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EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

Tema I

Processo Administrativo Tributário I. Processo Administrativo Tributário Federal 1.1. Conceito. Contencioso
tributário; 1.2. Processo e procedimento; 1.3. Relações entre o processo administrativo tributário e o
processo judicial; 1.4. Fundamento constitucional do processo administrativo tributário; 1.5. O processo
administrativo tributário e o Código Tributário Nacional; 1.6. Competência normativa; 1.7. Fontes
normativas; 1.8. Princípios gerais do processo administrativo tributário; 1.9. Questões controvertidas.
Jurisprudência. Doutrina.

Notas de Aula1

1. Processo administrativo tributário

Surgida a obrigação tributária, há o lançamento, que transmuta a obrigação abstrata


no crédito tributário, concreto. Constituído o crédito tributário, surgem três alternativas
possíveis: o sujeito passivo promove o pagamento, com o que extingue o crédito tributário;
o sujeito passivo queda-se inerte, o que ensejará a satisfação do crédito pelo fisco, pelo
meio adequado; ou o sujeito passivo se insurge contra aquele lançamento, promovendo a
impugnação deste. É somente quando esta terceira hipótese ocorre, ou seja, quando o
sujeito passivo, inconformado com o lançamento, impugna a constituição do crédito
tributário, que surge o processo administrativo tributário.
Até o momento em que haja esta impugnação, não há processo. O momento preciso
em que se protocola a impugnação é o exato termo inicial em que se pode falar,
tecnicamente, em processo. Do lançamento até o protocolo da impugnação, há tão-somente
procedimento administrativo tributário; do protocolo da impugnação em diante, há o
processo administrativo tributário.
Procedimento, como se sabe, é apenas um conjunto de atos ordenados, e permanece
assim se não houver lide; havendo resistência à pretensão, o procedimento se convola em
processo. A diferença fundamental, então, entre o mero procedimento administrativo
tributário e o processo administrativo tributário é a presença de litígio entre as partes,
sujeito passivo e Fazenda.
O ato de lançamento, a apuração do tributo, não imprime qualquer atividade
contenciosa à atuação estatal. Tanto que o agente passivo pode conformar-se com tal ato,
pagando o tributo exigido.
Vejamos, agora, os princípios que regem as fases procedimental e processual da
relação tributária.

1.1. Principiologia

O Direito Administrativo é o campo científico que rege, de forma ampla, a relação


tributária. Afinal, é uma relação travada entre o Poder Público e os sujeitos passivos,
administrados de toda sorte. Por isso, toda a gama de princípios desta seara são aplicáveis,
aqui.
Há, todavia, os princípios específicos, setoriais, que regem ora o procedimento
administrativo tributário, ora o processo administrativo tributário, e ora ambos, comumente.
Vejamos, antes, estes princípios comuns, que regem ambas as fases.
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Aula ministrada pelo professor Rodrigo Jacobina Botelho, em 27/7/2009.

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1.1.1. Princípios comuns ao procedimento e ao processo administrativo tributário

O primeiro princípio que se pode mencionar é o da legalidade objetiva. Trata-se, tal


princípio, da comunhão entre legalidade e tipicidade: como se sabe, a legalidade sem a
tipicidade é um princípio vazio, sem conteúdo, e por isso é técnico se tratar destes
princípios como um só corpo informativo, um só mandado de otimização – a legalidade
objetiva.
Veja: a legalidade, pura e simples, é apenas a adstrição do meio, do veículo pelo
qual se propugnam as normas; a tipicidade, por seu turno, é regente do conteúdo das
normas, e mesmo por isso é considerada um princípio implícito da CRFB. Assim como não
há legalidade sem tipicidade a preenchê-la, não há tipicidade sem que o meio que a veicule,
a legalidade, seja efetivado.
Em exemplo claro, de nada serviria a observância da legalidade, formulando-se uma
lei perfeitamente coesa, do ponto de vista formal, sobre o procedimento ou processo
administrativo, se as regras estabelecidas neste instrumento fossem absolutamente
incoerentes, carentes de coesão substancial – carentes de tipicidade.
A tipicidade tem sido lida de dois pontos de vista, a tipicidade aberta e a fechada.
Tipicidade aberta é a concepção de que a lei pode ser preenchida de forma mais flexível,
com maior campo interpretativo aberto ao operador do direito. A administração pública
tributária defende fortemente esta concepção, ao argumento de que somente assim a
atuação vinculada do Poder Público tem condições de acompanhar o dinamismo das
relações sociais, sem restar engessada pela lei. Já a tipicidade fechada, de outro lado, é a
maior restrição interpretativa dos textos legais, e os defensores de que é esta a forma pela
qual a tipicidade deve ser tomada em conta, na seara tributária, argumentam que a
tributação é uma forma gravosa e direta de incursão do Poder Público nos direitos
fundamentais dos indivíduos, pelo que a lei deve exercer rigoroso controle de tal atuar, sem
deixar qualquer margem de mobilidade ao administrador tributário, que deve ser roteado
em estrita vinculação ao teor da lei. Para tal corrente, a tipicidade aberta é um verdadeiro
“cheque em branco” para o administrador tributário movimentar-se no patrimônio privado.
Aberta ou cerrada, o que não se discute é a necessidade da tipicidade para que a
legalidade tenha sentido. Este ponto é consensual.
Segundo princípio comum relevante é o da vinculação. O artigo 3º do CTN,
conceituando o tributo, já estabelece que a atividade administrativa tributária é plenamente
vinculada, ao que se soma o teor do artigo 142 do mesmo diploma:

“Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor


nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e
cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.

“Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito


tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo
tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente,
determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o
sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.
Parágrafo único. A atividade administrativa de lançamento é vinculada e
obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional.”

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A vinculação se deve à intimidade que o ramo tributário tem com o próprio Direito
Administrativo. Há atos administrativos que precisam ser vinculados, não se admitindo
jamais a discricionariedade; notadamente, assim o são os atos de tributação. Entenda: não
se pode tolerar que uma atividade tão invasiva e importante como a tributação seja deixada
à subjetividade da mensuração de conveniência e oportunidade por parte do administrador,
como se passa nos atos discricionários. Por isso, o procedimento e o processo
administrativo tributário são plenamente vinculados.
Próximo princípio comum é o da oficialidade, ou impulso oficial. Tanto o
procedimento quanto o processo administrativo tributário, uma vez instaurados, seguem seu
curso sem necessidade de outra provocação – caminham ex officio. Assim o é por conta do
próximo princípio, que é um os mais relevantes nesta sede de estudo: o princípio da
verdade material.
A verdade material rege o processo e o procedimento, mas nasce de um fundamento
anterior à própria concepção dos rituais. A verdade material nasce da teoria tridimensional
do direito, porque o fato gerador de um tributo nada mais é do que um fato natural elevado
a fato jurídico; a legislação elege fatos naturais que, por despertarem valores relevantes,
devem ser transmutados em fatos jurídicos. Estes fatos jurídicos eleitos pela legislação
tributária, por sua vez, trazem conteúdo econômico suficiente para dar origem à tributação,
efetivamente.
Dada esta origem, e dado o resultado – o surgimento de fato jurídico com conteúdo
econômico altamente relevante –, o procedimento e o processo administrativo devem ser
conduzidos pelo administrador tributário com vistas a revelar a exata condição daquele fato
natural que a tudo deu origem, transformando-se em fato gerador. Portanto, o Poder Público
deve esmerar-se em revelar, no rito da tributação, a exata expressão da realidade dos fatos,
a verdade material, real, não sendo bastante a verdade formal, processual.
Há, destarte, um contraponto entre o procedimento e o processo administrativo
tributário e o processo judicial de qualquer natureza, porque no meio judicial, mesmo que
modernamente se comande a busca pela verdade real, se esta não for alcançada, a verdade
formal é bastante: o juiz entregará o provimento jurisdicional de uma forma ou de outra,
atendo-se ao que lho alcançar nos autos. Judicialmente, vige o brocardo quod nonest in
acti, non est in mundo – o que não está nos autos, não está no mundo. No ritual tributário,
não é o bastante.
É por isso que o princípio da oficialidade, como dito, decorre da verdade real: ao
administrador tributário é dado buscar, por mãos próprias, a verdade material dos fatos,
impulsionando os atos administrativos da forma que esta busca substancial demandar, sem
necessariamente ser instado para tanto, ato por ato. É assim, por exemplo, que o julgador
administrativo deve determinar, de ofício, a produção de uma prova pericial em um
processo administrativo, se ele chegar à conclusão de que esta prova é necessária para a
revelação da realidade do fato que está em discussão. Repare que, no processo judicial, o
juiz pode determinar a produção de prova que entender relevante ao desenvolvimento do
processo; no rito administrativo, a autoridade é obrigada a promover o ato referente à
prova, se esta se demonstrar necessária ao deslinde da controvérsia.
Isto significa, por exemplo, que uma decisão administrativa tributária jamais poderá
concluir-se de uma ou de outra forma com base em insuficiência de provas. O
administrador-julgador jamais poderá fundamentar sua decisão na carência de uma

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determinada prova, porque se a prova for necessária, ele próprio deverá comandar a sua
produção.
Note que o artigo 16 do Decreto 70.235/72 – diploma, recepcionado com força de
lei, que rege o processo administrativo em âmbito federal – pode passar a idéia de que a
prova ainda está sob domínio exclusivo das partes, o que não é verdade. Veja:

“Art. 16. A impugnação mencionará:


I - a autoridade julgadora a quem é dirigida;
II - a qualificação do impugnante;
III - os motivos de fato e de direito em que se fundamenta, os pontos de
discordância e as razões e provas que possuir; (Redação dada pela Lei nº 8.748, de
1993)
IV - as diligências, ou perícias que o impugnante pretenda sejam efetuadas,
expostos os motivos que as justifiquem, com a formulação dos quesitos referentes
aos exames desejados, assim como, no caso de perícia, o nome, o endereço e a
qualificação profissional do seu perito. (Redação dada pela Lei nº 8.748, de 1993)
V - se a matéria impugnada foi submetida à apreciação judicial, devendo ser
juntada cópia da petição. (Incluído pela Lei nº 11.196, de 2005)
§ 1º Considerar-se-á não formulado o pedido de diligência ou perícia que deixar de
atender aos requisitos previstos no inciso IV do art. 16. (Incluído pela Lei nº 8.748,
de 1993)
§ 2º É defeso ao impugnante, ou a seu representante legal, empregar expressões
injuriosas nos escritos apresentados no processo, cabendo ao julgador, de ofício ou
a requerimento do ofendido, mandar riscá-las. (Incluído pela Lei nº 8.748, de
1993)
§ 3º Quando o impugnante alegar direito municipal, estadual ou estrangeiro,
provar-lhe-á o teor e a vigência, se assim o determinar o julgador. (Incluído pela
Lei nº 8.748, de 1993)
§ 4º A prova documental será apresentada na impugnação, precluindo o direito de o
impugnante fazê-lo em outro momento processual, a menos que: (Incluído pela
Lei nº 9.532, de 1997)
a) fique demonstrada a impossibilidade de sua apresentação oportuna, por motivo
de força maior;(Incluído pela Lei nº 9.532, de 1997)
b) refira-se a fato ou a direito superveniente;(Incluído pela Lei nº 9.532, de 1997)
c) destine-se a contrapor fatos ou razões posteriormente trazidas aos autos.
(Incluído pela Lei nº 9.532, de 1997)
§ 5º A juntada de documentos após a impugnação deverá ser requerida à autoridade
julgadora, mediante petição em que se demonstre, com fundamentos, a ocorrência
de uma das condições previstas nas alíneas do parágrafo anterior. (Incluído pela
Lei nº 9.532, de 1997)
§ 6º Caso já tenha sido proferida a decisão, os documentos apresentados
permanecerão nos autos para, se for interposto recurso, serem apreciados pela
autoridade julgadora de segunda instância. (Incluído pela Lei nº 9.532, de 1997)”

Segundo o inciso IV, combinado com o § 1º, ambos do artigo 16, supra, a prova será
requerida pela parte, como é usual, e para tanto o interesse desta prova para o processo deve
ser demonstrado, inclusive com a correlação entre os quesitos da perícia e a verdade que
esta prova intenta revelar, por exemplo. E esta petição probatória na impugnação não
subverte aquilo que se disse sobre a busca da verdade real: mesmo que o § 1º do artigo 16,
supra, diga que se considerará não requerida a prova feita em desconformidade com o que
dispõe o inciso IV do mesmo artigo, a autoridade administrativa deverá, ela própria,
comandar a produção da prova, se esta demonstrar-se necessária. Mesmo se não houver

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pedido algum da prova – e não mero pedido defeituoso –, inclusive, a sua produção é
mandatória, ex officio, se a solução da controvérsia a demandar.
Outro princípio comum, corolário da verdade real, é o do dever de investigação: a
administração não pode adotar uma postura passiva diante dos fatos, devendo perscrutar ao
máximo tudo que for pertinente ao procedimento ou processo. Em conseqüência, há, por
parte do sujeito passivo, o dever de cooperar com esta investigação, a fim de buscar a
solução da lide, o que é um outro princípio autônomo: o do dever de colaborar com a
administração tributária.
Princípio comum de absoluta relevância, especialmente por seu potencial em fazer
surgir controvérsias, é o princípio da autotutela. A primeira controvérsia já surge quanto a
ser ou não princípio comum ao processo e ao procedimento, porque, mesmo a maioria da
doutrina reputando-o comum a ambas as fases, há quem defenda ser apenas atinente ao
processo. Prevalece, porém, entendimento de que é comum a ambas.
O princípio da autotutela exprime a seguinte idéia principal: em matéria tributária, a
administração pública não tem interesse ou necessidade de ir ao Judiciário buscar o ajuste
de suas relações. É por isso, por exemplo, que a ação declaratória em matéria tributária é
restrita à legitimidade apenas do sujeito passivo, porque a Fazenda não precisa que o
Judiciário declare nada para si: ela tem autotutela para, ela mesma, produzir o acertamento
da relação jurídica tributária, julgando a relação jurídica tributária, declarando o que for de
seu entendimento – quanto é devido, se há ou não prescrição ou decadência, se há ou não
um determinado benefício fiscal, etc.
O problema é que, como se vê, o maior interessado na relação jurídica em questão, a
relação tributária, é também quem tem o domínio do julgamento: é o fisco quem julga se
um determinado crédito tributário foi ou não constituído de forma adequada, se o
lançamento é ou não correto. Este domínio, que revela a parcialidade do rito administrativo,
pode passar a idéia de que é uma intentada inócua, porque a administração, parte-julgadora,
não decidiria em seu desfavor jamais, mas isto não é verdade. Mesmo que aparentemente
haja falta de imparcialidade, no processo administrativo, há um alto conhecimento técnico
da matéria, que acaba por compensar a parcialidade do plano administrativo, especialmente
se se levar em conta que, constatando erros, constatando a improcedência do lançamento, é
dever do administrador-julgador ajustar a relação tributária, ante toda a principiologia que
rege a administração pública como um todo, e da seara processual tributária
especificamente – especialmente o princípio da verdade real. De fato, o conforto da
autotutela é compensado pelo peso de buscar a verdade real. A autotutela não é um salvo-
conduto para que a Fazenda aja a seu bel prazer: beneficia, sim, a Fazenda, que pode agir
de forma independente, mas sempre adstrita aos parâmetros principiológicos que amarram
o sistema.
Note que, por ouro lado, a autotutela é extremamente pesarosa à Fazenda, quando a
impede de alçar a via judicial para buscar o acerto de suas relações com os sujeitos
passivos. Por vezes, seria interessante ao fisco buscar a via judicial, especialmente quando é
encontrado um revés meritório para a Fazenda, no processo administrativo. Veja que as
ilegalidades severas podem, sim, serem levadas a juízo pela Fazenda; o que a autotutela
impede é que a Fazenda busque solução do mérito administrativo em via judicial, porque
este mérito tem que ser resolvido na esfera da própria administração, em benefício ou
malefício desta.

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1.1.2. Princípios próprios do procedimento administrativo tributário

O primeiro princípio do procedimento administrativo tributário é o da


inquisitoriedade: ante a ausência da lide, na fase procedimental, não há que se falar em
contraditório nesta seara, porque não há, ainda, um embate de teses contrapostas capaz de
demandar a proteção do sujeito passivo contra o atuar da Fazenda. A inquisitoriedade
termina sua vigência, é claro, quando tem início o processo administrativo tributário, pela
protocolização da impugnação ao lançamento: surgindo a lide, a proteção do sujeito
passivo, exercida pelo contraditório, é necessária.
A gratuidade é outro princípio próprio relevante do procedimento administrativo
tributário. Assim o é porque o Estado tem o dever de promover todos os atos referentes à
tributação, especialmente a obrigação de constituir o crédito tributário. Ora, o exercício de
uma atividade própria do Estado, plenamente vinculada, e imprescindível à sua própria
manutenção, não pode ser cobrado do particular.

1.1.3. Princípios próprios do processo administrativo tributário

Os princípios próprios da fase processual são bem conhecidos, eis que buscados no
estudo do processo como teoria geral. No momento em que há lide instaurada, é necessária
a vigência de garantias que permitam o equilíbrio entre as pessoas participantes do
processo.
A garantia deste equilíbrio se dá pela operacionalização destes princípios. São eles,
basicamente, o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório. Como a
principiologia processual é extenuadamente estudada no Direito Processual Civil, basta que
de lá se importem as respectivas teorias, sendo dispensável a sua re-análise, aqui.

1.2. Jurisdição administrativa vs. jurisdição judicial

A doutrina e a jurisprudência sempre foram pacíficas em entender que o


ordenamento não tolera a dualidade de jurisdição. Há, de fato, uma estrutura que permite a
discussão do crédito tributário em duas jurisdições, tendo início na administrativa,
caminhando, em seguida, na judicial – mas nunca coexistindo paralelamente,
simultaneamente.
Hoje, este entendimento é sedimentado em lei. Veja o artigo 38, especialmente o seu
parágrafo único, da Lei de Execuções Fiscais, Lei 6.830/80:

“Art. 38 - A discussão judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública só é admissível


em execução, na forma desta Lei, salvo as hipóteses de mandado de segurança,
ação de repetição do indébito ou ação anulatória do ato declarativo da dívida, esta
precedida do depósito preparatório do valor do débito, monetariamente corrigido e
acrescido dos juros e multa de mora e demais encargos.
Parágrafo Único - A propositura, pelo contribuinte, da ação prevista neste artigo
importa em renúncia ao poder de recorrer na esfera administrativa e desistência do
recurso acaso interposto.”

Proposta a ação judicial que vise à solução da mesma matéria que vinha sendo
discutida em sede de processo administrativo, este último será extinto, por perda do objeto:
prevalece o plano judicial, em detrimento do administrativo, entendendo-se que há a

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desistência do processo administrativo tributário, pelo sujeito passivo, ou a renúncia ao seu


direito de recorrer.

1.3. Duplo grau de jurisdição administrativa

Veja o artigo 33, § 2º, do Decreto 70.235/72:

“Art. 33. Da decisão caberá recurso voluntário, total ou parcial, com efeito
suspensivo, dentro dos trinta dias seguintes à ciência da decisão.
§ 1º No caso de provimento a recurso de ofício, o prazo para interposição de
recurso voluntário começará a fluir da ciência, pelo sujeito passivo, da decisão
proferida no julgamento do recurso de ofício. (Incluído pela Lei nº 10.522, de
2002)
§ 2º Em qualquer caso, o recurso voluntário somente terá seguimento se o
recorrente arrolar bens e direitos de valor equivalente a 30% (trinta por cento) da
exigência fiscal definida na decisão, limitado o arrolamento, sem prejuízo do
seguimento do recurso, ao total do ativo permanente se pessoa jurídica ou ao
patrimônio se pessoa física. (Incluído pela Lei nº 10.522, de 2002) (Vide Adin nº
1.976-7)
§ 3º O arrolamento de que trata o § 2º será realizado preferencialmente sobre bens
imóveis. (Incluído pela Lei nº 10.522, de 2002)
§ 4º O Poder Executivo editará as normas regulamentares necessárias à
operacionalização do arrolamento previsto no § 2º. (Incluído pela Lei nº 10.522, de
2002)”

Há alguns anos, na década de 1990, a União resolveu instituir o depósito recursal de


trinta por cento do crédito tributário em discussão como condição de admissibilidade do
recurso voluntário administrativo. Nesta época, os sujeitos passivos, inconformados,
impetravam mandado de segurança para que o recurso fosse recebido sem a exigência deste
depósito, e o Judiciário, invariavelmente, concedia a liminar determinando o processamento
do recurso administrativo.
A questão alcançou o STF. Ao analisar o tema, a Corte Maior definiu que, apesar de
vigerem todos os princípios da teoria geral do processo, eles precisam ser lidos com a exata
extensão de suas características. A ampla defesa, por exemplo, é exercida com os
instrumentos e meios estabelecidos para cada processo, e não de forma desregrada, e ao
analisar a CRFB, não encontraram, os ministros, nenhum dispositivo que denunciasse a
existência da garantia ao duplo grau administrativo.
Veja: no âmbito judicial, o duplo grau tem previsão de existência, quando a CRFB
prevê a estrutura em instâncias plurais do Judiciário, ao prever a existência dos tribunais.
Na seara administrativa, a existência da segunda instância é traçada, criada mesmo, apenas
pela lei, e não pela Constituição. Ora, se a dupla instância administrativa é criada em lei, e
não se vislumbra nenhum princípio constitucional que imponha a sua existência, a própria
lei pode, a critério do legislador, até mesmo, suprimir tal instância. E como quem pode o
mais, pode o menos, nada impede que a lei estabeleça uma condição de acesso ao segundo
grau de jurisdição administrativa, consubstanciado no depósito recursal. Destarte, o STF
reputou perfeitamente válida, constitucional, a exigência do depósito recursal em sede
administrativa. Esta era a posição do STF, de 1998 até 2007.
Em 2007, o STF foi novamente instado a se manifestar sobre esta questão, quando
teve a oportunidade de corrigir esta sua posição, enunciada acima, por muitos considerada

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um erro histórico sobre o tema. O STF, em 2007, reviu sua posição, passando a abraçar a
tese que era vigente até a decisão de meados de 1998, ao seguinte argumento, levantado por
Joaquim Barbosa: a cognição, em sede revisional, está garantida pelo ordenamento jurídico,
pela CRFB, não por um dispositivo específico, mas sim pela vigência, para a administração
pública, do princípio da legalidade, o que impõe a esta a necessária revisão de atos
administrativos que estejam eivados de ilegalidades, lato sensu – e todo e qualquer vício, na
seara tributária, é de ilegalidade, ante a plena vinculação sob a qual corre a relação
tributária. Destarte, é uma obrigação da administração publica rever seus atos irregulares, e
esta revisão se dá somente em existindo a tutela recursal administrativa, ou seja, somente
existindo o duplo grau administrativo é possível à administração rever seus atos.
Hoje, portanto, entende-se que a lei não pode impingir nenhum tipo de obstáculo ao
acesso à tutela recursal, porque se assim o fizer estará atuando contra o interesse da própria
administração pública em proceder a um ato de suma importância: a revisão de seus
próprios atos. Sendo assim, o depósito recursal é, hoje, considerado inconstitucional, não
apenas por desfavorecer o sujeito passivo, mas também, e principalmente, por consistir em
óbice ao atuar revisional da administração, que é um atuar de alto interesse público.
Há, portanto, três momentos claros sobre o tema: o primeiro, dos juízos inferiores,
quando se entendia que o depósito recursal feria o contraditório e a ampla defesa, e por isso
era inconstitucional; o segundo, quando o STF se manifestou pela primeira vez sobre o
tema, entendendo que não existia garantia constitucional ao duplo grau de jurisdição
administrativa, mas apenas garantia legal, pelo que se ao legislador fosse conveniente,
poderia limitar ou mesmo suprimir o segundo grau; e o terceiro, e atual posicionamento,
quando o STF, relendo a matéria, passa a entender que é um óbice inadmissível ao acesso à
segunda instância administrativa, por violar não só as garantias individuais da ampla defesa
e do contraditório, mas também o interesse público em que a administração pública reveja
seus atos que estejam sob suspeita de ilegalidade.
Veja a ADI 1.976, que extirpou do ordenamento o § 2º do artigo 33 do Decreto
70.235/72, supra (e os §§ 3º e 4º também, por arrastamento tácito):

“ADI 1976 / DF - DISTRITO FEDERAL. AÇÃO DIRETA DE


INCONSTITUCIONALIDADE. Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA.
Julgamento: 28/03/2007. Órgão Julgador: Tribunal Pleno.
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 32, QUE
DEU NOVA REDAÇÃO AO ART. 33, § 2º, DO DECRETO 70.235/72 E ART. 33,
AMBOS DA MP 1.699-41/1998. DISPOSITIVO NÃO REEDITADO NAS
EDIÇÕES SUBSEQUENTES DA MEDIDA PROVISÓRIA TAMPOUCO NA LEI
DE CONVERSÃO. ADITAMENTO E CONVERSÃO DA MEDIDA
PROVISÓRIA NA LEI 10.522/2002. ALTERAÇÃO SUBSTANCIAL DO
CONTEÚDO DA NORMA IMPUGNADA. INOCORRÊNCIA. PRESSUPOSTOS
DE RELEVÂNCIA E URGÊNCIA. DEPÓSITO DE TRINTA PORCENTO DO
DÉBITO EM DISCUSSÃO OU ARROLAMENTO PRÉVIO DE BENS E
DIREITOS COMO CONDIÇÃO PARA A INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
ADMINISTRATIVO. PEDIDO DEFERIDO. Perda de objeto da ação direta em
relação ao art. 33, caput e parágrafos, da MP 1.699-41/1998, em razão de o
dispositivo ter sido suprimido das versões ulteriores da medida provisória e da lei
de conversão. A requerente promoveu o devido aditamento após a conversão da
medida provisória impugnada em lei. Rejeitada a preliminar que sustentava a
prejudicialidade da ação direta em razão de, na lei de conversão, haver o depósito
prévio sido substituído pelo arrolamento de bens e direitos como condição de
admissibilidade do recurso administrativo. Decidiu-se que não houve, no caso,

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alteração substancial do conteúdo da norma, pois a nova exigência contida na lei


de conversão, a exemplo do depósito, resulta em imobilização de bens. Superada a
análise dos pressupostos de relevância e urgência da medida provisória com o
advento da conversão desta em lei. A exigência de depósito ou arrolamento prévio
de bens e direitos como condição de admissibilidade de recurso administrativo
constitui obstáculo sério (e intransponível, para consideráveis parcelas da
população) ao exercício do direito de petição (CF, art. 5º, XXXIV), além de
caracterizar ofensa ao princípio do contraditório (CF, art. 5º, LV). A exigência de
depósito ou arrolamento prévio de bens e direitos pode converter-se, na prática, em
determinadas situações, em supressão do direito de recorrer, constituindo-se,
assim, em nítida violação ao princípio da proporcionalidade. Ação direta julgada
procedente para declarar a inconstitucionalidade do art. 32 da MP 1699-41 -
posteriormente convertida na lei 10.522/2002 -, que deu nova redação ao art. 33, §
2º, do Decreto 70.235/72.”

1.4. Competência normativa

A competência normativa para regular o procedimento e o processo administrativo


tributário pertence ao ente competente para instituição do respectivo tributo. A lógica é que,
se a CRFB não institui o tributo, como se sabe, sendo sede apenas do poder de tributar, o
qual é rateado pelas competências tributárias para os entes federativos, faz o mesmo com a
competência normativa para organizar a administração tributária como um todo, inclusive
no que tange ao processamento administrativo do crédito tributário.
Destarte, a prerrogativa para estabelecimento de normas e rito do processo
administrativo tributário é dada ao ente competente para instituir o tributo.

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Casos Concretos

Questão 1

JOÃO, com intuito de recorrer das multas impetradas por fiscais do INSS, que
constataram irregularidades administrativas quanto à escrituração de seus livros, impetra
um recurso administrativo no órgão competente. Tal recurso não fora conhecido, pois o
órgão exigiu o depósito de 30% do respectivo débito para fins de processamento deste
recurso, sendo que o depósito não foi efetuado pelo autor.
Irresignado, JOÃO ajuíza uma ação ordinária alegando restar violado o seu direito
constitucional da ampla defesa requerendo uma sentença mandamental para que seja
conhecido seu recurso administrativo, bem como, no caso de não acolhimento do pedido,
que seja substituído tal depósito em arrolamento de bens.
Responda, fundamentadamente, como você decidiria a questão.

Resposta à Questão 1

A posição atual do STF é de que o depósito recursal é um óbice inadmissível ao


acesso à esfera revisional administrativa, esfera esta que deve ser disponibilizada ao sujeito
passivo, por respeito à ampla defesa, e também à própria administração, que vê no recurso a
oportunidade de sagrar ou anular seu ato administrativo que está sob suspeita de vício de
ilegalidade. Vale dizer que este posicionamento do STF é uma revisão da matéria, pois esta
Corte, outrora, decidira que a garantia do duplo grau não era constitucionalmente prevista,
mas apenas legalmente, o que permitia à lei traçar o meio pelo qual seria dado este acesso
(e se sequer existiria tal segunda instância).
Veja o que o STF disse no RE 388.359:

“RE 388359 / PE – PERNAMBUCO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO.


Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO. Julgamento: 28/03/2007. Órgão Julgador:
Tribunal Pleno.
RECURSO ADMINISTRATIVO - DEPÓSITO - § 2º DO ARTIGO 33 DO
DECRETO Nº 70.235/72 - INCONSTITUCIONALIDADE. A garantia
constitucional da ampla defesa afasta a exigência do depósito como pressuposto de
admissibilidade de recurso administrativo.”

Questão 2

Na fase de julgamento administrativo perante o Conselho de Contribuintes do


Ministério da Fazenda, o contribuinte postula a produção de prova pericial. Tal pedido é
indeferido pela autoridade administrativa, com base no art. 18 do Decreto 70.235/72.
O contribuinte contesta, aduzindo que seu pedido tem esteio no princípio da
verdade material, que rege o processo administrativo fiscal. Analise a controvérsia.

Resposta à Questão 2

O fato de o pedido ser formulado apenas em segunda instância não é óbice ao


deferimento da prova pericial. Isto porque, mesmo que o interesse da prova deva ser
demonstrado pelo requerente, se a administração perceber que a prova é absolutamente

Michell Nunes Midlej Maron 10


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

imprescindível, sequer será necessário o pedido de prova, quanto mais a exigência de que o
pedido seja tempestivo ou escorreito.
Veja que a produção da prova pode até mesmo ser indeferida, mas não sob
argumento de mera inobservância de formalidade. O indeferimento deve ser por conta de
clara desnecessidade da prova, porque se esta for imprescindível, sequer precisa o julgador
administrativo ser provocado a produzi-la.

Questão 3

Após interpor impugnação administrativa a auto de infração, na primeira


instância, o contribuinte ajuíza, também, ação anulatória do lançamento. A Fazenda
Federal extingue o processo administrativo fiscal por perda do objeto. Agiu correto a
Fazenda Pública?

Resposta à Questão 3

A Fazenda agiu corretamente, diante da redação do parágrafo único do artigo 38 da


Lei 6.830/80. É inadmissível a dualidade de jurisdições no ordenamento jurídico brasileiro,
pelo que a jurisdição judicial prevalecerá sobre a administrativa, quando colocadas em
concomitância.

Michell Nunes Midlej Maron 11


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

Tema II

Processo Administrativo Tributário II. Processo Administrativo Tributário Estadual. 1. Conceito; 2. Objetivo;
3. Característica; 4. Natureza; 5. Princípios constitucionais aplicáveis; 6. Administração ativa e judicante.
Definitividade; 7. Procedimentos; 8. O PAT no Estado do Rio de Janeiro: 8.1. Legislação: CTE, artigos 205 a
282 (Dec - Lei 5/75), com as alterações introduzidas pelas Leis 3.188/99 e 3.344/99, e Dec. 2.473/79; 8.2.
Visão geral dos principais aspectos: tramitação, instâncias, prazos; 8.3. Questões controvertidas.
Jurisprudência. Doutrina.

Notas de Aula2

1. Processo administrativo tributário federal

Partamos, na análise do processo administrativo tributário federal, de um esquema


gráfico que delineie suas fases, estabelecidas na forma do Decreto 70.235/72:

Processo administrativo tributário federal

Fase procedimental Fase processual

Inicio do Lavratura do auto Julgamento em primeira


de infração Notificação do sujeito Impugnação
procedimento instância (Delegacias Regionais
passivo
fiscal de Julgamento)

 Por decisão não Recurso especial CARF Recurso voluntário Procedência do


unânime que contraria lei para o CSRF lançamento
ou prova;
 Por divergência.
CARF Recurso de ofício Improcedência do
lançamento
Decisão administrativa irrecorrível (salvo
instância especial), qualquer que seja o
desfecho Decisão administrativa irrecorrível, se improcedente; se procedente, retoma-se o
curso do eventual recurso voluntário

Sobre a estrutura, assim se arranjam os órgãos administrativos responsáveis pelo


processo administrativo tributário em âmbito federal: há o CARF – Conselho
Administrativo de Recursos Fiscais – dividido em seções, que são, estas, divididas em
câmaras, especializadas em razão da matéria. Inserido na estrutura do CARF, há o CSRF –
Conselho Superior de Recursos Fiscais, órgão dividido em turmas, também competentes
em razão da matéria, que consiste em uma instância revisional interna das decisões do
CARF.
Dito isto, passemos à análise pontual do rito acima ilustrado. Como se pôde antever,
para que haja um processo administrativo tributário, pressupõe-se a existência, anterior, de
fase procedimental não contenciosa, pois o processo somente surge quando a lide se
desenha, ou seja, quando há a impugnação ao lançamento tributário.
Até a lavratura do auto de infração, considera-se que o sujeito passivo está sob
procedimento fiscal, sob fiscalização tributária. Encerrada a fiscalização, ela pode chegar a
duas conclusões: o sujeito passivo está em perfeito adimplemento de suas obrigações
tributárias, pelo que não há nenhuma providência a ser tomada pelo fisco; ou o sujeito

2
Aula ministrada pelo professor Rodrigo Jacobina Botelho, em 27/7/2009.

Michell Nunes Midlej Maron 12


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

passivo está inadimplente em algum aspecto da sua relação tributária, na obrigação


principal ou acessória, quando então será lavrado o auto de infração.
Ao contrário do que se pode pensar, o auto de infração não tem natureza de
lançamento de ofício; sua natureza jurídica é de documento administrativo, que pode ou
não consubstanciar lançamento de ofício, e que encerra o procedimento administrativo
fiscal. Ocorre que, na mais absoluta maioria dos casos, no auto de infração são descritos
detalhes de um lançamento tributário de ofício, que ensejará a cobrança do crédito
tributário ali constituído – mas nem sempre. A aplicação de uma multa isolada, por
exemplo, é caso de auto de infração sem lançamento. Por isso, não se pode afirmar,
tecnicamente, que haja sinonímia entre auto de infração e lançamento de ofício3.
Lavrado o auto de infração, será notificado o sujeito passivo, quando então este
conta com três opções possíveis, como já visto: pagar o crédito lançado, extinguindo o
crédito tributário, ou; quedar-se inerte, dando ensejo a uma eventual cobrança judicial do
crédito, em execução fiscal, ou; insurgir-se contra o lançamento que lhe é notificado,
protocolando a impugnação – caso em que surge o processo administrativo tributário
propriamente dito. Em âmbito federal, o sujeito passivo conta com trinta dias, desde a
notificação, para impugnar o lançamento.
Impugnado o lançamento, o processo é encaminhado para o julgamento em primeira
instância, que se dá nas Delegacias Regionais de Julgamento. A decisão destas Delegacias
pode ser pela procedência do lançamento, procedência do procedimento administrativo, ou
seja, o reconhecimento de que o fisco agiu com toda a correção que a legalidade impõe; ou
pela improcedência do lançamento, improcedência do procedimento administrativo,
quando então estará reconhecendo que a impugnação está correta, ou seja, que o fisco errou
no procedimento administrativo tributário culminante na notificação de lançamento.
Sobre a extensão da impugnação, vale mencionar preceito muito importante: não há
vigência, no processo administrativo tributário, do principio da congruência, ou da
adstrição, tampouco da causa petendi aberta. O julgador não está, de forma alguma,
adstrito aos pedidos ou argumentos deduzidos na inicial representativa da irresignação, ou
seja, a impugnação. Significa que se os argumentos deduzidos em uma impugnação, pelo
sujeito passivo, forem todos improcedentes, mas o julgador administrativo encontrar um
argumento qualquer, não trazido pela impugnação, que faça com que aquele lançamento e
procedimento prévio seja incorreto, deverá julgar favoravelmente ao sujeito passivo. Isto
nada mais é do que uma constatação decorrente da observação de toda a principiologia
atinente a esta seara, sobremaneira a verdade real, a legalidade objetiva, e a vinculação4.

3
Consigno, aqui, opinião pessoal, em que ouso discordar da natureza jurídica do auto de infração aqui
exposta. Trata-se, sim, de lançamento de ofício, pois mesmo que a multa não seja tributo, ela própria, a
obrigação pecuniária que esta gera é claramente de natureza tributária. Ademais, é pacífico na doutrina o
reconhecimento desta natureza jurídica do auto de infração, quer seja ele por tributos remanescentes, quer seja
ele a imposição de multa isolada – pois a multa não é tributo, mas o valor pecuniário desta é decorrente do
descumprimento de uma obrigação tributária acessória, quando isolada.
4
Houve caso concreto curioso, em que o advogado do sujeito passivo impugnou um auto de infração, sob
uma gama de argumentos, e a impugnação só teve sucesso porque a própria administração tributária, em
segunda instância, constatou vício do lançamento que não havia sido mencionado, em absoluto, pelo
advogado. Por conta disso, o sujeito passivo, cliente, recusou-se a pagar os honorários de êxito, por reputar
que o trabalho do patrono havia sido irrelevante ao resultado. Ajuizada cobrança judicial, o advogado teve
sucesso, porque sem a sua advocacia exordial, sem sua impugnação – mesmo que absolutamente infundada,
em se observando seus argumentos – foi a responsável por inaugurar a revisão do ato administrativo,
possibilitando, somente assim, o sucesso na revisão do lançamento.

Michell Nunes Midlej Maron 13


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

Uma vez culminando em improcedência do crédito lançado, o julgamento de


primeira instância, há o recurso de oficio; sendo procedente, caberá recurso voluntário –
ambos distribuídos para julgamento por uma das seções do CARF, e internamente
redistribuídos a uma das câmaras, em razão da matéria.
O recurso de ofício que for improvido, ou seja, mantém a decisão desfavorável ao
fisco, dá origem a uma decisão administrativa irrecorrível, precluindo administrativamente.
Se o recurso de ofício for provido, o sujeito passivo será notificado desta decisão, abrindo-
se-lhe prazo para que interponha o seu recurso voluntário, se quiser. Este recurso voluntário
será distribuído a outra câmara, diversa da que julgou o recurso de ofício.
Se o julgamento de primeira instância culminar em procedência do lançamento, não
há recurso de ofício, pois o julgamento é favorável ao fisco. Sendo desfavorável ao sujeito
passivo, este poderá interpor seu recurso voluntário, em prazo de trinta dias, que será
processado da mesma forma que o recurso de ofício: será remetido à distribuição para uma
das seções do CARF, e será redisribuído internamente a uma das câmaras, em razão da
matéria.
A diferença está no próximo passo: da decisão emanada sobre o recurso voluntário
não exsurge logo uma decisão administrativa irrecorrível, pois cabe o chamado recurso
especial para o CSRF, Conselho Superior de Recursos Fiscais, instância revisional interna.
Antigamente, este recurso especial poderia ter dois fundamentos: a decisão recorrida ser
não unânime e contrária à lei ou à prova dos autos; ou ser divergente em relação a outras
decisões anteriores do CARF ou do CSRF. Hoje, desde o início da vigência da MP 449/08,
convertida na Lei 11.941/09, a primeira hipótese de cabimento do recurso – a decisão não
unânime – deixou de ser admitida, e isto representa uma enorme evolução, pelo seguinte:
este fundamento somente amparava a Fazenda Pública, ou seja, o recurso especial lastreado
neste fundamento era privativo do fisco, o que desequilibrava a relação, prejudicando o
sujeito passivo ao estabelecer esta disparidade de armas. Atualmente, portanto, só se admite
recurso especial para o CSRF por divergência, recurso que é interponível pelo fisco ou pelo
sujeito passivo.
Da decisão do CSRF, qualquer que seja o desfecho, não cabe outro recurso
administrativo, surgindo, então, a decisão administrativa irrecorrível, “coisa julgada”
administrativa (preclusão administrativa máxima). O máximo que se admite – a qualquer
passo, de qualquer decisão, diga-se – são os embargos de declaração, que no passado eram
construção doutrinária, mas que hoje, no plano federal, têm cabimento explícito, constando
da Portaria 216/2009 do Ministério da Fazenda, que é o Regimento Interno do CARF. Na
área estadual ainda é fruto de construção, ao menos no Rio de Janeiro.
Há ainda a denominada instância especial. Esta instância consiste na possibilidade
de se recorrer ao chefe do sistema, que, no âmbito federal, é o recurso ao Ministro da
Fazenda. Muito se combateu este recurso, classificado como recurso hierárquico, tanto
porque é uma quebra da imparcialidade do sistema, quanto porque é um recurso privativo
da Fazenda, inacessível ao sujeito passivo. O fundamento do recurso hierárquico é livre, o
que o torna ainda mais obscuro. A jurisprudência reconhece como válido este recurso,
porém, ao argumento de que se há, na administração pública, a subordinação decorrente do
princípio hierárquico, pode a autoridade superior rever os atos do subordinado, por meio
deste recurso.
Há que se falar, também, na avocatória: a autoridade administrativa superior, em
qualquer nível, tem a prerrogativa de, sem restrições, tomar a competência de qualquer

Michell Nunes Midlej Maron 14


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

processo, para qualquer decisão, para si. Pode o Ministro da Fazenda, se entender
necessário, avocar a competência que pertencia ao CSRF, por exemplo, para o julgamento
de um recurso especial. É instituto de custo político elevado, ante a grande responsabilidade
que impõe àquele que avoca.

2. Processo administrativo tributário estadual do Rio de Janeiro

O Código Tributário do Estado do Rio de Janeiro, Decreto-Lei Estadual 5/1975, e a


Lei do Processo Administrativo Tributário Estadual, Lei Estadual 2.473/79, são as sedes do
processo, em nível estadual.
Conforme se vê no esquema gráfico que se segue, o procedimento estadual é
praticamente idêntico ao federal, com algumas poucas diferenças, especialmente de
nomenclatura de órgãos da estrutura administrativa. Toda a fase inicial, bem como os
prazos, é idêntica. Veja:

Processo administrativo tributário estadual do Rio de Janeiro

Fase procedimental Fase processual

Inicio do Lavratura do auto Julgamento em primeira


de infração Notificação do sujeito Impugnação
procedimento instância (Junta de Revisão
passivo
fiscal Fiscal)
Recurso ao pleno
 Por decisão não do Conselho de Conselho de Recurso voluntário Procedência do
unânime que contraria lei Contribuintes Contribuintes lançamento
ou prova;
 Por divergência. Presidente do
Conselho de Recurso de ofício Improcedência do
Contribuintes lançamento
Decisão administrativa irrecorrível (salvo
instância especial), qualquer que seja o
desfecho Decisão administrativa irrecorrível, se improcedente; se procedente, retoma-se o
curso do eventual recurso voluntário

O órgão de primeira instância, no âmbito estadual, é a Junta de Revisão Fiscal. Há,


em regra, delegação de algumas das atribuições desta Junta para os inspetores, chefes das
inspetorias regionais – como as impugnações de autos de infração por multa isolada, por
exemplo.
Se a Junta entender improcedente o lançamento, haverá o mesmo recurso de ofício,
encaminhado ao Presidente do Conselho de Contribuintes estadual, a quem cabe,
monocraticamente, julgar o recurso de ofício, confirmando ou não a decisão de primeira
instância.
Se a Junta entender procedente o lançamento, caberá o recurso voluntário, no
mesmo prazo do federal, de trinta dias, que será encaminhado não ao presidente, mas sim
ao colegiado do Conselho de Contribuintes, distribuído a uma de suas turmas.
Do julgamento da segunda instância, por uma das turmas, cabe recurso ao pleno do
Conselho de Contribuintes, nos moldes do recurso especial do processo federal. Contudo,
ao contrário do recurso especial, este recurso ao pleno ainda poderá ser calcado em dois

Michell Nunes Midlej Maron 15


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

fundamentos: pela divergência; ou pela não unanimidade, em resultado contrário à lei ou à


prova dos autos, hipótese em que só é interponível pelo fisco.
A instância especial, no Estado, é o recurso ao chefe estadual da administração
tributária, o Secretário Estadual de Fazenda. Tal como no âmbito federal, é instituto
extremamente combatido pela doutrina.

Michell Nunes Midlej Maron 16


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

Casos Concretos

Questão 1

A pessoa jurídica de direito privado FARINHAS GOSTOSAS Ltda. impetrou


Mandado de Segurança contra ato do Secretário do Estado da Fazenda do Rio de Janeiro,
pretendendo impedir a inscrição e cobrança de débito tributário estadual de ICMS. O
fundamento aduzido pela impetrante foi a inconstitucionalidade do recurso hierárquico,
impetrado de ofício pela autoridade administrativa coatora. Através deste, a autoridade,
unilateralmente, reformou a decisão do Conselho de Contribuintes, determinando,
conseqüentemente, a validade do auto de infração, com fulcro no artigo 266, II, do Código
Tributário do Estado do Rio de Janeiro. Assim sendo, a autora considerou tal decisão
incompatível com os corolários da igualdade, da ampla defesa e do contraditório
consagrados pela CRFB/88. Deve ser denegada ou não a segurança ao mandamus
impetrado pela recorrente?Fundamente sua resposta.

Resposta à Questão 1

Embora a doutrina defenda a inconstitucionalidade do recurso hierárquico, por ser


violência à ampla defesa, ao contraditório e ao devido processo legal, a jurisprudência é
pacífica no entendimento de que este recurso é perfeitamente constitucional, eis que se
fundamenta no fato de que a autoridade administrativa superior pode, e deve, reexaminar os
atos dos seus subordinados.
Sendo assim, o writ deve ser denegado. Veja, a respeito, a posição do STJ e do
TJ/RJ, pela ordem:

“RMS 11916 / RJ. DJ 29/04/2002 p. 209.


RECURSO EM MANDANDO DE SEGURANÇA. CONSTITUCIONAL E
TRIBUTÁRIO. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO FISCAL. RECURSO
HIERÁRQUICO DE OFÍCIO. INSTÂNCIA ESPECIAL. POSSIBILIDADE.
PODER DE SUPERVISÃO DO SECRETÁRIO DE ESTADO DE FAZENDA
AOS ÓRGÃOS A ELE SUBORDINADOS. REVOGAÇÃO DE ATO.
APLICAÇÃO DA SÚMULA N.º 437 DO STF.
I - O controle hierárquico é fruto da própria Constituição Federal que consagrou
ao regime jurídico-administrativo o princípio basilar da supremacia do interesse
público ao privado.
II - É inerente ao poder hierárquico da Administração a prerrogativa de rever os
atos praticados por seus subordinados, consoante o enunciado da Súmula n.º 437
do STF.
III - O recurso hierárquico apresentado pela Fazenda Estadual encontra-se previsto
em lei específica, não ferindo, desse modo, aos princípios da isonomia processual e
do devido processo legal.
IV - Precedente do STJ.
V - Recurso conhecido, porém, desprovido.”

“1998.004.00703. MANDADO DE SEGURANCA. DES. GUSTAVO KUHL


LEITE - Julgamento: 24/02/1999 - I GRUPO DE CAMARAS CIVEIS.
TRIBUTO. RECURSO ADMINISTRATIVO. ADMISSIBILIDADE.
PRELIMINAR DE DECADENCIA. PRELIMINAR REJEITADA. MANDADO

Michell Nunes Midlej Maron 17


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

DE SEGURANCA. DENEGACAO DA SEGURANCA


SUMULA 512, DO S.T.F.
Tributario. Recurso administrativo para o Secretario de Estado de Fazenda.
Admissibilidade. Preliminar de decadencia e de impropriedade do Mandado de
Seguranca. Rejeitam-se as preliminares, a de decadencia porque a acao foi
proposta no prazo legal e investe contra ato efetivado pelo Sr. Secretario de Estado.
No merito, denega-se a ordem porque nao ofende qualquer principio de ordem
constitucional a possibilidade, prevista no CTE, de haver recurso administrativo
interposto pelo Estado ao Secretario de Estado de Fazenda quando o Pleno do
Conselho de Contribuinte julgar, por maioria, contra o proprio Estado.

Ementa do voto vencido do Des. Sergio Cavalieri Filho: Processo Administrativo


Fiscal. Recurso Privativo da Fazenda. Violacao do Principio da Isonomia
Processual. Apos a Constituicao de 88, que assegura o contraditorio e a ampla
defesa no processo judicial ou administrativo, com os meios e recursos a ela
inerentes, tornou-se ineficaz o dispositivo da legislacao estadual que confere
recurso privativo a Fazenda contra decisoes nao unanimes do Pleno do Conselho
de Contribuicoes para o Secretario da Fazenda. Por outro lado, esse recurso tem
por caracteristica a incoerencia, posto que permite a um orgao monocratico
reformar as decisoes de um orgao colegiado, quando a regra, em todos os juizos e
tribunais e' justamente o inverso. Seguranca concedida.”

Questão 2

Em fiscalização realizada no SUPERMERCADO COMPRE BEM S/A, localizado


em Madureira, os fiscais da Secretaria da Fazenda do Estado do Rio de Janeiro
constataram irregularidades fiscais, que originaram o Auto de Infração n º 01.082.378-9
contra a empresa, com multa arbitrada conforme legislação Estadual.Por meio de
interposição de recurso administrativo dirigido à Junta de Revisão Fiscal, o advogado do
SUPERMERCADO COMPRE BEM S/A recorre contra a multa (Processo E-
04/892.753/99). A Junta de Revisão Fiscal analisa o recurso e mantém os lançamentos
efetuados. Por meio da Portaria de Intimação 05.00056/99, dá conhecimento do
indeferimento ao impetrante, intimando-o a pagar a multa. Informa que começou a fluir o
prazo para que esta interponha, se desejar, Recurso Voluntário ao Egrégio Conselho de
Contribuintes do Estado do Rio de Janeiro, instância administrativa superior, com
necessidade de depósito prévio de 30% do valor do crédito tributário, condição de
admissibilidade do recurso. O SUPERMERCADO COMPRE BEM S/A impetra Mandado
de Segurança preventivo contra o Sr. Secretário de Estado de Fazenda do Estado do Rio de
Janeiro, objetivando afastar exigência fiscal de depósito prévio. Sustenta o impetrante ser
inconstitucional tal depósito porque contraria os princípios da ampla defesa, do devido
processo legal e do contraditório, na medida em que cria um obstáculo ao acesso ao órgão
administrativo de segunda instância. O impetrado, na sua defesa, alega que a decisão
administrativa da qual discorda o contribuinte não é o Auto de Infração, mas sim a decisão
da Junta de Revisão Fiscal que apreciou a impugnação do contribuinte e a rejeitou.
Conclui que, contra o auto de infração originário, já houve a cabível impugnação, com
todas as garantias constitucionais (dilação probatória, ampla defesa e contraditório), e
sem necessidade de qualquer depósito prévio. Este agora visa a evitar a procrastinação e a
mais rápida percepção dos impostos pela Administração. Pergunta-se:
a) É cabível a exigência de depósito prévio de percentual do crédito tributário para
interposição de recurso administrativo de segunda instância por parte do

Michell Nunes Midlej Maron 18


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

contribuinte? E no caso de recursos administrativos de primeira instância?


Fundamente sua resposta.
b) Caso o contribuinte se recuse a efetuar o depósito prévio para impetrar recurso
administrativo, há alguma alternativa para que o mesmo preserve seu direito de
revisão?
c) A exigência de depósito prévio de percentual do crédito tributário configura,
como alega o impetrante, descumprimento dos princípios constitucionais da ampla
defesa, do devido processo legal e do contraditório? Justifique sua resposta para
cada um dos três princípios.

Resposta à Questão 2

a) Conforme entendimento mais recente do STF, é inadmissível a exigência do


depósito recursal, em qualquer caso, justamente pelos argumentos do
impetrante, e também pelo interesse público na revisão dos atos administrativos,
pela administração. Anteriormente, a argumentação do impetrado seria
procedente; hoje, não.

b) Antes da mudança de posicionamento do STF, o contribuinte poderia apresentar


a chamada carta de fiança, ou solicitar a dispensa de depósito recursal ao
Secretário de Fazenda. Hoje, não mais se aplicam estes mecanismos, porque,
com esteio na posição atual do STF, a Procuradoria-Geral do Estado do Rio de
Janeiro elaborou parecer normativo determinando que o depósito recursal seja
inexigível no Estado – mesmo que a decisão do STF seja para a esfera federal.

c) O entendimento do STF, como dito, é que a exigência do depósito é uma


violência a estes princípios, pois obstaculizam demais o acesso à segunda
instância administrativa.

Veja a posição ultrapassada do TJ/RJ, quando ainda se calcava no entendimento


revisto do STF:
“2000.004.01294. MANDADO DE SEGURANCA. DES. SERGIO CAVALIERI
FILHO - Julgamento: 30/05/2001 - I GRUPO DE CAMARAS CIVEIS.
RECURSO ADMINISTRATIVO. DEPOSITO PREVIO. INEXISTENCIA DE
INCONSTITUCIONALIDADE. MANDADO DE SEGURANCA. DENEGACAO
DA SEGURANCA.
TRIBUTÁRIO. Depósito Prévio. Condição de Admissibilidade de Recurso
Administrativo. Inexistência de Inconstitucionalidade. Já está assentado na
jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores que o depósito prévio de percentual
do valor do crédito tributário, como condição de admissibilidade do recurso
administrativo, não contraria os princípios da ampla defesa, do contraditório e do
devido processo uma vez que a Constituição não garante o duplo grau de jurisdição
em sede administrativa. Segurança denegada.”

Questão 3

Determinada sociedade insurge-se judicialmente contra a conduta do Secretário de


Fazenda do Estado do Rio de Janeiro que, fazendo uso da avocatória, revisou decisão que

Michell Nunes Midlej Maron 19


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

reconhecera a decadência do crédito tributário. Alega a parte autora que, assim o fazendo,
o Secretário violou o devido processo legal, bem como alguns princípios que regem o
processo administrativo. Responda fundamentadamente, em no máximo 15 (quinze) linhas,
se a conduta do Secretário citado foi legal.

Resposta à Questão 3

A avocatória é inerente ao princípio da hierarquia, do Direito Administrativo, pelo


que todos os tribunais e a doutrina consideram que a avocatória não é uma violência ao
devido processo legal: ela é parte deste devido processo. Por isso, o Secretário agiu de
forma escorreita, irrepreensível.

Michell Nunes Midlej Maron 20


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

Tema III

Processo Administrativo Tributário III. Processo Administrativo Tributário Municipal. 1. Processo


administrativo tributário na legislação do Município do Rio de Janeiro. 1.1. Instâncias julgadoras; 1.2.
Conselho de Contribuintes; 1.3. Instância especial. 2. Procedimentos especiais. Restituição de indébito.
Depósito administrativo; 3. Questões controvertidas. Jurisprudência. Doutrina.

Notas de Aula5

1. Processo administrativo tributário municipal do Rio de Janeiro

O objeto do processo administrativo tributário, o que se busca com este processo, é


a correta interpretação e aplicação da legislação tributária. A autoexecutoriedade dos atos
administrativos referentes à tributação permite que a própria Fazenda venha a gerar e
cobrar os tributos, sem precisar que o Judiciário lhe ampare nesta atividade.
Em um segundo momento, o processo administrativo tributário se presta a
possibilitar a determinação e exigência do crédito tributário: a determinação é toda feita em
sede administrativa, e a exigência tem ali o seu início, eventualmente caminhando à via
judicial.
Por fim, o processo administrativo tributário também fornece caminho à realização
de consultas ao fisco, processo específico que será abordado amiúde, adiante.
Em esfera municipal, a legislação regente do processo é igualmente municipal. No
Município do Rio de Janeiro, o Código Tributário Municipal – Lei Municipal 691/84 –
delega ao Poder Executivo municipal a competência para regular o processo administrativo
tributário deste ente, no artigo 242 deste CTM:

“Art. 242 – O Poder Executivo regulará o processo administrativo de determinação


e exigência dos créditos tributários, penalidade, restituição de indébitos,
parcelamento, remissão e o de consulta, observando:
I – a garantia de ampla defesa ao sujeito passivo:
II – a ciência dos atos da autoridade competente, sejam decisórios ou para
cumprimento de exigências processuais;
III – a designação dos órgãos julgadores e os recursos cabíveis contra as
respectivas decisões;
IV – a configuração das nulidades processuais;
V – a determinação de prazos para a prática de atos ou cumprimento de decisões;
VI – as hipótese de reabertura de prazo;
VII – a suspensão da exibilidade do crédito durante a tramitação ou recurso;
VIII – a fixação de normas sobre processos de consulta.”

Com base nesta delegação, editou-se o Decreto Municipal 14.602/96, que é o ato
normativo regulador do processo administrativo tributário municipal. Em esferas estadual e
federal, o processo é regido, como visto, por leis formais (o Decreto 70.235/72 foi
recepcionado com status de lei), pelo que cogitar-se-ia se não haveria uma ofensa ao
paralelismo necessário entre os entes federativos. Não há, porém, norma constitucional que
impeça esta regulação pelo executivo, pelo que é vigente o decreto municipal.

5
Aula ministrada pelo professor Antônio Henrique Correa da Silva, em 28/7/2009.

Michell Nunes Midlej Maron 21


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

A contagem de prazos, no processo administrativo tributário municipal, é idêntica


àquela prevista no processo judicial em geral, como é dito no artigo 28 do DM 14.602/96:
“Art. 28 - Os prazos são contínuos e peremptórios excluindo-se na sua contagem o
dia do início e incluindo- se o do vencimento.
Parágrafo único - Os prazos só se iniciam ou vencem em dia de funcionamento
normal no órgão em que deva ser praticado o ato onde tramite o procedimento ou
processo.”
Os prazos, porém, curiosamente, não são peremptórios, fulminantes. Veja a redação
dos artigos 29 e 84 do DM 14.602/96, que trata do levantamento da perempção dos prazos
em casos fortuitos ou de força maior, pagamento ou erro de fato:

“Art. 29 - Nos procedimentos ou processos iniciados a requerimento do


contribuinte ocorrerá a perempção se este, no prazo fixado na legislação, não
exercer seu direito ou não cumprir exigência que lhe tenha sido formulada.”

“Art. 84 - A autoridade lançadora levantará a perempção, em caráter excepcional,


na ocorrência das seguintes situações:
I - caso fortuito ou força maior;
II - alegação de pagamento anterior ao lançamento, acompanhada do respectivo
comprovante;
III - erro de fato no lançamento, conforme definido no art. 78, § 1°.”

O fundamento da relativização dos prazos, nesta seara, é a já abordada busca pela


verdade real, que rege todo processo administrativo tributário.
A legitimidade para pretender, neste processo administrativo, pertence ao sujeito
passivo, que tem capacidade postulatória pessoal, aqui. Nada impede, porém, que haja a
constituição de um procurador habilitado, advogado ou não. Há legitimidade, ordinária ou
extraordinária, e capacidade postulatória, também, para os órgãos de classe, na forma do
artigo 4º do DM 14.602/76, possibilidade de representação esta que não encontra paralelo
nos processos administrativos tributários federal e estadual:

“Art. 4° - As pessoas jurídicas representadas de classes, moradores, categorias


econômicas ou profissionais podem postular nos casos em que busquem orientação
para assuntos de interesse de seus representados.”

A fase puramente procedimental, prévia à impugnação pelo sujeito passivo, fase


fiscalizatória, na qual não vigem as garantias processuais da ampla defesa, contraditório ou
devido processo legal (porque ainda não há processo, sendo fase inquisitorial), deve
terminar em sessenta dias, prorrogáveis por mais sessenta, ou seja, ao máximo de cento e
vinte dias. A fiscalização pode culminar em mero termo de encerramento (TEAF – termo de
encerramento da ação fiscal), quando não há qualquer infração que enseje lançamento; ou
pode findar-se na lavratura do auto de infração, com a conseqüente comunicação do
lançamento ao sujeito passivo.
Notificado o sujeito passivo6, se este impugnar o lançamento, instaura-se, desde
então, o processo administrativo tributário. Até então, há apenas a atuação típica da
administração pública, no procedimento administrativo.

6
No processo administrativo tributário municipal, as notificações podem ser feitas por via eletrônica, ou por
fax.

Michell Nunes Midlej Maron 22


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

Iniciado o processo, pela impugnação, há a atuação da administração pública em


função atípica, jurisdicional (sem a definitividade que só alcança o poder judicante típico,
do Judiciário), quando então vigem as garantias processuais mencionadas – ampla defesa,
contraditório e devido processo legal.
A fase processual própria, litigiosa, pode, também, ser iniciada por atos diversos da
impugnação ao lançamento. Mesmo que esta impugnação seja o ato mais usual e
corriqueiro, a fase litigiosa, o processo administrativo tributário, pode ter início pela
impugnação ao indeferimento do pleito repetitório, compensatório ou de exclusão do
crédito tributário: esta impugnação dá início ao processo administrativo tributário – casos
estes, diga-se, que podem ocorrer também nas esferas estadual e federal. Na esfera
municipal, há ainda uma outra situação que marca o início da fase processual: a recusa ao
recebimento do tributo, geradora de mora credendi do fisco, pode ser impugnada, levando
ao processo administrativo tributário. Veja o artigo 79, III, do DM 14.602/96:

“Art. 79 - Considera-se instaurado o litígio tributário, para os efeitos legais, com a


apresentação, pelo interessado, de impugnação a:
I - Auto de Infração e Nota ou Notificação de Lançamento;
II - indeferimento de pedido de restituição de tributo, acréscimos ou penalidades;
III - recusa de recebimento de tributo, acréscimo ou penalidades que o contribuinte
procure espontaneamente pagar.
Parágrafo único - A impugnação suspende a exigibilidade do crédito, mas não
afasta a incidência de acréscimos moratórios sobre o tributo devido, salvo se
realizado depósito junto ao Tesouro Municipal, como previsto na Seção VI do
Capítulo V.”

1.1. Processo administrativo tributário vs. processo judicial

Como se sabe, o ajuizamento da ação judicial faz com que o processo


administrativo tributário perca o objeto, sendo extinto de plano, na forma do artigo 38 da
Lei de Execuções Fiscais, já transcrito. Veja também, neste sentido, o artigo 109, § 1º, do
DM 14.602/96:

“Art. 109 - Encerra-se o litígio com:


I - a decisão definitiva;
II - a desistência da impugnação ou do recurso;
III - o pagamento do Auto de Infração e da Nota ou Notificação de Lançamento;
IV - o pedido de parcelamento;
V - qualquer ato que importe em confissão de dívida ou reconhecimento da
existência do crédito;
VI - a extinção do crédito tributário;
§ 1º - A propositura pelo contribuinte de ação judicial relativa a mesma matéria
objeto do litígio importa desistência da impugnação ou do recurso interposto na
esfera administrativa.
§ 2º - A desistência de que trata o parágrafo anterior será declarada pela autoridade
ou órgão administrativo competente, ouvida previamente a Procuradoria Geral do
Município.”

A prejudicialidade pressupõe identicidade de fundamentos. Não será extinto o


processo administrativo, portanto, se a ação judicial proposta questionar outros aspectos,
diversos dos que são discutidos na esfera administrativa. Como exemplo, a propositura de
uma ação judicial pelo sujeito passivo discutindo a constitucionalidade de determinado

Michell Nunes Midlej Maron 23


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

aspecto do tributo não acarretará a extinção do processo administrativo tributário em que o


mesmo sujeito passivo impugna o lançamento daquele tributo. Não havendo identidade de
matérias, não há prejudicialidade.
Outra circunstância em que não há prejudicialidade ocorre quando o processo
judicial tem por escopo justamente garantir o curso do processo administrativo, como
ocorreu de forma repetida quando da discussão do depósito recursal, outrora. O deslinde do
processo administrativo é justamente o que se quer com o processo judicial, não havendo
lógica alguma a extinção daquele por este (valendo dizer que não existe sequer previsão
legal de depósito recursal, na legislação municipal sobre o processo administrativo
tributário).
A propositura da ação judicial, como é sabido, não impede o lançamento do tributo,
por parte do fisco, pois se assim o fizesse o prazo decadencial para lançar estaria sob risco
de perda não imputável ao fisco – o que seria uma incoerência. Ainda que o tributo seja
posto em suspensão de sua exigibilidade, o lançamento deve ser efetuado.

1.2. Requisitos da impugnação

A impugnação conta com requisitos para sua validade e eficácia. É preciso que haja
a descrição dos argumentos de fato e de direito e a impugnação específica dos pontos que o
sujeito passivo considere contrários ao direito.
Quando a impugnação for parcial, deve haver a declaração do montante
incontroverso, para que haja a cobrança imediata (se não houve pagamento espontâneo),
quando o fisco fica autorizado a desmembrar o auto de infração e prosseguir, desde logo, à
cobrança do valor incontroverso, apartada do processo administrativo.
Deve haver também, na impugnação, o pedido de realização de perícia e seus
quesitos, para que a autoridade julgue a pertinência da prova.
O prazo é de trinta dias, contados da notificação do lançamento, e de sessenta dias
para o IPTU, especificamente. Veja o artigo 27 do DM 14.602/96:

“Art. 27 - Os prazos a serem cumpridos pelos contribuintes serão de:


I - 10 (dez) dias:
1. para cumprimento de exigências formuladas em procedimentos ou processos
administrativo-tributário;
2. para interposição de recurso às decisões que indeferirem de plano as petições
que não petições que não preencherem os requisitos dos arts. 7°, 9°, 10 e 81;
3. para interposição de recurso às decisões que negarem seguimento à impugnação
ou ao recurso por peremptos;
II - 30 (trinta) dias:
1. para cumprimento de exigências formuladas em procedimentos relativos à
revisão de elementos cadastrais de imóveis, previstos na Seção IV do Capítulo V
deste Decreto.
2. para a apresentação de impugnação, ressalvado o disposto no inciso IV deste
artigo;
3. para a interposição de recursos, ressalvados os atos previstos nos itens 2 e 3, do
inciso I, deste artigo;
4. para a interposição de pedido de reconsideração às decisões não unânimes do
Conselho de Contribuintes.
III - 45 (quarenta e cinco) dias para a prática dos atos previstos no art. 35;

Michell Nunes Midlej Maron 24


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

IV - 60 (sessenta) dias para e impugnação ao lançamento do Imposto sobre a


Propriedade Predial e Territorial Urbana Taxa de Coleta do Lixo e Limpeza Pública
e Taxa de Iluminação Pública.
Parágrafo único - Será de 15 (quinze) dias desde que não haja outro fixado na
legislação tributária, o prazo para a prática de atos por parte do contribuinte.”

Sem estes elementos, a impugnação é inepta. A declaração de inépcia e a de


perempção (intempestividade) são irrecorríveis, se a decisão for tomada pela autoridade
julgadora. Na esfera administrativa, duas autoridades atuam no processo, a autoridade
preparadora e a julgadora. A autoridade preparadora instrui o feito, colhe informações do
fiscal, enfim, prepara o processo para ir a julgamento, mas tem também certa monta de
atribuições decisórias, e uma delas é justamente decidir-se pela inépcia ou perempção da
impugnação. Havendo esta decisão pela autoridade preparadora, há, sim, cabimento de
recurso voluntário para a autoridade julgadora – a irrecorribilidade é só quanto à decisão do
julgador de primeira instância.

1.3. Provas

O artigo 32 do DM 14.602/96 garante liberdade ampla de meios de prova, na seara


administrativa:

“Art. 32 - São admissíveis no processo administrativo tributário todas as espécies


de prova em direito permitidas.”

Maior controvérsia surge na análise da prova pericial. Esta prova pode ser deferida
de ofício ou a pedido (que, como visto, deve ser feito na própria impugnação, nomeando
quesitos). O sujeito passivo indica também o seu perito. Se a prova for prescindível, ou
impraticável, será indeferível, como se vê no artigo 37 do DM 14.602/96:

“Art. 37 - A autoridade julgadora poderá indeferir diligência e perícias que


considerar prescindíveis ou impraticáveis, impugnar os quesitos impertinentes e
formular os que julgar necessários.”

Atuam dois peritos, um do fisco e um do sujeito passivo. Havendo divergência entre


os laudos, como solucionar-se-á tal conflito? Veja que há um conflito aparente entre o
artigo 39 e o artigo 93 do DM 14.602/96, sobre o assunto:

“Art. 39 - Se deferido o pedido de perícia, a autoridade lançadora designará


servidor para, como perito da fazenda; não havendo coincidência, a autoridade
julgadora poderá determinar a realização de nova perícia.
§ 1° - A autoridade lançadora fixará prazo para realização de perícia, atendido o
seu grau de complexidade.”

“Art. 93 - A autoridade julgadora formará livremente sua convicção, podendo


determinar a produção das provas que julgar necessárias nos termos do art. 36.
Parágrafo único - A autoridade julgadora não ficará adstrita ao laudo pericial,
podendo formar a sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos
autos.”

Michell Nunes Midlej Maron 25


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

Há, de fato, na tosca redação do artigo 39, supra, uma tarifação da prova,
pretendendo dar mais valor à perícia realizada pela Fazenda. No artigo 93, mais coerente,
garante-se o livre convencimento motivado pelo julgador, a persuasão racional, que é o que
deve prevalecer. Assim, não há peso maior ou menor para uma ou outra perícia: prevalece a
que o julgador entender mais correta.

1.4. Retificação e complementação do auto de infração

Se a autoridade julgadora altera o fundamento da tributação, que vinha consignado


no lançamento, ou decide que o valor devido é maior do que o originalmente lançado, há a
curiosa hipótese de que a majoração decorrente será proveniente da atuação do particular:
se a sua impugnação levar a autoridade julgadora a encontrar tributação maior do que a
original, poderá haver a reformatio in pejus?
Contrariando o processo comum, é sim possível a reformatio in pejus, na seara do
processo administrativo tributário. A única ressalva é que a autoridade que procederá a este
lançamento não é a mesma que julgou a impugnação, e sim a autoridade preparadora,
responsável pela fase procedimental. Há uma separação orgânica entre estes dois agentes,
que deve ser respeitada em atenção ao devido processo legal, não podendo a administração
ativa se confundir com a administração judicante – não pode o julgador administrativo, ele
próprio, lançar o tributo complementar, devendo ele representar à autoridade preparadora
para que ela sim providencie o necessário auto de infração complementar.
A dinâmica, então, é a anulação do auto de infração a menor, pela autoridade
julgadora, que representará à autoridade preparadora sobre esta decisão, a fim de que esta
realize o lançamento complementar, superando o defeito formal. Este lançamento partirá da
interpretação da lei pela autoridade preparadora – não à discricionariedade, mas à livre
interpretação por parte desta, não sendo obrigada a efetuar o lançamento na forma da
decisão administrativa proveniente da autoridade judicante. Não há rigor hierárquico entre
uma e outra autoridades do processo administrativo, entre a preparadora, lançadora, e a
judicante7.
Sendo o caso, havendo o lançamento complementar, devolve-se o prazo defensivo
ao sujeito passivo, que poderá reinaugurar a fase processual por nova impugnação.
Se o valor apurado pela autoridade julgadora for menor do que originalmente
lançado, a retificação é feita, esta sim, pelo próprio julgador administrativo – numa espécie
de atuação desta autoridade como lançadora negativa. Desta retificação benéfica ao sujeito
passivo (maléfica à Fazenda, portanto) poderá haver recurso de ofício. Veja o artigo 75, §
3º, do DM 14.602/96:

“Art. 75 - Auto de infração poderá ser retificado antes do julgamento de primeira


instância, mediante procedimento fundamentado pelo titular do órgão lançador,
observado, se for o caso, o procedimento simplificado previsto no § 1° deste
artigo.
§ 1° - Os erros de fato definidos no art. 78, § 1° porventura existentes no Auto de
Infração, poderão ser corrigidos pelo próprio autuante ou por seu chefe imediato.
7
Esta orientação, em opinião pessoal, não parece a mais correta. Não é coerente entender-se que a autoridade
preparadora possa simplesmente deixar de lançar complementarmente, dando interpretação diversa ao fato
gerador daquela feita pela autoridade judicante. Se assim fosse, seria clara burla ao sistema hierárquico,
porque estaria simplesmente negando eficácia à decisão administrativa – do próprio Estado, veja –, que
enfrentou a impugnação e a ela deu interpretação final. É consideração pessoal, repito.

Michell Nunes Midlej Maron 26


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

§ 2° - O contribuinte será cientificado por meio de despacho exarado em processo


ou por meio de termo de retificação, das correções efetuadas no Auto de Infração,
sendo-lhe devolvido o prazo para impugnação ou pagamento.
§ 3° - Se a constatação do erro ou necessidade de retificação ocorrer após a
apresentação de impugnação, ainda que esta a eles não se refira, e tiver o efeito de
conduzir à redução do crédito exigido ou ao cancelamento do Auto de Infração, o
processo será instruído para julgamento em primeira instância, e a decisão que
acolher a proposta de redução ou, de cancelamento estará sujeita ao reexame
obrigatório, nos casos previstos no art. 99.”

1.5. Revelia

Se não houver impugnação, sequer se instaura o processo administrativo tributário,


como se pôde antever. Não há, portanto, a revelia típica do processo civil, porque não há
processo, mas mero procedimento. A revelia, aqui, é a inexistência do processo, por
inexistência de impugnação. Veja o artigo 77 do DM 14.602/96:

“Art. 77. - Caso o sujeito passivo não ofereça impugnação no prazo definido no
art. 27, nem efetue o pagamento ou solicite o parcelamento do débito objeto de
Auto de Infração ou Nota de Lançamento naquele mesmo prazo, será considerado
revel, reputando-se verdadeiros os fatos relativos ao lançamento tributário.
§ 1º. Na hipótese referida no caput, a autoridade lançadora extrairá nota de débito
para envio à Procuradoria da Dívida Ativa.
§ 2º. Não se aplica o disposto no § 1º a créditos referentes ao Imposto sobre a
Propriedade Predial e Territorial Urbana e demais tributos e contribuições
administrados pela Coordenadoria desse imposto, cujo rito de inscrição em dívida
ativa segue regras próprias definidas na legislação.”

Havendo parcial não-impugnação, ocorrerá o desmembramento do lançamento:


haverá cobrança do valor não impugnado, incontroverso, e a parte controvertida será
processada normalmente, no rito do processo administrativo tributário.

1.6. Julgamento

O julgamento da primeira instância municipal é feito por autoridade monocrática,


pelo titular da Coordenadoria de Revisão e Julgamentos Tributários, na forma do artigo 91
do DM 14.602/96:

“Art. 91 - O litígio será julgado, em primeira instância, pelo titular da


Coordenadoria de Revisão e Julgamento Tributários.”

Da decisão de primeiro grau caberá recurso voluntário, pelo sujeito passivo, se a


decisão lhe for desfavorável, para o Conselho de Contribuintes do Rio de Janeiro (recurso
que é cabível também, como dito, da decisão de intempestividade ou inépcia da
impugnação promanada da autoridade preparadora, quando então é dirigido à autoridade
julgadora de primeira instância), com efeito suspensivo, em prazo de trinta dias. Não
existem, como dito, restrições de qualquer sorte (depósito recursal, fiança, etc.) ao recurso
voluntário, em sede municipal.
Da decisão de primeira instância cabe também o recurso de ofício, pela autoridade
julgadora, quando esta encontrar mérito desfavorável à Fazenda. A concessão de

Michell Nunes Midlej Maron 27


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

exoneração de tributo abaixo do valor de alçada (hoje em R$ 12.076,37), ou outras


exonerações, previstas no artigo 99 do DM 14.602/96, são casos em que não há recurso de
ofício, mesmo que haja, em tese, prejuízo ao fisco:
“Art. 99 - A autoridade julgadora de primeira instância recorrerá de ofício sempre
que a decisão exonerar total ou parcialmente o sujeito passivo do pagamento de
crédito tributário.
§ 1º - O disposto neste artigo não se aplica quando:
1 - a redução decorrer de erro de fato, conforme definido no art. 78, § 1º;
2 - a redução decorrer de revisão de valor venal de imóveis;
3 - o cancelamento ou a redução decorrer de pagamento realizado antes da ação
fiscal;
4 - tratar-se de infrações decorrentes do descumprimento de obrigações acessórias.
§ 2º - O recurso de ofício terá efeito suspensivo e será interposto mediante
declaração na própria decisão.
§ 3º - Não sendo interposto o recurso de ofício, o servidor que verificar o fato
representará a autoridade julgadora, por intermédio de seu chefe imediato, no
sentido de que seja observada aquela formalidade.
§ 4º - Enquanto não julgado o recurso de ofício, a decisão não produzirá efeito na
parte a ele relativa.”

Veja que o recurso de ofício é sujeito a contrarrazões, como esclarece o artigo 100
do DM 14.602/96:

“Art. 100 - Nos casos em que a Representação da Fazenda no Conselho de


Contribuintes opine pelo provimento ao recurso de ofício, será dada ciência dessa
manifestação ao Contribuinte e aberto o prazo de 30 (trinta) dias para apresentação
de contra-razões.”

O julgamento em segunda instância municipal é competência do Conselho de


Contribuintes, como dito, órgão de natureza paritária, que conta com o mesmo número de
representantes do fisco e dos contribuintes – no caso, quatro membros de cada. Nesta
esfera, há divisão absoluta entre o órgão julgador e a Fazenda atuante como parte. O
processo, saído da primeira instância, recebe parecer do procurador municipal que oficia no
feito, opinando pelo provimento ou improvimento do recurso de ofício. Opinando pela
reforma da decisão de primeira instância, ou seja, contrariamente ao interesse do sujeito
passivo, haverá então abertura de oportunidade ao contribuinte para contra-arrazoar; se
opina pelo desprovimento do recurso, ou seja, manutenção da decisão que foi favorável ao
sujeito passivo, não há contrarrazões.
A intempestividade do recurso, perempção recursal, só pode ser reconhecida pelo
Presidente do Conselho de Contribuintes, e não pelo julgador de primeira instância, em seu
juízo de admissibilidade em delibação. Veja o artigo 103 do DM 14.602/96:

“Art. 103 - O julgamento do processo em segunda instância compete ao Conselho


de Contribuintes do Município do Rio de Janeiro e será feito de acordo com as
normas do seu Regimento Interno, aprovado por Resolução do Secretário
Municipal de Fazenda.”

As hipóteses de levantamento da perempção, já abordadas, do já transcrito artigo 84


do DM 14.602/96, são também cabíveis em sede recursal.

Michell Nunes Midlej Maron 28


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

É cabível, na seara municipal, o pedido de reconsideração, apenas em segunda


instância, e apenas da decisão não unânime, ou da parcela não unânime de uma decisão, na
forma do artigo 105 do DM 14.602/96:

“Art. 105 - O julgamento do pedido de reconsideração ficará restrito à parte não


unânime da decisão.”

Há, também na esfera municipal, a instância especial, em que se acessa o Secretário


Municipal de Fazenda, como autoridade julgadora especial. O recurso especial só pode
alvejar decisão não unânime do Conselho de Contribuintes. A decisão do recurso especial
não está sujeita a nenhum outro recurso, e tampouco a reconsideração. Veja os artigos 106 a
108 do DM 14.602/96:

“Art. 106 - Das decisões finais, não unânimes, caberá recurso ao Secretário
Municipal de Fazenda, a ser interposto no prazo de 30 (trinta) dias, contado da
publicação do acórdão, sendo oferecido o mesmo prazo para a apresentação de
contra razões.
Parágrafo único - Na hipótese de recurso da Representação da Fazenda, este só
será obrigatório quando a decisão recorrida for contrária à legislação tributária ou à
evidência das provas.”

“Art. 107 - Compete ao Secretário Municipal de Fazenda, em instância especial,


julgar os recursos de que trata o artigo anterior.
Parágrafo único - Da decisão referida neste artigo não cabe pedido de
reconsideração, nem recurso.”

“Art. 108 - Proferida a decisão, o processo será encaminhado ao Conselho de


Contribuintes, para conhecimento, e, em seguida, remetido diretamente ao órgão
lançador, para ciência do sujeito passivo e adoção das medidas cabíveis.”

Veja que, ao contrário do processo estadual ou federal, só há cabimento de recurso


especial da decisão não unânime, e não pela divergência.

1.7. Nulidades

As nulidades do processo administrativo tributário se assemelham bastante às do


processo comum. São elas, especialmente, a incompetência do órgão lançador ou julgador;
a não fundamentação do auto de infração ou das decisões; a preterição à defesa; a dupla
imposição de tributos, etc.
Vige também, aqui, a demanda de prejuízo para que se decrete nulidade – pas de
nullitè sans grief. Outra regra comum é que a nulidade não pode favorecer a quem lhe deu
causa, e a regra da causalidade, pela qual os atos subseqüentes dependentes ou
conseqüentes daquele ato nulo são igualmente nulificados.

2. Consulta

Este processo administrativo tributário específico tem escopo normativo único:


intenta uniformizar os critérios de interpretação da legislação tributária, de forma
generalizável. A conclusão da consulta pode ser tornada normativa, vinculando os casos

Michell Nunes Midlej Maron 29


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

futuros sobre o assunto, tornando-se um ato declaratório da conclusão, com a devida


abstração.
São legitimados para a consulta o sujeito passivo ou a entidade representativa de
classe, tal qual no processo administrativo tributário comum.
A instauração do processo de consulta tem três efeitos claros: impede a fiscalização
pela Fazenda, sobre aquele consultante, até a definição da consulta; afasta a mora enquanto
decorrer o processo; e mantém a espontaneidade do contribuinte, que, em seu curso, poderá
pagar o tributo sem penalidades (o que é decorrência lógica da inexistência de fiscalização,
enquanto perdurar a consulta).
A competência do processo de consulta difere do processo administrativo tributário
concreto: quem julga a consulta, em primeiro momento, é o titular da Gerência de
Consultas Tributárias da Coordenadoria de Consultas e Estudos Tributários, na forma do
artigo 126 do DM 14.602/96:

“Art. 126 - Compete ao Diretor da Divisão de Consultas Tributárias da


Coordenadoria de Consultas e Estudos Tributários proferir decisão nos processos
de consulta sobre matéria tributária.”

Da decisão deste Gerente cabe recurso ao Coordenador do mesmo órgão, em trinta


dias, na forma do artigo seguinte do mesmo diploma:

“Art. 127 - Da decisão a que se refere o artigo anterior caberá recurso ao


Coordenador da Coordenadoria de Consultas e Estudos Tributários, com efeito
suspensivo, no prazo de 30 (trinta) dias contados da data em que o consulente
tomar ciência da decisão.
§ 1º - O efeito suspensivo de que trata este artigo não se aplica ao curso da mora,
salvo se realizado o depósito previsto na Seção VI do Capítulo V.
§ 2º - Não caberá pedido de reconsideração nem recurso da decisão do
Coordenador da Coordenadoria de Consultas e Estudos Tributários.”

Se a consulta for proposta por órgão de classe, o seu resultado deverá ser aprovado
pelo Secretário Municipal de Fazenda, na forma do artigo 121 do DM 14.602/96:

“Art. 121 - A resposta à consulta formulada por órgãos de classe representantes de


categorias econômicas ou profissionais, em nome de seus representados, fica
condicionada à aprovação do Secretário Municipal de Fazenda.”

Vale dizer que o processo de consulta é bem similar em todas as esferas da


administração tributária, alterando-se apenas detalhes de menor importância. Os efeitos
para o consultante, por exemplo, são os mesmos.

Michell Nunes Midlej Maron 30


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

Casos Concretos

Questão 1

JOÃO, locatário de PEDRO, revoltado com o lançamento do IPTU do imóvel por


entendê-lo exorbitante, resolve impugná-lo administrativamente. A petição é recebida pelo
Sr. Coordenador do IPTU da Secretaria Municipal de Fazenda que, após ouvir o fiscal
responsável pelo lançamento, julga o pedido improcedente por entender que o valor
cobrado era o efetivamente devido. O locatário recorre ao Conselho de Contribuintes da
Secretaria Municipal de Fazenda, órgão de segunda instância na esfera administrativa,
pedindo a reforma do julgado. A instância ad quem manteve a decisão. Inconformado com
o resultado do recurso, o locatário recorre agora ao próprio Secretário Municipal da
Fazenda. Este entendeu que os argumentos do recorrente eram procedentes, pois fora
atribuído ao imóvel valor venal muito superior ao aceitável como devido numa operação
de compra e venda à vista, como determinado pelo artigo 63 e seus incisos do Código
Tributário Municipal, o que acarretou o aumento indevido da base de cálculo do imposto.
Aponte eventuais equívocos no conteúdo do enunciado.

Resposta à Questão 1

A autoridade julgadora é incompetente: o artigo 91 do DM 14.602/96 entrega esta


competência ao Coordenador da Coordenadoria de Revisão e Julgamentos Tributários, e
não ao Coordenador do IPTU, que é autoridade preparadora, não julgadora.
Outra nulidade clara diz respeito à patente ilegitimidade ativa: o locatário não é
legitimado, pois não é sujeito passivo da relação tributária, sendo inoponível ao fisco o
contrato de locação que preveja responsabilidade do locatário pelo IPTU, ao invés do
locador.
Outra impropriedade é a admissão do recurso especial, à instância especial, porque
não era hipótese de cabimento deste.

Michell Nunes Midlej Maron 31


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

Tema IV

Processo Judicial Tributário. 1. Suspensão judicial da exigibilidade do crédito tributário - Aspectos


Processuais. 1.1. O crédito tributário e sua exigibilidade; 1.2. As causas da suspensão da exigibilidade do
crédito tributário; 1.3. Lei complementar nº 104/2001. Inovações. Liminar em cautelar ou antecipação da
tutela. CTN, artigo 206; 1.4.Medida cautelar de depósito. 2. Ações de controle de constitucionalidade na
área tributária. Noções (Efeitos. Controle difuso e concentrado); 3. Ação civil pública e tributos; 4. Questões
controvertidas. Jurisprudência. Doutrina.

Notas de Aula8

1. Processo judicial tributário

Trata-se da impugnação da imposição tributária em juízo, pelo sujeito passivo, ou a


busca judicial da satisfação do crédito tributário, pelo fisco. Ambas as partes da relação
jurídica tributária, portanto, podem recorrer ao Judiciário para atender-lhe a pretensão
resistida.
Há muito mais opções de busca pelo Judiciário por parte do sujeito passivo do que
por parte da Fazenda, é fato, mas o fisco conta também com suas ações próprias, como a
execução fiscal. Isto porque a autotutela tributária não alcança, ainda, o poder de invadir,
por mão própria, o patrimônio privado: é necessário o atuar do Poder Judiciário (apesar de
haver proposta de lei neste sentido).
Para o fisco, há também disponível, além da execução fiscal, a ação cautelar fiscal,
que se presta a garantir a efetividade do processo de execução fiscal, resguardando e
constrangendo bens do sujeito passivo que estará sob execução fiscal, porque se percebe o
risco de que ele se torne insolvente. Normalmente, é cautelar preparatória, pois a própria
execução fiscal já terá como operar pela indisponibilidade dos bens, sendo inútil, a
princípio, uma cautelar fiscal incidental. Veja porque no artigo 185-A do CTN:

“Art. 185-A. Na hipótese de o devedor tributário, devidamente citado, não pagar


nem apresentar bens à penhora no prazo legal e não forem encontrados bens
penhoráveis, o juiz determinará a indisponibilidade de seus bens e direitos,
comunicando a decisão, preferencialmente por meio eletrônico, aos órgãos e
entidades que promovem registros de transferência de bens, especialmente ao
registro público de imóveis e às autoridades supervisoras do mercado bancário e do
mercado de capitais, a fim de que, no âmbito de suas atribuições, façam cumprir a
ordem judicial. (Incluído pela Lcp nº 118, de 2005)
§ 1º A indisponibilidade de que trata o caput deste artigo limitar-se-á ao valor total
exigível, devendo o juiz determinar o imediato levantamento da indisponibilidade
dos bens ou valores que excederem esse limite. (Incluído pela Lcp nº 118, de 2005)
§ 2º Os órgãos e entidades aos quais se fizer a comunicação de que trata o caput
deste artigo enviarão imediatamente ao juízo a relação discriminada dos bens e
direitos cuja indisponibilidade houverem promovido. (Incluído pela Lcp nº 118, de
2005)”

8
Aula ministrada pelo professor Antônio Henrique Correa da Silva, em 28/7/2009.

Michell Nunes Midlej Maron 32


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

Veja que as ações disponíveis ao fisco são destinadas ao ataque do patrimônio do


sujeito passivo, enquanto a maior parte das ações judiciais de autoria do sujeito passivo são
dedicadas a defender seu patrimônio. Assim o são, por exemplo, a ação declaratória de
inexistência de relação tributária; a ação anulatória do crédito tributário, de natureza
desconstitutiva; a ação de repetição de indébito, condenatória, etc.
Veja: ocorrendo um fato gerador, existe, desde então, uma obrigação tributária
latente, ainda genérica. Neste momento, mesmo antes do lançamento concretizar a
obrigação que era genérica, já é possível ajuizar a ação declaratória da inexistência daquela
relação, ou mesmo a existência de algum fato impeditivo daquela relação – como a
declaração de incidência de uma isenção ou imunidade. A declaração, portanto, pode ser
negativa (inexistência da relação) ou positiva (existência de impedimento).
Com o mesmo objetivo, questionar a existência da obrigação tributária, pode o
sujeito passivo valer-se do mandado de segurança preventivo, também declaratório, e que
terá as mesmas nuances de qualquer mandado de segurança.
Concretizado o lançamento, constituído o crédito, não mais será bastante a
declaração judicial, positiva ou negativa. Agora, será necessário o desfazimento daquilo que
foi efetivado na esfera administrativa, pelo que o provimento jurisdicional não será
meramente declaratório: deverá ser desconstitutivo. Neste ponto, então, o fisco constituiu o
crédito administrativamente, e o sujeito passivo tentará desconstituí-lo judicialmente. Para
tanto, cabe a ação anulatória do crédito tributário, ou o mandado de segurança repressivo,
que é desconstitutivo.
Ocorrendo o pagamento pelo sujeito passivo daquilo que lhe foi exigido pelo fisco,
administrativamente, pode este particular entender que pagou indevidamente, ou mais do
que devia. Isto faz surgir-lhe a pretensão em reaver o que pagou e não deveria ter pagado.
Esta pretensão se deduz em juízo pela ação de repetição de indébito, a qual não é
meramente declaratória, nem somente desconstitutiva: é declaratória, desconstitutiva e
condenatória, eis que declara o vício na relação, desconstitui o título que ensejou a
cobrança, e condena a Fazenda a devolver ao sujeito passivo aquilo que houve para si
indevidamente.
No curso da execução fiscal, o sujeito passivo terá à sua disposição os embargos à
execução, que é ação cognitiva dedicada a deduzir quaisquer dos provimentos
mencionados, especialmente o desconstitutivo do crédito exigido.
Há ainda a ação de consignação em pagamento, dedicada a permitir ao sujeito
passivo a superação da resistência do fisco em receber o que o autor entende que seja
devido.

1.1. Causas de suspensão da exigibilidade do crédito tributário

O artigo 151 do CTN é a sede destas causas de suspensão do crédito tributário:

“Art. 151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário:


I - moratória;
II - o depósito do seu montante integral;
III - as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo
tributário administrativo;
IV - a concessão de medida liminar em mandado de segurança.
V – a concessão de medida liminar ou de tutela antecipada, em outras espécies de
ação judicial; (Incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001)

Michell Nunes Midlej Maron 33


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

VI – o parcelamento. (Incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001)


Parágrafo único. O disposto neste artigo não dispensa o cumprimento das
obrigações assessórios dependentes da obrigação principal cujo crédito seja
suspenso, ou dela conseqüentes.”

O rol do artigo 151 é taxativo, para a maciça maioria da doutrina. Não pode,
portanto, a legislação de cada tributo estabelecer novas hipóteses de suspensão, pois apenas
à lei complementar é dado criar tais hipóteses (como o fez a LC 104/01, inserindo os
incisos V e VI ao artigo em comento).
Todavia, esta tese da taxatividade do rol de causas de suspensão é aceita
cientificamente, mas não expressa a verdade empírica, porque há situações em que o
crédito fica suspenso e que são decorrentes de dispositivos outros, da legislação ordinária.
Na prática, as leis instituidoras dos tributos causam suspensão de exigibilidade dos créditos,
como, por exemplo, a admissão temporária e o drawback, regimes especiais do imposto de
importação, em que o crédito pode ser constituído e suspenso até a saída do bem do
território nacional – que se for postergada, imotivadamente, gerará a cobrança do crédito
que estava suspenso.
Além deste argumento de ordem prática, há outro, jurídico: se o legislador ordinário
tem competência para isentar o sujeito passivo do tributo, também deveria ter para
suspendê-lo, por mera coerência sistêmica – quem pode o mais, pode o menos.
Havendo causa de suspensão do crédito, o prazo prescricional deste não corre, pois
se a prescrição é prazo que fulmina a exigibilidade do crédito, uma vez que este
naturalmente não é exigível – pois a Fazenda não pode cobrá-lo enquanto estiver suspenso
–, não se pode apenar a sua inércia, que não lhe é imputável.
Há que se apontar a diferença entre a suspensão da exigibilidade do crédito
tributário e a suspensão do processo judicial tributário em si. Veja o artigo 20 da Lei
10.522/02:

“Art. 20. Serão arquivados, sem baixa na distribuição, mediante requerimento do


Procurador da Fazenda Nacional, os autos das execuções fiscais de débitos
inscritos como Dívida Ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda
Nacional ou por ela cobrados, de valor consolidado igual ou inferior a R$
10.000,00 (dez mil reais). (Redação dada pela Lei nº 11.033, de 2004)
§ 1º Os autos de execução a que se refere este artigo serão reativados quando os
valores dos débitos ultrapassarem os limites indicados.
§ 2º Serão extintas, mediante requerimento do Procurador da Fazenda Nacional, as
execuções que versem exclusivamente sobre honorários devidos à Fazenda
Nacional de valor igual ou inferior a R$ 1.000,00 (mil reais). (Redação dada pela
Lei nº 11.033, de 2004)
§ 3º O disposto neste artigo não se aplica às execuções relativas à contribuição
para o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço.
§ 4º No caso de reunião de processos contra o mesmo devedor, na forma do art. 28
da Lei no 6.830, de 22 de setembro de 1980, para os fins de que trata o limite
indicado no caput deste artigo, será considerada a soma dos débitos consolidados
das inscrições reunidas. (Incluído pela Lei nº 11.033, de 2004)”

Aqui, portanto, há a mera suspensão do processo, mas não a suspensão de


exigibilidade do crédito tributário. Sendo assim, o prazo prescricional não deixa de correr,
porque se o crédito é exigível, a inércia é imputável ao credor, mesmo que quem determine

Michell Nunes Midlej Maron 34


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

esta inércia seja a própria lei. A prescrição é prazo material, e não processual, não podendo
ser obstada por evento puramente processual, como o deste artigo supra.
A suspensão da exigibilidade do crédito – da obrigação principal, portanto – não
significa que as obrigações acessórias serão automaticamente suspensas. Esta obrigação
não é acessória da forma em que se entende a acessoriedade no direito privado, ou seja, não
há a gravitação jurídica, necessariamente. Pode até acontecer que haja a suspensão das
obrigações acessórias, mas a suspensão destes deveres instrumentais não é um resultado
automático da suspensão do dever principal.
A suspensão do crédito tributário não impede o lançamento deste crédito. Ao
contrário da pretensão de exigibilidade, que fica suspensa, a pretensão de constituir o
crédito não se suspende, e, por isso, a Fazenda continua devendo efetuar o lançamento,
mesmo porque o prazo para lançar é decadencial, não sendo obstado pela causa de
suspensão de exigibilidade.
Peculiarmente, no lançamento por homologação, o depósito antecipado em garantia,
pelo sujeito passivo, é entendido pela jurisprudência como pagamento antecipado, para
todos os efeitos, tornando dispensável o lançamento – corre o prazo apenas para a
homologação, ou para o eventual lançamento suplementar, se a Fazenda assim entender.
Das seis causas de suspensão do artigo 151 do CTN, algumas têm maior
repercussão no processo judicial tributário: o depósito integral e as liminares. Vejamos.

1.1.1. Depósito em garantia do montante integral

O depósito do montante integral, em garantia, tem três efeitos fundamentais. O


primeiro é a própria suspensão da exigibilidade do crédito, impedindo os atos de cobrança:
se o depósito é feito antes do ajuizamento da execução fiscal, esta não pode ser ajuizada; se
é anterior até mesmo à inscrição na dívida ativa, esta não pode ser procedida. Os atos de
cobrança devem cessar imediatamente quando do depósito.
Segundo efeito do depósito é a sustação dos efeitos da mora: o contribuinte que
efetua o depósito não mais responde pela multa moratória, pelos juros de mora, nem pela
correção monetária, desde a data do depósito em garantia. Ocorridos até o momento da
efetivação do depósito, porém, estes encargos por períodos pretéritos são devidos, somente
cessando desde então.
Estes efeitos estão no artigo 9º, § 4º, da Lei de Execuções Fiscais, Lei 6.830/80:

“Art. 9º - Em garantia da execução, pelo valor da dívida, juros e multa de mora e


encargos indicados na Certidão de Dívida Ativa, o executado poderá:
(...)
§ 4º - Somente o depósito em dinheiro, na forma do artigo 32, faz cessar a
responsabilidade pela atualização monetária e juros de mora.
(...)”

Terceiro efeito é o previsto no artigo 206 do CTN, qual seja, a possibilidade de


expedição da certidão positiva de débitos com efeitos de negativa:

“Art. 206. Tem os mesmos efeitos previstos no artigo anterior a certidão de que
conste a existência de créditos não vencidos, em curso de cobrança executiva em
que tenha sido efetivada a penhora, ou cuja exigibilidade esteja suspensa.”

Michell Nunes Midlej Maron 35


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

O depósito representa uma faculdade do contribuinte, e não um dever, a despeito da


redação do artigo 38 da Lei 6.380/80, já abordado. Reveja:
“Art. 38 - A discussão judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública só é admissível
em execução, na forma desta Lei, salvo as hipóteses de mandado de segurança,
ação de repetição do indébito ou ação anulatória do ato declarativo da dívida, esta
precedida do depósito preparatório do valor do débito, monetariamente corrigido e
acrescido dos juros e multa de mora e demais encargos.
Parágrafo Único - A propositura, pelo contribuinte, da ação prevista neste artigo
importa em renúncia ao poder de recorrer na esfera administrativa e desistência do
recurso acaso interposto.”

Ao dispor, na parte final do caput, que a ação anulatória deverá ser precedida do
depósito do valor, o legislador passou a impressão de que seria, este depósito, uma
condição especial de admissibilidade desta ação, o que nunca foi acolhido pela doutrina ou
jurisprudência. Seria uma violação muito gravosa ao acesso à justiça, constitucionalmente
garantido, e por isso é uma faculdade do sujeito passivo. É claro que a facultatividade acaba
quando o sujeito passivo realiza, efetivamente, o depósito: desde então, perde a
disponibilidade sobre o montante, não podendo voltar atrás e levantar o depósito feito, a seu
juízo. A disponibilidade do montante é passada ao órgão jurisdicional, estando o depósito
afetado ao pagamento do crédito em debate, não podendo ser perturbada sequer por outro
juízo qualquer.
Ainda quanto à facultatividade do depósito, nem sempre o sujeito passivo disporá
(não economicamente, mas juridicamente) do valor a ser depositado. Bom exemplo é o
imposto de renda retido na fonte: se o tributo já ficou retido, o contribuinte que contra ele
se insurgir não terá como operar o depósito do valor, que está em poder da fonte pagadora.
Por isso, a conduta correta é que o sujeito passivo requeira ao juízo da ação em que se
insurge contra o crédito que determine ao detentor dos valores a efetivação do depósito. Há
quem veja, aqui, uma exceção à facultatividade do depósito, porque o sujeito passivo não
tem a disponibilidade sobre o montante, que está em poder de terceiros – e o depósito não
está facultado a si, de pronto, dependendo de provimento jurisdicional liminar para
acontecer. Não é uma exceção porque o depósito se torna obrigatoriedade, ao invés de
faculdade: ao contrário, é exceção porque se torna impossível ao contribuinte fazê-lo ao seu
critério, por mão própria, dependendo de atuação externa para efetuá-lo.
Nas poucas vezes em que isto chegou à jurisprudência, o entendimento é de que
ainda há facultatividade, só que operada por mãos alheias – o que significa que basta o
pedido do sujeito passivo para que a liminar seja deferida, sem necessidade de verificação
de fumus boni juris ou periculum in mora. Esta é a posição do TRF da Segunda Região, por
exemplo.
O depósito não demanda ação cautelar própria para ser efetuado: pode ser realizado
nos próprios autos da ação que estiver em curso, sequer demandando autorização judicial
para tanto, podendo o sujeito passivo simplesmente depositar na conta judicial designada
para tal e apresentar o comprovante. Esta questão já foi bastante discutida, havendo ainda
na jurisprudência ações cautelares de depósito em curso; contudo, hoje, seriam estas
cautelares carecedoras de interesse de agir.
Em relação aos requisitos essenciais do depósito, a súmula 112 do STJ apresenta-os
com clareza:

Michell Nunes Midlej Maron 36


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

“Súmula 112, STJ: O depósito somente suspende a exigibilidade do crédito


tributário se for integral e em dinheiro.”

Portanto, deve ser integral e em dinheiro, pois do contrário o depósito em garantia


não suspenderá a exigibilidade do crédito tributário em discussão. Por ter que ser em
dinheiro, em regra, a oferta de bens à penhora não suspende a exigibilidade, podendo,
apenas, permitir a emissão da certidão positiva com efeitos de negativa, na forma do artigo
206 do CTN, que assim dispõe expressamente, como visto há pouco9.
A integralidade do montante é questão controvertida: poderia o depósito parcial
suspender a exigibilidade do crédito tributário? A súmula fala em integralidade do depósito,
e isto se baseia na literalidade da hipótese legal de suspensão, que não pode de outra forma
ser interpretada. A respeito, remeto-me às palavras do professor Rodrigo Jacobina Botelho,
emitidas em estudos anteriores:

“Não existe suspensão parcial da exigibilidade tributária. Sendo assim, a Fazenda


executa pelo valor integral do crédito, a despeito de haver depósito de parte dele.
Mas há uma particularidade a ser apontada, por medida de lógica: se o contribuinte
está sendo executado pela integralidade, mas comprovar depósito de parte da
dívida tributária, no momento de indicação da garantia do juízo, pré-embargos à
execução, poderá o executado nomear aquele depósito como bem dado à garantia,
nomeando qualquer outra coisa para garantir o valor sobejante. Não fosse assim, o
patrimônio constrangido superaria o valor do crédito tributário, pois teria que
garantir-lhe a integralidade já tendo arcado com o depósito de parte dele.
É importante esclarecer o que é que motiva o sujeito passivo a depositar
valor a menor, vez que não terá suspensa a exigibilidade do crédito tributário: o
sujeito deposita aquilo de que dispõe com vistas a deixar de suportar os encargos
da correção monetária e dos juros. Veja que o depósito não interrompe a fluência
destes encargos: eles continuam a serem devidos, mas quem os suportará, desde
quando efetivado o depósito, é a instituição financeira que tem a guarda do valor
depositado. O que o depósito faz, então, é transferir a responsabilidade pela
correção monetária e juros à instituição financeira oficial.”

O depósito é passível de ser posto à disponibilidade provisória do credor. A Lei


9.703/98 prevê que os depósitos judiciais em favor da União serão postos desde logo a sua
disposição, sempre sujeitos à devolução imediata, se requisitada pelo juízo (quando
voltarão acrescido da Selic, por óbvio).
Como dito, o depósito anterior impede que haja ajuizamento da execução fiscal
(porque o eventual título será carecedor de elemento essencial, a exigibilidade, que estará
suspensa). Feito no curso da execução, o depósito faz com que esta seja suspensa, e não
extinta, pois se o crédito só está com a exigibilidade suspensa, poderá vir a prosseguir,
adiante, na improcedência da irresignação do sujeito passivo, após o trânsito em julgado
dos embargos à execução fiscal encontrados improcedentes. Não pode haver conversão em
renda, em pagamento efetivo, antes do trânsito em julgado desfavorável ao contribuinte.
9
Esta certidão pode ser obtida também antes do ajuizamento da execução fiscal pela Fazenda, ainda que o
dispositivo em comento dê a entender que apenas no curso desta há possibilidade de ofertar garantia para
obter a certidão. A jurisprudência é pacífica em admitir que haja a ação de caução antecipada de bens, pelo
sujeito passivo, dedicada à oferta de garantia prévia ao ajuizamento da execução fiscal, o apontamento de
bens à penhora. Assim não fosse, haveria clara quebra de isonomia: o contribuinte que está sendo executado
poderia ofertar bens à penhora enquanto aquele que não está sendo executado (por uma opção potestativa da
Fazenda) não o poderia, restando-lhe apenas o depósito. Esta caução antecipada não suspende a exigibilidade
do crédito, ressalte-se: apenas permite a expedição da certidão positiva com efeitos de negativa.

Michell Nunes Midlej Maron 37


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

Se ao invés do depósito, a garantia for a oferta de bens à penhora, o que se passa é


diferente: a suspensão da execução fiscal perdura apenas enquanto não houver decisão
desfavorável ao contribuinte, mesmo que haja recurso pendente desta decisão.
O depósito em garantia, este que está em estudo, não se confunde com o depósito
feito a título de consignação em pagamento: este último revela intenção inequívoca em
pagar o tributo, que não está sendo recebida de bom grado pelo fisco, enquanto o primeiro
destina-se apenas a garantir o juízo, para discutir a exação, reputada indevida pelo sujeito
passivo. O depósito em consignação extingue o crédito tributário, e não o suspende, pois
sua conversão em renda é adimplemento do tributo, na forma do artigo 156, VI, do CTN:

“Art. 156. Extinguem o crédito tributário:


(...)
VI - a conversão de depósito em renda;
(...)”

Destarte, no depósito em garantia, há tão-somente o questionamento de valores


controversos; no depósito em consignação, os valores depositados são considerados
incontroversos, pois tais valores são admitidos como devidos pelo sujeito passivo. Veja o
artigo 164 do CTN, especialmente o § 1º:

“Art. 164. A importância de crédito tributário pode ser consignada judicialmente


pelo sujeito passivo, nos casos:
I - de recusa de recebimento, ou subordinação deste ao pagamento de outro tributo
ou de penalidade, ou ao cumprimento de obrigação acessória;
II - de subordinação do recebimento ao cumprimento de exigências administrativas
sem fundamento legal;
III - de exigência, por mais de uma pessoa jurídica de direito público, de tributo
idêntico sobre um mesmo fato gerador.
§ 1º A consignação só pode versar sobre o crédito que o consignante se propõe
pagar.
§ 2º Julgada procedente a consignação, o pagamento se reputa efetuado e a
importância consignada é convertida em renda; julgada improcedente a
consignação no todo ou em parte, cobra-se o crédito acrescido de juros de mora,
sem prejuízo das penalidades cabíveis.”

É justamente por ser incontroverso que este depósito em consignação pode ser
levantado de plano pelo fisco, enquanto o depósito em garantia não pode, devendo aguardar
o trânsito em julgado favorável ao credor para tanto. E veja que o depósito em consignação
será sempre convertido em renda, qualquer que seja o resultado do processo: se é valor
incontroverso, é devido, mesmo que a menor (quando gera improcedência do pleito
consignatório, com pagamento mas sem quitação, eis que há saldo a pagar).
O depósito em garantia, então, só é conversível em renda quando da improcedência
final da ação em que o sujeito passivo reclame do tributo. E se ocorrer a extinção do
processo sem resolução do mérito? Pela natureza da situação, o correto seria o
levantamento do valor pelo sujeito passivo depositante; todavia, não é o que se tem visto na
jurisprudência, inclusive no STJ: tem-se entendido que tanto na improcedência quanto na
extinção sem resolução do mérito, o depósito é convertido em renda. É uma opção
jurisdicional estranha, pois a sentença terminativa não teria este condão, fundamentalmente,
mas é o que tem acontecido (o que seria ainda mais absurdo, por exemplo, se se convertesse

Michell Nunes Midlej Maron 38


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

em renda quando o processo foi extinto por ilegitimidade passiva, ou seja, o ente apontado
sequer é o tributante).

1.1.2. Liminares e antecipações de tutela

Estamos tratando, aqui, de medidas satisfativas provisórias, e não de medidas


cautelares. Na ação anulatória, em que a providência final é desconstitutiva, por exemplo, a
pretensão liminar é pela suspensão dos efeitos daquele ato que, futuramente, se pretende
desconstituir de vez.
É claro que as decisões antecipatórias não são inexeqüíveis por sua submissão ao
reexame necessário. Tanto o artigo 12 da Lei 1.533/51 quanto o artigo 520, VI, do CPC,
deixam clara a exeqüibilidade destas decisões liminares, independentemente de serem
submetidas ao reexame necessário:

“Art. 12 - Da sentença, negando ou concedendo o mandado cabe apelação.


(Redação dada pela Lei nº 6.014, de 1973)
Parágrafo único. A sentença, que conceder o mandado, fica sujeita ao duplo grau
de jurisdição, podendo, entretanto, ser executada provisoriamente. (Redação dada
pela Lei nº 6.071, de 1974)”

“Art. 520. A apelação será recebida em seu efeito devolutivo e suspensivo. Será, no
entanto, recebida só no efeito devolutivo, quando interposta de sentença que:
(Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)
(...)
VII - confirmar a antecipação dos efeitos da tutela; (Incluído pela Lei nº 10.352, de
26.12.2001)”

No caso da revogação da antecipação de tutela, pela sentença, a mora é constatada


desde o vencimento, ou desde quando cessa a vigência da antecipação de tutela? O STF
emitiu a súmula 405 sobre o tema:

“Súmula 405, STF: Denegado o mandado de segurança pela sentença, ou no


julgamento do agravo, dela interposto, fica sem efeito a liminar concedida,
retroagindo os efeitos da decisão contrária.”

Há, então, a retroação dos efeitos da improcedência, como se a tutela antecipada


jamais houvesse ocorrido. A lei, entretanto, não é tão severa quanto a jurisprudência, pois
no artigo 63 da Lei 9.430/96 o legislador assim estabeleceu, especialmente no § 2º:

“Art. 63. Na constituição de crédito tributário destinada a prevenir a decadência,


relativo a tributo de competência da União, cuja exigibilidade houver sido
suspensa na forma dos incisos IV e V do art. 151 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro
de 1966, não caberá lançamento de multa de ofício. (Redação dada pela Medida
Provisória nº 2.158-35, de 2001)
§ 1º O disposto neste artigo aplica-se, exclusivamente, aos casos em que a
suspensão da exigibilidade do débito tenha ocorrido antes do início de qualquer
procedimento de ofício a ele relativo.
§ 2º A interposição da ação judicial favorecida com a medida liminar interrompe a
incidência da multa de mora, desde a concessão da medida judicial, até 30 dias
após a data da publicação da decisão judicial que considerar devido o tributo ou
contribuição.”

Michell Nunes Midlej Maron 39


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

O legislador, então, protegeu a boa-fé processual do contribuinte, que contava com


o amparo da tutela judicial provisória, nela se escorando até que revogada. Esta previsão só
vale para a esfera federal, porém.

1.2. Ações de controle de constitucionalidade na seara tributária

Quando o STF declara uma lei constitucional ou inconstitucional, em controle


concentrado, há repercussão sobre os créditos tributários a que se refere esta declaração,
repercussão que difere em relação ao meio de controle em que se deu – ADI, ADECON,
ADPF –, e em razão da definitividade ou provisoriedade do provimento.
Na ADECON, havendo liminar para declarar a constitucionalidade da norma
tributária, ela acarreta a suspensão dos processos concretos em que se discute a
constitucionalidade, de forma difusa, da mesma norma, suspendendo também os efeitos
futuros das decisões que outrora afastaram este dispositivo legal encontrado
provisoriamente constitucional. Tem efeitos ex nunc, portanto.
O indeferimento da liminar na ADECON, outrossim, gera controvérsias. Se a
liminar foi indeferida por ausência de periculum in mora, não há porque este indeferimento
ter efeitos sobre processos da via difusa. Se, ao contrário, o indeferimento se baseia em
ausência de fumus boni juris, ou seja, implausibilidade da ADECON (e conseqüente
plausibilidade da tese pela inconstitucionalidade da norma), há quem defenda que os
processos difusos em que se discute esta constitucionalidade sejam igualmente suspensos –
o que é uma construção doutrinária, porque não há esta previsão em lei alguma.
Na ADI, o deferimento da liminar afasta a vigência da lei encontrada
provisoriamente inconstitucional, vinculando os processos difusos em que esta lei seja
questionada. O indeferimento da liminar, por seu turno, tem a mesma divisão acerca do seu
motivo: se é por carência de periculum, não opera efeitos; se é por falta de plausibilidade na
tese da inconstitucionalidade, a lei continua vigente, e os processos seguem seu curso com
livre conhecimento pelos julgadores de primeira instância.
Na decisão definitiva de mérito, em ambas as ações acima, o efeito vinculativo é
produzido, quer seja procedente ou improcedente a ação direta, havendo a repercussão
correspondente. E estes efeitos são ex tunc, salvo a eventual modulação de efeitos da
decisão, pelo STF, com base no artigo 27 da Lei 9.868/99:

“Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em


vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o
Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir
os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu
trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.”

A decisão final em controle concentrado, por ser vinculativa, pode acarretar


surgimento da coisa julgada inconstitucional em processos da via difusa, quando a decisão
transitada em julgado previamente, nestes processos, for contrária à decisão do STF. Neste
caso, é cabível a ação rescisória, se estiver no prazo, com fundamento no artigo 485, V, do
CPC – violação a literal disposição de lei (da Constituição, no caso). Veja:

“Art. 485. A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida


quando:
(...)

Michell Nunes Midlej Maron 40


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

V - violar literal disposição de lei;


(...)”

Sobre o tema, veja a súmula 343 do STF:

“Súmula 343, STF: Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei,
quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação
controvertida nos tribunais.”

Esta súmula não se contrapõe ao cabimento da ação rescisória no caso da decisão


definitiva do STF em controle concentrado, porque o que esta decisão faz, de fato, é
justamente pacificar o entendimento sobre a inconstitucionalidade da lei em questão, que
deixa de ser controvertido, desde então. É cabível, portanto, a rescisória, não se aplicando a
súmula em questão, neste caso.
Cabe também a oposição de embargos à execução, pelo executado que se vê
favorecido pela decisão definitiva do STF, ao argumento de inexigibilidade do título, na
forma do artigo 741, parágrafo único, do CPC:

“Art. 741. Na execução contra a Fazenda Pública, os embargos só poderão versar


sobre: (Redação dada pela Lei nº 11.232, de 2005)
I – falta ou nulidade da citação, se o processo correu à revelia; (Redação dada pela
Lei nº 11.232, de 2005)
II - inexigibilidade do título;
III - ilegitimidade das partes;
IV - cumulação indevida de execuções;
V – excesso de execução; (Redação dada pela Lei nº 11.232, de 2005)
VI – qualquer causa impeditiva, modificativa ou extintiva da obrigação, como
pagamento, novação, compensação, transação ou prescrição, desde que
superveniente à sentença; (Redação dada pela Lei nº 11.232, de 2005)
VII - incompetência do juízo da execução, bem como suspeição ou impedimento
do juiz.
Parágrafo único. Para efeito do disposto no inciso II do caput deste artigo,
considera-se também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo
declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em
aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo Supremo Tribunal
Federal como incompatíveis com a Constituição Federal. (Redação pela Lei nº
11.232, de 2005)”

Destarte, a coisa julgada inconstitucional pode ser rescindível ou inexeqüível, a


depender do momento em que se a atacar, após a constatação de sua contrariedade ao
posicionamento final do STF.

Casos Concretos

Michell Nunes Midlej Maron 41


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

Questão 1

UNAMAR ARTIGOS ESPORTIVOS Ltda., discordando da correção monetária e


multas aplicadas pelo INSS referente a atraso no recolhimento de contribuições
previdenciárias, deposita judicialmente o valor que entende correto. Após o depósito, o
juízo falimentar competente decreta a falência da respectiva sociedade. A massa falida
requer a arrecadação dos depósitos, sob a alegação de que os créditos trabalhistas
preferem aos tributários. Responda, fundamentadamente, se você, como juiz competente da
vara empresarial, defere o pedido da massa.

Resposta à Questão 1

O pedido da massa é improcedente. O depósito realizado na vara empresarial, como


meio de suspensão da exigibilidade do crédito ali discutido, não pode ser perturbado por
nenhum outro motivo: é montante afetado ao pagamento do tributo que está posto em
discussão. É um valor indisponível, não estando acessível ao sujeito passivo que o
depositou, nem a outros juízos ou órgãos que o pretendam, a qualquer título.
Veja o REsp. 412.737:

“REsp 412737 / PR. DJ 21/03/2005 p. 217.


TRIBUTÁRIO. DEPÓSITO JUDICIAL VISANDO À SUSPENSÃO DA
EXIGIBILIDADE DOS CRÉDITOS PREVIDENCIÁRIOS.
INDISPONIBILIDADE DOS VALORES DEPOSITADOS. FALÊNCIA
SUPERVENIENTE. INVIABILIDADE DE PRETENDIDA ARRECADAÇÃO.
1. Os depósitos judiciais com a finalidade de se discutir o acerto na forma de
aplicação de correção monetária e multa provocam a suspensão da exigibilidade
dos créditos tributários.
2. A quantia referente ao débito principal, não sendo controvertida, transfere-se
desde logo ao credor, que dela não poderá dispor até que ocorra o trânsito em
julgado da causa.
3. Ocorrendo a superveniente falência do devedor, não assiste direito à Massa
Falida em promover a arrecadação dos depósitos, sob a alegação de que os créditos
trabalhistas preferem aos tributários, haja vista que o montante a ela pertencente é
apenas aquele referente ao excesso reconhecidamente indevido.
4. Recurso Especial desprovido.”

Questão 2

MAX MACHINES LTDA., devedora para com o INSS, objetiva depositar 1/240
avos da dívida relativa à contribuição previdenciária em atraso com o fito de obter o
parcelamento do crédito tributário. Busca ainda a declaração da ilegalidade da cobrança
da multa moratória, face à configuração da denúncia espontânea, bem como afastar a
incidência da TR e da Taxa SELIC.
Responda, fundamentadamente, se o pleito da sociedade deve ser acolhido.

Resposta à Questão 2

Michell Nunes Midlej Maron 42


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

O pleito não pode ser acolhido. Veja o que dispõe o artigo 155-A, § 1º, do CTN:

“Art. 155-A. O parcelamento será concedido na forma e condição estabelecidas em


lei específica. (Incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001)
§ 1º Salvo disposição de lei em contrário, o parcelamento do crédito tributário não
exclui a incidência de juros e multas. (Incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001)
(...)”

É preciso, então, o pagamento integral para afastar os encargos. Ademais, esta


consignação pretendida não é o meio pelo qual o parcelamento deve ser obtido – o qual
deve ser requerido administrativamente, e não imposto ao fisco pelo contribuinte.
Veja o REsp. 750.593:

“REsp 750593 / RS. DJ 30/05/2006 p. 146.


TRIBUTÁRIO – AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO –
PARCELAMENTO DE DÉBITO TRIBUTÁRIO – ICMS – IMPOSSIBILIDADE
– INTELIGÊNCIA DO ART. 164 DO CTN.
1. A ação de consignação em pagamento, prevista no art. 164 do CTN, de índole
nitidamente declaratória, tem por escopo a extinção da obrigação com o pagamento
devido, visando a liberação do devedor, quando satisfeita a dívida em sua
integralidade.
2. Hipótese dos autos em que se busca a utilização da ação consignatória para obter
parcelamento de débito tributário, desvirtuando, assim, o instrumento processual
em tela – Precedentes da Primeira Turma.
3. Recurso especial conhecido em parte e nesta parte improvido.”

Questão 3

Uma vez constituído o crédito tributário, decorrente de lançamento por


homologação, a Fazenda Pública, constitui um crédito suplementar àquele lançamento e
ajuíza execução fiscal para efetivar a cobrança.
O devedor alega que não fora notificado do procedimento administrativo.
A Fazenda, por sua vez, alega ser desnecessária a notificação, por se tratar de
lançamento suplementar e haver instauração do procedimento administrativo para a
cobrança de saldo devedor de valores referentes a crédito tributário, constituídos por meio
de declaração do próprio contribuinte.
Responda, fundamentadamente em no máximo 15 (quinze) linhas, a quem cabe
razão.

Resposta à Questão 3

O lançamento suplementar, de ofício, deve ser notificado ao contribuinte, porque


deve ser considerado como um lançamento qualquer, inaugural, que precisa da ciência do
sujeito passivo, em respeito ao contraditório e ampla defesa. Portanto, tem razão o
contribuinte, que não foi regularmente notificado.
Veja o REsp. 817.608:

“REsp 817608 / PE. DJ 22/05/2006 p. 176.

Michell Nunes Midlej Maron 43


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA


DE OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU FALTA DE MOTIVAÇÃO NO ACÓRDÃO
A QUO. CSLL. IRPJ. INÍCIO DO PRAZO PARA COBRANÇA A PARTIR DA
INEQUÍVOCA NOTIFICAÇÃO REGULAR DO CONTRIBUINTE.
PRECEDENTES.
1. Recurso especial oposto contra acórdão segundo o qual: a) “mesmo se tratando
de lançamento por homologação, é imprescindível a regular notificação do
contribuinte”; b) “in casu, a empresa-impetrante não foi notificada do lançamento
revisional, tendo a Fazenda Pública, depois de apurado o valor que lhe parecia
correto, encaminhado o crédito diretamente para inscrição em dívida ativa”.
2. Não obstante a oposição de embargos declaratórios, não são eles mero
expediente para forçar o ingresso na instância especial, se não há omissão a ser
suprida. Inexiste ofensa ao art. 535, II, do CPC, quando a matéria enfocada é
devidamente abordada no aresto a quo.
3. O comando estatuído no art. 145 do CTN assevera que a regra para os efeitos da
obrigação tributária é a da regular notificação do contribuinte.
4. Bernardo Ribeiro de Moraes ensina que, “feita a revisão do lançamento
tributário o sujeito passivo deve ser notificado do mesmo. O lançamento revisto
não deixa de ser um lançamento e, como tal, deve ser de conhecimento do
contribuinte” (“Compêndio de Direito Tributário”, Ed. Forense, pág. 772).
5. O lançamento deve ser documentado, respeitando a regra de que é necessária a
concretização do crédito tributário, para que este seja regularmente constituído. E,
um desses requisitos é o da identificação do sujeito passivo, que se entende pela
constatação de quem será a pessoa chamada ao pagamento da dívida tributária.
Essa pessoa deverá ser notificada da existência do crédito tributário e nessa
notificação constará o prazo para pagamento do tributo, notificação essa chamada
de “aviso de lançamento”.
6. Para fins de cobrança de saldo devedor em lançamento revisional de valores
referentes a créditos tributários constituídos mediante declaração do contribuinte,
conta-se o prazo a partir da sua inequívoca notificação, quando, então, o
lançamento será tido como válido.
7. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de que:
- “A ampla defesa e o contraditório, corolários do devido processo legal,
postulados com sede constitucional, são de observância obrigatória tanto no que
pertine aos 'acusados em geral' quanto aos 'litigantes', seja em processo judicial,
seja em procedimento administrativo. Insere-se nas garantias da ampla defesa e do
contraditório a notificação do contribuinte do ato de lançamento que a ele respeita.
A sua ausência implica a nulidade do lançamento e da Execução Fiscal nele
fundada.” (REsp nº 478853/RS, 1ª Turma, Rel. Min. LUIZ FUX) - “Imprescindível
a notificação regular ao contribuinte do imposto devido. (REsps nºs 237009/SP e
245632/SP, 2ª Turma, Rel. Min. FRANCISCO PEÇANHA MARTINS) -
“Consoante ensina Bernardo Ribeiro de Moraes, 'feita a revisão do lançamento
tributário o sujeito passivo deve ser notificado do mesmo. O lançamento revisto
não deixa de ser um lançamento e, como tal, deve ser de conhecimento do
contribuinte'. (cf. 'Compêndio de Direito Tributário', Ed. Forense, p. 772) - Não
ocorrendo hipótese de contrariedade ao artigo 149 do Código Tributário Nacional,
não merece conhecimento o recurso especial.” (REsp nº 140652/MG, 2ª Turma,
Rel. Min. FRANCIULLI NETTO)
8. No caso, está comprovado que o contribuinte não foi notificado do ato revisional
do lançamento que se efetivou.
9. Recurso especial não-provido.”

Tema V

Michell Nunes Midlej Maron 44


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

Ação de repetição de indébito. 1. Conceito; 2. Repetição nos impostos diretos e indiretos; 3. Prazos; 4.
Natureza jurídica; 5. Acréscimos financeiros cabíveis; 6. Questões controvertidas. Jurisprudência. Doutrina.

Notas de Aula10

1. Ação de repetição de indébito

Repetir o indébito é pedir de volta aquilo que se pagou indevidamente. A primeira


polêmica interessante, na seara tributária sobre esta ação, diz respeito ao uso da expressão
“tributo indevido” pelo CTN, por mera análise conceitual: se é um tributo, é porque é
devido; se é indevido, é porque não era tributo. Veja o artigo 165 do CTN:

“Art. 165. O sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio protesto, à


restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade do seu pagamento,
ressalvado o disposto no § 4º do artigo 162, nos seguintes casos:
I - cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que o devido
em face da legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstâncias
materiais do fato gerador efetivamente ocorrido;
II - erro na identificação do sujeito passivo, na determinação da alíquota aplicável,
no cálculo do montante do débito ou na elaboração ou conferência de qualquer
documento relativo ao pagamento;
III - reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória.”

Por conta desta contradição, vale a remissão à conceituação da repetição de indébito


tributária lançada por alguns autores. Para Mauro Luís Rocha Lopes, é a:

“Ação condenatória através da qual se postula a condenação da Fazenda Pública a


devolver o que recebeu indevidamente por um suposto crédito tributário.”

Veja que o conceito acima não aborda diretamente a questão de que o que era
indevido não era, então, tributo, mas dá esta nota, ao falar em “suposto crédito tributário”.
Complementando, diz Luciano Amaro que:

“Na restituição (ou repetição) do indébito, não se cuida de tributo, mas de valores
recolhidos (indevidamente) a esse título.”

Pode-se extrair a conclusão, portanto, que na repetição de indébito tributária o que


se objetiva é a obtenção da restituição de valores pagos ao fisco a título de tributo, mas que
se entende que não eram devidos, e, assim que não eram tributos.
Ricardo Lobo Torres, numa definição mais prática, diz que:

“A ação judicial de repetição do indébito segue o rito ordinário e a sentença nela


proferida tem eficácia condenatória. A execução se faz através de precatório (art.
100, da CF).”

Surge aqui uma outra discussão relevante: para o ajuizamento de uma ação de
repetição de indébito, é necessária a prévia petição na esfera administrativa daqueles

10
Aula ministrada pelo professor Camilo Fernandes da Graça, em 29/7/2009.

Michell Nunes Midlej Maron 45


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

valores? O acesso à esfera administrativa é requisito necessário à propositura da ação


judicial de repetição?
A Fazenda defende esta tese em grande parte de seus contenciosos, ao argumento de
que se o sujeito passivo não buscou satisfazer sua pretensão diretamente perante o fisco,
carece de interesse-necessidade na via judicial, por simplesmente faltar-lhe a pretensão
resistida a configurar a lide. Refutando esta tese, porém, a garantia do acesso à justiça,
presente no artigo 5º, XXXV, da CRFB, é argumento forte:

“(...)
XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a
direito;
(...)”

Contrapondo este argumento, a Fazenda aduz: é justamente a inexistência de lesão


ou ameaça de lesão ao direito, denunciada pela simples ausência de negativa da devolução
por parte do fisco – especialmente no caso dos tributos lançados por homologação, em que
o próprio contribuinte calcula e recolhe o tributo antecipadamente –, que a garantia do
acesso à justiça não se faz necessária, porque simplesmente não há lesão ou ameaça de
lesão.
Refutando este contra-argumento, a doutrina, em prol do sujeito passivo, deduz que
o simples fato de que houve pagamento de valores que não são tributos – afinal, o
excedente pago não era tributo, se indevido, como visto – já acarretou a redução do
patrimônio do contribuinte, o que já é uma lesão inegável, despertando o claro interesse em
haver-se judicialmente.
Conclui-se, portanto, que o prévio pedido de restituição em via administrativa não é
condição de admissibilidade da ação de repetição de indébito tributária.
Há, porém, uma questão de ordem prática que deve ser observada: a repetição de
indébito judicial, quando culminar em procedência, tornará necessária a execução da
Fazenda pela via dos precatórios (via absurdamente vicissitudinária, temporalmente,
especialmente); no cerne administrativo, a restituição poderá ser deferida diretamente, caso
a Fazenda reconheça procedência no pedido deduzido em processo administrativo
tributário.
Abordando agora os fundamentos da ação de repetição de indébito, remonta-se esta
a um preceito primário: a legalidade. Este princípio determina que todo o balizamento do
tributo, inclusive sua cobrança e montante, deve ser observado em estrita atenção à lei;
sendo assim, se o crédito tributário previsto na lei é um, e o fisco obtém valor maior, está
descumprindo a legalidade – cabendo a repetição.
Outro fundamento, que é regra geral de direito, é a impossibilidade de
locupletamento ilícito do erário, que também se opõe ao fisco, em contraposição à vedação
ao empobrecimento indevido do particular. Veja o artigo 876 do CC:

“Art. 876. Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a
restituir; obrigação que incumbe àquele que recebe dívida condicional antes de
cumprida a condição.”

O artigo 165 do CTN, há pouco transcrito, resume as hipóteses em que a legalidade


está sendo aviltada: tudo que agride o balizamento legal do tributo, gerando cobrança a
maior, é passível de devolução.

Michell Nunes Midlej Maron 46


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

Este artigo, de fato, consiste em uma tremendamente salutar revolução na


concepção da repetição de indébito. Antes dele, imperava a regra do solve et repete,
segundo a qual o sujeito passivo que não se conformasse com a exação deveria pagá-la,
primeiro, e somente depois contra ela insurgir-se. Se não pagasse previamente, consignando
no pagamento a sua irresignação, o crédito tributário seria exigível, estando o particular
sujeito à execução fiscal.
Hoje, não mais vige o solve et repete, e, se porventura pagar antes de repetir o
indébito, não é necessário o prévio protesto (a consignação de que estava pagando
inconformado). Houve uma verdadeira ruptura com o regime anterior, portanto: ainda que
discordando do valor exigido, o sujeito passivo era obrigado a pagar (solver) e então pedir
de volta (repetir) o que considerava indevido. Hoje, não mais.
Outra grande inovação vem impressa na expressão “seja qual for a modalidade do
seu pagamento”, pois anteriormente, o pagamento espontâneo (como o feito no lançamento
por homologação, por exemplo) não dava ensejo à restituição. Hoje, é certo que poderá
haver a restituição.
O inciso III do artigo 165 do CTN se refere ao pagamento feito pelo sujeito passivo
em face de decisão condenatória: tendo pago por conta desta condenação, se o sujeito
passivo insiste no questionamento e sai vitorioso, revertendo a decisão de alguma forma,
terá direito à repetição do indébito. Tais são as formas possíveis de reversão da decisão:
reforma, que é decisão de órgão superior, com exame de mérito; anulação, por vício
formal; revogação, quando o próprio órgão que prolatou a decisão a modifica; e rescisão,
decorrente de ação rescisória oferecida após o trânsito em julgado.
Por conta deste inciso III, em tese, quando o STF declara inconstitucional um
tributo, há o direito à repetição do indébito. Contudo, há a possibilidade de modulação dos
efeitos da decisão do STF, no já abordado artigo 27 da Lei 9.868/99, que certamente é
utilizada nestes casos de inconstitucionalidade de arrecadações, porque a segurança jurídica
– consubstanciada na estabilidade do erário – deve ser preservada. Se o STF, porém, não
modular os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, esta operando efeitos ex tunc, a
repetição do indébito é cabível, porque o tributo pago era indevido. Havendo a modulação
(que pode ser inclusive prospectiva, diga-se), o tributo é devido enquanto a norma for
vigente, e inclusive a inadimplência do sujeito passivo operará todos os seus efeitos.
A Lei 11.196/05, diploma mormente alterador de outros diplomas, nos seus artigos
114 e 115 determina que a Receita Federal verifique se o sujeito passivo que está pleiteando
a repetição de indébito, e a ela tem direito, não tem também débitos perante o fisco, pois se
houver, os valores a serem restituídos serão compensados com os valores devidos. Veja:

“Art. 114. O art. 7º do Decreto-Lei no 2.287, de 23 de julho de 1986, passa a


vigorar com a seguinte redação:
“Art. 7º A Receita Federal do Brasil, antes de proceder à restituição ou ao
ressarcimento de tributos, deverá verificar se o contribuinte é devedor à Fazenda
Nacional.
§ 1º Existindo débito em nome do contribuinte, o valor da restituição ou
ressarcimento será compensado, total ou parcialmente, com o valor do débito.
§ 2º Existindo, nos termos da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966, débito em
nome do contribuinte, em relação às contribuições sociais previstas nas alíneas a, b
e c do parágrafo único do art. 11 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, ou às
contribuições instituídas a título de substituição e em relação à Dívida Ativa do
Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, o valor da restituição ou
ressarcimento será compensado, total ou parcialmente, com o valor do débito.

Michell Nunes Midlej Maron 47


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

§ 3º Ato conjunto dos Ministérios da Fazenda e da Previdência Social estabelecerá


as normas e procedimentos necessários à aplicação do disposto neste artigo." (NR)

“Art. 115. O art. 89 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991 - Lei Orgânica da


Seguridade Social, passa a vigorar acrescido do seguinte parágrafo 8º:
"Art. 89. ........................................................................................
........................................................................................
§ 8º Verificada a existência de débito em nome do sujeito passivo, o valor da
restituição será utilizado para extingui-lo, total ou parcialmente, mediante
compensação." (NR)”

1.1. Legitimidade ativa

A legitimidade ativa para a repetição de indébito não necessariamente incumbe a


quem efetivamente suportou o peso do tributo. Nos tributos diretos, aqueles cujo ônus recai
diretamente sobre o sujeito passivo, não sendo possível a repercussão jurídica, é comum
haver pagamento por quem não é o sujeito passivo, mas isto não é oponível ao fisco.
Como exemplo, o pagamento do IPTU pelo locatário, estabelecido por convenção
cível contratual entre locatário e locador, não dá legitimidade ativa ao locatário para repetir
o eventual indébito, porque ele não tem qualquer relação jurídica tributária com o fisco – o
contribuinte é o locador, e somente a ele assiste legitimidade para repetir contra o fisco.
Em síntese, só há legitimidade ativa para aquele sujeito passivo determinado por lei,
e não para aquele que, por qualquer motivo, tenha suportado efetivamente a tributação. A
repercussão meramente econômica não é suficiente para legitimar ativamente o indivíduo
que suportou o ônus.
A repercussão jurídica, aquela autorizada por lei, por sua vez, torna a legitimação
um pouco mais complexa. Nestes tributos indiretos, que comportam a transferência do
encargo financeiro, surgem as figuras do contribuinte de direito e contribuinte de fato.
Sobre isto, veja o que diz o artigo 166 do CTN:

“Art. 166. A restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência
do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem prove haver assumido
o referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este
expressamente autorizado a recebê-la.”

A regra dos tributos indiretos, em síntese, é a seguinte: se o contribuinte de direito,


que tem a relação com o fisco, recolhe o seu tributo a maior, mas não repassou este encargo
ao contribuinte de fato (como a lei lhe permite), poderá repetir, sem qualquer óbice – afinal,
ele é contribuinte de direito e de fato. Se, no entanto, este contribuinte de direito repassou
os ônus do tributo recolhido indevidamente ao contribuinte de fato (valendo-se da
autorização legal a esta repercussão), só poderá pleitear a repetição deste indébito se for
autorizado a tanto pelo verdadeiro pagador do tributo, o contribuinte de fato.
A lógica é esta: sendo o contribuinte de fato pessoa estranha à relação tributária, que
é travada entre contribuinte de direito e fisco, ele não pode repetir o indébito; mas o
contribuinte de direito, que é quem tem a relação jurídica coma Fazenda, mas não é quem
suportou o tributo efetivamente, não poderá repetir por algo que não foi por ele pago, sem
que o real pagador o autorize a tal ação. Esta autorização é uma saída que o legislador
encontrou para, ao criar a interdependência dos sujeitos, permitir que eles promovam uma
composição entre si sobre a destinação dos valores restituíveis, minorando a injustiça.

Michell Nunes Midlej Maron 48


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

Antes desta previsão do artigo 166 do CTN, o STF tinha a posição sumulada de que
simplesmente não cabia restituição nos tributos indiretos pagos indevidamente, como se vê
na superada súmula 71 desta Corte:

“Súmula 71, STF: Embora pago indevidamente, não cabe restituição de tributo
indireto.”

Hoje, após esta adução do CTN, a posição do STF está estratificada no enunciado
546 da sua súmula:

“Súmula 546, STF: Cabe a restituição do tributo pago indevidamente, quando


reconhecido por decisão, que o contribuinte “de jure” não recuperou do
contribuinte “de facto” o “quantum” respectivo.”

Veja que o STF apenas confirma a primeira hipótese de legitimação, mas não se
manifesta sobre a segunda hipótese, em que há o repasse do encargo ao contribuinte de
fato, demandando sua autorização.
Hugo de Brito Machado entende que este artigo é inconstitucional, porque dificulta
o acesso à repetição do indébito, permitindo o locupletamento indevido do erário. Ocorre
que é uma opção legislativa perfeitamente válida: a legitimação do contribuinte de fato é
impossível, conceitualmente, pelo que somente seria possível, em substituição deste artigo
166, a legitimação incondicional do contribuinte de direito; todavia, a emenda ficaria pior
do que o soneto: esta legitimação permitiria que o sujeito passivo se locupletasse
indevidamente à custa do contribuinte de fato, porque se o contribuinte de direito não
desembolsou o valor do tributo, e poderá obter sua restituição livremente, estará
embolsando algo que não lhe onerou jamais. E, entre o erário e o particular, melhor que o
primeiro se locuplete indevidamente, eis que, bem ou mal, representa a coletividade. Esta
defesa do dispositivo, a propósito, é a posição de Ricardo Lobo Torres.
Sobre a legitimidade ativa nos tributos indiretos, veja o REsp. 593.439:

“REsp 593439 / RS. DJ 31/05/2004 p. 221.


TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. ICMS. RESTITUIÇÃO.
TRANSFERÊNCIA DE ENCARGO FINANCEIRO AO CONSUMIDOR FINAL.
ART. 166, DO CTN. ILEGITIMIDADE ATIVA DAS EMPRESAS
RECORRENTES. ART. 267, VI, DO CPC. MATÉRIA LITIGIOSA. AUSÊNCIA
DE PREQUESTIONAMENTO. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. NÃO-
CARACTERIZAÇÃO. SÚMULAS 83 E 211/STJ.
1. O tributo examinado (ICMS) é de natureza indireta. Apresenta-se com essa
característica porque o contribuinte real é o consumidor da mercadoria objeto da
operação (contribuinte de fato) e a empresa (contribuinte de direito) repassa, no
preço da mercadoria, o imposto devido, recolhendo, após, aos cofres públicos o
imposto já pago pelo consumidor de seus produtos. Não assume, portanto, a carga
tributária resultante dessa incidência.
2. Em conseqüência, o fenômeno da substituição legal no cumprimento da
obrigação, do contribuinte de fato pelo contribuinte de direito, ocorre na exigência
do pagamento do imposto do ICMS.
3. A repetição do indébito e a compensação do tributo questionado não podem ser
deferidas sem a exigência da repercussão.
4. Ilegitimidade ativa da empresa em ver restituída a majoração de tributo que não
a onerou, por não haver comprovação de que a contribuinte assumiu o encargo sem

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EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

repasse no preço da mercadoria, como exigido no artigo 166 do Código Tributário


Nacional.
5. O acórdão recorrido não enfrentou o tema referente ao direito à repetição do
ICMS no período de omissão legislativa, bem como o critério de atualização dos
valores que eventualmente forem repetidos, apesar de opostos embargos de
declaração, pelo que se reconhece a inexistência de prequestionamento de tais
matérias, aplicando-se as Súmulas 282/STF e 211/STJ.
6. Na espécie, o acórdão recorrido assentou a necessidade de comprovação da não-
repercussão para a restituição do ICMS, restando, assim, em sintonia com a
jurisprudência deste Tribunal Superior, afastando-se o apontado dissenso
pretoriano, em homenagem à Súmula 83/STJ.
7. Recurso especial improvido.”

Nos tributos em que se opera a substituição tributária, especialmente no ICMS, a


situação é peculiar: nestes casos, a cada operação há duas tributações suportadas pelo
substituto tributado, a do próprio pagador e a do substituído. A situação seria idêntica à dos
tributos indiretos em geral, mas a LC 87/96 atribuiu ao substituído a legitimidade para
reclamar o tributo que suportou de fato, mas que foi recolhido pelo antecessor na cadeia de
circulação. Sobre isto, Veja o REsp. 203.551:

“REsp 203551 / MG. DJ 03/05/1999 p. 138.


TRIBUTÁRIO. ICMS. SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA. TRIBUTO PAGO A
MAIOR, CONSIDERANDO A DIFERENÇA ENTRE O PREÇO ESTIMADO E
O VALOR EFETIVO (MENOR) DA OPERAÇÃO. LEGITIMIDADE DO
"SUBSTITUÍDO" PARA REQUERER A REPETIÇÃO DO INDÉBITO OU
PROCEDER À RESPECTIVA COMPENSAÇÃO, MAS SOMENTE A PARTIR
DA LEI COMPLEMENTAR Nº 87, DE 1996. Até a Lei Complementar nº 87, de
1996, o "substituído" não tinha qualquer relação jurídica com o sujeito ativo da
obrigação tributária; depois dela, sem embargo de que não participe da relação
tributária, o "substituído" está legitimado a requerer a repetição do indébito do
ICMS pago a maior na chamada "substituição para frente" (art. 150, § 7º c/c o art.
10, § 1º, da Lei Complementar nº 87, de 1996) - desautorizada a presunção juris et
de jure que militava a favor da base de cálculo por estimativa, na forma da Lei
Complementar nº 44, de 1983. Recurso especial não conhecido.”

Desde 1996, então, há legitimidade para o substituído repetir seu tributo, recolhido
de fato, ao contrário da regra geral dos tributos indiretos11.

1.2. Legitimidade passiva

A regra é que tem legitimidade passiva a pessoa jurídica de direito público em favor
de quem foi recolhido o valor indevido, e não o ente que tenha a competência tributária, ou
seja, não necessariamente será a pessoa jurídica de direito público que detém a competência
tributária quem deverá restar no pólo passivo: deve ser ajuizada a repetição de indébito em
face de quem tenha a capacidade tributária.
11
Vale ressaltar que este julgado acima é impreciso quanto a outra questão, a venda a menor da mercadoria,
pelo substituído, que como se sabe não permite a repetição. Rememorando, esta só é cabível quando o fato
gerador deixa inteiramente de ocorrer, como é cediço.

Michell Nunes Midlej Maron 50


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

Como se sabe, competência tributária é a aptidão, entregue pala CRFB, para


instituição do tributo, que só atine aos entes federativos, pois somente estes podem produzir
leis em sentido formal, como se exige – o que é indelegável. A capacidade tributária,
porém, é apenas o poder de exigir e recolher o tributo, que pode ser delegada a entidades
outras.
Como exemplo, para repetir indébito recolhido a título de contribuição no interesse
de categorias profissionais ou econômicas, deve-se arrolar a entidade que recebeu aquele
tributo, e não a União Federal. Quem tem competência tributária é a União, mas quem
recebeu a capacidade tributária ativa para recolher o tributo foi a entidade de classe, e é esta
quem deve responder à repetição de indébito.

1.3. Correção monetária

O CTN não trata da correção monetária na repetição do indébito, o que faria com
que a repetição de indébito não fosse sujeita a esta reposição. A jurisprudência de longa
data, contudo, sempre admitiu a correção, porque se o fisco pode corrigir monetariamente o
tributo devido e não pago pelo contribuinte, é mais do que justo que o contribuinte possa
exigir correção do valor pago indevidamente à Fazenda.
Veja o RE 81.456:

“RE 81456 / SP - SÃO PAULO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Relator(a):


Min. ANTONIO NEDER. Julgamento: 24/02/1981. Órgão Julgador: PRIMEIRA
TURMA. Publicação: DJ 13-03-1981.
1. A LEI PAULISTA N. 9.153 DE 1965 PODE SER APLICADA, POR
ANALOGIA, AOS CASOS DE REPETIÇÃO DE INDEBITO FISCAL, PARA
CONCEDER AO CONTRIBUINTE A CORREÇÃO MONETÁRIA DO
QUANTO, QUE LHE DEVOLVE O FISCO, DO TRIBUTO INDEVIDAMENTE
COBRADO E PAGO. 2. A JURISPRUDÊNCIA DO STF FIRMOU-SE NO
RECONHECER QUE SE DEVE CORRIGIR O QUANTO DO INDEBITO
DEVOLVIDO AO CONTRIBUINTE. 3. RECURSO EXTRAORDINÁRIO
PROVIDO PARA CONCEDER A CORREÇÃO MONETÁRIA.”

Veja também o RE 75.239:

“RE 75239 embargos / SP - SÃO PAULO. EMBARGOS NO RECURSO


EXTRAORDINÁRIO. Relator(a): Min. ALIOMAR BALEEIRO. Julgamento:
19/03/1975. Órgão Julgador: TRIBUNAL PLENO. Publicação: DJ 18-04-1975.
Ementa: REPETIÇÃO DE TRIBUNAL.- CORREÇÃO MONETÁRIA. 1. NÃO
NEGA VIGENCIA A LEI FEDERAL, MAS INSPIRA SE NO ARTIGO 108, DO
CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL, QUE AUTORIZA A ANALOGIA, O
ACÓRDÃO QUE, INTERPRETANDO DIREITO LOCAL, CONCEDE
CORREÇÃO MONETÁRIA NA REPETIÇÃO DE TRIBUTO INDEBITO. 2.
ESSA INTERPRETAÇÃO NÃO DIVERGE DA JURISPRUDÊNCIA DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, QUE, NOUTROS CASOS, SÓ CONCEDE
A CORREÇÃO SE AUTORIZADO EM LEI (SÚMULA 286, RE 75,050/73;
75.862E 76.113, DE 1974; 79.900 DE 75; 77.698, ETC).”

Veja, por fim, o RE 94.935:

Michell Nunes Midlej Maron 51


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

“RE 94935 / RJ - RIO DE JANEIRO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO.


Relator(a): Min. RAFAEL MAYER. Julgamento: 29/09/1981. Órgão Julgador:
PRIMEIRA TURMA. Publicação: DJ 23-10-1981.
Ementa: CORREÇÃO MONETÁRIA. REPETIÇÃO DE INDEBITO
TRIBUTÁRIO. TERMO INICIAL. - NA REPETIÇÃO DO INDEBITO
TRIBUTÁRIO O TERMO INICIAL DA CORREÇÃO MONETÁRIA E A DATA
DO DEPOSITO OU DO TRIBUTO RESTITUIDO. REPETIÇÃO DE INDEBITO.
JUROS MORATORIOS (TERMO INICIAL). CÓDIGO TRIBUTÁRIO
NACIONAL, ART. 167. - A RESTITUIÇÃO DO INDEBITO VENCE JUROS A
PARTIR DO TRÂNSITO EM JULGADO DA DECISÃO DEFINITIVA QUE A
DETERMINAR. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO, EM PARTE.”

Em 1991, a Lei 8.383 permitiu a compensação tributária pela primeira vez no


direito pátrio, e tratou também da correção monetária. Veja o artigo 66 deste diploma:

“Art. 66. Nos casos de pagamento indevido ou a maior de tributos, contribuições


federais, inclusive previdenciárias, e receitas patrimoniais, mesmo quando
resultante de reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória, o
contribuinte poderá efetuar a compensação desse valor no recolhimento de
importância correspondente a período subseqüente. (Redação dada pela Lei nº
9.069, de 29.6.199)
§ 1º A compensação só poderá ser efetuada entre tributos, contribuições e receitas
da mesma espécie. (Redação dada pela Lei nº 9.069, de 29.6.199)
§ 2º É facultado ao contribuinte optar pelo pedido de restituição. (Redação dada
pela Lei nº 9.069, de 29.6.199)
§ 3º A compensação ou restituição será efetuada pelo valor do tributo ou
contribuição ou receita corrigido monetariamente com base na variação da UFIR.
(Redação dada pela Lei nº 9.069, de 29.6.199)
§ 4º As Secretarias da Receita Federal e do Patrimônio da União e o Instituto
Nacional do Seguro Social - INSS expedirão as instruções necessárias ao
cumprimento do disposto neste artigo. (Redação dada pela Lei nº 9.069, de
29.6.199)”

Compensando ou pedindo a restituição, a correção monetária se impõe, na forma do


§ 3º do artigo supra.
Repare que esta lei menciona a Ufir como índice de correção, mas este indexador
não mais existe no ordenamento jurídico. O EREsp. 544.551 esclarece:

“EDcl no REsp 544551 / BA. DJ 24/05/2004 p. 182.


PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO.
ÍNDICES DE CORREÇÃO MONETÁRIA.
1. Está assentada nesta Corte a orientação segundo a qual são os seguintes os
índices a serem utilizados na repetição ou compensação de indébito tributário: (a)
IPC, de março/1990 a janeiro/1991; (b) INPC, de fevereiro a dezembro/1991; (c)
UFIR, a partir de janeiro/1992; (d) taxa SELIC, exclusivamente, a partir de
janeiro/1996.
2. Embargos de declaração acolhidos, com excepcionais efeitos infringentes.”

Sobre os índices de correção monetária, então, assim se resumem: de março de 1990


a janeiro de 1991, vige o IPC; de fevereiro de 1991 a dezembro de 1991, o INPC; de janeiro
de 1992 a dezembro de 1995, a Ufir; e desde janeiro de 1996, a Selic.

Michell Nunes Midlej Maron 52


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

1.4. Multa e juros

O artigo 167 do CTN esclarece:

“Art. 167. A restituição total ou parcial do tributo dá lugar à restituição, na mesma


proporção, dos juros de mora e das penalidades pecuniárias, salvo as referentes a
infrações de caráter formal não prejudicadas pela causa da restituição.
Parágrafo único. A restituição vence juros não capitalizáveis, a partir do trânsito
em julgado da decisão definitiva que a determinar.”

A restituição das multas e juros pagos indevidamente é possível, eis que também
eram encargos indevidos, mas sobre a obrigação de restituir, em si, só incidem juros desde a
decisão que a determina, e não desde a citação, como seria correto, por expressa previsão
legal, no parágrafo único do artigo supra.
Neste sentido, veja o RE 112.759:

“RE 112759 / SP - SÃO PAULO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO


Relator(a): Min. CARLOS MADEIRA. Julgamento: 31/03/1987. Órgão Julgador:
SEGUNDA TURMA. Publicação: DJ 30-04-1987.
Ementa: JUROS MORATORIOS NA REPETIÇÃO DE INDEBITO
TRIBUTÁRIO. TERMO INICIAL. SE O CONTRIBUINTE POSTULA
ADMINISTRATIVAMENTE A REPETIÇÃO DE INDEBITO E A FAZENDA O
RECONHECE E DETERMINA A RESTITUIÇÃO, E DESSA DECISÃO,
TORNADA DEFINITIVA QUE FLUEM OS JUROS. SE A FAZENDA RECUSA
A RESTITUIÇÃO E O CONTRIBUINTE A PEDE EM JUÍZO, E DA
SENTENÇA, UMA VEZ TRANSITA EM JULGADO, QUE VENCEM OS
JUROS. INTELIGENCIA DO ARTIGO 167 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO
NACIONAL. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.”

1.5. Prazo

Este aspecto é de suma importância, e é bastante complexo. Veja o artigo 168 do


CTN:

“Art. 168. O direito de pleitear a restituição extingue-se com o decurso do prazo de


5 (cinco) anos, contados:
I - nas hipótese dos incisos I e II do artigo 165, da data da extinção do crédito
tributário; (Vide art 3 da LCp nº 118, de 2005)
II - na hipótese do inciso III do artigo 165, da data em que se tornar definitiva a
decisão administrativa ou passar em julgado a decisão judicial que tenha
reformado, anulado, revogado ou rescindido a decisão condenatória.”

A primeira grande discussão, que é puramente acadêmica, pois na prática não traz
diferenças relevantes, é sobre a natureza deste prazo: é decadencial ou prescricional?
A ampla maioria da doutrina reputa-o prescricional. Ricardo Lobo Torres, porém,
defende que o CTN pretendeu, ao redigir o artigo supra e o 169, criar uma dicotomia entre
as naturezas decadencial e prescricional, e no artigo 169 fala expressamente em prescrição
– dando a entender que o 168 seria decadencial.

“Art. 169. Prescreve em dois anos a ação anulatória da decisão administrativa que
denegar a restituição.

Michell Nunes Midlej Maron 53


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

Parágrafo único. O prazo de prescrição é interrompido pelo início da ação judicial,


recomeçando o seu curso, por metade, a partir da data da intimação validamente
feita ao representante judicial da Fazenda Pública interessada.”

Outros autores de peso, como Aliomar Baleeiro e Luis Emygdio, defendem também
que seja decadencial, pois entendem que o artigo 168 determina a perda do direito de
pleitear a restituição, fundamentalmente, na esfera administrativa – quando então a recusa à
repetição do indébito administrativa ensejaria o prazo de dois anos para a ação anulatória da
decisão administrativa.
Prevalece na jurisprudência, porém, a natureza prescricional, a despeito do peso da
doutrina que o reputa decadencial.
A maior discussão no que tange ao prazo, porém, diz respeito ao seu termo a quo, o
que remete à famigerada tese dos “cinco mais cinco”. Revejamos tal tese.
O artigo 168 do CTN estabelece que o prazo é contado desde a extinção do crédito
tributário. Nos tributos em que o lançamento é direto e de ofício, como o IPTU, por
exemplo, não há dúvidas: a extinção ocorre no dia em que o contribuinte paga o tributo
lançado pelo fisco.
O problema surge – surgia – é nos tributos lançados por homologação, como o
IRPF. Nestes, o contribuinte calcula e paga antecipadamente, aguardando, desde então, a
homologação deste pagamento pelo fisco. É na definição do momento de extinção do
crédito nestes tributos, termo a quo da contagem do prazo para repetição, que residia o
problema. Veja o artigo 150 do CTN, especialmente o § 1º:

“Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja
legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio
exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida
autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado,
expressamente a homologa.
§ 1º O pagamento antecipado pelo obrigado nos termos deste artigo extingue o
crédito, sob condição resolutória da ulterior homologação ao lançamento.
§ 2º Não influem sobre a obrigação tributária quaisquer atos anteriores à
homologação, praticados pelo sujeito passivo ou por terceiro, visando à extinção
total ou parcial do crédito.
§ 3º Os atos a que se refere o parágrafo anterior serão, porém, considerados na
apuração do saldo porventura devido e, sendo o caso, na imposição de penalidade,
ou sua graduação.
§ 4º Se a lei não fixar prazo a homologação, será ele de cinco anos, a contar da
ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se
tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente
extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação.”

A homologação, então, é condição para que haja a extinção do crédito tributário.


Contudo, como se sabe, a homologação pode ser tácita, o que leva cinco anos, prazo
assinado para a Fazenda no § 4º do artigo supra. E ali também parece claro que a extinção
do crédito ocorre no exato momento em que se dá a homologação.
Voltando à análise do artigo 168, conjugado com este artigo 150, parece que o prazo
máximo assinado para a repetição de indébito, nestes tributos por homologação, pode
chegar a dez anos, pois se são contados cinco anos desde a extinção do crédito tributário, e
esta extinção só ocorre, na homologação tácita, após cinco anos desde o pagamento,
somam-se os prazos.

Michell Nunes Midlej Maron 54


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

Esta interpretação estaria bastante correta, e assim foi admitida por muito tempo,
pacificamente, na jurisprudência.
Em 2005, porém, a Lei 11.101, Lei de Recuperação de Empresas, propugnou
alteração no sentido de que fosse retirada a primazia absurda que os créditos tributários
detinham, pois que só eram antecedidos, na ordem de classificação de créditos na falência,
pelos créditos trabalhistas. Esta alteração conceitual da Lei 11.101/05 foi operacionalizada
pelo meio legal exigido, lei complementar, na LC 118/05, que alterou o artigo 186 do CTN:

“Art. 186. O crédito tributário prefere a qualquer outro, seja qual for sua natureza
ou o tempo de sua constituição, ressalvados os créditos decorrentes da legislação
do trabalho ou do acidente de trabalho. (Redação dada pela Lcp nº 118, de 2005)
Parágrafo único. Na falência: (Incluído pela Lcp nº 118, de 2005)
I – o crédito tributário não prefere aos créditos extraconcursais ou às importâncias
passíveis de restituição, nos termos da lei falimentar, nem aos créditos com
garantia real, no limite do valor do bem gravado; (Incluído pela Lcp nº 118, de
2005)
II – a lei poderá estabelecer limites e condições para a preferência dos créditos
decorrentes da legislação do trabalho; e (Incluído pela Lcp nº 118, de 2005)
III – a multa tributária prefere apenas aos créditos subordinados. (Incluído pela
Lcp nº 118, de 2005)”

O crédito tributário, então, caiu para posição menos favorecida do que os créditos
com garantia real, o que possibilitou aos bancos oferecerem empréstimos às empresas em
recuperação com maior facilidade.
Esta demoção do crédito tributário, porém, foi acompanhada por um favorecimento
legislativo ao fisco, em um verdadeiro jogo de favores político. E este favorecimento foi a
extinção da tese dos “cinco mais cinco”, que se operou no mesmo diploma que alterou a
posição dos créditos tributários: a LC 118/05, nos artigos 3º e 4º, fulminou completamente
esta tese. Veja como:

“Art. 3º Para efeito de interpretação do inciso I do art. 168 da Lei no 5.172, de 25


de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional, a extinção do crédito tributário
ocorre, no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, no momento do
pagamento antecipado de que trata o § 1º do art. 150 da referida Lei.”

“Art. 4º Esta Lei entra em vigor 120 (cento e vinte) dias após sua publicação,
observado, quanto ao art. 3º, o disposto no art. 106, inciso I, da Lei no 5.172, de 25
de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional.”

O que o artigo 3º, supra, fez, foi definir que a extinção do crédito tributário, nos
tributos lançados por homologação, ocorre na data do pagamento antecipado, e não na data
da homologação, como se construíra.
E mais: o artigo 4º desta LC 118/05 pretendeu impingir que o artigo 3º é norma
meramente interpretativa, e que por isso alcançaria as situações anteriores, retroativamente,
na forma do artigo 106, I, do CTN. Esta retroação, porém, não se implementou, porque
mesmo assim se dizendo, a norma não é meramente interpretativa, não tendo esta eficácia
retro-operante: ela efetivamente inovou, ao retirar a interpretação que se entendia correta,
até então, do prazo para a ação de repetição de indébito, não podendo retroagir, portanto.

“Art. 106. A lei aplica-se a ato ou fato pretérito:

Michell Nunes Midlej Maron 55


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

I - em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa, excluída a


aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados;
II - tratando-se de ato não definitivamente julgado:
a) quando deixe de defini-lo como infração;
b) quando deixe de tratá-lo como contrário a qualquer exigência de ação ou
omissão, desde que não tenha sido fraudulento e não tenha implicado em falta de
pagamento de tributo;
c) quando lhe comine penalidade menos severa que a prevista na lei vigente ao
tempo da sua prática.”

Destarte, a tese dos “cinco mais cinco” caiu, de fato, por terra, mas apenas desde a
data de entrada em vigência da LC 118/05, e não retroativamente.
Sobre isso, veja o julgado na Argüição de Inconstitucionalidade no EREsp. 644.736:

“AI nos EREsp 644736 / PE. ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE


NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. DJ
27/08/2007 p. 170.
CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. LEI INTERPRETATIVA. PRAZO DE
PRESCRIÇÃO PARA A REPETIÇÃO DE INDÉBITO, NOS TRIBUTOS
SUJEITOS A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. LC 118/2005:
NATUREZA MODIFICATIVA (E NÃO SIMPLESMENTE INTERPRETATIVA)
DO SEU ARTIGO 3º. INCONSTITUCIONALIDADE DO SEU ART. 4º, NA
PARTE QUE DETERMINA A APLICAÇÃO RETROATIVA.
1. Sobre o tema relacionado com a prescrição da ação de repetição de indébito
tributário, a jurisprudência do STJ (1ª Seção) é no sentido de que, em se tratando
de tributo sujeito a lançamento por homologação, o prazo de cinco anos, previsto
no art. 168 do CTN, tem início, não na data do recolhimento do tributo indevido, e
sim na data da homologação – expressa ou tácita - do lançamento. Segundo
entende o Tribunal, para que o crédito se considere extinto, não basta o pagamento:
é indispensável a homologação do lançamento, hipótese de extinção albergada pelo
art. 156, VII, do CTN. Assim, somente a partir dessa homologação é que teria
início o prazo previsto no art. 168, I. E, não havendo homologação expressa, o
prazo para a repetição do indébito acaba sendo, na verdade, de dez anos a contar
do fato gerador.
2. Esse entendimento, embora não tenha a adesão uniforme da doutrina e nem de
todos os juízes, é o que legitimamente define o conteúdo e o sentido das normas
que disciplinam a matéria, já que se trata do entendimento emanado do órgão do
Poder Judiciário que tem a atribuição constitucional de interpretá-las.
3. O art. 3º da LC 118/2005, a pretexto de interpretar esses mesmos enunciados,
conferiu-lhes, na verdade, um sentido e um alcance diferente daquele dado pelo
Judiciário. Ainda que defensável a 'interpretação' dada, não há como negar que a
Lei inovou no plano normativo, pois retirou das disposições interpretadas um dos
seus sentidos possíveis, justamente aquele tido como correto pelo STJ, intérprete e
guardião da legislação federal.
4. Assim, tratando-se de preceito normativo modificativo, e não simplesmente
interpretativo, o art. 3º da LC 118/2005 só pode ter eficácia prospectiva, incidindo
apenas sobre situações que venham a ocorrer a partir da sua vigência.
5. O artigo 4º, segunda parte, da LC 118/2005, que determina a aplicação retroativa
do seu art. 3º, para alcançar inclusive fatos passados, ofende o princípio
constitucional da autonomia e independência dos poderes (CF, art. 2º) e o da
garantia do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada (CF, art. 5º,
XXXVI).
6. Argüição de inconstitucionalidade acolhida.”

Michell Nunes Midlej Maron 56


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

Em suma, portanto, pode ser colhida a seguinte conclusão quanto ao termo a quo da
ação de repetição de indébito: se o pagamento foi efetuado a partir da vigência da LC
118/05 (9/6/05), com fato gerador ocorrido após esta data, o prazo é de cinco anos contado
do pagamento; se o pagamento foi efetuado antes da vigência da lei complementar, mas
com fato gerador ocorrido antes desta data, vale a tese anterior, porém limitada a cinco anos
a contar da vigência da lei; e se o pagamento for efetuado após a vigência da lei
complementar, com fato gerador ocorrido antes desta data, vale a regra anterior, limitada ao
máximo de cinco anos a contar da vigência da lei.

Casos Concretos

Questão 1

Em ação declaratória de inexistência de relação jurídica tributária combinada com


repetição de indébito, a Sociedade Inteligência e Coração, sociedade civil sem fins
lucrativos, busca o reconhecimento da imunidade tributária prevista no art. 150, VI, "c" da
CRFB88, em relação à cobrança do ICMS incidente em suas contas de energia elétrica, de
telefone e na aquisição de bens de ativo fixo. Considerando que a Sociedade é realmente
beneficiária da imunidade tributária supracitada, responda, fundamentadamente, se você
deferiria o pedido de repetição.

Michell Nunes Midlej Maron 57


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

Resposta à Questão 1

O consumidor carece de legitimidade ativa: é contribuinte de fato, e não de direito,


não podendo haver a restituição, não tendo legitimidade ad causam.
Veja o REsp. 983.814:

“REsp 983814 / MG. DJ 17/12/2007 p. 167.


RECURSO ESPECIAL. PROCESSO TRIBUTÁRIO. AÇÃO DECLARATÓRIA
DE INEXIGIBILIDADE C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO. ICMS. TRIBUTO
INDIRETO. CONSUMIDOR. "CONTRIBUINTE DE FATO". ILEGITIMIDADE
ATIVA. APELO PROVIDO.
1. Os consumidores de energia elétrica, de serviços de telecomunicação e os
adquirentes de bens não possuem legitimidade ativa para pleitear a repetição de
eventual indébito tributário do ICMS incidente sobre essas operações.
2. A caracterização do chamado contribuinte de fato presta-se unicamente para
impor uma condição à repetição de indébito pleiteada pelo contribuinte de direito,
que repassa o ônus financeiro do tributo cujo fato gerador tenha realizado (art. 166
do CTN), mas não concede legitimidade ad causam para os consumidores
ingressarem em juízo com vistas a discutir determinada relação jurídica da qual
não façam parte.
3. Os contribuintes da exação são aqueles que colocam o produto em circulação ou
prestam o serviço, concretizando, assim, a hipótese de incidência legalmente
prevista.
4. Nos termos da Constituição e da LC 86/97, o consumo não é fato gerador do
ICMS.
5. Declarada a ilegitimidade ativa dos consumidores para pleitear a repetição do
ICMS.
6. Recurso especial provido.”

Há que se ressalvar, porém, os casos especiais em que as empresas pagam ICMS


por demanda contratada de energia elétrica: quando não utilizam o montante contratado de
energia, podem, sim, repetir pela obtenção da restituição do que pagaram a título de ICMS,
sobre a parte não utilizada da demanda contratada.

Questão 2

Julgando uma apelação interposta em ação de repetição de indébito de tributo


estadual, o Tribunal de Justiça decide que os juros de mora incidentes sobre o montante a
ser restituído, objeto de condenação da Fazenda em primeira instância, correm a partir da
citação do ESTADO para a demanda. Para tanto, o Tribunal argumenta com a não
aplicação, à espécie, do disposto no artigo 167 do Código Tributário Nacional, por não
ser a matéria objeto de norma geral de direito tributário (artigo 146 da Constituição
Federal), nem do disposto no artigo 185, § 1º, do Código Tributário do Estado do Rio de
Janeiro (Decreto-Lei nº 5, de 15 de março de 1975, na sua redação atual), por entender
que a norma aplicável é o artigo 219 do Código de Processo Civil. A Banca considera que
essa decisão está equivocada e pede que você diga por quê, fundamentadamente.

Resposta à Questão 2

Michell Nunes Midlej Maron 58


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

Aplicam-se, com clareza, as súmulas 162 e 188 do STJ:

“Súmula 162, STJ: Na repetição de indébito tributário, a correção monetária incide


a partir do pagamento indevido.”

“Súmula 188, STJ: Os juros moratórios, na repetição do indébito tributário, são


devidos a partir do trânsito em julgado da sentença.”

Veja, a respeito, o REsp. 951.515 e o REsp. 1.018.679, pela ordem:

“RECURSO ESPECIAL Nº 951.515 – MG


EMENTA: PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – CONTRIBUIÇÃO
PREVIDENCIÁRIA – REPETIÇÃO DE INDÉBITO – JUROS DE MORA –
PERCENTUAL: LEIS ESTADUAIS MINEIRAS 12.992⁄98 E 13.404⁄99 –
SÚMULA 280⁄STF - NÃO CABIMENTO DO RECURSO ESPECIAL – TERMO
A QUO: SÚMULA 188⁄STJ.
1. É manifestamente incabível recurso especial que, a despeito de violação ao arts.
161, § 1º, e 167, caput, do CTN, pretende ver aplicado o percentual de juros de
mora previsto em Leis Estaduais, tendo em vista que a missão constitucional do
STJ é zelar pela correta interpretação e aplicação da legislação infraconstitucional
federal.
2. À luz do que dispõem o artigo 167, parágrafo único, do Código Tributário
Nacional, e a Súmula 188 deste Superior Tribunal de Justiça, nas ações de
repetição de indébito o termo inicial dos juros moratórios se dá a partir do trânsito
em julgado da sentença.
3. Recurso especial conhecido em parte e provido em igual extensão, apenas no
que se refere ao termo inicial dos juros de mora.”

“REsp 1018679 / MG. DJe 30/05/2008


PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – CONTRIBUIÇÃO
PREVIDENCIÁRIA – REPETIÇÃO DE INDÉBITO – JUROS DE MORA – ART.
1º-F DA LEI 9.494/97 (COM A REDAÇÃO DADA PELA MP 2.180/2001) –
INAPLICABILIDADE – TERMO A QUO – TRÂNSITO EM JULGADO –
CORREÇÃO MONETÁRIA – INCIDÊNCIA A PARTIR DO PAGAMENTO
INDEVIDO – SÚMULA 162/STJ.
1. A regra contida no art. 1º-F da Lei 9.494/97 (com a redação dada pela MP
2.180/2001) somente se aplica nas hipóteses de condenação da Fazenda Pública no
pagamento de verbas remuneratórias devidas a servidores e empregados públicos,
que não é a hipótese dos autos.
2. À luz do que dispõem o artigo 167, parágrafo único, do Código Tributário
Nacional, e a Súmula 188 deste Superior Tribunal de Justiça, nas ações de
repetição de indébito o termo inicial dos juros moratórios se dá a partir do trânsito
em julgado da sentença.
3. De igual maneira, segundo o entendimento firmado na Súmula 162 desta Corte,
em se tratando de ação de repetição de indébito, o marco temporal de incidência da
correção monetária é a data do pagamento indevido.
4. Recurso especial conhecido em parte e provido em igual extensão, apenas no
que se refere ao termo inicial dos juros de mora.”

Veja também a Apelação Cível 2002.001.12263, do TJ/RJ:

“Processo : 2002.001.12263 APELACAO. DES. HENRIQUE MAGALHAES DE


ALMEIDA - Julgamento: 11/02/2004 - DECIMA TERCEIRA CAMARA CIVEL.

Michell Nunes Midlej Maron 59


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

TAXA DE COLETA DE LIXO. TAXA DE ILUMINACAO PUBLICA. IMPOSTO


PROGRESSIVO. INCONSTITUCIONALIDADE. RECURSO PROVIDO.
Direito Tributário e Constitucional. Ação ordinária com pedido declaratório de
inconstitucionalidade quanto aos tributos de competência municipal,
consubstanciados no IPTU, na taxa de iluminação pública e taxa de coleta de fixo e
limpeza pública. Vício de inconstitucionalidade do Código Tributário Municipal
(lei nº 691/84), que se reconhece. Progressividade do IPTU impossível, por tratar-
se de tributo de natureza real, inadmitindo aferição da capacidade econômica do
contribuinte. Taxas de iluminação pública e de coleta de lixo e limpeza urbana que
não se amoldam aos preceitos de especialidade e divisibilidade, envolvendo
serviços de caráter genérico e não divisível, que se prestam à coletividade como
um todo, não legitimam a cobrança das mesmas, por infringência do art. 145, da
Constituição Federal, além dos arts. 77 e 79, do CTN. Em se tratando de repetição
de indébito a correção monetária pode e deve computar-se a contar da distribuição
do pedido, pois o objetivo da normatividade jurídica é impedir a ocorrência do
ganho indevido e sem causa, em detrimento do património particular do
contribuinte. Os juros, contudo, incidem a partir do trânsito em julgado. Efeitos
"ex tunc" da declaração, pois lei inconstitucional é lei nula, e, como tal, não produz
efeitos. Admitir-se em contrário será reconhecer que a ação proposta é irrita, já que
não será viável o pedido de repetição. Farta e iterativa jurisprudência do Tribunal
de Justiça local, do STJ e do STF que traduzem o entendimento prevalente e
substanciosos precedentes, hoje consolidados nas Súmulas 668 (IPTU) e 670
(TIP), do Alto Pretório. Recurso a que se dá provimento, invertendo-se os Ônus
sucumbenciais, observada a prescrição dos pagamentos porventura efetuados cinco
anos da data da citação.”

Questão 3

SALID MUSHIKA ajuíza uma ação de repetição de indébito através da qual


pretende ver restituídos valores que, em seu entender, a União recolheu a mais, a título de
Imposto de Renda. Alega o autor que a União aplicou uma alíquota mais elevada da que
ele entende que deveria ser aplicada, bem como o fez sobre uma base de cálculo que ele
também entendeu maior. Fez as contas e, levando em consideração os 15 (quinze) últimos
anos, chegou a um elevado montante. Desta forma, requer ao juízo a restituição destes
valores. Responda fundamentadamente, de acordo com a jurisprudência do STJ e com a
sucessão de leis no tempo se você, como juiz competente, deferiria o pedido de SALID, e
em que extensão.

Resposta à Questão 3

Antes da LC 118/05, vigia a tese dos “cinco mais cinco” anos; hoje, o prazo conta-
se do pagamento antecipado, que é quando a lei passou a considerar extinto o crédito
tributário, em tributos lançados por homologação. A aplicação retroativa desta norma, no
entanto, é inconstitucional, cabendo a aplicação desta tese dos “cinco mais cinco” aos fatos
ocorridos antes da vigência da LC 118/05.
O EREsp. 437.379 esclarece:

“EREsp 437379 / MG DJ 19/11/2007 p. 180.


CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. TRIBUTOS
SUJEITOS A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. PRAZO

Michell Nunes Midlej Maron 60


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

PRESCRICIONAL. LC 118/2005. INCONSTITUCIONALIDADE DA


APLICAÇÃO RETROATIVA.
1. Sobre a prescrição da ação de repetição de indébito tributário de tributos sujeitos
a lançamento por homologação, a jurisprudência do STJ (1ª Seção) assentou o
entendimento de que, no regime anterior ao do art. 3º da LC 118/05, o prazo de
cinco anos, previsto no art. 168 do CTN, tem início, não na data do recolhimento
do tributo indevido, e sim na data da homologação – expressa ou tácita - do
lançamento. Assim, não havendo homologação expressa, o prazo para a repetição
do indébito acaba sendo de dez anos a contar do fato gerador.
2. A norma do art. 3º da LC 118/05, que estabelece como termo inicial do prazo
prescricional, nesses casos, a data do pagamento indevido, não tem eficácia
retroativa. É que a Corte Especial, ao apreciar Incidente de Inconstitucionalidade
no Eresp 644.736/PE, sessão de 06/06/2007, DJ 27.08.2007, declarou
inconstitucional a expressão "observado, quanto ao art. 3º, o disposto no art. 106, I,
da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional",
constante do art. 4º, segunda parte, da referida Lei Complementar.
3. Embargos de divergência a que se nega provimento.”

Tema VI

Ação de consignação em pagamento. 1. Objeto; 2. Legitimidade; 3. Interesse processual; 4. Execução fiscal e


conexão; 5. Questões controvertidas. Jurisprudência. Doutrina.

Notas de Aula12

1. Ação de consignação em pagamento tributária

Pagar o tributo é um dever do contribuinte; livrar-se deste dever, porém, é um


direito seu. Por isso, se qualquer atuação da Fazenda dificultar-lhe o exercício deste direito,
12
Aula ministrada pelo professor Camilo Fernandes da Graça, em 29/7/2009.

Michell Nunes Midlej Maron 61


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

terá à sua disposição exatamente a ação de consignação em pagamento em matéria


tributária.
O artigo 156, VIII, do CTN, apresenta a consignação como forma de extinção do
crédito tributário:

“Art. 156. Extinguem o crédito tributário:


(...)
VIII - a consignação em pagamento, nos termos do disposto no § 2º do artigo 164;
(...)”

Ali já se remete ao artigo 164 do CTN, sede das hipóteses legais de consignação:

“Art. 164. A importância de crédito tributário pode ser consignada judicialmente


pelo sujeito passivo, nos casos:
I - de recusa de recebimento, ou subordinação deste ao pagamento de outro tributo
ou de penalidade, ou ao cumprimento de obrigação acessória;
II - de subordinação do recebimento ao cumprimento de exigências administrativas
sem fundamento legal;
III - de exigência, por mais de uma pessoa jurídica de direito público, de tributo
idêntico sobre um mesmo fato gerador.
§ 1º A consignação só pode versar sobre o crédito que o consignante se propõe
pagar.
§ 2º Julgada procedente a consignação, o pagamento se reputa efetuado e a
importância consignada é convertida em renda; julgada improcedente a
consignação no todo ou em parte, cobra-se o crédito acrescido de juros de mora,
sem prejuízo das penalidades cabíveis.”

A primeira hipótese, do inciso I, indica que o fisco simplesmente não pode se


recusar a receber o tributo devido, de forma alguma, tampouco condicionar o recebimento
ao cumprimento de outras obrigações quaisquer, inclusive as obrigações acessórias
previstas na legislação tributária. Ocorrendo alguma destas situações, o contribuinte que se
vir obstado em seu intento exonerativo da obrigação tributária poderá ajuizar a
consignação, no valor que entende devido.
O inciso II, por seu turno, prevê algo ainda mais lógico: é claro que o recebimento
não pode ser obstado por exigências administrativas não baseadas na lei, pois se nem
mesmo as obrigações acessórias, estabelecidas na legislação tributária, são capazes de
impedir o recebimento, como se viu no inciso I, que dirá a exigência arbitrária.
O inciso III do artigo supra trata da bitributação. Quando o CTN fez constar ali a
expressão “tributo idêntico”, acabou por reduzir a hipótese de consignação à dupla exação
de tributos realmente idênticos, por entes diferentes, ou seja: dois Estados cobrando ICMS
sobre a mesma operação, ou dois Municípios cobrando ISS sobre o mesmo serviço
prestado, e assim por diante. Contudo, esta interpretação não tem prevalecido na doutrina,
porque a expressão “tributo idêntico” deve ser lida apenas quanto à espécie tributária: não
pode um mesmo fato gerador ser duplamente tributado por impostos, ou por contribuições,
ou por taxas. Poderia a consignação ser ajuizada para resolver a situação em que um
Município cobra o IPTU e a União cobra o ITR, sobre o mesmo bem imóvel, por exemplo:
é claro que apenas um dos dois é devido, e para isso o contribuinte deve consignar o que
entender devido.

Michell Nunes Midlej Maron 62


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

Neste caso, do inciso III, no exemplo do IPTU e do ITR, o contribuinte vai ajuizar a
ação apenas em face do ente que, sob sua ótica, está cobrando o imposto indevido, ou
ajuizará contra ambos?
É induvidoso que ambos os entes devem figurar na lide. Se o contribuinte entende
que é devido o ITR, ajuizará a ação de consignação em face do Município que lhe exige o
IPTU indevidamente; mas e a União, credora escorreita do ITR, estará presente na ação ao
lado do contribuinte, no pólo ativo, ou será citada como ré litisconsorte?
A hipótese está prevista no artigo 164, III, do CTN; no entanto, o procedimento a
ser adotado não encontra previsão nesse codex, e, em casos tais, aplica-se o CPC, no qual se
encontra regulado pelo artigo 895:
“Art. 895. Se ocorrer dúvida sobre quem deva legitimamente receber o pagamento,
o autor requererá o depósito e a citação dos que o disputam para provarem o seu
direito.”

Sendo assim, entende Mauro Luís Rocha Lopes que ambos serão citados, mas
aquele que se reputa correto será citado para integrar o pólo ativo:
“Por ausência de disposição específica no CTN, o rito a ser seguido nas ações
consignatórias tributárias será o previsto genericamente no CPC para
procedimentos especiais de jurisdição contenciosa, nos arts. 890 a 900.
(...)
O consignante, efetuando o depósito do tributo de maior valor e indicando a qual
entidade deve se dirigir o pagamento, requererá a citação dela, com quem dividirá
o pólo ativo, e das outras fazendas interessadas, a fim de que, no pólo passivo,
participem da lide e venham a suportar os efeitos da decisão judicial que
identifique o real credor da prestação.”

Registre-se apenas que a preferível presença de uma das fazendas no pólo ativo da
relação processual não é obstáculo a que ela seja citada como ré, se necessário for, eis que,
não havendo como constrangê-la a demandar, ela deverá figurar no pólo passivo, a fim de
que a decisão a alcance. Em suma: preferencialmente, será citada para integrar o pólo ativo;
contudo, se não quiser demandar, integrará o pólo passivo. Alheia à lide é que não poderá
ficar.
Veja que o contribuinte deverá, nestes casos, consignar o valor maior que lhe está
sendo exigido, mesmo que entenda que o correto é o tributo menor, a fim de, se o seu
entendimento estiver errado – quem de fato é o correto credor tributário é aquele Município
posto como réu –, não sofrer a improcedência, com os consectários da sucumbência.
A ação de consignação em matéria tributária é uma ação dúplice, actio duplex. É de
natureza dúplice a ação em que, independentemente de reconvenção, se há improcedência,
o juiz não só julgará improcedentes os pedidos: ele também poderá proceder a alguma
alteração na situação do réu vitorioso, condenando o autor a algo que decorra da
improcedência do seu pedido. Na consignatória, por exemplo, se o valor consignado é
menor do que deveria, a improcedência terá o condão de condenar o autor ao pagamento da
diferença em favor do réu.
Note-se, porém, que ao contrário da ação de consignação cível, a consignação
tributária esbarra em uma peculiaridade: a cobrança dos créditos tributários é feita por meio
da execução fiscal, ou seja, por meio da certidão da dívida ativa. Sendo assim, a sentença
da consignatória que favorece a Fazenda-ré com algum crédito seria executável, como

Michell Nunes Midlej Maron 63


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

título executivo judicial que é, nos próprios autos da consignatória, ou seria necessária a
produção regular de uma certidão da dívida ativa para o ajuizamento de uma execução
fiscal?
A doutrina se controverte. A corrente mais clássica defende que é, de fato,
necessária a inscrição na dívida ativa, a fim de que seja possível a execução fiscal, na forma
imposta pela Lei 6.830/80. Hoje, de outro lado, a doutrina mais moderna defende, em prol
da celeridade, efetividade, e economia processual, e com amparo de todo o campo
principiológico do processo eficaz, que seja possível a execução sincrética, nos próprios
autos do processo da consignação, eis que a sentença é um título executivo suficiente ao seu
propósito, qual seja, a satisfação do crédito que nela está expresso.
No direito civil, a ação de consignação é bastante utilizada quando o devedor
entende que deve uma determinada quantia, a qual é rejeitada pelo credor, que entende
devida quantia maior. Esta situação não se repetiria no direito tributário: não seria, ao
menos em se analisando estritamente as hipóteses legais, possível a consignação tributária
ao argumento de que a exação é excessiva, e que o fisco se nega a receber o valor menor
ofertado pelo devedor – simplesmente não há esta previsão como hipótese legal expressa,
no artigo 164 do CTN, supra.
Recentemente, entretanto, o STJ ampliou o leque de possibilidades de consignação
em pagamento, de forma a tornar possível a consignação com este fundamento, por
entender hipótese ínsita ao artigo 164 do CTN, em uma posição bastante iluminada,
especialmente ao sugerir que exigir valor maior é equivalente a recusar o valor menor
ofertado – recaindo na hipótese do inciso I. Veja os julgados, pela ordem, do REsp.
505.460; REsp. 606.289; e REsp. 659.779:

“REsp 505460 / RS. DJ 10/05/2004 p. 172. PROCESSO CIVIL. TRIBUTÁRIO.


AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. NATUREZA E FINALIDADE.
UTILIZAÇÃO PARA CONSIGNAR VALOR DE TRIBUTO. POSSIBILIDADE.
1. O depósito em consignação é modo de extinção da obrigação, com força de
pagamento, e a correspondente ação consignatória tem por finalidade ver atendido
o direito – material – do devedor de liberar-se da obrigação e de obter quitação.
Trata-se de ação eminentemente declaratória: declara-se que o depósito oferecido
liberou o autor da respectiva obrigação.
2. Com a atual configuração do rito, a ação de consignação pode ter natureza
dúplice, já que se presta, em certos casos, a outorgar tutela jurisdicional em favor
do réu, a quem assegura não apenas a faculdade de levantar, em caso de
insuficiência do depósito, a quantia oferecida, prosseguindo o processo pelas
diferenças controvertidas (CPC, art. 899, § 1º), como também a de obter, em seu
favor, título executivo pelo valor das referidas diferenças que vierem a ser
reconhecidas na sentença (art. 899, § 2º).
3. Como em qualquer outro procedimento, também na ação consignatória o juiz
está habilitado a exercer o seu poder-dever jurisdicional de investigar os fatos e
aplicar o direito na medida necessária a fazer juízo sobre a existência ou o modo de
ser da relação jurídica que lhe é submetida a decisão. Não há empecilho algum,
muito pelo contrário, ao exercício, na ação de consignação, do controle de
constitucionalidade das normas.
4. Não há qualquer vedação legal a que o contribuinte lance mão da ação
consignatória para ver satisfeito o seu direito de pagar corretamente o tributo
quando entende que o fisco está exigindo prestação maior que a devida. É
possibilidade prevista no art. 164 do Código Tributário Nacional. Ao mencionar
que "a consignação só pode versar sobre o crédito que o consignante se propõe a
pagar", o § 1º daquele artigo deixa evidenciada a possibilidade de ação

Michell Nunes Midlej Maron 64


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

consignatória nos casos em que o contribuinte se propõe a pagar valor inferior ao


exigido pelo fisco. Com efeito, exigir valor maior equivale a recusar o recebimento
do tributo por valor menor.”

“REsp 606289 / RS. DJ 30/08/2004 p. 220. PROCESSO CIVIL. TRIBUTÁRIO.


AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. NATUREZA E FINALIDADE.
UTILIZAÇÃO PARA CONSIGNAR VALOR DE TRIBUTO. POSSIBILIDADE.
1. O depósito em consignação é modo de extinção da obrigação, com força de
pagamento, e a correspondente ação consignatória tem por finalidade ver atendido
o direito – material – do devedor de liberar-se da obrigação e de obter quitação.
Trata-se de ação eminentemente declaratória: declara-se que o depósito oferecido
liberou o autor da respectiva obrigação.
2. Com a atual configuração do rito, a ação de consignação pode ter natureza
dúplice, já que se presta, em certos casos, a outorgar tutela jurisdicional em favor
do réu, a quem assegura não apenas a faculdade de levantar, em caso de
insuficiência do depósito, a quantia oferecida, prosseguindo o processo pelas
diferenças controvertidas (CPC, art. 899, § 1º), como também a de obter, em seu
favor, título executivo pelo valor das referidas diferenças que vierem a ser
reconhecidas na sentença (art. 899, § 2º).
3. Como em qualquer outro procedimento, também na ação consignatória o juiz
está habilitado a exercer o seu poder-dever jurisdicional de investigar os fatos e
aplicar o direito na medida necessária a fazer juízo sobre a existência ou o modo de
ser da relação jurídica que lhe é submetida à decisão. Não há empecilho algum,
muito pelo contrário, ao exercício, na ação de consignação, do controle de
constitucionalidade das normas.
4. Não há qualquer vedação legal a que o contribuinte lance mão da ação
consignatória para ver satisfeito o seu direito de pagar corretamente o tributo
quando entende que o fisco está exigindo prestação maior que a devida. É
possibilidade prevista no art. 164 do Código Tributário Nacional. Ao mencionar
que "a consignação só pode versar sobre o crédito que o consignante se propõe a
pagar", o § 1º daquele artigo deixa evidenciada a possibilidade de ação
consignatória nos casos em que o contribuinte se propõe a pagar valor inferior ao
exigido pelo fisco. Com efeito, exigir valor maior equivale a recusar o recebimento
do tributo por valor menor.
5. Recurso especial a que se nega provimento.”

“REsp 659779 / RS. DJ 27/09/2004 p. 281.


PROCESSO CIVIL. TRIBUTÁRIO. AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM
PAGAMENTO. NATUREZA E FINALIDADE. UTILIZAÇÃO PARA
CONSIGNAR VALOR DE TRIBUTO. POSSIBILIDADE.
1. O depósito em consignação é modo de extinção da obrigação, com força de
pagamento, e a correspondente ação consignatória tem por finalidade ver atendido
o direito – material – do devedor de liberar-se da obrigação e de obter quitação.
Trata-se de ação eminentemente declaratória: declara-se que o depósito oferecido
liberou o autor da respectiva obrigação.
2. Com a atual configuração do rito, a ação de consignação pode ter natureza
dúplice, já que se presta, em certos casos, a outorgar tutela jurisdicional em favor
do réu, a quem assegura não apenas a faculdade de levantar, em caso de
insuficiência do depósito, a quantia oferecida, prosseguindo o processo pelas
diferenças controvertidas (CPC, art. 899, § 1º), como também a de obter, em seu
favor, título executivo pelo valor das referidas diferenças que vierem a ser
reconhecidas na sentença (art. 899, § 2º).
3. Como em qualquer outro procedimento, também na ação consignatória o juiz
está habilitado a exercer o seu poder-dever jurisdicional de investigar os fatos e
aplicar o direito na medida necessária a fazer juízo sobre a existência ou o modo de
ser da relação jurídica que lhe é submetida a decisão. Não há empecilho algum,

Michell Nunes Midlej Maron 65


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

muito pelo contrário, ao exercício, na ação de consignação, do controle de


constitucionalidade das normas.
4. Não há qualquer vedação legal a que o contribuinte lance mão da ação
consignatória para ver satisfeito o seu direito de pagar corretamente o tributo
quando entende que o fisco está exigindo prestação maior que a devida. É
possibilidade prevista no art. 164 do Código Tributário Nacional. Ao mencionar
que "a consignação só pode versar sobre o crédito que o consignante se propõe a
pagar", o § 1º daquele artigo deixa evidenciada a possibilidade de ação
consignatória nos casos em que o contribuinte se propõe a pagar valor inferior ao
exigido pelo fisco. Com efeito, exigir valor maior equivale a recusar o recebimento
do tributo por valor menor.
5. Recurso especial provido.”

Casos Concretos

Questão 1

A ação de consignação em pagamento é meio hábil para o contribuinte pleitear a


suspensão da exigibilidade do crédito tributário? Analise a questão sob o prisma dos
artigos 151, II, 156, VIII e 164, § 2º do CTN.

Resposta à Questão 1

A ação de consignação só vai servir para suspender a exigibilidade do crédito


tributário se for realizado o depósito integral do montante cobrado. Se depositar em
consignação valor menor que entende devido, não ocorrerá a suspensão da exigibilidade.

Michell Nunes Midlej Maron 66


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

Questão 2

HOT MACHINE MÁQUINÁRIOS Ltda. pleiteia junto à administração estadual o


parcelamento de débitos tributários, tendo em vista recente lei estadual que autoriza tal
modalidade de suspensão do crédito tributário. A autoridade fazendária indefere o pedido
alegando que a sociedade não satisfaz os requisitos legais trazidos pela lei.
Tendo em vista tal negativa, a sociedade ajuíza uma ação de consignação, na qual,
depositando o valor da 1ª parcela de seu débito acrescido dos encargos legais, pugna pelo
deferimento do parcelamento.
Responda, fundamentadamente, como deve ser decida a ação de consignação.

Resposta à Questão 2

O contribuinte não tem razão alguma. Primeiro, porque o juiz não pode fazer vezes
de legislador, concedendo a suspensão em hipótese não prevista na lei. E segundo, porque a
ação de consignação não tem o escopo pretendido pelo contribuinte autor, não se prestando
a amparar a pretensão de parcelamento.
Veja o REsp. 554.999:

“REsp 554999 / RS. DJ 10/11/2003 p. 169


PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM
PAGAMENTO. EXCLUSÃO DE MULTA, CORREÇÃO MONETÁRIA E
JUROS DE MORA. OBTENÇÃO DE PARCELAMENTO. IMPOSSIBILIDADE.
1. A ação de consignação em pagamento é meio hábil à liberação de dívida fiscal
quando o contribuinte pretende eximir-se do pagamento de consectários legais que
considera indevidos, tendo o Fisco condicionado o pagamento do tributo à
satisfação desses acessórios. REsp. 55.911-SP, relator Ministro Ari Pargendler, DJ
de 20/05/96.
2. A apuração do montante devido, em função do surgimento da obrigação
tributária, compete à autoridade fazendária, nos precisos termos do art. 142 do
Código Tributário Nacional. Havendo recusa infundada quanto ao recebimento
deste crédito, pode o contribuinte, no mister de cumprir seu dever legal, depositar o
valor correspondente ao débito em questão, adimplindo a obrigação tributária,
mediante a propositura da ação de consignação em pagamento.
3. Prevendo a Lei Estadual a concessão de parcelamento, como favor fiscal,
mediante condições por ela estabelecidas, a não observância dessas condições
impede o contribuinte de usufruir do benefício.
4. O deferimento do parcelamento do crédito fiscal subordina-se ao cumprimento
das condições legalmente previstas. Dessarte, afigura-se inadequada a via da ação
de consignação em pagamento, cujo escopo é a desoneração do devedor, mediante
o depósito do valor correspondente ao crédito, e não via oblíqua à obtenção de
favor fiscal, em burla à legislação de regência.
5. Recurso Especial desprovido.”

Questão 3

MARCOSUL Artigos Esportivos Ltda., em razão da recusa da Fazenda Nacional de


receber valores referentes a tributos federais, recorre ao Judiciário através de uma ação
consignatória onde, por sua própria conta, recolhe apenas 1/10 (um décimo) do valor que
entende devido, comprometendo-se, na inicial, a recolher mensalmente 1/10 (um décimo)

Michell Nunes Midlej Maron 67


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

do valor até que o débito esteja integralmente depositado. Responda, fundamentadamente,


se você, como juiz competente, julgaria procedente a ação.

Resposta à Questão 3

Não: a finalidade da consignação em pagamento não é esta, não se dispõe a


propiciar o parcelamento tributário.
Veja o Ag.Rg. no EREsp. 690.478:

“AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 690.478 – RS.


EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM
PAGAMENTO. PARCELAMENTO DE DÉBITO TRIBUTÁRIO. ACÓRDÃO
RECORRIDO EM CONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA
DOMINANTE DO STJ.
1. Este Tribunal pacificou entendimento segundo o qual "o deferimento do
parcelamento do crédito fiscal subordina-se ao cumprimento das condições
legalmente previstas. Dessarte, afigura-se inadequada a via da ação de consignação
em pagamento, cujo escopo é a desoneração do devedor, mediante o depósito do
valor correspondente ao crédito, e não via oblíqua à obtenção de favor fiscal em
burla à legislação de regência" (AgRg no Ag 724.727⁄RS, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz
Fux, DJ de 8.6.2006).
2. Agravo regimental desprovido.”

Tema VII

Mandado de segurança em matéria tributária. 1. Introdução; 2. Liminar em mandado de segurança e o


depósito do montante integral; 3. Aspectos específicos do mandado de segurança em matéria tributária; 4.
Questões judiciais controvertidas. Jurisprudência. Doutrina.

Notas de Aula13

1. Mandado de segurança em matéria tributária

O mandado de segurança é ação constitucional dedicada a resguardar direitos


fundamentais, e na seara tributária não é diferente. Os direitos fundamentais do contribuinte
são protegidos por este instrumental, sempre que se virem lesados ou ameaçados de lesão
por alguma ilegalidade cometida em matéria tributária.
13
Aula ministrada pelo professor Antônio Henrique Correa da Silva, em 30/7/2009.

Michell Nunes Midlej Maron 68


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

A origem do mandado de segurança, no Brasil, remonta à doutrina brasileira do


habeas corpus, pois originalmente não se previa o writ of mandamus no ordenamento, e por
isso o writ of habeas corpus era o instrumento mais amplo a defender os direitos
fundamentais de larga gama (o qual é adstrito, hoje, ao direito de locomoção, como se
sabe). Vale dizer que esta doutrina brasileira do habeas corpus é exceção à tradicional
concepção deste writ, que em ordenamentos alienígenas sempre foi restrito à proteção à
liberdade locomotiva. Somente na Constituição de 1934 o writ of mandamus assumiu a
posição que hoje ocupa nas ações constitucionais de nosso direito.
O artigo 5º, LXIX, da CRFB, é a sede maior deste instrumento:

“(...)
LXIX - conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo,
não amparado por "habeas-corpus" ou "habeas-data", quando o responsável pela
ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica
no exercício de atribuições do Poder Público;
(...)”

O direito é líquido e certo não por ser de pouca complexidade jurídica, de difícil
concepção ou delineação pelo intérprete, mas sim porque os fatos a ele pertinentes estão
comprovados de plano: o que torna o direito líquido e certo é a prova pré-constituída dos
fatos a ele pertinentes. Assim o é porque não há dilação probatória no rito do mandamus,
não sendo possível a existência de controvérsia sobre matéria de fato – não havendo
qualquer óbice à existência de controvérsia sobre matéria de direito. Veja a súmula 625 do
STF:

“Súmula 625, STF: Controvérsia sobre matéria de direito não impede a concessão
do mandado de segurança.”

O mandado de segurança é residual: se o direito a ser protegido for amparável por


habeas corpus ou habeas data, não será cabível o mandamus.
A ilegalidade a que se vê sujeito o contribuinte pode ser efetiva ou potencial, ou
seja, pode á existir a lesão ou ser esta uma ameaça (desde que concreta). Sendo iminente, o
ato coator enseja mandado de segurança preventivo; sendo efetivo, o mandado de segurança
é repressivo. No preventivo, por óbvio, não se exige que o contribuinte esteja já sob
incidência da coação – se exige que a situação fática em que se encontre leve à incidência
da coação. Se a coação vem de uma norma, é preciso que haja a subsunção clara da
situação de fato do contribuinte à norma impugnada, ou não há interesse no mandamus
preventivo (o qual se tornaria uma mera consulta ao Poder Judiciário).

1.1. Legitimidade passiva

A legitimidade passiva compete a quem tenha a capacidade de exigir o tributo. Por


isso, aquelas entidades meramente arrecadadoras não têm legitimidade passiva: a discussão
de uma contribuição sindical, por exemplo, deve ser travada contra o ente federativo, a
União, e não contra o sindicato em si, que não é quem tem a competência para exigir
coativamente tal tributo.

Michell Nunes Midlej Maron 69


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

A legitimidade passiva pertence à entidade pública presentada pela autoridade


emissora do ato coator. Não há litisconsórcio passivo necessário entre o ente e a autoridade
coatora dele pertencente.
Nos atos complexos, é legitimado passivo o ente autor do ato final, aquele que
homologa ou aprova o ato final; nos atos de colegiados, a autoridade apontada é sempre seu
presidente. A impetração contra lançamento deve ser dirigida contra o agente lançador,
ainda que o lançamento tenha sido confirmado pelo Conselho de Contribuintes. Veja a
súmula 59 do TFR:

“Súmula 59, TFR: Autoridade Fiscal de Primeiro Grau - Legitimidade Passiva -


Ação de Segurança - Decisão de Controvérsia - Grau de Recurso
A autoridade fiscal de primeiro grau que expede a notificação para pagamento do
tributo esta legitimada passivamente para a ação de segurança, ainda que sobre a
controvérsia haja decisão, em grau de recurso, de conselho de contribuintes.”

A autoridade coatora deve prestar informações sobre o ato em dez dias (prazo não
sujeito a quadruplicação ou duplicação, eis que já é expresso para a Fazenda).
Indicada erroneamente a autoridade coatora, a jurisprudência já foi majoritária no
sentido de que não poderia o impetrante emendar a inicial, tampouco o juiz corrigi-la de
ofício. Hoje, é perfeitamente possível uma e outra solução, como se vê no REsp. 745.451,
ao seguinte argumento: o indivíduo não é obrigado a conhecer a complexidade da máquina
estatal, não podendo ser por isto prejudicado. Veja:

“REsp 745451 / BA. DJ 27/11/2006 p. 247


PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA.
ATO IMPUGNADO. DESCONTOS EM PROVENTOS DE APOSENTADORIA
A TÍTULO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA (FUNPREV).
AUTORIDADES APONTADAS COMO COATORAS. GOVERNADOR DO
ESTADO E SECRETÁRIO DE ADMINISTRAÇÃO ESTADUAL. TEORIA DA
ENCAMPAÇÃO. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM.
1. A nulidade processual que deve conduzir à nulificação do processo com a sua
extinção sem resolução do mérito, deve ser deveras significativa de modo a
sacrificar os fins de justiça do processo. É que o processo é instrumento de
realização de justiça e não um fim em si mesmo, por isso que não se justifica, em
prol da questão meramente formal, sacrificar a questão de fundo e deixar ao
desabrigo da coisa julgada o litígio, fator de abalo da paz e da ordem social.
2. O princípio se exacerba no campo dos remédios heróicos de defesa dos direitos
fundamentais, como soe ser o Mandado de Segurança, no qual a parte veicula lesão
perpetrada por autoridade pública, que a engendra calcada na premissa da
presunção de legitimidade de seus atos.
3. Consectariamente, a análise de questões formais, notadamente a vexata quaestio
referente à pertinência subjetiva passiva da ação, com a descoberta da autoridade
coatora no complexo administrativo, não deve obstar a perquirição do abuso da
autoridade que caracteriza esse remédio extremo.
4. Deveras, a teoria da encampação e a condescendência com a aparência de
correta propositura (error comunis facit ius) adotadas pela jurisprudência do E.
Superior Tribunal de Justiça denotam a necessária flexibilização da aferição dessa
condição da ação, no afã de enfrentar e conjurar o ato abusivo da autoridade.
5. Sob esse enfoque, tem-se assentado que:
""PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. SUPOSTA
ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. SECRETÁRIO DE ESTADO DA
FAZENDA. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL QUE IMPLEMENTOU OS

Michell Nunes Midlej Maron 70


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

REQUISITOS PARA APOSENTADORIA, MAS OPTOU PELA


PERMANÊNCIA NO SERVIÇO PÚBLICO. DESCONTOS REFERENTES ÀS
CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS DE 9% (LEI ESTADUAL 7.672/82) E
2% (LEI ESTADUAL 10.588/95). AUTORIDADE QUE DEFENDEU O MÉRITO
DO ATO IMPUGNADO. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. TEORIA
DA ENCAMPAÇÃO. APLICAÇÃO. ISENÇÃO DA CONTRIBUIÇÃO
PREVIDENCIÁRIA. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 3º E 8º, DA EMENDA
CONSTITUCIONAL 20/98, E DO ART. 40, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
1. A essência constitucional do Mandado de Segurança, como singular garantia,
admite que o juiz, nas hipóteses de indicação errônea da autoridade impetrada,
permita sua correção através de emenda à inicial ou, se não restar configurado erro
grosseiro, proceder a pequenas correções de ofício, a fim de que o writ cumpra
efetivamente seu escopo maior.
2. "Não viola os artigos 1º e 6º da Lei n. 1.533/51 a decisão que, reconhecendo a
incompetência do tribunal, em razão da errônea indicação da autoridade coatora,
determina a remessa dos autos ao juízo competente, ao invés de proclamar o
impetrante carecedor da ação mandamental." (REsp 34317/PR).
3. Destarte, considerando a finalidade precípua do mandado de segurança que é a
proteção de direito líquido e certo, que se mostre configurado de plano, bem como
da garantia individual perante o Estado, sua finalidade assume vital importância, o
que significa dizer que as questões de forma não devem, em princípio, inviabilizar
a questão de fundo gravitante sobre ato abusivo da autoridade. Conseqüentemente,
o Juiz, ao deparar-se, em sede de mandado de segurança, com a errônea indicação
da autoridade coatora, deve determinar a emenda da inicial ou, na hipótese de erro
escusável, corrigi-lo de ofício, e não extinguir o processo sem julgamento do
mérito.
4. A errônea indicação da autoridade coatora não implica ilegitimidade ad causam
passiva se aquela pertence à mesma pessoa jurídica de direito público; porquanto,
nesse caso não se altera a polarização processual, o que preserva a condição da
ação.
5. Deveras, a estrutura complexa dos órgãos administrativos, como sói ocorrer com
os fazendários, pode gerar dificuldade, por parte do administrado, na identificação
da autoridade coatora, revelando, a priori, aparência de propositura correta.
6. Aplica-se a teoria da encampação quando a autoridade apontada como coatora,
ao prestar suas informações, não se limita a alegar sua ilegitimidade, mas defende
o mérito do ato impugnado, requerendo a denegação da segurança, assumindo a
legitimatio ad causam passiva.
7. Precedentes da Corte: AGA 538820/PR, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ
de 12/04/2004; RESP 574981/RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 25/02/2004;
ROMS 15262/TO, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJ de 02/02/2004; AIMS
4993/DF, Rel. Min. Adhemar Maciel, DJ de 19/02/2001.
(...)
12. Sob pena de supressão de grau de jurisdição, não pode o Superior Tribunal de
Justiça avançar no exame meritório, uma vez que o Tribunal a quo limitou-se a
extinguir o feito com base na ilegitimidade das autoridades apontadas como
coatoras.
13. Recurso ordinário provido para reconhecer a legitimidade passiva do Secretário
de Fazenda do Estado do Rio Grande do Sul, o que implica na anulação do aresto
recorrido e conseqüente retorno dos autos à origem para julgamento do mérito."
(RMS 19324/RS, desta relatoria, Primeira Turma, DJ de 03.04.2006)
6. Deveras, in casu, os benefícios foram auferidos por órgão do próprio Estado,
mercê de convocada também a Secretaria de Fazenda, sendo certo que ambos
encamparam o ato acoimado de ilegal e abusivo e assim reconhecido na instância a
quo, com fulcro em fundamentos constitucionais, impassíveis de cognição pelo E.
Superior Tribunal de Justiça, sob pena de usurpação das funções da Corte Maior.
7. Recurso especial a que se nega provimento.”

Michell Nunes Midlej Maron 71


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

Esta é uma manifestação da teoria da encampação, que é amparo para a alteração


do aponte da pessoa posta no pólo passivo do mandamus. Quatro são os requisitos para a
aplicação desta teoria da encampação, porém: é necessário o vínculo hierárquico entre a
autoridade que seria correta e aquela que encampou o ato, que deve ser superior à emissora
do ato; a manutenção de competência constitucional, sendo a autoridade encampadora do
mesmo foro da que deveria ter sido apontada; deve existir uma dúvida razoável na
titularidade do ato coator, não podendo ser o erro do aponte da autoridade muito aberrante,
teratológico; e a autoridade encampadora deve ser capaz de realizar a defesa efetiva do ato,
vindo a juízo defender seu mérito.

1.2. Matérias questionáveis

As matérias tributárias questionáveis em mandado de segurança são diversas. Pode


o contribuinte discutir a validade do lançamento, se não há matéria fática a ser resolvida,
quando então o mandado de segurança desempenhará papel similar à ação anulatória,
desconstitutivo do crédito tributário. Pode questionar a validade do processo
administrativo, uma passagem ou ato qualquer do processo administrativo – caso em que a
prejudicialidade da via administrativa e judicial inexiste, como já se anteviu, pois a via
judicial é justamente servível a efetivar a administrativa.
O mandado de segurança pode se prestar ao afastamento das chamadas sanções
políticas. Estas sanções são atos do fisco destinados a compelir o contribuinte a adimplir o
crédito tributário, sendo que não são, estas medidas de coerção indireta, previstas
expressamente na lei. Como exemplo, a retenção de mercadorias para pagamento de ICMS,
em hipótese não prevista em lei. As sanções que são autorizadas, porém, não são afastáveis
por mandado de segurança – como a inscrição em cadastros restritivos de crédito. Um
exemplo corriqueiro de sanção política autorizado é o regime especial de fiscalização,
implementado pelo fisco contra devedores tributários contumazes, que é admitido desde
que não haja abusos.
Outro uso comum do mandado de segurança em matéria tributária é a sua
impetração para a obtenção de certidões negativas, quando houver restrição indevida a esta
obtenção.
Ato normativo não é ato coator. Veja o REsp. 110.714:

“REsp 110714 / BA. DJ 06/10/1997 p. 49932.


PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTARIO. MANDADO DE SEGURANÇA
PREVENTIVO. PRAZO DECADENCIAL: NÃO-OCORRENCIA.
PRECEDENTES. RECURSO PROVIDO.
I- O NOSSO ORDENAMENTO JURIDICO AGASALHOU O MANDADO DE
SEGURANÇA PREVENTIVO COMO FORMA DE POR COBRO A AMEAÇAS
OBJETIVAS E ATUAIS DAS AUTORIDADES PUBLICAS.
II- NÃO E POSSIVEL UTILIZAR-SE, COMO TERMO A QUO DO PRAZO
DECADENCIAL, A DATA DA OCORRENCIA DO FATO GERADOR DO
TRIBUTO OU A DA PUBLICAÇÃO DA LEI REPUTADA
INCONSTITUCIONAL PELO IMPETRANTE. A LUZ DO ART. 18 DA LEI DO
MANDADO DE SEGURANÇA, O PRAZO DE 120 DIAS SO PODE SER
CONTADO A PARTIR DA CIENCIA DO ATO DE AUTORIDADE, O QUAL
NEM SEQUER EXISTE NA IMPETRAÇÕES PREVENTIVAS, AS QUAIS SÃO
FORMULADAS APENAS COM BASE EM AMEAÇA.

Michell Nunes Midlej Maron 72


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

III- PRECEDENTES DO STJ: RESP N. 76.217/PE, RESP N. 90.966/BA E RESP


N. 93.282/RS.
IV- RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO.”

A Lei 1.533/51, sede de boa parte do regramento infraconstitucional do mandado de


segurança, traz no artigo 5º a seguinte previsão:

“Art. 5º - Não se dará mandado de segurança quando se tratar:


I - de ato de que caiba recurso administrativo com efeito suspensivo, independente
de caução.
II - de despacho ou decisão judicial, quando haja recurso previsto nas leis
processuais ou possa ser modificado por via de correção.
III - de ato disciplinar, salvo quando praticado por autoridade incompetente ou com
inobservância de formalidade essencial.”

A restrição ao acesso à justiça imposta no inciso I do artigo supra não é tolerada


pela jurisprudência, porque não é admissível, no direito pátrio, a instância administrativa de
curso forçado: nenhum cidadão é forçado a perpassar um procedimento administrativo
antes de acessar o Judiciário. O inciso II, porém, é coerente, e é aplicável: o mandado de
segurança não pode ser utilizado como um sucedâneo recursal, não podendo ser utilizado
quando há recurso cabível. Da mesma, o inciso III é perfeitamente aplicável.

1.3. Legitimidade ativa

A legitimidade ativa do mandado de segurança conta com norma especial prevista


no artigo 3º da Lei 1.533/51:

“Art. 3º - O titular de direito liquido e certo decorrente de direito, em condições


idênticas, de terceiro, poderá impetrar mandado de segurança a favor do direito
originário, se o seu titular não o fizer, em prazo razoável, apesar de para isso
notificado judicialmente.”

O que este dispositivo traz é a legitimação extraordinária para o mandamus, quando


do direito em ameaça decorrer um outro, este próprio do legitimado extraordinário. Hugo
de Brito Machado vê aqui a legitimação, por exemplo do locatário em favor de direito do
locador, se este não o proteger, a fim de que o seu próprio direito de locatário seja
protegido. É posição isolada, e que não deve prosperar, porque o artigo fala em direito “em
condições idênticas”, o que significa que ambos os direitos, o originário e o derivado, sejam
da mesma natureza – ambos tributários –, o que não ocorre em relação ao locatário, que não
tem direito tributário algum, mas apenas de natureza cível.

1.4. Peculiaridades formais

O prazo de impetração do mandamus repressivo é de cento e vinte dias,


decadencial; o preventivo não conta com prazo, porque o ato ainda não aconteceu. A
fixação do prazo por lei é perfeitamente constitucional, como já dispôs o STF na súmula
632:

Michell Nunes Midlej Maron 73


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

“Súmula 632, STF: É constitucional lei que fixa o prazo de decadência para a
impetração de mandado de segurança.”

A petição inicial do mandado de segurança deve observar os requisitos do artigo


282 do CPC, exceto o constante do inciso VI deste artigo, porque não há provas a serem
produzidas:

“Art. 282. A petição inicial indicará:


I - o juiz ou tribunal, a que é dirigida;
II - os nomes, prenomes, estado civil, profissão, domicílio e residência do autor e
do réu;
III - o fato e os fundamentos jurídicos do pedido;
IV - o pedido, com as suas especificações;
V - o valor da causa;
VI - as provas com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados;
VII - o requerimento para a citação do réu.”

É também desnecessário pedido de oitiva do Ministério Público. A contrafé deve ser


instruída com todos os documentos pertinentes ao ato coator.

1.5. Liminar

Não é possível o deferimento da liminar de ofício. Esta discussão é antiga, sendo


majoritária a doutrina que defende a impossibilidade desta concessão, por respeito à inércia,
ao contrário do habeas corpus, cuja concessão ex officio é expressamente possível.
O artigo 1º, “b”, da Lei 4.348/64, estabelece uma vigência máxima para a liminar
em mandado de segurança:

“Art. 1º Nos processos de mandado de segurança serão observadas as seguintes


normas:
a) é de dez dias o prazo para a prestação de informações de autoridade apontada
como coatora VETADO.
b) a medida liminar somente terá eficácia pelo prazo de (90) noventa dias a contar
da data da respectiva concessão, prorrogável por (30) trinta dias quando
provadamente o acúmulo de processos pendentes de julgamento justificar a
prorrogação.”
Esta limitação de vigência da liminar é claramente inaplicável, hoje, porque é uma
restrição inadmissível ao acesso à jurisdição plena. Além disso, este artigo veio em 1964, e
o CPC trouxe como regra o poder geral de cautela do juiz, critério que não permite que haja
limitação ao zelo pelo direito encontrado como necessário pelo julgador.
Se a liminar foi deferida, e o mandado de segurança foi julgado improcedente ao
final, há a divergência sobre o efeito da revogação, se elide a mora entre a concessão
liminar e o indeferimento ou não, sendo discussão já abordada, envolvendo a previsão da
súmula 405 e o artigo 63, § 2º, da Lei 9.430/9, ambos já transcritos.
Apesar de não haver óbice, não é cabível o agravo retido do indeferimento da
liminar em mandado de segurança, porque simplesmente não há qualquer utilidade neste
recurso: a sentença é que será impugnada, não havendo mérito interlocutório diverso
daquele que será impugnável na própria sentença, pela apelação, sendo claramente inútil o
agravo.

Michell Nunes Midlej Maron 74


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

É comum o condicionamento da liminar em mandado de segurança para suspensão


da exigibilidade do crédito à efetivação de um depósito do montante integral, mas isso é
uma enorme impropriedade: se ambos são causas de suspensão da exigibilidade, e o
depósito dispensa autorização judicial, não há qualquer utilidade na liminar. Ou há os
pressupostos para concessão da liminar – fumus boni juris e periculum in mora –, e ela é
dada puramente, ou não os há, e o depósito continua sendo uma opção do contribuinte para
suspender a exigibilidade do crédito. Não existe mais a diferenciação que o STJ fazia,
outrora, entre depósito em garantia do débito (conversível em renda para o Fisco, caso
indeferida a segurança) e o depósito em garantia da liminar (que era apenas contracautela
desta, não conversível em renda no indeferimento da ordem). Todo depósito, hoje, garante o
débito, e é causa de suspensão autônoma da exigibilidade do crédito, sendo conversível em
renda ao final, se o fisco triunfar.
Contra o deferimento da liminar o fisco pode interpor agravo de instrumento, mas
pode também peticionar a suspensão de segurança perante o presidente do respectivo
tribunal. Veja o artigo 4º da Lei 4.348/64:

“Art 4º Quando, a requerimento de pessoa jurídica de direito público interessada e


para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, o
Presidente do Tribunal, ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso
(VETADO) suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar, e da
sentença, dessa decisão caberá agravo, sem efeito suspensivo no prazo de (10) dez
dias, contados da publicação do ato.
§ 1º Indeferido o pedido de suspensão ou provido o agravo a que se refere o caput,
caberá novo pedido de suspensão ao Presidente do Tribunal competente para
conhecer de eventual recurso especial ou extraordinário. (Incluído pela Medida
Provisória nº 2.180-35, de 2001)
§ 2º Aplicam-se à suspensão de segurança de que trata esta Lei, as disposições dos
§§ 5º a 8º do art. 4º da Lei no 8.437, de 30 de junho de 1992. (Incluído pela
Medida Provisória nº 2.180-35, de 2001)”

Enquanto o agravo de instrumento se dedica a impugnar o viés jurídico da liminar, a


suspensão de segurança tem fundo argumentativo eminentemente político, consubstanciada
na lesão à ordem, saúde, segurança ou economia públicas.
Da decisão do presidente, na suspensão de segurança, cabe agravo interno para o
pleno ou órgão especial, dependendo do tribunal em questão.
Concedida a suspensão de segurança, ela vigora até o término do mandado em que
foi concedida a liminar suspensa, em regra, mas pode o concessor da suspensão limitar sua
vigência a outro evento. Veja a súmula 626 do STF:

“Súmula 626, STF: A suspensão da liminar em mandado de segurança, salvo


determinação em contrário da decisão que a deferir, vigorará até o transito em
julgado da decisão definitiva de concessão da segurança ou, havendo recurso, até a
sua manutenção pelo Supremo Tribunal Federal, desde que o objeto da liminar
deferida coincida, total ou parcialmente, com o da impetração.”

Podem ser reiterados os pedidos de suspensão de segurança em instâncias


superiores, e se denegada no STF, a liminar será vigente até o termo do mandamus.
A suspensão de segurança pode ser estendida a outras liminares sobre o mesmo
tema, bastando que o pedido da suspensão assim requeira, sob o mesmo argumento político.

Michell Nunes Midlej Maron 75


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

Vê-se, portanto, que é um mecanismo bastante incomum, sui generis, de cunho quase
extrajudicial (e certamente extrajuridico).
O Ministério Público deve opinar efetivamente, não bastando apenas exarar seu
ciente. Veja o artigo 10 da Lei 1.533/51, e o REsp. 541.199:

“Art. 10 - Findo o prazo a que se refere o item I do art. 7º e ouvido o representante


do Ministério Público dentro em cinco dias, os autos serão conclusos ao juiz,
independente de solicitação da parte, para a decisão, a qual deverá ser proferida em
cinco dias, tenham sido ou não prestadas as informações pela autoridade coatora.”

“REsp 541199 / MG. DJ 28/06/2004 p. 195.


PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA .INDICAÇÃO
ERRÔNEA DO IMPETRADO. INFORMAÇÕES PRESTADAS PELA
AUTORIDADE COATORA. SUPRIMENTO DA ILEGITIMIDADE.
MANIFESTAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. OBRIGATORIEDADE.
PARECER DO PARQUET DISPENSANDO A NECESSIDADE DE
PRONUNCIAMENTO. IMPOSSIBILIDADE DE COAGIR O ÓRGÃO A
MANIFESTAR-SE. AUSÊNCIA DE NULIDADE.
1. Em sede de mandado de segurança, deve haver o efetivo pronunciamento do
Ministério Público não sendo suficiente a sua intimação, sob pena de nulidade.
(ERESP 26715 / AM ; Rel. Min. PAULO COSTA LEITE, CORTE ESPECIAL, DJ
12/02/2001; ERESP 24234 / AM; Rel. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS,
CORTE ESPECIAL, DJ de 11/03/1996; ERESP 9271 / AM, Rel. Min. ANTÔNIO
DE PÁDUA RIBEIRO, CORTE ESPECIAL, DJ de 05/02/1996).
2. Considera-se efetivo o pronunciamento se o Ministério Público, abordando a
questão de fundo, entende que, por força da substância do mesmo não deve atuar
como custos legis.
3. In casu, o douto representante do Parquet devidamente intimado da sentença
afirmou ser desnecessária a sua manifestação. Consectariamente, ausente a
nulidade processual haja vista que o Ministério Público teve a oportunidade de se
manifestar e não o fez, à luz da exegese do art. 10, da Lei n.º 1.533/51.
4. A imposição de atuação do membro do Parquet, quanto a matéria versada nos
autos, infringiria os Princípios da Independência e Autonomia do órgão ministerial.
5. Deveras, a suposta nulidade somente pode ser decretada se comprovado o
prejuízo para os fins de justiça do processo, em razão do Princípio de que "não há
nulidade sem prejuízo" ( "pas des nullitè sans grief").
6. A indicação errônea da autoridade coatora resta suprida em tendo esta,
espontaneamente, prestado as informações confirmando a sua legitimidade passiva.
7. Recurso especial desprovido.”
Se ignorar seu dever de oficiar conclusivamente sobre o mérito, entendendo que não
há interesse em se manifestar no feito, é cabível até mesmo mandado de segurança contra
este ato omissivo do parquet, ou a remessa do processo ao Procurador-Geral de Justiça,
com fulcro analógico no artigo 28 do CPP:

“Art. 28. Se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia,


requerer o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer peças de
informação, o juiz, no caso de considerar improcedentes as razões invocadas, fará
remessa do inquérito ou peças de informação ao procurador-geral, e este oferecerá
a denúncia, designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou
insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a
atender.”

Michell Nunes Midlej Maron 76


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

O MP tem interesse recursal pleno no mandado de segurança, por esta necessária


atuação neste feito, sem necessidade de demonstrar este interesse. Veja o REsp. 612.075:

“REsp 612075 / SC. DJ 06/09/2004 p. 246.


PROCESSO CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. MINISTÉRIO PÚBLICO
FEDERAL. LEGITIMIDADE RECURSAL.
1. O Ministério Público oficia obrigatoriamente nos processos de mandado de
segurança como fiscal da lei, conforme o disposto no art. 10 da Lei nº 1.533/51.
Daí a sua legitimidade para recorrer, como previsto no § 2º do art. 499 do CPC.
Súmula nº 99/STJ.
2. O interesse recursal, como requisito de admissibilidade, aparece ínsito na
própria legitimidade, já que o Ministério Público tem o dever institucional de,
como custos legis, fiscalizar a correta aplicação da lei.
3. Recurso especial provido.”

1.6. Sentença

A tutela jurisdicional, como se sabe, pode ser declaratória, positiva ou negativa;


constitutiva, também positiva ou negativa; ou condenatória, de dar coisa certa ou incerta,
de fazer ou de não fazer. Esta é a classificação tripartite, tradicional do processo civil.
Hoje, após a inovação das tutelas específicas de dar, fazer ou não fazer, a sentença
condenatória se subdividiu em sentença executiva e mandamental: a primeira, dedica-se à
condenação em dar coisa certa; a segunda, em obrigações de fazer ou não fazer.
Destarte, não se pode confundir jamais a tutela mandamental, que é apenas uma das
espécies de sentença, com a tutela perseguida no mandado de segurança: o writ pode buscar
qualquer das tutelas jurisdicionais possíveis, sendo a mandamental apenas uma das
possibilidades. Inclusive, a tutela constitutiva negativa é bem comum, quanto ao fito de
desconstituir o lançamento errôneo.
A única tutela que não se pode pretender em mandado de segurança é a executiva,
por obrigação de dar coisa certa consubstanciada em dinheiro. Não pode, o mandamus,
fazer as vezes de ação de cobrança. Nada impede que seja possível o provimento do
mandamus para impedir a produção de efeitos financeiros futuros, mas não a obtenção de
efeitos financeiros pretéritos. O mandado de segurança não pode ser um sucedâneo de
repetição de indébito. Por isso, a sentença condenatória em mandado de segurança é a
obtenção de tutela mandamental – fazer ou não fazer. Veja a súmula 271 do STF:

“Súmula 271, STF: Concessão de mandado de segurança não produz efeitos


patrimoniais em relação a período pretérito, os quais devem ser reclamados
administrativamente ou pela via judicial própria.”

No mandado de segurança não são devidos honorários advocatícios de


sucumbência. Veja a súmula 512, do STF, e a 105, do STJ:

“Súmula 512, STF: Não cabe condenação em honorários de advogado na ação de


mandado de segurança.”

“Súmula 105, STJ: Na ação de mandado de segurança não se admite condenação


em honorários advocatícios.”

Michell Nunes Midlej Maron 77


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

A sentença concessiva da ordem é sujeita ao reexame necessário, mas a remessa ou


a própria apelação não produzem efeito suspensivo da concessão. Veja o artigo 12 da Lei
1.533/51:

“Art. 12 - Da sentença, negando ou concedendo o mandado cabe apelação.


(Redação dada pela Lei nº 6.014, de 1973)
Parágrafo único. A sentença, que conceder o mandado, fica sujeita ao duplo grau
de jurisdição, podendo, entretanto, ser executada provisoriamente. (Redação dada
pela Lei nº 6.071, de 1974)”

Não são cabíveis embargos infringentes no rito do mandamus. Veja a súmula 169 do
STJ:

“Súmula 169, STJ: São inadmissíveis embargos infringentes no processo de


mandado de segurança.”

A coisa julgada alcançada no mandado de segurança pode ser material, caso o


julgado enfrente o mérito, ou formal, se a questão decisiva for de cunho estritamente
processual.

1.7. Mandado de segurança e compensação

Muito já se discutiu se a compensação devida poderia ser exigida pelo contribuinte


em mandado de segurança, porque envolveria questionamento de fato muito complexo,
descabido no writ por escapar ao critério de liquidez e certeza do direito.
O STJ enfrentou bem a matéria, e fez a seguinte diferenciação: há cabimento de
mandado de segurança para declarar que o direito à compensação existe, mas não é
possível a efetivação concreta da compensação neste rito. É cabível a declaração genérica,
mas não a condenação a fazer a compensação. Veja a súmula 213 do STJ:

“Súmula 213, STJ: O mandado de segurança constitui ação adequada para a


declaração do direito à compensação tributária.”

A súmula 212 desta Corte tem também uma previsão bastante razoável sobre a
compensação: este direito a compensação, em mandado de segurança, não pode ser
concedido em liminar, porque o cunho satisfativo seria absoluto.
“Súmula 212, STJ: A compensação de créditos tributários não pode ser deferida em
ação cautelar ou por medida liminar cautelar ou antecipatória.(*)
(*) na sessão de 11/05/2005, a Primeira Seção deliberou pela ALTERAÇÃO da
Súmula n. 212. REDAÇÃO ANTERIOR (decisão de 23/09/1998, DJ 02/10/1998):
‘A compensação de créditos tributários não pode ser deferida por medida liminar.’”

O artigo 170-A do CTN, posterior à súmula acima, reproduz esta idéia:

“Art. 170-A. É vedada a compensação mediante o aproveitamento de tributo,


objeto de contestação judicial pelo sujeito passivo, antes do trânsito em julgado da
respectiva decisão judicial. (Artigo incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001)”

Michell Nunes Midlej Maron 78


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

Casos Concretos

Questão 1

Se um mandado de segurança for extinto sem julgamento do mérito, poderá ser


levantado o depósito que foi efetuado em garantia da liminar, ou deverá o depósito ser
convertido em renda a favor da Fazenda Pública?

Resposta à Questão 1

A jurisprudência tem permitido a conversão em renda do depósito, em casos de


extinção sem resolução do mérito, tratando esta decisão como uma improcedência. Trata-se
de um verdadeiro impropério jurídico, mas é como tem prevalecido.

Michell Nunes Midlej Maron 79


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

Veja o EREsp. 479.725:

“EREsp 479725 / BA. DJ 26/09/2005 p. 166.


EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. TRIBUTÁRIO. AFRMM. DEPÓSITO.
EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM APRECIAÇÃO DO MÉRITO. DEPÓSITO.
LEVANTAMENTO ANTES DO TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA.
IMPOSSIBILIDADE. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA PROVIDOS.
1. Em exame embargos de divergência opostos para se definir se é ou não possível
o levantamento do depósito efetuado para os fins do artigo 151, II do Código
Tributário Nacional nos casos em que o processo é extinto sem julgamento de
mérito em face da ilegitimidade passiva da autoridade apontada como coatora. A
Fazenda embargante aponta a divergência entre o acórdão embargado da relatoria
do Ministro Francisco Peçanha Martins integrante da 2ª Turma e acórdão prolatado
pelo Ministro Garcia Vieira da 1ª Turma. Divergência devidamente demonstrada,
foram admitidos os embargos para julgamento de mérito. Sem impugnação.
2. Conforme assinala o aresto paradigma: "O depósito efetuado para suspender a
exigibilidade do crédito tributário é feito também em garantia da Fazenda e só
pode ser levantado após sentença final transitada em julgado se favorável ao
contribuinte". O artigo 32 da Lei n.º 6830 de 22. 09. 1980 estabelece como
requisito para levantamento do depósito judicial o trânsito em julgado da decisão.
O aguardo do trânsito em julgado da decisão para possibilitar o levantamento do
depósito judicial está fulcrado na possibilidade de conversão em renda em favor da
Fazenda Nacional.
3. O cumprimento da obrigação tributária só pode ser excluída por força de lei ou
suspensa de acordo com o que determina o art. 151 do CTN. Fora desse contexto o
contribuinte está obrigado a recolher o tributo. No caso de o devedor pretender
discutir a obrigação tributária em juízo, permite a lei que faça o depósito integral
da quantia devida para que seja suspensa a exigibilidade. Se a ação intentada, por
qualquer motivo, resultar sem êxito, deve o depósito ser convertido em renda da
Fazenda Pública. É essa a interpretação que deve prevalecer. O depósito é simples
garantia impeditiva do fisco para agilizar a cobrança judicial da dívida, em face da
instauração em juízo de litígio sobre a legalidade da sua exigência. Extinto o
processo sem exame do mérito contra o contribuinte, têm-se uma decisão
desfavorável. O passo seguinte, após o trânsito em julgado, é o recolhimento do
tributo.
4. Embargos de divergência providos.”

Questão 2

CLOTILDE DOS SANTOS e OUTROS impetraram Mandado de Segurança


preventivo contra ato do Diretor da Superintendência Central de Pagamento de Pessoal da
Secretaria de Estado da Fazenda de Minas Gerais para impedir o desconto do imposto de
renda sobre os valores pagos a título de férias-prêmio.
A quem compete julgar o supramencionado Mandado de Segurança: a Justiça
Estadual ou à Federal? Justifique.

Resposta à Questão 2

O STJ entende que a legitimação da autoridade estadual, no pólo passivo, em


função da capacidade tributária ativa, determina a competência ratione personae para o

Michell Nunes Midlej Maron 80


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

writ. Mesmo que seja questionável este entendimento – porque o tributo federal apenas é
exigido em esfera estadual numa relação financeira, e não tributária –, é o que tem
prevalecido. A competência é estadual.
Veja o Conflito de Competência 19.300, solvido no STJ:
“CC 19300 / MG. DJ 19/12/1997 p. 67435.
CONFLITO DE COMPETENCIA. MANDADO DE SEGURANÇA. ATO DE
AUTORIDADE ESTADUAL. DESCONTO DE IMPOSTO DE RENDA NA
FONTE. DESCONTANDO DA REMUNERAÇÃO DOS SERVIDORES O
IMPOSTO DE RENDA DEVIDO NA FONTE, A AUTORIDADE ESTADUAL
NADA DECIDE, DESINCUMBINDO-SE APENAS DE ATRIBUIÇÃO
CONFERIDA POR LEI - SEM QUALQUER DELEGAÇÃO DE
COMPETENCIA DO ORGÃO ENCARREGADO DE ARRECADAR A
INDIGITADA CONTRIBUIÇÃO SOCIAL PARA A SEGURIDADE SOCIAL;
TRATA-SE DE PROCEDIMENTO COMUM A PESSOAS JURIDICAS DE
DIREITO PUBLICO E A PESSOAS JURIDICAS DE DIREITO PRIVADO,
PREVISTO NO ART. 7, PARAGRAFO 3 DO CODIGO TRIBUTARIO
NACIONAL. NUM CASO E NOUTRO, A UNIÃO - SUJEITO ATIVO DA
RELAÇÃO JURIDICO-TRIBUTARIA - SO ESTARA BEM REPRESENTADA
NO PROCESSO DE MANDADO DE SEGURANÇA SE A AUTORIDADE
COATORA FOR O ORGÃO RESPONSAVEL PELA ADMINISTRAÇÃO DO
TRIBUTO. HIPOTESE, TODAVIA, EM QUE, INDICADA COMO
AUTORIDADE COATORA O DIRETOR DA SUPERINTENDENCIA
CENTRAL DE PAGAMENTO DE PESSOAL DA SECRETARIA DE ESTADO
DA FAZENDA DE MINAS GERAIS, SO O MM. JUIZ DE DIREITO PODERA
DECIDI-LO, MESMO QUE PARA O SO EFEITO DE EXTINGUIR O
PROCESSO SEM JULGAMENTO DE MERITO. RESSALVA DO PONTO DE
VISTA PESSOAL DOS MINISTROS GARCIA VIEIRA, ADHEMAR MACIEL E
JOSE DELGADO, QUE SO ADERIRAM A CONCLUSÃO DO VOTO DO
RELATOR. CONFLITO CONHECIDO PARA DECLARAR COMPETENTE O
MM. JUIZ DE DIREITO DA 7A. VARA DA FAZENDA PUBLICA DE BELO
HORIZONTE.”

Questão 3

MADECOM Indústria de móveis Ltda. impetra um Mandado de Segurança, tendo


em vista a negativa da autoridade tributária em autorizar-lhe compensação, cujo indébito
alegado pela recorrente é a inconstitucionalidade da incidência de 8% do Imposto de
Renda a ser calculado sobre o valor do seu lucro líquido, ajustado pela exclusão e adição
de parcelas, nos termos dos arts. 35 e 36 da Lei nº 7.713/88, reconhecida pelo STF em
controle difuso, intra partes. Responda, fundamentadamente, se o writ deve ser concedido.

Resposta à Questão 3

A autorização da compensação, a declaração de que esta é devida, é possível,


segundo a súmula 213 do STJ, já abordada. Não há a efetivação da compensação, aqui, mas
somente a declaração de que ela é devida.
Veja o REsp. 778.712:

“REsp 778712 / AL. DJe 14/04/2008.


TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL - MANDADO DE SEGURANÇA -
COMPENSAÇÃO - NECESSIDADE DE PRONUNCIAMENTO JUDICIAL

Michell Nunes Midlej Maron 81


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

SOBRE O INDÉBITO A SER COMPENSADO - AUSÊNCIA DE DIREITO


LÍQUIDO E CERTO.
1. O indébito alegado pela recorrente para efeito de compensação é a
inconstitucionalidade da incidência de 8% do imposto de renda a ser calculado
sobre o valor do seu lucro líquido, ajustado pela exclusão e adição de parcelas, nos
termos dos arts. 35 e 36 da Lei n. 7.713/88, reconhecida pelo STF em controle
difuso, intra partes.
2. Por se cuidar de mera orientação jurisprudencial do STF sem força vinculante,
necessita-se de seu reconhecimento judicial, mediante declaração de sua
inconstitucionalidade no bojo do próprio mandado de segurança, para, em seguida,
declarar-se o direito à compensação.
3. O mandado de segurança não se presta ao reconhecimento e proteção de direito
que não seja reconhecido de plano, que necessite de investigação judicial profunda,
pois direito líquido e certo é o que "se apresente com todos os requisitos para seu
reconhecimento e exercício no momento da impetração. (...) Se depender de
comprovação posterior, não é líquido nem certo, para fins de segurança."
(Mandado de Segurança, Hely Lopes Meirelles, ed. Malheiros, 29ª edição, p. 37).
4. O direito ao indébito tributário da contribuinte não se encontra comprovado de
plano, necessitando de pronunciamento judicial para lhe conferir liquidez e certeza,
o que é inviável na via estreita do mandado de segurança. Somente após este
reconhecimento é que se poderia declarar o direito à compensação. Precedente:
REsp 848768/MG, Rel. Min. José Delgado, DJ 6.9.2007.
Recurso especial improvido.”

Tema VIII

Ação anulatória de lançamento fiscal. 1. Objeto; 2. Legitimidade; 3. Interesse processual; 4. Execução fiscal
e conexão; 5. Efeitos da coisa julgada; 6. Prescrição; 7. Questões controvertidas. Jurisprudência. Doutrina.

Notas de Aula14

1. Ação anulatória de lançamento

A ação anulatória tributária tem por escopo a desconstituição do lançamento que foi
constituído irregularmente pelo fisco. Pretende-se, portanto, uma tutela mais incisiva do
que a mera declaração de inexistência da relação tributária, a qual é suficiente antes do
lançamento, mas não após a constituição do crédito tributário por este ato.
14
Aula ministrada pelo professor Antônio Henrique Correa da Silva, em 30/7/2009.

Michell Nunes Midlej Maron 82


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

O pedido, portanto, é a desconstituição do ato constitutivo. A causa de pedir, porém,


é variada, mas sempre guarda relação com a impropriedade do lançamento, quer porque a
relação jurídica tributária inexiste, quer porque há algum vício formal na sua formulação,
inclusive no processo administrativo prévio.
No caso de anulação por vício formal do crédito, o lançamento poderá ser
novamente realizado, se respeitante das formalidades necessárias – o que não ocorre na
anulação por inexistência da relação jurídica tributária, por óbvio. Inclusive, há abertura de
novo prazo decadencial para o novel lançamento, quando a anulação for causada por quebra
de formalidade, no artigo 173, II, do CTN:

“Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se


após 5 (cinco) anos, contados:
I - do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter
sido efetuado;
II - da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício
formal, o lançamento anteriormente efetuado.
Parágrafo único. O direito a que se refere este artigo extingue-se definitivamente
com o decurso do prazo nele previsto, contado da data em que tenha sido iniciada a
constituição do crédito tributário pela notificação, ao sujeito passivo, de qualquer
medida preparatória indispensável ao lançamento.”

A ação anulatória não demanda depósito preparatório do valor do débito, não


persistindo no ordenamento esta condição especial de procedibilidade, ao contrário do que
se poderia depreender do artigo 38 da Lei 6.830/80, já abordado amiúde. O depósito se
presta, isto sim, a impedir a cobrança, pois que é causa de suspensão da exigibilidade do
crédito, mas não é condição especial da ação anulatória. A respeito, veja a súmula 247 do
extinto TFR:

“Súmula 247, TFR: “Ação Anulatória do Débito Fiscal - Depósito


Não constitui pressuposto da ação anulatória do débito fiscal o depósito de que
cuida o Art. 38 da Lei 6.830, de 1980.”

O prazo prescricional, na ação anulatória (apesar de a pretensão desconstitutiva


indicar que seria decadencial), é o de cinco anos, do artigo 1º do Decreto 20.910/32:
“Art. 1º - As Dividas Passivas Da União, Dos Estados E Dos Municípios, Bem
Assim Todo E Qualquer Direito Ou Ação Contra A Fazenda Federal, Estadual Ou
Municipal, Seja Qual For A Sua Natureza, Prescrevem Em Cinco Anos Contados
Da Data Do Ato Ou Fato Do Qual Se Originarem.”

O prazo prescricional é interrompido pelo ajuizamento do processo, e volta a correr


quando do seu término, mas por apenas dois anos e meio, como dispõe o artigo 9º do
mesmo Decreto 20.910/32:

“Art. 9º. - A Prescrição Interrompida Recomeça A Correr, Pela Metade Do Prazo,


Da Data Do Ato Que A Interrompeu Ou Do Ultimo Ato Ou Termo Do Respectivo
Processo.”

Assim, não há prescrição intercorrente na ação anulatória, porque não flui o prazo
prescricional em seu curso.

Michell Nunes Midlej Maron 83


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

O artigo 169 do CTN trata de uma ação anulatória específica, que se presta a alvejar
somente a decisão administrativa que denegar o pedido administrativo de restituição. Veja
que não tem em mira, esta ação, a anulação do lançamento; objetiva a decisão denegatória
de restituição. Por isso, conta com prazo especial, previsto no próprio artigo, de dois anos.

“Art. 169. Prescreve em dois anos a ação anulatória da decisão administrativa que
denegar a restituição.
Parágrafo único. O prazo de prescrição é interrompido pelo início da ação judicial,
recomeçando o seu curso, por metade, a partir da data da intimação validamente
feita ao representante judicial da Fazenda Pública interessada.”

O curso intercorrente do prazo, estabelecido no parágrafo deste artigo supra, é


inconcebível, e não fulmina a pretensão se for decorrido por conta de morosidade
processual não imputável ao autor, em atenção à súmula 106 do STJ:

“Súmula 106, STJ: Proposta a ação no prazo fixado para o seu exercício, a demora
na citação, por motivos inerentes ao mecanismo da justiça, não justifica o
acolhimento da arguição de prescrição ou decadência.”

Proposta a ação anulatória, sucumbe a via administrativa, por perda do objeto: vige
a prejudicialidade entre as jurisdições, como se pôde antever na análise do artigo 38,
parágrafo único, da Lei 6.830/80, dispensada a repetição do estudo, aqui.
O rito seguido na anulatória tributária é o comum ordinário, do CPC. Pode ser
utilizado o rito sumário, ou mesmo o rito especial dos juizados especiais, em esfera federal
(não na Justiça Estadual, por não haver juizados especiais estaduais competentes para ações
contra a Fazenda), sempre em razão do valor, ratione valorem. Nos Juizados Especiais
Federais, diga-se, esta competência é uma exceção legal, ante a redação do artigo 3º, § 1º,
III, da Lei 10.259/01:

“Art. 3º Compete ao Juizado Especial Federal Cível processar, conciliar e julgar


causas de competência da Justiça Federal até o valor de sessenta salários mínimos,
bem como executar as suas sentenças.
§ 1º Não se incluem na competência do Juizado Especial Cível as causas:
(...)
III - para a anulação ou cancelamento de ato administrativo federal, salvo o de
natureza previdenciária e o de lançamento fiscal;
(...)”

Destarte, a anulação de ato administrativo federal em Juizados Especiais Federais


não é tolerada, à exceção de quando este ato for justamente o de lançamento fiscal (e os
previdenciários).
A legitimidade para a ação anulatória exige, como é regra geral, a pertinência
subjetiva entre a relação processual e a material. Na relação substancial, o fisco é o sujeito
ativo, e o contribuinte ou responsável tributário é o sujeito passivo; na relação processual, a
legitimidade ad causam pertence aos mesmos personagens, mas em pólos invertidos: o
sujeito ativo, fisco, passa ao pólo passivo do processo, e o sujeito passivo, contribuinte ou
responsável, passa ao pólo ativo da relação processual.
O artigo 166 do CTN não se aplica à ação anulatória tributária, pois é dedicado
exclusivamente à ação de repetição de indébito tributária:

Michell Nunes Midlej Maron 84


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

“Art. 166. A restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência
do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem prove haver assumido
o referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este
expressamente autorizado a recebê-la.”

Sendo assim, o contribuinte de direito, mesmo não o sendo de fato, é irrestritamente


legitimado à anulatória tributária, não precisando comprovar a não-repercussão ou
autorização do contribuinte de fato.

1.1. Ação anulatória vs. execução fiscal

Grande problema surge na análise da prejudicialidade entre as ações anulatória


tributária e de execução fiscal: ajuizada a ação anulatória antes da execução fiscal, fica o
fisco inibido de executar o contribuinte? E vice-versa: fica o contribuinte impedido de
ajuizar a anulatória se a sua execução fiscal já estiver em curso, restando-lhe apenas os
embargos à execução?
A ação anulatória ajuizada não impede o ajuizamento da execução fiscal, a não ser
que haja ali alguma causa de suspensão da exigibilidade do crédito tributário (liminar
deferida, ou depósito em garantia). Veja o artigo 585, § 1º, do CPC:

“Art. 585. São títulos executivos extrajudiciais: (Redação dada pela Lei nº 5.925,
de 1º.10.1973)
(...)
§ 1º A propositura de qualquer ação relativa ao débito constante do título executivo
não inibe o credor de promover-lhe a execução. (Redação dada pela Lei nº 8.953,
de 13.12.1994)
(...)”

O inverso, porém, causa divergência. Se a execução fiscal estiver em curso, há


quem defenda que só resta ao contribuinte ajuizar os embargos à execução, havendo a
prejudicialidade, de fato, ao seguinte argumento: o prazo para embargos teria eficácia
preclusiva da defesa do executado, diante da necessária concentração da defesa, e a ação
anulatória não poderia frustrar esta preclusão. Há, inclusive, julgados do STJ neste sentido
– em que esta posição é mencionada obiter dictum, porém.
Outrossim, há jurisprudência do próprio STJ que enfrenta a questão diretamente, e
privilegia o amplo acesso ao Judiciário, facultando o exercício do direito de ação. A eficácia
preclusiva do prazo dos embargos à execução seria endoprocessual, somente. Esta é a
orientação que deve prevalecer, portanto.
Ausente a prejudicialidade, então, surge a questão: há conexão ou litispendência
entre estas ações?
Litispendência claramente não há, eis que a tríplice identidade – partes, pedido e
causa de pedir – não se verifica. O que pode haver é a litispendência entre a ação anulatória
e os embargos à execução fiscal, pois nestes haverá de fato a coincidência entre os
elementos identificadores das ações.
A conexão entre a anulatória e a execução fiscal também inexistiria, na estrita forma
do artigo 103 do CPC:

“Art. 103. Reputam-se conexas duas ou mais ações, quando Ihes for comum o
objeto ou a causa de pedir.”

Michell Nunes Midlej Maron 85


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

Contudo, a jurisprudência vem considerando que há a moderna forma de conexão


por prejudicialidade, ou seja, a reunião dos feitos é recomendável de forma a prevenir
julgamentos contraditórios, discrepantes entre si. O STJ tem admitido esta conexão, que,
apesar de criticada por sua atipicidade, é mesmo favorável à segurança jurídica.
É claro que quando a reunião dos processos não for possível – porque um os
processos já foi julgado, por exemplo –, ela não será determinada. Veja a súmula 235 do
STJ:

“Súmula 235, STJ: A conexão não determina a reunião dos processos, se um deles
já foi julgado.”

Reunidas as ações, assim que a execução fiscal for garantida, esta será suspensa até
que o juízo resolva a ação anulatória, equiparando-se, neste pormenor, aos embargos à
execução.
Sendo possível a reunião, pode ainda acontecer de haver óbices de competência que
causem turbulência à conexão. Na Justiça Federal, por exemplo, há uma vara dedicada às
execuções fiscais, cuja competência é para a execução e seus incidentes, e há varas federais
de competência residual, nas quais as ações anulatórias não conexas a execuções fiscais são
julgadas (eis que não são as anulatórias, de per si, incidentes da execução). Neste caso, há
esta barreira de incompetência, especialmente diante do critério da prevenção, do artigo 106
do CPC:

“Art. 106. Correndo em separado ações conexas perante juízes que têm a mesma
competência territorial, considera-se prevento aquele que despachou em primeiro
lugar.”

A questão é controvertida, tendo certa primazia a aplicação do critério da prevenção,


mas alguns acórdãos entendem aplicável o critério da competência funcional, do artigo 108
do CPC:

“Art. 108. A ação acessória será proposta perante o juiz competente para a ação
principal.”

Assim, a equiparação da anulatória aos embargos à execução permitiria esta reunião


no juízo da execução, passando esta a ser tratada como incidente da execução,
desconsiderando-se o critério da prevenção.
Em relação à conexão, portanto, a reunião é sempre recomendável, ajuizados ou não
embargos. Havendo a barreira de incompetência, há duas soluções: a reunião por
prevenção, ou a reunião por competência funcional prevalente, respectivamente atentando-
se para os artigos 106 e 108 do CPC.

Michell Nunes Midlej Maron 86


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

Casos Concretos

Questão 1

A empresa LATICÍNIOS SERV BEM Ltda. aforou ação anulatória de débito fiscal
na comarca dos fatos, em Macaé, onde foi autuada pela não emissão de notas fiscais. A
Fazenda Pública do Estado do Rio de Janeiro ajuizou exceção de incompetência com o
fundamento de que o Código de Organização Judiciária elege o foro de uma das Varas da
Fazenda Pública da comarca da capital do RJ. Pergunta-se:
1) Os Estados Federados podem ser demandados onde ocorreram os fatos?
2) O juiz deve ou não acolher a exceção de incompetência?
3) Em qual foro deve ser proposta a execução fiscal?

Resposta à Questão 1

Michell Nunes Midlej Maron 87


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

1) Eles podem sim ser demandados no local dos fatos, não sendo imponível foro
privilegiado, na forma do artigo 100, IV, “d”, do CPC:

“Art. 100. É competente o foro:


(...)
IV - do lugar:
(...)
d) onde a obrigação deve ser satisfeita, para a ação em que se lhe exigir o
cumprimento.
(...)”

A fixação do foro privilegiado deve ser prevista em lei federal, somente


podendo a lei estadual fixar competência material interna.

2) Não, pois a competência do lugar onde a obrigação deve ser satisfeita é uma
opção válida.

3) Pode ser ajuizada tanto no domicílio do réu quanto no local de satisfação da


obrigação, e no caso é a comarca de Macaé.

Veja o REsp. 193.725:

“REsp 193725 / SC. DJ 16/05/2005 p. 275.


PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. SÚMULA N. 282/STF. FORO
COMPETENTE. AÇÃO FISCAL. ESTADO-MEMBRO. ART. 100, INCISO IV,
ALÍNEA "D", DO CPC. AÇÃO DECLARATÓRIA E EXECUÇÃO FISCAL.
CONEXÃO. PRECEDENTES.
1. Aplica-se o óbice previsto na Súmula n. 282 do STF na hipótese em que a
questão infraconstitucional suscitada no recurso especial não foi enfocada no
aresto recorrido.
2. O STJ firmou o entendimento de que Estado-Membro não possui foro
privilegiado, mas apenas Varas Especializadas, podendo ser demandado tanto no
foro da capital quanto no foro do cumprimento da obrigação.
3. Segundo as normas de direito processual civil, a regra inserta no art. 100, inciso
IV, alínea "d", é especial em relação à regra prevista na alínea "a", inciso IV, do
mesmo artigo, de modo que o Estado federado pode ser demandado nas comarcas
em que a obrigação tributária deve ser satisfeita.
4. Na hipótese em que a ação anulatória precede a execução fiscal, recomenda-se,
como forma de evitar decisões inconciliáveis, a reunião das ações, visto que
conexas pela prejudicialidade.
5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido.”

Questão 2

DUDA´S SPORT WEAR Ltda. ajuíza ação anulatória de lançamento fiscal em face
da União Federal, já que entende que o lançamento, objeto da ação, é ilegal, e requer a
suspensão da exigibilidade do crédito tributário. A Fazenda contesta e requer a extinção
do processo sem a resolução do mérito por já haver uma execução fiscal em curso, não
sendo assim possível o ajuizamento de uma ação anulatória, muito menos a suspensão da
exigibilidade do crédito tributário Responda, fundamentadamente, em no máximo 15
(quinze) linhas, a quem cabe razão, bem como se é cabível a suspensão do crédito.

Michell Nunes Midlej Maron 88


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

Resposta à Questão 2

A existência de uma execução fiscal não obsta a propositura da ação anulatória,


porque o acesso à justiça não pode sofrer restrição tão severa.
Tampouco fica prejudicada a suspensão da exigibilidade do crédito, que pode ser
obtida por qualquer meio pertinente, como a liminar. Há apenas uma discussão quanto ao
depósito integral como método de suspensão, em que divergem os autores se será
depositado na ação anulatória ou na execução fiscal, prevalecendo o entendimento de que
deve ser feito na execução fiscal (não havendo prejuízo ao contribuinte se o fizer nos autos
da anulatória, porém).
Veja o Ag. Rg. no REsp. 974.439:

“AgRg no REsp 974439 / RS. DJ 13/12/2007 p. 334.


AGRAVO REGIMENTAL. CONEXÃO ENTRE EXECUÇÃO FISCAL E AÇÃO
ANULATÓRIA. SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO. GARANTIA DO JUÍZO.
ARTIGO 151 DO CTN. INADMISSIBILIDADE. ARTS. 620 DO CPC; 112, II E
IV, E 108 DO CTN. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA 211/STJ.
I - A jurisprudência desta Corte firmou entendimento no sentido de que a
suspensão do processo executivo fiscal depende de garantia do juízo ou depósito
do montante integral do débito, nos termos do art. 151 do CTN. Precedentes: AgRg
no REsp nº 846.308/RS, Rel. Min. CASTRO MEIRA, DJ de 02/10/2006 e REsp nº
764.612/SP, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, DJ de 12/09/2005.
II - Impossível a análise dos artigos 620 do CPC, 108, 112, II e IV, do CTN nesta
via especial, uma vez que, embora o recorrente tenha oposto os embargos de
declaração para vê-los apreciados pela Corte a quo, essa restou silente acerca das
matérias neles insertas, incidindo à hipótese o óbice do enunciado sumular nº
211/STF.
III - Agravo regimental improvido.”

Questão 3

Quanto à ação anulatória de débito fiscal, pergunta-se:


a) Qual a conseqüência, para o contribuinte, em não efetuar o depósito do valor do
tributo questionado? Justifique.
b) Qual a eficácia da sentença proferida? Justifique.
c) Na relação jurídica tributária, o candidato vislumbra hipótese no direito positivo
vigente de ação anômala contenciosa sem parte passiva?

Resposta à Questão 3

a) A ação prosseguirá normalmente, pois o depósito não pode ser visto como
condição de procedibilidade da ação anulatória, mas sim como causa de
suspensão da exigibilidade do crédito tributário.

b) A sentença tem eficácia desconstitutiva do crédito tributário lançado, e inter


partes, no aspecto subjetivo.

Michell Nunes Midlej Maron 89


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c) No direito brasileiro, só a ADECON não tem sujeito passivo, porque não há


“curador da inconstitucionalidade” da norma. Contudo, é processo objetivo, e
por isso as categorias do processo subjetivo não são ali exatamente iguais. Outra
ação deste molde seria a de investigação de paternidade contra suposto pai que é
morto e não deixou bens ou sucessores.
Na relação jurídica tributária, porém, não há a hipótese ventilada. O mais
perto que se chegaria disso seria uma ação do Estado contra decisão do
Conselho de Contribuintes, entidade do próprio Estado, ação esta que não se
admite, ante a autotutela tributária e a confusão de partes (mas aqui o
contribuinte relacionado seria ocupante do pólo passivo, pelo que a hipótese se
desconfiguraria).

Tema IX

Ação declaratória de inexistência de relação jurídica tributária. 1. Objeto; 2. Legitimidade; 3. Interesse


processual; 4. Execução fiscal e conexão; 5. Questões controvertidas. Jurisprudência. Doutrina.

Notas de Aula15

1. Ação declaratória de inexistência de relação jurídica tributária

O direito tributário não tem um ramo processual próprio. Por isso, se vale da
estrutura processual civil para se estabelecer este processo tributário, nas diversas ações
pertinentes à seara fiscal como um todo, com as devidas adaptações necessárias em razão
do direito público permear toda a dinâmica. Portanto, aplicam-se os institutos processuais
da teoria geral, mas a sua importação para a seara tributária não pode ser feita de forma

15
Aula ministrada pelo professor Rodrigo Jacobina Botelho, em 31/7/2009.

Michell Nunes Midlej Maron 90


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incondicional, de forma cega. Não é diferente com a ação declaratória de inexistência de


relação jurídica tributária.
Por conceito, a ação declaratória é a “ação antiexacional imprópria, aforada contra a
Fazenda Pública ou em face de ente que exerça a capacidade tributária, com a finalidade de
ver reconhecida judicialmente a existência, forma ou inexistência de vínculo obrigacional
incerto”.
O nome da ação já gera controvérsias. Boa parte da doutrina, de forma acertada, fala
em ação declaratória em matéria tributária, e não meramente em ação declaratória de
inexistência de relação jurídica tributária. O conceito acima exposto já exibe outros
préstimos a que esta ação se dispõe, reforçando esta tese.
Ao empregar a expressão “antiexacional”, o que se quer dizer é que esta ação visa a
subverter uma exação, que em direito tributário significa prestação compulsória. A ação é
antiexacional quando, direta ou indiretamente, pretende o autor reclamar de algum aspecto
da prestação que lhe é exigida.
A ação é aforada contra a Fazenda Pública, o que não significa que a legitimidade
ativa pertença exclusivamente ao administrado. A regra é esta, de fato, porque ante a
autotutela tributária que rege a atuação do Estado tributário, esta ação quase sempre
carecerá de interesse. É certo é que jamais haverá uma ação declaratória de qualquer escopo
ajuizada pela Fazenda em face do contribuinte, porque ela própria emite a declaração que
seria o destino da ação declaratória. Entretanto, há uma situação excepcional, em que a
Fazenda poderá ser autora de ação declaratória: quando ela, Fazenda Pública, for devedora
tributária, sujeito passivo de uma relação tributária. Por exemplo, a ação de um Município
em face da União, pretendendo a declaração de inexistência da relação jurídica tributária
relativa a contribuições para o INSS, exigidas pela União. Sempre que a autotutela amparar
a Fazenda, porém, ela será óbice ao ajuizamento de uma ação declaratória.
A ação é imprópria porque não tem regramento próprio, autônomo, no campo do
direito próprio, subsumindo-se ao CPC, portanto, especialmente ao artigo 4º deste diploma:

“Art. 4º O interesse do autor pode limitar-se à declaração:


I - da existência ou da inexistência de relação jurídica;
II - da autenticidade ou falsidade de documento.
Parágrafo único. É admissível a ação declaratória, ainda que tenha ocorrido a
violação do direito.”

1.1. Objeto da ação

O objeto da ação declaratória é o reconhecimento judicial da existência, forma ou


inexistência de um vínculo obrigacional incerto. A palavra-chave para indicar o interesse
pela ação declaratória é incerteza: se dubiedade existe, a declaração judicial é o caminho.
Esta ação visa, então, somente a acabar com uma instabilidade, e nada mais – o que é sua
limitação, diga-se, pois nada mais pode ser pretendido em uma ação puramente
declaratória.
Toda ação, todas elas, conta com um preceito declaratório, pois para que se condene
o réu é preciso declarar a situação jurídica que enseja tal condenação, e para que se
constitua ou desconstitua um direito, da mesma forma, é preciso que haja declaração de sua
pertinência ou impertinência. Contudo, nas ações constitutivas e condenatórias, a
declaração reside na causa de pedir, e é constante do fundamento da sentença, e não do

Michell Nunes Midlej Maron 91


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pedido da inicial, e correspondente dispositivo sentencial. Na declaratória pura, a


declaração é o pedido, e integra o dispositivo da sentença.
A ação declaratória terá escopo positivo ou negativo, como dito: será declaratória da
existência ou da inexistência de uma determinada situação. A declaração de que o indivíduo
faz jus a uma imunidade, por exemplo, é positiva, pois declara haver aquela relação jurídica
tributada, mas acobertada pela imunização; a declaração de que não há o fato gerador
ensejador de um lançamento é claramente negativa, pois declara inexistir a relação
tributária que o fisco entendia presente.
De qualquer forma, portanto, a ação declaratória se resume à declaração, e por isto
mesmo não teria muito uso na praxe foreira, não fosse uns poucos casos em que a
declaração da situação seja suficiente a amparar o anseio do autor.
A instabilidade que se quer declarar precisa ser objetiva: só há interesse na
declaratória se a incerteza for concreta. Isto não significa, porém, que a declaração só se
refira a relação atual, em curso, pois pode haver esta ação dedicada a esclarecer incerteza
sobre questão objetiva iminente. Não deixa de ser concreta a situação jurídica em mira, por
isso, apenas variando o momento em que se passa (ou passará) tal situação.
Um exemplo é bem-vindo: o sujeito que se vê diante de uma dúvida sobre um fato
que praticou – se é ou não gerador de determinada tributação – pode ajuizar a declaratória
negativa da relação jurídica tributária em questão, sendo claramente uma situação presente
que precisa de solução para a incerteza por si gerada. Pode, porém, o sujeito ser
surpreendido por uma lei que o coloque na mesma dubiedade sobre fatos que pratica, mas
cuja vigência está pendente de atenção à anterioridade tributária, caso em que a situação
duvidosa que se pretende pacificar só ocorrerá, por exemplo, quando da virada do ano
fiscal. Nada impede que este indivíduo ajuíze, desde já, a ação declaratória negativa
daquela relação jurídica que só ocorrerá no ano vindouro. O interesse processual está
presente desde já, mesmo que a relação jurídica ensejadora da pretensão sequer tenha
ocorrido.
Esta diferença do processo civil se deve ao fato de que a relação tributária é regida
por atividade plenamente vinculada da administração, e porque o lançamento é ato
obrigatoriamente realizado, o que indica que a relação jurídica não é passível de não vir ao
ordenamento jurídico – ela fatalmente existirá, e por isso já há o interesse em esclarecer
seus termos. Este é um exemplo da adaptação que os institutos processuais comuns precisa
sofrer quando se lhes observa no processo tributário – o interesse de agir, no caso.
Diferentemente ocorre quando há qualquer – absolutamente qualquer –
possibilidade de que a relação jurídica que gerará a incerteza não venha a se estabelecer.
Entenda-se com um exemplo: suponha que o indivíduo está instalando sua indústria, e,
antes de iniciar a produção, ajuíza ação declaratória negativa de determinada relação
tributária envolvendo seu produto. Esta ação não tem interesse processual, pelo seguinte
detalhe: por mais que haja plena certeza na mente do indivíduo de que a produção, geradora
da dúvida, acontecerá, esta não é uma atividade plenamente vinculada, capaz de produzir a
absoluta certeza de que ocorrerá. Ao contrário, é regida pela liberdade da iniciativa privada,
pelo que, ao depender de uma decisão do empresário, perde a nota característica peculiar
que autoriza a presunção absoluta de que a situação de incerteza acontecerá – a
obrigatoriedade de atenção aos artigos de lei que vinculam a atuação tributária e ao
lançamento tributário. Portanto, sem esta obrigatoriedade, não há interesse fundamentado,

Michell Nunes Midlej Maron 92


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

devendo haver o aguardo da contemporaneidade da situação duvidosa para que o processo


seja justificado.
Esta diferença se sintetiza em um período simples: só cabe a ação declaratória
tributária prévia à ocorrência da situação geradora da dúvida se nenhum elemento desta
situação for passível de discricionariedade de qualquer forma.
O exercício mental para definir se há este cabimento ou não é simples:
fotograficamente, no momento da distribuição da ação, deve-se cogitar se a incidência das
normas tributárias faria a dúvida surgir; se não, a declaração não é cabível. Só há interesse
de agir na relação jurídica iminente se, fotograficamente, naquele momento prévio,
hipoteticamente a situação se instalaria; se não, não há interesse. No exemplo dado, se a lei
sujeita à anterioridade fosse vigente imediatamente, a produção que está em curso seria
alcançada pela dúvida, mas a produção que está na iminência não o seria – para a primeira
cabe a ação; para a segunda, não.
O pedido da ação declaratória, como dito, é somente sobre a relação em questão.
Quando se argúi que uma determinada norma é inconstitucional, e por isso a relação
inexiste, a declaração de inconstitucionalidade é a causa de pedir, e não o pedido. Há que se
ter cuidado com esta diferença, por questão conceitual básica do próprio direito de ação –
afinal, em qualquer ação subjetiva esta é a dinâmica, à exceção das ações diretas do
controle concentrado. Não se pode, na via incidental, objetivar a declaração de
inconstitucionalidade.
A ação declaratória também não pode ser utilizada como meio de proceder a mera
consulta ao Judiciário. Ela deve ter por escopo obter um efeito jurídico concreto sobre uma
determinada relação tributária, não podendo ser utilizada apenas para declarar um mero fato
qualquer, sem repercussão em uma relação jurídica tributária real, sem impactar uma
relação concreta, contemporânea ou iminente inafastável.

1.2. Legitimidade ativa e passiva

O legitimado ativo da ação declaratória é o sujeito passivo da obrigação tributária.


Alguns autores defendem a tese de que determinadas pessoas, em virtude do vínculo com a
relação jurídica, seriam legitimados para esta ação – o famigerado locatário, na discussão
do IPTU, por exemplo. Contudo, a jurisprudência é remansosa: só é legitimado para a ação
declaratória aquele que é diretamente participante da relação jurídica tributária em questão.
No exemplo do IPTU, é o locador, e ponto.
Há que se ter cuidado, porém, com a situação do substituído, na substituição
tributária do ICMS. Esta figura, hoje, é certamente legitimada para a ação declaratória
tributária, tal como na repetição de indébito, por expressa menção no artigo 10 da LC
87/96:

“Art. 10. É assegurado ao contribuinte substituído o direito à restituição do valor


do imposto pago por força da substituição tributária, correspondente ao fato
gerador presumido que não se realizar.
§ 1º Formulado o pedido de restituição e não havendo deliberação no prazo de
noventa dias, o contribuinte substituído poderá se creditar, em sua escrita fiscal, do
valor objeto do pedido, devidamente atualizado segundo os mesmos critérios
aplicáveis ao tributo.
§ 2º Na hipótese do parágrafo anterior, sobrevindo decisão contrária irrecorrível, o
contribuinte substituído, no prazo de quinze dias da respectiva notificação,

Michell Nunes Midlej Maron 93


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

procederá ao estorno dos créditos lançados, também devidamente atualizados, com


o pagamento dos acréscimos legais cabíveis.”

Não se pode confundir esta situação especifica da substituição para frente do ICMS,
com a situação do contribuinte de fato, nos tributos em que há esta dicotomia, quando se
aplica o artigo 166 do CTN, já abordado, que só dá legitimidade ao contribuinte de direito.
A legitimação passiva na ação declaratória pertence ao sujeito ativo da obrigação
tributária. Não incumbe ao sujeito dotado de competência tributária, competência
normativa e legislativa sobre o tributo, e sim ao sujeito detentor da capacidade tributária.

1.3. Ação declaratória vs. ação anulatória

O que define a opção entre uma ou outra ação, declaratória ou anulatória tributária,
é o alcance que se pretende com a coisa julgada que se busca. Se a prestação jurisdicional
declaratória for suficiente, esta é a ação que deve ser ajuizada; se for necessário algum atuar
a mais do que a mera declaração, a declaratória não será a ação cabível.
Imagine-se a situação em que há a tributação de um imóvel pelo IPTU, e em
determinado ano haja um erro na metragem considerada, majorando indevidamente o valor
do tributo. Para correção deste erro, a ação necessária é a declaratória ou a anulatória?
No passado, este tema era tratado de forma muito simplista. A doutrina propunha
que tudo que fosse ser discutido em momento prévio ao lançamento seria alvo de ação
declaratória, e tudo que viesse após o lançamento seria feito por meio de outras ações
tributárias, como a anulatória. Mesmo que não esteja errado este critério, há que ser este
trazido de forma mais técnica, porque o lançamento jamais pode ser visto como um
obstáculo ao ajuizamento da ação declaratória: mesmo já havendo o lançamento, a
declaratória pode ser ajuizada, se para o autor da ação for suficiente, em sua pretensão,
haver apenas a declaração da inexistência da relação.
Voltando ao exemplo do IPTU erradamente lançado, se o autor optar pela ação
anulatória, ele estará pretendendo anular aquele lançamento errôneo, o que significa que, a
cada ano que vier, será necessário o ajuizamento de nova ação anulatória, porque o erro se
repetirá – a coisa julgada alcançou apenas o pedido de anulação daquele lançamento, anual,
e por isso não alterou o critério errôneo que deu origem ao lançamento anulado, fazendo
com que este se repita ad aeternum. Por conta desta peculiaridade, a ação declaratória
alvejando a forma da relação jurídica tributária basal, ou seja, visando a declarar que o
IPTU lançado com aquela metragem está errado, alcançará a relação como um todo,
impedindo que novos lançamentos errôneos sejam feitos com aquela metragem declarada
errada.
Contudo, esta ação declaratória não tem qualquer efeito sobre o lançamento errôneo
que já foi feito – afinal, é meramente declaratória do erro, e não anulatória do lançamento.
Dali em diante, é resolvida a situação; sobre o lançamento já efetivado erradamente, não, a
não ser que o fisco, por sua própria mão, resolva retificar o lançamento efetivado,
adaptando-o à declaração obtida na coisa julgada – o que é surpreendentemente corriqueiro,
diga-se, pois o fisco tem atuado em atenção à melhor probidade, economicidade, eficiência,
moralidade, e especialmente legalidade. Por esta atuação proativa do fisco é que a ação
meramente declaratória tem ganhado espaço nas lides tributárias.
A redação da súmula 239 do STF deixa bem clara esta dinâmica da coisa julgada em
uma e outra ação, declaratória e anulatória:

Michell Nunes Midlej Maron 94


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

“Súmula 239, STF: Decisão que declara indevida a cobrança do imposto em


determinado exercício não faz coisa julgada em relação aos posteriores.”

Se o fisco não acatar por mão própria a declaração obtida pelo sujeito passivo para a
relação alheada da coisa julgada, a solução será o ajuizamento de nova ação, esta com
pedido desconstitutivo, anulatório16. Porém, o que passou a ser considerado razoável, na
jurisprudência, é uma relativização do que dispõe a súmula 239, supra: sempre que há uma
declaração judicial, esta engloba a relação jurídica tributária, e a lei que a permeia (eis que
as obrigações tributárias são ex lege). Sendo assim, enquanto não alterada a norma por
detrás da relação, a coisa julgada permanece eficaz e invocável (o que não resolve, porém, a
questão do não alcance do ato constitutivo pela mera declaração, que não tem efeito
desconstitutivo).

1.4. Ação declaratória vs. execução fiscal

Para a jurisprudência, especialmente o STJ, há conexão entre estas ações.


Anteriormente, o STJ entendia que não havia conexão, tecnicamente, mas sim uma relação
de pertinência temática, uma prejudicialidade, que demandava a reunião dos processos em
prol da segurança jurídica, a fim de evitar pronunciamentos jurisdicionais conflitantes.
Hoje, entretanto o STJ defende que há, sim, conexão propriamente dita, tão-somente pela
coincidência do objeto das demandas.

Casos Concretos

Questão 1

Proposta ação declaratória da inexistência de relação jurídico-tributária contra o


fisco, com depósito integral do tributo que a Administração Tributária entende devido, está
ela inibida de promover o lançamento?
Resposta objetiva e fundamentada.

Resposta à Questão 1

De forma alguma. O lançamento não pode ser impedido, porque está sujeito a
decadência, nos termos dos artigos 173 e 150, § 4º, do CTN, e esta não pode ser causada
por ato diverso da inércia imputada ao próprio fisco. Ainda que a exeqüibilidade do crédito
vá estar suspensa, a constituição deste crédito é mandatória. Reveja os dispositivos:

16
Nada impede, todavia, que haja o ajuizamento de uma ação em que se cumulem os pedidos de anulação e
declaração, e até mesmo de repetição, diga-se. Neste caso, é uma ação de pedidos cumulados, perfeitamente
admissível, e que colocaria na parte dispositiva da sentença a declaração e a anulação – ante os pedidos
desconstitutivo e declaratório cumulados. Esta solução prática não interfere ou modifica as digressões
técnicas sobre as ações isoladas, até agora explanadas, porque o campo empírico da cumulação não perturba o
campo teórico das ações isoladas.

Michell Nunes Midlej Maron 95


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

“Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se


após 5 (cinco) anos, contados:
I - do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter
sido efetuado;
II - da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício
formal, o lançamento anteriormente efetuado.
Parágrafo único. O direito a que se refere este artigo extingue-se definitivamente
com o decurso do prazo nele previsto, contado da data em que tenha sido iniciada a
constituição do crédito tributário pela notificação, ao sujeito passivo, de qualquer
medida preparatória indispensável ao lançamento.”

“Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja
legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio
exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida
autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado,
expressamente a homologa.
§ 1º O pagamento antecipado pelo obrigado nos termos deste artigo extingue o
crédito, sob condição resolutória da ulterior homologação ao lançamento.
§ 2º Não influem sobre a obrigação tributária quaisquer atos anteriores à
homologação, praticados pelo sujeito passivo ou por terceiro, visando à extinção
total ou parcial do crédito.
§ 3º Os atos a que se refere o parágrafo anterior serão, porém, considerados na
apuração do saldo porventura devido e, sendo o caso, na imposição de penalidade,
ou sua graduação.
§ 4º Se a lei não fixar prazo a homologação, será ele de cinco anos, a contar da
ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se
tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente
extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação.”

Questão 2

UNIVERSAL DE SEGUROS S.A., com sede na Capital de São Paulo, foi autuada
pelo Fisco por não recolher ICMS referente à alienação de automóveis salvados de
sinistros. A prática habitual da seguradora é a de vender automóveis sinistrados para
empresas recuperadoras, que os desmontam e revendem as peças, recolhendo o ICMS
devido.
A seguradora entende que operações comerciais com salvados de sinistros
integram o contrato de seguro, nada mais sendo devido ao Fisco além dos impostos sobre
operações de seguros de competência da União. Alega a seguradora que a incidência de
ICMS em operações realizadas por companhias seguradoras é ilegítima e inconstitucional,
já que os impostos devidos por estas são regidos por legislação federal e não estadual.
Visando a proteger seus direitos, a seguradora ajuizou Ação Declaratória
solicitando que fosse declarado: inexistência de relação jurídica tributária entre a Autora
e a Fazenda do Estado de São Paulo; reconhecimento da inexistência de incidência de
ICMS na alienação de salvados de sinistros. Na forma do art. 151, II, do CTN, a Autora
efetuou o depósito do montante integral do ICMS reclamado pelo Fisco Estadual.
Responda, fundamentadamente:
a) Qual é o efeito do depósito judicial efetuado pela Seguradora sobre o crédito
tributário constituído pela Fazenda Estadual?

Michell Nunes Midlej Maron 96


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

b) Qual será a destinação do depósito judicial nas hipóteses de a Seguradora sair


vencedora do litígio? E se vier a perder?
c) Procede a alegação da seguradora sobre os salvados de sinistros, em que afirma
que estes integram o contrato de seguro, sendo sua eventual tributação de
competência da União e não do Estado?
d) Qual é o argumento capaz de refutar a alegada ilegitimidade e
inconstitucionalidade da atuação tributária do Estado em companhias
seguradoras?

Resposta à Questão 2

a) O efeito é a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, desde que o


depósito seja feito em montante integral e em dinheiro.

b) A seguradora levantará o depósito; se vier a perder, é o porque o Judiciário


entendeu que o tributo é devido, pelo que o depósito será convertido em renda.

c) A discussão sobre o tema ainda é severa. O STJ tem entendido que as


seguradoras, quando transacionam com salvados de sinistros, bens recuperados
cujo seguro já foi pago, sofreriam a incidência de ICMS, ante a habitualidade
com que eram praticadas tais operações. Entretanto, o STF enfrenta hoje a
matéria, e a tese capitaneada por Gilmar Mendes defende que a transação dos
salvados decorre do fenômeno da subrogação, fenômeno que tem conceito
próprio no contrato de seguro, e que portanto desperta a tributação pelo IOF,
federal, e não pelo ICMS.

d) A subrogação do salvado no contrato do seguro é parte integrante do contrato, e


como o IOF é o tributo incidente sobre estas operações, a incidência do ICMS
seria inconstitucional.

Veja, a respeito, o julgado da MC na ADI 1.648, e as transcrições sobre seu debate,


constantes do informativo de jurisprudência 478 da Corte Suprema:

“ADI 1648 MC / MG - MINAS GERAIS. MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO


DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Relator(a): Min. NÉRI DA
SILVEIRA. Julgamento: 13/08/1997. Órgão Julgador: Tribunal Pleno.
EMENTA: - Ação direta de inconstitucionalidade. Medida cautelar. 2. Argüição de
inconstitucionalidade das expressões - "e a seguradora" - inscritas no inciso IV do
art. 15 da Lei nº 6763, de 26.12.1975, com redação dada pelo art. 1º, da Lei nº
9758, de 10.2.1989, ambas do Estado de Minas Gerais, bem como do art. 14 e da
expressão "o comerciante" constante do inciso I do art. 15, ambos da Lei nº
6763/1975, com redação conferida pelo art. 1º, da Lei nº 9758/1989, do mesmo
Estado. 3. Incidência de ICMS na alienação, por seguradora, de salvados de
sinistro. 4. Liminares concedidas nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade nºs
1332-7 - RJ e 1390-4 - SP, versando tema semelhante, quanto a normas dos
Estados do Rio de Janeiro e São Paulo. 5. Cautelar deferida, em parte, para
suspender, ex nunc e até o julgamento final da ação, a vigência das expressões "e a
seguradora!" constantes do inciso IV do art. 15, da Lei nº 6763/1975, na redação
do art. 1º, da Lei nº 9758, de 10.2.1989, ambas do Estado de Minas Gerais.”

Michell Nunes Midlej Maron 97


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

“ICMS e Salvados – 3
O Tribunal retomou julgamento de ação direta ajuizada pela Confederação
Nacional do Comércio contra a expressão "e a seguradora", constante do inciso IV
do art. 15 da Lei 6.763/75, na redação dada pelo art. 1º da Lei 9.758/89, ambas do
Estado de Minas Gerais, bem como do art. 14, e da expressão "o comerciante",
constante do inciso I do art. 15, todos da citada Lei 6.763/75, em que se pretende
ver declarada a inconstitucionalidade da incidência de ICMS sobre a alienação, por
parte das empresas seguradoras, de salvados de sinistro - v. Informativos 283 e
419. Preliminarmente, o Tribunal, tendo em vista já ter sido proferido voto por
Ministro que está aposentado, rejeitou pedido de renovação do julgamento feito
pela requerente, em face da recomposição da Corte. Em seguida, o Min. Gilmar
Mendes, que indicara adiamento na sessão anterior, reiterou seu voto pela
procedência parcial do pedido formulado, para declarar a inconstitucionalidade da
expressão "e a seguradora", contida no inciso IV do art. 15 da Lei 6.763/75. Por
sua vez, o Min. Menezes Direito deu pela parcial procedência do pedido, para, sem
redução de texto, dar interpretação conforme, no sentido de excluir a
tributabilidade, mediante ICMS, das operações de alienação, por seguradoras, de
salvados de sinistro. Entendeu que a retirada da expressão "e a seguradora"
implicaria a exclusão completa das seguradoras, prestadoras de serviços, do
sistema tributário estadual, já que o caput do art. 14 da lei em questão estaria
definindo os contribuintes do imposto. Considerou, ademais, que a operação
realizada com os salvados seria mera conseqüência da restituição do patrimônio da
própria seguradora em decorrência da sua atividade securitária, não configurando,
tecnicamente, uma circulação de mercadoria, razão pela qual não haveria incidir
sobre ela o ICMS. Após os votos dos Ministros Joaquim Barbosa, Eros Grau e
Carlos Ayres Britto, que acompanhavam o voto do Min. Menezes Direito, pediu
vista dos autos o Min. Cezar Peluso.
ADI 1648/MG, rel. Min. Gilmar Mendes, 6.9.2007. (ADI-1648)”

Questão 3

Indústria Plástica Ovídeos S/A ajuíza ação declaratória cumulada com depósito,
objetivando ver declarada a inexistência de relação jurídica que a obrigue recolher o
IPTU relativo a dois imóveis que aluga.
A Fazenda Municipal pugna pela extinção do feito sem julgamento do mérito, tendo
em vista a ilegitimidade ativa, uma vez que a sociedade é mera locatária do imóvel, não
tendo assim relação jurídica que lhe autorize o ajuizamento da respectiva ação.
Responda fundamentadamente se você, como juiz competente, receberia a inicial.

Resposta à Questão 3

O locatário não tem qualquer relação jurídica tributária com a Fazenda, não sendo
reconhecido como legitimado à ação declaratória. A sua responsabilidade contratual pelo
pagamento não é oponível ao fisco, em atenção ao já abordado artigo 123 do CTN. A inicial
não deve ser recebida.
Veja o REsp. 173.230:

“REsp 173230 / SP. DJ 04/09/2000 p. 138.


TRIBUTÁRIO - IPTU - LOCATÁRIO - ILEGITIMIDADE "AD CAUSAM" -
CTN, ART. 21 - EXTINÇÃO DO PROCESSO - CPC, ART. 267, VI -
PRECEDENTES.

Michell Nunes Midlej Maron 98


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

- O locatário é parte ilegítima para litigar a respeito de questões que envolvam o


pagamento do IPTU, por isso que não se enquadra como contribuinte, nem como
responsável tributário.
- Recurso conhecido e provido, para declarar extinto o processo, sem julgamento
do mérito (CPC, art. 267, VI).”

Tema X

Execução fiscal I. 1. Legitimidade ativa; 2. Inscrição na dívida ativa; 3. Certidão da dívida ativa; 4.
Substituição do título; 5. Legitimidade passiva na execução fiscal. Responsabilidade do sócio-gerente da
empresa executada. Litisconsórcio na execução fiscal. Execução fiscal contra o responsável tributário; 6.
Competência; 7. Execução fiscal e falência do executado; 8. Questões controvertidas. Jurisprudência.
Doutrina.

Notas de Aula17

1. Execução fiscal: notas introdutórias

A Lei de Execuções Fiscais, Lei 6.830/80 – doravante LEF –, criou o regime


especial de cobrança dos créditos fiscais. Este regime especial se deve ao fato de que o
crédito fiscal é derivado de uma relação de direito público, sendo altamente relevante ao
interesse público, e por isso preferencial.
17
Aula ministrada pelo professor Rodrigo Jacobina Botelho, em 31/7/2009.

Michell Nunes Midlej Maron 99


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

Repare que a lei é para a execução fiscal, e não execução tributária, somente. Todo
crédito fiscal, tributário ou não, em princípio, segue este rito para sua satisfação coercitiva.
Vale dizer que hoje o termo fiscal tem sido substituído pela expressão participação
governamental, significando tudo aquilo que provém da produção privada e participa ao
Estado, sendo tributo ou qualquer outra forma.
O artigo 1º da LEF traz a seguinte redação:

“Art. 1º - A execução judicial para cobrança da Dívida Ativa da União, dos


Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autarquias será regida
por esta Lei e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil.”

Ao que aduz o § 2º do artigo 2º do mesmo diploma:

“Art. 2º - Constitui Dívida Ativa da Fazenda Pública aquela definida como


tributária ou não tributária na Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, com as
alterações posteriores, que estatui normas gerais de direito financeiro para
elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos
Municípios e do Distrito Federal.
§ 1º - Qualquer valor, cuja cobrança seja atribuída por lei às entidades de que trata
o artigo 1º, será considerado Dívida Ativa da Fazenda Pública.
§ 2º - A Dívida Ativa da Fazenda Pública, compreendendo a tributária e a não
tributária, abrange atualização monetária, juros e multa de mora e demais encargos
previstos em lei ou contrato.
§ 3º - A inscrição, que se constitui no ato de controle administrativo da legalidade,
será feita pelo órgão competente para apurar a liquidez e certeza do crédito e
suspenderá a prescrição, para todos os efeitos de direito, por 180 dias, ou até a
distribuição da execução fiscal, se esta ocorrer antes de findo aquele prazo.
§ 4º - A Dívida Ativa da União será apurada e inscrita na Procuradoria da Fazenda
Nacional.
§ 5º - O Termo de Inscrição de Dívida Ativa deverá conter:
I - o nome do devedor, dos co-responsáveis e, sempre que conhecido, o domicílio
ou residência de um e de outros;
II - o valor originário da dívida, bem como o termo inicial e a forma de calcular os
juros de mora e demais encargos previstos em lei ou contrato;
III - a origem, a natureza e o fundamento legal ou contratual da dívida;
IV - a indicação, se for o caso, de estar a dívida sujeita à atualização monetária,
bem como o respectivo fundamento legal e o termo inicial para o cálculo;
V - a data e o número da inscrição, no Registro de Dívida Ativa; e
VI - o número do processo administrativo ou do auto de infração, se neles estiver
apurado o valor da dívida.
§ 6º - A Certidão de Dívida Ativa conterá os mesmos elementos do Termo de
Inscrição e será autenticada pela autoridade competente.
§ 7º - O Termo de Inscrição e a Certidão de Dívida Ativa poderão ser preparados e
numerados por processo manual, mecânico ou eletrônico.
§ 8º - Até a decisão de primeira instância, a Certidão de Dívida Ativa poderá ser
emendada ou substituída, assegurada ao executado a devolução do prazo para
embargos.
§ 9º - O prazo para a cobrança das contribuições previdenciárias continua a ser o
estabelecido no artigo 144 da Lei nº 3.807, de 26 de agosto de 1960.”

Vê-se, então, a ampla abrangência da execução fiscal, que açambarca virtualmente


todos os créditos detidos pelo fisco.

Michell Nunes Midlej Maron 100


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

O artigo 1º exprime idéia de obrigatoriedade da observância da LEF para satisfação


dos créditos fiscais, ao expressar que a execução “será regida” por tal diploma, e apenas
subsidiariamente calcada no CPC. O rito da execução fiscal, portanto, é mandatório,
obrigatório para satisfação de créditos fiscais, não sendo facultada a opção por outro rito.
Esta obrigatoriedade já foi discutida sob vários aspectos, especialmente quando o fisco se
vale de meios coercitivos outros para recebimento de seus créditos – a apreensão de
mercadorias, não prevista na lei, sempre foi um exemplo. Hoje, ressurge esta discussão
centrada em um evento que tem sido bastante debatido: a possibilidade de o fisco se valer
ou não do protesto da certidão da dívida ativa como meio de coerção.
O Estado do Rio de Janeiro editou uma lei em 2008 que autoriza a Procuradoria-
Geral do Estado a protestar a certidão da dívida ativa, lei estadual supostamente amparada
no artigo 1º da Lei 9.492/97, que conta com a expressão “outros documentos de dívida”
como elementos protestáveis:

“Art. 1º Protesto é o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o


descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de
dívida.”

O uso do protesto da certidão da dívida ativa já foi intentado anteriormente por


entes federativos diversos, mas a jurisprudência sempre foi claramente refratária a este uso
descabido do protesto. Como primeiro argumento pelo descabimento do protesto deste
título, a LEF simplesmente não prevê o protesto como meio de coerção, e o rito deste
diploma deve ser seguido à risca. Segundo argumento é o de que o protesto tem funções
específicas, bastante próprias, quais sejam, dar publicidade à mora do devedor, e permitir o
requerimento de falência, e se o Estado não precisa de nenhuma destas funções (pois a
mora tributária é ex lege e a publicidade da mora já consta do cadastro da dívida ativa, além
de que o Estado não é legitimado a requerer falência, justamente porque a execução fiscal é
rito obrigatório, não podendo a Fazenda optar pelo rito falimentar), não há qualquer
utilidade em se promover o protesto da certidão da dívida ativa, senão a cobrança
coercitiva, com o implemento da função extralegal que este desempenha – a coerção ao
pagamento pelo cerceamento do crédito do devedor no mercado.
Se a cobrança coercitiva do crédito fiscal deve ser feita por meio dos instrumentos
da LEF, obrigatoriamente, e não por qualquer meio escolhido pelo Estado – o rito da
execução fiscal é inegociável –, o protesto da certidão da dívida ativa seria, de fato,
indevido, vez que imprevisto na LEF.
No Estado do Rio de Janeiro, como dito, há lei estadual permitindo este expediente,
e a Corregedoria-Geral de Justiça regulamentou tal lei, estabelecendo os procedimentos a
serem seguidos pelo tabelião de protestos, que tem que dar curso ao protesto previsto na
legislação estadual, não podendo imiscuir-se nos meandros materiais da correção ou não do
ato (o que não significa que a norma seja legitimada pelo TJ/RJ, pois a norma regulamentar
é meramente procedimental, não enfrentando a legalidade ou constitucionalidade da lei
estadual).
Se este protesto for indevidamente levado a cabo pelo Estado, é este quem
responderá pelos danos causados ao devedor tributário pelo protesto indevido (e não o
tabelião, que não pode se negar a dar curso ao protesto, como dito, por vícios materiais da
relação, limitando-se à análise formal do título).

Michell Nunes Midlej Maron 101


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

O legitimado a promover a execução fiscal, por óbvio, é o titular do crédito fiscal,


passível de execução. A dívida ativa tributária está definida no artigo 201 do CTN; a dívida
ativa não-tributária, por seu turno, está prevista no artigo 39, § 2º, da Lei 4.320/64. Veja os
dispositivos, pela ordem:

“Art. 201. Constitui dívida ativa tributária a proveniente de crédito dessa natureza,
regularmente inscrita na repartição administrativa competente, depois de esgotado
o prazo fixado, para pagamento, pela lei ou por decisão final proferida em processo
regular.
Parágrafo único. A fluência de juros de mora não exclui, para os efeitos deste
artigo, a liquidez do crédito.”

“Art. 39. Os créditos da Fazenda Pública, de natureza tributária ou não tributária,


serão escriturados como receita do exercício em que forem arrecadados, nas
respectivas rubricas orçamentárias. (Redação dada pelo Decreto Lei nº 1.735, de
20.12.1979)
(...)
§ 2º - Dívida Ativa Tributária é o crédito da Fazenda Pública dessa natureza,
proveniente de obrigação legal relativa a tributos e respectivos adicionais e multas,
e Dívida Ativa não Tributária são os demais créditos da Fazenda Pública, tais como
os provenientes de empréstimos compulsórios, contribuições estabelecidas em lei,
multa de qualquer origem ou natureza, exceto as tributárias, foros, laudêmios,
alugueis ou taxas de ocupação, custas processuais, preços de serviços prestados por
estabelecimentos públicos, indenizações, reposições, restituições, alcances dos
responsáveis definitivamente julgados, bem assim os créditos decorrentes de
obrigações em moeda estrangeira, de subrogação de hipoteca, fiança, aval ou outra
garantia, de contratos em geral ou de outras obrigações legais. (Parágrafo incluído
pelo Decreto Lei nº 1.735, de 20.12.1979)
(...)

Há um iter a ser perseguido até se alcançar a execução fiscal. O crédito fiscal traz
consigo o signo da exigibilidade, desde sempre. Ele nasce exigível. Ao perseguir sua
existência até seu vencimento impago, ele é encaminhado à inscrição na dívida ativa, que
consiste no último exame de legalidade do crédito fiscal, ato pelo qual se outorga liquidez e
certeza ao crédito que sempre foi exigível (porventura suspenso, mas nunca perdeu a
exigibilidade).
Inscrito na dívida ativa, recebida a liquidez e certeza, o crédito pode ser executado.
Ao passo que o lançamento constitui o crédito tributário, é a inscrição na dívida ativa que
empresta exeqüibilidade a este crédito, que então passa a ser liquido e certo, eis que já era
exigível.
A inscrição na dívida ativa é feita em livros dedicados a esta dívida, dos quais se
extraem as certidões necessárias a instruir o feito executivo, a execução fiscal. Estas
certidões nada mais são do que títulos executivos extrajudiciais que trazem em seu bojo
elementos julgados pelo legislador como fundamentais à instrução da execução fiscal.
Os elementos necessários para a instrução, que devem constar da certidão da dívida
ativa, são previstos no § 5º do artigo 2º da LEF, há pouco transcrito. Analisando tais
requisitos, vê-se que a motivação do legislador em elegê-los é a proteção do executado ante
a autotutela que rege a administração tributária, pelo que ao fazer constar tais elementos, o
legislador pretendeu resguardar a ampla defesa e o contraditório: ainda que o título tenha
sido produzido sob o signo da autotutela, é necessário que ele preencha todas as
informações que são imprescindíveis à possibilidade de defesa do executado.

Michell Nunes Midlej Maron 102


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

Se o título executivo, a certidão da dívida ativa, contiver vícios, a execução seria


naturalmente tida por nula. Todavia, o § 8º do mesmo artigo 2º, supra, estabelece norma
excepcional, em que se permite a emenda ou substituição da certidão até que seja proferida
decisão em primeira instância – que neste rito executório é a sentença que resolve os
embargos à execução fiscal –, reabrindo-se prazo para defesa pelo executado. Esta sentença
é o limitador temporal para a emenda ou substituição da certidão da dívida ativa porque
após esta decisão o magistrado põe fim a sua prestação jurisdicional de primeira instância, e
como no regime recursal brasileiro a devolução da matéria fica restrita ao que for tratado
pela sentença, se se permitisse a alteração do título após esta decisão se estaria abrindo
caminho a inovação completa em segunda instância, restando flagrante a supressão de
instância jurisdicional sobre a matéria inovativa.
Note que nem sempre será necessária a substituição ou emenda da certidão, mesmo
havendo vício percebido no título. Se o vício que se apresentar puder ser afastado por mera
realização de cálculo aritmético de baixa complexidade, basta a realização destes cálculos,
não sendo necessária qualquer alteração no título – não há prejuízo para o executado, e por
isso é permitida esta operação matemática retificadora. Se o vício for significativo o
bastante para impedir a retificação por mero cálculo matemático, a alteração do título –
emenda ou substituição – é necessária. Exemplo de vício corrigível matematicamente é o
lançamento de juros errôneos, a maior ou a menor; exemplo de vício insanável
matematicamente é o antevisto caso do erro na base de cálculo do IPTU, que considerou
metragem do imóvel maior do que a real – ensejando anulação da certidão, pois baseada em
lançamento viciado.
O legitimado passivo, na execução fiscal, é o devedor fiscal, que na matéria
tributária é o sujeito passivo da obrigação tributária, seja ele o contribuinte ou o
responsável tributário. Aqui surge uma questão de suma importância: quando, e sob qual
justificativa, a execução recairá sobre o responsável, especialmente sobre os sócios de
sociedades empresárias. Vejamos.
O entendimento hoje vigente é que, para que haja responsabilização dos sócios, eles
têm que estar incursos em alguma das situações previstas no artigo 135 do CTN:

“Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a


obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou
infração de lei, contrato social ou estatutos:
I - as pessoas referidas no artigo anterior;
II - os mandatários, prepostos e empregados;
III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito
privado.”

É pacífico na jurisprudência que o simples inadimplemento tributário não é causa


suficiente para atribuir tal responsabilidade aos sócios, sendo fundamental a ocorrência de
uma das hipóteses do artigo supra.
O STJ sempre entendeu que incumbia à Fazenda comprovar a incidência em uma
das hipóteses do artigo 135 do CTN para direcionar a execução fiscal contra os sócios,
exceto nas contribuições de natureza previdenciária. Entendeu esta Corte Superior que
nestas contribuições a presunção de responsabilidade dos sócios é absoluta, derivada da
própria lei, dispensada a prova de incursão neste artigo 135. É claro que esta decisão
causou enorme celeuma, e o STJ refez seu entendimento no sentido de que esta presunção

Michell Nunes Midlej Maron 103


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

absoluta não vigora, devendo ser comprovada a incidência do artigo 135 do CTN também
nas contribuições previdenciárias.
Está pacificado, então, que: o mero inadimplemento tributário não enseja
responsabilização pessoal dos sócios; e a incidência no artigo 135 do CTN é necessária para
atribuir responsabilidade aos sócios, inclusive nas contribuições previdenciárias.
A discussão que persiste, porém, diz respeito ao ônus probatório acerca da
ocorrência destas hipóteses: a quem incumbiria tal ônus, à Fazenda, comprovando a
existência da hipótese do artigo 135 do CTN, ou a executado, em embargos, comprovando
a inocorrência de tal hipótese?
O STJ resolveu esta questão de forma bastante técnica, dividindo a regra em duas
situações possíveis, cada uma com um desfecho diferente: quando o nome dos sócios
estiver na certidão e quando não estiver. Vejamos.
Se o nome do sócio que se faz imputável constar do titulo executivo, ou seja, estiver
presente na certidão da dívida ativa, a execução fiscal será ajuizada contra ele, de plano, e a
ele restará o ônus de comprovar a não incursão em hipótese do artigo 135 do CTN. Assim
se justifica esta lógica: se o nome do sócio consta da certidão, indica que este tem
responsabilidade ab initio, desde quando se promoveu a constituição do crédito tributário
pelo lançamento. Isto significa que o sócio, cujo nome consta da certidão, foi notificado do
lançamento, teve oportunidade de impugná-lo, e viu tal crédito ser inscrito na dívida ativa –
ou seja, perpassou todo o processo administrativo que culmina na produção da certidão da
dívida ativa. Destarte, já teve todas as oportunidades de defesa contra a imputação que o
fisco lhe impingiu, no artigo 135 do CTN, prévia ao início da execução fiscal, não
padecendo de nenhum prejuízo em suas garantias fundamentais. Por isso, se quer
questionar sua incursão no dispositivo em comento, a ele cabe o ônus de desfazer a
presunção que o processo de criação da certidão com seu nome gerou – a ele cabe provar
que não está sob alcance da responsabilidade pessoal, o que fará em embargos à execução.
Ao contrário, se a execução fiscal for instruída por certidão da qual não conste o
nome dos sócios, isto denota que toda a fase de constituição do crédito e inscrição deste na
dívida ativa foi realizada “à revelia” dos sócios, ou seja, não se lhes reclamou, no
procedimento administrativo prévio, nenhuma responsabilidade pessoal pelo débito. Sendo
o caso, se a Fazenda pretende, por qualquer motivo, imputar aos sócios a incidência do
artigo 135 do CTN, deverá ela mesma produzir tal prova, porque não houve oportunização
prévia de defesa capaz de ensejar a presunção da responsabilidade. Destarte, em conclusão,
para o redirecionamento da execução fiscal à pessoa dos sócios, porque seus nomes não
constam da certidão, o ônus probatório recai sobre a Fazenda18.
Como dito, a Fazenda não pode requerer falência, porque a execução fiscal é o rito
obrigatório, não sendo facultado ao fisco optar pelo rito falimentar. Ocorre que pode
acontecer de um devedor tributário vir a falir por outras vias. Quando isto acontecer, a
execução fiscal em curso não é perturbada pela decretação de falência, e será normalmente
procedida, na vara competente; quando a instrução findar-se, o crédito fiscal será levado à
inscrição no quadro de credores. E veja que a mera decretação da falência não permite o
redirecionamento da execução fiscal aos sócios, sob o mesmo argumento: sem prova da
18
Se a Fazenda simplesmente substituir o título, incluindo o nome dos sócios na certidão da dívida ativa,
estará agindo de forma absurdamente irregular, porque a inclusão do nome de alguém na dívida ativa
demanda respeito estrito a todo o procedimento administrativo tributário, plenamente vinculado, prévio. Não
é uma mera inclusão de nome, livremente permitida à Fazenda: a inscrição na dívida ativa demanda respeito
ao processo administrativo tributário que a fundamente.

Michell Nunes Midlej Maron 104


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

incidência do artigo 135 do CTN, não há responsabilização pessoal dos sócios pela mera
insolvência em que se vê a empresa. Se a empresa faliu, resta ao fisco habilitar seu crédito
no processo de falência.

Casos Concretos

Questão 1

A Fazenda Nacional insurge-se contra decisão judicial que, nos autos de processo
de execução, extinguiu o feito sob o fundamento de que a certidão da dívida ativa carecia
de requisito de exigibilidade, por já estarem prescritos os créditos fiscais antes do
ajuizamento da ação. Alega a parte autora que a autoridade judiciária não respeitou o
disposto no art. 40 da Lei 6.830/80. Responda fundamentadamente se a Fazenda Nacional
tem razão.

Resposta à Questão 1

Diz o artigo 40 da LEF:

Michell Nunes Midlej Maron 105


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

“Art. 40 - O Juiz suspenderá o curso da execução, enquanto não for localizado o


devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, e, nesses casos,
não correrá o prazo de prescrição.
§ 1º - Suspenso o curso da execução, será aberta vista dos autos ao representante
judicial da Fazenda Pública.
§ 2º - Decorrido o prazo máximo de 1 (um) ano, sem que seja localizado o devedor
ou encontrados bens penhoráveis, o Juiz ordenará o arquivamento dos autos.
§ 3º - Encontrados que sejam, a qualquer tempo, o devedor ou os bens, serão
desarquivados os autos para prosseguimento da execução.
§ 4º Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo
prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício,
reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato. (Incluído pela Lei nº
11.051, de 2004)”

O § 4º do artigo supra permite o reconhecimento da prescrição intercorrente, caso


em que a Fazenda será ouvida, a fim de apontar eventuais causas interruptivas da prescrição
no curso do processo. Mas se o crédito já estiver prescrito antes do ajuizamento da
execução fiscal, a Fazenda não precisa ser ouvida, porque escapa à hipótese legal acima, e a
prescrição se imputa exclusivamente à desídia do fisco. Não tem razão a autora.

Questão 2

A União Federal, nos autos de processo de execução fiscal por ela movida em face
de URUTUM TRANSPORTES AÉREOS LTDA., requer ao juízo, no qual corre a ação, a
suspensão da mesma. Alega que, tendo em vista o processo de falência pelo qual passa a
empresa, deu-se o exaurimento dos bens da falida, devendo a execução ser redirecionada
às pessoas dos sócios da empresa extinta.
Responda, fundamentadamente, em no máximo 15 (quinze) linhas, se cabe repouso,
no ordenamento jurídico, o pedido da União.

Resposta à Questão 2

O redirecionamento da execução não deve ser efetuado. A União deverá inscrever


seu crédito no quadro de credores, normalmente, pois a responsabilização dos sócios não se
baseia na mera insubsistência patrimonial da sociedade, sendo necessária a incursão nas
hipóteses do artigo 135 do CTN para permitir tal imputação pessoal. Não é motivo bastante
ao redirecionamento apenas a situação de insolvência da sociedade devedora.
Veja o REsp. 718.541, e seus comentários constantes do informativo de
jurisprudência 243 do STJ:

“RECURS ESPECIAL Nº 718.541 – RS.


EMENTA: TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. SUSPENSÃO. FALÊNCIA.
REDIRECIONAMENTO.
1. O comando do art. 40 da Lei 6.830⁄80, que prevê hipótese de suspensão da
execução fiscal, pressupõe a existência de devedor que não foi localizado ou não
foram encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora.
2. A insuficiência de bens da massa falida para garantia da execução fiscal não
autoriza a suspensão da execução, a fim de que se realize diligência no sentido de
se verificar a existência de co-devedores do débito fiscal, que implicaria em apurar
a responsabilidade dos sócios da empresa extinta (art. 135 do CTN). Trata-se de
hipótese não abrangida pelos termos do art. 40 da Lei 6.830⁄80

Michell Nunes Midlej Maron 106


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

4. Recurso especial improvido.”

“EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO. RESPONSABILIDADE.


SÓCIO.
A falência da empresa não leva os sócios à condição de co-obrigados na
responsabilidade tributária. Necessário apurar se houve infração à lei, contrato
social, estatuto, ou se houve dissolução irregular da sociedade, o que, conforme o
art. 135 do CTN, poderia ensejar a responsabilidade pessoal do dirigente, sendo
necessário comprovar, ainda, que este agiu dolosamente, com fraude ou excesso de
poderes. Assim, o pedido de suspensão da execução fiscal, após o exaurimento dos
bens da falida, para que seja redirecionada para a pessoa dos sócios da empresa
extinta, não pode ser acolhido por falta de previsão legal. Precedentes citados:
REsp 652.858-PR, DJ 16/11/2004, e REsp 212.033-SC, DJ 16/11/2004. REsp
718.541-RS, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 19/4/2005.”

Questão 3

ALFREDO, JOAQUIM e MARIA ajuízam embargos à execução fiscal que lhe


movem a Fazenda Pública. Em seus embargos, ALFREDO alega sua ilegitimidade passiva
para ação, uma vez que, ainda que seu nome conste da Certidão Positiva de Débitos
(certidão da dívida ativa), ele não praticou atos de administração que gerou tal execução.
JOAQUIM e MARIA, por sua vez, alegam que seus nomes não constam na referida
Certidão, motivo pelo qual também alegam ilegitimidade passiva. Considerando que
JOAQUIM é quem exercia a administração da empresa, responda fundamentadamente a
quem cabe razão.

Resposta à Questão 3

O primeiro passo é a necessária identificação de quem tem ou não o nome na


certidão da dívida ativa. Alfredo, que tem seu nome no título, tem o ônus de comprovar que
não tem qualquer incidência nas hipóteses do artigo 135 do CTN, e que sequer participava
da gerência social, o que torna pouco provável que tenha incidido em tais hipóteses, talvez
facilitando sua defesa.
Maria está em situação mais confortável, porque o ônus da prova de que ela está
incursa no artigo 135 incumbe à Fazenda, prova sem a qual não haverá sua
responsabilização.
Joaquim, por seu turno, também tem o conforto de não ter seu nome elencado na
certidão, o que impõe o ônus da prova da incursão no artigo 135 do CTN à Fazenda.
Contudo, esta prova será mais fácil, porque sendo administrador da empresa é mais
plausível que a Fazenda encontre tais provas (sendo certo que o mero fato de ser
administrador não determina automática incidência em qualquer das hipóteses de
responsabilização pessoal).
Feitas as provas, a legitimidade de cada um ficará evidenciada.

Michell Nunes Midlej Maron 107


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

Tema XI

Execução fiscal II. 1. Execução fiscal, ação anulatória de lançamento fiscal e depósito prévio.
Prejudicialidade, conexão ou continência; 2. Honorários advocatícios; 3. Petição inicial. Modalidades de
Citação; 4. Modalidades de garantia do juízo; 5. Impenhorabilidade absoluta; 6. Quebra do sigilo bancário;
7. Fraude à execução fiscal. Fraude contra credores; 8. Questões controvertidas. Jurisprudência. Doutrina.

Notas de Aula19

1. Execução fiscal e suspensão da exigibilidade do crédito tributário

O artigo 151 do CTN arrola as situações em que se dá a suspensão da exigibilidade


do crédito tributário. Reveja:

“Art. 151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário:


I - moratória;

19
Aula ministrada pelo professor Camilo Fernandes da Graça, em 3/8/2009.

Michell Nunes Midlej Maron 108


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

II - o depósito do seu montante integral;


III - as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo
tributário administrativo;
IV - a concessão de medida liminar em mandado de segurança.
V – a concessão de medida liminar ou de tutela antecipada, em outras espécies de
ação judicial; (Incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001)
VI – o parcelamento. (Incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001)
Parágrafo único. O disposto neste artigo não dispensa o cumprimento das
obrigações assessórios dependentes da obrigação principal cujo crédito seja
suspenso, ou dela conseqüentes.”

Ocorrendo uma das situações ali estabelecidas, o crédito ficará inexigível, e o fisco
fica impedido de levar adiante as medidas para sua cobrança, no ponto em que se
encontrarem estas medidas: se o fisco ainda não inscreveu o débito em dívida ativa, fica
impedido de fazê-lo; se já inscreveu, mas ainda não ajuizou a execução fiscal, não poderá
ajuízá-la – e assim por diante.
Veja que o ajuizamento de ação anulatória não está dentre as hipóteses legais de
suspensão da exigibilidade do crédito tributário. Por isso, se não efetua, nesta anulatória, o
depósito integral do montante devido, ou se não obtém, ali, liminar concessiva da
antecipação da tutela, a suspensão não se implementará – a execução fiscal será iniciada ou
terá curso, se já o fora. O mero ajuizamento da anulatória não suspende a execução fiscal.
Veja, sobre isso, o REsp. 260.713:

“REsp 260713 / RS. DJ 08/04/2002 p. 172.


PROCESSO CIVIL E TRIBUTÁRIO - EXECUÇÃO FISCAL - SUSPENSÃO
POR AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO FISCAL DESACOMPANHADA DE
DEPÓSITO NO MONTANTE INTEGRAL - IMPOSSIBILIDADE - ART. 38 DA
LEF – INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA DO ART. 151 DO CTN.
1. As hipóteses de suspensão da exigibilidade do crédito tributário estão elencadas,
numerus clausus, no art. 151 do CTN.
2. O ajuizamento de ação anulatória de débito fiscal, desacompanhada de depósito
no montante integral, não tem o condão de suspender o curso de execução fiscal já
proposta.
3. Recurso especial provido.”

Havendo a propositura da anulatória sem suspensão do curso da execução fiscal, a


segurança jurídica demanda a reunião dos processos, de forma a prevenir que haja decisões
contraditórias. O STJ entende que há verdadeira conexão entre elas, e não apenas uma
pertinência temática, como outrora entendia. Reveja o artigo 103 do CPC:

“Art. 103. Reputam-se conexas duas ou mais ações, quando lhes for comum o
objeto ou a causa de pedir.”

Entende o STJ que há conexão por prejudicialidade entre as ações. Veja o REsp.
100.435:

“REsp 100435 / SP. DJ 01/12/1997 p. 62704.


PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTARIO. AÇÃO DE EXECUÇÃO FISCAL E
AÇÃO ANULATORIA DE DEBITO FISCAL. CONEXÃO. PRECEDENTES.
RECURSO PROVIDO.
I - O INSTITUTO DA CONEXÃO PROVEM DA NECESSIDADE DE
SEGURANÇA JURIDICA, BEM COMO DA APLICAÇÃO DO PRINCIPIO DA

Michell Nunes Midlej Maron 109


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

ECONOMIA PROCESSUAL. A SUA ADOÇÃO TEM A VANTAGEM DE


IMPEDIR DECISÕES CONFLITANTES ENTRE AÇÕES QUE CONTENHAM
ALGUM(NS) ELEMENTO(S) SIMILAR(ES). ISSO SEM CONTAR NA
ECONOMIA PROCESSUAL QUE GERA, POIS EVITA QUE VARIOS JUIZES
JULGUEM CONCOMITANTEMENTE CAUSAS SEMELHANTES.
EXISTINDO - AINDA QUE REMOTAMENTE - A POSSIBILIDADE DE
SEREM PROFERIDAS DECISÕES CONFLITANTES, OU HAVENDO
ALGUMA SEMELHANÇA ENTRE DUAS DEMANDAS, E CONVENIENTE
QUE AS AÇÕES SEJAM REUNIDAS PARA FINS DE PROLAÇÃO DE
APENAS UMA SENTENÇA.
II - CONSTATADA A CONEXÃO ENTRE AÇÃO EXECUTIVA FISCAL E
AÇÃO ANULATORIA DE DEBITO FISCAL AJUIZADAS EM COMARCAS
DIFERENTES, DETERMINA-SE A REUNIÃO DOS FEITOS.
III - RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO.”

Veja também o REsp. 169.868:

“REsp 169868 / SP. DJ 16/11/2004 p. 219.


EXECUÇÃO FISCAL. AÇÃO DE CONHECIMENTO DECLARATÓRIA.
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO QUANDO REALIZADO DEPÓSITO
INTEGRAL. CONEXÃO ENTRE CAUSAS.
1. Desde que realizado o depósito integral da quantia em questão, o processo de
execução deve ser suspenso, conforme artigo 151, II, do CTN, até que seja
decidida a ação de conhecimento declaratória que versa sobre o mesmo crédito
tributário.
2. A ação de conhecimento, ajuizada pelo executado, encontra-se conexa com a de
execução e, portanto, devem ser reunidas e julgadas pelo juiz que despachou em
primeiro lugar.
3. Recurso especial provido.”

Este último julgado enfrenta a questão do foro em que serão reunidas as ações,
definindo que será aquele em que haja o primeiro despacho liminar de conteúdo positivo.
Veja, sobre isto, o REsp. 701.336:
“REsp 701336 / RS. DJ 13/06/2005 p. 194
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL.
EXECUÇÃO FISCAL. AÇÃO DE DECLARATÓRIA-NEGATIVA DE DÉBITO
FISCAL. CONEXÃO CONFIGURADA. AFASTAMENTO DA MULTA POR
LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. BEM OFERECIDO À PENHORA. DEBÊNTURE DA
ELETROBRÁS. AUSÊNCIA DE LIQUIDEZ. RECURSO PARCIALMENTE
PROVIDO.
1. A executada interpôs agravo de instrumento ao TRF da 4ª Região pretendendo,
em síntese, "...ver suspenso liminarmente o feito executivo, afastando-se
condenação em litigância de má-fé face à interposição das Exceções de Pagamento
e Pré-Executividade e seja aceito o bem nomeado à penhora...". O Tribunal a quo
rejeitou esses pedidos e deu parcial provimento ao recurso interposto somente para
afastar indenização em favor da exeqüente fixada com base no art. 18 do CPC.
Nesta via especial, alega-se o seguinte: a) existência de conexão por
prejudicialidade entre as ações de execução e as ações declaratória e consignatória,
a teor do art. 103 do CPC; b) as debêntures emitidas pela Eletrobrás não se
equiparam aos títulos das dívidas públicas, perfazendo título que confere ao
portador direitos de crédito oriundos de empréstimos contraídos a longo prazo; c) o
Tribunal a quo ofendeu o princípio da menor onerosidade, insculpido no art. 620
do CPC, ao não aceitar a nomeação à penhora de debêntures da Eletrobrás; d)

Michell Nunes Midlej Maron 110


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

inexistência de litigância de má-fé. Sem contra-razões. Recurso especial admitido


na origem.
2. Este Tribunal vem consolidando o entendimento no sentido de admitir a conexão
entre a execução e a ação de conhecimento que ataca o título executivo no qual se
fundamenta a primeira, independentemente da oposição de embargos do devedor.
A natureza cognitiva da ação declaratória de inexistência do débito fiscal equipara-
se àquela vislumbrada nos embargos do devedor, tendo, inclusive, a força de
suspender a execução em curso, desde que garantido o juízo. A diversidade entre a
causa petendi e o pedido dessas ações não serve de óbice à sua reunião no mesmo
juízo processante, uma vez que semelhante medida tem por escopo impedir a
prolação de decisões contraditórias.
3. A competência para o julgamento de ambas as demandas deverá ser fixada com
base na regra de prorrogação da competência do juiz que despachou em primeiro
lugar, in casu, o processante da ação declaratória, qual seja, a Justiça Federal de
Caxias do Sul.
4. O acolhimento da tese da recorrente, cuja defesa por meio de inúmeros
incidentes processuais foi interpretada pelas instâncias ordinárias como
comportamento procrastinatório, enseja o afastamento da multa por litigância de
má-fé.
5. Em recente julgado da lavra do eminente Ministro Luiz Fux, Recurso Especial
n° 608.223/RS, publicado no DJ de 25/10/2004, a 1ª Turma posicionou-se neste
sentido: O valor de mercado das debêntures decorre da livre negociação entre
comprador/vencedor, como simples decorrência das leis de oferta e procura, sendo
desinfluente o valor de face que ostentam, por isso que não se coaduna com a
expressão econômica "facilmente aferível" ou "plena liquidez", típicas dos títulos
cotáveis em bolsa.
6. Recurso especial parcialmente provido para determinar o processamento
conjunto das demandas cognitiva e executória na Justiça Federal de Caxias do Sul
e afastar a multa por litigância de má-fé.”

Veja também o REsp. 754.941, em que se adotou o critério da citação válida para
prevenir o juízo, ao invés do mero despacho de citação:

“REsp 754941 / RS. DJ 29/06/2007 p. 537.


PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – EXECUÇÃO FISCAL E AÇÃO
ANULATÓRIA DE DÉBITO FISCAL – CONEXÃO: ARTS. 103 E 105 DO CPC
– PREVENÇÃO: ART. 219 DO CPC.
1. A Primeira Seção pacificou a jurisprudência no sentido de entender conexas as
ações de execução fiscal, com ou sem embargos e a ação anulatória de débito
fiscal, recomendando o julgamento simultâneo de ambas.
2. Proposta a execução fiscal anteriormente à ação anulatória de débito fiscal, fica
prevento o juízo do feito cuja citação válida ocorreu primeiro, em atenção ao art.
219 do CPC, o que leva ao indeferimento do pleito de remeter os autos da
execução fiscal à Seção Judiciária do Distrito Federal.
3. Acórdão que não contrariou as disposições dos arts. 103 e 105 do CPC.
4. Recurso especial improvido.”

Esta é a regra geral, mas quando há competência especializada em razão da matéria


surge dificuldade, pois ela é absoluta. Ainda neste caso, transferir-se-á o julgamento da
anulatória para o juízo da execução fiscal, como medida que privilegia a segurança
jurídica, mitigando a regra da competência absoluta. Veja o REsp. 573.659:

“RECURSO ESPECIAL Nº 573.659 – SP.

Michell Nunes Midlej Maron 111


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE EXECUÇÃO FISCAL E AÇÃO


ANULATÓRIA DO DÉBITO. CONEXÃO. JULGAMENTO CONJUNTO.
IMPOSIÇÃO. COMPETÊNCIA FIRMADA POR NORMAS DE
ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA. INEXISTÊNCIA DE ÓBICE AO
SIMULTANEUS PROCESSUS.
1. Patente a conexão entre as ações anulatória e executiva, impõe-se o julgamento
conjunto de ambas as ações, tanto por medida de economia processual quanto por
motivo de segurança jurídica, evitando-se assim desgaste processual desnecessário
e decisões judiciais conflitantes. Precedentes.
2. Se por um lado é certo que a conexão ou a continência, por si sós, não têm o
condão de modificar a competência atribuída pelas normas de organizações
judiciárias, por tratar-se de competência absoluta; por outro, impossível não
reconhecer, até mesmo por questão de bom-senso, que a ação anulatória e a de
execução fiscal referentes ao mesmo débito devem ser apreciadas pelo mesmo
juízo, na medida em que o resultado de uma terá influência direta sobre o da outra.
3. O fato de a Lei de Organização Judiciária do Estado de São Paulo conferir ao
Juízo do Setor das Execuções Fiscais da Fazenda Pública da Capital competência
tão-somente para o julgamento das execuções fiscais e seus embargos não pode ser
considerado óbice ao simultaneus processus, eis que as ações anulatórias, assim
como os embargos, funcionam como oposição à ação de execução, tendo por
escopo final o seu insucesso. Em face dessa identidade de finalidade, o juiz
competente para julgar os embargos também o é para a ação que visa anular o
título executivo.
4. Consoante demonstra o julgado proferido no Conflito de Competência nº
38.045⁄MA, em situações excepcionais, esta Corte tem admitido a utilização da
ação anulatória ou desconstitutiva do título executivo, como sucedânea dos
embargos.
5. Recurso especial provido.”

Em síntese, então: a reunião dos processos é sempre efetuada, e se não há juízo


especializado, reúne-se naquele que estiver prevento (por despacho ou citação válida);
havendo juízo especializado, a reunião é no juízo da execução fiscal.
Se a ação anulatória for ofertada no curso da execução fiscal, surge um
questionamento acerca do efeito preclusivo que os embargos à execução teriam sobre tais
deduções defensivas, com base no artigo 16 da LEF. O suposto problema é que a anulatória
pode prestar-se a socorrer o executado que perdeu o prazo para embargar a execução, ou
mesmo aquele que já opôs tais embargos e pretende deduzir novas argumentações em juízo.
Veja o artigo 16:

“Art. 16 - O executado oferecerá embargos, no prazo de 30 (trinta) dias, contados:


I - do depósito;
II - da juntada da prova da fiança bancária;
III - da intimação da penhora.
§ 1º - Não são admissíveis embargos do executado antes de garantida a execução.
§ 2º - No prazo dos embargos, o executado deverá alegar toda matéria útil à defesa,
requerer provas e juntar aos autos os documentos e rol de testemunhas, até três, ou,
a critério do juiz, até o dobro desse limite.
§ 3º - Não será admitida reconvenção, nem compensação, e as exceções, salvo as
de suspeição, incompetência e impedimentos, serão argüidas como matéria
preliminar e serão processadas e julgadas com os embargos.”

O STJ, no Conflito de Competência 31.963, entendeu que o ajuizamento da


anulatória, nesta circunstância, não era possível. Veja:

Michell Nunes Midlej Maron 112


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

“CC 31963 / RS. DJ 05/08/2002 p. 190


PROCESSUAL CIVIL. COMPETÊNCIA. EXECUÇÃO FISCAL E AÇÃO
ANULATÓRIA. CONEXÃO.
Dispõe a lei processual, como regra geral que é título executivo extrajudicial a
certidão de dívida ativa da Fazenda Pública da União, Estado, Distrito Federal,
Território e Município, correspondente aos créditos inscritos na forma da lei (art.
585, VI do CPC).
Acrescenta, por oportuno que a propositura de qualquer ação relativa ao débito
constante do título executivo não inibe o credor de promover-lhe a execução.(§ 1º,
do 585, VI do CPC).
A finalidade da regra é não impedir a execução calcada em título da dívida líquida
e certa pelo simples fato da propositura da ação de cognição, cujo escopo temerário
pode ser o de obstar o processo satisfativo desmoralizando a força executória do
título executivo.
À luz do preceito e na sua exegese teleológica colhe-se que, a recíproca não é
verdadeira; vale dizer: proposta a execução torna-se despicienda e portanto falece
interesse de agir na propositura de ação declaratória porquanto os embargos
cumprem os desígnios de eventual ação autônoma.
Conciliando-se os preceitos tem-se que, precedendo a ação anulatória, a execução,
aquela passa a exercer perante esta inegável influência prejudicial a recomendar o
simultaneus processus, posto conexas pela prejudicialidade, forma expressiva de
conexão a recomendar a reunião das ações como expediente apto a evitar decisões
inconciliáveis.
O juízo único é o que guarda a mais significativa competência funcional para
verificar a verossimilhança do alegado na ação de conhecimento e permitir
prossiga o processo satisfativo ou se suspenda o mesmo.
Refoge a razoabilidade permitir que a ação anulatória do débito caminhe
isoladamente da execução calcada na obrigação que se quer nulificar, por isso que,
exitosa a ação de conhecimento, o seu resultado pode frustrar-se diante de
execução já ultimada.
Reunião das ações no juízo suscitante da execução fiscal, competente para o
julgamento de ambos os feitos.
Precedentes do E. STJ, muito embora nalguns casos somente se admita a conexão
quando opostos embargos na execução e depositada a importância discutida.
Conflito conhecido para declarar competente o Juízo Federal da 3ª Vara de
Execuções Fiscais da Seção Judiciária do Estado do Rio Grande do Sul.”

Ocorre que, em 2006, o STJ alterou radicalmente seu posicionamento, passando a


admitir a propositura da ação anulatória quando a execução estiver em curso. Veja o REsp.
754.586:

“REsp 754586 / RS. DJ 03/04/2006 p. 263.


PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL E AÇÃO ANULATÓRIA DO
DÉBITO. CONEXÃO. SUSPENSÃO DA AÇÃO EXECUTIVA. NECESSIDADE
DE QUE A AÇÃO ORDINÁRIA ANTECEDA A EXECUÇÃO E QUE HAJA
GARANTIA DO JUÍZO.
1. Se é certo que a propositura de qualquer ação relativa ao débito constante do
título não inibe o direito do credor de promover-lhe a execução (CPC, art. 585, §
1º), o inverso também é verdadeiro: o ajuizamento da ação executiva não impede
que o devedor exerça o direito constitucional de ação para ver declarada a nulidade
do título ou a inexistência da obrigação, seja por meio de embargos (CPC, art.
736), seja por outra ação declaratória ou desconstitutiva. Nada impede, outrossim,
que o devedor se antecipe à execução e promova, em caráter preventivo, pedido de
nulidade do título ou a declaração de inexistência da relação obrigacional.

Michell Nunes Midlej Maron 113


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

2. Ações dessa espécie têm natureza idêntica à dos embargos do devedor, e quando
os antecedem, podem até substituir tais embargos, já que repetir seus fundamentos
e causa de pedir importaria litispendência.
3. Assim como os embargos, a ação anulatória ou desconstitutiva do título
executivo representa forma de oposição do devedor aos atos de execução, razão
pela qual quebraria a lógica do sistema dar-lhes curso perante juízos diferentes,
comprometendo a unidade natural que existe entre pedido e defesa.
4. É certo, portanto, que entre ação de execução e outra ação que se oponha ou
possa comprometer os atos executivos, há evidente laço de conexão (CPC, art.
103), a determinar, em nome da segurança jurídica e da economia processual, a
reunião dos processos, prorrogando-se a competência do juiz que despachou em
primeiro lugar (CPC, art. 106). Cumpre a ele, se for o caso, dar à ação declaratória
ou anulatória anterior o tratamento que daria à ação de embargos com idêntica
causa de pedir e pedido, inclusive, se garantido o juízo, com a suspensão da
execução. Precedentes: RESP 701.336/RS, 1º Turma, Min. José Delgado, DJ de
13.06.05; RESP 169.868/SP, 2º Turma, Min. Castro Meira, DJ de 16.11.04.
5. Para dar à ação declaratória ou anulatória tratamento que se daria à ação de
embargos, no tocante ao efeito suspensivo da execução, é necessário que essa ação
ordinária preceda à ação executória e que o juízo esteja garantido (Resp
677741/RS, 1ª T., Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 07.03.2005)
6. Inexistindo prova da garantia, é inviável a suspensão da exigibilidade do crédito
exeqüendo.
7. Recurso especial a que se nega provimento.”

Veja que, se a anulatória for proposta depois da execução fiscal já embargada, a


garantia do juízo já foi efetivada, não havendo maiores problemas na reunião dos processos
(sendo julgada, primeiro, a ação anulatória, por óbvio). Se a anulatória for proposta sem
que tenha havido garantia do juízo da execução, o depósito deverá ser feito, a fim de
suspender a exigibilidade (pois do contrário a execução não ficará suspensa, como visto), e
servir como garantia do juízo, eis que há rito satisfativo em curso a ser observado – o
depósito conta com dupla função, neste caso.
Após a sentença na execução fiscal, a anulatória não é mais cabível, qualquer que
seja a interpretação que se dê.
1.1. Honorários advocatícios

O artigo 26 da LEF traz a seguinte previsão:

“Art. 26 - Se, antes da decisão de primeira instância, a inscrição de Divida Ativa


for, a qualquer título, cancelada, a execução fiscal será extinta, sem qualquer ônus
para as partes.”

Ora, é bastante confortável para o fisco poder ajuizar ações executivas temerárias,
infundadas, se não suportará nenhum encargo quando da sua extinção por desistência do
próprio fisco.
Aduza-se a esta injustiça a previsão do artigo 1º-D da Lei 9.494/97:

“Art. 1º-D. Não serão devidos honorários advocatícios pela Fazenda Pública nas
execuções não embargadas. (NR) (Incluído pela Medida provisória nº 2.180-35, de
2001)”

Novamente, pode acontecer de a execução fiscal ser extinta antes dos embargos, por
tão absurda que é, e não dever honorários favorece demais o ajuizamento de ações

Michell Nunes Midlej Maron 114


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

infundadas pelo fisco. É claro que se o contribuinte sequer chegar a ser citado, não terá
qualquer prejuízo; mas se constitui advogado, por exemplo, e a extinção sem embargos se
dá em função da procedência de exceção de pré-executividade, a ausência de honorários de
sucumbência é uma injustiça tremenda.
Veja, em atenção a esta problemática, a súmula 153 do STJ:

“Súmula 153, STJ: A desistência da execução fiscal, após o oferecimento dos


embargos, não exime o exeqüente dos encargos da sucumbência.”

Interpretando esta situação com maior justiça, a extinção em razão de exceção de


pré-executividade também enseja condenação em honorários. Veja o Ag.Rg. no REsp.
388.034:

“AgRg no REsp 388034 / RS. DJ 17/05/2004 p. 111.


PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. DESISTÊNCIA. FAZENDA
PÚBLICA. CONDENAÇÃO. CUSTAS PROCESSUAIS. EXCEÇÃO DE PRÉ-
EXECUTIVIDADE. EMBARGADO. SÚMULA N.º 153/STJ.
I - Esta Colenda Corte já firmou seu entendimento, por meio da Súmula n.º 153, no
sentido de que a Fazenda Pública deve ser condenada ao pagamento de honorários
do advogado do executado nos casos em que desistiu da execução fiscal, após a
apresentação de embargos do devedor.
II - Na hipótese presente, a defesa apresentada pela parte executada foi a exceção
de pré-executividade, meio, portanto, análogo aos embargos e bastante para
configurar a hipótese do verbete mencionado.
III - Agravo regimental improvido.”

1.2. Petição inicial da execução fiscal

A exordial da execução fiscal é das peças mais simplórias do direito processual


como um todo. O próprio dispositivo legal que a sedia, artigo 6º da LEF, assim comanda.
Veja:
“Art. 6º - A petição inicial indicará apenas:
I - o Juiz a quem é dirigida;
II - o pedido; e
III - o requerimento para a citação.
§ 1º - A petição inicial será instruída com a Certidão da Dívida Ativa, que dela fará
parte integrante, como se estivesse transcrita.
§ 2º - A petição inicial e a Certidão de Dívida Ativa poderão constituir um único
documento, preparado inclusive por processo eletrônico.
§ 3º - A produção de provas pela Fazenda Pública independe de requerimento na
petição inicial.
§ 4º - O valor da causa será o da dívida constante da certidão, com os encargos
legais.”

O motivo desta simplicidade é porque todos os aspectos de fato e de direito já são


previstos na certidão da dívida ativa, que instrui a inicial e dela faz parte como se fosse nela
transcrita, como diz o § 1º do artigo supra.
É na análise da certidão da dívida ativa, portanto, que se concentra o mérito da
execução fiscal, e não na petição inicial propriamente dita. São nos procedimentos
preparatórios da certidão, e nela própria, que se localizam todos os dados fundamentais a
permitir a defesa em embargos à execução.

Michell Nunes Midlej Maron 115


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

1.3. Impenhorabilidade

O CTN, no artigo 184, diz que:

“Art. 184. Sem prejuízo dos privilégios especiais sobre determinados bens, que
sejam previstos em lei, responde pelo pagamento do crédito tributário a totalidade
dos bens e das rendas, de qualquer origem ou natureza, do sujeito passivo, seu
espólio ou sua massa falida, inclusive os gravados por ônus real ou cláusula de
inalienabilidade ou impenhorabilidade, seja qual for a data da constituição do ônus
ou da cláusula, excetuados unicamente os bens e rendas que a lei declare
absolutamente impenhoráveis.”

São absolutamente impenhoráveis, alheios à execução fiscal, portanto, aqueles bens


que constam do artigo 649 do CPC, com algumas ressalvas:

“Art. 649. São absolutamente impenhoráveis:


I - os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução;
II - os móveis, pertences e utilidades domésticas que guarnecem a residência do
executado, salvo os de elevado valor ou que ultrapassem as necessidades comuns
correspondentes a um médio padrão de vida; (Redação dada pela Lei nº 11.382, de
2006).
III - os vestuários, bem como os pertences de uso pessoal do executado, salvo se de
elevado valor; (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006).
IV - os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de
aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por
liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os
ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, observado
o disposto no § 3o deste artigo; (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006).
V - os livros, as máquinas, as ferramentas, os utensílios, os instrumentos ou outros
bens móveis necessários ou úteis ao exercício de qualquer profissão; (Redação
dada pela Lei nº 11.382, de 2006).
VI - o seguro de vida; (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006).
VII - os materiais necessários para obras em andamento, salvo se essas forem
penhoradas; (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006).
VIII - a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada
pela família; (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006).
IX - os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação
compulsória em educação, saúde ou assistência social; (Redação dada pela Lei nº
11.382, de 2006).
X - até o limite de 40 (quarenta) salários mínimos, a quantia depositada em
caderneta de poupança. (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006).
XI - os recursos públicos do fundo partidário recebidos, nos termos da lei, por
partido político. (Incluído pela Lei nº 11.694, de 2008)
§ 1º A impenhorabilidade não é oponível à cobrança do crédito concedido para a
aquisição do próprio bem. (Incluído pela Lei nº 11.382, de 2006).
§ 2º O disposto no inciso IV do caput deste artigo não se aplica no caso de
penhora para pagamento de prestação alimentícia. (Incluído pela Lei nº 11.382, de
2006).
§ 3º (VETADO). (Incluído pela Lei nº 11.382, de 2006).”

O inciso I não é oponível ao fisco, pois não se admite que ato voluntário afaste a
incidência da penhora para satisfação tributária.

Michell Nunes Midlej Maron 116


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

Além disso, o bem de família legal, da Lei 8.009/90, é também impenhorável. Veja
os artigos 1º a 5º deste diploma:

“Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é


impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal,
previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou
filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas
nesta lei.
Parágrafo único. A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se
assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos
os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a
casa, desde que quitados.”

“Art. 2º Excluem-se da impenhorabilidade os veículos de transporte, obras de arte


e adornos suntuosos.
Parágrafo único. No caso de imóvel locado, a impenhorabilidade aplica-se aos
bens móveis quitados que guarneçam a residência e que sejam de propriedade do
locatário, observado o disposto neste artigo.

“Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil,


fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:
I - em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas
contribuições previdenciárias;
II - pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à
aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do
respectivo contrato;
III - pelo credor de pensão alimentícia;
IV - para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas
em função do imóvel familiar;
V - para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo
casal ou pela entidade familiar;
VI - por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença
penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens.
VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.
(Incluído pela Lei nº 8.245, de 1991)”

“Art. 4º Não se beneficiará do disposto nesta lei aquele que, sabendo-se insolvente,
adquire de má-fé imóvel mais valioso para transferir a residência familiar,
desfazendo-se ou não da moradia antiga.
§ 1º Neste caso, poderá o juiz, na respectiva ação do credor, transferir a
impenhorabilidade para a moradia familiar anterior, ou anular-lhe a venda,
liberando a mais valiosa para execução ou concurso, conforme a hipótese.
§ 2º Quando a residência familiar constituir-se em imóvel rural, a
impenhorabilidade restringir-se-á à sede de moradia, com os respectivos bens
móveis, e, nos casos do art. 5º, inciso XXVI, da Constituição, à área limitada como
pequena propriedade rural.”

“Art. 5º Para os efeitos de impenhorabilidade, de que trata esta lei, considera-se


residência um único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para
moradia permanente.
Parágrafo único. Na hipótese de o casal, ou entidade familiar, ser possuidor de
vários imóveis utilizados como residência, a impenhorabilidade recairá sobre o de
menor valor, salvo se outro tiver sido registrado, para esse fim, no Registro de
Imóveis e na forma do art. 70 do Código Civil.”

Michell Nunes Midlej Maron 117


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

Veja que se o sujeito passivo é devedor de imposto de renda, a execução não poderá
afetar seu bem de família; contudo, se a dívida é de tributo real, em razão daquele bem de
família, a impenhorabilidade não se impõe, a teor do artigo 3º, IV, da Lei 8.009/90.
Com a LC 118/05, o artigo 185-A do CTN veio permitir a penhora online, o que
implica severa restrição, ante a quebra do sigilo bancário que representa (quebra que só
pode vir por meio de decisão judicial). Veja o artigo:

“Art. 185-A. Na hipótese de o devedor tributário, devidamente citado, não pagar


nem apresentar bens à penhora no prazo legal e não forem encontrados bens
penhoráveis, o juiz determinará a indisponibilidade de seus bens e direitos,
comunicando a decisão, preferencialmente por meio eletrônico, aos órgãos e
entidades que promovem registros de transferência de bens, especialmente ao
registro público de imóveis e às autoridades supervisoras do mercado bancário e do
mercado de capitais, a fim de que, no âmbito de suas atribuições, façam cumprir a
ordem judicial. (Incluído pela Lcp nº 118, de 2005)
§ 1º A indisponibilidade de que trata o caput deste artigo limitar-se-á ao valor total
exigível, devendo o juiz determinar o imediato levantamento da indisponibilidade
dos bens ou valores que excederem esse limite. (Incluído pela Lcp nº 118, de 2005)
§ 2º Os órgãos e entidades aos quais se fizer a comunicação de que trata o caput
deste artigo enviarão imediatamente ao juízo a relação discriminada dos bens e
direitos cuja indisponibilidade houverem promovido. (Incluído pela Lcp nº 118, de
2005)”

A penhora online não deve ser a regra, não podendo ser vulgarizada: é uma medida
excepcional, ultima ratio, e não regra geral. Neste sentido, veja o Ag.Rg. no AI 1.074.820,
do STJ e o REsp. 1.025.606, pela ordem:

“AgRg no Ag 1074820 / RJ. DJe 13/05/2009.


PROCESSUAL CIVIL – EXECUÇÃO FISCAL – INDICAÇÃO DE BENS À
PENHORA – RECUSA PELO CREDOR – POSSIBILIDADE – BENS DE
DIFÍCIL COMERCIALIZAÇÃO – PRECEDENTES – SISTEMA "BACEN
JUD" – QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO OU FISCAL – PENHORA DE
PARTE DO FATURAMENTO DA EMPRESA – EXCEPCIONALIDADE.
1. Embora esteja previsto no CPC que a execução far-se-á da forma menos gravosa
para o executado (art. 620 CPC), isso não impede que o credor recuse a oferta de
bens em garantia, se forem eles de difícil comercialização.
2. A gradação de bens a serem penhorados, como consta do art. 11 da LEF, não é
inflexível, podendo ser alterada a ordem a depender das circunstâncias fáticas
(precedentes do STJ).
3. Bens oferecidos em penhora, constituídos de parte do ativo da empresa
executada (computadores e seus componentes), de difícil comercialização.
4. Em situações excepcionais, em que esgotados todos os meios disponíveis para
localização de bens suficientes para garantir a execução, esta Corte tem admitido a
adoção das providências previstas no art. 185-A do CTN e até a penhora sobre
parte do faturamento da empresa.
5. Agravo regimental não provido.”

“RECURSO ESPECIAL Nº 1.025.606 – RS.


EMENTA: PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – EXECUÇÃO FISCAL –
OFENSA AO ART. 557 DO CPC – INOCORRÊNCIA – SISTEMA BACEN-JUD
– OFÍCIO AO BANCO CENTRAL – EXCEPCIONALIDADE –
CONSTATAÇÃO – IMPOSSIBILIDADE – APLICAÇÃO DA SÚMULA 7⁄STJ

Michell Nunes Midlej Maron 118


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

1. É legítimo o julgamento monocrático com base no art. 557 do CPC, quando


constatada, de plano, a improcedência da pretensão recursal. Ademais,
reapreciadas as questões em sede de agravo regimental, resta superada a alegada
violação do dispositivo em comento.
2. Somente quando infrutíferos os esforços diretos do exeqüente, admite-se a
requisição, pelo Juiz, de informações ao BACEN, acerca da existência e
localização de contas-correntes do devedor.
3. Hipótese em que não é possível abstrair do acórdão se houve ou não o
exaurimento das diligências no sentido de localizar bens do devedor. Para a
constatação disso, far-se-ia necessária a incursão no conjunto fático-probatório dos
autos, providência vedada a esta Corte em sede de recurso especial, nos termos da
Súmula 7⁄STJ.
4. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido.”

Veja também o Ag.Rg. no Ag.Rg. no AI 961.578:

“AgRg no AgRg no Ag 961578 / MG. DJe 17/12/2008.


PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. EXECUÇÃO
FISCAL. PENHORA. SISTEMA BACEN-JUD. LEI Nº 11.382/2006. ARTS. 655,
I E 655-A, DO CPC. TEMPUS REGIT ACTUM.
1. A Lei n. 11.382/2006 alterou o CPC e incluiu os depósitos e aplicações em
instituições financeiras como bens preferenciais na ordem de penhora,
equiparando-os à dinheiro em espécie (artigo 655, I) e admitindo a constrição por
meio eletrônico (artigo 655-A).
2. Consoante jurisprudência anterior à referida norma, esta Corte firmava o
entendimento no sentido de que o juiz da execução fiscal só deveria deferir pedido
de expedição de ofício ao BACEN após o exeqüente comprovar não ter logrado
êxito em suas tentativas de obter as informações sobre o executado e seus bens.
Precedentes: REsp 802897 / RS, DJ 30.03.2006 p. 203; RESP 282.717/SP, DJ de
11/12/2000; RESP 206.963/ES, DJ de 28/06/1999; RESP 204.329/MG, DJ
de 19/06/2000 e RESP 251.121/SP, DJ de 26.03.2001.
3. A penhora, como ato processual, regula-se pela máxima tempus regit actum,
segundo o que, consectariamente, à luz do direito intertemporal, implica a
aplicação da lei nova imediatamente, inclusive aos processos em curso.
Precedentes: AgRg no REsp 1012401/MG, DJ. 27.08.2008; AgRg no Ag
1041585/BA, DJ. 18.08.2008; REsp 1056246/RS, DJ. 23.06.2008)
4. In casu, proferida a decisão agravada que indeferiu a medida constritiva em
07.08.2007, ou seja, após o advento da Lei n. 11.382/06, incidem os novos
preceitos estabelecidos pela novel redação do art. 655, I c.c o art. 655-A, do CPC.
5. Agravo regimental desprovido.”

Michell Nunes Midlej Maron 119


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

Casos Concretos

Questão 1

Visando obter, posteriormente, uma Certidão Negativa de Débitos junto à Receita


Federal, determinada sociedade ajuíza ação cautelar para garantir o juízo de forma
antecipada (oferecimento de caução), em face da União. Esta, por sua vez, alega que a
ação carece de interesse. Responda fundamente:
a) se é correta a assertiva da União;
b) se, em caso de haver uma execução fiscal anteriormente ajuizada, seria cabível
a ação cautelar;
c) no caso de execução fiscal anteriormente ajuizada, quais os requisitos para
obtenção da referida certidão.

Resposta à Questão 1

Michell Nunes Midlej Maron 120


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

a) Não: justamente porque a execução fiscal é potestativamente ajuizada pelo fisco


é que há o interesse nesta cautelar de caução antecipada de bens, de forma a
possibilitar obter a certidão.

b) Esta cautelar incidental carece completamente de interesse-utilidade: a própria


garantia da execução permite que a certidão positiva com efeitos de negativa
seja obtida.

c) O requisito é tão-somente que a garantia do juízo já tenha sido efetivada.

A respeito, veja o REsp. 912.710:

“REsp 912710 / RN. DJe 07/08/2008.


PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AÇÃO CAUTELAR PARA
ASSEGURAR A EXPEDIÇÃO DE CERTIDÃO POSITIVA COM EFEITOS DE
NEGATIVA.
1. O contribuinte pode, após o vencimento da sua obrigação e antes da execução,
garantir o juízo de forma antecipada, para o fim de obter certidão positiva com
efeito de negativa (Precedentes: REsp 940447/PR, DJ 06.09.2007; EREsp
574107/PR, DJ 07.05.2007; EREsp 779121/SC, DJ 07.05.2007).
2. O artigo 206, do CTN, dispõe que tem os mesmos efeitos previstos no artigo 205
(prova de quitação de tributo) a certidão de que conste a existência de créditos não
vencidos, em curso de cobrança executiva em que tenha sido efetivada a penhora,
ou cuja exigibilidade esteja suspensa. A caução oferecida pelo contribuinte, antes
da propositura da execução fiscal, é equiparável à penhora antecipada e viabiliza a
certidão pretendida.
3. É viável a antecipação dos efeitos que seriam obtidos com a penhora no
executivo fiscal, através de caução de eficácia semelhante. A percorrer-se
entendimento diverso, o contribuinte que contra si tenha ajuizada ação de execução
fiscal ostenta condição mais favorável do que aquele contra o qual o Fisco não se
voltou judicialmente ainda.
4. Deveras, não pode ser imputado ao contribuinte solvente, isto é, aquele em
condições de oferecer bens suficientes à garantia da dívida, prejuízo pela demora
do Fisco em ajuizar a execução fiscal para a cobrança do débito tributário.
Raciocínio inverso implicaria em que o contribuinte que contra si tenha ajuizada
ação de execução fiscal ostenta condição mais favorável do que aquele contra o
qual o Fisco ainda não se voltou judicialmente.
5. Mutatis mutandis, o mecanismo assemelha-se ao previsto no art. 570 do CPC,
por força do qual o próprio devedor pode iniciar a execução. Isso porque, as
obrigações, como vínculos pessoais, nasceram para serem extintas pelo
cumprimento, diferentemente dos direitos reais que visam à perpetuação da
situação jurídica nele edificadas.
6. Outrossim, instigado o Fisco pela caução oferecida, pode ele iniciar a execução,
convertendo-se a garantia prestada por iniciativa do contribuinte na famigerada
penhora que autoriza a expedição da certidão.
7. In casu, contudo, o executivo fiscal já havia sido ajuizado pela autarquia
previdenciária, razão pela qual incidental a cautelar ajuizada pela empresa.
8. Destarte, revela-se necessária a comprovação dos requisitos exigidos no artigo
206, do CTN, vale dizer: a efetivação da penhora nos autos do executivo fiscal ou
a suspensão da exigibilidade do crédito tributário nos termos do artigo 151, do
CTN, hipóteses em que não se enquadra a cautelar de caução.
9. Recurso especial provido.”

Michell Nunes Midlej Maron 121


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

Questão 2

Em autos de execução fiscal que lhe move a Fazenda Nacional, determinada


sociedade sediada no estado do Rio de Janeiro nomeia à penhora supostos créditos
decorrentes de ação de repetição de indébito, em que se discute a cobrança de ICMS em
razão da majoração de sua alíquota, com fulcro em lei estadual, cuja
inconstitucionalidade restou declarada. A Fazenda Nacional recusa tal nomeação.
Responda fundamentadamente se é legítima tal recusa, indicando os dispositivos legais
pertinentes ao caso.

Resposta à Questão 2

A recusa é perfeitamente válida.


Veja Ag.Rg. no REsp. 749.719:

“AgRg no REsp 749719 / SP. DJ 30/11/2006 p. 155.


PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. NOMEAÇÃO
DE BENS À PENHORA. CRÉDITOS DE ICMS INDEVIDAMENTE
RECOLHIDO. COMPENSAÇÃO. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO.
SÚMULA 282 DO STF. EXECUÇÃO FISCAL. NOMEAÇÃO À PENHORA DE
CRÉDITOS DE ICMS ORIUNDOS DE AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO.
RECUSA DO CREDOR. POSSIBILIDADE.
1. É legítima a recusa pela exeqüente de nomeação à penhora de bem de difícil
alienação, in casu, supostos créditos decorrentes de ação de repetição de indébito,
em que se discute a cobrança de ICMS, em razão da majoração de sua alíquota,
com fulcro na Lei Estadual n.º 6.556/89, cuja inconstitucionalidade restou
declarada.'
2. A interposição do recurso especial impõe que o dispositivo de Lei Federal tido
por violado, como meio de se aferir a admissão da impugnação, tenha sido
ventilado no acórdão recorrido, sob pena de padecer o recurso da imposição
jurisprudencial do prequestionamento, requisito essencial à admissão do mesmo, o
que atrai a incidência do enunciado n.° 282 da Súmula do STF.
3. A exegese do art. 656 do CPC (aplicável subsidiariamente à execução fiscal)
torna indiscutível a circunstância de que a gradação de bens estabelecida no artigo
655 visa favorecer apenas o credor/exeqüente, porquanto a nomeação pelo
executado só é válida e eficaz se houver concordância daquele.
4. Precedentes: AgRg no Ag 698693/SP Relatora Ministra DENISE ARRUDA DJ
01.02.2006; AgRg no Ag 667.905/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Francisco Peçanha
Martins, DJ de 29.8.2005; AgRg no Ag 648.051/SP, 1ª Turma, Rel. Min. José
Delgado, DJ de 8.8.2005).
5. Agravo Regimental desprovido.”

Questão 3

Nos autos de execução, a União recusa o bem oferecido à penhora pela executada,
qual seja, um rebocador/empurrador e requer, ao juiz da execução, a penhora do
faturamento da empresa. A executada alega que a recusa é ilegítima, pois fere o art. 620
do CPC. Responda fundamentadamente:
a) se a recusa foi legítima;
b) se cabe a penhora do faturamento da empresa, tal como requerido pela União.

Michell Nunes Midlej Maron 122


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

Resposta à Questão 3

a) Sim, a recusa é perfeitamente legítima, ante a dificuldade de venda do


bem nomeado.

b) A penhora do faturamento, penhora de renda, é cabível quando não


houver outra medida menos gravosa para satisfazer o crédito. Parece ser o caso.

Veja o REsp. 976.357:

“REsp 976357 / RJ. DJe 07/08/2008.


PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. RECURSO ESPECIAL.
NOMEAÇÃO DE BEM À PENHORA. DIFÍCIL ALIENAÇÃO. RECUSA.
INEXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE. ART. 11 DA LEI N. 6.830/80. ART. 620
CPC. NÃO VIOLAÇÃO. REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE.
SÚMULA 07/STJ.
1. A recusa de bens oferecidos à penhora – navio rebocador/empurrador - revela-se
legítima, sem que haja malferimento do art. 620 do CPC, máxime ante a
reconhecida dificuldade de alienação dos mesmos e porque a penhora visa à
expropriação de bens para satisfação integral do crédito exeqüendo.
2. Em sede de execução fiscal, se admite a penhora do faturamento da empresa em
casos excepcionais, desde que não existam bens a serem penhorados e sejam
atendidas as exigências previstas nos arts. 677 a 679 e 716 a 720 do CPC.
3. In casu, tendo o Tribunal de origem se apoiado no conjunto fático-probatório
dos autos para concluir que a penhora deve recair sobre o faturamento da empresa,
rever tal entendimento para afastar a referida constrição, ante a alegação de que
existente bem de fácil alienação, implicaria o reexame de provas, que se revela
defeso ante o óbice contido na Súmula n. 07/STJ.
4. Recurso especial desprovido.”

Tema XII

Execução fiscal III. 1. Exceções na execução fiscal. Exceção de pré-executividade; 2. Embargos à execução
fiscal; 3. Adjudicação direta de bens penhorados; 4. Desistência e sucumbência; 5. Concurso fiscal de
preferências; 6. Causas de alçada; 7. Suspensão do processo e prescrição. Prescrição intercorrente; 8.
Sentenças. Recursos; 9. Questões controvertidas. Jurisprudência. Doutrina.

Notas de Aula20

1. Exceções na execução fiscal

O artigo 16 da LEF, já transcrito, fala das exceções como gênero, no seu § 3º. As
exceções são matéria preliminar nos embargos à execução fiscal.
A exceção de pré-executividade, por seu turno, como se sabe, não tem sede legal.
Esta exceção se destina a atacar execuções teratológicas, violadoras de matéria cognoscível

20
Aula ministrada pelo professor Camilo Fernandes da Graça, em 3/8/2009.

Michell Nunes Midlej Maron 123


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

de ofício (pelo que há quem a chame de oposição de não executividade), e que não
demandam dilação probatória. A respeito da exceção de pré-executividade, veja o REsp.
781.482, cuja íntegra contempla boas explanações sobre o instituto e seu cabimento:

“REsp 781482 / PR. DJe 01/06/2009.


EMENTA: TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL.
REDIRECIONAMENTO PARA SÓCIO-GERENTE. EXCEÇÃO DE PRÉ-
EXECUTIVIDADE. POSSIBILIDADE.
1. A possibilidade de verificação de plano, sem necessidade de dilação probatória,
delimita as matérias passíveis de serem deduzidas na exceção de pré-
executividade, independentemente da garantia do juízo.
2. Recurso especial desprovido.
VOTO:
1.A matéria recursal foi devidamente analisada pelo acórdão recorrido, restando
prequestionada, razão por que desnecessária a análise de violação ao art. 535 do
CPC.
2.A respeito da exceção de pré-executividade, a 1ª Turma do STJ, no Resp
706.527⁄SP, de minha relatoria, publicado no DJ de 05.09.2005, pronunciou-se nos
termos da seguinte ementa:
"PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO.
EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. DESNECESSIDADE DE DILAÇÃO
PROBATÓRIA. POSSIBILIDADE.
1. A possibilidade de verificação de plano, sem necessidade de dilação probatória,
delimita as matérias passíveis de serem deduzidas na exceção de pré-
executividade, independentemente da garantia do juízo. Precedentes: EResp
614272⁄PR, Primeira Seção, Min. Castro Meira, DJ de 06.06.2005; Resp
717250⁄SP, Segunda Turma, Min. Eliana Calmon, DJ de 26.04.2005; Resp
611617⁄RJ, Primeira Turma, Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 23.05.2005.
2. Recurso especial a que se dá provimento."
No voto-condutor desse acórdão, manifestei-me do seguinte modo:
"2.Iniciou-se a construção doutrinária e jurisprudencial do instituto da exceção de
pré-executividade com a afirmação da possibilidade de atuação supletiva do réu,
para provocar e subsidiar a manifestação do juiz sobre matérias suscetíveis de
conhecimento de ofício, tais como as referidas nos arts. 267, § 3º, e 301, § 4º, do
CPC. Da viabilidade de conhecimento ex officio, a qualquer tempo e em qualquer
grau de jurisdição, decorre a 'desnecessidade de o executado preencher quaisquer
requisitos de admissibilidade da ação incidental de embargos, principalmente a
segurança do juízo através da penhora (art. 737, I) e do depósito (art. 737, II)', para
objetar a pretensão de executar, 'baseado na falta de pressupostos da relação
processual executiva' (Araken de Assis, Exceção de pré-executividade, Ajuris
78⁄24).
À primeira vista, portanto, parecia residir na iniciativa de conhecimento o critério
definidor da matéria argüível através desta excepcional modalidade de oposição do
executado. Entretanto, a 1ª Seção do STJ, no julgamento do EResp 614272⁄PR,
Min. Castro Meira, DJ de 06.06.2005, em matéria tributária, aceitou a alegação
incidental de prescrição. Eis a ementa da decisão:
'TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL.
EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO. EXCEÇÃO DE PRÉ-
EXECUTIVIDADE.
1. As matérias passíveis de serem alegadas em exceção de pré-executividade não
são somente as de ordem pública, mas também os fatos modificativos ou extintivos
do direito do exeqüente, desde que comprovados de plano, sem necessidade de
dilação probatória.

Michell Nunes Midlej Maron 124


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

2. É possível argüir-se a prescrição por meio de exceção de pré-executividade,


sempre que demonstrada por prova documental inequívoca constante dos autos ou
apresentada juntamente com a petição.
3. A Corte Especial, no julgamento dos Embargos de Divergência no Recurso
Especial n.º 388.000⁄RS (acórdão ainda não publicado), por maioria, concluiu ser
possível alegar-se prescrição por meio de exceção de pré-executividade.
4. Embargos de divergência improvidos.'
Na esteira da decisão, há doutrina, como a de Alberto Camiña Moreira, admitindo
alargamento do domínio da exceção de pré-executividade, para abranger inclusive
alegação de excesso de execução, pagamento, prescrição e outras exceções
materiais (Defesa sem embargos do executado, op. cit., pp. 136-170, apud Araken
de Assis, cit., p. 30). Araken de Assis aponta o traço comum aos assuntos
resolvidos por essa via: 'o caráter restrito da prova admissível na exceção; melhor
dizendo, o juiz admitirá a exceção secundum eventus probationis, revelando típica
técnica de cognição sumária' (op. cit., p. 30). Nessa linha de entendimento, a
prescrição, o pagamento e a litispendência podem ser conhecidos pela via da
exceção, sempre que demonstrados por prova documental pré-constituída.
Caminha-se, destarte, no sentido de considerar a exceção de pré-executividade
como remédio jurídico de que o executado pode lançar mão, a qualquer tempo,
sempre que pretenda infirmar a certeza, a liquidez ou a exigibilidade do título por
meio de inequívoca prova documental, independendo sua propositura de prévia
segurança do juízo.
(omissis)".
Foi esse o entendimento adotado pelo acórdão recorrido, que deve, portanto, ser
mantido. Ademais, analisar se as matérias suscitadas pelo executado demandariam
ou não dilação probatória levaria a um reexame do conjunto fático-probatório dos
autos, o que é vedado pela Súmula 07⁄STJ.
3.Diante do exposto, nego provimento ao recurso especial. É o voto.”

A prescrição e a decadência são, hoje, matérias consideradas dedutíveis em exceção


de pré-executividade, o que não era a posição antiga do STJ.
O Ag.Rg. no AI 1.098.645 e o REsp. 715.182 repetem a posição do STJ:
“AgRg no Ag 1098645 / SP. DJe 06/05/2009. PROCESSUAL CIVIL E
TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. ALEGAÇÃO DE PRESCRIÇÃO POR
MEIO DE EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. POSSIBILIDADE.
1. A Corte Especial do STJ, no julgamento dos EREsp 388.000/RS, pacificou o
entendimento de que pode ser alegada a prescrição por meio de Exceção de Pré-
Executividade, desde que desnecessária a dilação probatória.
2. Agravo Regimental não provido.”

“REsp 715182 / RS. DJe 10/11/2008.


PROCESSUAL CIVIL - TRIBUTÁRIO - EXECUÇÃO FISCAL - EXCEÇÃO DE
PRÉ-EXECUTIVIDADE - ALEGAÇÃO DE PRESCRIÇÃO. POSSIBILIDADE.
1. Não obstante serem os embargos à execução o meio de defesa próprio da
execução fiscal, a orientação desta Corte firmou-se no sentido de admitir a exceção
de pré-executividade naquelas situações em que não se fazem necessárias dilações
probatórias, e em que as questões possam ser conhecidas de ofício pelo
magistrado, como as condições da ação, os pressupostos processuais, a decadência,
a prescrição, entre outras.
2. Recurso especial não-provido.”

2. Adjudicação direta de bens na execução fiscal

Michell Nunes Midlej Maron 125


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

A adjudicação direta de bens penhorados é a possibilidade de que o credor haja para


si o próprio bem, incorporando-o ao seu patrimônio, impedindo que este vá à hasta pública.
É prevista no artigo 24 da LEF:

“Art. 24 - A Fazenda Pública poderá adjudicar os bens penhorados:


I - antes do leilão, pelo preço da avaliação, se a execução não for embargada ou se
rejeitados os embargos;
II - findo o leilão:
a) se não houver licitante, pelo preço da avaliação;
b) havendo licitantes, com preferência, em igualdade de condições com a melhor
oferta, no prazo de 30 (trinta) dias.
Parágrafo Único - Se o preço da avaliação ou o valor da melhor oferta for superior
ao dos créditos da Fazenda Pública, a adjudicação somente será deferida pelo Juiz
se a diferença for depositada, pela exeqüente, à ordem do Juízo, no prazo de 30
(trinta) dias.”

A adjudicação só pode ser procedida, é claro, quando não há mais defesa ao


executado.

3. Concurso fiscal de preferências

Os artigos 186 e 187 são a sede do estudo:

“Art. 186. O crédito tributário prefere a qualquer outro, seja qual for sua natureza
ou o tempo de sua constituição, ressalvados os créditos decorrentes da legislação
do trabalho ou do acidente de trabalho. (Redação dada pela Lcp nº 118, de 2005)
Parágrafo único. Na falência: (Incluído pela Lcp nº 118, de 2005)
I – o crédito tributário não prefere aos créditos extraconcursais ou às importâncias
passíveis de restituição, nos termos da lei falimentar, nem aos créditos com
garantia real, no limite do valor do bem gravado; (Incluído pela Lcp nº 118, de
2005)
II – a lei poderá estabelecer limites e condições para a preferência dos créditos
decorrentes da legislação do trabalho; e (Incluído pela Lcp nº 118, de 2005)
III – a multa tributária prefere apenas aos créditos subordinados. (Incluído pela
Lcp nº 118, de 2005)”

“Art. 187. A cobrança judicial do crédito tributário não é sujeita a concurso de


credores ou habilitação em falência, recuperação judicial, concordata, inventário
ou arrolamento. (Redação dada pela Lcp nº 118, de 2005)
Parágrafo único. O concurso de preferência somente se verifica entre pessoas
jurídicas de direito público, na seguinte ordem:
I - União;
II - Estados, Distrito Federal e Territórios, conjuntamente e pró rata;
III - Municípios, conjuntamente e pró rata.”

O artigo 186 estabelece o nível de preferência dos créditos fiscais, questão já


enfrentada quando da análise da alteração de concepção que retirou a grande preferência
que a Fazenda detinha, alteração trazida pela Lei 11.101/05, Lei de Recuperação de
Empresas. O crédito tributário, na falência, perdeu bastante da preferência que detinha.
O artigo 187, por seu turno, estabelece que a cobrança judicial do crédito não se
sujeita a concurso de credores ou habilitação em procedimentos quaisquer, porque a
execução fiscal é rito mandatório. A única hipótese em que se estabelece um concurso de

Michell Nunes Midlej Maron 126


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

créditos fiscais é se este estiver diante de outros créditos fiscais, quando então será
respeitada a ordem de preferência do parágrafo único deste artigo 187.
Há quem sustente que esta ordem estabelecida no parágrafo único do artigo 187 do
CTN é inconstitucional, por violação ao artigo 19, III, fine, da CRFB, eis que estaria criada
preferência entre os entes:

“Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(...)
III - criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si.”

O STF sumulou esta questão, no enunciado 563 (que aponta o artigo 9º, porque
emitida em relação à Constituição anterior, em que se situava a vedação a preferências no
artigo 9º, hoje 19):

“Súmula 563, STF: O concurso de preferência a que se refere o parágrafo único do


art. 187 do Código Tributário Nacional é compatível com o disposto no art. 9º, I,
da Constituição Federal.”

A Fazenda não pode atravessar uma execução. Qualquer preferência que tenha só
será invocada quando ela ajuizar a própria execução fiscal, nunca habilitando seu crédito
pura e simplesmente – mesmo na falência, deve terminar a execução fiscal, requerendo a
penhora nos autos da falência de valor a si reservado.

4. Causas de alçada

Assim dispõe o artigo 34 da LEF:

“Art. 34 - Das sentenças de primeira instância proferidas em execuções de valor


igual ou inferior a 50 (cinqüenta) Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional -
ORTN, só se admitirão embargos infringentes e de declaração.
§ 1º - Para os efeitos deste artigo considerar-se-á o valor da dívida monetariamente
atualizado e acrescido de multa e juros de mora e de mais encargos legais, na data
da distribuição.
§ 2º - Os embargos infringentes, instruídos, ou não, com documentos novos, serão
deduzidos, no prazo de 10 (dez) dias perante o mesmo Juízo, em petição
fundamentada.
§ 3º - Ouvido o embargado, no prazo de 10 (dez) dias, serão os autos conclusos ao
Juiz, que, dentro de 20 (vinte) dias, os rejeitará ou reformará a sentença.”

A ORTN foi substituída pela Ufir, e o valor ali mencionado gira, hoje, em pouco
mais de trezentos reais.
Os embargos infringentes são, na verdade, um pedido de reconsideração, de
retratação – não se trata do recurso que tem nome idêntico. Discute-se se seria uma redução
ao direito de defesa, eis que a revisão é feita pela mesma instância, mas não há declaração
de inconstitucionalidade deste dispositivo.

5. Prescrição intercorrente

Trata-se da prescrição que se dá no curso do processo. O artigo 174 do CTN dispõe


sobre a prescrição:

Michell Nunes Midlej Maron 127


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

“Art. 174. A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos,
contados da data da sua constituição definitiva.
Parágrafo único. A prescrição se interrompe:
I – pelo despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal; (Redação dada
pela Lcp nº 118, de 2005)
II - pelo protesto judicial;
III - por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor;
IV - por qualquer ato inequívoco ainda que extrajudicial, que importe em
reconhecimento do débito pelo devedor.”

Veja que a interrupção da prescrição pelo despacho do juiz, na forma do inciso I,


seria também o marco inicial para o recomeço do prazo prescricional, que é retomado do
início. Porém, a Lei 11.051/04 incluiu o § 4º no artigo 40 da LEF, que trata exatamente da
prescrição intercorrente, sendo a regra que deve ser observada sobre o prazo:

“Art. 40 - O Juiz suspenderá o curso da execução, enquanto não for localizado o


devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, e, nesses casos,
não correrá o prazo de prescrição.
§ 1º - Suspenso o curso da execução, será aberta vista dos autos ao representante
judicial da Fazenda Pública.
§ 2º - Decorrido o prazo máximo de 1 (um) ano, sem que seja localizado o devedor
ou encontrados bens penhoráveis, o Juiz ordenará o arquivamento dos autos.
§ 3º - Encontrados que sejam, a qualquer tempo, o devedor ou os bens, serão
desarquivados os autos para prosseguimento da execução.
§ 4º Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo
prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício,
reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato. (Incluído pela Lei nº
11.051, de 2004)”

Entenda a dinâmica deste dispositivo: ocorrido o “cite-se” na execução fiscal, o


oficial de justiça não consegue citar o devedor, nem encontra bens deste sujeitos a serem
penhorados – ou o encontra, mas não há bens penhoráveis. Neste caso, fica suspensa a
execução, e enquanto durar a suspensão, não correrá a prescrição.
Se a situação persistir, ou seja, não citado o sujeito passivo ou ausentes bens
penhoráveis, pelo prazo de um ano, o § 2º do artigo supra determina ao juiz que arquive os
autos da execução, sem baixa na distribuição. Encontrado o devedor, ou bens deste, o
desarquivamento será imediato, e a execução retomará curso.
É da decisão de arquivamento que tem início a contagem do prazo prescricional
intercorrente: se, após o arquivamento, correrem cinco anos sem que ocorra a situação que
determine o desarquivamento do processo, terá ocorrido a prescrição intercorrente.
A redação do § 4º do artigo supra é um tanto confusa, pois determina oitiva da
Fazenda que, a rigor, seria inútil, e fala que o juiz “poderá” reconhecer a prescrição de
ofício, o que na verdade seria um dever. Sobre a oitiva da Fazenda, esta é mesmo
considerada uma necessidade, como se vê no Ag.Rg. no REsp. 1.001.001:

“AgRg no REsp 1001001 / RS. DJe 29/04/2009.


TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO
RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. ART. 40 DA LEI 6.830/80.
PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. NÃO-OCORRÊNCIA. POSSIBILIDADE
DE DECRETAÇÃO DE OFÍCIO, DESDE QUE OUVIDA A FAZENDA

Michell Nunes Midlej Maron 128


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

NACIONAL, HIPÓTESE QUE NÃO SE CONFIGUROU NO CASO DOS


AUTOS.
1. Com o advento da Lei 11.051/2004, passou a ser possível a decretação de ofício,
pelo juízo da execução, da prescrição intercorrente, desde que previamente ouvida
a Fazenda Pública, e também tenha transcorrido o lapso temporal de cinco anos do
despacho que ordenou o arquivamento dos autos.
2. Pela observação da regra do art. 40, caput, e § 4º, da Lei 6.830/80, já em vigor à
época da prolação da sentença, a decretação da prescrição intercorrente somente
poderia ser determinada se a FAZENDA NACIONAL tivesse sido previamente
ouvida e desde que transcorridos os cinco anos da decisão que determinou o
arquivamento do feito, o que não ocorreu.
3. Não houve contrariedade à Súmula 7/STJ, uma vez que, conhecido o recurso
especial, impunha-se o julgamento da causa, aplicando-se o direito à espécie, com
o exame acerca da comprovação, ou não, de plano, dos requisitos exigidos para o
reconhecimento da prescrição intercorrente.
4. Agravo regimental desprovido.”

Mesmo que a Fazenda Pública defenda a não ocorrência da prescrição intercorrente,


quando instada a se manifestar, na forma do § 4º do artigo 40 da LEF, é claro que o juízo
não estará vinculado a esta defesa, estando livre para julgar em favor da prescrição.
Uma questão que se coloca, porém, é se este assunto, a prescrição tributária, pode
ou não ser tratado em lei ordinária, como foi. Isto porque o artigo 146, III, “b” da CRFB
exigiria, para tal tema, lei complementar. Veja:

“Art. 146. Cabe à lei complementar:


(...)
III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente
sobre:
(...)
b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;
(...)”

A jurisprudência não acolheu, ainda, esta tese da inadequação formal do


instrumento legal, mesmo que parte da doutrina a defenda. Tem acerto, porém, esta tese
doutrinária, mesmo porque o artigo 2º, § 3º da mesma LEF, que também versa sobre
prescrição, só é aplicável a créditos fiscais não-tributários – que não são sujeitos à reserva
de lei complementar –, o que seria a exata situação deste artigo 40, § 4º. Contudo, ainda
tem sido mantido este critério, de dois pesos e duas medidas, apesar da aparente
contradição.

“Art. 2º - Constitui Dívida Ativa da Fazenda Pública aquela definida como


tributária ou não tributária na Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, com as
alterações posteriores, que estatui normas gerais de direito financeiro para
elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos
Municípios e do Distrito Federal.
(...)
§ 3º - A inscrição, que se constitui no ato de controle administrativo da legalidade,
será feita pelo órgão competente para apurar a liquidez e certeza do crédito e
suspenderá a prescrição, para todos os efeitos de direito, por 180 dias, ou até a
distribuição da execução fiscal, se esta ocorrer antes de findo aquele prazo.
(...)”

Michell Nunes Midlej Maron 129


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

Quem defende que o artigo 40, § 4º, da LEF é perfeitamente constitucional o faz ao
argumento de que se trata de questão meramente processual, que pode ser veiculada por lei
ordinária.
De uma ou de outra forma, a prescrição intercorrente é uma realidade, e a
jurisprudência não vê óbice nesta questão formal. Veja a súmula 314 do STJ:

“Súmula 314, STJ: Em execução fiscal, não localizados bens penhoráveis,


suspende-se o processo por um ano, findo o qual se inicia o prazo da prescrição
qüinqüenal intercorrente.”

Casos Concretos

Questão 1

Em autos de execução fiscal relativo a débito de IPTU, o executado, proprietário


do imóvel segundo o registro de imóveis, ajuíza um objeção de não-executividade alegando
não ser o sujeito passivo da obrigação tributária, já que há uma promessa de compra e
venda, contratada com terceiros, mas não registrada no RGI. Responda
fundamentadamente:
a) Se, de acordo com a jurisprudência dos tribunais superiores, é cabível a referida
objeção na execução fiscal;
b) quais são os requisitos da referida objeção; e
c) se a objeção deve ser deferida.

Resposta à Questão 1

Michell Nunes Midlej Maron 130


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

a) Sim, tem sido perfeitamente admitida a exceção de pré-executividade, quando a


matéria defensiva da execução for de ordem pública, cognoscível de ofício, e
independer de qualquer dilação probatória.

b) Como dito, é preciso que a matéria deduzida seja passível de reconhecimento de


ofício, ou de ordem pública, e ainda que independa de dilação probatória
qualquer.

c) A objeção, na casuística, não deve ser deferida porque a matéria nela deduzida
demanda alta indagação fática, dependente de dilação probatória, o que não se
tolera neste instrumento.

Veja o REsp. 979.970:

“REsp 979970 / SP. DJe 18/06/2008.


PROCESSO CIVIL. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. IPTU. COBRANÇA.
EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. LEGITIMIDADE PASSIVA.
DILAÇÃO PROBATÓRIA. CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA-E-
VENDA. PROPRIETÁRIO E POSSUIDOR. CONCOMITÂNCIA.
1. A exceção de pré-executividade é servil à suscitação de questões que devam ser
conhecidas de ofício pelo juiz, como as atinentes à liquidez do título executivo, aos
pressupostos processuais e às condições da ação executiva.
2. A invocação de ilegitimidade passiva ad causam, via exceção de pré-
executividade, afigura-se escorreita, uma vez cediço na Turma que o novel
incidente é apto a veicular a ausência das condições da ação. Faz-se mister,
contudo, a desnecessidade de dilação probatória (exceção secundum eventus
probationis), porquanto a situação jurídica a engendrar o referido ato processual
deve ser demonstrada de plano.
3. In casu, o indeferimento do pedido deveu-se à inexistência de comprovação do
compromisso de compra e venda e do registro translatício do domínio no cartório
competente, malogrando o recorrente a infirmação da certeza, da liquidez ou da
exigibilidade do título, mediante inequívoca prova documental.
4. Ademais, o possuidor, na qualidade de promitente-comprador, pode ser
considerado contribuinte do IPTU, conjuntamente com o proprietário do imóvel,
responsável pelo seu pagamento. (Precedentes: RESP n.º 784.101/SP, deste relator,
DJ de 30.10.2006; REsp 774720 /RJ; Relator Ministro Teori Albino Zavascki DJ
12.06.2006; REsp 793073/RS Relator Ministro Castro Meira DJ 20.02.2006;
REsp 712.998/RJ, Rel. Ministro Herman Benjamin, DJ 08.02.2008; REsp
774720 /RJ, Relator Ministro Teori Albino Zavascki, DJ 12.06.2006)
5. O art. 34 do CTN estabelece que contribuinte do IPTU "é o proprietário do
imóvel, o titular do seu domínio útil, ou o seu possuidor a qualquer título".
6. A existência de possuidor apto a ser considerado contribuinte do IPTU não
implica a exclusão automática, do pólo passivo da obrigação tributária, do titular
do domínio (assim entendido aquele que tem a propriedade registrada no Registro
de Imóveis).
7. Recurso Especial desprovido.”

Questão 2

O Município do Rio de Janeiro ajuíza execução fiscal em face de JOÃO PINTO,


cobrando-lhe débito referente ao IPTU dos exercícios de 2004 e 2005.

Michell Nunes Midlej Maron 131


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

JOÃO, alegando a flagrante inconstitucionalidade da aplicação da alíquota


progressiva, impetra um Mandado de Segurança onde afirma também já existir sentença
em ação de repetição de indébito por ele aforada, não transitada em julgado,
reconhecendo a nulidade dos respectivos lançamentos, alegando assim que o crédito
objeto da execução não existe, razão pela qual sua exigibilidade tem de ser suspensa.
Como você decidiria o Mandado de Segurança?

Resposta à Questão 2

O artigo 5º, II, da Lei 1.533/51, estabelece que se há outro meio processual para
adentrar na questão, o mandamus não é tolerado. Veja:

“Art. 5º - Não se dará mandado de segurança quando se tratar:


(...)
II - de despacho ou decisão judicial, quando haja recurso previsto nas leis
processuais ou possa ser modificado por via de correção.
(...)”

No caso, cabiam embargos à execução, que mesmo não sendo recurso eram a via a
ser perseguida, subsumindo-se, por interpretação extensiva, ao artigo supra.
Ademais, se conhecido o mandado de segurança, a mera existência da ação de
repetição não confere direito líquido e certo ao impetrante, o que torna a ordem indeferível.
Veja a Apelação Cível 2005.001.20683:

“APELACAO 2005.001.20683. DES. RAUL CELSO LINS E SILVA -


Julgamento: 19/10/2005 - DECIMA SETIMA CAMARA CIVEL.
MANDADO DE SEGURANÇA. PRETENSÃO DE SUSPENDER
EXIGIBILIDADE DE CRÉDITO TRIBUTÁRIO. ALEGAÇÃO DE
EXISTÊNCIA DE AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO EM TRÂMITE
ENTRE AS MESMAS PARTES. SITUAÇÃO QUE NÃO CONFIGURA
DIREITO LÍQUIDO E CERTO DO CONTRIBUINTE. PLEITO QUE DEVE SER
FORMULADO NA VIA PROCESSUAL ADEQUADA. MANUTENÇÃO DA
SENTENÇA, COM O CONHECIMENTO E IMPROVIMENTO DO RECURSO.”

Questão 3

JOAQUIM ALVES propôs Execução por Título Extrajudicial contra MAX JOÃO
SANTOS e sua esposa MARIA SANTOS, para a cobrança de quantia de R$ 128.270,00
(cento e vinte oito mil, duzentos e setenta reais), emprestada por meio de escritura pública
de abertura de crédito rotativo com garantia hipotecária. Transitada em julgado a decisão
que desacolheu os embargos à execução, promoveu-se a reavaliação do bem penhorado,
estimando-o em R$ 100.000,00 (cem mil reais), publicando-se, assim, o edital de praça.
Contudo, a Fazenda Pública Estadual, afirmando ser credora de débitos fiscais no valor
de R$ 116.800,00 (cento e dezesseis mil e oitocentos reais) da empresa AÇO BOM
Siderurgia Ltda., que tem como coobrigado o então executado, MAX JOÃO SANTOS,
requereu a destinação do valor apurado na praça aos cofres públicos. Responda,
fundamentadamente, se o pleito da Fazenda Pública deve ser atendido.

Resposta à Questão 3

Michell Nunes Midlej Maron 132


EMERJ – CP IV Direito Tributário IV

Quando há concurso de preferências, o fisco estará privilegiado somente quando já


há execução fiscal ajuizada por ele. Não pode a Fazenda, simplesmente, adentrar a
execução procedida por outro credor e pretender, pelo atravessamento desta execução,
haver seu privilégio. A Fazenda está errada.
Veja o REsp. 263.593:

“REsp 263593 / MG. DJ 27/09/2004 p. 361.


PROCESSO CIVIL - RECURSO ESPECIAL - EXECUÇÃO POR TÍTULO
EXTRAJUDICIAL - IMÓVEL PENHORADO - INTERVENÇÃO DA FAZENDA
PÚBLICA ESTADUAL - PRETENSÃO DE RECEBER CRÉDITO DO
EXECUTADO – ADJUDICAÇÃO CONDICIONADA AO DEPÓSITO DO
VALOR DO BEM - GARANTIA DO DIREITO DE PREFERÊNCIA DA
FAZENDA - IMPOSSIBILIDADE - INEXISTÊNCIA DA PREFERÊNCIA -
AUSÊNCIA DE EXECUÇÃO FISCAL E DE PENHORA SOBRE O MESMO
IMÓVEL - DISSÍDIO PRETORIANO COMPROVADO.
1 - Esta Corte de Uniformização Infraconstitucional tem decidido que, a teor do
art. 255 e parágrafos do RISTJ, para comprovação e apreciação do dissídio
jurisprudencial, devem ser mencionadas e expostas as circunstâncias que
identificam ou assemelham os casos confrontados, bem como juntadas cópias
integrais de tais julgados ou, ainda, citado repositório oficial de jurisprudência. In
casu, foi realizado o devido cotejo analítico, tendo sido, também, juntado o inteiro
teor dos acórdãos paradigmas, motivo pelo qual deve-se conhecer da divergência
aventada.
2 - É inadmissível a intervenção da Fazenda Pública, por simples petição, em
processo de execução a que é alheia, pretendendo a percepção de crédito dito
privilegiado. Assim, não há que se falar em garantir tal crédito, por meio de
depósito, porquanto inexistente o necessário ajuizamento de execução fiscal, com
penhora sobre o bem já penhorado.
3 - Precedentes (REsp nºs 33.902/SP e 165.783/SP).
4 - Recurso conhecido e provido para, reformando o v. acórdão de origem, afastar
a exigência do depósito.”

Michell Nunes Midlej Maron 133

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