consegue sobre seus


débitos é a positiva com efeitos de negativa. São causas de emissão desta certidão a
existência de créditos ainda não vencidos, de créditos que estejam garantidos em executivo
fiscal, e créditos que estejam sob o abrigo de uma suspensão de sua exigibilidade. Veja o
artigo 206 do CTN:

“Art. 206. Tem os mesmos efeitos previstos no artigo anterior a certidão de que
conste a existência de créditos não vencidos, em curso de cobrança executiva em
que tenha sido efetivada a penhora, ou cuja exigibilidade esteja suspensa.”

Ora, imagine-se que a causa da suspensão seja o curso da reclamação


administrativa. Se, ao alcançar a decisão administrativa irrecorrível, este crédito não for
extinto, estará criada uma situação ambígua: o crédito não mais estará suspenso, e também
não estará, ainda, em fase de executivo fiscal. Neste interregno, cria-se um limbo no qual o
contribuinte não pode obter a certidão positiva com efeitos de negativa, porque não está sob
nenhuma das causas que a autorizam: não está com a exigibilidade de seu débito suspensa,
e não está sob executivo fiscal que o possibilite garantir o juízo.
Por conta disso, surgiu na própria jurisprudência um movimento de ajuizamento de
ações cautelares, oferecendo bens em garantia a uma execução que ainda está por vir. Isto
porque, uma vez dada a decisão administrativa definitiva, a Fazenda dispõe de cinco anos
para ajuizar a execução fiscal daquele crédito, ou seja, regularmente, o sujeito pode ficar
impedido de haver a certidão positiva com efeitos e negativo por todo este período – o que
lhe é bastante prejudicial. Desde o momento em que a executiva fiscal for ajuizada, o
sujeito poderá pretender esta certidão por efetivação de uma nomeação de bens à penhora,
garantindo o juízo e subsumindo-se ao que a lei dispõe para tal certidão. Se não há ainda a
execução, não haveria o que fazer.
Por isso, passou-se a admitir esta cautelar de penhora do bem, a fim de que,
antecipando o rito que será percorrido quando do ajuizamento da execução fiscal,
nomeando bens, esteja garantido o juízo, e seja possível a expedição da certidão positiva
com efeitos de negativa.
Esta tese, é claro, gerou controvérsias, havendo quem defendesse o cabimento desta
cautelar, porque senão seria criada situação de alta insegurança, em que o sujeito estaria
posto sob o arbítrio da Fazenda em ajuizar a executiva rapidamente ou não (lembrando que
o uso do prazo de cinco anos é uma faculdade, e não desídia da Fazenda – é exercício
regular de seu direito). Mas havia quem entendia que isso seria uma burla à taxatividade do
artigo 151 do CTN, já transcrito, pois se estaria criando uma nova hipótese de suspensão do
crédito que não está ali arrolada.
Este debate acabou por findar-se, vez que o STJ entende que é perfeitamente cabível
a cautelar de caução de bens para obtenção de certidões positivas com efeito de negativa,
6
Aula proferida pelo professor Rodrigo Jacobina Botelho, em 10/11/2008.

Michell Nunes Midlej Maron 15


EMERJ – CP II Direito Tributário II

porque não se está criando nova hipótese de suspensão, mas apenas garantindo a emissão
de um documento mediante a salvaguarda de interesse fazendário (pois é claro que esta
medida cautelar apenas adianta o procedimento, com as contraditas que lá seriam cabíveis,
inclusive quanto ao interesse no bem ofertado ou não). A respeito, veja o REsp 897.169:

“AÇÃO CAUTELAR. CAUÇÃO DE BENS. EXPEDIÇÃO DE CERTIDÃO


POSITIVA DE DÉBITO COM EFEITO DE NEGATIVA. POSSIBILIDADE.
GARANTIA PARA POSTERIOR EXECUÇÃO FISCAL.
I - É cabível o oferecimento de caução de bens, de maneira antecipada, como
forma de garantir o ajuizamento de futura execução fiscal, possibilitando assim a
expedição de certidão positiva com efeitos de negativa. Precedentes: EREsp n.º
815.629/RS, Rel. p/ac. Min. ELIANA CALMON, DJ de 06.11.2006; EREsp n.º
823.478/MG, Rel. Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJ de 05.03.2007 e REsp
n.º 881.804/RS, Rel. Min. CASTRO MEIRA, DJ de 02.03.2007.
II - Recurso especial improvido.”

É claro que o fato de a medida ser reputada como cabível não significa que o bem
ofertado será necessariamente aceito: sofrerá o crivo normal a que estaria sujeito na
execução fiscal.
Surge uma questão: é possível a caução com títulos da dívida pública?
Estes títulos foram rechaçados com base em diversos argumentos, especialmente a
prescrição e a sua falta de liquidez. O cálculo de alguns destes títulos é virtualmente
impossível, motivo pelo qual não foi admitida a caução por meio destes títulos. Há algum
tempo atrás, houve uma fraude no mercado baseada em um falso parecer atribuído à
Fundação Getúlio Vargas, que supostamente calculava o valor atual destes títulos, alguns
com mais de um século de existência, sendo ainda mais clara a falta de liquidez destes
títulos.
A cautelar de caução, claramente preparatória, tem que ação por principal? A
questão é controvertida: há quem a entenda uma cautelar satisfativa, sem demanda por ação
principal; entretanto, o Judiciário vem admitindo que a ação principal venha sendo uma
ação anulatória do crédito tributário, que comporte a discussão de tudo aquilo que
discutiria em sede de embargos à execução fiscal. Mas há ainda quem entenda que a ação é
a própria execução fiscal, sem que o prazo de ajuizamento seja fulminante da cautelar
deferida, porque a ação é dada à Fazenda. Sobre este último entendimento, veja o que o STJ
diz no REsp 885.075:

“TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. CERTIDÃO POSITIVA COM EFEITO


DE NEGATIVA DE DÉBITO FISCAL. REQUISITOS PARA SUA EXPEDIÇÃO.
1. Nos termos do art. 206 do CTN, tem os mesmos efeitos de certidão negativa "a
certidão de que conste a existência de créditos não vencidos, em curso de cobrança
executiva em que tenha sido efetivada a penhora, ou cuja exigibilidade esteja
suspensa".
2. Segundo entendimento majoritário da 1ª Seção, entende-se também que "É
possível ao contribuinte, após o vencimento da sua obrigação e antes da execução,
garantir o juízo de forma antecipada, para o fim de obter certidão positiva com
efeito negativo (art. 206 CTN)", isso mediante caução de bens, a ser formalizada
"por medida cautelar e serve como espécie de antecipação de oferta de garantia,
visando futura execução", sendo certo que ela "não suspende a exigibilidade do
crédito" (EREsp 815629/RS, relatora para acórdão a Min. Eliana Calmon, DJ
06.11.2006). A ação cautelar, nessa hipótese, guarda relação de acessoriedade e

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EMERJ – CP II Direito Tributário II

de dependência com a futura execução fiscal, devendo ser promovida,


conseqüentemente, perante o juízo competente para tal execução (CPC, art. 800).
3. Não se enquadra em qualquer destas situações a oferta de bens em garantia
mediante simples petição nos autos de ação anulatória de débito fiscal.
4. Recurso especial a que se dá provimento.” (grifo nosso)

2. Cassação da medida suspensiva da exigibilidade do crédito tributário

Suponha-se que se tenha conseguido medida qualquer, em mandado de segurança


ou qualquer outra ação, que suspenda a exigibilidade do crédito tributário. Imagine-se que
esta causa de suspensão venha a ser cassada, tempos depois (na sentença que revoga a
liminar, por exemplo). Qual é o efeito desta cassação?
Os efeitos são de retorno ao status quo ante: a suspensão deixa de existir como se
jamais houvesse sido feita, havendo efeitos ex tunc da decisão revocatória, com incidência
de juros e multa eventualmente cabíveis.
Em âmbito federal, porém, há a particularidade da Lei 9.430/96, no artigo 63, § 2º,
que autoriza o recolhimento do crédito sem a multa, apenas com juros e correção
monetária. Veja:

“Art. 63. Na constituição de crédito tributário destinada a prevenir a decadência,


relativo a tributo de competência da União, cuja exigibilidade houver sido
suspensa na forma dos incisos IV e V do art. 151 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro
de 1966, não caberá lançamento de multa de ofício.
§ 1º O disposto neste artigo aplica-se, exclusivamente, aos casos em que a
suspensão da exigibilidade do débito tenha ocorrido antes do início de qualquer
procedimento de ofício a ele relativo.
§ 2º A interposição da ação judicial favorecida com a medida liminar interrompe a
incidência da multa de mora, desde a concessão da medida judicial, até 30 dias
após a data da publicação da decisão judicial que considerar devido o tributo ou
contribuição.”

Casos Concretos

Questão 1

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EMERJ – CP II Direito Tributário II

Em autos de mandado de segurança, no qual pretendia determinada empresa que


fosse reconhecido o direito à manutenção dos créditos de ICMS decorrentes de aquisição
de insumos utilizados na industrialização de papel, imune ao referido imposto, o juiz
denega a segurança e cassa a liminar anteriormente concedida. O impetrante, após a
prolação da sentença, requereu autorização judicial para proceder ao depósito judicial do
débito, nos termos do art. 151, II do CTN.
Responda, fundamentadamente, se você deferiria o pedido de depósito.

Resposta à Questão 1

O depósito deve ser indeferido por falta de interesse nesta medida jurisdicional,
porque o sujeito pode depositar o que quiser, a qualquer tempo: o depósito é voluntário,
independendo de qualquer autorização para tanto.

Questão 2

MERCANTIL MARTINHO & LUCAS LTDA., representante do afamado Colchão


Sonho Leve, estando em dificuldades financeiras, adquire Apólices da Dívida Pública
Federal, datadas de 1927, visando a regularizar sua situação perante a Fazenda Estadual,
no tocante ao não recolhimento de ICMS.
Ajuíza, na 23ª Vara Cível da Capital, ação com pedido de liminar objetivando
suspensão da exigibilidade do crédito tributário referente ao recolhimento de ICMS, que já
se encontra em fase de execução pela Fazenda Estadual. Apresenta, como garantia, as
Apólices da Dívida Pública, que oferece como caução da sua dívida de ICMS.
Responda às seguintes questões, fundamentando seu posicionamento:
a) Pode-se obter a suspensão de exigibilidade de crédito tributário mediante
caução? Caso afirmativo, que tipo de caução pode ser aceita?
b) Quais são as demais modalidades para se obter a suspensão da exigibilidade do
crédito tributário?
c) Apólices da Dívida Pública, datadas de 1927, são títulos idôneos com
características tais que assegurem sua liquidez e certeza? O fato de tais apólices
terem seu valor de face expresso em moeda que não tem mais curso legal dentro da
economia invalida este tipo de título?

Resposta à Questão 2

a) Sim, e a caução pode ser feita nas hipóteses do artigo 11 da Lei 6.830/80:

“Art. 11 - A penhora ou arresto de bens obedecerá à seguinte ordem:


I – dinheiro;
II - título da dívida pública, bem como título de crédito, que tenham cotação em
bolsa;
III - pedras e metais preciosos;
IV - imóveis;
V - navios e aeronaves;
VI - veículos;
VII - móveis ou semoventes; e
VIII - direitos e ações.

Michell Nunes Midlej Maron 18


EMERJ – CP II Direito Tributário II

§ 1º - Excepcionalmente, a penhora poderá recair sobre estabelecimento comercial,


industrial ou agrícola, bem como em plantações ou edifícios em construção.
§ 2º - A penhora efetuada em dinheiro será convertida no depósito de que trata o
inciso I do artigo 9º.
§ 3º - O Juiz ordenará a remoção do bem penhorado para depósito judicial,
particular ou da Fazenda Pública exeqüente, sempre que esta o requerer, em
qualquer fase do processo.”

Antigamente, prevalecia o entendimento que somente o dinheiro era


hábil para tanto.

b) São elas a moratória, o depósito do montante integral, as reclamações e os


recursos administrativos, a concessão de medida liminar em mandado de
segurança, a concessão de medida liminar ou de tutela antecipada, em outras
espécies de ação judicial, e o parcelamento.

c) Não. Não há liquidez, e é impossível a mensuração da garantia, pelo juízo. Veja


que o título não é, entretanto, invalidado – só não é admissível para garantia do
juízo.

Questão 3

A INDÚSTRIA CENTERPLAST COMERCIAL LTDA. impetrou mandado de


segurança, com medida liminar, em face do Secretário da Fazenda do Estado do Rio de
Janeiro, com objetivo de suspender a exigibilidade de crédito tributário. Deferida a
liminar, esta foi revogada posteriormente por sentença denegatória de segurança, que
declarou a exigibilidade do crédito tributário em discussão. Pergunta-se:
a) Qual o efeito processual da sentença denegatória de segurança: ex tunc ou ex
nunc?
b) Qual a natureza jurídica da sentença que nega a existência de direito líquido e
certo?
c) São devidos juros e multas, além do crédito tributário? Se devidos, a partir de
qual momento?
d) Pode a INDÚSTRIA CENTERPLAST COMERCIAL LTDA. alegar que houve
violação aos artigos 743, I, do CPC e 151, IV do CTN, defendendo a tese de que a
cobrança do tributo deve ser feita apenas com a aplicação da correção monetária,
incidente após a revogação da medida liminar?
As respostas devem ser fundamentadas.

Resposta à Questão 3

a) A sentença que denega a segurança é declaratória negativa do direito reclamado.


Como tal, opera efeitos ex tunc.

b) Como dito, é declaratória negativa daquele direito.

Michell Nunes Midlej Maron 19


EMERJ – CP II Direito Tributário II

c) Se a decisão tem efeitos ex tunc, opera um retorno ao status quo ante, e é como
se a suspensão jamais houvesse existido. Sendo assim, são devidos juros e
multa. O momento, regra geral, é desde o surgimento do indébito tributário.

d) Não há violência aos artigos citados, porque não há excesso algum.

Tema III

Extinção do crédito tributário I 1. Pagamento; 2. Pagamento indevido; 3. Consignação (noções); 4.


Imputação do pagamento; 5. Restituição (repetição de indébito). Acréscimos legais. Juros de mora. Correção

Michell Nunes Midlej Maron 20


EMERJ – CP II Direito Tributário II

Monetária. Taxa SELIC. Outras taxas. Posição do STJ e Lei Complementar nº 118/05. Decadência e
Prescrição do direito de pleitear a restituição; 6. Questões controvertidas. Jurisprudência. Doutrina.

Notas de Aula7

1. Extinção do crédito tributário

As três características fundamentais das obrigações, conceito já solidificado no


próprio direito privado, são a patrimonialidade, a transitoriedade, e a autonomia da
vontade sobre o próprio patrimônio. A extinção do crédito tributário guarda relação
justamente com a transitoriedade: nenhuma obrigação, mesmo a tributária, pode se
perpetuar indefinidamente, pois ninguém pode ficar obrigado ad aeternum. Quer pelo
tempo8, quer por um evento marcante, a obrigação se extingue, de uma forma ou de outra.
Em que pese se falar em extinção do crédito tributário, a própria obrigação tributária
fica também extinta. Isto porque se o lançamento declara a existência da obrigação e
constitui liquidamente o crédito, a extinção deste crédito acarreta a desobrigação do sujeito
passivo.
As hipóteses de extinção do crédito tributário se aproximam muito das formas e
extinção das obrigações civis, havendo algumas específicas da seara tributária. Surge a
seguinte questão: o artigo 156 do CTN, que apresenta a lista de causas de extinção, traz rol
taxativo ou meramente exemplificativo? Veja:

“Art. 156. Extinguem o crédito tributário:


I - o pagamento;
II - a compensação;
III - a transação;
IV - remissão;
V - a prescrição e a decadência;
VI - a conversão de depósito em renda;
VII - o pagamento antecipado e a homologação do lançamento nos termos do
disposto no artigo 150 e seus §§ 1º e 4º;
VIII - a consignação em pagamento, nos termos do disposto no § 2º do artigo 164;
IX - a decisão administrativa irreformável, assim entendida a definitiva na órbita
administrativa, que não mais possa ser objeto de ação anulatória;
X - a decisão judicial passada em julgado.
XI – a dação em pagamento em bens imóveis, na forma e condições estabelecidas
em lei.
Parágrafo único. A lei disporá quanto aos efeitos da extinção total ou parcial do
crédito sobre a ulterior verificação da irregularidade da sua constituição, observado
o disposto nos artigos 144 e 149.”

Veja que o CTN, no artigo 141, assim dispõe:

“Art. 141. O crédito tributário regularmente constituído somente se modifica ou


extingue, ou tem sua exigibilidade suspensa ou excluída, nos casos previstos nesta
Lei, fora dos quais não podem ser dispensadas, sob pena de responsabilidade
funcional na forma da lei, a sua efetivação ou as respectivas garantias.”

7
Aula proferida pelo professor Camilo Fernandes da Graça, em 11/11/2008.
8
Bom exemplo da evolução deste paradigma, da extinção das obrigações, é a admissão, recente, de que haja
até mesmo a prescrição intercorrente como meio hábil para pôr fim à obrigação. É tema a ser visto adiante.

Michell Nunes Midlej Maron 21


EMERJ – CP II Direito Tributário II

O CTN parece ter delimitado às hipóteses do próprio codex tributário, ou seja, nem
mesmo da legislação tributária como um todo. Diante desta redação, parece que o CTN
quer taxativo o rol do artigo 156, assim, como o do artigo 151, referente às suspensões do
crédito tributário.
Contudo, esta lista do artigo 156 vem sendo alterada, por leis complementares
hábeis para tanto. Bom exemplo é a dação em pagamento, modalidade de extinção sempre
propugnada pela doutrina, mas que só passou a ser admissível quando incluída no
dispositivo pela Lei Complementar 104/01.
Mas há ainda uma certa mitigação a esta intenção taxativa do CTN que vem da
própria lógica de alguns institutos. Exemplo disso é a confusão: modalidade do direito civil,
que não se encontra neste artigo 156, tem sido aplicada pela jurisprudência, em respeito à
incongruência que haveria se não fosse causa de extinção do crédito tributário (se imporia à
Fazenda, tolamente, pagar a si mesmo um crédito qualquer). A respeito, veja a ementa do
Agravo Regimental no Agravo de Instrumento 117.895, do STJ:

“TRIBUTARIO. IMPOSTO PREDIAL E TERRITORIAL URBANO. ESBULHO


POSSESSORIO PRATICADO PELO PROPRIO MUNICIPIO QUE EXIGE O
TRIBUTO. OS LITIGIOS POSSESSORIOS ENTRE PARTICULARES NÃO
AFETAM A OBRIGAÇÃO DE PAGAR O IMPOSTO PREDIAL E
TERRITORIAL URBANO, RESOLVENDO-SE ENTRE ELES A
INDENIZAÇÃO ACASO DEVIDA A ESSE TITULO; JA QUEM, SENDO
CONTRIBUINTE NA SO CONDIÇÃO DE POSSUIDOR, E ESBULHADO DA
POSSE PELO PROPRIO MUNICIPIO, NÃO ESTA OBRIGADO A RECOLHER
O TRIBUTO ATE NELA SER REINTEGRADO POR SENTENÇA JUDICIAL, A
MINGUA DO FATO GERADOR PREVISTO NO ART. 32/CTN,
CONFUNDINDO-SE NESSE CASO O SUJEITO ATIVO E O SUJEITO
PASSIVO DO IMPOSTO. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.”

Afora a confusão, porém, o rol do artigo 156 do CTN parece esgotar as hipóteses de
exclusão do crédito tributário. Vejamos, então, cada uma das modalidades.

1.1. Pagamento

O pagamento tributário tem peculiaridades que o diferem do pagamento das


obrigações civis. A primeira vem logo no artigo 157 do CTN:

“Art. 157. A imposição de penalidade não elide o pagamento integral do crédito


tributário.”

Significa que, em obrigações tributárias, não subsistem as cláusulas penais


substitutivas, como o há no direito civil: a multa soma-se à obrigação principal,
invariavelmente, e não toma seu lugar, como pode acontecer em obrigações civis – o sujeito
passivo continua devendo o tributo, somado à multa. E veja que, muitas das vezes, a multa
tributária extrapola em muito a obrigação principal, e mesmo assim opera-se esta soma
(abstraindo-se aqui da eventual discussão sobre a violação ao princípio do não-confisco).
O artigo 158 do CTN ainda apresenta outras duas situações que deixam clara a
diferença do pagamento tributário em relação ao civil:

“Art. 158. O pagamento de um crédito não importa em presunção de pagamento:

Michell Nunes Midlej Maron 22


EMERJ – CP II Direito Tributário II

I - quando parcial, das prestações em que se decomponha;


II - quando total, de outros créditos referentes ao mesmo ou a outros tributos.”

O CC, no artigo 322, diz exatamente o contrário do inciso I deste artigo 158:

“Art. 322. Quando o pagamento for em quotas periódicas, a quitação da última


estabelece, até prova em contrário, a presunção de estarem solvidas as anteriores.”

Destarte, parcelado o tributo, a quitação de uma parcela ulterior não gera a


presunção de que as anteriores tenham sido pagas.
O inciso II é bastante óbvio: se o crédito tributário referente a um determinado
tributo for adimplido pelo sujeito passivo, de forma alguma significa que os demais débitos
que este sujeito tenha, referentes a outros tributos, são presumidamente quitados. De fato,
este dispositivo só se demonstra importante quando se verifica, por exemplo, que um
tributo foi quitado, mas não o foram as obrigações acessórias: o fato de o fisco receber o
pagamento somente do principal não significa que tenha dado por quitadas as obrigações
acessórias.
Os artigos 159 e 160 do CTN trazem duas normas de caráter supletivo, que só se
invocam se as leis próprias, instituidoras dos tributos, não tratarem destas matérias:

“Art. 159. Quando a legislação tributária não dispuser a respeito, o pagamento é


efetuado na repartição competente do domicílio do sujeito passivo.

“Art. 160. Quando a legislação tributária não fixar o tempo do pagamento, o


vencimento do crédito ocorre trinta dias depois da data em que se considera o
sujeito passivo notificado do lançamento.
Parágrafo único. A legislação tributária pode conceder desconto pela antecipação
do pagamento, nas condições que estabeleça.”

Quanto ao local do pagamento, então, segundo o artigo 159 do CTN, a dívida é paga
no domicílio do sujeito passivo, se a legislação tributária 9 em geral (normalmente a que o
faz é a legislação específica do tributo) não prevê de forma diversa. Quanto ao tempo do
pagamento, o artigo 160 do CTN reputa que o prazo é de trinta dias, se não houver outro
previsto na legislação tributária.
O artigo 161 do CTN é bastante importante, e merece uma leitura detalhada:

9
Rememorando, legislação tributária é termo empregado no CTN para açambarcar todos os meios
normativos hábeis ao tratamento dos tributos, como dispõe o artigo 96 do CTN:

“Art. 96. A expressão "legislação tributária" compreende as leis, os


tratados e as convenções internacionais, os decretos e as normas complementares
que versem, no todo ou em parte, sobre tributos e relações jurídicas a eles
pertinentes.”

Quando o CTN quer dizer que há reserva de lei, em sentido estrito, ele se utiliza do termo lei, e não
da expressão legislação tributária. Assim traça, por exemplo, a reserva legal estabelecida no artigo 97 do
CTN:

“Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:


(...)”

Michell Nunes Midlej Maron 23


EMERJ – CP II Direito Tributário II

“Art. 161. O crédito não integralmente pago no vencimento é acrescido de juros de


mora, seja qual for o motivo determinante da falta, sem prejuízo da imposição das
penalidades cabíveis e da aplicação de quaisquer medidas de garantia previstas
nesta Lei ou em lei tributária.
§ 1º Se a lei não dispuser de modo diverso, os juros de mora são calculados à taxa
de um por cento ao mês.
§ 2º O disposto neste artigo não se aplica na pendência de consulta formulada pelo
devedor dentro do prazo legal para pagamento do crédito.”

Veja que o caput estabelece a obrigação de pagar os juros e a multa cabíveis, e a


isso se soma a correção monetária, garantia de não corrosão do valor do tributo pelo tempo.
O § 1º abre caminho à inovação legal sobre a taxa de juros, inovação que já se faz
presente: hoje, a correção monetária e os juros de mora são definidos em conjunto na
chamada taxa Selic – a multa remanesce casuística –, no âmbito federal, e se a legislação
impõe o uso da Selic, não pode aplicar mais uma correção ou outros juros de mora, sob
pena de configurar bis in idem. Nas esferas estaduais, há ainda a aplicação de índices
estaduais, ao invés da Selic, tais como a Ufir-RJ, no Estado do Rio de Janeiro. E veja que a
Selic, hoje, é aplicável até mesmo na repetição do indébito, ou seja, na restituição do valor
indevidamente pago pelo devedor ao fisco. Haverá melhor estudo desta temática adiante.
O § 2º do artigo supra dispõe que não se verifica ônus da mora, quer juros quer
sanções, se o tributo está sob consulta. Consulta é uma modalidade de processo
administrativo tributário, prevista no artigo 46 do Decreto 70.235/72, que foi recepcionado
com status de lei, servível quando, diante de uma dúvida razoável, surgida em um caso
concreto, o devedor precisa definição de qual é o tratamento tributário a ser dispensado ao
caso. Só se admite a consulta antes de qualquer procedimento de cobrança pelo fisco ser
instaurado. Veja:

“Art. 46. O sujeito passivo poderá formular consulta sobre dispositivos da


legislação tributária aplicáveis a fato determinado.
Parágrafo único. Os órgãos da administração pública e as entidades representativas
de categorias econômicas ou profissionais também poderão formular consulta.”

Se o devedor não adimplir em tempo, porque estava sob consulta, não se aplicam
multas ou juros de mora.
Pelo ensejo, vejamos aqui três conceitos mencionados e que são recorrentemente
usados, que demandam um esclarecimento breve a fim de facilitar o entendimento do tema:
o de correção monetária, o de multa moratória e o de juros de mora.
Correção monetária é o meio pelo qual se pretende restaurar o valor da moeda, que
normalmente se corrói com o processo inflacionário.
Juros de mora é meio de remuneração do capital de outrem que se está utilizando. É
o “aluguel” do dinheiro, meio pelo qual a utilização de capital de alguém por outrem é
remunerada. Nos tributos, os juros de mora são remuneratórios, mas são devidos em razão
do atraso, porque ao se deixar de entregar à Fazenda o dinheiro que deveria integrar o
erário, se estaria usando o dinheiro que já seria do erário, e se faz necessária a remuneração
deste dinheiro. Mas há uma tese, minoritária, que defende que se o dinheiro ainda não
passou às mãos do fisco, ainda pertence ao devedor, e nada há que se remunerar o uso de tal
valor, vez que é dinheiro próprio.

Michell Nunes Midlej Maron 24


EMERJ – CP II Direito Tributário II

A multa, por fim, é a sanção pelo inadimplemento, devida em razão da frustração da


expectativa do fisco em haver integralizado o erário, a fim de dispor da verba para
prestação do serviço estatal.

1.1.1. Modalidades de pagamento

O artigo 162 do CTN traça as modalidades de pagamento do tributo:

“Art. 162. O pagamento é efetuado:


I - em moeda corrente, cheque ou vale postal;
II - nos casos previstos em lei, em estampilha, em papel selado, ou por processo
mecânico.
§ 1º A legislação tributária pode determinar as garantias exigidas para o pagamento
por cheque ou vale postal, desde que não o torne impossível ou mais oneroso que o
pagamento em moeda corrente.
§ 2º O crédito pago por cheque somente se considera extinto com o resgate deste
pelo sacado.
§ 3º O crédito pagável em estampilha considera-se extinto com a inutilização
regular daquela, ressalvado o disposto no artigo 150.
§ 4º A perda ou destruição da estampilha, ou o erro no pagamento por esta
modalidade, não dão direito a restituição, salvo nos casos expressamente previstos
na legislação tributária, ou naquelas em que o erro seja imputável à autoridade
administrativa.
§ 5º O pagamento em papel selado ou por processo mecânico equipara-se ao
pagamento em estampilha.”

Abstendo-nos de comentar os óbvios, vejamos apenas aqueles meios de pagamento


que, por seu parco uso, merecem alusão expressa.
Vale postal é uma espécie de título, semelhante ao cheque, que é compensado pelas
próprias agências dos correios, e tem especial serventia em localidades que não dispõem de
qualquer agência bancária.
Estampilha é um meio de pagamento que, similar ao papel selado, identifica que o
tributo a que se refere está devidamente pago.
Papel selado é um meio de pagamento em que o devedor adquire previamente o
selo, e este representa a quitação quando for utilizado no produto que se destina a ser
selado. À medida que inutiliza o selo ao colá-lo no produto, dá-se a extinção daquele
crédito tributário.
Processo mecânico é uma chancela estatal a atos de pagamento tomados pelo
contribuinte, como uma nota fiscal eletrônica, por exemplo.

1.1.2. Imputação do pagamento

O artigo 163 do CTN trata da imputação do pagamento, ou seja, qual é a ordem de


recebimento dos tributos devidos por um mesmo sujeito passivo a um mesmo ente
tributante:
“Art. 163. Existindo simultaneamente dois ou mais débitos vencidos do mesmo
sujeito passivo para com a mesma pessoa jurídica de direito público, relativos ao
mesmo ou a diferentes tributos ou provenientes de penalidade pecuniária ou juros
de mora, a autoridade administrativa competente para receber o pagamento

Michell Nunes Midlej Maron 25


EMERJ – CP II Direito Tributário II

determinará a respectiva imputação, obedecidas as seguintes regras, na ordem em


que enumeradas:
I - em primeiro lugar, aos débitos por obrigação própria, e em segundo lugar aos
decorrentes de responsabilidade tributária;
II - primeiramente, às contribuições de melhoria, depois às taxas e por fim aos
impostos;
III - na ordem crescente dos prazos de prescrição;
IV - na ordem decrescente dos montantes.”

O inciso I do artigo supra define que o débito que o sujeito passivo deve como
contribuinte é imputado primeiramente, e somente em seguida se aproveita o valor pago a
mais para quitar débitos em que o sujeito figura como responsável tributário.
O inciso II dispõe simples e literal ordem de preferência de espécies tributárias,
tendo sido respeitado, antes, o previsto no inciso I. Veja que esta ordem leva em conta a
característica da retributividade dos tributos, sendo os tributos que assumem esta natureza
preferencialmente imputados no pagamento.
Os incisos III e IV são ainda mais literais, dispensando comentários.

1.1.3. Consignação em pagamento

O artigo 164 do CTN assim estabelece:

“Art. 164. A importância de crédito tributário pode ser consignada judicialmente


pelo sujeito passivo, nos casos:
I - de recusa de recebimento, ou subordinação deste ao pagamento de outro tributo
ou de penalidade, ou ao cumprimento de obrigação acessória;
II - de subordinação do recebimento ao cumprimento de exigências administrativas
sem fundamento legal;
III - de exigência, por mais de uma pessoa jurídica de direito público, de tributo
idêntico sobre um mesmo fato gerador.
§ 1º A consignação só pode versar sobre o crédito que o consignante se propõe
pagar.
§ 2º Julgada procedente a consignação, o pagamento se reputa efetuado e a
importância consignada é convertida em renda; julgada improcedente a
consignação no todo ou em parte, cobra-se o crédito acrescido de juros de mora,
sem prejuízo das penalidades cabíveis.”

Pagar um tributo é um dever, mas é também um direito: desobrigar-se, pagando seu


débito, é um direito que assiste ao sujeito passivo. Se a Fazenda criar óbices injustos ao
exercício deste direito, surge o direito sucessivo do devedor, correspondente a esta lesão
causada pelo fisco ao não receber o pagamento, de consignar aquilo que entende devido,
com vistas a se desobrigar.
As hipóteses tributárias da consignação são bastante claras. A recusa injusta ao
recebimento é caso mais óbvio; mas a segunda parte do inciso I deste artigo 164 merece
explicações: se o fisco condiciona o recebimento de um tributo ao adimplemento casado de
um outro tributo, de uma penalidade ou obrigação acessória, esta recusa é objetivamente
injusta. O inciso II, ao contrário, permite que haja a imposição de cumprimento casado de
exigências administrativas, desde que haja fundamento legal para tanto.
O inciso III é um tanto mais específico: trata da tributação indevida por mais de um
ente, sobre o mesmo fato gerador. Imagine-se que haja um imóvel situado em área limítrofe

Michell Nunes Midlej Maron 26


EMERJ – CP II Direito Tributário II

entre municípios: se, neste caso, cada um dos municípios emitir cobrança de IPTU, por
exemplo, é claro que o devedor não é obrigado perante ambos os entes federativos, e para
desobrigar-se sem riscos de ser considerado inadimplente, poderá consignar em pagamento
àquele que entender devido, ajuizando a ação para que o Judiciário resolva qual dos entes
absorve aquela área (devendo, por segurança, ajuizar a ação no foro do município que
usualmente o tributava em tributos municipais).
A ação de consignação é uma actio duplex: é uma ação de natureza dúplice, na qual,
ainda que o réu não ofereça uma reconvenção, ele obterá da sentença de improcedência do
pedido do autor algum efeito positivo, favorável a si, colocando-o na posição de recebedor
da prestação jurisdicional. Veja que, se a improcedência da consignatória for causada pela
insuficiência do valor, basta que o réu conteste a ação para que haja o efeito da
consolidação do valor faltante, a ser por ele executado. Estratificando-se o valor que é
realmente devido, a diferença entre este e o depósito realizado poderá ser, inclusive,
executada pelo credor, réu da consignatória. Não por acaso, a sentença de improcedência,
nestes moldes, é uma das raríssimas exceções em que, mesmo sendo declaratória negativa,
poderá ser executada pelo credor pelo valor faltante que foi identificado no processo, a teor
do artigo 899, § 2º, do CPC, in verbis:

“Art. 899. Quando na contestação o réu alegar que o depósito não é integral, é
lícito ao autor completá-lo, dentro em 10 (dez) dias, salvo se corresponder a
prestação, cujo inadimplemento acarrete a rescisão do contrato.
§ 1o Alegada a insuficiência do depósito, poderá o réu levantar, desde logo, a
quantia ou a coisa depositada, com a conseqüente liberação parcial do autor,
prosseguindo o processo quanto à parcela controvertida.
§ 2o A sentença que concluir pela insuficiência do depósito determinará, sempre
que possível, o montante devido, e, neste caso, valerá como título executivo,
facultado ao credor promover-lhe a execução nos mesmos autos.”

Consignação não se confunde com depósito: quem deposita, no direito tributário,


intenta suspender a exigibilidade do crédito, impedindo a exeqüibilidade do crédito, para
poder discutir qualquer dos seus aspectos. Quem consigna o valor, na verdade, quer
desobrigar-se, e não discutir o crédito. Na consignação, o agente arca com aquilo que
entende devido, propondo-se a pagar o tributo na forma que entende correta; no depósito,
ele arca com a integralidade do montante, pois se o fizer a menor a exigibilidade do crédito
não se suspende.
Se a consignação, em suma, serve para casos em que o recebimento é injustamente
recusado, se o fisco cobra um determinado valor, mas o sujeito passivo se dispõe a pagar
um outro valor, a menor, significa que o fisco recusou-se a receber o valor oferecido,
mesmo que a menor – gerando a possibilidade de que haja discussão do quantum na ação
de consignação. Veja o julgado do REsp 505.460, sobre a consignação feita a menor:

“PROCESSO CIVIL. TRIBUTÁRIO. AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM


PAGAMENTO. NATUREZA E FINALIDADE. UTILIZAÇÃO PARA
CONSIGNAR VALOR DE TRIBUTO. POSSIBILIDADE.
1. O depósito em consignação é modo de extinção da obrigação, com força de
pagamento, e a correspondente ação consignatória tem por finalidade ver atendido
o direito – material – do devedor de liberar-se da obrigação e de obter quitação.
Trata-se de ação eminentemente declaratória: declara-se que o depósito oferecido
liberou o autor da respectiva obrigação.

Michell Nunes Midlej Maron 27


EMERJ – CP II Direito Tributário II

2. Com a atual configuração do rito, a ação de consignação pode ter natureza


dúplice, já que se presta, em certos casos, a outorgar tutela jurisdicional em favor
do réu, a quem assegura não apenas a faculdade de levantar, em caso de
insuficiência do depósito, a quantia oferecida, prosseguindo o processo pelas
diferenças controvertidas (CPC, art. 899, § 1º), como também a de obter, em seu
favor, título executivo pelo valor das referidas diferenças que vierem a ser
reconhecidas na sentença (art. 899, § 2º).
3. Como em qualquer outro procedimento, também na ação consignatória o juiz
está habilitado a exercer o seu poder-dever jurisdicional de investigar os fatos e
aplicar o direito na medida necessária a fazer juízo sobre a existência ou o modo de
ser da relação jurídica que lhe é submetida a decisão. Não há empecilho algum,
muito pelo contrário, ao exercício, na ação de consignação, do controle de
constitucionalidade das normas.
4. Não há qualquer vedação legal a que o contribuinte lance mão da ação
consignatória para ver satisfeito o seu direito de pagar corretamente o tributo
quando entende que o fisco está exigindo prestação maior que a devida. É
possibilidade prevista no art. 164 do Código Tributário Nacional. Ao mencionar
que "a consignação só pode versar sobre o crédito que o consignante se propõe a
pagar", o § 1º daquele artigo deixa evidenciada a possibilidade de ação
consignatória nos casos em que o contribuinte se propõe a pagar valor inferior ao
exigido pelo fisco. Com efeito, exigir valor maior equivale a recusar o recebimento
do tributo por valor menor.”

Na verdade, esta é a concepção da ação de consignação em matéria cível, desde há


muito.

1.1.4. Pagamento indevido

O artigo 165 do CTN é a sede legal do estudo:

“Art. 165. O sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio protesto, à


restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade do seu pagamento,
ressalvado o disposto no § 4º do artigo 162, nos seguintes casos:
I - cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que o devido
em face da legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstâncias
materiais do fato gerador efetivamente ocorrido;
II - erro na edificação do sujeito passivo, na determinação da alíquota aplicável, no
cálculo do montante do débito ou na elaboração ou conferência de qualquer
documento relativo ao pagamento;
III - reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória.”

Antes do CTN, o pagamento de um tributo a maior, pelo sujeito passivo, quando a


modalidade fosse de lançamento por homologação, por exemplo, a diferença a mais não
seria restituída: vigia a idéia de que se não houve exigência do fisco daquele valor, não há
que se restituí-lo.
Imperava, também, a regra do solve et repete: se o sujeito passivo intenta discutir o
pagamento, que primeiro o fizesse para depois impugná-lo a fim de obtê-lo de volta. E
mais: que o pagasse fazendo constar a sua inconformidade, pois do contrário perderia o que
foi pago indevidamente.
É claro que esta concepção, hoje, é absolutamente impensável, tanto que o artigo
165 do CTN traça a dinâmica da restituição do indébito. As hipóteses do artigo são bem
claras, bem literais.

Michell Nunes Midlej Maron 28


EMERJ – CP II Direito Tributário II

Há que se analisar a peculiar situação da repetição do tributo indireto pago nas


hipóteses em que se impõe a restituição. Há tempos atrás, antes da entrada em vigor do
CTN, o STF editou a súmula 71, que hoje não mais pode ser aplicada, estando superada.
Veja:

“Súmula 71, STF: Embora pago indevidamente, não cabe restituição de tributo
indireto.”

Tributos indiretos são aqueles que comportam o fenômeno da repercussão


econômica expressa: é o traslado do ônus financeiro, legalmente permitido, o que se dá
especialmente no IPI e no ICMS. Nestes tributos, o contribuinte que recolhe o tributo, a
exemplo do fornecedor do produto ou serviço (contribuinte de direito), repassa o valor do
tributo ao adquirente, ou seja, quem arca com a carga tributária é o consumidor
(contribuinte de fato). Como se opera a restituição, neste caso, do pagamento indevido?
O artigo 166 do CTN estabelece a regra para esta restituição:

“Art. 166. A restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência
do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem prove haver assumido
o referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este
expressamente autorizado a recebê-la.”

Quem suporta os ônus tributários, aqui, é o contribuinte de fato, e por isso seria ele
quem deveria reaver o que pagou erradamente. Ocorre que a relação jurídico-tributária
formal só existe entre a Fazenda e o contribuinte de direito; não havendo relação entre o
contribuinte de fato e o fisco, não se admite o pedido de restituição do indébito por parte
deste – o STJ entende-o como figura estranha à relação jurídica tributária, como se pode ver
na ementa do REsp 983.814:

“RECURSO ESPECIAL. PROCESSO TRIBUTÁRIO. AÇÃO DECLARATÓRIA


DE INEXIGIBILIDADE C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO. ICMS. TRIBUTO
INDIRETO. CONSUMIDOR. "CONTRIBUINTE DE FATO". ILEGITIMIDADE
ATIVA. APELO PROVIDO.
1. Os consumidores de energia elétrica, de serviços de telecomunicação e os
adquirentes de bens não possuem legitimidade ativa para pleitear a repetição de
eventual indébito tributário do ICMS incidente sobre essas operações.
2. A caracterização do chamado contribuinte de fato presta-se unicamente para
impor uma condição à repetição de indébito pleiteada pelo contribuinte de direito,
que repassa o ônus financeiro do tributo cujo fato gerador tenha realizado (art. 166
do CTN), mas não concede legitimidade ad causam para os consumidores
ingressarem em juízo com vistas a discutir determinada relação jurídica da qual
não façam parte.
3. Os contribuintes da exação são aqueles que colocam o produto em circulação ou
prestam o serviço, concretizando, assim, a hipótese de incidência legalmente
prevista.
4. Nos termos da Constituição e da LC 86/97, o consumo não é fato gerador do
ICMS.
5. Declarada a ilegitimidade ativa dos consumidores para pleitear a repetição do
ICMS.
6. Recurso especial provido.”

Destarte, é certo: somente o contribuinte de direito pode ajuizar esta ação.

Michell Nunes Midlej Maron 29


EMERJ – CP II Direito Tributário II

Há casos em que o contribuinte de direito não repassa o ônus, porque esta


repercussão é uma faculdade. Quando assim o for, ele poderá ajuizar incondicionalmente a
eventual repetição do indébito. Todavia, como se vê na parte final do artigo 166 do CTN,
somente poderá haver a repetição do indébito pelo contribuinte de direito, quando quem o
suportou foi o contribuinte de fato, se este último emitir autorização para tal providência.
O CTN criou esta condicionante para que as hipóteses de fraude sejam contidas, vez que
exigindo a ciência do real pagador do valor indevido, cria para este a oportunidade de
fiscalizar e receber a devolução daquilo que foi ele quem pagou.
Em atenção a estas mudanças, a já mencionada súmula 71 do STF, obsoleta, deu
lugar à súmula 546 desta mesma corte:

“Súmula 546, STF: Cabe a restituição do tributo pago indevidamente, quando


reconhecido por decisão que o contribuinte “de jure” não recuperou do
contribuinte “de facto” o “quantum” respectivo.”

Veja que ainda falta, no enunciado do STF, a outra hipótese, da restituição


autorizada pelo contribuinte de fato que suportou o ônus.
Há ainda uma outra situação absolutamente peculiar: quando o contribuinte de fato,
que suportou o ônus, for o consumidor final de um produto, como poderá o contribuinte de
direito ajuizar a ação de restituição, se a colheita da autorização é faticamente impossível,
diante da absoluta dispersão dos contribuintes de fato?
Não há solução: não havendo como colher a autorização, não há preenchimento da
condição de admissibilidade da repetição, e não poderá ser havida a restituição. Exatamente
por esta circunstância insolúvel, Hugo de Brito Machado reputa este dispositivo
inconstitucional, mas a doutrina majoritária, a exemplo de Ricardo Lobo Torres, defende-o
constitucional, pela primazia do interesse público sobre o interesse particular em ressarcir-
se.
Há ainda questão importante sobre a repetição de indébito, que diz respeito ao
prazo para exercício desta pretensão à restituição. Veja o artigo 168 do CTN:

“Art. 168. O direito de pleitear a restituição extingue-se com o decurso do prazo de


5 (cinco) anos, contados:
I - nas hipótese dos incisos I e II do artigo 165, da data da extinção do crédito
tributário; (Vide art 3 da LCp nº 118, de 2005)
II - na hipótese do inciso III do artigo 165, da data em que se tornar definitiva a
decisão administrativa ou passar em julgado a decisão judicial que tenha
reformado, anulado, revogado ou rescindido a decisão condenatória.”

No artigo subseqüente, 169, o CTN prevê o prazo prescricional da ação anulatória


de decisão administrativa, o que gera dúvidas. Veja:

“Art. 169. Prescreve em dois anos a ação anulatória da decisão administrativa que
denegar a restituição.
Parágrafo único. O prazo de prescrição é interrompido pelo início da ação judicial,
recomeçando o seu curso, por metade, a partir da data da intimação validamente
feita ao representante judicial da Fazenda Pública interessada.”

A primeira cogitação a que estes artigos induzem é se a restituição precisa ser


primeiro requerida administrativamente, ou se pode ser feita diretamente na via judicial. Há

Michell Nunes Midlej Maron 30


EMERJ – CP II Direito Tributário II

duas correntes disputando a resposta a esta pergunta. A primeira defende que o Judiciário é
inafastável, diante da previsão constitucional do artigo 5º, XXXV, da CRFB:

“(...)
XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a
direito;
(...)”

A segunda corrente se vale de argumento processual: se o sujeito passivo não levou


sua pretensão ao fisco, não pode reputá-la resistida, e por isso careceria de interesse de
agir, pois que não se configurou a lide.
Prevalece, em certa medida, a tese que privilegia a inafastabilidade do Judiciário,
dizendo possível o acesso direto deste pelo sujeito passivo que se vê detrido indevidamente
em seu patrimônio, visto que isso já é uma lesão ao seu direito.
Ocorre que remanesce a dúvida diante dos artigos 168 e 169 do CTN: quando se
aplica um ou outro dos prazos ali previstos?
O artigo 169 parece dar a dica que, se requerida administrativamente a restituição,
haverá prazo de dois anos para anular a decisão que a denega. Mas veja que este artigo é
anterior à CRFB e à previsão de inafastabilidade do Judiciário, então este artigo é de uma
época em que a via administrativa era passo necessário. Hoje, pode-se dizer que, tanto para
requisição administrativa quanto para a judicial, o prazo é de cinco anos, mas se for eleita a
via administrativa, da decisão final nesta seara caberá ação anulatória em prazo ainda de
dois anos.
Há que se discutir, aqui, a natureza destes prazos: serão prescricionais ou
decadenciais?
O prazo do artigo 169 é prescricional por simples menção legal – mas, ainda se não
houvesse sua natureza expressa, o seria da mesma forma. O prazo do artigo 168, ao
contrário, é decadencial, vez que fulmina a faculdade jurídica do agente em haver sua
restituição, extirpando o próprio direito.
A contagem do prazo de cinco anos, deste artigo 168 do CTN, demanda a
explicação da famigerada tese dos “cinco mais cinco”. Esta tese tem sede nos tributos
lançados por homologação, em que o próprio sujeito passivo calcula e paga
antecipadamente o seu tributo, restando no aguardo da homologação, da confirmação da
correção de seu pagamento por parte do fisco. O pagamento antecipado, por si só, não
extingue o crédito tributário, nestes tributos, diante da exigência da verificação pelo fisco
da correção deste pagamento. A homologação da Fazenda pode ser expressa ou tácita, e é
nesta última que se manifesta a tese em análise. Veja: segundo o artigo 150, § 4º do CTN,
entende-se que a homologação tácita ocorre em cinco anos, sendo este o prazo após o qual
a extinção do crédito tributário se aperfeiçoa. Veja:

“Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja
legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio
exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida
autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado,
expressamente a homologa.
§ 1º O pagamento antecipado pelo obrigado nos termos deste artigo extingue o
crédito, sob condição resolutória da ulterior homologação ao lançamento.

Michell Nunes Midlej Maron 31


EMERJ – CP II Direito Tributário II

§ 2º Não influem sobre a obrigação tributária quaisquer atos anteriores à


homologação, praticados pelo sujeito passivo ou por terceiro, visando à extinção
total ou parcial do crédito.
§ 3º Os atos a que se refere o parágrafo anterior serão, porém, considerados na
apuração do saldo porventura devido e, sendo o caso, na imposição de penalidade,
ou sua graduação.
§ 4º Se a lei não fixar prazo a homologação, será ele de cinco anos, a contar da
ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se
tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente
extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação.”

Os cinco anos deste dispositivo contam-se desde a data do fato gerador, como ali
está expresso, se a lei não fixar prazo diverso. Repare, agora, que o artigo 168, I, do CTN
dispõe que a ação de restituição corre em prazo máximo de cinco anos desde a extinção do
crédito tributário; sendo assim, como a extinção tácita do crédito tributário em tributos
lançados por homologação se dá em cinco anos, a ação de repetição e indébito deste tributo
contaria com até dez anos desde a ocorrência do fato gerador: há um marco inicial do prazo
para a homologação, que é o surgimento do fato gerador – cinco anos desde então, na forma
do artigo 154, § 4º –, e um dies a quo do prazo decadencial de cinco anos para repetir
eventual indébito, marcado na data em que se operar a homologação, momento de extinção
definitiva do crédito tributário, na forma do artigo 168, I – homologação que, se for tácita,
levará cinco anos. Esta é a suma da tese dos “cinco mais cinco”.
Tracemos um esquema gráfico:

Cinco anos para homologação tácita, se não ocorrer de


forma expressa, ou se a lei não impuser outro prazo (artigo Prazo decadencial de cinco anos para intentar
150, § 4º, CTN) repetição de indébito (artigo 168, I, CTN)

Fato gerador Homologação tácita Decadência do direito


(extinção do crédito de repetir o indébito
tributário)

Cinco anos + Cinco anos

Resumida assim a explicação, esta tese se demonstrava bastante favorável ao


contribuinte, vez que lhe concedia dez anos para a repetição do indébito, a contar do fato
gerador. Todavia, recentemente, a concepção desta dinâmica acabou por sofrer
significativas alterações. A Lei 11.101/05 teve grande impacto nesta alteração, pois foi ela,
lei ordinária, que propugnou as necessárias alterações no CTN para adequar-se ao novel
regime de recuperação de empresas lá traçado, o que se implementou pela Lei
Complementar 118/05.
Em síntese, o fisco aproveitou toda a conjuntura de alterações para impor a
supressão desta tese dos “cinco mais cinco”. Assim dispôs esta Lei Complementar 118/05,
no seu artigo 3º:

“Art. 3o Para efeito de interpretação do inciso I do art. 168 da Lei n o 5.172, de 25


de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional, a extinção do crédito tributário

Michell Nunes Midlej Maron 32


EMERJ – CP II Direito Tributário II

ocorre, no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, no momento do


pagamento antecipado de que trata o § 1o do art. 150 da referida Lei.”

Desta forma, o legislador tributário alterou a concepção de qual é o momento de


extinção do crédito tributário no lançamento por homologação, passando a entender extinto
tal crédito no momento em que se deu o pagamento antecipado. Desconsiderando toda a
lógica deste lançamento – que como se viu, por conceito, só extinguiria o crédito no
momento em que há a homologação, expressa ou tácita –, a lei passou a entender que para
fins da contagem do prazo da repetição do indébito o momento da extinção é o do
pagamento, e não da homologação, a qualquer título.
Assim ficaria, então, o esquema gráfico da repetição de indébito nesta nova
conjuntura:

Prazo decadencial de cinco anos para intentar repetição de indébito (artigo


168, I, CTN)

Fato gerador
Pagamento antecipado, a Homologação Decadência do direito
qualquer tempo (extinção do (irrelevante, quanto aos de repetir o indébito
crédito tributário) prazos)

Cinco anos

Ocorre que, sendo tida por lei meramente interpretativa, como este artigo 3º se
anuncia, a LC 118/05 poderia ter sido aplicada retroativamente, pois mera interpretação não
exige respeito à irretroatividade. Todavia, sabiamente, o STJ, neste aspecto, não acolheu a
pretensão do fisco, por entender que mesmo assim constando do texto, esta norma não é
meramente interpretativa e, como inovação legislativa, só poderia valer dali em diante, sem
retrotrair-se, como se vê no EREsp 1.042.754:

“CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA – REPETIÇÃO DE INDÉBITO –


AÇÃO AJUIZADA APÓS A VIGÊNCIA DA LC N. 118/05 – FATOS
GERADORES ANTERIORES À LC 118/05 – PRESCRIÇÃO DECENAL.
1. Até a entrada em vigor da Lei Complementar n. 118/2005, o entendimento no
STJ era no sentido de que extingue-se o direito de pleitear a restituição de tributo
sujeito a lançamento por homologação; não sendo esta expressa, somente após o
transcurso do prazo de cinco anos contados da ocorrência do fato gerador,
acrescido de mais cinco anos contados da data em que se deu a homologação tácita
(EREsp 435.835/SC, julgado em 24.03.04).
2. Esta Casa, por intermédio da sua Corte Especial, no julgamento da AI no EREsp
644.736/PE, declarou a inconstitucionalidade da segunda parte do art. 4º da Lei
Complementar n. 118/2005, a qual estabelece aplicação retroativa de seu art. 3º,
porquanto ofende os princípios da autonomia, da independência dos poderes, da
garantia do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada.
3. Com a entrada em vigor da Lei Complementar n. 118/05, em 9.6.2005, a
prescrição deverá ser contada, tomando por base o fato gerador, ou seja, a data em
que foi efetuado o recolhimento indevido, procedendo da seguinte maneira: a) no
tocante aos recolhimentos realizados até a entrada em vigor da Lei Complementar

Michell Nunes Midlej Maron 33


EMERJ – CP II Direito Tributário II

n. 118/05, ocorrida aos 9 de junho de 2005, aplica-se a sistemática dos "cinco mais
cinco"; b) no que concerne aos recolhimentos efetuados após o advento da Lei
Complementar n. 118/05, aplica-se o prazo prescricional de cinco anos, e não mais
a tese dos "cinco mais cinco".
Embargos de divergência providos.”

Sobre o momento, então, o STJ clareou bastante a questão, reputando decenal o


prazo para fatos geradores prévios à LC 118/05, e qüinqüenal para os ocorridos após.

Casos Concretos

Questão 1

A empresa ATLAS S/A, produtora de aparelhos para exercícios físicos, recolheu a


maior o IPI incidente sobre a saída dos referidos produtos, vendidos a terceiro, tendo sido
incluído no preço de venda o montante do tributo. Verificado o equívoco, a referida

Michell Nunes Midlej Maron 34


EMERJ – CP II Direito Tributário II

empresa postulou junto à Receita Federal que fosse reconhecido o pagamento indevido e
restituído o seu montante.
A Receita Federal reconheceu o pagamento indevido e decidiu, quanto à
restituição, em face da legislação em vigor, o seguinte:
a) efetuar a restituição à ATLAS, em conseqüência de ter reconhecido o pagamento
anterior como indevido e diante do princípio que veda o enriquecimento ilícito;
b) realizar a restituição à ATLAS, pois a empresa é o contribuinte de direito;
c) não efetuar a restituição à ATLAS, enquanto ela não provar que, tendo
transferido o encargo financeiro do tributo a terceiro, este expressamente a
autoriza a receber tal quantia;
d) efetuar a restituição a quem foi o adquirente e contribuinte de fato;
e) não efetuar a restituição, por se tratar de equívoco insuscetível de correção na
esfera administrativa, somente podendo ser reparado judicialmente por ação
repetitória.
Analise cada uma das possíveis decisões acima, e decida sobre sua adequação, ou
não, ao caso concreto.

Resposta à Questão 1

a) Para que seja possível esta hipótese, é necessário que o contribuinte de fato
autorize a restituição, vez que quem suportou o ônus do tributo foram os
contribuintes de fato, adquirentes dos produtos de Atlas;

b) Idem à letra “a”: sem autorização do contribuinte de fato, o contribuinte de


direito não pode requerer restituição;

c) De acordo com o artigo 166 do CTN, esta é a decisão correta: é expressamente o


que dita este artigo do CTN;

d) Como dito, a restituição deve ser feita ao contribuinte de direito, com


autorização do de fato, e não diretamente a este;

e) A via administrativa é, sim, perfeitamente admissível (não significando que seja


obrigatória, porém).

Questão 2

A empresa ABC Ltda. ajuizou ação de consignação em pagamento, postulando a


extinção de crédito tributário. O Fisco, em preliminar, alega que tal ação deve ser extinta
sem o julgamento do mérito, tendo em vista que a empresa consignou R$ 8.000,00,
enquanto o Fisco cobra R$ 10.000,00. À luz do CTN, analise a questão.

Resposta à Questão 2

Como qualquer consignação em pagamento, o depósito corresponde ao valor que o


depositante entender devido, e não o que o credor quer. A suficiência é matéria de mérito, e

Michell Nunes Midlej Maron 35


EMERJ – CP II Direito Tributário II

por isso não há que se extinguir o feito. No CTN, a matéria encontra expressão no artigo
164, e a jurisprudência encara a discussão do quantum como matéria admissível na
consignação em matéria tributária. A respeito, veja a ementa do REsp 659.779:

“PROCESSO CIVIL. TRIBUTÁRIO. AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM


PAGAMENTO. NATUREZA E FINALIDADE. UTILIZAÇÃO PARA
CONSIGNAR VALOR DE TRIBUTO. POSSIBILIDADE.
1. O depósito em consignação é modo de extinção da obrigação, com força de
pagamento, e a correspondente ação consignatória tem por finalidade ver atendido
o direito – material – do devedor de liberar-se da obrigação e de obter quitação.
Trata-se de ação eminentemente declaratória: declara-se que o depósito oferecido
liberou o autor da respectiva obrigação.
2. Com a atual configuração do rito, a ação de consignação pode ter natureza
dúplice, já que se presta, em certos casos, a outorgar tutela jurisdicional em favor
do réu, a quem assegura não apenas a faculdade de levantar, em caso de
insuficiência do depósito, a quantia oferecida, prosseguindo o processo pelas
diferenças controvertidas (CPC, art. 899, § 1º), como também a de obter, em seu
favor, título executivo pelo valor das referidas diferenças que vierem a ser
reconhecidas na sentença (art. 899, § 2º).
3. Como em qualquer outro procedimento, também na ação consignatória o juiz
está habilitado a exercer o seu poder-dever jurisdicional de investigar os fatos e
aplicar o direito na medida necessária a fazer juízo sobre a existência ou o modo de
ser da relação jurídica que lhe é submetida a decisão. Não há empecilho algum,
muito pelo contrário, ao exercício, na ação de consignação, do controle de
constitucionalidade das normas.
4. Não há qualquer vedação legal a que o contribuinte lance mão da ação
consignatória para ver satisfeito o seu direito de pagar corretamente o tributo
quando entende que o fisco está exigindo prestação maior que a devida. É
possibilidade prevista no art. 164 do Código Tributário Nacional. Ao mencionar
que "a consignação só pode versar sobre o crédito que o consignante se propõe a
pagar", o § 1º daquele artigo deixa evidenciada a possibilidade de ação
consignatória nos casos em que o contribuinte se propõe a pagar valor inferior ao
exigido pelo fisco. Com efeito, exigir valor maior equivale a recusar o recebimento
do tributo por valor menor.
5. Recurso especial provido.”

Questão 3

Uma empresa que exerce atividade industrial pagou o IPI - Imposto sobre Produtos
Industrializados, durante certo período, com base em alíquota superior à legalmente
devida.
Poderá pedir a restituição do quantum recolhido a maior? Em quais condições?
Qual a ação própria para tal fim? Qual rito procedimental tem essa ação e quais os
fundamentos do pedido?
Justifique as respostas e cite os dispositivos legais aplicáveis.
Resposta à Questão 3

A sede tributária desta ação é o artigo 166 do CTN, ao que se aduz a previsão da
súmula 546 do STF. Poderá requerer repetição do indébito, em face da Fazenda, e nas
condições do artigo 166 do CTN: provando que suportou de fato o ônus, de forma
autônoma, ou, tendo repassado o ônus ao contribuinte de fato, de forma autorizada por este.

Michell Nunes Midlej Maron 36


EMERJ – CP II Direito Tributário II

A ação é a de repetição de indébito, que corre em rito ordinário (ou sumário, ratione
valorem), sendo o pedido calcado na causa remota da relação tributária, e na causa próxima
da cobrança indevida, fundamentado na legalidade tributária e na vedação ao
enriquecimento indevido.

Tema IV

Extinção do crédito Tributário II 1. Compensação administrativa (modalidade de repetição de indébito) e


judicial; 2. Transação; 3. Remissão; 4. Dação em pagamento; 5. Demais modalidades de extinção do crédito
tributário; 6. Questões controvertidas. Jurisprudência. Doutrina.

Michell Nunes Midlej Maron 37


EMERJ – CP II Direito Tributário II

Notas de Aula10

1. Outras modalidades de extinção do crédito tributário

1.1. Compensação

A compensação, modalidade de extinção do crédito tributário, é tratada no CTN nos


artigos 170 e 170-A:

“Art. 170. A lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja
estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a
compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou
vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda pública.
Parágrafo único. Sendo vincendo o crédito do sujeito passivo, a lei determinará,
para os efeitos deste artigo, a apuração do seu montante, não podendo, porém,
cominar redução maior que a correspondente ao juro de 1% (um por cento) ao mês
pelo tempo a decorrer entre a data da compensação e a do vencimento.”

“Art. 170-A. É vedada a compensação mediante o aproveitamento de tributo,


objeto de contestação judicial pelo sujeito passivo, antes do trânsito em julgado da
respectiva decisão judicial.”

O instituto é bem simples: havendo débitos e créditos recíprocos, promove-se o


encontro de contas, extinguindo mutuamente as obrigações. E veja que na seara tributária, o
instituto é até mais razoável que o instituto cível da compensação: enquanto a civilista
exige que o crédito seja líquido e vencido para ser compensável, o CTN permite compensar
até mesmo créditos vincendos.
Os créditos do contribuinte contra o fisco que são compensáveis devem ser
estabelecidos em lei, e o primeiro diploma a tratar do assunto foi a Lei 8.383/91, a qual cria
a Ufir, e que no artigo 66 trouxe expressa menção à compensação:

“Art. 66. Nos casos de pagamento indevido ou a maior de tributos, contribuições


federais, inclusive previdenciárias, e receitas patrimoniais, mesmo quando
resultante de reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória, o
contribuinte poderá efetuar a compensação desse valor no recolhimento de
importância correspondente a período subseqüente.
§ 1º A compensação só poderá ser efetuada entre tributos, contribuições e receitas
da mesma espécie.
§ 2º É facultado ao contribuinte optar pelo pedido de restituição.
§ 3º A compensação ou restituição será efetuada pelo valor do tributo ou
contribuição ou receita corrigido monetariamente com base na variação da UFIR.
§ 4º As Secretarias da Receita Federal e do Patrimônio da União e o Instituto
Nacional do Seguro Social - INSS expedirão as instruções necessárias ao
cumprimento do disposto neste artigo.”

Repare que a autorização à compensação foi bastante tímida nesta lei, bem como
nas que depois dela vieram a criar novas hipóteses. Ficou bastante restrito o uso da
compensação, na verdade, porque, ao contrário do CTN, que autoriza (se a lei
regulamentar) a compensação de qualquer crédito particular perante a Fazenda, ali se vê
que os créditos compensáveis são de umas poucas espécies, resumindo-se, de fato, à
10
Aula proferida pelo professor Camilo Fernandes da Graça, em 11/11/2008.

Michell Nunes Midlej Maron 38


EMERJ – CP II Direito Tributário II

permissão de compensação de créditos tributários dos particulares contra créditos


tributários da Fazenda, apenas. Um contrato administrativo no qual o particular seja credor
da Fazenda, por exemplo, não permite a compensação com tributos devidos por este
contribuinte.
Os precatórios de débitos não tributários são um exemplo de créditos que, não
compensáveis, seriam de grande agilidade no sistema, favorecendo de forma
tremendamente correta as relações dos contribuintes com o fisco.
Outro dispositivo permissivo da compensação é o 74 da Lei 9.430/96, que dispõe
que:

“Art. 74. O sujeito passivo que apurar crédito, inclusive os judiciais com trânsito
em julgado, relativo a tributo ou contribuição administrado pela Secretaria da
Receita Federal, passível de restituição ou de ressarcimento, poderá utilizá-lo na
compensação de débitos próprios relativos a quaisquer tributos e contribuições
administrados por aquele Órgão.
§ 1o A compensação de que trata o caput será efetuada mediante a entrega, pelo
sujeito passivo, de declaração na qual constarão informações relativas aos créditos
utilizados e aos respectivos débitos compensados.
§ 2o A compensação declarada à Secretaria da Receita Federal extingue o crédito
tributário, sob condição resolutória de sua ulterior homologação.
§ 3o Além das hipóteses previstas nas leis específicas de cada tributo ou
contribuição, não poderão ser objeto de compensação mediante entrega, pelo
sujeito passivo, da declaração referida no § 1o:
I - o saldo a restituir apurado na Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda
da Pessoa Física;
II - os débitos relativos a tributos e contribuições devidos no registro da
Declaração de Importação.
III - os débitos relativos a tributos e contribuições administrados pela Secretaria da
Receita Federal que já tenham sido encaminhados à Procuradoria-Geral da
Fazenda Nacional para inscrição em Dívida Ativa da União;
IV - o débito consolidado em qualquer modalidade de parcelamento concedido
pela Secretaria da Receita Federal - SRF;
V - o débito que já tenha sido objeto de compensação não homologada, ainda que a
compensação se encontre pendente de decisão definitiva na esfera administrativa; e
VI - o valor objeto de pedido de restituição ou de ressarcimento já indeferido pela
autoridade competente da Secretaria da Receita Federal - SRF, ainda que o pedido
se encontre pendente de decisão definitiva na esfera administrativa.
§ 4o Os pedidos de compensação pendentes de apreciação pela autoridade
administrativa serão considerados declaração de compensação, desde o seu
protocolo, para os efeitos previstos neste artigo.
§ 5o O prazo para homologação da compensação declarada pelo sujeito passivo
será de 5 (cinco) anos, contado da data da entrega da declaração de compensação.
§ 6o A declaração de compensação constitui confissão de dívida e instrumento
hábil e suficiente para a exigência dos débitos indevidamente compensados.
§ 7o Não homologada a compensação, a autoridade administrativa deverá
cientificar o sujeito passivo e intimá-lo a efetuar, no prazo de 30 (trinta) dias,
contado da ciência do ato que não a homologou, o pagamento dos débitos
indevidamente compensados.
§ 8o Não efetuado o pagamento no prazo previsto no § 7 o, o débito será
encaminhado à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional para inscrição em Dívida
Ativa da União, ressalvado o disposto no § 9o.
§ 9o É facultado ao sujeito passivo, no prazo referido no § 7o, apresentar
manifestação de inconformidade contra a não-homologação da compensação.

Michell Nunes Midlej Maron 39


EMERJ – CP II Direito Tributário II

§ 10. Da decisão que julgar improcedente a manifestação de inconformidade


caberá recurso ao Conselho de Contribuintes.
§ 11. A manifestação de inconformidade e o recurso de que tratam os §§ 9 o e 10
obedecerão ao rito processual do Decreto n o 70.235, de 6 de março de 1972, e
enquadram-se no disposto no inciso III do art. 151 da Lei n o 5.172, de 25 de
outubro de 1966 - Código Tributário Nacional, relativamente ao débito objeto da
compensação.
§ 12. Será considerada não declarada a compensação nas hipóteses:
I - previstas no § 3o deste artigo;
II - em que o crédito:
a) seja de terceiros;
b) refira-se a "crédito-prêmio" instituído pelo art. 1 o do Decreto-Lei no 491, de 5 de
março de 1969;
c) refira-se a título público;
d) seja decorrente de decisão judicial não transitada em julgado; ou
e) não se refira a tributos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita
Federal - SRF.
§ 13. O disposto nos §§ 2o e 5o a 11 deste artigo não se aplica às hipóteses previstas
no § 12 deste artigo.
§ 14. A Secretaria da Receita Federal - SRF disciplinará o disposto neste artigo,
inclusive quanto à fixação de critérios de prioridade para apreciação de processos
de restituição, de ressarcimento e de compensação.”

Vê-se, em suma, que a compensação é bastante restrita, hoje, mas quando cabível,
certamente é a melhor alternativa à extinção do crédito, especialmente se confrontada com
a alternativa da repetição do indébito, pois o contribuinte, ao invés de ter que encarar a
repetição e a subseqüente via crucis pelo recebimento do precatório, resolve desde logo sua
situação.
O REsp 746.574, abordando as hipóteses do artigo 66 da Lei 8.383/91, trouxe uma
interpretação inovadora da compensação, referente ao momento em que pode ser argüida:
admitiu a possibilidade de requerimento de compensação em sede de embargos à execução
fiscal. Veja:

“PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL.


COMPENSAÇÃO. ALEGAÇÃO EM SEDE DE EMBARGOS À EXECUÇÃO
FISCAL. POSSIBILIDADE. ART. 66 DA LEI N.º 8.383/91. PRECEDENTES DA
CORTE.
1. A compensação tributária, após as recentes alterações levadas a efeito na
legislação de regência, adquiriu a natureza de direito subjetivo do contribuinte.
2. Deveras, o § 3.º do art. 16 da Lei de Execução Fiscal (Lei n.º 6.830/80)
proscreve, de modo expresso, a compensação em sede de embargos do devedor.
Referido óbice, todavia, restou a ser superado por esta Corte Superior, em
decorrência do advento da Lei n.º 8.383/91, pelo que considera-se lícita a discussão
acerca da compensação também nos embargos à execução, desde que se trate de
crédito líquido e certo, como o resultante de declaração de inconstitucionalidade da
exação, bem como quando existente lei específica permissiva da compensação
(Precedentes: EREsp n.º 438.396/RS, Primeira Seção, Rel. Min. Humberto
Martins, DJU de 28/08/2006; REsp n.º 611.463/RS, Primeira Turma, Rel. Min.
Denise Arruda, DJU de 25/05/2006; REsp n.º 720.060/SC, Primeira Turma, Rel.
Min. Francisco Falcão, DJU de 19/02/2005; REsp n.º 785.081/RS, Segunda Turma,
Rel. Min. Castro Meira, DJU de 21/11/2005; e REsp n.º 624.401/RS, Segunda
Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJU de 15/08/2005).
3. Recurso especial provido.”

Michell Nunes Midlej Maron 40


EMERJ – CP II Direito Tributário II

A concepção de que a compensação é um direito subjetivo da parte, quando


preenchidos os requisitos legais, é um entendimento bastante técnico e benéfico ao
contribuinte, e ao Estado democrático de direito como um todo.
Surge uma questão: poderia, o contribuinte que triunfou numa ação de repetição de
indébito, pedir ao juízo que ao invés de ingressar com a condenação da Fazenda no sistema
dos precatórios, compensasse desde logo o seu crédito diante de eventuais débitos que
tenha perante a Fazenda sucumbente?
A questão é mais processual do que material: o pedido não pode ser alterado após o
trânsito em julgado da decisão, o que impossibilita esta compensação, nesta fase. Mas veja
que a lei autoriza esta compensação – como dito, é um direito subjetivo da parte –, pelo que
o contribuinte poderá realizar a compensação pelas próprias mãos, e se a Fazenda se
opuser, levantará contra ela a sentença a si favorável – o fisco que ajuíze a executiva fiscal,
se quiser, caso em que a sentença servirá de argumento, certamente triunfante, em sede de
embargos à execução.

1.2. Transação

Transação é meio de terminação de um litígio, que se opera através de concessões


mútuas. No CTN, vem como forma de extinção do crédito tributário, e é tratada no artigo
171:

“Art. 171. A lei pode facultar, nas condições que estabeleça, aos sujeitos ativo e
passivo da obrigação tributária celebrar transação que, mediante concessões
mútuas, importe em determinação de litígio e conseqüente extinção de crédito
tributário.
Parágrafo único. A lei indicará a autoridade competente para autorizar a transação
em cada caso.”

A transação só pode ser autorizada em lei, como já se viu no artigo 97, VI, do CTN.
É um instituto bastante pouco factível, pela só razão de que o contribuinte não tem
muitas armas para que a Fazenda se interesse em com ele transacionar. A obrigação
tributária é ex lege, em todos os seus aspectos, o que permite apenas que o contribuinte se
insurja contra a legalidade do ato, mas sem muitas chances de transacionar.
Para efeito de ilustração, imagine-se que haja fundadas dúvidas, tanto do
contribuinte quanto do fisco, sobre um determinado quantum de tributação: é caso em que
poderão, se a lei permitir, transacionar e chegar a um consenso. Mas repita-se: é situação
rara, pois havendo discordância, a Fazenda sempre tende a fazer prevalecer seu
entendimento, cabendo ao contribuinte apensa questionar, litigiosamente, a legalidade da
exação.
É importante perceber que a transação importa em renúncia a direito público, e por
isso é que demanda lei que a autorize.

1.3. Remissão

O artigo 172 do CTN é a sede desta modalidade de extinção do crédito tributário:

“Art. 172. A lei pode autorizar a autoridade administrativa a conceder, por


despacho fundamentado, remissão total ou parcial do crédito tributário, atendendo:

Michell Nunes Midlej Maron 41


EMERJ – CP II Direito Tributário II

I - à situação econômica do sujeito passivo;


II - ao erro ou ignorância excusáveis do sujeito passivo, quanto a matéria de fato
III - à diminuta importância do crédito tributário;
IV - a considerações de eqüidade, em relação com as características pessoais ou
materiais do caso;
V - a condições peculiares a determinada região do território da entidade tributante.
Parágrafo único. O despacho referido neste artigo não gera direito adquirido,
aplicando-se, quando cabível, o disposto no artigo 155.”

A remissão, que só vem autorizada por lei, consiste na extinção do principal, dos
consectários e das penalidades referentes a um tributo, se for total; mas pode ser parcial,
liberando o devedor de apenas parte dos seus encargos.
A remissão atende a diversos requisitos para que não recaia, como diz Ricardo Lobo
Torres, em um privilégio odioso, algo que não se justifica. Se a regra geral – que é o
recolhimento do tributo – será excepcionada, esta deve o ser sob fundamentos legítimos,
justificadamente criando este privilégio, pois do contrário é uma exceção, um privilégio
injustificado.
Veja que as hipóteses deste artigo 172 são bastante subjetivas, e a sua aplicação
deve ser bem cautelosa. Hipótese bem comum e razoável é a do inciso III: créditos há que,
de tão diminutos, os seus procedimentos de cobrança são mais dispendiosos do que o
próprio crédito a ser recebido, caso em que a remissão se demonstra a melhor solução.
A remissão não se confunde com a isenção, que é forma de exclusão do crédito
tributário, e não de extinção. Excluir o crédito é deixar de constituí-lo, deixar de realizar o
lançamento tributário – na remissão, perdão, o crédito já foi constituído. Da mesma forma,
a anistia, que também é exclusão do crédito, na qual se deixa de constituir apenas o crédito
referente a penalidades referentes ao crédito principal.

1.4. Conversão do depósito em renda

O depósito do montante integral é uma modalidade de suspensão do crédito


tributário. A sua conversão em renda da Fazenda, por sua vez, é meio de extinção do
crédito.
Quando se deposita, a fim de suspender a exigibilidade do crédito, é porque se
intenta discutir aquele crédito, em sua existência ou montante (ao contrário da consignação,
em que se quer, em regra, adimplir a obrigação para dela se liberar). Encerrada a discussão
carreada pelo depósito, se o contribuinte tem a razão, levanta o valor depositado; ao
contrário, se o contribuinte sair vencido na discussão, a lógica é que a Fazenda receba
aquele valor que lhe é devido – convertendo-se em renda e extinguindo o crédito.
Incrivelmente, já houve época em que a jurisprudência permitia ao contribuinte
derrotado levantar o depósito, de forma que a Fazenda tivesse que ajuizar uma executiva
fiscal para obter seu crédito. É claro que não pôde prevalecer: o valor depositado será, sim,
convertido em renda.

1.5. Decisão administrativa irreformável

O processo administrativo tributário não é uma exigência constitucional. Nada há


que garanta ao administrado sequer a sua existência. O que o artigo 5º, LV, da CRFB
garante é que, se houver processo administrativo instituído, garante-se a ampla defesa e o

Michell Nunes Midlej Maron 42


EMERJ – CP II Direito Tributário II

contraditório, mas não significa que o processo deva obrigatoriamente ser instituído pela
administração. Apenas a via judicial é de existência inafastável.

“(...)
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em
geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a
ela inerentes;
(...)”

Esta introdução foi necessária porque o que mais se discute, neste tópico, é a
constitucionalidade das condicionantes recursais da via administrativa, o famigerado
depósito recursal.
Em meados de 1990, surgiu, por meio de uma medida provisória, a necessidade de
que o litigante em via administrativa, para recorrer à segunda instância administrativa,
depositasse trinta por cento do montante discutido. Instado a se manifestar sobre a
constitucionalidade deste recurso, o STF entendeu-o perfeitamente constitucional, em
primeiro momento.
Amenizando a pressão sobre os contribuintes, o artigo 33 do Decreto 70.235/72, no
§ 2º, transformou esta condicionante em mero arrolamento de bens e direitos equivalentes a
estes trinta por cento. Mas ainda mais recente foi a alteração promovida pela ADI 1.976-7,
na qual o STF firmou o entendimento de que este depósito, ou o arrolamento dos bens, é
inconstitucional, acabando por extirpar o § 2º do ordenamento. Veja este artigo 33 com as
respectivas alterações tachadas:

“Art. 33. Da decisão caberá recurso voluntário, total ou parcial, com efeito
suspensivo, dentro dos trinta dias seguintes à ciência da decisão.
Parágrafo único. No caso em que for dado provimento a recurso de ofício, o prazo
para interposição de recurso voluntário começará a fluir a partir da ciência, pelo
sujeito passivo, de decisão proferida no julgamento do recurso de ofício.
§ 1o No caso de provimento a recurso de ofício, o prazo para interposição de
recurso voluntário começará a fluir da ciência, pelo sujeito passivo, da decisão
proferida no julgamento do recurso de ofício.
§ 2o Em qualquer caso, o recurso voluntário somente terá seguimento se o
recorrente arrolar bens e direitos de valor equivalente a 30% (trinta por cento) da
exigência fiscal definida na decisão, limitado o arrolamento, sem prejuízo do
seguimento do recurso, ao total do ativo permanente se pessoa jurídica ou ao
patrimônio se pessoa física.
§ 3o O arrolamento de que trata o § 2 o será realizado preferencialmente sobre bens
imóveis.
§ 4o O Poder Executivo editará as normas regulamentares necessárias à
operacionalização do arrolamento previsto no § 2o.”

Veja a ementa da ADI 1.976-7:

“EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 32, QUE


DEU NOVA REDAÇÃO AO ART. 33, § 2º, DO DECRETO 70.235/72 E ART. 33,
AMBOS DA MP 1.699-41/1998. DISPOSITIVO NÃO REEDITADO NAS
EDIÇÕES SUBSEQUENTES DA MEDIDA PROVISÓRIA TAMPOUCO NA LEI
DE CONVERSÃO. ADITAMENTO E CONVERSÃO DA MEDIDA
PROVISÓRIA NA LEI 10.522/2002. ALTERAÇÃO SUBSTANCIAL DO
CONTEÚDO DA NORMA IMPUGNADA. INOCORRÊNCIA. PRESSUPOSTOS
DE RELEVÂNCIA E URGÊNCIA. DEPÓSITO DE TRINTA PORCENTO DO

Michell Nunes Midlej Maron 43


EMERJ – CP II Direito Tributário II

DÉBITO EM DISCUSSÃO OU ARROLAMENTO PRÉVIO DE BENS E


DIREITOS COMO CONDIÇÃO PARA A INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
ADMINISTRATIVO. PEDIDO DEFERIDO. Perda de objeto da ação direta em
relação ao art. 33, caput e parágrafos, da MP 1.699-41/1998, em razão de o
dispositivo ter sido suprimido das versões ulteriores da medida provisória e da lei
de conversão. A requerente promoveu o devido aditamento após a conversão da
medida provisória impugnada em lei. Rejeitada a preliminar que sustentava a
prejudicialidade da ação direta em razão de, na lei de conversão, haver o depósito
prévio sido substituído pelo arrolamento de bens e direitos como condição de
admissibilidade do recurso administrativo. Decidiu-se que não houve, no caso,
alteração substancial do conteúdo da norma, pois a nova exigência contida na lei
de conversão, a exemplo do depósito, resulta em imobilização de bens. Superada a
análise dos pressupostos de relevância e urgência da medida provisória com o
advento da conversão desta em lei. A exigência de depósito ou arrolamento prévio
de bens e direitos como condição de admissibilidade de recurso administrativo
constitui obstáculo sério (e intransponível, para consideráveis parcelas da
população) ao exercício do direito de petição (CF, art. 5º, XXXIV), além de
caracterizar ofensa ao princípio do contraditório (CF, art. 5º, LV). A exigência de
depósito ou arrolamento prévio de bens e direitos pode converter-se, na prática, em
determinadas situações, em supressão do direito de recorrer, constituindo-se,
assim, em nítida violação ao princípio da proporcionalidade. Ação direta julgada
procedente para declarar a inconstitucionalidade do art. 32 da MP 1699-41 -
posteriormente convertida na lei 10.522/2002 -, que deu nova redação ao art. 33, §
2º, do Decreto 70.235/72.”

Outra importante discussão neste tema é se poderia ou não o próprio fisco socorrer-
se do Judiciário para impugnar decisão administrativa irreformável que lhe tenha sido
desfavorável – ou seja, sua própria decisão.
Há duas teses. A tese fazendária defende, em suma, que a inafastabilidade do
Judiciário, prevista constitucionalmente, estende-se também à Fazenda, e por isso a
discussão não poderia deixar de ser apreciada judicialmente. A segunda corrente, ao
contrário, defende que não há interesse processual nesta ação judicial, porque se estaria
impugnando decisão por si própria proferida – nemo potest venire contra factum proprium.
E mais: esta segunda tese argumenta que, como a decisão administrativa é causa de
extinção do crédito tributário, sua discussão estaria tendo o condão de reviver,
arbitrariamente, o crédito que já fora extinto.
É claro que se a decisão for contrária ao contribuinte, esta discussão não se suscita.
O Judiciário está sempre à sua disposição.

1.6. Dação de bens em pagamento

Incluída como modalidade de extinção do crédito tributário pela Lei Complementar


104/01, no inciso XI do artigo 156 do CTN.
A particularidade desta dação é que somente podem ser dados em pagamento dos
tributos bens imóveis.
Um caso peculiar foi o de uma lei do Distrito Federal que permitiu a dação em
pagamento de tributos por meio de entrega de materiais de que a administração publica
precisasse, de qualquer espécie, como materiais de escritório, insumos para obras, etc. Esta
lei foi posta em discussão na ADI 1.917, que foi julgada procedente por entender que a lei
ofendia o princípio da licitação. Veja a ementa:

Michell Nunes Midlej Maron 44


EMERJ – CP II Direito Tributário II

“EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUICIONALIDADE. OFENSA AO


PRINCÍPIO DA LICITAÇÃO (CF, ART. 37, XXI). I - Lei ordinária distrital -
pagamento de débitos tributários por meio de dação em pagamento. II - Hipótese
de criação de nova causa de extinção do crédito tributário. III - Ofensa ao princípio
da licitação na aquisição de materiais pela administração pública. IV -
Confirmação do julgamento cautelar em que se declarou a inconstitucionalidade da
lei ordinária distrital 1.624/1997.”

Casos Concretos

Questão 1

JOÃO CARLOS pretende ver compensado o seu crédito de FINSOCIAL, com os


valores devidos à Fazenda Nacional de COFINS, CSLL e PIS, o que é prontamente negado
pela autoridade fazendária, em virtude de as referidas exações não serem idênticas.
Tendo em conta a negativa, JOÃO CARLOS ajuíza no juízo competente uma ação
ordinária, pretendendo ver a União condenada a efetuar a extinção de parte do crédito
tributário, na mesma forma pedida administrativamente.
A União, em sua defesa, continua alegando não se tratar de tributos idênticos.

Michell Nunes Midlej Maron 45


EMERJ – CP II Direito Tributário II

Levando em consideração que os valores de todas as contribuições acima são


datados de diversos períodos compreendidos entre os anos de 1990 e 2006, responda
fundamentadamente, sem levar em conta eventuais prescrições de créditos, a quem cabe
razão, traçando um breve histórico sobre a sucessão das normas que tratam da matéria.

Resposta à Questão 1

A resposta é claramente dada pelo STJ, no REsp 720.966:

“TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL – COMPENSAÇÃO DE TRIBUTOS


DE ESPÉCIES DIVERSAS – LEIS 8.383/91, 9.430/96 E 10.637/02 – DIREITO
SUPERVENIENTE.
1. A Primeira Seção reconhece que a legislação em matéria de compensação
evoluiu a partir da Lei 8.383/91, passando pela Lei 9.430/96, até o advento da Lei
10.637/02.
2. Na vigência da Lei 8.383/91, somente é possível a compensação de tributos e
contribuições federais, inclusive previdenciárias, vincendas e da mesma espécie,
nos casos de pagamento indevido ou a maior.
3. Com o advento da Lei 9.430/96, o legislador permitiu que a Secretaria da
Receita Federal, atendendo a requerimento do contribuinte, autorizasse a utilização
de créditos a serem restituídos ou ressarcidos para a quitação de quaisquer tributos
e contribuições sob sua administração.
4. A Lei 10.637/02 (que deu nova redação ao art. 74 da Lei 9.430/96), possibilitou
a compensação de créditos, passíveis de restituição ou ressarcimento, com
quaisquer tributos ou contribuições administrados pela Secretaria da Receita
Federal, independentemente de requerimento do contribuinte.
5. A compensação é regida pela lei vigente na data do ajuizamento da ação (com a
ressalva do entendimento da Relatora).
6. A ausência de prequestionamento constitui-se óbice incontornável, sendo
possível ao STJ apreciar a demanda apenas à luz da legislação examinada nas
instâncias ordinárias.
7. Hipótese em que é de absoluta legalidade a aplicação da compensação pela Lei
n. 9.430/96, devidamente prequestionada, sem retroação à Lei 8.383/91.
8. Recurso especial provido.”

Se a compensação for pleiteada hoje, é possível, diante da redação dada pela Lei
10.637/02, mas se requerida sob a vigência da Lei 8.383/91, não seria admissível. Antes de
1990, então, sequer poderia ser compensado qualquer tipo de crédito.
Há ainda a possibilidade de se ajuizar mandado de segurança como forma de
garantir a compensação tributária, como garante a súmula 213 do STJ:
“Súmula 213, STJ: O mandado de segurança constitui ação adequada para a
declaraçãodo direito à compensação tributária.

Questão 2

ORIGAMI ARRANJOS FLORAIS LTDA., devedora de ICMS, obteve a suspensão


do crédito tributário, através de processo administrativo junto à Fazenda Estadual,
comprometendo-se a saldar seu débito em 24 parcelas mensais consecutivas. Por
problemas financeiros decorrentes de retração do mercado, não teve condições de honrar
seu compromisso, o que a fez interromper o pagamento das parcelas mensais. Decorrido
mais de um ano, tendo melhorado os negócios, reassume o pagamento das parcelas

Michell Nunes Midlej Maron 46


EMERJ – CP II Direito Tributário II

mensais de sua dívida de ICMS.É surpreendida com a exigência de pagamento de multa e


juros sobre as parcelas em atraso. Ingressa com ação na Justiça Estadual, visando ou
desconstituir a nova obrigação tributária de pagamento de juros e multa imposta pela
Fazenda Estadual, ou, alternativamente, obter a remissão do débito decorrente do atraso.
Responda às seguintes questões, fundamentando seu posicionamento:
a) Pode-se considerar a obrigação tributária de pagamento de juros e multa como
uma nova obrigação tributária, ou trata-se de obrigação tributária acessória?
b) A exigência de pagamento de juros e multa em parcelamento de crédito
tributário é legal? Em caso afirmativo, qual é o objetivo pretendido com o ônus
adicional imposto ao contribuinte?
c) O Juiz a quo, observadas as condições em que ocorreu o atraso do parcelamento
da dívida, pode decidir pela concessão da remissão de juros e multa, cobrados pela
Fazenda Estadual, do débito?

Resposta à Questão 2

a) Não se trata de obrigação tributária acessória: é uma obrigação decorrente da


principal, ligada a esta, mas não se amolda ao conceito estrito de obrigação
acessória do artigo 113, § 2º, do CTN: é acessória porque ligada à principal, mas
não sob o conceito estrito legal de obrigação tributária acessória.

b) A cobrança de multa e os juros é legal, e mais do que isso, é obrigatória, na


forma do artigo 155-A do CTN. O objetivo é desestimular a inadimplência, e
remunerar o capital que deixou de estar à disposição do fisco.

c) Não. Estas são incumbências legiferantes, cabíveis ao Legislativo, somente.

O TJ/RJ, na Apelação Cível 1999.001.07618, assim se posicionou:

“CORRECAO MONETARIA, SUA FINALIDADE E REPOR, A MOEDA, O


VALOR AQUISITIVO PERDIDO COM A INFLACAO, EVITANDO A
EXTINCAO DO CREDITO, PELA CONJUGACAO DOS ACESSORIOS DA
MORA, OU JUROS E MULTA. DEBITO TRIBUTARIO. NA ESPECIE, HOUVE
PARCELAMENTO DO DEBITO DE ICMS, NAO CUMPRIDO PELO APTE,
IMPONDO-SE, POIS, CORRECAO MONETARIA, DEBITO TRIBUTARIO
QUE E. REMISSAO DE DEBITO SO POR LEI. APELO IMPROVIDO.”
Questão 3

Em maio de 2007, PORCAS AUTOPEÇAS LTDA recorre judicialmente para ver


compensados valores referentes ao PIS recolhidos a maior, referentes aos exercícios de
2000 a 2007, com valores referentes à mesma contribuição que lhe cobrava a Fazenda
nacional. Responda fundamentadamente:
a) se tal compensação é cabível;
b) É devida a inclusão de expurgos inflacionários na repetição? Em caso positivo,
sob que taxas?
c) Incidem juros compensatórios na restituição ou compensação dos créditos
tributários?

Michell Nunes Midlej Maron 47


EMERJ – CP II Direito Tributário II

Resposta à Questão 3

a) Sim, desde 2002, com a Lei 10.637.

b) É devida a correção monetária sim, e a taxa é, atualmente, a Selic.

c) Não, apenas juros indenizatórios. O artigo 167 do CTN fala apenas em


juros moratórios.

Veja o que diz o STJ, no REsp 760.552:

“TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. FINSOCIAL.


PRESCRIÇÃO. COMPENSAÇÃO. LEI N. 8.383/91. CORREÇÃO
MONETÁRIA. EXPURGOS INFLACIONÁRIOS. JUROS
COMPENSATÓRIOS. ART. 161 DO CTN. NÃO-INCIDÊNCIA. HONORÁRIOS
DE ADVOGADO. SÚMULA N. 7/STJ.
1. Na hipótese de tributo sujeito a lançamento por homologação, o prazo para a
propositura da ação de repetição de indébito é de 10 (dez) anos a contar do fato
gerador, se a homologação for tácita (tese dos "cinco mais cinco"), e, de 5 (cinco)
anos a contar da homologação, se esta for expressa. Precedente.
2. A teor do disposto no art. 66 da Lei n. 8.383/91, apenas pode haver compensação
entre tributos da mesma espécie que possuam a mesma destinação constitucional.
Desse modo, afigura-se viável a compensação do Pis com parcelas do próprio Pis.
3. É devida a inclusão dos expurgos inflacionários na repetição de indébito,
utilizando-se: a) o IPC, no período de jan/89 a jan/91; b) o INPC, de fev/91 a
dez/91; e c) a Ufir, de jan/92 a dez/95.Inaplicável, por conseguinte, o IGP-M nos
meses de julho e agosto/94.
4. Na repetição de indébito, com o advento da Lei n. 9.250/95, a partir de 1º/1/96,
os juros passaram a ser devidos de acordo com a taxa Selic, não mais tendo
aplicação o art. 161, § 1º, e art. 167, parágrafo único, do CTN.
5. Não incidem juros compensatórios na restituição ou compensação de crédito
tributário. Precedentes.
6. Em face do óbice contido na Súmula n. 7 desta Corte, mostra-se inviável, em
sede de recurso especial, revisar os critérios fáticos utilizados pelo julgador para o
arbitramento do quantum devido a título de verba honorária.
7. Recurso especial conhecido em parte e parcialmente provido.”

Tema V

Extinção do crédito Tributário III 1. Prescrição. Artigo 174 do CTN; 2. Conceito; 3. Analogia com o Direito
Civil; 4. Questões controvertidas. Jurisprudência. Doutrina.

Notas de Aula11

1. Prescrição e decadência

Como institutos de direito tributário, prescrição e decadência são tratados, quanto


aos efeitos, de forma idêntica: ambos são causadores da extinção do crédito tributário, na
forma do já transcrito artigo 156 do CTN.
11
Aula proferida pelo professor Antônio Henrique Correa da Silva, em 12/11/2008.

Michell Nunes Midlej Maron 48


EMERJ – CP II Direito Tributário II

Na relação tributária, a decadência e a prescrição existem nas duas faces da


obrigação: tanto o fisco se vê na contingência de prazos tais, para recebimento do seu
crédito, quanto o contribuinte também a eles se sujeita, para restituir-se de eventuais
pagamentos a maior, ou impugnar tributos que crê não dever e que lhe são exigidos.
Antes de amiudarmo-nos no estudo das inflexões tributárias destes institutos, é
interessante trazer um estudo sobre a generalidade do instituto, que, como se sabe, tem
origem e tratamento bastante completo no direito privado.
A prescrição e a decadência correspondem à concorrência de dois requisitos básicos,
comuns a ambos os institutos: a inércia do titular de um direito e o decurso do tempo. Se ao
longo do tempo o direito não for exercido, ou a pretensão não for exigida, dar-se-á a
prescrição ou a decadência.
A distinção entre estes institutos pode ser referente a seu objeto, ou seja, referente
ao que é que extinguem: a prescrição extingue a pretensão a ver seu direito atendido,
enquanto a decadência extingue o próprio direito que não foi exercido por aquele a quem
era facultado o exercício. Esta diferenciação perde um pouco do apelo, em direito
tributário, vez que, como dito, ambos extinguem o crédito tributário. Mas há quem critique
esta concepção normativa, pelo seguinte: se a decadência extingue o direito, pois que, uma
vez constituído, não se exerceu em prazo hábil, como poderia extinguir algo que ainda não
se constituiu? A decadência, na verdade, faz incidir prazo para que o fisco constitua o seu
crédito; se corrido in albis, a decadência, na verdade, impede que o crédito tributário
nasça, e não o extingue, pois simplesmente não há o que ser extinto, se nem nascido foi.
A distinção entre o próprio direito e a pretensão a um direito é significativa. Quando
se diz que a decadência extingue um direito, significa que este direito, assim que definido
em lei, traz consigo, desde já, o gérmen da sua própria extinção pelo decurso do tempo. Por
isso, diz-se que o prazo de decadência representa uma forma intrínseca de extinção do
direito, o que faz com que este prazo seja aplicado de forma taxativa, bem restritivamente,
apenas quando a lei o fixar – se a lei não cria o prazo decadencial, simplesmente o direito
jamais caducará.
A prescrição, ao contrário, não surge conjuntamente com o direito. Ela não é
intrínseca ao direito, sendo causa que extingue a exigibilidade de um direito subjetivo
perante quem o deva satisfazer. É uma causa externa, fixada em termos gerais, estabelecida
na lei para as categorias de pretensões existentes. A regra, diga-se, é a prescritibilidade de
qualquer pretensão, sendo instituto que se interpreta ampliativamente, com busca
subsidiária em diversos critérios de prescrição, quando não houver prazo expresso.
Há que se cogitar, também, da distinção quanto à natureza do direito afetado pela
prescrição e pela decadência. A prescrição é tida por causa de extinção do direito subjetivo,
enquanto a decadência extingue um direito potestativo. Há direito subjetivo quando se
exige de uma outra pessoa o cumprimento de uma prestação, ou seja, é um direito que
corresponde a um dever jurídico de outra pessoa. É por assim ser, por depender do
cumprimento de um dever jurídico, que o direito subjetivo pode ser violado, gerando para o
seu titular a pretensão a que este seja satisfeito – pretensão de compelir alguém ao
cumprimento de uma prestação. Na esfera tributária, há pretensão em cobrar o
adimplemento do crédito tributário, em que o fisco, credor, tem a pretensão de exigir o
pagamento do contribuinte inadimplente, pretensão sujeita, portanto, a prazo prescricional.
Já o direito potestativo, por seu turno, não pressupõe nenhuma prestação alheia: é
um direito de sujeitar alguém a sua faculdade. É um poder jurídico de sujeitar alguém a

Michell Nunes Midlej Maron 49


EMERJ – CP II Direito Tributário II

uma determinada situação, sem depender de sua vontade ou de qualquer manifestação de


quem se subjuga. No campo tributário, é direito potestativo do fisco, por exemplo,
constituir o seu crédito tributário, efetuando o lançamento, sem depender de qualquer
conduta do sujeito passivo para exercer este seu direito, seu poder. Simplesmente sujeita o
contribuinte ao lançamento, ao crédito tributário que entende devido. Por isso, o prazo para
lançar o tributo é decadencial.
Há ainda a diferença que pode ser traçada quanto à prestação jurisdicional entregue
em um ou outro caso. Quando o direito subjetivo é invocado, a prestação jurisdicional é
eminentemente condenatória do devedor: ela condena-o a realizar a prestação devida.
Quando o que se invoca é direito potestativo, não há sentença condenatória: a prestação
jurisdicional é constitutiva (ou desconstitutiva), apenas instituindo a situação jurídica a que
o titular do direito faz jus – vez que não há prestação a ser cumprida pelo sujeito passivo.
A pretensão de exigir o crédito é um direito subjetivo, como dito; a pretensão
executiva, igualmente, é uma pretensão “pós-condenatória” satisfativa de forma real.
Quando se trata de sentença constitutiva, não há que se executar, pois como dito é uma
providência que, em si mesma, altera a situação do sucumbente, vez que não é preciso que
este faça nada para ter-se sujeitado à situação consolidada na sentença.
Haveria distinção também quanto à existência de causas que suspendem ou
interrompem a prescrição, mas não a decadência. Ocorre que esta distinção, hoje, não mais
tem relevo, porque o Código Civil estabelece aberturas a que a lei estabeleça causas de
suspensão e interrupção também para casos de decadência – o que afeta o conceito também
na esfera tributária.
Anteriormente, ainda se dizia que a prescrição era regida por interesses privados,
motivo pelo qual não era cognoscível de ofício, enquanto a decadência, de ordem pública,
assim podia ser conhecida pelo juiz. Hoje, como é cediço, não mais se vê tal diferença,
diante da alteração desta concepção no CPC. No direito tributário, menos sentido ainda
fazia tal diferença: toda e qualquer matéria referente à constituição e exigibilidade do
crédito tributário é permeada pelo interesse público.
Há duas linhas de prazos de prescrição e decadência a serem analisadas: a dos
prazos que correm contra o fisco, e a dos que correm contra o contribuinte.
Os artigos 173 e 174 do CTN trazem os prazos genéricos, respectivamente, de
constituição (decadenciais) e exigência (prescricionais) do crédito tributário:
“Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se
após 5 (cinco) anos, contados:
I - do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter
sido efetuado;
II - da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício
formal, o lançamento anteriormente efetuado.
Parágrafo único. O direito a que se refere este artigo extingue-se definitivamente
com o decurso do prazo nele previsto, contado da data em que tenha sido iniciada a
constituição do crédito tributário pela notificação, ao sujeito passivo, de qualquer
medida preparatória indispensável ao lançamento.”

“Art. 174. A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos,
contados da data da sua constituição definitiva.
Parágrafo único. A prescrição se interrompe:
I – pelo despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal;
II - pelo protesto judicial;
III - por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor;

Michell Nunes Midlej Maron 50


EMERJ – CP II Direito Tributário II

IV - por qualquer ato inequívoco ainda que extrajudicial, que importe em


reconhecimento do débito pelo devedor.”

A matéria é dada à reserva de lei complementar, como dispõe o artigo 146, III, “b”,
da CRFB, sendo de conteúdo materialmente complementar.

“Art. 146. Cabe à lei complementar:


(...)
III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente
sobre:
(...)
b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;
(...)”

Esta informação é importante, especialmente diante da discussão que outrora se


instalara sobre a Lei 8.212/91, regulamentar do custeio da seguridade social, que nos
artigos 45 e 46 estabeleceu prazo de dez anos para decadência e prescrição, referente aos
créditos previdenciários:

“Art. 45. O direito da Seguridade Social apurar e constituir seus créditos extingue-
se após 10 (dez) anos contados:
(...)”

“Art. 46. O direito de cobrar os créditos da Seguridade Social, constituídos na


forma do artigo anterior, prescreve em 10 (dez) anos.”

Ocorre que estas previsões foram tidas por inconstitucionais, porque aviltavam
diretamente a reserva de lei complementar constitucionalmente imposta ao tema, gerando a
recente edição da súmula vinculante 8:

“Súmula vinculante 8, STF: São inconstitucionais o parágrafo único do artigo 5º do


Decreto-Lei nº 1.569/1977 e os artigos 45 e 46 da Lei nº 8.212/1991, que tratam de
prescrição e decadência de crédito tributário.”

Fora da esfera tributária, não há nenhum problema em que leis ordinárias fixem
prazos prescricionais ou decadenciais, ou tratem da matéria de qualquer forma. Bom
exemplo é o do FGTS, contribuição trabalhista sem natureza tributária, que pode seguir
legislação alheia ao CTN, e o faz, sendo o seu prazo prescricional de trinta anos, segundo a
súmula 210 do STJ:

“Súmula 210, STJ: A ação de cobrança das contribuições para o FGTS prescreve
em trinta (30) anos.”

Quando a dívida não-tributária não receber prazo prescricional específico, qual será
o prazo aplicável, vez que a regra é a prescritibilidade?
A jurisprudência, por muito tempo, entendeu que se aplicava o prazo geral de dez
anos, do artigo 205 do Código Civil:

“Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo
menor.”

Michell Nunes Midlej Maron 51


EMERJ – CP II Direito Tributário II

Atualmente, porém, para as matérias administrativas mas não tributárias, o STJ tem
entendido que se aplica analogicamente o prazo do artigo 1º do Decreto 20.910/32, também
de cinco anos:

“Art. 1º - As Dividas Passivas Da União, Dos Estados E Dos Municípios, Bem


Assim Todo E Qualquer Direito Ou Ação Contra A Fazenda Federal, Estadual Ou
Municipal, Seja Qual For A Sua Natureza, Prescrevem Em Cinco Anos Contados
Da Data Do Ato Ou Fato Do Qual Se Originarem.”

Os prazos que se aplicam à Fazenda, em desfavor da Fazenda, se aplicam por


simetria, analogicamente, às pretensões dos particulares perante o fisco: se há cinco anos
para a Fazenda, há cinco anos para o particular, quando não especificamente expresso o
prazo para o débito não-tributário (FGTS, multas administrativas, etc).
Nas relações de natureza tributária, ocorrido o fato gerador, o fato imponível, surge
a relação jurídica tributária. Desde então, começa a correr o primeiro prazo relevante, que
vai desde o fato gerador até a efetiva constituição do crédito. Este prazo é o do artigo 173
do CTN, já transcrito. Vale perceber que, no parágrafo único deste artigo 173, o que se
previu foi a possibilidade de antecipação do dies a quo do prazo decadencial para o
momento em que algum ato de fiscalização daquele crédito for praticado pela Fazenda – do
contrário, o termo inicial segue o previsto nos incisos deste artigo.
É relevante, aqui, diferenciar as situações possíveis de acordo com os tipos de
lançamento tributário existentes. No lançamento de ofício, no qual o fisco apura e efetiva o
lançamento com a mínima participação do contribuinte, a decadência do direito de lançar
está apenas sob domínio do fisco.
Já no lançamento por homologação, no qual o contribuinte apura o crédito e a
Fazenda apenas confirma a sua correção, constituindo o crédito expressa ou tacitamente.
No lançamento por declaração, de seu lado, exige-se o máximo de participação do
contribuinte na apuração do crédito, recolhendo-se o tributo independentemente de que o
fisco aja ativamente na constituição do crédito; não há, hoje, lançamento puro por
declaração, sendo esta apenas um dever instrumental em relações jurídicas tributárias
sujeitas a outros lançamentos: o valor declarado e não pago, será automaticamente
constituído, inexistindo decadência (havendo apenas prescritibilidade da cobrança).
Imagine-se que o contribuinte tenha conseguido a suspensão da exigibilidade do
crédito, por algum meio. Diante desta suspensão, o fisco ainda pode lançar o tributo, pois é
seu direito potestativo fazê-lo. A suspensão não inibe o lançamento, sobremaneira porque o
prazo que regula este lançamento não é suscetível a suspensão e interrupção.
Algumas formas específicas de suspensão da exigibilidade substituem o
lançamento: se o contribuinte efetua o depósito do montante integral, o lançamento se torna
dispensável, vez que a jurisprudência o entende equivalente ao lançamento por
homologação – desde o depósito corre o prazo para o fisco homologar.
Uma vez efetuado o lançamento, qualquer que seja sua modalidade, está constituído
o crédito tributário, e com isso fulminada a decadência, e tem início a prescrição do direito
de exigi-lo neste mesmo momento. Mas veja que o curso da decadência também tem fim
com a mera notificação inicial do contribuinte de que o lançamento está em vias de ser
feito, sendo que este ato não dá início ao curso do prazo prescricional.
Suspensa a exigibilidade do crédito tributário, suspende-se o curso do prazo
prescricional, como regra. Se há processo administrativo tributário em curso, o prazo

Michell Nunes Midlej Maron 52


EMERJ – CP II Direito Tributário II

sequer começou a correr, e o decadencial já não mais está em curso. Mas veja que o
processo administrativo pode demorar muitos anos, o que gera uma situação de estranheza,
até agora insolúvel, em que nenhum dos prazos corre, e o crédito não é extinto por décadas.
Na Lei de Execuções Fiscais há uma previsão específica, no artigo 2º, § 3º, que
dispõe o seguinte:

“Art. 2º - Constitui Dívida Ativa da Fazenda Pública aquela definida como


tributária ou não tributária na Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, com as
alterações posteriores, que estatui normas gerais de direito financeiro para
elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos
Municípios e do Distrito Federal.
(...)
§ 3º - A inscrição, que se constitui no ato de controle administrativo da legalidade,
será feita pelo órgão competente para apurar a liquidez e certeza do crédito e
suspenderá a prescrição, para todos os efeitos de direito, por 180 dias, ou até a
distribuição da execução fiscal, se esta ocorrer antes de findo aquele prazo.
(...)”

Mas veja que a Lei 6.830/80 é lei ordinária. Esta interrupção por cento e oitenta dias
da prescrição, então, só se pode aplicar para créditos de natureza não-tributária, pois os
créditos fiscais de natureza tributária não podem ser regulamentados em lei ordinária – o
tratamento da prescrição tributária é reservado a lei complementar.
Quanto à interrupção da prescrição, o CTN traz, no parágrafo único do já transcrito
artigo 174, uma série de causas interruptivas. A primeira causa de interrupção é o despacho
do juiz que ordenar a citação em execução fiscal, o famoso despacho liminar de conteúdo
positivo, receptivo da inicial. Esta redação atual, que define como marco interruptivo o
“cite-se”, é recente, vez que anteriormente se exigia a efetiva citação para tanto. E veja que,
ajuizada a ação de execução fiscal, se o juiz demorar unilateralmente a expedir o “cite-se”,
o fisco não será prejudicado. A súmula 106 do STJ explica:

“Súmula 106, STJ: Proposta a ação no prazo fixado para o seu exercício, a demora
na citação, por motivos inerentes ao mecanismo da justiça, não justifica o
acolhimento da argüição de prescrição ou decadência.”

Diga-se, esta súmula é aplicável a qualquer ação judicial, e não apenas à execução
fiscal. E é claro que se a demora for imputável ao autor da ação, a prescrição se imporá.
Interrompida a prescrição ordinária, não tem reinício a contagem de seu prazo: não
passa, de imediato, a correr a chamada prescrição intercorrente. Este prazo somente
começará a correr quando se verificar, após o curso da execução fiscal, a inércia do credor
em haver seu crédito. Sobre esta prescrição intercorrente, veja o que dispõe o artigo 40 da
Lei 6.830/80:

“Art. 40 - O Juiz suspenderá o curso da execução, enquanto não for localizado o


devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, e, nesses casos,
não correrá o prazo de prescrição.
§ 1º - Suspenso o curso da execução, será aberta vista dos autos ao representante
judicial da Fazenda Pública.
§ 2º - Decorrido o prazo máximo de 1 (um) ano, sem que seja localizado o devedor
ou encontrados bens penhoráveis, o Juiz ordenará o arquivamento dos autos.
§ 3º - Encontrados que sejam, a qualquer tempo, o devedor ou os bens, serão
desarquivados os autos para prosseguimento da execução.

Michell Nunes Midlej Maron 53


EMERJ – CP II Direito Tributário II

§ 4o Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo


prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício,
reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato.”

Assim, se não forem encontrados bens ou o próprio devedor, o prazo ainda


permanece sustado por um ano, sem curso de prescrição. Desde o fim deste ano,
mandando-se arquivar os autos da execução, terá início, então, o curso da prescrição
intercorrente.
Como já se disse, esta lei é ordinária, e por isso não poderia ser aplicável às
questões de prescrição de créditos tributários, mas apenas daqueles créditos fiscais de
natureza não-tributária. Todavia, a jurisprudência vem tomando outro caminho, sem lógica
aparente, como se vê na súmula 314 do STJ, que não faz distinção entre os créditos
tributários e os não-tributários:

“Súmula 314, STJ: Em execução fiscal, não localizados bens penhoráveis,


suspende-se o processo por um ano, findo o qual se inicia o prazo da prescrição
qüinqüenal intercorrente.”

Esta prescrição intercorrente também pode ser decretada de ofício, mas com a
necessidade de prévia oitiva da Fazenda.
A interrupção da prescrição vale para o devedor e para os seus co-responsáveis,
ainda que estes não figurem nos pólo passivo da execução. Após a interrupção pelo “cite-
se”, aí sim, correm cinco anos para a execução dos co-responsáveis, em eventual
redirecionamento da execução.
Em síntese: há cinco anos para ajuizamento da ação; expedido o “cite-se”,
interrompe-se o curso da prescrição. Durante a execução e por um ano após o arquivamento
da execução infrutífera, o prazo não corre. Desde o fim deste um ano, corre novamente o
prazo de cinco anos, da prescrição intercorrente. Paralelamente, corre, desde o “cite-se”, o
prazo de cinco anos para redirecionar a execução para os co-responsáveis.

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Casos Concretos

Questão 1

IGNÁCIO postula junto à Receita Federal a repetição do pagamento feito a título


de Imposto de Renda relativo aos exercícios de 1997 até 2006. Entende ele que sua fonte
pagadora, sociedade empresária, reteve valor maior do que efetivamente deveria recolher
e repassou-o à Fazenda. A autoridade fazendária indeferiu todo o pedido feito pelo
postulante: a uma por que entendia que o valor estava correto; a duas, por questão de
prescrição do direito de pleitear a restituição. Decide então IGNÁCIO impetrar mandado
de segurança, requerendo a concessão da ordem para que seja afastada a argumentação
do prazo prescricional. Levando em consideração a jurisprudência dos Tribunais
Superiores, responda fundamentadamente como você decidiria o writ, explicitando quais
os exercícios a que IGNÁCIO tem direito à repetição.

Resposta à Questão 1

Os pagamentos efetuados anteriormente à Lei Complementar 118/05 contam com


prazo de dez anos para sua repetição, pela vigência dos “cinco mais cinco” anos, mas com a
limitação de cinco anos, no máximo, a partir da entrada em vigência desta lei. Já os
pagamentos feitos após esta lei estar em vigor, após 2005, contam com cinco anos apenas

Michell Nunes Midlej Maron 55


EMERJ – CP II Direito Tributário II

para serem repetidos. Sendo estas as regras gerais, se o pedido de repetição foi feito em
2008, assim está a situação de cada crédito: os créditos de 2005 e 2006 ainda não sofreram
prescrição da repetição; os de antes de 2005 até 1998, ainda encontram-se sob escora dos
dez anos, e igualmente não prescreveram. Portanto, todos os créditos são exigíveis em
repetição, exceto o ano de 1997 – o único prescrito, vez que corridos dez anos até a petição
de repetição.
Ignácio, portanto, tem direito à repetição dos tributos pagos em todos os anos,
exceto 1997.

Questão 2

A Fazenda Nacional ajuíza uma execução em face de TECH NOLOGY


INFORMÁTICA LTDA., em razão da multa que lhe fora aplicada por fiscais do Ministério
do Trabalho que nela constataram algumas irregularidades em relação à normatividade
trabalhista. A executada alega em sua defesa prescrição do crédito já que, de acordo com
o art. 174 do CTN, passaram-se os 5 (cinco) anos prescricionais, motivo pelo qual não
deveria ser cobrada a dívida. A Fazenda, por sua vez, alega que o prazo deve ser contado
na forma do artigo 2º § 3º da Lei nº 6.830/80, ou seja, suspendendo-se inicialmente o
prazo prescricional por 180 (cento e oitenta) dias, restando assim afastada a prescrição.
Abstraindo-se das datas [que foram propositalmente omitidas na questão] e levando em
consideração a norma que deve ser aplicada ao caso concreto, responda,
fundamentadamente, como deveria ser resolvida a questão.

Resposta à Questão 2

A questão resume-se a definir se o artigo 2º, §3º, da Lei 6.830/80 é ou não aplicável.
No caso, há aplicabilidade clara: os créditos reclamados são de natureza não-tributária, e
por isso são alvo desta suspensão de cento e oitenta dias (diferentemente dos créditos
tributários, inalcançáveis por esta lei ordinária). Sendo assim, suspenso o curso
prescricional, realmente não estão prescritos, e a Fazenda está correta.
Veja o que diz o STJ sobre o tema, no REsp 652.482:

“RECURSO ESPECIAL. ALÍNEAS "A" E "C". EMBARGOS À EXECUÇÃO


FISCAL. COBRANÇA DE MULTA DECORRENTE DE INFRAÇÃO ÀS
NORMAS DA CLT. PRESCRIÇÃO. NÃO-OCORRÊNCIA. APLICABILIDADE
DAS DA LEI 6.830/80 E DO CTN. AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA
ENTRE OS ACÓRDÃOS CONFRONTADOS.
Dispõe o art. 4º, inciso V, da Lei nº 6.830/80 que "a execução fiscal poderá ser
promovida contra o responsável, nos termos da lei, por dívidas, tributárias ou não,
de pessoas físicas ou pessoas jurídicas de direito privado". Quanto aos débitos de
natureza tipicamente tributária, a jurisprudência desta Corte Superior de Justiça,
entende que deve ser obedecida a regra do artigo 174 do CTN no tocante à
prescrição, em detrimento das disposições da LEF (cf. REsp 32.843-SP, DJU
26.10.1998, e REsp 190.092-SP, relatado por este Magistrado, DJU 1º.7.2002
No tocante às dívidas de natureza não-tributária, no entanto, de reconhecer que
obedecem ao disposto na Lei nº 6.830/80, especialmente no tocante ao prazos de
suspensão e interrupção da prescrição. A esse respeito, preleciona Manoel Álvares

Michell Nunes Midlej Maron 56


EMERJ – CP II Direito Tributário II

que "a suspensão prevista no § 3º, deste art 2º, assim como a interrupção do art. 8º,
§ 2º, todos da LEF, são ineficazes em relação às dívidas de natureza tributária,
sujeitas às normas do art. 174 do CTN. Mas a suspensão e a interrupção têm
eficácia em relação às dívidas de natureza não-tributária" (cf. "Código Tributário
Nacional Comentado", Coordenador VladImir Passos de Freitas, São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2004, p. 713). Recurso especial improvido.”

Questão 3

FÁBIO MAURO é réu em execução fiscal promovida pelo IBAMA para cobrança
de multa administrativa por transportar madeira serrada sem a indispensável guia
florestal. Em sua defesa, alega a prescrição do crédito, tendo em vista que se passaram
mais de 5 (cinco) anos da constituição do mesmo. A autarquia retruca, ao argumento de
que a impugnação do réu só se aplica aos créditos tributários, motivo pelo qual, no caso,
deve-se aplicar o Código Civil. Responda fundamentadamente, em no máximo 15 (quinze)
linhas, a quem cabe razão.

Resposta à Questão 3

A questão recai em aspectos de diferenciação entre créditos tributários e fiscais não-


tributários. Estes créditos, não-tributários, não contam com prazo prescricional
especificamente traçado, e por isso devem ser alcançados por alguma regra geral de
prescritibilidade: esta regra não é o Código Civil, hoje, sendo aplicável por simetria e
analogia o Decreto 20.910/32, que prevê no seu artigo 1º que o prazo é de cinco anos. Fábio
está com a razão.
Veja o REsp 447.237:
“PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. COBRANÇA DE MULTA.
EMBARGOS DO DEVEDOR. PRESCRIÇÃO. INCIDÊNCIA DO ART.
174/CTN. PRECEDENTES. ART. 177/CC. AUSÊNCIA DE
PREQUESTIONAMENTO.
1. Não se conhece do recurso por violação ao art. 177 do Cód. Civil, por falta de
prequestionamento.
2. Firmou-se o entendimento jurisprudencial desta Corte segundo o qual, na
conformidade do art. 174/CTN prescreve em cinco anos, contados da constituição
definitiva do crédito e da citação do devedor, o prazo para ajuizamento da
execução inclusive para cobrança de multa administrativa.
3. Recurso especial improvido.”

Michell Nunes Midlej Maron 57


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Tema VI

Extinção do crédito Tributário IV 1. Decadência. Artigos 173 do CTN; 2. Conceito; 3. Analogia com o
Direito Civil; 4. Questões controvertidas. Jurisprudência. Doutrina.

Notas de Aula12

1. Prescrição e decadência

Todas as causas de suspensão da exigibilidade do crédito tributário também são


causas de interrupção da prescrição. No entanto, não se pode dizer que todas as causas que
suspendem a exeqüibilidade do crédito suspendam também a prescrição. Veja um exemplo:
o artigo 20 da Lei 10.522/02 traz uma hipótese de inexeqüibilidade de créditos tributários,
que quando inferiores a dez mil reais, não despertam interesse da União em ajuizar a ação
executiva. Veja:

“Art. 20. Serão arquivados, sem baixa na distribuição, mediante requerimento do


Procurador da Fazenda Nacional, os autos das execuções fiscais de débitos
inscritos como Dívida Ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda
Nacional ou por ela cobrados, de valor consolidado igual ou inferior a R$
10.000,00 (dez mil reais).
§ 1o Os autos de execução a que se refere este artigo serão reativados quando os
valores dos débitos ultrapassarem os limites indicados.
12
Aula proferida pelo professor Antônio Henrique Correa da Silva, em 12/11/2008.

Michell Nunes Midlej Maron 58


EMERJ – CP II Direito Tributário II

§ 2o Serão extintas, mediante requerimento do Procurador da Fazenda Nacional, as


execuções que versem exclusivamente sobre honorários devidos à Fazenda
Nacional de valor igual ou inferior a R$ 1.000,00 (mil reais).
§ 3o O disposto neste artigo não se aplica às execuções relativas à contribuição
para o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço.
§ 4o No caso de reunião de processos contra o mesmo devedor, na forma do art. 28
da Lei no 6.830, de 22 de setembro de 1980, para os fins de que trata o limite
indicado no caput deste artigo, será considerada a soma dos débitos consolidados
das inscrições reunidas.”

Sobre este artigo, e quaisquer previsões legais similares, a jurisprudência vem


entendendo que a prescrição corre sem óbice, pois é uma opção a Fazenda não executar seu
crédito, não podendo prejudicar o contribuinte por isso.
Na seara tributária, há também prazos que correm contra o contribuinte. Exemplo
simples é a decadência em cento e vinte dias do direito de ajuizar mandado de segurança
em matéria tributária. Mas mais significativo é o prazo prescricional para a repetição do
indébito, que se vê no artigo 168 do CTN, já bem abordado anteriormente, mas que vale,
aqui, ser relido:

“Art. 168. O direito de pleitear a restituição extingue-se com o decurso do prazo de


5 (cinco) anos, contados:
I - nas hipótese dos incisos I e II do artigo 165, da data da extinção do crédito
tributário; (Vide art 3 da LCp nº 118, de 2005)
II - na hipótese do inciso III do artigo 165, da data em que se tornar definitiva a
decisão administrativa ou passar em julgado a decisão judicial que tenha
reformado, anulado, revogado ou rescindido a decisão condenatória.”

O STJ sempre identificou dois importantes momentos no lançamento por


homologação: o pagamento antecipado, primeiramente, e a homologação propriamente
dita, pelo fisco (ou lançamento suplementar, se pago valor a menor).
Para os fins do artigo 168 do CTN, o momento da extinção do crédito tributário é,
hoje, considerado como o do pagamento antecipado – apenas para fins do artigo 168, I, do
CTN –, conforme informa a Lei Complementar 118/05, o que acabou pondo fim à antiga
tese dos “cinco mais cinco”, como já se pôde abordar de forma extenuada anteriormente,
sendo dispensável repetir a abordagem, aqui.

Michell Nunes Midlej Maron 59


EMERJ – CP II Direito Tributário II

Casos Concretos

Questão 1

Em autos de execução que lhe move a Fazenda Nacional, JOÃO CARLOS, em sua
defesa, alega a decadência do crédito tributário tendo em vista que a Fazenda lhe cobra
créditos não recolhidos a título de Imposto de Renda desde o ano de 1995, em desacordo
com o art. 173 do CTN.
A Fazenda, por sua vez, alega que o crédito postulado encontra-se abarcado pelo
período de exigibilidade previsto na jurisprudência reiterada do STJ de que a constituição
do crédito tributário, em tributos lançados por homologação, é de 10 (dez) anos.
Responda, fundamentadamente, a quem cabe razão.

Resposta à Questão 1

Cabe razão a João Carlos, sendo certa a alteração da concepção da tese dos “cinco
mais cinco”, na jurisprudência. O fisco conta apenas com cinco anos desde o pagamento, e
esta questão está hoje pacificada, estando prescrito o crédito se não exigido neste tempo,
sendo hoje irrelevante a data da homologação. Havendo o pagamento antecipado, aplica-se
o prazo do artigo 150, § 4º; não havendo pagamento, aplica-se o artigo 173 – nunca os dois.
In casu, aplica-se simplesmente o artigo 173 do CTN.
Veja, a respeito, o REsp 879.058 e a súmula 219 do antigo TFR:

Michell Nunes Midlej Maron 60


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“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ACÓRDÃO RECORRIDO


ASSENTADO SOBRE FUNDAMENTAÇÃO DE NATUREZA
CONSTITUCIONAL. OMISSÃO NÃO CONFIGURADA. TRIBUTÁRIO.
TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. PRAZO
DECADENCIAL DE CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO. TERMO INICIAL: (A)
PRIMEIRO DIA DO EXERCÍCIO SEGUINTE AO DA OCORRÊNCIA DO
FATO GERADOR, SE NÃO HOUVE ANTECIPAÇÃO DO PAGAMENTO
(CTN, ART. 173, I); (B) FATO GERADOR, CASO TENHA OCORRIDO
RECOLHIMENTO, AINDA QUE PARCIAL (CTN, ART. 150, § 4º).
PRECEDENTES DA 1ª SEÇÃO.
1. O acórdão recorrido, no que toca ao exame do art. 45 da Lei 8.212/91, assenta
sobre fundamentação de índole eminentemente constitucional, razão pela qual,
estando a competência do STJ, delimitada pelo art. 105, III, da Constituição,
restrita à uniformização da legislação infraconstitucional, é inviável o
conhecimento do recurso especial.
2. Não viola o art. 535 do CPC, nem importa negativa de prestação jurisdicional, o
acórdão que, mesmo sem ter examinado individualmente cada um dos argumentos
trazidos pelo vencido, adotou, entretanto, fundamentação suficiente para decidir de
modo integral a controvérsia posta.
3. O prazo decadencial para efetuar o lançamento do tributo é, em regra, o do art.
173, I, do CTN, segundo o qual "o direito de a Fazenda Pública constituir o crédito
tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados: I - do primeiro dia do
exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado".
4. Todavia, para os tributos sujeitos a lançamento por homologação — que,
segundo o art. 150 do CTN, "ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao
sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade
administrativa" e "opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando
conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a
homologa" —, há regra específica. Relativamente a eles, ocorrendo o pagamento
antecipado por parte do contribuinte, o prazo decadencial para o lançamento de
eventuais diferenças é de cinco anos a contar do fato gerador, conforme estabelece
o § 4º do art. 150 do CTN. Precedentes da 1ª Seção: ERESP 101.407/SP, Min. Ari
Pargendler, DJ de 08.05.2000; ERESP 278.727/DF, Min. Franciulli Netto, DJ de
28.10.2003; ERESP 279.473/SP, Min. Teori Zavascki, DJ de 11.10.2004; AgRg
nos ERESP 216.758/SP, Min. Teori Zavascki, DJ de 10.04.2006.
5. No caso concreto, todavia, não houve pagamento. Aplicável, portanto, conforme
a orientação acima indicada, a regra do art. 173, I, do CTN.
6. Recurso especial a que se nega provimento.”

“Súmula 219, TFR: Não havendo antecipação de pagamento, o direito de constituir


o crédito previdenciário extingue-se decorridos cinco anos do primeiro dia do
exercício seguinte aquele em que ocorreu o fato gerador.”

Questão 2

A fim de discutir a cobrança efetuada pela Receita Federal, relativa a tributos


cujos lançamentos se dão por homologação, determinada sociedade limitada impetra um
mandado de segurança, colocando à disposição do juízo o valor questionado. O juiz
condicionou a concessão da liminar ao recolhimento do numerário questionado na ação.
O mandamus é extinto sem o julgamento do mérito, e a sociedade requer a devolução dos
valores, sob os seguintes argumentos: a) o valor depositado tem a natureza de caução e,
como a Fazenda não restou vencedora, o valor dever ser devolvido; b) extinção do crédito

Michell Nunes Midlej Maron 61


EMERJ – CP II Direito Tributário II

tributário, tendo em vista, à data da sentença, já haver expirado o prazo decadencial.


Responda fundamentadamente, se o valor deve ser devolvido ao requerente.

Resposta à Questão 2

Esta é a única exceção em que uma causa de suspensão da exigibilidade é também o


momento da constituição do crédito: o depósito, no lançamento por homologação, faz as
vezes de pagamento antecipado, e com isso há a constituição do crédito tributário. Assim,
este valor depositado não será jamais alcançado pela decadência.
Quanto à devolução, mesmo sem resolução do mérito, o depósito é convertido em
renda, sob veemente criticas doutrinárias – não há natureza de caução. Mas veja que se a
extinção do processo for, por exemplo, por ilegitimidade passiva, esta solução causa grande
estranheza, pois há conversão em renda absolutamente indevida.
A respeito, veja o Agravo Regimental no REsp 660.203:

“TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. DEPÓSITO JUDICIAL DO VALOR DO


TRIBUTO. NATUREZA. EFEITOS. LEVANTAMENTO, PELO
CONTRIBUINTE, CONDICIONADO AO TRÂNSITO EM JULGADO DE
SENTENÇA DE MÉRITO EM SEU FAVOR. PRECEDENTES.
1. O depósito do montante integral, na forma do art. 151, II, do CTN, constituiu
modo, posto à disposição do contribuinte, para suspender a exigibilidade do crédito
tributário. Porém, uma vez realizado, o depósito opera imediatamente o efeito a
que se destina, inibindo, assim, qualquer ato do Fisco tendente a haver o
pagamento. Sob esse aspecto, tem função assemelhada à da penhora realizada na
execução fiscal, que também tem o efeito de suspender os atos executivos
enquanto não decididos os embargos do devedor.
2. O direito - ou faculdade - atribuído ao contribuinte, de efetuar o depósito judicial
do valor do tributo questionado, não importa o direito e nem a faculdade de, a seu
critério, retirar a garantia dada, notadamente porque, suspendendo a exigibilidade
do crédito tributário, ela operou, contra o réu, os efeitos próprios de impedi-lo de
tomar qualquer providência no sentido de cobrar o tributo ou mesmo de, por outra
forma, garanti-lo.
3. As causas de extinção do processo sem julgamento do mérito são
invariavelmente imputáveis ao autor da ação, nunca ao réu. Admitir que, em tais
casos, o autor é que deve levantar o depósito judicial, significaria dar-lhe o
comando sobre o destino da garantia que ofereceu, o que importaria retirar do
depósito a substância fiduciária que lhe é própria.
4. Assim, ressalvadas as óbvias situações em que a pessoa de direito público não é
parte na relação de direito material questionada – e que, portanto, não é parte
legítima para figurar no processo – o depósito judicial somente poderá ser
levantado pelo contribuinte que, no mérito, se consagrar vencedor. Nos demais
casos, extinto o processo sem julgamento de mérito, o depósito de converte em
renda.
5.Agravo regimental provido.”

Michell Nunes Midlej Maron 62


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Tema VII

Extinção do crédito Tributário V 1. Conversão do depósito em renda; 2. Pagamento antecipado.


Homologação do lançamento. Artigos 150, § 4º; 3. Decisões no âmbito administrativo e judicial; 4. Questões
controvertidas. Jurisprudência. Doutrina.

Notas de Aula13

1. Conversão do depósito em renda

O depósito do montante integral é modalidade peculiar de suspensão da


exigibilidade do crédito tributário, como se verá. Quando se fala em crédito tributário, fala-
se em lançamento; o auto de infração, por exemplo, é um lançamento de ofício, que decorre
de uma obrigação tributária nascida de um fato gerador praticado por alguém.
Quando o contribuinte se insurge contra um lançamento qualquer, lança mão de
alguma modalidade de suspensão, daquelas legalmente previstas no artigo 151 do CTN. O
depósito, como causa de suspensão da exigibilidade, só se presta a tanto quando for
integral. Surge, desde logo, a primeira questão: o que se considera como um depósito
integral, para todos os efeitos?
O crédito tributário não decorre exclusivamente de um tributo, como se poderia
pensar. Como exemplo, ao sofrer um auto de infração, estará sendo lançado o tributo, mas
adicionam-se a este os juros, a correção e a penalidade pelo descumprimento da obrigação
13
Aula proferida pelo professor Cláudio Carneiro Bezerra Pinto Coelho, em 13/11/2008.

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EMERJ – CP II Direito Tributário II

principal (pagar), e ainda eventualmente a penalidade pelo descumprimento de obrigação


acessória qualquer. Este somatório compõe o crédito tributário, mas quando se pretende
discuti-lo, há que se fracionar em cada um dos componentes, porque cada um existe sob um
diferente título. Inclusive, não é raro haver crédito tributário sem que haja cobrança de um
tributo propriamente dito: se não há principal – como alguém que é isento ou imune –, mas
há um crédito por descumprimento de obrigação acessória, este crédito é tributário mas não
é a cobrança de um tributo.
Diante disso, o depósito é considerado integral quando reúne todos estes elementos
que tenham sido exigidos do sujeito passivo. Não basta, para constar como integral – e com
isso ter todos os efeitos que este depósito acarreta –, o depósito do tributo principal.
Assim, em uma ação anulatória ou uma consignação, por exemplo, para poder
suspender a exigibilidade do crédito, ou o sujeito passivo se vale do depósito integral, ou
requer a antecipação da tutela – que suspende sem depender de depósito. Todavia, parte da
jurisprudência, arbitrariamente, tem exigido a efetivação do depósito para conceder a
antecipação da tutela, e conseqüentemente conceder a suspensão do crédito tributário – o
que é uma aberração, pois são causas autônomas de suspensão, e não cumulativas14.
Há ainda uma diferença fundamental: quando se faz o depósito, é porque se
pretende discutir a exação; quando se faz uma consignação, quer-se adimplir a obrigação,
mas em termos diversos dos exigidos, nas três hipóteses do artigo 164 do CTN: quando se
quer pagar mas há recusa injusta, casos dos incisos I e II; ou quando se quer pagar, mas não
se sabe quem é o correto ente tributante. Veja:

“Art. 164. A importância de crédito tributário pode ser consignada judicialmente


pelo sujeito passivo, nos casos:
I - de recusa de recebimento, ou subordinação deste ao pagamento de outro tributo
ou de penalidade, ou ao cumprimento de obrigação acessória;
II - de subordinação do recebimento ao cumprimento de exigências administrativas
sem fundamento legal;
III - de exigência, por mais de uma pessoa jurídica de direito público, de tributo
idêntico sobre um mesmo fato gerador.
§ 1º A consignação só pode versar sobre o crédito que o consignante se propõe
pagar.
§ 2º Julgada procedente a consignação, o pagamento se reputa efetuado e a
importância consignada é convertida em renda; julgada improcedente a
consignação no todo ou em parte, cobra-se o crédito acrescido de juros de mora,
sem prejuízo das penalidades cabíveis.”

Então, na consignação, não se quer discutir a exação propriamente dita, mas sim
alguns aspectos específicos, nada tendo a ver com a ação anulatória, em que se realiza o
montante integral. Nesta, a pretensão é anular a exação, por algum motivo – demonstrando
intenção em não pagar aquilo que se entende indevido. Não é comum depósito integral na
consignação, pela razão lógica que se o intento do devedor consignante é liberar-se, o fisco
não recusará a integralidade do que está exigindo: não há lógica nesta recusa.
O depósito integral, então, tem sede natural na ação anulatória. Diz-se, portanto, que
tem uma natureza dúplice: serve para suspender a exigibilidade do crédito tributário, e
acautelar os interesses da Fazenda. Cumular o depósito como requisito para a antecipação
da tutela é ignorar a primeira função, de suspensão do crédito, que a antecipação assume de
14
Em verdade, esta arbitrariedade está em vias de se tornar uma realidade normativa, pois há projeto de lei em
tramitação, que deve ser aprovado, que vincula a concessão da antecipação da tutela ao depósito integral.

Michell Nunes Midlej Maron 64


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forma autônoma: ambos, sozinhos, podem suspender a exigibilidade, não havendo previsão
legal para condicionar a antecipação ao depósito15.
Vale dizer que a liminar em mandado de segurança não padece desta vinculação,
sendo realmente encarada como causa autônoma de suspensão da exigibilidade. Todavia, o
fisco ainda tem um argumento que extingue muitos mandamus em matéria tributária: se a
questão não for puramente de direito, o fisco alegará que é necessária dilação probatória, e
que por isso o writ é via inadequada.
O depósito, então, serve como condição para discussão da exação, e não como
pagamento judicial do crédito tributário exigido. Sendo assim, uma conclusão seria óbvia:
se o processo, se a ação anulatória, não tiver seu mérito resolvido, ou seja, se o processo for
extinto por qualquer motivo sem análise do mérito, a lógica comandaria que o contribuinte
depositante levantasse o montante depositado. Todavia, em mais uma posição que causa
estranheza, o STJ vem entendendo que, mesmo sem resolução do mérito, o depósito se
converte em renda, extinguindo o crédito que se pretendia discutir (que, lembre-se, não
chegou a ser discutido, pois o mérito não foi perscrutado). O contribuinte, neste caso, que
ajuíze uma ação de repetição de indébito, pois seu depósito estará perdido.
Em síntese: para suspender a exigibilidade, demanda-se o depósito integral (o qual
tem sido exigido como requisito à antecipação da tutela, que a rigor é um motivo autônomo
de suspensão da exigibilidade). Depositado, o depósito é convertido em renda, quer seja a
ação anulatória julgada improcedente, quer seja extinta sem resolução do mérito – o
contribuinte somente levantará o depósito se sua ação for julgada procedente. Sendo
convertido em renda, nada mais resta ao contribuinte senão ajuizar uma ação de repetição
de indébito. Esta é a estranha interpretação atual desta dinâmica, na jurisprudência, como se
pode ver na ementa do REsp 929.782:

“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – EXTINÇÃO SEM JULGAMENTO


DO MÉRITO – DEPÓSITO JUDICIAL – LEVANTAMENTO PELO
CONTRIBUINTE: IMPOSSIBILIDADE – CONVERSÃO EM RENDA DA
UNIÃO.
1. A Primeira Seção firmou entendimento de que, mesmo sendo extinto o feito sem
julgamento do mérito, os depósitos para suspensão da exigibilidade do crédito
tributário devem ser convertidos em renda da Fazenda Pública e não levantados
pelo contribuinte.
2. Ressalva da posição da Relatora.
3. Recurso especial provido.”

Vale dizer que este é um novo posicionamento do STJ, que antes entendia que
apenas a sentença meritória de improcedência permitia a conversão do depósito em renda.
Há duas leis que tratam dos depósitos judiciais e da sua conversão em renda. Em
esferas estadual e distrital, aplica-se a Lei 11.429/06, que dispõe, no seu artigo 1º, que:

“Art. 1o Os depósitos judiciais em dinheiro referentes a tributos e seus acessórios,


de competência dos Estados e do Distrito Federal, inclusive os inscritos em dívida
ativa, serão efetuados em instituição financeira oficial da União ou do Estado,
mediante a utilização de instrumento que identifique sua natureza tributária.

15
Esta vinculação que a jurisprudência tem realizado viola, a bem da verdade, o devido processo legal, o
contraditório e a ampla defesa, pois se o CTN traz hipóteses alternativas, condicionar uma a outra é impedir
que aquele que não tem dinheiro para efetuar o depósito possa obter a suspensão da exigibilidade do seu
débito por meio da antecipação da tutela.

Michell Nunes Midlej Maron 65


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§ 1o Os Estados e o Distrito Federal poderão instituir fundo de reserva destinado a


garantir a restituição da parcela dos depósitos referidos no caput deste artigo que
lhes seja repassada nos termos desta Lei.
§ 2o Ao Estado e ao Distrito Federal que instituir o fundo de reserva de que trata o
§ 1o deste artigo será repassada pela instituição financeira referida no caput deste
artigo a parcela correspondente a 70% (setenta por cento) do valor dos depósitos
de natureza tributária nela realizados.
§ 3o A parcela dos depósitos não repassada nos termos do § 2 o deste artigo será
mantida na instituição financeira recebedora, que a remunerará segundo os
critérios originalmente atribuídos aos depósitos.”

Já na esfera da União, aplica-se a Lei 9.703/98, que assim dispõe:

“Art. 1o Os depósitos judiciais e extrajudiciais, em dinheiro, de valores referentes a


tributos e contribuições federais, inclusive seus acessórios, administrados pela
Secretaria da Receita Federal do Ministério da Fazenda, serão efetuados na Caixa
Econômica Federal, mediante Documento de Arrecadação de Receitas Federais -
DARF, específico para essa finalidade.
§ 1o O disposto neste artigo aplica-se, inclusive, aos débitos provenientes de
tributos e contribuições inscritos em Dívida Ativa da União.
§ 2o Os depósitos serão repassados pela Caixa Econômica Federal para a Conta
Única do Tesouro Nacional, independentemente de qualquer formalidade, no
mesmo prazo fixado para recolhimento dos tributos e das contribuições federais.
§ 3o Mediante ordem da autoridade judicial ou, no caso de depósito extrajudicial,
da autoridade administrativa competente, o valor do depósito, após o encerramento
da lide ou do processo litigioso, será:
I - devolvido ao depositante pela Caixa Econômica Federal, no prazo máximo de
vinte e quatro horas, quando a sentença lhe for favorável ou na proporção em que o
for, acrescido de juros, na forma estabelecida pelo § 4 o do art. 39 da Lei n o 9.250,
de 26 de dezembro de 1995, e alterações posteriores; ou
II - transformado em pagamento definitivo, proporcionalmente à exigência do
correspondente tributo ou contribuição, inclusive seus acessórios, quando se tratar
de sentença ou decisão favorável à Fazenda Nacional.
§ 4o Os valores devolvidos pela Caixa Econômica Federal serão debitados à Conta
Única do Tesouro Nacional, em subconta de restituição.
§ 5o A Caixa Econômica Federal manterá controle dos valores depositados ou
devolvidos.”

O dinheiro depositado em juízo está à disposição do juízo, não pertencendo mais ao


depositante, tampouco ao fisco. Mas veja que, sem qualquer lógica, o § 2º deste artigo
determina o repasse à União, ressalvando apenas a necessidade de restituição se o
contribuinte triunfar a lide, através da criação de um fundo de reserva. O STF já foi instado
a se manifestar sobre a constitucionalidade desse uso do depósito pelo fisco, tendo
entendido que a garantia da devolução é justamente o que torna a medida constitucional.
Em suma: o depósito vai, sim, para a conta do Tesouro Nacional, sendo criado fundo
de reserva para sua eventual devolução. O levantamento, pelo contribuinte, só ocorrerá se
houver sentença meritória de procedência, transitada em julgado, na ação anulatória.
Recapitulando: embora maciçamente atacado pela doutrina, vem prevalecendo,
timidamente, o entendimento de que a concessão da antecipação de tutela somente deve ser
deferida caso haja o depósito do montante integral. Além disso, o STJ, no REsp supra
transcrito, entendeu que mesmo que o processo seja extinto sem resolução do mérito, o
referido depósito deve ser convertido em renda, não podendo ser levantado pelo

Michell Nunes Midlej Maron 66


EMERJ – CP II Direito Tributário II

depositante. E os depósitos judiciais determinam que o dinheiro depositado seja repassado


para os cofres do Poder Público, para a conta do Tesouro Nacional, e que seja criado um
fundo de reserva para garantir o levantamento do valor, caso o contribuinte seja vitorioso.
Vale cogitar ainda sobre uma última questão: se, após esta extinção do processo sem
resolução do mérito, convertido o depósito em renda, o contribuinte intentar nova ação, terá
que efetuar novo depósito? A resposta é negativa: se o sujeito passivo ajuizar nova ação, o
depósito anterior será aproveitado, e a ação terá curso. Se não ajuizar nova ação, o depósito
convertido em renda será tido por pagamento do crédito, extinguindo-o.
Veja que abordamos a legislação para os Estados e para a União, mas e quanto ao
depósito de tributos municipais? Cada legislação municipal trará a própria regulamentação,
e esta variará de acordo com as normas de cada ente.
O depósito integral do montante ainda pode ser feito em via administrativa, sendo
certo que o recurso à segunda instância, que comportava a discussão sobre a necessidade ou
não do depósito recursal de trinta por cento como condição de admissibilidade recursal,
hoje não mais encontra amparo, vez que o STF, na ADI 1.976, já transcrita, declarou
inconstitucional o arrolamento de bens e direitos no valor de trinta por cento, e no RE
388.359, também já transcrito, julgou inconstitucional o antigo depósito de trinta por cento.
A questão já foi exaurida em abordagem anterior, mas vale atentar para um detalhe: o
depósito foi declarado inconstitucional no RE, e não na ADI, pelo que qualquer indagação
que seja feita sobre a inconstitucionalidade do depósito, e não do arrolamento, tem que
receber resposta calcada na posição promanada no RE, ou seja, deve ser invocada a eficácia
transcendente dos motivos determinantes do controle incidental, e não a decisão da ADI.

2. Pagamento

O pagamento, em direito tributário, não tem a mesma concepção do pagamento em


direito civil. Enquanto no direito civil é gênero amplo, do qual fazem parte todas as
modalidades de adimplemento da obrigação, em direito tributário é instituto que tem
sentido restrito.
Há que se falar, aqui, da denúncia espontânea: consiste na conduta do sujeito
passivo que, voluntariamente, se dispõe a solucionar sua questão perante o fisco. O
benefício que a denúncia espontânea traz é elidir a penalidade porventura incidente sobre o
tributo, mantendo apenas o principal e os consectários – juros e correção –, mas não a
multa. O STJ vem entendendo que, para concessão do benefício da denúncia espontânea, na
forma do artigo 138 do CTN, o pagamento integral da dívida é conditio sine qua non. Veja
o que dizem o artigo 138 do CTN e a recentíssima súmula 360 do STJ:

“Art. 138. A responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea da infração,


acompanhada, se for o caso, do pagamento do tributo devido e dos juros de mora,
ou do depósito da importância arbitrada pela autoridade administrativa, quando o
montante do tributo dependa de apuração.
Parágrafo único. Não se considera espontânea a denúncia apresentada após o início
de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização, relacionados
com a infração.”

“Súmula 360, STJ: O benefício da denúncia espontânea não se aplica aos tributos
sujeitos a lançamento por homologação regularmente declarados, mas pagos a
destempo.”

Michell Nunes Midlej Maron 67


EMERJ – CP II Direito Tributário II

Vale dizer que o parcelamento não gera o benefício da denúncia espontânea:


somente o pagamento, integral, traz este benefício da elisão da multa.
No direito tributário, o pagamento independe de qualquer coisa para se configurar
indevido, quando o for. Veja: no direito civil, a obrigação tem por fontes a lei, o ato ilícito,
o contrato ou declarações unilaterais de vontade; no direito tributário, a fonte da obrigação
tributária é unicamente a lei, motivo pelo qual a repetição do indébito também é ex lege: ao
alegar que o pagamento é indevido, basta fazer prova do próprio pagamento, pois as
condições do pagamento não precisam do escrutínio da fonte da obrigação, vez que é a
própria lei. Por isso, a repetição de indébito em matéria tributária pode ser feita na esfera
administrativa16, sem obstar que haja a opção pela judicial.
Quando o sujeito passivo intenta a repetição administrativa, e o fisco nega a
devolução, há previsão de ação anulatória específica desta decisão, constante do artigo 169
do CTN, que conta com prazo prescricional de dois anos. Veja:

“Art. 169. Prescreve em dois anos a ação anulatória da decisão administrativa que
denegar a restituição.
Parágrafo único. O prazo de prescrição é interrompido pelo início da ação judicial,
recomeçando o seu curso, por metade, a partir da data da intimação validamente
feita ao representante judicial da Fazenda Pública interessada.”

Esta ação anulatória não se confunde com a ação anulatória do lançamento, regida
pelo Decreto 20.910/32, que conta com prazo prescricional de cinco anos, como dispõe o
artigo 38 da Lei de Execuções Fiscais:

“Art. 38 - A discussão judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública só é admissível


em execução, na forma desta Lei, salvo as hipóteses de mandado de segurança,
ação de repetição do indébito ou ação anulatória do ato declarativo da dívida, esta
precedida do depósito preparatório do valor do débito, monetariamente corrigido e
acrescido dos juros e multa de mora e demais encargos.
Parágrafo Único - A propositura, pelo contribuinte, da ação prevista neste artigo
importa em renúncia ao poder de recorrer na esfera administrativa e desistência do
recurso acaso interposto.”

Optando pela ação judicial de repetição de indébito, o prazo prescricional desta ação
é de cinco anos, o que consta do artigo 168 do CTN:

“Art. 168. O direito de pleitear a restituição extingue-se com o decurso do prazo de


5 (cinco) anos, contados:
I - nas hipótese dos incisos I e II do artigo 165, da data da extinção do crédito
tributário; (Vide art 3 da LCp nº 118, de 2005)
II - na hipótese do inciso III do artigo 165, da data em que se tornar definitiva a
decisão administrativa ou passar em julgado a decisão judicial que tenha
reformado, anulado, revogado ou rescindido a decisão condenatória.”

16
A vantagem da via administrativa é sair do rito dos precatórios, se procedente a repetição e o crédito for de
pequena monta (até trinta salários para os municípios, quarenta para os estados e sessenta para a União).
Todavia, é raro que a Fazenda devolva o valor, mesmo se o contribuinte estiver claramente no direito.

Michell Nunes Midlej Maron 68


EMERJ – CP II Direito Tributário II

Na repetição de indébito, o sujeito passivo deve pedir que a Fazenda inclua no valor
a ser restituído17 tanto os juros quanto a correção monetária. Pelo ensejo, vejamos os
conceitos destes consectários, e outros correlatos.

2.1. Juros de mora, multas, correção tributária e taxa Selic

A correção monetária nada mais é do que a restauração do valor monetário do


crédito, ou seja, a recomposição deste valor diante da perda real do valor da moeda na
economia.
Juros moratórios, por sua vez, é o valor que é acrescido ao principal para compensar
o período que o dinheiro ficou fora dos cofres públicos, indisponível para a Fazenda.
A multa moratória, por sua vez, é uma penalidade para inibir a conduta de
inadimplência, absoluta ou relativa.
Diante das diferentes naturezas dos institutos, é pacífica na doutrina a possibilidade
de se cumular todas as três espécies na mesma obrigação.
Na ação de repetição de indébito, contudo, não se pleiteia multa em face da
Fazenda, mas apenas os juros e a correção. Surge, então, a questão de qual é o momento em
que se tornam devidos tais consectários, ou seja, desde quando incide juros e correção
monetária sobre o valor a ser devolvido pela Fazenda.
Para solucionar esta questão, analisemos duas súmulas do STJ que têm bastante
relevância, quais sejam, a 162 e a 188:

“Súmula 162, STJ: Na repetição de indébito tributário, a correção monetária incide


a partir do pagamento indevido.”

“Súmula 188, STJ: Os juros moratórios, na repetição do indébito tributário, são


devidos a partir do trânsito em julgado da sentença.”

O que pareceria solucionado por estes dois enunciados, ganhou um complicador


tremendo quando se trouxe à discussão a aplicabilidade da taxa Selic. Esta é a taxa do
Sistema Especial de Liquidação e Custódia, instituída pelo Bacen, usada como indexador
da economia, indexador misto que é composto por juros e correção monetária.
A aplicação da taxa Selic para tributos federais veio especialmente consignada na
Lei 9.250/95, no artigo 39, § 4º:

“Art. 39. A compensação de que trata o art. 66 da Lei nº 8.383, de 30 de dezembro


de 1991, com a redação dada pelo art. 58 da Lei nº 9.069, de 29 de junho de 1995,
somente poderá ser efetuada com o recolhimento de importância correspondente a
imposto, taxa, contribuição federal ou receitas patrimoniais de mesma espécie e
destinação constitucional, apurado em períodos subseqüentes.
§ 1º (VETADO)
§ 2° (VETADO)
§ 3° (VETADO)
§ 4º A partir de 1º de janeiro de 1996, a compensação ou restituição será acrescida
de juros equivalentes à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de
Custódia - SELIC para títulos federais, acumulada mensalmente, calculados a

17
A natureza jurídica do valor a ser restituído na repetição de indébito encontra divergências: para Hugo de
Brito Machado, este valor tem natureza de tributo; para Ricardo Lobo Torres, este valor tem natureza de
indenização.

Michell Nunes Midlej Maron 69


EMERJ – CP II Direito Tributário II

partir da data do pagamento indevido ou a maior até o mês anterior ao da


compensação ou restituição e de 1% relativamente ao mês em que estiver sendo
efetuada.”

Ora, mas se a Selic cumula juros e correção monetária, como compatibilizar as


súmulas 162 e 188 do STJ com a sua aplicação? Assim se resolveu: no período até o
trânsito em julgado, aplica-se apenas a correção monetária, de acordo com o índice oficial
adotado pelo Estado; do trânsito em julgado em diante, aplica-se a taxa Selic.
Nos âmbitos estadual e municipal, não há determinação legal para aplicação da taxa
Selic, e por isso serão aplicáveis as súmulas do STJ em sua literal disposição.

2.2. Pagamento antecipado nos lançamentos por homologação e por declaração

Há algumas diferenças a serem analisadas nestas duas situações, no pagamento feito


em tributo lançado por homologação e naquele lançado por declaração. Tomemos por
exemplo o ITBI: quando se realiza compra e venda de bem imóvel, a lavratura da escritura
só se opera quando há o pagamento deste tributo; e como o fato gerador só ocorrerá
adiante, quando da transcrição da propriedade no registro, trata-se de um pagamento
antecipado. E este tributo é lançado por declaração. Qual a diferença do efeito, para
recolhimento, do tributo lançado por declaração daquele lançado por homologação?
Quando se vai pagar o tributo sujeito a lançamento por declaração, vê-se que apenas
o pagamento é antecipado, pois o fato gerador continua em seu momento natural, que será a
transcrição do registro, momento que o direito civil elegeu para ser aquele em que se
adquire a propriedade imóvel. Não se antecipa o fato gerador, e toda a responsabilidade
pela apuração do tributo corre por conta do contribuinte.
Já nos tributos lançados por homologação – que hoje são a enorme maioria no nosso
ordenamento –, apenas parte da responsabilidade pela apuração fica à conta do contribuinte,
outra parte restando nas mãos do fisco, que vai conferir e homologar apenas a posteriori. O
pagamento antecipado, aqui, assume natureza de extinção do crédito tributário sujeita a
condição resolutória, sendo que a condição é a homologação pelo fisco.
Em síntese: o pagamento antecipado só extingue o crédito quando confirmado pelo
fisco, no tributo lançado por homologação.

Michell Nunes Midlej Maron 70


EMERJ – CP II Direito Tributário II

Casos Concretos

Questão 1

JOANA SILVA impetrou Mandado de Segurança com o objetivo de discutir a


constitucionalidade da cobrança de seu PIS, bem como pedido para levantamento de parte
do depósito efetivado.
Irresignada, a Fazenda Nacional interpôs agravo de instrumento contra a decisão
que determinou o referido levantamento sob o fundamento de que o depósito judicial dos
valores controvertidos, nos termos do art. 151, II, do CTN, tem finalidade dúplice, uma vez
que, ao mesmo tempo inibe a propositura do executivo fiscal e acautela os interesses da
Fazenda Pública na satisfação do crédito tributário, convertendo os valores depositados
em renda. Afirma, também, que este depósito equivale a uma garantia, e permitir que o
contribuinte disponha desse valor significa esvaziar o conteúdo da mesma.
Analise os fatos, e verifique com quem está com a razão. Fundamente sua resposta.

Resposta à Questão 1

O fisco está com a razão. O depósito assume, de fato, esta natureza dúplice, e
mesmo que a ação seja julgada sem sequer ser analisado o mérito, o depósito será
convertido em renda. Sequer é possível o levantamento parcial, como requerido.
A respeito, veja o REsp 574.034:

“PROCESSO CIVIL E TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA.


TRÂNSITO EM JULGADO. LEVANTAMENTO DO DEPÓSITO JUDICIAL.
ART. 151, II, DO CTN. IMPOSSIBILIDADE. GARANTIA DO JUÍZO.
FINALIDADE DÚPLICE. PRECEDENTES.

Michell Nunes Midlej Maron 71


EMERJ – CP II Direito Tributário II

1. A garantia prevista no art. 151, II, do CTN tem natureza dúplice, porquanto ao
tempo em que impede a propositura da execução fiscal, a fluência dos juros e a
imposição de multa, também acautela os interesses do Fisco em receber o crédito
tributário com maior brevidade, porquanto a conversão em renda do depósito
judicial equivale ao pagamento previsto no art. 156, do CTN encerrando
modalidade de extinção do crédito tributário.
2. Permitir o levantamento do depósito judicial sem a anuência do Fisco significa
esvaziar o conteúdo da garantia prestada pelo contribuinte em detrimento da
Fazenda Pública.
3. Precedentes no sentido de que "sem precedência anuência da parte ré, o
levantamento autorizado na Segunda Instância, na verdade, significou antecipada
desconstituição da composição judicial sujeita ao reexame pedido na apelação.
Ajustado, pois, que os valores depositados suspendiam a exigibilidade do crédito
litigioso (art. 151, II, CTN), o levantamento por provocação unilateral de uma das
partes, com a modificação do statu quo, via oblíqua, equivaleu à antecipada
desconstituição do título sentencial."
4. Recurso especial provido.”

Questão 2

RESTAURANTE SOL E LUZ LTDA., ao ser notificado de lançamento de débito


referente ao ICMS, interpôs recurso administrativo, objetivando a desconstituição do
crédito tributário lançado. O recurso administrativo, após percorrer o iter procedimental
previsto na legislação estadual em vigor, foi julgado procedente, não mais revisto na órbita
administrativa. A Fazenda Estadual, através de um de seus procuradores, propôs ação
anulatória da decisão proferida pela Administração Fazendária, com objetivo de
desconstitui-la, aduzindo que a decisão contrariou os termos da lei. Em contestação à
ação judicial, o contribuinte alegou que a decisão administrativa é irreformável, por
expressa previsão do artigo 156, IX, do CTN. Em réplica, a Fazenda Pública aduziu que a
Constituição Federal prevê a inafastabilidade da prestação jurisdicional. Analise a
questão objetivamente, à luz da doutrina e da jurisprudência.

Resposta à Questão 2

Há duas correntes sobre o tema: a primeira, majoritária, defende que é incabível esta
ação, por dois fundamentos: carece de interesse, vez que a Fazenda não pode socorrer-se do
Judiciário contra suas próprias decisões – nemo potest venire contra factum proprium; e
que a decisão administrativa irreformável extingue o crédito tributário, na forma do artigo
156 do CTN.
A segunda corrente, fazendária, alega que o Judiciário é inafastável, pelo que a ação
seria admissível. Há até mesmo um parecer normativo, de número 1.087/04, da
Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, que autoriza seus procuradores a ajuizarem esta
ação judicial. Ademais, o princípio da isonomia, aplicável também em favor das pessoas
jurídicas de direito público, como já decidiu o STF, assim também comandaria. Ainda, há
súmulas de conselhos de contribuintes que vedam que estes conselhos julguem matéria
constitucional, o que demandaria necessariamente o acesso ao Judiciário quando a matéria
fosse desta ordem.
Pela corrente majoritária, veja o que diz o STJ, no REsp 572.358:

Michell Nunes Midlej Maron 72


EMERJ – CP II Direito Tributário II

“TRIBUTÁRIO. PROCESSO ADMINISTRATIVO. REVISÃO. PRECLUSÃO.


SEGURANÇA JURÍDICA.
1. Em observância ao princípio da segurança jurídica, o administrado não pode
ficar à mercê de posterior revisão de decisão definitiva em processo administrativo
regulamente prolatada.
2. Recurso especial improvido.”

Tema VIII

Exclusão do Crédito Tributário I 1. Significado da exclusão do crédito tributário; 2. Modalidade de


exclusão: 2.1. ISENÇÃO 2.1.1. Conceito. Natureza jurídica. Classificação; 2.1.2. Diferença entre imunidade
e Isenção; 2.1.3. Diferença entre Não-incidência e Alíquota zero; 2.1.4. Questões controvertidas.
Jurisprudência. Doutrina.

Notas de Aula18

1. Isenção

Inicialmente, é importante deixar claro que isenção não é sinônimo de não-


incidência. Na verdade, a não-incidência pode ser classificada em pura, simples, que é
aquela em que não existe lei alguma tipificando a hipótese de não-incidência tributária: não
havendo tipicidade da situação em que o tributo incide, não há incidência, puramente – é
efeito do princípio da legalidade, sendo que sem a lei não há tributação. Mas pode haver a
não-incidência legal, em que a própria lei determina que não incide o tributo em uma
hipótese tal. Veja que nesta última, a atipicidade tributária do fato já seria causa de não-
incidência pura, mas o legislador preferiu deixar expressa esta não-incidência, de forma a
elidir qualquer dúvida quanto à configuração do fato como não imponível.
Quando o diploma que determina a não-incidência é a própria Constituição, trata-se
de uma imunidade, e não mera não-incidência legal.
A exclusão do crédito é a não ocorrência do lançamento tributário. Mas veja que não
ocorrer lançamento não significa que não ocorra fato gerador. Isto porque a relação

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Aula proferida pelo professor Cláudio Carneiro Bezerra Pinto Coelho, em 13/11/2008.

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EMERJ – CP II Direito Tributário II

tributária se rege pela teoria dualista, em que a obrigação tributária surge do fato gerador,
mas o crédito surge do lançamento.
Daí surgem duas correntes para definir o que seja a isenção. A primeira defende que
seja uma dispensa legal do pagamento, enquanto a segunda a entende como uma hipótese
definida como não-incidência legal, nos termos acima conceituados. Vejamos os
argumentos de cada uma.
A primeira corrente, majoritária, adotada pelo STF e STJ, encara a isenção como
uma lei que dispensa o pagamento do tributo. Isto significa que ocorre o fato gerador, mas a
lei se interpõe entre este e o lançamento, impedindo que este se consume, acarretando a
dispensa do pagamento. De outro lado, há a corrente que parte da doutrina adota, que
entende que na isenção sequer ocorre fato gerador, ou seja, é uma não-incidência legal, em
que a lei de isenção serve para deixar bem claro que um determinado fato não é imponível.
Debalde a disputa conceitual, a verdade é que a conseqüência prática é a mesma.
Dispensa legal do pagamento ou não-incidência legal, o resultado é a não tributação.
Entretanto, há um momento em que a adoção de um ou outro conceito tem enorme
relevância: é na revogação da isenção que as correntes causam efeitos tremendamente
díspares.
Veja: segundo a primeira corrente, a lei que determina a isenção, se revogada,
significa que sobre aquele fato gerador que ocorreu, mas havia dispensa do pagamento, não
havendo lançamento, passará a não mais ter o lançamento impedido, ou seja, revogar a
dispensa de pagamento não é criar tributo novo, tampouco majorar o tributo. É apenas fazer
o tributo que sempre existiu retornar ao estado de normalidade, qual seja, o estado em que
deve ser pago. O efeito da adoção desta primeira corrente, do STF e do STJ, é que a
revogação da isenção opera efeitos imediatos, não se sujeitando a qualquer anterioridade
pela simples razão de que o tributo não é novo, nem é majorado: é o mesmo tributo que
sempre existiu e agora não mais tem seu pagamento dispensado.
Para esta primeira corrente, então, o artigo 104, III, do CTN, não foi recepcionado
pela CRFB de 1988:

“Art. 104. Entram em vigor no primeiro dia do exercício seguinte àquele em que
ocorra a sua publicação os dispositivos de lei, referentes a impostos sobre o
patrimônio ou a renda:
I - que instituem ou majoram tais impostos;
II - que definem novas hipóteses de incidência;
III - que extinguem ou reduzem isenções, salvo se a lei dispuser de maneira mais
favorável ao contribuinte, e observado o disposto no artigo 178.”

É claro que a doutrina, que adota a segunda corrente, critica violentamente esta
posição das cortes superiores. Adotando a segunda corrente, que trata a isenção como
hipótese de não-incidência legal, a revogação deste benefício significaria a criação de um
novo tributo, pela simples razão de que só a partir daquele momento é que o fato gerador
passa a existir. Por isso, para esta corrente, a anterioridade deve ser respeitada, e não há
nada de errado no artigo 104, III, do CTN, que é perfeitamente compatível com a CRFB.
Todavia, repita-se: a corrente jurisprudencial, predominante, é de que a isenção é
simples dispensa legal do pagamento, em que ocorre o fato gerador, mas o crédito tributário
é excluído pela lei que o isenta. Neste diapasão, o conceito de isenção é modalidade de
exclusão do crédito tributário prevista em lei (que dispensa o pagamento ou determina não-
incidência, a depender da corrente adotada).

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1.1. Isenção autonômica ou heterônoma

Partindo-se da premissa que a isenção é uma dispensa legal do pagamento, corrente


majoritária, ela é também uma renúncia de receita, pois que um fato gerador, que mereceria
lançamento, deixa e ser tributado.
Como renúncia de receita, a lei que determina a isenção deveria ser editada, em
regra, pelo próprio ente que institui o tributo. Quando assim o for, se tratará de uma isenção
autonômica, em que quem renuncia ao tributo é aquele mesmo ente que o instituiu. E esta é
a regra geral no direito tributário.
Quando, ao contrário, uma lei federal isentar tributação dos estados ou dos
municípios, ou uma lei estadual isentar tributos municipais, tratar-se-á de isenção
heterônoma. Esta modalidade é vedada pelo artigo 151, III, da CRFB:

“Art. 151. É vedado à União:


(...)
III - instituir isenções de tributos da competência dos Estados, do Distrito Federal
ou dos Municípios.”

Há, no entanto, três situações que a doutrina categoriza como exceções a esta regra
da vedação às isenções heterônomas. Em que pese serem normalmente tratadas como
exceções, não o seriam exatamente fugas à regra geral da vedação, como se verá, mas como
a doutrina e a jurisprudência as denomina exceções, assim o faremos.
As hipóteses excepcionais em que se verifica a exceção à vedação são as seguintes:
aquelas concedidas em tratados internacionais; as que se referem ao ICMS na exportação;
e as que se referem ao ISSQN na exportação, sendo que as duas últimas vêm
respectivamente consignadas nos artigos 155, X, “a”, e 156, § 3º, II, ambos da CRFB:

“Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
(...)
X - não incidirá:
a) sobre operações que destinem mercadorias para o exterior, nem sobre serviços
prestados a destinatários no exterior, assegurada a manutenção e o aproveitamento
do montante do imposto cobrado nas operações e prestações anteriores;
(...)”

“Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:


(...)
III - serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos
em lei complementar.
(...)
§ 3º Em relação ao imposto previsto no inciso III do caput deste artigo, cabe à lei
complementar:
(...)
II - excluir da sua incidência exportações de serviços para o exterior.
(...)”

Os tratados internacionais, todavia, não são tidos expressamente como exceção à


vedação da isenção heterônoma, mas a doutrina e jurisprudência os construiu como
exceção, sob tese bastante técnica. Veja: o que a vedação impõe é que lei federal isente

Michell Nunes Midlej Maron 75


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tributos dos estados e municípios. Ocorre que o tratado internacional não é uma lei federal:
é um ato composto por um decreto legislativo e um decreto presidencial, que são os atos
responsáveis pela internalização do tratado ao ordenamento – e que desde então estaria
habilitado a conceder tal isenção. Exemplo recorrente na doutrina é o Mercosul, assim
como o Gate (acordo geral de taxas e tarifas, que deu origem à OMC). Segundo a teoria
dualista moderada da internalização dos tratados, que nosso ordenamento adota, apesar de
chegar à ordem jurídica como uma lei ordinária, em regra, o tratado não é um ato da União
federal: é um ato da República Federativa, ou seja, é um ato nacional, é um ato da
Federação como um todo – e sendo assim, todos os entes federativos o estariam
subscrevendo, e não apenas a União.
É por isso que se poderia dizer que não se trata, de fato, de uma exceção à vedação
da isenção heterônoma: como o tratado é um ato nacional, significa que o ente federativo
menor, instituidor do tributo que está sofrendo a dispensa do pagamento, também
participou da concessão desta isenção, nem que seja de forma indireta. Tendo tomado parte
na concessão, é uma isenção autônoma, portanto.

1.2. Teoria da personificação do tributo

Esta teoria é melhor abordada em um estudo indutivo. Imagine-se que uma lei
municipal tenha concedido isenção tributária de IPTU para deficientes físicos locomotores.
Sabendo disso, os deficientes físicos visuais, através de sua associação, ingressam com
ação judicial requerendo a mesma isenção, ao argumento de atenção à isonomia. Esta
isenção deverá ser estendida aos deficientes visuais?
Antes de se responder a esta questão, note-se que esta isenção é uma clara aplicação
da teoria da personificação do tributo. O IPTU é um tributo real, que em nada guarda
relação com o proprietário do bem, mas tão somente com as condições do imóvel. Ao tomar
características pessoais do contribuinte em consideração, o imposto que seria estritamente
objetivo e impessoal, se torna pessoal.
Esta teoria tem sido admitida como forma de promoção da justiça tributária.
Personalizar o tributo não é violação a qualquer concepção constitucional do sistema
tributário.
Respondendo à questão proposta, a resposta é negativa. Isto porque o artigo 111, II,
do CTN, determina expressamente que as concessões de isenção são interpretadas de forma
absolutamente restrita, literal19, e sendo assim, não se pode estender uma isenção a qualquer
um que não esteja estritamente açambarcado na expressão da lei que outorga a isenção.
Veja:

“Art. 111. Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre:


I - suspensão ou exclusão do crédito tributário;
II - outorga de isenção;
III - dispensa do cumprimento de obrigações tributárias acessórias.”

19
A interpretação estrita traz outra conseqüência: a alta especificidade da isenção. Se a lei isentiva não
mencionar que os consectários ou quaisquer outros tributos acoplados a um determinado tributo que teve
isenção outorgada, não pode o contribuinte presumir que estes estão por ela englobados. Como exemplo, se há
isenção do IPTU de um imóvel, é somente este tributo que estará excluído, e não os demais, como taxas de
coleta de lixo, ou contribuições e melhoria referentes ao mesmo imóvel. Da mesma forma, a isenção só se
opera sobre tributos existentes quando da sua concessão.

Michell Nunes Midlej Maron 76


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Vislumbra-se então uma situação peculiar. De fato, a extensão da isenção não será
possível, mas há, ao mesmo tempo, uma real violação à isonomia: há, mesmo, a
inconstitucionalidade alegada pelos deficientes visuais não contemplados pela isenção.
Como solucionar esta incongruência, se o juiz não pode agir como legislador positivo,
estendendo a isenção? Deverá ser declarada inconstitucional a lei de outorga da isenção?
Esta seria, realmente, a medida técnica, mas a injustiça é flagrante: por não se poder
estender a isenção à categoria que dela careceria, se estará retirando um benefício de
categoria que dela precisa tanto quanto. Para solucionar esta circunstância peculiar, surgiu
no ordenamento o conceito de inconstitucionalidade imperfeita: como o Judiciário não
pode determinar ao legislador que inclua a categoria desfavorecida no escopo da lei, mas se
declarar a lei inconstitucional aquela categoria que tem o benefício será tremendamente
prejudicada, o Judiciário tem uma só saída, qual seja, julgar a lei “condicionalmente”
inconstitucional, no seguinte molde: se a lei, em determinado prazo estipulado pelo juízo,
preencher os requisitos que a tornem constitucional (no exemplo dado, se a lei for alterada
de forma a premiar a isonomia), ela será mantida no ordenamento como constitucional; se
neste prazo fixado o Legislativo não promover a alteração necessária a tornar a lei
constitucional, a lei será, de fato, retirada do ordenamento, por ser inconstitucional – com
todos os efeitos nefastos para a categoria que por ela era beneficiada.

1.3. Isenção objetiva e subjetiva

A isenção é subjetiva, por óbvio, quando seu campo de afecção incide sobre
pessoas; a objetiva, ao contrário, alveja coisas, objetos. Como exemplo, a isenção de ICMS
sobre determinada mercadoria é objetiva; a isenção de tributos para ex-combatentes de
guerra é subjetiva.
Pode haver, sem problema algum, a isenção mista, que seja incidente sobre um
determinado objeto, para determinado perfil de contribuintes.

1.4. Isenção gratuita e onerosa

Há isenções que são concedidas sem que seja exigido do contribuinte beneficiado
nenhum tipo de encargo, nenhum ônus patrimonial – são as isenções gratuitas. Ao
contrário, quando a isenção demanda, para sua concessão, que o contribuinte beneficiado
arque com algum tipo de contrapartida de natureza patrimonial, trata-se da isenção onerosa.
O tratamento dispensado a cada tipo é diverso. O artigo 178 do CTN traz a nota:

“Art. 178 - A isenção, salvo se concedida por prazo certo e em função de


determinadas condições, pode ser revogada ou modificada por lei, a qualquer
tempo, observado o disposto no inciso III do art. 104.”

A isenção gratuita pode ser revogada a qualquer tempo e, segundo a corrente


majoritária, como visto, não precisa respeitar a anterioridade tributária, sendo o tributo
devido dali em diante. O efeito da revogação, diga-se, é claro que não retroagirá para
alcançar os fatos pretéritos, mas prospectivamente, ex nunc, o tributo será devido, não se
falando em direito adquirido a não ser tributado prospectivamente – havendo direito
adquirido ou ato jurídico perfeito para os fatos passados antes da revogação.

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Na isenção onerosa, a interpretação do artigo pode induzir a se pensar,


erroneamente, que vige irrevogabilidade do benefício. Mas veja que não se veda a
revogação, neste artigo, por óbvio: não há lei irrevogável. O que é irrevogável é o efeito já
produzido pela isenção revogada. Se a lei que concedeu a isenção onerosa for revogada,
desconsiderando a depleção patrimonial do contribuinte que preenchera os requisitos para
obtê-la, este terá direito à indenização de seus prejuízos pelo Poder Público.

2. Isenção, imunidade e alíquota zero

A imunidade é a inexistência de fato gerador. A isenção é um bloqueio à incidência


sobre um fato gerador que existe. Um exemplo tem bastante valor: se os raios solares
fossem considerados fatos geradores, um bloqueio de cem por cento da sua passagem por
uma janela seria a isenção. A imunidade, por sua vez, seria apagar os raios solares, ou seja,
a inexistência daqueles fatos geradores.
Assim, isenção é a dispensa legal do pagamento do tributo, e pode ser revogada,
enquanto a imunidade (ou a não-incidência em geral) é a inexistência do fato gerador,
sequer gerando a tributação.
Já a alíquota zero é diferente. A alíquota é um dos elementos do elemento
quantitativo do fato gerador integral. Veja: o fato gerador integral é composto pelos
elementos objetivo, subjetivo, espacial, temporal e quantitativo. Este último se destina a
quantificar o valor do tributo, se dividindo em alíquota e base de cálculo.
Quando se atribui valor zero à alíquota, qualquer número multiplicado por zero será
igualmente zero. Assim, o valor do tributo é zero porque a alíquota aplicada ao elemento
quantitativo é zero, e não porque a lei dispensa o pagamento, como na isenção.
Veja, a isenção recobre todos os elementos do fato gerador, ou seja, simplesmente
impede que o fato gerador seja tributado, bloqueando o lançamento, impedindo a eficácia
da lei de incidência. A alíquota zero, por sua vez, só atua sobre um dos elementos do
elemento quantitativo do fato gerador, não tendo qualquer efeito sobre os demais. Assim, a
alíquota zero é um mero número atribuído a um elemento quantitativo, não se confundindo
com a isenção.
E repare ainda que, diferentemente das isenções, a alíquota pode ser alterada, nos
tributos extrafiscais, por meio de decreto executivo, porque a principal função desta
alteração, nesses casos, é controlar situações emergenciais, o que seria impossível se o
processo legislativo fosse observado. A alíquota zero, de fato, é um instrumento de política
fiscal poderoso, hábil a manejar o mercado segundo necessidades econômicas e de governo.

3. Convênios de isenção de ICMS

Toda isenção deve ser outorgada em lei específica, como dispõe o artigo 176 do
CTN, usque artigo 150, § 6º, da CRFB:

“Art. 176. A isenção, ainda quando prevista em contrato, é sempre decorrente de


lei que especifique as condições e requisitos exigidos para a sua concessão, os
tributos a que se aplica e, sendo caso, o prazo de sua duração.
Parágrafo único. A isenção pode ser restrita a determinada região do território da
entidade tributante, em função de condições a ela peculiares.”

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“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado


à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(...)
§ 6.º Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de
crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou
contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou
municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o
correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2.º,
XII, g.
(...)”

Lei específica é aquela que é exclusivamente dedicada a um só assunto, a uma só


matéria.
Diante desta legalidade específica, surge discussão sobre os convênios que
operacionalizam as isenções do ICMS. O artigo 155, § 2º, XII, “g”, da CRFB, estabelece
que os benefícios sobre o ICMS são feitos necessariamente sob deliberação dos Estados e
Distrito Federal, deliberação que culmina nos convênios firmados no Confaz – Conselho
Nacional de Política Fazendária. Veja:

“Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
(...)
§ 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
(...)
XII - cabe à lei complementar:
(...)
g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal,
isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.
(...)”

O motivo desta deliberação ser necessária é evitar a guerra fiscal que este tributo
pode gerar, pois a isenção unilateralmente concedida de ICMS pode atrair empresas para
determinado Estado, prejudicando o equilíbrio econômico.
Assim, não pode um Estado conceder isenção por meio de lei, mas sem convênio
que autorize tal isenção. O problema que se suscita é o seguinte: pode o ente federativo,
com base no convênio que autorizou a isenção, e somente nele, outorgar a isenção sem lei
que a ampare, mediante simples decreto do Executivo?
Há dois posicionamentos. A posição fazendária é de que é possível, pois o que o
artigo 155, § 2º, XII, “g”, da CRFB exige é a regulamentação em lei complementar 20 da
feitura dos convênios, da deliberação, e não a própria outorga da isenção, e mais: o § 6º do
artigo 150 da CRFB excepciona justamente o caso dos convênios, como se pode ver na
parte final de sua redação, supra. Assim, mero decreto seria hábil a conceder a isenção
conveniada, e esta é a posição majoritária.
Há, porém, tese contrária, minoritária, mas com doutrina de peso a seu lado, que
reputa necessária a lei concedente da isenção conveniada, não podendo vir em decreto. O
fundamento é que, como o ICMS é um tributo que comporta acirrada guerra fiscal, e
justamente para isso se criou a restrição da necessidade do convênio, esta restrição deve
cumular-se com a reserva legal, pois do contrário perde força a limitação à guerra fiscal.
Aqui cabe mencionar, brevemente, o que seria legalidade consentida, especialmente
no direito tributário. Vê-se que, especialmente na seara tributária, a lei é exigida em quase
20
O artigo 34, § 8º, do ADCT, e as Leis Complementares 24/75 e 87/96, tratam desta matéria.

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tudo que se observe. Isto porque a lei assume duas vertentes: a formal, natureza de norma, e
a consentida, que é justamente a participação do povo no processo democrático, o que se
faz por meio da lei. O povo concede aos seus representantes o poder de legislar, e a
legalidade preserva a vontade do povo – o que tem especial relevância na tributação, meio
de subsistência do Estado democrático.

Casos Concretos

Questão 1

A PREFEITURA MUNICIPAL DE BREJO SECO - AL, em retribuição aos feitos


dos ex-pracinhas na Campanha da Itália, resolve isentá-los do pagamento do IPTU,
através de Lei Municipal, regulamentada por Decreto.
JOSÉ ESMERALDO JUNQUEIRA, ex-combatente da Força Expedicionária
Brasileira, morador da cidade, resolve habilitar-se ao benefício que lhe é concedido pela
Prefeitura, por enquadrar-se nas condições estabelecidas pelo Decreto. Entretanto, na
ocasião da habilitação do interessado, o IPTU de seu imóvel já havia sido lançado,
constituindo o crédito tributário correspondente.
Pergunta-se:
a) A isenção do imposto estabelecida no Decreto Municipal constitui modalidade
de exclusão do crédito tributário?
b) Mesmo com o crédito tributário referente ao IPTU já constituído, JOSÉ
ESMERALDO terá direito à isenção no presente exercício, ou somente no ano
seguinte?
c) Como deve proceder o interessado para habilitar-se ao benefício perante a
Fazenda Municipal?
Fundamente todas as respostas com base no CTN.

Resposta à Questão 1

a) Isenção é modalidade de exclusão: extingue a obrigação antes mesmo de o


crédito ser constituído, para a teoria dualista, que nós adotamos (artigo 175, I,
CTN).

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b) Neste caso, não: a exclusão deve ser prévia ao lançamento. Fosse remissão,
seria de imediato, mas isenção só no exercício seguinte (artigo 177, II, CTN).

c) Deve peticionar junto ao fisco, comprovando que se enquadra sob todas as


condições e preenche todos os requisitos para obtenção do benefício (artigo 179,
CTN).

Questão 2

A Federação do Comércio do Estado do Rio de Janeiro, representado as empresas


de exportação baseadas no Estado, impetrou Mandado de Segurança Coletivo, com pedido
de liminar, contra ato do Sr. Diretor da Receita Estadual, objetivando suspender os efeitos
da portaria especial do drawback sobre a exportação do produto com insumo importado e
ele agregado, para fruição do benefício na importação com a conseqüente isenção
tributária. Argumenta que a exigência é ilegal e abusiva, pois o benefício isentivo é
possível com o simples registro no sistema de drawback. Afirma que a exigência fazendária
caracteriza bis in idem. Deferida a liminar, a autoridade coatora prestou as informações
pedindo a revogação da liminar e a denegação do writ, defendendo a legalidade da
resolução sob o fundamento de que o regime drawback impõe operação real de
exportação, não se coadunando com ato fictício, e não se caracterizando bis in idem. O
representante do MP, em ofício, opina desfavoravelmente à pretensão do impetrante. Sendo
este o relatório, fundamente e decida, na forma de sentença.

Resposta à Questão 2

Drawback é um efeito de suspensão, restituição ou isenção de um tributo sobre uma


mercadoria importada, a qual é apenas uma parte integrante de um todo que vai ser
novamente exportado. Esta entrada e saída seria demasiadamente onerosa, e por isso o
drawback é um sistema tributário aduaneiro especial, que desonera esta mercadoria. Se a
mercadoria não for exportada, o drawback é cancelado.
Há duas opções de resposta. Se houve convênio de ICMS, não há qualquer
irregularidade na alegação do contribuinte, fazendo jus ao benefício, mesmo sendo tributo
estadual; por outro lado, se não houve o convênio, o tratamento federal (regime aduaneiro
especial) não se vincula à competência tributária dos Estados, pois seria isenção
heterônoma da União sobre o ICMS, que é vedada.
Prevalece o primeiro entendimento, pois existe o convênio, de número 27/90.

Questão 3

A Lei Complementar 70/91 concedeu às sociedades civis prestadoras de serviços


profissionais, isenção da COFINS relativa ao exercício da profissão legalmente
regulamentada; posteriormente a Lei Ordinária 9.430/96 revogou a referida Lei para
poder cobrar a contribuição.
UNICORAÇÃO - Serviços Médicos Cardiológicos Ltda. quer saber se deverá ou
não efetuar o pagamento da COFINS. Responda à empresa de forma fundamentada.

Michell Nunes Midlej Maron 81


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Resposta à Questão 3

A questão se resume à possibilidade ou não de revogação de isenção por lei


ordinária. A resposta, até pouco tempo, seria negativa: o STJ, como se depreende da sua
súmula 276, entendia que era matéria dada à reserva de lei complementar, e somente este
tipo normativo pode operar esta revogação – e portanto a empresa não deveria pagar o
Cofins. Neste sentido, veja o EREsp 354.012, que traz a íntegra da súmula 276 do STJ:

“EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA - TRIBUTÁRIO - COFINS - SOCIEDADES


CIVIS DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PROFISSIONAIS - ISENÇÃO
RECONHECIDA PELA LEI COMPLEMENTAR N. 71/91 (ART. 6O, II) -
REVOGAÇÃO PELA LEI ORDINÁRIA N. 9.430/96 - INADMISSIBILIDADE -
SÚMULA N. 276.
Permitir-se que uma fonte formal de menor bitola possa revogar a dispensa do
pagamento da COFINS, conferida por lei complementar, resulta em desconsiderar
a potencialidade hierarquicamente superior da lei complementar frente à lei
ordinária. Nessa linha de raciocínio, o Professor Manoel Gonçalves Ferreira Filho,
ancorado no magistério dos mestres Miguel Reale e Pontes de Miranda, elucida
que "é princípio geral de direito que, ordinariamente, um ato só possa ser desfeito
por outro que tenha obedecido à mesma forma" (cf. "Curso de Direito
Constitucional", 18a ed., Ed. Saraiva, p. 184).
"As sociedades civis de prestação de serviços profissionais são isentas da Cofins,
irrelevante o regime tributário adotado" (Súmula n. 276/STJ). Embargos de
declaração acolhidos.”

Ocorre que se a lei complementar trouxer matéria meramente formalmente


complementar, ou seja, matéria que poderia ser tratada em lei ordinária, esta pode ser alvo
de alteração por lei ordinária, mesmo porque o entendimento que não há hierarquização
entre estas espécies legislativas é forte. Tanto é assim que o STF já vinha se posicionando
de forma contrária ao entendimento do STJ, como se pode ver no agravo regimental no RE
574.052-8:

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO - SOCIEDADE CIVIL DE PRESTAÇÃO DE


SERVIÇOS PROFISSIONAIS RELATIVOS AO EXERCÍCIO DE PROFISSÃO
LEGALMENTE REGULAMENTADA - COFINS - MODALIDADE DE
CONTRIBUIÇÃO SOCIAL - OUTORGA DE ISENÇÃO POR LEI
COMPLEMENTAR (LC Nº 70/91) - MATÉRIA NÃO SUBMETIDA À RESERVA
CONSTITUCIONAL DE LEI COMPLEMENTAR - CONSEQÜENTE
POSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DE LEI ORDINÁRIA (LEI Nº 9.430/96)
PARA REVOGAR, DE MODO VÁLIDO, A ISENÇÃO ANTERIORMENTE
CONCEDIDA PELA LC Nº 70/91 - INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO
CONSTITUCIONAL - A QUESTÃO CONCERNENTE ÀS RELAÇÕES ENTRE
A LEI COMPLEMENTAR E A LEI ORDINÁRIA - INEXISTÊNCIA DE
VÍNCULO HIERÁRQUICO-NORMATIVO ENTRE A LEI COMPLEMENTAR
E A LEI ORDINÁRIA - ESPÉCIES LEGISLATIVAS QUE POSSUEM CAMPOS
DE ATUAÇÃO MATERIALMENTE DISTINTOS - DOUTRINA -
PRECEDENTES (STF) - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO.”

Pondo fim à discussão, o STJ, no julgado AR 3.761, presente no informativo 376,


aderiu à tese do STF e cancelou sua súmula 276. Veja:

“CANCELAMENTO. SÚM. N. 276-STJ.

Michell Nunes Midlej Maron 82


EMERJ – CP II Direito Tributário II

A Seção adotou o entendimento de que a revogação, por lei ordinária, da isenção


do recolhimento da Cofins concedida pela Lei Complementar n. 70/1991 não
afronta o princípio da hierarquia das leis. A referida LC, apesar de seu caráter
formalmente complementar, tratou de matéria não submetida à reserva
constitucional de lei complementar, a permitir, daí, que mudanças no texto daquele
diploma legal pudessem ser introduzidas por meio de simples leis ordinárias.
Assim, a Seção julgou procedente a ação rescisória e, em questão de ordem, anulou
o enunciado n. 276 da Súmula deste Superior Tribunal: as sociedades civis de
prestação de serviços profissionais são isentas da Cofins, irrelevante o regime
tributário adotado. AR 3.761-PR, Rel. Min. Eliana Calmon, julgada em
12/11/2008.”

Tema IX

Exclusão do Crédito Tributário II 2. Modalidade de exclusão: 2.2. ANISTIA 2.2.1 Conceito. Natureza
jurídica. Classificação; 2.2.2. Diferença entre remissão e anistia, 2.2.3. Questões controvertidas.
Jurisprudência. Doutrina.

Notas de Aula21

1. Exclusão do crédito tributário

Por conceito, excluir o crédito tributário é evitar que este se constitua. Esta é a
concepção que se depreende do CTN. Mas os conceitos tributários são muito imprecisos,
em disparidade gritante com o que o direito privado já vem assentando há séculos. Por
exemplo, entender que o lançamento é constitutivo do crédito tributário – e é mesmo, não
se discute –, sob a ótica do conceito civilista de ato constitutivo é uma aberração: significa
que, antes do lançamento, nada havia, o que não é verdade: a obrigação tributária surgira já
no fato gerador. Isto gera a absurda situação de uma obrigação sem crédito: se o lançamento
é constitutivo do crédito, como quer o CTN, a obrigação que a este antecedera é uma
obrigação sem crédito correspondente – sendo que obrigação e crédito são duas faces de
uma mesma moeda, inseparáveis, como informa o estudo civilista de onde se originam
todos os conceitos da seara obrigacional.
É fato, então, que o crédito tributário vem a reboque da obrigação tributária. A fim
de compatibilizar as concepções tributária e civil, pode-se dizer que o crédito tributário, que
já existia desde o surgimento da obrigação, ainda não estava pronto e acabado, por assim
dizer: com a obrigação, ainda não está documentado, não permitindo, portanto, ao
contribuinte pagá-lo ou ao fisco exigi-lo. E este é o verdadeiro papel do lançamento:
estratificar o crédito oriundo da obrigação tributária. Assim deve ser lida a expressão
“constituir o crédito tributário”.

21
Aula proferida pelo professor Camilo Fernandes da Graça, em 14/11/2008.

Michell Nunes Midlej Maron 83


EMERJ – CP II Direito Tributário II

Não é sem bases, portanto, que existem duas correntes sobre a natureza jurídica do
lançamento, a dualista e a unicista. Há uma parcela que entende que a obrigação tributária
surge com o fato gerador; dali é realizado o lançamento, e só então surge o crédito
tributário. Para esta, o lançamento é declaratório da obrigação tributária, e constitutivo do
crédito tributário – é a corrente dualista. De outro lado, há uma parcela que defende que a
obrigação tributária, quando nasce, já faz nascer também o crédito tributário, e o
lançamento seria meramente uma declaração da obrigação e do crédito tributário, apenas se
prestando a revelar o crédito em concreto, transformando-o em tributo. Para esta, o
lançamento tem natureza declaratória tanto da obrigação quanto do crédito tributário – é
a corrente monista, ou unicista.
O CTN é dualista. Veja o artigo 142 do CTN:

“Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito


tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo
tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente,
determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o
sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.
Parágrafo único. A atividade administrativa de lançamento é vinculada e
obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional.”

De qualquer forma, é certo que o crédito se torna exigível apenas depois de feito o
lançamento. É exigível, e pode ser pago, mas ainda não é exeqüível: só poderá ser
executado depois que for inscrito na dívida ativa.
Dito tudo isso, voltemos à exclusão do crédito. Se a exclusão é deixar de constituir o
crédito, é equivalente a dizer, para a corrente adotada no CTN, que é deixar de efetuar o
lançamento. E este é o conceito clássico da exclusão. Todavia, na análise da primeira
modalidade de exclusão, da isenção, a doutrina mais moderna vem entendendo que é
necessária uma interpretação normativa do instituto, baseada no concurso das leis referentes
ao tributo: primeiro, há a lei geral de incidência, que diz o que é o fato gerador do tributo;
em seguida, há a lei isentante, que não apenas impede que seja feito o lançamento, mas sim
retira do campo da hipótese de incidência aquele fato que era imponível, ou seja, elide a
natureza de fato gerador das hipóteses que isenta (sem revogar a lei geral, por óbvio). O
fato deixa de ser considerado fato gerador, e sequer há surgimento de obrigação tributária.
Repita-se, esta é a corrente mais moderna: a corrente clássica entende que há fato gerador,
sem haver, no entanto, possibilidade de lançamento.
Já tendo sido abordada a isenção, primeira modalidade de exclusão, passemos ao
estudo da anistia, outra modalidade de exclusão altamente relevante.

2. Anistia

A polêmica sobre a isenção não se repete na anistia. Esta modalidade de exclusão


incide apenas sobre o crédito tributário nascido de uma penalidade aplicada por uma
infração cometida.
Apesar do CTN dizer que tributo não é penalidade, há penalidades que geram
crédito tributário. Veja o artigo 113, § 1º, do codex tributário:

“Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória.

Michell Nunes Midlej Maron 84


EMERJ – CP II Direito Tributário II

§ 1º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o
pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o
crédito dela decorrente.
(...)”

Mesmo havendo este imbróglio, em que o legislador diz que tributo não é sanção,
mas coloca sanções como parcela da obrigação tributária principal, esta é a realidade, um
tanto paradoxal, do sistema atual.
Dito isso, a anistia é o perdão da infração cometida, e, como conseqüência, há a
elisão da penalidade pecuniária imposta: passa a ser exigida apenas a parcela
essencialmente tributária do crédito tributário.
Excluir o crédito tributário é impedir que seja feito o lançamento tributário, como
dito. Seguindo-se esta linha, a anistia, enquanto modalidade de exclusão, somente poderá
alcançar as penalidades que ainda não foram lançadas. Imagine-se, entretanto, a seguinte
situação: dois contribuintes, nas mesmas condições, praticaram infrações idênticas. Na
dinâmica da tributação, o fisco já lançou o crédito e a penalidade para um deles, mas ainda
não o fez para o outro. Ocorre que, neste interregno, quando um já tinha seu débito lançado
e outro ainda não, vem uma lei que concede anistia de tais penalidades. Seguindo a regra,
apenas aquele cujo lançamento está pendente será beneficiado pela anistia, havendo patente
avilte à isonomia. É por esta grave incongruência que Luciano Amaro conclui que, ainda
que o tributo e a penalidade já tenham sido lançados, em casos assim a anistia poderá
alcançar o que já foi lançado, mesmo que signifique deturpar o próprio conceito de
exclusão do crédito tributário.
O artigo 180 do CTN determina que a anistia só pode ser concedida mediante lei, o
que já é previsto no artigo 97, VI, do mesmo diploma, que exige lei stricto sensu. Veja:

“Art. 180. A anistia abrange exclusivamente as infrações cometidas anteriormente


à vigência da lei que a concede, não se aplicando:
I - aos atos qualificados em lei como crimes ou contravenções e aos que, mesmo
sem essa qualificação, sejam praticados com dolo, fraude ou simulação pelo sujeito
passivo ou por terceiro em benefício daquele;
II - salvo disposição em contrário, às infrações resultantes de conluio entre duas ou
mais pessoas naturais ou jurídicas.”

“Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:


(...)
VI - as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de
dispensa ou redução de penalidades.
(...)”

Outro aspecto claro no artigo 180, supra, é o alcance temporal da anistia: esta só
elide as penalidades que já foram impostas, por óbvio, pois se se tratasse de um perdão
prospectivo, de penalidades pró-futuro, o instituto seria um salvo conduto para a prática de
infrações. De fato, se assim fosse, operaria efeitos de verdadeira revogação da sanção,
deixando de considerar ilícita uma determinada conduta, vez que já seria perdoada no seu
nascedouro.
O inciso I do artigo em comento veda concessão de anistia a penalidades que, além
de sanção tributária, sejam merecedoras de sanção penal. Além disso, impede que condutas
ardilosas sejam beneficiadas por este instituto: presente vício daqueles ali elencados, a
anistia é vedada.

Michell Nunes Midlej Maron 85


EMERJ – CP II Direito Tributário II

O inciso II é um tanto estranho. Veja: este dispositivo nada mais faz do que repetir a
vedação do inciso I, mas considerando concurso de pessoas. Mas repare o absurdo: no
inciso I, não há qualquer ressalva à vedação da anistia; no inciso II, o legislador permitiu
que disposição em contrário pudesse mitigar a vedação da anistia, ou seja: fraudando
sozinho, o agente jamais terá anistia; fraudando em conluio, pode haver lei que permita ser
anistiado.
A legalidade exigida para a concessão da anistia é ainda delimitada na CRFB, que
no artigo 150, § 6º, exige lei específica, que é aquela dedicada exclusivamente à matéria,
sem tratar de outros assuntos:

“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado


à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(...)
§ 6.º Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de
crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou
contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou
municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o
correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2.º,
XII, g.
(...)”

O máximo que é tolerado é que, se a lei trata de um tributo em algum aspecto


qualquer, pode também tratar da anistia sobre aquele mesmo tributo.
Outra questão é que a anistia também obedece à vedação da heteronomia: a
concessão de anistia só pode ser feita pelo próprio ente tributante.
A anistia é espécie de renúncia fiscal. A Lei de Responsabilidade Fiscal, Lei
Complementar 101/00, dispõe, no seu artigo 14, especialmente no § 1º, o que se considera
renúncia fiscal:

“Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza


tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de
estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar
sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes
orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições:
I - demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa
de receita da lei orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará as metas de
resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias;
II - estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no
caput, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas,
ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.
§ 1o A renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido,
concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de
base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e
outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado.
§ 2o Se o ato de concessão ou ampliação do incentivo ou benefício de que trata o
caput deste artigo decorrer da condição contida no inciso II, o benefício só entrará
em vigor quando implementadas as medidas referidas no mencionado inciso.
§ 3o O disposto neste artigo não se aplica:
I - às alterações das alíquotas dos impostos previstos nos incisos I, II, IV e V do
art. 153 da Constituição, na forma do seu § 1o;
II - ao cancelamento de débito cujo montante seja inferior ao dos respectivos
custos de cobrança.”

Michell Nunes Midlej Maron 86


EMERJ – CP II Direito Tributário II

Destarte, sendo renúncia de receita, a concessão de anistia é situação


tremendamente excepcional, e deve haver bastante cautela nesta outorga, sob pena de
desequilibrar as contas públicas, pelo que é exigido amplo detalhamento da justificativa da
concessão, sob pena de ser considerada inconstitucional.
O artigo 181 do CTN traz as modalidades de anistia que podem ser concedidas, que
são a anistia geral, a limitada e a condicionada (que vem englobada, no CTN, sob a espécie
limitada):

“Art. 181. A anistia pode ser concedida:


I - em caráter geral;
II - limitadamente:
a) às infrações da legislação relativa a determinado tributo;
b) às infrações punidas com penalidades pecuniárias até determinado montante,
conjugadas ou não com penalidades de outra natureza;
c) a determinada região do território da entidade tributante, em função de
condições a ela peculiares;
d) sob condição do pagamento de tributo no prazo fixado pela lei que a conceder,
ou cuja fixação seja atribuída pela mesma lei à autoridade administrativa.”

A anistia geral é aquela que alcança todos que dela possam se beneficiar, sem que
seja necessário nenhum ato por parte destes beneficiários. A própria lei já concede o
benefício em caráter geral, indistinto, para todos os contribuintes de determinado tributo.
A anistia pode ser concedida também de forma limitada, como prevêem as alíneas
“a”, “b” e “c” deste artigo 181. As hipóteses são bem literais.
A alínea “d”, por sua vez, mesmo nomeada como limitada, se trata de anistia
condicional, que é a mais comum: é quando o fisco perdoa da sanção o contribuinte que
adimplir a obrigação principal original. Alguns autores consideram esta anistia uma forma
de transação, através da qual se pretende extinguir o crédito tributário: o fisco abre mão da
penalidade, e o contribuinte abre mão de eventual impugnação.
A anistia limitada ou condicionada, ao contrário da geral, que é automática, depende
da atuação do interessado junto ao fisco, na forma do artigo 182 do CTN:

“Art. 182. A anistia, quando não concedida em caráter geral, é efetivada, em cada
caso, por despacho da autoridade administrativa, em requerimento com a qual o
interessado faça prova do preenchimento das condições e do cumprimento dos
requisitos previstos em lei para sua concessão.
Parágrafo único. O despacho referido neste artigo não gera direito adquirido,
aplicando-se, quando cabível, o disposto no artigo 155.”

Preenchidos os requisitos, a anistia é direito do contribuinte, sendo ato vinculado da


administração.
Para ilustrar o tema, vale colar aqui dois julgados interessantes, em duas ADIs:

“ADI 155. EMENTA: Inconstitucionalidade, por contrariar o processo legislativo


decorrente do art. 150, § 6º, da Constituição Federal (onde se exige a edição de lei
ordinária específica), bem como do princípio da independência dos Poderes (art.
2º), a anistia tributária concedida pelo art. 34, e seus parágrafos, do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias, de 1989, do Estado de Santa Catarina.”

Michell Nunes Midlej Maron 87


EMERJ – CP II Direito Tributário II

“ADI-MC 1.247. E M E N T A: AÇÃO DIRETA DE


INCONSTITUCIONALIDADE - INEXISTÊNCIA DE PRAZO DECADENCIAL
- ICMS - CONCESSÃO DE ISENÇÃO E DE OUTROS BENEFÍCIOS FISCAIS,
INDEPENDENTEMENTE DE PREVIA DELIBERAÇÃO DOS DEMAIS
ESTADOS-MEMBROS E DO DISTRITO FEDERAL - LIMITAÇÕES
CONSTITUCIONAIS AO PODER DO ESTADO-MEMBRO EM TEMA DE
ICMS (CF, ART. 155, 2., XII, "G") - NORMA LEGAL QUE VEICULA
INADMISSIVEL DELEGAÇÃO LEGISLATIVA EXTERNA AO
GOVERNADOR DO ESTADO - PRECEDENTES DO STF - MEDIDA
CAUTELAR DEFERIDA EM PARTE. AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE E PRAZO DECADENCIAL: O ajuizamento da
ação direta de inconstitucionalidade não esta sujeito a observancia de qualquer
prazo de natureza prescricional ou de caráter decadencial, eis que atos
inconstitucionais jamais se convalidam pelo mero decurso do tempo. Súmula 360.
Precedentes do STF. DIREITO DE PETIÇÃO E AÇÃO DIRETA: O direito de
petição, presente em todas as Constituições brasileiras, qualifica-se como
importante prerrogativa de caráter democratico. Trata-se de instrumento jurídico-
constitucional posto a disposição de qualquer interessado - mesmo daqueles
destituidos de personalidade jurídica -, com a explicita finalidade de viabilizar a
defesa, perante as instituições estatais, de direitos ou valores revestidos tanto de
natureza pessoal quanto de significação coletiva. Entidade sindical que pede ao
Procurador-Geral da Republica o ajuizamento de ação direta perante o STF.
Provocatio ad agendum. Pleito que traduz o exercício concreto do direito de
petição. Legitimidade desse comportamento. ICMS E REPULSA
CONSTITUCIONAL A GUERRA TRIBUTARIA ENTRE OS ESTADOS-
MEMBROS: O legislador constituinte republicano, com o proposito de impedir a
"guerra tributaria" entre os Estados-membros, enunciou postulados e prescreveu
diretrizes gerais de caráter subordinante destinados a compor o estatuto
constitucional do ICMS. Os princípios fundamentais consagrados pela
Constituição da Republica, em tema de ICMS, (a) realcam o perfil nacional de que
se reveste esse tributo, (b) legitimam a instituição, pelo poder central, de
regramento normativo unitario destinado a disciplinar, de modo uniforme, essa
espécie tributaria, notadamente em face de seu caráter não-cumulativo, (c)
justificam a edição de lei complementar nacional vocacionada a regular o modo e a
forma como os Estados-membros e o Distrito Federal, sempre após deliberação
conjunta, poderao, por ato próprio, conceder e/ou revogar isenções, incentivos e
benefícios fiscais. CONVENIOS E CONCESSÃO DE ISENÇÃO, INCENTIVO E
BENEFICIO FISCAL EM TEMA DE ICMS: A celebração dos convenios
interestaduais constitui pressuposto essencial a valida concessão, pelos Estados-
membros ou Distrito Federal, de isenções, incentivos ou benefícios fiscais em tema
de ICMS. Esses convenios - enquanto instrumentos de exteriorização formal do
previo consenso institucional entre as unidades federadas investidas de
competência tributaria em matéria de ICMS - destinam-se a compor os conflitos de
interesses que necessariamente resultariam, uma vez ausente essa deliberação
intergovernamental, da concessão, pelos Estados-membros ou Distrito Federal, de
isenções, incentivos e benefícios fiscais pertinentes ao imposto em questão. O
pacto federativo, sustentando-se na harmonia que deve presidir as relações
institucionais entre as comunidades politicas que compoem o Estado Federal,
legitima as restrições de ordem constitucional que afetam o exercício, pelos
Estados-membros e Distrito Federal, de sua competência normativa em tema de
exoneração tributaria pertinente ao ICMS. MATÉRIA TRIBUTARIA E
DELEGAÇÃO LEGISLATIVA: A outorga de qualquer subsidio, isenção ou
crédito presumido, a redução da base de calculo e a concessão de anistia ou
remissão em matéria tributaria só podem ser deferidas mediante lei especifica,
sendo vedado ao Poder Legislativo conferir ao Chefe do Executivo a prerrogativa
extraordinária de dispor, normativamente, sobre tais categorias tematicas, sob pena

Michell Nunes Midlej Maron 88


EMERJ – CP II Direito Tributário II

de ofensa ao postulado nuclear da separação de poderes e de transgressão ao


princípio da reserva constitucional de competência legislativa. Precedente: ADIn
1.296-PE, Rel. Min. CELSO DE MELLO.”

Casos Concretos

Questão 1

Considere a seguinte lei:"Art. 1º. Autoriza o Poder Executivo a cancelar todas as


certidões de dívida com valor inferior a R$ 100,00 e a não prosseguir nas execuções fiscais
já ajuizadas, cujo principal e acrescidos não forem superiores ao mencionado valor. Art.
2º. Todos os contribuintes em débito com a Fazenda Pública, relativo ao imposto "n", até o
presente exercício ficarão dispensados de pagar multa e juros moratórios, se solverem o
principal, monetariamente atualizado, até o dia dd/mm/aa". Identifique os institutos a que
se referem os dispositivos acima, sucintamente explanando a distinção entre eles.

Resposta à Questão 1

O primeiro caso é remissão, causa de extinção do crédito tributário, elidindo o


pagamento após o lançamento ter sido efetuado. O segundo caso, o artigo 2º da lei
hipotética, trata-se de anistia, modalidade de exclusão do crédito tributário, vez que apenas
elide a cobrança de juros e penalidades, mantendo a exigência do principal. E, diga-se, é
anistia condicionada, do artigo 181, II, “d”, do CTN.

Questão 2

O Governador do Estado de Santa Catarina promoveu ação direta de


inconstitucionalidade da Lei Estadual 11.393/2000, de iniciativa do Deputado X, que
dispõe acerca do tributo denominado ICMS: "Art. 1º. Ficam canceladas as notificações
fiscais emitidas com base na Declaração de Informações Econômico-Fiscais - DIEF, ano
base 1998. Art. 2º. O Poder Executivo fica obrigado a restituir, no prazo de 30 (trinta)
dias, os valores eventualmente recolhidos aos cofres públicos, decorrentes das notificações
fiscais ora canceladas. Art. 3º. O disposto nesta Lei aplica-se igualmente a notificações
fiscais emitidas pela falta de entrega da DIEF. Art. 4º. Esta lei entra em vigor na data de
sua publicação. Art. 5º. Revogam-se as disposições em contrário". Pergunta-se:

Michell Nunes Midlej Maron 89


EMERJ – CP II Direito Tributário II

a) Existe alguma irregularidade nesta lei?


b) O art. 2º da Lei 11.393/2000 refere-se à concessão de anistia ou isenção?
Fundamente sua resposta.

Resposta à Questão 2

a) Trata-se, toda a lei, de uma violação à separação de poderes e ao próprio pacto


federativo, bem como aos princípios regentes do orçamento público, uma vez
que o legislativo estadual está extirpando receita pública do Executivo, sem
ingerência deste.

b) É anistia tributária, mas um tanto desvirtuada, vez que peculiarmente refere-se a


penalidade em tributo que já foi lançado, contra a regra geral.

Todas as inconstitucionalidades que eivam esta norma podem ser encontradas na


ADI 2.345, cuja ementa segue transcrita:

“EMENTA: - DIREITO CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. AÇÃO DIRETA


DE INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI ESTADUAL Nº 11.393 , DE 03 DE
MAIO DE 2000, DO ESTADO DE SANTA CATARINA, QUE TRATA DO
CANCELAMENTO DE NOTIFICAÇÕES FISCAIS EMITIDAS COM BASE NA
DECLARAÇÃO DE INFORMAÇÕES ECONÔMICO-FISCAIS - DIEF, ANO
BASE DE 1998. ALEGAÇÃO DE QUE TAL NORMA VIOLA O DISPOSTO
NOS ARTIGOS 1º, 2º, 61, § 1º, INCISO II, ALÍNEA "b", E 155, § 2º, INCISO
XII, ALÍNEA "g", DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. MEDIDA CAUTELAR
(ART. 170, § 1º, DO R.I.S.T.F.). 1. Não há dúvida de que a Lei em questão anula
atos administrativos, quando diz: "Ficam canceladas as notificações fiscais
emitidas com base na Declaração de Informações Econômico -Fiscais-DIEF, ano
base 1998". Ora, atos administrativos do Poder Executivo, se ilegais ou
inconstitucionais, podem ser anulados, em princípio, pelo próprio Poder Executivo,
ou, então, pelo Judiciário, na via própria. Não, assim, pelo Legislativo. 2. Afora
isso, o art. 2o da Lei obriga o Estado a restituir, no prazo de trinta dias, os valores
eventualmente recolhidos aos cofres públicos, decorrentes das notificações fiscais
canceladas. 3. E tudo sem iniciativa do Poder Executivo, o que seria, em princípio,
necessário, por se tratar de matéria tributária (artigo 61, II, "b", da C.F.). Mesmo
que se qualifique a Lei impugnada, como de anistia, que ao Legislativo caberia, em
princípio, conceder (art. 48, VIII, da Constituição), não deixaria de ser uma anistia
tributária, a exigir a iniciativa do Chefe do Poder Executivo. Até porque provoca
repercussão no erário público, na arrecadação de tributos e, conseqüentemente, na
Administração estadual. 4. Havendo, assim, repercussão no orçamento do Estado,
diante da referida obrigação de restituir, parece violado, ao menos, o disposto no
art. 165, III, da C.F., quando atribui ao Poder Executivo a iniciativa da lei
orçamentária anual. 5. Por fim, o cancelamento das notificações, de certa forma,
traz benefício aos contribuintes de I.C.M.S., sem observância do disposto no art.
155, § 2°, XII, "g", da C.F., que exige Lei Complementar para regular sua
concessão, com a ressalva do parágrafo 8° do art. 34 do A.D.C.T. 6. Estando
preenchidos os requisitos da plausibilidade jurídica da Ação ("fumus boni iuris") e
do "periculum in mora", a medida cautelar é deferida, para se suspender, "ex tunc",
a eficácia da Lei n° 11.393, de 03.05.2000, do Estado de Santa Catarina. 7. Decisão
unânime.”

Questão 3

Michell Nunes Midlej Maron 90


EMERJ – CP II Direito Tributário II

Distinguir os institutos tributários da:


a) isenção;
b) remissão;
c) anistia.

Resposta à Questão 3

a) Isenção, segundo maior corrente, é a dispensa legal do pagamento de um tributo


em que ocorreu o fato gerador, mas sem que tenha havido lançamento. É forma
de exclusão do crédito tributário;

b) Remissão é forma de extinção do crédito tributário, em que pode haver até


mesmo o lançamento;
c) Anistia é a exclusão das penalidades porventura incidentes sobre um tributo,
como benesse motivacional ao seu adimplemento pelos devedores morosos, ou
por qualquer outro motivo justo, na forma da lei.

Michell Nunes Midlej Maron 91


EMERJ – CP II Direito Tributário II

Tema X

Garantias e privilégios do crédito tributário I 1. Conceito; 2. Significado das expressões garantias,


privilégios e preferências; 3. Norma jurídica sobre garantias e privilégios do crédito tributário; 4. As
garantias e privilégios do crédito tributário. CTN, artigos 183 a 193; 5. Competência. Direito intertemporal.
Interpretação; 6. Concurso fiscal de preferências. Concurso de execuções;

Notas de Aula22

1. Garantias e privilégios do crédito tributário

Garantias são meios de se assegurar um direito. Privilégios, diversamente, são


regras especiais que são diferentes das regras gerais, das regras que são aplicáveis a todos.
O CTN, no Capítulo VI do Título III, preferiu tratar os dois institutos em conjunto, mas isso
não os torna sinonímicos.
Privilégios injustificados não são válidos – são os ditos privilégios odiosos,
expressão de Ricardo Lobo Torres. Os créditos tributários, todavia, são de interesse público,
e por isso as regras especiais que lhes conferem tratamento diferenciado não são privilégios
odiosos – são mais do que justificados.
O artigo 183 do CTN estabelece que as garantias estabelecidas nos artigos
subseqüentes não são numerus clausus, abrindo espaço para que as leis instituidoras de
cada tributo criem novos meios de asseguração do crédito referente a tal tributo. Veja:

“Art. 183. A enumeração das garantias atribuídas neste Capítulo ao crédito


tributário não exclui outras que sejam expressamente previstas em lei, em função
da natureza ou das características do tributo a que se refiram.
Parágrafo único. A natureza das garantias atribuídas ao crédito tributário não altera
a natureza deste nem a da obrigação tributária a que corresponda.”

Exemplo dessa previsão em lei específica vem no imposto de importação, que


precisa de mais garantias do que o imposto incidente sobre um imóvel, por exemplo,
porque uma vez feito o desembaraço aduaneiro, a cobrança do crédito pode ser mais difícil,
dada a mobilidade do bem importado (e do próprio contribuinte).
22
Aula proferida pelo professor Camilo Fernandes da Graça, em 14/11/2008.

Michell Nunes Midlej Maron 92


EMERJ – CP II Direito Tributário II

O maior dos privilégios do fisco no recebimento do crédito tributário, de fato,


sequer é expressamente intitulado como privilégio, formalmente: trata-se da condição
ímpar de que o fisco é o único credor incumbido de produzir o seu próprio título executivo
extrajudicial. Veja: os títulos de crédito, por exemplo, são títulos executivos extrajudiciais
que são produzidos pelo devedor, e não pelo credor. A certidão da dívida ativa é o único
título executivo produzido pelo credor sem qualquer participação do devedor – e isso é um
tremendo privilégio.
Outro privilégio inegável é o fato de o fisco contar com prerrogativas processuais
exclusivas, especialmente quanto aos prazos processuais dilatados. Veja o artigo 188 do
CPC:

“Art. 188. Computar-se-á em quádruplo o prazo para contestar e em dobro para


recorrer quando a parte for a Fazenda Pública ou o Ministério Público.”
O artigo 184 do CTN estabelece que todos os bens do devedor poderão ser
alcançados para satisfazer o crédito tributário. Veja:

“Art. 184. Sem prejuízo dos privilégios especiais sobre determinados bens, que
sejam previstos em lei, responde pelo pagamento do crédito tributário a totalidade
dos bens e das rendas, de qualquer origem ou natureza, do sujeito passivo, seu
espólio ou sua massa falida, inclusive os gravados por ônus real ou cláusula de
inalienabilidade ou impenhorabilidade, seja qual for a data da constituição do ônus
ou da cláusula, excetuados unicamente os bens e rendas que a lei declare
absolutamente impenhoráveis.”

Novamente, o CTN apresenta uma certa incongruência em sua redação.


Primeiramente, estabelece como regra que todos os bens poderão ser alcançados, mas
excetua aqueles bens que a lei considere impenhoráveis, sendo que logo acima dispôs que
“inclusive os gravados por ônus real ou cláusula de inalienabilidade ou impenhorabilidade.
Mas veja que, mesmo que se delimite este alcance aos bens que são clausulados por ato de
vontade, e não pela lei, ainda assim se tratam de bens absolutamente impenhoráveis, na
forma do artigo 649, I, do CPC:

“Art. 649. São absolutamente impenhoráveis:


I - os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução;
II - os móveis, pertences e utilidades domésticas que guarnecem a residência do
executado, salvo os de elevado valor ou que ultrapassem as necessidades comuns
correspondentes a um médio padrão de vida;
III - os vestuários, bem como os pertences de uso pessoal do executado, salvo se de
elevado valor;
IV - os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de
aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por
liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os
ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, observado
o disposto no § 3o deste artigo;
V - os livros, as máquinas, as ferramentas, os utensílios, os instrumentos ou outros
bens móveis necessários ou úteis ao exercício de qualquer profissão;
VI - o seguro de vida;
VII - os materiais necessários para obras em andamento, salvo se essas forem
penhoradas;
VIII - a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada
pela família;

Michell Nunes Midlej Maron 93


EMERJ – CP II Direito Tributário II

IX - os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação


compulsória em educação, saúde ou assistência social;
X - até o limite de 40 (quarenta) salários mínimos, a quantia depositada em
caderneta de poupança.
XI - os recursos públicos do fundo partidário recebidos, nos termos da lei, por
partido político.
§ 1o A impenhorabilidade não é oponível à cobrança do crédito concedido para a
aquisição do próprio bem.
§ 2o O disposto no inciso IV do caput deste artigo não se aplica no caso de
penhora para pagamento de prestação alimentícia.
§ 3o (VETADO).”

Ignorando esta previsão do CPC, o CTN trata tais bens como penhoráveis, e assim
ocorre, de fato. Assim, o CTN só considera absolutamente impenhoráveis os bens arrolados
nos incisos II e seguintes deste artigo.
Vale dizer que este artigo foi todo alterado na reforma operada pela Lei 11.382/06.
Alteração emblemática, por exemplo, é a do inciso X, que impõe limitador à penhora on
line da poupança. Relevante, aqui, é o artigo 185-A do CTN, que trouxe a penhora on line
para a sede tributária:

“Art. 185-A. Na hipótese de o devedor tributário, devidamente citado, não pagar


nem apresentar bens à penhora no prazo legal e não forem encontrados bens
penhoráveis, o juiz determinará a indisponibilidade de seus bens e direitos,
comunicando a decisão, preferencialmente por meio eletrônico, aos órgãos e
entidades que promovem registros de transferência de bens, especialmente ao
registro público de imóveis e às autoridades supervisoras do mercado bancário e do
mercado de capitais, a fim de que, no âmbito de suas atribuições, façam cumprir a
ordem judicial.
§ 1o A indisponibilidade de que trata o caput deste artigo limitar-se-á ao valor total
exigível, devendo o juiz determinar o imediato levantamento da indisponibilidade
dos bens ou valores que excederem esse limite.
§ 2o Os órgãos e entidades aos quais se fizer a comunicação de que trata o caput
deste artigo enviarão imediatamente ao juízo a relação discriminada dos bens e
direitos cuja indisponibilidade houverem promovido.”

A penhora on line incrementou tremendamente a execução fiscal, vez que é muito


mais eficaz do que uma penhora portas a dentro, por exemplo, em que os bens podem ser
inúteis para satisfazer o crédito. Antes da penhora on line, porém, já existia a penhora de
renda, que era mais eficiente, porém ainda não tão eficiente quanto a penhora on line.
A penhora on line em matéria tributária exige a citação prévia do devedor, e também
que este não tenha apresentado bens à penhora, no prazo legal. A penhora bloqueia tantas
quantas forem as contas do devedor, bloqueando todo o montante da dívida em cada uma
delas; cabe ao devedor requerer quais serão liberadas e qual permanecerá com a penhora.
Também é necessário que não haja outros bens penhoráveis hábeis a satisfazer o
crédito, pois a penhora on line, apesar de eficaz, é muito gravosa.
Além desses dispositivos, a Lei 8.009/90, que trata do bem de família, é referência
fundamental: é a lei que institui o bem de família legal. Antes desta lei, não importava se a
pessoa era proprietária de apenas um ou de diversos imóveis: para que um deles fosse
impenhorável como bem de família, era imperioso que o proprietário o registrasse como tal
no cartório. Hoje, com esta lei, não é preciso registro: se a pessoa é dona de um só imóvel,
nele residindo, este ganha a natureza de bem de família. A mens desta situação é proteger o

Michell Nunes Midlej Maron 94


EMERJ – CP II Direito Tributário II

direito fundamental de moradia, habitação, pressuposto para a subsistência da família 23,


principal instituição de estabilidade social.
Sendo bem de família, conta naturalmente com a impenhorabilidade. Vejamos os
artigos mais importantes deste diploma:

“Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é


impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal,
previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou
filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas
nesta lei.
Parágrafo único. A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se
assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos
os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a
casa, desde que quitados.”

“Art. 2º Excluem-se da impenhorabilidade os veículos de transporte, obras de arte


e adornos suntuosos.
Parágrafo único. No caso de imóvel locado, a impenhorabilidade aplica-se aos
bens móveis quitados que guarneçam a residência e que sejam de propriedade do
locatário, observado o disposto neste artigo.”

“Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil,


fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:
I - em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas
contribuições previdenciárias;
II - pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à
aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do
respectivo contrato;
III - pelo credor de pensão alimentícia;
IV - para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas
em função do imóvel familiar;
V - para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo
casal ou pela entidade familiar;
VI - por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença
penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens.
VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.”

Como se vê, a impenhorabilidade é oponível à execução fiscal. A questão mais


importante, aqui, são as exceções referentes à matéria tributário-fiscal: o inciso I prevê que
a dívida previdenciária referente a empregados do lar invade o bem de família. Mas é o
inciso IV que é mais relevante: todos os tributos que sejam relativos ao próprio imóvel de
família são capazes de mitigar a impenhorabilidade, mas apenas os tributos propter rem.
Os tributos pessoais do proprietário não habilitam a execução fiscal a invadir seu bem, mas
os tributos referentes ao próprio bem, tais como IPTU, taxa de coleta de lixo domiciliar,
contribuições de melhoria, estas sim permitem a invasão do bem impenhorável.

1.1. Alterações indiretamente oriundas da Lei 11.101/05

23
Vale dizer, o conceito de família, hoje, é absolutamente volúvel e casuístico, podendo ser considerada
família qualquer célula estável de pessoas, havendo reconhecimento até mesmo de família unipessoal, ou seja,
uma pessoa sozinha há de merecer esta proteção, vez que o direito fundamental de habitação também lhe
acode.

Michell Nunes Midlej Maron 95


EMERJ – CP II Direito Tributário II

A Lei de Recuperação de Empresas, Lei 11.101/05, trouxe uma série de


reverberações para a seara tributária, especialmente no tocante à execução fiscal. Esta lei,
extremamente inteligente, privilegiou enormemente a função social da empresa, protegendo
os empregos e a importância econômica da empresa. Seguindo o curso da mudança de
paradigma na esfera falimentar, a Lei Complementar 118/05 promoveu diversas alterações
no CTN, e uma grande mudança diretamente causada por esta alteração de concepção
promovida pela Lei 11.101/05 pode ser percebida nos artigos 186 e 187 do CTN, reescritos
pela LC 118/05:

“Art. 186. O crédito tributário prefere a qualquer outro, seja qual for sua natureza
ou o tempo de sua constituição, ressalvados os créditos decorrentes da legislação
do trabalho ou do acidente de trabalho.
Parágrafo único. Na falência:
I – o crédito tributário não prefere aos créditos extraconcursais ou às importâncias
passíveis de restituição, nos termos da lei falimentar, nem aos créditos com
garantia real, no limite do valor do bem gravado;
II – a lei poderá estabelecer limites e condições para a preferência dos créditos
decorrentes da legislação do trabalho; e
III – a multa tributária prefere apenas aos créditos subordinados.”
“Art. 187. A cobrança judicial do crédito tributário não é sujeita a concurso de
credores ou habilitação em falência, recuperação judicial, concordata, inventário
ou arrolamento.
Parágrafo único. O concurso de preferência somente se verifica entre pessoas
jurídicas de direito público, na seguinte ordem:
I - União;
II - Estados, Distrito Federal e Territórios, conjuntamente e pró rata;
III - Municípios, conjuntamente e pró rata.”

O artigo 187, supra, determina que a cobrança do crédito tributário não se altera,
mesmo quando há instauração do processo falimentar: cobra-se por meio da execução
fiscal. Isto significa que a execução fiscal foge ao juízo universal da falência, como se vê
no artigo 76 da Lei 11.101/05:

“Art. 76. O juízo da falência é indivisível e competente para conhecer todas as


ações sobre bens, interesses e negócios do falido, ressalvadas as causas
trabalhistas, fiscais e aquelas não reguladas nesta Lei em que o falido figurar como
autor ou litisconsorte ativo.”

O prosseguimento da execução fiscal no juízo próprio não significa uma burla à


ordem de classificação, porque o produto será remetido à massa falida para respeitar a
classificação quando do pagamento. A respeito, veja o REsp 399.724:

“PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. PENHORA.


MASSA FALIDA. PREFERÊNCIA DO CRÉDITO TRABALHISTA.
1. O art. 186 do CTN, ao prescrever que o crédito tributário prefere a qualquer
outro, ressalva, expressamente, o crédito trabalhista.
2. A preferência do crédito trabalhista há de subsistir quer a execução fiscal tenha
sido proposta antes ou depois da decretação da falência.
3. Aparelhada a execução fiscal com penhora, uma vez decretada a falência da
executada, sem embargo do prosseguimento da execução singular, o produto da
alienação deve ser remetido ao juízo falimentar, para que ali seja entregue aos
credores, observada a ordem de preferência legal.

Michell Nunes Midlej Maron 96


EMERJ – CP II Direito Tributário II

4. Recurso especial a que se nega provimento.”

O parágrafo único deste artigo 187 do CTN trata do chamado concurso de


preferências: consiste na concorrência, como credores, de mais de um ente federativo. O
que este dispositivo faz é criar uma ordem a ser respeitada, quando isso ocorrer. Há quem
defenda que esta ordem é inconstitucional, pois o artigo 19, III, da CRFB, veda a criação de
preferências entre as esferas federativas, e há, de fato, uma preferência dada aos entes mais
bem colocados nesta ordem. Veja:

“Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(...)
III - criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si.”
O STF já foi instado a se manifestar sobre esta circunstância, entendendo que não há
qualquer inconstitucionalidade neste concurso de preferências. Há, neste sentido, a súmula
563 da Corte Suprema, sendo que se refere ao artigo da Constituição passada que continha
esta mesma redação do artigo 19, III, da atual Carta Magna:

“Súmula 563, STF: O concurso de preferências a que se refere o parágrafo único


do art. 187 do Código Tributário Nacional é compatível com o disposto no art. 9º,
I, da Constituição Federal.”

Anteriormente, no antigo rito falimentar, a sociedade em processo de falência


deveria arcar, primeiro, com os créditos trabalhistas, por sua natureza alimentar, e logo em
seguida, na ordem de preferência, com os créditos tributários, o que, via de regra, consumia
todo o ativo e deixava os demais credores sem perspectiva de recebimento de sés créditos.
Nesta época, quando a empresa se encontrava em dificuldades, precisando de empréstimos
no mercado, não falir era praticamente impossível, pois as instituições financeiras,
sabedoras da classificação de seu crédito se a sociedade falisse, negavam-lhe o empréstimo
por medo de padecerem da inadimplência causada pela ordem do pagamento.
Ocorre que a nova lei de recuperação, lei ordinária, pretendia alterar esta situação,
fomentando de alguma forma os empréstimos ao empresário em dificuldades, a fim de
evitar a falência. Por isso, a nova ordem de classificação dos créditos na falência assim se
desenhou, no artigo 83 da Lei 11.101/05:

“Art. 83. A classificação dos créditos na falência obedece à seguinte ordem:


I – os créditos derivados da legislação do trabalho, limitados a 150 (cento e
cinqüenta) salários-mínimos por credor, e os decorrentes de acidentes de trabalho;
II - créditos com garantia real até o limite do valor do bem gravado;
III – créditos tributários, independentemente da sua natureza e tempo de
constituição, excetuadas as multas tributárias;
(...)”

Ao colocar os créditos com garantia real em posição prioritária aos tributários, o


legislador possibilitou que as instituições financeiras confiassem empréstimos à empresa
em dificuldade, guardando esta garantia, vez que agora saberiam que na falência aquele
crédito teria muito mais chances de ser adimplido.
Ocorre que a Lei 11.101/05 é lei ordinária, e como tal não podia subverter as
previsões do CTN sobre os privilégios, garantias e preferências do crédito tributário. Daí a
necessidade da LC 118/05 promover as alterações que promoveu, nos artigos referentes aos

Michell Nunes Midlej Maron 97


EMERJ – CP II Direito Tributário II

privilégios e garantias do crédito tributário, e a alteração que implementou esta mudança de


ordem veio no artigo 186, I, supra: ali está dito que o crédito tributário não prefere mais aos
créditos com garantia real, no limite do bem gravado.
O artigo 188 do CTN, no entanto, classifica como extraconcursais os créditos
tributários surgidos no curso da falência. Veja:

“Art. 188. São extraconcursais os créditos tributários decorrentes de fatos


geradores ocorridos no curso do processo de falência.
§ 1º Contestado o crédito tributário, o juiz remeterá as partes ao processo
competente, mandando reservar bens suficientes à extinção total do crédito e seus
acrescidos, se a massa não puder efetuar a garantia da instância por outra forma,
ouvido, quanto à natureza e valor dos bens reservados, o representante da Fazenda
Pública interessada.
§ 2º O disposto neste artigo aplica-se aos processos de concordata.”

A ordem atual, então, coloca os créditos tributários em ponto bem mais distante da
classificação anterior. É óbvio, entretanto, que, o fisco não abriu mão de sua preferência
sem contrapartidas, pelo que a LC 118/05 contemplou diversas medidas compensatórias à
Fazenda, tais como o fim da aplicação da tese dos “cinco mais cinco”, a necessidade apenas
do “cite-se” para que a prescrição se interrompa, ao invés da citação válida, como antes,
dentre outras. Pelo ensejo, o artigo 185 do CTN merece uma análise detalhada, porque ele é
um dos dispositivos que se alterou como medida de contrapartida para a Fazenda. Veja:

“Art. 185. Presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou


seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública, por crédito
tributário regularmente inscrito como dívida ativa.
Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica na hipótese de terem sido
reservados, pelo devedor, bens ou rendas suficientes ao total pagamento da dívida
inscrita.”

Este artigo, antes da LC 118/05, continha no caput a expressão “(...) regularmente


inscrito na dívida ativa em fase de execução”. Agora, a presunção de fraude da alienação do
imóvel do contribuinte se opera desde a mera inscrição na dívida ativa, não sendo
necessário que a executiva fiscal já esteja em curso. Antes disso, havia grande discussão de
qual seria o exato ponto em que a “fase de execução” se iniciava, ponto em que surgiria a
presunção da fraude na alienação. Havia quem defendesse que bastava a inscrição na dívida
ativa; outros, a extração da certidão da dívida ativa e ajuizamento da execução; outros, o
mero “cite-se”; e outros que entendiam que era necessária a citação válida (posição que era
adotada pelo STJ).
Esta discussão terminou: hoje, basta haver a inscrição na dívida ativa que surge a
presunção da fraude na alienação. A ciência do devedor, para este fim, é dada em
publicação da inscrição na dívida ativa.
É claro que esta presunção é relativa, tanto que o próprio parágrafo único deste
artigo estabelece uma exceção, absolutamente razoável. Se a presunção não for afastada,
nem mesmo o terceiro adquirente de boa-fé terá proteção: o bem será excutido em favor da
Fazenda.

1.2. Demais privilégios e garantias fazendários

Michell Nunes Midlej Maron 98


EMERJ – CP II Direito Tributário II

Os artigos 189 a 193 do CTN traçam mais algumas situações especiais, e são bem
explícitos, bastando a mera leitura:

“Art. 189. São pagos preferencialmente a quaisquer créditos habilitados em


inventário ou arrolamento, ou a outros encargos do monte, os créditos tributários
vencidos ou vincendos, a cargo do de cujus ou de seu espólio, exigíveis no decurso
do processo de inventário ou arrolamento.
Parágrafo único. Contestado o crédito tributário, proceder-se-á na forma do
disposto no § 1º do artigo anterior.”

“Art. 190. São pagos preferencialmente a quaisquer outros os créditos tributários


vencidos ou vincendos, a cargo de pessoas jurídicas de direito privado em
liquidação judicial ou voluntária, exigíveis no decurso da liquidação.”

“Art. 191. A extinção das obrigações do falido requer prova de quitação de todos
os tributos.”

“Art. 191-A. A concessão de recuperação judicial depende da apresentação da


prova de quitação de todos os tributos, observado o disposto nos arts. 151, 205 e
206 desta Lei.

“Art. 192. Nenhuma sentença de julgamento de partilha ou adjudicação será


proferida sem prova da quitação de todos os tributos relativos aos bens do espólio,
ou às suas rendas.”

“Art. 193. Salvo quando expressamente autorizado por lei, nenhum departamento
da administração pública da União, dos Estados, do Distrito Federal, ou dos
Municípios, ou sua autarquia, celebrará contrato ou aceitará proposta em
concorrência pública sem que o contratante ou proponente faça prova da quitação
de todos os tributos devidos à Fazenda Pública interessada, relativos à atividade
em cujo exercício contrata ou concorre.”

O artigo 191-A do CTN, também oriundo das alterações promovidas pela LC


118/05, precisa de uma leitura atenta, porque pode dar a entender que a recuperação
somente poderá ser concedida se houver pagamento de todos os tributos, o que seria uma
exigência absolutamente incongruente, diante das dificuldades da empresa em necessidade
de recuperação. A interpretação que deve ser dada a este dispositivo não é que exige esta
prova para início do processo de recuperação, mas sim para o seu término: a empresa só
será considerada recuperada, absolutamente estabilizada, quando fizer esta prova da
quitação.
Outro artigo que demanda análise crítica é o 193, supra: pretensamente moralizador,
este dispositivo não tem muito impacto, porque o devedor tributário que pretender contratar
com a administração só não poderá fazê-lo junto ao ente para o qual deve; para os demais,
não há óbice. Mas este artigo não tem qualquer aplicabilidade, vez que a Lei 8.666/93 veda
a contratação com a administração a quem esteja com qualquer débito tributário, em
qualquer esfera.

Michell Nunes Midlej Maron 99


EMERJ – CP II Direito Tributário II

Casos Concretos

Questão 1

Indique cinco (5) privilégios da Fazenda Pública na execução dos seus créditos.

Resposta à Questão 1

O primeiro é a concessão de prazos especiais à Fazenda, na forma do artigo 188 do


CPC; ademais: a Fazenda é a única pessoa que emite o próprio título executivo; seus
créditos não precisam se habilitar na falência ou na recuperação judicial; executam-se em
rito próprio, da Lei de Execuções Fiscais; e há presunção de fraude nas alienações de bens
do devedor após a inscrição na dívida ativa, dentre outros.

Questão 2

O INSS - Instituto Nacional de Seguro Social - ajuizou ação de execução fiscal em


face da INDÚSTRIA PAPEBEL S/A, devedora de contribuições previdenciárias
descontadas de seus funcionários e não recolhidas. Na fase processual de penhora dos
bens da devedora, antes de estes serem levados à praça, a Fazenda Estadual, credora de
ICMS, intervém no processo, alegando ter o privilégio e a garantia de receber seu crédito
tributário em primeiro lugar, com fulcro no artigo 187, caput, do CTN. Pergunta-se:
1) Qual a natureza jurídica dos créditos de cada um dos dois credores?
2) Há direito de preferência ao recebimento dos créditos por parte de qualquer
deles?
3) A solução seria alterada, caso o bem já tivesse sido arrematado?
4) Se, além do INSS e da Fazenda Estadual, um terceiro credor de crédito de
natureza hipotecária se habilitasse, como se daria o direito de preferência ao
recebimento do montante resultante da arrematação?
5) Diferencie garantia, privilégio e preferência do crédito tributário. Fundamente
as respostas.

Resposta à Questão 2

1) Ambos são créditos tributários. Do INSS, é crédito parafiscal, contribuição


social; da Fazenda, crédito tributário oriundo de imposto.

Michell Nunes Midlej Maron 100


EMERJ – CP II Direito Tributário II

2) Sim: ao INSS, como autarquia federal, da União, com base no artigo 187 do
CTN.

3) A ordem da preferência, em função do artigo 187 do CTN, não leva em


consideração a fase em que se encontra o processo. Se já há a arrematação, o
credor deverá passar àquele que tem a preferência no concurso – o INSS deve
receber o valor.

4) A garantia real só seria oponível como preferência do credor hipotecário ao


credor tributário se se estivesse em sede de falência. Como no caso não há
falência, a ordem se mantém: primeiro recebe o INSS, depois o Estado, depois o
credor hipotecário.

5) Garantia é forma de se assegurar um direito; privilégio é uma regra especial,


conferida a determinada pessoa, que foge à regra geral. No direito tributário, os
privilégios geram preferências aos créditos tributários, confundindo um pouco
os conceitos de privilégio e preferência.

A respeito, veja a ementa do REsp 74.207 e do REsp 131.564, pela ordem:

“TRIBUTÁRIO. CRÉDITO TRIBUTÁRIO. PREFERÊNCIA. EXECUÇÃO


MOVIDA POR TERCEIRO.
Parte dos chamados privilégios e garantias do crédito tributário (CTN, arts. 191 e
193) foi outorgada exatamente para compensar a demora da Fazenda Pública na
respectiva cobrança, de modo que, ao invés da valorização da iniciativa do credor,
vige na espécie o princípio de que o crédito tributário prefere independentemente
de quem tenha a precedência da penhora. Hipótese em que, mal sucedida a
execução fiscal pela sucessão de leilões negativos, o crédito tributário podia, sim,
concorrer ao produto da arrematação levada a efeito em execução proposta contra
o devedor por terceiro. Recurso especial conhecido e provido.”

“PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. FAZENDA PÚBLICA ESTADUAL.


INSS. DUPLICIDADE DE PENHORAS SOBRE O MESMO BEM. CONCURSO
DE PREFERÊNCIA. ART. 187, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CTN. ART. 29,
PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI N° 6.830/80.
1. A Primeira Seção desta Corte assentou o entendimento de que, em execução
fiscal movida pela Fazenda Pública Estadual, a União e as autarquias federais
podem suscitar a preferência de seus créditos tributários, quando a penhora recair
sobre o mesmo bem.
2. Recurso especial improvido.”

Michell Nunes Midlej Maron 101


EMERJ – CP II Direito Tributário II

Tema XI

Garantias e privilégios do crédito tributário II 1. Encargos da massa falida e do concordatário; 2. Inventário


e arrolamento. Liquidações de pessoas jurídicas; 3. Exigência de quitações; 4. Presunção de fraude; 5.
Questões judiciais controvertidas. Jurisprudência. Doutrina.

Notas de Aula24

1. Garantias e privilégios do crédito tributário

1.1. Encargos da massa falida e do concordatário

Como já se anteviu, a Lei 11.101/05 operou importante alteração na seara tributária,


sendo responsável pela promulgação da Lei Complementar 118/05. Hoje, fora da falência,
os créditos tributários só são preteridos em favor de créditos trabalhistas e acidentários
trabalhistas, tendo preferência quanto aos demais. Na falência, diferentemente, além dos
créditos trabalhistas, os créditos com garantia real são também preferidos aos créditos
tributários (e as multas tributárias são destacadas para posição ainda mais inferior, somente
preferindo aos subordinados).
O artigo 187 do CTN, já abordado, demanda uma nova análise. Veja:

“Art. 187. A cobrança judicial do crédito tributário não é sujeita a concurso de


credores ou habilitação em falência, recuperação judicial, concordata, inventário
ou arrolamento.
Parágrafo único. O concurso de preferência somente se verifica entre pessoas
jurídicas de direito público, na seguinte ordem:
I - União;
II - Estados, Distrito Federal e Territórios, conjuntamente e pró rata;
III - Municípios, conjuntamente e pró rata.”

A súmula 44 do antigo TFR assim dispunha:

“Súmula 44, TFR: Ajuizada a execução fiscal anteriormente à falência, com


penhora realizada antes desta, não ficam os bens penhorados sujeitos a arrecadação
no Juízo falimentar; proposta a execução fiscal contra a massa falida, a penhora
far-se-á no rosto dos autos do processo da quebra, citando-se o síndico.”

Há duas situações a serem consideradas em referência a este artigo 187 do CTN,


quanto à falência: a execução fiscal ajuizada após a falência se instaurar, execução já da

24
Aula proferida pela professora Carolina Barbosa Lima, em 17/11/2008.

Michell Nunes Midlej Maron 102


EMERJ – CP II Direito Tributário II

massa falida; e a execução fiscal ajuizada antes, contra a empresa, que vem a ter falência
supervenientemente decretada.
A primeira, execução da massa falida, corre normalmente, mas sem se permitir a
penhora de nenhum de seus bens: dá-se apenas a penhora no rosto dos autos, que é
praticamente uma reserva de quinhão no processo falimentar. Esta impossibilidade de
penhora se faz presente pela necessidade de se observar a ordem dos créditos, pois mesmo
correndo independente, a execução fiscal não subverte a ordem hoje estabelecida na
falência.
A outra hipótese é a execução prévia à falência: se a quebra se dá no curso da
execução, esta terá seguimento, mas o crédito só será satisfeito quando da divisão entre os
credores da falência, observando-se a ordem de preferência. Haverá a execução fiscal, o
leilão, a arrematação, mas o crédito apurado, ao invés de ser entregue à Fazenda exeqüente,
será remetido ao juízo falimentar, somado ao ativo a ser partilhado pelo quadro de credores
da falência.
A falência tem uma série enorme de peculiaridades, cujo estudo aprofundado tem
sede em outro momento. Há algumas particularidades, porém, que têm pertinência imediata
aqui; assim é o artigo 124 da Lei 11.101/05:

“Art. 124. Contra a massa falida não são exigíveis juros vencidos após a
decretação da falência, previstos em lei ou em contrato, se o ativo apurado não
bastar para o pagamento dos credores subordinados.
Parágrafo único. Excetuam-se desta disposição os juros das debêntures e dos
créditos com garantia real, mas por eles responde, exclusivamente, o produto dos
bens que constituem a garantia.”

Ocorre que esta previsão da Lei de Recuperação de Empresas não foi repetida ou
admitida pela Lei Complementar 118/05, o que torna esta previsão inaplicável para o
crédito tributário, vez que a lei ordinária não tem o condão de alterar as previsões
tributárias. Neste sentido, mas sobre outro dispositivo similar, veja o que diz o STJ, no
REsp 404.657:

“PROCESSO CIVIL - EXECUÇÃO FISCAL - MASSA FALIDA - MULTA.


1. O art. 23, parágrafo único, III, do DL 7.661/45, que estabelece a não-incidência
da multa no processo falimentar, não se estende às execuções fiscais. Precedentes
do STF e desta Corte.
2. Recurso especial improvido.”

O artigo 188 do CTN, como já se abordou, determina que os créditos tributários


surgidos de fato geradores posteriores à falência não se submetem ao quadro geral de
credores: são considerados créditos extraconcursais.
Os artigos 189 a 192 do CTN, também já vistos, estabelecem preferências, e
estabelecem requisitos para extinção dos procedimentos ali previstos (recuperação,
arrolamento, inventário) o cumprimento das obrigações tributárias.
O artigo 193 do CTN traz previsão inócua, como visto, porque a Lei 8.666/93 traz
previsão muito mais limitadora da participação de contratações administrativas do que este
dispositivo.

Michell Nunes Midlej Maron 103


EMERJ – CP II Direito Tributário II

Casos Concretos

Questão 1

Encontrando-se o crédito tributário em fase de constituição é decretada a falência


do contribuinte e conseqüentemente aberta a fase de habilitação de crédito junto a massa
falida. Pergunta-se: Quais as providências que devem ser adotadas pela Fazenda Pública
para o recebimento do respectivo crédito?

Resposta à Questão 1

A Fazenda Pública deverá seguir regular e normalmente seus procedimentos de


cobrança do crédito tributário. Considerando que o crédito está em fase de constituição, e
que portanto o lançamento ainda não foi efetivado, deverá fazê-lo; depois de lançado o
crédito, deverá inscrevê-lo em dívida ativa, extrair a certidão e ajuizar a executiva fiscal, no
juízo competente à execução. Não há que se falar em habilitação do crédito ou qualquer
interferência no processo falimentar: o rito executivo fiscal segue normalmente.
Ao final da execução, porém, alcançando a fase de penhora, esta não poderá ser
plenamente satisfativa: haverá apenas a penhora no rosto dos autos da falência.

Michell Nunes Midlej Maron 104


EMERJ – CP II Direito Tributário II

Tema XII

Administração Tributária 1. Conceito; 2. Fiscalização tributária: 2.1. Dever de informar, sigilo comercial,
sigilo profissional e sigilo fiscal; 2.2. Sigilo bancário. LC 105/2001. Cruzamento de informações. CPMF;
2.3. Poderes de fiscalização tributária. Auxílio da força pública. Excesso de exação. Restrições às
autoridades fazendárias; 3. Questões judiciais controvertidas. Jurisprudência. Doutrina.

Notas de Aula25

1. Administração e fiscalização tributária

A administração tributária é a pessoa jurídica de direito público que será o sujeito


ativo na obrigação tributária – é o credor da obrigação tributária.
A administração tributária assume duas funções: a arrecadatória, de cobrança do
tributo, e a fiscalizatória, responsável pela polícia tributária, fiscalização tributária. É esta a
forma que será estudada neste tema.
O artigo 194 do CTN inaugura o assunto neste codex:

“Art. 194. A legislação tributária, observado o disposto nesta Lei, regulará, em


caráter geral, ou especificamente em função da natureza do tributo de que se tratar,
a competência e os poderes das autoridades administrativas em matéria de
fiscalização da sua aplicação.
Parágrafo único. A legislação a que se refere este artigo aplica-se às pessoas
naturais ou jurídicas, contribuintes ou não, inclusive às que gozem de imunidade
tributária ou de isenção de caráter pessoal.”

Veja que o dispositivo estabelece que a legislação tributária regula a matéria, e não
a lei, remetendo à diferenciação, já traçada, entre lei em sentido estrito e legislação
tributária, gênero amplo. Para fins de fiscalização tributária, então, é ampla a aptidão
normativa, sempre compatível com a CRFB e o CTN.
A fiscalização tributária não encontra barreiras subjetivas: qualquer pessoa pode ser
fiscalizada, nos termos do parágrafo único deste artigo 194 do CTN.
O artigo 195 do CTN dispõe, por sua vez, que o acesso aos objetos de fiscalização é
amplamente franqueado aos responsáveis por procedê-la. Veja:

“Art. 195. Para os efeitos da legislação tributária, não têm aplicação quaisquer
disposições legais excludentes ou limitativas do direito de examinar mercadorias,
livros, arquivos, documentos, papéis e efeitos comerciais ou fiscais, dos
comerciantes industriais ou produtores, ou da obrigação destes de exibi-los.

25
Aula proferida pela professora Carolina Barbosa Lima, em 17/11/2008.

Michell Nunes Midlej Maron 105


EMERJ – CP II Direito Tributário II

Parágrafo único. Os livros obrigatórios de escrituração comercial e fiscal e os


comprovantes dos lançamentos neles efetuados serão conservados até que ocorra a
prescrição dos créditos tributários decorrentes das operações a que se refiram.”

Este artigo tem origem histórica peculiar. No antigo Código Comercial, havia um
dispositivo que estabelecia sigilo absoluto sobre os livros do comerciante, os quais não
poderiam ser devassados nem mesmo pela fiscalização tributária, denotando a amplitude do
liberalismo vigente à época. O artigo 195, supra, veio justamente a alterar esta concepção:
hoje, ao contrário, não é preciso sequer que haja suspeita de irregularidades para que o
acesso a todos os dados, pela fiscalização, seja viabilizado. O STF sumulou a matéria, dada
sua relevância, no enunciado 439:

“Súmula 439, STF: Estão sujeitos à fiscalização tributária ou previdenciária


quaisquer livros comerciais, limitado o exame aos pontos objeto da investigação.”

Não é amissível sequer a concessão de liminar contra o exercício da fiscalização. O


limitador previsto na súmula é óbvio: não sendo objeto de investigação tributária, ou seja,
não guardando qualquer pertinência com o fisco, não há que se franquear acesso. Entenda:
um consultório médico pode ser amplamente fiscalizado, mas as eventuais informações
colhidas sobre pacientes, que nada pertinem ao fisco, não podem ser utilizadas pela
fiscalização tributária.
O parágrafo único deste artigo 195 do CTN demanda a guarda dos documentos pelo
prazo prescricional do crédito tributário, que seria de cinco anos desde a constituição do
crédito, que na prática pode variar quanto ao momento de início por haver, por exemplo, a
interpretação de que este prazo corre do pagamento, nos créditos lançados por
homologação.
Se o contribuinte restringir o acesso, até mesmo força policial pode ser requisitada
pelo fisco a fim de proceder à fiscalização. É claro que há que se atentar para a
razoabilidade em tal medida, mas se esta for necessária, é cabível. Veja o que diz o artigo
200 do CTN:

“Art. 200. As autoridades administrativas federais poderão requisitar o auxílio da


força pública federal, estadual ou municipal, e reciprocamente, quando vítimas de
embaraço ou desacato no exercício de suas funções, ou quando necessário à
efetivação dê medida prevista na legislação tributária, ainda que não se configure
fato definido em lei como crime ou contravenção.”

Luis Flávio Gomes tece severa crítica ao subjugo do contribuinte ao fisco, nesta
questão do fornecimento de informações, por entender que se trata, esta cooperação
forçada, de hipótese de obrigação à auto-incriminação, o que a CRFB veda expressamente.
Diz este doutrinador que se o contribuinte se negar a cooperar ou franquear acesso, até
poderá o fisco valer-se da força policial, mas não haverá qualquer crime por parte do
fiscalizado.
O artigo 196 do CTN estabelece o chamado princípio documental da fiscalização
tributária:

“Art. 196. A autoridade administrativa que proceder ou presidir a quaisquer


diligências de fiscalização lavrará os termos necessários para que se documente o

Michell Nunes Midlej Maron 106


EMERJ – CP II Direito Tributário II

início do procedimento, na forma da legislação aplicável, que fixará prazo máximo


para a conclusão daquelas.
Parágrafo único. Os termos a que se refere este artigo serão lavrados, sempre que
possível, em um dos livros fiscais exibidos; quando lavrados em separado deles se
entregará, à pessoa sujeita à fiscalização, cópia autenticada pela autoridade a que
se refere este artigo.”

É aqui que reside o chamado termo de início de ação fiscal. Este documento tem
basicamente duas funções: a formação de procedimento escrito para que haja, tanto para a
Fazenda quanto para o contribuinte, a plena ciência de todos os atos, possibilitando o
contraditório; e a segunda função, bem pragmática, é que a partir da lavratura deste termo
cessa a possibilidade de que o contribuinte realize a denúncia espontânea, não mais
podendo obter os benefícios desta denúncia (elisão das sanções tributárias).
O artigo 197 do CTN estabelece quem são os obrigados a prestar informações ao
fisco:

“Art. 197. Mediante intimação escrita, são obrigados a prestar à autoridade


administrativa todas as informações de que disponham com relação aos bens,
negócios ou atividades de terceiros:
I - os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício;
II - os bancos, casas bancárias, Caixas Econômicas e demais instituições
financeiras;
III - as empresas de administração de bens;
IV - os corretores, leiloeiros e despachantes oficiais;
V - os inventariantes;
VI - os síndicos, comissários e liquidatários;
VII - quaisquer outras entidades ou pessoas que a lei designe, em razão de seu
cargo, ofício, função, ministério, atividade ou profissão.
Parágrafo único. A obrigação prevista neste artigo não abrange a prestação de
informações quanto a fatos sobre os quais o informante esteja legalmente obrigado
a observar segredo em razão de cargo, ofício, função, ministério, atividade ou
profissão.”

O inciso II deste artigo é a sede de enorme controvérsia: os limites do sigilo


bancário. A regra geral, hoje, é que o sigilo bancário só prevalece em relações privadas,
não sendo oponível à Fazenda. O sigilo bancário era tratado na Lei 4.595/64, regendo-se
hoje na Lei Complementar 105/01.
O artigo 197, parágrafo único, do CTN, é a sede protetiva dos sigilos profissionais,
sendo a única exceção à prestação de informações, em que os que ali se incluem, mais do
que desobrigados, são proibidos de revelar tais informações.
Antes de se passar à análise do sigilo fiscal, no artigo 198 do CTN, é interessante
discorrer sobre controvérsia que existia quanto ao sigilo bancário e à Lei Complementar
105/01, em relação ao cruzamento de informações do extinto CPMF. A tese que deve
prevalecer é que prepondera o sigilo bancário antes da LC 105/01, mas há alguns
entendimentos conflitantes. Vejamos.
Com a edição da LC 105/01, surgiu a seguinte possibilidade: o cruzamento de
informações do recolhimento de CPMF com as informações declaradas na arrecadação do
imposto de renda, para fins de fiscalização. Ocorre que a Fazenda não se ateve ao
cruzamento destes dados após a edição da LC 105/01, quando esta possibilidade se abriu:

Michell Nunes Midlej Maron 107


EMERJ – CP II Direito Tributário II

passou a cruzar dados referentes a períodos anteriores a esta lei, até cinco anos antes, pela
prescrição dos anteriores. O argumento da Fazenda calcava-se no artigo 144 do CTN:

“Art. 144. O lançamento reporta-se à data da ocorrência do fato gerador da


obrigação e rege-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou
revogada.
§ 1º Aplica-se ao lançamento a legislação que, posteriormente à ocorrência do fato
gerador da obrigação, tenha instituído novos critérios de apuração ou processos de
fiscalização, ampliado os poderes de investigação das autoridades administrativas,
ou outorgado ao crédito maiores garantias ou privilégios, exceto, neste último caso,
para o efeito de atribuir responsabilidade tributária a terceiros.
§ 2º O disposto neste artigo não se aplica aos impostos lançados por períodos
certos de tempo, desde que a respectiva lei fixe expressamente a data em que o fato
gerador se considera ocorrido.”

A questão que se coloca é: a LC 105/01 trouxe normas de conteúdo procedimental,


ou normas de fundo material? Esta definição era relevante porque se se considerar que é
norma de direito material tributário, não pode operar retroação, mas se for direito formal
tributário, procedimental, a LC se aplica, mas não porque se trata de retroação: tempus regit
actum, na data do lançamento se observa a norma procedimental em vigor, mesmo que o
fato gerador seja anterior.
É evidente que a LC em questão trouxe um novo procedimento, mas não fez só isso:
ao tratar do direito ao sigilo bancário, assumiu caráter claramente material. Por isso, o
entendimento contrário à tese da Fazenda é que somente os dados surgidos após a LC são
passíveis do cruzamento, mas não os anteriores.
O artigo 144, supra, amparou a controvérsia sobre esta retroação, na forma do § 1º.
O STJ, na MC 7.513, assim tratou do tema:

“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. MEDIDA CAUTELAR PARA


EMPRESTAR EFEITO SUSPENSIVO A RECURSO ESPECIAL. REQUISITOS.
NORMAS DE CARÁTER PROCEDIMENTAL. APLICAÇÃO
INTERTEMPORAL. UTILIZAÇÃO DE INFORMAÇÕES OBTIDAS A PARTIR
DA ARRECADAÇÃO DA CPMF PARA A CONSTITUIÇÃO DE CRÉDITO
REFERENTE A OUTROS TRIBUTOS. RETROATIVIDADE PERMITIDA
PELO ART. 144, § 1º DO CTN.
1. A concessão de efeito suspensivo a Recurso Especial é de “excepcionalidade
absoluta” (AGRPET 1859, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 28.04.00), dependente
de: a) instauração da jurisdição cautelar do STJ; b) viabilidade recursal, pelo
atendimento de pressupostos recursais específicos e genéricos, e não incidência de
óbices sumulares e regimentais; e c) plausibilidade da pretensão recursal formulada
contra eventual error in judicando ou error in procedendo.
2. O resguardo de informações bancárias era regido, ao tempo dos fatos que
permeiam a presente demanda (ano de 1998), pela Lei 4.595/64, reguladora do
Sistema Financeiro Nacional, e que foi recepcionada pelo art. 192 da Constituição
Federal com força de lei complementar, ante a ausência de norma regulamentadora
desse dispositivo, até o advento da Lei Complementar 105/2001.
3. O art. 38 da Lei 4.595/64, revogado pela Lei Complementar 105/2001, previa a
possibilidade de quebra do sigilo bancário apenas por decisão judicial.
4. Com o advento da Lei 9.311/96, que instituiu a CPMF, as instituições
financeiras responsáveis pela retenção da referida contribuição, ficaram obrigadas
a prestar à Secretaria da Receita Federal informações a respeito da identificação
dos contribuintes e os valores globais das respectivas operações bancárias, sendo

Michell Nunes Midlej Maron 108


EMERJ – CP II Direito Tributário II

vedado, a teor do que preceituava o § 3º da art. 11 da mencionada lei, a utilização


dessas informações para a constituição de crédito referente a outros tributos.
5. A possibilidade de quebra do sigilo bancário também foi objeto de alteração
legislativa, levada a efeito pela Lei Complementar 105/2001, cujo art, 6º dispõe:
"Art. 6º As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e
registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e
aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou
procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis
pela autoridade administrativa competente."
6. A teor do que dispõe o art. 144, § 1º do Código Tributário Nacional, as leis
tributárias procedimentais ou formais têm aplicação imediata, ao passo que as leis
de natureza material só alcançam fatos geradores ocorridos durante a sua vigência.
7. Norma que permite a utilização de informações bancárias para fins de apuração
e constituição de crédito tributário, por envergar natureza procedimental, tem
aplicação imediata, alcançando mesmo fatos pretéritos.
8. A exegese do art. 144, § 1º do Código Tributário Nacional, considerada a
natureza formal da norma que permite o cruzamento de dados referentes à
arrecadação da CPMF para fins de constituição de crédito relativo a outros
tributos, conduz à conclusão da possibilidade da aplicação dos artigos 6º da Lei
Complementar 105/2001 e 1º da Lei 10.174/2001 ao ato de lançamento de tributos
cujo fato gerador se verificou em exercício anterior à vigência dos citados
diplomas legais, desde que a constituição do crédito em si não esteja alcançada
pela decadência.
9. Inexiste direito adquirido de obstar a fiscalização de negócios tributários,
máxime porque, enquanto não extinto o crédito tributário a Autoridade Fiscal tem
o dever vinculativo do lançamento em correspondência ao direito de tributar da
entidade estatal.
10. Medida Cautelar improcedente.”

Como dito, o artigo 198 do CTN é o que trata do sigilo fiscal:

“Art. 198. Sem prejuízo do disposto na legislação criminal, é vedada a divulgação,


por parte da Fazenda Pública ou de seus servidores, de informação obtida em razão
do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de
terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades.
§ 1o Excetuam-se do disposto neste artigo, além dos casos previstos no art. 199, os
seguintes:
I – requisição de autoridade judiciária no interesse da justiça;
II – solicitações de autoridade administrativa no interesse da Administração
Pública, desde que seja comprovada a instauração regular de processo
administrativo, no órgão ou na entidade respectiva, com o objetivo de investigar o
sujeito passivo a que se refere a informação, por prática de infração administrativa.
§ 2o O intercâmbio de informação sigilosa, no âmbito da Administração Pública,
será realizado mediante processo regularmente instaurado, e a entrega será feita
pessoalmente à autoridade solicitante, mediante recibo, que formalize a
transferência e assegure a preservação do sigilo.
§ 3o Não é vedada a divulgação de informações relativas a:
I – representações fiscais para fins penais;
II – inscrições na Dívida Ativa da Fazenda Pública;
III – parcelamento ou moratória.”

A fiscalização tributária encontra muitos problemas quando há verdadeiro tumulto


no registro de imóveis de alguns municípios. A dificuldade em traçar a exata delimitação de
quem é o ente federativo a quem incumbe determinados imóveis e áreas faz com que regras

Michell Nunes Midlej Maron 109


EMERJ – CP II Direito Tributário II

básicas de fiscalização, como a lógica da limitação ao próprio território de cada município,


por vezes sejam desrespeitadas.
A propósito, há uma exceção a esta limitação territorial da fiscalização tributária:
trata-se do ITR, cuja cobrança e fiscalização incumbe ao município que detiver maior parte
de um terreno, quando este ultrapassar fronteiras intermunicipais.

Casos Concretos

Questão 1

A FAZENDA PÚBLICA ESTADUAL, em procedimento de fiscalização na Empresa


AIRES ESQUADRIAS LTDA., apreendeu os talonários da fiscalizada, ou seja, o bloco de
notas fiscais de saída, por suspeita de fraudes fiscais. No Termo de Apreensão, os Fiscais
Estaduais descreveram a seguinte situação fático-jurídica: "A Empresa é reincidente no
que concerne à venda de mercadorias sem emissão de documentação fiscal. Dessa forma,
ficará sob regime especial de fiscalização, tendo que expedir sua documentação fiscal na
própria repartição, bem como recolher o ICMS antes da expedição da nota fiscal".A
Empresa ajuizou Mandado de Segurança, objetivando a desconstituição da situação que a
fiscalização impôs, bem como o afastamento do regime especial de fiscalização. Aduziu
que o Regime Especial de Fiscalização é ilegal, pois só é previsto no Decreto
regulamentador do ICMS e, mesmo que não houvesse ilegalidade, a Fazenda Pública
dispõe de procedimento adequado e instituído em lei para a execução de seus créditos
tributários, qual seja, a Lei de Execução Fiscal. Nestes termos, pleiteia o afastamento das
medidas impostas pelo Fisco, pois este não poderia impor medidas restritivas à atividade
do contribuinte, especialmente providências coativas que dificultem ou impeçam o
desempenho da mercancia. Analise a situação fático-jurídico, à luz da doutrina e da
jurisprudência.

Resposta à Questão 1

Aqui se percebe que a Fazenda está se valendo de meios não previstos na legislação
para a cobrança de seu crédito, o que os torna ilegais. O fisco deve se valer da execução
fiscal para tanto, e não de medidas restritivas inventivas, como esta. Está correta a
contribuinte.
Veja o que disse o STJ no REsp 16.953:

“TRIBUTARIO. REGIME ESPECIAL DE FISCALIZAÇÃO COMO MEIO DE


COAÇÃO PARA PAGAMENTO DE TRIBUTO. ILEGALIDADE. E CEDIÇO,
NA JURISPRUDENCIA QUE, DISPONDO, O FISCO, DE PROCEDIMENTO
ADEQUADO E INSTITUIDO EM LEI, PARA A EXECUÇÃO DE SEUS
CREDITOS TRIBUTARIOS, DEVE EXIMIR-SE DE EFETIVAR MEDIDAS
RESTRITIVAS A ATIVIDADE DO CONTRIBUINTE, ESPECIALMENTE
PROVIDENCIAS COATIVAS QUE DIFICULTEM OU IMPEÇAM O
DESEMPENHO DA MERCANCIA. A APREENSÃO, PELA FAZENDA, DE
TALONARIOS, ADJUNTA A DETERMINAÇÃO DE QUE AS NOTAS FISCAIS
SEJAM EXPEDIDAS NA PROPRIA REPARTIÇÃO FAZENDARIA, ATENTA

Michell Nunes Midlej Maron 110


EMERJ – CP II Direito Tributário II

CONTRA UM DOS VALORES BASICOS DA ORDEM ECONOMICA


CONSAGRADA PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, QUAL SEJA, A
LIBERDADE DE INICIATIVA. O REGIME ESPECIAL IMPOSTO A
COMERCIANTE ESTABELECIDO, COM A EXIGENCIA DE QUE O
PAGAMENTO DO IMPOSTO (ICM), DURANTE O PERIODO DA
RESTRIÇÃO, SEJA FEITO ANTES, AINDA, DA EXPEDIÇÃO DA "NOTA
FISCAL", SUBVERTE O SISTEMA DE EXIGIBILIDADE TRIBUTARIA
CONSIGNADO NA LEI. NO SISTEMA TRIBUTARIO BRASILEIRO, A
COMINAÇÃO DE PENALIDADES IMPOE A RESERVA DA LEI, VEDADA A
SUA INSTITUIÇÃO ATRAVES DE DECRETO DO EXECUTIVO OU DE
RESOLUÇÃO, EM ESFERA ADMINISTRATIVA. RECURSO PROVIDO.
DECISÃO INDISCREPANTE.”

Questão 2

A FAZENDA PÚBLICA ESTADUAL iniciou procedimento de fiscalização na


EMPRESA BRASIL SAPATOS S/A, com objetivo de verificar o recolhimento dos tributos
estaduais. Pela apuração da contabilidade da empresa, constatou-se que ela não emitia
notas fiscais de saída de mercadorias por ocasião das suas vendas. Isso levava à
diminuição de ICMS a pagar, em face da inexistência de débitos concernentes a estas
operações.
Com o intuito de verificar a efetividade das operações mercantis da empresa, o
Fisco Estadual requisitou informações do Posto de Fiscalização de Fronteira do Estado de
São Paulo, questionando o volume total de mercadorias da empresa que transitaram
naquele posto no período fiscalizado.
Além desse procedimento, oficiou ao Banco Central do Brasil, com a finalidade de
obter dados concernentes à movimentação bancária da empresa, bem como dos seus
dirigentes, alegando indícios de crime contra a ordem tributária.
A EMPRESA BRASIL SAPATOS S/A ajuizou mandado de segurança, objetivando
impedir: a) a troca de informações entre a Fazenda Pública do Estado do Rio de Janeiro e
a do Estado de São Paulo; b) o acesso do fisco aos seus livros contábeis e comerciais, com
base no sigilo comercial previsto no Código Comercial; c) a quebra do sigilo bancário
pelo Banco Central do Brasil, bem como o de seus diretores.
Nas informações, a autoridade fiscal alegou que a LC 105/2001 veio a ratificar o
entendimento no sentido da possibilidade de quebra do sigilo bancário pela autoridade
fazendária.
Analise as questões levantadas, ressaltando a recente alteração legislativa
implementada pelas Leis Complementares 104/2001 e 105/2001.

Resposta à Questão 2

As normas que preservam o sigilo de informações comerciais, hoje, só são


oponíveis entre particulares, mas não em face do fisco. No STJ, predomina o entendimento
de que a quebra do sigilo bancário só pode ser feita com a interveniência do Poder
Judiciário, vez que este sigilo não é absoluto – mas para haver mitigação é necessária
atuação judicial.
O entendimento predominante levanta a tese de que a LC 105/01 feriria o direito à
privacidade, ao sigilo, e ao devido processo legal, respectivamente previstos nos incisos X,

Michell Nunes Midlej Maron 111


EMERJ – CP II Direito Tributário II

XII, e LIV do artigo 5º da CRFB. No HC 24.577, o STJ estabeleceu que a Fazenda poderia
obter tais dados, mediante ordem judicial:

“PENAL E PROCESSUAL. CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA E O


SISTEMA FINANCEIRO. LAVAGEM DE DINHEIRO. INVESTIGAÇÃO
CRIMINAL. DILIGENCIAS PRELIMINARES. INFORMAÇÕES
PROTEGIDAS POR SIGILO. FORNECIMENTO AO MINISTÉRIO PÚBLICO
FEDERAL. LC nº 105/2001. SIGILO BANCÁRIO. QUEBRA. DECISÃO
JUDICIAL. LEGALIDADE.
Compete ao Ministério Público, no exercício de suas funções, em defesa do
interesse público, requisitar diligências investigatórias e, ainda, a instauração de
inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações
processuais (art. 129, inciso VIII, da Constituição Federal). É obrigação do Banco
Central do Brasil comunicar, às autoridades competentes, a prática de ilícitos
penais ou administrativos, abrangendo o fornecimento de informações sobre
operações que envolvam recursos provenientes de qualquer prática criminosa, sem
que tal mister importe em quebra de sigilo (artigo 9º, da Lei Complementar nº
105/2001).
Os sigilos bancário e fiscal não constituem direito absoluto e devem ceder quando
razões de interesse público, devidamente fundamentadas, demonstrarem a
conveniência de sua quebra, mediante ordem judicial.
O habeas corpus constitui ação constitucional destinada ao resguardo do direito do
paciente quanto a ir, vir e permanecer, desde que ameaçados por coação ilegal ou
abuso de poder. Precedentes do STJ. Na espécie, os informes requeridos pela
Procuradoria Regional da República em Pernambuco decorrem de autorização
legal, foram fornecidas ex lege e o sigilo bancário foi quebrado por decisão judicial
devidamente fundamentada. Ordem denegada.”

O STJ ainda tem o entendimento de que patrimônio não se confunde com


intimidade, franqueando ainda mais o acesso a tais dados, mas esta interpretação do direito
à intimidade é restritiva, não sendo muito técnica, vez que direitos e garantias fundamentais
interpretam-se ampliativamente.

Questão 3

A COMPANHIA DE INVESTIMENTOS INTERTUDO recebeu notificação do


Município do Rio de Janeiro para apresentar os livros fiscais e documentos de suas filiais,
estabelecidas nos Municípios de Macaé e Araruama. Deve o Fisco do Município do Rio de
Janeiro adotar tal exigência visando à fiscalização da empresa sede? Resposta
fundamentada.

Resposta à Questão 3

O STJ tem entendido que o ISS é devido ao município onde o serviço foi prestado,
ou seja, onde se localiza o tomador do serviço. Ocorre que, por vezes, a menor alíquota de
um município acaba por atrair identificações fraudulentas, fazendo com que empresas
declarem serem sediadas em municípios cuja alíquota é menor. Como o município que crê
ser a sede real não pode fiscalizar a área de outro município, surge esta questão que é
debatida na casuística: é impossível ao município extrapolar seus limites, na fiscalização
tributária.
O STJ no REsp 73.086, assim se posicionou:

Michell Nunes Midlej Maron 112


EMERJ – CP II Direito Tributário II

“TRIBUTÁRIO. FISCALIZAÇÃO MUNICIPAL. APRESENTAÇÃO DE


LIVROS E DOCUMENTOS FISCAIS. ESTABELECIMENTOS SITUADOS EM
OUTROS MUNICÍPIOS.
1. A fiscalização municipal deve restringir-se à sua área de competência e
jurisdição.
2. Ao permitir que o Município de São Paulo exija a apresentação de livros fiscais
e documentos de estabelecimentos situados em outros municípios, estar-se-ía
concedendo poderes à municipalidade de fiscalizar fatos ocorridos no território de
outros entes federados, inviabilizando, inclusive, que estes exerçam o seu direito
de examinar referida documentação de seus próprios contribuintes.
3. Recurso parcialmente conhecido e não provido.”

Michell Nunes Midlej Maron 113


EMERJ – CP II Direito Tributário II

Tema XIII

Dívida ativa 1. Histórico; 2. Conceito; 3. Processo administrativo e decisão administrativa irreformável; 4.


Inscrições em dívida ativa. Teorias e operacionalização; 5. Requisitos de inscrição; 6. Liquidez e certeza, 7.
Prova iuris tantum. Prova pré-constituída; 8. Execução da dívida ativa; 9. Questões judiciais controvertidas.
Jurisprudência. Doutrina.

Notas de Aula26

1. Dívida ativa

A administração tributária, fiscal, é composta por um tripé cujas bases são a


administração, a dívida ativa e a certidão da dívida ativa. Há uma série de prerrogativas
constitucionais a esta parte da esfera tributária, pois é ela a responsável pela arrecadação.
Tal importância gera a criação de diversos institutos e programas voltados a otimizar a
administração tributária, podendo ser citado como exemplo o PMAT – Programa de
Modernização da Administração Tributária –, o qual é exatamente dedicado à melhora da
fiscalização e arrecadação, disponibilizando verba para os entes federativos buscarem este
objetivo.
Bom exemplo desta otimização é o SPED – Sistema Público de Escrituração Digital
–, que possibilita a fiscalização digital, a nota fiscal eletrônica e a escrituração contábil
digital.
Feita esta introdução, pode-se dizer que a dívida ativa é um dos alvos preferidos da
modernização tributária, vez que é dali que vem a arrecadação compulsória, diretamente.
A via da cobrança do tributo é administrativa, tida por amigável, até o ajuizamento
da execução fiscal, quando se torna cobrança judicial. Se na esfera administrativa, que vai
do fato gerador em si até a emissão da certidão da dívida ativa, o contribuinte adimplir suas
obrigações tributárias, não há porque procurar o Poder Judiciário (a não ser que o fisco
abuse de sua autotutela, violando direitos do contribuinte); se não for suficiente a autotutela
estatal, o fisco deverá ajuizar a executiva fiscal.
Destarte, a cobrança judicial da dívida ativa só se inicia quando a via administrativa
não foi eficaz.
Uma peculiaridade do crédito tributário é que ele é o único crédito que passa a
constar de um título executivo emitido pelo próprio credor: a certidão da dívida ativa é o
título executivo extrajudicial que aparelha a execução fiscal, e quem o emite é o próprio
credor, a Fazenda.
O histórico da dívida ativa é interessante. Quando se fala em execução fiscal, a
primeira idéia que vem à mente é o crédito tributário. Ocorre que a execução fiscal do
26
Aula proferida pelo professor Cláudio Carneiro Bezerra Pinto Coelho, em 18/11/2008.

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nosso sistema, que é cópia do modelo francês, não é completamente compatível com a
lógica sistêmica de nosso ordenamento. Isto porque na França há tribunais executivos
fiscais, órgãos cujas decisões fazem coisa julgada. Aqui, a unidade jurisdicional impede que
decisões administrativas façam coisa julgada, pois nosso sistema geral de jurisdição, de
base notadamente inglesa, vige sob a unidade jurisdicional – o que torna todo o
procedimento administrativo quase uma perda de tempo, quando o Judiciário precisar ser
provocado.
Como dito, a primeira idéia que se tem quando se fala em execução fiscal é
cobrança judicial de crédito tributário, mas há que se atentar que a execução fiscal tem duas
vertentes: a cobrança de créditos tributários, e a cobrança de créditos não-tributários. Como
exemplo destes últimos, as multas administrativas, que não são tributárias e são cobradas
em execução fiscal.
Esta diferença é relevante porque os créditos tributários são regidos pelo CTN, mas
os não-tributários são regidos pela Lei de Finanças Públicas, Lei 4.320/64, bastante alterada
pela Lei de Responsabilidade Fiscal, Lei Complementar 101/00, mas ainda em vigor,
inclusive tendo sido recepcionada no sistema constitucional com status de lei
complementar.
Sendo assim, é fundamental identificar a natureza do crédito executado para se
buscar corretamente a norma atinente à execução fiscal que se estiver analisando. Mesmo
por isso, a Lei de Execução Fiscal, Lei 6.830/80, repete bastantes dispositivos do CTN, pois
toda execução fiscal é pautada nela, seja qual for a natureza do crédito, e se não fossem
repetidos alguns dispositivos do CTN, os créditos não-tributários escapariam, na sua
execução, ao alcance destas normas, vez que não se sujeitam ao CTN.
Atente-se, porém, que a Lei de Execução Fiscal é uma lei ordinária, e como tal tem-
se que observar que não pode haver ingerência das normas nela previstas sobre os créditos
tributários, no que forem conflitantes com o CTN, em função da reserva de lei
complementar, prevista no artigo 146 da CRFB, especialmente no inciso III:

“Art. 146. Cabe à lei complementar:


I - dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios;
II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;
III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente
sobre:
a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos
discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de
cálculo e contribuintes;
b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;
c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades
cooperativas.
d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para
as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no
caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e
§§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239. (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
Parágrafo único. A lei complementar de que trata o inciso III, d, também poderá
instituir um regime único de arrecadação dos impostos e contribuições da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, observado que: (Incluído pela
Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)

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I - será opcional para o contribuinte; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42,


de 19.12.2003)
II - poderão ser estabelecidas condições de enquadramento diferenciadas por
Estado; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
III - o recolhimento será unificado e centralizado e a distribuição da parcela de
recursos pertencentes aos respectivos entes federados será imediata, vedada
qualquer retenção ou condicionamento; (Incluído pela Emenda Constitucional nº
42, de 19.12.2003)
IV - a arrecadação, a fiscalização e a cobrança poderão ser compartilhadas pelos
entes federados, adotado cadastro nacional único de contribuintes. (Incluído pela
Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)”

Por isso, há uma série de discussões envolvendo artigos desta lei e a execução fiscal
de créditos tributários, que estariam alheios a algumas previsões da lei ordinária. Tudo que
vier previsto nesta lei que não for contemplado no CTN de alguma forma, é matéria de
aplicabilidade controvertida.
O conceito de dívida ativa vem desde 1964, quando o artigo 39 da Lei 4.329/64 o
previu. Veja a redação original e a atual este dispositivo, dada pelo Decreto-Lei 1.735/79,
pela ordem:

“Art. 39. As importâncias relativas a tributo, multas e créditos da Fazenda Pública,


lançados mas não cobrados ou não recolhidos no exercício de origem, constituem
Dívida Ativa a partir da data de sua inscrição.
Parágrafo único. As importâncias dos tributos e demais rendas não sujeitas a
lançamentos ou não lançadas, serão escrituradas como receita do exercício em que
forem arrecadas nas respectivas rubricas orçamentárias, desde que até o ato do
recebimento não tenham sido inscritas como Dívida Ativa.”

“Art. 39. Os créditos da Fazenda Pública, de natureza tributária ou não tributária,


serão escriturados como receita do exercício em que forem arrecadados, nas
respectivas rubricas orçamentárias.
§ 1º - Os créditos de que trata este artigo, exigíveis pelo transcurso do prazo para
pagamento, serão inscritos, na forma da legislação própria, como Dívida Ativa, em
registro próprio, após apurada a sua liquidez e certeza, e a respectiva receita será
escriturada a esse título.
§ 2º - Dívida Ativa Tributária é o crédito da Fazenda Pública dessa natureza,
proveniente de obrigação legal relativa a tributos e respectivos adicionais e multas,
e Dívida Ativa não Tributária são os demais créditos da Fazenda Pública, tais como
os provenientes de empréstimos compulsórios, contribuições estabelecidas em lei,
multa de qualquer origem ou natureza, exceto as tributárias, foros, laudêmios,
alugueis ou taxas de ocupação, custas processuais, preços de serviços prestados por
estabelecimentos públicos, indenizações, reposições, restituições, alcances dos
responsáveis definitivamente julgados, bem assim os créditos decorrentes de
obrigações em moeda estrangeira, de subrogação de hipoteca, fiança, aval ou outra
garantia, de contratos em geral ou de outras obrigações legais.
§ 3º - O valor do crédito da Fazenda Nacional em moeda estrangeira será
convertido ao correspondente valor na moeda nacional à taxa cambial oficial, para
compra, na data da notificação ou intimação do devedor, pela autoridade
administrativa, ou, à sua falta, na data da inscrição da Dívida Ativa, incidindo, a
partir da conversão, a atualização monetária e os juros de mora, de acordo com
preceitos legais pertinentes aos débitos tributários.
§ 4º - A receita da Dívida Ativa abrange os créditos mencionados nos parágrafos
anteriores, bem como os valores correspondentes à respectiva atualização
monetária, à multa e juros de mora e ao encargo de que tratam o art. 1º do Decreto-

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lei nº 1.025, de 21 de outubro de 1969, e o art. 3º do Decreto-lei nº 1.645, de 11 de


dezembro de 1978.
§ 5º - A Dívida Ativa da União será apurada e inscrita na Procuradoria da Fazenda
Nacional.”

Em atenção a esta conceituação, o artigo 201 do CTN veio tratar da dívida ativa
tributária:
“Art. 201. Constitui dívida ativa tributária a proveniente de crédito dessa natureza,
regularmente inscrita na repartição administrativa competente, depois de esgotado
o prazo fixado, para pagamento, pela lei ou por decisão final proferida em processo
regular.
Parágrafo único. A fluência de juros de mora não exclui, para os efeitos deste
artigo, a liquidez do crédito.”

Veja que a inscrição em dívida ativa só pode ser realizada se o prazo para
pagamento estiver esgotado. Isto acaba por criar uma área cinzenta entre o inadimplemento
e a execução, e esta área nebulosa merecerá atenção especial neste estudo, adiante.
Os artigos 1º e 2º da Lei 6.830/80 merecem uma leitura:

“Art. 1º - A execução judicial para cobrança da Dívida Ativa da União,


dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autarquias
será regida por esta Lei e, subsidiariamente, pelo Código de Processo
Civil.”

“Art. 2º - Constitui Dívida Ativa da Fazenda Pública aquela definida


como tributária ou não tributária na Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964,
com as alterações posteriores, que estatui normas gerais de direito
financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da
União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.
§ 1º - Qualquer valor, cuja cobrança seja atribuída por lei às entidades de
que trata o artigo 1º, será considerado Dívida Ativa da Fazenda Pública.
§ 2º - A Dívida Ativa da Fazenda Pública, compreendendo a tributária e a
não tributária, abrange atualização monetária, juros e multa de mora e
demais encargos previstos em lei ou contrato.
§ 3º - A inscrição, que se constitui no ato de controle administrativo da
legalidade, será feita pelo órgão competente para apurar a liquidez e
certeza do crédito e suspenderá a prescrição, para todos os efeitos de
direito, por 180 dias, ou até a distribuição da execução fiscal, se esta
ocorrer antes de findo aquele prazo.
§ 4º - A Dívida Ativa da União será apurada e inscrita na Procuradoria da
Fazenda Nacional.
§ 5º - O Termo de Inscrição de Dívida Ativa deverá conter:
I - o nome do devedor, dos co-responsáveis e, sempre que conhecido, o
domicílio ou residência de um e de outros;
II - o valor originário da dívida, bem como o termo inicial e a forma de
calcular os juros de mora e demais encargos previstos em lei ou contrato;
III - a origem, a natureza e o fundamento legal ou contratual da dívida;
IV - a indicação, se for o caso, de estar a dívida sujeita à atualização
monetária, bem como o respectivo fundamento legal e o termo inicial para
o cálculo;
V - a data e o número da inscrição, no Registro de Dívida Ativa; e
VI - o número do processo administrativo ou do auto de infração, se neles
estiver apurado o valor da dívida.

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§ 6º - A Certidão de Dívida Ativa conterá os mesmos elementos do Termo


de Inscrição e será autenticada pela autoridade competente.
§ 7º - O Termo de Inscrição e a Certidão de Dívida Ativa poderão ser
preparados e numerados por processo manual, mecânico ou eletrônico.
§ 8º - Até a decisão de primeira instância, a Certidão de Dívida Ativa
poderá ser emendada ou substituída, assegurada ao executado a devolução
do prazo para embargos.
§ 9º - O prazo para a cobrança das contribuições previdenciárias continua
a ser o estabelecido no artigo 144 da Lei nº 3.807, de 26 de agosto de
1960.”

Pelo ensejo, tratemos da inscrição na dívida ativa, efetivamente. A inscrição é um


ato de formalização da dívida: o fisco, precisando ter um controle de seus créditos a serem
executados, precisa formalizar sua existência. Inclusive, é na inscrição da dívida ativa que o
tribunal de contas respectivo busca os dados para verificar se a cobrança está sendo regular,
sob pena de configurar renúncia de receita, conforme o artigo 14 da Lei Complementar
101/00, e crime de responsabilidade fiscal. Veja:

“Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza


tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de
estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar
sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes
orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições:
I - demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa
de receita da lei orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará as metas de
resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias;
II - estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no
caput, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas,
ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.
§ 1o A renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido,
concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de
base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e
outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado.
§ 2o Se o ato de concessão ou ampliação do incentivo ou benefício de que trata o
caput deste artigo decorrer da condição contida no inciso II, o benefício só entrará
em vigor quando implementadas as medidas referidas no mencionado inciso.
§ 3o O disposto neste artigo não se aplica:
I - às alterações das alíquotas dos impostos previstos nos incisos I, II, IV e V do
art. 153 da Constituição, na forma do seu § 1o;
II - ao cancelamento de débito cujo montante seja inferior ao dos respectivos
custos de cobrança.”

O artigo 2º, § 3º, da Lei 6.830/80, supra, dispõe que a inscrição na dívida ativa
suspende o prazo prescricional por cento e oitenta dias. Era comum que a Fazenda alegasse
esta suspensão, de forma a postergar a prescrição do crédito tributário. Mas veja que a
constitucionalidade desta suspensão é controvertida. Se o crédito em questão for não-
tributário, não há qualquer discussão: a lei a ele se aplica, pois estes créditos não têm seu
tratamento reservado a lei complementar. Todavia, se se tratar de crédito tributário, a
discussão é ferrenha, na medida que, como se disse, é matéria dada à reserva de lei
complementar, e a Lei 6.830/80 é ordinária.
O entendimento hoje dominante é que este dispositivo não pode ser aplicado aos
créditos tributários, exatamente ao argumento de que há reserva de lei complementar a ser

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observada. A Fazenda, obviamente interessada na tese que admite a aplicação desta


suspensão aos créditos tributários, defendia que esta lei, neste aspecto, foi recebida com
status de lei complementar, e que portanto nada impediria a suspensão.
Sintetizando a divergência: quanto aos créditos não-tributários, não há qualquer
discussão, porque não há que se invocar o CTN, tampouco o artigo 146 da CRFB – não há
reserva de lei complementar. Contudo, em relação aos créditos tributários, temos duas
correntes: a corrente fazendária defende que o referido dispositivo trata apenas de prazo
processual, e portanto não há exigência de lei complementar. Ademais, ainda que a matéria
exigisse lei complementar, neste aspecto, a Lei 6.830/80 teria sido recepcionada com status
de lei complementar (somente esse dispositivo). Esta corrente é minoritária.
A corrente jurisprudencial, majoritária, entende que o dispositivo só se aplica a
créditos não-tributários, pois do contrário violaria o artigo 146, III, da CRFB, que exige lei
complementar para tratar de prescrição e decadência tributária.
Esta mesma discussão surgiu também em relação ao artigo 8º, § 2º, da Lei 6.830/80.
Veja:

“Art. 8º - O executado será citado para, no prazo de 5 (cinco) dias, pagar a dívida
com os juros e multa de mora e encargos indicados na Certidão de Dívida Ativa, ou
garantir a execução, observadas as seguintes normas:
(...)
§ 2º - O despacho do Juiz, que ordenar a citação, interrompe a prescrição.”

Este dispositivo contrariava o artigo 174 do CTN, que dispunha, antes da alteração
promovida pela Lei Complementar 118/05, que a prescrição se interrompia com a citação, e
não com o mero “cite-se”. Repetia-se a discussão, e a conclusão era a mesma: quem
defendia haver reserva de lei complementar aos créditos tributários neste aspecto, defendia
inaplicável a previsão da Lei e Execução Fiscal, sendo dedicada apenas aos créditos não-
tributários; quem defendia não ser matéria reservada, defendia sua aplicação em qualquer
execução fiscal. Hoje, entretanto, esta discussão não tem mais sentido, porque o artigo 174,
parágrafo único, I, do CTN, foi alterado pela LC 118/05, estando em consonância com esta
previsão da Lei 6.830/80:

“Art. 174. A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos,
contados da data da sua constituição definitiva.
Parágrafo único. A prescrição se interrompe:
I – pelo despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal;
(...)”

Outra comparação que pode ser feita é entre o artigo 202 do CTN, que trata dos
requisitos para inscrição na dívida ativa, diante do artigo da Lei de Execuções Fiscais que
também apresenta estes requisitos, o já transcrito artigo 2º, § 5º: são muito similares. Veja:

“Art. 202. O termo de inscrição da dívida ativa, autenticado pela autoridade


competente, indicará obrigatoriamente:
I - o nome do devedor e, sendo caso, o dos co-responsáveis, bem como, sempre
que possível, o domicílio ou a residência de um e de outros;
II - a quantia devida e a maneira de calcular os juros de mora acrescidos;
III - a origem e natureza do crédito, mencionada especificamente a disposição da
lei em que seja fundado;
IV - a data em que foi inscrita;

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V - sendo caso, o número do processo administrativo de que se originar o crédito.


Parágrafo único. A certidão conterá, além dos requisitos deste artigo, a indicação
do livro e da folha da inscrição.”

A inscrição em dívida ativa tem uma serventia fundamental: presta-se a tornar o


crédito líquido, certo, e exeqüível. Serve, também, para permitir um controle de legalidade
por parte da administração. Somente com a inscrição em dívida ativa, regularmente
procedida, a certidão pode ser emitida, e a execução fiscal promovida.
Para que se possa promover a regular inscrição na dívida ativa, o crédito deve estar
definitivamente constituído, e ter sido inadimplido pelo contribuinte. Se antes da inscrição
ocorrer qualquer modalidade de suspensão do crédito tributário, suspende-se a exigibilidade
do crédito, e conseqüentemente suspende-se também o prazo prescricional. Mas veja que a
inscrição em dívida ativa em nada se relaciona com a prescrição, salvo esta suspensão
induzida por uma causa qualquer. O termo ad quem da prescrição afeta a execução, e não a
inscrição em dívida ativa.
O requisito declarado no inciso V do artigo 202 do CTN, fazer constar o número do
processo administrativo existente, só se justifica, por óbvio, quando há processo
administrativo pertinente; se não houver, é claro que é desnecessário. Por exemplo, se há
impugnação ao crédito pelo contribuinte, o processo administrativo é relevante, e deve ser
apontado; se não há impugnação, havendo apenas inadimplemento, não há processo
relevante.
Há um detalhe importante: até que seja decidido em última instância administrativa,
a exigibilidade fica suspensa, e não é possível a inscrição em dívida ativa. Mesmo havendo
a discussão administrativa do crédito, o contribuinte consegue receber certidão que o
habilite a contratações com a administração – a certidão positiva com efeitos de negativa.
Somente após a decisão administrativa irreformável o crédito poderá ser inscrito em dívida
ativa. E outro aspecto óbvio: é claro que se está tratando de decisão administrativa
irreformável desfavorável ao contribuinte, porque se for favorável, significa que o crédito
terá sido extinto, não havendo que se falar em inscrição em dívida ativa ou execução fiscal.
As modalidades de suspensão do crédito tributário são elencadas em rol taxativo,
como se sabe. Dentre elas, está o deferimento da liminar em mandado de segurança e a
antecipação da tutela em ação anulatória, o que significa que o mero ajuizamento destas
ações não é suficiente para impedir a inscrição do crédito em dívida ativa, tampouco a
execução dali conseqüente. É necessário o deferimento da tutela de urgência para impedir a
inscrição.
Sendo indeferida, haverá o curso de duas ações simultâneas, uma executiva e uma
cognitiva. Haveria conexão? O STJ, tentando resolver esse problema – pois a conexão
clássica não se opera –, desenvolveu o conceito da conexão instrumental: não há reunião
dos processos, mas há suspensão da execução fiscal, a fim de evitar possíveis decisões
contraditórias.
A inscrição em dívida ativa inverte o ônus da prova sobre o crédito tributário. Esta
conclusão depreende-se do artigo 204 do CTN,

“Art. 204. A dívida regularmente inscrita goza da presunção de certeza e liquidez e


tem o efeito de prova pré-constituída.
Parágrafo único. A presunção a que se refere este artigo é relativa e pode ser ilidida
por prova inequívoca, a cargo do sujeito passivo ou do terceiro a que aproveite.”

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Hugo de Brito Machado entende que o “terceiro”, mencionado no parágrafo único


deste dispositivo, poderia ser até mesmo o locatário, emprestando legitimidade a esta figura
para defender-se junto ao fisco em relação aos tributos reais do imóvel locado.
Acerca da defesa contra a execução fiscal, há um detalhe importante: a Lei de
Execuções Fiscais, no artigo 2º, § 8º, já transcrito, possibilita que a certidão que instrui a
execução possa ser substituída até que seja proferida a decisão de primeira instância –
provavelmente a sentença de embargos –, assegurada a devolução do prazo para novos
embargos. Todavia, a questão oferece problemas quando se estiver diante de vícios
insanáveis na certidão: se forem sanáveis, não há problema em substituir a certidão e sanar
a execução; se o vício for insanável, a execução não pode prosseguir, nem mesmo com a
substituição da certidão. Exemplo de vício insanável é aquele que contamina o próprio
lançamento tributário.

2. Certidão da dívida ativa

A certidão da dívida ativa tem natureza jurídica de título executivo extrajudicial,


como é cediço. Ela é o título que aparelha a execução fiscal.
O momento entre a inscrição na dívida ativa e o início da execução é uma zona
nebulosa, em que a situação está um tanto quanto indefinida: não pode pretender suspender
a exigibilidade do crédito, pois que já passou o momento próprio; tampouco pode opor
defesa à execução fiscal, vez que ainda não foi ajuizada.
Imagine-se que o contribuinte precise de uma certidão negativa, ou positiva com
efeitos de negativa, para participar de uma licitação. Se este contribuinte estiver
regularmente inscrito na dívida ativa, mas ainda não estiver sendo executado, a certidão que
obterá é positiva, estando impedido de participar do procedimento licitatório – enquanto
que se estivesse em curso a sua execução, poderia haver de sua parte a oposição de alguma
causa que justificasse a emissão e certidão positiva com efeitos de negativa.
Por esta injusta situação, os advogados militantes na área desenvolveram como
medida para solucionar este problema a ação cautelar de caução. Esta ação se trata de uma
cautelar em que o contribuinte oferece um bem imóvel como caução, antecipando os efeitos
da penhora que seria ocorrida na sede da execução fiscal, que ainda não foi ajuizada.
Se esta cautelar for provida, antecipando os efeitos da penhora, poderá ser invocado
o artigo 206 do CTN, e poderá, este contribuinte, obter uma certidão positiva com efeitos
de negativa, habilitando-o a contratar com a administração, participando de licitações.

“Art. 206. Tem os mesmos efeitos previstos no artigo anterior a certidão de que
conste a existência de créditos não vencidos, em curso de cobrança executiva em
que tenha sido efetivada a penhora, ou cuja exigibilidade esteja suspensa.”

Esta ação cautelar de caução tem sido admitida amplamente, por ser inegável
medida de justiça. E veja que esta ação tem duas vantagens, uma lícita e outra de moral
questionável: além da já mencionada incidência do artigo 206 do CTN, o bem nomeado, se
aceito, pode ter seu valor tremendamente depreciado, à época da execução fiscal, quando o
fisco será bastante prejudicado.
A jurisprudência do STJ acolheu o cabimento desta ação.

3. Execução fiscal

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É bastante comum que a Fazenda, quando promove a execução fiscal de pessoa


jurídica, coloque no pólo passivo tanto a sociedade quanto os sócios, administradores ou
não.
Seguindo-se a regra dos artigos 134 e 135 do CTN, a sociedade, a pessoa jurídica, é
a contribuinte. Veja:

“Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da


obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos
em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis:
I - os pais, pelos tributos devidos por seus filhos menores;
II - os tutores e curadores, pelos tributos devidos por seus tutelados ou curatelados;
III - os administradores de bens de terceiros, pelos tributos devidos por estes;
IV - o inventariante, pelos tributos devidos pelo espólio;
V - o síndico e o comissário, pelos tributos devidos pela massa falida ou pelo
concordatário;
VI - os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos
sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu ofício;
VII - os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas.
Parágrafo único. O disposto neste artigo só se aplica, em matéria de penalidades, às
de caráter moratório.”

“Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a


obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou
infração de lei, contrato social ou estatutos:
I - as pessoas referidas no artigo anterior;
II - os mandatários, prepostos e empregados;
III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito
privado.”

Quando o sócio ou os administradores forem responsáveis tributários, na forma do


artigo 135, caput e inciso III, nada impede que sejam colocados no pólo passivo da
execução. Da mesma forma, o sócio não-administrador poderá estar nesta posição, quando
a sociedade for irregular, por exemplo.
O STJ já pacificou entendimento que o mero inadimplemento de tributos não
justifica a inclusão do administrador no pólo passivo. Embora seja uma infração tributária,
não justifica a imputação do artigo 135 do CTN. Como a Fazenda saberá se há caso de
imputação do artigo 135, se o dado que esta tem acesso, em regra, é somente a existência
ou não do inadimplemento? Como saber se há infração que justifique a aplicação do artigo
135 do CTN?
É necessária a instauração de um processo administrativo para tanto, mas a Fazenda
não deixa de proceder na execução fiscal de todos, mesmo antes deste processo terminar.
Por isso, quando há identificação da responsabilidade do sócio ou administrador com a
execução já em curso, há o redirecionamento da execução, e o patrimônio da pessoa natural
posta no pólo passivo passa a responder (sem que haja sequer a necessidade de
desconsideração da personalidade jurídica, vez que a própria lei permite a invasão do
patrimônio pessoal do executado, neste caso).
Este redirecionamento precisa de autorização do juiz da execução, e esta autorização
demanda que a Fazenda faça prova do elemento subjetivo da pessoa natural na infração que
permite a responsabilização. O problema do redirecionamento, ao contrário do que alegam

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os sócios ou administradores executados, não é a ausência de seu nome na certidão da


dívida ativa: é a prova do elemento subjetivo, indispensável à legitimação passiva destes.
Quando a Fazenda coloca, desde o início, todos os sujeitos – a sociedade e os sócios
administradores – no pólo passivo, sem que tenha sido respeitado o procedimento
necessário, o redirecionamento, cabe às pessoas naturais alegarem sua ilegitimidade
passiva, requerendo a sua exclusão (por meio de até mesmo exceção de pré-executividade).
Havendo prova dos casos do artigo 135 do CTN, a solidariedade passiva é ab initio,
sem problemas, assim como o deferimento de inclusão de pessoa no pólo passivo não
encontra óbice. Já na responsabilidade tributária do artigo 134 do CTN, a solidariedade é
subsidiária (por mais estranho que pareça), e demanda o redirecionamento, quando o
contribuinte não puder arcar com o débito, não podendo ser ab initio.
Exemplo do artigo 134 é o do menor e seu representante, na forma do artigo 126, I,
do CTN:

“Art. 126. A capacidade tributária passiva independe:


I - da capacidade civil das pessoas naturais;
(...)”

Neste caso, o menor é a contribuinte, e o representante é o responsável, na forma do


artigo 134.
Sobre o redirecionamento, vale observar esclarecedor julgado do STJ:

“TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. ART. 135 DO CTN.


RESPONSABILIDADE DO SÓCIO-GERENTE. EXECUÇÃO FUNDADA EM
CDA QUE INDICA O NOME DO SÓCIO. REDIRECIONAMENTO.
DISTINÇÃO.
1. Iniciada a execução contra a pessoa jurídica e, posteriormente, redirecionada
contra o sócio-gerente, que não constava da CDA, cabe ao Fisco demonstrar a
presença de um dos requisitos do art. 135 do CTN. Se a Fazenda Pública, ao
propor a ação, não visualizava qualquer fato capaz de estender a responsabilidade
ao sócio-gerente e, posteriormente, pretende voltar-se também contra o seu
patrimônio, deverá demonstrar infração à lei, ao contrato social ou aos estatutos
ou, ainda, dissolução irregular da sociedade.
2. Se a execução foi proposta contra a pessoa jurídica e contra o sócio-gerente, a
este compete o ônus da prova, já que a CDA goza de presunção relativa de liquidez
e certeza, nos termos do art. 204 do CTN c/c o art. 3º da Lei n.º 6.830/80.
3. Caso a execução tenha sido proposta somente contra a pessoa jurídica e havendo
indicação do nome do sócio-gerente na CDA como co-responsável tributário, não
se trata de típico redirecionamento. Neste caso, o ônus da prova compete
igualmente ao sócio, tendo em vista a presunção relativa de liquidez e certeza que
milita em favor da Certidão de Dívida Ativa.
4. Na hipótese, a execução foi proposta com base em CDA da qual constava o
nome do sócio-gerente como co-responsável tributário, do que se conclui caber a
ele o ônus de provar a ausência dos requisitos do art. 135 do CTN.
5. Embargos de divergência providos. (EREsp 702232 / RS. Ministro CASTRO
MEIRA. S1 - PRIMEIRA SEÇÃO. 14/09/2005. DJ 26/09/2005, p. 169)”

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EMERJ – CP II Direito Tributário II

Casos Concretos

Questão 1

FARMÁCIA XXX LTDA. impetrou mandado de segurança em face do Secretário da


Fazenda do Estado do Rio de Janeiro objetivando a desconstituição da inscrição em dívida
ativa de débitos relativos ao ICMS declarados ao Estado e não recolhidos.
Como causa de pedir, alega impossibilidade de inscrição na dívida ativa com base
direta nas declarações do contribuinte, suprimindo momento intermediário do lançamento
notificado, contrariando, assim, o princípio constitucional do devido processo legal. Aduz,
também, que a supressão do lançamento impede o controle da legalidade da atividade
administrativa consubstanciadora do crédito tributário.
Nas suas informações, a Fazenda Pública contesta os argumentos do impetrante;
alega que a declaração prestada pelo contribuinte constitui confissão de dívida,
configurando, assim, hipótese de homologação tácita do lançamento.
Analise a questão.

Resposta à Questão 1

Está correta a Fazenda. Nos tributos lançados por homologação, o contribuinte que
tinha que entregar a declaração em data limite, cumpria o prazo sem atenção à correta
declaração, contando que poderia depois fazer declaração retificadora com pagamento do
valor correto a posteriori, pretendendo assim receber os benefícios da denúncia espontânea.
Ocorre que a declaração é confissão de dívida, e como tal, assume natureza de lançamento
imediato. Por isso, a inscrição na dívida ativa é perfeitamente admissível, assim como a
executiva fiscal subseqüente.
Em síntese: tributo lançado por homologação, declarado pelo contribuinte e não
recolhido aos cofres públicos, prescinde de lançamento, podendo ser diretamente inscrito
em dívida ativa.
O STJ, no REsp 770.161, assim se posicionou, bem como, em relação à denúncia
espontânea, a súmula 360 do STJ:

“TRIBUTÁRIO. TRIBUTOS DECLARADOS PELO CONTRIBUINTE E


RECOLHIDOS FORA DE PRAZO. DENÚNCIA ESPONTÂNEA (CTN, ART.
138). NÃO-CARACTERIZAÇÃO.
1. O art. 138 do CTN, que trata da denúncia espontânea, não eliminou a figura da
multa de mora, a que o Código também faz referência (art. 134, par. único). É
pressuposto essencial da denúncia espontânea o total desconhecimento do Fisco
quanto à existência do tributo denunciado (CTN, art. 138, par. único).
Conseqüentemente, não há possibilidade lógica de haver denúncia espontânea de
créditos tributários já constituídos e, portanto, líquidos, certos e exigíveis.
2. Segundo jurisprudência pacífica do STJ, a apresentação, pelo contribuinte, de
Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais – DCTF (instituída pela IN-
SRF 129/86, atualmente regulada pela IN8 SRF 395/2004, editada com base no art.
5º do DL 2.124/84 e art. 16 da Lei 9.779/99) ou de Guia de Informação e Apuração
do ICMS – GIA, ou de outra declaração dessa natureza, prevista em lei, é modo de

Michell Nunes Midlej Maron 124


EMERJ – CP II Direito Tributário II

constituição do crédito tributário, dispensada, para esse efeito, qualquer outra


providência por parte do Fisco.
3. A falta de recolhimento, no devido prazo, do valor correspondente ao crédito
tributário assim regularmente constituído acarreta, entre outras conseqüências, as
de (a) autorizar a sua inscrição em dívida ativa, (b) fixar o termo a quo do prazo de
prescrição para a sua cobrança, (c) inibir a expedição de certidão negativa do
débito e (d) afastar a possibilidade de denúncia espontânea.
4. Nesse entendimento, a 1ª Seção firmou jurisprudência no sentido de que o
recolhimento a destempo, ainda que pelo valor integral, de tributo anteriormente
declarado pelo contribuinte, não caracteriza denúncia espontânea para os fins do
art. 138 do CTN.
5. Recurso especial a que se dá provimento.”

“Súmula 360, STJ: O benefício da denúncia espontânea não se aplica aos tributos
sujeitos a lançamento por homologação regularmente declarados, mas pagos a
destempo.”

Questão 2

Em autos de execução fiscal que lhe move a Fazenda Nacional, DOCES


GULOSEIMAS Ltda., embarga a execução requerendo a extinção do feito sem o
julgamento do mérito. Isto porque a Certidão de Dívida Ativa que instrui a ação, além de
débitos relativos a impostos federais, traz incluso o valor de uma contribuição para o
então Instituto do Açúcar e do Álcool que fora considerada inconstitucional pelo STF.
A Fazenda alega que, no caso, basta um simples cálculo aritmético para ajustar o
valor da cobrança, prosseguindo-se normalmente o feito.
Responda fundamentadamente, como você julgaria os embargos.

Resposta à Questão 2

Está correta a embargante: o vício afeta o próprio lançamento, e por isso é


insanável, não sendo suficiente a mera alteração nos cálculos, como pretende a Fazenda.
O STJ, no EREsp 602.002, assim se manifestou:

“TRIBUTÁRIO E PROCESSO CIVIL – EXECUÇÃO FISCAL DE ICMS –


PROCEDIMENTOS COMPLEXOS PARA SE CHEGAR À CDA –
INCONSTITUCIONALIDADE DA INCLUSÃO DA CONTRIBUIÇÃO AO IAA
E DO SEU ADICIONAL NA BASE DE CÁLCULO DO ICMS –
INVIABILIDADE, NO PRESENTE CASO, DE SE DECOTAR A CDA COM
CÁLCULOS HORIZONTAIS – NULIDADE DA CDA – EXTINÇÃO DA
EXECUÇÃO.
1. Inconstitucional inclusão da contribuição para o IAA e do seu adicional na base
de cálculo do ICMS. Nulidade de todas as notas fiscais de saída que contenham
base de cálculo inconstitucionalmente majorada.
2. A jurisprudência desta Corte tem entendido que as alterações que possam
ocorrer na certidão de dívida, por simples operação aritmética, não ensejam
nulidade da CDA; fazendo-se no título que instrui a execução o decote da
majoração indevida.
3. O cálculo do ICMS a pagar constante da CDA, em função do princípio
constitucional da não-cumulatividade, é complexo, com apuração do quantum em
livro próprio onde se confrontam créditos e débitos do imposto.

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EMERJ – CP II Direito Tributário II

4. Impossibilidade, no presente caso, de se recortar o valor inconstitucionalmente


adicionado na base de cálculo sem que se realize novo lançamento.
5. Nulidade da CDA por vício material e conseqüente extinção do processo de
execução.
Embargos de divergência providos.”

Questão 3

Determinado contribuinte interpôs medida cautelar inominada objetivando sustar o


protesto promovido pelo Município X, de Certidão de Dívida Ativa relativa ao débito de
IPTU, com base no entendimento de ser tal via inidônea para constituição em mora de
devedor tributário.
O Município sustenta não haver vedação legal ao protesto de CDA, que acarreta
sim, vantagens sociais e econômicas em confronto com o procedimento tributário
específico.
Dados os fatos como verdadeiros, decida de forma fundamentada.

Resposta à Questão 3

Não existe protesto de certidão: é absurdamente errada a alegação do Município X.


O procedimento executivo fiscal tem rito próprio, em que a mora é constituída na
notificação da inscrição do débito na dívida ativa, devendo ser feita uma análise sistemática
dos artigos 160 e 161 do CTN. À Fazenda não é dado agir como particular, na cobrança de
seu crédito, vez que todos os procedimentos são previstos em lei, não havendo
discricionariedade. A cautelar deve ser provida.

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Tema XIV

Certidão negativa 1. Conceito; 2. Espécies. Tipo; 3. Hipóteses do CTN; 4. Certidão negativa na legislação
previdenciária; 5. Questões judiciais controvertidas. Jurisprudência. Doutrina.

Notas de Aula27

1. Certidão da dívida ativa

A certidão da dívida ativa tem, como visto, natureza de título executivo


extrajudicial. Por conceito, é o documento obtido através do ato administrativo pelo qual se
registram nos livros ou fichários do órgão administrativo competente, os créditos exigíveis,
por não terem sido pagos no prazo legal.
Esta certidão implementa a publicidade necessária aos atos administrativos, e
também permite o controle da legalidade pela própria Fazenda, bem como pelo próprio
sujeito passivo.
Qualquer irregularidade contida no termo de inscrição da dívida ativa contamina
também a própria certidão. Mesmo já tendo sido transcrito, vale rever o artigo 202 do CTN,
pois é ele que apresenta os requisitos do termo de inscrição da dívida ativa, de onde se
extrairá a certidão que ora estudamos:

“Art. 202. O termo de inscrição da dívida ativa, autenticado pela autoridade


competente, indicará obrigatoriamente:
I - o nome do devedor e, sendo caso, o dos co-responsáveis, bem como, sempre
que possível, o domicílio ou a residência de um e de outros;
II - a quantia devida e a maneira de calcular os juros de mora acrescidos;
III - a origem e natureza do crédito, mencionada especificamente a disposição da
lei em que seja fundado;
IV - a data em que foi inscrita;
V - sendo caso, o número do processo administrativo de que se originar o crédito.
Parágrafo único. A certidão conterá, além dos requisitos deste artigo, a indicação
do livro e da folha da inscrição.”

É comum, por exemplo, a autuação que, irregularmente, define a infração com


imprecisão, com artigos genéricos, dificultando a defesa, gerando nulidade. É também nula
a autuação realizada por pessoa diversa da autoridade tributária, o que é vedado.
Tudo que constar do termo de inscrição será resumido na certidão da dívida ativa. A
certidão só será emitida em dois casos: para executar a dívida, ou quando o contribuinte a
requerer. A emissão a requerimento do contribuinte, inclusive, é um direito constitucional,
desenhado no artigo 5º, XXXIV, “b”, da CRFB. Veja:

“(...)
XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:
a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra
ilegalidade ou abuso de poder;
b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e
esclarecimento de situações de interesse pessoal;
27
Aula proferida pelo professor Cláudio Carneiro Bezerra Pinto Coelho, em 18/11/2008.

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EMERJ – CP II Direito Tributário II

(...)”
Segundo o artigo 205, parágrafo único, do CTN, combinado com o artigo 5º,
XXXIV, “b”, esta certidão tem prazo para ser emitida, de dez dias:

“Art. 205. A lei poderá exigir que a prova da quitação de determinado tributo,
quando exigível, seja feita por certidão negativa, expedida à vista de requerimento
do interessado, que contenha todas as informações necessárias à identificação de
sua pessoa, domicílio fiscal e ramo de negócio ou atividade e indique o período a
que se refere o pedido.
Parágrafo único. A certidão negativa será sempre expedida nos termos em que
tenha sido requerida e será fornecida dentro de 10 (dez) dias da data da entrada do
requerimento na repartição.”

Veja que o artigo fala já da certidão negativa, o que é um dos efeitos que a certidão
pode assumir. A definição da situação de regularidade fiscal do contribuinte é exatamente
qual será este efeito que a certidão terá, demonstrando qual será a situação do contribuinte
perante o fisco.
A certidão pode assumir três efeitos diversos: positiva, negativa, ou positiva com
efeitos de negativa. A certidão positiva é a que indica que o contribuinte está inadimplente
perante o fisco, e é esta que a Fazenda extrai com o fito de ajuizar a execução fiscal do
crédito por tal documento apontado, tornado título executivo.
A certidão negativa, ao contrário do que se poderia pensar, não significa que o
contribuinte não tem débitos com a Fazenda: significa apenas que ele não tem débitos já
inscritos na dívida ativa, podendo haver débitos ainda em fase de constituição, e ainda não
inscritos.
A certidão positiva com efeitos de negativa, por sua vez, é aquela descrita no artigo
206 do CTN:

“Art. 206. Tem os mesmos efeitos previstos no artigo anterior a certidão de que
conste a existência de créditos não vencidos, em curso de cobrança executiva em
que tenha sido efetivada a penhora, ou cuja exigibilidade esteja suspensa.”

A primeira situação que autoriza a emissão desta certidão é quando o débito existe
mas ainda está em curso o seu prazo de pagamento. Ultrapassada a data de vencimento, se o
contribuinte pagar seu débito, a certidão se tornará negativa; se inadimplir, será certidão
positiva pura.
A segunda hipótese que autoriza esta certidão é quando há já ajuizada a executiva
fiscal, mas já há também a garanta do juízo: há a penhora de bens que asseguram o crédito.
A terceira hipótese, por fim, é aquela em que haja vigente alguma causa de
suspensão da exigibilidade do crédito tributário, na forma do artigo 151 do CTN, já bem
abordado.
De posse da certidão negativa ou da positiva com efeitos de negativa, o contribuinte
se apresenta idôneo perante a Fazenda, e por isso pode com ela contratar, bem como
participar de licitações. Havendo certidão positiva, o contribuinte é inadimplente, e como
tal sofre as restrições imponíveis a sua situação de irregularidade.
A certidão positiva com efeitos de negativa permite ao contribuinte fazer quase tudo
que a negativa o faz, mas não tudo. Não permite, por exemplo, que este dê baixa no registro
da sociedade.

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EMERJ – CP II Direito Tributário II

Um comentário que precisa ser feito diz respeito à falência e à recuperação judicial
de empresas, sendo necessária a leitura dos artigos 191 e 191-A do CTN:

“Art. 191. A extinção das obrigações do falido requer prova de quitação de todos
os tributos.”

“Art. 191-A. A concessão de recuperação judicial depende da apresentação da


prova de quitação de todos os tributos, observado o disposto nos arts. 151, 205 e
206 desta Lei.

O artigo 191-A não dispõe que a recuperação será iniciada apenas quando estiverem
quitados todos os tributos; dispõe que o encerramento da recuperação será feito apenas
quando quitados os débitos tributários, tal como a extinção das obrigações, que vem
prevista no artigo anterior. O termo “concessão de recuperação” deve assim ser
interpretado, porque do contrário jamais se instaurará um procedimento de recuperação, vez
que os créditos tributários são sempre presentes no passivo ensejador da necessidade da
recuperação.
O artigo 130 do CTN trata de responsabilidade por sucessão, referente a bens
imóveis, e é relevante para o estudo das certidões. Veja:

“Art. 130. Os créditos tributários relativos a impostos cujo fato gerador seja a
propriedade, o domínio útil ou a posse de bens imóveis, e bem assim os relativos a
taxas pela prestação de serviços referentes a tais bens, ou a contribuições de
melhoria, subrogam-se na pessoa dos respectivos adquirentes, salvo quando conste
do título a prova de sua quitação.
Parágrafo único. No caso de arrematação em hasta pública, a sub-rogação ocorre
sobre o respectivo preço.”

Na parte final do caput se lê que a certidão negativa referente aos tributos ali
tratados afasta a sucessão tributária sobre bens imóveis. Mesmo que a cobrança de créditos
que venham a existir futuramente não seja afastada pela certidão negativa, se o adquirente
tem a certidão negativa, ele não se sub-roga na dívida tributária que existia ao tempo da
aquisição, mesmo que se tratem, como se tratam, de dívidas propter rem. Isto porque se na
celebração do negócio jurídico de aquisição do imóvel havia a certidão negativa anexada à
escritura, significa que o adquirente houve o bem para si crendo não haver créditos
tributários devidos.
Destarte, mesmo que na certidão negativa da dívida ativa conste a ressalva de que
os créditos poderão ser cobrados, isto significa que serão cobrados, neste caso, do
alienante, e não do adquirente, que não se sub-rogou em tais débitos.
Isso tudo demonstra que a certidão negativa nem sempre dá quitação plena dos
débitos no momento em que é emitida, porque neste caso, por exemplo, mesmo que o
adquirente não possa ser demandado, o eventual crédito persiste contra o alienante.
O parágrafo único deste artigo supra é também relevante, pois denuncia a natureza
de aquisição originária da propriedade que se atribui à aquisição em hasta pública: quando
for dado o valor da arrematação pelo adquirente, a dívida se sub-roga é neste preço pago, e
não no bem vendido. Quem arca com o débito tributário é aquele que recebeu o produto da
arrematação, ou seja, o fisco retém o valor do crédito devido e só repassa ao antigo
proprietário o eventual saldo.

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EMERJ – CP II Direito Tributário II

Como já se asseverou e repetiu, a apresentação de certidão negativa ou positiva com


efeito de negativa é necessária para a contratação com o poder público. Surge uma questão
importante: as certidões previdenciárias são exigíveis para esta contratação? Veja o que
dispõe o artigo 195, § 3º, da CRFB:

“Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta
e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes
contribuições sociais:
(...)
§ 3º - A pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social, como
estabelecido em lei, não poderá contratar com o Poder Público nem dele receber
benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios.
(...)”

É justamente este dispositivo que justifica a exigência de certidão da dívida ativa


previdenciária que é prevista apenas em lei ordinária – leia-se Lei 8.212 e Lei 8.213 de
1991 –, pois ali se vê que é exigida apenas lei em geral, e não lei complementar. Só se exige
lei complementar para as outras contribuições que são previstas no artigo 195, § 4º, da
CRFB:

“(...)
§ 4º - A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou
expansão da seguridade social, obedecido o disposto no art. 154, I.
(...)”

Resumindo, as Leis 8.212/91 e 8.213/91 são leis que tratam de vários assuntos sobre
matéria previdenciária, entre eles a exigência de certidões previdenciárias e o prazo
prescricional e decadencial diferenciado, de dez anos, para tais créditos. Quanto aos prazos
diferenciados, o STF entendeu que os artigos 45 e 46 da Lei 8.212/91 são inconstitucionais,
editando inclusive a súmula vinculante 8 sobre o tema. O fundamento usado para tanto foi
justamente a invasão de reserva de lei complementar.

“Art. 45. O direito da Seguridade Social apurar e constituir seus créditos extingue-
se após 10 (dez) anos contados:
(...)”

“Art. 46. O direito de cobrar os créditos da Seguridade Social, constituídos na


forma do artigo anterior, prescreve em 10 (dez) anos.”

“Súmula vinculante 8, STF: São inconstitucionais o parágrafo único do artigo 5º do


Decreto-Lei nº 1.569/1977 e os artigos 45 e 46 da Lei nº 8.212/1991, que tratam de
prescrição e decadência de crédito tributário.”

Sob este mesmo fundamento, discute-se se a lei ordinária poderia exigir certidões
não previstas pelo CTN. Neste caso, a jurisprudência se posiciona no sentido de que o
artigo 195, § 3º, da CRFB, permite a previsão em lei ordinária expressamente, não havendo
a mesma inconstitucionalidade que a súmula vinculante 8 do STF identificou.
Mudando o assunto, surge outra questão: o que ocorre com o processo de execução
se se descobrir que a certidão da dívida ativa que o instruiu contém uma nulidade

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EMERJ – CP II Direito Tributário II

insanável? Como esta certidão não pode ser apenas trocada, a execução deverá ser extinta,
na forma do artigo 267, IV, do CPC – falta de pressuposto processual válido.
E se a certidão da dívida ativa for emitida com dolo ou fraude que prejudique a
Fazenda? O artigo 208 do CTN assim dispõe:

“Art. 208. A certidão negativa expedida com dolo ou fraude, que contenha erro
contra a Fazenda Pública, responsabiliza pessoalmente o funcionário que a expedir,
pelo crédito tributário e juros de mora acrescidos.
Parágrafo único. O disposto neste artigo não exclui a responsabilidade criminal e
funcional que no caso couber.”

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Casos Concretos

Questão 1

MADECOM Materiais Ltda. impetra um mandado de segurança no juízo


competente visando à concessão da ordem para expedição de uma Certidão Positiva, com
efeitos de Negativa, de débito junto à Receita Federal. Isso, em decorrência da conduta do
Secretário de Receita que lhe negou tal certidão sob o argumento de que a concessão de
certidão positiva de débito, com efeitos de negativa, somente se dá nas seguintes hipóteses:
(I) o débito está vencido; (II) a exigibilidade do crédito tributário está suspensa ou (III) o
débito é objeto de execução fiscal na qual se tenha efetivada a penhora". Alega também
que o "art. 151, inciso III, do CTN autoriza a suspensão de exigibilidade do crédito
tributário, em razão de recurso administrativo, apenas quando há processo administrativo-
fiscal tendente à constituição definitiva do crédito tributário, o que não é o caso da
sociedade, já que a mesma está escrita no REFIS”. Responda, fundamentadamente, se
você, como juiz competente, deferiria a ordem.

Resposta à Questão 1

A ordem deve ser deferida. A obtenção da certidão positiva com efeitos de negativa
é direito do contribuinte, quando preenche os requisitos, sendo ato vinculado da
administração. No caso, a inscrição no Refis significa que há o parcelamento tributário,
havendo suspensão do crédito tributário, sendo então caso enquadrado no artigo 206 do
CTN, determinando que é devida a emissão da dita certidão – sua negativa indevida é ato
de coação ilegal, e o writ merece provimento.

Questão 2

A Empresa SOLDAS CARIOCA LTDA. impetrou Mandado de Segurança em face


do Secretário de Fazenda Estadual, objetivando a obtenção de Certidão Negativa de
Débito ou, alternativamente, Certidão Positiva com efeitos de Negativa. Como causa de
pedir, alega que não há inscrição em dívida ativa em nome da impetrante e, dessa forma, a
negativa da Fazenda Pública é ilegal.
Nas suas informações, a autoridade impetrada alegou que há lançamento
tributário constituído regularmente em face da impetrante. Alega, também, que o crédito
tributário lançado não foi contestado pela impetrante.
Analise a questão à luz da doutrina e da jurisprudência.

Resposta à Questão 2

A inscrição em dívida ativa somente tem o condão de materializar o crédito


tributário, permitindo a certidão que cartulariza o crédito, viabilizando a execução. Estando
o crédito definitivamente constituído, a certidão negativa não pode ser expedida, a menos
que tenha sido feito o pagamento. Do mesmo modo, a inscrição em dívida ativa não
permite a emissão da certidão positiva com efeitos de negativa, pois é necessário que haja
uma das hipóteses do artigo 206 do CTN. Está correta a Fazenda, portanto.

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EMERJ – CP II Direito Tributário II

Questão 3

MAURÍLIO, inspetor da Divisão de Fiscalização do Estado do Rio de Janeiro,


negou pedido de certidão negativa de débito de ICMS feito por BRASILIS Ltda., em razão
da existência de suposto débito fiscal.
Diante da recusa, BRASILIS Ltda. impetrou mandado de segurança, pleiteando a
obtenção de certidão negativa com base no art. 5º, XXXIV da CR/88, a ser emitida pela
Fazenda Estadual, sob os fundamentos de que, apesar de terem sido lavrados diversos
autos de infração contra ela, estes foram alvo de ação anulatória de débito fiscal de ICMS,
e de que a obtenção da certidão era essencial para o exercício normal de suas atividades.
Alegou, também, que até o trânsito em julgado da ação anulatória, nada deve aos
cofres do Tesouro do Estado do Rio de Janeiro.
A ordem deve ser concedida? Fundamente.

Resposta à Questão 3

Uma coisa é o pedido de certidão, que é direito líquido e certo do contribuinte; outra
coisa é o efeito que esta certidão terá. Neste sentido, caso não haja nenhuma das hipóteses
do artigo 206 do CTN, e exista o débito, a certidão será positiva, salvo se na ação (mandado
de segurança ou ação anulatória, por exemplo) for deferida uma liminar ou antecipação de
tutela com o efeito de suspender a exigibilidade do crédito.
Sendo assim, negativa a certidão não será, tampouco se enquadrando, ao que tudo
indica, como caso de certidão positiva com efeitos de negativa, pois o mero ajuizamento de
ações judiciais não suspende a exigibilidade. A ordem, então, deve ser denegada.
A respeito, veja o que diz o TJ/RJ na apelação em mandado de segurança
2004.001.18232:

“MANDADO DE SEGURANCA. CERTIDAO NEGATIVA DE DEBITOS


FISCAIS. RECUSA. INEXISTENCIA DE DIREITOS. TRIBUTÁRIO. DÉBITO
FISCAL. MANDADO DE SEGURANÇA. RECUSA DE EXTRAÇÃO DE
CERTIDÃO NEGATIVA. As certidões emitidas pelo poder público devem ser
verazes, espelhando situações que de fato ocorram, sob pena de serem
imprestáveis. No caso em questão, a apelada não obteve, em sede de ação
ordinária, a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, amparada em uma das
hipóteses elencadas no art.151 do Código Tributário Nacional. Destarte, se não
fora suspensa a exigibilidade do crédito tributário, a empresa apelada permanece
na condição de devedora perante o fisco, o que por si inviabiliza sua pretensão de
obter a certidão negativa de débitos fiscais. Por outro lado, o simples fato de ter
ingressado com ação ordinária, com o fito de discutir o ato administrativo, não
demonstra a suspensão da exigibilidade do crédito tributário originado pelo auto de
infração, já que a emissão da certidão positiva com efeitos de negativa, prevista no
artigo 206 do Código Tributário Nacional, está condicionada a efetiva suspensão
da exigibilidade do crédito tributário, sendo este, inclusive o entendimento do
Egrégio Superior Tribunal de Justiça, bem como deste Colendo Tribunal. Recurso
conhecido e provido; reformando-se a sentença em duplo grau obrigatório de
jurisdição.”

Michell Nunes Midlej Maron 133

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