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Qual o desporto mais completo?

Um dos lugares comuns de que me lembro da minha infância relativamente ao mundo do


desporto é o da natação ser considerado o desporto mais completo. A minha mãe usou esse
argumento para me tentar convencer a ir aprender nadar numa piscina que havia perto de
Cedofeita, no Porto. Na altura não me convenceu mas por outros motivos. Por um lado eu tinha
medo à água e ainda mais a fazer figuras tristes tentando fazer o que não sabia perante os
outros; por outro lado, para além do tempo das aulas que era obrigatório eu queria ver todo o
resto dedicado ao meu desporto favorito: jogar à bola com os meus amigos fosse em que lado
fosse. Esse desporto que eu adorava podia ser incompleto a valer, isso não me interessava nada.
O que eu queria era jogá-lo.

Mais tarde já jovem e adulto continuei a ouvir sempre a mesma sentença e como enveredei pela
profissão de professor de Educação Física então o dito cujo passou a interpelar-me de outra
maneira. Já não de uma forma emocional nem muito menos de uma forma racionalmente pouco
aprofundada. Já antes tinha percebido que as razões que levavam as pessoas a pensar daquele
modo residiam no argumento que na natação se movia todo o corpo e se trabalhavam todos os
músculos, coisa que não seria verdade para outros desportos. Era como se a água que envolvia
o corpo todo tivesse uma virtude quase mitológica de o fazer trabalhar na sua plenitude…

Mais tarde elaborei um conjunto de contra-argumentos que passei a explicar às pessoas comuns
sempre que me atiravam à cara essa ideia. Não é nada de outro mundo, aliás penso que qualquer
pessoa se pensasse mais aprofundadamente poderia chegar às mesmas conclusões mesmo sem
ter o curso de professor EF.

Consistia então no seguinte esse meu arrazoado: eu começava por comparar a natação com os
jogos desportivos coletivos e dizia: reparem, nos jogos desportivos coletivos como por exemplo
no basquetebol ou futebol, para além dos jogadores usarem o corpo e o terem de dominar,
aplicando múltiplas técnicas e táticas aprendidas com dificuldade, usam também, se o jogarem
pelo menos razoavelmente, recursos psicológicos e mesmos sociológicos diversificados. Têm de
estar constantemente atentos ao que se passa exteriormente, no campo de jogo, sabendo onde
estão eles próprios e onde estão posicionados os seus companheiros, os adversários, a bola e o
alvo do jogo. Têm de raciocinar na prática e rapidamente para poderem tomar as decisões
adequadas às leituras que fizeram das situações e no final da linha têm ainda de agir
corretamente para resolverem na prática essas situações-problema. Tudo coisas que na natação
pura não existe, existindo embora no Polo Aquático que é um jogo coletivo cujo campo é dentro
de uma piscina. E tudo isto tem de ser feito em simultâneo. Perceção-decisão-ação. Ao mesmo
tempo que percecionam estão a tomar decisões e a realizar ações relativas a situações lidas no
passado. E como sabe quem é praticante ou treinador tudo isto a um certo nível passa a
acontecer automaticamente, inconscientemente em grande parte. Aliás, é isso que permite a
rapidez das ações em jogo. E por outro lado há ainda um aspeto emocional bastante carregado
e um conjunto de relações entre pessoas que complicam muito a vida aos jogadores às equipas
envolvidas na disputa desportiva.

Por outro lado costumo também falar que há vários regimes em que se podem trabalhar os
músculos: dinamicamente quando eles encurtam ou alongam e isometricamente quando eles
realizam contrações mas não há movimento aparente. E falo também do regime de esforço e
das fontes de obtenção de energia, diferenciados em função dos desportos.
Mais recentemente tenho deparado com outro tipo de afirmações que puxando a brasa para a
sua sardinha afirmam ser o seu desporto o mais completo de todos. Todas essas afirmações
parecem-me falhas de validade. Realmente há desportos que são menos complexos
aparentemente do que outros, menos variados nas suas ações. Mas o que me parece distinguir
os desportos, na sua busca para a excelência não é essa característica da completude mas o
tentarem os seus praticantes e outros envolvidos na preparação que se atinja a maior perfeição
possível de realização. Na minha opinião é como comparar dois infinitos quanto ao número de
elementos que eles contêm. Se há infinitos (o dos números pares) que são contidos noutros
infinitos mais latos (o dos números inteiros) no entanto eles não deixam de ser ambos conjuntos
que não têm limite. Isto digo eu que sou um leigo na matemática, mas parece-me ser uma
ilustração válida para o que tenho vindo a afirmar.

O meu desporto de eleição e paixão, já que o escolhi e dele me apaixonei em jovem quase adulto
foi o basquetebol. Ao ver alguns companheiros dizerem que este é o desporto mais completo
poderia ser fácil concordar mas acho que não estaria a ser fiel às minhas convicções baseadas
nos argumentos anteriores. O que tem o basquetebol de melhor, mesmo neste aspeto da
completude, coisa que para mim não é aliás a mais importante, do que outros desportos
coletivos como o andebol? Poderemos apontar-lhe coisas que os outros não têm mas eles
também facilmente poderão fazer o mesmo.

O que distingue o basquete e os outros desportos é a sua perfeição relativa e a sua expressão
única que conseguiu cativar e fidelizar, juntamente com outros fatores, muitos seres humanos,
desde logo na infância.

Como dizia um camarada de tropa no Regimento de Infantaria de Tomar, a Companhia de


Comando e Serviços nem é melhor nem pior, distingue-se!

P.S. Apesar de, como eu disse, o meu desporto ser o basquetebol, um dos estímulos que mais
me inspirou nos últimos anos foi um filme de 1995, de um médico – Phillipe Pinaud - ligado ao
ensino do Andebol a crianças. Nele, como poderão ver pelo link que deixo em baixo, poderão
ver o relato de propostas inovadoras e inspiradoras para a renovação do ensino nos jogos
desportivos coletivos.

https://www.youtube.com/watch?v=V7v8tqs85Dc

Henrique Santos

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